Economuseu da Ilha Da Madeira

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Conceito e constituição de um Economuseu

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    Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias

    Departamento de Museologia

    Economuseu

    Casa de Bordados

    Ana Teresa de Macedo Klut

    Dissertao apresentada na ULHT para obteno do grau de Mestre em

    Museologia

    Orientador: Mrio Canova Moutinho

    Coorientador: Fernando Joo Moreira

    Lisboa 2003

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    Apresentao

    A ossatura em que assenta este projecto de museologia articula-se em trs momentos,

    expresso de um Leitmotif necessrio coerncia do trabalho que se pretende

    corporizar.

    Respeitando as cautelas metodolgicas interessa-nos sumariar a lgica subjacente ao

    presente trabalho: cada uma das trs partes tem o seu centro de gravidade num elemento

    crucial.

    A primeira privilegia o elemento histrico sem o qual seria impossvel concluir

    da importncia do bem cultural em questo, das suas potencialidades fsicas, sociais e

    culturais. Este momento destina-se justificao do Bordado da Madeira, no seio do

    artesanato regional, como fora geradora de um determinado museu, sendo necessrio

    estabelecer o seu traado histrico para determinar a sua legitimidade como bem

    patrimonial e questionar a sua permanncia em termos futuros.

    O segundo o porqu do modelo museologico escolhido o economuseu tendo em

    conta uma evoluo dos pressupostos tericos sobre a museologia, legitimando a escolha

    deste modelo como o mais adequado.

    O terceiro momento implica o projecto de Economuseu com os seus contornos e

    pressupostos, aplicados a uma fbrica de bordados. Neste mesmo momento, e porque lhe

    indissocivel, apresenta-se a componente edifcio (1) onde se desenrolar a narrativa

    museolgica, dotando uma empresa tradicional, que se pretende revitalizada, da vocao

    e projecto cientifico de um museu o projecto Economuseu Casa de Bordados pondo

    em dilogo a museologia e a economia.

    Este momento constitui a smula e convergncia dos momentos que o precederam.

    1 Sobre o edifcio seleccionado, foi agregada uma adenda no final do trabalho com o propsito de dar conta

    de um incndio ocorrido no referido edifcio, aps concluso da redaco da presente dissertao.

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    Abstract

    This piece of work is organised in three parts that are the expression of a Leitmotif

    substantive to the works coherence. They constitute the framework in which the

    museology project will settle.

    Concerning the methodology cautions it is important to summarise the subjacent logic

    behind the edification of this work: each of the three parts has its gravity centre set in a

    specific element.

    The first privileges the History, a relevant element to ascertain the importance of this

    cultural good, its physical, human and cultural potentialities. This moment is destined to

    justify the Madeira Embroidery, amongst the regional handicrafts, as a generator strength

    and a starting point to a specific museum, and the need to trace its history is also crucial

    to determine its legitimacy and permanence in future terms.

    The second moment why was the economuseum chosen to be the museological model to

    be installed. It concerns an evolution of museology concepts and theories in order to

    endorse this model as the most suitable one.

    The third implies the economuseum project, its contours and presuppositions, applied to

    an embroidery factory. At this point, and as it appears as a fundamental issue, the

    building (1) in which the museological discourse will take place, is presented. By

    endowing a traditional business, renewed and revitalised, with the scientific project of a

    museum the Embroidery Factory Economuseum emerges a dialogue between

    museology and economy.

    This moment amalgamates and summarises the two preceding moments.

    1 Concerning the selected building, an addendum was added to the final part of this dissertation , in order to report a fire which occurred in the building, after the essay was already written.

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    ndice de Matrias

    Captulo I

    O BORDADO DA MADEIRA

    1.Introduo:

    1.1-Porqu o Bordado da Madeira

    Pg.1

    2- Histria do Bordado da Madeira

    2.1 A Industria

    2.2 A Regulamentao Das Fases De Produo

    2.3 As Fases De Produo

    2.4 A Obra

    Pg.7

    Pg. 12

    Pg.20

    Pg.24

    Pg.40

    Captulo II

    PRESSUPOSTOS TERICOS SOBRE A MUSEOLOGIA

    1.1 Da Memria

    1.2 Do Objecto Museolgico

    1.3 Da Museologia

    Pg.48

    Pg.52

    Pg.55

    2- O Economuseu :

    2.1A vertente Museolgica

    2.2- A vertente Empresarial

    2.21 A Gesto

    Pg.67

    Pg.70

    Pg.72

    2.2.2 - O Marketing

    2.2.3- A Qualidade

    Pg.74

    Pg.76

  • 5

    Captulo III

    O ECONOMUSEU

    1. Economuseu Casa de Bordados

    1.1 Projecto de Estruturao do Economuseu

    1.2 - Um Economuseu Para Qu ?

    Pg.79

    Pg.80

    Pg.81

    1.2.1 - Metodologia

    1.2.2 - Pertinncia

    1.2.3 - Exequibilidade

    2 O Economuseu Casa de Bordados

    a) Estrutura Espacial

    b) Estrutura Funcional

    Pg.86

    Pg.88

    Pg.93

    Pg.98

    Pg.101

    Pg.103

    3. Consideraes Finais

    Bibliografia

    4. Adenda

    Pg.109

    Pg.111

    Pg.114

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    ndice de Imagens

    Postal N.1- Venda de artesanato feita pelos Bomboteiros Pg.22

    Fot. N.1- Escola do Grmio na Freguesia de Cmara de Lobos Pg.25

    Fot. N.2 - Escola do Grmio na Freguesia de Machico Pg.26

    Fot. N.3 - Construo de um desenho original para bordado da Madeira Pg.29

    Fot.N.4 - Pormenorizao de um desenho original Pg.30

    Fot.N.5 - Preparao para Picotagem Pg.31

    Fot.N.6 Pormenor de Picotagem Pg.31

    Fot.N.7 Contagem de pontos industriais Pg.32

    Fot.N.8 Material para estampagem Pg.33

    Fot.N.9 Pormenor de estampagem Pg.34

    Fot.N.10 - Pormenor de tecido estampado Pg.35

    Fot.N.11 - Bordadeiras domicilirias Pg.36

    Fot.N.12 - Artria central da cidade do Funchal datada de 1919 Pg.93

    ndice de Quadros

    Quadro N.1 Exportao de Bordados de Janeiro a Dezembro de 2001 Pg.40

    Quadro N.2 Exportao e venda local de bordados de 1996 a 2002 Pg.42

    Quadro N.3 Levantamento de bordadeiras por Concelho Pg.46

    Quadro N.4 Tabela de Contagem de Pontos industriais datada de 1935 Pg.49

    Quadro N.5 15 questes prticas de exequibilidade de um Economuseu

    Syril Cimard, Leconomuseologie,1989

    Pg.84

    Quadro N.6 VAB a preos de base para a R.A.M. de 1995 a 1999 Pg.94

    Quadro N.7 Organograma Espacial Pg.104

    Quadro N.8 Organograma Funcional Pg.105

  • 7

    CAPITULO I

    O BORDADO DA MADEIRA

    1- INTRODUO

    1.1 PORQU O BORDADO DA MADEIRA?

    2 - A HISTRIA DO BORDADO DA MADEIRA

    2.1- A INDSTRIA

    2.2 A REGULAMENTAO DA INDUSTRIA DE BORDADOS

    2.3 AS FASES DE PRODUO

    2.4 A OBRA

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    1.1-PORQU O BORDADO DA MADEIRA ?

    Importa aqui traar a importncia do bordado e da posterior implementao da indstria

    de bordados na sociedade madeirense, com as nuances que lhe esto inerentes, para se

    estabelecer com maior pertinncia o impacto deste museu da indstria de bordados,

    referente de uma herana tangvel da cultura da Ilha da Madeira. A palavra indstria, ao

    nos referirmos produo do Bordado da Madeira, no ser o lexema mais correcto,

    porque no se trata de uma produo industrial no seu sentido pleno, mas antes um misto

    de fabricao em srie e de trabalho caseiro, executado manualmente, sem recurso a

    maquinaria distintiva. No entanto, e a favor de uma fluidez discursiva, ser usado este

    termo para referenciao da actividade supra citada.

    Julgamos imperioso definir neste momento, o contedo do conceito operatrio do

    bordado: o bordado consiste na aplicao de fio sobre uma tela penetrvel, atravs de

    uma agulha, instrumento que determina a essncia tcnica do ponto. O bordado da

    Madeira constitui um tipo peculiar de bordado, assente numa base espacial prpria, o

    Arquiplago da Madeira, executado segundo um vasto manancial de tcnicas,

    importadas na sua maioria, mas sujeitas a uma adaptao local.

    No entanto, no s o bordado que importa relevar, mas toda a componente histrica,

    social, cultural e econmica que envolve esta actividade e os traos distintivos que os

    contornos da ilha lhe incutiram.

    O quadro social e econmico de produo artesanal, onde se insere o bordado, desloca-se

    ao ritmo da prpria mudana social e assume, em cada contexto de produo, diferentes

    significados e percursos.

    No seu traado, o bordado da Madeira surgiu emergente do universo individual e da

    representao da memria, aviventada pela bordadeira como expresso de uma

    identidade cultural.

  • 9

    Com o decurso do tempo, perdeu-se este trao intimista e familiar que o marcou nos

    tempos primordiais, com o eclodir de um produto reinvestido de novos usos e

    funcionalidades, contextualizado numa dimenso transposta a uma escala mundial, muito

    para alm dos contornos fsicos da Ilha.

    A apreciao deste produto artesanal indissocivel da anlise da envolvente humana e

    paisagstica em que se insere. O valor do produto artesanal, como de toda a cultura

    material, nunca absoluto, sendo sempre relativizado pelo aprisionamento ao espao e ao

    tempo, com as flutuaes que lhe so conhecidas. O bordado da Madeira, como produto

    artesanal, s far sentido se subjacente actividade desta comunidade que lhe deu

    origem, porque essa a genuna essncia do artesanato e o desafio que lana sociedade

    de consumo. O produto assim referenciado, apela de imediato aos universos individuais

    e colectivos que o geram, sendo esta a sua principal riqueza. Deste quadro no

    excepo o bordado, a bordadeira e os outros profissionais do sector, e a prpria Ilha da

    Madeira. A procura de smbolos e a descoberta de percursos nicos torna apetente este

    produto artesanal no mundo contemporneo, tido como estandarte da Ilha que o traz

    como pano de fundo, a par do vinho com o mesmo nome.

    A especializao e a criao de uma imagem de marca, necessrios afirmao deste

    artigo em mercados nacionais e estrangeiros, faz associar o produto Bordado da Madeira,

    a esta ilha, contribuindo para que a Regio seja uma referncia mundial a nvel da

    produo artstica e do artesanato que nela se produz.

    falso e mistificador eleger um nico produto como representativo do artesanato de uma

    regio: to diverso o artesanato quanto as realidades individuais em que produzido, o

    contexto de produo e especificidade cultural. O artesanato, como expresso mais

    legtima das tradies culturais e laborais da Ilha, atinge um papel singular de grande

    impacto popular, dentro e fora das fronteiras insulares.

