Click here to load reader
View
255
Download
1
Embed Size (px)
1
DISFUNO TEMPOROMANDIBULAR NO CONTEXTO DA DOR
OROFACIAL
Jorge LIA a, Rodrigues JLIO b, Gouveia MRIO c
RESUMO
A disfuno temporomandibular (DTM), um termo colectivo que abrange uma srie
de problemas clnicos que envolvem os msculos da mastigao, a ATM e estruturas
associadas. A DTM uma causa comum de dor orofacial e a dor o sintoma mais
comummente associado a DTM.
Desde meados do sculo passado at finais da sua dcada de 70, o tratamento da DTM
baseava-se numa prtica mecanicista centrada na ocluso. Esta viso teve consequncias
desagradveis para os doentes, algumas delas graves, resultante de sobrediagnstico e
sobretratamento. Os anos 90 foram de reflexo, tendo sido criados os critrios de
diagnstico para pesquisa em DTM (RDC/TMD) e lanadas as bases dos pressupostos
em que se baseia a DTM na actualidade.
Com este trabalho de reviso pretendeu-se dar uma retrospectiva profunda e
epistemolgica da DTM, tendo em conta o conhecimento actual sobre este tema, no s
no que respeita etiologia e diagnstico, mas tambm no que diz respeito ao tratamento.
PALAVRAS-CHAVE
Articulao Temporomandibular, Msculos da Mastigao, Disfuno
Temporomandibular, Dor Orofacial
a Interna de formao especfica de Estomatologia, Servio de Estomatologia do Hospital de Braga b Assistente hospitalar graduado de Estomatologia e orientador de formao especfica em Estomatologia , Servio de Estomatologia do Hospital de Braga c Assistente hospitalar graduado snior de Estomatologia e director do Servio de Estomatologia do Hospital de Braga
2
ABSTRACT
The temporomandibular disorders (TMD) is a collective term that embraces a number of
clinical problems that involve the masticatory musculature, temporomandibular joints
(TMJs) and associated structures. TMD is a common cause of orofacial pain and pain
represents the most common symptom in association with TMD.
The TMD management has been based on a mechanicist procedure focused on
occlusion from mid-twentieth century up until the seventies. This approach has had a
disagreeable outcome for the patients, sometimes with serious consequences, due to
overdiagnosis and overmanagement. The nineties were a time of reflexion, leading to
the birth of Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders
(RDC/TMD) and the bases for the assumptions on which TMD nowadays stands were
then found.
The purpose of the present article is to show a deep epistemological retrospect, keeping
in mind what is known about TMD, including both its causes and its diagnosis, as well
as its management.
KEY-WORDS
Temporomandibular Joint, Masticatory Muscles, Temporomandibular Disorders,
Orofacial Pain
3
1 DEFINIO
A articulao temporomandibular (ATM) uma bicndilo-meniscartrose conjugada.
Em termos de mecnica articular esta articulao executa trs tipos de movimentos, de
abertura e de encerramento, de projeco e de retropulso e de lateralidade 1. O
movimento normal do disco articular durante a abertura da boca de rotao posterior
em relao ao cndilo mandibular, enquanto este se move para fora da fossa (cavidade
glenoideia) 2. Por msculos da mastigao (conjunto de 4: masseter, temporal e
pterigoideus medial e lateral), entende-se aqueles que permitem o contacto dentrio. A
disfuno temporomandibular (DTM), um termo colectivo que abrange uma srie de
problemas clnicos que envolvem os msculos da mastigao, a ATM e estruturas
associadas 2.
A evoluo da nomenclatura da DTM ao longo da histria denota uma parafernlia
torno desta entidade. O termo DTM foi introduzido em 1982 por Bell e, desde ento,
tem vindo a ganhar cada vez mais popularidade. Actualmente, ambos os termos, DTM e
disfunes craniomandibulares, so usados 3. Mais recentemente, Sandro Palla, sugeriu
uma nova designao para esta entidade: mioartropatia temporomandibular. A
nomenclatura da DTM no se encontra, ainda, consensualmente estabelecida.
A DTM uma causa comum de dor orofacial 4 e a dor o sintoma mais comummente
associado a DTM 5,2. Outros sintomas frequentes so rudos articulares e movimentos
mandibulares limitados ou assimtricos 2. Como sintomas associados DTM (co-
morbilidades), so comuns otalgia, plenitude auricular, acufenos, tonturas, dor do
pescoo e cefaleias 6. A DTM de componente muscular um conhecido factor de risco
para cefaleias, especialmente para enxaqueca, mas tambm para cefaleia tipo tenso e
cefaleia crnica diria 7.
Tal como j referido, a DTM pode ter dois componentes: articular ou muscular. E
exactamente por isso que pode ser classificada em dois grandes grupos: distrbios
relativos dor e disfuno dos msculos da mastigao e distrbios relativos ATM 4.
