100

Click here to load reader

Dissertacao Luis Eduardo Santos

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Um boa visão sobre o objeto indireto.

Citation preview

  • i

    Lus Eduardo dos Santos

    Arealizao do objeto indireto anafrico: uma questo de aprendizagem?

    Dissertao apresentada ao Departamento de Letras

    Clssicas e Vernculas Filologia e Lngua

    Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e

    Cincias Humanas da Universidade de So Paulo

    para a obteno do ttulo de Mestre em Lingstica.

    Orientadora: Prof. Dr. Marilza de Oliveira

    USP - FFLCH

    Departamento de Letras Clssicas e Vernculas Filologia e Lngua

    Portuguesa

    2007

    Lus Eduardo dos Santos

  • ii

    A realizao do objeto indireto anafrico: uma questo de aprendizagem?

    USP - FFLCH

    Departamento de Letras Clssicas e Vernculas Filologia e Lngua

    Portuguesa

    2007

  • iii

    FOLHA DE APROVAO

    Lus Eduardo dos Santos

    A realizao do objeto indireto anafrico: uma questo de aprendizagem?

    Dissertao apresentada ao Departamento de Letras Clssicas e Vernculas Filologia e Lngua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Mestre em Lingstica.

    rea de concentrao: Filologia e Lngua Portuguesa

    Aprovado em: / /

    Banca Examinadora

    Prof.Dr________________________________________________________________

    Instituio:__________________________assinatura:___________________________

    Prof.Dr________________________________________________________________

    Instituio:__________________________assinatura:___________________________

    Prof.Dr________________________________________________________________

    Instituio:__________________________assinatura:___________________________

    Prof.Dr________________________________________________________________

    Instituio:__________________________assinatura:___________________________

    Prof.Dr________________________________________________________________

    Instituio:__________________________assinatura:___________________________

  • iv

    Dedico este trabalho minha esposa Fabiana

    ajudadora, amiga e companheira.

  • v

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo em primeiro lugar a Deus pela sade e pelas portas abertas para a execuo

    deste trabalho, bem como pela salvao dispensada atravs do nosso Senhor Jesus Cristo, que nos

    traz tranqilidade para viver nesses dias conturbados.

    minha esposa Fabiana pela pacincia quando teve que dividir minha ateno com meus

    textos, livros e com o computador; alm de se interessar por meu trabalho mesmo no sendo de

    sua rea de atuao; e pelo seu amor e incentivo que me deram nimo e foras at o fim.

    querida professora e orientadora Marilza que desde a minha graduao me incentivava

    e motivava na continuao aos estudos, despertando em mim uma veia de pesquisador, me

    fazendo um curioso e estudioso dos fenmenos lingsticos que me cercam; agradeo tambm

    por sua orientao paciente, muito competente e que sempre inspirou muita confiana.

    A meus pais, Antonio Carlos e Margareth Cristina que sempre se preocuparam com meus

    estudos e, mesmo longe, se interessam por eles; agradeo os sacrifcios dispensados em meu

    sustento e educao que me deram. Tambm agradeo a meus irmos pelo amor e conversas

    que temos, as quais so to importantes nos momentos de descanso da mente atarefada.

    s minhas professoras das disciplinas assistidas na ps-graduao Cida Torres, ngela

    Ceclia e Maria Clia, que ouviram meu projeto e deram timas sugestes de leituras, alm de

    favorecem o intercmbio com outros colegas. Agradeo minha banca de qualificao pelas

    observaes, sugestes e direcionamentos dados.

    Ao Arnaldo Rabello, colega de mestrado, que me auxiliou muito na realizao deste

    trabalho; e a Hosana dos Santos que, apesar do pouco contato, se colocou a disposio e muito

    me auxiliou.

    E aos amigos e irmos de minha igreja que sempre me sustentam em orao.

  • vi

    SUMRIO

    RESUMO.......................................................................................................................................11

    ABSTRACT..................................................................................................................................12

    INTRODUO............................................................................................................................13

    CAPTULO I.................................................................................................................................17

    1.1. OBJETIVOS E HIPTESES...................................................................................17

    1.2. METODOLOGIA......................................................................................................18

    1.2.1. Os informantes............................................................................................18

    1.2.2. O tratamento dos dados..............................................................................22

    CAPTULO II...............................................................................................................................24

    Pressupostos Tericos, Parte I ........................................................................................24

    2.1. QUADRO TERICO................................................................................................24

    2.1.1. Aquisio......................................................................................................24

    2.1.1.1. O empirismo....................................................................................24

    2.1.1.2. O racionalismo................................................................................26

    2.1.2. A Teoria Gerativa.......................................................................................27

    2.1.3. Aquisio e Aprendizagem...........................................................................29

    Pressupostos Tericos, Parte II.......................................................................................33

    2.2. QUADRO TERICO................................................................................................33

    2.2.1. Teoria Temtica..........................................................................................33

    2.2.2. A Teoria do Caso.........................................................................................36

    2.2.2.1. Ncleos lexicais e funcionais........................................................37

    2.2.3. A Teoria X-Barra........................................................................................40

  • vii

    CAPTULO III.............................................................................................................................48

    Estudos do OI: Preposio e Cltico................................................................................48

    3.1. A PERDA DO CASO MORFOLGICO E O USO GENERALIZADO DA

    PREPOSIO..................................................................................................................48

    3.2. A GNESE DATIVA E DA PREPOSIO...........................................................49

    3.3. AS PREPOSIES A E PARA NO PB .........................................................52

    3.4. AS VARIANTES NA REALIZAO DO SP COM FUNO DE OBJETO

    INDIRETO........................................................................................................................55

    3.5. CATEGORIA VAZIA E CLTICO DATIVO........................................................63

    CAPTULO IV..............................................................................................................................66

    Anlise descritiva dos Dados............................................................................................66

    4.1. INTRODUO..........................................................................................................66

    4.2. REALIZAO DO OBJETO INDIRETO NA 3 PESSOA.................................66

    4.2.1. Atividade 1 (Teste Direcionado)................................................................70

    4.2.2. A Anlise do Teste de Produo (ou espontneo)....................................73

    4.2.3. Consideraes Preliminares.......................................................................77

    4.3. REALIZAO DO OBJETO INDIRETO POR TIPO DE VERBO...................78

    4.3.1. Introduo....................................................................................................78

    4.3.2. Verbo dandi: Atividade 1 (Teste Direcionado).........................................78

    4.3.3. Verbo dandi: Atividade 2 (Teste de Produo)........................................82

    4.3.4. Verbo dicendi: Atividade 2 (Teste de Produo)......................................84

    4.3.5. Consideraes preliminares.......................................................................88

    CONCLUSO...............................................................................................................................90

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................................................93

  • viii

    ANEXOS........................................................................................................................................98

    ANEXO A Atividade 1, Teste direcionado..................................................................98

    ANEXO B Atividade 2, Teste de Produo.................................................................99

  • ix

    Lista de tabelas

    Tabela I: Realizao plena ou nula do OI, por srie escolar (atividade 1).....................................66

    Tabela II: Realizao plena ou nula do OI, por srie escolar (atividade 2)....................................67

    Tabela III: Forma de preenchimento do OI. Atividade 1...............................................................70

    Tabela IV: Cltico dativo X cltico acusativo. Atividade 1............................................................71

    Tabela V: Tipo de preposio que encabea o SP, a, para. Atividade 1...................................73

    Tabela VI: Forma do preenchimento do OI. Atividade 2...............................................................74

    Tabela VII: Cltico dativo X cltico acusativo. Atividade 2...........................................................74

    Tabela VIII: Tipo de preposio que encabea o SP, a, para. Atividade 2...............................75

  • x

    Lista de Grficos Grfico I: tipo de SP, 5 srie (atividade 1, verbo dandi 5 srie)...............................................79

    Grfico II: tipo de cltico, 5 srie (atividade 1, verbo dandi 5 srie)........................................79

    Grfico III: tipo de SP, 8 srie (atividade 1, verbo dandi 8 srie).............................................80

    Grfico IV: tipo de cltico, 8 srie (atividade 1, verbo dandi 8 srie).......................................80

    Grfico V: tipo de SP, 3 srie EM (atividade 1, verbo dandi 3 srie EM)................................81

    Grfico VI: tipo de cltico, 3 srie EM (atividade 1, verbo dandi 3 srie EM).........................81

    Grfico VII: tipo de SP (atividade 2, verbo dandi 5 srie )........................................................82

    Grfico VIII: tipo de cltico (atividade 2 5 srie )......................................................................82

    Grfico IX: tipo de SP (atividade 2, verbo dandi 8 srie ).........................................................83

    Grfico X: tipo de cltico (atividade 2, verbo dandi 8 srie ).....................................................83

    Grfico XI: tipo de SP (atividade 2, verbo dandi 3 srie EM)...................................................84

    Grfico XII: tipo de cltico (atividade 2, verbo dandi 3 srie EM)............................................84

    Grfico XIII: Preenchimento dicendi 5 srie.................................................................................85

    Grfico XIV: Preenchimento dicendi 8 srie................................................................................85

    Grfico XV: Preenchimento dicendi 3 srie EM...........................................................................85

    Grfico XVI: tipo de SP (atividade 2, verbo dicendi 5 srie )....................................................86

    Grfico XVII: tipo de cltico (atividade 2, verbo dicendi 5 srie ).............................................86

    Grfico XVIII: tipo de SP (atividade 2, verbo dicendi 8 srie ).................................................87

    Grfico XIX: tipo de cltico (atividade 2, verbo dicendi 8 srie )..............................................87

  • 11

    RESUMO

    SANTOS, Lus Eduardo dos. A realizao do objeto indireto anafrico: uma questo de

    aprendizagem? 2007. 101f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias

    Humanas da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2007.

