Dissertacao Mestrado Filipe Murracas

Embed Size (px)

Citation preview

Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa

Departamento de Economia

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

Filipe Fernandes Murraas

Tese submetida como requisito parcial para a obteno do grau de

Mestre em Economia e Polticas Pblicas

Orientador: Doutor Pedro Costa, Professor Auxiliar, ISCTE

Outubro de 2008

RESUMO hoje comum a ideia de que o processo da globalizao levanta novos desafios. No campo da poltica pblica, a globalizao surge como pano de fundo para a anlise da cultura e identidade nacionais como importantes elementos diferenciadores da economia

nacional/regional no mercado global. Nesta dissertao incidimos a nossa ateno na questo da marca pas (territorial) enquanto veculo promotor da competitividade econmica portuguesa, procurando na mesma uma permeabilidade cultural, enquanto via de diferenciao e identificao econmica internacional. Estudando os trs principais vectores pelos quais uma estratgia do tipo marca pas actua, Investimento Directo Externo, Exportaes e Turismo, sobre este ltimo que privilegimos a nossa abordagem. No contexto do lanamento da mais recente iniciativa de Marca Portugal, procedemos realizao de uma srie de entrevistas com o intuito de integrar esta(s) iniciativa(s) no contexto da nossa pesquisa.

Palavras-chave: Cultura; Competitividade; Marca Pas; Turismo. JEL Classification System: F59; L83; M31

ABSTRACTIt is nowadays accepted the idea that globalization presents new challenges. In what concerns public policies, globalization emerges as a background to the analysis of national culture and identity as important elements of national and regional differentiation in the global economy. In this dissertation we focus on country (place) branding as a vehicle to promote Portuguese economic competitiveness, searching at the same time for a cultural nature in these strategies. Studying the three main vectors from which a country branding strategy intervenes, Foreign Direct Investment, Exports and Tourism, we place our main attention in the last one. In the context of the release of a new Brand Portugal initiative, we did some interviews, trying to integrate this particular initiative in our research.

Keywords: Culture; Competitiveness; Country Brand; Tourism. JEL Classification System: F59; L83; M31.

II

AGRADECIMENTOSO desenvolvimento de uma Tese de Mestrado no uma tarefa simples, mas muito menos um acto isolado e exclusivo. Assim sendo, natural que haja um conjunto de pessoas a quem gostaria de agradecer, e a quem dedico esta pgina, nesta fase conclusiva do trabalho. Em primeiro lugar, esta dissertao no teria sido possvel sem a ajuda do Doutor Pedro Costa, meu orientador, a quem agradeo pelo apoio e conselhos prestados, mas tambm pelo desafio que sempre me colocou em que desse sempre mais um passo em frente. Por fim, do ISCTE gostaria ainda de me referir ao corpo docente e aos meus colegas de curso, a quem devo, alm do meu enriquecimento pessoal, a motivao em aprender, conhecer e explorar novas reas. Finalmente, o meu mais sentido apreo a todas as pessoas que mais de perto me vm acompanhando, e a quem devo mais do que apoio na prossecuo deste trabalho. Agradeolhes, acima de tudo, a motivao, o apoio pessoal, e o facto de darem mais sentido minha vida. minha famlia e namorada, o meu muito obrigado.

III

NDICE 1 INTRODUO ..................................................................................................11.1 Nota Metodolgica ...................................................................................................3

2 O PANO DE FUNDO: INTERDEPENDNCIA NACIONAL E PODER BRANDO...........42.1 - Interdependncia nacional e a massificao da informao ...................................5 2.2 - Soft power e capital social: a importncia do reconhecimento e da confiana.......7

3 OS PRINCIPAIS CONCEITOS INCLUDOS ...........................................................93.1 Cultura .....................................................................................................................9 3.1.1 - Cultura e identidade nacional .........................................................................10 3.2 - Soft power ou o peso da imaginao ..................................................................10 3.3 Diferencialidade .....................................................................................................12 3.4 - Marca Territorial ...................................................................................................13 3.5 - Cultura, poder econmico e propaganda cultural.................................................17 3.6 - Competitividade Internacional ..............................................................................19

4 - CULTURA, INTERNACIONALIZAO E MARKETING TERRITORIAL.................244.1 - Pode medir-se a cultura? ........................................................................................24 4.2 - Diversidade cultural e internacionalizao empresarial .......................................26 4.3 - Marketing territorial e crescimento econmico regional ......................................29 4.4 - Nvel empresarial....................................................................................................31 4.4.1 - A criao de valor ............................................................................................33 4.4.2 - Que mercado? ..................................................................................................35 4.4.3 - Persuaso empresarial? ...................................................................................36

5 - NO

DOMNIO DA

POLTICA PBLICA: AS INICIATIVAS

DE

PROMOO

EXTERNA DO PAS ..............................................................................................415.1 - A evoluo do suporte institucional das polticas em Portugal .............................41 5.2 - Promoo de Portugal no Estrangeiro ...................................................................43 5.2.1 Turismo............................................................................................................44 5.2.2- Exportaes .......................................................................................................45 5.2.3 - Investimento Directo Externo..........................................................................48 5.3 - As Iniciativas de Marca Portugal...........................................................................49 5.4 - Marca Portugal e Cultura Portuguesa...................................................................54

6 ANALISANDO A MARCA TERRITORIAL .........................................................56IV

6.1 Pas de origem: Identidade e percepo ................................................................56 6.2 - A dificuldade de se gerir o intangvel.....................................................................57 6.3 - Diferenciao macroeconmica..............................................................................59 6.4 - Marca Pas: que efeitos?.........................................................................................61 6.4.1 - Um exerccio possvel: o impacto econmico em trs indicadores .................62 6.4.2 - Capital humano e as condies da atractividade ............................................66

7 - O SECTOR DO TURISMO EM ANLISE ............................................................687.1 A promoo turstica ou a competio pela imaginao dos visitantes................68 7.2 Turismo em Portugal e Marca Portugal ...............................................................72 7.2.1 - O Plano Estratgico Nacional Portugus ........................................................73 7.2.2 - O retrato turstico portugus...........................................................................74 7.2.3 - A questo fulcral da coordenao ...................................................................77 7.2.4 - Que relao entre o PENT e a Marca Portugal? ........................................79

8 AS PERCEPES DOS AGENTES DO TURISMO PORTUGUS ............................858.1 O mtodo ................................................................................................................85 8.2 Temas-Chave em anlise........................................................................................86 8.2.1 Percepo da ideia de uma marca nacional e avaliao da Marca Portugal .....................................................................................................................................87 8.2.2 A importncia da diferencialidade cultural na sua rea de aco e permeabilidade cultural nesta(s) iniciativa(s)............................................................88 8.2.3 Articulao entre poltica pblica e o nvel empresarial e os agentes ...........90 8.2.4 Influncia da(s) iniciativa(s) de marca Portugal no sector do turismo e propostas para o futuro ..............................................................................................93 8.3 Concluses das entrevistas.....................................................................................96

9 NOTAS FINAIS ............................................................................................. 100 10 -BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 111 ANEXOS............................................................................................................ 118Anexo 1 Guio Entrevista..........................................................................................119 Anexo 2 Profissionais entrevistados ..........................................................................121

V

NDICE DE FIGURASPgina Quadro 1: Repartio por grupos de produtos do comrcio internacional portugus 2005.................................................................................................. Quadro 2: Iniciativas da Marca Portugal............................................................ Quadro 3: Coerncia Interna Objectivos/Eixos da Marca Portugal.................. Quadro 4: Exportaes 2002-2007..................................................................... Quadro 5: Investimento Directo Externo 200-2007........................................ Quadro 6: Turismo 2001-2006........................................................................ Quadro 7: Anlise SWOT................................................................................... Quadro 8: Coerncia externa PENT/ Marca Portugal....................................... 46 50 53 63 64 65 75 81

VI

0 - GLOSSRIOAICEP Agncia para o Investimento e Comrcio Externo Portugus APAVT Associao Portuguesa de Agncias de Viagem e de Turismo API Agncia Portuguesa para o Investimento ATL Associao de Turismo de Lisboa CTP Confederao do Turismo Portugus IAPMEI Instituto de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas e Inovao IC Instituto Cames ICEP Instituto para o Comrcio Externo Portugus IDE Investimento Directo Externo IMPACTUR Indicadores de Monitorizao e Previso da Actividade Turstica ISCTE Instituto Superior de Cincias Sociais e da Empresa ITP Instituto de Turismo de Portugal FFE Fundo de Fomento de Exportao MNE Ministrio dos Negcios Estrangeiros OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico OMT Organizao Mundial do Turismo PENT Plano Estratgico Nacional para o Turismo POTFC Programa Operacional Temtico Factores de Competitividade PRIME Programa de Incentivos Modernizao da Economia UE Unio Europeia UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Cultura, Cincia e Educao ZTI Zonas Tursticas de Interesse.

VII

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

1 INTRODUOA estrutura deste trabalho tem como principal objectivo permitir o aprofundamento de uma temtica particular, e que julgamos no ter tido, ainda, o devido enfoque cientfico. De forma clara e genrica, estas linhas que aqui se iniciam vo procurar estudar o impacto que o factor cultural tem no domnio da poltica econmica externa, considerando, em particular, o caso portugus. Num mundo em que a

internacionalizao das economias nacionais pouco menos que uma obrigatoriedade, e considerando o renovado interesse que a questo cultural tem suscitado nas anlises das dinmicas internacionais, parece legtimo e relevante o interesse em conhecer melhor as articulaes e sinergias que podem advir destes dois domnios de poltica pblica. Mais concretamente, est subjacente estrutura deste trabalho uma ideia de diferencialidade1 cultural, onde a questo cultural e identitria nacional se reflecte na sua projeco econmica, comercial e turstica. E a este nvel que se procura fazer a ponte para a questo da internacionalizao da economia portuguesa. Deixando para os captulos que se seguem o aprofundamento destas questes, cabe introduo clarificar e delimitar o campo terico e prtico onde esta tese se vai situar. Para comear, uma referncia estrutura-base deste trabalho. Optou-se por uma estrutura repartida em quatro blocos, em que na primeira parte (captulos 2 e 3) se procurar analisar o campo terico e conceptual associado articulao entre o factor cultural e a poltica econmica externa. Neste campo, cultura, num sentido amplo, tender a aproximar-se da ideia de identidade regional/nacional, incluindo questes que diferenciam um pas/regio, seja a sua histria, a sua identidade, as suas tradies, as suas manifestaes culturais, etc. Por outro lado, a necessria delimitao dos campos a considerar levou a que o enfoque se situe na questo da marca pas, mais concretamente no programa Marca Portugal; ser este o principal objecto de estudo no que diz respeito poltica pblica, e onde se procuraro reflexos e peso estratgico da referida cultura. Num segundo momento (captulo 4), iremos focar alguns pontos-chave desta temtica, procedendo-se a uma breve anlise da literatura da rea. O terceiro grande

bloco deste trabalho (captulos 5) ser dedicado um captulo autnomo especificidade da Marca Portugal, os seus antecedentes, os princpios adoptados, bem como a ponte para o futuro num domnio pblico que, mesmo considerando que vem apenas do ano1

Conceito a ser explorado no captulo 3.

