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IX ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2013 EFEITOS DA SECA SOBRE A PRODUTIVIDADE AGRÍCOLA DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO NORDESTE Paulo Henrique Cirino Araújo* Dênis Antônio Cunha** Joao Eustáquio de Lima*** José Gustavo Féres**** RESUMO O objetivo deste estudo foi analisar a produtividade das culturas do milho, cana-de-açúcar e mandioca sob longos períodos de estiagem. Em específico, para cada uma dessas culturas, buscou-se avaliar o impacto histórico dos níveis de precipitação e de outras variáveis climáticas e agronômicas sobre os níveis de produção por área plantada. Para esse fim, foram utilizadas regressões em painel com efeitos fixos, considerando 1297 municípios ao longo de 30 anos. Os resultados encontrados apontam que, nos anos de registro de secas, as culturas sofrem relativas perdas de produtividade e, dentre todas, a do milho é a mais prejudicada. Ainda que tenham sofrido perdas, as culturas da mandioca e da cana-de-açúcar são mais tolerantes a baixos e irregulares regimes de chuva. O Estado mais afetado foi a Bahia, onde a redução média de produtividade alcançou 40% na cultura do milho. Essas perdas agrícolas refletem na renda familiar de pequenos produtores, na segurança alimentar e na subsistência de muitos nordestinos. Palavras-chave: Secas. Agricultura. Produtividade. Nordeste. Brasil. ABSTRACT The objective of this paper was to analyze the productivity of corn, sugar cane and cassava crops during long periods of drought. Specifically, we sought to evaluate the historical impact of rainfall and other climatic and agronomic variables on levels of production by acreage of each of these crops. As such, panel regressions with fixed effects were used, in relation to 1,297 municipalities over 30 years. The results found showed that, in drought years, productivity levels of the three crops fell, with that of maize (corn) being the most damaged. Despite suffering losses, the crops of cassava and sugar cane are more tolerant of lows and irregular rainfall periods. The most affected stated was Bahia, where an average reduction in productivity reached 40% for the corn crop. These agricultural losses were reflected in the household income of small farmers, food security and livelihoods of many northeastern Brazilians. Keywords: Droughts. Agriculture. Productivity. Northeast. Brazil. * Doutorando e mestre em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). [email protected] ** Doutor e mestre em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Professor do Programa de Pós-graduação em Economia Aplicada da UFV. [email protected] *** Pós-doutor em Economia pela Universidade da Flórida (UF) e doutor em Economia Rural pela Universidade do Estado de Michigan (MSU). Professor titular da Universidade Federal de Viçosa (UFV). [email protected] **** Doutor em Economia e mestre em Economia Matemática e Econometria pela Universidade de Toulouse I Sciences Sociales. Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). [email protected] ECONOMIA BAIANA 151

EFEITOS DA SECA SOBRE A PRODUTIVIDADE AGRÍCOLA … · Localizado na zona intertropical da Terra, no Nordeste podem ser identificados três tipos de clima (tropical, semiárido e

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IX Encontro dE EconomIa BaIana – SEt. 2013

EFEITOS DA SECA SOBRE A PRODUTIVIDADE AGRÍCOLA DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO NORDESTE

Paulo Henrique Cirino Araújo*Dênis Antônio Cunha**

Joao Eustáquio de Lima***José Gustavo Féres****

Resumo

O objetivo deste estudo foi analisar a produtividade das culturas do milho, cana-de-açúcar e mandioca sob longos períodos de estiagem. Em específico, para cada uma dessas culturas, buscou-se avaliar o impacto histórico dos níveis de precipitação e de outras variáveis climáticas e agronômicas sobre os níveis de produção por área plantada. Para esse fim, foram utilizadas regressões em painel com efeitos fixos, considerando 1297 municípios ao longo de 30 anos. Os resultados encontrados apontam que, nos anos de registro de secas, as culturas sofrem relativas perdas de produtividade e, dentre todas, a do milho é a mais prejudicada. Ainda que tenham sofrido perdas, as culturas da mandioca e da cana-de-açúcar são mais tolerantes a baixos e irregulares regimes de chuva. O Estado mais afetado foi a Bahia, onde a redução média de produtividade alcançou 40% na cultura do milho. Essas perdas agrícolas refletem na renda familiar de pequenos produtores, na segurança alimentar e na subsistência de muitos nordestinos.

Palavras-chave: Secas. Agricultura. Produtividade. Nordeste. Brasil.

AbstrAct

The objective of this paper was to analyze the productivity of corn, sugar cane and cassava crops during long periods of drought. Specifically, we sought to evaluate the historical impact of rainfall and other climatic and agronomic variables on levels of production by acreage of each of these crops. As such, panel regressions with fixed effects were used, in relation to 1,297 municipalities over 30 years. The results found showed that, in drought years, productivity levels of the three crops fell, with that of maize (corn) being the most damaged. Despite suffering losses, the crops of cassava and sugar cane are more tolerant of lows and irregular rainfall periods. The most affected stated was Bahia, where an average reduction in productivity reached 40% for the corn crop. These agricultural losses were reflected in the household income of small farmers, food security and livelihoods of many northeastern Brazilians.

Keywords: Droughts. Agriculture. Productivity. Northeast. Brazil.

