190
FATORES SOCIOCULTURAIS NA MODELAGEM DE PROCESSOS DE NEGÓCIOS Américo Brígido Cunha Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Engenharia de Produção. Orientador: Alberto Gabbay Canen Rio de Janeiro Novembro de 2009 COPPE/UFRJ COPPE/UFRJ

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FATORES SOCIOCULTURAIS NA MODELAGEM DE PROCESSOS DE

NEGÓCIOS

Américo Brígido Cunha

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Engenharia de Produção,

COPPE, da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Doutor em Engenharia de

Produção.

Orientador: Alberto Gabbay Canen

Rio de Janeiro

Novembro de 2009

COPPE/UFRJCOPPE/UFRJ

FATORES SOCIOCULTURAIS NA MODELAGEM DE PROCESSOS DE

NEGÓCIOS

Américo Brígido Cunha

TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO INSTITUTO ALBERTO LUIZ

COIMBRA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA DE ENGENHARIA (COPPE) DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS

REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM

CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO.

Examinada por:

________________________________________________

Prof. Alberto Gabbay Canen, D.Sc.

________________________________________________

Prof. Ana Canen, Ph.D.

________________________________________________

Prof. Francisco José de Castro Moura Duarte, D.Sc.

________________________________________________

Prof. Luiz Fernando Loureiro Legey, Ph.D.

________________________________________________

Prof. Paulo Roberto Tavares Dalcol, Ph.D.

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL

NOVEMBRO DE 2009

iii

Cunha, Américo Brígido

Fatores Socioculturais na Modelagem de Processos de

Negócios / Américo Brígido Cunha. – Rio de Janeiro:

UFRJ/COPPE, 2009.

XV, 175 p.: il.; 29,7 cm.

Orientador: Alberto Gabbay Canen

Tese (doutorado) – UFRJ/ COPPE/ Programa de

Engenharia Produção, 2009.

Referencias Bibliográficas: p. 158-167.

1. Multiculturalismo. 2. Processos de Negócios. 3.

Modelagem. I. Canen, Alberto Gabbay. II. Universidade

Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Programa de

Engenharia Produção. III. Título.

iv

DEDICATÓRIA

À Roberta e João Vitor, razões da minha vida, do meu pensar e do meu ser. Sem

eles nenhum esforço teria sentido.

Aos meus pais Salete e José Américo que não pouparam esforços, mesmo nos

tempos difíceis, para minha formação educacional, ética e moral.

v

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Professor Alberto Gabbay Canen, sempre presente, sem

medir esforços, nos mais diversos momentos, bons e complicados, para lidar com um

trabalho desafiador.

À Professora Miriam Capretz da Western Ontario Unversity pela acolhida no

Canadá e por ter colocado a disposição da pesquisa uma infra-estrutura educacional e

tecnológica de primeira grandeza.

À Engenheira Roberta de Macedo Familiar, que além de esposa e mãe carinhosa,

com paciência e presteza sem limites, leu e revisou todos os meus manuscritos.

À Professora Fátima Cunha, minha tia do coração, que sempre me acompanhou

e incentivou nos desafios acadêmicos, da alfabetização ao Doutorado.

Aos professores e colegas da COPPE / UFRJ, que juntos criam um ambiente

fértil de idéias para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no Rio de Janeiro.

Aos funcionários Claudete, Roberta, Diogo, Pedrinho, Diego e em especial para

Fátima pela cordialidade e apoio, em todos os momentos, inclusive nas ―urgências‖ e

―emergências‖.

Aos professores, amigos e meus alunos do CEFET-RJ que compartilharam os

meus momentos de sacrifício com muito apoio e carinho.

À Professora Thereza Penna Firme que nos momentos de aflição, soube com

delicadeza e poucas palavras, traduzir a complexidade em soluções simples.

À Professora Rosemar Duarte Gisbert por ajudar no desafio que é entender e se

expressar na nossa língua portuguesa.

À Professora Ana Canen pelas críticas delicadas e precisas que ajudaram no

desenvolver de um trabalho interdisciplinar estruturado.

Ao Professor Michel Jean-Marie Thiollent pela luz da metodologia científica

lançada sobre o trabalho.

vi

Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários

para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.)

FATORES SOCIOCULTURAIS NA MODELAGEM DE PROCESSOS DE

NEGÓCIOS

Américo Brígido Cunha

Novembro/2009

Orientador: Alberto Gabbay Canen

Programa: Engenharia Produção

A pesquisa avalia o desenvolvimento de modelos de processos de negócios em

ambientes organizacionais multiculturais. O estudo avalia fatores técnicos e

socioculturais durante a modelagem de processos com base nas percepções de grupos de

trabalho multiculturais. O objetivo é desenvolver um quadro de pesquisa, com base em

um estudo de caso, que avalie como os fatores técnicos e socioculturais influenciam as

atividades de trabalho e nos resultados da modelagem de processos de negócios em

ambientes multiculturais.

vii

Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the

requirements for the degree of Doctor of Science (D.Sc.)

SOCIO-CULTURAL FACTORS IN THE BUSINESS PROCESS MODELING

Américo Brígido Cunha

November/2009

Advisor: Alberto Gabbay Canen

Department: Production Engineering

The research evaluates the development of business process models in cross-

cultural organizational environments. The study evaluates technical and socio-cultural

factors based on multicultural workgroup perceptions during the business process

modeling development. The objective is to develop a research framework, based on a

study case that evaluates of how technical and socio-cultural factors affect the working

activities and the results of the business process modeling in cross-cultural

environments.

viii

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA ........................................................................................................................................ iv

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................... v

SUMÁRIO ................................................................................................................................................ viii

LISTA DE FIGURAS .............................................................................................................................. xii

LISTA DE TABELAS ............................................................................................................................. xiv

LISTA DE QUADROS............................................................................................................................ xiv

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................................. xv

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 1

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO .............................................................................................................. 3

1.2 OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS SOB UMA PERSPECTIVA MULTICULTURAL ......... 4

1.3 BASE CONCEITUAL E TEÓRICA ............................................................................................. 6

1.4 O PROBLEMA DE PESQUISA .................................................................................................. 10

1.4.1 Interrogante geral da pesquisa ............................................................................................ 12

1.4.2 Objetivos............................................................................................................................. 12

1.4.3 Objeto de Investigação ....................................................................................................... 13

1.5 JUSTIFICATIVA ......................................................................................................................... 14

1.6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................................. 15

1.7 ORGANIZAÇÃO DO RELATÓRIO DE PESQUISA ................................................................ 17

1.8 ESCOPO E PREMISSAS BÁSICAS .......................................................................................... 18

1.9 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO ............................................................................. 19

2 OS MODELOS E OS PROCESSOS DE NEGÓCIOS............................................................ 20

2.1 OS MODELOS NOS ESTUDOS DE ENGENHARIA E GESTÃO ........................................... 22

2.1.1 Conceituação de modelagem e modelos ............................................................................. 22

2.1.2 Relações entre teorias, modelos e realidade ....................................................................... 25

2.1.3 Modelagem como um processo de diálogo ......................................................................... 26

2.1.4 Modelagem como um processo interativo .......................................................................... 28

2.2 O DESENVOLVIMENTO DE MODELOS DE PROCESSOS DE NEGÓCIOS ....................... 30

ix

2.2.1 Ciclo de vida dos processos de negócios ............................................................................ 31

2.2.2 Etapas da modelagem de processos de negócios ................................................................ 34

2.2.3 Principais técnicas de processos de negócios ..................................................................... 35

2.2.4 Perspectivas filosóficas dos processos de negócios ............................................................ 38

2.2.5 Os processos de negócios como sistemas complexos ......................................................... 42

2.3 VERIFICAÇÃO, VALIDAÇÃO E QUALIDADE DE MODELOS ........................................... 44

2.3.1 Verificação ......................................................................................................................... 47

2.3.2 Validação ............................................................................................................................ 48

2.3.3 Qualidade na modelagem ................................................................................................... 50

2.4 APLICAÇÕES DE PROCESSOS DE NEGÓCIOS .................................................................... 54

2.4.1 Tipos de atividades nos processos de negócios .................................................................. 55

2.4.1.1 Classificação quanto às características intrínsecas das atividades ...................................... 55

2.4.1.2 Classificação quanto à orientação da divisão das atividades .............................................. 56

2.4.2 Tipos de sistemas para suporte ao processo ........................................................................ 57

2.4.2.1 Classificação quanto à natureza dos recursos do processo ................................................. 58

2.4.2.2 Classificação quanto à estrutura e predicabilidade do processo ......................................... 59

2.4.3 Sistemas de gerenciamento de Workflow ........................................................................... 60

2.5 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO ............................................................................. 62

3 AVALIAÇÃO DE FATORES SOCIOCULTURAIS .............................................................. 64

3.1 PERCEPÇÃO, DECISÃO E COMPLEXIDADE ........................................................................ 66

3.1.1 O processo perceptivo ........................................................................................................ 67

3.1.2 O processo de decisão ......................................................................................................... 68

3.1.3 A influência de fatores culturais em decisões complexas ................................................... 70

3.2 OS ESTUDOS DA PERSONALIDADE ..................................................................................... 71

3.2.1 Traços de personalidade ..................................................................................................... 72

3.3 CULTURA E VALORES ............................................................................................................ 75

3.3.1 Definições de cultura .......................................................................................................... 75

3.3.2 Cultura organizacional ........................................................................................................ 76

3.3.3 Valores ................................................................................................................................ 79

3.4 MODELOS DE AVALIAÇÃO MULTICULTURAL ................................................................. 80

x

3.4.1 Dimensões culturais de Hofstede ........................................................................................ 82

3.4.2 Dimensões culturais de Trompenaars ................................................................................. 85

3.4.3 Dimensões culturais do projeto GLOBE ............................................................................ 87

3.5 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO ............................................................................. 88

4 QUADRO DE ANÁLISE SOCIOCULTURAL NA MODELAGEM DE PROCESSOS..... 90

4.1 AÇÕES EXPLÍCITAS E IMPLÍCITAS DA MODELAGEM ..................................................... 91

4.1.1 Características predominantes do trabalho de modelagem ................................................. 97

4.1.2 Acessibilidade às informações, comportamentos e atitudes ............................................... 98

4.2 CONTEXTO REAL E ABSTRATO DO PROCESSO DE MODELAGEM............................... 98

4.2.1 Comparação entre modelos através de fatores de qualidade ............................................... 99

4.2.2 Diferenças Culturais Mensuradas por Modelos Dimensionais ......................................... 100

4.2.3 A Personalidade dos Indivíduos representada por Traços de Personalidades ................... 101

4.3 INVESTIGAÇÃO DOS FATORES SOCIOCULTURAIS NA MODELAGEM ...................... 102

4.4 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO ........................................................................... 104

5 ANÁLISE DE UM CASO EMPRESARIAL MULTICULTURAL NO BRASIL .............. 105

5.1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 105

5.2 OS CONTEXTOS EMPRESARIAL E SOCIAL DA PESQUISA ............................................ 106

5.2.1 As mudanças conjunturais e a presença multicultural ...................................................... 106

5.2.2 Delimitação do escopo de investigação ............................................................................ 110

5.3 QUESTÕES METODOLÓGICAS ............................................................................................ 113

5.3.1 Caracterização da pesquisa e de seus participantes .......................................................... 115

5.3.2 A opção por entrevistas abertas e semi-estruturadas ........................................................ 117

5.4 AS ABORDAGENS TEÓRICAS E O PLANO DE COLETA DE DADOS............................. 120

5.4.1 Seleção da população-alvo ............................................................................................... 121

5.4.2 Planejamento e estrutura da pesquisa de campo ............................................................... 122

5.4.3 O roteiro das entrevistas ................................................................................................... 123

5.4.4 Limitações e ressalvas ...................................................................................................... 126

5.5 ANÁLISE DO EXPERIMENTO E DA COLETA DE DADOS ............................................... 126

5.5.1 Perfil dos participantes da pesquisa .................................................................................. 128

5.6 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES COLETADAS.................................................................... 129

xi

5.6.1 Evidências e indícios encontrados nas entrevistas ............................................................ 132

5.6.1.1 Decisões centralizadas versus decisões participativas ...................................................... 132

5.6.1.2 Percepções entre a valorização do discurso em relação à ação ......................................... 136

5.6.1.3 Percepções positivas e negativas da criatividade .............................................................. 139

5.7 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA ANÁLISE ................................................................. 141

5.7.1 Comparação com a base de indicadores de Hofstede ....................................................... 141

5.7.2 Os comportamentos influenciando o resultado da modelagem de processos ................... 143

5.7.3 Considerações finais e o desenvolvimento de competências multiculturais ..................... 148

5.8 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO ........................................................................... 150

6 CONCLUSÕES ........................................................................................................................ 151

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................. 158

GLOSSÁRIO .......................................................................................................................................... 168

APÊNDICE 1 – LEVANTAMENTO DE TRABALHOS CIENTÍFICOS CORRELATOS ........... 173

xii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Abordagem metodológica para avaliação de fatores socioculturais. ........................................... 10

Figura 2: Fases da modelagem de processos de negócios. ......................................................................... 12

Figura 3: O contexto da modelagem de negócios investigado. .................................................................. 14

Figura 4: Domínios de conhecimento e etapas da pesquisa. ....................................................................... 16

Figura 5: Atividades, atores e fases da modelagem de processos de negócios. .......................................... 21

Figura 6: Relação entre teoria, realidade e o modelo ................................................................................. 26

Figura 7: Modelagem como um processo de diálogo ................................................................................. 27

Figura 8: As ações de recepção, concepção e representação ...................................................................... 29

Figura 9: As ações do ser humano na modelagem...................................................................................... 29

Figura 10: Modelagem como um modelo de interações ............................................................................. 30

Figura 11: Ciclo de vida dos processos de negócios .................................................................................. 32

Figura 12: Método para processos de negócios .......................................................................................... 35

Figura 13: As diferentes perspectivas organizacionais no modelo ARIS .................................................... 37

Figura 14: Perspectivas influenciadoras da modelagem de processos ........................................................ 38

Figura 15: Relação entre teoria, realidade e o modelo ............................................................................... 39

Figura 16: Paradigmas das perspectivas de processos de negócios ............................................................ 42

Figura 17: Verificação e validade de modelos de processos ...................................................................... 48

Figura 18: Abordagens para validação de modelos de gestão .................................................................... 50

Figura 19: Quadro para avaliação da qualidade de modelos ...................................................................... 53

Figura 20: Propriedades da qualidade da modelagem de processos ........................................................... 54

Figura 21: Atividades e sistemas de suporte orientados a processos .......................................................... 60

Figura 22: Arquitetura simplificada de um sistema de Workflow ............................................................... 62

Figura 23: Os três níveis da programação mental....................................................................................... 65

Figura 24: O processo perceptivo e decisório ............................................................................................. 67

Figura 25: Fatores que influenciam a percepção ........................................................................................ 68

Figura 26: A influência social sobre comportamentos, atitudes e atividades ............................................. 77

Figura 27: Características do trabalho em ambiente multicultural. ............................................................ 79

xiii

Figura 28: Quadro de análise sociocultural para a modelagem de processos. ............................................ 93

Figura 29: Interações entre o objeto de estudo, teorias, métodos e técnicas. .............................................. 99

Figura 30: Fatores de qualidade e diferenças nos modelos de processos. ................................................ 100

Figura 31: Diferenças entre grupos de trabalho e as dimensões culturais. ............................................... 101

Figura 32: A personalidade dos indivíduos e os traços de personalidade. ................................................ 102

Figura 33: Modelo de investigação, conceitos, dimensões e proposições. ............................................... 103

Figura 34: Indicadores teóricos para avaliar as proposições de pesquisa. ................................................ 104

Figura 35: Eventos históricos da empresa IBOS entre 1999 e 2003. ........................................................ 109

Figura 36: Delimitação do escopo de investigação na empresa IBOS. .................................................... 111

Figura 37: Interações multiculturais durante a modelagem. ..................................................................... 112

Figura 38: Aspectos temporais da coleta de dados e da análise do caso. ................................................. 117

Figura 39: Estrutura e planejamento do quadro de investigação. ............................................................. 120

Figura 40: Comparação dos dados coletados com os indicadores de Hofstede. ....................................... 121

Figura 41: Processo de análise de dados via software ATLAS.ti ............................................................. 130

Figura 42: Relações entre categorias associadas ao tipo de decisão. ........................................................ 134

Figura 43: Citações sobre o pouco questionamento dos brasileiros às lideranças. ................................... 136

Figura 44: Percepções entre a valorização do discurso em relação à ação. .............................................. 138

Figura 45: Relações entre as percepções positivas e negativas da criatividade. ....................................... 140

Figura 46: Dimensões culturais de Hofstede para brasileiros e canadenses. ............................................ 142

Figura 47: Comportamentos adequados e inadequados em cada etapa da modelagem. ........................... 144

Figura 48: Comportamentos positivos para os requisitos e de elaboração do modelo. ............................ 145

Figura 49: Comportamentos positivos na verificação, validação de qualidade do modelo. ..................... 146

Figura 50: Dualismo entre a centralização das decisões e da execução on-the-fly. .................................. 148

xiv

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Seleção da população-alvo de brasileiros ................................................................................. 122

Tabela 2: Seleção da população-alvo de canadenses ................................................................................ 122

Tabela 3: Dimensões culturais para brasileiros e canadenses de acordo com o modelo de Hofstede. ..... 141

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Estrutura capitular da tese ......................................................................................................... 17

Quadro 2: Semântica das atividades da modelagem conceitual. ................................................................ 25

Quadro 3: Características do insucesso na modelagem de processos de negócios . ................................... 45

Quadro 4: Abordagens clássicas da qualidade aplicada aos modelos de processos de negócios. ............... 50

Quadro 5: Indicadores de qualidade nos estudos de modelagem e simulação. ........................................... 51

Quadro 6: Questões sobre a personalidade na modelagem. ........................................................................ 74

Quadro 7: Questões sobre as dimensões culturais de Hofstede na modelagem .......................................... 84

Quadro 8: Dimensões culturais de Trompenaars ........................................................................................ 86

Quadro 9: Referenciais teóricos para as etapas de investigação da modelagem. ........................................ 92

Quadro 10: Caracterização do trabalho executado na modelagem de processos. ....................................... 94

Quadro 11: Aspectos explícitos e implícitos da modelagem. ..................................................................... 96

Quadro 12: Roteiro utilizado nas entrevistas ............................................................................................ 124

Quadro 13: Perfil dos entrevistados.......................................................................................................... 128

Quadro 14: Temas de análise com maior número de citações. ................................................................. 131

xv

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

A2A Application-to-Application

ABC Activity-Based Costing

BPM Business Process Management ou Gestão de Processos de Negócios

BPMN Business Process Modeling Notation

BPMS Business Process Management Systems

BPR Business Process Engineering ou Reengenharia de Processos de Negócios

CDD Complex Decision Making

CSCW Computer Supported Cooperative Work

DER Diagramas de Entidade e Relacionamento

DFD Diagramas de Fluxos de Dados

EPC Event Driven Process Chains

ERP Enterprise Resource Planning (vide SIGE)

FRISCO Framework of Information System Concepts

GLOBE Global Leadership and Organizational Behaviour Effectiveness

GoM Guidelines of Modeling

IEEE Institute of Electrical and Electronics Engineers

MBTI Indicador de Tipos Myers-Briggs ou Myers-Briggs Type Indicator

OMG Object Management Group

P2A Person-to-Application

P2P Person-to-Person

PAIS Process Aware Information Systems

QDA Qualitative Data Analysis software ou software para Análise Qualitativa de Dados

SI Sistemas de Informações

SIGE Sistemas Integrados de Gestão Empresarial (vide ERP)

SME Subject Matter Expert.

TI Tecnologia de Informação

UML Unified Modeling Language

WfMC Workflow Management Coalition

WfMS Workflow Management Systems

1

1 INTRODUÇÃO

As organizações estão incorporando um número crescente de atores distribuídos

globalmente nos sistemas produtivos. Uma correta percepção sobre as diferenças de

comportamento entre estes atores é essencial para um bom desempenho num ambiente

de trabalho globalizado. Embora a pluralidade cultural seja uma realidade na gestão da

produção e operações, ainda existem questões em aberto relacionadas aos benefícios e

problemas originados pela diversidade. Que tipo de conhecimento, teorias e

competências poderiam ser úteis na formação dos engenheiros de produção para lidar

com as diferenças individuais dos sistemas de produção globalizados?

Os sistemas operacionais e de produção atuais estão cada vez mais complexos,

heterogêneos e distribuídos globalmente. O fenômeno da globalização colocou

indivíduos com culturas e valores distintos trabalhando em conjunto para atingirem

resultados comuns dentro das organizações. Neste ambiente de trabalho com alta

diversidade podem surgir conflitos de base ideológica entre profissionais de locais

distintos, que podem ser potencializados por preferências pessoais de padrões

tecnológicos, operacionais e, eventualmente, fatores socioculturais. O presente trabalho

escolheu a modelagem de processos de negócios como pano de fundo para a

investigação de potenciais fontes de conflito ou, se bem trabalhados, de benefícios da

diversidade cultural.

A diversidade cultural permite a coexistência de posturas, propósitos e atitudes

que podem ser favoráveis ou prejudiciais ao desempenho organizacional. Um alto grau

de diversidade cultural pode promover visões distintas, nem sempre harmoniosas,

dentro de um grupo de trabalho sobre a realidade a ser representada pelos modelos de

2

processos. Se a presença de várias identidades culturais no ambiente de negócios é cada

vez mais comum, pode-se questionar se o ato de modelar é realmente um retrato claro,

preciso e consistente. Além disso, questiona-se também se os modelos produzidos

podem ser usados como um canal de comunicação comum e plenamente entendido

pelos diversos membros das organizações. Por outro lado, equipes multiculturais

tendem a discutir os problemas sob uma gama de perspectivas mais abrangentes

produzindo análises mais consistentes e decisões potencialmente mais aceitas pelo

grupo. Alinhamento, eficiência e diversidade cultural não são necessariamente

fenômenos antagônicos, apesar de muitos casos reais tenderem mais para os aspectos

negativos do que positivos.

Os modelos de processos interferem intimamente na forma de uma empresa

operar. Eles são usados como fontes para treinamento, descrição dos procedimentos de

trabalho no dia-a-dia e, principalmente, no desenvolvimento de sistemas de informações

para suporte e coordenação de atividades administrativas e operacionais. Se por um lado

a diversidade pode atuar como um complicador na elaboração destes modelos, por outro

tem o potencial incorporar perspectivas de análise diferentes tornando-os mais

consistentes. Uma investigação de como identidades culturais distintas traduzem os

sistemas organizacionais em modelos de processos pode prover reflexões importantes

sobre sua qualidade e efetividade. A questão-chave da pesquisa é avaliar como os

fatores socioculturais podem atuar como conectores ou promover lacunas entre os

modelos produzidos e as expectativas dos diversos atores dos sistemas de produção

atuais.

Este capítulo tem início com a contextualização dos fenômenos que motivam a

presente pesquisa. A seguir, apresenta-se uma breve discussão sobre a evolução dos

sistemas produtivos e organizacionais e sua representação por modelos de processos de

negócios. No próximo tópico, o multiculturalismo é contextualizado e proposto como

uma nova perspectiva ao estudo da pluralidade nos sistemas produtivos. Posteriormente,

são apresentados o problema de pesquisa, os objetivos, a delimitação do escopo e a

questão de partida. Por fim, discute-se a justificativa da pesquisa, a descrição dos

procedimentos metodológicos e apresenta-se a organização do relatório de pesquisa.

3

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

O desenvolvimento de modelos para representação de organizações, sistemas de

trabalho e de informações vem sendo objeto de estudo há muitos anos nos meios

acadêmico e de consultoria. Um modelo é uma representação explícita de parte da

realidade como ela é vista e interpretada por pessoas que desejam utilizá-lo ―para

entender, mudar, gerenciar e controlar esta parte da realidade de alguma forma‖ (Pidd,

1999). Ainda segundo Pidd, a modelagem nos estudos de gestão tem dois objetivos

básicos: o primeiro é ajudar na compreensão de fenômenos complexos, possibilitando a

previsão do seu comportamento futuro e explorando as consequências de determinadas

ações antes que elas efetivamente aconteçam; o segundo está relacionado ao

desenvolvimento de sistemas de suporte à decisão e outros artefatos tecnológicos

destinados à automação de uma parcela das atividades de gestão e controle de uma

organização.

A questão central do trabalho está relacionada ao desdobramento das palavras

―visão‖ e ―interpretação‖ dos argumentos de Pidd (1999) como aspectos relevantes na

atividade de modelagem. Os modelos de sistemas têm a intenção de representar as

principais funcionalidades de um conjunto de elementos interconectados, os quais

podem ser transferidos através de inovações tecnológicas para as operações reais (Pidd,

2004). Os argumentos de Pidd (1999; 2004) combinam duas perspectivas relevantes

para a questão central da pesquisa: a primeira relaciona ações como visão, percepção e

interpretação, que são inerentes a cada indivíduo; na segunda, o processo de trabalho

para representação de sistemas reais em modelos simplificados, que atuam como

facilitadores para a compreensão da realidade. O trabalho de pesquisa endereça essas

duas perspectivas em uma investigação sobre os comportamentos e atitudes do ser

humano durante as atividades de trabalho da modelagem. A partir de visões e

interpretações individuais, é plausível afirmar que indivíduos com identidades culturais

diferentes possam divergir em termos de fatores, variáveis e dimensões de um sistema

real que deveriam ser representados em um modelo.

Potenciais problemas surgem quando diferentes modelos direcionam ações

conflitantes dentro das organizações. Com base nos argumentos de Pidd (1999), pode-se

inferir que, ao avaliar um contexto, os indivíduos usam lentes e processos mentais

moldados por seu conhecimento prévio, raciocínio lógico, experiências, cultura, valores

e normas que foram desenvolvidos ao longo de sua vida social e profissional. Lentes e

4

processos mentais pessoais são metáforas associadas ao conceito de identidade cultural

também abordado por Hofstede (1991). Supondo que essas lentes individuais ―filtram‖

elementos da realidade a serem modelados, pode-se questionar quais fatores levariam os

indivíduos a interpretar uma mesma situação de forma semelhante ou diferente e,

posteriormente, quais as consequências deste fato nos modelos de processos de negócios

e sua utilização na organização.

1.2 OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS SOB UMA PERSPECTIVA

MULTICULTURAL

A complexidade dos sistemas de produção e da estrutura das indústrias são

consequências da conjunção de inovações tecnológicas e fenômenos socioculturais. De

um lado estão os avanços tecnológicos nas Tecnologias de Informação e Comunicação

(TIC), softwares, automação e ferramentas informatizadas de planejamento, controle e

logística, que são os focos centrais dos diversos ramos da engenharia ligados à produção

industrial (Fleury e Fleury, 2007). Do outro está um fenômeno abstrato que é o aumento

da intensidade das interações sociais e culturais entre atores produtivos distintos e

dispersos mundialmente.

Dentre as evoluções, os avanços nas TIC tiveram influência significativa tanto

no lado tecnológico quanto nos aspectos socioculturais da organização do trabalho.

Zammuto et al. (2007) descreveram o processo de mudança da informação centralizada

e hierarquizada para uma distribuição mais equânime entre os atores do sistema

produtivo. O ponto comum nas transformações descritas por Zammuto et al (2007),

Pentland & Feldman (2007) e M. T. Fleury (1999) é o aumento do grau de inter-relação

entre os aspectos tecnológicos, organizacionais e sociais potencializados pelas novas

tecnologias disponíveis. Walsh, Meyer, & Schoonhoven (2006) sintetizaram

notavelmente esta espiral de mudanças: ―avanços na TIC levaram a empresa para o

mundo, mas também trouxeram o mundo para dentro da organização‖. As TIC atuam

como catalisadores para o aumento sistemático das interações das mais diversas ordens

dentro das atividades produtivas, envolvendo aspectos tecnológicos, sociais e culturais.

Uma das diferenças básicas entre a época de Taylor, Ford, Sloan (Taylor, 2006;

Barnes, 1999); e os dias de hoje é que as informações e os atores não são tão explícitos

quanto eram no passado. Com o passar do tempo, os modelos organizacionais

começaram a ter vários propósitos: desde uma simples descrição funcional de atividades

5

até ser o insumo básico para os sistemas informatizados (Marrs e Mundt, 2001). As TIC

possibilitaram que os sistemas de informação passassem a atuar na conexão e

coordenação entre os diversos atores produtivos. Neste contexto, os modelos de

processos de negócios são um dos principais insumos para o desenvolvimento dos

sistemas de informação. Sem um modelo de processo consistente, a coordenação das

atividades entre as unidades operacionais será colocada em risco na organização como

um todo.

Outro fato decorrente das evoluções tecnológicas é que as organizações

tornaram-se sistemas dinâmicos, complexos e em constante mutação. Elas são formadas

por diversos componentes heterogêneos que interagem entre si com diversos padrões de

relacionamento e comportamento, sendo alguns previsíveis e outros não. A

complexidade das organizações pode ser entendida a partir das visões de Morin (2003)

sobre o pensamento complexo. Primeiramente, a informação somente tem sentido em

relação a uma determinada situação, a um contexto. O segundo ponto destaca crítica à

postura reducionista tão utilizada pelas ciências tecnológicas, que despreza elementos

do efeito sistêmico e compartimenta conhecimentos que poderiam atuar conjuntamente.

O terceiro aspecto é a crítica à especialização que teve como consequencia o isolamento

do objeto em estudo do seu contexto. O objeto em estudo foi compartimentado e

estudado dentro de certos limites teóricos que quebraram ―a sistemicidade e a

multidimensionalidade dos fenômenos‖ reais (Morin, 2003). O pensamento complexo

não é uma consequência do método escolhido, mas sim um pré-requisito para

entendimento dos fenômenos organizacionais de hoje.

Há algumas décadas, o foco principal do Engenheiro de Produção era o operário,

as instalações e a integração desses dois ―fatores de produção‖ para obter maior

produtividade dos processos industriais. O trabalho se desenvolvia basicamente dentro

de organizações locais, fundamentalmente mecanicistas e burocráticas. Em geral, os

problemas dessas organizações limitavam-se às fronteiras de suas próprias instalações.

Hoje, esses problemas são muito mais complexos, interconectados e globais; não

existem maneiras do Engenheiro de Produção trabalhar sem confrontar vieses

paradigmáticos, ideológicos e normativos locais com os de outros pontos remotos da

rede de produção e distribuição da corporação.

6

1.3 BASE CONCEITUAL E TEÓRICA

O presente trabalho articula duas áreas de conhecimento principais: a da

modelagem de processos de negócios e a dos estudos sobre cultura, valores e

personalidade. Dentro da primeira, o foco da investigação são as atividades de trabalho

durante o desenvolvimento, verificação e validação de modelos de processos de

negócios e sua posterior utilização em artefatos tecnológicos dentro das organizações.

Na segunda, a pesquisa procura identificar e avaliar fatores socioculturais, nem sempre

percebidos claramente, que podem afetar as atividades desenvolvidas na modelagem. O

termo sociocultural1 foi escolhido, pois o foco da pesquisa são os comportamentos e

atitudes durante as atividades envolvidas no trabalho realizado por um ou mais grupos

sociais durante a elaboração dos modelos de processos de negócios.

A modelagem de processos de negócios é uma ferramenta metodológica para

representação e análise de sistemas organizacionais. Tradicionalmente, um modelo de

processo produtivo é uma representação da progressão das matérias-primas, insumos e

coordenação de atividades até o produto final. Com a integração de todas as partes da

empresa, estes modelos passaram também a ser utilizados para representar atividades

administrativas e de suporte da organização, passando então a serem denominados

processos de negócios (Lindsay, Downs e Lunn, 2003). O termo ―negócios‖ é

interpretado aqui a partir de sua origem etimológica do Latim negotìum, com o

significado de 'ocupação, trabalho', corroborando com os pensamentos de Baldam et al.

(2008). A modelagem de processos de negócios pode, num contexto mais geral, ser

entendida como a representação do sequenciamento, articulação e coordenação de

tarefas entre postos de trabalhos, que inclui a tarefa propriamente dita, recursos,

matérias-primas, informações, pessoas, produtos, estruturas organizacionais e etc.

Na segunda área de conhecimento da pesquisa, os fatores socioculturais são

elementos relativos às interações sociais e culturais decorrentes do trabalho nas

corporações. As corporações atuais estão se transformando em espaços plurais e

distribuídos geograficamente no quais as interações entre indivíduos com identidades

culturais diferentes são mais intensas. O alto grau de diversidade cultural pode ser

conceituado como a presença de pessoas com identidades culturais distintas num

1 Foram analisados dois termos para caracterização dos fatores a serem pesquisados: sociocultural e

psicossocial. De acordo com Houaiss (2009), sociocultural é relativo ao mesmo tempo aos fatores ou

aspectos sociais e culturais de um dado grupo enquanto psicossocial envolve conjuntamente aspectos

psicológicos e sociais.

7

sistema social. A diversidade envolve diversos aspectos como cultura, gênero,

nacionalidade, profissão, religião, economia, classe social, etnia, formação educacional

e etc (Fleury, 1999). Neste contexto, multiculturalismo pode ser definido como uma

característica de grupos sociais culturalmente diferentes, marcados pela diversidade de

raças, etnias, culturas, gênero e outras características convivendo dentro de contexto

sociais (Canen e Canen, 2001). Os fatores socioculturais, como cultura, valores e

personalidade, podem ser pesquisados através da avaliação dos comportamentos e

atitudes durante atividades desenvolvidas dentro do grupo social. No caso especifico da

pesquisa, lança-se uma luz para que os efeitos da pluralidade se tornem aparentes e

passíveis de investigação durante execução das atividades necessárias para a

modelagem de processos de negócios. O entendimento mais profundo dessas relações

de trabalho pode indicar caminhos para o desenvolvimento de habilidades que

enfatizem os aspectos positivos da diversidade.

A competência para trabalhar em ambientes com alto grau de diversidade

cultural não diz respeito apenas a desenvolver habilidades para lidar com estrangeiros.

Os indivíduos devem estar preparados para interagir com pessoas que têm percepções

do mundo diferentes dele próprio (Canen e Canen, 2004, p. 41). Seguindo os

argumentos de Canen e Canen, o autor corrobora com a tese de que todas as

organizações são multiculturais por si, independentemente de sua localização, tamanho

ou nacionalidade. Portanto, os indivíduos e grupos de trabalho dentro das organizações

sempre estiveram expostos a algum tipo e intensidade de diversidade cultural, pois cada

um deles tem sua própria identidade, cultura, valores e personalidade. O autor entende

que os sistemas produtivos globalizados promoveram uma amplificação dos efeitos da

diversidade cultural sobre a organização e, consequentemente, sobre os processos de

negócios e no desenvolvimento de seus modelos.

As impressões sensoriais de um indivíduo nem sempre são traduzidas

mentalmente em retratos fidedignos daquilo que está sendo captado pelos sentidos

humanos. Distorções sensoriais, atenção diferenciada e foco direcionado para partes

específicas da realidade em estudo podem levar a uma concepção parcial do sistema real

(Wagner III e Hollenbeck, 1999; Robbins, 2005). Desta forma, o comportamento e as

decisões do indivíduo têm como base a realidade percebida e não necessariamente a

realidade objetiva. Se em um modelo existirem discrepâncias importantes entre

realidade percebida e a real, os modelos de processos de negócios não serão consistentes

8

com o sistema real a ser modelado, colocando em risco a sua utilização em outras

aplicações. Os quadros de análise baseados em traços de personalidade e em dimensões

culturais, apesar de serem simplificações da identidade complexa de um indivíduo,

podem ajudar a entender como estas impressões sensoriais da realidade objetiva são

percebidas, interpretadas, concebidas e explicitadas através dos seus comportamentos.

A cultura e os valores são elementos centrais no comportamento humano e

afetam a forma como as pessoas reagem e tomam decisões diante das situações do

cotidiano. Existem quadros de análise que representam características da cultura e

valores de forma consolidada, sendo denominadas dimensões culturais. Atualmente, os

quadros de análise mais usados nas pesquisas acadêmicas são os desenvolvidos por

Trompenaars (1994), Hampden-Turner e Trompenaars (2000), Hofstede (1991),

Hofstede e Hofstede (2005) e House et al. (2004). As dimensões culturais são

indicativas de comportamentos, ações e reações dos indivíduos quando determinada

situação ou evento ocorre. Do ponto de vista prático, estes quadros de análise são

utilizados para classificar semelhanças ou diferenças das características culturais e

valores entre grupos sociais distintos. Mesmo com as limitações de representatividade

da identidade cultural através das métricas obtidas nas pesquisas, estes modelos têm

sido usados com frequência e com resultados passíveis de serem empregados e

validados em diversos estudos organizacionais.

A forma como um indivíduo se motiva para interpretar a realidade é influenciada

por sua personalidade. Embora muitos cientistas defendam a tese de que não existe um

único conceito de personalidade comumente aceito, vários métodos foram

desenvolvidos para caracterizar a personalidade humana (Wagner III e Hollenbeck,

1999, p. 40-44; Robbins, 2005, p. 77-86). Estes estudos simplificam o entendimento do

comportamento dos indivíduos, pois propõem uma tipologia própria para a

personalidade humana. Entre os estudos da personalidade destacam-se os trabalhos de

Myers-Briggs (2008) e o Modelo Big Five (Robbins, 2005, p. 78) que procuram

identificar traços característicos da personalidade dos indivíduos. Diferentemente da

análise cultural, estes métodos têm como unidade de análise o indivíduo, porém, da

mesma forma que os quadros de dimensões culturais, eles também são simplificações e

devem ser usados como indicações gerais e não como descrições detalhadas da

personalidade.

9

Uma primeira articulação entre os conceitos de modelagem de processos de

negócios e os fatores socioculturais pode ser discutida em termos de ações explícitas e

implícitas que ocorrem durante o trabalho da modelagem de processos. A primeira

envolve as ações observáveis na execução do trabalho, como atividades para a obtenção

de informações em documentos, observações, entrevistas, diálogos em grupo e da

análise dos sistemas2 implantados na organização. A parte implícita desenvolve-se

internamente nas mentes dos analistas e, portanto, não são passíveis de observação

direta. As etapas implícitas da modelagem podem ser relacionadas ao que Thiollent

(1994) denominou processos cognitivos e normativos em estudos tecnológicos.

Segundo este autor, o aspecto cognitivo está relacionado ao raciocínio lógico associado

à representação mental de um artefato real e da sua concepção. Este raciocínio lógico

tem como base as fundações teóricas da tecnologia. Os aspectos normativos têm

características avaliativas sobre o resultado das ações cognitivas fundamentadas no

raciocínio técnico. Eles incluem as normas sociais, valores, ideologias e cultura que

moldam as atividades técnica, levando em consideração não apenas o caráter

tecnológico, mas também as consequências no contexto social. Estes dois aspectos se

articulam e se interferem mutuamente para tradução da concepção mental em um

produto tecnológico. Usando argumentos semelhantes ao falar sobre os estudos da

organização do trabalho, Thiollent (1987) destaca dois aspectos a serem considerados

na pesquisa organizacional. Os aspectos descritivos, relacionado às teorias e os

normativos de caráter avaliativo e prescritivo. Trazendo a discussão para o contexto da

pesquisa, pode-se inferir que o estudo da modelagem de processos não deve ficar

restrito aos aspectos tecnológicos das atividades desenvolvimento de um modelo, mas

também associar perspectivas normativas do contexto. Adicionalmente aos

conhecimentos específicos das técnicas de modelagem de processo, ele envolve

características normativas, avaliativas e prescritivas inerentes aos grupos sociais que

operam nas organizações ou em sua rede de produção.

Os aspectos tecnológicos e organizacionais são analisados e discutidos em

grupos e depois interpretados e concebidos mentalmente pelo grupo de trabalho antes de

se tornarem modelos de processos de negócios. Do ponto de vista técnico, estes

modelos foram elaborados usando métodos e notações baseadas no conhecimento

2 N. do A.: neste caso se refere ao agrupamento do conjunto de unidades operacionais da organização que

são dependentes, coordenadas e articuladas através de procedimentos, normas ou artefatos tecnológicos, e

não a conotação mais usada atualmente que é associada aos sistemas informatizados.

10

científico, que sob interferência das convicções normativas do grupo de trabalho,

tornam-se modelos de processos de trabalho a serem utilizados nas operações do dia-a-

dia. O autor propõe que a modelagem de processos seja analisada como uma ferramenta

metodológica para representação e análise de sistemas organizacionais e, portanto, deve

ser fundamentado nas Teorias de Sistemas (Checkland, 1989; Jackson, 2000; Pidd,

2004) e nos estudos de modelagem conceitual (Pidd, 1999; 2003). Quanto à análise dos

aspectos comportamentais explícitos e implícitos da modelagem, o autor propõe uma

avaliação dos fatores socioculturais que compõem as parcelas do trabalho, visíveis e

invisíveis, durante as interações dentro do grupo e aquelas que ocorrem dentro das

mentes dos indivíduos envolvidos nas atividades. A Figura 1 apresenta

esquematicamente a opção metodológica deste trabalho.

Figura 1: Abordagem metodológica para avaliação de fatores socioculturais.

1.4 O PROBLEMA DE PESQUISA

Várias pesquisas científicas abordaram a temática da modelagem de processos

de negócios, suas técnicas, métodos, aplicações e etc. O analista de processos de

negócios, ator responsável pela modelagem propriamente dita, na maior parte dos

trabalhos tem sido considerado neutro e transparente dentro do grupo de atores que

participam nas atividades de modelagem. Um ser onipresente que observa e percebe

Sistemas de Informação

Artefatos tecnológicos para

suporte à operação

ESTUDOS

ORGANIZACIONAIS

Modelagem

conceitual

Teoria de sistemas

Especialistas

e outros

participantes

Analista de

processos

de negócios

Especialistas em

TI, Automação, Robótica

MODELAGEM DE PROCESSOS

DE NEGÓCIOS

Fatores

socioculturais,

aspectos

cognitivos e

normativos

11

tudo, capaz de representar a realidade de forma completa e verdadeira. Será o analista

de processos, ao interpretar uma realidade, realmente neutro na construção de um

modelo? Será ele capaz de entender todo o sistema organizacional, comportamentos,

atitudes, agendas dos atores envolvidos e representá-lo com consistência no modelo?

Será que ele, como um ser humano, adiciona impressões, vieses e julgamentos pessoais

sobre os aspectos explícitos e implícitos das relações de trabalho durante a modelagem?

Na metodologia científica, autores como Denzin e Lincoln (2006, p. 32-33)

destacaram o caráter interpretativo que é desempenhado pelos pesquisadores durante

suas investigações e análises. Eles argumentam que não existe janela transparente e que

―qualquer olhar sempre será filtrado pelas lentes da linguagem, do gênero, da classe

social, da raça e da etnicidade‖ do pesquisador. Estes autores complementam que ―não

existem observações objetivas, apenas observações que se situam socialmente nos

mundos do observador, do observado e entre esses mundos‖. A pesquisa é um processo

que integra o pesquisador, o pesquisado, paradigmas, perspectivas interpretativas,

estratégias de pesquisa, métodos de coleta e análise de materiais empíricos. O

pesquisador aborda o mundo como um conjunto de idéias a ―partir de uma comunidade

interpretativa distinta que configura, em seu modo especial, os componentes

multiculturais do ato da pesquisa (Denzin e Lincoln, 2006, p. 32-33)‖.

Traçando um paralelo entre os argumentos de Denzin e Lincoln sobre o

pesquisador com o contexto da pesquisa, o autor entende que o trabalho de um analista

de negócios também pode ter sua transparência questionada. A modelagem é um

processo de trabalho no qual o analista interage com a realidade a ser modelada através

de regras, métodos, técnicas, teorias, observação de elementos reais e análise de

interações entre pessoas. Mesmo considerando as diferenças na natureza dos dois tipos

de trabalhos, as atividades desenvolvidas por ambos se iniciam com a observação de

uma realidade, sobre ela desenvolvem argumentos e conjecturas, obtêm dados

representativos do fenômeno e procuram meios para explicá-lo através de uma

comunicação formal, documentada e simplificada.

Os objetivos deste trabalho se desenvolvem situando, dentro do campo

sociocultural, o analista de processos de negócios, pertencente ao grupo de trabalho,

como um ator individual, real, não transparente e interpretativo de um processo de

trabalho. Os elementos da realidade organizacional são filtrados, interpretados e

documentados de acordo com suas próprias lentes, moldadas pela sua cultura, valores,

12

personalidade e contexto social vivenciado. Segundo esta visão, pode-se inferir que

existem riscos e benefícios do resultado do trabalho de modelagem em ambientes de

trabalho com alta diversidade cultural. Aspectos como validade, qualidade, clareza,

consistência, compreensão e efetivo uso do modelo de processos podem ser afetados

positiva ou negativamente pelas interações multiculturais internamente e entre grupos

de trabalho.

