DIRETRIZES TECNICAS 2009

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MINISTRIO DA SADE Secretaria de Vigilncia em Sade Departamento de Vigilncia Epidemiolgica

Vigilncia e controle da esquistossomoseDiretrizes Tcnicas 3 edioSrie A. Normas e Manuais Tcnicos

Braslia/DF 2009. Ministrio da Sade

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Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra de responsabilidade da rea tcnica. A coleo institucional do Ministrio da Sade pode ser acessada na ntegra na Biblioteca Virtual do Ministrio da Sade: http://www.saude.gov.br/bvs Srie A. Normas e Manuais Tcnicos 1 edio - 1995 2 edio - 1998 3 edio - 2009 Tiragem: 25. 000 exemplares Editorao, distribuio e informaes MINISTRIO DA SAUDE Secretaria de Vigilncia em Sade Departamento de Vigilncia Epidemiolgica Endereo Esplanada dos Ministrios, Bloco G, Edifcio Sede, 1 andar CEP: 70058 - 900. Braslia DF E-mail: [email protected] Home page: www.saude.gov.br/svs Produo editorial Capa: Projeto Grfico: Diagramao: Normalizao: Reviso: Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Ficha Catalogrfica da 3 edio

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Dedicatria

Esta publicao dedicada ao pesquisador brasileiro Manoel Augusto Piraj da Silva, que descobriu e identificou o Schistosoma mansoni, agente etiolgico da esquistossomose mansoni, em 1908, no Estado da Bahia. Em agosto de 2008 comemorou-se o centenrio da publicao do primeiro trabalho produzido por Piraj da Silva sobre esquistossomose no Brasil.

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Sumrio1.Apresentao...................................................................................................... 7 2. Introduo ......................................................................................................... 82.1 IMPORTNCIA DA ESQUISTOSSOMOSE COMO PROBLEMA DE SADE PBLICA ............ 10 2.2 H ISTRICO DO PROGRAMA DE V IGILNCIA E CONTROLE DA ESQUISTOSSOMOSE ......12

3. A Infeco e a Doena ..................................................................................... 143.1. DESCRIO .......................................................................................................... 14 3.2. EPIDEMIOLOGIA ................................................................................................... 14 3.2.1 MECANISMO DE TRANSMISSO ........................................................................... 16 3.2.2. AGENTE E TIOLGICO E CICLO BIOLGICO .......................................................... 17 3.2.3 HOSPEDEIRO DEFINITIVO E RESERVATRIOS ....................................................... 23 3.2.4 HOSPEDEIROS INTERMEDIRIOS .......................................................................... 23 3.2.7 - S USCETIBILIDADE E RESISTNCIA ..................................................................... 31 3.2.8 - M AGNITUDE E TRANSCENDNCIA ..................................................................... 32 3.2.9 - D ISTRIBUIO GEOGRFICA ............................................................................. 35 4 - FASES E FORMAS CLNICAS .................................................................................... 37 4.1CLASSIFICAO DA ESQUISTOSSOMOSE MANSONI ................................................... 37 4.1.1 FASE INICIAL ...................................................................................................... 38 4.1.2. FORMAS AGUDAS .............................................................................................. 38 4.2. FASE TARDIA ....................................................................................................... 41 4.2.1 FORMAS CRNICAS ............................................................................................. 41 4.2.2 FORMA HEPATOINTESTINAL ................................................................................ 41 4.2.3 FORMA HEPTICA .............................................................................................. 42 4.2.4 FORMA HEPATOESPLNICA ................................................................................. 42 4.2.5 - FORMA HEPATOESPLNICA COMPENSADA .......................................................... 43 4.2. 6. FORMA HEPATOESPLNICA DESCOMPENSADA .................................................... 47 4.4 O UTRAS FORMAS CLNICAS E COMPLICAES: ........................................................ 48 4.4.1 FORMA V ASCULOPULMONAR .............................................................................. 48 4.4.2 HIPERTENSO PULMONAR ................................................................................... 48 4.4.3 GLOMERULOPATIA............................................................................................. 49 4.4.4 FORMA NEUROLGICA ....................................................................................... 50 4.4.5. O UTRAS LOCALIZAES ................................................................................... 51 4.4.6 PSEUDONEOPLSICA ........................................................................................... 51 4.4.7 DOENA LINFOPROLIFERATIVA ........................................................................... 52 4.5 DOENAS ASSOCIADAS QUE MODIFICAM O CURSO DA ESQUISTOSSOMOSE MANSONI . 52 4.5.1 SALMONELOSE PROLONGADA ............................................................................. 52