* Doutorando e mestre em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). [email protected]

** Doutor e mestre em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Professor do Programa de Pós-graduação em Economia Aplicada da UFV. [email protected]

*** Pós-doutor em Economia pela Universidade da Flórida (UF) e doutor em Economia Rural pela Universidade do Estado de Michigan (MSU). Professor titular da Universidade Federal de Viçosa (UFV). [email protected]

**** Doutor em Economia e mestre em Economia Matemática e Econometria pela Universidade de Toulouse I Sciences Sociales. Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). [email protected]

EconomIa BaIana • 151

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IX ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2013 ECONOMIA BAIANA • 152

1. INTRODUÇÃO

O desempenho favorável do setor agrícola depende sobremaneira de condições

ambientais adequadas. De acordo com Göepfert et al. (1993), o clima é um dos principais

fatores limitantes e determinantes da produção agrícola, pois a seca na fase inicial das culturas

(semeadura e germinação) e o excesso de chuva na colheita, respondem por parcela

expressiva da redução das safras. Isso se verifica no Brasil, em que, de acordo com Pinto et al.

(2003), a grande dimensão territorial ocasiona considerável heterogeneidade climática e

condições que podem ser favoráveis ou desfavoráveis, dependendo da cultura agrícola.

Na região Nordeste, essa questão se torna particularmente importante, já que

apresenta grande heterogeneidade climática. Localizado na zona intertropical da Terra, no

Nordeste podem ser identificados três tipos de clima (tropical, semiárido e equatorial úmido).

Nessa região as chuvas não são bem distribuídas ao longo do ano, sendo essa característica

mais acentuada na região semiárida. Segundo Duarte (2010), a porção semiárida, que ocupa

57% do território nordestino, singulariza-se por ser castigada periodicamente por secas.

A questão da seca gera considerável atenção, pois parcela substancial da atividade

econômica do Nordeste é baseada na agropecuária. Quando ocorrem prolongados períodos de

estiagem, a produção agrícola fica comprometida, a pecuária é debilitada e as reservas de

água superficiais se esgotam (Duarte, 2010). Nessas condições, a vulnerabilidade das camadas

mais pobres da produção eleva-se consideravelmente. A geração de renda e emprego fica

comprometida, há aumento de pobreza e miséria, além dos efeitos indiretos sobre outras

regiões e centros urbanos, resultante de processos migratórios.

Na literatura especializada, em geral se aceita que os efeitos da seca são sentidos

principalmente por pequenos produtores e agricultores familiares. Esse fato é preocupante, já

que no Brasil cerca de 48% dos estabelecimentos agrícolas têm, no máximo, 10 hectares; se

for considerada a agricultura de subsistência, esse valor pode chegar a 84%. Somente no

Nordeste estão localizados 50% dos estabelecimentos de agricultura familiar. Além disso, a

agricultura de subsistência representa 75% da força de trabalho agrícola e é responsável por

aproximadamente 10% do PIB nacional (Guilhoto et al., 2007).

Nesse contexto, o presente estudo buscou analisar o desempenho da agricultura

nordestina em longos períodos de estiagem. Especificamente, buscou-se responder como as

culturas do milho, da cana-de-açúcar e da mandioca são afetadas pelos baixos níveis de

precipitação nos municípios da região Nordeste. O principal objetivo foi entender a

heterogeneidade dos impactos das secas sobre a agricultura regional e identificar quais os

estados e municípios que sofreram as maiores perdas de produção por hectare plantado. As

culturas foram escolhidas pela importância que elas exercem para os produtores familiares

como fonte de renda e alimentação, bem como por sua participação nas economias dos

Estados Nordestinos. Conforme nota do Banco Central do Brasil (2013) sobre Levantamento

Sistemático da Produção Agrícola (LSPA, IBGE, 2010), as culturas do milho, da cana-de-

açúcar e da mandioca, quando somados seus valores brutos de produção - VBP, representam

cerca de um terço de todo o VBP da agricultura do Nordeste.

A principal contribuição deste trabalho encontra-se na desagregação dos

resultados. Eles informam as perdas agrícolas médias para toda a região, para os Estados e

ainda revelam as variações médias de produtividade para os municípios produtores de milho,

cana-de-açúcar e mandioca de toda a referida região. A partir desses resultados, e do

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detalhamento deles, o desenho e a implementação de políticas de convivência com a seca

poderão ser mais precisos e bem planejados. O fato da estimação dos modelos ter levado em

consideração painéis de dados abrangentes, tanto no número de municípios quanto no extenso

período de 30 anos, possibilita maior entendimento da problemática.

Alem desta introdução, o trabalho está organizado em outras quatro seções. A

segunda apresenta uma breve revisão da literatura sobre o impacto das secas na atividade

agrícola nordestina. Na terceira é descrita a metodologia de análise que, basicamente, resume

todas as técnicas e variáveis utilizadas no estudo. Na quarta são discutidos os resultados

obtidos. Finalmente, a quinta seção resume as conclusões.