A modelagem de processos de negócios é composta por várias ações

desempenhadas pelos analistas, individualmente ou em grupo. Estas ações iniciam-se

durante o desenvolvimento dos modelos, desde o entendimento dos requisitos e regras

de negócios até a sua representação em documentos padronizados. Depois, têm-se as

atividades de verificação e validação dos modelos desenvolvidos, que em caso de

aprovação, são seguidos por atividades de implementação e utilização dos modelos em

diversas funções e aplicações na empresa. A Figura 2 apresenta as fases básicas do

trabalho de modelagem de processos de negócios a serem investigadas durante a

pesquisa.

Figura 2: Fases da modelagem de processos de negócios.

1.4.1 Interrogante geral da pesquisa

O interrogante geral da pesquisa está relacionado ao caráter exploratório e

interdisciplinar desta investigação, ou seja, articula as possíveis influências e relações

entre a diversidade cultural e a modelagem de processos de negócios. Neste contexto,

este trabalho está estruturado para investigar a seguinte questão de partida:

Avaliar através das percepções de um grupo de trabalho multicultural se

os fatores socioculturais afetam a modelagem de processos de negócios?

1.4.2 Objetivos

Com o desenvolvimento de um quadro de análise e um plano de investigação,

espera-se aumentar o entendimento da influência dos fatores socioculturais nas

atividades do trabalho de modelagem de processos de negócios e seus produtos. O

objetivo geral da pesquisa é avaliar através das percepções de um grupo de trabalho

Desenvolvimento

do modelo

Verificação e

validação

Implementação

( utilização e

aplicações)

13

multicultural se os fatores socioculturais afetam as atividades da modelagem de

processos de negócios. Objetiva-se mais especificamente com esta pesquisa:

a) Avaliar as interações de trabalho durante a modelagem de processos de

negócios através das percepções de indivíduos de um grupo de trabalho

multicultural, procurando identificar elementos que possam ser

influenciados por comportamentos e atitudes;

b) Identificar comportamentos, percepções e significados nas relações de

trabalho que possam influenciar a modelagem de processos de negócios;

c) Desenvolver um quadro de análise integrando fatores técnicos e

socioculturais para avaliar os trabalhos de modelagem de processos de

negócios e seus produtos.

d) Desenvolver um estudo de caso qualitativo que contenha atividades de

modelagem de processos de negócios em equipes multiculturais.

1.4.3 Objeto de Investigação

O objeto de investigação deste trabalho são as atividades de trabalho

desenvolvidas pelos analistas e demais atores que desenvolvem atividades durante a

modelagem de processos de negócios. Este trabalho pretende estudar as principais

técnicas utilizadas nos dias de hoje e identificar as características mais susceptíveis à

influência de fatores socioculturais. Numa visão geral, o contexto da pesquisa está

centrado nas atividades de trabalho desempenhadas durante a elaboração de um modelo

e a sua utilização posterior. A Figura 3 apresenta o contexto da pesquisa situando as

atividades para a modelagem de negócios como uma ponte entre os trabalhos

executados na realidade e seu uso futuro em um sistema de informação ou artefato

dentro das organizações.

14

Figura 3: O contexto da modelagem de negócios investigado.

1.5 JUSTIFICATIVA

A articulação entre conceitos de modelagem de processos de negócios com

fatores socioculturais pode prover novas direções na compreensão do papel do analista e

suas relações de trabalho no desenvolvimento e utilização de modelos de processos de

negócios. As três principais características que suportam a elaboração deste trabalho são

a motivação do pesquisador, a falta de trabalhos semelhantes e o valor científico para o

ensino e pesquisa da Engenharia de Produção. Em primeiro lugar, a experiência de

trabalho do pesquisador de mais de 20 anos em empresas brasileiras e multinacionais e

na área de Ensino e Pesquisa da modelagem de processos de negócios. As experiências

vivenciadas durante sua atuação profissional e acadêmica foram um campo fértil para os

questionamentos levantados e investigados na pesquisa.

A segunda razão é relacionada à falta de trabalhos científicos recentes com

objetivos e articulação de referenciais teóricos semelhantes aos propostos na pesquisa.

Em abril de 2008 foi feito um levantamento com uso da ferramenta de busca de

trabalhos científicos na base de dados ISI Web of Knowledge através do sítio do

Periódico CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. A

pesquisa de ocorrências de palavras-chave como ―modelagem de negócios‖ e ―processo

de negócios‖ simultaneamente com os termos ―diversidade cultural‖ ou ―multicultural‖

não apresentaram registros de trabalhos científicos que articulassem os conteúdos e

objetivos deste trabalho ao mesmo tempo. O Apêndice 1 apresenta os resultados das

buscas realizadas.

Recursos

Organização do

trabalho

Informações

Produtos e

serviços

Modelagem de

processos

negócios

Investigação da Influência de Fatores Socioculturais

Representação gráfica e

escrita dos processos e procedimentos

Representação gráfica e

escrita da estrutura de informações

Representação dos

requisitos de sistemas e artefatos tecnológicos

Observação

Interpretação

Concepção

Implementação dos

modelos de processos

de negóciosTradução

Decisão

Descrição

15

A terceira é articulação de referenciais teóricos importantes para a prática da

Engenharia de Produção, nos dias de hoje, como: modelagem conceitual, processos de

negócios, complexidade, comportamento organizacional e fatores socioculturais. O

valor científico de uma pesquisa exploratória com uso de métodos de pesquisa

qualitativos pouco aplicados na Engenharia de Produção como entrevistas de Histórias

Orais e Narrativas, análise de dados fundamentada na Grounded Theory e uso de

software para Análise Qualitativa de Dados (QDA), também são fatores relevantes no

estudo. A combinação destes elementos de pesquisa dentro do contexto de estudo e das

pesquisas organizacionais na Engenharia de Produção pode estimular novos caminhos

para futuros pesquisadores.

A importância e benefícios deste trabalho para empresas globalizadas e com alto

grau de diversidade cultural são evidentes. A motivação pessoal do pesquisador e a

ausência de trabalhos científicos que pudessem ajudar no entendimento das questões

levantadas são o estímulo para esforço de pesquisa. Por fim, mas não menos importante,

espera-se abrir novos caminhos para o ensino e pesquisa da Engenharia de Produção,

repensando a forma de apresentar conceitos como o ―ato de modelar‖, o de processos de

negócios e das relações pessoais e multiculturais.

1.6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A proposta de modelo de estudo é interdisciplinar e composta por duas linhas de

conhecimento, analisadas separadamente no início e que passam a ser articuladas a

partir de um ponto. A primeira direção de estudo está relacionada à investigação de

técnicas de modelagem de processos de negócios. O objetivo desta etapa é avaliar um

conjunto de atividades das principais técnicas de modelagem, além de classificar e

identificar características que possam ser influenciadas pela diversidade no ambiente de

trabalho. A segunda direção de estudo tem como objetivo investigar modelos de

avaliação culturais, nas quais os modelos de dimensões para cultura e dos traços de

personalidade são candidatos inicialmente discutidos.

Após o embasamento teórico nas duas linhas de conhecimento discutidas para

atender ao objetivo da pesquisa, o próximo passo é desenvolver um quadro de análise

dos fatores socioculturais durante os trabalhos de modelagem de processos de negócios.

A finalidade é estruturar um quadro de análise capaz de avaliar as influências destes

fatores sobre os modelos produzidos e indicar direções para um entendimento mais

16

claro destas inter-relações. Na Figura 4 é apresentado um diagrama esquemático dos

domínios de conhecimentos a serem usados no estudo e os principais passos da

investigação.

Figura 4: Domínios de conhecimento e etapas da pesquisa.

Percepções, significados pessoais e comportamentos provenientes das interações

sociais no trabalho é um fenômeno complexo no qual os métodos qualitativos podem

ser mais adequados na exploração e interpretação dos diversos aspectos envolvidos.

Diferentemente dos estudos quantitativos, onde o pesquisador já tem uma base de

conhecimento prévia sobre o fenômeno a ser investigado para elaborar hipóteses, nos

estudos qualitativos a questão chave é explorar situações, e a partir dela abrir frentes de

estudo mais específicas. No trabalho foi selecionado um caso empresarial para análise,

que continha características relacionadas às duas linhas de conhecimento teóricos

iniciais. O estudo do caso poderia, através das percepções explicitadas pelos

participantes da pesquisa de campo, fazer emergir elementos de análise relacionados aos

objetivos do trabalho.

Domínio

Comportamento Organizacional.

Domínio

O processo de modelagem.

Modelos de avaliação de traços de

personalidade, dimensões culturais

e multiculturalismo.

Avaliação das técnicas de

modelagem e de gestão de

processos de negócios.

Investigação de métodos de

verificação, validação e avaliação de

qualidade de modelos.

Avaliação de um caso empresarial multicultural:

Lançamento de uma empresa canadense-brasileira.

Desenvolvimento do plano de pesquisa e análise

dos dados coletados.

Investigação sobre a modelagem

nos estudos de gestão e sistemas

de informação. Conceitos e teorias sobre fatores

socioculturais: cultura, valores,

personalidade.

Proposição de quadro de análise para investigação

da influência de fatores socioculturais nos modelos

de processos de negócios.

CA

P 2

CA

P 3

CAP 4

CAP 5

Recomendações e Conclusões.CAP 6

17

Este caso empresarial foi avaliado através de uma composição de métodos

científicos para coleta de dados e procedimentos de análise. A coleta de dados foi

estruturada a partir de entrevistas com base em histórias orais, narrativas e episódicas. A

análise dos dados utilizou fundamentos e procedimentos da Grounded Theory. O caráter

exploratório e descritivo de um fenômeno complexo sem trabalhos prévios concludentes

estimulou o pesquisador a procurar caminhos alternativos que proporcionassem o uso de

procedimentos mais adequados a cada etapa da investigação. Na realidade, o objeto de

investigação é um fenômeno que exige um estudo teórico interdisciplinar prévio, e a

partir de poucos casos relatados identificar de categorias de observação e investigação.

1.7 ORGANIZAÇÃO DO RELATÓRIO DE PESQUISA

O relatório de pesquisa está organizado em seis capítulos, incluindo esta

introdução. A argumentação é desenvolvida numa perspectiva temporal seguindo as

etapas realizadas durante a investigação. O Quadro 1 apresenta os temas abordados nos

demais capítulos deste Relatório de Pesquisa.

Quadro 1: Estrutura capitular da tese

Capítulo Assuntos abordados

2 Ações desenvolvidas na modelagem e gestão de processos de negócios. Tem início com

a definição e uma discussão sobre o ato de modelar e do papel do analista de negócios

em estudos de gestão. A seguir, é discutido o conceito de processos de negócios e suas

principais aplicações nos dias de hoje. Este capítulo é concluído com a apresentação de

conceitos e métodos para verificação e validação de modelos.

3 Os fatores socioculturais são o foco do capítulo. Tem início com uma revisão teórica e

bibliográfica dos conceitos de cultura, valores e personalidade formando uma base para a

compreensão das interações interculturais nas organizações. O próximo passo aborda os

modelos de avaliação cultural, incluindo os modelos dimensionais com base em cultura

nacional.

4 Articula os referenciais teóricos e propõe um quadro de análise para a pesquisa. Este

quadro identifica elementos das atividades de trabalho para avaliar a influência dos

fatores socioculturais na modelagem de processos de negócios.

18

Capítulo Assuntos abordados

5 Apresenta o processo empregado no planejamento, elaboração e condução da análise do

caso empresarial selecionado e que continha os elementos de avaliação estabelecidos no

quadro de análise do capítulo 4.

6 Conclusões e recomendações.

1.8 ESCOPO E PREMISSAS BÁSICAS

A investigação deste trabalho ficará restrita à análise das atividades de trabalho

que possam influenciar à modelagem de processos de negócios. Os métodos de

modelagem serão estudados com objetivo de avaliar os principais conceitos, técnicas e

procedimentos, contudo, sem fazer uma avaliação profunda de cada um deles. Os

métodos escolhidos para estudo são aqueles de uso mais frequente, aceitos na

comunidade acadêmica e entre profissionais da área. Questionamentos sobre a validade,

a proposição de melhorias específicas a um determinado método ou o desenvolvimento

de novos métodos de modelagem de processos não estão contemplados no escopo do

trabalho.

Os estudos de cultura, valores e personalidades serão discutidos e articulados

com as atividades desempenhadas durante a modelagem de processos de negócios. Os

conceitos teóricos e as premissas das teorias socioculturais utilizadas serão aceitos

conforme seus autores preconizam. Eles serão tratados como ferramentas de análise

válidas, não estando no foco do estudo questionamentos específicos sobre estes modelos

teóricos.

A inovação e o objetivo do trabalho situam-se na interdisciplinaridade e na

articulação entre teorias de campos de conhecimento distintos e não na análise crítica de

métodos específicos a um dos campos de estudo abordados. O caráter exploratório é a

característica mais marcante deste trabalho e pode prover as bases para estudos futuros

de reavaliação das teorias discutidas ao longo do trabalho. Os principais termos teóricos

e técnicos usados na argumentação podem ter uma vasta gama de interpretações

possíveis e, portanto, para evitar distorções no contexto do estudo, os significados e

acepções usados por este autor são explicitados no Glossário.

19

1.9 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO

O objetivo deste capítulo foi apresentar as atividades e os fenômenos que serão

analisados durante o desenvolvimento do trabalho de pesquisa. O primeiro passo foi

contextualizar o ambiente de pesquisa, questionando a posição neutra e transparente do

analista de negócios na atividade de modelagem de processos de negócios. O desafio da

pesquisa está em lançar um olhar sociocultural sobre os trabalhos executados durante a

modelagem de processos de negócios. Os analistas e outros membros do grupo de

trabalho são situados como indivíduos e sua cultura, com valores e personalidade

próprias, capazes de filtrar e julgar informações da realidade durante a sua

representação em um modelo. Os referenciais teóricos para fundamentação deste

trabalho são abordados nos próximos dois capítulos, no que tange à modelagem de

processos de negócios e a discussões sobre as bases para uma análise de fatores

socioculturais.

20

2 OS MODELOS E OS PROCESSOS DE NEGÓCIOS

O interesse crescente nos métodos, técnicas e ferramentas para suporte à gestão

de processos de negócios tem atraído a atenção de muitos grupos distintos dentro e fora

das organizações empresariais (Melão e Pidd, 2000). Segundo Ritzman e Krajewski

(2008), dois fatores reforçam a relevância do estudo dos processos de negócios para a

coordenação das atividades, informações e recursos dentro e entre organizações,

abrangência e capacidade de melhorar as interações entre as diferentes unidades

operacionais.

Com relação à abrangência, os processos de negócios são usados para

representar diversos tipos de fluxo de atividades de trabalho dentro das diferentes

unidades que compõem uma organização, desde a área de produção até as de recursos

humanos, financeira, administrativa e etc. Estas representações são usadas para diversos

fins como definir o sequenciamento das tarefas de acordo com as regras de negócios,

orientar os executores a como desempenhar suas funções, definir requisitos a serem

implantados nos sistemas de gestão integrada e a fazer previsões sobre o desempenho de

novos processos produtivos. Assim, ao longo de uma rede de operações, interna e

externa a uma organização, os modelos de processos de trabalho facilitam o trabalho em

equipe, pois funcionam como meio de comunicação e coordenação entre os diversos

grupos.

O termo Business Process Management (BPM) ou Gestão de Processos de

Negócios tem sido usado para materializar a abrangência do escopo das atividades

necessárias ao desenvolvimento, operacionalização, administração e controle e melhoria

dos processos de negócios. Vários grupos de trabalho multidisciplinares são envolvidos

21

no desenvolvimento, na implantação das aplicações automatizadas ou utilizam no dia-a-

dia os modelos de processos para orientação de suas atividades. Os especialistas em

Tecnologia de Informação (TI) usam os modelos de processos para entender as

sequencias, restrições, ferramentas, insumos, recursos, procedimentos e atores

envolvidos no processo de trabalho e, a partir deste entendimento, desenvolver sistemas

de informação para suporte ao negócio e às operações das empresas (Weske, 2007). O

nível operacional da organização baseia-se nas orientações do modelo de processos para

coordenar e executar suas tarefas no dia-a-dia e na utilização dos sistemas de

informações de suporte ao trabalho. Na realidade, os modelos de processos de negócios

são ao mesmo tempo uma representação, fonte de coordenação das atividades da

organização, definidores dos requisitos de tecnologia de informação e ferramentas de

previsão. A Figura 5 apresenta as principais atividades e atores envolvidos nas fases da

modelagem de processo de negócios, ressaltando-se o caráter multidisciplinar que

envolve atores com experiências e formações distintas. As interações entre os

indivíduos, mesmos em ambientes restritos e culturalmente homogêneos tendem a ser

muito complexas.

Figura 5: Atividades, atores e fases da modelagem de processos de negócios.

Este capítulo tem como objetivo principal fazer uma revisão teórica sobre a

modelagem dos processos de negócios, sua definições, atividades envolvidas no

desenvolvimento dos modelos, aplicações e sua utilização em artefatos tecnológicos

como os sistemas informatizados para suporte operacional e à gestão. Sua estrutura

segue as fases representadas na Figura 2 e na Figura 5. Primeiramente, aspectos teóricos

DESENVOLVIMENTO

DO MODELO

PRINCIPAIS

ATIVIDADES

“TEÓRICAS”

Obtenção de

informações,

análise da

organização do

trabalho e fluxo de

informações,

interpretação,

concepção e

representação do

modelo.

Na verificação, teste

interno do modelo

quanto à consistência,

sintaxe e semântica de

acordo com a notação.

Na validação, teste

para verificação se o

modelo está de acordo

com os requisitos e

objetivos iniciais.

VERIFICAÇÃO,

VALIDAÇÃO E

QUALIDADE

IMPLEMENTAÇÃO

( UTILIZAÇÃO E

APLICAÇÕES)

Produção

documental de

procedimentos,

desenvolvimento

de sistemas de

informações e

aplicações

automatizadas.

PRINCIPAIS

ATORES

Analistas de processos de negócios, gerentes, especialistas,

executores das tarefas (representantes das unidades de

negócio envolvidas), analistas de sistemas, engenheiros.

22

dos modelos usados nos estudo de engenharia e gestão e o desenvolvimento de modelos

nos estudos de engenharia, de gestão e sistemas de informações serão discutidos.

Posteriormente, será apresentada uma visão geral dos métodos de verificação e

validação de modelos que será seguido por uma avaliação das características das

principais aplicações dos processos de negócios nas organizações.

2.1 OS MODELOS NOS ESTUDOS DE ENGENHARIA E GESTÃO

Os métodos de modelagem têm sido usados, desenvolvidos e padronizados ao

longo do tempo para facilitar a comunicação entre os atores envolvidos em estudos,

pesquisas e projetos, para fazer simulações e previsões e, mais recentemente, para o

desenvolvimento de sistemas de informações (Pidd, 2003). Do ponto de vista histórico,

a palavra "modelagem" descreve uma forma comum da humanidade para tentar

compreender a realidade através de uma representação simplificada. Antes de entrar nas

definições relativas aos processos de negócios, é importante revisar alguns conceitos

básicos da modelagem no âmbito dos estudos de gestão e da engenharia. O objetivo é

retornar à raiz teórica da modelagem e criar as bases para a análise sociocultural dos

modelos de processos de negócios.

2.1.1 Conceituação de modelagem e modelos

Para a antropologia, a habilidade de desenvolver representações abstratas da

realidade é um importante atributo de competitividade da raça humana. Representações

abstratas se fazem presentes desde a idade da pedra, entretanto o uso de modelos para

analisar, estudar, obter soluções e previsões para problemas da realidade foi

impulsionado com o aparecimento dos números, contagem e escrita por volta de 30.000

AC (Schichl, 2004). Atualmente os modelos científicos, organizacionais, de

informações e de processos de trabalho são objetos de investigação e validação

frequentes nas mais diversas comunidades, profissionais ou acadêmicas.

No âmbito da Engenharia, a formalização do conceito de modelagem e alguns de

seus desdobramentos foi estabelecida pela norma IEEE Std 610.12-1990, Glossary of

Modeling and Simulation Terminology. Segundo esta norma, um modelo é uma

―aproximação, representação ou idealização de aspectos selecionados da estrutura,

comportamento, operação ou outras características de um processo, conceito ou sistema

real (Institute of Electrical and Electronics Engineers - IEEE, 1990).‖ Ainda de acordo

23

com esta norma, eles podem ser descritivos, gráficos ou narrativos. Existem também os

modelos ditos prescritivos, que têm o objetivo de estabelecer explicitamente normas a

serem seguidas, determinar práticas recomendadas e conduzir o comportamento

requerido em determinados campos de aplicação. A norma IEEE Std 610.12-1990

mantém-se atual até quando trata de processos de negócios, pois eles combinam as

características descritas simultaneamente: são descritivos quando representam, gráfica

ou narrativamente, a sequência de atividades, a organização do trabalho e suas regras de

negócios; são prescritivos, pois quando aceitos pela organização, podem se tornar

também procedimentos a serem seguidos pelas equipes de trabalho; são também

preditivos quando usados em simulações para antecipar possíveis estados e os

resultados de um determinado sistema.

A construção de qualquer modelo tem como base elementos do mundo real, os

quais são substituídos por representações mais simples. O ato de criar modelos inicia-se

na abstração e na interpretação mental que, posteriormente, são representadas por

símbolos aceitos e compartilhados pelo grupo de trabalho. Segundo Schichl (2004), o

modelo é um resultado da abstração do analista que é forjada por seus conhecimentos e

experiências prévias, sua cultura, personalidade e emoções. De acordo com Pidd (2003),

o modelo é uma representação explícita de parte da realidade, como é vista pelas

pessoas que a representam através de símbolos a fim de entender, mudar, gerenciar ou

controlar a parte da realidade em estudo. O processo de modelagem é uma sequência de

atividades de trabalho, individual ou em grupo, que começa com a percepção do objeto

de estudo, a ação de conceber um modelo mental e, posteriormente, o desenvolvimento

de uma representação em notação formal composta por símbolos, gráficos e desenhos

(Falkenberg, Hesse, et al., 1998).

Um ponto crítico e de discussão usual entre a comunidade científica, destacado

por Pidd (1999), é a dificuldade de se aceitar que o modelo não é um retrato fidedigno

da parte da realidade destacada para o estudo. O modelo também pode incorporar

concepções individuais do analista responsável na representação desenvolvida e que

podem não estar realmente presentes no objeto em estudo. Pidd faz uma metáfora com

os números complexos que têm uma parte real e outra imaginária. Nela, as duas partes

dos números complexos exemplificam as visões diferentes dos indivíduos: o que é real

para uma pessoa pode ser interpretado como imaginação por outra e vice-versa. Desta

forma, um grande dilema no desenvolvimento de modelos é tratar as óticas distintas dos

24

analistas na interpretação da realidade de forma que elas não interfiram no desempenho

do modelo. A proposição de Pidd, endossada neste trabalho de pesquisa, é que nenhum

modelo será uma representação completa e fiel da realidade, mas sim a composição de

percepções reais e imaginárias dos grupos de trabalho encarregados pela modelagem.

A concepção mental do modelo é um processo complexo, segundo

Hoppenbrouwers, Proper e Weide (2005), pois os observadores tomam várias decisões

durante a modelagem, como por exemplo, o grau de detalhamento que será usado para

representar a parte da realidade escolhida (chamado de ―ajuste de zum‖). Estes autores

adicionam outro elemento relevante para o presente estudo: os observadores também

são influenciados por interesses particulares, incluindo fatores como intencionalidade e

preconceito durante a elaboração dos seus modelos. Eles consideram natural do ser

humano que os indivíduos usem um conjunto preconcebido de conhecimentos,

experiências e soluções, desenvolvidas em modelagens anteriores, na elaboração de um

novo modelo. Em síntese, as interações entre analistas de grupos de interesses distintos

podem desviar o foco da realidade objetiva para um contexto subjetivo, visando o ajuste

das motivações individuais.

O Quadro 2 apresenta acepções usadas por diversos autores para descrever as

principais atividades identificadas durante o desenvolvimento de modelos, entre eles:

Schichl (2004), Pidd (1999; 2003), Hoppenbrouwers, Proper e Weide (2005). Cada

atividade de trabalho realizada pelo grupo de indivíduos envolvidos durante o

desenvolvimento de modelos processos de negócios tem sua acepção descrita para

destacar o contexto e os desafios da pesquisa. O propósito do Quadro 2 é prover a

distinção dos conceitos dos verbetes que são chaves no entendimento do ato de criar

modelos, visto que, como percebido em alguns trabalhos, eles são tratados por alguns

autores como sinônimos e em outros não.

25

Quadro 2: Semântica das atividades da modelagem conceitual.

Atividade Acepções selecionadas para caracterizar as ações do ato de

modelar.

Abstração Ato de separar mentalmente um ou mais elementos de uma totalidade complexa, coisa,

representação ou fato (Ferreira, 1986)). Operação intelectual, compreendida por

Aristóteles (383 a.C.-322 a.C.) e Tomás de Aquino (1227-1274) como a origem de

todo o processo cognitivo, na qual o que é escolhido como objeto de reflexão é isolado

de uma série de fatores concretos (Houaiss, 2009).

Concepção Ato de criar mentalmente, de formar idéias, especialmente abstrações, um plano para

posterior realização (Ferreira, 1986).

Descrição Ato ou efeito de descrever; reprodução, traçado, delimitação. Representação fiel;

imitação, cópia, retrato (Houaiss, 2009). Ato ou efeito de descrever, exposição

circunstanciada feita pela palavra escrita ou falada (Ferreira, 1986).

Intenção Ato de tender. Vontade, desejo, pensamento. Propósito plano, deliberação (Ferreira,

1986).

Interpretação Ato de explicar o sentido ou significado, de traduzir, de ajuizar a intenção (Houaiss,

2009) para o verbete interpretar.

Percepção Função ou efeito mental de representação dos objetos; sensação, senso. Consciência

dos elementos do meio ambiente através das sensações físicas (Houaiss, 2009). Ato,

efeito ou faculdade de perceber; recepção, pelos centros nervosos, de impressões

colhidas pelos sentidos (Ferreira, 1986).

Representação Reprodução daquilo que se pensa. Conteúdo concreto aprendido pelos sentidos, pela

imaginação, pela memória ou pelo pensamento (Ferreira, 1986).

Zum Objetiva especial que, reunindo características de grande angular, lente normal e

teleobjetiva, permite obter os efeitos de afastamento ou aproximação sucessivos,

graças a sua distância focal, que, continuamente ajustada, oferece vários graus de

ampliação sem prejuízo do foco (Houaiss, 2009).

2.1.2 Relações entre teorias, modelos e realidade

As ações do observador de realidade são orientadas por uma estrutura e conjunto

sistemático de idéias desenvolvidas sobre bases de conhecimento compostas por regras

e leis científicas. Em ciências, as teorias são um conhecimento sistemático,

fundamentado em observações empíricas, postulados ou argumentos, que permitem a

ordenação, classificação, desenvolvimento de hipóteses e facilitem o entendimento da

realidade. Elas são o resultado de um processo sistematizado de como explicar um

26

determinado fenômeno e, em alguns casos, entender outros semelhantes (Hommes,

2004, p. 18). Segundo Hommes, a concepção de um modelo é uma ação mental na qual

o analista aplica as teorias de seu conhecimento para construir hipóteses sobre a

realidade. Com base no conjunto de hipóteses, ele toma decisões de como trabalhar o

modelo. A Figura 6 procura representar essas relações de como a teoria, conhecimento

formal preestabelecido, é utilizada para representar a realidade no modelo.

Figura 6: Relação entre teoria, realidade e o modelo,

adaptado de Hommes (2004, p. 18).

2.1.3 Modelagem como um processo de diálogo

Um modelo representativo dos diálogos entre os atores envolvidos durante o

processo de modelagem é a visão proposta por Hoppenbrouwers, Proper e Weide,

(2005). As concepções mentais desenvolvidas pelo especialista e observador não podem

ser comunicadas e discutidas a não ser que sejam representadas em uma articulação de

meios de comunicação explícitos, orais, escritos ou gráficos. A Figura 7 representa a

visão do processo de modelagem com base nas interações explícitas entre os

participantes. Nela, dois participantes, de papéis e conhecimentos distintos, interagem

com objetivo de construir um modelo. De um lado, o especialista no domínio de

conhecimento a ser modelado e do outro o Analista de Sistemas, responsável pela

elaboração do modelo.

Esses autores utilizam uma simplificação dos casos reais, pois normalmente o

número de atores é maior que dois e existem outros canais de comunicação além

daqueles representados na Figura 7. Neste modelo simplificado, o especialista, que

possui as informações do domínio de conhecimento alvo da análise, é incumbido de

identificar, gerar, explicar e apresentar argumentos representativos sobre o objeto em

estudo. Estes argumentos são passados em linguagem natural ao Analista, responsável

pela elaboração do modelo. O Analista, por outro lado, que ignora o domínio de

Realidade

(Possível)

TeoriaUm conjunto sistematizado de

conhecimentos genéricos relacionados a

como um fenômeno real pode ser

compreendido.

ModeloUm conjunto coerente de conhecimentos

individualizados, resultado da

compreensão de um fenômeno específico

na forma proposta pela teoria.

Hipóteses

referentes a sua

natureza

Interpretação

Conceituação

Concepção

representação

Aplicação

Utilização

27

conhecimento em análise, tem como responsabilidade elaborar modelos representativos

formais a partir de informações coletadas e validadas com o especialista.

Figura 7: Modelagem como um processo de diálogo,

adaptado de Hoppenbrouwers, Proper e Weide, (2005, p. 133).

Ainda segundo seus autores, o processo de diálogo representa uma visão

tradicional na qual a objetividade da comunicação explícita é a base fundamental. A

subjetividade das interações somente é revelada se houver algum desacordo ou ponto de

vista conflitante entre os atores do processo. Nesta visão clássica e simplificada,

complementam seus autores, não se faz menção ao contexto ou a aspectos temporais. O

processo de modelagem reduz-se aos símbolos explícitos escolhidos na representação

no modelo para comunicação entre os atores. A importância da visão proposta por este

modelo é que ele mapeia elementos tangíveis durante o processo de comunicação na

direção do desenvolvimento de um modelo. A análise dos elementos tangíveis é

fundamental, pois os aspectos mentais da modelagem não são acessíveis diretamente.

Qualquer trabalho de pesquisa sobre o ato de modelar deveria, necessariamente,

investigar os elementos tangíveis e intangíveis presentes no processo de modelagem.

Documento

de diálogo

Especifica-

ção Formal

Reconsideração

Expressão

de idéias

Modelos pessoais,

interativos

(não formais)

Princípio da falsificação

Analista

Princípio da completitude

Especialista de

domínio específico

Linguagem

Formal

Verificação

Processo de

Modelagem

Interpretação

de modelos

Linguagem

controlada, conduzida

Parafrasear,

expor para validação

Semântica Formal

Semântica Informal

UNIVERSO DO

DISCURSO

LinguagemNatural

Elementos

tangíveis da

comunicação

28

2.1.4 Modelagem como um processo interativo

O trabalho “A Framework of Information System Concepts, The FRISCO

Report” (Falkenberg, Hesse, et al., 1998, p. 26) traz outras perspectivas para discussão

do processo de modelagem. O relatório FRISCO apresenta duas perspectivas filosóficas

distintas sobre a atitude do analista frente ao ato de modelar. Na primeira, denominada

objetivista, o analista acredita que a realidade existe independentemente do observador e

que ela precisa ser simplesmente mapeada com as descrições adequadas. Nesta

perspectiva, a relação entre o modelo e a realidade é direta, transparente e óbvia. A

segunda perspectiva, denominada de construtivista, entende que o analista também

acredita que a realidade existe independentemente do observador, entretanto ele percebe

que o produto da modelagem é decorrente de suas próprias concepções mentais. Na

visão construtivista, a relação entre realidade, concepção e modelo é subjetiva, passível

de interpretações, negociações e adaptações frequentes.

Apesar de alguns especialistas técnicos considerarem de pouca relevância a

abordagem construtivista na prática, os trabalhos envolvidos na modelagem de sistemas

envolvem grupos de interesses diversos. Cada grupo valoriza, de acordo com seus

interesses, métodos e símbolos de preferência a serem inseridos no modelo, aqueles que

forem mais adequados aos objetivos individuais ou do grupo a que ele pertence. Os

desafios crescem e tornam-se mais difíceis de tratar quando o modelo a ser produzido

envolve grupos de domínios de conhecimento e interesses heterogêneos. De qualquer

forma, a subjetividade da visão construtivista e o pragmatismo da visão objetivista

convivem simultaneamente no desenvolvimento dos modelos. A questão principal é

como consolidar essas perspectivas no sentido de obter modelos que sejam mais aceitos

por todos os envolvidos e mais consistentes com a realidade e os objetivos do projeto.

O modelo interativo apresentado no relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al.,

1998) é caracterizado pela presença de vários atores com papéis distintos que adquirem,

disseminam e trocam informações no decorrer das atividades do trabalho de

modelagem. No curso das interações que se desenrolam durante o desenvolvimento do

modelo, representações simbólicas são criadas, ajustadas e compartilhadas de comum

acordo pelo grupo. O modelo tem uma perspectiva construtivista e é calcado sobre

premissas nas quais os indivíduos observam, percebem aspectos da realidade e formam

concepções. Do ponto de vista positivista, estas concepções são desenvolvidas por

processos cognitivos como reconhecimento, caracterização, abstração e reflexão. A

29

Figura 8 ilustra o processo de modelagem, de forma simplificada, no qual o primeiro

aspecto a ser destacado é a possível diferença entre o foi observado e o que é

representado no modelo, visto que as concepções são consequências da reflexão

interior, podendo desprezar elementos ou incorporar aspectos não observados.

Figura 8: As ações de recepção, concepção e representação,

adaptado do Relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al., 1998, p. 31).

A sequência de ações mentais e explícitas durante o processo de modelagem é

representada de maneira simplificada na Figura 9 (Falkenberg, Hesse, et al., 1998). O

ator, no contexto deste trabalho, é representado por um triângulo, as ações são

representadas por um quadrado e os estados intermediários, pré e pós-execução de uma

ação, são representados por círculos. O interessante neste modelo proposto no FRISCO

é que apenas os estados ―realidade‖ e ―representação‖ são visíveis externamente. O

ponto de destaque do modelo da Figura 9 é que ele ordena as ações desenvolvidas na

modelagem descrita no Quadro 2, numa sequência lógica.

Figura 9: As ações do ser humano na modelagem,

adaptado do Relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al., 1998, p. 52).

Quando dois indivíduos participam do processo de modelagem, o modelo

FRISCO propõe um encadeamento dos processos individuais de cada ator. Neste

encadeamento, a representação é o resultado da modelagem do primeiro ator e passa a

ser a realidade para o segundo, como mostrado na Figura 10. Os estados ―Realidade 1‖,

OBJETO DE

ESTUDO

(DOMÍNIO)

REPRESENTAÇÕES

PERCEPÇÕES CONCEPÇÕES

MENTE DO INDIVÍDUO

Interpretado Comunicadas

“REALIDADE”

Formando

REALIDADE 1

É-INTERPRETADA-COMO

CONCEPÇÃO 1 REPRESENTAÇÃO 1

ATOR

É-REPRESENTADA-COMO

30

―Representação 1‖, ―Realidade 2‖ e ―Representação 2‖ são os aspectos visíveis e

explícitos no modelo. Numa visão construtivista, o entendimento dos fenômenos

envolvidos na formulação dos estados representados pelas concepções 1 e 2 é

fundamental para avaliação do modelo.

As concepções mentais podem ser consideradas como os elementos centrais da

criação de um modelo. Elas são fruto de um processo invisível e complexo. Em síntese,

as ações mentais implícitas e as informações explícitas que compõem o ato de modelar

são responsáveis pelo modelo, sua qualidade, correção e efetividade quando

operacionalizado em alguma situação real.

Figura 10: Modelagem como um modelo de interações,

adaptado do Relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al., 1998, p. 53).

2.2 O DESENVOLVIMENTO DE MODELOS DE PROCESSOS DE

NEGÓCIOS

Com as várias perspectivas e diversas funções e aplicações dos modelos de

negócios nas organizações atuais, desenvolver uma conceituação completa e abrangente

do que são processos de negócios é uma missão desafiadora. A amplitude do escopo de

ação dos processos de negócios, seus elementos e interações não são facilmente

identificáveis, visto que os limites organizacionais não são tão definidos quanto no

passado e tem-se a participação de uma quantidade de atores muito grande nas

operações produtivas que podem estar dispersos geograficamente.

Num modelo de processos de negócios são representadas as atividades do

trabalho a serem executadas, a sequência de como elas são desenvolvidas, as restrições,

regras, procedimentos, recursos utilizados, insumos e os produtos obtidos em cada

etapa. Os processos de negócios consistem, portanto, na representação do conjunto de

atividades e procedimentos do trabalho que são executados coletivamente de maneira

REALIDADE 1

É-INTERPRETADA-COMO

CONCEPÇÃO 1 REPRESENTAÇÃO 1

ATOR 1

É-REPRESENTADA-COMO

REALIDADE 2

É-INTERPRETADA-COMO

CONCEPÇÃO 2 REPRESENTAÇÃO 2

ATOR 2

É-REPRESENTADA-COMO

=

31

coordenada para alcançar um objetivo organizacional. Eles são definidos com base no

contexto organizacional, o qual é executado sobre estruturas, papéis, funções e

relacionamentos definidos3.

Num sentindo figurado, o modelo de processo pode ser considerado como um

mapa gráfico composto por símbolos e notações padronizadas, que representa o fluxo e

regras de interações entre executores de tarefas diferentes. Neste mapa, podem existir

vários caminhos ou fluxos de atividades possíveis dependendo das condições de

entrada, insumos e recursos e das atividades de transformação a serem utilizadas

(Weske, 2007). Considera-se que cada caso real do processo operacional é único e

seguirá um caminho específico no mapa, de acordo com suas próprias características.

Obviamente, podem existir casos semelhantes que, dependendo do detalhamento do

modelo de processo, podem seguir fluxos semelhantes. O fluxo percorrido por um caso

real é denominado instância de processo, no qual se registra o conjunto de informações

e características da sequência de trabalho e recursos utilizados por esta situação única e

específica. Neste aspecto, a modelagem de processos de negócios assemelha-se aos

modelos usados na Engenharia em geral, na qual modelos, desenhos e projetos orientam

a execução concreta de algum artefato específico e único.

2.2.1 Ciclo de vida dos processos de negócios

A dinâmica das mudanças no ambiente de negócios, introdução de inovações

tecnológicas, respostas aos movimentos de empresas concorrentes e novas

regulamentações impõem alterações na forma das empresas organizarem a execução de

suas atividades. Naturalmente, o elenco de processos de negócios de uma organização

sofre mudanças ao longo do tempo. Alguns entram em operação, outros são alterados

para refletir novos requisitos estratégicos e outros ainda são descontinuados. Este ciclo

de introdução de novos processos de negócios envolve algumas atividades básicas como

avaliação, projeto e análise, configuração e implementação. Weske (2007) propõe um

ciclo de vida para os processos de negócios conforme representado na Figura 11.

3 Definição adaptada pelo autor a partir de uma compilação de definições apresentadas em WfMC (1999),

Weske (2007), Reijers (2003), Dumas, Aalst e Hofstede (2005) e Baldam et al. (2008).

32

Figura 11: Ciclo de vida dos processos de negócios,

adaptado de Weske (2007, p. 12).

Normalmente um grupo de trabalho multidisciplinar é formado para trabalhar no

ciclo de desenvolvimento de novos processos ou na implementação de alterações nos

processos existentes. Este grupo é composto por profissionais de diversas áreas da

organização que são envolvidas durante o desenrolar das atividades do processo. O ciclo

de vida inicia-se na fase de projeto e análise, na qual os estudos e pesquisas são

realizados para identificar, rever ou validar modelos das atividades e procedimentos

necessários à execução do trabalho em um processo. Várias técnicas e métodos de

modelagem, validação e simulação podem ser usados. Entende-se que a etapa de

modelagem é a atividade central desta fase, na qual os especialistas de cada grupo de

interesse descrevem em linguagem natural como as atividades são realizadas, no caso de

processos de trabalho existentes, ou serão realizadas, no caso de novos processos. Estas

descrições são avaliadas, interpretadas, consolidadas e traduzidas pelo analista em

representações formais usando técnicas com notações gráficas padronizadas.

Posteriormente, atividades para validação são executadas após a elaboração das

primeiras versões dos modelos de processos. É uma fase interativa na qual os atores

envolvidos avaliam a notação gráfica representativa do processo, apresentam críticas e

solicitam correções. Técnicas de simulação também podem ser usadas para testar o

modelo com casos semelhantes aos reais. O objetivo final é obter a concordância dos

representantes dos grupos de interesse de que a notação gráfica desenvolvida é um

modelo válido para o processo de trabalho e que representa os fluxos possíveis para as

instâncias que podem surgir na execução real das atividades.

Avaliação:

Comportamento das Instâncias

executadas

Implementação:

Operacionalização,Monitoramento,

Manutenção

Projeto:

Identificação dos processos a serem modelados

Análise:

Levantamento de informações, validação e simulação.

Configuração:

Seleção de plataforma de suporte

Testes e treinamento

Administração:

Recursos e participantes

Implantar

Avaliar

Projeto e

Análise

Configuração

33

Uma vez que os modelos de processos de negócios estão validados, o novo

desafio é organizá-los, ou configurá-los, de forma que eles possam ser úteis na execução

das atividades de trabalho da organização. Segundo Weske (2007), existem duas formas

principais para a configuração dos modelos de processos para possibilitar sua

operacionalização. Na primeira, considerando a execução manual sem apoio de sistemas

de informação, os processos são agrupados num conjunto de políticas e procedimentos

escritos de tal forma que os executores passariam a seguir durante a realização das

atividades. Na segunda, mais comum nas grandes organizações, os modelos de

processos são implementados em sistemas de informações específicos. As atividades,

fluxos, ordenação, restrições, responsáveis e regras de encaminhamento entre postos de

trabalho são configurados nos sistemas de informação da organização. A tarefa é

enviada pelo sistema, de acordo com as regras estabelecidas no modelo, de um posto de

trabalho para outro ou para um dispositivo automatizado. Conforme as atividades

intermediárias são realizadas, a tarefa continua seguindo o fluxo de processo

predefinido até a sua conclusão. A configuração do modelo de processo no sistema de

informação possibilita que ele execute um papel de coordenação do trabalho a ser

realizado, pois ao receber uma tarefa, distribui as atividades entre os executores,

monitora e armazena os dados referentes à execução.

Após a etapa de configuração, os processos estão prontos para serem

operacionalizados. Os membros da organização passam a usar os processos nas

operações do dia-a-dia, ou seja, passam a tratar as atividades de acordo com as regras e

políticas estabelecidas nos modelos de processos. No caso das operações sem suporte de

sistema, esses modelos são incorporados aos procedimentos operacionais. Nos

processos suportados por sistemas de informação, a execução das atividades é

coordenada, controlada e monitorada pelo sistema. Assim, a organização pode ter uma

visão em tempo real dos estados de cada tarefa nos diversos postos de trabalho da

empresa.

O modelo de ciclo de vida de Weske (2007) é complementado por outros dois

grupos de atividades, que são as fases de Avaliação e de Administração. Na primeira, as

informações geradas pela execução das tarefas ao longo do uso do processo são

avaliadas quanto aos padrões de produtividade, eficiência e qualidade preconizados pela

empresa. A atividade de administração dos processos em desenvolvimento, em

configuração e em operação, é bastante complexa devido à presença de diversos tipos de

34

tarefas, cenários, atores e, por conseguinte, níveis de abstração. Apesar da diversidade,

os participantes precisam cooperar em todas as etapas, comunicar consistentemente suas

atividades e entender as atividades dos demais grupos envolvidos. Por exemplo, na

etapa de projeto e análise há necessidade de colaboração com os demais grupos para

obter modelos mais fiéis à realidade e aos objetivos estratégicos da empresa. Na etapa

de operacionalização, as regras e políticas estabelecidas no modelo para garantir um

funcionamento harmônico da sequência de trabalho devem ser seguidas.

2.2.2 Etapas da modelagem de processos de negócios

A modelagem de processos de negócios tem uma relação muito estreita com a

estratégia, objetivos e características organizacionais. Os objetivos estratégicos são a

base para a modelagem dos processos de negócios. Uma visão geral das etapas de um

projeto de modelagem de processos de negócios é apresentada na Figura 12 (Weske,

2007). A fase de pesquisa é a primeira e nela são executados os levantamentos sobre a

organização, as atividades e as informações do processo de trabalho. Nesta etapa, o

analista utiliza técnicas de entrevistas sobre as atividades executadas, dos produtos da

organização, de análise de documentos e de investigação dos sistemas de informações

existentes.

Na fase de projeto, as informações obtidas são consolidadas e representadas nos

modelos de processos. Normalmente são apresentados modelos representando a situação

atual (―as is”) e as propostas de processos com melhorias para o desempenho de

trabalho (“to be”). Os modelos são os meios básicos de comunicação entre os membros

do grupo de projeto. Após a validação dos modelos de processos, o próximo passo é a

escolha da plataforma tecnológica para suporte, automatizada ou não, que deve levar em

consideração os objetivos estratégicos e as características das atividades dos processos.