    Diversos estudos vm apontando o desaparecimento do pronome cltico dativo de terceira pessoa

    em paralelo com a substituio da preposio a pela preposio para (pra na lngua falada) na

    introduo de objeto indireto (OI) no portugus brasileiro (PB). Este fenmeno comea a partir

    de dados do sculo XIX, no entanto, tais estudos partem, em sua maioria, de dados da linguagem

    adulta, sendo que poucos tratam deste fenmeno no mbito da aprendizagem. Esta dissertao

    investiga tais apontamentos com relao ao OI, partindo de anlise de dados de testes escritos por

    767 alunos cursando desde a 5 srie do ensino fundamental de ciclo II (EF II) at o 3 ano do

    ensino mdio (EM). As construes que sero destacadas devero ser apenas as com verbos do

    tipo dandi e dicendi, verbos com dois complementos, limitando-se 3 pessoa. Partindo da

    relao que diversos trabalhos fazem entre o cltico dativo e a preposio a (se lhe, ento a),

    verificarei o que o aprendiz usa no lugar do dativo lhe e se substituem a preposio para pela

    preposio a, no papel de encabeadora de OI. Uma questo importante nesta dissertao saber

    se o tipo de escolha para o preenchimento do OI uma questo de aprendizagem; saberemos,

    assim, se a escola recupera na escrita o que parece estar desaparecendo na fala, e, se recupera, o

    quanto e como se d essa recuperao. Conclumos que a escola interfere no uso do tipo de

    preposio que encabea o SP na modalidade escrita da lngua; porm o cltico dativo lhe no

    acompanha a alternncia da preposio ao longo das sries escolares. O aluno no associa a

    correlao entre os dois fenmenos. Confirma-se a nossa hiptese principal de que no processo

    de letramento a escola tende a recuperar as perdas lingsticas, mas nem todas elas so passveis

    de serem recuperadas.

    Palavras-chave: Objeto Indireto. Terceira pessoa. Aprendizagem. Verbos Dandi e Dicendi.

  • 12

    ABSTRACT

    SANTOS, Lus Eduardo dos. The accomplishment of indirect object anaphoric: a learning

    question? 2007. 101f. Dissertation (Masters degree) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias

    Humanas da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2007.

    Several studies indicate the dative clitic pronoun disappearance in 3rd person in parallel with the

    preposition a substitution by preposition para (pra in spoken language) in the introduction

    of Indirect Object (OI) in Brazilian Portuguese. This phenomenon states from data of XIX

    century, however, such studies consider, the greater number, data of adult language, and few

    works deal with phenomenon in learning field. This dissertation investigates such notes with

    regard to OI, starting from data of written testes analysis by 767 students coursing since the 5th on

    secondary school until 3rd on high school. The constructions that will be focused are those with

    dandi and dicendi type verbs, verbs with two complements, limiting to 3rd person. Starting from

    relationship that several works do between the dative clitic and the preposition a (if lhe, then

    a), I will verify what the student use in the place of dative lhe and if they substitute the

    preposition para by the preposition a in the introduction of OI role. An important point in

    this dissertation is to know if the type of choice to OI accomplishment is a learning issue; we

    will, thus, if the school recuperates, how much and how this recuperation happens. Concluding,

    the school interferes in the use of the type of preposition in the language writing; nevertheless the

    dative clitic lhe doesnt follow the alternate of the preposition along of school series. The

    student doesnt associate the correlate between the two phenomenons. It confirms the hypothesis

    main: the school tends to recuperate the linguistic lost, but neither all them can be recuperates.

    Keywords: Indirect Object. Third Person. Learning. Dandi and Dicendi verbs.

  • 13

    INTRODUO

    Estudos como os de Berlinck (1997, 1999, 2000), Oliveira (2002), Gomes (2003) tm

    apontado a perda da preposio a em favor da preposio para na introduo do OI e a perda do

    cltico dativo lhe no P(ortugus) B(rasileiro).

    Estudos diacrnicos mostram uma mudana em curso na realizao do O(bjeto) I(ndireto)

    no PB. Berlinck (1999) registrou alta freqncia do cltico dativo de 3a pessoa (87%) nas

    comdias brasileiras da primeira metade do sculo XIX, e sua queda na segunda metade desse

    sculo (68,5%); o uso da preposio a apresentou ligeiro declnio, 93% na primeira metade do

    sculo e 83% na segunda.

    Oliveira (2002) encontra resultados parecidos com os apresentados por Berlinck (e por

    outros estudos) quando estudou a preposio nos complementos verbais no PB do sculo XIX

    (seu corpus de anlise incluiu as cartas de leitores publicadas na imprensa do sc. XIX.), com alto

    ndice de freqncia da preposio a.

    Estudos sincrnicos confirmam a mudana iniciada entre os sculos XIX e XX. Berlinck

    (1997) constatou a queda do cltico lhe e da preposio a em favor do uso da anfora zero e da

    preposio para, respectivamente. O corpus analisado (a fala de jovens universitrios curitibanos

    e de adultos cariocas) pela autora mostrou alto ndice da anfora zero (71%) e baixssimo ndice

    de clticos (1%), apontando para a perda do cltico dativo; observou que o SP encabeado

    majoritariamente pela preposio para (28%) e que na fala de curitibanos a preposio a teve uso

    menos freqente que na fala dos cariocas (40% e 70% respectivamente).

    Contrariamente aos resultados encontrados por Berlinck, Freire (2000), num estudo

    tambm sobre o OI anafrico no portugus atual, aponta para uma maior freqncia de SP

  • 14

    anafrico (67%, no PB), seguido de dativo nulo (24%, PB). A diferena entre os achados de

    Berlinck e de Freire se justifica em funo do tipo de corpus analisado. Berlinck utiliza

    entrevistas informais com estudantes de Curitiba e do NURC, ao passo que Freire, que leva em

    conta apenas a 3a pessoa e verbos bitransitivos, analisa textos de entrevistas transcritas em jornais

    e revistas. Kewitz (2004) tambm verificou diferenas entre tipos de textos e entre a modalidade

    falada e escrita do PB.

    Gomes (1998) e (2003) analisou a fala carioca e observou a substituio de a por para e a

    especializao de a na indicao de relaes semnticas abstratas, o que ocorre na presena de

    um verbo leve (ex.: dar apoio a algum / algo).

    As mudanas apontadas em relao realizao do objeto indireto (OI) no PB levam a

    questionar se elas so realmente efetivas ou se a escola consegue recuperar esses elementos.

    Lembramos aqui que trabalhos como o de Duarte (1986) e Corra (1991) assinalam que cabe

    escola municiar o indivduo com o cltico acusativo de 3a pessoa, outro fenmeno morfossinttico

    em franco desaparecimento do PB.

    Apesar de alguns trabalhos tratarem da modalidade escrita da lngua, a maior parte dos

    estudos citados anteriormente trata da anlise dos fenmenos apontados a partir de um corpus

    oral, alm disso, h poucos trabalhos sobre construes com verbos que selecionam dois objetos

    no PB.

    Neste segmento parto de observaes e constataes de estudos que tratam da aquisio

    da linguagem que ser mais abordado a frente.

    Kato (2005), em seu estudo A Gramtica do Letrado aborda a questo da aprendizagem

    e aquisio da linguagem, relacionando aquisio da escrita com aquisio de L2. No PB clara

    a distncia entre fala e escrita, alm disso, a escola procura recuperar a gramtica do passado,

  • 15

    mas consegue uma simulao parcial desta gramtica, produzindo um conhecimento diferente

    daquele dos falantes de sculos passados.

    Kato (1994), citando Lightfoot (1991) e Roberts (1993), constata que quando h duas

    formas em competio dentro da mesma lngua, a criana que o principal agente da mudana

    lingstica efetiva opera a reanlise de certas formas, a qual pode atingir um nvel de mudana

    paramtrica. Nesse processo, uma das formas em competio passa a soar como agramatical ou

    ser encarada como marca de gerao, o que far com que uma das formas deixe de aparecer do

    input do aprendiz. Entretanto, o professor, aparentemente um dos agentes conservadores da

    lngua, atua em processo contrrio buscando recuperar a forma que no faz parte do input

    lingstico da criana.

    Kato assinala a afinidade entre a aquisio de L2 e o ensino da gramtica na escola

    (aquisio da escrita). Como se isso no bastasse, a metodologia empregada para o ensino da

    gramtica encontra perfeitas relaes com o tradicional modelo de ensino de L2 baseado nos

    exerccios gramaticais. Ou seja, na escola a criana no exposta a dados lingsticos dos quais

    poderia extrair a gramtica, ao contrrio do que se d no processo de aquisio da lngua materna.

    E neste meio em que ocorre o processo de aquisio de clticos, a concordncia (entre outros),

    os quais devem fazer sentido para o aluno em sua escolarizao.

    A aquisio da modalidade escrita se confunde com a aquisio de uma gramtica que na

    maior parte das vezes no faz parte do repertrio lingstico ativo (mas passivo) dos alunos,

    devido distncia entre as modalidades falada e escrita do PB.

    A aquisio da escrita associada gramtica passa por um processo que leva um longo

    tempo, oito anos no ensino fundamental e mais trs anos no ensino mdio, ou seja, a aquisio da

    escrita necessita de um perodo de cerca de onze anos para ser configurada tecnicamente como

  • 16

    eficaz (este qualitativo e at este tempo podem ser bem questionveis), enquanto a aquisio da

    fala muito mais eficaz e rpida.

    nesse sentido que este projeto visa a traar o percurso de aquisio dos clticos dativos e

    da realizao da preposio a como introdutora de OI na modalidade escrita, tendo como

    pressuposto que esses elementos so cada vez menos freqentes na fala.

    No considerarei neste trabalho a eficcia ou competncia dos mtodos empregados pela

    escola no processo de aquisio da lngua escrita; apenas partirei da afirmao de que a escola ,

    de forma geral, o principal agente no processo de ensino-aprendizagem e procurarei observar,

    seguindo a linha de Kato (1996) e Cordeiro (2004), se a escola consegue recuperar esta gramtica

    do passado (o quanto e o que recuperado).

    Este trabalho busca integrar o Projeto Aprendizagem em Contexto de Mudana

    Lingstica e define-se como o estudo da realizao do objeto indireto em produes espontneas

    e no espontneas (produes que sero melhor nomeadas posteriormente) de alunos do ensino

    fundamental e mdio.

  • 17

    CAPTULO I

    APRESENTAO

    1.1. OBJETIVOS E HIPTESES

    O objetivo deste trabalho fazer o mapeamento da realizao do OI anafrico em

    atividades propostas a alunos do ensino fundamental e mdio. Busca-se, com isso, responder s

    seguintes perguntas:

    1. o objeto indireto anafrico lexicalmente realizado?

    2. se a resposta questo 1 for positiva, qual o tipo de realizao ocorre? Trata-se de um SP

    ou do cltico dativo lhe` ?

    3. Se o objeto indireto anafrico realizado por meio de um SP, qual a preposio que

    encabea esse sintagma?

    4. Se o objeto indireto tem a forma de SP, que tipo de elemento regido pela preposio,

    nome ou pronome?