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4.5.2 ABSCESSO HEPTICO .......................................................................................... 53 4.5.3 ESQUISTOSSOMOSE EM IMUNOCOMPROMETIDOS .................................................. 53 4.5.4 OUTRAS HEPATOPATIAS ...................................................................................... 53 4.6 D IAGNSTICO D IFERENCIAL .................................................................................. 53

5. Diagnstico laboratorial .................................................................................. 555.1 MTODOS DIRETOS ............................................................................................... 55 5.1.1 PESQUISA DE OVOS DE S. MANSONI NAS FEZES ...................................................... 55 5.1.2 PESQUISA DE ANTGENO CIRCULANTE DO PARASITA ............................................. 56 5.1.3 OUTROS MTODOS DIRETOS ................................................................................ 56 5.2 MTODOS INDIRETOS ............................................................................................ 57 5.2.1 REAO DE ELISA............................................................................................. 58 5.2.2 REAO PERIOVULAR ......................................................................................... 58 5.2.3 INTRADERMORREAO ....................................................................................... 58 5.2.4 OUTROS RECURSOS DIAGNSTICOS EM DESENVOLVIMENTO.................................. 58 5.3 D IAGNSTICO POR IMAGEM ................................................................................... 58 5.3.1 ULTRA-SONOGRAFIA DO ABDMEN ..................................................................... 58

6. Tratamento ...................................................................................................... 606.1 - TRATAMENTO MEDICAMENTOSO DAS FORMAS CRNICAS ...................................... 60A) PRAZIQUANTEL ...................................................................................................... 60 B) OXAMNIQUINA ....................................................................................................... 60

CONTRA-INDICAES DO PRAZIQUANTEL E OXAMNIQUINA ........................................... 61 CONTROLE DE CURA ................................................................................................... 61 6.2 TRATAMENTO DA ESQUISTOSSOMOSE AGUDA ......................................................... 61 6.3- TRATAMENTO DE OUTRAS FORMAS CLNICAS ........................................................ 64 6.4 TRATAMENTO DAS VARIZES DO ESFAGO (FARMACOLGICO, ENDOSCPICO ECIRRGICO) ................................................................................................................ 64

6.5 - TRATAMENTO CIRRGICO .................................................................................... 65A) TRATAMENTO CIRRGICO NA VIGNCIA DA HEMORRAGIA ........................................ 65 B) TRATAMENTO CIRRGICO ELETIVO APS A INTERRUPO DO SANGRAMENTO ........... 65 C) TRATAMENTO CIRRGICO PREVENTIVO .................................................................... 66

7. Vigilncia Epidemiolgica e Controle ............................................................. 687.1 DEFINIO DE CASO DE ESQUISTOSSOMOSE ............................................................ 69 7.2 NOTIFICAO ........................................................................................................ 70 7.2.1 SISTEMA DE INFORMAO DO PCE PARA AS REAS ENDMICAS SISPCE ........... 70 7.2.2 FLUXO DE DADOS DO SISTEMA ............................................................................ 71 7.3 INVESTIGAO ...................................................................................................... 73 7.3.1 CONDUTA FRENTE A UM SURTO ........................................................................... 74

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7.4 NVEIS DO CONTROLE............................................................................................ 74 7.5CLASSIFICAO DAS REAS DE TRANSMISSO ......................................................... 75 7.5.1REA ENDMICA................................................................................................. 75 7.5.2 REA DE FOCO ................................................................................................... 75 7.5.3 REA INDENE ..................................................................................................... 77 7.5.4 REA V ULNERVEL ........................................................................................... 78 7.6 ATIVIDADES DE CONTROLE .................................................................................... 80 7.6.1 RECONHECIMENTO GEOGRFICO ......................................................................... 81 7.6.2 INQURITO COPROSCPICO ................................................................................. 81 7.7 A ESQUISTOSSOMOSE NA REDE DE ATENO BSICA .............................................. 83 7.8. CONTROLE DOS HOSPEDEIROS INTERMEDIRIOS .................................................... 85

9.A expanso da esquistossomose nas reas de desenvolvimento econmico ....... 89 10. Educao em Sade (ES) e Mobilizao Comunitria .................................... 9210.1 ESTRATGIAS EDUCATIVAS E SUGESTES PARA A PREVENO E CONTROLE DAESQUISTOSSOMOSE