Na etapa seguinte, são realizados testes para verificar se a proposta de processo tem

condições de executar as funções planejadas. Se o modelo passar nos testes, iniciam-se,

então, as atividades para viabilizar a implementação, tais como treinamento, instalação

de novos recursos físicos e divulgação dos procedimentos operacionais. Em seguida, o

processo de negócios é posto em operação. As tarefas operacionais passam a seguir o

fluxo e regras estabelecidas pelo modelo. As operações realizadas de acordo com o

modelo de processo são monitoradas e controladas.

35

Figura 12: Método para processos de negócios,

adaptado de Weske (Weske, 2007, p. 346).

Qualquer projeto para modelagem de processos é um método interativo e

incremental visto que novas questões e situações não previstas ou interpretadas de

maneira equivocada podem acontecer. Existe um processo de retroalimentação

constante, com linhas de retorno representadas na Figura 12, e um ciclo contínuo de

coleta, classificação de situações não previstas, redesenho do modelo, validação e

revisão nos elementos operacionalizados. Este modelo pode sofrer variações

dependendo da organização, mas representa um conjunto lógico e simplificado das

atividades que são realizadas num projeto de desenvolvimento de processos de

negócios.

2.2.3 Principais técnicas de processos de negócios

Várias técnicas de modelagem de processos foram desenvolvidas ao longo dos

anos. Uma técnica de modelagem é um conjunto de notações, ou seja, sinais, elementos

gráficos, figuras e linhas com significados específicos que combinadas, constituirão

numa representação do processo. Ao desenvolver uma técnica de modelagem seus

autores procuravam criar um conjunto que fosse mais entendível, intuitivo para os

leigos e que atendesse aos objetivos específicos da utilização ou aplicação a ser

desenvolvida. Hoje em dia existem várias técnicas sendo usadas pelos analistas de

Estratégia

organizacional

Análise e Projeto

Seleção de

plataforma

Configuração e

teste

Pesquisa,

levantamento

Implementação,

Operacionalização

Operação e

controle

36

processos de negócios, cada uma com sintaxe e semântica próprias. Com base em

Hommes, (2004, p. 25), Dumas, Aalst e Hofstede, (2005) e BPMN (2009) destacam-se

as principais técnicas de modelagem de processos em uso atualmente4:

Técnicas de análise estruturadas como os Diagramas de Fluxos de Dados

(DFD) e Diagramas de Entidade e Relacionamento (DER), difundidas

nas décadas de 1980 e 1990 por Yourdon (1990).

Técnica de Flowcharting: é um método simples com poucos símbolos

que interligam as entradas às saídas de processos, mostrando a sequência

e elementos de desvio de fluxo para representar análise de decisões

simples. Por sua simplicidade, não permite muita precisão, como o

controle de tempo e de restrição entre atividades paralelas. É uma das

técnicas mais difundidas por ter uma notação muito intuitiva.

A técnica de modelagem Petri-nets (também conhecida como

place/transition net ou P/T net) oferece, do ponto de vista teórico, um

suporte mais preciso para modelar os estados e as transições de fluxos,

mostrando propriedades estáticas e dinâmicas de sistemas. Tem um forte

embasamento lógico-matemático, sendo uma técnica de leitura pouco

intuitiva para os não especialistas.

As técnicas baseadas no IDEF (Integration DEFinition) são um conjunto

de linguagem de modelagem para sistemas. Em relação às técnicas de

DFD, DER, Flowcharting e Petri-Nets que representam uma perspectiva

da modelagem de processos de negócios, as IDEF permitem a

representação de diferentes perspectivas da organização. Por exemplo, a

IDEF0 define as funções, a IDEF1 foca os modelos de informações e a

IDEF3 destaca os estados e transições dos processos.

A técnica Business Process Modeling Notation (BPMN) tem como

objetivo prover uma notação que combine ao mesmo tempo regras

simples e intuitivas para pessoas não especializadas e também

proporcione um rigor da representação do fluxo de processo e seus

4 Estão listadas apenas as principais técnicas de modelagem de processos de negócios no contexto do

BPM. Não estão incluídas as técnicas de modelagem de processos industriais a exemplo da norma ISO

10628: Flow Diagrams For Process Plants - General Rules.

37

controles para serem usados na implementação de sistemas de suporte

informatizados.

Técnicas orientadas a objetos como a Unified Modeling Language

(UML) que é, hoje em dia, a linguagem padrão para modelagem de

sistemas de informações. Para representação de processos de negócios e

de controle, esta técnica dispõe dos Diagramas de Atividades. Para uma

melhor adaptação aos fluxos de processos, está passando por uma revisão

no The Object Management Group (OMG) com o desenvolvimento do

padrão UML 2.0.

Técnicas orientadas a eventos, também conhecidas como Event Driven

Process Chains (EPC). Esta técnica começou a ser desenvolvida em

1992 em um projeto de pesquisa associado ao sistema SAP AG.

Atualmente é amplamente difundida no contexto de aplicações ERP. Ela

tem como diferencial apresentar visões diferentes, conforme Figura 13, e

relacionadas através de elementos de banco de dados. A ferramenta mais

importante para a modelagem de processos através de EPC é o ARIS da

empresa IDS Scheer.

Figura 13: As diferentes perspectivas organizacionais no modelo ARIS,

(Dumas, Aalst e Hofstede, 2005, p. 138)

Organização

Informa-

çõesControle Função

Saída

38

2.2.4 Perspectivas filosóficas dos processos de negócios

Os termos modelagem empresarial ou organizacional são, em alguns casos,

usados como sinônimos ou tratados da mesma forma que a modelagem de processos de

negócios. Teorias com nomes distintos podem ter objetivos sobrepostos e utilizarem

técnicas de representação similares. Em síntese, várias teorias de estudos

organizacionais procuram representar a organização do trabalho de um sistema de

produção sob um modelo próprio. A falta de limites estabelecidos entre as diversas

teorias pode ser explicada pela profusão e introdução de métodos de gestão inovadores e

de maior potencial de resultados, que são publicados nos meios empresariais e

acadêmicos de tempos em tempos (Becker, Rosemann e Uthmann, 2000). O efeito

negativo está relacionado à quantidade e variedade de analistas com formações

educacionais distintas, modelando processos e usando técnicas próprias, proprietárias ou

não de alguma instituição, cada uma com funções e objetivos e distintos dentro das

organizações, conforme representado na Figura 14.

Figura 14: Perspectivas influenciadoras da modelagem de processos,

(Becker, Rosemann e Uthmann, 2000, p. 34)

Os conhecedores destes vários métodos de gestão, alguns acadêmicos ou

práticos de alguma organização, normalmente são especialistas em algum domínio do

conhecimento, não necessariamente em técnicas de modelagem propriamente ditas. Por

exemplo, um contador torna-se especialista no método Activity-Based Costing (ABC),

sem necessariamente ter uma formação em desenvolvimento, verificação, validação e

implementação de modelos. Este fato aumenta as dificuldades da comunicação entre

analistas especializados em modelagem e outros participantes do projeto organizacional

mais abrangente. Como a proposta básica da modelagem de processos de negócios é

Desenvolvimento

de Sistemas

Integrados de Gestão

Customização

de Software

padrãoEspecificação

workflow

Simulação

Animação

Planejamento de

Recursos Humanos

Activity-Based

Costing (ABC)

Gestão de

ProjetosGestão do

conhecimentoBenchmarking

Certificação

Business Process

Reenginering (BPR)

Sistema de qualidade e

melhoria contínua

Seleção

de Software e

aplicativosMODELOS DE PROCESSOS

39

transcender os limites das unidades operacionais, a crença de que um profissional de

domínio específico pudesse assumir o papel de modelador potencializou novas barreiras

na modelagem de processos de negócios.

Retornando à modelagem conceitual representada na Figura 6, conclui-se que ela

pode apresentar novas óticas para o entendimento mais geral dos processos de negócios

dentro deste contexto de múltiplos métodos e técnicas. Segundo Hommes (2004, p. 22),

os modelos conceituais dos aspectos do fenômeno chamado ―processos de negócios‖

são denominados ―modelos de processos de negócios‖. Pode-se assumir que outras

teorias semelhantes poderiam fazer parte do portfólio de conhecimento teórico de um

analista durante a modelagem, cabendo a ele a decisão de escolha de qual teoria ele

julgaria mais adequada para as finalidades do modelo. Cabe ressaltar que, o aumento da

subjetividade e complexidade do termo processos de negócios, explicada pela crescente

ampliação de escopo de utilização, inicia sua trajetória no contexto histórico de Taylor

(2006) de representações de procedimentos do trabalho que passaram às atuais

representações de sistemas produtivos mais complexos. O aparecimento de múltiplos

métodos, técnicas e notações (inovadores, complementares e concorrentes) torna cada

vez mais difícil a tarefa de selecionar uma teoria apropriada que, combinada com a

concepção da realidade, se transformaria em um modelo efetivo. A Figura 15 apresenta

este contexto de teorias múltiplas, instanciadas por métodos e técnicas específicas, na

criação do modelo de processos de negócios.

Figura 15: Relação entre teoria, realidade e o modelo,

adaptado Hommes (2004, p. 23)

Independente da teoria ou técnica preferencial do analista, um entendimento

mais amplo dos diversos significados dos processos de negócios pode ampliar e

identificar questões sobre o papel dos indivíduos responsáveis pela modelagem. Melão e

Realidade

(Possível)

Teorias sobre Modelagem de Negócios

Um conjunto sistematizado de

conhecimentos genéricos relacionados a

como um fenômeno real que pode ser desenvolvido como processos de negócios

Modelo de Processos de Negócios

Um conjunto coerente de conhecimentos

individualizados, resultado da

compreensão de um fenômeno especifico como um processo de negócios.

Hipóteses

referentes a sua

natureza dos

processos de

negócios

Interpretação

Conceituação

Concepção

representação

Aplicação

Utilização de técnicas

40

Pidd (2000) representaram os processos de negócios sob quatro óticas: máquinas

determinísticas, sistemas dinâmicos complexos, circuitos de controle interativo e

construtos sociais5. Cada perspectiva permite a discussão dos conceitos dos processos

de negócios sob diferentes aspectos técnicos e do pensamento científico.

A primeira perspectiva postulada por Melão e Pidd (2000) - processos de

negócios como máquinas determinísticas - destaca que os processos de negócios são

muitas vezes entendidos como uma sequência fixa e predeterminada de atividades bem

definidas. A função básica do processo seria transformar insumos (entradas) em

produtos (saídas). Sob este aspecto, inspirado na metáfora da ―máquina burocrática‖ de

Morgan (1996), os modelos valorizam a representação da natureza técnica da atividade

de transformação do trabalho com alto grau de detalhamento para fins de padronização,

estruturação e possível automatização. A essência desta ótica de utilização da

modelagem de processos é o aumento da eficiência, produtividade e qualidade na

execução dos processos de trabalho. Indiscutivelmente, esta perspectiva foi um dos

pilares para que os processos de negócios tivessem um impulso muito grande na década

de 1980 com o Business Process Reengineering (BPR) (Hammer e Champy, 1994).

Essa abordagem promoveu o desenvolvimento de sistemas informatizados para

coordenação e controle dos processos de trabalho e de dispositivos para automação da

execução das atividades. Seu ponto forte é o destaque para funções de programação,

controle e sequenciamento das atividades de um processo de trabalho.

A segunda perspectiva, visão de sistemas dinâmicos complexos, visualiza os

processos de negócios como sistemas abertos que interagem entre si e que podem ser

divididos em subsistemas e depois decompostos hierarquicamente em outros

subsistemas para detalhamento das atividades realizadas. Aqui, destaca-se um elemento

na modelagem que não era tão visível na perspectiva de máquinas determinísticas.

Segundo Pidd e Melão (2000), a abordagem sistêmica requer o estabelecimento e

definição de regras de interação e intercâmbio entre conjuntos de processos distintos,

que se localizem num mesmo nível ou entre níveis hierárquicos distintos.

A terceira perspectiva, circuitos de controle interativo, complementa a

abordagem sistêmica e inclui elementos de retroalimentação para controle do fluxo de

processo. Ela destaca que as informações presentes no processo têm o poder de

5 Tradução livre do autor do original em língua inglesa (Melão e Pidd, 2000)): deterministic machines,

complex dynamic systems, interacting feedback loops e social constructs.

41

direcionar as ações dentro dos caminhos possíveis estabelecidos pelo processo. Na

realidade, estabelece que os processos de negócios são sistemas fechados que contém

controles intrínsecos. Esta perspectiva acrescenta uma característica dinâmica ao

processo no qual a coordenação das atividades é feita tanto por eventos gerados

internamente ao processo quanto por regras incorporadas externamente para tratamento

das informações durante o desenrolar do fluxo de atividades.

A quarta perspectiva põe ênfase no papel do ser humano como criador,

comunicador, participante e executante das atividades representadas no processo de

negócios. Ele não é visto apenas como máquina de comportamento previsível ou como

sistema que possui controle e objetivos claros. Na realidade, o individuo, ao interagir

com os eventos do processo, incorpora aspectos inerentes ao ser humano para tomar

decisões de como executar uma determinada atividade. De acordo com esta ótica, o

processo de negócios é realizado e conduzido por pessoas com ―valores, expectativas e

possivelmente agendas secretas‖ (Melão e Pidd, 2000). Em oposição às perspectivas

anteriores, entender os processos com construtos sociais implica em aceitar que eles

podem não existir num senso concreto. Eles são resultados de abstrações, julgamentos e

significados que as pessoas constroem mentalmente sobre o mundo real. A composição

das quatro perspectivas torna possível perceber que o processo de negócios é fruto tanto

da objetividade de regras pré-estabelecidas quanto da subjetividade humana.

As quatro perspectivas de Melão e Pidd (2000) apresentam aspectos tangíveis e

intangíveis da modelagem dos processos de negócios. À primeira vista, estas

perspectivas podem parecer conflitantes, mas na realidade são visões complementares,

pois valorizam quadros distintos de interpretação sobre a realidade a ser modelada.

Considerando que cada perspectiva valoriza alguns aspectos do processo de trabalho,

elas, se aplicadas isoladamente, podem atuar como filtros que permitiriam representar

alguns aspectos da organização do trabalho e ignorar outros. Entendendo as visões

objetivista e construtivista discutidas anteriormente no âmbito do relatório FRISCO e as

perspectivas propostas por Melão e Pidd, pode-se inferir que a modelagem de processos

é uma atividade multifacetada, podendo variar entre extremos, do positivista até o sócio-

cultural. Na Figura 16, Melão e Pidd representam o contínuo do concreto à abstração

das diferentes perspectivas da modelagem de processos de negócios.

42

Figura 16: Paradigmas das perspectivas de processos de negócios,

adaptado de Melão e Pidd (2000, p. 122).

Estes argumentos reforçam a idéia de que a modelagem de processos é uma

coleção de métodos, técnicas, ferramentas e perspectivas de pensamentos que juntas

tendem a melhorar a eficácia da representação do processo de trabalho. Uma importante

questão a ser levantada é entender que cada analista pode valorizar uma determinada

perspectiva de interpretação de acordo com suas características pessoais, como

personalidade, valores, cultura, formação educacional e outras.

2.2.5 Os processos de negócios como sistemas complexos

Complexidade pode ser definida como uma característica de sistemas dotados

de comportamentos que não podem ser explicados por uma análise convencional ou a

partir das partes que o constituem. A complexidade, em termos de um conceito

sistêmico, tem componentes inerentemente subjetivos como, por exemplo, expressar

oralmente a subjetividade de uma impressão ou sentimentos é tido como algo complexo

(Encyclopedia Britannica, 2009c). Não depende apenas da semântica ou sintaxe da

linguagem na qual a comunicação se estabeleceu, nem do meio de transmissão, mas sim

do contexto no qual a comunicação foi desenvolvida. Os processos de negócios têm

características de um sistema complexo visto que não depende apenas da notação

técnica escolhida, mas envolve todo o contexto técnico e social durante o

desenvolvimento e, após, na sua aplicação.

Os problemas dos modelos identificados por Falkenberg et al. (1998) nos

sistemas de informações com a presença de uma grande variedade de grupos de

interesses, posições filosóficas conflitantes e problemas de comunicação também estão

Construtos

Sociais

Circuitos de

Controle Interativo

Máquinas

Determinísticas

Sistemas

Dinâmicos Complexos

Positivismo Interpretativismo

43

presentes na área de processos de negócios. Como a tendência natural é o uso de

sistemas de informações para suportar a gestão dos processos de negócios, a

necessidade de tratar o desenvolvimento de modelos que atendam a esses dois domínios

de aplicação simultaneamente é mais uma evidência da complexidade da modelagem de

processos. Tomando as camadas do processo de comunicação citadas por Falkenberg et

al. (ibid), percebe-se o quão complexo pode ser o desenvolvimento de um modelo de

processos. Na camada física, o processo de comunicação apresenta uma grande

diversidade de meios e canais de contato entre os membros do grupo, com cada canal

valorizando aspectos distintos da mensagem. Na camada sintática, os desafios da

comunicação estão relacionados às variações no uso da linguagem, na estrutura e na

lógica utilizadas para passar a mensagem. A camada semântica destaca a variedade de

significados possíveis dos termos utilizados e a dificuldade de sua validação de maneira

homogênea em todos os contextos organizacionais envolvidos no modelo de processo.

Na camada pragmática, as intenções individuais e do grupo muitas vezes não são

explícitas. Na camada social, têm-se as interações, conflituosas ou não, dos valores e

culturas dos grupos envolvidos no processo de modelagem.

Em ambientes multiculturais, a modelagem propriamente dita torna-se mais

complexa em função das deficiências no processo de comunicação. Barreiras emergem

das diferenças entre identidades culturais e dificultam o fluxo de informações. Quatro

problemas básicos podem ser relacionados aos problemas de linguagem (Robbins, 2005,

p. 231). Primeiramente, as barreiras semânticas, pois as palavras significam coisas

diferentes para pessoas diferentes, principalmente para pessoas de culturas diferentes.

Em segundo, as barreiras causadas pelas conotações, ou seja, as palavras podem ter

mais de um significado em diferentes idiomas. Também existem as barreiras causadas

pelas diferenças de entonação (Trompenaars, 1994, p. 70), cujos exemplos mais comuns

são o tom e altura da voz, os padrões de pausa, saber esperar um interlocutor para iniciar

a fala e grupos que falam simultaneamente. Por último, têm-se as barreiras causadas

pelas diferenças de percepção, pois culturas diferentes vêem o mundo de formas

diferentes e tendem a expressar-se de maneira distinta. Associando-se às complexidades

individuais, sistêmicas e de comunicação, pode-se inferir que a modelagem de

processos de negócios é complexa e requer análises multidisciplinares, apesar da visão

mecanicista mais propagada e utilizada atualmente.

44

2.3 VERIFICAÇÃO, VALIDAÇÃO E QUALIDADE DE MODELOS

Considerando a complexidade do desenvolvimento dos modelos de processos de

negócio e o seu papel dentro das operações de uma empresa, é importante garantir que

eles alcançarão seus objetivos. Os modelos serão compreendidos claramente pelos

colaboradores da empresa na orientação da execução dos procedimentos de trabalho?

Eles refletirão de maneira consistente as interações entre as diversas unidades de

negócio da empresas? Eles comunicarão corretamente os requisitos para o

desenvolvimento e manutenção dos sistemas de suporte operacional e de gestão? A

importância das atividades de verificação, validação e avaliação de qualidade servem

para que os riscos de insucesso na modelagem não cheguem a afetar o desempenho da

organização. A complexidade, antes discutida, muitas vezes é tida como uma das

responsáveis dos problemas da modelagem de processos de negócios.

A complexidade dos modelos de processos pode ser analisada a partir de duas

dimensões (Rosemann, 2006, p. a). A primeira está relacionada com a forma e

abrangência com que o processo de modelagem é desenvolvido e a dificuldade de

trabalho dentro de um ambiente com alto grau de diversidade usando teorias, técnicas e

métodos sofisticados. A segunda dimensão está relacionada à complexidade inerente

aos processos de negócios de uma organização real, que envolve interações entre

pessoas, unidades operacionais, recursos, máquinas e organizações diferentes, entre

outros. Na verdade, a raiz do problema está no distanciamento entre o mundo real e a

representação final do modelo, pois o processo de modelagem, para chegar ao modelo

final, é composto por etapas sucessivas de aprimoramento da representação do modelo

(Nelson e Monarchi, 2007). Consequentemente, não basta verificar e validar o modelo,

deve-se, também, avaliar a qualidade do processo como um todo e identificar potenciais

fontes de falhas.

Tentando entender as raízes da complexidade e seus problemas, Rosemann

(2006, p. a; 2006, p. b) identificou vinte e duas características típicas de insucesso na

modelagem de processos. A lista foi dividida em seis partes: governança e estratégia,

envolvimento dos atores participantes, levantamento de requisitos, a prática de

modelagem, a forma de projetar modelos de processos novos e como lidar com o

sucesso e a manutenção dos modelos implementados. O Quadro 3 apresenta essas

características de insucesso e nele pode-se inferir que os problemas dos números quatro

ao dezenove são influenciados pela maneira como as interações entre indivíduos se

45

desenvolvem durante o projeto de modelagem. O segundo aspecto de destaque é a

quantidade de problemas relativos ao levantamento de requisitos e a prática da

modelagem propriamente dita, que são nove dos vinte e dois problemas identificados

pelo autor. Esses fatos sugerem que atividades de verificação, validação e avaliação da

qualidade de modelos tenham atenção especial aos fatores que contribuem para os

problemas destas duas áreas.

Antes de prosseguir nos estudos sobre qualidade do processo de modelagem e

dos modelos, serão discutidos aspectos conceituais da verificação e validação de

modelos. A verificação de modelos é um teste de integridade interno para encontrar

erros de sintaxe, na codificação, de programação e da implementação de algoritmos. Os

testes de validação têm como objetivo verificar se o modelo atende aos requisitos e

objetivos iniciais do projeto, se está de acordo com o propósito de desenvolvimento e se

realmente será útil quando da sua implementação em uma aplicação real.

Quadro 3: Características do insucesso na modelagem de processos de negócios, adaptado de Rosemann

(2006, p. a; 2006, p. b) .

Classe Características de insucesso

Na estratégia e

Governança

1. Falta de entendimento de como os processos de negócios poderão contribuir

para a execução da estratégia corporativa.

2. Falta de definição de critério de governança dos processos, de quem é

responsável pelas decisões de implementação, de mudança, das escolhas de

métodos, ferramentas e técnicas.

3. Falta de sinergia com os propósitos da modelagem. Como os modelos de

processos podem ser usados em várias aplicações distintas, a sinergia entre

propósitos pode inviabilizar a integração entre unidades de negócios e grupos de

trabalho diferentes.

No envolvimento

dos atores

participantes

4. Falta de ―modeladores‖ qualificados. A modelagem de processos de negócios

requer habilidades específicas que são diferentes do perfil clássico de Analista

de Negócios.

5. Falta de representantes das unidades de negócios qualificados a serem os

interlocutores de suas áreas no projeto, atuando como ―embaixadores‖, lidando e

negociando com os ―modeladores‖ e outros atores durante a modelagem.

6. Falta de aceitação dos modelos pelos usuários dos processos por dificuldade de

visualizar o que realmente está representado nos símbolos e diagramas.

46

Classe Características de insucesso

No levantamento

de requisitos

7. Falta de realismo devido à simplificação das representações, subestimando o

número de modelos e detalhes necessários para representar a complexidade da

organização do trabalho e do negócio.

8. A diferença entre o desejo da organização em modelar a sua organização de

determinada forma versus a escolha de uma técnica ou método de modelagem.

Nem sempre a técnica ou método fornecerá uma representação customizada

como desejada pela organização.

9. Risco da falta de detalhes é um problema real, pois o escopo de uma modelagem

de processos pode não ter fim, portanto, recortes e limitações são feitos pelos

analistas nas representações.

10. Problemas na tradução dos processos em suas representações de acordo com o

objetivo de uso do modelo. Um processo deve ser modelado para propósitos da

gestão e execução do negócio ou para o desenvolvimento de um sistema de

informação.

Na prática de

modelagem

11. Problemas com as ferramentas de desenho. As ferramentas de desenho são de

fácil uso e podem induzir pessoas sem as qualificações necessárias a ―desenhar‖

processos que podem não estar alinhados com as premissas de modelagem e

futura utilização do modelo.

12. Falta de atenção com métodos complementares como definição de convenções,

orientações para o processo de modelagem, procedimento de garantia de

qualidade.

13. Quando os analistas com perfil artístico dominam o grupo de trabalho, pode

haver um deslocamento de foco do tipo L’Art pour l’Art. Os modelos devem

priorizar as informações requeridas para os propósitos dos projetos e satisfazer

as necessidades de informações. O modelo não é um fim em si próprio.

14. Falta de uso correto da sintaxe dos métodos e técnicas de modelagem de

processos, devido ao risco e tendência de customização de símbolos que um

analista julga ser melhor que os padrões do método.

15. Foco no modelo e não no processo de modelagem. O processo de criar modelos

de negócios é acima de tudo um processo de aprendizagem, cujo resultado é o

modelo. Portanto, o processo de desenvolvimento deve ter importância igual ou

maior que o modelo por ele produzido.

16. Falta de capacidade em identificar o nível apropriado de detalhes para o

propósito do projeto.

47

Classe Características de insucesso

Projeto de

modelos de

processos novos

17. Falta de criatividade e imaginação em inovar e a tendência em repetir padrões e

desenvolvimentos passados.

18. O problema das melhores práticas de referências específicas em áreas como TI,

Gestão da Cadeia de Suprimentos, Gerência de Projetos, Gestão de

Relacionamento com o Cliente e outras. Cada uma com um quadro de trabalho,

aceito por suas comunidades de especialistas, que nem sempre são interligados a

outros domínios de conhecimento e, eventualmente, não consideram o contexto

em estudo.

19. O foco excessivo no desenvolvimento de sistemas de informação,

eventualmente ignorando as práticas de trabalho e de negócio não

automatizadas.

Questões

relacionadas ao

sucesso e

manutenção de

modelos

implantados

20. O sucesso na modelagem não garante o sucesso da implementação do processo

de negócio. É mais fácil preparar uma representação bonita e aceita do que fazer

com que ela aconteça no mundo real (Davenport, 2004 apud Rosemann, 2006b).

21. Falta de foco na manutenção da consistência do modelo com a qualidade

semântica e com a dinâmica das mudanças nos processos de trabalho.

22. Falta de clareza do tipo de métrica de desempenho que o modelo deve objetivar.

Além da tradicional preocupação com o tempo de execução, outras métricas

podem ser importantes. Se o modelo não contemplar saídas para estas métricas,

o modelo pode não atingir seus objetivos.

2.3.1 Verificação

A verificação é uma etapa de teste usualmente aplicada ao desenvolvimento de

programas de computadores, modelos para simulação e, recentemente, começou a ser

discutida também no âmbito de processos de negócios. Inicialmente, os processos de

negócios eram modelados com métodos mais intuitivos e estruturação menos formal, a

exemplo das técnicas de flowcharting. Com o surgimento e utilização de técnicas de

modelagem de processos com maior formalismo sintático e semântico, a exemplo da

técnica de EPC, a etapa de verificação passou a ser útil também nos projetos de modelos

de processos de negócios. A importância da etapa de verificação cresce quando o

propósito da modelagem é o desenvolvimento de aplicações de TI e automatização, pois

requerem uma maior consistência nos modelos para sua implementação em sistemas de

informações. Quanto mais formalismo, correção sintática e consistência interna tiverem

os modelos de processo, mais fácil será a transposição das regras de informações,

48

procedimentos e atividades para ferramentas informatizadas e automatizadas (Dehnert e

Aalst, 2004).

A verificação é um processo para garantir que as notações da técnica de

modelagem foram corretamente utilizadas, sintática e semanticamente. Sob a ótica de

processos de negócios, a etapa de verificação tem as seguintes atividades (Weske,

2007): verificar se as dependências de dados entre processos estão corretamente

representadas no fluxo de dados em termos semânticos; se as transições de fase e

estados estão representadas corretamente para o conjunto possível de entradas; se

existem estados e transições ―fantasmas‖, ou seja, representados no modelo, mas que

nunca ocorreram realmente.

2.3.2 Validação

As atividades de validação têm como objetivo atestar que o modelo

desenvolvido atendeu aos requisitos iniciais propostos pelos usuários e clientes. Zeigler

(1984 apud Pidd, 2003, p. 296) destaca duas noções importantes sobre a validação. A

primeira, que envolve a comparação entre observações do modelo e o sistema real. A

segunda, que qualquer validação deve ser realizada com um objetivo específico, visto

que ela é um teste de adequação ao propósito estabelecido inicialmente para o modelo.

Hommes (2004), em seus estudos sobre a modelagem de processos de negócios,

caracterizou a avaliação da modelagem com um diagrama em árvore mostrado na

Figura 17. Ele dividiu a avaliação da correção (exatidão ou conformidade) do modelo

em duas dimensões, sendo uma interna, que pode ser associada aos conceitos de

verificação e outra externa, relativa aos conceitos de validação.

Figura 17: Verificação e validade de modelos de processos,

adaptado de Hommes (2004, p. 68).

Do ponto de vista epistemológico dos estudos de modelagem na gestão, Pidd

(2003, p. 290) apresenta três perspectivas sobre a validação de modelos. A primeira,

Modelo

CORREÇÃO

EXATIDÃO

CONFORMIDADE

UTILIDADE

Correção Interna

Correção externa

Exatidão Empírica

Correção Sintática

Correção Semântica

Validade

49

com perfil filosófico, postula que o modelo deve ter como base um objetivo, expressado

matematicamente ou logicamente, e deve demonstrar ser útil e passar em testes de

adequação. A segunda perspectiva, do ponto de vista histórico, assume que a validade

está relacionada à aceitação dos cientistas que trabalham com o paradigma tecnológico

ou conhecimento dominante. Por último, no campo sociológico, um modelo será

considerado válido se for aceito como tal e for visto como útil pela comunidade

científica. É possível inferir quatro pontos para validade dos modelos de processos de

negócios com base numa reflexão sobre as perspectivas de Pidd (ibid). Primeiro, o

modelo de processo deve atender aos objetivos para os quais ele foi desenvolvido;

segundo, deve demonstrar ser útil; terceiro, deve estar de acordo com as teorias de

gestão em vigor na organização, e por último, ser aceito pela comunidade que usará o

processo em suas atividades rotineiras.

Pidd (2003) sugere que nenhum método de validação poderá garantir que um

modelo será completamente correto, mas destaca a sua importância visto que os

modelos serão utilizados na prática afetando a forma das organizações trabalharem.

Robinson (1996 apud Pidd, 2003) destaca três termos característicos que um modelo

deve apresentar: validade, credibilidade e aceitabilidade. Estes três termos refletem o

relacionamento de confiança entre o analista, responsável pela modelagem, os demais

atores participantes da organização e o modelo produzido. A confiança no analista, no

processo de modelagem e no modelo é fundamental para aceitação do processo após

implantação.

Com base nas perspectivas filosóficas dos processos de negócios, apresentado no

item 2.2.4, um ponto de contraste pode ser estabelecido entre os modelos quantitativos,

comuns nos estudos de engenharia, e qualitativos, mais adequado aos modelos de

processos de negócios. Segundo Pidd (ibid), a validade estatística e matemática são

fundamentais para testar o realismo da modelagem quantitativa. No outro extremo, a

validação axiomática é o fundamento das validações de modelos qualitativos, feitos com

base em testes de linguagem e comunicação. Estes argumentos de Pidd corroboram com

o uso das abordagens de Hoppenbrouwers, Proper e Weide (2005) e do relatório

FRISCO (Falkenberg et al., 1998) para modelos de processos de negócios. A Figura 18

representa o espectro das abordagens de validação para modelos quantitativos e

qualitativos, segundo Pidd (2003).

50

Figura 18: Abordagens para validação de modelos de gestão,

adaptado de (Pidd, 2003, p. 309).

2.3.3 Qualidade na modelagem

Qualidade é um termo com várias perspectivas e definições. Neste tópico,

algumas destas perspectivas serão discutidas no contexto da modelagem, especialmente

a de processos de negócios. Uma análise de abordagens clássicas da qualidade

(Carvalho, Paladini, et al., 2006, p. 9) e sua análise sob a ótica dos processos de

negócios é apresentada no Quadro 4:

Quadro 4: Abordagens clássicas da qualidade aplicada aos modelos de processos de negócios.

Abordagens clássicas da qualidade (Carvalho,

Paladini, et al., 2006, p. 9)

Abordagens clássicas da qualidade aplicada aos

modelos de processos de negócios

A qualidade do produto é composta por fatores

mensuráveis dos atributos que compõem o

produto.

O modelo é um produto, visto que é

concretizado num documento com as

representações da realidade.

A qualidade com base no usuário é uma

variável subjetiva cuja percepção de utilidade

e de satisfação das necessidades e os desejos

do cliente são os pontos a serem avaliados.

O modelo será utilizado para determinado

propósito e, portanto, aspectos relacionados à

qualidade percebida devem ser avaliados.

A qualidade na produção inclui fatores

mensuráveis do processo produtivo,

contrapondo o planejamento com os resultados

alcançados; tem como base as ferramentas

estatísticas de controle de processo.

O modelo é resultado do processo de

modelagem. Na perspectiva da qualidade do

processo, fatores devem ser avaliados para que

o produto final, ―o modelo‖, tenha qualidade.

Qualidade com base no valor está relacionada

à percepção e expectativas dos clientes sobre a

utilidade, benefícios e custos.

O modelo deve ser útil e os resultados a serem

obtidos pela sua utilização devem compensar

os investimentos gastos no seu

desenvolvimento.

Qualquer método de avaliação de qualidade deve ser iniciado nas primeiras

etapas da fase de desenvolvimento do modelo (vide Figura 5) e, entre elas, a de

Construtivista ---- Instrumentalista

Realismo

Axiomático

Modelo

Quantitativo

Modelo

Interpretativo

51

levantamento de requisitos. A fase de levantamento e definição dos requisitos dos

clientes e usuários do projeto é indicada em vários estudos como uma das etapas mais

críticas para o sucesso. Caracteriza-se pela obtenção das informações de como o

processo de trabalho se desenvolve e depende criticamente da comunicação entre

indivíduos das diferentes áreas de negócio, que normalmente têm formações e

experiências diferentes. Vários problemas desta fase são identificados por Christel e

Kang (1992) e no Quadro 3 (Rosemann, 2006, p. a; 2006, p. b). A validação e a

qualidade na elaboração de documentos que registrem os requisitos é fator-chave de

sucesso nas fases posteriores da modelagem de negócios.

Sob a ótica dos requisitos, destaca-se o trabalho de Balci (2004), no qual ele

apresenta uma série de fatores para avaliar a qualidade da fase de levantamento de

requisitos na área de modelagem e simulação. Estes fatores são orientações práticas para

as atividades de verificação, validação e avaliação da qualidade dos modelos no estágio

inicial de desenvolvimento. O Quadro 5 apresenta os fatores a serem utilizados para

avaliação de requisitos nos estudos de modelagem e simulação (ibid).

Quadro 5: Indicadores de qualidade nos estudos de modelagem e simulação, Balci (2004).

Fator Descrição

Qualidade Requisitos que contenham o conjunto desejado de características

Acurácia Requisitos com representação suficiente para atender aos objetivos do modelo

Veracidade Requisitos avaliados como verdadeiros de acordo com a intenção dos clientes

Validade Requisitos que atendam às reais necessidades dos clientes

Clareza Requisitos sem ambiguidade e de fácil entendimento

Completitude Requisitos que representem todos os elementos e informações relevantes

Consistência Requisitos usando notação uniforme e terminologia coerente

Viabilidade Requisitos possíveis de serem modelados e implementados

Modificabilidade Requisitos de fácil mudança durante o desenvolvimento dos modelos

Estabilidade Requisitos com poucas mudanças após validação dos modelos

Testabilidade Requisitos que tenham parâmetros possíveis de serem testados

Rastreabilidade Requisitos que possam ter suas origens e mudanças rastreáveis

Quando as aplicações dos modelos de processos de negócios estão relacionadas

aos sistemas de informações, a fase de levantamento de requisitos torna-se mais

52

complexa. Atualmente, os Projetos de TI envolvem muitas organizações, terceirizadas

ou parceiras, durante a execução da modelagem ou de parte do desenvolvimento do

sistema propriamente dito. Estas empresas terceirizadas e parceiras podem estar

dispersas, terem origens diversas e somente tenham interações durante determinado

período de tempo. Esse modelo organizacional em rede expõe grupos diferentes, com

identidades culturais distintas e que devem interagir uns com os outros para atingir aos

objetivos do projeto. Este tipo de relacionamento multifacetado foi definido por Cunha

e Canen (2008) como interações interculturais de ―muitos-para-muitos‖, em oposição ao

conceito tradicional de um expatriado trabalhando numa empresa fora de seu país de

origem numa relação denominada ―um-para-muitos‖. O contexto multicultural no

ambiente de TI pode não ser tão visível quanto em outros setores, mas ele existe e em

nível elevado. Nestas condições, as atividades de validação e qualidade sobre os

requisitos e modelos tornam-se muito mais críticas.

Um modelo mais completo de avaliação de qualidade de modelos foi

apresentado por Becker, Rosemann, e Uthmann (2000). Eles propuseram um método de

avaliação da qualidade que endereça algumas das perspectivas das abordagens clássicas

do Quadro 4. Segundo esses autores, o crescente número de métodos de modelagem, de

pessoas envolvidas nos projetos, analistas e usuários e da complexidade do escopo de

estudo torna necessário um gerenciamento mais efetivo da qualidade dos processos de

modelagens. O modelo denominado Guidelines of Modeling (GoM) tem como objetivo

avaliar os modelos oriundos de métodos de modelagem padronizados. O quadro de

trabalho inclui seis orientações básicas que procuram avaliar a qualidade dos modelos

produzidos (visão de produto) e também do desenvolvimento da modelagem (visão do

processo). O modelo é representando na Figura 19.

53

Figura 19: Quadro para avaliação da qualidade de modelos

adaptado de Becker, Rosemann e Uthmann (2000, p. 32)

Hommes e Reijswoud (2000) desenvolveram um quadro de trabalho de

avaliação da qualidade mais focado na modelagem de processos de negócios. Eles

também abordam as dimensões de qualidade do produto e do processo na modelagem

de negócios de maneira segmentada. No quadro proposto, esses autores subdividem a

avaliação da qualidade em um número de propriedades que são associadas em duas

perspectivas, quais sejam produto/processo e modelagem de uso geral e para processos

de negócios. A primeira separa as propriedades da modelagem entre as que são ligadas a

criação do modelo propriamente dito e aquelas associadas à organização do trabalho

para executar a modelagem. O ponto de destaque do modelo é que esses autores

combinam de forma clara e simultânea propriedades relativas ao produto e processo de

modelagem com destaque para propriedades que são específicas para os modelos de

processos de negócios e outras de aplicação a modelos em geral. Na Figura 20 são

mostradas as propriedades para avaliação da qualidade de modelos segundo Hommes e

Reijswoud (ibid).

Avaliar o uso

correto das regras

sintáticas,

semânticas e

terminologias de

acordo com o

padrão estabelecido

pelo método.

Correção,

ExatidãoRelevância

Eficiência

Econômica

Clareza Comparabilidade Sistematização

QUALIDADE

DO MODELO

Avaliar a topologia

da representação e

seu entendimento

intuitivo. Por

exemplo, minimizar

o uso de linhas que

se cruzam, o

número de símbolos

usados, padronizar

a nomenclatura.

Avaliar as

orientações básicas

para os modelos a

serem usados no

projeto, convenções

especificas

estabelecidas para o

contexto em estudo.

Avaliar as relações

de integridade entre

as diversas visões e

hierarquias de

modelagem. Cada

entrada ou saída de

uma hierarquia ou

visão deve estar

representada nos

elementos

subjacentes.

Sob a perspectiva

de um método ou

técnica de

modelagem

Avaliar a viabilidade,

praticabilidade,

possibilidade e

exequibilidade da

utilização do modelo

em um aplicação

prática.

Avaliar relevância

do objeto modelado

(parte do universo).

Se o objeto puder

ser eliminado sem

perda de significado

para o usuário, ele

não é relevante

54

Figura 20: Propriedades da qualidade da modelagem de processos,

adaptado de Hommes e Reijswoud (Hommes e Reijswoud, 2000)

2.4 APLICAÇÕES DE PROCESSOS DE NEGÓCIOS

Durante o século XX, houve um grande desenvolvimento e evolução nos

métodos e técnicas para entendimento da análise dos processos produtivos. Taylor

(2006), no princípio do século, foi um dos pioneiros a propor idéias para ―gestão

científica da produção‖ com base em princípios de análise empírica dos processos de

trabalho, padronização de tarefas, identificação das características e habilidades

necessárias aos executores, além do estabelecimento de elementos de coordenação entre

eles (Baldam, Valle, et al., 2008). A evolução dos sistemas de produção, das operações

em rede e o maior envolvimento de atores distintos na cadeia de produção promoveram

o aparecimento de muitas aplicações de processos de negócios.

De fato, os processos de negócios são modelados e utilizados para diversos fins.

Eles podem representar processos de manufatura, serviços, pesquisa e outros. Além

disso, podem ser executados através de procedimentos manuais, parcial ou

completamente automatizados, e serem conduzidos por sistemas de informações. A

partir da análise dos modelos de processos de negócios, pode-se decidir quais atividades

serão automatizadas e quais continuarão a ser executadas através de um processo

Relações do

modelo

Objetivo do

modelo

Relações de

Atividades

Atividade

Relações de

procedimento

Forma de modelar Forma de trabalhar

Qualidade no produto

Adequabilidade

Completitude

Coerência

Compreensibilidade

Eficiência

Eficácia

Arbitrariedade

Qualidade no processo

Modelagem de

processos de

negócios em

particular Modelagem conceitual em geral

Expressividade

Notação Significado

Relações de

conceitos

Conceito de

modelagem

55

manual. As atividades que tenham um alto grau de repetição, estruturação e

padronização podem ser transferidas para execução automática em máquinas

específicas. As atividades mais complexas, com maior grau de flexibilidade e variação,

em geral, serão executadas manualmente.

A evolução do pensamento sobre processos de negócios, significado e

importância, ultrapassou os limites das perspectivas puramente mecanicistas e tangíveis

dos elementos do trabalho industrial. Técnicas como o BPM têm sido usadas para

estudo do trabalho nas mais diversas organizações, avaliando e melhorando a gestão de

operações, controle de processos, engenharia de sistemas e outras. Os processos

operacionais, além dos de produção, passaram a ser representados com um

detalhamento maior para permitir estudos mais avançados. Atualmente o escopo de

estudo dos processos de negócios é muito amplo e sua análise sob diferentes óticas e

perspectivas pode facilitar seu entendimento.

2.4.1 Tipos de atividades nos processos de negócios

Os processos de negócios podem ser estudados a partir de algumas dimensões,

de acordo com os tipos de atividades de trabalho. Weske (2007) apresenta duas

classificações para as atividades do processo: uma com base nas características

intrínsecas da atividade e outra levando em consideração a orientação da divisão das

tarefas em atividades menores. Complementarmente, Dumas, Aalst e Hofstede (2005)

apresentam uma classificação associando o tipo de atividade ao tipo de sistema mais

adequado para o suporte à execução, coordenação e controle do processo.

2.4.1.1 Classificação quanto às características intrínsecas das atividades

As atividades num processo de negócios podem variar quanto ao grau de

automação, repetição e estruturação (Weske, 2007). Com relação ao grau de automação,

existem processos que são totalmente automatizados, ou seja, não existe participação

humana na execução das atividades, enquanto outros têm todas as suas atividades

executadas por pessoas. Neste último caso, os sistemas de suporte somente têm a função

de registrar o andamento das atividades, quando a atividade chegou ao posto de trabalho

e o momento da sua conclusão. Outros processos, os mais comuns hoje em dia, têm a

presença das duas situações combinando atividades passíveis de automação e outras de

maior complexidade que requerem execução manual e dependem da ação do homem.

56

Este último tipo são os processos usualmente suportados pelos sistemas de gestão

Workflow (WfMS).

O grau de repetição é a segunda característica, citada por Weske (2007), que

influencia na modelagem de processos. Existem processos de trabalho dotados de

atividades com grande quantidade de repetições em curto espaço de tempo e outras

atividades que são realizadas poucas vezes ou até uma única vez. Existe um consenso na

comunidade de que tarefas com poucas repetições não justificam todo o esforço de um

ciclo de desenvolvimento de processos de negócios. Tarefas não repetitivas tendem a

ser tratadas por outros métodos como a Gestão de Projetos.