    5. Pode-se observar uma alterao no uso da preposio ou do cltico ao longo das sries

    escolares? Em que srie se verifica essa alterao?

    Partindo da diferena entre aquisio e aprendizagem (Kato 1996), este trabalho ser

    norteado pelas hipteses seguintes:

  • 18

    1. a escola interfere no uso do tipo de preposio que encabea o SP na modalidade

    escrita da lngua. Em outras palavras, ao longo das sries esperamos encontrar a troca da

    preposio para pela preposio a;

    2. o cltico dativo lhe no acompanha a alternncia da preposio ao longo das sries

    escolares. O aluno no associa a correlao entre os dois fenmenos.

    Mediremos estas informaes atravs da anlise de tabelas e grficos com os dados de

    qual tipo de OI o aprendiz escolhe para o preenchimento (SP com a ou para, cltico acusativo ou

    dativo).

    Em outras palavras, a nossa hiptese principal a de que no processo de letramento a

    escola tende a recuperar as perdas lingsticas, mas nem todas elas so passveis de serem

    recuperadas.

    1.2. METODOLOGIA

    1.2.1. Os informantes

    Pretendo fazer um estudo emprico das variantes da realizao do OI, tomando como

    corpus resultados da aplicao de testes a alunos do ciclo II do ensino fundamental (EF II) e do

    ensino mdio (EM).

    Aplicou-se um teste (vide Anexo A e B) contendo duas atividades: uma de produo e

    uma de percepo, como definido em Cordeiro (2004).

    Na primeira atividade (atividade 1, Anexo A), a que chamaremos de teste direcionado,

    procuremos observar se o aluno realiza o OI e qual a forma utilizada para isso. Sabemos que todo

  • 19

    teste em si totalmente direcionado, mas esta primeira atividade mais direcionada, limitadora e

    muito menos espontnea, trazendo um grau de formalidade maior; o aluno fica limitado dentro de

    um exerccio de completar lacunas. Propusemos um texto da mitologia grega sobre Perseu com

    vrias lacunas na posio do objeto (OD e OI) e um quadro com opes de verbos (a maioria do

    tipo dandi) com o OD preenchido, ficando ao encargo do aluno o preenchimento do OI (quando e

    como); aqui avaliaremos a percepo do aprendiz.

    A segunda atividade (atividade 2, Anexo B), a que chamamos de teste de produo,

    consistiu na apresentao de tirinhas de histrias em quadrinhos. Aos alunos coube a tarefa de

    construir um texto a partir do que viam nas tirinhas. Assim configurado, o segundo teste se

    apresentava ao aluno de forma menos direcionada, menos limitada e um pouco mais espontneo,

    o que nos leva a consider-lo de carter menos formal do que o teste de lacunas que caracteriza a

    primeira atividade. Procuramos criar um contexto situacional que permitisse ao aluno usar os

    verbos de tipo dandi ou dicendi. O objetivo com esse teste observar se o aluno recupera

    preposio a e o cltico lhe.

    Os testes foram realizados em uma escola pblica com alunos do ensino fundamental do

    ciclo II (EFII) e em uma escola particular de ensino mdio (EM). Escola pblica situa-se no

    Brooklin; bairro de classe mdia-alta que tambm contm favelas. A escola pblica fica prxima

    a rede Globo, mas ao contrrio do imaginrio, esta escola no patrocinada pela emissora;

    localiza-se entre duas grandes avenidas: A Luiz Carlos Berrini, com uma importante

    movimentao de escritrios e a avenida Santo Amaro, sendo assim abastecida por vrias linhas

    de nibus. Neste bairro h ainda muitas escolas particulares e outras escolas pblicas de EM do

    estado. Parte dos alunos da classe mdia que freqentam so alunos que pertenciam s escolas

  • 20

    particulares do entorno. Os alunos das classes mais baixas vm das residncias mais simples do

    bairro, das favelas do bairro e de outras favelas e tambm da zona sul1.

    A escola particular localiza-se no Largo do Glicrio; rea acimentada limitada pelo

    viaduto do Glicrio (que d acesso Radial Leste), pelos prdios de uma igreja evanglica e de

    rgos governamentais, um albergue e um conjunto habitacional; situado entre os bairros da

    liberdade, Cambuci e Centro. um lugar de passagem, principalmente de automveis. A

    organizao de edifcios institucionais e os viadutos recortam esse plano, impedindo a integrao

    do fluxo urbano residencial convencional. Toda a regio foi urbanisticamente desconfigurada, o

    que afastou investimentos imobilirios e atraiu uma grande massa de populao carente e sem-

    teto. Nesta Regio encontra-se grande concentrao de entidades assistencialistas (albergues,

    centros comunitrios, igrejas) da cidade. A populao que est na rea composta basicamente

    por alberguistas e pelos moradores de rua.. Isolada pelos viadutos, no pode tambm ser

    integrada aos recentes projetos das subprefeituras regionais de desenvolvimento em grande escala

    da Zona Leste. Uma situao que demanda proposies voltadas para a reconfigurao de reas

    adjacentes s vias expressas e, sobretudo, para novas formas de ocupao de populaes sem-

    teto. neste cenrio que se encontra, logo abaixo do viaduto Glicrio, uma cooperativa de

    reciclagem de lixo originalmente organizada pelos carroceiros e catadores de papel do local em

    parceria e sob orientao dos padres franciscanos e a pastoral do colgio, um dos ncleos que

    desenvolve projetos sociais na regio. No espao situado logo abaixo do viaduto do Glicrio, por

    meio do esforo em conjunto, foi possvel construir um local para o armazenamento e

    administrao do material reciclvel, recolhido pelos carroceiros. Esta cooperativa funciona ao

    lado do albergue pblico municipal. Devido a todas estas caractersticas, a regio fortemente

    1 Esta escola pertence a DECO, Diretoria de Ensino da regio Centro-Oeste de So Paulo

  • 21

    discriminada e marginalizada. A criminalidade ali tambm alta, tornando o lugar funcional,

    somente utilizado como passagem entre duas regies da cidade.

    Os testes na escola pblica foram aplicados por mim por uma questo de facilidade de

    contato. A escola era meu ambiente de trabalho e eu conhecia todas as turmas de 5 a 8 por j ter

    sido seu professor, assim tornava-se mais fcil o acesso aos dados que eu precisava para meu

    trabalho. Na poca, eu era professor responsvel pelo projeto de leitura (1 aula por semana),

    tendo acesso a todas as turmas. Porm, como esse projeto no contempla provas e testes como

    forma de avaliao, eu disse aos alunos que este teste no teria nenhum tipo de nota, mas para

    incentiv-los a faz-lo ofereci-lhes pontos positivos apenas pelo fato de fazer o teste. Nesta escola

    o curso de EM e suplncia foram desativados em 2002, restando apenas os cursos de 1 a 4 sries

    do ciclo I e 5 a 8 sries do ciclo II, desta forma tive que buscar outra alternativa para aplicar os

    teste no nvel de EM. Os testes na escola particular de EM foram aplicados pelo meu colega

    mestrando Arnaldo Rabello Junior por uma questo de comodidade j que ele atuava como

    professor nesta sua escola.

    O quadro descrito revela uma das grandes contradies na mbito educacional brasileiro.

    De um lado temos uma escola pblica com alunos de classe mdia-alta e baixa em bairro de

    classe mdia-alta, de outro, uma escola particular com alunos de classe mdia e baixa, em bairro

    de classe baixa. O que mais aproxima as escolas so as prticas pedaggicas. Pautando-me nas

    semelhanas dessas prticas, acredito que as diferenas no perfil das escolas no comprometem o

    resultado do trabalho.

    Tivemos um total de 767 alunos participando dos testes, sendo 159 alunos na 5 srie do

    Ensino Fundamental (EF), 205 alunos na 6 srie EF, 140 alunos na 7 srie EF, 157 alunos na 8

    srie, 54 alunos no 1 ano do Ensino Mdio (EM), 26 alunos no 2 no EM e 26 alunos no 3 ano

    EM.

  • 22

    Por se tratar de um retrato do fenmeno estudado, esta dissertao no um estudo

    longitudinal do OI aqui destacado. O tempo disponvel no permitiu um estudo longitudinal que

    acompanharia os alunos ao longo de seus processos de aprendizagem e aquisio do cltico e da

    preposio a; limitamo-nos assim a mostrar como o fenmeno se manifesta ao longo das sries

    com alunos diferentes. O nmero de testes aplicados no Ensino Fundamental suficiente para

    nossas anlises e concluses; alm disso, o projeto poltico e pedaggico dessa escola de EF

    aplicado em todas as sries, mantendo a coerncia ao longo das mesmas; o quadro do magistrio

    dessa escola mantinha-se h anos na poca de aplicao dos testes, com professores com

    didticas prximas e fazendo uso dos mesmos projetos e matrias didticos e paradidticos. No

    Ensino Mdio temos um quadro diferente por motivos que podem ser inferidos pela descrio da

    escola nos pargrafos anteriores; o nmero de alunos reduzido, o que apenas poderia limitar

    concluses categricas sobre a aprendizagem no EM, mas ainda teremos um bom mapeamento

    do fenmeno estudado.

    1.2.2. O tratamento dos dados

    Os testes recebero tratamento estatstico alm de uma anlise qualitativa. Ainda que

    estruturas monoargumentais tenham se mostrado mais resistentes mudana no uso da

    preposio (cf. Kewitz), procurarei, na coleta de dados, focar apenas as estruturas biargumentais

    de dois tipos de verbos: os dandi e os dicendi.

    O trabalho ser realizado em duas etapas2. Na primeira, sero analisados os tipos de

    realizao do OI. Para isso, os dados sero examinados luz dos seguintes critrios:

    a) tipo de verbo (dandi ou dicendi);

  • 23

    b) subtipos de verbos (para os dandi: dar, entregar, oferecer, devolver; para os dicendi:

    dizer, contar, falar, perguntar, responder);

    c) realizao do OI (pleno ou nulo);

    d) tipo de OI pleno (SP ou cltico);

    e) realizao do OD (pleno ou nulo);

    f) tipo de OD (sentencial ou argumental);

    g) sries escolares.

    Com essa primeira etapa, pretende-se observar os contextos lingsticos que favorecem

    cada forma de realizao do OI.