..................................................................................................... 93

10.2 ESTRATGIAS E RECOMENDAES PARA A ESCOLA ............................................... 94 10.3 O PAPEL EDUCATIVO DO PROFISSIONAL DE SADE ................................................. 97 10.4 EXIGNCIAS PARA A PRODUO DE MATERIAIS DE DIVULGAO NA REA DA SADE: ................................................................................................................................ 100

11. Avaliao das Aes de Vigilncia e Controle ............................................. 10211.1 CONCEITOS IMPORTANTES ................................................................................. 102 11.2 TIPOS DE AVALIAO ........................................................................................ 103 11.3 A AVALIAO EPIDEMIOLGICA......................................................................... 104

12. Indicadores epidemiolgicos e operacionais do PCE .................................... 106I - INDICADORES RELACIONADOS COPROSCOPIA ...................................................... 106 II - INDICADORES RELACIONADOS MORBIDADE E A MORTALIDADE ........................... 107 III - INDICADORES RELACIONADOS QUIMIOTERAPIA................................................. 108 IV - INDICADORES RELACIONADOS AOS HOSPEDEIROS INTERMEDIRIOS ...................... 109

12. Glossrio ..................................................................................................... 111 13. Bibliografia consultada ................................................................................ 112 14. ndice dos anexos ........................................................................................ 119

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1. Apresentao

Esta publicao destina-se aos profissionais de sade envolvidos com as atividades de vigilncia epidemiolgica e controle da esquistossomose mansoni no Pas. Foi elaborado com o objetivo de subsidiar o planejamento e a operacionalizao das aes do Programa de Vigilncia e Controle da Esquistossomose. Com isso, pretende-se garantir um mnimo de homogeneidade das aes de vigilncia e controle de modo a permitir anlises e avaliaes comparativas no tempo e no espao da implementao das aes do PCE nas diferentes unidades gestoras do programa, sejam: localidades, municpios, estados e pas. Entretanto, considerando, a vasta dimenso geogrfica do Brasil, a qual implica em grande diversidade de situaes locais quais sejam ecolgicas, scioeconmicas e culturais, com repercusso na epidemiologia da doena, bem como, considerando a dinmica da transmisso da esquistossomose, dependente de condies ambientais precrias, presentes ainda em inmeras localidades do Pais. Espera-se que estas normas no sejam tomadas com rigidez, mas como diretrizes tcnicas adaptveis s condies locais. Este manual uma reviso e atualizao profunda da segunda edio, produzida em 1998, a qual se imps pelas mudanas epidemiolgicas e pela produo de novos conhecimentos sobre a esquistossomose ocorridas ao longo desses onze anos. Foi fruto de um trabalho coletivo de tcnicos do programa, especialistas membros do Comit tcnico Assessor do PCE e colaboradores.

Gerson Penna Secretario

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2. Introduo

As esquistossomoses originaram-se nas bacias dos rios Nilo, na frica, e do Yangtze, na sia. Ovos de Schistosoma foram encontrados em vsceras de mmias egpcias cuja origem remonta a 1.250 a.C., conforme comprovou Ruffer, em 1910. Igualmente, existem relatos de que na cidade de Cehang-lha, na China, foram encontrados ovos de Schistosoma japonicum em cadver de cerca de 2.000 anos. Em 1852, no Cairo, Theodor Bilharz identificou em necropsia pela

primeira vez, em veias mesentricas, os vermes que ficaram conhecidos como esquistossomos. Da a denominao de bilharziose ou bilharzase como sinonmia para esquistossomose. Em 1904, Katsurada descobriu e descreveu pela primeira vez os vermes adultos da espcie conhecida como S. japonicum. Somente em 1907 ficou evidente, (pelos trabalhos de Sambon, 1907 e Manson e Piraj da Silva,1908) que os vermes descritos por Bilharz compreendiam, na realidade, duas espcies distintas, tanto em morfologia como na sua patogenicidade: o S. haematobium, com ovos de espcula terminal e que afetam preferencialmente o trato urinrio; e o S. mansoni, cujos ovos tm espcula lateral e que se alojam em vasos sangneos do trato digestivo. Atualmente conhecem-se mais trs espcies que afetam o homem: S. intercalatum descrito em 1934, S. mekongi, em 1978 e o S. malayensis, em 1986. Desses pontos de origem, as esquistossomoses mansoni, hematbia e japnica foram dispersadas pelos outros continentes, medida em que os meios de transporte foram se desenvolvendo e permitindo grandes fluxos migratrios. Das seis espcies de Schistosoma que parasitam o homem, somente a mansoni existe nas Amricas do Sul e Central. Nesse continente, o trfico de escravos considerado como o principal fator responsvel pela introduo da doena. As outras espcies no so aqui encontradas devido inexistncia de hospedeiros intermedirios (caramujos) suscetveis infeco e por isso delas no trataremos neste manual.