    As obras dos artesos madeirenses espelham uma criatividade, rica de devoo s coisas

    simples, uma sabedoria que fruto da experincia, da vivncia interiorizada das coisas

    feitas, de um saber transmitido das geraes anteriores.

  • 10

    Os anais da histria da Madeira, no que se reporta ao artesanato, foram escritos sessenta e

    cinco anos depois do primeiro povoamento da ilha. Por volta de 1425 j rezavam as

    crnicas a propsito das coisas que as gentes da ilha eram capazes de fazer em giesta. As

    naus levavam para Lisboa e da para o interior da Europa, alvos cestos dessa retama, que

    na poca conquistaram o reino e os pases estrangeiros de relaes com Portugal.

    Possivelmente a maior riqueza do artesanato da Madeira reside na diversidade das suas

    origens: os primeiros colonizadores tero vindo de todo o Portugal e posteriormente do

    Norte da Europa, da Pennsula Italiana, de frica e de Marrocos. Cada povo era detentor

    dos seus conhecimentos, aptides, artes e ofcios, experimentaes, receitas, costumes e

    tradies, moldando o artesanato como um saber emergente dessa sumula, melhorado,

    com o passar do tempo, pela permuta de tcnicas e valores.

    Recorde-se a este propsito e como resultado directo de um saber hbrido, as mltiplas

    manifestaes que o artesanato regional ostenta: os segredos de curtir as peles, de

    preparar o marroquim e o cordovo alvo, base da produo da nossa tpica bota ch

    (parte integrante do traje regional), que tida como uma adaptao da bota mourisca; os

    lavores femininos, tero sido trazidos pelos colonizadores do Norte do Pas, que consigo

    trouxeram os teares medievais, onde se tecia o linho da terra, a estopa e a seriguilha de l;

    a maleabilidade de trabalhar o vime, matria-prima que pontua a paisagem das zonas

    rurais, acompanhou os pioneiros habitantes da ilha que, certamente, se viram compelidos

    a recorrer a essa arte, para colmatar algumas carncias de utenslios nas suas lides

    caseiras e agrcolas; o elaborado compromisso entre a arte e o artesanato atravs dos

    preciosos embutidos de madeira.

    Uma outra vertente so as sensveis demonstraes de arte popular que tanto colorido

    deram aos nossos arraiais como as bonecas de massa, as flores de papel, a obra de cana

    vieira, os barcos em miniatura.

  • 11

    Ainda outro aspecto das manifestaes artesanais, o ldico, como o ilustram os

    brinquedos tradicionais, os carrinhos de cana e verga e as "joeiras" ou papagaios de

    papel, passando pelos instrumentos musicais, o tpico tocar da braguinha ou o ritmo do

    Brinquinho.

    Ainda o pragmatismo dos utenslios vindos das oficinas dos picheleiros, que permitiam

    que os leiteiros andassem de porta em porta, vendendo o leite " medida"em recipientes

    feitos de folha zincada.

    Tantas sero as manifestaes artesanais, quanto o empenho em salvaguardar, no

    presente e no futuro, os autnticos valores culturais celebrando-os com a dignidade que

    merecem e rejeitando as imitaes e os artefactos de duvidosa qualidade e gosto.

    A nossa identidade pode ser revisitada na Arte e Tradies populares, caso estas

    manifestaes mantenham inalterada a qualidade dos seus artefactos e a veracidade nos

    seus usos e costumes.

    O Bordado da Madeira (e de certa forma, a tapearia) de incontestvel singularidade,

    destaca-se pela fama que conquistou no mundo inteiro.

    Ao enfatizar o bordado, distinguindo-o das demais artesanias, ser sempre na perspectiva

    de privilegiar um produto entendido como artesanato artstico, dignificar um contexto de

    produo sui generis e evidenciar um contexto econmico, distante do restante

    artesanato, com valores de exportao e venda local que continuam a ter grande impacto

    na economia regional. a actividade artesanal que emprega maior numero de pessoas,

    quer no espao fabril, quer em espao domicilirio, constituindo as bordadeiras uma

    classe distinta dos demais artesos.

  • 12

    No existe, no presente momento, literatura edificada sobre a histria dos bordados da

    Madeira e a reconstituio histrica que traada, baseada em vrios artigos avulsos, de

    revistas, jornais e livros, que a este assunto dedicam um captulo. Muita da literatura

    acerca da temtica (parte dela em lngua estrangeira) mais no faz do que descrever

    pictoristicamente as bordadeiras ou analisar a questo sobre um prisma estritamente

    econmico. Na comunicao social regional, o bordado da Madeira sempre foi tema de

    celeumas entre as vrias frentes de interesses e de opinies divergentes.

    No um assunto que nos deixe indiferentes.

  • 13

    2 - A HISTRIA DO BORDADO DA MADEIRA

    O Bordado da Madeira uma amalgama de vrias vicissitudes e interferncias, uma

    histria tocada por conotaes externas, achegada a um saber - fazer Ihu.

    A tradio portuguesa est na origem do bordado que se fez na Madeira, pela primeira

    vez. As primeiras bordadeiras tero chegado por volta de 1425, no incio do povoamento

    da Ilha, por entre os colonos do Minho e do Algarve, trazendo consigo os conhecimentos

    das regies donde haviam partido. A simplicidade dos motivos bordados, que pode ser

    encontrada em alguns trabalhos do Norte e Sul de Portugal, comprova a sua filiao

    inicial. Eram composies ingnuas, de fiadas de ilhs, geometricamente ordenadas em

    meios arcos de crculos ou linhas quebradas, sendo por vezes mais elaboradas e

    simtricas.

    A influncia portuguesa intensifica-se, j pelos scs. XVI, XVII e XVIII, nos trabalhos

    conventuais, de grande preciosismo e resistncia, que se faziam nos conventos de Santa

    Clara, das Mercs e da Encarnao. O cariz de perfeio destes bordados notrio,

    visvel na sua aplicao aos paramentos litrgicos, bordados a matiz, ouro e prata.

    Na Exposio da Industria Madeirense que se realizou no Palcio do Governo a 1 de

    Abril de 1850, por obra do Conselheiro Jos Silvestre Ribeiro, foi dado um grande relevo

    a muitas das artesanias regionais. Temos conhecimento da existncia de "()obras de

    palha de verga de giesta e de vime- obra-de-cera- flores e frutos artificiais- bordados e

    lavores(...) ." No relatrio do jri pode ler-se a referncia: "() bordados em seda a

    matiz com guarnies de froco, de nastro e de ouro, em diferentes quadros, tudo feito

    com muito aceio e belesa. (.) Bordados de passe em fil, bem acabados e de bom gosto

    (.) Bordados brancos diversos de muito merecimento. ".

    A convite da rainha Vitria, em 1851 a Exposio das Indstrias Madeirenses foi

    apresentada em Londres no edifcio denominado Hyde Park, incorporada na Exposio

    da Indstria de todas as naes em amigveis relaes com a Gr - Bretanha. A feira

    realizada na Madeira e a ida do bordado a Londres, fez com muitos olhares se dirigissem

    para esta indstria emergente.

    Muito do interesse pelo bordado que se fazia na Madeira ficou a dever-se a uma senhora

    inglesa, Elisabeth Phelps, que viveu no Funchal por volta de 1860. Esta ter admirado a

  • 14

    perfeio dos bordados feitos no Convento de Santa Clara, e motivado as raparigas para a

    execuo de novos pontos do seu conhecimento. Ter sido este o momento de introduo

    do bordado ingls na Ilha da Madeira e o ponto de partida para a sua posterior difuso

    na Inglaterra, levado por Miss Phelps para junto das senhoras da alta sociedade inglesa.

    O seu papel isolado no , por si s, a justificao para a profuso do bordado, nem para

    a rpida expanso que teve na Ilha junto da populao feminina, j que, em 1862, havia

    1029 bordadeiras dispersas pelo territrio insular.

    O desenvolvimento da indstria dos bordados esteve relacionado com o enfraquecimento

    da produo e comercializao do vinho, na sequncia de molstias que atacaram a vinha,

    como o odio e a filoxera. O espao agrcola apresentava-se insuficiente para a satisfao

    das necessidades dos seus ocupantes. A adeso da populao feminina a este sistema

    artesanal, tendo por base a venda do seu bordado s fbricas, deve ser vista luz das

    dificuldades do campons do sculo XIX, vindo esta indstria a preencher um espao

    econmico deixado livre pela crise vitcola. O escasso rendimento do agregado familiar

    era assim complementado, sem serem alterados os padres culturais vigentes, uma vez

    que a mulher continuou em casa a bordar, enquanto zelava pelos filhos e,

    simultaneamente, pelos afazeres domsticos.

    Na sua evoluo, o Bordado da Madeira reflecte a influncia dos bordados Richelieu,

    Renascena e Veneziano. Parece ter sido influenciado directamente pelo bordado

    escocs, designado por Ayrshire Work, bordado branco, realizado nesta regio da Esccia

    entre 1820 e 1870.

    Para alm disso, ainda influenciado por rendas, divulgadas por toda a Europa no sculo

    XIX, como a de Guipure. Na moda europeia da segunda metade do sculo XIX, a

    aplicao de rendas era muito comum, o que levou a que na Madeira tambm se

    procurasse transferir para o bordado a motivao das rendas.

  • 15

    As primeiras revistas de moda, sobretudo francesas e inglesas, como "Des Demoiselles",

    "Le Moniteur de la Mode", "La Saison", "Ladies Review", "El Correo de la Moda ", "La

    Mode Illustr"e " A Moda Ilustrada", tiveram um papel preponderante na divulgao dos

    motivos depois aplicados aos bordados. A partir de 1870 j circulavam na Madeira

    suplementos em Portugus dessas revistas, sobretudo os dos armazns Printemps, de

    Paris. Os modelos e motivos dessas revistas eram copiados pelas senhoras e mandados

    bordar, permanecendo depois integrados no mostrurio das bordadeiras.

    Nos Catlogos dos Grandes Armazns Grandella, no final do sculo XIX, anunciavam-se

    vrios tipos de bordados e rendas venda na sua Loja, onde se inclua o Bordado

    Madeira, com a indicao de levarem mais tempo a executar. Provavelmente a

    encomenda era feita para o Funchal, da decorrendo demoras na sua execuo e entrega

    por via martima.

    Muitas das vezes, nos primeiros tempos de implantao na moda internacional, so

    confundidos os motivos do Bordado da Madeira com o denominado Bordado Ingls. A

    distino progressiva do bordado Madeira e do bordado Ingls comea a efectuar-se no

    fim do sculo, sobretudo atravs da rectido e execuo mais cuidada e perfeita dos

    pontos ditos de cordo - a bordadeira madeirense passa pequenos alinhavos sobre o

    desenho do tecido a bordar e, para lhe dar mais consistncia e textura, urde o ponto de

    cordo sobre os alinhavos.