    Na segunda etapa do trabalho, pretende-se observar apenas os casos de OI na forma

    preposicionada. Para isso, os dados sero analisados em funo de fatores condicionadores como:

    a) tipo de verbo (dandi ou dicendi);

    b) subtipos de verbos (para os dandi: dar, entregar, oferecer, devolver; para os dicendi:

    dizer, contar, falar, perguntar, responder);

    c) posio do SP na sentena;

    d) tipo de preposio (a, para, com)

    e) realizao do objeto direto (nulo ou pleno);

    f) tipo de objeto direto (se sentencial ou argumental);

    g) classe do elemento regido pela preposio (pronome tnico ou SN)

    Os dados sero analisados quantitativamente, com base em tabelas e grficos do Excel.

    2 As etapas de trabalho no se confundem com as atividades. As duas etapas foram observadas nas duas atividades propostas.

  • 24

    CAPTULO II

    PRESSUPOSTOS TERICOS

    Este captulo apresenta uma reviso de trabalhos que focalizam diferentes aspectos das

    preposies. Nosso objetivo discutir questes relativas s propriedades das preposies,

    partindo das contribuies tericas j existentes a respeito de nosso objeto de estudo.

    PARTE I

    2.1. QUADRO TERICO

    2.1.1. Aquisio

    Ao tratar da teoria da aquisio Santos (2005) apresenta as teorias mais vigentes:

    2.1.1.1. O empirismo

    O empirismo prope que o conhecimento derivado da experincia, mas no nega a

    existncia da mente, nem que os seres humanos tm conhecimento e idias na mente. O que seria

    inato para o empirista a capacidade de formar associaes entre estmulos, ou entre estmulos e

    respostas. Duas principais linhas temos no empirismo: o behaviorismo e o conexionismo.

  • 25

    No behaviorismo previa-se que o aprendizado de comportamentos no-lingsticos e lingsticos

    ocorria por meio de estmulos, reforos e privaes; em Santos (2005), apud Skinner (1957)3, prope-se

    a capacidade de predizer e controlar o comportamento verbal mediante variveis que controlam o

    comportamento (estmulo, resposta, reforo) e a especificao de como essas variveis interagem para

    determinar uma resposta verbal particular. Segundo essa proposta, um estmulo externo provoca

    uma resposta externa do organismo. Se essa resposta for reforada positivamente, a tendncia que o

    comportamento se mantenha. Se a resposta for reforada negativamente, o comportamento eliminado.

    Se no h reforo (positivo ou negativo), o comportamento tambm tende a desaparecer.

    Durante a tradio estruturalista da lingustica, era muito comum a viso associacionista entre

    som e significado-. Esse tipo de aproximao que previa o aprendizado de comportamentos no-

    lingsticos e lingusticos por meio de estmulos, reforos e privaes - apud. Skinner (1957). Caso a

    me a retire do bero, ela est reforando positivamente o comportamento da criana, isto , a criana

    "aprende" que para sair do bero deve chorar. Se, por outro lado, a me no atender a criana (reforo

    negativo), esta "aprender" que no chorando que vai conseguir sair de l (exemplos extrados de

    Santos). O mesmo princpio usado para o aprendizado da lngua. Imagine que a criana v a

    mamadeira (estmulo) e diz "pap". Se ela conseguir com isso que lhe dem a mamadeira, ser reforada

    positivamente, "aprender" que quando quiser comida deve dizer "pap".

    Assim, o aprendizado lingustico era anlogo a qualquer outro aprendizado; desse modo, o

    behaviorismo acaba recaindo num processo indutivo de aquisio, porque considera somente os fatos

    observveis da lngua, sem preocupar-se com a existncia de um componente estruturador, organizador,

    que possa estar trabalhando junto com os dados (experincia) na construo da gramtica de uma lngua

    particular. Um dos problemas para as propostas behavioristas explicar como produzimos e

    compreendemos sentenas nunca ouvidas antes, como em sentenas produzidas por crianas: eu ouvo

    3 SKINNER, B. F. Verbal Behavior. Nova York: Appleton-Century Crofts, 1957.

  • 26

    ( eu ouo), eu fio (eu fiz) ou eu fazo (eu fao), indicando para a criana a necessidade de aprender que

    as regras tm excees.

    O conexonismo uma proposta terica relativamente nova (dos ltimos quinze anos); o

    aprendizado ad hoc, nas relaes entre os dados de entrada (input) e sada (output), mas admitem

    analogias e generalizaes. Os modelos conexionistas podem ser treinados para aprender a flexionar os

    verbos no passado, a sonorizar textos escritos, pegar bolas, etc. Os modelos conexionistas tm por

    objetivo explicar os mecanismos que embasam o processamento mental, e a linguagem apenas um

    desses processos.

    As propostas conexionistas buscam a interao entre o organismos e ambiente, assumindo a

    existncia de um algoritmo de aprendizagem. Por organismo, entende-se a intrincada rede neural Nos

    modelos conexionistas assume-se a existncia de um algoritmo de aprendizagem interno que permite o

    aprendizado a partir de experincias. A aprendizagem est vinculada a mudanas nas conexes acurais.

    Cada vez que um estmulo (input) ativa, ao mesmo tempo, determinados neurnios, a conexo entre

    eles torna-se mais forte. Um modelo conexionista d grande importncia para a quantidade de dados de

    entrada frequncia - e para a variabilidade dos dados de sada. A aprendizagem se d pela modelagem

    estatstica de inferncias.

    2.1.1.2. O racionalismo

    O que diferencia uma teoria empirista de uma teoria racionalista que a primeira tenta descrever

    uma lngua apenas com os dados observveis e por processos indutivos, ou seja, procurando construir o

    sistema de regras da lngua apenas pela observao direta dos dados. Chomsky (1965) argumenta que o

    conhecimento da lngua nem sempre passvel de observao direta e que somente quando, alm da

    observao dos dados, postula-se um conjunto de informaes internas, inatas, que se torna possvel

  • 27

    chegar a uma representao de uma determinada lngua. Slobin (1980) observa que as teorias sobre

    aquisio da linguagem assumem que, juntamente com as experincias, as crianas fazem uso de alguma

    forma de capacidade inata. So duas as correntes inatistas mais vigentes: uma assume que o aprendizado

    da linguagem independente da cognio e de outras formas de aprendizado (conhecida como hiptese

    gerativista ou inatista); e a outra assume que a linguagem parte da cognio, ou que o mecanismo

    responsvel pelo aprendizado da linguagem tambm responsvel por outras formas de aprendizado (so

    conhecidas como teorias cognitivistas, construtivistas).

    A proposta de que o ser humano dotado de uma gramtica inata remonta a Chomsky (1965).

    A criana tem uma Gramtica Universal (GU) inata que contm as regras de todas as lnguas, e cabe a

    ela, criana, selecionar as regras que esto ativas na lngua que est adquirindo. Com a Teoria de

    Princpios e Parmetros (Chomsky, 1981), temos a concepo de que a gramtica universal formada

    por princpios, ou seja, "leis" invariantes, que se aplicam da mesma forma em todas as lnguas, e

    parmetros, "leis" cujos valores variam entre as lnguas e do origem tanto diferena entre as lnguas

    como mudana numa mesma lngua. O trabalho da criana est em escolher, a partir do input, o valor

    que um determinado parmetro deve tomar.

    2.1.2. A Teoria Gerativa

    Para Chomsky o conhecimento lingstico adquirido e amplamente desenvolvido nos

    primeiros anos de vida de um ser humano, independente de instruo; diz-se ento que existe um

    conhecimento lingstico que se desenvolve independente dos ensinamentos escolares e outro que

    aprendido na escola; seja qual for o ambiente lingstico em que a criana cresa, sejam quais forem

    suas condies socioeconmicas, o estado inicial da faculdade da linguagem de qualquer criana o

    mesmo. Esse estado inicial tem sido chamado de Gramtica Universal (GU) e entendido como um

  • 28

    conjunto de princpios lingusticos determinados geneticamente. Admite-se que a Gramtica Universal

    constituda de dois tipos de princpios. Alguns so rgidos e invariveis, enquanto outros so abertos. Esses

    princpios abertos so chamados de parmetros, e seu valor s fixado ao longo do processo de

    aquisio, com base na informao lingustica a qual a criana exposta. A faculdade da linguagem

    composta por princpios que so leis gerais vlidas para todas as lnguas naturais, enquanto que

    parmetros so propriedades que uma lngua pode ou no exibir e que so responsveis pela diferena

    entre as lnguas. Portanto, adquirir o conhecimento de uma lngua consiste, fundamentalmente, em

    atribuir os valores estabelecidos por essa determinada lngua aos parmetros da Gramtica Universal.

    Negro et ali (2005) destaca:

    por isso que a Gramtica Gerativa tem como seus objetivos centrais:

    i. a descrio do conhecimento lingustico atingido por qualquer falante de qualquer

    lngua;

    ii. a caracterizao da Gramtica Universal; e

    iii. a explicao dos processos que levam uma criana da Gramtica Universal para o

    conhecimento de sua lngua.

    Alguns conceitos tratados pela gramtica gerativa so importantes mencionar. Conceitos como a

    gramaticalidade e a agramaticalidade, que, de acordo com Perini (1976), so relacionadas aceitabilidade

    ou no de determinada sentena, mas no tratando simplesmente de uma identificao com essa

    aceitabilidade, pois a gramaticalidade no um fenmeno essencialmente intuitivo, mas se refere a uma

    gramtica internalizada pelos falantes (ou explicitada pelo lingista), que gera certo nmero de

    seqncias, excluindo outras. Mioto (2004) diz que o que permite o falante decidir se uma sentena

    gramatical (ou no) o conhecimento que ele tem; tal conhecimento chamado de competncia. Quando

    o falante pe em uso essa competncia na produo de sentenas temos aquilo que identificado como

    performance ou desempenho. O processo de aquisio de linguagem tido como formatao da

  • 29

    Faculdade da Linguagem atravs da fixao dos parmentros previstos na GU; os parmetros so tidos

    como binrios, possuindo valores positivos ou negativos, dessa forma, ao acionar determinado parmetro,

    a criana estar imprimindo a ele um dos dois valores, dependendo do input que recebe.