2. REVISÃO DE LITERATURA

A literatura científica, sob a qual foram desenvolvidas as análises deste trabalho,

está relacionada a duas abordagens distintas. Embora essas duas abordagens estejam voltadas

para problemas diferentes, quando reunidas, elas acabam por permitir uma compreensão mais

completa sobre o impacto do clima e também das mudanças climáticas na agricultura. A

primeira delas compreende estudos que recaem sobre os impactos de longo-prazo do clima

sobre os níveis de produção, lucratividade e produtividade agrícola, o que, certamente, recai

sobre o processo de aquecimento global (Dêschenes e Greenstone (2007); Evenson e Alves

(1998); Féres et al. (2009)). Numa outra perspectiva, existem estudos que também se

destinam a entender os efeitos do clima sobre a atividade agrícola, porém no curto-prazo.

Esses estudos, classe na qual também se enquadra este trabalho, procuram analisar a

influência de eventos ou choques climáticos de curto prazo, a saber, eventos extremos

climáticos (Legler et al. (1997); Adams et al. (1997); Roberts e Schlenker (2010)).

O trabalho de Roberts e Schlenker (2010) analisou se a produção agrícola

americana é sensível a eventos de calor extremo e verificaram que as lavouras têm sido pouco

suscetíveis a flutuações nos níveis de precipitação e, que, ao longo do tempo, a tolerância

delas ao calor diminuiu. Outro trabalho que também tratou de eventos climáticos extremos,

foi o realizado por Deng et al. (2010), o qual buscou identificar a relação entre a produção de

arroz e os eventos El Niño na província chinesa de Jianexi, na China. Esses autores

identificaram que os efeitos dos eventos El Niño ocorreram exatamente nos meses em que não

há produção de arroz. Baseado nos resultados expostos por esses trabalhos, nota-se uma

recente preocupação da literatura especializada com os efeitos econômicos de eventos

extremos, seja nos EUA, na China e, atualmente, em economias subdesenvolvidas como o

Brasil.

Especificamente sobre as secas nordestinas, Sampaio e Sampaio (2010) propõem

um modelo de impactos econômicos decorrentes da seca. A avaliação desses impactos é

proposta sobre o mercado de produto, sobre a distribuição de renda e sobre as transferências

governamentais. Algumas sugestões para políticas de combate as secas são propostas pelos

autores, ainda que a operacionalização do modelo não tenha sido quantificada. Segundo eles,

a ação mais importante seria a reposição de renda, pois, em períodos de seca, os preços dos

alimentos tornam-se mais elevados. Os principais apontamentos do trabalho são para a

geração de um mercado de água e também extensão da área irrigada.

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Outros trabalhos técnicos ou relatórios governamentais também expõem

evidências dos prejuízos trazidos para economia regional do Nordeste e também para todo o

Brasil. Segundo o relatório Economia da Mudança Climática (2010), estima-se que em anos

de seca as perdas somem entre 719 bilhões e 3,6 trilhões de reais, até 2050. Ainda, de acordo

com esse estudo e também confirmado por Pinto e Assad (2008), a região Nordeste terá seus

episódios de seca cada vez mais intensificados, decorrentes do processo de aquecimento

global. Além deles, o Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC, 2007) já

apontava a região nordeste do Brasil como uma das áreas globais que sofreriam maior

tendência, ao longo dos próximos anos, de aridez e estiagem.

3. METODOLOGIA

Para mensurar os efeitos de longos períodos de estiagem sobre o rendimento físico

de culturas agrícolas, a metodologia utilizada seguiu duas etapas (Féres et al.,2009; Cirino, et

al., 2011). A primeira refere-se a uma análise de regressão em painel com efeitos fixos que,

dentre outros aspectos, permitiu identificar os impactos das variações no regime de chuva

sazonal sobre os níveis de produtividade das três culturas analisadas. Na segunda etapa,

buscaram-se computar quais foram as perdas ou ganhos médios, em termos de produtividade,

apresentados pelos municípios e estados da região Nordeste do país, nos anos de ocorrência

de secas severas, considerando o período de 1970 a 2002.

3.1. Efeitos sobre a produtividade agrícola das variações climáticas

Em conformidade com Féres et al. (2010), esta etapa do estudo busca relacionar

os níveis de produtividade agrícola de cada município estudado com os níveis de precipitação,

de temperatura e suas respectivas características agronômicas, no período de 1970 a 2002.

Esses modelos exploram, assim como Féres et al. (2010) e Cirino et al. (2011), os efeitos

anuais das mudanças no regime de chuva e nas temperaturas dos produtos agrícolas

considerados. A equação 2 retrata essa relação:

, (1)

em que denota o rendimento em toneladas por hectare de uma certa cultura

agrícola , no município e num determinado ano ; é um conjunto de variáveis

referentes a temperatura e precipitação observadas em cada estação do ano nos municípios ao

longo dos anos1. As regressões representadas pela equação 2 foram acrescidas uma variável

de tendência ( ) e um termo de efeitos fixos ( )2. Ressalta-se que foram construídos seis

1 As variáveis de temperatura e precipitação também foram incluídas na forma quadrática, , para captar

possíveis relações não-lineares entre a produtividade e as variações climáticas (Dêschenes e Greenstone, 2007). 2 Nas regressões, optou-se por incluir um termo de efeitos fixos para controlar o viés de omissão de variável

relevante, uma vez que a produtividade agrícola é um fenômeno explicado por inúmeras variáveis além das

climáticas. Nesse caso, os efeitos fixos refletem aquelas características de cada município que são invariantes no

tempo. Adicionalmente, vale destacar que a tendência também foi incluída para captar efeitos que são invariantes

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painéis de dados, pelos quais cada regressão foi amostrada por municípios da região Nordeste

e cada cultura agrícola considerada, bem como seccionadas de acordo com os anos de

ocorrência de secas severas e anos de neutralidade (sem registro de secas).