    No princpio da produo do Bordado da Madeira foi utilizado algodo de cassa,

    cambraia ou linho, sendo aplicada a linha branca baa, a azul e, mais raramente, a

    vermelha. S com o sculo XX se introduziu a linha castanha, comeando tambm a

    aplicar-se o linho cru e o pano de algodo da mesma cor. Mais tarde assiste-se a uma

    alterao dos materiais utilizados como suporte, passando a ser aplicado o crepe o tule, o

    organdi e a seda (bordada a linha de seda).

    Mais recentemente deu-se a introduo e proliferao de trabalhos policromos, devido a

    exigncias do mercado!

  • 16

    O bordado antigo da Madeira sobretudo caracterizado por sequncias de "ilhs" e

    "garanitos" ou de "ilhs" e "folhas abertas" em composies rtmicas, que eram feitas ao

    metro. Nos primeiros bordados do sc. XIX , as bordadeiras executavam largas tiras com

    vrios metros de comprimento. Depois de prontas seguiam para as Casas de Bordado (1)

    para serem lavadas e passadas a ferro. Estas amostras inacabadas serviam como

    mostrurio das fbricas, pela diversidade de pontos e de desenhos exclusivos de cada

    Casa, permitindo que a clientela pudesse fazer encomendas ao metro.

    A esses pontos se juntaram o Caseado (os festes ou grinaldas do bordado ingls), as

    Estrelas abertas ou fechadas ( as rosetas inglesas ), o Pesponto e as Cavacas (que se

    chamam rodzios nos bordados antigos portugueses). Outros pontos so ainda de destacar

    como o Cordo (mais conhecido por Pau), as Vivas, as Gregas, os Ilhs e Folhas

    Sombreadas, o Bastido, o Oficial e os Papos de Aranha ou aranhas (agora em desuso)

    conhecidos por " culos de Rede" dos bordados da regio de Tibaldinho (2).

    Mais tarde aparecem os bordados com Crivo e Richelieu, assim como os de aplicao,

    como o ponto de sombra e o ponto francs, muito usados nos bordados dos anos 20 - 30.

    Uma motivao decorativa com pormenores de almanaque botnico, em moda em todo o

    ocidente, ser substituda at aos anos 30-40, primeiro, pelo encruzar de linhas ondeantes

    Art Noveau e depois, pela gramtica decorativa geometrizante da Art Deco.

    Os motivos eram desenhados mo e impressos em tiras de papel, ajustados e

    alinhavados ao prprio tecido e cuidadosamente urdidos.

    Posteriormente estampavam-se ao pano por meio de pequenos rodzios de madeira de

    buxo, aplicados a um pequeno aparelho de estamparia manual que, depois de embebidos

    em tinta (talvez anil), eram aplicados nos tecidos a bordar. Estes carimbos eram talhados

    com motivos do bordado da Madeira.

    1) As fbricas de bordados so assim referenciadas pela populao regional .

    2) Para uma descrio mais pormenorizada sobre as influncias estticas no bordado da Madeira, consulte-

    -se excerto do artigo da autoria da escultora Luiza Clode, na Revista das Artes e da Historia da Madeira,

    em anexo na pg. 3

  • 17

    O Bordado era aplicado chamada roupa branca, no que se designou por lingerie. O

    cuidado exmio na sua produo, com a aplicao de bordados delicados, transmitia uma

    ideia de requinte e completava uma toilette que se pretendia consonante com uma moda

    de elites. Esta atitude fazia parte da vida mundana das damas da sociedade madeirense,

    dos finais do sc. XIX e princpios do sc. XX.

    Estas, por sua vez, tambm se iniciaram nas artes do bordado.

    Depressa o bordado vai-se tornar no ornato principal dos vestidos e blusas, golas e

    punhos, e estender-se s roupas de criana e de homem, em peas cuidadosamente

    escolhidas, para alm de artigos para enxovais como toalhas, panos de tabuleiro, roupas

    de cama e outra infinidade de usos domsticos. Eram muitas as exigncias das nossas

    antepassadas ao mandarem bordar os seus enxovais de inmeras peas, onde no

    faltavam as datas do casamento (geralmente um nmero mpar, para dar sorte!), as

    iniciais e monogramas bordados, tudo a branco sobre branco. Eram depois guardados em

    pesados bas e preservados com pequenas bolas de cnfora.

    O bordado tinha um papel preponderante nas escolhas dos enxovais, sendo revelador da

    posio social do seu proprietrio. Um aspecto peculiar prende-se com algum secretismo,

    em relao aos desenhos ou riscos, que eram guardados religiosamente por cada famlia,

    e passados de mes para filhas. Alguns dos desenhos mantiveram-se inalterados por vinte

    ou trinta anos, como se pode constatar em algumas peas de enxovais.

    No entanto, h peas iguais de famlias distintas. Tal facto evidencia que a bordadeira era

    a mesma, e que, aps terminar o trabalho para uma dada famlia, apresentava nova

    clientela, os "riscos" que integravam o seu crescente mostrurio de rotina. Havia

    bordadeiras especializadas em enxovais - as "Meninas" de S. Gonalo, dos Arrifes ou de

    S. Martinho, tal como eram conhecidas.

  • 18

    2.1 - A INDSTRIA

    Se a Madeira no sculo XIX, conheceu uma grande influncia Inglesa, decisiva para o

    desenvolvimento da indstria do Bordado, comerciantes doutras nacionalidades se lhes

    juntaram no desenvolvimento desta produo artesanal, que se vai personalizar e ganhar

    autonomia tcnica e decorativa, para se tornar no produto de eleio que hoje

    conhecemos.

    Num esforo de periodizao, e atendendo origem da influncia externa dominante em

    cada momento, podem ser afirmados trs grandes perodos de desenvolvimento da

    Industria do Bordado: o Perodo Ingls, o Perodo Alemo e o Perodo Srio - americano.

    Acrescente-se um quarto ciclo, que se poder designar por Perodo Regional, onde a

    influncia externa no se exerce directamente, pois entre o industrial de bordados,

    geralmente madeirense, e os mercados externos, interpe-se a figura do intermedirio

    estrangeiro.

    O Perodo Ingls

    A primeira fase do aproveitamento industrial do bordado esteve intimamente ligada a

    uma receptividade e procura por parte do mercado ingls, cujo gosto e tendncias

    estilsticas se repercutiram atravs da introduo de tcnicas e pontos oriundos do

    bordado ingls.

    Elizabeth Phelps ter sido a responsvel pela introduo de algumas tcnicas do Bordado

    Ingls na Ilha e pela divulgao do bordado da Madeira na Inglaterra vitoriana, marcando

    o incio de uma procura crescente por este artigo naquele Pas.

  • 19

    O seu pai, Joseph Phelps, um comerciante ingls a residir na Ilha, era proprietrio de duas

    casas comerciais no Funchal - Phelps & C , j existente em 1788, e Phelps, Page & C,

    em funcionamento desde 1804, que foram as pioneiras na exportao do bordado para

    Inglaterra.

    A comercializao dos bordados para a Inglaterra intensificou-se sob a direco de

    comerciantes de nacionalidade inglesa radicados na Madeira, de entre os quais se destaca

    Frank e Robert Wilkinson.

    A influncia inglesa repercute-se na quase totalidade dos nveis de faseamento da

    produo, sendo os ingleses responsveis pelas directrizes tcnicas, pelos motivos, pela

    diviso e fiscalizao do trabalho. O prprio linho tinha uma provenincia inglesa, pois

    embora a explorao da cultura do linho fosse largamente conhecida na Madeira, no

    poderia concorrer com a inglesa, pois o desenvolvimento da indstria txtil inglesa era

    efectivamente mais avanado.

    A par deste mercado ingls existia um comrcio local, ligado ao desenvolvimento

    turstico. Na sua maioria, as fbricas de bordados comportavam uma seco de venda ao

    pblico, que se vai tornando mais relevante medida que aumentam as exigncias

    suscitadas pelo turismo e que grande parte das vendas se destinavam a turistas em

    trnsito. Uma das casas mais procuradas era a de Madame Counis (provavelmente ligada

    por casamento famlia Wilkinson) na Rua de Joo Tavira, onde se vendiam bordados

    brancos, de desenho simples, bordados a seda e tapearias.

    A hegemonia inglesa, que se havia implantado de forma acelerada, vai, a partir de 1878,

    sofrer um declnio. Tal facto ficou a dever-se a uma alterao do gosto ingls na moda e

    a uma subsequente saturao deste mercado, ligada a uma fraca criatividade ao nvel dos

    motivos.

    Firmavam-se ento as condies para a demarcao de um novo ciclo de

    desenvolvimento, o alemo.

  • 20

    O Perodo Alemo

    Desde 1880 empresrios alemes estiveram na base do re-aproveitamento da explorao

    comercial do bordado, e por volta de 1890 esto estabelecidas, no Funchal, as primeiras

    casas alemes exportadoras de bordados.

    A superao da crise deu-se a partir de 1905, altura em que a produo e exportao de

    bordado voltou a ser relevante, agora vocacionada para o mercado alemo e norte -

    americano.

    Em 1906 j havia 30.000 bordadeiras rurais na Madeira e Porto Santo e duas mil

    profissionais na rea do Funchal. Na Madeira existem duas classes distintas de

    bordadeiras: as bordadeiras rurais, espalhadas por toda a Ilha da Madeira e Porto Santo, e

    as bordadeiras profissionais, que residem principalmente no conselho do Funchal , nas

    freguesias limtrofes de Santa Maria Maior e S. Gonalo, ganhando muito mais do que as

    primeiras, resultado de muitas horas de trabalho e da consequente perfeio dos

    trabalhos. Muitas delas padeciam de tuberculose devido ao excesso de horas de trabalho e

    a uma alimentao deficiente.

    Para alm de duas empresas portuguesas, estas trabalhavam quase exclusivamente para

    seis casas alemes: Wilhelm Marum; Georg Wartenberg; R. Kretzschmar; Otto Von

    Streit; Dutting & Gaa e Wolfenstein & Horwitz.

    A firma de Otto Van Streit, conhecida como Casa Grande, a mais antiga. Enviava os

    bordados inacabados para Hamburgo, onde eram lavados, consertados e engomados, e

    posteriormente exportados para os Estados Unidos. Sob a predominante influncia alem,

    a indstria dos bordados foi reorganizada em muitos aspectos da sua cadeia operatria,

    desde as fases de preparao at aos acabamentos dos tecidos, conferindo um cunho

    industrial feitura do bordado.

    As principais inovaes consistiram na introduo de um novo processo de estampagem,

    atravs do qual os motivos eram directamente estampados no tecido, o que permitiu uma

    rapidez de execuo, consentnea com o crescimento do volume de vendas.

  • 21

    Os alemes comearam por impor os desenhos feitos e estampados nas casas comerciais,

    antes de seguirem para as bordadeiras. Mais tarde, introduziram as mquinas de picotar,

    onde anteriormente se usavam folhas estanhadas que eram picotadas mo.