    2.1.3. Aquisio e Aprendizagem

    Aqui cabe uma breve diferenciao entre aquisio e aprendizagem, partindo do estudo

    sobre a gramtica do letrado feito por Kato e organizado por Marques e Koller (2005). Kato

    escreve a respeito da fala enquanto aquisio e da escrita relacionada aprendizagem. Temos,

    segundo a autora, no PB, uma grande distncia entre a gramtica da fala e a gramtica da escrita,

    diferente do PE. Esta diferena chega a tal ponto que a criana ter que adquirir essa gramtica

    escrita da mesma forma que um falante aprende uma segunda lngua. A autora discorre sobre o

    choque entre conhecimento lingstico trazido escola pela criana e ao conhecimento dos

    letrados.

    Chomsky (1986) contrape conceitos como os de Lngua-I e Lngua-E. A gramtica

    nuclear pode subjazer a muitas Lnguas-I, j que o conhecimento lingstico no exatamente

    igual para todos os indivduos de uma mesma comunidade. Para Chomsky (1981) a Lngua-I de

    cada indivduo, ento, constitui uma gramtica nuclear e uma periferia marcada; esta periferia

    pode conter resduos de mudanas. A hiptese que Kato defende que a gramtica de L1 (Lngua

    primeira a ser adquirida ou materna para algumas teorias) contm uma periferia marcada em que

    podem estar presentes valores paramtricos opostos ao da gramtica nuclear, com carter

    marcado, recessivo, valores esses que podem assumir o carter competitivo, durante a

    escolarizao, em relao aos valores que se encontram definidos na gramtica nuclear. A

  • 30

    criana, assim, chega escola com sua gramtica nuclear definida. A gramtica nuclear existe

    quando os valores dos Parmetros esto selecionados como (+) ou (-); a criana j chegaria

    escola com todos os valores dos parmetros selecionados; enquanto Chomsky v a aquisio

    como um processo quase instantneo, Kato aponta tambm que alguns psicolingistas tm

    mostrado que os princpios maturam e que alguns deles levam pelo menos at a idade de 5 ou 6

    anos para de desenvolverem, assim a criana j chega escola com sua gramtica nuclear

    definida. Kato define que a criana chega escola com uma gramtica de propriedades contrrias

    s de uma lngua de SN (sujeito nulo), tendo:

    a) seus sujeitos referenciais preenchidos (exemplos da autora):

    (1) a. Eu quelu.

    b. O papai disse que ele vem.

    b) ausncia de concordncia com sujeito posposto:

    (2) Chegou os ovos.

    c) clticos com movimento curto:

    (3) A mame no vai me levar.

    d) objetos nulos referenciais:

    (4) a. Eu encontrei na rua.

    b. Eu quero .

  • 31

    Outro fator que influenciar na gramtica da criana o tipo de exposio a que estar sujeita;

    por exemplo, a exposio da criana a um input constitudo de uma modalidade estilstica mais

    formal como o caso de contos de reis e rainhas ou textos bblicos pode se contrapor ao input

    recebido de forma natural, via uso coloquial da lngua, e ter reflexos na sua gramtica. Nesse

    sentido, a aquisio da gramtica da modalidade escrita da lngua tem muitos pontos em comum

    com a aquisio de uma segunda lngua (L2). Desta forma, partindo de algumas posies, as

    quais defendem que na aquisio de uma segunda lngua, o acesso GU (Gramtica Universal)

    indireto, via primeira gramtica (a da lngua falada), supe-se que a aquisio da escrita

    mediada pela gramtica da lngua materna e que essa aquisio se d (ou deveria se dar) na

    escola. De fato, alguns trabalhos (apud Kato, Cyrino & Correa 1994) mostram que a escola

    recupera perdas diacrnicas dos clticos do sculo XVII, mas com deficincias, pois a escola

    apenas simula parcialmente aquele portugus fossilizado, produzindo um conhecimento diferente

    daquele do falante do sculo XVIII.

    Ainda com relao similaridade entre a aprendizagem da modalidade escrita da lngua e

    a aquisio de L2, Kato observa que:

    - as duas aprendizagens so socialmente motivadas e no biologicamente determinadas ;

    - nos dois casos, o incio da aprendizagem comea, em geral, depois da idade crtica para a aquisio

    (em geral por volta dos seis anos, mas Kato (2003) discorda);

    - o processo, nos dois casos , essencialmente consciente;

    - acredita-se, nos dois casos, que o sucesso depende de dados positivos e negativos;

    - em geral, o processo nas duas "aquisies" vagaroso e no instantneo;

    - nos dois casos, h mais diferenas individuais.

  • 32

    A literatura sobre a aquisio da gramtica de L2 traz hipteses como a do no-acesso

    GU. Enquanto o aprendiz de L1 atinge a Lngua-I partindo da GU por seleo dos Parmetros, o

    aprendiz de uma L2 no tem acesso GU e sua aprendizagem se d atravs de um mecanismo

    multi-funcional nesta hiptese que se define a distino entre o termo aquisio empregado

    para se referir L1 e aprendizagem em referncia L2. Alm dessa hiptese h aquela segundo

    a qual a aquisio de L2, para quem j adquiriu plenamente uma L1, se d via acesso indireto

    GU atravs da L1.

    Kato acredita que a morfossintaxe aprendida na escola tem um estatuto estilstico e no

    gramatical. O que corresponde ao conceito ortodoxo de regra estilstica o fato de uma regra no

    ter praticamente nenhum contexto categrico para sua aplicao, sendo seu carter quase

    totalmente facultativo. Verificaremos neste meu trabalho que est afirmao est muito prxima

    do real, pois os alunos demonstram associar exigncia formal da situao o uso do cltico,

    recorrendo a uma regra estilstica, j que os dados sero diferentes nas diferentes atividades

    propostas.

    Vale a meno que h uma terceira hiptese quanto aquisio da gramtica de L2, mas

    tal hiptese trata do caso de bilingismo, na qual no se v diferena entre L1 e L2; mas tal

    hiptese no se aplica realidade do aprendiz do PB. Kato coloca que o falante letrado, diante da

    aquisio de uma segunda gramtica, ou tem duas gramticas nucleares, como um bilnge

    stricto sensu tardio, ou um bilnge desigual (hiptese com a qual a autora melhor se

    identifica) que tm, em sua Lngua-I, uma periferia marcada maior do que a dos no-letrados; o

    falante, ento, teria duas gramticas nucleares (G1 e G2), sendo que G2 seria constituda, no por

    seleo paramtrica, mas por regras estilsticas, selecionadas arbitrariamente de gramticas

    passadas ou emprestadas da gramtica do Portugus Europeu (PE). Assim essa G2 seria

    considerada, segundo Kato, um sub-produto da nossa GU.

  • 33

    Mas e a criana? A criana seria o agente da mudana efetiva quando duas formas esto

    em competio dentro de uma lngua; os letrados seriam os agentes conservadores que seguem as

    normas institucionalizadas. A criana iletrada, tendo muitas vezes pais incapazes, ou capazes

    parcialmente, ou sem tempo de fornecer o input da linguagem escrita, enfrenta uma situao de

    aprendizagem de uma gramtica de L2 na escola.

    PARTE II

    2.2. QUADRO TERICO

    2.2.1. Teoria Temtica

    Ao trabalharmos com a teoria temtica, estamos considerando a funo semntica dos

    complementos, olhamos para o verbo e analisamos quantos argumentos so necessrios de acordo

    com a regncia deste verbo. Os ncleos que selecionam elementos lexicais que co-ocorrero com

    eles so chamados de predicado, os itens selecionados de argumento. Podemos ter verbos que

    no selecionam argumentos (chover), selecionam apenas um argumento (morrer) ou que podem

    selecionar at trs argumentos (dar).

    Uma sentena bem formada deve passar pelas restries de seleo; a sentena ento

    passa por uma seleo categorial (c-seleo) e/ou uma seleo semntica (s-seleo). A teoria

    gerativa chama de papel temtico ou papel as informaes relativas s-seleo.

    Os papis temticos podem ser divididos (embora nem todos os autores adotem essa

    diviso) em: primrios como AGENTE/CAUSATIVO = entidade causadora de alguma ao, TEMA (ou

  • 34

    PACIENTE) = entidade que sofre o efeito de alguma ao, ALVO ou FONTE , e secundrios como

    BENEFACTIVO = entidade que se beneficia de algum evento, LOCATIVO = lugar onde algo/algum se situa ou

    onde algo ocorre ou EXPERIENCIADOR = entidade que experiencia algum estado psicolgico ou fsico4.

    O critrio temtico formalizado do seguinte modo:

    (5) a. Todo argumento deve receber um e somente um papel temtico.

    b. Todo papel temtico deve ser atribudo a somente um argumento.

    Exemplifiquemos:

    (6)

    O verbo atribui o papel temtico TEMA ao DP o doce, ao DP a Maria o papel

    BENEFACTIVO (embora haja mais discusses a respeito), mesmo sendo antecedido pela

    preposio para. Esta preposio no atribui papel temtico por se tratar de uma preposio

    funcional, o papel atribudo pelo verbo dar. Caso se tratasse de uma preposio lexical como

    4 Ainda h outros papis temticos, mas no de nosso interesse fornecer uma lista dos mesmos no

    VPV

    DP PP

    V

    VDP

    O Joo

    dar- o doce

    Maria

    I

    IP

    -

    Spec

  • 35

    em Joo comprou flores para a Maria, esta preposio que seria responsvel a atribuir o papel

    BENEFACTIVO ao DP a Maria e neste caso o PP seria um adjunto

    No caso do PB, a mudana no uso da preposio introdutora de objeto indireto tem levado

    ao seguinte questionamento: em que medida a preposio para substitui a preposio a nesse

    contexto, se esta tem papel exclusivamente funcional, atribuindo Caso dativo ao argumento do

    verbo (como se ver na sub-seo seguinte), e aquela, de natureza lexical, tem a funo de

    atribuir papel temtico?

    Apoiando-se na subdiviso dos papis temticos em primrios (agente, tema, alvo, fonte)

    e secundrios (locativo, benefactivo) proposta por Guern (1985), Figueiredo Silva (1995) props

    que os argumentos com papel alvo e aqueles com papel benefactivo no ocupam o mesmo lugar

    na estrutura sentencial. Para ela, o argumento com papel alvo ocupa uma posio interna

    estrutura do sintagma verbal; o argumento com papel benefactivo projetado fora de VP, como

    os adjuntos:

    Papel alvo (A) Papel Benefactivo (PARA)

    VP VP

    Spec / \V VP / \ PP(benefactivo) V / \ PP(alvo) Spec / \ V V / \ NP V / \ NP

    Para Figueiredo Silva, a preposio para atribui papel temtico benefactivo ao seu

    complemento, portanto, o complemento projetado fora de VP, ao contrrio do que ocorre para a

    preposio a.

    presente trabalho.