Finalmente referem-se a um conjunto de coeficientes estimados, tal

que , e trata de um componente de erro aleatório. Todos esses parâmetros, e

também o componente de erro, variam para as regressões relacionadas a cada cultura , de

forma que . O índice foi criado a partir de técnicas de

estatística multivariada, sendo, portanto, um escore fatorial3. A principal justificativa para a

inclusão desse índice foi que a produtividade agrícola é, em termos de sua intensidade, um

fenômeno bastante amplo e explicado também por diversas variáveis agronômicas (ex.: tipo

de solo, altitude do solo, presença de água da terra plantada, uso de herbicidas e pesticidas,

entre outras.)

Quanto à qualidade de ajustamento das estimativas das regressões em painel

realizadas, foram adotadas algumas medidas de correção e também ajustamentos estatísticos.

No caso, os erros padrão foram reamostrados por bootstrap, com a finalidade de corrigir

possíveis problemas de autocorrelação e, ou, heterocedasticidade (Johnston e Dinardo, 1997).

3.2. Variação média da produtividade das culturas estudadas

Para mensurar a variação média da produtividade decorrente dos longos períodos

de estiagem foram utilizados os coeficientes das variáveis climáticas, especialmente aqueles

relacionados aos níveis de precipitação das estações do ano, e gerados os níveis de

produtividade estimados pelas regressões. Assim, em termos de efeito marginal, torna-se

possível computar a variação líquida sobre os níveis de produtividade agrícola em cada

município. Para tanto, fez-se uso da seguinte equação:

, (2)

em que denota a variação média das produtividades apresentadas ao

longo dos anos, por um município numa certa cultura agrícola s;

representa as condições climáticas em anos

de registros de secas severas e nos anos de neutralidade; e são os parâmetros estimados das

variáveis climáticas nas regressões representadas pela equação 1. Em especifico, o efeito das

secas, é captado pelos parâmetros estimados relacionados a e seus respectivos efeitos

marginais, para cada cultura . Os resultados encontrados nesta etapa final refletiram as

perdas ou os possíveis ganhos médios de produtividade que os municípios apresentaram em

todos os anos de registro de secas.

nos municípios, mas que mudaram com o passar do tempo, um exemplo seria a tecnologia. A variável de

tendência tem periodicidade anual e também específica nas estações do ano. 3 Para mais detalhes da metodologia de construção desse índice, vide a sub-seção da metodologia 3.3, que trata

da descrição das variáveis.

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3.4. Variáveis e Fontes de dados

Os dados utilizados neste trabalho foram provenientes da reunião de diferentes

levantamentos estatísticos em nível municipal. As informações de área plantada e produção

agrícola foram obtidas no IPEA-DATA que, por sua vez, realizou a coleta desses dados por

meio do anuário Produção Agrícola Municipal (PAM) do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE). As informações climáticas sobre os níveis de temperatura e precipitação

de cada município brasileiro considerado foram extraídas da base de dados CL 2.0 10’ do

Climate Research Unit (CRU) da University of East Anglia, cedidos com exclusividade pelo

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Por fim, os dados agronômicos também

foram extraídos do IPEA-DATA, que coletou os respectivos dados da Empresa Brasileira de

Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). A descrição das variáveis utilizadas é feita a seguir:

Produtividade média agrícola

As variáveis referentes às produtividades médias dos municípios nordestinos que

produzem milho, mandioca e cana-de-açúcar são provenientes da razão entre a quantidade

colhida (t) e a área plantada (ha), portanto foram expressas em t/ha. Durante a estimação,

foram considerados aqueles municípios que apresentaram dados de área plantada para as

culturas consideradas em cada Estado da região Nordeste. Durante as estimações, foram

considerados aqueles municípios que apresentaram dados de área plantada para as culturas

consideradas, no período de 1970 a 2002.

Variáveis climáticas

As variáveis climáticas utilizadas nos modelos estimados neste trabalho referem-

se aos níveis de temperatura ( ) e precipitação (mm) de cada município nordestino. Essas

variáveis climáticas são segmentadas em estações do ano para, finalmente, serem incluídas

nas estimações dos modelos econométricos.

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Índice Agronômico

Existem inúmeras variáveis que correspondem às características agronômicas dos

municípios nordestinos que, em conjunto, são responsáveis pela produtividade apresentada

por eles em cada cultura agrícola cultivada. Dentre elas destacam-se aquelas que recaíam

sobre o tipo de solo, altitude, disponibilidade de água e demais características

edafoclimáticas.