    Muitas das alteraes introduzidas pelos alemes visavam aumentar a produo, quer

    atravs da reduo do tempo de execuo quer pelo aumento do nmero de indivduos

    envolvidos na sua execuo. Assim, e com vista ao aumento do nmero de bordadeiras,

    criaram-se por esta altura escolas de bordados, como a da casa alem Gebr Waternberg.

    Tentaram restringir os custos e o tempo de produo atravs da diminuio da quantidade

    de linha aplicada ou urdida (3), na utilizao mais frequente do linho cru e na

    vulgarizao do sombreado.

    Entre as peas bordadas, destacam-se os cabees que tinham uma boa procura na

    Alemanha, seguindo agora as directrizes do mercado alemo .

    O eclodir do primeiro grande conflito mundial e a consequente participao activa de

    Portugal na guerra marca o fim deste ciclo de desenvolvimento. Com efeito, os alemes

    residentes na Ilha foram afastados e os seus bens confiscados, desencadeando um clima

    de instabilidade no sector, favorvel, no entanto, a grandes mudanas.

    3 A urdidura um conjunto de fios aplicados no tecido antes de ser dado o ponto final, para que o bordado

    ganhe mais relevo. O urdido uma das principais condies a atender para a solidez do bordado.

  • 22

    O Perodo Srio - americano

    A Primeira Grande Guerra permitiu o eclodir de uma nova e determinante influncia

    externa - a americana - por interposio de indivduos de origem sria.

    Ainda durante o conflito as casas de bordados alemes passaram para a posse de firmas

    americanas dirigidas por Srios. Estes, iro comercializar o bordado, ultrapassando todo o

    volume de exportaes feito anteriormente.

    A quebra de movimento das carreiras transatlnticas, que faziam escala no porto do

    Funchal, provocou uma sria contraco da venda local de bordados. O ano de 1916

    representa um marco na agonia de uma indstria inteiramente dependente do exterior

    para o escoamento dos seus produtos.

    Uma alterao dos condicionalismos externos vai permitir que, a partir de 1917, os

    valores das exportaes efectuadas pela Alfndega do Funchal ascendessem a nveis sem

    precedentes. Este facto ficou a dever-se desvalorizao do escudo, que aumentou a

    competitividade dos produtos portugueses no estrangeiro, e proteco do governo

    americano que, apesar de proibir a importao de qualquer tipo de bordado, abriu uma

    excepo a favor do bordado da Madeira.

    O crescimento da procura no mercado americano acarretou um aumento da produo de

    bordados, alicerado num maior contingente de bordadeiras, atradas pela melhoria

    sensvel das remuneraes. Em 1920 havia 60 casas comerciais na cidade do Funchal

    (que passaram a ser 100 em 1923) e existiam 32.000 bordadeiras. Este nmero engloba

    indivduos de ambos os sexos, porque muitos homens, desempregados devido crise

    econmica, invadiram um espao que tradicionalmente no era o seu.

    Em finais de 1923 havia no Funchal cerca de 100 casas comerciais, exportando

    essencialmente para os Estados Unidos da Amrica, Inglaterra, frica do Sul, Canad e

    Frana. Por esta altura empregava volta de 70.000 indivduos de ambos os sexos, uns

    nas casas de bordados e outros ao domiclio.

  • 23

    Durante este perodo poucas foram as inovaes introduzidas, sendo os desenhos ainda os

    mesmos que os do sc. XIX. Por esta altura, as peas mais fabricadas para exportao

    eram as almofadas, feitas em materiais menos nobres. Neste perodo, a qualidade dos

    artigos decaiu, aliada a uma falta de criatividade dos motivos.

    Ao perodo ureo 1917-1923, sucedeu uma nova crise e um decrscimo da escala de

    produo. Tal ficou a dever-se modificao da conjuntura externa, na adopo, pelos

    Estados Unidos, de medidas proteccionistas e da concorrncia de outros centros de

    produo de bordados, com mo-de-obra mais barata e abundante e com menores cargas

    fiscais.

    Na conjuntura interna verificou-se a crescente falta de qualidade do bordado da Madeira,

    devida maior escala de produo, sem que esta fosse acompanhada de uma preparao

    tcnica das bordadeiras e falta de apoio governamental para este sector.

    A conjugao destas condies desfavorveis levou falncia e encerramento de muitas

    firmas e, subsequentemente, ao fim deste perodo.

    O Perodo Regional

    A transferncia de capitais das casas de bordados de negociantes estrangeiros para os

    comerciantes locais, inaugura um novo ciclo de desenvolvimento, que se manter at

    data presente. Neste perodo, no se vislumbra uma influncia externa muito marcante,

    embora ainda persistam firmas de proprietrios estrangeiros radicados na Ilha.

    A situao de crise, com efeitos visveis a partir de 1925, suscitou a implementao de

    diversas medidas, de entre as quais se salientam:

  • 24

    1)A venda de bordados a bordo dos navios de cruzeiro, de passagem pelo Funchal, feita

    pelos denominados Bomboteiros (palavra que se julga derivar da palavra inglesa

    bumboat ), indivduos que se deslocavam a bordo dos vapores, num pequeno bote, a fim

    de vender artefactos. Trabalhavam comisso para muitas casas de bordados que, desta

    forma, tentavam contornar as dificuldades da venda local.

    Sobre os bomboteiros, leia-se esta bela passagem retirada da literatura insular:

    "() Na praia , Elias arrumava na canoa debaixo do leito, a preciosa mercadoria.

    Provera-se de uma quantidade maior de bordados , dos mais caros .O "deque" do navio

    ia ser, em breves minutos, um bazar de lgrimas que correm mundo, transformadas em

    regalos dos olhos por mos pacientes de ignoradas artistas." (4)

    Postal n. 1 (5)

    4 Gouveia, Horcio Bento, Lgrimas Correndo Mundo, Coimbra Editora Limitada, 1959,pgs. 203 e 204.

    5 Postal impresso por J. Arthur Dixon Ltd., Isle of Wight, England, Madeira 37G, Hand-made embroidery and fancy goods being sold alongside liner in Funchal Bay.

  • 25

    2) O emprego do algodo como matria-prima de base no bordado, pela

    necessidade de melhorar a competitividade externa do bordado da Madeira. A utilizao

    excessiva de determinados tecidos de algodo deve-se ao facto de serem mais baratos do

    que o linho e de no estarem sujeitos a impostos (como acontecia com o linho). Sendo o

    algodo menos resistente e mais inadequado para ser bordado, a consequncia desta

    medida reflecte-se na pior qualidade do bordado.

    3) A introduo de novas tcnicas de bordado, oriundas de diversos pontos da

    Europa, que ficou a dever-se a Charles L. Rolland, proprietrio da Imperial Linens, numa

    tentativa de travar o declnio da industria. Estas traduziram-se em inovaes no bordado,

    nos materiais e nos desenhos.

    Desta forma se vem aplicadas linhas coloridas e a tcnica appliqu de Frana, o

    sombreado, de origem italiana, os pontos arrendados, originrios de Espanha e a

    introduo do organdi, vindo da Sua. As flores locais vem-se transpostas para os

    linhos decorados com motivos multicolores. Ao linho Irlands era aplicado o organdi, em

    peas da mais variada natureza como toalhas de mesa e napperons, panos de tabuleiro e

    marcadores de mesa. Foi a partir desta altura que o Bordado da Madeira adquiriu a maior

    parte das formas, motivos e matrias- primas que o caracterizam nos nossos dias.

    Apesar das tentativas de contornar a crise no sector, persistiu uma tendncia regressiva,

    devido a factores de ordem interna. O panorama da realidade insular fazia transparecer

    uma desorganizao da indstria de bordados, em que se assiste a uma proliferao de

    pequenas firmas de capital local, cuja dimenso reduzida permite uma diminuio

    significativa de pessoal.

    Externamente, e atendendo ao tipo de necessidade que o bordado, como artigo de luxo,

    satisfaz, evidente a razo do seu difcil escoamento nos mercados internacionais em

    tempo de recesso econmica (que culminou na crise de Wall Street, em 1929).

    Uma menor procura externa e, paradoxalmente, um aumento do nmero de casas de

    bordados, resultou numa diminuio dos lucros totais, e como resultado directo, na

    reduo da remunerao das bordadeiras e no menor grau de perfeccionismo das peas

    bordadas, agora simplificadas e com menor qualidade.

  • 26

    2.2 - A REGULAMENTAO DA INDSTRIA DE BORDADOS

    Em 1935 foi institudo o Grmio de Industriais de Bordados da Madeira, sediado no

    Funchal, Rua do Carmo N. 27. Este consistia numa corporao de produtores,

    maioritariamente constituda por representantes dos produtores de bordados, tendo como

    funes a orientao e fiscalizao da produo e a divulgao comercial do bordado

    (vide anexo pg. 18).

    Em 1955, vinte anos decorridos aps a criao do Grmio, inicia-se a construo do novo

    edifcio sede, num terreno de cultura de bananeiras, na margem esquerda da Ribeira de

    Joo Gomes, entre a Rua do Carmo e a Rua S. Joo de Deus. O seu projecto foi da autoria

    do arquitecto Fabrcio Rodrigues.

    A 2 de Setembro de 1955, foi adjudicada firma Lopes, Silva & Leandro a empreitada da

    construo do edifcio, pelo valor de 3.278.400.00 escudos. O custo final da obra orou

    os 5.8000.000.00. A obra foi acompanhada pelo arquitecto Lus Teixeira e, numa fase

    final, pelo Eng. Correia Neves.

    A vistoria para habitabilidade do edifcio foi autorizada pela Cmara Municipal do

    Funchal a 16 de Janeiro de 1958 e o edifcio foi oficialmente inaugurado a 6 de Outubro

    desse mesmo ano.

    Sobre a actuao do Grmio, a nvel de regras internas para o sector, tem interesse

    consultar os Apontamentos da Indstria de Bordados publicados pela mesma instituio

    em 1958, onde se tecem consideraes, entre outras, sobre a ocupao feminina, o clima

    de consumo, as transaes, a valorizao do preo do trabalho, o valor do trabalho que a

    industria possibilita (vide anexo pg. 26).

    A actuao do Grmio no campo da divulgao externa fez surtir efeitos positivos

    nomeadamente atravs da abertura de um novo mercado, o brasileiro, o qual teve grande

    influncia at 1956, altura em que, com a emigrao para este pas, o Brasil comea a

    executar os bordados necessrios para suprir a procura interna.

    O Grmio mantinha duas escolas infantis de preparao tcnica de bordadeiras, em

    Cmara de Lobos e em Machico, num total de 691 crianas, ensinadas por oito mestras,

    para alm assegurar cursos de aperfeioamento de bordadeiras.

  • 27

    Fot. N.1

    Fot. N.2

  • 28

    Nas suas instalaes funcionava uma escola especializada de desenho para bordado.