  • 36

    2.2.2. A Teoria do Caso

    Qualquer lngua necessita, de acordo com Mioto (2004), da categoria de Casos para

    permitir que os DPs sejam interpretados. Dessa forma tem-se o Filtro do Caso5, o qual um

    princpio com a funo de garantir que um DP pronunciado tenha Caso.

    So trs os casos pertinentes em portugus atribudos pelos seguintes ncleos: o ncleo

    lexical [-N, +V], o verbo atribui Caso ACUSATIVO; o ncleo funcional I, Caso NOMINATIVO; o

    ncleo [-N, -V] a preposio, Caso OBLQUO.

    Em situaes normais, a preposio atribui Caso OBLQUO ao seu complemento, que

    regido por ela (Mioto, 2004). Quanto preposio a introdutora de objeto indireto, tem funo

    puramente funcional e atribui o Caso DATIVO ao complemento do verbo. Aqui temos mais uma

    diferena entre as preposies a e para. A primeira, por ser funcional, tem o papel exclusivo

    de atribuir Caso dativo ao argumento do verbo, como dissemos mais acima; a segunda, por ser

    natureza lexical, tem a dupla funo de atribuir papel temtico e Caso ao complemento. H vrias

    questes no resolvidas a esse respeito. Por exemplo: qual a funo do verbo? Ele deixa de

    atribuir papel temtico ao seu argumento ou o argumento passa a receber papel temtico do verbo

    e da preposio, em contradio com o critrio temtico, segundo o qual todo argumento deve

    receber apenas um papel temtico? O Caso atribudo pela preposio para o mesmo Caso

    atribudo pela preposio dummy a? A estar correta a hiptese de Figueiredo Silva, o Caso

    atribudo pelas duas preposies diferente, assim como diferente a funo sinttica que

    introduzem: para introduz adjuntos e a introduz o argumento do verbo.

    5 Uma definio, partindo de Mioto (2004) de Filtro de Caso : Todo DP pronunciado pertence a uma cadeia com Caso; para ser visvel para a interpretao temtica, todo DP deve pertencer a uma cadeia com Caso. O Filtro do Caso nada diz a respeito dos DPs fonologicamente vazios, mas nos DPs pronunciados provoca vrios tipos de arranjo na sentena para que lhes seja garantido um Caso; uma cadeia s pode ser marcada por um nico Caso.

  • 37

    Ainda que no tenhamos respostas definitivas para essas questes, fica a pretenso de

    observar como se d a aquisio da preposio dummy a na modalidade escrita do PB, tendo

    em vista que na modalidade oral, predomina o uso da preposio para. Na esteira de Figueiredo

    Silva, o aluno que domina o uso de para como introdutora de adjunto deveria adquirir via

    escola o uso de a como introdutora de objeto indireto.

    2.2.2.1. Ncleos lexicais e funcionais.

    Antes de identificar o tipo de ncleo ao qual a preposio pode ser agrupada, vale o

    apontamento das duas classes existentes: os ncleos lexicais e funcionais. Os lexicais distinguem-

    se dos funcionais por serem capazes de marcar tematicamente um argumento. Quando as

    preposies so atribuidoras de papel temtico, comportam-se como um ncleo lexical. Por

    exemplo:

    (7) Ele foi de Braslia para So Paulo pela Gol.

    Ao analisar o papel temtico instrumento de Gol vemos que o papel atribudo pela

    preposio contrada com o artigo, e no pelo verbo ir, sendo este sintagma licenciado como

    adjunto de VP. O verbo ir pede como complemento algo que receba o papel temtico de lugar

    [de Braslia [para So Paulo]], mas h outros papis temticos que podem ser entendidos como

    secundrios que determinam que Braslia e So Paulo tenham papel temtico de lugar de

    origem e lugar de destino, respectivamente, determinados pelas preposies de e para.

    Mioto (2004) sustenta que preposies podem ser lexicais e tambm funcionais. Tanto o

    verbo quanto a preposio tm em comum a capacidade de atribuir caso e papel temtico; quando

  • 38

    no tm ou perdem essa capacidade, tais itens perdem seus traos lexicais (este processo

    conhecido como gramaticalizao). Quando isso acontece com uma preposio, ela considerada

    como uma classe mista; a preposio para pode trazer algumas vezes a dvida quanto a ser uma

    preposio ou uma conjuno.

    Quando uma preposio assume o papel de atribuir caso, ela encarada como um item

    funcional (exemplo de Mioto):

    (8) O amor da lingstica pela filosofia notrio.

    Aqui os argumentos a lingstica e a filosofia tm sua funo temtica por estarem relacionados

    com o verbo amar, no podendo ter outro papel temtico. A ausncia das preposies tornaria a

    sentena agramatical; como o portugus no dispe de morfologia para marcar casos, o portugus

    desenvolveu um sistema de preposies funcionais para esse papel.

    Ento temos em (7) exemplos de preposies lexicais e em (8) preposies funcionais.

    De acordo com Mioto, os ncleos lexicais se identificam com as categorias lexicais que so

    definidas pela combinao de apenas dois traos distintivos fundamentais: nominal [N] e verbal [V].

    A esses traos so associados dois valores: + ou -. O que teremos um quadro como a seguir:

    (9)

  • 39

    Uma propriedade definitria das classes lexicais a capacidade que seus membros tm de

    selecionar semanticamente (s-selecionar) seus argumentos. Mioto exemplifica esta afirmao com os

    seguintes exemplos:

    (10) a. A Maria desmaiou sobre a mesa.

    b. *A Maria desmaiou sobre a esperana.

    Sobre estabelece, em (10a), que o DP a mesa deve ser interpretado como um lugar, assim sobre s-

    seleciona o DP a mesa, no sendo possvel com a esperana porque este DP no tem as

    propriedades compatveis com as de um lugar. Portanto, de acordo com Mioto, podemos dizer que h

    preposies que so ncleos lexicais porque so capazes de s-selecionar argumentos de modo

    paralelo ao que fazem nomes, verbos ou adjetivos.

    A relao do ncleo funcional com seu complemento no de s-seleo, mas de c-seleo, isto

    , ao selecionar o complemento, tem em vista apenas a categoria qual ele deve pertencer, com funo

    eminentemente gramatical. As preposies funcionais so atribuidoras de caso. O mdulo da Teoria do

    Caso estabelece quais os atribuidores, os receptores e qual princpio regula a atribuio de caso. Em

    portugus, segundo Mioto, temos basicamente trs casos: nominativo, atribudo pela flexo finita do

    verbo ao Spec de IP; acusativo, atribudo por verbos a seu complemento; e oblquo, atribudo pela

    preposio a seu complemento.

    Mioto afirma que a estrutura do PP talhada para ser adjunto e que ser argumento no

    sua funo prototpica e se um constituinte tem a forma de PP e a funo de argumento, a

    preposio que o encabea vai ser do tipo funcional: ela no contribui para fixar o papel

    semntico do seu complemento. Mas se o constituinte tem a forma de PP e funo de adjunto, a

  • 40

    preposio que o encabea vai ser do tipo lexical: o papel semntico do seu complemento fixado

    por ela. Mioto faz o seguinte questionamento: O rtulo preposio engloba ncleos funcionais ou

    lexicais?; com o qual ele elabora trs possveis respostas:

    (11) a. O rtulo preposio engloba ncleos funcionais,

    b. O rtulo preposio engloba ncleos lexicais,

    c. O rtulo preposio engloba ncleos funcionais e lexicais

    e concluindo que no portugus existem preposies lexicais, mas tambm funcionais, admitindo

    que a resposta mais adequada a (11c).

    2.2.3. A Teoria X-Barra

    Esta teoria foi escolhida por ser capaz de representar as relaes hierrquicas que se

    estabelecem entre os diversos componentes de uma frase. O esquema X-barra representado por

    uma rvore:

    (12)

    XP

    X Spec

    Compl X

  • 41

    Cada ncleo, lexical ou funcional, pode projetar uma posio de complemento e ter uma

    posio de especificador. Outra noo importante a rigidez das relaes nesta teoria. Para tal,

    fao uso das relaes destacadas por Mioto:

    (13) DOMINNCIA

    domina se e somente se existe uma seqncia conexa de um ou mais galhos entre e e

    o percurso de at atravs dos galhos unicamente descendente.

    (14) DOMINNCIA IMEDIATA

    domina imediatamente se e somente se domina e no existe nenhum tal que

    domina e domina .

    Relacionadas com dominncia, temos as noes:

    (15) a. PATERNIDADE

    pai de se e somente se dominar imediatamente (por esta definio filho de ).

    (16) b. IRMANDADE

    irmo de se e somente se e tiverem o mesmo pai .

    Importam ainda as relaes:

  • 42

    (17) PRECEDNCIA

    precede se e somente se estiver esquerda de e no dominar ou dominar .

    (18) C-COMANDO

    c-comanda se e somente se o irmo de ou filho (ou neto, bisneto...) do irmo de .

    Mas a definio mais clssica de c-comando a seguinte:

    (18) c-comanda se e somente se:

    (i) no domina nem domina ;

    (ii) cada ndulo ramificante que domina tambm domina .

    O que mais interessar para este trabalho a estrutura requerida pelo verbo dar, o qual

    possui trs argumentos:

    (19) a. O Joo deu o livro ao Pedro

  • 43

    b.

    Atravs da rvore 19b podemos dizer que o verbo c-comanda Compl2 (ou seja, rege o

    Compl2). Atravs deste esquema podemos diferenciar argumentos de adjuntos. Estes ltimos

    ocupam uma posio fora do VP:

    (20) a. O Joo deu o livro ao Pedro na escola.

    b.