A terceira característica é o grau de estruturação, que se refere ao nível de

detalhamento do procedimento de execução de uma atividade e se ela é executada de

forma consistente sob esse procedimento. Em uma atividade estruturada é possível

definir passos detalhados de execução que se repetem de forma previsível e

padronizada. A execução de tarefas estruturadas sofre pouca variação e independe do

responsável por sua execução. No outro extremo, existem as atividades pouco

estruturadas, ou seja, atividades cuja execução é pouco padronizada e previsível.

Normalmente, elas dependem de muitas variáveis distintas, não previsíveis e requerem

soluções complexas durante sua execução. A execução da atividade não tem

procedimentos rígidos e é fortemente influenciada pelo conhecimento tácito e

habilidades do executor. Atividades de pesquisa e desenvolvimento são exemplos de

atividades consideradas não estruturadas.

2.4.1.2 Classificação quanto à orientação da divisão das atividades

A divisão do trabalho em atividades menores não é um assunto novo. Desde os

estudos de Taylor e Ford, existia um foco na divisão das tarefas para aumentar

eficiência e produtividade (Baldam et al., 2008). De certa forma, as atividades do

trabalho eram estudadas, modeladas e posteriormente racionalizadas e

operacionalizadas na linha de produção. No contexto da modelagem de processos tem-

se uma abordagem semelhante, cuja questão central é a forma de representar as

atividades, dividindo ou agrupando-as. As atividades podem ser divididas em unidades

menores, seguindo a estratégia ―dividir-e-conquistar‖ muito utilizada nos estudos de

modelagem. Por outro lado, durante a modelagem de processos, o analista pode

identificar tarefas pontuais e correlatas nas quais a agregação para representação no

57

modelo pode trazer benefícios ao entendimento e para o desenvolvimento dos sistemas

de suporte.

Segundo Reijers (2003), a representação em atividades e seus recursos é uma

forma de apresentar o trabalho em pedaços menores para facilitar sua análise. Os limites

de uma atividade normalmente são escolhidos de forma abstrata separando unidades

lógicas da execução do trabalho. Segundo esse autor, um bom sinal dos limites entre

uma atividade e outra são os momentos em que o trabalho é transferido de um recurso

para o outro no processo. A questão fica mais complexa quando a estrutura do trabalho

cresce, envolvendo unidades de produção diferentes que podem estar agrupadas

hierarquicamente, por funções, delimitações geográficas ou outras. Neste contexto de

maior complexidade, os modelos acabam representando atividade de forma agrupada ou

divida cujas representações podem ter uma granularidade maior ou menor em uma

determinada direção organizacional, horizontal ou vertical, dependendo do objetivo da

modelagem.

Weske (2007) descreve essas duas orientações para a divisão ou agregação de

atividades em um processo, sendo uma vertical e outra horizontal. Na orientação

vertical, a divisão ou agregação de atividades tem como base a perspectiva funcional da

organização. Na horizontal, as decisões sobre a divisão ou agregação de atividades têm

como base a sequência de execução do trabalho propriamente dito, as transições e os

estados intermediários que podem ser monitorados. Em qualquer uma das orientações, o

analista definirá o grau de granularidade da representação do modelo de acordo com sua

concepção e entendimento dos objetivos requeridos na operacionalização do processo,

para coordenação, controle e monitoração das execuções de instâncias reais. Apesar de

tentarem postular orientações gerais, Weske (2007) e Reijers (2003) reconhecem a

dificuldade de estabelecer regras para decidir sobre a granularidade da representação

das atividades no modelo. No fundo, a ação de dividir ou agrupar tarefas em uma

atividade é abstrata, de interpretação e decisão pessoal do analista responsável pela

modelagem.

2.4.2 Tipos de sistemas para suporte ao processo

Dumas, Aalst e Hofstede (2005) apresentaram um estudo para determinar os

tipos de sistemas de informação mais adequados a determinados tipos de processos de

trabalho. Eles propõem a denominação Process Aware Information Systems (PAIS) para

58

designar os sistemas de informação desenvolvidos para suportar, de forma processual,

as atividades necessárias à execução de um trabalho. O PAIS é um software que

gerencia, coordena e executa passos de um processo de trabalho. Segundo esses autores,

existem dois tipos básicos de PAIS: aqueles que são desenvolvidos para suportar

processos de negócios específicos e somente podem ser usados no contexto para o qual

o projeto foi desenvolvido; e aqueles de aplicação genérica, que são sistemas de

informação com funcionalidades e ferramentas para a modelagem e a configuração de

processos de qualquer tipo de negócio. Os Business Process Management Systems

(BPMS) e os Workflow Management Systems (WfMS) são exemplos de softwares

genéricos para uso em diversos contextos de trabalho. Dumas, Aalst e Hofstede

classificam os diversos tipos de PAIS a partir da natureza dos recursos do processo e o

grau de estruturação e predicabilidade das atividades.

2.4.2.1 Classificação quanto à natureza dos recursos do processo

Quanto à natureza dos participantes e recursos, Dumas, Aalst e Hofstede (2005)

classificam os processos como person-to-person (P2P), person-to-application (P2A) e

application-to-application (A2A). Os processos P2P são caracterizados basicamente

pela presença de atividades que requerem a intervenção humana para inicialização,

distribuição, encaminhamento e execução das atividades, ou seja, são processos pouco

automatizados nos quais os sistemas de suporte atuam como meio de comunicação e

registro das interações entre os membros do grupo de trabalho. Aplicações de Gestão de

Projetos e para trabalho colaborativo6 são exemplo de PAIS tipo P2P.

Os sistemas application-to-application (A2A) são usados para suportar processos

automatizados. Ao receberem uma tarefa, eles encaminham as atividades requeridas

para serem executadas em recursos automatizados de acordo com o modelo de processo

configurado no sistema. Operações bancárias pela Internet são um exemplo clássico de

aplicações do tipo A2A. Quando uma tarefa é inicializada, o sistema automaticamente

executa um fluxo de atividades, consulta a base de dados, executa cálculos e aprova ou

não a liberação de recursos, sem a intervenção humana.

O terceiro tipo proposto por Dumas, Aalst e Hofstede (2005) são os processos

person-to-application (P2A) que envolvem interações entre pessoas e processos

6 Em inglês os termos mais comuns são Groupware e Computer Supported Cooperative Work (CSCW)

que se referem a sistemas computacionais para co-editoração e discussão em grupo como blogs, wiki,

video-conferencing, instant messaging e etc.

59

automáticos. Workflow Management Systems (WfMS) são exemplos típicos de sistemas

P2A, nos quais as atividades podem ser executadas de duas formas. Algumas etapas são

executadas por pessoas que depois informam a conclusão ao sistema e outras etapas são

executadas automaticamente pelo próprio sistema, como por exemplo, a consulta a um

banco de dados, acionamento de dispositivo e etc. Os sistemas Enterprise Resource

Planning (ERP) normalmente apresentam um módulo para configuração de processos

de trabalho combinando um fluxo de atividades manuais e aplicações automáticas.

2.4.2.2 Classificação quanto à estrutura e predicabilidade do processo

O grau de estruturação e predicabilidade das atividades do processo podem

indicar que tipo de sistema de suporte é mais adequado para a gestão dos processos de

negócios. Existem processos de trabalho de natureza ad hoc, ou seja, não existe um

padrão pré-definido de execução, transferência de informações e de roteamento de

tarefas entre pessoas ou recursos. Por outro lado, os processos de produção em massa e

alguns processos administrativos têm etapas bem definidas e estruturadas, sendo

possível pré-estabelecer um fluxo de trabalho bem detalhado. Além desses, existem

outros tipos de processos nos quais o grau de complexidade é tão alto que impõem a

presença de pessoas para executar, coordenar e decidir sobre o encaminhamento das

atividades.

Segundo Dumas, Aalst e Hofstede (2005), a análise dos comportamentos típicos

dos processos de negócios permite identificar o grau de estruturação, predicabilidade e

complexidade das atividades envolvidas. Esses autores propuseram quatro tipos básicos

de atividades: as não-estruturadas, as de estrutura ad hoc, as fracamente estruturadas e

as fortemente estruturadas7. Com base nas definições de tipos de processos e atividades

apresentadas, Dumas, Aalst e Hofstede (2005) ilustram, no gráfico da Figura 21, os

tipos de sistemas PAIS que seriam mais adequados para o binômio tipo de processo

versus tipo de atividade.

7 Os termos originais em inglês usados por Dumas, Aalst e Hofstede (2005) são: unframed, ad hoc

framed, looselyframed, and tightly framed.

60

Figura 21: Atividades e sistemas de suporte orientados a processos,

adaptado de Dumas, Aalst e Hofstede (2005, p. 15).

As classificações propostas por Dumas, Aalst e Hofstede (2005) ampliam o

escopo da modelagem de processos de negócios de maneira estruturada e consistente,

porém trazem alguns questionamentos. Um processo de trabalho não é um fenômeno

homogêneo do início ao fim. Aspectos distintos combinando as diversas características

da Figura 21 podem estar presentes no mesmo processo de trabalho. O mais importante,

na visão proposta pelos autores no modelo PAIS, é a consideração da diversidade de

atividades do trabalho. Várias tecnologias de suporte ao processo devem ser estudadas

para uma melhor adequação entre a ferramenta de suporte e o tipo de atividade.

Atualmente, os WfMS são as tecnologias mais usadas no contexto dos PAIS e a transição

em curso pode demandar novas abordagens para o desenvolvimento de sistemascujos

pré-requisitos são abordagens mais abrangentes de modelagem de processos de

negócios. A ciência das transições em curso nas ferramentas de suporte para a

coordenação do trabalho não retira a importância dos WfMS como uma das principais

aplicações da modelagem de processos de negócios.

2.4.3 Sistemas de gerenciamento de Workflow

Atualmente, a ferramenta de tecnologia de informação para suporte a processos

(PAIS) mais utilizada nas empresas são os sistemas para gestão do fluxo de trabalho,

Sistemas de

monitoração

Sistemas de

Workflow

Sistemas de

Workflow

ad hoc

Sistemas Case ,

Sistemas

flexíveis de

Workflow

Sistemas de

Workflow

Científico

Integração de aplicações

orientadas a processos

não pré-definidos

Sistemas de

colaboração

orientado à

processos

Sistemas para

Gerenciamento

de Projetos

Groupware

B2B

Processos de

integração e

Service

Composition

Fortemente estruturadas

Fracamente

estruturadas

Estrutura

ad hoc

Não-

estruturadas

P2P P2A A2A

Característica

da atividade

Tipo de

sistema de

suporte

61

denominados sistemas de Workflow. A definição de Workflow, adotada pelo Workflow

Management Coalition (WfMC), é um sistema computadorizado para automatizar,

integral ou parcialmente, a coordenação das tarefas entre unidades de trabalho dentro de

um processo de negócios (Hollingsworth, 1995, p. 6). Estes sistemas são uma das partes

centrais da arquitetura típica dos WfMS e têm como objetivo a automação, transmissão e

controle do fluxo de documentos e informações das tarefas entre os participantes de um

processo de trabalho. Um sistema de Workflow típico promove a automação da

coordenação de sequências em que as atividades de trabalho devam ser feitas de acordo

com as regras de encaminhamento pré-estabelecidas e informações no modelo de

processo e pelo monitoramento do estágio de execução dessas tarefas.

Os modelos de processos de negócios podem ser considerados o projeto básico

para o desenvolvimento dos sistemas WfMS. Eles capturam informações sobre

processos, procedimentos, informações e regras dos trabalhos operacionais para que

possam ser implementados nos sistemas de informações (Weske, 2007, p. 308). O

Analista de Processo de Negócios interage com o executor da atividade, ou

representante da unidade operacional, para entender como a atividade é executada por

ele e elaborar um modelo de fluxo de trabalho integrado com as informações dos demais

postos de trabalho das unidades operacionais envolvidas no processo. Este modelo, após

testes de verificação e atividades para validação, é programado num sistema de

Workflow. O sistema, uma vez implantado, fará a coordenação entre as atividades

humanas, aplicações automatizadas e outros artefatos tecnológicos do processo. Quando

uma tarefa é iniciada no sistema Workflow, é instanciada8 para um posto de trabalho

responsável pela execução da primeira etapa do trabalho necessário para a execução da

tarefa. Após sua conclusão, o sistema Workflow seleciona o posto de trabalho para a

execução da etapa seguinte do processo, e seguirá com a coordenação das etapas de

trabalho até que a tarefa seja finalizada. A Figura 22 apresenta uma arquitetura

simplificada para os sistemas de Workflow.

8 O termo ―instanciar‖ no contexto de processos de negócios significa os procedimentos necessários para

atender às necessidades da execução de uma tarefa especifica. Está associada, na prática, a todos os atos

necessários para a execução tarefa, desde o começo até a conclusão do fluxo de processo estabelecido

pelo modelo. Cada instância de processo pode seguir caminhos ou sequências específicos para a tarefa

dentro do fluxo de processo, de acordo as informações geradas no início e eventos que surgirem no

decorrer do processo de trabalho.

62

Figura 22: Arquitetura simplificada de um sistema de Workflow,

adaptado de Weske (2007, p. 308).

2.5 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO

O objetivo deste capítulo foi apresentar os referenciais teóricos sobre a

modelagem de processos de negócios. A premissa básica usada foi a de que um modelo

de processo de negócio é, por princípio, um modelo representativo da organização do

trabalho nas organizações. Como qualquer outro modelo da área de estudos de gestão,

ele deve ser válido dentro de um conjunto de teorias para modelagem de fenômenos

organizacionais, desde a concepção, representação em notação formal, verificação,

validação até a avaliação de qualidade. A ênfase do texto foi identificar o papel e a

responsabilidade dos indivíduos durante o processo de modelagem e em seu produto

final, o modelo formal. Para tal, fez-se necessária uma varredura nas teorias vigentes

para identificar fatores que possam ser influenciados pelas identidades socioculturais

dos analistas responsáveis pelo trabalho de modelagem.

As relações entre teoria, modelos e realidade suportam o argumento de que o

indivíduo de fato influencia tanto no processo modelagem quanto no modelo produzido.

Os processos de negócios apresentam características distintas de outros contextos de

modelagem na Engenharia, visto que o objeto de estudo é fruto da concepção humana e

abstrato por natureza, mas nem por isso, deixa de se tornar realidade quando um

trabalho é executado dentro das organizações. A questão torna-se mais complexa, pois o

Interface Gráfica

Máquina / Módulo de sistema de Workflow

AplicaçõesAutomatizadas

Modelagem do fluxo de trabalho

Repositório de modelos de fluxo

de trabalho

Analista de

Processos de

Negócios

Participante /

Executor do

trabalho

Participante /

Executor do

trabalho

63

ato de modelar também é uma abstração em si mesmo. A transposição entre a realidade

do trabalho, primeiro nível de abstração, processo de modelagem, segundo nível de

abstração, e modelo de processos pode distanciar o produto final (um modelo, um

processo de trabalho ou um sistema informatizado) da sua realidade inicial. Atividades

de verificação, validação e avaliação de qualidade tornam-se críticas não só para

garantir o efetivo uso do modelo a ser implementado, mas também podem ser uma linha

de investigação para avaliar as consequências de possíveis comportamentos distintos

entre analistas durante a modelagem.

No próximo capítulo, serão abordadas as teorias, conceitos e modelos que para

investigar as possíveis influências da individualidade na modelagem de processos de

negócios serão analisadas. No Capítulo 4, será desenvolvido um quadro de pesquisa,

combinando os fatores técnicos dos modelos de processos de negócios, apresentados

neste capítulo, e as teorias e conceitos sobre fatores socioculturais, apresentados no

Capítulo 3.

64

3 AVALIAÇÃO DE FATORES SOCIOCULTURAIS

As representações dos processos de trabalho através de modelos de processos de

negócios caracterizam um meio de comunicação formal e documentado. Entretanto, não

existem meios de comunicação, formais ou não, sem problemas. Como discutido no

capítulo anterior, os modelos são resultados de decisões, cognitivas e normativas, feitas

pelas pessoas e são desenvolvidas em grupos de trabalho e internamente em suas

mentes, a partir de uma sequência de ações e comportamentos explícitos e implícitos.

As formas como as atitudes, comportamentos, decisões e concepções mentais podem

influenciar a representação do modelo é a questão central deste capítulo.

Vários estudos sobre cultura, valores e personalidade têm investigado como

estes fatores influenciam o comportamento dos indivíduos nas organizações.

Especificamente, no contexto deste trabalho de pesquisa, busca-se entender como eles

podem influenciar as atividades de trabalho no desenvolvimento dos modelos de

processos de negócios. Fatores socioculturais referem-se a elementos representativos da

cultura, valores, personalidade e emoções de um indivíduo ou grupo de trabalho. O

objetivo deste capítulo é avaliar diversos estudos sobre como a cultura, os valores e a

personalidade operam dentro das organizações. Cabe ressaltar que este trabalho não tem

a intenção de examinar em profundidade as teorias das ciências sociais e discutir sua

validade ou não. A finalidade desta revisão teórica é identificar fatores, variáveis e

dimensões de aceitação abrangentes na comunidade científica dessas áreas para

sustentar argumentos e questões sobre a influência de fatores socioculturais nos

trabalhos realizados para o desenvolvimento de modelos de processos de negócios. O

primeiro tópico abordado aqui é o estudo dos processos de percepção e decisão em

65

ambientes complexos, depois serão avaliadas teorias sobre a personalidade, seguido por

estudos da cultura sob várias perspectivas e, por fim, serão apresentados modelos que

utilizam dimensões culturais.

Esta estrutura capitular foi inspirada nos três níveis da programação mental

apresentado por Hofstede e Hofstede (2005)e ilustrado na Figura 23. É representada por

uma pirâmide na qual a base indica as características universais da natureza do ser

humano, de cunhos biológico e genético da evolução do ser humano. No segundo nível,

o modelo apresenta as questões culturais relacionadas ao grupo do qual o indivíduo se

desenvolveu e pertence e no terceiro nível estão as características mentais únicas de

cada indivíduo, representadas pela personalidade.

Figura 23: Os três níveis da programação mental,

adaptado de Hofstede e Hofstede (2005, p. 4).

Hills (2002), de maneira semelhante à Hofstede (ibid), também apresenta

exemplos de como os níveis cognitivos de um indivíduo interpretam uma determinada

realidade de acordo com sua natureza, personalidade e cultura. Do lado psicológico, os

olhos são capazes de perceber as imagens e as cores que, através da cognição, são

percebidas numa determinada perspectiva ou distância relativa. Esta percepção pode

desenvolver emoções, a exemplo de felicidade ou tristeza, que afetam como a pessoa se

relaciona socialmente com indivíduos mais próximos, moldado pela cultura, a partir do

compartilhamento de normas aceitadas entre estas pessoas com mesma identidade

cultural.

Os tópicos discutidos neste capítulo têm a intenção de analisar conceitos de

modelagem de processos apresentados no Capítulo 2, sob a luz das teorias sobre cultura,

valores e personalidade. O primeiro abordará o processo de percepção e de decisão dos

indivíduos envolvidos durante as atividades de trabalho de modelagem até a

representação final do modelo, que foram alguns dos elementos centrais dos argumentos

de Hoppenbrouwers, Proper e Weide (2005) e do relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse,

PERSO-NALIDADE

CULTURA

NATUREZA HUMANA

Específico para o indivíduo

Específico para o grupo ou categoria

Universal

Herdado eAprendizado

Aprendizado

Herdado

66

et al., 1998). Os dois tópicos seguintes, 3.2 e 3.3 apresentam, respectivamente, uma

visão geral dos conceitos de personalidade, cultura e valores. No tópico seguinte, os

principais modelos com base em dimensões culturais são apresentados, com destaque

para os modelos de Hofstede (1991; Hofstede e Hofstede, 2005), Trompenaars (1994;

Hampden-Turner e Trompenaars, 2000) e o relatório do projeto GLOBE, Global

Leadership and Organizational Behavior Effectiveness (House, Hanges, et al., 2004).

3.1 PERCEPÇÃO, DECISÃO E COMPLEXIDADE

As principais ações, e seus significados, identificadas no processo de

modelagem no Capítulo 2 (Quadro 2), foram abstração, concepção, descrição, intenção,

interpretação, percepção, representação e zum. É de se esperar que estas ações ocorram

não numa sequência predeterminada, mas simultânea e interativamente, pois a realidade

pode ser analisada através de várias perspectivas e por sucessivos ciclos de revisão.

Estas ações fazem parte do processo perceptivo, de escolhas entre alternativas

concebidas mentalmente e da tomada de decisão sobre representação final do modelo.

Nos estudos do comportamento organizacional, a percepção denota o ―processo

pelo qual os indivíduos organizam e interpretam suas impressões sensoriais com a

finalidade de dar sentido ao seu ambiente‖ (Robbins, 2005, p. 104). A visão sobre a

percepção, de Wagner III e Hollenbeck (1999, p. 58), acrescenta argumentos de que a

percepção é um processo composto pela seleção, organização, armazenagem e

recuperação de informações. A percepção tem um papel-chave no delineamento do

comportamento do indivíduo durante a interpretação da realidade, pois nem sempre as

impressões sensoriais são traduzidas em retratos fiéis daquilo que está sendo capitado

pelos sentidos. Distorções sensoriais, atenção e foco em partes específicas podem levar

a uma realidade percebida parcial ou diferente da real. Portanto, o comportamento e as

decisões do indivíduo podem ter como base a realidade percebida e não a objetiva.

Essa é uma questão fundamental, pois se as discrepâncias entre realidade

percebida e a objetiva aumentam, as percepções podem induzir a decisões não

consistentes e contribuir para falta de compreensão, atos incoerentes e potenciais

conflitos no grupo de trabalho. Estes argumentos de Robbins (Robbins, 2005, p. 104)

assemelham-se às proposições para o processo de modelagem de Hoppenbrouwers,

Proper e Weide (2005) e do relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al., 1998). Estes

67

autores destacam a percepção e a concepção da realidade como ações centrais nas

atividades desenvolvidas na modelagem.

Uma forma de representação do processo perceptivo e de tomada de decisão é

representado na Figura 24 (Wagner III e Hollenbeck, 1999, p. 58). Primeiramente, os

autores exploram a percepção e, depois, associam os resultados com as ações que são

desenvolvidas antes da tomada final de decisão, traduzindo as concepções iniciais e o

trabalho cognitivo em decisões concretas. Apesar desses autores não usarem a mesma

terminologia de Thiollent (1994), pode-se notar que, ao longo da argumentação,

elementos relacionados a fatores normativos também são mencionados. Ele pode ajudar

no entendimento dos fatores que compõem a percepção numa visão geral e também na

modelagem de processos.

Figura 24: O processo perceptivo e decisório,

adaptado de Wagner III e Hollenbeck (1999, p. 59).

3.1.1 O processo perceptivo

Da interação com o ambiente, o indivíduo seleciona informações entendidas

como mais relevantes ou que chamem mais a sua atenção. Na fase da ―atenção‖, as

características individuais têm muita influência, pois cada indivíduo percebe e seleciona

elementos distintamente. Após esta fase, o indivíduo procura organizar as informações

coletadas, filtrá-las, simplificá-las e armazená-las para uso futuro. A etapa seguinte, que

complementa o processo perceptivo, é a ação de recordação ou recuperação das

informações que foram armazenadas. Ressalta-se que, neste momento, as informações

não são mais brutas, mas sim resultados de processos de simplificação que foram

armazenados.

Todas as quatro etapas do modelo de processo perceptivo podem ser

influenciadas por fatores intrínsecos ao indivíduo, relacionados ao objeto em estudo ou

relativos ao ambiente, normas e contexto social. Primeiro, a percepção sofre influência

das características pessoais do observador como atitudes, motivações, interesses,

Ambiente Atenção Organização RecordaçãoAvaliação de

resultados

Avaliação de

probabilidades

Escolha e

rejeição de alternativas

Percepção Decisão

Estrutura da decisão

68

experiências passadas e expectativas. Em segundo, o objeto-alvo com suas

características próprias como novidade, sons, dinâmica, tamanho, contexto ou

semelhança com situações anteriores podem distorcer a percepção. O terceiro, o

contexto social no qual se insere o momento em que a percepção ocorre, pode sofrer

influência da dinâmica de mudanças do ambiente, lentas ou rápidas, e afetar a forma

como observador interage e interpreta o objeto-alvo. A Figura 25 destaca alguns dos

fatores, na visão de Robbins (2005, p. 104-105), que afetariam a percepção da realidade.

Figura 25: Fatores que influenciam a percepção,

adaptado de Robbins (2005, p. 105).

Uma melhor qualidade na modelagem passa pelo entendimento do processo de

percepção do indivíduo, suas etapas, ações desenvolvidas e fatores de influência,

cognitivos e normativos. Se a percepção for mais realista, pode-se esperar que os

modelos de processos de negócios atendam melhor aos seus objetivos. Muitas medidas

podem ser tomadas para que o observador passe a retratar com mais precisão o objeto

de estudo em sua mente, tais como, aumentar o número de perspectivas e de

observações pelo próprio analista e pela adição da visão de outros indivíduos. Quanto

maior for a diversidade de percepções sobre o objeto e estudo, menores serão os riscos

de incorporação de vieses individuais.

3.1.2 O processo de decisão

A associação entre a percepção e a tomada de decisão é outro ponto relevante do

modelo representado na Figura 24. Qualquer decisão requer interpretação e avaliação de

informações armazenadas que são recuperadas no momento em que a decisão precisa

ser tomada. No processo de modelagem, o indivíduo pesquisa, seleciona, agrupa,

simplifica, armazena e recupera as informações no momento oportuno para o

desenvolvimento da representação da realidade no modelo. Os modelos de decisão

• Momento

• Ambiente de trabalho

• Ambiente social

Percepção

•Atitudes

• Motivações

• Interesses

• Experiência

• Expectativas

FATORES NO OBSERVADOR • Novidade

• Movimento

• Sons

• Tamanho

• Cenário

• Proximidade

• Semelhança

FATORES NO OBJETO-ALVO

FATORES DE CONTEXTO

69

racional e o intuitivo são os tipos de processos decisórios mais comuns (Robbins, 2005,

p. 111).

O modelo de decisão racional tem como princípio a escolha de alternativas que

maximizem a utilidade ou a maior taxa de atendimento do objetivo proposto. Trata-se

de um processo de base técnica muito comum para análise de custos e para benefícios

alcançados pela escolha de uma alternativa (Wagner III e Hollenbeck, 1999, p. 69). Por

outro lado, as decisões podem ser complexas com o envolvimento de muitas variáveis,

nas quais as características individuais passam a ter maior influência para a escolha

entre alternativas. Nestes casos, os indivíduos, além do uso do raciocínio lógico sobre o

objeto em estudo, levam em consideração suas próprias experiências passadas, seu

conhecimento sobre o assunto e outras preferências pessoais. Na realidade, o processo

racional é uma análise de fatores para maximização da utilidade da escolha e que,

apesar do nome, na realidade não são puramente racionais, pois são também

influenciados por fatores complementares de cunho pessoal.

A tomada de decisão intuitiva é conduzida pelo inconsciente do indivíduo com

base em experiências vivenciadas. Este tipo de processo decisório pode ser utilizado

quando o nível de incerteza é alto, quando há um problema novo sem relação com

experiências passadas, se os fatores não podem ser representados por modelos

científicos ou quando o tempo disponível para tomar a decisão é muito pequeno

(Robbins, 2005, p. 117). Na verdade, conforme Thiollent (1994), a decisão real é

composta por elementos racionais e intuitivos e fatores cognitivos e normativos,

variando em grau de um tipo em relação ao outro, em função do contexto e das

características das informações disponíveis.

A percepção e a tomada de decisão também estão presentes em vários momentos

do trabalho de modelagem de processos de negócios. Quando um analista está

trabalhando em um modelo, ele inicia com a percepção, levantamento, seleção e

armazenamento de informações que, por premissa, devem envolver os aspectos

cognitivos e normativos apresentados. Ao final, o analista decide sobre os elementos

que farão parte do modelo e como representá-los. O modelo é, acima de tudo, fruto de

percepções, seleção de informações e decisões de escolha entre alternativas de

representação com base em análises racionais e intuitivas.

70

3.1.3 A influência de fatores culturais em decisões complexas

A psicologia cognitiva desenvolveu modelos complexos para descrever o

processo de decisão humano. Apesar das diferenças entre os diversos modelos, em geral

eles apontam, com algumas variações, para quatro fatores principais: expectativas,

tempo, valor e princípios. Estes fatores estão intimamente relacionados à cultura e aos

valores dos indivíduos. O ponto básico é que os seres humanos normalmente

selecionam a alternativa que, simultaneamente, se apresenta com maior valor subjetivo

e maior probabilidade de sucesso (Strohschneider, 2002). Este tipo de comportamento

decisório normalmente se mantém para problemas que são mais facilmente entendidos.

Quando trata-se de problemas maiores, as decisões passam a ser de cunho mais

complexo e apresentam algumas diferenças em relação às mais simples. Segundo

Strohschneider (ibid), o processo de decisão complexa9 inclui as seguintes

características:

A complexidade implica em processos de decisão com grande número de

variáveis e fatores interrelacionados, que precisam ser considerados

conjuntamente, pois cada um deles tem algum grau de influência sobre

os demais.

A complexidade pode envolver objetivos múltiplos que, além de não

possibilitarem o foco em uma única direção, podem eventualmente ser

conflitantes.

A situação em estudo normalmente é dinâmica, em constante mudança,

ou seja, o tempo requerido para decisão é curto.

A situação em estudo é ―nebulosa‖, pois os problemas e suas

características não são óbvios e transparentes. Podem existir fatores não

aparentes, a exemplo de agendas escondidas entre participantes, que são

difíceis de avaliar e identificar.

A modelagem de processos de negócios pode ser associada a decisões

complexas com base nos fatores descritos por Strohschneider (2002) e outros citados

por Morin (2003). Um trabalho de modelagem de processos, ao tentar representar a

organização das atividades entre as diversas unidades operacionais de uma empresa,

9 Em inglês: Complex Decision Making (CDM)

71

tenta aglutinar suas variáveis e fatores em uma representação formal consolidada. Como

a cadeia operacional tem muitas interligações, a alteração em uma variável de uma

unidade pode afetar outras. Outro fato é que o modelo deve atender aos objetivos da

organização como um todo e, simultaneamente, de cada unidade individualmente

envolvida no sistema operacional. Esses múltiplos objetivos, da organização e das

unidades individuais, nem sempre são harmoniosos. Estes fatores tornam-se mais

complexos em virtude da alta taxa de mudança nos mercados e tecnologias. Se o

desenvolvimento do modelo demandar um tempo elevado, no momento de sua

implementação num sistema ou artefato tecnológico, provavelmente não será mais

efetivo, pois o ambiente terá se transformado em um novo contexto.

Strohschneider (2002) destaca também que a cultura tem um papel importante

no trato dessa exposição multifacetada das decisões complexas. No contexto de decisões

complexas, está ―claro que qualquer tomada decisão numa perspectiva puramente

cognitiva é incompleta‖, pois os processos reais de trabalho são culturalmente

relativizados (ibid). Trazendo estes argumentos para o estudo, além das decisões

puramente funcionais ou técnicas, decisões de cunho cultural deverão ser feitas em

função do ambiente e do contexto social nos quais o processo de negócio está sendo

modelado e, posteriormente, implantado. É possível inferir que as atividades de trabalho

para a modelagem de processos devido a sua complexidade, multiplicidade de atores

envolvidos e interligações entre unidades operacionais, levará a um modelo produzido

que será ―culturalmente relativizado‖ pelas lentes e crenças dos grupos de trabalho.

3.2 OS ESTUDOS DA PERSONALIDADE

Além das interações do indivíduo com o ambiente sócio-organizacional, outras

características individuais podem influenciar no desenvolvimento de modelos de

processos de negócios, como a personalidade. A primeira pode ser definida como a

característica de pensar e sentir e de como o indivíduo se comporta frente a certas

situações. Ela envolve temperamento, humor, atitudes e opiniões quando o indivíduo

interage com eventos e outras pessoas. Os principais estudos definem como

determinantes da personalidade de um indivíduo a hereditariedade, o ambiente, a cultura

e a situação. Ela inclui características comportamentais, herdadas e adquiridas, que

diferenciam uma pessoa de outra e que podem ser observadas a partir das suas relações

com o ambiente e com o grupo social.

72

Uma das linhas de estudo da personalidade tem como objetivo classificar e

explicar as características psicológicas humanas que sejam relativamente estáveis

(Encyclopedia Britannica, 2009a). Esta é a linha adotada neste trabalho, visto que o

objetivo é entender como os indivíduos reagem e interagem com o seu grupo de

trabalho durante as atividades de modelagem e se estas interações podem ter

consequências na qualidade dos modelos desenvolvidos. A avaliação das características

pessoais tem como base premissas nas quais as variações no comportamento observável

das pessoas, umas em relação a outras, podem indicar características pessoais implícitas,

denominadas traços (Encyclopedia Britannica, 2009b). Na avaliação dos traços de

personalidade buscam-se medidas quantitativas e qualitativas para comparar

relativamente grupos de pessoas e indivíduos.

3.2.1 Traços de personalidade

O objetivo dos estudos de traços de personalidade é identificar e classificar

características que possam descrever e até mesmo prever o comportamento provável das

pessoas. Se determinadas características comportamentais forem frequentes em

situações diversas, maior é a importância dos traços para entender o comportamento do

indivíduo. Após vários estudos que identificaram uma quantidade extensa de traços,

alguns autores desenvolveram abordagens simplificadas que servem de orientação para

identificação das características de personalidade do indivíduo. Os mais usados

atualmente são o Indicador de Tipos Myers-Briggs (2008) e o Modelo Big Five

(Robbins, 2005, p. 78).

O Indicador de Tipos Myers-Briggs (MBTI) tem como propósito avaliar a

personalidade através de uma simplificação da Teoria dos Tipos Psicológicos de Carl

Jung. O indicador tenta tornar mais fáceis o entendimento e a aplicação dos conceitos

desta teoria no dia-a-dia. As diferenças básicas de personalidade são avaliadas a partir

da análise de respostas em um questionário para indicar preferências mentais. O teste

baseia-se na forma como as pessoas se motivam ao interpretar a realidade, que segundo

os autores, está relacionada com sua personalidade (Myers-Briggs Foundation, 2008).

As pessoas são classificadas a partir de suas preferências de relacionamento com o

ambiente social. O indicador é construído pela combinação de quatro aspectos de

preferência pessoal. O primeiro está relacionado ao mundo preferencial do indivíduo, no

qual as pessoas são classificadas em extrovertidas ou introvertidas, ―E‖ ou ―I‖. O

73

segundo avalia o tipo de preferência para obtenção de informações: se as pessoas

preferem usar os cinco sentidos, classificados como sensoriais, ou a intuição, recebendo

o rótulo de intuitivas, ―S‖ ou ―N‖. O terceiro aspecto está relacionado ao tipo

preferencial de processo de tomada de decisão, no qual as pessoas são classificadas em

racionais ou emocionais ―T‖ ou ―F‖. Por último, o indicador avalia o tipo de

relacionamento preferencial das pessoas com o mundo exterior, podendo ser

classificadas como perceptivas ou julgadoras, ―P‖ ou ―J‖.

A avaliação destes quatro tipos de preferências identifica as características de

personalidade da pessoa. Para cada um deles, a combinação das letras representativas

(―E‖ ou ―I‖, ―S‖ ou ―N‖, ―T‖ ou ―F‖ e ―J‖ ou ―P‖) cria uma simbologia simples de

identificação e permite inferências sobre a personalidade do indivíduo e seu padrão

motivacional. Por exemplo, uma pessoa identificada pelas preferências ―ESTJ‖ seria

prática, realística, de raciocínio lógico sistemático, seguidora de seus princípios e com a

expectativa de que outras pessoas corroborem esta mesma lógica e princípios. Por outro

lado, uma pessoa identificada pelas por ―INFP‖ seria idealista, leal, curiosa, flexível e

condescendente. É importante ressaltar que não existe um grupo de traços que seja

melhor ou pior que outro. Eles simplesmente expressam diferenças relativas entre as

pessoas.

O segundo modelo para classificação de grupos de pessoas por seus traços de

personalidade é o Big Five. Nos anos recentes, um número considerável de pesquisas

indica que cinco dimensões são a base para todas as outras e englobam as variações

mais significativas da personalidade humana. De maneira simplificada, os principais

pontos de cada dimensão são descritos a seguir (Robbins, 2005, p. 78). A primeira

dimensão diz respeito à extroversão e refere-se ao nível de conforto de uma pessoa nos

seus relacionamentos com os outros. A segunda é a amabilidade, que indica a propensão

de um indivíduo em acatar as idéias dos outros. A terceira é a consciência,

caracterizando indivíduos como responsáveis, organizados, confiáveis e persistentes. A

quarta dimensão procura avaliar a estabilidade emocional, ou seja, a capacidade de uma

pessoa para enfrentar situações de alta demanda emocional ou estresse. Por último, tem-

se a indicação da abertura para novas experiências, indicando indivíduos criativos,

curiosos e sensíveis artisticamente.

Além de proporcionar uma estrutura unificada da avaliação da personalidade, o

desenvolvimento de pesquisas sobre os traços de personalidade no ambiente

74

organizacional encontrou indícios de relações entre os traços representativos e o

desempenho do indivíduo na execução de suas tarefas. Ao trazer a discussão para o

contexto da modelagem de negócios, pode-se inferir que um indivíduo trabalhando num

grupo de uma empresa pode apresentar padrões motivacionais distintos no

desenvolvimento do trabalho em função dos seus traços de personalidade. Por exemplo,

a percepção, a tomada de decisão e a representação num modelo poderiam ser

influenciadas pelos traços de personalidade. Possivelmente os modelos desenvolvidos

por uma pessoa intuitiva terão diferenças em relação a uma sensorial, da mesma forma

que pessoas com personalidades caracterizadas e pólos distintos das dimensões do Big

Five tendem a desenvolver modelos que provavelmente terão diferenças.

A personalidade individual pode, portanto, atuar como um fator motivacional e

diferenciador do comportamento do Analista de Processos durante as atividades de

modelagem de processos. As atividades de levantamento de requisitos, seleção e

organização de informações podem variar de um analista para outro e podem ter como

consequência modelos diferentes (Cunha, Canen e Capretz, 2009), como exemplificados

no Quadro 6.

Quadro 6: Questões sobre a personalidade na modelagem (Cunha, Canen e Capretz, 2009).

Dimensão da

modelagem Conceito Questão (modelagem versus traço de personalidade)

Comporta-

mento

interpretativo

Característica de como um

indivíduo desenvolve a

representação mental do

significado de uma

realidade.

Como as preferências mentais interferem na obtenção,

seleção e ordenação das informações?

A personalidade influencia o processo de construção

de um modelo gráfico?

Consistência

A capacidade de um modelo

representar correta e

confiavelmente a realidade

dentro de certa margem de

erro.

Um analista de processo tem um padrão motivacional

específico que pode enfatizar ou ignorar alguns

atributos do modelo?

A margem de erro de um modelo é influenciada pelas

preferências individuais de um analista? Esta margem

de erro pode ser relacionada a algum tipo de método de

modelagem?

75

Dimensão da

modelagem Conceito Questão (modelagem versus traço de personalidade)

Efetividade

A capacidade do modelo em

produzir o efeito desejado

quando ele for utilizado em

alguma aplicação.

Como as preferenciais mentais de um analista de

processos influenciam a utilização posterior do

modelo?

Pode esta influência estar relacionada à técnicas ou

métodos usados durante a modelagem?

Nível de

complexidade

O grau em que os problemas

interrelacionam questões

sociais e técnicas.

Existe algum tipo de personalidade mais adequado e

com mais chance de sucesso em lidar com problemas

complexos? O grau de sucesso de um tipo de

personalidade poderia ser relacionado a uma fase

específica do ciclo de vida do projeto?

3.3 CULTURA E VALORES

Uma das questões do processo de percepção, tomada de decisão e representação

de modelos de processos de negócios é entender como a natureza das interações sociais

influenciam o processo de trabalho. Será possível identificar padrões de representações

em função de características culturais do indivíduo? Um suporte das ciências sociais

com relação aos conceitos de cultura e valores pode ser mais um aspecto a ser

considerado para ampliar o entendimento das ações de percepção, decisão e

representação e outras atividades realizadas no processo de modelagem.

3.3.1 Definições de cultura

Do ponto de vista antropológico, culturas são sistemas de padrões socialmente

transmitidos de geração para geração, que servem para adaptar o modo de vida das

comunidades ao seu ambiente natural e social. A cultura inclui tecnologias e modos de

organização social, política, crenças, práticas religiosas e assim por diante (Laraia,

2006, p. 59). Em termos sociológicos, cultura representa um modo de pensar, de sentir e

de agir ―mais ou menos formalizados que, sendo apreendidos e partilhados por uma

pluralidade de pessoas, servem de maneira objetiva e simbólica, a constituir essas

pessoas em coletividade particular e distinta‖ (Rocher, 1970 apud Thiollent, 1997, p.

95). A cultura opera sobre os significados mentais que os indivíduos conceberam a

partir da abstração de elementos da realidade. O estudo da cultura não é ―uma ciência

experimental em busca de leis‖, mas uma ciência interpretativa à procura de

76

significados. O importante é destacar que a cultura representa um sistema de padrões de

―mecanismos de controle, planos, receitas e instruções para governar o comportamento‖

(Geertz, 1989, p. 64). Geert Hofstede (1991, p. 18) utiliza a metáfora de cultura como

uma ―programação mental10

‖. Ele faz uma analogia com o modo que os computadores

são programados e como os modelos de pensamento são transferidos através das

gerações, ―pais para os filhos, professores aos estudantes, amigos aos seus amigos,

líderes aos seus seguidores e seguidores a líderes‖. Independente da conotação

antropológica ou sociológica, a cultura está associada a um contexto ou fenômeno

coletivo e o seu estudo pode ajudar a entender os comportamentos e significados

atribuídos por um indivíduo a uma realidade.

As diversas perspectivas do conceito de cultura apresentadas ajudam a

estabelecer ligações entre os processos de percepção, tomadas de decisão e

representação de modelos de processos de negócios. Em essência, significados e

comportamentos na elaboração do modelo são parte de um processo de interpretações e

reações às demandas típicas do ambiente social da organização na qual o grupo

encarregado da modelagem de processos está inserido. Da mesma forma, a cultura está

relacionada aos significados mentais, tornando-se concreta tanto nos símbolos quanto

em produtos visíveis de uma sociedade. Similarmente, o produto do trabalho da

modelagem poderá incluir representações e significados diferentes, identificados nas

culturas presentes no grupo de pessoas que estiverem desenvolvendo conjuntamente as

atividades para chegar a um modelo representativo do sistema operacional ou produtivo

da organização.

3.3.2 Cultura organizacional

Fundamentalmente, a cultura organizacional pode ser entendida como um

padrão que foi aprendido pelo grupo numa organização quando foram suplantados os

problemas para adaptação externa ou integração interna. Este tipo de solução encontrada

pelo grupo ao superar desafios comuns é aprendido pelos membros da organização e

ensinada aos novos que venham a se juntar a ela, como a forma correta de proceder

quando problemas parecidos com os vivenciados acontecerem (Schein, 2004, p. 17).

Schein defende também a idéia de que a cultura deve ter alguma utilidade para o grupo

10

Geert Hofstede usa o termo ―Software of the Mind‖.

77

como prover estabilidade, consistência e significado aos eventos vivenciados

conjuntamente.

As culturas nacionais apresentam níveis mais profundos do que as culturas

organizacionais, como os valores. Segundo Hofstede (1991), a cultura organizacional é

diferente das culturas nacionais, pois enquanto estas diferenciam pessoas, grupos e

instituições em países diferentes, as culturas organizacionais diferenciam os grupos das

organizações, independentemente do país ou países onde elas desenvolvem suas

operações. Hofstede entende que as diferenças entre os estudiosos sobre cultura

organizacional estão entre aqueles que vêem a cultura como algo que as organizações

têm e outros como alguma coisa relacionada à identidade da própria organização.

Salancik e Pfeffer (1978) articulam na Figura 26 a forma como a realidade e normas

sociais influenciam o modo de os indivíduos conduzirem suas tarefas de trabalho.

Segundo estes autores, os indivíduos desenvolvem atitudes em função das informações

disponíveis e uma das fontes mais próximas de informações são aquelas provenientes do

ambiente social no qual o trabalho está inserido.

Figura 26: A influência social sobre comportamentos, atitudes e atividades,

adaptado de Salancik e Pfeffer (1978, p. 227).