1

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

de 1999, tem sofrido algumas contrariedades e, sobretudo, descontinuidades estratgicas. Neste contexto, uma das vias de investigao escolhidas foi a da entrevista exploratria, tendo-se seleccionado profissionais destacados que, directa ou indirectamente, se encontram envolvidos neste campo. O captulo 6 far a transio do domnio da poltica pblica para a anlise estratgica deste tipo de iniciativas, procurando implicaes e benefcios para a economia nacional. Por fim, na delineao de critrios relativos procura de informao, optou-se por centrar num sector econmico em particular: o relativo ao turismo. A este respeito, optou-se num quarto bloco por um trabalho de campo que consistiu em entrevistas com responsveis em entidades que actuem ou no domnio da poltica pblica nesta rea, onde parte da informao recolhida nas entrevistas exploratrias foi utilizada (AICEP, IC, PRIME), ou no sector do turismo nacional (ITP, CTP, APAVT, ATL). De facto, se o objectivo desta dissertao a avaliao de um (particular) impacte econmico da diferencialidade cultural portuguesa, parece imperativo conhecer por que vias uma marca Portugal se faz sentir na dimenso internacional da economia portuguesa, incluindo essencialmente trs dimenses: O Investimento Directo Externo (IDE), as Exportaes e o Turismo. Um programa com as especificidades de um do tipo Marca Portugal precisa de ter um prolongamento estratgico, visto estar em causa um chapu conceptual e estratgico que se apresenta como um meio e no como um fim em si mesmo. Importa, aqui, procurar dois tipos de efeito: por um lado, da incorporao desta portugalidade no sector do turismo, nomeadamente na rea da comunicao e marketing; por outro lado, e a confirmar-se a considerao no domnio privado de uma diferencialidade cultural, ser importante analisar de que forma existe uma coordenao de imagem entre a poltica pblica e a prtica privada. Na sua parte final, este trabalho ter dois objectivos genricos, passveis de diferenciao. Por um lado a construo terica e estratgica da ideia da marca territorial em si mesma, procurando nela uma permeabilidade cultural nacional. Num segundo plano, procurar-se- avaliar empiricamente a capacidade em potenciar a competitividade macroeconmica nacional, com especial enfoque no sector do turismo portugus.

2

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

Neste contexto, a delineao estratgica da poltica pblica dever, previsivelmente, ser perspectivada enquanto um input para todos os agentes envolvidos nos trs referidos vectores de relacionamento econmico internacional.

1.1 Nota MetodolgicaEsta dissertao enquadra-se no mbito do Mestrado em Economia e Polticas Pblicas, e foi desenvolvida entre Outubro de 2007 a Outubro de 2008. Como ponto partida, imprescindvel a definio da pergunta de partida que ir orientar o desenvolvimento deste trabalho. Assim, o objectivo deste trabalho ser o de avaliar o peso da cultura e identidade portuguesas para a competitividade nacional, no mbito da poltica econmica externa. Qual a relevncia da cultura na competitividade de Portugal?, ser, ento, a pergunta central desta dissertao. A biblioteca do ISCTE, para alm de variados artigos de imprensa, publicaes de organismos e informao contida em pginas da Internet, foram os locais junto dos quais se procedeu consulta bibliogrfica. Este esforo procurou ir ao encontro da necessidade de diversificar o mais possvel as fontes consultadas. Nesta dissertao foi ainda desenvolvido algum trabalho de campo, no contexto do qual foram efectuadas algumas entrevistas junto de entidades que directa ou indirectamente esto envolvidas na temtica desenvolvida. Numa fase inicial, foram desenvolvidas algumas entrevistas exploratrias, que permitiram aprofundar o tema em anlise, bem como encontrar pistas de orientao para esta dissertao. Num segundo momento, e com o claro intuito de focar o sector do turismo (alvo de enfoque numa fase final deste trabalho), foram preparadas entrevistas mais aprofundadas para os agentes deste sector. No captulo 8 so apresentadas as concluses destes dois conjuntos de entrevistas, bem como o mtodo aplicado. Finalmente em anexo encontram-se enunciados o guio das entrevistas bem como os profissionais entrevistados.

3

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

2 O PANO DE FUNDO: INTERDEPENDNCIA NACIONAL E PODER BRANDOAs ltimas dcadas tm produzido alteraes, profundas e complexas, na realidade que nos envolve. De facto, parece um lugar comum a ideia de que este processo de mundializao tem induzido o surgimento de oportunidades e ameaas. No ser alvo de enfoque neste trabalho este processo global, mas julgamos que ser aqui, tanto como na maioria dos artigos, livros, declaraes, anlises, ou meras opinies, fundamental comear-se a montante da questo em anlise. Esta mundializao caracterizada pelo seu sentido descendente, isto , tendo comeado por se formar a um nvel macro, atinge hoje os nveis mais particulares dos cidados mundiais 2 . E precisamente ao nvel dos cidados que a origem desta anlise das polticas de internacionalizao da economia se situa. O desvanecimento das fronteiras tem aproximado Estados, pessoas, ideias, culturas (Cardoso, 1994: 47), o que tem implicado uma constante alterao de polticas e estratgias um pouco por todo o mundo. Na verdade, um rpido olhar pela histria dos ltimos quinze anos rapidamente demonstra que as entidades e as autoridades pblicas tm sentido dificuldades vrias na gesto e adaptao a esta mundializao3. O global parece andar mais rapidamente que o local. Por outro lado, e aparentemente de forma paradoxal, este ltimo surge como elemento catalisador da globalizao, o elemento que a alimenta e faz avanar (Costa, 2002: 104). Para Anthony Giddens, os hbitos de vida local tornaram-se globalmente consequentes (Tomlinson, 1999: 25). Segundo outros autores, as fronteiras mais representativas so mesmo de cariz cultural, e no mais poltico ou ideolgico (Huntington, 1994). Qualquer que seja a perspectiva, parece evidente que, se o factor econmico se afirma hoje como primordial, ao nvel das gesto intercultural que mais evolues e alteraes se tm vindo a sentir nos ltimos tempos 4 , como refere John Tomlinson

Para Raul Lopes (2001: 3) a globalizao do mundo [] no lhe [nvel local] retira pertinncia, pelo contrrio, refora o seu papel desde logo enquanto quadro de vivncia social e participao poltica, vertentes no alienveis do desenvolvimento. 3 A ttulo de exemplo, veja-se Silvares, M. (24 de Janeiro de 2007), O Centro do Mundo em Davos, Dirio Econmico, edio on-line. Disponvel em: http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/edicion_impresa/destaque/pt/desarrollo/731691.h tml. 4 Para Tomlinson (1999: 22): material changes localize; political exchanges internationalize; and symbolic exchanges globalize.

2

4

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

(1999: 1) se a globalizao situa-se no corao da cultura moderna; as prticas culturais situam-se no corao da globalizao5. A questo cultural, que mais posteriormente ser alvo de preciso, surge como uma rea transversal por excelncia, possuindo no s valor em si mesma, no seu sentido estrito, mas tem surgido associada a outras reas do saber, seja o caso da Sociologia, da Poltica, da Antropologia, Histria ou Psicologia. No campo da poltica pblica, e observando o campo internacional, ao mesmo tempo que se considera o fenmeno cultural na sua forma mais abstracta, existe a tendncia em concluir que a cultura parece, cada vez mais, associada a fenmenos de relacionamento de poder. Contudo, se por um lado esta concluso parece ser aceite com alguma naturalidade, igualmente passvel de observao o facto de que as inter-relaes entre cultura e outros domnios de poltica pblica, carecem de maior aprofundamento. Nesta sequncia, o autor de Globalization and Culture afirma que a globalizao da sociedade humana contingente no sentido em que as relaes culturais so efectivas, e relativas aos arrangements polticos e econmicos (Tomlinson, 1999: 22)6. De facto, e neste mesmo sentido, parece compreensvel o cuidado que esta temtica parece suscitar, pois a conotao com as aces de propaganda poltica e ideolgica de um passado recente, parecem acautelar um certo distanciamento (Tomlinson, 1999: 103)7, como iremos reflectir mais frente.