    Scher (1996) em sua dissertao trata das construes com dois complementos no ingls

    e no PB. Tais construes a autora chama de ODp. Scher traz uma proposta de um VP oracional

    VP V

    Spec Compl2 V

    V Compl1

    O Joo

    dar o livro

    ao Pedro

    VP

    PP (Adjunto)

    na escola

    VP V

    Spec Compl2 V

    V Compl1

    O Joo

    dar o livro

    ao Pedro

  • 44

    de Larson (1988)6, o qual argumenta a favor de uma relao de derivao entre as sentenas com

    dois objetos: a estrutura de ODp derivaria da estrutura dativa correspondente atravs de um processo

    paralelo ao de passivizao; por outro lado, a autora ressalta que Aoun & Li (1989)7 argumentam em

    favor de um processo derivacional semelhante ao descrito por Larson, mas que se realiza no sentido

    inverso, ou seja, a estrutura dativa que derivaria da estrutura com ODp, tambm atravs de um

    processo de "passivizao". Segundo Scher as primeiras propostas gerativistas para a anlise das

    estruturas dativas romanizadas (V NP PP) e daquelas com ODp (V NP NP), partiram de Oehrle

    (1976)8 e Chomsky (1981)9 e esto representadas em (21 a) e (21 b), respectivamente:

    (21) a) b)

    H tambm a sugesto de Czepluch (1982)10 (apud Larson (1988)): que h um PP vazio

    na estrutura das construes com Odp, como em (22):

    6 LARSON, R. (1988) On the doubl object construction. Linguistic Inquiry, 19: 335-91. 7 AUON J.& Y. A. LI (1989) Scope and constituency Linguistic Inquiry, 20: 141-172. 8 OEHRLE, R. (1976) The grammatical status of English dative alternation. Tese de Doutorado. Cambridge: The MIT Press. 9 CHOMSKY, N. (1981) Lectures on government and binding. Dordrecht:Foris. 10 CZEPLUCH, H. (1982) Case theory and the dative construction, The Linguistic Review 2:1038.

  • 45

    (22)

    A seguir teremos as relaes temticas do VP para verbos de trs argumentos, tendo, de acordo

    com Scher, em (23a), recebendo o papel- de Alvo e o de Tema, mas o argumento Agente

    selecionado pelo verbo ainda no sendo projetado; a autora apresenta a proposta de Larson com a

    projeo do VP mais alto em (23b) com ncleo vazio e, portanto, sem restries temticas. Esta

    estrutura, cujo complemento o VP mais baixo, garante uma posio argumental para o Agente sem

    problemas para X-barra ou para os princpios que foram sugeridos.

    (23) a) b)

  • 46

    A autora argumenta que a Estrututura Profunda de uma estrutura de ODp se forma, praticamente, da

    mesma maneira. A diferena neste caso fica por conta da atribuio do papel- Tema, que em vez de

    atribuir Tema posio de sujeito do VP mais baixo, como em (23b), esse papel- ser atribudo em

    posio de adjunto, como em (23a) e em (23b), novamente, o VP projetado e o papel de Agente

    atribudo ao seu especificador. A Estrutura Superficial derivada como visto acima:

    (24) a) b)

    Scher aponta que as ordens V NP PP e V PP NP das construes bitransitivas no PB so, cada uma delas,

    representativas de uma ordem de base distinta. Para a sequncia V NP PP, como em dar um presente ao

    Joo, a autora assume a seguinte verso:

  • 47

    (25) [v max Spec V' [v v [VP [NP um presente] [V [V dar] [PP ao Joo ]]]]]

    Outra colocao feita por Scher traz construes de tpico que na literatura da Teoria Gerativa chamado

    de Deslocamento Esquerda (LD). O PP da ordem V PP NP, segundo a autora, como um tpico, entrar

    em posio de LD. Vejamos como ela exemplifica usando a sentena O Joo entregou ao pai a carta:

    (26) [v max [XP ao pai]i [vmax o Joo [v v [VP [NP a carta] [v [v entregar] [PP e]i ]]]]]]

    Tem-se assim, de acordo com Scher, o constituinte ao pai gerado na base em posio de LD que

    ser co-referente a um elemento resumptivo dentro de VP, na posio de complemento de V e na

    ordem V PP NP, a raiz deste processo sinttico composta por um fator de natureza discursiva (o

    carter de tpico do OI). A autora ento conclui propondo que, por ser o elemento representativo do

    tpico discursivo associado a uma posio de LD na estrutura frasal no PB, a representao sinttica

    para V PP NP ser uma estrutura de base da mesma forma que a representao de V NP PP, no

    havendo razo, segundo Scher, para se pensar na ordem V PP NP como derivada de um movimento

    motivado prosodicamente.

  • 48

    CAPTULO III

    ESTUDOS DO OI: PREPOSIO E CLTICO

    3.1. A PERDA DO CASO MORFOLGICO E O USO GENERALIZADO DA

    PREPOSIO

    A lngua portuguesa faz uso de suas preposies como recurso para substituir o caso

    morfolgico do latim. Segundo Mattoso Cmara (1972), as lnguas romnicas eliminaram a

    flexo casual e a marca de subordinao ao verbo recai exclusivamente na preposio,

    aparecendo, em portugus, sem conectivo preposicional apenas o objeto direto. A preposio

    para (interesse deste trabalho) vem de uma aglutinao de per e ad, processada no latim vulgar

    imperial (portugus arcaico pera11), que de incio marcava um percurso com direo definida e,

    em portugus, torna a indicao de direo mais complexa, inclusiva com noes de chegada e

    permanncia. Em referncia direo, houve a ampliao do emprego de a (correspondente a

    ad), cuja distribuio era limitada por in regendo acusativo com a noo de movimento com

    entrada (ir floresta embora tambm haja ir na floresta).

    11 Oliveira (2006) prope que a aglutinao de per e ad, resultando pera se deve a construes em que a preposio a tinha a funo de marcar a transitividade do segundo verbo em um composto verbal. Exemplo: o juiz ficou per a dividir as terras.

  • 49

    Gomes (1996) traou o percurso diacrnico do processo de gramaticalizao12 das preposies

    portuguesas que tm origem em advrbios, tendo, portanto, origem em palavras de contedo. No

    latim clssico havia ocorrncias de estruturas com preposies, mas no latim vulgar que se

    difundiu o uso do nexo preposicional, fixando-se no significado locativo, exceo feita a com:

    -a>ad- direo ou movimento para algum ponto no sentido horizontal;

    - de> de - expressava, a princpio, afastamento de cima para baixo;

    - em> in - interioridade com referncia a lugar;

    - para>per ad-, per possua valor de "atravs de", "por meio de", "lugar onde";

    - com> cum - significava inicialmente companhia, instrumento.

    As preposies objeto desse estudo entraram, portanto, na lngua portuguesa em substituio aos

    casos latinos. As preposies a e para, em portugus, juntaram-se a verbos que representaram (como dar)

    ou substituram verbos latinos seguidos de dativo (como pagar que substituiu pendere), alm de terem

    substitudo o acusativo com sentido locativo.

    3.2. A GNESE DATIVA E DA PREPOSIO

    O que, de fato, representa o caso dativo? Que contedos ou funes a preposio,

    marcadora de caso dativo, veiculava? Ainda que se associe a preposio portuguesa a

    preposio latina ad, convm retomar o uso do dativo no grego para compreender a funo da

    preposio que introduz o OI no portugus.

    12 Vale lembrar que muitos advrbios foram regularmente formados a partir de nomes, com acrscimo de morfemas marcadores de casos.

  • 50

    As preposies na lngua grega antiga podiam se apresentar com um caso (somente com

    genitivo, ou com dativo, ou com acusativo), situao em que o dativo tinha idia de dentro de (in)

    ou com (cum); dois casos (genitivo e acusativo); ou trs casos (genitivo, acusativo, dativo),

    situao em que a preposio dativa podia trazer o sentido de por causa de (propter), junto de

    (apud), alm de, debaixo de (sub) e volta de (circum).13

    A proximidade das preposies a e para maior ao olharmos o dativo grego usado

    principalmente como complemento circunstancial. Os complementos circunstanciais

    prototipicamente expressos pelo dativo so: lugar onde eram expressos pelo dativo com a

    preposio ou com quando seguido de nomes de pessoa; tempo quando pelo dativo com

    ou sem ; em quanto tempo, exprime-se pelo dativo com ; causa, embora outros casos tambm

    expressassem causa, o dativo o caso prototpico para este complemento; meio ou instrumento;

    modo; companhia; e fim. A preposio portuguesa que mais se aproxima do caso dativo no grego

    a preposio a, pois abrange, do ponto de vista diacrnico, as funes de complementos

    circunstanciais, embora a preposio para possa ser pensada como introdutria de complementos

    circunstanciais de causa ou de fim. Se h um vnculo entre dativo e o leque de complementos

    circunstanciais, pode-se inferir, como afirmam alguns estudiosos, que, se a preposio que mais

    se adapta a esses complementos (a preposio a) est em declnio no PB, talvez nossa lngua

    realmente no apresente o verdadeiro caso dativo, pois tem cedido espao para muitas

    preposies em contexto de complementos circunstanciais.

    No grego, as preposies tambm eram fortemente responsveis pela marcao de caso.

    As preposies, quando marcavam caso dativo, no tinham a mesma relao dativa observada nas

    preposies em portugus. As preposies gregas (equivalente ao sentido inicial das preposies

    a e para) ou s ocorriam com o caso acusativo quando veiculavam o valor direcional.

    13 FREIRE, 2001, 247.

  • 51

    No que concerne transitividade, nas construes gregas com verbos transitivos os

    seguintes verbos eram construdos com acusativo e dativo: (dar), (distribuir),

    (anunciar), (mandar), (exortar), (proibir),

    (suplicar), (misturar), (assemelhar). Outros verbos tambm pediam caso dativo

    quando vinham prefixados pelas preposies , , , , , , o que sugere uma

    incorporao da preposio ao verbo.

    Salles (1999) ao estudar as construes de objetos duplos no PB, as quais ela chama

    COD, hipotetiza que a projeo de COD est associada interpretao aspectual do predicado,

    hiptese esta reforada pelo fato de que a alternncia dativa no encontrada em construes

    nominais (exemplos da autora):

    (27) * the gift (of) John/him of the book

    * a entrega (d)o Joo/ele do livro

    As investigaes sobre o aspecto verbal, segundo Salles, remontam gramtica grega. A

    alternncia dativa admitiria dois padres de interpretao aspectual: (i) na construo com a

    preposio explcita, tem-se o padro em que dois argumentos so envolvidos: o argumento

    interpretado como possudo prov a escala e o possuidor determina o trmino; (ii) em COD, tem-

    se o padro em que um argumento apenas envolvido: o argumento interpretado como possuidor

    prov a escala e determina o trmino do evento, assim em (ii) o padro incompatvel com a

    interpretao locativa, considerando que nessa interpretao o argumento meta ou alvo

    interpretado como um ponto no espao. A distino entre o acusativo e o dativo no marcada de

  • 52

    forma inequvoca no sistema pronominal14 e a autora prope que existe uma correlao entre a

    ocorrncia nula da preposio numa dada lngua e a realizao morfolgica da distino entre

    acusativo e dativo no sistema pronominal.