Pode-se inferir que a cultura organizacional combina vários elementos tanto do

―ser‖ quanto do ―ter‖ da organização. No ―ser‖, pode-se relacionar os elementos mais

interiorizados, ou seja, as normas sociais do ambiente no qual a organização está

inserida. O ―ter‖ é um elemento mais explícito e relacionado às habilidades construídas

conjuntamente na forma como as tarefas são conduzidas por comportamentos e atitudes

do grupo de trabalho em função da experiência vivenciada. Tomando os argumentos de

Torquato, todos esses elementos compõem uma diversidade de aspectos como:

―vivências técnicas, administrativas, políticas, estratégicas e táticas misturadas às cargas

Características

ambientais do trabalho

ou da tarefa

Atitudes e

Necessidades

Comportamentos

Processo de

construção da

realidade social

Influência Social

Influência

Social

Processo de

escolha e

evolução

Julgamento e

percepções

78

psicossociais, que justapõem fatores humanos individuais, relacionamentos grupais e

interpessoais formais e informais‖ (Torquato, 1998). Esta diversidade molda a

identidade do grupo de trabalho que, ao interagir internamente ou com elementos

externos, toma decisões levando em conta a realidade social do ambiente externo e os

valores construídos nos sucessos e fracassos por ele experimentados.

Existem situações nas organizações nas quais múltiplas realidades sociais podem

estar ocorrendo simultaneamente. Canen e Canen (2004, p. 43) ilustram que a

organização está inserida num contexto social multicultural e que lideranças e

colaboradores precisam ser sensíveis e estarem conscientes aos diversos níveis culturais

presentes na organização, às mensagens subliminares transacionadas entre os grupos e a

outros aspectos que compõem o ambiente organizacional multicultural. Estes múltiplos

contextos podem ser articulados com as visões de Salancik e Pfeffer (1978, p. 227),

como se a organização tivesse múltiplas perspectivas de influência, em que cada uma

delas contribuiria com informações, abertas ou não, de cunho social e que moldariam as

atitudes e comportamentos do grupo de trabalho. Articulando o modelo de ―Processo de

Informações Sociais‖ de Salancik e Pfeffer com vários níveis multiculturais internos à

organização, poderia-se pensar em vários níveis de influências sociais simultâneas sobre

os comportamentos dos indivíduos, que pode ser observado na Figura 27. Em situações

de estabilidade de empresas, é de se esperar que se tenha uma única cultura

organizacional predominante em relação às influências do ambiente social mais

próximo ao indivíduo. Entretanto, em certos momentos do seu ciclo de vida, tais como

start-ups, fusões e aquisições e outras mudanças organizacionais mais profundas, há

hipóteses de que influências de grupos mais próximos se sobrepujam à cultura

organizacional. Nesta situação, cada grupo estaria guiando suas atitudes de acordo com

sua cultura e valores ao invés de seguir as condutas valorizadas pela cultura organizal.

Uma outra possível hipótese é que as influênciais culturais organizacionais e as

influências mais próximas poderiam operar em pontos distintos de equilibrio,

dependendo das características da realidade social multicultural e eventos conjunturais

vivenciados pela organização.

79

Figura 27: Características do trabalho em ambiente multicultural.

3.3.3 Valores

O conceito de valores complementa o de cultura, visto que adiciona a noção de

juízo de valor. Os valores representam convicções básicas do indivíduo, um elemento de

julgamento, um conjunto de normas e referências básicas para a conduta que ele assume

ser correto, bom ou desejável. Os valores podem ser definidos como a ―tendência para

preferir certo estado de coisas em relação a outros‖ (Hofstede, 1991, p. 23). Os

indivíduos desenvolvem valores desejáveis e desejados, o primeiro relacionado ao que

os indivíduos desejariam para o mundo e o segundo relacionado aos desejos de conduta

para si mesmos. Os valores desejáveis são de ordem ética e ideológica enquanto que os

desejados tendem a ter um sentido pragmático e a orientação do comportamento no

cotidiano (Hofstede, 1991, p. 25). Os valores são importantes nos estudos do

comportamento organizacional porque estabelecem uma base de referência para a

compreensão das atitudes e da motivação dos indivíduos e sua influência nos processos

perceptivos e decisórios (Robbins, 2005, p. 53). Estas normas orientativas e referências

básicas comportamentais podem variar entre o concreto e o abstrato.

São concretas quando presentes em elementos observáveis do comportamento

como roupas e atitudes e também podem ser abstratas quando relacionadas a opiniões e

conceitos. Segundo Hills (2002), há alguns anos havia uma crença de que não seria

possível mensurar os valores dos indivíduos e, com isso, elaborar previsões acerca de

comportamentos sob determinadas circunstâncias do ambiente ou quando certos eventos

ocorressem. Atualmente, aceita-se que atitudes só são previsíveis quando associadas a

Comportamentos

Atitudes e

Necessidades

Influência Social

Grupo B

Processo de

escolha e

evolução

Julgamento e

percepções

CARACTERÍSTICAS AMBIENTAIS DO TRABALHO OU DA TAREFA

Atitudes e

Necessidades

Comportamentos

Processo de

construção da realidade social

multicultural

Influência Social

Grupo A

Influências

sociaismúltiplas

Processo de

escolha e

evolução

Julgamento e

percepções

Atitudes e

Necessidades

Comportamentos

Influência Social

Grupo N

Processo de

escolha e

evolução

Julgamento e

percepções

80

valores mais permanentes ou duradouros de um grupo social que variam mais

lentamente e dentro conjunto limitado.

Os valores ditos mais permanentes são aqueles considerados universais como a

honestidade, a coragem e a paz que são reconhecidos na maioria das culturas. O

importante é notar que as atitudes individuais variam não apenas em função do

contexto, mas também de acordo com seu sistema de valores. Kluckhohn e Strodtbeck

desenvolveram uma teoria na qual os valores dos indivíduos são os princípios

orientativos para a solução de um número limitado de problemas universais

reconhecidos. As preferências de como lidar ou solucionar esses problemas variam de

uma cultura para outra. Partindo deste princípio, pesquisas poderiam ser feitas para

identificar comportamentos usuais diante desses problemas universais e, com isso,

estabelecer diferenças entre culturas. Kluckhohn e Strodtbeck foram provavelmente

uma das inspirações para Hofstede (Hills, 2002) e muitos outros trabalhos que

relacionaram as diferenças culturais entre grupos com as preferências em resolver estes

problemas ditos universais.

O sistema de valores individuais interfere na rotina, no dia-a-dia do trabalho e,

trazendo para o contexto do estudo, provavelmente nas atividades desenvolvidas

durante a modelagem de processos. Sob a perspectiva da modelagem de processos de

negócios, pode-se questionar qual seria a conduta de indivíduos, com sistemas de

valores distintos, durante as atividades necessárias para a modelagem de uma realidade

de uma organização. Que fatores dos ambientes social e motivacional seriam

observados com maior atenção, filtrados e armazenados mentalmente por indivíduos

com sistemas de valores distintos? Quais seriam as variações no processo perceptivo e

de decisão na realidade a ser modelada? Quais seriam as variações nas representações

dos modelos?

3.4 MODELOS DE AVALIAÇÃO MULTICULTURAL

Os estudos de psicologia multicultural têm dois objetivos básicos. São eles:

entender as diferenças entre os seres humanos que têm bases culturais distintas e

entender as semelhanças entre todos os seres humanos. Ainda com base em Kluckhohn

e Strodtbeck (Hills, 2002), sugere-se que as soluções preferidas refletem os valores da

sociedade, ou seja, caso essas soluções fossem investigadas, indicariam os valores da

81

sociedade em questão. Kluckhohn e Strodtbeck apresentaram cinco tipos de problemas a

serem tratados por toda e qualquer sociedade humana:

Em que aspecto o tempo deve ser enfatizado? O passado, o presente ou o

futuro?

Qual é o relacionamento entre a humanidade e o ambiente natural?

Domínio (controle), submissão (obediência) ou harmonia (equilibrado)?

Como os indivíduos devem se relacionar entre si? Hierarquicamente,

como iguais, ou de acordo com o mérito individual (individualista)?

Qual é a principal motivação para o comportamento? Para expressar a si

mesmo, para crescer (se transformar, melhorar) ou para realizar (alcançar

objetivos)?

Qual é a natureza do ser humano? Boa, má ou uma mistura?

Os estudos multiculturais baseados nos valores são muito convenientes, pois o

pesquisador pode cobrir um escopo maior da vida das pessoas ao invés de simplesmente

atribuir julgamentos positivos ou negativos às atitudes. Os valores são elementos

centrais no comportamento das pessoas, sendo considerados relevantes e válidos nos

estudos multiculturais. O importante é entender a característica comparativa, de

métricas apuradas, e que representa a posição relativa de um grupo em relação ao outro,

permitindo, assim, identificar e analisar diferenças entre indivíduos e grupos (Hills,

2002). Estes princípios foram usados no desenvolvimento da análise com base em

dimensões culturais.

O uso de um quadro de trabalho dimensional é uma simplificação da realidade

cultural dos grupos em estudos, mas mesmo assim, este método prático apresenta bons

resultados ao longo dos anos. Existem riscos de generalização e de estereotipação que

podem ser reduzidos com o correto entendimento dos significados das dimensões e dos

limites de aplicação. Vários estudos têm demonstrado que a análise das diferenças

culturais tem facilitado as discussões de trabalho entre os pesquisadores do assunto. Os

autores de referência que utilizam modelos dimensionais bipolares para avaliação

cultural são Kluckhohn e Strodtbeck, Robert J. House, Edward T. Hall, Schell e Stolz-

Loike, Richard Gesteland, citados por Hills (2002). Na pesquisa, os trabalhos

priorizados para análise foram os de Geert Hofstede (1991) e Hofstede e Hofstede

82

(2005), Trompenaars (1994) e Hampden-Turner e Trompenaars (2000), e o projeto

GLOBE descrito em House et al. (2004).

3.4.1 Dimensões culturais de Hofstede

Um dos modelos mais conhecidos e pesquisados na comunidade científica para

estudos multiculturais a partir de um conjunto de dimensões é o proposto por Geert

Hofstede (1991) e Hofstede e Hofstede (2005). Ele coordenou uma pesquisa entre

empregados da IBM em mais de quarenta países e identificou cinco dimensões11

estatisticamente independentes, quais sejam:

Índice de distanciamento do poder: é um indicador do grau relativo em

que as pessoas de um país aceitam que o poder seja distribuído

desigualmente entre os indivíduos. Um baixo índice de distanciamento

do poder indica sociedades mais democráticas; muito distanciamento do

poder indica que as pessoas aceitam com naturalidade que o poder seja

desigualmente distribuído.

Índice de Individualismo versus coletivismo: reflete o grau em as pessoas

são integradas a grupos. Numa sociedade individualista, o indivíduo age

por conta própria e tende a se preocupar mais com ele próprio ou com a

família, enquanto que no outro extremo, o indivíduo procura agir de

acordo com o consenso do grupo, mesmo que este seja contrário à sua

própria vontade.

A dimensão masculinidade versus feminilidade refere-se ao grau em que

os indivíduos da sociedade valorizam a competitividade ou a modéstia.

Nas sociedades com alto índice de masculinidade, valoriza-se a

agressividade, a firmeza, a ambição e o foco no sucesso material e na

acumulação de bens. Nas sociedades com baixo índice de masculinidade,

os indivíduos valorizam a modéstia, a delicadeza no trato com o

próximo, a solidariedade, a preocupação com o bem-estar do outro e a

qualidade de vida em comunidade.

11

Os termos originais propostos por Hofstede são: large versus small power distance, individualism

versus collectivism, masculinity versus femininity, strong versus weak uncertainty avoidance, long-term

versus short-term orientation.

83

Tendência para evitar incertezas: reflete o grau que a sociedade tolera ou

não as incertezas ou situações desconhecidas. Os indivíduos de uma

sociedade com forte tendência a evitar incertezas não se sentem

confortáveis com situações não estruturadas ou se as regras não são bem

definidas. Do outro lado, uma sociedade com baixo índice não veria

problemas em conviver com situações sem estruturação, não previsíveis

e não programadas.

Indicador de orientação para longo prazo ou curto prazo. Os indivíduos

de sociedades com orientação para longo prazo valorizam a perseverança

para obter retornos no futuro, a responsabilidade moral, o respeito às

tradições e o cumprimento de obrigações sociais em oposição às

sociedades em que valorizam as virtudes relacionadas ao presente e

passado e o respeito às tradições.

Hofstede também desenvolveu um quadro de dimensões para avaliar as

diferenças culturais entre organizações e unidades de negócios. A interpretação dessas

diferenças culturais pode ser feita a partir da análise de seis dimensões bipolares,

descritas a seguir (Hofstede e Hofstede, 2005):

Orientação aos processos ou aos resultados: nas organizações orientadas

aos processos, há valorização da sequência formal do trabalho e o

estabelecimento de regras de negócios a serem cumpridas. Nas

organizações orientadas aos resultados, o importante é o objetivo

alcançado independente da sequência e do processo seguido. Neste tipo

de organização, os desafios e tarefas inovadoras são valorizados.

Orientação aos empregados ou para tarefas: em organizações com

orientação ao empregado, os problemas pessoais dos indivíduos fazem

parte da rotina de trabalho junto com suas obrigações profissionais. Nas

organizações orientadas para tarefas, os deveres e atividades devem ser

executados de forma profissional e os problemas pessoais devem ser

tratados fora da organização.

Orientação profissional ou orientação paroquial: na primeira, o

profissionalismo e a meritocracia são a base dos valores organizacionais.

Nas organizações de orientação paroquial, a consideração de fatores

84

sociais e familiares nas decisões são comuns e têm importância

semelhante aos fatores técnicos e racionais.

Orientação a sistemas abertos ou fechados: no primeiro, os membros da

organização são abertos à saída e entrada de novos indivíduos; já nas

organizações orientadas a sistemas fechados, os membros não aceitam

facilmente a entrada de novas pessoas no grupo e guardam segredo até de

pessoas de dentro da própria organização.

Orientação ao controle forte em oposição ao pouco controle. Em

organizações muito controladas, os indivíduos se sentem vigiados e, ao

mesmo tempo, são atuantes na monitoração dos custos, processos e

outros colegas.

Orientação pragmática e oposição à orientação normativa. Nas

organizações normativas, os procedimentos são sempre seguidos,

enquanto nas organizações pragmáticas, o resultado é mais importante do

que os meios seguidos para atingi-los.

Tomando um exemplo hipotético, um Analista de Processos poderia encaminhar

a percepção, decisão e representação de um modelo de acordo com sua própria

orientação de valores. Se ele tivesse uma orientação cultural de curto prazo, poderia

enfatizar modelos para solucionar questões do presente, sem dar ênfase a outras

questões que seriam prioridade em algum momento posterior como escalabilidade e

manutenabilidade. O Quadro 7 apresenta algumas questões relacionando as dimensões

de Hofstede e o papel do analista responsável pela modelagem (Cunha, Canen e

Capretz, 2009).

Quadro 7: Questões sobre as dimensões culturais de Hofstede na modelagem, adaptado de Cunha, Canen

e Capretz (2009)

Dimensão da

modelagem Questão (modelagem versus dimensões culturais de Hofstede)

Comportamento

interpretativo

A formação cultural influencia os resultados da atividade de modelagem?

Existe alguma técnica de modelagem que provavelmente funcionará mais

adequadamente em algum tipo de grupo cultural?

85

Dimensão da

modelagem Questão (modelagem versus dimensões culturais de Hofstede)

Consistência

Que tipo de margem de erro é introduzido em um modelo devido às orientações

culturais do analista?

Qual é a efetividade do uso de um modelo desenvolvido em um contexto cultural e

utilizado em outro?

Efetividade

É possível afirmar que um método de modelagem é mais efetivo em um contexto

cultural do que em outro? Existe algum grupo com orientação cultural que seja

mais efetivo em alguma etapa do ciclo de desenvolvimento do modelo?

Nível de

complexidade

Existe alguma orientação cultural mais adaptada a trabalhar em sistemas grandes e

complexos?

3.4.2 Dimensões culturais de Trompenaars

Trompenaars (1994) e Hampden-Turner e Trompenaars (2000) usam também os

princípios de Kluckhohn e Strodtbeck para estruturar o seu modelo de dimensões

culturais. Eles consideram a premissa de que toda cultura se distingue das outras por

meio de soluções específicas a determinados problemas universais. No entanto,

subdividem esses problemas em três grupos: os oriundos dos relacionamentos com as

outras pessoas, os relacionados à passagem do tempo e os problemas enfrentados no

relacionamento com o ambiente. As dimensões culturais propostas situam-se dentro

destas três categorias.

A seguir, estas orientações são descritas com mais detalhes. As quatro primeiras

relacionam-se às outras pessoas, a quinta ao ambiente e a sexta ao tempo:

Universalismo versus Particularismo: a orientação universalista

preconiza que as regras aceitas na sociedade devem ser aplicadas a todos,

independentemente de situações pessoais ou eventuais que poderiam

atuar com atenuantes. Nas culturas particularistas, situações

momentâneas, circunstanciais ou específicas são levadas em

consideração antes de aplicar uma regra geral.

Individualismo versus Comunitarismo: estas duas orientações opostas

refletem se os indivíduos de um grupo valorizam mais a coletividade ou

os seus interesses pessoais.

86

A orientação entre os pólos de envolvimento difuso e específico reflete

se os indivíduos de uma sociedade separam, ou não, os tipos de

relacionamentos do dia-a-dia. Na orientação de envolvimento específico,

os indivíduos separam claramente relacionamentos profissionais e

pessoais, enquanto na outra, esta distinção não tem importância,

podendo-se ao mesmo tempo manter envolvimentos profissionais e

pessoais simultaneamente e independente da situação ou local.

Orientação de status conquistado versus atribuído: nas sociedades de

orientação ao status conquistado, o indivíduo é avaliado de acordo com

seu mérito e realizações recentes. Nas sociedades de orientação ao status

atribuído, o passado, títulos, associações, nome da família e outros

atributos semelhantes fazem parte da avaliação do indivíduo.

Orientação Interna ou Externa: refletem as atitudes da sociedade em

relação ao ambiente. Para algumas, o ponto focal são as convicções e

virtudes originadas internamente. Outras sociedades valorizam os

aspectos externos e, a partir deles, desenvolvem seus valores internos.

Orientação temporal sequencial versus sincrônica: as atitudes em relação

ao tempo são diferentes de uma sociedade para outra. Elas podem diferir

quanto à valorização de certo período de tempo e na forma de conceber a

linha de tempo. Em algumas, existe a valorização dos feitos do passado e

da tradição como base de valores para as ações do presente. Em outras, a

importância maior está relacionada ao presente do indivíduo ou aos

planos futuros. Com relação à linha de tempo, algumas sociedades

trabalham de forma sequencial, seguindo a ordem exata dos

acontecimentos ou de forma sincrônica.

No Quadro 8 as orientações do modelo de Trompenaars são resumidas e

apresentam exemplos de cada orientação cultural.

Quadro 8: Dimensões culturais de Trompenaars (Hampden-Turner e Trompenaars, 2000, p. 11)

Dimensões Culturais

1 Universalismo

(regras, código, leis e aplicação generalizada)

Particularismo

(exceções, circunstâncias, relações únicas)

87

Dimensões Culturais

2

Individualismo

(liberdade e direitos individuais,

competitividade)

Comunitarismo

(responsabilidade social, cooperação)

3 Envolvimento específico

(atomístico, reducionista, analítico, objetivo)

Envolvimento difuso

(holístico, simultaneidade, relacional)

4 Status conquistado

(registro de realizações recentes)

Status atribuído

(titulação, rede de relacionamentos)

5 Orientação Interna

(consciência e convicção vêm de fontes internas)

Orientação Externa

(influências baseadas em fontes externas)

6 Tempo sequencial

(o tempo é uma sequência em uma direção certa)

Tempo sincrônico

(o tempo é coordenado em pontos diversos)

3.4.3 Dimensões culturais do projeto GLOBE

Iniciado em 1993, o projeto de pesquisa GLOBE (Global Leadership and

Organizational Behavior Effectiveness) foi uma investigação sobre cultura e liderança

em diferentes nações (House, Hanges, et al., 2004). O projeto GLOBE identificou nove

dimensões para culturas nacionais a partir de uma pesquisa realizada em 825

organizações de 62 países. Este projeto teve um escopo mais abrangente que Hofstede e

validou suas cinco dimensões originais. Este projeto usou uma mensuração mais

atualizada, acrescentando algumas dimensões extras devido à inclusão de países que,

atualmente, estão mais abertos a pesquisas, a exemplo da Rússia e China, ou sofreram

mudanças estruturais como a Alemanha e África do Sul.

Uma diferença importante entre o Projeto GLOBE e as abordagens anteriores é

que cada dimensão cultural era investigada em duas manifestações dos valores

individuais: as práticas e os valores desejados. As práticas estão relacionadas a

perguntas do tipo "O que é?", "O que são" e aos comportamentos normais, ou seja, às

práticas estabelecidas. Adicionalmente, valores foram investigados também por

questões do tipo ―O que deveria ser", ou seja, a ênfase na intenção dos respondentes

para determinada dimensão cultural. A diferenciação entre culturas proposta pelo

projeto GLOBE envolve as nove dimensões descritas a seguir e, em cada mensuração, a

prática atual e os valores desejados foram avaliados conjuntamente (House, Hanges, et

al., 2004, p. 16 e 30):

88

Distância do poder (Power distance): o grau em que os membros de uma

coletividade esperam que o poder seja distribuído desigualmente ou não.

Tendência a evitar incertezas (Uncertainty avoidance): extensão em que

a coletividade se baseia na forma de normas e procedimentos para

diminuir os impactos da imprevisibilidade de acontecimentos futuros.

Orientação humanista (Humane orientation): extensão em que a

sociedade estimula e recompensa as pessoas por serem justas, altruístas,

generosas, atenciosas e gentis com as outras.

Coletivismo institucional (Institutional collectivism): é o grau em que as

instituições sociais ou organizações estimulam os indivíduos a se

integrarem em grupos dentro das organizações e da sociedade.

Coletivismo de grupo (In-group collectivism): extensão em que as

pessoas se sentem orgulhosas de participar de seus grupos, como a

família, círculo de amigos ou a empresa para a qual trabalham.

Agressividade (Assertiveness): extensão em que as pessoas são duras,

confrontadoras, agressivas e competitivas.

Igualdade de direitos entre os gêneros (Gender egalitarianism). A

extensão em que a sociedade minimiza as desigualdades entre os

gêneros.

Orientação para o futuro (Future orientation). Extensão em que os

indivíduos têm comportamentos orientados ao futuro como o

planejamento, investimentos e adiamento de recompensas.

Orientação para o desempenho (Performance orientation). Refere-se à

extensão em que a coletividade encoraja e recompensa os indivíduos do

grupo por um desempenho superior e por buscar a excelência.

3.5 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO

Este capítulo começou com a apresentação dos processos cognitivos de

percepção e decisão, fundamentais no entendimento do papel dos indivíduos na

modelagem. A seguir, os conceitos de percepção e decisão foram associados à

complexidade que envolve os estudos de processos de negócios. Neste ponto, ficou

89

evidente que o comportamento do grupo de trabalho de modelagem de processos era

influenciado por fatores pessoais e culturais. A revisão de conceitos, teorias e quadros

de investigação da personalidade e diferenças culturais entre grupos podem trazer novos

horizontes para a investigação da influência destes fatores na modelagem de processos

negócios. O próximo capítulo tem como objetivo articular os conceitos teóricos da

modelagem com os fatores socioculturais e, com isso, possibilitar o desenvolvimento de

um quadro de pesquisa integrando estas duas áreas do conhecimento.

90

4 QUADRO DE ANÁLISE SOCIOCULTURAL NA MODELAGEM

DE PROCESSOS

A modelagem de processos de negócios envolve componentes explícitos e

concretos, como os documentos e diálogos de trabalho, além de componentes implícitos

e abstratos decorrentes das relações subjetivas entre os membros do grupo de trabalho.

As ações qualitativas e quantitativas presentes no desenvolvimento e que levam ao

formato final do modelo são influenciadas por fatores socioculturais. Essas ações

caracterizam-se pelas relações explícitas entre os indivíduos envolvidos,

comportamentos e atitudes dentro das atividades desenvolvidas no grupo de trabalho e

na subjetividade dessas interações. A avaliação de fatores socioculturais na modelagem

deve abranger tanto os componentes explícitos, ou seja, os artefatos aparentes que

emergem das relações de trabalho, quanto aqueles ―escondidos‖ nas mentes dos

indivíduos e que transpassam todas as etapas do processo de trabalho para a elaboração

de um modelo de processos.

O objetivo deste Capítulo é desenvolver um quadro de análise que considere os

aspectos explícitos e implícitos do trabalho executado na modelagem de processos de

negócios. O quadro de análise trabalhado orientou a realização da pesquisa de campo

descrita no próximo capítulo. Ao incorporar elementos que propiciem a análise de

fatores abstratos relacionados à cultura e aos valores, desafia-se a base mecanicista

predominante nos estudos de modelagem de processos de negócios. Um modelo de

estudo que considere a coexistência do nível aparente das relações de trabalho e,

concomitantemente, as dimensões cognitivas e normativas de cada indivíduo no

91

contexto social será de grande valia para o provimento de um melhor entendimento dos

fenômenos que possam afetar os produtos de modelagem dentro das organizações.

4.1 AÇÕES EXPLÍCITAS E IMPLÍCITAS DA MODELAGEM

O desenvolvimento de modelos de processos de negócios envolve uma

sequência de atividades diversificadas, executadas por grupos de trabalho ou

individualmente. Os trabalhos executados durante a modelagem são muito variados e

contemplam tanto a simples leitura de um documento quanto a participação em reuniões

multidisciplinares. Estas atividades envolvem obtenção, análise e concepção de

informações sobre como o trabalho se organiza e flui ao longo do processo de

transformação de uma organização. A divisão conceitual em três macro-etapas foi usada

na pesquisa para facilitar a análise dos fenômenos estudados.

As três etapas da modelagem de processos de negócios utilizadas para o estudo

da influência de fatores socioculturais no trabalho de modelagem foram:

desenvolvimento do modelo; verificação e validação; e sua utilização em aplicações

reais nas empresas. Ressalta-se que estas etapas, na realidade, não são puramente

sequenciais, como ilustrado na Figura 2, mas sim um ciclo de idas e vindas de

informações e interações entre os membros do grupo de trabalho. Este processo poderia

ser caracterizado como uma espiral de conhecimento que se realiza para o melhor

entendimento das relações internas da organização, entre os seus atores e o fluxo das

transformações dos insumos e recursos de uma rede produtiva. A utilização do modelo

simplificado com três etapas sequenciais facilitou a organização dos tipos de atividade

mais relevantes executadas dentro de cada etapa da modelagem de processos. As idéias,

princípios e tipos de trabalhos realizados durante a modelagem foram obtidos nos

referenciais teóricos, apresentados no Quadro 9, que foram discutidos ao longo do

Capítulo 2.

92

Quadro 9: Referenciais teóricos para as etapas de investigação da modelagem.

Etapa de investigação Referenciais teóricos mais relevantes

Desenvolvimento de

modelos em geral e de

processos de negócios

Melão e Pidd, (2000), Pidd (2003), Hoppenbrouwers, Proper e Weide,

(2005), relatório FRISCO (Falkenberg, Hesse, et al., 1998), Weske (2007),

Dumas, Aalst e Hofstede (2005).

Verificação, validação e

qualidade

Rosemann (2006, p. A; 2006, p. B), Dehnert e Aalst (2004) , Hommes

(2004) , Pidd (2003), Balci (2004), Becker, Rosemann, e Uthmann (2000),

Hommes e Reijswoud (2000).

Utilização e aplicações

nas empresas

Weske (2007), Dumas, Aalst e Hofstede (2005), Hollingsworth (1995),

WfMC (1999).

Para avaliação das influências dos fatores socioculturais na modelagem e em

seus produtos, é necessário desenvolver um quadro de análise que torne aparente tanto

os elementos tangíveis das relações de trabalho quanto as ações abstratas ou

―escondidas‖ que não são acessíveis do mundo exterior. A modelagem de processos de

negócios tem uma abrangência sistêmica, envolve múltiplos objetivos e atores e é

composta por componentes abstratos e concretos. No campo dos elementos concretos,

pode-se citar os elementos de comunicação, formais ou não, como os documentos e

diálogos entre indivíduos e, ainda, as representações através de notações e símbolos dos

elementos utilizados na execução do trabalho. Entre os componentes abstratos existem

as ações mentais dos indivíduos envolvidos no trabalho, como os processos perceptivos,

cognitivos, normativos e de tomada de decisão. O quadro de análise proposto incorpora

as relações observáveis entre indivíduos concomitantemente com aquelas

intersubjetivas, que são desenroladas durante a execução do trabalho de modelagem de

um processo de negócio.

O quadro de análise é apresentado na Figura 28 e propõe doze etapas de trabalho

teóricas da modelagem de processos de negócios, cujas funções e atividades são

detalhadas no Quadro 10. A idéia é caracterizar o tipo de habilidade e atividades

necessárias para a execução do trabalho de modelagem. Esta visão, apesar de

simplificadora, facilitou a análise de cada uma delas separadamente, obtendo-se

características e componentes do trabalho e seus produtos para que possam ser

pesquisados em situações reais. O quadro de análise levou em consideração, também, a

capacidade de realçar os elementos observáveis e não observáveis dos comportamentos

e interações entre os indivíduos na execução do trabalho de modelagem.

93

Figura 28: Quadro de análise sociocultural para a modelagem de processos.

As relações entre fatores socioculturais, como diferenças culturais e traços de

personalidade, tendem a moldar os comportamentos durante as atividades executadas

durante o desenvolvimento de um modelo. A expectativa é que o quadro de análise da

Figura 28 possa suportar uma avaliação dos comportamentos e atitudes desenvolvidas

pelos indivíduos pertencentes a um grupo de trabalho e que possam interferir nos

resultados da modelagem de processos de negócios. É plausível pensar que existam

correlações entre as orientações de valores culturais dos participantes de um grupo de

trabalho e o modelo produzido. Por exemplo, analistas em pólos extremos da dimensão

cultural de maior ou menor tendência a evitar incertezas poderiam incorporar elementos

diferentes no modelo. Na busca por indicações, se estas correlações realmente existem

torna-se necessário obter informações sobre comportamentos, atitudes, documentos

produzidos e outros elementos concretos de investigação. O primeiro passo do quadro

de pesquisa, portanto, é identificar os pontos nos quais comportamentos e atitudes

podem ser investigados para uma análise posterior das possíveis influências sobre o

resultado do trabalho de modelagem.

•Processo de

verificação. Avaliar exatidão das notações em relação à realidade.

•Execução de testes de

consistência sintática e sintáxica de acordo com o método de

modelagem.

•Teste de precisão do modelo, teste de consistência dos fluxos

mapeados.

6

VERIFICAÇÃO, VALIDAÇÃO E QUALIDADE

•Percepção, foco,

valorização, seleção, ordenação e concepção.

• Intuição, intenções, “agendas secretas”,

normas, valores e cultura.

•Avaliar alternativas,

preconceitos, experiências vivenciadas,

formação educacional e formação de artefatos mentais.

•Processo de

validação.

•Validação da

conformidade aos requisitos

iniciais.

•Teste de

fidelidade entre requisitos

iniciais e o modelo representado.

•Percepção, foco,

valorização, seleção, ordenação e concepção.

• Intuição, intenções, “agendas secretas”,

normas, valores e cultura.

•Avaliar alternativas,

preconceitos, experiências vivenciadas,

formação educacional e formação de artefatos mentais.

7 9 10

8

Modelo

Protótipo

• Início da atividade.

• Identificação e obtenção de informações

relevantes.

•Análise das relações entre tarefas, indivíduos , insumos e recursos.

•Análise da estrutura, organização e dinâmica

do trabalho.

1

ETAPA DE DESENVOLVIMENTO

•Percepção, foco,

valorização, seleção, ordenação e concepção.

• Intuição, intenções,

“agendas secretas”, normas, valores e cultura.

•Avaliar alternativas, preconceitos,

experiências vivenciadas, formação educacional e

formação de artefatos mentais.

•Documentação dos

requerimentos, verificação e validação das informações

representadas nos modelos sobre as

relações entre tarefas, funcionais e organizacionais.

•Desenho de alternativas

de projeto organizacional e de sistemas de informações.

•Percepção, foco,

valorização, seleção, ordenação e concepção.

• Intuição, intenções, “agendas secretas”,

normas, valores e cultura.

•Avaliar alternativas,

preconceitos, experiências vivenciadas,

formação educacional e formação de artefatos mentais.

2 3 4

5

Modelo

Candidato

12

11

IMPLEMENTAÇÃO E

CONFIGURAÇÃO NUM ARTEFATO REAL

Modelo

Final

94

Quadro 10: Caracterização do trabalho executado na modelagem de processos.

Etapa Caracterização do trabalho executado e produtos

1 Levantamento

de informações.

Processo de trabalho em grupo cujo objetivo é entender a realidade do trabalho,

as relações entre indivíduos, insumos e recursos. O grupo de trabalho interage

para entender o processo de trabalho. As técnicas mais usadas são as

entrevistas, reuniões, focus group, workshops, análise de documentos e sistemas

de informação existentes.

2 Documentação

de requisitos a

serem incluídos

no modelo.

Processo cognitivo e normativo dos indivíduos responsáveis pelo entendimento

dos requisitos para os modelos de processos. Nele estão contidas ações mentais

que são influenciadas pela percepção, entendimento, direcionamento de foco e

atenção, seleção e ordenação de informações. Estes fatores moldam a tomada de

decisão sobre a seleção e ordenação de requisitos que devem fazer parte do

modelo.

3 Validação de

requisitos.

Processo de trabalho em grupo. Os requisitos são documentados formalmente

em linguagem natural, em notações de algum método de modelagem ou com

uso de prototipação. Estas informações são validadas pelos usuários e clientes

(ou representantes). As técnicas mais usadas são as entrevistas, focus group e

workshops.

4 Revisão dos

requisitos e

modelagem do

processo.

Processo cognitivo e normativo dos indivíduos responsáveis pela elaboração do

modelo. Semelhante à etapa dois, nele estão contidas ações mentais, cognitivas

e normativas que são influenciadas pela percepção, entendimento,

direcionamento de foco e atenção além da seleção e ordenação de informações.

Estes fatores moldam a tomada de decisão sobre a representação em forma

notacional do conjunto de requisitos validados com os demais atores envolvidos

no trabalho.

5 Modelo

candidato.

Documento formal com o modelo produzido a ser submetido aos processos de

verificação e validação.

6 Verificação do

modelo

candidato.

É um processo com a participação de especialistas técnicos para determinar se o

modelo atende às regras estruturais e de integridade e se as notações foram

utilizadas de acordo com o método de modelagem escolhido para o trabalho.

Suas atividades principais são avaliação sintática, semântica e testes de

consistência dos fluxos de trabalho representados no modelo. Além disso,

caracteriza-se também pela simulação dos passos do processo representado no

modelo antes de colocá-lo para validação dos atores interessados.

95

Etapa Caracterização do trabalho executado e produtos

7 Revisão do

modelo

candidato.

Preparação do

modelo

protótipo.

Ajustes e alterações da representação expressa no modelo. Similarmente às

etapas dois e quatro, tem como elementos preponderantes as ações mentais,

cognitivas e normativas, de percepção, entendimento, direcionamento de foco e

atenção, seleção e ordenação de informações. Podem também existir interações

entre grupos de especialistas de áreas específicas da empresa.

8 Modelo

protótipo.

Documento formal com o modelo revisado após o processo de verificação e que

será submetido à validação dos atores interessados.

9 Validação do

modelo

protótipo.

Processo de trabalho em grupo. O modelo final é validado pelos usuários e

clientes (ou representantes), avaliando se as representações expressas nos

modelos de processo estão de acordo com os propósitos iniciais de utilização e

a realidade do trabalho executado.

10 Revisão do

protótipo.

Preparação do

modelo final.

Ajustes da representação expressa no modelo. Similarmente às etapas dois,

quatro e sete, tem como elementos preponderantes as ações mentais, cognitivas

e normativas, de percepção, entendimento, seleção e ordenação de informações.

Podem também existir interações entre grupos de especialistas de modelagem

de processos e áreas específicas da empresa.

11 Modelo final. Produção do documento formal final para uso em alguma aplicação da empresa.

12 Desenvolvi-

mento de um

artefato real.

Implementação e configuração do modelo produzido em um artefato real que

fará parte do processo produtivo.

Um dos itens importantes é identificar quais etapas do quadro de análise

permitem acesso a elementos tangíveis da atividade desenvolvida pelo grupo de

trabalho. No modelo proposto pela Figura 28, existe uma sequência de atividades que

inter-relacionam ações abstratas e concretas desenvolvidas pelos indivíduos. Entre as

atividades concretas existem as entrevistas, reuniões, trabalhos em grupos

multidisciplinares ou em grupos mais restritos de especialistas e a produção de

documentos formais. Entre as atividades abstratas ou mentais, pode-se citar a

interpretação da realidade a ser modelada e a concepção do modelo mental até a

produção de um artefato real que, no caso dos processos de negócios, são os modelos

documentados. No Quadro 11 são apresentadas algumas características dos tipos de

trabalhos executados nas etapas do quadro de análise da pesquisa. Neste quadro, avalia-

se, também, a acessibilidade às informações, comportamentos e atitudes além da

96

apresentação de uma ponderação entre ações explícitas e implícitas com relação aos

objetivos da pesquisa.

Quadro 11: Aspectos explícitos e implícitos da modelagem.

Etapa do quadro

de análise

Características predominantes do

trabalho

Acessibilidade às informações,

comportamentos e atitudes

Aspecto-

chave

1

Levantamento de

informações.

Atividades em grupos

multidisciplinares.

Análise de documentos, sistemas

de informações, relações de

trabalho e da organização.

Muitos elementos observáveis nas

atividades em grupo, nas trocas de

informações entre indivíduos, nos

comportamentos e atitudes.

Interação e

de

comunicação

entre

indivíduos.

2

Documentação de

requisitos a serem

incluídos no

modelo.

Individual ou em pequenos grupos

com formação homogênea.

Predominância do trabalho

desenvolvido mentalmente.

Poucos elementos observáveis ou

observáveis indiretamente nos

documentos emitidos pelos

analistas.

Cognitivo e

normativo.

3

Validação dos

requisitos.

Atividades em grupos

multidisciplinares.

Uso de procedimentos como

workshops e reuniões.

Muitos elementos observáveis nas

atividades em grupo, nas trocas de

informações entre indivíduos e nos

comportamentos e atitudes.

Interação e

de

comunicação

entre

indivíduos.

4

Revisão dos

requisitos.

Modelagem do

processo.

Individual ou em pequenos grupos

com formação homogênea.

Predominância do trabalho

desenvolvido mentalmente.

Influência das preferências

individuais na concepção e

representação do modelo.

Alguns elementos observáveis

indiretamente, nos documentos

emitidos com as representações

dos modelos.

Cognitivo e

normativo.

6

Verificação do

modelo candidato.

Atividades em grupos com

formação homogênea.

Uso de procedimentos como

workshops e reuniões.

Muitos elementos observáveis nas

atividades em grupo, nas trocas de

informações entre indivíduos e nos

comportamentos e atitudes.

Interação e

de

comunicação

entre

indivíduos.

97

Etapa do quadro

de análise

Características predominantes do

trabalho

Acessibilidade às informações,

comportamentos e atitudes

Aspecto-

chave

7

Revisão do

modelo candidato.

Preparação do

modelo protótipo.

Individual ou em pequenos grupos

com formação homogênea.

Predominância do trabalho

desenvolvido mentalmente.

Influência das preferências

individuais na concepção e

representação do modelo.

Alguns elementos observáveis

indiretamente, nos documentos

emitidos com as representações

dos modelos.

Cognitivo e

normativo.

9

Validação do

modelo protótipo.

Atividades em grupos

multidisciplinares.

Uso de procedimentos como

workshops e reuniões.

Muitos elementos observáveis nas

atividades em grupo, nas trocas de

informações entre indivíduos e nos

comportamentos e atitudes.

Interação e

de

comunicação

entre

indivíduos.

10

Revisão do

modelo protótipo.

Preparação do

modelo final.

Individual ou em pequenos grupos

com formação homogênea.

Predominância do trabalho

desenvolvido mentalmente.

Influência das preferências

individuais na concepção e

representação do modelo.

Alguns elementos observáveis

indiretamente, a exemplo dos

estilos da composição dos

símbolos nas representações dos

modelos.

Cognitivo e

normativo.

4.1.1 Características predominantes do trabalho de modelagem

O quadro de análise apresenta etapas que têm duas características predominantes

para o trabalho executado tanto em grupo quanto individualmente. Em primeiro lugar,

nas atividades em grupo verifica-se que entrevistas, workshops e reuniões são os

procedimentos mais comuns. Estes grupos de trabalho podem ser divididos em dois

tipos: os multidisciplinares de maior porte e grau de diversidade; e aqueles compostos

por especialistas com formação educacional mais homogênea. Outras atividades que

também podem ser feitas em grupo são as dedicadas à análise de documentos,

relatórios, sistemas de informações legados, relações de trabalho e estrutura da

organização. Em segundo, existem os trabalhos executados individualmente com uma

predominância de atividades mentais, nas quais as preferências individuais podem ter

importância relevante na escolha do uso de notações e símbolos e no estilo da redação

ou composição da representação do sistema real no modelo. As etapas nas quais o

98

trabalho em grupo é predominante, as análises de diferenças culturais com uso dos

modelos de Hofstede (1991; 2005), Trompenaars (1994; Hampden-Turner e

Trompenaars, 2000) ou GLOBE (House, Hanges, et al., 2004) tendem a ser mais

efetivas.

4.1.2 Acessibilidade às informações, comportamentos e atitudes

Ao analisar as etapas de trabalho, pode-se perceber diferenças no acesso às

informações, comportamentos e atitudes durante a execução das atividades. Nas

atividades em grupo, a comunicação entre indivíduos, os comportamentos e as atitudes

podem ser observados. Outras etapas apresentam poucos elementos para observação por

terem uma proporção elevada de trabalho individual. A avaliação de comportamentos e

atitudes poderia ser feita a partir de abordagens indiretas, comparando as entradas e as

saídas concretas da etapa. Por exemplo, as etapas 1, 3, 6 e 9 tendem a apresentar mais

elementos observáveis, pois têm a predominância da interação e dos processos de

comunicação entre os indivíduos do grupo de trabalho. Por outro lado, as etapas 2, 4, 7 e

10 têm os aspectos cognitivos e normativos (Thiollent, 1987; 1994) como

predominantes na sua execução. A identificação de diferenças comportamentais durante

a realização do trabalho de modelagem torna-se possível com a observação e análise das

interações entre os membros do grupo de trabalho e dos produtos finais de cada etapa.

4.2 CONTEXTO REAL E ABSTRATO DO PROCESSO DE MODELAGEM

Com base no quadro de análise proposto, pode-se elaborar um modelo de

orientação para investigação que combine os elementos observáveis e não observáveis

das atividades de modelagem de processos. Existem muitas teorias sobre modelagem de

processos de negócios, procedimentos e notações a serem usadas e que são definidas em

cada projeto. Essas teorias guiam o grupo de trabalho na execução das atividades a fim

de atingir os objetivos propostos. Os comportamentos e atitudes dos membros do grupo

de trabalho podem influenciar o resultado do trabalho, ou seja, o modelo propriamente

dito, conforme ilustrado na Figura 29.

99

Figura 29: Interações entre o objeto de estudo, teorias, métodos e técnicas.

Considerando o modelo da Figura 29 como um contexto genérico representativo

do trabalho realizado durante a modelagem de processos, assume-se que uma avaliação

sociocultural seria viável se a investigação pudesse manter os mesmos objetos de

estudo, teorias, objetivos, propósitos e mesmo método de modelagem. Caso existam

diferenças no modelo produzido, elas poderiam ser relacionadas às diferenças de

comportamento dos grupos de trabalho envolvidos. Os próximos três tópicos

apresentam abordagens para detalhamento desta análise.

4.2.1 Comparação entre modelos através de fatores de qualidade

A comparação entre os fatores socioculturais e os modelos produzidos por

grupos de trabalho diferentes é o ponto central a ser endereçado pela pesquisa. Para este

fim, é necessário elaborar métodos de avaliação que orientem a comparação do processo

de trabalho, ou seja, o ato de modelar e os produtos produzidos, no caso os modelos de

processos de negócios. Se numa situação hipotética, dois grupos de analistas

trabalhassem em um mesmo objeto de estudo, com as premissas estabelecidas

anteriormente, seria plausível afirmar que os modelos produzidos por cada grupo seriam

diferentes, pois eles poderiam ter comportamentos e atitudes moldados por suas

culturas, valores e personalidades.