    De 1966 a 1978, na sala de desenhadores do G.I.B.M., funcionou uma Escola/ Oficina de

    tapearias, laboratrio destinado s jovens que pretendessem aprender e aperfeioar os

    seus conhecimentos sobre as tcnicas de matizao da tela bordada e sobre os pontos

    mais usuais na tapearia da Madeira, no sentido de encontrar os meios e procedimentos

    capazes de melhorar as condies de trabalho para a produo de tapearias mais

    artsticas e perfeitas.

    Uma das aces sociais levadas a cabo pelo Grmio, foi a construo de dois bairros

    sociais: o primeiro em 1966, com 30 fogos na zona da Levada, e posteriormente, em

    1973, na zona do Til, um outro com 41 fogos, destinados a arrendamento aos operrios e

    funcionrios da industria dos bordados.

    Com o decreto-lei n. 25.643 - Regras do Comrcio e Fabrico - o Governo Central

    procedeu a uma regulamentao do estatuto da indstria de bordados. A lei impunha a

    reunio de um conjunto de elementos para que fosse reconhecida a condio de industrial

    de bordados, particularmente no tocante s instalaes fabris.

    Estas deveriam possuir, como condies mnimas, seco de desenhos, de chapas e

    moldes, de estampagem, de lavandaria, de engomaria, de recorte e conserto e um

    refeitrio para o pessoal. Apenas o indivduo reconhecido como industrial, teria acesso ao

    fornecimento das matrias-primas necessrias.

    Na sequncia desta regulamentao, foi estabelecido o preo mnimo a pagar s

    bordadeiras. A remunerao das peas passou a ser feita segundo uma tabela de pontos, a

    que correspondiam diferentes preos, segundo um mtodo de remunerao proporcional.

    Esta medida visava fomentar a qualidade de execuo dos trabalhos, atravs da

    imposio de instrues tcnicas de execuo obrigatria que passaram a acompanhar

    todos os trabalhos entregues s bordadeiras o designado Bilhete carto de identidade

    da pea.

  • 29

    O bordado que no estivesse de acordo com os requisitos tcnicos podia ser recusado na

    fbrica ou sofrer descontos na remunerao devida s artess. Este sistema prevalece na

    actualidade.

    Desde 1937, existe um sindicato ligado ao sector dos bordados o Sindicato dos

    Trabalhadores da Industria dos Bordados, Tapearias, Txteis e Artesanato da Regio

    Autnoma da Madeira- cuja representatividade abrangia, inicialmente, apenas os

    operrios das fbricas. Posteriormente, abarcou igualmente as operrias e, em 1976,

    tornou-se extensivo s bordadeiras. Depois de 1975, as operrias fabris passaram a

    auferir de ordenado mnimo nacional, direito esse que no foi extensivo s bordadeiras.

    No ano de 1978, no seguimento de uma restruturao do sector, o Grmio foi substitudo

    pelo actual Instituto do Bordado, Tapearias e Artesanato da Madeira- I.B.T.A.M.- um

    organismo dotado de autonomia administrativa e financeira, com funes de superviso

    de todo o artesanato de raiz tradicional madeirense, muito particularmente do bordado. A

    lei orgnica deste Instituto data de Fevereiro de 1978 e os seus estatutos foram aprovados

    em Dirio da Republica (6).

    Em 1986, so estabelecidas disposies relativas defesa da qualidade e autenticidade do

    artesanato Regional e em 1991, estabelece-se normas de qualidade apenas para o bordado

    da Madeira (vide anexo pg. 42 e pg. 48, respectivamente).

    Em 1990 procedeu-se ao registo internacional de marca colectiva e denominao de

    origem para o bordado da Madeira, com o intuito de defender a qualidade e autenticidade

    deste produto nos mercados consumidores ( vide anexo pg.45 ). Esta aco torna-se

    mais relevante face crescente concorrncia de produtos falsificados e de preos muito

    baixos, oriundos de pases como a China, a Tailndia e as Filipinas.

    Para esta industria so ainda estabelecidas as quantias mnimas de pontos nos artigos

    acabados e os padres de qualidade para os tecidos empregues como matria prima para

    os diferentes artigos (vide anexo, Portaria N. 105 e N.. 106 de 1996, pgs. 60 e 61).

    6 Em anexo na pg. 26, apresenta-se cpia do documento de 1978.

  • 30

    2.3 AS FASES DE PRODUO

    Profisses Associadas Indstria do Bordado

    Se a bordadeira madeirense a artes unanimemente eleita como a pea fulcral na

    execuo deste produto, muitos outros profissionais concorrem para a sua edificao

    plena. H um grande desconhecimento, por parte do pblico em geral, do potencial

    humano que se encontra no interior das fbricas e que concorre directamente para a

    qualidade do produto. So profissionais do sector com uma determinada categoria

    profissional, e uma nomenclatura muito peculiar, prxima da tarefa que desempenham.

    A primeira fase de produo decorre no espao fabril com a preparao do desenho, sua

    fixao no material de suporte e corte do tecido.

    Uma pea de bordado da Madeira nasce com a criao de um desenho original feito a

    crayon sobre papel vegetal, por Desenhadores / Criadores de Bordado da Madeira (7),

    geralmente do sexo masculino, prestigiados pela sua actividade criativa e pela

    especificidade do desenho que produzem. A sua criatividade est condicionada por duas

    limitaes: a dimenso da pea e o nmero de pontos a utilizar. O desenhador, ao

    elaborar um original, toma em considerao trs factores que se iro repercutir na medida

    final da pea: a medida do desenho; a medida do corte do tecido atendendo

    possibilidade de encolhimento deste, devido ao nmero de pontos (quanto maior for o seu

    numero, maior o encolhimento ) e a uma segunda possibilidade de encolhimento devido

    lavagem.

    7 Em 1893 foi criada no Funchal a Escola de Desenho Industrial Antnio Augusto de Aguiar (antiga Escola de Desenho Industrial Josefa de bidos),ministrando, entre outros, cursos de debuxador de

    bordados (de trs anos), contemplando as disciplinas de Desenho Geral e Desenho Profissional

    (debuxo ), reservado aos empregados da industria de bordados.

  • 31

    A construo de um motivo faz-se consoante duas regras: se o padro for simtrico,

    utiliza-se um quarto da dimenso real; se o padro for assimtrico, a dimenso empregue,

    de metade da real. A realizao do desenho orientada de forma esquemtica,

    utilizando sinais convencionais na representao grfica dos motivos, para determinar o

    tipo de ponto a ser empregue.

    O Copiador reproduz tecnicamente os desenhos (vulgarmente denominados riscos) em

    um ou mais exemplares.

    Fot. N.3

    Pormenorizao do desenho original contendo sinais convencionais:

  • 32

    Fot. N4

    Preparao para picotagem em que o original se encontra entre duas chapas:

    Fot.N5

  • 33

    As cpias do desenho so entregues para Picotagem (percusso punctiforme). Aos

    Picotadores atribuda a tarefa de perfurar, com o auxlio de uma mquina de picotar,

    todos os traos existentes no desenho, transformando-o, atravs de tal operao, em

    chapas, que iro servir de suporte estampagem do desenho sobre o tecido a bordar.

    Actualmente, o prprio desenhador condensa a funo de copiador, contador e de

    picotador, obviamente por motivos que se prendem com a reduo de pessoal.

    Fot. N.6

  • 34

    A contagem dos pontos industriais, o nmero de pontos que compem a pea e lhe

    auferem o valor monetrio, feita pelos Contadores. O clculo do nmero de pontos que

    compem uma pea feito por contagem de pontos industriais (8). Estes consistem em

    factores que so atribudos mediante a natureza de cada tipo de ponto: se contados

    unidade como o ponto ilh, em que seis pontos reais correspondem a 1 ponto industrial,

    se atravs do recurso a quadrculas milimtricas para os pontos arrendados calculados por

    centmetro quadrado ou se calculados ao metro como o ponto caseado - nas curvas dos

    motivos a contagem feita por meio de um pequeno aparelho, o curvmetro, usado na

    leitura de mapas de navegao (para calcular a extenso de linhas curvas). Pensa-se que

    ter sido introduzido na indstria de bordados pelos Srios.

    Fot. N.7

    So depois multiplicados por um ndice legal, actualizado anualmente. O ponto industrial

    no corresponde necessariamente ao ponto tcnico, sendo o primeiro uma abstraco

    utilizada para efeitos de clculo.

    8 Mais adiante, poder-se- visualizar mais detalhadamente, esta contagem industrial.

  • 35

    O corte do tecido dimenso da pea, no consiste em rasg-lo, pois tal acarretaria o

    desfiamento das margens, mas no retirar, com a mo esquerda, de um fio ao longo da

    linha de corte e, simultaneamente, com a mo direita cortar o tecido com tesoura.

    Sobre largas e compridas mesas revestidas a pano, o tecido agora submetido operao

    de estampagem. As Estampadeiras, vo estendendo a fazenda sobre a qual colocam a

    chapa. Com o auxlio de uma pequena almofada, embebida em graxa (um composto de

    anil, petrleo e parafina), estampam o tecido at que a totalidade do desenho esteja

    estresido (ou estampado) com todos os seus pormenores. Esta almofada designada por

    Boneca, um utenslio simples, feito com restos de tecidos de textura grossa, que se adapta

    forma da mo.

    Fot. N.8

    Depois de embebida em petrleo e na graxa, passada em movimentos circulares

    sucessivos, sobre o papel vegetal picotado, para fixar o desenho no tecido:

  • 36

    Fot. N. 9 Pormenor de tecido estampado:

    Fot. N.10

    30

  • 37

    Terminada esta preparao, o tecido estampado remetido s Bordadeiras

    Domicilirias. Entra-se numa segunda fase, num espao distinto da fbrica: o lar da

    bordadeira, quase exclusivamente numa zona rural ou nas zonas limtrofes da cidade do

    Funchal.

    Fot. N.11

  • 38

    Os trabalhos para bordar so recebidos e entregues atravs das Agentes Distribuidoras,

    tambm elas bordadeiras, evitando assim s restantes os custos de uma deslocao ao

    Funchal. So mediadoras entre as fbricas e as bordadeiras rurais que, conhecendo a

    especificidade de cada bordadeira, distribuem o trabalho mediante este conhecimento. Os

    trabalhos so acompanhados das indicaes convencionais dos pontos a serem aplicados,

    das linhas a serem utilizadas e da informao do montante a ser recebido pela execuo

    da pea bordada.

    De volta fbrica, e numa terceira fase, a pea aferida pelas Verificadeiras a fim de ser

    apurada a sua boa execuo. D-se o caso de ser desvalorizada a pea bordada quando se

    apresenta mal executada, o que se repercute numa diminuio da remunerao devida

    bordadeira.

    Passa-se lavagem do bordado pelas Lavadeiras, que retiram as ndoas mais difceis

    atravs do sal de azedas (cido Oxlico ). Actualmente, o uso de mquinas de lavar est

    generalizado, simplificando uma operao que se efectuava manualmente.