Ao invés de incluir todas essas variáveis nas estimações da equação 1, buscou-se

sintetizar essas informações em um índice agronômico (IA) que, em linhas gerais, teve por

objetivo resumir essas variáveis de acordo com suas características de correlação. Com essa

finalidade, o mais adequado foi recorrer a técnicas de estatística multivariada, em especial, a

análise fatorial por componentes principais. A partir dessa técnica foi possível obter um índice

ponderado que correspondesse a todas as 17 variáveis agronômicas. Salienta-se que foram

feitos testes a fim de verificar a adequabilidade da técnica de análise fatorial para os dados, o

teste de esfericidade de Bartlet e a estatística KMO - Kaiser-Meyer-Olkin (Mingoti, 2005)4.

Sobre o período da análise, todas as estimativas foram geradas para os dados

registrados entre os anos de 1970 a 2002. A análise é restrita até 2002 devido à

disponibilidade de dados climáticos para os anos seguintes. Além disso, a partir de relatórios

da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e do Departamento

Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) definiram-se os anos de registros de secas

prolongadas. Segundo eles os anos de estiagem prolongada foram: 1973/74, 1982/83,

1983/84, 1992/93, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001. Os demais anos desses 32 anos de

análise são considerados anos de normalidade, ou, anos que não houveram registros de

períodos prolongados de seca.

4 Para os resultados da Análise Fatorial e da elaboração do Índice Agronômico (IA) vide apêndice.

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4. RESULTADOS

Para examinar a ligação entre fatores climáticos e a produtividade agrícola,

utilizaram-se painéis de dados compostos por 1297 municípios da região Nordeste e em 32

anos compreendidos no período de 1970-2002. Em anos de registro de seca, esses painéis

apresentam dimensões de 1297 municípios em 10 anos, enquanto, nos anos de neutralidade, a

dimensão é dada por 1297 municípios em 22 anos. Os municípios cujos dados foram levados

em consideração por esta análise pertencem a 9 estados da federação.

Inicialmente, através de uma análise descritiva dos dados, observa-se que na

região Nordeste, em anos de registros de secas, a temperatura média se eleva e a precipitação

média se reduz. Destaca-se também que, até mesmo em anos de neutralidade, os níveis de

precipitação da região nordeste são comparativamente menores que a média nacional.

Enquanto em todo o país a média de precipitação municipal encontra-se em torno de 130 mm

anuais, na região Nordeste esse regime médio anual é cerca de 20% menor.

Figura 1 – Gráfico dos níveis médios de temperatura e precipitação, em períodos de seca e

neutralidade.

Fonte: dados da pesquisa.

Detalhadamente, um estudo da amostra revelou que os municípios de Anagé,

Aiquara, Alagoinhas, Alcobaça e Água Fria, todos eles do Estado da Bahia, apresentaram, em

anos de secas, os menores níveis de precipitação anual. Nos meses de junho, julho e agosto,

esses municípios apresentaram menos de 8% do regime anual de chuva do país.

Os modelos estimados neste trabalho foram dedicados a entender a relação entre a

produtividade agrícola municipal da Região Nordeste e os níveis históricos de temperatura e

precipitação observados. Na tabela 1, estão dispostas regressões estimadas referentes às

culturas do milho, da mandioca e da cana-de-açúcar, tanto em anos de seca quanto em anos de

neutralidade.

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Tabela 1 – Regressões estimadas para os níveis de produtividade das culturas de milho,

mandioca e cana-de-açúcar para a região Nordeste.

Nordeste Secas Neutralidade

Milho Mandioca Cana Milho Mandioca Cana

Precipitação_verão 0,004

(0,0005)

0,0095

(0,001268)

0,032***

(0,016)

0,0008***

(0,0001)

0,0002

(0,0008)

0,015*

(0,0086)

Precipitação_verão^2 -0,0000 (0,004)

0,0000 (0,000001)

-0,00014*** (0,000056)

-0,00006** (0,000007)

0,0000 (0,000007)

-0,00003 (0,00002)

Precipitação_outono 0,004***

(0,0003)

-0,008***

(0,00017

-0,013

(0,012)

0,0011***

(0,00008)

0,0016***

(0,0004)

-0,0034

(0,0067)

Precipitação_outono^2 -0,001*** (0,0001)

0,00009** (0,0000187)

0,00001 (0,00003)

-0,0002*** (0,000001)

-0,0004*** (0,0001)

0,0000 (0,000012)

Precipitação_inverno -0,00001

(0,002)

0,00156***

(0,000276)

0,0154

(0,01904)

0,0009***

(0,00001)

0,0014

(0,0009)

0,0119**

(0,00098)

Precipitação_inverno^2 -0,0001*** (0,00001)

-0,0082* (0,0085)

-0,00006 (0,0005)

-0,0002*** (0,000003)

-0,0004* (0,0002)

-0,00003 (0,000023)

Precipitação_primavera 0,0015***

(0,0004)

0,0010

(0,0023)

-0,0201***

(0,00242)

0,06***

(0,00028)

0,00005

(0,0015)

0,0162

(0,01683)

Precipitação_primavera^2 -0,0002*** (0,000003)

0,000001 (0,00001)

0,00012 (0,0001)

-0,0007*** (0,00008)

-0,00001* (0,000008)

-0,00015 (0,000096)

Temperatura_verão 0.4209**

(0.2023)

0,8226

(1,100)

-15,86***

(8,865)

-0,334***

(0,0674)

-0,2454

(0,4824)