2.1 - Interdependncia nacional e a massificao da informao8O novo sistema poltico internacional tem, no contexto deste trabalho, duas caractersticas fundamentais que pretendemos destacar, relacionadas entre si: a interdependncia internacional e a revoluo do acesso informao. A

interdependncia internacional consequncia directa das transformaes que tm vindo a ocorrer, e que genericamente temos vindo a referir. O facto de se estar mais prximo do outro faz com que necessariamente se acabe por se estar dependente dele:

Globalization lies at the heart of modern culture; cultural practices lie at the heart of globalization. It follows that the globalization of human society is contigent on the extent to which cultural relations are effective relative to economic and political arrangements. 7 The spread of capitalism must be seen as the spread of a distinctive cultural dominant in its own right. 8 Este captulo e o seguinte foram desenvolvidos com base no trabalho: Poder Cultural e Lusofonia: O Caso Portugus, do autor desta dissertao.6

5

5

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

o Estado moderno produz decises que funcionam como inputs directos neste sistema internacional, para apelar ao modelo ciberntico de Karl Deutsch (Maltez, J. 1996: 8995). Qualquer um desses inputs vai levar a que o sistema tenha necessidade de se adaptar constantemente aos mesmos, ou seja, o Estado no pode j viver desligado dos restantes, pois cada vez mais, e especialmente cada vez mais depressa, tem de tomar uma posio acerca do que o rodeia. Neste mesmo sentido, o bombardeamento constante de informao vinda de todas as partes do globo a que um cidado est sujeito, o desvanecimento das fronteiras nacionais, os vrios programas de mobilidade laboral e acadmica, a multiplicao de entidades polticas e econmicas multinacionais, entre outros factores, fazem com que as concepes culturais, tal como perduraram durante sculos, tenham tendncia a dissolver-se neste panorama (Mowlana, H. 1997). Em relao revoluo da informao, esta foi impulsionada pelo surgimento de novos meios de difuso, dos mass media, da comunicao feita a pensar nas massas. Por outro lado, foi natural o crescimento exponencial da populao exposta a esses mesmos meios. Meios de comunicao como a Internet ou a televiso por satlite trouxeram para o mainstream social uma srie de possibilidades que tm permitido o acompanhar da actualidade no mundo atravs de um simples carregar de boto (Mowlana, H. 1997: 8). Uma das principais consequncias deste sistema global de informao, a ideia muitas vezes veiculada de que a televiso pode alterar radicalmente o nosso sentido de fronteira cultural (Tomlinson, J. 1992), concluindo-se que qualitativa e

quantitativamente, no capitalismo avanado do sculo XX, os media estabeleceram uma liderana decisiva e fundamental na esfera cultural (Tomlinson, J. 1992: 60). John Tomlinson identifica o que, a seu ver, a principal funo cultural dos media modernos: a facultao e a construo selectiva do conhecimento social, do imaginrio social, pelo qual se percepcionam os mundos, as realidade vividas dos outros, e a reconstruo imaginria das suas e nossas vidas em algum world of the whole intangvel (Tomlinson, J. 1992: 60), pelo que conclui afirmando que os media so a representao dominante da cultura moderna (Tomlinson, J. 1992: 61).

6

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

2.2 - Soft power e capital social: a importncia do reconhecimento e da confianaMesmo sendo difcil estabelecer uma relao directa com esta operacionalizao do factor cultural nos domnios da poltica externa, o conceito de soft power, ou poder brando (ou, em ltima anlise, poder cultural), introduzido h alguns anos por Joseph S. Nye (2005), acaba por recuperar a ideia de que o contacto com a sociedade civil internacional surge, nos dias que correm, como um instrumento fundamental, tanto de afirmao internacional, como de compreenso mtua. Assim, na base desta concepo est a ideia de que o relacionamento a nvel internacional no pode, j, ser apenas percepcionado na perspectiva inter-estatal, mas que surgem, cada vez mais, novos canais de comunicao entre Estados e sociedade civil. De facto, esta referncia de poder brando parece vir a ser integrada nos vrios domnios de poltica interna e externa, dando a entender que as entidades pblicas procuram pautar a relao com a sua populao por uma lgica de legitimao de poder. Noutra perspectiva, se o conceito de soft power faz mais sentido quando aplicado na orla externa dos Estados, j ser mais interessante recuperar a ideia de capital social quando est em causa a dinmica interna de planeamento, aplicao e gesto decisional9. Para alguns autores este capital social, fundado na confiana social base fundamental para o desenvolvimento econmico.10. A explicao desta concluso pode ser encontrada nas palavras de Nan Lin, para quem tanto as racionalidades transaccionveis como as relacionais so de cariz social. Sem a legitimao e suporte de um sistema poltico e social e dos seus membros constitutivos, o sistema econmico, baseado no seu mdium simblico e generalizado, o dinheiro, simplesmente no pode existir (Lin, N. 2001: 164). Para Lin, esta ideia de capital social gravita fundamentalmente em torno do reconhecimento, reputao e solidariedade de grupo, sendo que o elemento catalisador da promoo deste tipo de capital o estabelecimento de uma rede social, cujo crescimento exponencial que se tem manifestado no ciberespao, acarreta consequncias que ultrapassam as fronteiras nacionais (Lin, N. 2001: 153-154 e 211).

9

10

Veja-se a este propsito: Lindbeck, A., Nyberg, S. e Weibull, J. (2002). A propsito do conceito de capital social, consulte-se Lin, N. 2001.

7

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

Analisado por outro prisma, o pressuposto da funo da cultura como sendo um alicerce fundamental do relacionamento inter-humano abriu espao para a criao do conceito de capital cultural. De facto, podem-se descortinar diferentes valncias para este conceito, ponto que justamente sublinhado por autores como Nan Lin11. No contexto do esprito deste trabalho, importante deixar aqui considerada a ideia subjacente a um tipo de capital que intangvel: um capital cultural que se pode aceder em redes culturais e relacionamentos que suportam a actividade humana, e na diversidade da manifestaes culturais no seio das comunidades (Throsby, D. 2001: 168). Para alm da significativa sobreposio com o conceito de capital social, este conceito evidencia a importncia da cultura no domnio do relacionamento em sociedade. No pertence a estas linhas o objectivo de desenvolver estes conceitos. Na verdade, outros casos poderiam ainda ser referenciados, como seja o caso do renovado flego que tem sido dado s polticas culturais externas, ou mesmo da ideia de diplomacia pblica. Por agora, o que pretendemos deixar sublinhado o processo de adaptao dos Estados e respectivas polticas pblicas mundializao de temas, opinies, sectores e decises. Esta parece ser, sem dvida, a era da informao, conhecimento e, arriscamos, da Cultura: o multilinguismo e o desenvolvimento do encontro de culturas est a tornarse um valor, um objectivo a atingir, uma construo social efectiva (Cardoso, J. e CIESP, 1994: 49). Como referem Podder e Bergvall (2004: 11): apercebemo-nos que a colaborao entre pessoas normais abre novas possibilidades para o crescimento econmica e pessoalmente. Cremos ainda que isto ir forar o avano do desenvolvimento de identidades mais distintas, pelo facto de precisarmos de ter uma ideia mais clara das origens para que possamos construir algo mtuo. No mundo globalizado, o mais elementar elo de ligao inter-humano tem vindo a ser integrado nos vrios domnios da poltica pblica a uma escala global.

11

Vejam-se as vrias distines desenvolvidas na obra de David Throsby (2001), pp. 166 a 169.

8

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

3 OS PRINCIPAIS CONCEITOS INCLUDOSTendo j sido possvel apresentar as principais linhas de fora deste trabalho, uma das questes que mais importa definir neste incio o campo conceptual onde nos vamos basear. De facto, esto aqui em causa vrios conceitos cuja amplitude e/ou flexibilidade tendem a criar obstculos na nossa busca de aprofundamento desta temtica, mas mais especificamente, desta pergunta de partida. Assim sendo, optmos por desenvolver um captulo onde o objectivo passa por apresentar os principais conceitos que sero transversais a todo o trabalho, bem como procurar operacionalizlos para este fim.

3.1 CulturaProvavelmente a mensagem que mais interessa passar de incio a respeito da conceptualizao da cultura que iremos assumir neste trabalho a sua amplitude. De facto, evidente pelo historial cientfico que este conceito difcil de concretizar de forma a incluir todas as suas dimenses e sensibilidades. Quanto s concepes relativas ao termo cultura, estas tm constitudo um grande desafio para os cientistas sociais. Apresenta-se como mais um conceito de difcil consenso, resultante de uma batalha ideolgica que teve o seu auge entre os anos 20 e 50 do sculo XX (Gellner, E. 1987: 236). Segundo Marvin Harris (2002: 19), um dos principais antroplogos ligados rea, cultura refere-se a estilos de vida aprendidos socialmente que se encontram em sociedades humanas e que abarcam todos os aspectos da vida social, incluindo quer o pensamento quer o comportamento. Neste sentido, cultura uma abstraco que no deve ser confundida com etnia, dado que esta parte de uma conscincia de pertena a um grupo com base em elementos de carcter cultural, como sejam a lngua, o territrio, ou a religio. Uma cultura em si mesma possui um campo muito mais vasto de incluso, referindo-se a tudo o que produzido pelo Homem nas suas actividades sociais. Cultura pode, assim, incluir tambm todas as prticas mundanas que contribuem directamente para a narrativa de vidas das pessoas (Harris, M. 2002: 20). Numa das suas implicaes mais genricas e transversais, cultura pode tambm ser entendida enquanto a ordem da vida na qual os seres humanos constroem um

9

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

significado pelas prticas de representao simblica (Tomlinson, J. 1999: 18). Poder, complementarmente, ser vista como o contexto no seio do qual as pessoas do um significado s suas aces e experincias (Tomlinson, J. 1999: 7). Para os efeitos em questo neste trabalho, a ideia de cultura ir incluir tanto as dimenses antropolgicas, sociais, polticas como as mais comerciais (oferta cultural) (Tomlinson, J. 1999: 18). Assim, iremos partir de uma concepo ampla de cultura, enquadrando quer a perspectiva de Harris, como a expresso mais artstica deste conceito, incluindo desta forma a expresso cultural material dos grupos. Considerando que esta dissertao se ocupa primordialmente de um nvel regional/nacional, a cultura poder tocar a noo de identidade nacional/regional. Por outro lado, nesta viso mais transversal do conceito de cultura, acabaremos por nos situarmos fora de concepes mais disciplinadas, como as referentes economia da cultura, por exemplo.

3.1.1 - Cultura e identidade nacionalConsiderando a posio da Organizao das Naes Unidas para a Cultura, Cincia e Educao (UNESCO), pode-se alargar este campo terico realidade de um Estado. Na ptica desta organizao, o sentimento de identidade cultural tende a ser alocado na nao, pelo que da advm uma tendncia para a correspondncia entre identidade cultural e identidade nacional (Tomlinson, J. 1999: 70). No entanto, tendo em conta que a ideia de nao , pelo menos politicamente, muito mais recente que a declinao antropolgica e social de cultura, surge aqui um problema que parece impedir a ligao directa entre identidade cultural e identidade nacional, sendo que, para alguns autores, esta ltima surge apenas enquanto um particular estilo de comunidade imaginria (Tomlinson, J. 1999: 80-83).