    Depois de retirado o excesso de gua, as peas so submetidas aco dos ferros de

    engomar. A fase de passar a ferro requer uma certa percia e um grande esforo fsico por

    parte das Engomadeiras, pois o seu trabalho serve para desfazer algumas incorreces e

    restituir o apresto perdido na lavagem.

    As Recortadeiras efectuam as operaes de recorte dos pontos abertos, como sejam as

    aberturas de Richelieu, e o remendo dos pontos que se tenham inadvertidamente solto,

    para alm de outros acabamentos necessrios.

    A pea passa por uma segunda fase de engomagem, em que as Passadeiras, com a ajuda

    de um Molho (simples amontoado de tiras de linho demolhados em gua) humedecem

    ligeiramente as peas, para pass-las mais facilmente .

    Nos trabalhos de acabamentos, ainda h lugar para as Consertadeiras e as Serzideiras.

    As peas que o exigem, so submetidas a trabalhos de costura e filetagem, cuja

    remunerao tambm regulada por um ndice legal.

    A pea depois dobrada convenientemente pelas Dobradeiras, segundo uma tcnica que

    depende das dimenses e formato da pea.

  • 39

    Todo o bordado ento remetido ao Instituto do Bordado e Tapearias da Madeira,

    Seco de Selagem, onde os Tcnicos de Controle de Qualidade e Autenticidade

    analisam a pea para garantir a sua genuinidade.

    Satisfeitos os requisitos exigidos, estes tcnicos de selagem apem o selo que garante a

    autenticidade do bordado, sendo ainda atribudo um certificado de qualidade .

    Quando o volume de bordado o justifica, mais concretamente, quando se destina a

    exportao, os tcnicos deste organismo dirigem-se s fbricas para selagem e garantia de

    autenticidade do bordado.

    Esta garantia certificada atravs da aposio, desde Outubro de 2000 , de um selo

    hologrfico com a respectiva marca, em substituio do selo de chumbo usado

    anteriormente. O selo hologrfico aufere uma nota de modernidade, para alm da

    necessidade de ser retirado de circulao o chumbo, considerado nalguns mercados,

    como ofensivo ao meio ambiente.

    A transao de bordados de origem regional (grupo no qual se inclui a tela bordada)

    obriga consecuo da operao de selagem, constituindo um requisito legal para a

    homologao do certificado de garantia e autenticidade do produto.

    Para a colocao do selo de garantia, todas as fbricas remetem os seus bordados ao

    referido Instituto, onde os tcnicos de selagem procedem a uma vistoria da qualidade do

    bordado, segundo critrios de verificao estabelecidos. A sua ateno incide,

    particularmente, ao nvel de execuo dos acabamentos. As peas consideradas bem

    confeccionadas so atestadas atravs da aposio do referido holograma, em substituio

    do selo de chumbo. O selo de chumbo tinha o centro perfurado para se fazer passar trs

    linhas de cores diferentes roxo , amarelo e vermelho para o fazer prender pea

    bordada, atravs de um ponto simples. Uma das faces do selo tinha o smbolo que

    internacionalmente identifica o registo de marca. Cada selo quando colocado era

    comprimido com um alicate, de forma a prender as linhas e assumir uma forma

    compacta. Como se pode facilmente deduzir, esta no era uma tarefa simples para os

    tcnicos de selagem, maioritariamente mulheres, que viram o seu trabalho facilitado

    aquando da recente introduo do sistema de selo hologrfico, quer a nvel de esforo

    fsico quer a nvel de celeridade do trabalho.

  • 40

    Sem esta operao de certificao, as peas de bordado, por mais singelas, no podem ser

    comercializadas. As peas voltam ento s respectivas fbricas onde so acondicionadas

    convenientemente pelo Embalador e remetidas para o Encarregado de Stock. Os

    Bordados so, finalmente, encaminhados para a venda local ou para exportao. O

    comrcio local feito no salo de vendas que a maior parte das fbricas possui,

    conhecido por Show Room, onde so expostos os bordados, segundo critrios de

    decorao prprios e onde se procura destacar as grandes peas de bordado rico, como as

    toalhas de mesa.

    Os bazares esto includos nos circuitos tursticos organizados pelas agncias de viagens,

    proporcionando visitas guiadas s instalaes. As fbricas de maior dimenso tm

    acordos feitos com guias tursticos, que, no caso dos visitantes em trnsito martimo nos

    navios de cruzeiro, os conduzem para autocarros estacionados no cais, e os encaminham

    directamente a estas fbricas, sem deambularem pela cidade procura de outras

    alternativas.

    Um outro mtodo de venda atravs dos Cicerones. Geralmente homens, contactam o

    turista na rua e conduzem-no casa de bordados, onde recebem uma comisso de venda.

    So o recurso utilizado mais frequentemente pelos bazares de difcil acessibilidade.

    Grande parte do que se produz destina-se ao comrcio externo, satisfao de ordens de

    encomenda de clientes estrangeiros. Os representantes das firmas estrangeiras que

    comercializam bordados, estabelecem, periodicamente, contactos directos com os

    fabricantes, para efectivar a encomenda de artigos, preferindo aquele que oferecer melhor

    qualidade a preos mais competitivos. Muitas vezes, essa exigncia satisfeita atravs

    da alterao dos motivos- simplificando-os- ou pela execuo de desenhos propostos pela

    clientela. Devido a esta prtica, criou-se o preciosismo de linguagem, ao se distinguir

    bordado da Madeira de bordado na Madeira, uma vez que nestes segundos artigos, o

    desenho no corresponde ao traado tpico do bordado autntico. Ou seja, pode-se

    reproduzir todo o tipo de desenho, bord-lo segundo a tcnica tradicional assegurar a

    perfeio da execuo e respeitar os pontos tradicionais, mas no a veracidade da

    designao de origem, porque o bordado da Madeira autntico, tem um tipo de desenho

    caracterstico e implica ser um produto comeado e terminado na Ilha.

  • 41

    O Servio de Licenciamento de Comrcio e Estatstica do IBTAM trata da logstica

    relativa exportao de bordados e tapearias, para que, com o aval da Alfndega, os

    bordados possam ser exportados. Esta seco responsvel pela emisso de guias de

    autenticao e de certificao do bordado; pela certificao das facturas de exportao;

    emisso de certificados de origem; codificao dos produtos conforme pauta aduaneira e

    sistema Intrastat (entre os estados membros da Unio Europeia). Cada produto tem um

    cdigo conforme o tipo de produto e matriaprima, e uma nomenclatura prpria. O

    certificado de origem e guias de autenticao esto traduzidos para lngua inglesa,

    francesa, alem e italiana.

    Esta seco ainda responsvel pelo envio de dados estatsticos Direco Regional de

    Estatstica e pelo clculo da taxa de contraprestao de Servio ou taxa de selagem (vide

    anexo, pg.71).

    Esta operao paga pelo industrial, segundo a seguinte frmula:

    Valor da Factura x 25% x 0,07 = Taxa de contraprestao de servio

    Preo de mo-de-obra

    Actualmente, o bordado exportado para diversos mercados mundiais, nomeadamente, e

    por ordem decrescente de grandeza de exportao, para a Itlia, Estados Unidos da

    Amrica, Reino Unido, Portugal Continental, Sua, Frana, Brasil, Espanha, Grcia,

    Japo, Mnaco e ustria.

    Segundo dados estatsticos da Seco de informtica do Instituto do Bordado, Tapearias

    e Artesanato da Madeira, referentes exportao de bordados, Portugal Continental

    considerado como mercado interno juntamente com a Regio Autnoma da Madeira.

    Conforme se pode constatar, verifica-se uma quebra percentual de 14% :

  • 42

    Janeiro a Dezembro de 2001 Janeiro a Dezembro de 2002

    Madeira 7,791 kg.

    2,120.036

    Madeira 7,075 kg.

    1, 745,890

    Portugal Continental 1,173 kg.

    275,072

    Portugal Continental 795 kg.

    229,325

    Mercado Externo - 8,463 Kg.

    1,829 127 .

    Mercado Externo - 7, 565 Kg.

    1,572,517

    Quadro N1

    Trs ilaes so peremptrias:

    A primeira a de que actualmente, o mercado interno detm proporcionalmente a maior

    fasquia de consumo de bordados, representando a venda local, o maior plo de

    rentabilidade do produto, claramente consumido pelo turismo regional e pela clientela

    local, nas lojas de venda de artesanato e nas fbricas de bordados com venda ao pblico.

    A segunda, d conta de uma diminuio acentuada do mercado de Portugal Continental

    que reflecte sobretudo o panorama debilitado da economia portuguesa, em estado de stio

    relativamente ao escoamento de artigos de luxo.

    A terceira, o decrscimo do volume total de vendas, que reflecte uma tendncia

    persistente nos ltimos anos, e que, a se manter, ver gradualmente excludo o bordado

    da Madeira junto dos mercados consumidores. Esta situao no panorama europeu e

    americano, deve-se fcil introduo no mercado, de falsificaes oriundas de pases

    orientais, com preos cada vez mais baixos e com melhorado tecnicismo, dificultando a

    distino entre o produto genuno e a falsificao.

  • 43

    Segundo dados recolhidos junto da fonte supra mencionada, passo a transcrever a

    evoluo de venda de bordados desde 1996, sendo apenas distinguida a venda local da

    exportao. O mercado de Portugal Continental est includo nos valores de exportao.

    Exportao e Venda Local de Bordados

    ANOS PESO (Kg. ) VALOR ( )

    Venda Local

    1996

    Exportao

    14.172

    21.122

    2.816.664,24

    3.411.990,45

    Venda Local

    1997

    Exportao

    13.692

    16.925

    2.968.475,56

    6.472.200,77

    Venda Local

    1998

    Exportao

    11.924

    16.925

    2.713.157,21

    3.449.375,15

    Venda Local

    1999

    Exportao

    10.288

    16.971

    2.644.816,79

    2.944.059,60

    Venda Local

    2000

    Exportao

    10.682

    10.923

    2.860.429,39

    2.492.964,06

    Venda Local

    2001

    Exportao

    8.423

    10.923

    2.272.798,62

    2.389.760,54

    Venda Local

    2002

    Exportao

    7.075

    8.878

    1.745.890,31

    1.942.318,66

    Quadro N2

    Nos ltimo seis anos, registou-se uma quebra percentual de 38% nos valores de venda de

    bordado a nvel local e de 43,1% , nos valores de exportao.

  • 44

    Acerca da indstria artesanal, e segundo dados da Direco Regional de Planeamento e

    Finanas, as unidades industriais de base artesanal mais viradas para a exportao

    (bordados, tapearias e vimes), assentam a sua estrutura em mo-de-obra intensiva e

    orientam-se para um nmero muito restrito de mercados, estando por isso numa forte

    dependncia do exterior. Tradicionalmente, este sector representa 10 % do PIB regional

    (indstrias transformadoras 9,1% ; Industrias extractivas 0,8 %) bem representativos

    de uma estrutura dbil e condicionada.