    Esses poucos dados sugerem que o dativo grego tinha ampla aplicao, como se observa

    nos diferentes tipos de complementos circunstanciais, e que era desencadeado, em alguns

    contextos, pela incorporao da preposio ao verbo. Cabe investigar no portugus se essa ampla

    aplicao do dativo ainda persiste ou se no temos o verdadeiro caso dativo. Em meu trabalho

    nos deteremos apenas no caso dativo em verbos bitransitivos (COD para Salles) como os dos

    verbos de tipo dandi e dicendi.

    3.3. AS PREPOSIES A E PARA NO PB

    Tradicionalmente as gramticas definem as preposies usando critrios morfolgico e sinttico:

    palavras invariveis que relacionam dois termos de uma orao (Cunha, 1985). Cunha acrescenta um

    complemento: de tal modo que o sentido do primeiro (ANTECEDENTE) explicado ou completado pelo

    segundo (CONSEQENTE). Bechara (2001) define a preposio como desprovida de

    independncia, mas admite que a preposio possua significado semntico. Em um esquema de

    traos semnticos (p.300), Bechara atribui s preposies a e para um sentido de aproximao ao

    seu trmino; posteriormente ele distingue, nesse mesmo esquema, a preposio para com sentido

    de mera direo da preposio a, com valor de limite. Mas talvez o mais interessante para esta

    seo seja o emprego que Bechara d s preposies a e para.

    14 No ingls, por exemplo, h uma s forma pronominal him para as funes de objeto direto e indireto. Nessa mesma lngua, a preposio que encabea o objeto indireto pode ser nula com verbos bitransitivos, desde que o OI preceda o OD.

  • 53

    A preposio a, segundo a gramtica de Bechara, empregada: a) na introduo de

    complementos verbais (OIs) e nominais, b) na introduo de ODs, c) na introduo de infinitivos

    e d) na introduo de numerosas circunstncias, tais como: termo de movimento ou extenso,

    tempo em que uma coisa sucede, fim ou destino, meio, instrumento e modo. As circunstncias

    sublinhadas encontram relao direta a alguns usos do dativo no grego em complementos

    circunstanciais.

    Para definir o OI, Bechara apresenta caractersticas formais e semnticas, tais como: a)

    introduzido apenas pela preposio a (raramente para); b) o signo lxico denota um ser animado ou

    concebido como tal; c) expressa o significado gramatical "beneficirio", "destinatrio"; d) comutvel

    pelo pronome pessoal objetivo lhe/ lhes, que leva a marca de nmero do signo lxico referido, mas no a

    de gnero, como ocorre no caso dos pronomes pessoais que comutam o signo lxico correspondente

    ao complemento direto (o, a, os, as) ou ao complemento relativo (prep.+ ele, ela, eles, elas) (Bechara,

    2001, pp.422, 423). Ao tratar da preposio para como constituinte do OI, Bechara novamente insiste

    que a preposio a que introduz o complemento indireto, adimitindo que as preposies a e para

    podem se alternar, mas raramente quando se trata de complemento indireto. Cunha, por sua vez, no

    especifica a preposio usada no OI, mas em seus exemplos faz uso apenas das preposies de e a.

    Mira Mateus (1983) prope a correlao entre a e lhe ao tratar do OI. Vejamos os exemplos de

    sua gramtica:

    (28) O Quim deu-lhe (a ele, ela, voc) um livro.

    (29) O Quim deu-lhes (a eles, elas, vocs) um livro.

    (30) No lhe digas nada, a ele.

  • 54

    A autora destaca:

    Quando os pronomes pessoais so utilizados para enfatizar o

    OI, ou se possuem funo de oblquo, so precedidos de

    preposio e apresentam as chamadas formas tnicas (por

    oposio s tonas me, te, o, lhe).

    Um dos testes que Mira Mateus prope para o identificao de OI final apresenta essa correlao entre a e

    lhe; no teste prope-se a substituio do constituinte OI pela forma dativa do pronome pessoal, alm de

    destacar que quando o OI um SN ou uma frase, ocorre regido de a; se for um pronome pessoal

    apresenta a forma dativa da flexo casual (p.230):

    (31) O mido deu o brinquedo a(o amigo)OI.

    O mido deu-(lhe)OI o brinquedo.

    A preposio para, segundo Bechara (2001) denota a) a pessoa ou coisa em proveito ou

    prejuzo de quem uma ao praticada, b) pessoa a que se atribui uma opinio (dativo livre), c)

    fim, destinao, d) fim, e) termo de movimento, direo para um lugar com idia acessria

    demora ou destino, f) tempo a que se destina um objeto ou ao, ou para quando alguma coisa se

    reserva. Dessas denotaes, podemos verificar que a de fim a nica que se aproxima do valor

    dativo das preposies gregas em complementos circunstanciais, alm de algumas ocorrncias

    que denotam lugar onde. Cunha (1985) procura diferenciar a preposio para de a por comportar

    um trao significativo que implica maior destaque do ponto de partida com predominncia da

    idia de direo sobre a do trmino do movimento. Assim a preposio para comporta um trao

  • 55

    significativo com predominncia da idia de direo sobre a do trmino do movimento no espao

    (Agora, no lhe interessava ir para o Huamba.), no tempo (Caindo o sol, a costureira dobrou a

    costura, para o dia seguinte.) e na noo (Deram-lhe o formulrio para preencher maquina e

    reconhecer a firma.)15.

    Os dados de meu trabalho mostram que algumas dessas concepes so fortemente

    identificadas pelos alunos, mas a maioria, entretanto, to abstrata que no se justifica, segundo

    o aprendiz. Veremos isso no momento oportuno.

    3.4. AS VARIANTES NA REALIZAO DO SP COM FUNO DE OBJETO

    INDIRETO

    Gomes em sua tese (1996) investiga a realizao varivel das preposies a, em, de, com

    e para (substitutos dos casos latinos do dativo, ablativo, acusativo e locativo), introduzindo

    complementos de verbos com a observao em duas variedades do PB (no Rio de Janeiro e no

    portugus de contato do Xingu). Em seu trabalho exclui os complementos verbais que sejam

    oraes desenvolvidas. O uso do portugus de contato visava a fornecer subsdios para a questo

    da aquisio e implementao de um sistema de preposies em uma lngua. Como contraponto,

    analisa a realizao do OI na modalidade falada do portugus carioca, com dados recolhidos a

    partir de entrevistas que constituem a Amostra Censo do PEUL (Programa de Estudos sobre o

    Uso da Lngua) da UFRJ em que verifica que h uma mudana em progresso, envolvendo a

    preposio a (uso decrescente) e para (uso crescente). A autora observou a ocorrncia nula da

    preposio ou do objeto.

    15 Exemplos de Cunha (1985), p.559 de Castro Soromenho, TM, 200; MACHADO DE Assis, OC, II, 538; e

  • 56

    Gomes, ao observar o portugus de contato do Xingu, mostra que a aquisio das

    preposies se d variavelmente de acordo com uma escala de fluncia proposta em seu trabalho,

    condicionando a realizao preposicional a uma marca de formalidade da fala e manuteno de

    um sistema apresentado. Os falantes de baixa fluncia do portugus de contato do Xingu apenas

    repetiam as preposies existentes nas questes de seus entrevistadores:

    (32) a) E: Nem So Paulo?

    I: Nem So Paulo nada. Eu voi s(...) Xavantina (Wa)

    b) E: L voc ficou no hospital?

    I: l eu fiquei s no hospital (Wa)

    c) E: Ele trata voc?

    I: Ele trata eu (Wa)

    Algumas postulaes feitas por Gomes em sua tese sero retomadas como suporte para o

    nosso estudo. A autora assinala que a presena da preposio a marca de formalidade alta e a

    substituio de uma preposio por outra revela a necessidade do nexo preposicional enquanto

    conector e preservao de um contedo semntico. Nesse sentido, preposies de esvaziamento

    semntico ou mais opacas tendem a ser suprimidas ou substitudas por outras com significado

    mais claro.

    O nosso estudo mostrou que os alunos tm problemas de compreenso e interpretao

    quanto preposio a e o artigo a ou mesmo quanto ao verbo a (h) e o pronome a; isso faz com

    que o aluno em um nvel de fluncia escrita inicial prefira a preposio para que se apresenta

    graficamente mais clara como uma preposio e aparenta ter um significado mais claro em papis

    C. Drummond de Andrade, CB, 111, respectivamente.

  • 57

    benefactivo e meta. No entanto o aumento da fluncia escrita recupera a preposio a, o que

    nos leva a inferir, em consonncia com os achados de Gomes, que o aluno associa esta

    preposio ao grau e inteno de formalidade que a situao ou o texto podem estar propondo.

    Dentro das divises de fatores para anlise dos dados de Gomes, a que mais interessa a

    este trabalho a relacionada ao nvel de escolaridade que avalia, segundo a autora, o status de

    formalidade, mostrando que os falantes preferem a preposio para apenas como estratgia de

    esquiva variante e conforme o nvel de escolaridade aumenta, aumenta-se a preferncia

    pela preposio a. Outra concluso importante de Gomes a que, quanto aquisio da

    preposio, a acessibilidade semntica da preposio parece ser o principal condicionamento na

    realizao do nexo preposicional, assim, sendo a preposio para, mais clara quanto ao seu

    significado, na perspectiva do aluno, alm de estar mais presente na linguagem falada, portanto

    mais presente no input do aprendiz, pode ser a preferida em uma fala menos vigiada, seja oral,

    seja escrita.

    Berlinck (1999), com um corpus um pouco mais diversificado (referente representao

    da fala do sculo XX e referente escrita do sculo XIX) revela uma diminuio progressiva da

    freqncia da preposio a e aumento da preposio para obtidas em comdias de Pena e

    Lopes. A substituio da preposio a por para condicionada pela natureza sinttico-

    semntica do verbo e a distncia entre o complemento anafrico e seu antecedente. Tambm

    importante observar que apenas a partir do sculo XIX que se pode falar em mudana.

    Berlinck (1997) mostra que a categoria vazia a predominante apenas na 1 e 3 pessoas,

    e entre o cltico e o pronome tnico, o segundo aparece preferencialmente com a 3 pessoa; seu

    corpus tambm foi a fala em entrevistas informais de universitrios de Curitib