3.2 - Soft power ou o peso da imaginaoA dificuldade em operacionalizar conceitos leva a naturais cautelas cientficas. No deixa de ser, contudo, interessante esta ligao que estabelecida entre a identidade cultural de um povo e a ideia de comunidade imaginria. De facto, se a culturalizao das sociedades se apresenta como uma evidncia primitiva, no ser menos intrnseco a capacidade de imaginao do ser-humano. Para este trabalho, ser til esta percepo da

10

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

cultura do ponto de vista imaginrio: iremos tentar, assim, no analisar as origens desta imaginao, mas antes considerar as suas valncias num quadro internacional, como o o da globalizao, ou mais concretamente, o do relacionamento econmico entre Estados. A capacidade de imaginao internacional tende a estar intimamente relacionada com os valores, o prestgio, a identificao e a ambio dos povos, e sobretudo dos cidados do mundo. Estar aqui uma ideia semelhante de representao cultural a que Pender se refere: para este(s) autore(s), esta refere-se designao dada ao amplo leque de mensagens, pessoais ou impessoais, que, mediadas, funcionam como condutoras de ideias; bem como uma outra representao de natureza material, que inclui museus, galerias, etc, que transmitem igualmente uma mensagem cultural (Pender, L. 1999: 88). A ideia fundamental e transversal que daqui se retm a da importncia da divulgao e transmisso de ideias, valores e culturas que hoje ultrapassa o domnio interno dos Estados para se passar a afirmar num contexto internacional. No ser, assim, de estranhar a crescente motivao dos lderes internacionais em basearem (e legitimarem) as suas polticas internas e externas numa ideia de soft power, no seio do qual se procura completar a fora das leis e das armas, com o poder de atraco. Ao investigar-se a reduzida produo cientfica portuguesa neste campo, pode-se observar a tendncia para equivaler esta ideia de soft power de poder cultural, como refere Adriano Moreira aludindo importncia do usufruto deste poder disponvel para o Estado, afirmando que o poder cultural e no outro, que devidamente ajudado deve presidir aos esforos e acompanhar a evoluo (Moreira, A. 1999: 78). No existe aqui uma relao directa de equivalncia com o poder cultural, mas no deixa de ser verdade que este acaba por ser, arriscamos, a exemplificao mais directa da ideia de soft power. Este conceito resulta de uma ideia que tem tido eco h j algum tempo, mas ter sido fundamentado principalmente por Joseph S. Nye Jr., em especial na sua obra Soft Power: the Means to Sucess in World Politics (2005). Quanto ao factor poder, o autor refora a ideia deste enquanto capacidade de influenciar o comportamento dos outros de forma a conseguir o desenlace que se pretende (Nye, J. 2005: 2), usando elementos como a coero, induo, atraco e cooptao, sendo estes mais alternativos/combinatrios do que exclusivos. Esta exposio de poder possui as vertentes hard e soft, referindo-se na primeira aco directa do poder, ao uso dos instrumentos militar, econmico e poltico clssicos, no

11

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

fundo, a uma aco marcada pelo uso da coero e induo. O soft power j se refere a uma aco indirecta, apostando especialmente em aces vrias focadas, no directamente nos governos, mas nas suas populaes. Segundo este autor, a procura da atraco e persuaso feita principalmente atravs da exportao de cultura, de instituies e polticas governamentais, surgindo, assim, como natural, o interesse pela componente cultural das relaes entre Estados e povos. De forma concisa, a objectivo das estratgias de soft power passa por criar condies para que, uma maior identificao com as ideologias do Estado A, facilite abertura poltica do Estado B. O autor no deixa, contudo, de sublinhar que no se pode afirmar que este soft power seja apenas influncia, visto este possuir vrias formas de se fazer sentir, inclusivamente na vertente hard, afirmando ainda que este tambm deve superar uma ideia de persuaso, apesar de esta ser uma componente fundamental do conceito (Nye, J. 2005: 6). Outra crtica de que o autor se procura defender a que liga exclusivamente este conceito ao poder das expresses populares de cultura, sendo estas vistas pelo autor como veculo importante do soft power, mas no exclusivas, pois uma tarefa imprescindvel de quem a aplica o conhecimento prvio do ambiente social, cultural e poltico da contraparte, culminando este trabalho com a adaptao ao mesmo (Nye, J. 2005: 6). Este ponto , de facto, central para a compreenso do objectivo principal deste trabalho. Se, por um lado, a dificuldade em precisar este conceito central pode implicar um menor rigor nos captulos que seguiro, por outro, a flexibilidade inerente ideia de cultura surge como uma caracterstica que permite uma avaliao transversal, incluindo uma srie de ideias e realidades diferentes, mas que ao mesmo tempo alinham com o esprito deste tema. Caber ao captulo 9, ao enunciar os dados que se alcanaram, revelar que elementos da cultura nacional se observaram.

3.3 DiferencialidadeAo longo deste trabalho, deparmo-nos com a necessidade de incluir um conceito que conseguisse expressar um estado de identidade prpria que leve a uma diferenciao de uma entidade ou regio. Distingue-se do termo diferenciao por no se tratar de um processo mas sim de um estado, e que acaba por estar directamente relacionado com as caractersticas prprias do objecto de estudo. Assim, empregamos este termo no sentido

12

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

de sublinhar um nvel de diferenciao prpria e intrnseca alcanado, permitindo o reconhecimento e distino dos restantes.

3.4 - Marca TerritorialO estabelecimento de marcas territrio12 tem-se apresentado como um dos fenmenos mais observveis nos ltimos anos do panorama internacional relativo s polticas econmicas externas. A promoo de uma imagem comercial nacional tem vindo a ser perspectivada, pelas autoridades competentes, como uma das vias privilegiadas de afirmao econmica internacional13, bem como da salvaguarda da individualidade das entidades (e caractersticas) nacionais no contexto de um certo anonimato caracterstico do mercado globalizado. Neste contexto, importa caminhar no sentido da preciso do conceito. A marca comercial pode, de facto, ser considerada enquanto sinnimo de uma coleco de percepes na cabea do consumidor (ICEP: 1). Far, ento, sentido adaptar (mais do que transpor) a realidade da comercializao de produtos para um plano macro, ou seja, para a criao de uma identidade comercial de cidades, regies e Estados? A nosso ver, sim, desde que se tenha em conscincia a diferena existente entre estes dois nveis. A tarefa, agora ser a de fundamentar e legitimar esta articulao lgica. Recuperando as palavras de Philip Kotler, especialista na rea do marketing A imagem de um pas resulta da sua geografia, histria, proclamaes, arte e msica, cidados famosos e outras caractersticas (Kotler, P. & Gertner, D. 2002: 251). Os projectos de marca territrio tm surgido, assim, como um novo mercado, extremamente competitivo, onde cada Estado procura aliar os traos caractersticos da sua identidade nacional a imagens de modernidade, competncia e vanguardismo, procurando, pela via nacional, potenciar o desenvolvimento dos agentes econmicos que, de forma directa ou indirecta, dela (imagem) dependem. Na verdade, uma marca pas, em seu mais alto nvel, muito mais do que um logtipo ou um slogan, uma plataforma unificadora e identificvel que se manifesta na experincia de um pas, comunicada por funcionrios e

Iremos assumir este conceito como equivalente ao de Country Branding. Este trabalho tem um enfoque preferencial no quadro nacional, pelo que, mesmo considerando que a marca pas no corresponde necessariamente ao anterior conceito, esta acaba por ser referenciada a maior parte das vezes. 13 Veja-se a ttulo de exemplo o seguinte artigo: Gonalves, H. (26 de Maro de 200), Branding country ou a importncia da marca de um pas, Dirio Econmico, pp.22-23.

12

13

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

cidados e posta em prtica mediante diferentes agncias governamentais ou privadas [...] ver um pas holisticamente [...] o nico modo de ajudar a criar uma verdadeira marca pas (Futurebrand, 2006: 39). A criao de uma identidade comercial tradicionalmente preponderante no contexto econmico. As marcas existem para gerar valor (ICEP: 1) a melhor afirmao que se pode reter aqui. Esta recente tendncia para se promoverem Estados (ou regies) enquanto marcas surge no contexto da globalizao, enquanto processo de reduo de distncias vrias. Assim, e retomando a ideia lanada logo na introduo inicial, parece cada vez mais evidente a importncia das percepes no contexto internacional. Percepes que passam pelo campo cultural, civilizacional, poltico, social e econmico: marca [...] inclui muitas dimenses, tais como desempenhos, imagens sociais, valores, confiana e identificao (Kotler, P. & Gertner, D. 2002: 250). A marca pas est, desta forma, iminentemente relacionada com a sua imagem, ou seja, com a forma como os outros o percepcionam de fora. Chega-se, ento, a esta ideia de que a imagem do pas pode assim ser definida por uma srie de crenas e associaes ao mesmo, pelo que tal pode e deve ser utilizado para fins de marketing (Mossberg, L. & Kleppe, I. 2005: 496). Para efeitos da delimitao de conceitos, deve-se referir que as iniciativas pblicas do tipo de marca pas acabam por ser muitas vezes ligadas a ideias e conceitos que nem sempre se correspondem. Exemplos mais relevantes de conceitos que so levantados neste campo so o de imagem de destino, imagem de pas, imagem de pas de fabrico. De facto, apesar da tendncia para a sobreposio de campo de anlise entre estes conceitos, os mesmos acabam por se referir a diferentes declinaes da marca territorial. Comeando pelo conceito de imagem pas, est-se aqui a falar da ideia mais ampla que se retm de um pas (Mossberg, L. & Kleppe, I. 2005: 497), podendo-se afirmar que se apresenta como o objectivo final das iniciativas pblicas, que procuram atribuir a um territrio e/ou Estado uma srie de associaes consideradas benficas. Relativamente imagem de destino, as implicaes que este conceito abarca so viradas para a promoo do Estado em termos tursticos. A dimenso turstica da marca pas , de facto, a associao mais imediata que se faz deste gnero de iniciativas, e aquela que tradicionalmente mais trabalhada. Por outro lado, este facto pode ser explicado pelo uso do pas enquanto objecto de comercializao ser mais visvel no 14