    A estes aspectos condicionantes do crescimento e desenvolvimento industriais, h a

    acrescer a limitao do mercado regional, a escassez de matrias primas, a predominncia

    de pequenas empresas mal dimensionadas e tecnologicamente mal apetrechadas, a

    inadequao dos processos de gesto, a carncia de mo de obra qualificada, os baixos

    nveis de produo e de produtividade, a baixa competitividade e os custos dos factores

    de produo, para alm de sobrecustos resultantes da insularidade e ultra-periferia.

    Atendendo s exigncias dos mercados e acentuada agressividade concorrencial, as

    empresas tm de fazer da qualidade um elemento chave da sua estratgia competitiva, a

    qual ter de se concretizar a todos os nveis, envolvendo assim no s os produtos mas

    tambm as condies ambientais de funcionamento, as instalaes e as condies de

    trabalho incluindo a formao dos recursos humanos.

    O artesanato, embora pelas suas razes histricas e culturais, assuma uma grande

    importncia no contexto da economia regional, tem regredido fortemente nas duas

    ltimas dcadas, apresentando significativas quebras de actividade devido,

    fundamentalmente, concorrncia de produtos similares originrios de pases asiticos.

    Todas a iniciativas devem ser tomadas para aumentar, ou pelo menos manter, a

    fidelidade da clientela perante a compra do produto, investindo-se, para alm da

    qualidade, nos parmetros de durabilidade, beleza e autenticidade, sem que para isso se

    altere consideravelmente os preos em vigor. A comercializao de produtos tradicionais

    tem de seguir obstinadamente padres de grande qualidade se quiser se salvaguardar da

    concorrncia de produtos-rplica que apenas servem os propsitos de funcionalidade.

  • 45

    Assim, a qualidade, para alm do padro funcional, tem de estar presente nos materiais

    empregues, na forma de execuo e na esttica do produto.

    Esta perspectiva conduz-nos necessidade de relanamento de um produto tradicional,

    historicamente enquadrado e alinhavado pela gentes da Ilha da Madeira directamente

    ligadas industria dos bordados, bem apresentado ao pblico nos postos de venda

    apropriados e convenientemente disseminado no exterior.

    Esta necessidade j h muito vem sendo reivindicada.

    Da consulta ao Dirio da Repblica n. 146 (9) , acerca da defesa e autenticidade do

    artesanato regional, pode ler-se no artigo 4 b), que fica proibida na Regio "()A

    exposio e venda ambulante de bordado tapearia da Madeira, com excepo dos

    bomboteiros"; no artigo 5,"() Na exposio e venda de bordado (.) da Madeira

    dever existir uma clara separao e individualizao fsica em relao aos produtos

    similares provenientes de outras zonas do pas ou do estrangeiro."; mais se

    acrescentando, no artigo 6, que "()Todos os produtos devero conter em termos bem

    visveis a denominao da sua origem (. ) ".

    Na realidade no esta a situao que se vive, apostando-se muito pouco na apresentao

    dos artigos e na abordagem esttica das montras das casas de bordado em geral. Esta

    situao piora, quando se aborda os bazares de venda de artesanato diversificado, onde

    tudo se encontra exposto aleatoriamente e sem um mnimo de bom gosto nem de

    requinte.

    9 Vide anexo pg. 42, Dirio da Repblica n. 146, Srie I, Sbado, 28 de Junho de 1986, Decreto

    Legislativo Regional n. 11/86 / M , pgs. 1539 a1540

  • 46

    2.4 - A OBRA

    "() Ao principiar Novembro, 5 horas e meia da

    tarde, as sombras povoam mais cedo o interior das

    casas. E mais cedo se acende a luz do candeeiro a

    petrleo. Do bordado nascia o po. Curvadas em

    torno das mesas, as mo trabalhavam sem descanso

    at desoras.. " (10)

  • 47

    A pontuar a paisagem da Ilha, a bordadeira sentada na soleira da porta ou em grupos,

    sombra das latadas de vinha, entoando cnticos ou contando histrias que acompanham

    os trabalhos, aproveitavam a luz natural para bordar, rodeadas pelos filhos e vizinhas

    com a mesma ocupao. De noite, dentro de portas continuam "puxando da agulha", o

    garante de uma achega magra economia familiar.

    A mulher madeirense sempre demonstrou uma grande capacidade artstica e perfeio

    tcnica para produzir trabalhos manuais. Esta capacidade herdada h geraes a que

    torna possvel uma obra de arte a partir de um simples pedao de linho estampado,

    urdido ao ritmo firme e perptuo das suas mos.

    Simples, tambm o so os instrumentos da bordadeira:

    A agulha, geralmente fina (#7) e adequada aos tecidos de trama espessa; a tesoura,

    pequena e pontiaguda; o dedal, usado no dedo mdio da mo direita; a dedeira ou

    dedaleira ,uma espcie de dedal sem a parte superior, colocada no dedo indicador da

    mo esquerda (11) ; o furalh ou fura-ilh, pequeno instrumento geralmente feito de

    madeira, osso ou marfim, com uma extremidade pontiaguda que serve, como o prprio

    nome indica, para fazer as aberturas no tecido prprias do ponto Ilh.

    10 Horcio bento de Gouveia , op.Cit. , pag.105 .

    11 A bordadeira madeirense costuma us-la no polegar para facilitar a preciso da agulha. Em sua

    substituio usam uma simples forra de carto ou cabedal . Em qualquer dos casos a sua funo a de proteger o dedo de eventuais agulhadas .

  • 48

    Para alm destes utenslios, utilizam as linhas, que so basicamente de dois tipos: de

    algodo e de seda. Os negalhos de linha dobrada so presos por um cabresto com

    indicaes de marca, cor e espessura. De preferencia utilizam as linhas mais espessas,

    preterindo as de seda a favor das de algodo.

    O acto de bordar comporta uma gestualidade caracterstica da mulher. Sentada, assenta

    o tecido sobre o dedo indicador que fica preso pelos dedos polegar e mdio da mo

    esquerda. Com a mo direita, utiliza a agulha segura pelo indicador e polegar, tendo o

    dedo mdio como apoio, num gesto de grande preciso.

    Na produo do bordado da Madeira nunca foi empregue o bastidor, o que torna este

    trabalho ainda mais peculiar, dado o grau de exactido que se atinge sem o recurso a

    determinados elementos normalmente usados na feitura dos bordados. De acrescentar, a

    estranheza contrastante entre as mos destas mulheres, dadas a tarefas domsticas

    pesadas, lavoura agricultura e ao pastoreio, e o manejar das agulhas to finas, num

    trabalho to minucioso.

    A bordadeira uma artes annima, de entre as cerca de cinco mil que hoje em dia se

    dedicam a este lavor. Segundo dados estatsticos referentes a 2002, recolhidos de um

    trabalho de campo exaustivo perpetrado por pessoal da Seco de Fiscalizao do

    IBTAM (actualmente IVBAM), o levantamento demogrfico de bordadeiras por

    Concelho conforme o quadro que se segue:

  • 49

    Levantamento Demogrfico de Bordadeiras por Concelho

    Concelho N. Bordadeiras

    FICHEIRO

    N. Bordadeiras

    ACTIVO

    Mdia de

    Idades

    Percentagem

    de Quebra

    Santa Cruz 384 220 46 - 45%

    Ribeira Brava 1917 996 44 -48%

    Ponta de Sol 532 318 49 -41%

    Porto Santo 133 93 51 -31%

    So Vicente 118 55 43 -46%

    Santana 107 58 56 -54%

    Porto Moniz 16 9 46 -56%

    Machico 1525 681 47 -55%

    Calheta 670 211 46 -69%

    Funchal 1940 611 48 -68,6%

    Cmara de Lobos 3961 1694 46 -59%

    Total 11303 4946 48 -54%

    Quadro N3

    Estes dados so efectivados por comparao ao ano de 2000. A se manterem as

    tendncias actuais, com quebras superiores a 50%, o processo de extino desta classe

    no dever estar muito longe de se tornar numa realidade incontornvel.

    Muitas das bordadeiras permanecem no activo, contribuindo erroneamente para as

    estatsticas, para obterem as regalias da Segurana Social, bordando o nmero de pontos

    necessrios e durante o numero de anos exigidos, para que tal regalia se mantenha. D-

    se o caso de estarem inscritas mulheres que no bordam, sendo a av ou tia das mesmas

    a bordarem o numero mnimo de pontos para descontos na Segurana Social, auferindo

    do estatuto de beneficirias e posteriormente da reforma.

    Para alm disso, a faixa etria mais numerosa a que se situa entre os 50 e os 60 anos

    de idade.

  • 50

    A partir de 1980, as bordadeiras comearam a receber subsdio de Natal e a descontar

    obrigatoriamente para a Segurana Social, passando a beneficiar de subsdio de reforma.

    Desde 1998, o direito penso de velhice do regime da segurana social das

    bordadeiras de casa, foi antecipado para os 60 anos de idade, aps 15 anos civis com

    entrada de contribuies (1 ano civil corresponde a 120 dias). A reforma por invalidez

    contemplada aps cinco anos civis com entrada de remuneraes.

    1.4.1 - A REGULAMENTAO DA REMUNERAO DA BORDADEIRA

    A actividade das bordadeiras de casa encontra-se regulamentada em Dirio da

    Repblica (vide anexo pg.52). Apenas a partir de Julho de 1993, as bordadeiras de casa

    so classificadas da seguinte forma:

    " a) Bordadeira manual de bordados - a que executa bordados manuais em tecido

    estampado com pontos diversos, utilizando vrios tecidos como algodo, linho, organdi,

    fibras sintticas ou artificiais, l e seda natural, e interpreta os desenhos e as

    especificaes sobre as cores e a linha a utilizar."

    So anualmente estabelecidos por Portaria (vide anexo pg.74), emitida pela Secretaria

    Regional dos Recursos Humanos (ou por outra secretaria que tutele o sector), os valores

    remuneratrios mnimos a pagar s bordadeiras de casa, de acordo com as

    possibilidades econmicas e financeiras do sector.

  • 51

    O sistema econmico que estabelece a remunerao mnima (1) s bordadeiras

    domicilirias extremamente complexo e nico no Pas.

    Para se chegar ao estabelecimento dos designados pontos industriais, necessria a

    contagem, em cada desenho, da totalidade dos pontos que o compem. Cada fbrica

    numera os seus originais, e aps a contagem de pontos que constituem o desenho, o

    contador coloca esta soma descriminada numa das margens. O papel do contador deve

    ser de muita preciso e justia, pois qualquer erro na contagem, repercute-se na

    remunerao da bordadeira.

    Depois de contados e agrupados distintivamente so ento multiplicados pelo ndice

    legal em vigor contemplado para cada tipo de ponto. Quanto mais difcil for a execuo

    dos pontos de bordar, maior o nmero de pontos industriais atribudos a esses pontos

    reais, distinguindo-os por grau de dificuldade e criando simultaneamente uma

    especificidade de trabalho entre as bordadeiras .