-2,831**

(1,8144)

Temperatura_verão^2 -0,0094** (0,0037)

-0,0155 (0,0211)

0,312** (0,0223)

0,0064*** (0,0013)

0,0041** (0,0009

0,0708 (0,0929)

Temperatura_outono -0,777***

(0,1734)

-0,0903***

(0,0006)

10,187*

(8,42)

0,07981

(0,1332)

-0,349

(0,5543)

-8,4801***

(2,9211)

Temperatura_outono^2 0,0154*** (0,0034)

0,0003 (0,0130)

-0,211 (0,184)

-0,0006 (0,0026)

0,0069** (0,000186)

0,1508 (0,1760)

Temperatura_inverno 0,8765***

(0,1050)

-0,5613**

(0,0654)

-3,051

(7,2106)

0,4779***

(0,0759)

0,7343***

(0,0511)

1,9413*

(2,631)

Temperatura_inverno^2 -0,019*** (0,0021)

0,0123* (0,01032)

0,0567 (0,1456)

-0,01325*** (0,00154)

-0,0133 (0,010)

-0,0382 (0,1154)

Temperatura_primavera -0,2647**

0,1334

0,027***

(0,0003)

-3,861

(6,389)

-0,9227***

(0,098)

-0,4388

(0,5866)

1,8311***

0,0119

Temperatura_primavera^2 0,0057**

(0,0026)

0,0004

(0,123)

0,0691

(0,1252)

0,0189***

(0,001919)

0,0069

(0,0113)

-0,037

(0,1269)

Índice Agronômico 0,002769**

(0,057)

0,000198**

(0,012)

0,000145**

(0.0061) 0,0031 (0.023)

-0,000214***

(0.1080)

0.00169**

(0.0876)

Constante -1,888

(3,273)

-1,893

(18,05)

193,1

(178,27)

10,234***

(1,934)

6,077

6,211

117,36*

(80,34)

Dummy_1970 1,086***

(0,049)

-1,2201***

(1,193)

0,058*

(0,509)

0,054*

(0,0286)

-0,012***

(0,0286)

0,0174***

(0,0549)

Dummy_1980 0,673***

(0,039)

-10,202***

(1,975)

0,0459

(0,189)

0,259***

(0,3195)

-0,037***

(0,0032)

0,0014**

(0,0109)

Dummy_1990 0,210***

(0,052)

-0,460***

(1,541)

0,026***

(0,238) 0,4691***

(0,372)

-0,1945***

(0,00344)

0,0141***

(0,341)

Dummy_2000 0,359***

(0,047)

-0,0945***

(0,02886)

0,0629**

(0,0255) 1,342***

(0,062)

-0,2021***

(0,0161)

0,051***

(0,321)

Fonte: dados da pesquisa.

Nota: ***,** e * indicam significância estatística aos níveis de 1, 5 e 10%, respectivamente. Em parêntesis,

encontram-se os erros-padrão relacionados aos coeficientes estimados.

De modo geral, em conformidade com os resultados expostos na tabela 1, os

níveis de precipitação e temperatura foram estatisticamente significativos para explicar a

produtividade das três culturas estudadas. Também se verificou que, em sua maioria, as

variáveis quadráticas foram estatisticamente significativas, revelando uma possível não-

linearidade entre as variáveis. Esse resultado converge com aqueles encontrados por Féres et

al., 2010. As dummies temporais incorporadas nos modelas tinham como função traduzir a

evolução de características que não foram observadas no tempo, como o processo de

modernização agrícola, mas que, definitivamente, explicam a produtividade agrícola. Nesta

tentativa, constatou-se que todas elas foram significativas e que, em suma, acabaram captando

os efeitos do progresso tecnológico agrícola nos últimos anos.

EFEITOS DA SECA SOBRE A PRODUTIVIDADE AGRÍCOLA DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO NORDESTE

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IX ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2013 ECONOMIA BAIANA • 160

É possível também discutir os sinais dos coeficientes estimados, uma vez que

todos eles demonstram os efeitos que os condicionantes climáticos exercem sobre a

produtividade agrícola, configurando, portanto, os períodos de safra e entressafra destas

culturas. No caso dos cultivos da mandioca e do milho, verificou-se que, nos períodos de

primavera e verão, as elevações nos níveis de temperatura e precipitação implicaram em

aumentos nos níveis de produtividade. Sobre a magnitude dos coeficientes, todos eles revelam

os ganhos incrementais de produtividade agrícola devido ao aumento de 1 mm de precipitação

ou 1º C nas temperaturas sazonais. Nesse contexto, observa-se que, em anos que houve

registros de secas, os níveis de precipitação tendem a influenciar com menos intensidade os

níveis de produtividade de culturas como o milho. Ainda, de acordo com os coeficientes

estimados, nota-se que, em anos de seca, a mandioca e a cana-de-açúcar tem seus níveis de

produtividade menos influenciados pelas variáveis climáticas.

Numa segunda etapa, o estudo buscou estimar os efeitos marginais que as

variações nos níveis de precipitação, em anos de seca, causam sobre o desempenho das

culturas agrícolas estudadas. Para este cômputo, foram extraídas as diferenças entre os

coeficientes das regressões relativos aos anos de seca e de neutralidade e, finalmente,

multiplicados pelas temperaturas e precipitações amostradas em cada município nordestino.