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

marketing do turismo (Mossberg, L. & Kleppe, I. 2005: 494). A este respeito, Pender, distingue entre dois tipos de influncias da imagem-destino: a que advm da imagem orgnica construda pela informao recolhida de fontes no comercias, como sejam a rdio, televiso, livros, educao, etc e a imagem induzida derivada de uma promoo deliberada e de informao comercial. Segundo este autor, a primeira acaba por se afirmar mais influente que a segunda, apesar de se reconhecer que so ambas importantes para a construo da imagem-destino nas pessoas (Pender, L. 1999: 78). No nos podemos esquecer, no entanto, que, havendo um hiato entre a imagem nacional e imagem de destino, estas duas podem nem sempre corresponder. Por um lado, pelo facto da dimenso turstica poder ser ultrapassada por outras caractersticas nacionais como sejam a sua cultura, economia, poltica, ideologia ou histria. Por outro lado, a uma imagem nacional podem corresponder vrias imagens de destino: a especificidade do turismo nacional (bem como a sua promoo) muitas vezes desagregada, ligandose este a diferentes regies, cidades ou atraces (Mossberg, L., e Kleppe, I. 2005: 499). Na literatura, podem-se registar modelos que optam por estabelecer uma relao hierrquica entre estes conceitos, colocando no topo esta destination image, assumindo uma sobreposio e ligao desta s restantes variantes (Mossberg, L., e Kleppe, I. 2005: 499). No ser, no entanto, este modelo que iremos assumir, preferindo-se uma diferenciao bsica de conceitos de forma a se delimitar melhor os campos a tratar. Finalmente, a imagem do pas de fabrico est mais virada para a criao de uma marca nacional suficientemente forte para que as empresas e produtos nacionais possam beneficiar dessa mesma imagem14. Podemos aqui estabelecer uma ntima relao com a ideia de country equity, que se refere ao valor emocional que os consumidores retiram da associao de uma marca com um pas (Vicente, J. 2004: 7) e que pode ter vrias dimenses como a da performance, da imagem social, do valor, da confiana e da identificao (Kotler, P. & Gertner, D. 2002: 250). A interiorizao por parte das empresas das potencialidades que uma imagem forte de um pas acarreta, leva a que, muitas vezes, os seus produtos, e a maneira como estes so divulgados, seja alinhada deliberadamente com a imagem-chapu do seu pas. Esta , assim, outra sub-vertente

14

Estas dinmicas esto aprofundades em: Agrawal, J e Kamakura, W. 1999, e Li, Z., Murray, L. & Scott, D. 2000.

15

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

da imagem internacional de um pas, que acaba por ser uma particularizao da ideia geral15. Um dos pontos mais cruciais de toda esta estratgia, e de que de depende directamente da questo central deste trabalho, so as vias pelas quais as mensagens da marca pas so passadas. Um olhar pelos esforos que tm estado na base do desenvolvimento da Marca Espaa, por exemplo, permite a identificao de algumas pistas neste sentido: os canais de maior xito para comunicar a marca pas so os seguintes: o governo e suas decises e actuaes polticas; investir em promoo e no investimento estrangeiro; a diplomacia cultural e a exportao de recursos culturais; cidados do pas (...); os produtos de um pas; e o turismo16. Mas, mais precisamente, importa aqui tentar avaliar que tipo de mensagem passada por via deste tipo de marca, e se, na sequncia da articulao proposta, se consegue identificar uma influncia do factor cultural nestas mesmas mensagens. Retomando as palavras de Olins, as pessoas so influenciadas pela gastronomia, cinema, arte, desporto [], tanto como pelas formas mais bvias e directas de promoo (Olins, W. 2002). De facto, parece possvel afirmar que a questo do pas de origem tem influncia nas decises de consumo dos consumidores: Os consumidores usam recorrentemente a informao acerca do pas de origem como um indicador de qualidade17 (Kotler, P. & Gertner, D. 2002: 254), o que coloca a questo da estratgia de marca pas no topo da agenda econmica. Pese embora este facto, a informao disponvel indica que do lado dos produtores, o efeito marca pas parece no ter sido integrado na estratgia de vendas dos produtos, ao concluir-se que os preos dos produtos no reflectem necessariamente o peso de uma marca pas forte nos mercados internacionais, como seja o caso considerado do Japo, conforme um estudo levado a cabo por Agrawal e Kamakura (1999: 11). Existem, de facto, vrios pontos de contacto com o exterior, com as diferentes culturas e marcas internacionais. Se legtimo poder pensar que a imagem que os portugueses tm dos angolanos provm de uma histria comum e das significativasMosseber e Kleppe (2005) acabam mesmo por diferenciar uma imagem provinda da origem dos produtos e a imagem do pas de origem (do produto). Na ptica destes autores a primeira mais ampla que a ltima. Veja-se a este respeito a pg. 496. 16 Espaa es la sptima marca pas del mundo (11 de Dezembro de 2006), site Marketing Directo. Disponvel em: http://www.marketingdirecto.com/noticias/noticia.php? idnoticia=20927. 17 Consumers pervasively use country of origin information as an indicator of quality.15

16

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

vagas de imigrantes que Portugal tem acolhido, j a ideia que retm da Federao Alem ser em grande parte devido excelncia de algumas marcas comerciais com origem neste Estado, ao passo que a Itlia goza de uma reputao de cariz eminentemente cultural, e logo turstico: estes trs exemplos demonstram as diferenas de percepo do outro, que, provindo de pontos de contacto diferentes, tendem a estigmatizar uma(s) ideia(s) dotada(s) da capacidade de generalizao. Estas ideias podem estar mais ou menos dependentes das estratgias dos dirigentes pblicos, ou mais ou menos prximas da realidade nacional. O que, sim, parece acontecer que o local de fabrico dos automveis da Mercedes ser sempre a (fivel) Alemanha mesmo quando no o so e a (diversificada) oferta gastronmica e cultural ser sempre to apelativa como parece mesmo quando no o 18.

3.5 - Cultura, poder econmico e propaganda culturalA noo e ideia de cultura , de facto, particular e extremamente complexa, visto estar directamente ligada s razes identitrias de grupos, regies, Estados ou naes. Neste contexto, compreensvel a preocupao que surge quando se tenta considerar o factor cultural como um vector de diferenciao econmica, ou, em ltima anlise, afirmao poltica. Um breve olhar pela histria, em especial a do ltimo sculo, aconselha especial ateno e cuidado quando se aborda um tema pela perspectiva que desde o incio assumimos. O termo imperialismo cultural, cujo historial parece ter tido incio por volta de 1960 (Tomlinson, J. 1992: 2), surge frequentemente associado a esta instrumentalizao da cultura nos domnios da poltica interna, e, em particular, ao nvel da poltica externa. De facto, ao procurarmos uma definio de imperialismo cultural, as definies avanadas no andam muito longe de uso do poder poltico e econmico para exaltar e espalhar os valores e hbitos de uma cultura estrangeira s custas da cultura nativa 19 (Tomlinson, J. 1992: 3). Assim sendo, e considerando o mbito deste trabalho, importa, esclarecer que esta viso no surge alinhada na nossa problemtica. Neste sentido, as palavras de John Tomlinson, ajudam a desmistificar esta ideia ainda muito enraizada: muitas das representaes simblicas encontradas no marketing, se bem que possuidoras de um fim (econmico) instrumental, so [] bastante culturais (Tomlinson, J. 1999: 18). Por outro lado, o que muitas vezes se18 19

Como tambm apontam Phau e Prendergast (2000: 164). Use of political and economic power to exalt and spread the values and habits of a foreign culture at the expense of a native culture.

17

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

designa de imperialismo cultural, ou mesmo as referncias propaganda ideolgica, refere-se normalmente ao nvel dos media (Tomlinson, J. 1992: 181), o que difere do mbito mais directo deste trabalho. Neste sentido frequente a transmisso da ideia de que se caminha para uniformizao das culturas mundiais. Na verdade, o facto de que as diferenas culturais esto mais expostas, tender, sim, para uma maior

consciencializao do que nos separa dos outros, havendo autores como Hofstede que acabam por concluir que tal processo tem o potencial de acentuar essas mesmas particularidades (Hofstede, G. 2001: 453). Por fim, outra das crticas que historicamente vm surgindo e que podem ser consubstanciadas na concepo de indstria cultural promovida por Adorno e de Horkheimer (1974) a ligao da economia de mercado com a exaltao de um esprito consumista, que tende a estetizar e comercializar as culturas nacionais: esta a ideia de que o capitalismo produz uma cultura de consumismo dentro da qual toda a aco e experincia cultural se torna commodified (Tomlinson, J. 1999: 103)20. Na verdade, e tal como inicialmente referido, o principal propsito desta dissertao o de procurar uma articulao coerente entre cultura/identidade nacionais e poltica econmica externa, tomando como principal enfoque a questo da marca pas e as ideias de diferencialidade e identificao cultural. Pensamos que aqui, mais do que poder poltico, importa tratar as sinergias que surgem da coordenao entre as polticas que estejam integradas na defesa e promoo da cultura portuguesa no estrangeiro (objectivo que, acrescente-se, no s faz tradicionalmente parte dos principais eixos da poltica externa portuguesa, como integra igualmente os grandes desgnios da orientao internacional da maioria dos Estados mundiais 21 ), e a necessidade de diferenciao nos mercados internacionais. De facto, o grande salto terico-conceptual que se tem dado nos ltimos anos na anlise desta questo, prende-se com o pressuposto que a arena cultural internacional (cada vez mais?) um jogo de soma positiva, e que,A sua obra Promotional Culture props-se a analisar exactamente a integrao das questes culturais no mpeto consumista e comercial que caracteriza parte do processo da globalizao. Com este intuito, nesta obra, avana-se com uma importante permissa: no campo cultural, tal como em outros sectores econmicos, o que mais valorizado o que pode ser mais rapidamente produzido numa forma que lhe permita ser comprado individualmente e consumido massivamente. Assim, na verdade pode-se ligar emergncia da promoo enquanto uma fora cultural, no apenas uma alterao na produo e circulao de sinais (cultural commodification), mas uma alterao na prpria relao entre cultura e economia (Wernick, A. 1991: 185). 21 Concluso que se pode retirar da crescente aposta dos Estados em promoverem polticas culturais externas efectivas e agressivas, em cooperao com os Institutos de Cultura, como sejam a Alliance Franaise, o Instituto Cervantes ou o British Council.20

18

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

desta forma, a afirmao de uma cultura no se faz em detrimento de outras22. Parece, assim, que os domnios da cultura internacional tm vindo a ganhar uma maior profundidade, tanto no plano conceptual, como no domnio da estratgia da poltica pblica. Generalizar acerca de culturas no tanto uma questo de colocar rtulos nas pessoas, mas uma vontade de compreender porque que os outros no agem e pensam como eu (Poder, R. e Bergvall, J. 2004: 9). nesse sentido que procuraremos caminhar.