Quanto aos distrbios relativos dor e disfuno dos msculos da mastigao, a dor
(miofascial dor muscular crnica regional) e as dificuldades de mobilizao da
mandbula so as caractersticas mais comuns. Mas h outras, por ex., miosite
(inflamao muscular primria), mioespasmo (agudo, involuntrio e com contraco
tnica), mialgia local (provavelmente secundria a isqumia, bruxismo, fadiga,
alteraes metablicas, etc.), contractura fibromitica, neoplasia e dor muscular crnica
mediada centralmente (dor muscular crnica generalizada) 8,2.
Quanto aos distrbios relativos ATM estes esto divididos em dois grupos:
desarranjos internos e osteoartrite/osteoartrose 3. Os desarranjos internos da ATM
(relao anormal entre o cndilo mandibular e o disco intra-articular 9,10) mais comuns
incluem luxao anterior do disco com ou sem reduo e hipermotilidade 3.Quando a
causa da artrite degenerativa (osteoartrite e osteoartrose), pode ser dividida em
primria (causa desconhecida) e secundria (factores locais e sistmicos) 11,12,2,3. Esta
condio, crnica, afecta a cartilagem articular e est associada a remodelao
simultnea do osso subcondral subjacente11,12. Sinais e sintomas associados a
osteoartrite so rigidez, artralgia, sensibilidade localizada articulao afectada, edema,
calor, eritema (pele), crepitaes e ostefitos 12.
2 EPIDEMIOLOGIA
A prevalncia de sinais e sintomas de DTM em no-doentes alta13. Aproximadamente
33% de no-doentes adultos tm pelo menos um sintoma e 40-75% pelo menos um sinal
de DTM 2. A prevalncia da dor relacionada com DTM e da necessidade de tratamento
aproximadamente 5-10% 2. No entanto, a prevalncia de DTM clinicamente
significativa apenas de 3-5% 14. A DTM parece ser bastante comum entre crianas e
4
adolescentes 3. No entanto, uma maior prevalncia verificada em adultos jovens e de
meia-idade, seguindo-se um declnio com a idade 15,16. Segundo Antnio Srgio
Guimares, a idade mdia so os 32 anos. A DTM 2 vezes mais frequente em
mulheres do que homens, na populao geral, e a dor o principal factor responsvel
pelo facto das mulheres procurarem tratamento 3 a 8 vezes mais frequentemente do que
os homens 5,15. Os mecanismos subjacentes s diferentes prevalncias relacionadas com
os sexos, nas condies craniofaciais que provocam dor, nas quais a DTM se inclui,
permanecem obscuros e provavelmente envolvem quer factores fisiolgicos, quer
psicolgicos 17. Estudos sugerem que os estrognios modulam a dor associada DTM
em mulheres 15. No entanto, este processo de modulao da dor por hormonas sexuais
extremamente complexo 17. Segundo Antnio Srgio Guimares, 73% dos casos de
DTM so de componente muscular, 8% de componente articular e 19% de ambas. Os
subtipos mais comuns de DTM nas populaes clnicas parecem ser dor miofascial e
artralgia 18, enquanto que em no-doentes os rudos articulares parecem ser o sinal mais
comum 19. Os estalidos so os rudos articulares mais frequentes, variando de 25% a
43% 3.
A incidncia da DTM em no-doentes aproximadamente 2% 2.
3 -ETIOLOGIA
De acordo com a National Institute of Health Technology assessment Conference
Statement, em 1996, com a excepo das causas traumticas, a causa exacta da DTM
permanece desconhecida ou especulativa.
A causa de DTM considerada multifactorial 6,20. Factores biomecnicos,
neuromusculares, biopsicossociais e neurobiolgicos podem contribuir 21. Estes factores
so classificados como predisponentes (estruturais, metablicos e/ou psicolgicos),
precipitantes (por ex. traumatismo ou sobrecarga muscular) e agravantes (parafunes,
hormonais ou psicossociais) 22. consensual que os factores agravantes possam ser
mais importantes que os precipitantes.
Embora os factores etiolgicos sejam difceis de determinar, mltiplos factores de risco
para a DTM tm sido sugeridos 3. Ocluso, parafunes (bruxismo), traumatismos,
hipermotilidade, stresse, personalidade, idade, sexo, gentica e doenas sistmicas so
considerados factores de risco que possivelmente contribuem para DTM 23.
Por boa ocluso, entende-se aquela que confortvel, eficiente e estvel e no aquela
que definida pelo articulador. Actualmente, considera-se que a ocluso no
desempenha um papel importante na etiologia da DTM 3. No podendo, inclusivamente,
ser tiradas concluses sobre associaes entre tipos especficos de m ocluso e DTM,
bem como se tratamentos ortodnticos a causam ou a evitam 20,24,2. No entanto, sugere-
se que existam diferenas na vulnerabilidade a interferncias oclusais 3, que quando
grosseiras podem considerar