Esses valores foram agregados em médias para os 30 anos analisados e revelam as perdas de

produção por hectare colhido na região, nos Estados e também nos municípios. Na tabela 2,

encontram-se os resultados encontrados.

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Tabela 2 – Variação média da produtividade das culturas de cana-de-açúcar, mandioca e

milho para os estados da região Nordeste.

Cana-de-açúcar

Região/Estados Municípios Secas Neutralidade Var. Produtividade

Média (%)

Nordeste 1297 20,87 21,32 -2,2

Maranhão 113 17,45 21,05 -17,1

Piauí 80 19,60 21,07 -6,9

Ceara 138 20,50 21,47 -4,5

Rio Grande Norte 147 20,73 21,29 -2,6

Paraíba 168 21,20 21,28 -0,4

Pernambuco 163 22,23 21,31 4,3

Alagoas 87 22,03 21,52 2.4

Sergipe 74 21,94 21,47 2,0

Bahia 327 22,16 21,49 3,1

Mandioca

Nordeste 1297 1,89 1,911 -1,1

Maranhão 113 1,39 2,01 -30,8

Piauí 80 2,62 2,17 20,7

Ceara 138 2,02 1,97 2,5

Rio Grande Norte 147 2,05 1,86 10,2

Paraíba 168 1,92 1,82 5,5

Pernambuco 163 2,47 1,84 25,5

Alagoas 87 1,17 1,84 -36,4

Sergipe 74 1,83 1,85 -1,1

Bahia 327 1,58 1,843 -14,3

Milho

Nordeste 1297 0,41 0,49 -17,26

Maranhão 113 0,35 0,32 9,3

Piauí 80 0,31 0,44 -0,29

Ceara 138 0,29 0,36 -0,19

Rio Grande Norte 147 0,39 0,42 -7,14

Paraíba 168 0,32 0,54 -40,7

Pernambuco 163 0,38 0,53 -28,3

Alagoas 87 0,41 0,58 -29,3

Sergipe 74 0,48 0,60 -20,0

Bahia 327 0,41 0,67 -38,8

Fonte: dados da pesquisa.

De acordo com os resultados da Tabela 2 para os anos de secas, verificou-se que

grande parte dos estados produtores de milho, cana-de-açúcar e mandioca sofreram perdas

médias de produtividade. Toda a agricultura da região nordeste parece ser bastante afetada

nos anos de seca, mas as culturas da mandioca e da cana-de-açúcar são bastante tolerantes a

esses períodos. Na média dos anos em que houve registros de secas, as culturas de cana e

mandioca tiveram sua produtividade reduzidas numa média de 2% e1%, respectivamente. Por

outro lado, seja pelos coeficientes estimados na tabela 1 ou nas perdas somadas na tabela 2, o

milho foi a cultura mais susceptível a baixos índices de precipitação.

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No caso do cultivo do milho, os municípios dos Estados da Paraíba e da Bahia

foram os mais prejudicados, isto é, cerca de 40% é a redução da produtividade. Dentre eles, as

perdas registradas na Bahia são preocupantes, uma vez que a mandioca e o milho são bastante

produzidos por agricultores familiares. Outros resultados, como aqueles encontrados por

Cirino et al. (2012), revelam que essas perdas são potencializadas nos anos de El Niño, ou

seja, anos que as secas são mais intensas. Resultados como esse sugerem que as perdas do

Milho, da ordem de 40% na Bahia, possam chegar por ocorrência do El Niño a 60%.

Os mapas da figura 1 ilustram, em vermelho, as perdas de produtividade de todos

os municípios produtores de cana, milho e mandioca da região Nordeste. Esses resultados

referem-se às perdas obtidas por esses municípios ao longo de 30 anos, e, referente a

intensidade destas perdas, ao lado de cada mapa estão dispostas as respectivas legendas.

Fonte: dados da pesquisa.

Figura 1 – Mapas da variação de produtividade (t/ha) das culturas de cana-de-acucar,

mandioca e milho nos municípios da região Nordeste do Brasil, segundo os efeitos das secas.

A região Nordeste é onde historicamente registraram-se as maiores perdas

agrícolas e pecuárias relacionadas às secas severas, conforme dados do Departamento

Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS, 2012). Referente a esses efeitos e junto da

redução da disponibilidade hídrica, a maioria dos municípios nordestinos tem a segurança

alimentar comprometida. Neste estudo, verificou-se que, em anos de ocorrência de secas, as

produtividades médias dos municípios produtores tendem a serem reduzidas. Como ilustrado

nos mapas da Figura 1, prejuízos agrícolas são constatados em municípios de quase todos os

estados. A Bahia, o maior produtor de milho e mandioca da região Nordeste, apresentou um

elevado número de municípios que tiveram suas atividades agrícolas prejudicadas e que,

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muito além de perdas nos níveis de produtividade, tiveram suas lavouras totalmente

comprometidas. De acordo com o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola – LSPA

(IBGE, 2012), em 2011, a produção de milho baiana sofreu perdas de 12,7%, em sua maioria

conduzida pelas secas.