    Para melhor ilustrar este processo de remunerao, remeto para consulta (em anexo na

    pg. 73), cpia de pea acabada e respectiva contagem de pontos industriais que a

    compem. O total de pontos ento multiplicado pelo ndice legal em vigor para o ano

    corrente.

    Este sistema meticuloso e complexo, visvel na tabela que se segue, datada de 1935,

    que continua em vigor como referente tcnico para a contagem dos pontos industriais.

    Serve de base para a remunerao das bordadeiras e estabelece o consequente preo de

    mo-de-obra das peas de bordado.

    12 Por lei, o clculo de remunerao compreende os valores mnimos a pagar, pois caso esses valores

    no se verifiquem, os industriais ficam sujeitos a multas ou at mesmo ver a sua licena de alvar ser

    retirada.

    permitido pagar acima da tabela.

  • 52

    Os pontos de bordar (13) contemplam apenas os asseverados como pontos tradicionais e

    caractersticos do Bordado da Madeira. Tendo em conta a tabela de pontos relativa aos

    bordados, que contempla os pontos a aplicar, no hoje permitido introduzir outro tipo

    de pontos sob pena de no ser considerado bordado autntico. Estes tm uma

    nomenclatura muito prpria e com ajustes locais que derivam de corruptelas que o

    linguajar popular tomou como norma.

    A liberdade possvel centra-se na originalidade dos desenho e das composies, que,

    usando o estrito manancial de pontos, permite a criao de novas peas, pela articulao

    idiossincrtica e artstica dos motivos que compem o desenho.

    No bordado da Madeira, toda a matria-prima importada, desde as linhas (de Portugal

    Continental, Frana e Inglaterra) aos tecidos: o algodo chega-nos de Portugal

    Continental, da Blgica e da Sua; o linho, da Irlanda, Blgica, Portugal Continental e

    Itlia, e a seda, do Japo.

    O que o distingue dos demais, a inconfundvel execuo sada das mos que

    trabalham a matria com uma cadencia firme e sabedora, denunciando a preciso de

    quem sabe o que faz e permitindo a existncia (e permanncia) do bordado na histria

    colectiva madeirense.

    13 Vide anexo pgs. 4 a 17

  • 53

    CAPITULO II

    1- PRESSUPOSTOS TERICOS SOBRE A MUSEOLOGIA

    1.1 DA MEMRIA

    1.2. DO OBJECTO MUSEOLGICO

    1.3 DA MUSEOLOGIA

    2- O ECONOMUSEU

    2.1 - A VERTENTE MUSEOLGICA

    2.2 - A VERTENTE EMPRESARIAL

    2.2.1 A GESTO

    2.2.2 O MARKETING

    2.2.3 A QUALIDADE

  • 54

    1- PRESSUPOSTOS TERICOS SOBRE A MUSEOLOGIA

    1.1 - Da memria

    Um museu to somente a memria da sociedade que o corporiza.

    Toda a evoluo do mundo contemporneo caminha na direco de um mundo

    acrescido de memrias colectivas e a histria dita Nova pode ser interpretada como uma

    revoluo da memria, ao se esforar por criar uma histria cientfica a partir da

    memria colectiva.

    A memria colectiva muito mais abrangente do que o contedo dos museus,

    bibliotecas e arquivos. Alberga o patrimnio oculto: toda a experincia humana, todo o

    conhecimento, todos os processos de trabalho e todas as formas de expresso criadas

    pela Humanidade, juntamente com o meio fsico circundante, pertencem quelas partes

    da memria colectiva que raramente esto presentes nessas instituies.

    A memria constituda por imagens construdas pelo ser humano e por isso contm

    emoes, o que as torna mais fortes, mas menos objectivas. O processo de recuperao

    de uma memria, pode ser comparado com a experincia de tirar uma cereja de um

    cesto: nunca tiramos s uma, porque a que pegamos traz sempre outras agarradas e

    acabamos por tirar uma srie de cerejas ao mesmo tempo.

    Esta metfora corresponde ao facto de que as recordaes no esto armazenadas de

    forma isolada, mas que se encontram ligadas entre si em redes que, colectivamente,

    representam o conjunto de experincias vividas pelo sujeito. A tarefa de recuperar uma

    experincia vivida como fazer um puzzle, cujas peas esto repartidas por diversas

    caixas - de uma das caixas tiramos um local, de outra, uma experincia vivida, uma

    data, um percurso - e vamos encaixando cada pea no seu lugar.

    A recolha de memrias torna-se imperiosa quando se pretende estabelecer uma histria

    local com pormenores do almanaque social, cultural e poltico.

  • 55

    O mbito da histria local e regional, responder a interrogaes que dizem respeito

    aos nveis e aos mecanismos de integrao social, econmica, poltica e cultural e

    implica o estudo intenso de documentao de carcter local, integradas em questes de

    carcter geral.

    Conhecer a histria local passa por conhecer a memria de certas pessoas - a memria

    viva. esta que permite dar vida aos objectos num museu, pondo-os de certa forma a

    comunicar, numa narrativa no estereotipada.

    A recolha de testemunhos de um grupo profissional (onde para alm das bordadeiras,

    tambm se inclui os restantes profissionais anteriormente descritos) que se encaminha

    para uma inegvel extino, torna-se imperiosa quando se pretende estabelecer uma

    histria local com pormenores do almanaque social, cultural e poltico.

    funo do museu aprender as histrias de vida desta populao ligada a uma industria

    de bordados outrora florescente, para as "contar". Trata-se de preservar as peas para

    fazer o tal puzzle, que a memria colectiva da sociedade madeirense desde o sculo

    XIX. uma recolha de patrimnio imaterial, que se processa atravs de conversas com

    pessoas mais idosas, artesos e operrios, para recolher conhecimentos e saberes

    tradicionais como os como os ofcios tradicionais, o linguajar, a msica, a dana, os

    rituais e festividades, a medicina tradicional e as mezinhas, rezas ou artes culinrias.

    Preservar o material implica conservar o imaterial. Da simbiose dos dois resulta uma

    sntese plena, que o museu pretende salvaguardar: aliar o patrimnio tangvel ao

    patrimnio emocional.

    De outra forma no faria sentido.

  • 56

    O poema que se segue apenas um tnue retrato de uma valiosa coleco :

    O BORDADO

    Eu nasci em 27

    E em 40 j bordava

    Junto com a minha av

    Que ela me ensinava .

    De dia era na terra

    noite era para bordar

    Com candeeiro pequeno

    Para nos alumiar.

    Sentadas no cho

    roda de um banquinho

    Pra pr o candeeiro

    Que era pequenino

    Bordava-se a noite inteira

    Que j esfregava os olhos

    Tinha a vista a arder

    Por causa do petrleo

    A luz do candeeiro

    Fazia muito mal

    Pra ganhar um dinheirinho

    Para comprar o enxoval.

    Mesmo com o petrleo

    Havia muitas raparigas a bordar

    Agora com electricidade

    No querem se assujeitar. (14)

    14) Asceno de Jesus Moniz ,70 anos

    Centro de Dia da St Casa da Misericrdia da Calheta , Abril 1998

  • 57

    O museu seria protagonista na recolha deste acervo paralelo, das tais histrias de vida

    que se esgotam quando a vida acaba. Estimular este depsito, faria gerar a criatividade,

    a qualidade, a expresso livre, a perpetuao de pequenas ou grandes narrativas para as

    geraes futuras, o conhecimento do "Estado da Arte" de uma determinada

    comunidade, num dado espao de tempo, a percepo das suas preocupaes,

    pensamentos, anseios, felicidades e tristezas.

    Numa misso educativa, iria facultar a todas as pessoas, independentemente da idade e

    grau acadmico a possibilidade de escrever as suas memrias, que de outra forma no o

    fariam, ou por falta de recursos materiais, ou por no saberem escrever, para alm de

    poder fundamentar estudos de poca sob o aspecto social e lingustico.

    Imagine-se se tivssemos tido acesso a esse tipo de arquivo organizado h anos atrs, e

    pudssemos ser capazes de ler o que os nossos antepassados diziam, como o diziam, o

    que viveram, como o viveram ! Sem recursos literrios nem figuras de retrica, seria

    um registo diferente de um livro de histria, de um arquivo, de uma notcia de jornal, ou

    de um relato feito por outrem, porque manteria a sua autenticidade plena.

    funo dos museus do sc. XXI partir do universo individual para o colectivo, atravs

    de temas da actualidade e de conceitos globais, contemplando o hiato entre geraes.

    Sempre com uma perspectiva inter-geracional, numa poca em que se desvirtua o saber

    dos mais idosos, ignorando que os problemas basilares do ser humano so sempre os

    mesmos, independentemente da poca em que se vive. Este estmulo poderia gerar um

    sentimento de auto-estima ou apenas funcionaria como purga de emoes, tal como

    funcionava o teatro para a antiguidade clssica, tal como funciona uma consulta de

    psicologia para os tempos modernos.

    A palavra, essa sublime prerrogativa humana, o suporte que permite a transmisso de

    uma ideia, mesmo que um gesto valha mais que mil palavras, que para bom entendedor,

    meia palavra baste, no nos devemos nunca esquecer que no principio era o verbo!

  • 58

    1.2. Do Objecto Museolgico

    Os objectos esto associados a percursos de vida e quadros sociais, histricos e

    geogrficos de produo. o sistema de valores dos objectos que constitui o seu

    interesse museolgico.

    O museu dever responder questo: como que os objectos nos interpelam ?

    H todo um potencial expressivo nos objectos ligados a um sistema de valores quando

    se procura dar resposta a o que que um objecto, situao ou personagem, suscita na

    minha memria. Durante muito tempo, no mundo dos museus, era o objecto pelo

    objecto. Este passou a ser conotado de um potencial expressivo, ligado a uma realidade

    social, que nos remete para um sistema de valores, alicerado no reforo de identidade e

    auto-estima dos indivduos e grupos.

    Os objectos ganham assim uma vida transferida atravs de um processo de museificao

    e tornam-se documentos: o objecto museolgico por definio um artefacto

    comunicante, assim tornado atravs do processo de musealizao. Como documento,

    torna-se fonte de informao, no apenas da sua prpria existncia, mas tambm como

    testemunho fsico de uma determinada actividade, fenmeno ou funo.

    Os objectos / documentos no so simplesmente exibidos, mas explicados, interpretados

    e contextualizados. Valem pela funo que desempenharam e tm a capacidade de

    evocar temas, problemas, situaes, sentimentos e modos de viver.

    Os objectos museolgicos so separados do seu contexto original e transferidos para

    um outro, o museu, de forma a documentar a realidade da qual foram fisicamente

    separados. Para os fazer renascer, conta-se com a participao dos seus antigos usurios

    que recriam cenrios da vida quotidiana de outros tempos juntamente com a presena de

    outros objectos ou recria-se essa mesma vida atravs do registo da sua sonoridade,

    gestualidade e odor, inculcando-lhes fragmentos da