3.6 - Competitividade InternacionalNa delineao deste trabalho surgiu como natural a necessidade de investir na operacionalizao de conceitos. De facto, na premissa inicial deste trabalho a articulao levantada o peso econmico da cultura nacional. De que forma se poder, ento, avaliar esse peso? O mbito foi facilmente delineado: o campo em que nos iramos situar seria o da poltica econmica externa portuguesa. Contudo, a imperatividade de preciso obrigou a que se definisse o processo de internacionalizao da economia nacional, particularmente virado para o sector do turismo, como o principal alvo terico-prtico, e onde o estudo deveria incidir. Estas consideraes parecem, de certa forma, deslocadas de contexto, visto que a apresentao do propsito e objectivos desta tese terem, j, tido o seu espao. Contudo, o que importa aqui reter a diferenciao conceptual que advm deste contexto. Numa poca em que se caracteriza o panorama econmico (mais ou menos) global (Cardoso, J. e CIESP 1994: 47)23 por via da evidncia da preponderncia do factor conhecimento (Rodrigues, M. 2003), a ideia de competitividade apresenta-se como uma referncia actualizada na delineao da poltica econmica. De facto, imperativo um melhor conhecimento da competitividade a que muitas vezes preside os esforos de Estados e empresas, sendo que aqui se podem levantar vrias perspectivas. No quadro econmico, e especialmente num contexto de economia global, a noo de competitividade praticamente to ampla quanto visada, sendo que uma definio rigorosa e absoluta parece estar longe de ser alcanada (Lopes, R. 2001: 153).

A este propsito consulte-se o relatrio de Graddol, D. (2007), sobre a evoluo e previso da disseminao dos idiomas no mundo. 23 Na perspectiva de Jos Lus Cardoso (1994: 47) a globalizao bastante desigual no seu alcance e altamente diferenciada nas suas consequncias.

22

19

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

Como ponto de partida, refira-se precisamente a questo da amplitude: duma aplicao inicial ao nvel da unidade produtiva (empresa), acabou por ser transposta para quadro mais macro, estejam em causa cidades, regies ou Estados (Ainginger, K. 2006). A este propsito deve-se comear por fazer referncia a Michael Porter, pela inovao que introduziu ao nvel da anlise da questo da competitividade nacional, sublinhando a importncia do enquadramento estrutural do Estado para com as suas empresas (referido por Lopes, R. 2001: 58). Na verdade, Michael Porter, referido por Flanagan (2007), enfatiza a questo da estrutura, recusando a ideia de uma competitividade nacional como tendo fim em si mesma: procurar explicar competitividade a um nvel nacional responder pergunta errada (Flanagan, R. Lu, W. Shen, L. e Jewell, C. 2007: 991). Esta concepo da competitividade nacional enquanto quadro estrutural, no seio do qual se movimentam as empresas, seguido por Bradley, quando este afirma que a competitividade nacional essencial para possibilitar empresa a liderana tecnolgica e comercial em importantes segmentos de mercado (Bradley, F. 1995: 222223). Assim sendo, no momento em que se parte para uma anlise dos nveis de competitividade de uma organizao do foro pblico, somos deslocados para o campo do territrio. Na viso de Ral Lopes, a competitividade territorial funo dos atributos, ou potencial competitivo, inerentes s empresas localizadas no territrio, mas igualmente funo das vantagens da economia local, que juntamente com os atributos das empresas formam o que podemos designar por atributos estticos do territrio (Lopes, R. 2001: 155), concluindo por defender a ideia de que na inovao que se encontra a principal fonte da competitividade (Lopes, R. 2001: 61). A doutrina dominante tende a identificar claramente competitividade, nomeadamente a nacional, com uma correspondente produtividade: o nico conceito significativo de competitividade ao nvel nacional est na produtividade nacional a perspectiva de Michael Porter, citado por Ainginger (2006: 3). Para o Form Econmico Mundial, a competitividade nacional surge como o conjunto de factores, polticas e instituies que determinam o nvel de produtividade de um pas, concluindo que, no mbito do marketing pblico, no o ambiente de marketing em si que to importante, mas antes a capacidade da empresa de lidar com ele medida que este influencia directamente as suas opes estratgicas (Frum Econmico Mundial: 3), o que corrobora com a ideia atrs referida. Na verdade, parece existir uma certa interdependncia entre as concepes de competitividade e de produtividade, sendo que

20

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

a primeira tem vindo a integrar e expandir a ltima na prossecuo de um crescimento econmico: se at h umas dcadas atrs, onde o tecido econmico era eminentemente do tipo industrial, a meta maior das unidades produtivas era o atingir de nveis de produtividade que as levassem ao crescimento, as mais recentes tendncias econmicas mundiais parecem promover uma certa evoluo desta ideia, reflectindo numa concepo lata de competitividade, a ideia de que o sucesso de uma unidade produtiva ter de passar por factores como a diferenciao do produto, a inovao tecnolgica ou a reformulao do modelo de comercializao e organizao do trabalho (Lopes, 2001: 88). Na sua actualizao mais recente, competitividade, tende a ser entendida enquanto conceito cujos factores que gravitam sua volta esto em permanente mutao, no se podendo considerar o desempenho duma unidade produtiva apenas pelo seu desempenho (produtivo), por muito que este seja o factor preponderante da mesma, sendo, assim, imperativo procurar incorporar num dado negcio valor acrescentado, tanto a jusante, como a montante: A competitividade [...] superior aos indicadores econmicos tradicionais tais como lucros, produtividade ou quota de mercado, que so vistos como sendo insuficientes para permitir a melhoria contnua do desempenho (Flanagan, R. Lu, W. Shen, L. e Jewell, C. 2007: 991). Pegando na designao da OCDE, a concepo situa-se ao nvel de uma capacidade das empresas, sectores industriais, regies, naes ou regies sub-estatais de gerarem um nvel relativamente elevado dos seus factores de produo, receitas e nveis de emprego, ao competirem nos mercados internacionais (referido em Juscius, V. e Lekavicien, D. 2007:749). Pode-se, na sequncia, depreender que esta ideia de competitividade tende a estar cada vez mais virada para o relacionamento econmico externo, procurando-se uma produo particularmente virada para o mercado global que se parece assumir cada vez mais como a verdadeira arena econmica. Este dado surge com maior nfase nos Estados mais pequenos e em que o peso do comrcio internacional no PIB particularmente relevante, como seja o caso de Portugal. Por outro lado, e atendendo designao oficial da Unio Europeia, encontra-se uma diferente abordagem: padres de vida numa nao de nvel mdio elevado e a crescer [...] com o nvel mais baixo possvel de desemprego involuntrio, de uma forma sustentvel (Ainginger, K. 2006: 2), denotando-se, assim, uma concepo mais lata, primordialmente relacionada como os nveis de desenvolvimento econmico sustentado e abrangente, e com a preocupao em proporcionar aos seus cidados uma certa

21

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

qualidade de vida. , desta forma, ultrapassada a natureza econmica mais imediata no conceito, passando-se a incluir a possibilidade de cada territrio de ter acesso ao desenvolvimento sustentvel [] desde a promoo da eficincia econmica preservao da qualidade e dos recursos ambientais, desde a preocupao com a equidade social garantia do direito participao e assuno plena da cidadania (Costa, P. 2002: 114). Existem, neste sentido, outros autores, (como Krugman) que relacionam a melhoria dos padres de qualidade de vida com os nveis de produtividade interna, ao invs dos respectivos ndices de competitividade externa, abrindo assim o campo de anlise terica e onde, como referido, no existe um rigoroso acordo conceptual e interpretativo: no existe uma definio universal e exacta para competitividade (Flanagan, R. Lu, W. Shen, L. e Jewell, C. 2007: 990) frequentemente referenciado na literatura da rea. Deste ponto de vista, a ideia evitar perspectivar competitividade enquanto algo que implique que os objectivos sejam definidos em termos de combater a concorrncia, em detrimento da qualidade (Kohn, A. 2007: 2). Assim, a forma como se executa, dever sobressair concepo da corrida sem limites, preconizada por crescentes avaliaes competitivas, e que se baseiam numa ideia dos mercados internacionais enquanto fruto de um jogo de soma zero e de uma lgica de curto prazo24. No faz parte dos nossos objectivos transmitir uma certa ideia de maniquesmo conceptual a este nvel; isto , no se pretende contribuir aqui para a cristalizao da tendncia para a diviso entre a competio sem escrpulos e a redundante noo de imperatividade social da competitividade econmica (Lopes, R. 2001: 4-8). Importa sim, reforar a ideia que a viso de competitividade a que pretendemos aludir est alicerada fundamentalmente no mbito macroeconmico, e onde est associada uma ideia de dinamismo que permite s regies e Estados competir no campo externo, por via a prosseguir um caminho de crescimento e, sobretudo, para um amplo desenvolvimento econmico e social. Como descrito, a noo de competitividade revela-se multifacetada, complexa e transversal, facto que tem de ser considerado na forma como a mesma avaliada. a este ponto que deveremos enquadrar o nosso plano terico-conceptual. Ligar a estratgia da marca Portugal competitividade econmica do pas uma lgica que24

Jos Cardoso (1994) identifica quatro efeitos que julga perversos, e que advm directamente do que denomina do excesso de competio. Ver ainda Lopes R. (2000: 149-151 e 154).