Nesta situação hipotética, pode-se inferir que as diferenças entre os modelos

produzidos por dois grupos distintos podem ser avaliadas através das diferenças entre a

qualidade dos modelos. Por exemplo, a avaliação de critérios como clareza, correção,

exatidão, relevância, comparabilidade e sistematização propostos no modelo GoM

Modelo

Teorias sobre

Modelagem de

Negócios

Hipóteses referentes a

sua natureza dos processos de negócios

Interpretação,

ConceituaçãoConcepção,

representação

Aplicação e

utilização de

métodos e

técnicas

Propósitos, objetivos

Comportamentos, atitudes frente à eventos

100

(Becker, Rosemann e Uthmann, 2000) podem refletir diferenças nos modelos

propriamente ditos. Modelos de processos idênticos devem apresentar avaliações de

qualidade iguais, enquanto modelos diferentes naturalmente apresentarão divergências

em algum fator de qualidade. A comparação entre modelos de processos produzidos por

grupos distintos seria uma avaliação indireta, cujo foco se desloca para a comparação

entre as qualidades dos produtos finais de cada grupo. A Figura 30 apresenta a Relação

Rm1 como um indicativo válido para as diferenças entre os modelos produzidos por

grupos de trabalhos distintos.

Figura 30: Fatores de qualidade e diferenças nos modelos de processos.

4.2.2 Diferenças Culturais Mensuradas por Modelos Dimensionais

Os modelos de análise multicultural têm como objetivo a avaliação das

diferenças de orientações culturais entre coletividades, ou seja, não servem para

avaliações isoladas ou para prover indicadores absolutos. Dentro do contexto e das

premissas estabelecidas neste capítulo, pode-se aplicar os métodos de análise de

Hofstede (1991; 2005), Trompenaars (1994; Hampden-Turner e Trompenaars, 2000) ou

GLOBE (House, Hanges, et al., 2004) para comparação das diferenças culturais entre

grupos de trabalho distintos. Portanto, os métodos de investigação desses autores são

considerados válidos para expressar as diferenças de comportamento e atitudes entre os

grupos de indivíduos distintos. A Figura 31 ilustra o modelo para comparação entre as

diferenças culturais reais e através da comparação entre as dimensões culturais dos dois

grupos de trabalho.

Modelo

2

GRUPO 1

Modelo

1

Hipóteses referentes a

sua natureza dos processos de negócios

Interpretação,

Conceituação

Concepção,

representação

GRUPO 2Hipóteses referentes a

sua natureza dos processos de negócios

Interpretação,

Conceituação

Concepção,

representação

Diferenças nas

representações Rm1

Fatores de

qualidade de modelos,

101

Figura 31: Diferenças entre grupos de trabalho e as dimensões culturais.

A Relação Rm2 é aceita como válida para representar as diferenças culturais entre

os grupos de trabalho 1 e 2, usando para tal os indicadores de dimensões culturais dos

modelos Hofstede, Trompenaars ou GLOBE. Em decorrência, assume-se que, através da

avaliação dos indicadores disponíveis nas bases de dados destes autores, as diferenças

culturais reais entre grupos de trabalho distintos podem ser caracterizadas.

4.2.3 A Personalidade dos Indivíduos representada por Traços de Personalidades

Os traços de personalidade são agrupamentos de características que auxiliam a

descrever o comportamento dos indivíduos. Assume-se que dois indivíduos que tenham

personalidades diferentes tendem a apresentar traços de personalidade diferentes,

portanto, no contexto deste trabalho, será válido usar métodos como MBTI (Myers-

Briggs Foundation, 2008) ou Big Five (Robbins, 2005, p. 78) para representação das

diferenças de personalidade entre dois indivíduos. A Figura 32 representa a Relação

Rm3, considerada válida no escopo do trabalho, como um indicativo entre diferenças

reais de personalidades de indivíduos do grupo de trabalho e seus de traços de

personalidade.

GRUPO 1

Modelo

1

Hipóteses referentes a

sua natureza dos processos de negócios

Interpretação,

Conceituação

Concepção,

representação

GRUPO 2

Modelo

2

Hipóteses referentes a

sua natureza dos processos de negócios

Interpretação,

Conceituação

Concepção,

representação

Diferenças Culturais

entre gruposRm2 (Dim.Culturais),

102

Figura 32: A personalidade dos indivíduos e os traços de personalidade.

4.3 INVESTIGAÇÃO DOS FATORES SOCIOCULTURAIS NA

MODELAGEM

O caráter exploratório deste trabalho tem como propósito aumentar o

entendimento da influência dos fatores socioculturais nos resultados da modelagem de

processos. Para atender a este objetivo, foram articulados quatro grupos teóricos: o

primeiro está relacionado às atividades de trabalho para a modelagem de processos de

negócios; o segundo são os fatores de qualidade como indicativos de diferenças entre

modelos; o terceiro componente teórico abordou o multiculturalismo e a sua avaliação

através da análise das dimensões culturais de grupos de indivíduos; e o quarto, os

estudos das personalidades.

O estudo das atividades de trabalho necessárias à modelagem de processos

tentou abranger duas linhas, sendo uma tradicional, de base positivista e mecanicista, e

outra com foco em elementos implícitos e abstratos da atividade de modelar. Com a

conjunção dessas duas linhas de estudo foi possível estruturar um modelo que levasse

em consideração os aspectos concretos e abstratos, conforme apresentado na Figura 28.

Este quadro de análise propôs uma avaliação do trabalho de modelagem em etapas, nas

quais foi possível elencar elementos relevantes da atividade de trabalho que facilitassem

a avaliação da influência de fatores socioculturais sobre os modelos de processos

produzidos.

INDIVÍDUO 1

Modelo

1

Hipóteses referentes a

sua natureza dos processos de negócios

Interpretação,

Conceituação

Concepção,

representação

INDIVÍDUO 2

Modelo

2

Hipóteses referentes a

sua natureza dos processos de negócios

Interpretação,

Conceituação

Concepção,

representação

Diferenças de personalidadeRm3 ,

Teorias dos traços

103

No lado dos fatores socioculturais, duas abordagens foram trabalhadas. Uma

referente às diferenças culturais entre grupos, que no contexto da pesquisa são os grupos

de trabalho incumbidos de produzir os modelos de processos de negócios. A outra

examinou os estudos de personalidade dos indivíduos, visto que tanto a cultura quanto a

personalidade podem influenciar comportamentos e atitudes. Existe a expectativa de

que as diferenças entre culturas e personalidades dos indivíduos influenciem no modelo

produzido e, por conseguinte, na sua qualidade e efetividade nas aplicações

empresariais. Se comportamentos e atitudes diferentes conduzem a modelos distintos,

torna-se necessário entender melhor este fenômeno para criar estratégias de valorização

dos efeitos benéficos da diversidade cultural nos trabalhos de modelagem e, por outro

lado, evitar as consequências negativas. Do estudo, duas proposições são colocadas para

investigação: uma sobre a relação entre as diferenças culturais e as diferenças de

qualidade de modelos produzidos por grupos distintos e a segunda que discute a

influência das diferentes personalidades dos indivíduos na qualidade destes modelos. A

Figura 33 apresenta a estrutura de análise da pesquisa.

Figura 33: Modelo de investigação, conceitos, dimensões e proposições12

.

Uma vez que as áreas de conhecimento do estudo foram definidas e relacionadas

através de proposições, o próximo passo é identificar indicadores (Quivy e

12

Baseado na construção de modelo de análise de Quivy e Campenhoutdt, (1992).

CO

NC

EIT

OS

MODELAGEM DE

PROCESSOS DE NEGÓCIOS

VERIFICAÇÃO,

VALIDAÇÃO E QUALIDADE DE

MODELOS

ESTUDOS DE

PERSONALIDADE

MULTICULTU-

RALISMO

DIM

EN

ES

DE

AN

ÁL

ISE ETAPAS

EXPLÍCITAS E ABSTRATAS DO PROCESSO DE

MODELAGEM

FATORES DE

AVALIAÇÃO DE QUALIDADE DE

MODELOS

DIMENSÕES

CULTURAIS

TRAÇOS DE

PERSONALIDADE

Como fatores socioculturais afetam a

modelagem de processos de negócios?

PERGUNTA DE PARTIDA

Rm1

Rm2Rm3

PR

OP

OS

IÇÕ

ES

PROPOSIÇÃO 1: Existe correlação entre Rm1 e Rm2.

PROPOSIÇÃO 2: Existe correlação entre Rm1 e Rm3.

104

Campenhoudt, 1992) que orientem a investigação em um caso real e que possam

orientar a avaliação de uma situação empresarial real. Na Figura 34 são apresentados os

indicadores relacionados às dimensões de análise dos referenciais teóricos estudados e

candidatos para a pesquisa de campo.

Figura 34: Indicadores teóricos para avaliar as proposições de pesquisa.

4.4 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO

O objetivo deste capítulo foi desenvolver um quadro de análise a ser usado para

orientar a pesquisa de campo. A partir da análise das atividades de trabalho da

modelagem de processos, foi possível estabelecer um quadro de etapas de atividades

executadas na modelagem, tornando-se possível avaliar ações explícitas e implícitas que

ocorrem durante a produção de um modelo de processos de negócios. A partir deste

quadro de análise, foi elaborado um modelo referencial para a pesquisa de campo

interligando os conceitos teóricos, dimensões de análise, proposições e indicadores

teóricos. No próximo capítulo, estes modelos serão utilizados para desenhar o plano de

pesquisa de campo em uma situação empresarial real e posteriormente subsidiar a

análise dos dados coletados.

DIM

EN

ES

DE

AN

ÁL

ISE FATORES PARA AVALIAÇÃO

DE QUALIDADE DE MODELOS

DIMENSÕES

CULTURAIS

TRAÇOS DE

PERSONALIDADE

Rm1Rm2

Rm3

Qualidade

Acurácia

Veracidade

Validade

Clareza

Completitude

Consistência

Viabilidade

Modificabilidade

Estabilidade

Testabilidade

Rastreabilidade

(Balci,2004)

Modelo GoM

Correção

Clareza

Relevância

Comparabilidade

Sistematização

Efetividade

(Becker,

Rosemann, e

Uthmann, 2000)

Cultura Nacional

- Distancia do

poder

- Individualismo x

coletivismo

- Masculinidade x

feminilidade

- Evitar incertezas

- Orientação para

longo prazo

Cultura

Organizacional

- Processos x

resultados

- Empregados x

tarefas

- Profissional x

paroquial

- Sistemas

abertos x

fechados

- Controle forte x

fraco

- Pragmática x

normativa

(Hofstede, 1991)

- Universalismo x

Particularismo

- Individualismo x

Comunitarismo

- Envolvimento

difuso x específico

- Status

conquistado x

atribuído

- Orientação

Interna x Externa

- Tempo

sequencial x

sincrônico

(Trompenaars,

1994, 2000)

- Distância do

poder

- Evitar incertezas

- Orientação

humanista

- Coletivismo

institucional

- Coletivismo de

grupo

- Agressividade

- Igualdade entre

os gêneros

- Orientação para

o futuro

- Orientação para

o desempenho

(GLOBE, House

et al., 2004)

- Extrovertidas ou

introvertidas

- Sensitivas ou

intuitivas

- Racionais ou

emocionais

- Perceptivas ou

julgadoras

(MBTI)

- Extroversão

- Amabilidade

- Consciência

- Estabilidade

emocional

- Abertura

(Big Five)

IND

ICA

DO

RE

S T

RIC

OS

105

5 ANÁLISE DE UM CASO EMPRESARIAL MULTICULTURAL

NO BRASIL

5.1 INTRODUÇÃO

Este capítulo tem quatro objetivos básicos: o primeiro é apresentar o caso

empresarial escolhido para análise; o segundo é selecionar as orientações metodológicas

da pesquisa; o terceiro, planejar e estruturar a investigação de campo; e, por último,

analisar as informações coletadas dos participantes da pesquisa. A postura investigativa

segue orientações epistemológicas de uma pesquisa qualitativa e os métodos

selecionados visam proporcionar elementos para investigação do quadro de análise

apresentado no Capítulo 4.

As dimensões de análise da Figura 34 devem ser entendidas como uma base

conceitual para orientar o planejamento da pesquisa de campo. A inclusão das três

correlações Rm1, Rm2 e Rm3 em uma pesquisa de campo é uma tarefa complexa com

barreiras e riscos importantes, pois teria que combinar dados pessoais e corporativos

que, normalmente, são considerados confidenciais. A pesquisa de campo necessitaria de

direito de acesso a informações de projetos realizados e das pessoas envolvidas no

trabalho de modelagem de processos. Um estudo completo, compondo simultaneamente

as três correlações pode ser viabilizado por um grupo de pesquisa com um número

maior de pesquisadores e prazo mais extenso para sua execução. Entretanto, ele se

inviabiliza em uma pesquisa para Tese de Doutoramento devido à limitação de tempo e

recursos. Dentro do escopo de tempo e recursos disponíveis para o presente estudo,

decidiu-se fazer um recorte no quadro de análise, focando as correlações Rm1 e Rm2.

106

Portanto, o experimento avaliou os aspectos culturais de um caso empresarial real com

interações multiculturais e no qual o acesso a informações sobre o trabalho de

modelagem de processos fosse possível.

O capítulo inicia-se com a apresentação do ambiente e conjuntura econômica do

Brasil no momento em que o caso empresarial está inserido. Neste contexto, são

descritos o ambiente multicultural e as características da empresa na qual as atividades

profissionais para modelagem de processos eram desenvolvidas. A seguir, são

discutidos métodos, procedimentos de coleta, seleção da amostra, definição das

entrevistas e análise das informações obtidas com os participantes da pesquisa. As

informações coletadas nas entrevistas são discutidas sob a ótica das teorias e

proposições estabelecidas anteriormente.

5.2 OS CONTEXTOS EMPRESARIAL E SOCIAL DA PESQUISA

O desafio inicial foi definir um contexto empresarial que contivesse uma

interação entre os elementos teóricos discutidos nos capítulos anteriores, como a

modelagem de processos de negócios, os fatores socioculturais e a avaliação de sua

influência nos modelos produzidos. As pesquisas envolvendo processos de negócios

normalmente apresentam dificuldade de acesso às informações, visto que muitas

empresas consideram essas informações confidenciais. O caso empresarial escolhido

aconteceu há dez anos e seu estudo requereu o uso de métodos de pesquisa

organizacionais não usuais na Engenharia de Produção. Se por um lado isto é um fator

de risco para a própria pesquisa, por outro pode abrir novos horizontes para os

pesquisadores da área de comportamento organizacional. Com a análise dos resultados

obtidos, foi possível o refinamento das proposições anteriormente definidas, a

elaboração de hipóteses mais específicas e a sugestão de direções para futuras

investigações multidisciplinares unindo multiculturalismo e estudos organizacionais na

Engenharia de Produção.

5.2.1 As mudanças conjunturais e a presença multicultural

As transformações econômicas das décadas de 1990 e 2000 promoveram um

aumento da diversificação dos atores internacionais envolvidos nas principais iniciativas

empresariais estrangeiras no país. Em 1998, o Brasil recuperou sua posição de líder no

recebimento de investimentos estrangeiros diretos com 28,7% e no ano 2000, recebeu

107

aproximadamente 20% de todos os investimentos entre os países em desenvolvimento

(Revista Veja, 2000). As origens e proporções entre investidores estrangeiros passaram

por alterações a partir do final dos anos 1990. Em 1995, os Estados Unidos e a

Alemanha lideravam os investimentos externos no país. A partir de 2001, a Espanha

apareceu em segundo lugar, seguido pela Holanda e França. Outra mudança importante

foi o crescimento dos investimentos de países diferentes dos tradicionais investidores

como a China, que entre Janeiro e Abril de 2009 já apresentou um crescimento de 72%

em relação ao investimento feito durante todo o ano de 2008 (Nassif, 2009).

Entre 1995 e 2000, os investimentos estrangeiros foram direcionados, na sua

maior parte, para empresas prestadoras de serviços públicos como fruto do processo de

privatização e desregulamentação da economia. Este segmento recebeu um total de

78,6% do total de 118 bilhões de dólares que entraram no país (Abu-El-Haj, 2007).

Além da privatização de empresas de serviços públicos estatais, o Estado promoveu

também a concessão de licenças para que novas empresas operassem no país,

estimulando, desta forma, a concorrência neste setor.

Na modalidade de concessões, a consequência imediata foi o surgimento de

novas empresas sob o controle de grupos estrangeiros em diversos setores como

telecomunicações, transportes, energia e saneamento básico, entre outros. Essa

diversificação de investimentos externos gerou não apenas o aumento no recebimento

de recursos monetários de origens diversas, como também a presença de profissionais

de vários países, aumentando o grau de diversidade cultural no mercado de trabalho

brasileiro em relação há quinze anos. Maior diversidade na origem dos investimentos

diretos tem como consequência uma maior integração do sistema produtivo e de

indivíduos de diversas origens trabalhando juntos.

A fim de viabilizar suas operações de forma rápida, as empresas criadas no final

da década de 1990 usualmente se associavam com diversos parceiros. Elas selecionaram

fornecedores internacionais de equipamentos, sistemas de informações e montagem da

infra-estrutura de sua confiança ou conhecimento para que as operações fossem

iniciadas o mais rápido possível (Assis, 2001). Estes fornecedores, na sua grande

maioria, eram compostos por empresas ou consórcios multinacionais, cuja

responsabilidade foi além do simples fornecimento de equipamentos; também foram

responsáveis pela gestão e implantação dos projetos da infra-estrutura operacional, além

de gerenciar as operações no período inicial de fornecimento dos serviços. Este

108

conjunto de fatores gerou uma alta demanda por profissionais especializados que não

estavam disponíveis, em quantidade ou especialização, no mercado brasileiro. A

estratégia adotada por várias empresas, então, foi buscar profissionais de empresas já

estabelecidas, com remunerações acima da média, e a contratação temporária de

recursos humanos em outros países.

Esta composição de fatores teve como consequência o aparecimento de

ambientes de trabalho com grau de diversidade cultural acima do usual para a maioria

dos profissionais brasileiros. Quando se tratava de empresas já estabelecidas ou mais

antigas, o profissional estrangeiro era submetido às normas e valores enraizados na

organização. Entretanto, para o caso de lançamento de novas empresas, não existiam

políticas, normas ou valores organizacionais estabelecidos que orientassem os

comportamentos dos profissionais brasileiros ou estrangeiros contratados. Os

profissionais, de nacionalidades diversas, eram agrupados em times de trabalho, por

especialidade funcional ou técnica, e, inevitavelmente, surgiam discordâncias das mais

diversas naturezas, podendo ter raízes tecnológicas, operacionais e culturais, entre

outras. Nestes casos, o papel da liderança era fundamental, pois em uma cultura

organizacional incipiente, as normas e políticas teriam que ser ditadas pelas crenças e

valores pessoais do corpo executivo. O lançamento de uma empresa requer também um

aumento de atividades relacionadas à modelagem de processos de negócios, para

orientação dos trabalhadores e para subsidiar o desenvolvimento de sistemas de

informação de forma mais intensa que em outros períodos mais estáveis da vida

empresarial.

Encontrar uma organização no Brasil com intensa atividade de modelagem de

processos de negócios, incluindo a presença considerável de profissionais de outras

nacionalidades não era tão difícil neste contexto histórico. Embora o autor suporte a

posição de Canen e Canen (2001) de que todas as organizações são multiculturais per

se, a escolha do caso para investigação deveria envolver pessoas de nacionalidades

distintas, visto que os quadros de análise multiculturais estudados no Capítulo 3, para

relativizar as dimensões culturais entre grupos sociais distintos, utilizam as culturas

nacionais como unidade de análise (Hampden-Turner e Trompenaars, 2000; Hofstede e

Hofstede, 2005; House, Hanges, et al., 2004). Portanto, os objetivos da pesquisa seriam

viabilizados se ela fosse aplicada durante a fase de lançamento de uma empresa com

uma proporção considerável de profissionais estrangeiros.

109

Assim, o caso empresarial escolhido foi de uma empresa que começou a operar

no país no ano 2000 com investimentos estrangeiros, durante a abertura e

desregulamentação da prestação de serviços públicos. Ainda hoje ela está em operação,

porém sob uma nova marca, desde 2003, quando foi incorporada por outra empresa do

mesmo ramo. Não foi possível obter autorização da atual controladora para uso do seu

nome nesta pesquisa. Em função dessa restrição, a empresa, para fins desta pesquisa,

será denominada com o nome fictício de Empresa Internacional-Brasil Operacional

Serviços (IBOS). A IBOS obteve licença para operar em 1999 quando iniciaram as

atividades do projeto de implantação da infra-estrutura tecnológica necessária às suas

operações. Seu controle acionário era composto por fundos de investimentos e empresas

estrangeiras, entre elas, uma de origem canadense. No princípio do ano 2000, a empresa

IBOS já tinha condições operacionais mínimas e começou a fornecer serviços aos

clientes. A Figura 35 apresenta a linha de tempo desde o surgimento da IBOS até a sua

incorporação.

Figura 35: Eventos históricos da empresa IBOS entre 1999 e 2003.

Durante 1999, a nova empresa trouxe executivos e especialistas internacionais,

principalmente nas áreas de tecnologia de informação e de equipamentos de infra-

estrutura. A carência de profissionais brasileiros especializados e capazes de executar os

trabalhos de implantação da infra-estrutura tecnológica para a operacionalização dos

sistemas foi um problema a ser resolvido não só na IBOS, mas na maioria de outras

empresas lançadas na mesma época (Santoro, 2000; Mari, 2000). A demanda por mão-

de-obra temporária para as atividades de implantação da infra-estrutura inicial é

Consultores

Internacionais

Consultores

Internacionais

Lançamento

da empresa

Atividades de

pré-lançamento(essenciais)

Atividades de pós-

lançamento(complementares)

Atividades operacionais regulares

2000 20011999

Obtenção da

concessão de

serviço público

2002 2003

Profissionais Brasileiros

Venda da

empresa para

outra do

mesmo setor

Reestruturação Acionária

(Crise das pontocom, de

11 de Setembro 2001 e

escândalos em grandes

corporações americanas)

110

superior às necessidades para atividades operacionais em regime permanente, portanto,

contratos temporários e consultores experientes eram fatores críticos para o sucesso do

empreendimento. Esses profissionais temporários eram, na sua maioria, de origem

canadense e, em menor proporção, americanos, australianos, neozelandeses, indianos,

britânicos e de outros países europeus.

O período entre 2001 e 2004 foi marcado por uma grande crise econômica,

devido, principalmente, aos atentados de 11 de setembro de 2001 (Revista Veja, 2001);

aos escândalos financeiros em grandes corporações como Enron, WorldCom e outras

(Revista Veja, 2002); e à crise das empresas denominadas ―pontocom‖, que acarretou

uma forte queda nas bolsas americanas e ―fez sumir uma riqueza de 7 trilhões de dólares

(Alcântara e Lores, 2002)‖. Dentro desta conjuntura econômica e combinação de

fatores, a IBOS, que dependia de fontes de financiamento quase que exclusivamente

externas, passou por uma série de problemas, como a falta de fluxo de capitais para

investimentos na expansão da sua infra-estrutura. Por fim, seus ativos e operações foram

vendidos à outra empresa do setor.

5.2.2 Delimitação do escopo de investigação

O escopo principal para análise do caso da empresa IBOS foram as interações

multiculturais durante o trabalho da modelagem de processos de negócios. Entre os anos

de 1999 e 2001, a empresa contratou muitos consultores internacionais e profissionais

brasileiros simultaneamente. O lançamento das operações comerciais no início do ano

2000 foi um marco que, para fins de análise, pode ser dividido em duas fases. Na

primeira, anterior ao lançamento, os profissionais brasileiros e consultores

internacionais foram responsáveis pela implantação da infra-estrutura, sistemas

tecnológicos e definição das estruturas de trabalho. Na segunda fase, a partir do

lançamento da empresa, outros profissionais, quase na totalidade brasileiros, foram

contratados para funções administrativas e operacionais, responsáveis pela rotina de

trabalho e operações futuras da empresa. Com o término dos projetos iniciais de

implantação, a maioria dos consultores internacionais e alguns especialistas brasileiros

tiveram seus contratos temporários encerrados e saíram da empresa. A Figura 36

apresenta a delimitação do período no qual a investigação se desenvolveu.

111

Figura 36: Delimitação do escopo de investigação na empresa IBOS.

O escopo do estudo foi limitado apenas ao grupo de profissionais brasileiros e

estrangeiros, que participavam em conjunto das atividades de modelagem dos processos

de negócios. Como o grupo de canadenses era o de maior quantidade entre os

consultores internacionais, a pesquisa se limitará à análise de percepções e significados

multiculturais entre duas nacionalidades, quais sejam, brasileiros e canadenses. As

interações nas diversas atividades de trabalho possibilitaram que cada indivíduo

construísse percepções próprias sobre a organização, lideranças e do comportamento de

seus pares durante as atividades de modelagem de processos de negócios. O importante

na pesquisa de campo é tentar obter estas percepções e significados das experiências

vivenciadas neste ambiente de trabalho multicultural. Na Figura 37 são representadas as

interações entre brasileiros e canadenses no desenvolvimento de modelos de processos

de negócios dentro da janela de tempo do escopo da investigação.

Delimitação do escopo de investigação

Consultores

Internacionais

Consultores

Internacionais

Lançamento

da empresa

Atividades de

pré-lançamento(essenciais)

Atividades de pós-

lançamento(complementares)

Atividades operacionais regulares

2000 20011999

Obtenção da

concessão de

serviço público

2002 2003

Profissionais Brasileiros

Venda da

empresa para

outra do

mesmo setor

Reestruturação Acionária

(Crise das pontocom, de

11 de Setembro 2001 e

escândalos em grandes

corporações americanas)

112

Figura 37: Interações multiculturais durante a modelagem.

Algumas características da organização do trabalho de modelagem de processos

no contexto em estudo devem ser ressaltadas. Os brasileiros e canadenses ocupavam, de

maneira aleatória, o mesmo espaço físico dentro da empresa. Este fato permitia

frequentemente um envolvimento profissional e social entre eles. Outro fato importante

era a duração dos contratos temporários dos consultores internacionais, que em sua

maioria variavam entre três e doze meses. Se por um lado, o compartilhamento do

espaço físico proporcionava maior integração, por outro, o período de tempo limitado

levava a um processo de aculturamento incompleto e que, na maioria dos casos, não

atingia o estágio de estabilidade (Hofstede e Hofstede, 2005, p. 324). O alto grau de

interação intercultural no desenvolvimento de modelos de processos de negócios era

decorrente da proximidade física entre os indivíduos e da quantidade de trabalho a ser

desenvolvida num curto espaço de tempo.

O lançamento de uma empresa normalmente é cercado por questões de

confidencialidade, o que torna difícil encontrar organizações contemporâneas que

permitam o acesso para o desenvolvimento de pesquisas com seus profissionais. O fato

do caso empresarial escolhido para pesquisa ter ocorrido no passado não quer dizer que

o fenômeno em estudo não possa se repetir em menor ou maior intensidade ou com

algumas semelhanças ao longo do tempo em outras empresas que venham se instalar no

Brasil. Neste ponto, duas hipóteses podem ser levantadas, a primeira com relação à

cultura organizacional, em empresas novas, as experiências passadas dos membros

recém contratados podem influenciar fortemente os comportamentos e atitudes no

ambiente de trabalho. A segunda hipótese os métodos de pesquisa sobre eventos

Consultores

Internacionais

Temporários.

Na maioria

canadenses

Profissionais

brasileiros

Processos de negócios

Especificações de

Sistemas de

Informações

Empresariais

1999 2001

Formalização dos

procedimentos e

processos de

trabalho

113

passados podem prover mais informações relevantes sobre lançamentos de empresas do

que métodos focados em eventos do presente.

5.3 QUESTÕES METODOLÓGICAS

A complexidade e a característica multidisciplinar fazem da pesquisa qualitativa,

um método candidato ao direcionamento das atividades de coleta e análise de

informações do ambiente em estudo. A modelagem de processos de negócios e os

estudos multiculturais são domínios de conhecimento distintos, complexos, de ampla

abrangência e pouco explorados conjuntamente. O entendimento de como cada

indivíduo interpreta a realidade e constrói significados mentais dos eventos ocorridos

durante a execução das atividades de trabalhos é o eixo central da pesquisa.

Entendendo os significados e concepções, espera-se verificar se estes fatores têm

correlação com as identidades culturais de cada profissional. Esta característica da

pesquisa é uma indicação de que uma postura qualitativa é mais adequada do que os

métodos quantitativos. Deslauriers e Kérisit (2008, p. 129) argumentam que

investigações qualitativas são adequadas para aprofundar o entendimento de processos e

fenômenos complexos, que são compostos por fatores e variáveis que não têm uma

delimitação clara ou são pouco estruturados. As características citadas por Deslauriers e

Kérisit alinham-se com a complexidade decorrente da multidisciplinaridade, quadro de

análise e caso empresarial escolhidos para a pesquisa.

As diferenças marcantes entre as abordagens quantitativa e qualitativa de

pesquisa direcionam as ações do estudo para a segunda. Na primeira, o foco

experimental é a relação entre variáveis passíveis de serem mensuradas e o

estabelecimento de relações matemáticas ou estatísticas no estudo de um fenômeno. Por

outro lado, temas nos quais a complexidade e a falta de delimitação de fatores e

variáveis importantes para a compreensão do fenômeno são uma realidade, como no

caso desta pesquisa, os métodos qualitativos são mais adequados (Deslauriers e Kérisit,

2008, p. 129). O caráter descritivo e exploratório de uma situação social com uso de

questões abertas e semi-estruturadas são elementos-chave no objetivo a ser alcançado

nesta pesquisa. Reforçando o papel da pesquisa qualitativa, o trabalho de Moreira

(2002, p. 57) elenca, sem esgotar, alguns pontos denominados como características

básicas para escolha da abordagem qualitativa:

114

Foco na interpretação, geralmente nos significados, e nas interpretações

dos próprios participantes da pesquisa;

Ênfase na subjetividade, ―perspectiva psíquica, emocional e cognitiva13

‖,

de cada participante durante o desenrolar dos eventos e acontecimentos;

Flexibilidade no processo de condução da pesquisa em função da

complexidade e da imprevisibilidade das reações dos participantes frente

aos elementos de coleta de dados;

Orientação para o entendimento do processo e do fenômeno e não

especificamente nos resultados mensuráveis da ação;

Foco na inter-relação dos comportamentos das pessoas dentro do

contexto estudado, compondo experiências de vida;

Reconhecimento da influência mútua do pesquisador sobre a situação da

pesquisa e no comportamento do entrevistado.

As características específicas do caso empresarial e o escopo do estudo

delimitam a escolha de métodos de coleta e análise de dados na pesquisa. O caráter

descritivo e exploratório revela-se na pesquisa multidisciplinar aplicada a um contexto

social complexo e com alto grau de diversidade cultural. Percebe-se, também, que o

estudo apresenta questões a serem investigadas para um melhor entendimento e

delineamento de pesquisas futuras. Na realidade, existe para o pesquisador, uma janela

de oportunidade de análise em que o contexto social escolhido tem uma intensa

interação intercultural em que indivíduos culturalmente distintos executaram

conjuntamente atividades de modelagem de processos num mesmo ambiente

corporativo.

A questão transitória do caso empresarial proposto para investigação é outro

ponto em favor da coleta e análise sob uma perspectiva qualitativa. O estudo do

transitório caracteriza-se por estruturas sociais específicas e mutantes, como parece ter

ocorrido no caso empresarial adotado, do qual é impossível retirar uma ampla

amostragem para um estudo quantitativo. Os fatos relevantes advêm da transição e dos

indícios que podem ser coletados da transformação social (Deslauriers e Kérisit, 2008,

13

Acrescentado pelo autor a partir da acepção da palavra ―subjetividade‖, rubrica filosofia (Houaiss,

2009).

115

p. 131). As atividades de trabalho executadas conjuntamente e temporariamente entre

brasileiros e canadenses podem explicitar os significados individuais que, em tese,

podem ser associados à identidade cultural e aos comportamentos observados durante o

ato de modelar. Quando a empresa atingiu o regime operacional estável, muitos

contratos temporários de trabalho, de estrangeiros e brasileiros, foram encerrados e,

consequentemente, os fatores do contexto, que eram valiosos para o escopo da pesquisa,

diminuíram de intensidade. A fase do lançamento da empresa mostra-se bastante rica

em elementos para subsidiar o estudo.

Do ponto de vista metodológico, este estudo sobre atividades ocorridas em

momentos passados apresenta vantagens e limitações para a coleta de dados. As

vantagens estão relacionadas a uma maior liberdade de acesso às pessoas que

vivenciaram o ambiente em estudo. A partir da identificação de um profissional que

tenha trabalhado na empresa no período desejado e não tenha mais vínculo

empregatício, a aceitação para participação na pesquisa depende apenas do próprio

indivíduo. Por outro lado, estudos sobre eventos passados dependem das lembranças das

pessoas, por isso, os métodos e instrumentos de coleta de informações devem ser bem

planejados a fim de facilitar a obtenção de informações baseadas em lembranças que

possam ser recuperadas. Se por um lado, o caso empresarial escolhido reduziu a

dificuldade de acesso aos indivíduos com informações relevantes para pesquisa, por

outro introduziu o elemento histórico no delineamento do plano de pesquisa.

5.3.1 Caracterização da pesquisa e de seus participantes

O caso a ser investigado caracteriza-se pelo levantamento de experiências

vivenciadas entre os anos de 1999 e 2001, cuja coleta das informações ocorre dez anos

depois. A adoção de uma abordagem interpretativista (Silva e Neto, 2005, p. 57) é uma

opção para o estudo, pois está fundamentada na interpretação do que os indivíduos

conceberam sobre a realidade vivenciada e no simbolismo mentalmente armazenado dos

eventos ocorridos. O importante para os objetivos da pesquisa é que as experiências

participantes possam ser lembradas em termos de seus significados, não necessitando de

uma descrição detalhada dos fatos ocorridos. Entretanto, é importante notar que a

compreensão do fenômeno de interação cultural entre os indivíduos não virá da

observação direta do pesquisador, como usualmente se procede nos métodos

116

interpretativistas, mas sim indiretamente a partir do entendimento do pesquisador sobre

as narrativas dos episódios vivenciados pelos participantes da pesquisa.

Os elementos centrais da pesquisa de campo são os participantes e suas

lembranças do período de lançamento da empresa. A seleção da amostra torna-se um

processo-chave no planejamento da investigação. O autor optou por uma amostra

intencional e voluntária (Deslauriers e Kérisit, 2008, p. 138) em função das

especificidades das atividades de trabalho a serem investigadas. A amostra intencional

será usada para pré-selecionar potenciais participantes, designados como população-

alvo, que participaram da organização no período do estudo e trabalharam em atividades

de modelagem de processos. A amostra será voluntária no sentido em que, dentro da

população-alvo, o participante convidado poderá aceitar ou não o convite. Aceitando o

convite, ele deverá demonstrar ter lembranças da época e atender aos critérios para

validação da sua participação na pesquisa como:

Ter participado de atividades relacionadas à modelagem de processos na

empresa IBOS durante o período entre 1999 e 2001;

Ter permanecido pelo menos três meses na organização;

Ter nacionalidade brasileira ou canadense. Casos de dupla nacionalidade

e de imigração entre os dois países foram evitados;

Ter interagido com frequência com mais de um indivíduo da outra

nacionalidade; e

Ser capaz de expor experiências vivenciadas naquela época.

Esses pontos devem fazer parte do levantamento de perfil do entrevistado para

possibilitar a validação da entrevista e sua posterior análise. A Figura 38 apresenta os

dois aspectos relevantes da pesquisa. Primeiro, a dimensão temporal entre os momentos

da ocorrência dos eventos e da coleta de dados através das entrevistas. O segundo, com

relação à amostra intencional e selecionada dentro de uma população-alvo.

117

Figura 38: Aspectos temporais da coleta de dados e da análise do caso.

5.3.2 A opção por entrevistas abertas e semi-estruturadas

A seleção de métodos de coleta deve levar em consideração as quatro

características básicas da pesquisa: caráter descritivo, exploratório, transitório e

histórico. A entrevista é uma ferramenta importante quando outras fontes de dados, tais

como documentos e registros formais são de difícil acesso e se a observação direta do

evento estudado não é possível (Poupart, 2008, p. 222). Ela proporciona, ainda, a

análise das realidades sociais, das interações entre os participantes, com base nas suas

perspectivas sobre os acontecimentos pesquisados e suas relações sociais com o

contexto a ser investigado (ibid, p. 216). O propósito principal é obter dados sobre

comportamentos, atitudes, significados e crenças dos atores sociais a partir das

exposições de participantes que vivenciaram os eventos durante a montagem da

empresa e seus primeiros meses de operação.

No presente trabalho, a entrevista coloca-se como o único instrumento de coleta

de informações disponível ao pesquisador. Entre as várias técnicas de pesquisa

existentes, aquela a ser escolhida deve proporcionar elementos de análise alinhados com

os propósitos da pesquisa e próprias para investigação de eventos passados. Os tipos

mais comuns de entrevistas são as estruturadas, semi-estruturadas, não estruturadas14

e

as entrevistas em grupo (Myers e Newman, 2007). Na primeira, existe um roteiro bem

detalhado, preparado antecipadamente para obter, principalmente, dados padronizados

14

N. do A.: no trabalho as técnicas denominadas abertas e não estruturadas são consideradas semelhantes.

Consultores

Internacionais

Temporários

(Expatriated)

Profissionais

Brasileiros

Processos de negócios

Especificações

SIE

1999 2001

2009

Coleta de dados

Entrevistas

Participantes que vivenciaram o contexto multicultural

População-

alvoAmostra

Selecionada

118

nas respostas dos participantes. Nas entrevistas com perguntas abertas e semi-

estruturadas existe um roteiro básico que orienta os passos da entrevista e permite a

improvisação, tanto na condução do pesquisador quanto nas respostas dos participantes.

Com base nestas características, uma combinação entre as técnicas de entrevistas

abertas e semi-estruturadas parecem ser as mais adequadas para obtenção dos

significados memorizados pelos participantes sobre os eventos passados.

Outras formas de caracterização das técnicas de entrevistas são as abordagens

dirigidas e não dirigidas (Poupart, 2008, p. 223-226). As abordagens dirigidas

dependem do conhecimento prévio do pesquisador sobre o fenômeno, permitindo que

ele possa direcionar a coleta de dados para pontos específicos. As abordagens não

dirigidas estão relacionadas à liberdade do participante em expor suas idéias de maneira

mais livre e, com isso, enriquecer e aprofundar o material para posterior análise. O

conteúdo obtido na entrevista pode apresentar elementos que não foram preconcebidos

pelo pesquisador durante os estudos teóricos. O autor concorda com Poupart (2008, p.

225) no sentido de que nenhuma abordagem de entrevista é capaz de possibilitar a plena

compreensão da experiência do participante, mas sim compor visões subjetivas do

evento vivenciado.

Para atender aos objetivos do estudo utilizando o caso empresarial selecionado,

o importante é planejar a entrevista de forma que ela permita liberdade de expressão ao

entrevistado, mas também que o direcione para explorar os temas sobre a modelagem de

processos. Uma composição entre entrevistas não dirigidas, abertas, e semi-estruturadas

formaram a estratégia escolhida pelo pesquisador para coleta dos dados. Entre as

entrevistas não dirigidas, as técnicas de Histórias Orais combinadas com Narrativas

foram as escolhidas apesar de relativamente pouco exploradas nos estudos

organizacionais multiculturais (Soin e Scheytt, 2006). Neste ponto, a opção por uma

composição entre Histórias Orais e Narrativas tem um valor científico adicional na

presente pesquisa, pois poderá testar sua aplicabilidade em estudos organizacionais

dentro do âmbito da Engenharia de Produção.

As técnicas de entrevista a partir de Histórias orais e Narrativas são semelhantes,

mas apresentam alguns elementos distintos. A primeira permite que o entrevistado

praticamente conduza o curso da entrevista e tem como base principal as questões

abertas, que se iniciam com um escopo mais amplo, sendo gradativamente reduzido e

direcionado ao contexto a ser pesquisado. As técnicas Narrativas também se iniciam

119

com questões abertas, mas permitem que sejam utilizadas questões semi-estruturadas

durante a sua aplicação (Ayres, 2008). As duas técnicas parecem ser adequadas aos

objetivos de estudo e apesar de na prática não terem distinções relevantes, tendem a

revelar elementos importantes para a fase de análise.

Uma terceira opção de técnica de entrevista para a pesquisa é o uso de

entrevistas Episódicas (Flick, 2004, p. 117-122), que também estão fundamentadas em

narrativas e na exposição da interpretação de eventos concretos sob o ponto de vista do

entrevistado. Esta técnica pode ter uma estrutura mais elaborada e utilizar com maior

frequência as questões semi-estruturadas. Ela foi idealizada para coletar o conhecimento

narrativo-episódico do entrevistado, buscando vincular semanticamente o conhecimento

concreto expresso com os significados e suposições presentes nas narrativas. Na

realidade, a entrevista episódica tem como objetivo combinar características da técnica

narrativa com a de entrevistas semi-estruturadas, permitindo a obtenção de dados mais

fechados que possibilitem a identificação dos significados e percepções dos

entrevistados relacionados aos propósitos da pesquisa.

As três técnicas discutidas têm fundamentos muito semelhantes e diferenças

sutis, passíveis de discussões entre os especialistas. O importante é que elas apresentam

diretivas que podem se adequar à coleta de informações necessárias para os objetivos da

pesquisa. As histórias e narrativas sobre a organização, lideranças, relações entre

brasileiros e canadenses e a exposição de eventos concretos durante a modelagem de

processos permitiram a exploração do fenômeno de forma estruturada e abrangente. A

estratégia adotada para a composição do roteiro da entrevista tem como base estas três

técnicas.

O roteiro das entrevistas inicia-se com o uso de histórias orais, a partir de

questões mais abrangentes e focadas em períodos de tempo específicos. Posteriormente,

passa-se para questões que orientem a narrativa na direção das percepções sobre dois

temas: as lideranças e colegas de trabalho. Para analisar especificamente a atividade de

modelagem de processos, foram utilizadas questões semi-estruturadas com foco nas

atividades identificadas no quadro de análise proposto no Capítulo 4. Por fim, retorna-se

para o uso de questões abertas com duas finalidades: a primeira, permitir que o

participante exponha outras perspectivas não exploradas durante o roteiro e a segunda,

permitir ao entrevistador o retorno a algum ponto que não tenha sido completamente

esclarecido ou tenha ficado em aberto.

120

5.4 AS ABORDAGENS TEÓRICAS E O PLANO DE COLETA DE DADOS

Com a pesquisa tem a sua ênfase numa análise qualitativa das percepções e

significados, o autor optou por comparar os resultados da pesquisa de campo com

estudos quantitativos. As abordagens teóricas escolhidas foram as bases estatísticas de

indicadores levantadas por Geert Hofstede e publicadas no livro Cultures and

Organizations: Software of the Mind (2005, p. 43, 78, 120, 168 e 211). No

levantamento teórico foram analisados os indicadores das cinco dimensões de

orientações de valores associados a brasileiros e canadenses. A Figura 39, apresenta

esquematicamente as duas linhas de ação de pesquisa desenvolvidas.

Figura 39: Estrutura e planejamento do quadro de investigação.

A estrutura de relacionamento ilustrada pela Figura 39 propiciou uma base para

comparação das informações fornecidas pelos participantes da pesquisa com as bases de

dados das dimensões culturais de Hofstede. A Figura 40 apresenta as comparações que

foram possíveis durante o processo de análise. O uso das bases de Hofstede permitiu a

ampliação do quadro de análise além dos dados obtidos nas entrevistas. A indicação de

semelhanças e contrastes entre as narrativas de brasileiros e canadenses entrevistados

puderam ser comparados com os indicadores de Hofstede como forma ampliar o

entendimento dos dados coletados, e de certa forma estruturar conclusões que pudessem

ser comparadas com estudos de outros pesquisadores.

Experiências

vivenciadas conjuntamente, percepção do

comportamento de canadenses e brasileiros

Dados qualitativos

(Entrevistas)

Percepção de brasileiros

sobre comportamentos de brasileiros

Percepção de brasileiros

sobre comportamentos de canadenses

Percepção de canadenses

sobre comportamentos de brasileiros

Percepção de canadenses

sobre comportamentos de canadenses

Diferenças entre

percepções sobre comportamentos das experiências

vivenciadas no mesmo contexto

pelos dois grupos

Indicadores de dimensões

culturais de canadenses e brasileiros disponíveis em

bases de dados

publicadas a partir do modelo Hofstede

Dados quantitativos

(Base de dados disponíveis)

Indicadores de dimensões

culturais de Hofstede sobre brasileiros

Indicadores de dimensões

culturais de Hofstede sobre canadenses

Diferenças

culturais teóricas dos dois grupos

Avaliação

qualitativa da correlação entre

Rm1 Rm2e

121

Figura 40: Comparação dos dados coletados com os indicadores de Hofstede.