Todo o cerrado nordestino apresenta uma drástica redução nos níveis médios de

produtividade, o que, em certo grau, inviabiliza o cultivo do milho. As perdas não se

concentram apenas no cerrado, elas passam pelo semi-árido e, no caso da cana-de-açúcar, são

mais intensivas nas regiões litorâneas da porção Norte dessa região.

Outro efeito importante das estiagens refere-se à redução na produtividade dos

gêneros como milho e mandioca, que são essenciais na produção de subsistência de pequenos

produtores rurais. Neste estudo, foi verificado que os municípios mais produtivos nessas

lavouras eram aqueles situados no Oeste e Norte da Bahia (cerrado nordestino), e, em

conformidade com a Figura 3, foram eles os mais prejudicados. As perdas relacionadas a

esses municípios podem chegar a 15% e 16% da produtividade média nas culturas da

mandioca e da cana-de-açúcar, e no caso do milho, todo o cultivo pode ser comprometido.

O contrário é notado nos anos de neutralidade, pois, conforme Cirino et al. (2012),

alguns desses anos são coincidentes com a formação de La Nina no Oceano Pacífico. Anos

que foram registrados a ocorrência desse fenômeno marcam a chegada das frentes frias a

região Nordeste, o que, normalmente garantem níveis de precipitação acima da média. Essa

maior possibilidade de chuvas, quando efetiva nas fases em que as culturas mais necessitam

de água, permite um desempeno agrícola favorável. Baseado num estudo específico da

amostra, neste estudo foi verificado que, em anos de La Niña e sem registro de secas,

praticamente todos os municípios nordestinos apresentaram aumentos nos níveis de

precipitação, ainda que comparado a média nacional fossem índices pluviométricos baixos.

Esse relativo aumento das precipitações, quando marcados nas estações corretas, foi suficiente

para elevar os níveis de produtividade de todas as culturas estudas nesta pesquisa. Em termos

regionais, a Bahia apresentou ganhos significativos de produtividade na média desses anos,

apresentando aumentos de 14%, 23% e 37% para as culturas da cana, da mandioca e do

milho, respectivamente.

Quando analisados os mapas da Figura 1, alguns municípios tiveram suas áreas

preenchidas com a cor azul, indicando variações positivas nos níveis de produtividade. No

entanto, esse desempenho de produtividade municipal não pode ser entendido como ganho,

afinal os resultados revelaram que estas culturas teriam sido pouco afetadas em anos de seca.

Além disso, mesmo em que em anos de seca esses municípios tenham variações positivas de

produtividade, sem registro desse fenômeno, certamente, eles poderiam apresentar níveis

ainda mais elevados.

Aspectos geográficos também foram observados nesta pesquisa. O cultivo da cana

concentrou perdas nas regiões de caatinga, que, de acordo como IBGE (2012), são áreas de

desenvolvimento da agricultura de sequeiro, na qual 27 milhões de pessoas estão ligadas ao

cultivo dessa cultura. O cultivo da mandioca é bastante difundido por toda a região, e por isso

apresentou perdas significativas, mas de forma bastante heterogêneas espacialmente. Isto, de

fato, sinaliza reduções na renda do produtor agrícola familiar ou na sua subsistência, afinal a

mandioca é matéria prima de diversos produtos alimentares.

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IX ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA – SET. 2013 ECONOMIA BAIANA • 164

5. CONCLUSÃO

O desempenho favorável da atividade agrícola, junto das atividades pecuárias,

confere a economia brasileira quase um terço de toda a produção interna, garante a promoção

de divisas externas na comercialização de commodities e ainda garante a disponibilidade e a

oferta de alimentos. No entanto, toda a produtividade da agricultura é vulnerável aos

condicionantes climáticos, principalmente, os fenômenos ligados as baixas precipitações.

Nesse sentido, o presente estudo buscou averiguar os efeitos causados pelas secas na

produtividade agrícola da região Nordeste do Brasil.

Em anos de ocorrência de secas, notou-se que a produção de mandioca, cana e

milho é bastante reduzida. Ainda que bastante afetadas, o cultivo da mandioca e também da

cana mostraram-se bastante tolerantes aos períodos de secas, isto é, em alguns municípios a

variação média da produtividade ainda foi positiva. Em contrapartida, as lavouras de milho

sofrem perdas heterogêneas em toda a região Nordeste, concentrando-se principalmente no

cerrado baiano e em quase toda a caatinga. De um modo geral, as perdas de desempenho

agrícola foram constatadas e são preocupantes. A grande maioria dos resultados encontrados

neste estudo está ligada ao comprometimento da segurança alimentar de produtores familiares

e também a redução de renda.

Os formuladores de política pública precisam desenvolver medidas de longo prazo

e não apenas ações emergenciais. Garantir o abastecimento de água para o produtor rural e a

estocagem de alimentos são duas ações fundamentais. Nessa perspectiva, um plano adequado

de gerenciamento dos recursos hídricos deve ser traçado, tendo como metas principais a

definição de um mercado de água e, ou, ampliação da área irrigada. Além disso, deve-se

investir, em perenização de rios e poços artesianos, transposição de rios, construção de

barragens de médio porte e assistência técnica aos produtores. Além dessas ações, não são

dispensados esforços emergenciais e de convivência com a seca.

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