22

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

no est livre de riscos. Acima de tudo, pela diviso conceptual que sobre ela competitividade recai. Desta forma, e considerando a inviabilizao prtica de avaliar uma competitividade nacional que ultrapassa as metas relativas aos ndices produtivos ou as quotas de mercado, a opo foi colocada na avaliao da percepo, por parte dos agentes do sector do turismo nacional, quanto ao impacto econmico da marca Portugal. O que est aqui em discusso , em ltima anlise, a busca pela diferenciao das marcas/produtos, uma das principais vias de incorporao de valor acrescentado. O impacto econmico que se procurar, assim, avaliar o contributo do contexto cultural para se diferenciar o made in Portugal em geral, e do Destino Portugal em particular nos mercados internacionais. De certa forma, neste sentido que caminham mesmo algumas concepes da competitividade empresarial: competitividade empresarial como a capacidade das empresas de desenvolverem, produzirem e venderem bens e servios que se distinguem pelas suas caractersticas exclusivas [...] permitindo-lhes competir em mercados internacionais (Juscius, V. e Lekavicien, D. 2007: 750). nesta sequncia que surge envolvido o conceito de internacionalizao empresarial, como sendo um processo em que a marca Portugal mais pode intervir, especialmente ao nvel que atrs deixmos descrito. Por outras palavras, o reconhecimento da imagem de Portugal no estrangeiro cria condies para que as empresas nacionais possam incluir nas suas estratgias de produo e exportao alm fronteiras uma concepo de diferenciao pela via cultural. No caso especfico do turismo nacional, a reteno e a atraco de turistas portugueses e estrangeiros, alm do alinhamento com a(s) campanha(s) das empresas que operam no ramo, sero os principais veculos de competitividade considerados. Este um conceito mais seguro, e onde ser mais fcil encontrar uma permeabilidade cultura nacional enquanto aspecto diferenciador nos mercados internacionais. Resumindo, a lgica assumida ser a de que, possuindo a marca Portugal uma estratgia que visa a diferenciao econmica portuguesa, via promoo nacional, as empresas portuguesas beneficiaro j de uma identificao das qualidades, inovaes e preo dos seus produtos, ao mesmo tempo que possuem um contexto cultural que as poder beneficiar. Estamos, assim, a incluir na relao produtor-consumidor um vector cultural, que nos permite entrar, at certo ponto, no domnio do intangvel.

23

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

4 - CULTURA, INTERNACIONALIZAO E MARKETING TERRITORIALAntes de entrar mais especificamente nas estratgias de marca pas, deve-se recordar que o peso da cultura nas relaes comerciais internacionais cada vez mais alvo de reflexo e compreenso. Tendo em mente a perspectiva da Economia enquanto uma cincia social e humana, e reconhecendo-se o peso social e antropolgico que a cultura tem tido no desenvolvimento humano, podemos partir para uma reviso da literatura que tem estudado, suportado e legitimado novos quadros tericos que reconheam um renovado papel da cultura nas relaes econmicas internacionais. Apresentando-se esta como uma rea muito movedia e complexa, devido natureza intangvel que surge como um obstculo na delineao de um quadro conceptual vlido, s recentemente comearam a surgir pistas de estudo. Aqui apresentaremos uma breve anlise da literatura da rea, onde se passaro em revista uma srie de abordagens acerca das inter-relaes entre o campo econmico e o campo cultural. Assim, nestes sub-captulos que se seguem, iremos reflectir sobre a especificidade cultural dos territrios, e da forma como esta tem sido analisada enquanto vertente fundamental na promoo e crescimento econmico desses mesmos espaos. Com este objectivo, comearemos por tentar percepcionar de que forma se tm tomado as questes culturais como influenciadoras directas do padro de crescimento econmico, para depois procurarmos inter-relacionar com a questo do desenvolvimento microeconmico, ou seja, avaliando o peso da cultura de um dado espao/pas nas estratgias de internacionalizao das empresas estrangeiras. O objectivo final deste captulo ser o de possibilitar uma percepo mais profunda da importncia das estratgias de marca territorial, avanando-se, para isso, com uma anlise questo do marketing territorial como potenciadora directa e indirecta do crescimento econmico transversal.

4.1 - Pode medir-se a cultura?Pode-se tomar como ponto de partida o esforo que tem vindo a ser feito no sentido de medir e comparar quantitativamente as diversidades culturais, facto que tem permitido uma base mais slida na integrao da cultura na poltica econmica. Um dos autores

24

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

que se destacou no estudo da distncia cultural25 entre Estados foi Hofstede quando, na sua obra Cultures consequences: international differences in work related values (Hofstede, G. 1984: 211-231) de 1984, procedeu construo de uma base de dados relativa s cinquenta filiais de uma empresa multinacional, estabelecida em vrios pases: este estudo permitiu identificar uma diferenciao cultural entre Estados e que, segundo o autor, se aglomeram em torno de quatro dimenses. So elas a averso incerteza, o individualismo, a distncia ao poder e o ndice de masculinidade, s quais se acrescentou posteriormente a diferena entre a orientao de longo e de curto prazo26. Estes critrios levaram construo posterior de um ndice numrico, que permite a comparao das diferenas relativas entre pases, aplicadas aos processos

organizacionais, ao longo das dimenses culturais (Costa, C. 2005: 261-262). Para Hofstede, esta uma rea que carece de particular cuidado, tanto na execuo, como na interpretao dos estudos. Para este autor, o conhecimento e as comparaes interculturais esto praticamente todas enviesadas partida quando no se verificam os quatro critrios que levam a tal exerccio um rigor cientfico: tm de ser descritivos e no avaliadores; tm de ser verificveis por mais do que uma fonte independente; tm de permitir uma extrapolao a, pelo menos, uma maioria estatstica e, finalmente, tm de ser discricionrios, na medida em que indicam as caractersticas que diferenciam uma populao das demais (Hofstede, G. 2001: 14). Como sequncia, este autor refere que no se encontra na bibliografia praticamente qualquer estudo rigoroso em torno da comparao inter-cultural: o resultado , ento, uma observao inter-cultural baseada em esteretipos nacionais (Hofstede, G. 2001: 13). Mesmo considerando as discordncias que este e outros estudos de igual matriz tm sofrido ao longo dos anos, estes tm servido de ponto de partida para posteriores anlises, como o caso do impacto na economia internacional resultante da diversidade cultural entre Estados: as empresas tendem a favorecer os mercados que so culturalmente prximos e que lhes so conhecidos (Bradley, F. 1995: 153).

25

Para este autor, a ideia de cultura assumida a de programao colectiva da mente que distingue os membros de um grupo ou categoria de pessoas dos restantes (Hofstede, G. 2001: 9). 26 Na reviso da mesma obra que procedeu em 2001.

25

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

4.2 - Diversidade cultural e internacionalizao empresarialEm A cultura como dinamizador da economia, Carla Costa procurou avaliar a influncia da (pressuposta) proximidade cultural entre Portugal e o Brasil na deciso de investimento das empresas em amostra. Os trs factores ponderados foram a existncia de uma lngua comum, a proximidade cultural e os laos histricos entre os dois Estados. Como principais concluses, avanou-se com a existncia da forte percepo dos factores no econmicos na deciso dos empresrios em investir no Brasil, e que tal percepo teve forte influncia nas suas estratgias de internacionalizao, desvanecendo-se esta medida que se desenvolvia a actividade empresarial no pas de destino (Costa, C. 2005: 268). Relativamente aos factores que mais peso tiveram, a lngua comum destacava-se das demais, sendo que a no-existncia de uma distncia psquica [] mais do que compensou a distncia geogrfica, e a incerteza e os riscos associados a uma deciso de internacionalizao (Costa, C. 1995: 268). Ainda no domnio do IDE, o estudo desta autora relativo s relaes econmicas entre Portugal e o Brasil, demonstrou que a sentida proximidade cultural manifestou-se em trs diferentes aspectos. So eles (Costa, C. 1995: 329-330): - Na tomada de deciso dos empresrios nacionais de investirem no Brasil. A este nvel, ao original binmio necessidade de crescimento/insuficincia do mercado domstico, aliou-se a percepo da proximidade cultural do mercado brasileiro, que possibilitou uma maior intensidade (e confiana) de investimento; - Na escolha dos modos de entrada no mercado em questo. Aqui, a maior parte das empresas optaram por um investimento de raiz ou por aquisies revelando uma maior segurana na relao com o mercado27; - No queimar de etapas (tericas) que as empresas nacionais levam a cabo no seu processo de internacionalizao. No obstante, importante reconhecer que a influncia da proximidade cultural no se revela da mesma forma em todas as empresas. As que mostram maior permeabilidade a este factor so, segundo Carla Costa, as que trabalham no sector de comrcio e de

Neste sentido tambm escreveram Kogut e Singh (referidos por Costa, 2005: 118), ao verificarem a existncia de uma relao positiva entre proximidade cultural e a opo de empresas em optar por modos de entrada mais exigentes, com um maior empenhamento de recursos humanos e financeiros, bem como um maior grau de incerteza a tal processo associado. Veja-se Costa, C. (2005: 118).

27

26

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

servios28, em particular as empresas de menor dimenso, pelo facto de muitas delas iniciarem no mercado brasileiro o seu processo de internacionalizao (Costa, C. 1995: 331-335). Determinados os resultados deste estudo, a autora acaba por sentir legitimidade em reconhecer a necessidade do desenvolvimento de novos quadros tericos que permitam identificar melhor a articulao entre as dimenses econmica e cultural (Costa, C. 1995: 335). Mais recentemente, em 2007, o estudo Diverse Europe (Dekker, P. 2007)29 surgiu no sentido de aprofundar um aspecto concreto nesta rea. Neste caso, o que os seus autores procuraram analisar, foi a influncia da opinio pblica europeia, na sua respectiva diversidade cultural, e as polticas econmicas dos Estados europeus. Na sua ptica, a diversidade cultural pode influenciar, tanto os nveis de IDE, como o volume das trocas comerciais, de vrias maneiras. A explicao que encontrada para que, a uma identificao cultural, correspondam maiores nveis de interaco econmica, baseada em dois factores principais: a confiana mtua que da advm e a distncia entre as culturas dos dois Estados em questo (Dekker, P. 2007: 77). Consideremos ento o que a este nvel referido. No processo das trocas comerciais internacionais, a questo da confiana entre as partes assume particular relevncia. Tal como qualquer contracto assinado entre dois agentes, o problema da informao assimtrica efectivo e (virtualmente) insolvel, o que, quando se considera as particulares circunstncias que afectam contractos

comerciais/econmicos entre dois Estados, pode significar a diferena entre o estabelecimento, ou perdas, de parcerias altamente proveitosas para cada um dos lados. Parece evidente, neste caso, que o estabelecimento de medidas de confiana entre dois agentes internacionais podero significar enormes proveitos para cada um. Estas consideraes poder-se-o perfeitamente aplicar ao caso das estratgias de atraco de IDE. Os horizontes de mais longo prazo e os elevados nveis de risco tornam o IDE particularmente sensvel necessidade de medidas de confiana. A familiaridade e experincia no relacionamento com a cultura do Estado para o qual seDa mesma opinio partilha Frank Bradley (1995: 525) quando afirma que [servios] alguns tm uma grande ligao cultural e a procura fortemente influenciada pela sociedade. Muito servios mdicos, cuidado pessoal, programas educativos, filmes, videos e alguma publicidade so fortemente influenciadas pela cultura. 29 Artigo desenvolvido a partir de estudos de opinio desenvolvidos nos Estados Membros, em especial os European Outlooks.28