5.4.1 Seleção da população-alvo

O desafio para seleção da população-alvo foi identificar profissionais que

tenham participado do caso empresarial no período investigado e atendam aos critérios

anteriormente definidos. O número mínimo para possibilitar a análise planejada seria de

quatro entrevistas válidas, sendo duas para cada nacionalidade evitar vieses por questões

de nacionalidade. Para este fim, utilizou-se a base de dados disponível para consulta na

rede de relacionamentos profissionais na internet chamada LinkedIn (LinkedIn

Corporation, 2009), que é destinada ao intercâmbio entre profissionais e contava, na

época da pesquisa, com 45 milhões de membros em mais de 200 países. Utilizando a

ferramenta de busca avançada no dia 10 de setembro de 2009 foi possível encontrar

profissionais que atuaram na empresa pesquisada no período desejado. Através de

análise dos currículos foram selecionados 15 profissionais que tinham as características

de perfil profissional e participação na empresa conforme os critérios indicados no item

5.3.1 e que disponibilizaram seus dados de contato no site LinkedIn.com. As Tabelas 1 e

2 apresentam as chaves de busca realizadas nas ferramentas de pesquisa avançada do

www.LinkedIn.com. Nelas, o nome real da empresa foi substituído pelo nome fictício

―IBOS‖ por questões de confidencialidade. Inicialmente, optou-se por convidar doze

profissionais inicialmente para manter o número par de participantes. Destes doze

convites via e-mail para os seis profissionais brasileiros e seis canadenses, apenas três

brasileiros e três canadenses se prontificaram a participar das entrevistas.

Análise dos discursos

(similaridades e contrastes)

INDICADORES DIMENSÕES MULTICULTURAIS DE

HOFSTEDE

INDIVÍDUO “A”

Narrativas, percepção e

significados dos eventos ocorridos.

INDIVÍDUO “B”

Narrativas, percepção e

significados dos eventos ocorridos.

122

Tabela 1: Seleção da população-alvo de brasileiros

Chave de busca Resultados

encontrados

Perfis profissionais

distintos válidos

Analista, "IBOS", BR 50 3

Processo, "IBOS", BR 17 0

Process, "IBOS", BR 89 6

Total da população-alvo de brasileiros 9

Tabela 2: Seleção da população-alvo de canadenses

Regra de pesquisa Resultados

encontrados

Perfis profissionais

distintos válidos

Business Analyst, "IBOS", CA 6 2

Consultant, "IBOS", CA 13 3

Process, "IBOS", CA 10 1

Total da população-alvo de canadenses 6

Uma amostra com apenas seis participantes não afetou os resultados da pesquisa.

Como a pesquisa tem uma identidade qualitativa e exploratória, o objetivo principal é

obter evidências e índicos no caso estudado que possam ser desdobrados em estudos

futuros. Durante a análise das entrevistas, a ser desenvolvia no item 5.5, foram

elencados as falas contendo percepções e significados com maior recorrência e certeza

dos participantes. Não foram consideradas questões dúbias ou que não tivessem a

devida ênfase ou certeza por parte do participante, para evitar a inclusão de impressões

pessoais distorcidas pelo tempo ou outros fatores externos ao caso analisado.

5.4.2 Planejamento e estrutura da pesquisa de campo

A abordagem dos participantes selecionados foi feita através de convite via e-

mail, explicando-se resumidamente o processo da entrevista, os objetivos, os critérios de

confidencialidade e quais tipos de informações seriam utilizados na tese e em outras

publicações científicas. Para os participantes que aceitaram o convite, foi agendada a

entrevista, sendo precedida pelo envio de material suplementar de apoio com os

principais pontos do roteiro que seriam abordados durante a conversa. O objetivo do

envio do material de apoio foi prover um tempo para que o participante pensasse e

relembrasse de eventos e aspectos que seriam debatidos na entrevista (Truesdell, 2007).

Como se trata de uma pesquisa que envolve eventos passados, a utilização de

instrumentos para ressaltar as lembranças podem ser uteis. Outro ponto importante a

123

favor do envio do roteiro antecipado é que o uso de materiais visuais durante as

entrevistas por meio telefônico ajudam a focar a atenção do entrevistado nos temas

abordados (Hughe, 2008). Os instrumentos de apoio foram elaborados com cuidado de

forma a não induzir, nem criar vieses nas narrativas dos entrevistados. As entrevistas

foram feitas através de comunicação via Internet, com apoio das seguintes ferramentas:

Software de comunicação Skype (Skype Technologies S.A, 2009) com

recursos de gravação do software PrettyMay Call Recorder for Skype

(PrettyMay Inc. , 2009). Optou-se por padronizar todas as abordagens e

não ter contatos pessoais com os entrevistados, mesmo com os

participantes que pudessem ser abordados pessoalmente. Esta

padronização visou reduzir a influência do entrevistador em função de

ele ser brasileiro assim como parte do grupo de entrevistados.

Software MS PowerPoint (Microsoft Corporation, 2009) para elaboração

do material de apoio ao roteiro da entrevista. Foram feitas duas versões,

uma em língua inglesa e outra em português. Este procedimento ajudou

na padronização das entrevistas, facilitou a comunicação com o

entrevistado, contribuiu para a manutenção do foco do entrevistado e

possibilitou que o participante refletisse antecipadamente sobre os pontos

principais do roteiro.

5.4.3 O roteiro das entrevistas

O roteiro foi divido em cinco partes conforme mostrado no Quadro 12: a

primeira teve como objetivo coletar informações sobre o perfil do entrevistado; a

intenção da segunda parte foi obter informações sobre as percepções do participante

sobre a organização nos momentos de sua chegada; o objetivo da terceira etapa foi

abordar as percepções do entrevistado em relação às lideranças e seus pares de trabalho;

na quarta parte, foi dado foco às percepções do entrevistado sobre os comportamentos

dos indivíduos durante o desenvolvimento das atividades de modelagem de processos; a

quinta e última etapa teve como objetivo verificar o que o participante guardou da

experiência e serviu também como um momento para confrontar partes da narrativa do

entrevistado com algumas inconsistências ou dúvidas que porventura tenham surgido

para o pesquisador.

124

Quadro 12: Roteiro utilizado nas entrevistas

Parte do

roteiro

Técnica

utilizada Objetivos Roteiro de questões

Atividades

prévias -

Preparar e

estimular

lembranças.

Envio do convite via e-mail;

Envio de material de apoio.

Início

-

Prover

orientações antes

de iniciar a

entrevista.

Objetivos da entrevista;

Utilização do material de apoio durante a

entrevista;

Processo de gravação.

Questões

estrutu-

radas

Traçar o perfil do

entrevistado e

verificar se ele

tinha vivenciado

experiências

relevantes para a

pesquisa.

Data da entrevista;

Local do entrevistado;

Horário de início e término da entrevista;

País de nascimento e país de residência;

Nível educacional;

Tempo de experiência profissional;

Tempo de experiência de trabalho fora do país

de origem;

Tempo de trabalho na empresa pesquisada;

Nível do superior hierárquico;

Tipo de Atividade: gestão, consultoria ou

técnica;

Participação em atividades relacionadas com a

modelagem de processos de negócio.

1

Percepções

iniciais,

quando

chegou à

empresa

pesquisada.

Histórias

Orais

Obter as

percepções

iniciais do

trabalho com

canadenses e

brasileiros que

foram

consideradas uma

surpresa ou

diferentes de

experiências

anteriores.

1. Quando você começou a trabalhar na

empresa, quais eventos ou comportamentos

com relação a semelhanças ou diferenças

entre brasileiros e canadenses foram mais

marcantes para você? Tente lembrar-se dos

seus primeiros dias na empresa.

2. Houve alguma preparação/treinamento para

trabalhar com brasileiros, canadenses e outros

estrangeiros?

125

Parte do

roteiro

Técnica

utilizada Objetivos Roteiro de questões

2

Percepções

sobre os

relaciona-

mentos com

as lideranças

e colegas de

trabalho.

Narrativas

Obter percepções

de semelhanças e

diferenças entre

lideranças e

colegas de

trabalho

canadenses e

brasileiros.

1. Você percebeu semelhanças e diferenças

entre as lideranças brasileiras e canadenses

comparadas com aquelas que você estava

acostumado na sua vida profissional anterior?

2. Você percebeu diferenças no relacionamento

com os pares de trabalho se eles eram

brasileiros ou canadenses? Se sim, pode citar

algum exemplo?

3

Percepções

durante o

desenvolvi-

mento de

atividades de

modelagem

de processos.

Entrevistas

episódicas,

semi-

estrutu-

radas

Obter percepções

de como as

atividades

envolvidas na

modelagem de

processos eram

conduzidas por

brasileiros e

canadenses.

1. Em termos da modelagem de processos,

como você compara os comportamentos de

brasileiros e canadenses?

2. Você poderia comparar comportamentos e

atitudes na(s):

2.1. Entrevistas durante o trabalho.

2.2. Reuniões de trabalho.

2.3. Formas de conduzir a validação de

informações e mapas de processo.

2.4. Padronização e sistematização das

representações de processos.

2.5. Quantidade de revisões ou alterações

requeridas nas versões emitidas.

4

Percepções

sobre

experiências

adquiridas.

Entrevista

aberta

Obter as

percepções atuais

sobre a

experiência

vivenciada.

1. O que foi acrescentado em termos de

habilidades que ajudou nos projetos

seguintes?

Ao utilizar as técnicas de Histórias Orais e Narrativas durante as partes 1 e 2, o

pesquisador procurou não intervir no desenrolar das exposições dos entrevistados. Na

parte 3, o pesquisador procurou direcionar as respostas para pontos que pudessem

associá-las às atividades dos trabalhos da modelagem de processos. Estimulou-se que os

entrevistados explorassem os principais tipos de atividades de trabalho usadas nas

etapas da modelagem de processos do quadro de análise da Figura 28. A parte 4 do roteiro

possibilitou ao entrevistado refletir sobre experiências, na empresa ou em outras, não

126

relatadas. Esta última parte teve como característica básica um diálogo aberto entre o

pesquisador e o entrevistado.

5.4.4 Limitações e ressalvas

O fato de a entrevista ser realizada via ligações telefônicas através da Internet

apresenta algumas limitações em relação às presenciais. No primeiro tipo, alguns

entrevistados tendem a ter um discurso mais resumido do que em entrevistas

presenciais, o que pode reduzir o conjunto de informações obtidas (Hughe, 2008). Outra

limitação é o fato de o pesquisador não ter acesso a aspectos não-verbais da

comunicação que poderiam ampliar a interpretação das narrativas além dos relatos

propriamente ditos. Entretanto, o uso dos meios de telecomunicações via Internet

reduziu os custos e proporcionou a participação de pessoas distantes, residentes em São

Paulo e cidades do Canadá. No caso da pesquisa atual, estes dois fatores foram

determinantes para a escolha da técnica de abordagem via telefone.

Um ponto importante a ser destacado são as relações do pesquisador com o

objeto em estudo e com os entrevistados. De acordo com Sherry (2008), o status do

pesquisador em relação ao estudo e aos participantes da pesquisa pode ser definido

como insider ou outsider em função de suas relações prévias. O pesquisador tem

algumas características de insider, visto que é brasileiro, trabalhou no ramo de negócios

e na empresa em análise. Este fato permitiu que o acesso aos entrevistados e o

estabelecimento de laços de confiança fossem mais fáceis. Entretanto, é necessário que

o pesquisador assuma uma postura de distanciamento e torne explícitas as fronteiras de

narração e análise entre aquelas obtidas nas entrevistas e as suas próprias convicções,

visto que ele teve acesso a outras informações, além das apresentadas nas narrativas dos

entrevistados. Uma reflexão de como seu status de insider afetou ou não a natureza das

informações coletadas deve fazer parte da análise e conclusões do trabalho. Se tratado

com consciência e reflexão, o fato do pesquisador ser um insider pode ser benéfico em

abordagens qualitativas como esta.

5.5 ANÁLISE DO EXPERIMENTO E DA COLETA DE DADOS

Os resultados obtidos indicam que as opções metodológicas foram adequadas ao

escopo, aos objetivos da pesquisa e às características do caso empresarial estudado. Os

elementos de análise obtidos foram suficientes e até mesmo superaram a expectativa do

127

pesquisador, que atribui este fato uma articulação eficiente dos referenciais teóricos com

os estudos sobre os métodos usados em pesquisas qualitativas e aplicados à pesquisa de

campo.

Além da articulação entre teorias e métodos, deve-se ressaltar os pontos

positivos e as deficiências que foram identificados durante a operacionalização do

experimento. Um dos pontos positivos foi o uso da internet, tanto para ligações

telefônicas quanto para seleção da população-alvo através das redes sociais. Estas

ferramentas reduziram os custos das entrevistas, aumentaram a abrangência e alcance ao

público-alvo. O envio antecipado aos participantes do material de apoio com pontos

sintéticos do roteiro ajudou a realçar suas lembranças sobre o caso em estudo, além de

manter o foco das entrevistas, que tiveram uma média de 35 a 45 minutos de duração. A

importância do envio do material de apoio antecipadamente, conforme sugerido por

Hughe (2008) e Chaitin (2008), foi evidenciada por alguns entrevistados que afirmaram

durante as entrevistas: ―fiz algumas anotações sobre este ponto‖ ou ―este ponto me fez

lembrar uma situação‖. Adicionalmente, o planejamento da pesquisa com uso de

métodos apropriados a eventos passados, quais sejam, Histórias Orais e Narrativas, foi

fundamental para estruturação do roteiro das entrevistas e, na opinião do pesquisador,

pelo vasto material obtido para análise.

As dificuldades percebidas estão relacionadas ao uso apenas da comunicação

oral via telefone e ao fato de os eventos investigados terem ocorrido em momentos

passados. O uso apenas da comunicação via telefone, apesar de ser um método de baixo

custo e com grande alcance, apresentou algumas interrupções técnicas e distrações

percebidas durante as entrevistas. O fato de se tratar eventos passados via telefone

transpareceu que, em alguns momentos, os entrevistados apresentassem respostas muito

óbvias e sem profundidade aos questionamentos. Em algumas situações, ao serem

perguntados sobre semelhanças e diferenças entre brasileiros e canadenses, alguns

entrevistados simplesmente diziam que ―era tudo a mesma coisa‖, fato que demonstrava

incoerência com o restante de suas respostas. As deficiências encontradas não

interferiram nos resultados obtidos, o que o pesquisador atribui à consideração, durante

o planejamento, de sugestões indicadas em trabalhos anteriores (Ayres, 2008; Chaitin,

2008; Hughe, 2008; Poupart, 2008; Truesdell, 2007). A avaliação geral do experimento

é que ele foi capaz de coletar informações relevantes dentro do escopo da pesquisa, em

quantidade suficiente para explorar e entender melhor os fenômenos em estudo.

128

5.5.1 Perfil dos participantes da pesquisa

O perfil da amostra da população-alvo que foi entrevistada mostrou-se adequada

em termos de diversidade, experiência na modelagem de processos e do fato de os

participantes terem vivenciado o mesmo contexto empresarial. A diversidade da

amostra é caracterizada por indivíduos de dois países, de vários níveis de formação

educacional, nos anos de experiência profissional e dos diversos níveis hierárquicos

ocupados durante a vida profissional. Apesar de outros fatores da diversidade não

estarem presente na amostra com raça, gênero e outros, os dados coletados se

mostraram suficientes para uma análise bastante fidedigna das percepções do momento

empresarial em estudo. A diversidade da amostra em termos de nacionalidade,

senioridade e formações educacionais distintas garantiu uma boa abrangência de

percepções dos temas pesquisados sobre o contexto do caso investigado. O extenso

material obtido requereu uma análise mais cuidadosa e detalhada para encontrar pontos

de confluência de percepções e significados entre os grupos participantes, em especial

brasileiros e canadenses. No Quadro 13 são apresentados os perfis dos participantes da

pesquisa.

Quadro 13: Perfil dos entrevistados

Perfil dos Entrevistados

Código BR1 BR2 BR3 CA1 CA2 CA3

Local do

entrevis-

tado

São Paulo,

SP, Brasil

Rio de

Janeiro, RJ,

Brasil

Rio de

Janeiro, RJ,

Brasil

Toronto, ON,

Canadá

Victória, BC,

Canadá

Montreal,

QC, Canadá

País de

nascimento Brasil Brasil Brasil

República

Dominicana Canadá Canadá

País de

residência Brasil Brasil Brasil Canadá Canadá Canadá

Formação

educa-

cional

Técnico

(superior

atualmente)

Pós-

graduação Graduação

Pós-

graduação

Graduação e

cursos

gerenciais

Técnico

(superior

tecnológico)

Experiên-

cia

profissional

13 anos 29 anos 19 anos 26 anos 30 anos 30 anos

129

Perfil dos Entrevistados

Código BR1 BR2 BR3 CA1 CA2 CA3

Experiên-

cia de

trabalho

fora do

Brasil ou

Canadá

Não tinha

7 anos em

trabalhos de

transferência

tecnológica

(2 semanas a

1 mês em

outros

países)

Não tinha

Apenas

alguns

trabalhos de

curto prazo

nos EUA

Alguns

trabalhos de

curto prazo

nos EUA e

na Arábia

Saudita

Trabalhou 3

meses no

México

Tempo de

trabalho na

empresa

2 anos e 6

meses 2 anos 1 ano 2 anos 9 meses 9 meses

Superior

hierárquico Gerente

Vice-

Presidente

Gerente

Sênior

Vice-

Presidente

Vice-

Presidente

Gerente

Sênior

Atividade

principal

Especialista

técnico Gestão

Especialista

técnico Gestão

Consultoria

técnica e

gestão

Consultoria

técnica

Participa-

ção na

modela-

gem de

processos

Sim,

diretamente

Sim,

gerenciando

pessoas

Sim,

diretamente

Sim,

gerenciando

pessoas

Sim,

diretamente e

de Coaching

Sim,

diretamente

5.6 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES COLETADAS

A análise dos dados coletados baseou-se nos princípios dos métodos de pesquisa

qualitativa com apoio de software para Análise Qualitativa de Dados15

(QDA). As

etapas do trabalho de análise seguiram o conjunto usual de atividades recomendadas

para a análise qualitativa (Berg, 2001, p. 240) e, especificamente, os princípios da

Grounded Theory (Laperrière, 2008, p. 361-365). As etapas desenvolvidas foram:

transcrição literal das entrevistas; codificação dos segmentos das narrações para fazer

emergir o maior número de percepções, eventos e significados; e estabelecimento de

relações entre os códigos abertos e o seu agrupamento em categorias relacionadas ao

fenômeno investigado. O processo de análise foi feito com suporte do software

15

Em inglês Qualitative Data Analysis (QDA)

130

ATLAS.ti na sua versão Trial (ATLAS.ti Scientific Software Development GmbH,

2009).

O software ATLAS.ti foi a ferramenta na qual as etapas e os insumos básicos

para a análise foram trabalhados. Este programa é um pacote para suporte à análise de

pesquisas qualitativas e que permite ao pesquisador a integração de textos, gráficos,

áudio e vídeo. Na pesquisa, entretanto, foi usada somente a ferramenta de análise textual

aplicada às transcrições das entrevistas. Para os participantes canadenses, a entrevista

foi feita em inglês e as transcrições foram traduzidas para o português pelo autor. As

transcrições foram transferidas para o software ATLAS.ti, dando início ao processo de

codificação e ao estabelecimento de relações entre categorias das citações selecionadas.

A Figura 41 ilustra a operacionalização da coleta de dados até a análise das informações

das entrevistas.

Figura 41: Processo de análise de dados via software ATLAS.ti

Os objetivos principais da codificação foram: identificar, organizar e

sistematizar as informações relevantes ao escopo do estudo presentes nas transcrições.

Primeiramente, foram definidos alguns códigos para identificação da fonte do discurso

relacionados à nacionalidade (brasileiro ou canadense) e o alvo dos comentários dos

participantes (percepções sobre brasileiros ou sobre canadenses). Na segunda etapa, o

processo de criação dos códigos passou a ser feito simultaneamente com a leitura e

Documento

Primário

Transcrições

GravaçõesEntrevistas

Citações

Selecionadas

Códigos

Abertos

(primários)

Temas

Redes de Significados

Análise com suporte do software ATLAS.ti

131

análise das transcrições para criação de códigos abertos (Benaquisto, 2008; Laperrière,

2008, p. 361). À medida que o pesquisador lia as transcrições e identificava eventos,

comportamentos e fatos considerados relevantes para o fenômeno em estudo, foram

selecionadas 85 citações com atribuição de 93 códigos abertos iniciais. Posteriormente,

estes códigos foram revisados, selecionados e agrupados em 35 temas, sobre os quais a

análise foi feita. O Quadro 14 apresenta os nove temas selecionados das transcrições

com maior número de citações.

Quadro 14: Temas de análise com maior número de citações.

Código e

número de

citações

Percepções sobre

comportamentos de

Descrição da categoria

Cana-

denses

Brasi-

leiros

Valorização

de métodos

pré-estabele-

cidos

10 0 Valorização do uso de métodos pré-estabelecidos na execução

das tarefas.

Valorização

do discurso x

ação

0 9

Reputação e reconhecimento com base na capacidade de

discurso, do convencimento, do poder "aparente", mesmo que

ele não tenha fundamento em ações ou experiências concretas,

"discurso de rockstar".

Pouco

questiona-

mento às

lideranças

0 9

O empregado recebe a tarefa ou um procedimento a seguir, não

questiona o líder e a executa mesmo que não tenha sentido. Ao

final, se o resultado estiver errado ou não for útil, ele retorna e

faz tudo novamente, de outra forma, conforme a decisão da

liderança.

Decisão

centralizada 0 8

Abordagem top-down. Maior controle sobre o empregado

durante a execução das tarefas. Postura de gestão diretiva.

Decisão

participativa 6 0

Valorização do método participativo para tomada de decisões,

envolvimento de todos, abordagem botton-up, menor controle

sobre o empregado durante a execução da tarefa.

Maior

formalidade 7 0

Maior formalidade no tratamento pessoal, respeito à

pontualidade e prazos, ambiente de trabalho mais silencioso.

132

Código e

número de

citações

Percepções sobre

comportamentos de

Descrição da categoria

Cana-

denses

Brasi-

leiros

Valorização

da expe-

riência

6 0 Valorizar a experiência, exemplos anteriores e a senioridade

como fontes de confiabilidade para alcançar os resultados.

Valorização

da execução

on-the-fly

0 6

Valorização na execução da tarefa de acordo com os eventos

que surgem. Percepção de que as ações não seguem o

planejado. Valorização da agilidade na mudança de rumos

devido a problemas imediatos.

Autoproteção

do emprego 0 6

Preocupação em relação à perda do emprego. Relutância em

passar informações de suas atividades por receio ou risco de

descoberta de erros. Insegurança quanto à repreensão pelos

líderes quando a informação se tornar pública.

5.6.1 Evidências e indícios encontrados nas entrevistas

As principais evidências das entrevistas foram agrupadas em três grandes redes

de significados que refletiram as percepções mais relevantes sobre comportamentos,

preferências e atitudes vinvenciadas pelos participantes da pesquisa. A primeira

relaciona citações sobre comportamentos e atitudes em relação ao processo decisório

preferencial dos dois grupos de entrevistados. A segunda aborda a valorização do

discurso fundamentado ou não em eventos e ações reais. O terceiro apresenta as

percepções positivas e negativas da criatividade no ambiente de trabalho. Ao final de

cada um destes três temas, são discutidas as implicações que os comportamentos

preferenciais de cada um dos grupos teriam sobre a modelagem de processos de

negócios.

5.6.1.1 Decisões centralizadas versus decisões participativas

Uma das questões com evidências mais fortes foi relacionada às preferências de

canadenses e brasileiros sobre o processo decisório. Na amostra, ficou evidenciado que

o processo decisório tende a ser mais participativo entre os canadenses do que entre os

brasileiros. Os canadenses declararam que em seu país de origem, as decisões eram

participativas e não havia um controle tão rígido da forma como o colaborador exercia

133

uma tarefa, ao contrário do observado no Brasil. Em geral, o líder canadense aponta

uma direção que é discutida com o grupo para definir uma decisão conjunta. Depois,

cada colaborador decide a maneira como executar a sua tarefa e tende a manter o foco

no resultado a ser alcançado.

Na Figura 42 é apresentada uma rede de relações das categorias de citações mais

frequentes das percepções sobre os dois grupos pesquisados. Nela, pode-se notar que a

decisão participativa percebida nos canadenses pode ser considerada uma associação de

comportamentos como: igualdade no tratamento, abertura ao diálogo e orientação ao

resultado. A composição destes comportamentos pode estar associada à confiança,

liberando o profissional para atuar da maneira que considere melhor para executar a

tarefa a ele delegada. Um dos fundamentos da decisão participativa é a confiança que

ficou evidente em algumas citações de um gerente canadense: ―coletivamente, nós todos

simplesmente confiamos nas pessoas que estão fazendo o trabalho‖. Se do lado

canadense a confiança e os outros aspectos da Figura 42 contribuíam para um processo

decisório participativo, no lado brasileiro, as percepções eram diferentes.

Segundo os relatos, os brasileiros valorizavam comportamentos típicos de um

processo decisório centralizado. O líder, em conjunto ou não com instâncias superiores,

tomava decisões e delegava as tarefas aos seus liderados. Ele, também, em geral,

indicava a forma pela qual a tarefa deveria ser executada. Um consultor canadense

descreveu as diferenças no comportamento dos brasileiros nas reuniões em relação à sua

experiência no Canadá que, de certa forma, evidenciam a falta de confiança entre líderes

e colaboradores brasileiros no caso analisado: ―uma reunião era mais uma obtenção de

informações e depois elas eram passadas para alguém decidir... porque alguns diziam:

‗nós (equipe brasileira) não queremos ser os responsáveis se isso der errado‘‖. Além da

questão da confiança, dois outros aspectos relativos aos brasileiros que emergiram das

entrevistas foram a tendência de ―autoproteção do emprego‖ e o ―pouco questionamento

quanto às decisões tomadas pelas lideranças‖.

134

Figura 42: Relações entre categorias associadas ao tipo de decisão.

A percepção dos canadenses sobre a ―autoproteção ao emprego‖ dos brasileiros

caracterizava-se principalmente de duas formas: a primeira, como uma relutância em

passar informações, conforme descrito por um canadense: ―quando você tenta perguntar

algumas coisas... existia realmente uma resistência em identificar o que eles (brasileiros)

estavam fazendo‖. A segunda forma ficava aparente no receio dos brasileiros em falar

algo que o superior não ficasse satisfeito ou em questionar as lideranças quanto às

tarefas a serem executadas. Em geral, a percepção era que os brasileiros focavam na

execução da tarefa da forma que tinha sido definida pelo gerente, como pode ser

observado neste relato canadense: ―provavelmente quando você consegue um bom

trabalho no Brasil, você quer mantê-lo e está disposto a fazer qualquer coisa para

mantê-lo... mesmo que eles (empregados brasileiros) não acreditem nela‖. Todas estas

diferenças na condução do processo decisório ficaram bem evidentes nos relatos dos

dois grupos, entretanto o aspecto ―pouco questionamento às lideranças‖ foi um dos que

mais se destacou.

Os poucos questionamentos levantados por brasileiros às decisões tomadas pelas

lideranças não estavam relacionadas apenas aos líderes formais da organização.

Segundo relatos dos dois grupos, os brasileiros hesitavam, também, em questionar

pessoas que aparentavam ter grande influência, reputação ou importante rede de

135

relacionamentos. Este tipo comportamento foi apontado pelos canadenses e um dos

brasileiros como o responsável pelas deficiências no desenvolvimento dos sistemas de

informação da empresa. Os canadenses foram mais enfáticos, identificado este tipo de

atitude como uma das principais causas das falhas ocorridas durante o lançamento da

empresa. Segundo dois deles, os brasileiros que trabalhavam com a empresa contratada

de TI aceitavam ―tudo‖ e não questionavam ou desafiavam as decisões tomadas por ela.

Os canadenses interpretaram este fato, ainda, como uma inversão de papéis entre a

empresa contratada e os empregados da empresa, que pode ser resumido na citação: ―a

relação entre o trabalho de mapeamento de processos e os sistemas, na minha visão, é

invertida no Brasil em relação ao Canadá‖. Outro canadense ilustrou o fato como uma

―mutilação dos requisitos‖ para atender às necessidades da empresa contratada. Apesar

de outras causas serem possíveis, o comportamento de ―pouco questionar‖, percebido

em diversos brasileiros durante as atividades do trabalho, foi considerado pelos

canadenses como uma causa para este e outros problemas durantes as atividades de

modelagem de processos.

O segundo ponto é que os colaboradores brasileiros pareciam ser mais propensos

a aceitar as decisões ―de cima‖. Segundo o relato de um brasileiro, ―criticar situações

que pareciam erradas não era ‗bem recebido‘ pelos gerentes‖. Ele relatou, ainda, que os

gerentes brasileiros preferiam seguir a ―cartilha‖ a se indispor com os canadenses.

Portanto, evidências nos relatos associaram os problemas da modelagem de processos

ao comportamento de brasileiros que procuravam não questionar seus líderes ou outras

pessoas consideradas importantes. Deve-se ressaltar que os canadenses evitavam

generalizar este tipo comportamento para todos os brasileiros da empresa, enfatizando,

em alguns relatos, que ele era válido apenas para aqueles denominados ―trabalhadores

médios‖. Neste ponto a frustração de um gerente canadense ficou evidente quando ele

afirmou que após a comprovação dos problemas do sistema desenvolvido, alguns

brasileiros disseram que ―sabiam que isso ia acontecer‖. A frustração do canadense não

é um fator novo, Magala (2005, p. 106) usa a metáfora de que a confiança é induzida

culturalmente como uma "cola" que une os membros da organização e permite criar um

padrão de expectativas mútuas durante a execução do trabalho. A Figura 43 apresenta

alguns extratos de citações sobre como a percepção do ―pouco questionamento‖

associada aos brasileiros foi bastante aparente nas narrativas dos participantes.

136

Figura 43: Citações sobre o pouco questionamento dos brasileiros às lideranças.

5.6.1.2 Percepções entre a valorização do discurso em relação à ação

Outro aspecto de destaque nas entrevistas foi uma valorização do discurso em

relação ao valor da ação. Neste tópico não houve a comunhão de percepções entre os

dois grupos de entrevistados como no item anterior. Apesar das narrativas não terem

sido unânimes entre os participantes, ficou aparente o fato de o brasileiro ser mais

influenciado por discursos e símbolos, sem a necessidade de respaldo em ações e fatos

concretos. Para os canadenses, por outro lado, as entrevistas evidenciaram o

reconhecimento a partir de ações executadas. Este comportamento pode ser associado à

valorização da especialização e à experiência do profissional como forma de aumentar a

confiabilidade dos resultados. Algumas citações de brasileiros reforçam esta

característica. Um deles afirmou: ―a maioria era composta por pessoas de mais idade e

isso eu acho uma diferença interessante, valorizar a experiência‖; outro declarou: ―o que

me chamou a atenção era que as pessoas de fora tinham uma experiência muito grande.

Isso me impressionou muito porque eles pegaram o trabalho muito rápido e se

desenvolveram muito rápido‖.

137

Por outro lado, os brasileiros eram percebidos pelos canadenses como indivíduos

que valorizavam símbolos de status, como títulos acadêmicos e discursos eloquentes,

independentemente do que estava acontecendo na prática. Duas citações retratam bem

este ponto. A primeira de um brasileiro: ―os profissionais que tinham vindo de várias

empresas brasileiras diferentes também tinham essa impressão... (que as empresas

brasileiras) só tinham um discurso forte... que na prática, no dia-a-dia, isso não acontece

muito‖. Outra evidência é de um canadense: ―eu acho que em muitos dos brasileiros

existia um pouco de uma abordagem de rockstar para decidir quem era importante ou

não‖.

Outro aspecto destacado por alguns canadenses foi o elevado nível de formação

educacional dos brasileiros. Se por um lado eles admiravam este fato, por outro não

entendiam o porquê daquele investimento todo na formação se o trabalho realizado por

vários deles não requeria tal conhecimento ou nível acadêmico. Para os canadenses, a

formação educacional deveria estar relacionada às habilidades e conhecimentos

necessários para realização do trabalho no cargo do empregado.

Outra posição contraditória entre os dois grupos foi com relação à postura

generalista do brasileiro. Se por um lado os brasileiros consideravam isto como algo

positivo, para os canadenses a postura generalista tinha conotações negativas, na

maioria das vezes relacionadas à improvisação, como pode ser observado nas duas

citações a seguir, sendo a primeira de um brasileiro: ―na verdade é que no Brasil você

tenta (resolver os problemas) se ajudando, nem que seja certo ou errado, (mas) você

invade a área do outro para ajudar‖; enquanto o canadense relatou: ―todo mundo é um

agente de marketing, todo mundo é um especialista em marketing, todo mundo é uma

pessoa de vendas‖. Para os brasileiros, os canadenses demonstravam um respeito muito

grande em relação às ―fronteiras entre as funções e cargos‖ na organização, o que

diminuía a agilidade na solução dos problemas. A Figura 44 consolida as relações entre

as categorias de citações, associadas à valorização do discurso ou da ação, encontradas

nas entrevistas.

138

Figura 44: Percepções entre a valorização do discurso em relação à ação.

Com relação à modelagem de processos, os discursos de empregados sem

consistência com as atividades reais do trabalho podem levar ao desenvolvimento de

modelos de processos não condizentes com a realidade da empresa. Neste ponto, uma

citação de um canadense reflete bem os resultados da mistura dos comportamentos

percebidos nos brasileiros:

―Na última parte da modelagem de processos.... eu realmente notei que

aconteciam muitas revisões e uma das razões, de novo, retorna ao que eu já

mencionei antes, de não conseguir todas as informações. Você desenvolve

uma modelagem de processo e pensa que ela era a forma de como deveria ser

e depois você descobre que alguns dos colegas, numa sessão anterior, não

tinham dito tudo que era preciso ser feito e, portanto, você tem que voltar e

revisar o modelo. A informação que nós conseguíamos simplesmente não

parecia ser...100% correta, portanto existiam muitas revisões, e depois,

frequentemente, o processo real que você desenvolveu, na hora de

implementar, não necessariamente funcionava porque ainda tinha pontos

perdidos.‖

Este mesmo canadense, em outro ponto da entrevista, compara este

comportamento dos brasileiros com sua experiência na Canadá. Ele destaca a maior

clareza e consistência nas informações obtidas nos trabalhos de modelagem de

processos dos quais ele participou no seu país de origem:

―...os canadenses sentariam e apresentariam todos os itens do seu trabalho,

tudo que acontecia... então você entenderia o básico. As pessoas diriam

exatamente o que estava acontecendo, pois isto não afetaria suas carreiras ou

seu trabalho. Eles simplesmente diriam: isto é como é feito, sendo bom ou

ruim, eu não posso te dizer nada diferente‖.

CONTRADIZ

Percepções mais evidentes sobre

comportamentos de brasileiros

Percepções mais evidentes sobre

comportamentos de canadenses

139

As narrativas reforçaram a tese de que a atividade da modelagem de processos

torna-se muito difícil quando o discurso não consistente funde-se com outros aspectos

levantados anteriormente como a ―autoproteção do emprego‖ e o ―pouco

questionamento às lideranças‖. Todos estes aspectos podem ser relacionados à falta de

confiança mútua conjugada, gerando uma comunicação deficiente dentro da equipe de

projetos e aumentando o risco de insucesso no trabalho de modelagem de processos.

Pode-se inferir que a combinação de determinados comportamentos tende a ter uma

maior interferência na modelagem de processos se comparado às interferências de cada

um deles isoladamente.

5.6.1.3 Percepções positivas e negativas da criatividade

Um tema controverso entre os dois grupos foi a discussão sobre a criatividade do

brasileiro, uma vez que pôde-se observar conotações antagônicas entre os relatos dos

dois grupos. Enquanto para os brasileiros a criatividade é uma forma positiva de

solucionar problemas mais rapidamente, para os canadenses esta característica tinha

uma conotação negativa dentro de algumas atividades do trabalho, sendo considerada

uma distração e até mesmo dispersão de energia desnecessária. Duas citações de

brasileiros ressaltam sua percepção positiva: "o brasileiro sempre tem um jeitinho

brasileiro. Eles não tinham tanto o jeitinho brasileiro..."; e outro: "sim, (nós éramos)

mais criativos que os canadenses, mas eles colocavam em dúvida, tinha que se provar, e

levava algum tempo para provar que (a nossa) era a melhor maneira".

Por outro lado, as narrativas canadenses também tinham argumentos sólidos de

como a ―ânsia‖ em ser criativo dos brasileiros também tinha o seu lado negativo para os

negócios da empresa. Um gerente canadense expôs suas percepções:

"eu tenho certeza hoje que todos os escritórios brasileiros têm trabalhadores

com conhecimento... (e surgem) idéias criativas o tempo todo, mas muito

dessa energia é supérflua, pois não está relacionada com o que precisa ser

feito, mas sim com coisas que poderiam ser feitas

...

a constante atividade mental (dos brasileiros) pode ser considerada uma

distração e contribui para que o trabalho real não seja feito, pode levar o

trabalho para um caminho errado ou perder os prazos estabelecidos, como

consequência dessa distração‖.

A Figura 45 apresenta as categorias principais que suportam as evidências

apresentadas sobre as percepções positivas e negativas da criatividade dos brasileiros na

empresa analisada.

140

Figura 45: Relações entre as percepções positivas e negativas da criatividade.

A ―valorização da execução on-the-fly” combinada com os aspectos negativos

da criatividade poderia assumir conotações tanto de agilidade e redução de custos

quanto de aumentar o risco para as organizações. Declarações de um gerente canadense

e de outro brasileiro revelam comportamentos contraditórios neste tema. Para o

canadense, os brasileiros insistiam num ciclo interminável de what if’s:

―os trabalhadores norte-americanos são treinados para manter o foco nas

tarefas-chave, mas a desvantagem disso é que eles não se permitem dizer

what if o tempo todo, enquanto os trabalhadores brasileiros constantemente

dizem what if... what if... what if...‖

Por outro lado, um gerente brasileiro demonstrou sua preferência por

procedimentos gerais sem pré-definir detalhadamente o passo-a-passo do que

necessitava ser feito por um empregado. Para ele, orientações gerais seriam suficientes,

reduziriam custos e trariam mais agilidade para a empresa:

―O desenho de processos era muito metódico; na empresa que eu trabalhei

logo depois não havia nada disso e funcionou muito bem, então o que me

parece hoje, olhando para trás, é que foi muito tempo gasto com desenhos de

processos que na verdade não necessitavam de tanto detalhamento

...

pois se formalizava numa semana e na semana seguinte os usuários já

estavam fazendo tudo diferente‖.

Esta combinação da preferência on-the-fly com comportamento criativo ―sem

limites‖ do brasileiro pode criar situações complicadas em ambiente de negócios que

requeiram padronização de procedimentos e uso intensivo de sistemas de informação. A

questão que surge sobre este tema é como padronizar processos para uma possível

Percepções mais evidentes sobre

comportamentos de brasileirosPercepções mais evidentes sobre

comportamentos de canadenses

141

automatização se algumas culturas valorizarem a crença de que a decisão de como

executar tarefas pode ser feita no momento em que ela esteja acontecendo.

5.7 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA ANÁLISE

Este tópico tem como objetivo principal complementar a análise do item anterior

introduzindo algumas percepções próprias do pesquisador. Inicia-se com uma

comparação entre os valores atribuídos a brasileiros e canadenses com base nas

dimensões de Hofstede visando confrontar os achados da coleta de dados e um estudo

teórico amplamente testado pela comunidade científica internacional. Posteriormente,

são apresentadas análises feitas a partir do quadro de análise da modelagem de

processos da Figura 28 desenvolvido no Capítulo 4.

5.7.1 Comparação com a base de indicadores de Hofstede

Comparando as evidências encontradas no caso analisado com base as

dimensões culturais de Hofstede, pode-se notar que existem situações de convergência,

mas também pontos de divergência. As dimensões culturais de Hofstede são

Distanciamento ao Poder (PDI), Individualismo (IND), Masculinidade (MAS), Aversão

à Incerteza (UAI) e Orientação a Longo Prazo (LTO). Os indicadores relacionados a

brasileiros e canadenses são apresentados na Tabela 3 e na Figura 46 são apresentados

os valores para estas dimensões.

Tabela 3: Dimensões culturais de brasileiros e canadenses de acordo com Hofstede (Hofstede e Hofstede,

2005).

Distancia-

mento ao

Poder (PDI)

Individua-

lismo (IND)

Masculini-

dade (MAS)

Aversão à

Incerteza

(UAI)

Orientação a

Longo Prazo

(LTO)

País Indic Rank Indic Rank Indic Rank Indic Rank Indic Rank

Brasil 69 26 38 39 49 37 76 31 65 7

Canadá Quebec 54 50 73 11 45 43 60 45 30 28

Canadá Total 39 60 80 4 52 33 48 60 23 34

Países pesquisados

74

74

74

74

39

A análise dos dados coletados nas entrevistas indicou que os brasileiros do caso

em estudo apresentaram características culturais relacionadas aos índices de maior valor

para os indicadores PDI e IND. Na dimensão PDI, ficaram evidentes, nas citações dos

142

dois grupos, características como: processo decisório centralizado, pouco

questionamento às lideranças e execução de tarefas conforme definido pelas lideranças.

Isto é um indício de que mesmo em pessoas de um grupo com nível social e educacional

acima da média brasileira, estes comportamentos foram bem significativos. Evidência

de baixo PDI para canadenses também emergiu das entrevistas realizadas podendo-se

citar o processo decisório participativo e a igualdade de tratamento, entre outras. Com

relação à dimensão IND, os relatados de ambos os grupos indicaram um maior

individualismo dos canadenses em relações aos brasileiros.

PDI

IND

MASUAI

LTO

Brasil Canadá Quebec Canadá Total

Figura 46: Dimensões culturais de Hofstede para brasileiros e canadenses.

A dimensão UAI, quando comparada aos dados coletados, apresentou tanto

pontos convergentes quanto divergentes em relação aos conceitos de Hofstede. A

convergência da dimensão UAI com as percepções sobre brasileiros pode ser

relacionada aos comportamentos de ―autoproteção ao emprego‖, relutância em passar

informações sobre suas funções dentro da empresa, foco no conteúdo da decisão e

outros. Por outro lado, os dados coletados contradizem alguns pontos da definição de

Hofstede (Hofstede e Hofstede, 2005, p. 182-186). Teoricamente esta dimensão tende a

destacar comportamentos como mais regras, formalização, valorização dos

especialistas, soluções técnicas, pessoas menos inventivas e melhores na implementação

das decisões, o que não foi percebido nas narrativas analisadas. Estes elementos

parecem inverter as posições entre canadenses e brasileiros nesta dimensão, o que pode

ser explicado quando alguns argumentos para o contexto conjuntural do país e

vivenciado na empresa são considerados. Pessoas com mais escolaridade, riqueza e

países que estejam passando por fases ―sem muita ansiedade‖ e crescimento econômico

143

tendem a reduzir a aversão à incerteza. Estes elementos estavam presentes tanto no

contexto conjuntural econômico quanto no público-alvo da pesquisa.

Os dados coletados que possam ser relacionados à dimensão LTO mostraram-se

contraditórios em relação aos argumentos de Hofstede. Em sociedades com elevado

LTO, as pessoas tendem a perseguir os objetivos com mais tenacidade e valorização dos

resultados obtidos em longo prazo. Nas sociedades com baixo LTO, as organizações

têm respeito às tradições, certa aversão às inovações, a lealdade pessoal varia com as

necessidades do negócio, pouca cota de poupança e valorização dos resultados

imediatos. As entrevistas apresentaram elementos que colocariam os brasileiros com

indicador LTO mais baixo que o dos canadenses. Uma das Hipóteses levantadas pelo

pesquisador é a questão da diferenças de idades entre brasileiros e canadenses, pois no

caso analisado, a média de idade dos canadenses era bem superior à dos brasileiros, o

que poderia apresentar percepções diferentes sobre a visão de curto versus longo prazo.

Na dimensão MAS não foram encontrados elementos que pudessem refletir

semelhanças ou diferenças entre brasileiros.

5.7.2 Os comportamentos influenciando o resultado da modelagem de processos

Os comportamentos de brasileiros e canadenses trabalhando juntos em

atividades de modelagem permitem analisar as características mais evidentes de cada

grupo em relação aos modelos produzidos, sejam elas positivas ou negativas, de acordo

com a etapa do desenvolvimento do modelo de processos de negócios. Neste ponto é

plausível argumentar que, se numa situação hipotética fosse possível compor alguns

comportamentos dos dois grupos, isso poderia ter como consequência um modelo mais

consistente. Portanto, se houvesse uma gestão da diversidade cultural direcionando os

comportamentos adequados e, reduzindo a intensidade dos inadequados, as

características de cada grupo nas várias etapas do trabalho, os modelos de processos e

os sistemas poderiam ter uma qualidade melhor do que as relatadas nas entrevistas. A

Figura 47 ilustra a percepção de que os dois grupos têm pontos fortes e deficiências nas

etapas da modelagem.

144

Figura 47: Comportamentos adequados e inadequados em cada etapa da modelagem.