27

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

est a investir so decisivos para qualquer poltica econmica externa (Dekker, P. 2007: 77). Relativamente aos padres de confiana, deve-se referir que so importantes neste sentido, tanto a confiana formal, como a informal (Dekker, P. 2007: 77). Num estudo levado a cabo por Den Butter e Mosh (citado por Dekker, P. 2007: 78), conclui-se que, um aumento de um desvio-padro dos nveis de confiana, levaria a um aumento no comrcio internacional num intervalo dos 24 aos 34%, entre os EstadosMembros da Unio Europeia (UE). No mesmo sentido, Guiso (referido em Dekker, P. 2007: 78) conclui que o aumento de nveis de confiana entre Estados Membros levar a um aumento de 30% no volume de trocas comerciais, sendo que, ao nvel do IDE, os valores podem alcanar os 75%, explicando este diferencial o horizonte de longo prazo do IDE, o que potencializado pela confiana mtua. Olhando para o estudo de Luigi Guiso, o autor comea por evidenciar as dificuldades que se podem levantar: a heterogeneidade cultural pode prejudicar as trocas comerciais pela falta de compreenso e de antecipao dos acontecimentos, levando a interpretaes prejudiciais. Mais, no contexto das trocas comerciais, a diversidade cultural frequentemente encarada como um custo de transaco, tal como os custos de transporte (Dekker, P. 2007: 78). No entanto, a existncia de diferenciais culturais pode trazer vantagens ao se optar por modalidades de IDE, em detrimento das trocas comerciais. Uma das mais referidas vantagens neste contexto a potenciao dos nveis de IDE pela via da especializao. Para o mesmo autor, quanto mais diverso for o cenrio, maiores sero as oportunidades de uma empresa se especializar num dado produto, ou processo de produo (Dekker, P. 2007: 79). Neste mesmo sentido, Linders, citado por Dekker (2005: 79), analisando indicadores como o PIB, a qualidade institucional e as diferenas institucionais de vrios Estados, afirma que uma maior diferena cultural leva a um aumento das trocas comerciais, por via do desenvolvimento das capacidades de especializao. Este autor conclui, ainda, que a restrio da diferena cultural na distribuio da produo por efeitos de IDE mais forte que a restrio ao nvel das exportaes (Dekker, P. 2007: 79). A componente lingustica tambm pode ser alvo de uma avaliao, concluindo-se que uma lngua comum exerce uma influncia positiva, tanto a nvel de trocas comerciais, como,

28

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

e sobretudo, ao nvel do IDE (Dekker, P. 2007: 79). Igualmente ao nvel da transferncia de conhecimento, questo particularmente eminente na delineao de polticas de I&D, a diversidade cultural tem efeitos de restrio, podendo, contudo, ter igualmente efeitos positivos ao nvel da abertura a novas ideias e a novos produtos (Dekker, P. 2007: 93). Finalmente, no campo das economias de escala, a situao semelhante, possuindo um cenrio de heterogeneidade cultural um efeito restritivo, abrindo simultaneamente campos para a diversidade das trocas (Dekker, P. 2007). Procura-se, desta forma, aprofundar o campo terico ao mesmo tempo que se evidencia empiricamente a tendncia para as afinidades culturais e o estabelecimento de nveis de confiana se afirmarem enquanto determinantes do desempenho econmico

internacional de um dado Estado. Assim, as entidades pblicas possuem instrumentos, polticas e estratgias que podero ser orientadas neste sentido. Apesar de relativamente novo, este um campo que, nos dias que correm, vem percorrendo um caminho de afirmao a nvel internacional.

4.3 - Marketing territorial e crescimento econmico regionalUma das reas econmicas onde a influncia do factor cultural mais tem sido recebida a do marketing. Reconhecendo-se a origem das iniciativas de marketing nas estratgias comerciais das empresas, optmos, aqui, por nos debruarmos no nvel pblico a que esta rea tem ascendido. Estando no centro das nossas atenes as iniciativas do tipo marca pas, teremos de privilegiar um nvel de anlise superior, ligado mais ao espao do que unidade produtiva. Ou seja, daremos um enfoque no marketing territorial, enquanto via de promoo de imagem do territrio, e no apenas do sector privado. Neste sentido, comecemos por relevar a opinio de Laura Campbell, para a qual a cultura pode apresentar-se como um meio e um fim no place branding, realando que existem sinais de profundidade cultural no processo de desenvolvimento econmico de cidades e regies (Campbell, L. 2007: 18). J na perspectiva de Simon Anholt, o papel da cultura na promoo internacional evidencia-se de duas formas distintas. Por um lado, enquanto inspirao e diferenciao principal da imagem internacional de um pas, apresentando-se, desta forma, como um vector fundamental no domnio do marketing pblico, normalmente virado para as estratgias de place branding. (Vicente, 2004: 13). Por outro lado, numa lgica mais directa, atravs das receitas provenientes

29

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

dos eventos culturais nacionais e internacionais, como sejam os concertos, as exposies, os concursos, os festivais, e de particular relevo, da prpria lngua. (Vicente, 2004: 13). Este branding um instrumento que tem vindo a ser aplicado no campo do place marketing, e que se apresenta como um processo que procura estabelecer associaes pretendidas a uma dada cidade/regio 30 . Em ltima anlise, e segundo Van Ham, o objectivo do branding o de criar valor acrescentado, introduzindo em produtos e servios dimenses emocionais e com as quais as pessoas se podem identificar (citado em Capik, P. 2007: 23). Ao abranger/incluir valores emocionais e sociais, a marca induz ao estmulo de sentimentos e comportamentos, atribuindo, desta forma, um valor intangvel mesma (Capik, P. 2007: 23). Este processo no deve ser entendido como um conjunto solto de aces de marketing, mas sim, como um esforo para um desenvolvimento holstico, que tenha o potencial de influenciar todo o local (Rainisto, S. 2007: 20-21). A este ponto julgamos til aludir diferenciao que alguns autores fazem quanto s estratgias de place marketing e de place branding: de facto o branding uma das estratgias includas nos esforos de marketing, tratando-se tanto do domnio pblico como do privado. Quando se fala em marketing, o ponto de partida das iniciativas o mercado em si mesmo, enquanto que a criao de uma marca aponta no sentido de identificar algo. Assim, place marketing parte da imagem que se tem no exterior (abordagem de fora para dentro), enquanto que place branding (de dentro para fora) o acto pelo qual se gere, na medida do possvel, a forma como se pretende ser visto (Hospers, G. 2007: 3). Parece vir a confirmar-se a tendncia de adaptar as estratgias do marketing microeconmico ao plano pblico. Isto , e na sequncia do que temos vindo a referir, o plano local parece seguir no sentido de se definir, afirmar, e projectar a nvel internacional; o caminho para o desenvolvimento econmico, e para a ideia de competitividade que atrs desenvolvemos, tende a passar cada vez mais pela capacidade de atraco do territrio e das pessoas que nele se integram. Atrair e fixar turismo, investimento, comrcio, habitantes.

30

Nunes, C. (5 de Outubro de 2007), Portugal chega ao Harrods, Expresso, p. 27.

30

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portugal

Se em relao ao turismo e atraco (e reteno) de novos habitantes parece ser mais simples a avaliao do peso que a cultura de um local possui na sua atractividade, a verdade que considerar os restantes factores implicar mais e maiores investimentos de ndole cientfica e emprica para se poder conhecer os pontos de relao. Nas palavras de Philipp Kotler, as estratgias dos locais para se afirmarem no plano internacional passam pelo marketing de imagem31, de atraces, de infra-estrutura e de pessoas (Kotler, P., Haider, D.; & Rein, I. 1994: 37). Assim, talvez excepo das infra-estruturas de um pas, os restantes trs vectores acabam por estar relacionados, de forma mais ou menos directa, com a sua cultura. Ainda na ptica do mesmo autor, existem seis tipos de estratgias que os locais podem usar para aumentarem os seus ndices de competitividade: atrair turistas e visitantes a negcios; atrair negcios de outros lugares; manter e expandir os negcios j existentes; promover pequenos negcios e apoiar a criao de novos; aumentar as exportaes e os investimentos estrangeiros e, finalmente, aumentar a populao ou mudar a combinao de moradores (Kotler, P. Haider, D. & Rein, I. 1994: 245).

4.4 - Nvel empresarialPara finalizar este captulo, e apesar da natureza macroeconmica deste trabalho, afigura-se igualmente importante um conhecimento, ainda que relativamente superficial, das razes pelas quais a cultura nacional importante para o marketing comercial das empresas. E surgem duas ordens de razes principais para que tal venha includo na nossa linha de aprofundamento e argumentao. A primeira, deve-se imperatividade de se conhecer a permeabilidade das estratgias comerciais diversidade cultural internacional, para que se possa induzir para o plano das polticas pblicas; por outro lado, pelo facto da marca pas se apresentar fundamentalmente como pano de fundo actividade das empresas nacionais, legitimando uma aco coordenada entre ambas32. De facto, a eficcia deste tipo de iniciativas depender muito da articulao entre

A marca pas no se pode, assim, reduzir s aces de marketing promovidas pelas entidades pblicas. Em relao ao country image o marketing internacional s um dos vectores onde este conceito tem relevncia (Mossberg, L. & Kleppe, I. 2005: 495). 32 Compro o que nosso alcana as 300 empresas aderentes (22 de Agosto de 2008), Pblico, edio on-line. Disponvel em: http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1340052.

31

31

A Relevncia da Cultura na Competitividade Nacional: O Caso da Marca Portu