Durante a etapa de desenvolvimento dos modelos, existem aspectos relacionados

aos brasileiros e canadenses que poderiam ser estimulados durante a execução dos

trabalhos. A etapa de levantamento de requisitos poderia ser mais bem desempenhada se

o grupo de trabalho tivesse pessoas com formação e experiência diversificada, visão

generalista, maior criatividade, aspectos identificados com os brasileiros, e também

abertura ao diálogo, igualdade no tratamento das pessoas do grupo e trabalho

participativo, características identificadas nos canadenses. Na etapa seguinte, a de

documentação dos requisitos levantados, a experiência na elaboração de documentos de

requisitos, especialização em notações e métodos de representação e a criatividade nos

seus aspectos positivos para solução de problemas e conflitos seriam de grande valia

para o projeto.

Os problemas surgem se a diversidade, relatada predominantemente em termos

de diferenças, não for percebida ou compreendida durante a execução dos trabalhos de

modelagem. Um gerente canadense argumentou: ―este é um caso que os canadenses

precisariam se adaptar ao estilo mais diretivo dos brasileiros e não fizeram‖. E

complementou: ―uma desvantagem das lideranças canadenses é que quase nunca se

adaptaram para alguns aspectos culturais brasileiros tão significantes ‖. O pesquisador

não concorda que a adaptação fosse a questão-chave, mas sim a consciência das

diferenças e a percepção de quais atitudes, comportamentos e normas sociais deveriam

ser estimulados nos brasileiros e nos canadenses. Para o pesquisador, a questão central

seria usar as diferenças para obter melhores resultados, para compor uma estratégia de

Desenvolvimento

do modelo

Verificação,

validação e

qualidade

Implementação

( utilização e

aplicações)

1112

IMPLEMENTAÇÃO E

CONFIGURAÇÃO NUM ARTEFATO REAL

Modelo

Final

Comportamentos

mais adequados às atividades do trabalho da etapa

Comportamentos

mais adequados às atividades do trabalho da etapa

Comportamentos

mais adequados às atividades do trabalho da etapa

Comportamentos

menos adequados às atividades do trabalho da etapa

Comportamentos

menos adequados às atividades do trabalho da etapa

Comportamentos

menos adequados às atividades do trabalho da etapa

145

liderança que reforçasse aspectos positivos de cada um dos grupos em cada tipo de

etapa ou atividade de trabalho, conforma ilustrado na Figura 48.

Figura 48: Comportamentos positivos para os requisitos e de elaboração do modelo.

As etapas de verificação, validação e avaliação de qualidade requerem

habilidades e competências diferentes daquelas exigidas na etapa de desenvolvimento

do modelo. A etapa de verificação seria melhor desempenhada se fossem valorizados

aspectos como experiência, especialização, foco no resultado e rigor no uso dos

métodos, o que foi bem identificado com os canadenses durante as entrevistas. Nas

etapas de validação e avaliação de qualidade alguns aspectos predominantemente

relacionados aos brasileiros poderiam contribuir para que os modelos pudessem ser

validados e avaliados com mais abrangência, aumentando a sua confiabilidade, como

ilustrado na Figura 49.

Entretanto, os aspectos negativos de cada uma das culturas parecem ter sido

liberados nas interações dentro dos grupos de trabalho. Um consultor canadense relatou:

―Algumas vezes, as pessoas também desviavam completamente, e

começavam a falar sobre coisas que aborreciam a ela e que nada tinham com

a agenda ou propósito da reunião. Era muito difícil trazer as pessoas de volta

porque você não queria parecer que estava comandando as pessoas.‖

• Início da atividade.

• Identificação e obtenção de

informações relevantes.

• Análise das relações entre

tarefas, indivíduos , insumos

e recursos.

• Análise da estrutura,

organização e dinâmica do

trabalho.

1

ETAPA DE DESENVOLVIMENTO

• Percepção, foco, valorização,

seleção, ordenação,

concepção.

• Intuição, intenções, “agendas

secretas”, normas, valores e

cultura.

• Avaliação de alternativas,

preconceitos, experiências

vivenciadas, formação

educacional, formação de

artefatos mentais.

• Documentação dos

requerimentos, verificação e

validação das informações

representadas nos modelos

sobre as relações entre

tarefas, funcionais e

organizacionais.

• Desenho de alternativas de

projeto organizacional e de

sistemas de informações.

• Percepção, foco,

valorização, seleção,

ordenação, concepção.

• Intuição, intenções,

“agendas secretas”,

normas, valores e cultura.

• Avaliação de alternativas,

preconceitos, experiências

vivenciadas, formação

educacional, formação de

artefatos mentais.

2 3 4

Abertura ao diálogo

Criatividade (negativa)

Criatividade (positiva)

Decisão centralizada

Decisão participava

Formação educacional diversificada

Individualismo

Maior especialização

Maior formalismo

Menor formalismo

Pouco questionamento

Tratamento igualitário

Valorização da ação

Valorização da experiência

Valorização do generalismo

Valorização do novo

Valorização de métodos

Abertura ao diálogo

Criatividade (negativa)

Criatividade (positiva)

Decisão centralizada (*)

Decisão participava

Formação educacional diversificada

Individualismo

Maior especialização

Maior formalismo

Menor formalismo

Pouco questionamento

Tratamento igualitário

Valorização da ação

Valorização da experiência

Valorização do generalismo

Valorização do novo

Valorização de métodos

5

Modelo

Candidato

Abertura ao diálogo

Criatividade (negativa)

Criatividade (positiva)

Decisão centralizada

Decisão participava

Formação educacional diversificada

Individualismo

Maior especialização

Maior formalismo

Menor formalismo

Pouco questionamento

Tratamento igualitário

Valorização da ação

Valorização da experiência

Valorização do generalismo

Valorização do novo

Valorização de métodos

Abertura ao diálogo

Criatividade (negativa)

Criatividade (positiva)

Decisão centralizada (*)

Decisão participava

Formação educacional diversificada

Individualismo

Maior especialização

Maior formalismo

Menor formalismo

Pouco questionamento

Tratamento igualitário

Valorização da ação

Valorização da experiência

Valorização do generalismo

Valorização do novo

Valorização de métodos

146

Portanto, parecia que cada grupo estava convicto de seus princípios,

conscientemente ou não, e não considerou a possibilidade de, em algumas etapas da

atividade de trabalho, alterar seu comportamento natural. Esta mudança na direção do

outro poderia promover um dos lados positivos da interculturalidade, que determinados

comportamentos e atitudes de um grupo pode subsidiar maior eficiência em etapas

específicas do trabalho.

Figura 49: Comportamentos positivos na verificação, validação de qualidade do modelo.

Esta questão de alterar o comportamento moldado por sua cultura, na ótica do

pesquisador, era mais grave nos brasileiros, pois nos relatos dos brasileiros não foi

evidenciado uma reflexão crítica sobre o seu próprio comportamento em relação aos dos

canadenses. Os brasileiros demonstraram poder de crítica do comportamento sobre os

canadenses, mas não mencionaram reflexões sobre suas próprias atitudes que poderiam

contribuir, ou não, para atingir um melhor resultado do trabalho. Os canadenses

demonstraram maior reflexividade sobre seus próprios comportamentos e antagonismos

percebidos com relação aos comportamentos sobre brasileiros. Nos canadenses percebe-

se a dúvida sempre presente sobre seus próprios argumentos, enquanto os brasileiros

• Processo de verificação.

• Avaliação da exatidão das

notações em relação à realidade.

• Execução de testes de consistência sintática e

sintáxica de acordo com o

método de modelagem.

• Teste de precisão do

modelo, teste consistência dos fluxos mapeados.

6

VERIFICAÇÃO, VALIDAÇÃO E QUALIDADE

• Percepção, foco, valorização,

seleção, ordenação,

concepção.

• Intuição, intenções, “agendas

secretas”, normas, valores e cultura.

• Avaliação de alternativas,

preconceitos, experiências vivenciadas, formação

educacional, formação de artefatos mentais.

• Processo de

validação dos

requisitantes.

• Validação da

conformidade aos requisitos iniciais.

• Teste de fidelidade

entre requisitos iniciais e o modelo

representado.

• Percepção, foco, atenção,

valorização, seleção,

ordenação, concepção.

• Intuição, intenções, “agendas

secretas”, normas, valores e cultura.

• Avaliação de alternativas,

preconceitos, experiências vivenciadas, formação

educacional, formação de artefatos mentais.

7 9 10

8

Modelo

Protótipo

Abertura ao diálogo

Criatividade (negativa)

Criatividade (positiva)

Decisão centralizada

Decisão participava

Formação educacional diversificada

Individualismo

Maior especialização

Maior formalismo

Menor formalismo

Pouco questionamento

Tratamento igualitário

Valorização da ação

Valorização da experiência

Valorização do generalismo

Valorização do novo

Valorização de métodos

Abertura ao diálogo

Criatividade (negativa)

Criatividade (positiva)

Decisão centralizada (*)

Decisão participava

Formação educacional diversificada

Individualismo

Maior especialização

Maior formalismo

Menor formalismo

Pouco questionamento

Tratamento igualitário

Valorização da ação

Valorização da experiência

Valorização do generalismo

Valorização do novo

Valorização de métodos

Abertura ao diálogo

Criatividade (negativa)

Criatividade (positiva)

Decisão centralizada (*)

Decisão participava

Formação educacional diversificada

Individualismo

Maior especialização

Maior formalismo

Menor formalismo

Pouco questionamento

Tratamento igualitário

Valorização da ação

Valorização da experiência

Valorização do generalismo

Valorização do novo

Valorização de métodos

12

11

IMPLEMENTAÇÃO E

CONFIGURAÇÃO NUM ARTEFATO REAL

Modelo

Final

147

pareciam estar convencidos das suas argumentações. Este fato pode ser uma questão

cultural ou ser decorrente do fato de o pesquisador ser brasileiro e, portanto, brasileiros

estariam mais a vontade para criticar canadenses do que o contrário. Entretanto, na

percepção do pesquisador, os dois grupos tentaram diminuir ou até mesmo eximir suas

responsabilidades sobre as falhas ocorridas quando os resultados da modelagem se

mostraram.

Um dualismo no comportamento dos brasileiros chamou atenção do

pesquisador: a contradição entre o pouco questionamento às lideranças com as

percepções negativas da criatividade associada à valorização da execução on-the-fly.

Este tipo de comportamento dual apareceu em outros estudos como o de Hilal (2006),

que argumentou que o formalismo seria substituído, na prática, pela ênfase nas relações

pessoais. Ainda segundo Hilal, este conflito aparente entre a crença de que as regras não

devem ser quebradas, típicas de sociedades hierarquizadas, não seriam encontradas na

sua forma mais pura nas sociedades latino-americanas, nas quais estão presentes traços

de ambigüidade entre o valor da hierarquia e dos relacionamentos. Esta ambigüidade ou

dualismo ficou evidente nas narrativas dos entrevistados.

Se por um lado a aceitação ao processo centralizado para decisões indicava

maior disciplina na execução das tarefas, seguir exatamente o que o ―chefe mandou‖.

Por outro, o ―jeitinho brasileiro‖ transparecia que o empregado tomava decisões por

conta própria durante a execução das atividades, ou seja, em algumas situações ele não

seguia estritamente a forma descrita para execução da tarefa. Este fato ficou evidente no

relato de um gerente brasileiro ao criticar o formalismo exigido pelos canadenses, pois

―se formalizava numa semana e, na semana seguinte, os usuários já estavam fazendo

tudo diferente‖. Esta talvez seja uma das contradições da cultura brasileira que não

aparecem nas teorias de dimensões culturais dos autores mais conhecidos. Este

dualismo fica sem resposta nesta pesquisa, apesar de ser muito intrigante do ponto de

vista cultural do brasileiro, conforme ilustrado na Figura 50.

148

Figura 50: Dualismo entre a centralização das decisões e da execução on-the-fly.

5.7.3 Considerações finais e o desenvolvimento de competências multiculturais

Os resultados da pesquisa reforçaram que as decisões na modelagem de

processos não são puramente funcionais ou técnicas; são complexas, multifacetadas e

moldadas por fatores normativos (Thiollent, 1994). Os resultados também corroboram

os argumentos de Strohschneider (2002) sobre como cultura tem um importante papel

na forma como o indivíduo vai tratar as informações captadas e que ―qualquer tomada

de decisão numa perspectiva puramente cognitiva é incompleta‖. Em princípio,

qualquer equipe de trabalho pode ter uma produtividade excelente, independente do

grau de diversidade dos seus membros e da complexidade do trabalho.

Com base nos dados colhidos no experimento é possível concordar que a

diversidade tanto pode contribuir para o bom desempenho quanto tornar-se uma barreira

aos resultados do trabalho. Os estudos de Shachaf (2008) indicam que a contribuição

positiva da diversidade está relacionada a uma maior criatividade e a um melhor

processo decisório que considere a pluralidade de perspectivas do grupo de indivíduos

envolvidos. As barreiras mais citadas na pesquisa de campo e por outros autores (Canen

e Canen, 2004; Shachaf, 2008) são as dificuldades de comunicação, como os problemas

relatados sobre o idioma e falta de confiança mútua entre o grupo de trabalho, líderes e

colaboradores que ficaram evidentes nas entrevistas de brasileiros e canadenses. O tema

competência multicultural não emergiu diretamente dos dados coletados, mas pode ser

assumido como uma das soluções para redução dos aspectos negativos encontrados.

A competência multicultural pode ser discutida na perspectiva proposta por

Magala (2005, p. 204-206) como a habilidade de detectar, entender e explorar as

Desenvolvimento

do modelo

Verificação,

validação e

qualidade

Implementação

( utilização e

aplicações)

1112

IMPLEMENTAÇÃO E

CONFIGURAÇÃO NUM ARTEFATO REAL

Modelo

Final

Pouco questionamentos às lideranças

Valorização da

execução on-the-fly

Criatividade (negativa)

“What if”

Contradição/dualismo

brasileiro

“Jeitinho brasileiro”

149

diferenças multiculturais manifestadas nos comportamentos e atitudes das atividades

organizacionais. A palavra explorar, segundo este autor, tem três significados

relevantes: o primeiro, no sentido perceber diferenças e desenvolver valores e crenças

comuns durante o desenvolvimento do trabalho; em segundo, ter uma postura crítica

para se manter atento às influências do poder e às agendas ―escondidas‖ que poderiam

gerar desigualdades ou dificultar as relações do grupo durante as atividades de trabalho;

e por último, manter a independência e consciência para escolher o seu próprio estágio

de integração cultural. O importante é que o desenvolvimento de competências

multiculturais não deve passar despercebido como parece ter acontecido no caso

empresarial estudado.

A literatura e as pesquisas na área educacional sobre multiculturalismo podem

prover novas perspectivas para o desenvolvimento de competências multiculturais nas

organizações. Mantendo os cuidados de estudos realizados em contextos tão distintos,

as interações interculturais de sala de aula podem ter intensidade semelhante às

discussões de um grupo de trabalho dentro das empresas. O framework proposto por

Chavez, Guido-DiBrito e Mallory (2003 apud Guo e Jamal, 2007, p. 19) aborda cinco

dimensões: avaliar a falta de exposição do indivíduo a outras culturas; verificar se o

indivíduo tem uma consciência bi-polar, ou seja, verificar se ele percebe a existência de

algo diferente dos seus próprios valores; o questionar as percepções das diferenças

culturais em relação a si próprio para deslocar-se do dualismo ―nós e os outros‖ para o

reconhecimento do relativismo entre as diversas culturas; manifestar a vontade de se

aproximar e trabalhar conjuntamente; e por último, desenvolver um comportamento de

integração e congruência das habilidade presentes no grupo.

As habilidades para lidar com interações multiculturais, se previamente

trabalhados na empresa estudada, poderiam ter dado outros rumos aos problemas

relacionados à modelagem de processo e aos resultados negativos associados ao

desenvolvimento dos sistemas de informação. A construção da consciência de que as

relações plurais realmente influenciam os trabalhos de modelagem de processos ficaram

evidentes. As competências multiculturais, apesar de requererem melhor definição,

tendem a ser fundamentais para a gestão dos sistemas operacionais em ambientes

organizacionais semelhantes ao estudado, especialmente naqueles que envolvam

iniciativas globais. Se por um lado, a pesquisa apresentou evidências sobre a

necessidade de desenvolver estratégias de gestão do trabalho de modelagem de

150

processos para grupos multiculturais, por outro, permite que se levantem outros

questionamentos, como:

Multiculturalismo: estimular a consciência ou treinar a se adaptar?

Compor, combinar ou ajustar comportamentos e atitudes?

Gestão multicultural ou gestão com consciência multicultural?

As teorias educacionais voltadas para o desenvolvimento de habilidades

multiculturais e de como lidar com a pluralidade podem ser usadas no

desenvolvimento destas habilidades nas organizações?

5.8 SUMÁRIO CONCLUSIVO DO CAPÍTULO

O objetivo do capítulo foi alinhar o quadro de análise sobre modelagem de

processos desenvolvidos no capítulo anterior, o contexto do caso empresarial

selecionado, o plano de pesquisa incluindo a coleta de dados e a análise dos dados

coletados. Depois foram discutidas as evidências obtidas nas entrevistas e relacionadas

com os estudos de Hofstede. Por último, foi estabelecido um diálogo entre as entrevistas

e situações vivenciadas por canadenses e brasileiros na empresa estudada e o potencial

das competências multiculturais em ambientes com elevada diversidade cultural.

151

6 CONCLUSÕES

O desafio da pesquisa foi combinar áreas de saber distintas, processos de

negócios, personalidades, culturas e valores. A intenção foi explorar aspectos

tecnológicos e socioculturais que, ao serem estudados conjuntamente, poderiam indicar

a existência de influências entre eles e como elas se concretizariam na modelagem de

processos de negócios. A abstração do pensamento e os princípios tecnológicos

integram-se naturalmente na modelagem de processos de negócios e orientam a

transformação das idéias em artefatos úteis para as organizações. A questão de fundo da

pesquisa é que as atividades e relações de trabalho para a elaboração de modelos dentro

das organizações passaram por mudanças profundas nos últimos anos devido à

crescente integração de fatores sociais e dos avanços tecnológicos.

Os aspectos cognitivos e normativos inerentes ao pensamento humano, gerencial

e da engenharia abrem espaço para que as influências socioculturais sejam

intensificadas pela diversidade de atores presentes nos sistemas produtivos, adicionando

novos desafios aos trabalhos de modelagem. Quanto maior a diversidade sociocultural,

mais perspectivas distintas terão que ser estudadas, avaliadas, selecionadas e conciliadas

em prol dos objetivos organizacionais. Estas perspectivas incluem tecnologias,

ideologias, personalidades, culturas e outros fatores. Uma palavra em especial que

chama a atenção é a conciliação, ou melhor, a necessidade de conciliação das diferenças

individuais que tende a ser o cerne de muitos desafios organizacionais.

A inspiração básica para a pesquisa foi a percepção de que as mudanças na

sociedade e os avanços tecnológicos intensificaram os encontros interculturais nas

organizações e inseriram novos elementos de estudo nas diversas áreas da Engenharia

152

de Produção. Na gestão industrial e nas organizações de serviço, muitas teorias,

modelos, técnicas e procedimentos foram desenvolvidos ao longo dos tempos para

contextos produtivos delimitados e mais homogêneos, formando um cenário diferente

dos dias atuais. Os processos de negócios têm uma característica subliminar nas

organizações, pois têm a função de interligar as visões e diretrizes da alta gestão às

atividades produtivas reais no ―chão de fábrica‖. As atividades envolvidas na

modelagem de processos de negócios foram a unidade de estudo escolhida para o

desenvolvimento desta pesquisa exploratória. A diversidade cultural sempre esteve

presente nas organizações. A questão atual é que ela tornou-se mais aparente e presente

nas relações de trabalho. Se num passado recente a diversidade cultural parecia ser um

fenômeno controlável, apesar das controvérsias, hoje em dia, é o fenômeno no qual

estamos inseridos e somos confrontados dia após dia de forma incontestável.

O trabalho de pesquisa iniciou-se com a revisão das teorias de modelagem de

processos de negócios. A partir da análise das múltiplas perspectivas teóricas da

modelagem foi possível identificar etapas de trabalho mais comuns para a modelagem

de processos. Na busca por um melhor entendimento dos aspectos abstratos e concretos

e suas influências no trabalho de modelagem, foi feita uma revisão nos referenciais

teóricos sobre fatores socioculturais e como eles poderiam influenciar as decisões

presentes nos trabalhos de modelagem de processos. Durante o estudo foi possível

estabelecer um diálogo entre áreas de conhecimento distintas e proporcionar um modelo

de análise que considerasse tanto aspectos cognitivos e racionais quanto aspectos

normativos e culturais. A identificação das etapas e de seus fatores predominantes foi a

base para o ―Quadro de Análise Sociocultural para a Modelagem de Processos‖, que

guiou o desenvolvimento do plano de investigação em um caso empresarial

multicultural ocorrido no Brasil.

Na pesquisa de campo foi possível analisar um caso empresarial contendo

elementos que combinavam o multiculturalismo e a modelagem de processos. Como a

empresa estudada estava na fase de lançamento, existia um elevado grau de diversidade

cultural, devido à presença de consultores internacionais e a uma alta demanda pela

elaboração de modelos de processos negócios em função da estruturação das tarefas

para o início de suas operações. Esta combinação de fatores foi um campo fértil para

verificar a influência de fatores socioculturais durante as atividades de modelagem de

processos neste grupo multicultural.

153

Os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa proporcionaram um

material rico em informações para o escopo da pesquisa. Foram usadas técnicas de

entrevistas com base em Histórias Orais e Narrativas com intuito de planejar e dirigir a

coleta de dados. A análise dos dados foi fundamentada nos princípios da Grounded

Theory e suportada por software de análise de dados qualitativos. As conclusões sobre o

caso empresarial evidenciaram situações nas quais as diferenças culturais realmente

influenciaram a modelagem de processos na empresa e apresentaram indícios de que

uma gestão multicultural poderia ter contribuído para o desempenho dos sistemas de

informação da empresa.

Dentre as contribuições do trabalho, quatro perspectivas se destacam: a

modelagem de processos de negócios, o método de pesquisa aplicado, as competências

multiculturais e os pontos a serem trabalhados no ensino da Engenharia de Produção.

Como se observa a seguir, a abordagem interdisciplinar da pesquisa pode servir de

inspiração para outras investigações envolvendo teorias, métodos e procedimentos

usados na Engenharia de Produção.

Ótica da modelagem de processos de negócios

O aumento da complexidade e da abrangência das redes de sistemas produtivos é

um fator crucial na Engenharia de Produção de hoje. Se por um lado os avanços nas

Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) possibilitam a utilização de recursos

espalhados globalmente, por outro, forçou interações entre indivíduos com formações e

culturas completamente diferentes. O trabalho de Walsh, Meyer, & Schoonhoven

(2006) resumiu esta tendência de forma bem interessante, quando considerou que as

TIC ―levaram a organização para o mundo e também colocaram o mundo dentro da

organização‖. A tecnologia e a migração da força de trabalho internacional além das

fronteiras dos países têm sistematicamente aumentado o multiculturalismo nas

organizações. As TIC e a mobilidade da força de trabalho têm funcionado como

catalisadores da integração tecnológica com aspectos culturais e sociais.

Esta complexidade tem duas consequências importantes para os trabalhos de

modelagem de processos. A primeira está relacionada ao número de atores envolvidos,

pois quanto mais elementos e nós existirem na rede produtiva, mais complexo serão a

modelagem de processos e o artefato construído a partir do modelo. O segundo fator são

os mecanismos de coordenação entre unidades produtivas que podem estar distribuídas

154

geograficamente. Quanto maior o grau de especialização operacional das unidades,

maior será a importância dos modelos de processos e da tecnologia de informação para

o bom desempenho do processo produtivo descentralizado. A diversidade sociocultural

adiciona aspectos abstratos aos elementos observáveis do trabalho. Um modelo de

processos operacionais que despreze as diferenças socioculturais entre as unidades de

produção pode não ser compreendido, nem aceito, nem utilizado na prática e levar os

indivíduos a agir de acordo com seus próprios princípios culturais em vez de seguir o

que foi definido no modelo. Neste tipo de situação a coordenação dos trabalhos tende a

ser tornar problemática entre as unidades operacionais.

A consciência multicultural dos indivíduos que compõem o sistema produtivo é

cada vez mais fundamental durante os trabalhos de modelagem, caso contrário, os

executores das tarefas poderiam optar por seguir seus princípios ao invés de seguir

modelos de coordenação de tarefas pré-definidos. O desafio que se apresenta é como

desenvolver esta consciência tanto naqueles que são responsáveis pelo desenvolvimento

dos modelos quanto nos que são responsáveis pela execução das tarefas operacionais.

Ótica dos métodos de pesquisa

O valor do uso de uma pesquisa qualitativa para obtenção dos resultados foi

essencial neste trabalho exploratório. O estudo dos procedimentos e técnicas de

entrevistas, não muito comum na Engenharia de Produção, foi de grande valia para o

trabalho como um todo. No caso empresarial analisado, a técnica de Histórias Orais

permitiu planejar um instrumento de coleta de dados que concentrasse a atenção dos

participantes da pesquisa em um período de tempo limitado no qual os fatores

relevantes para o escopo da pesquisa estavam presentes. A técnica de entrevista

Narrativa, usada de forma coordenada com a anterior, permitiu que os entrevistados

destacassem aspectos dentro dos temas da pesquisa com total liberdade de expressão,

mantendo-os no contexto histórico estudado. A complementação posterior com a

técnica de entrevista episódica semi-estruturada permitiu obter informações sobre o

trabalho de modelagem propriamente dito. A coordenação e a sequência do uso dessas

técnicas facilitou o processo de entrevista, possibilitou liberdade ao entrevistado e,

principalmente, proporcionou um grande volume de informações para análise.

A análise dos dados coletados também seguiu procedimentos que se mostraram

adequados aos objetivos da pesquisa. A análise dos dados através dos princípios da

155

Grounded Theory com suporte da ferramenta de software foi fundamental para retirar

dos dados evidências relevantes sobre o caso analisado. As entrevistas proporcionaram

aproximadamente 4 horas de gravações, que posteriormente geraram mais de 50 páginas

de transcrições. Se fosse utilizado o processo manual para análise, provavelmente

muitas evidências não teriam sido percebidas pelo pesquisador. O Software QDA,

ATLAS.ti, utilizado nesta etapa da pesquisa possibilitou uma análise mais profunda de

cada transcrição, levantando pontos relevantes associados ao escopo da pesquisa,

correlacionando-os entre si e, por fim, analisando-os de forma consolidada e abrangente.

O pesquisador considera que a coordenação entre os métodos, técnicas e ferramentas de

suporte foram fundamentais para o resultado da pesquisa.

Ótica das competências multiculturais

Atualmente, o multiculturalismo está presente não apenas nas operações

internacionais, mas também em muitas operações aparentemente locais. A diversidade

pode se tornar tanto uma barreira quanto um fator para reforçar as potencialidades de

uma organização. No lado positivo, a diversidade, se gerenciada adequadamente, pode

contribuir para uma visão sistêmica, de múltiplas perspectivas e mais consistente dos

problemas. Este fato pode melhorar o entendimento e a confiabilidade das soluções

escolhidas. Por outro, se as diferenças culturais forem ignoradas, muitas barreiras e

conflitos surgirão com resultados imprevisíveis no desempenho dos processos

organizacionais. Pode-se inferir que as competências multiculturais tendem melhorar o

desempenho de grupos de trabalho plurais, facilitando não só a comunicação como

também o desenvolvimento da confiança mútua entre os indivíduos, independentemente

da cultura, localização ou orientação de valores.

Ótica do ensino da Engenharia de Produção

Os desafios para o ensino da Engenharia de Produção estão mais complexos e

heterogêneos devido à presença de atores dispersos geograficamente nas redes

operacionais. Alguns anos atrás, a preocupação principal do Engenheiro de Produção

era o aumento de produtividade da unidade operacional sob sua responsabilidade. Este

cenário vem mudando sistematicamente com mais desafios devido à maior

conectividade entre as unidades operacionais através da utilização de sistemas de

produção informatizados e automatizados. Estes desafios requerem o repensar de

antigas habilidades e o desenvolvimento de novas frentes de competências. Áreas de

156

estudos como gestão multicultural, desenvolvimento do pensamento sistêmico,

pluralista e menos reducionista passam ter mais importância na gestão de operações de

hoje do que há alguns anos. Na visão do pesquisador, algumas lacunas de conhecimento

precisam ser melhor trabalhadas pelas instituições de ensino a fim de prover as

habilidades necessárias aos desafios atuais. Um olhar mais cuidadoso sobre potenciais

lacunas de conhecimento, destacadas a seguir, tendem a estimular habilidades e atitudes

para capitalizar os aspectos positivos da pluralidade de visões existentes nas redes

produtivas de hoje:

Pensamento sistêmico para suportar a visão de que os problemas são

interconectados e envolvem vários ramos tecnológicos, operacionais e

socioculturais.

Dentro do pensamento sistêmico, revisitar a abordagem interpretatisvista

devido à ênfase na visão pluralista associado à importância do papel

social dos atores produtivos.

Revisitar conceitos sobre a complexidade como um complemento aos

dois pontos anteriores. O treinamento nos princípios e teorias de sistemas

complexos pode contribuir para reduzir o predomínio da visão

mecanicista e reducionista de muitas carreiras da Engenharia, entre elas,

a Engenharia de Produção.

Desenvolver competências multiculturais, ou seja, habilidades para

detectar, entender e explorar de forma produtiva as diferenças culturais

manifestadas durante as atividades do trabalho dentro das organizações.

Os grandes desafios das pesquisas aos dilemas atuais requerem uma abordagem

interdisciplinar envolvendo uma ampla gama de teorias científicas. A combinação de

perspectivas distintas pode prover novos olhares e direções para a ciência sobre os

problemas que surgem a cada momento devido às mudanças sem fim nos contextos

tecnológico e social. Por outro lado, a abordagem multidisciplinar requer um grande

esforço dos grupos de pesquisas e de seus pesquisadores, seja na incorporação de áreas

de conhecimento fora daquelas trabalhadas por longos anos, seja por incorporarem

pessoas com origens e identidades culturais diferentes. A experiência do presente

trabalho sugere que os caminhos da expansão da fronteira de conhecimento poderiam se

passar por caminhos interdisciplinares de estudo como:

157

Avaliar como as personalidades e emoções afetam as atividades de

modelagem de processos e sistemas;

Rediscutir os conceitos da modelagem conceitual, do ato de modelar em

engenharia devido ao aumento da intensidade e presença multicultural

nas interações de trabalho;

Desenvolver teorias, conceitos e estruturas de análise e desenvolvimento

de competências multiculturais no ambiente organizacional e da gestão

de operações globais;

Aprofundar as pesquisas em cada etapa de trabalho da modelagem de

processos. Determinados comportamentos e atitudes tendem a produzir

melhor desempenho dependendo do tipo de trabalho e do contexto social

em que o trabalho esteja sendo desenvolvido;

Melhorar as técnicas de verificação e validação de modelos devido a

presença de grupos distintos no desenvolvimento e uso dos sistemas de

informações gerenciais;

Discutir práticas de ensino e novas orientações curriculares na área de

Engenharia, em especial, na Engenharia de Produção, provendo

situações, eventos e atividades para o desenvolvimento das competências

multiculturais.

Historicamente, os estudos culturais são pontuados por controvérsias dos mais

diversos tipos, o que não deverá ser diferente neste trabalho. Atualmente, a

intensificação da interconectividade tecnológica e cultural do ambiente social poderá

estimular discussões calorosas entre as mais variadas áreas de conhecimento, sejam elas

engenharia, sociologia, antropologia e psicologia, entre outras. Alguns dos argumentos

desenvolvidos no presente trabalho requerem uma investigação mais profunda,

entretanto espera-se que um passo tenha sido dado na direção de mostrar oportunidades

científicas e metodológicas do multiculturalismo para melhorar o desempenho

profissional dos Engenheiros de Produção frente aos fenômenos da globalização.

158

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GLOSSÁRIO

As acepções de verbetes em língua portuguesa e definições de termos usados

pelo autor durante o trabalho são apresentados a seguir:

Abstração: Ato de separar mentalmente um ou mais elementos de uma totalidade

complexa (coisa, representação ou fato) os quais só mentalmente podem subsistir fora

dessa totalidade (Ferreira, 1986). Operação intelectual, compreendida por Aristóteles

(383 a.C.-322 a.C.) e Tomás de Aquino (1227-1274) como a origem de todo o

processo cognitivo, na qual o que é escolhido como objeto de reflexão é isolado de

uma série de fatores que comumente lhe estão relacionados na realidade concreta

(como ocorre, p.ex., na consideração matemática que despoja os objetos de suas

qualidades sensíveis [peso, cor etc.], no intuito de considerá-los apenas em seu

aspecto mensurável e quantitativo) (Houaiss, 2009).

Analista de negócios (analista): (1) Trabalha como uma conexão entre os membros

internos e externos da organização para mapear, consolidar, analisar, comunicar e

validar requisitos iniciais ou de mudanças nos processos de negócios, políticas

corporativas e sistemas de informação (International Institute of Business Analysis -

IIBA, 2009). (2) são os indivíduos dentro de uma organização que definem,

gerenciam, ou monitoram processos de negócios (Object Management Group - OMG,

2009).

Atitude: comportamento ditado por disposição interior; maneira de agir em relação a

pessoa, objeto, situação etc.; maneira, conduta. Posição assumida, orientação, modo

ou norma de proceder. Rubrica psicologia: estado de disponibilidade psicofísica

marcado pela experiência e que exerce influência diretiva e dinâmica sobre o

comportamento (Houaiss, 2009).

Automação de atividades administrativas: sistema em que processos de trabalho

administrativo nas organizações são controlados e executados, total ou parcialmente,

por meio de dispositivos associados à sistemas de informações (adaptação do autor

para o termo automação).

169

Comportamento: procedimento de alguém em face de estímulos sociais ou a

sentimentos e necessidades íntimos ou uma combinação de ambos. Reação de um

indivíduo, de um grupo ou de uma espécie ao complexo de fatores que compõem o

seu meio ambiente (Houaiss, 2009).

Comunicação: processo que envolve a transmissão e a recepção de mensagens entre

uma fonte emissora e um receptor, no qual as informações, transmitidas por

intermédio de recursos físicos (fala, audição, visão etc.) ou de aparelhos e

dispositivos técnicos, são codificadas na fonte e decodificadas no destino com o uso

de sistemas convencionados de signos ou símbolos sonoros, escritos, iconográficos,

gestuais etc. (Houaiss, 2009).

Concepção: Ato de criar mentalmente, de formar idéias, especialmente abstrações,

um plano para posterior realização (Ferreira, 1986).

Consistência: propriedade de um conjunto de resultados de experiências (biológicas,

físicas etc.) que satisfazem, dentro dos limites dos erros experimentais, as leis

pertinentes aos fenômenos a que se referem (Houaiss, 2009).

Cultura organizacional: um conjunto de pressupostos básicos compartilhados que foi

aprendido pelo grupo ao lidar com os problemas de adaptação externa e integração

interna, e que funcionou bem o suficiente para serem considerados válidos e,

portanto, ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e

sentir em relação a esses problemas (Schein, 2004, p. 17).

Cultura: (1) são sistemas (de padrões socialmente transmitidos) que servem para

adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de

vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organização política, crenças e

práticas religiosas, e assim por diante (Laraia, 2006, p. 59). Um complexo sistema de

comportamentos concretos, um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas

e instruções para governar o comportamento (Geertz, 1989, p. 64) .

Descrição: Ato ou efeito de descrever; reprodução, traçado, delimitação.

Representação fiel; imitação, cópia, retrato (Houaiss, 2009). Ato ou efeito de

descrever, exposição circunstanciada feita pela palavra escrita ou falada (Ferreira,

1986).

170

Diversidade cultural: presença de pessoas num sistema social com identidades

culturais distintas, ou seja, incluindo varias dimensões culturais como gênero,

nacionalidade, profissão, religião, economia, classe social, etnia, formação

educacional, etc. (Fleury, 1999, p. 110).

Efetividade: faculdade de produzir um efeito real, capacidade de atingir o seu

objetivo real, possibilidade de ser utilizado para um fim (Houaiss, 2009).

Gestão de Processos de Negócios (BPM): atividades que envolvem a descoberta,

projeto e entrega de processos de negócios. Essas atividades incluem o controle

executivo, administrativo e de supervisão destes processos (Object Management

Group - OMG, 2009).

Governança corporativa: é o conjunto de processos, costumes, políticas, leis,

regulamentos e instituições que regulam a maneira como uma empresa é dirigida,

administrada ou controlada (Wikipédia, 2009).

Intenção: Ato de tender. Vontade, desejo, pensamento. Propósito plano, deliberação

(Ferreira, 1986).

Interpretação: Ato de explicar o sentido ou significado, de traduzir, de ajuizar a

intenção, adaptado de Houaiss (2009) para o verbete interpretar.

Modelagem de negócios: (1) ato de desenvolver modelos abstratos para representação

de parte da realidade de negócios. (2) O processo de tradução de um fenômeno do

mundo real em uma linguagem própria, adaptação do autor com base em Schichl

(2004).

Modelo: (1) Objeto que serve de imagem, forma ou padrão a ser imitado ou

reproduzido (Houaiss, 2009). (2) Uma representação externa e explícita de parte da

realidade como ela é vista pelas pessoas que desejam usar este modelo para entender,

mudar, gerenciar e controlar esta parte da realidade (Pidd, 2003, p. 12).

Multicultural, multiculturalismo: Coexistência de várias culturas num mesmo

território, país etc. (Houaiss, 2009).

171

Percepção: Função ou efeito mental de representação dos objetos; sensação, senso.

Consciência dos elementos do meio ambiente através das sensações físicas (Houaiss,

2001). Ato, efeito ou faculdade de perceber; recepção, pelos centros nervosos, de

impressões colhidas pelos sentidos (Ferreira, 1986).

Procedimento: Modo de proceder, maneira de agir,de portar-se; comportamento

(Houaiss, 2009). Formas que está subordinado o cumprimento dos atos e trâmites do

processo (Ferreira, 1986). Obs.: acepção jurídica que o autor da pesquisa julga mais

adequado ao contexto do trabalho.

Processos de negócios (Processos): (1) a representação do encadeamento de

atividades executadas numa sequência lógica dentro de uma organização com

objetivo de produzir um bem ou serviço que tem valor para um grupo específico de

clientes (Davenport, 1994; Hammer e Champy, 1994). (2) um conjunto de

procedimentos ou atividades interligadas que coletivamente compreendem um

objetivo de negócio ou uma meta de uma política organizacional definindo papéis

funcionais e relacionamentos normalmente dentro do contexto de uma estrutura

organizacional (WfMC, 1999).

Representação: Reprodução daquilo que se pensa. Conteúdo concreto aprendido pela

pelos sentidos, pela imaginação, pela memória ou pelo pensamento (Ferreira, 1986).

Idéia ou imagem que concebemos do mundo ou de alguma coisa; operação pela qual

a mente tem presente em si mesma a imagem, a idéia ou o conceito que correspondem

a um objeto que se encontra fora da consciência, rubrica filosofia (Houaiss, 2009).

Requisitos de Sistemas de Informações: é definido como (1) uma condição ou

capacidade que um usuário precisa para resolver um problema ou atingir um objetivo;

(2) uma condição ou capacidade que deve ser atendida ou possuída por um sistema ou

componente, para satisfazer um contrato, norma, especificação, ou outra imposta por

documentos formais; (3) uma representação documentada de uma condição ou

capacidade como em (1) ou (2) (Institute of Electrical and Electronics Engineers -

IEEE, 1990, p. 62).

Sociocultural: Simultaneamente relativo ao grupo social (família, classe, etc.) e a

cultura que se prende a esse grupo (Ferreira, 1986). Relativo ao mesmo tempo aos

fatores ou aspectos sociais e culturais de um dado grupo (Houaiss, 2009).

172

Zum: Objetiva especial que, reunindo características de grande angular, lente normal

e teleobjetiva, permite obter os efeitos de afastamento ou aproximação sucessiva,

graças à sua distância focal, que, continuamente ajustada, oferece vários graus de

ampliação sem prejuízo do foco (Houaiss, 2009).

173

APÊNDICE 1 – LEVANTAMENTO DE TRABALHOS

CIENTÍFICOS CORRELATOS

No início do desenvolvimento deste trabalho de pesquisa foi feito um

levantamento de trabalhos científicos com ocorrências de determinadas palavras-chave

no dia 7 de abril de 2008, através da ferramenta online de busca de trabalhos científicos

Periódicos CAPES16

. Nos quadros de 1, 2 e 3 são apresentados os resultados das buscas

realizadas na base de dados ISI Web of Knowledge. Observa-se que, mesmo usando

chaves de busca abrangentes, não foram encontrados registros de trabalhos científicos

que articulassem simultaneamente os termos-chave propostos por este trabalho.

A primeira etapa do levantamento, cujos resultados são apresentados no quadro

1, tinha como objetivo identificar trabalhos, científicos ou não, que apresentassem o

termo ―modelagem de negócios‖ simultaneamente com os termos ―diversidade cultural‖

ou ―multicultural‖. A busca foi realizada com a utilização destes termos traduzidos para

língua inglesa. Para modelagem de negócios foram usados os termos ―business

modeling‖, no padrão de escrita utilizado na Grã-Bretanha e ―business modelling‖

utilizado nos Estados Unidos. O termo diversidade cultural foi substituído pelo termo

―cultural diversity‖. Observa-se no Quadro A1.1, que foram encontrados vários

registros quando apenas um termo chave era colocado na entrada da ferramenta de

busca. Este resultado demonstra o fato de que os termos escolhidos para as buscas são

válidos para o uso e funcionamento da ferramenta de busca. Entretanto, quando se

associava dois termos simultaneamente, o resultado da pesquisa realizada não retornava

resultado algum.

Os resultados da busca, realizada com as regras acima descritas, apresentou

4.786 trabalhados associados ao termo ―Diversidade Cultural‖ e um total de 130

trabalhos associados ao termo ―Modelagem de Negócios‖ conforme pode ser visto no

quadro A1.1.

16

Disponível em http://www.periodicos.capes.gov.br/portugues/index.jsp . Acesso em 7 de abril de 2008

entre 15h27min e 17h09min.

174

Quadro A1.1: Ocorrências "cultural diversity" e "business modelling" ou "business modeling”.

Chaves de busca e critérios Resultados

Topic=("cultural diversity") Timespan=All Years. 4.786

Topic=("business modeling") Timespan=All Years. 84

Topic=("business modelling") Timespan=All Years. 46

Topic=("business modeling" AND "cultural diversity") Timespan=All Years. Sem registros

Topic=("business modelling" AND "cultural diversity") Timespan=All Years. Sem registros

A segunda tentativa foi substituir o termo ―cultural diversity‖ pelo ―cross-

cultural‖ como um possível termo associado a estudos multiculturais. O resultado da

pesquisa está apresentado no Quadro A1.2. Para a chave de busca ―cross-cultural‖

isoladamente foram encontradas 22.402 trabalhos científicos. Entretanto, quando se

combinava esta chave de busca com os termos ―business modeling‖ ou ―business

modelling‖, a ferramenta de busca não localizava nenhum trabalho.

Quadro A1.2: Ocorrências "cross-cultural" e "business modelling" ou "business modeling".

Chaves de busca e critérios Resultados

Topic=("cross-cultural") Timespan=All Years 22.402

Topic=("business modeling") Timespan=All Years. 84

Topic=("business modelling") Timespan=All Years. 46

Topic=("business modeling" AND "cross-cultural") Timespan=All Years. Sem registros

Topic=("business modelling" AND "cross-cultural") Timespan=All Years. Sem registros

O baixo número de trabalho associados ao termo traduzido ―Modelagem de

Negócios‖ poderia ser a indicação de que este termo não era comumente usado. Em

virtude disto, ele foi substituído pelo termo ―processo de negócios‖ e na língua inglesa

foi utilizado ―business process‖. No quadro 3 são apresentados os resultados das buscas

isoladas com os termos ―business process‖ e ―cultural diversity‖ ou ―cross-cultural‖

Verificou-se que foram encontrados 4.786 trabalhos associados ao termo diversidade

cultural, 22.402 ao ―cross-cultural‖ e 3.349 à palavra-chave processos de negócios.

Entretanto não foram encontrados registros para trabalhos que associassem os pares

―business process‖ e ―cultural diversity‖, e ―business process‖ e ―cross-cultural‖, como

pode ser observado no Quadro A1.3.

175

Quadro A1.3: Ocorrências "business process" e "cultural diversity" ou “cross-cultural”.

Chaves de busca e critérios Resultados

Topic=("cultural diversity") Timespan=All Years. 4.786

Topic=("cross-cultural") Timespan=All Years 22.402

Topic=("business process") Timespan=All Years. 3.349

Topic=("business process" AND "cultural diversity") Timespan=All Years. Sem registros

Topic=("business process" AND "cross-cultural") Timespan=All Years. Sem registros

Em virtude dos resultados de busca destas pesquisas, inferiu-se que a articulação

das teorias propostas tinha o ineditismo requerido a uma tese de doutorado e deveria ser

desenvolvida.