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A introduo da esquistossomose no Brasil se deu atravs do trfico de escravos originrios da costa ocidental da frica, que ingressaram no pas principalmente pelos portos de Recife e Salvador para trabalharem nas lavouras de cana de acar. Dos portos de entrada , a doena se expandiu inicialmente pelo nordeste brasileiro, formando extensa rea de transmisso entre o Rio Grande do Norte e a Bahia. No sculo XVIII com a descoberta das minas de ouro, o fluxo migratrio intenso introduziu a endemia em Minas Gerais (Figura 1). Uma vez introduzida em nosso territrio, encontrou condies favorveis transmisso, constituindo hoje, pela sua magnitude e transcendncia, importante problema de sade pblica, especialmente nas regies nordeste e sudeste do pas.

Figura 1 - Representao da expanso da esquistossomose mansoni no Brasil A esquistossomose se expandiu amplamente no pas, em funo de movimentos migratrios em direo s reas com precrias condies de saneamento bsico. A propagao da doena foi e facilitada pela: Longevidade dos vermes adultos, que embora tenha vida mdia de cinco a oito anos pode chegar a dcadas; Grande capacidade de postura das fmeas, com uma mdia de 300 ovos por dia; Existncia de portadores, que mesmo quando afastados dos focos de transmisso, so capazes de continuar excretando ovos por mais de 20 anos;

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Carter crnico e insidioso da doena, que faz com que freqentemente os pacientes no busquem tratamento; Ampla distribuio dos hospedeiros intermedirios; Facilidade de contrair a infeco; Precariedade do saneamento nas reas rurais e na periferia das cidades, possibilitando a contaminao das colees hdricas, amplamente utilizadas pela populao mais pobre. Os recursos hdricos, indispensveis ao desenvolvimento agrcola,

contribuem para a propagao da esquistossomose no pas. Contudo, so os fluxos migratrios, e principalmente os hbitos de vida do homem que podem propiciar novos e amplos habitat para os moluscos hospedeiros, favorecendo, alm disso, o contato estreito e freqente da populao humana com a gua contaminada.

2.1 Importncia da esquistossomose como problema de sade pblica A esquistossomose endmica em vasta extenso do territrio nacional, considerada ainda um grave problema de sade pblica no Brasil porque acomete milhes de pessoas, provocando um nmero expressivo de formas graves e bitos. Ela ocorre nas localidades sem saneamento ou com saneamento bsico inadequado, sendo adquirida atravs da pele e mucosas em conseqncia do contato humano com guas contendo formas infectantes do S. mansoni. A

transmisso da doena depende da presena do homem infectado, excretando ovos do S. mansoni pelas fezes e dos caramujos aquticos que atuam como hospedeiros intermedirios, liberando larvas infectantes do verme nas colees hdricas utilizadas pelos seres humanos. Outros fatores, alm do saneamento, atuam como condicionantes e contribuem para a ocorrncia da esquistossomose numa localidade. Dentre esses, destacam-se: o nvel scio-econmico, ocupao, lazer, grau de educao e informao da populao exposta ao risco da doena. Esses fatores se relacionam e favorecem a transmisso da doena, em maior ou menor intensidade, de acordo com a realidade local.

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Devido complexidade do mecanismo de transmisso da esquistossomose e diversidade dos fatores condicionantes, o controle da doena depende de vrias aes preventivas: a) diagnstico precoce e tratamento; b) vigilncia e controle dos hospedeiros intermedirios; c) aes educativas em sade; d) aes de saneamento para modificao das condies domiciliares e ambientais favorveis transmisso. Tais aes devem ser executadas de forma integrada como parte de um programa regular de controle. O controle duradouro e sustentvel da esquistossomose depende da implementao de polticas publicas que melhorem as condies de vida das populaes. Para tanto, os gestores municipais do SUS,

responsveis pela execuo das aes de vigilncia e controle da esquistossomose, devem buscar, em articulao com outros setores governamentais, a melhoria de vida das populaes mediante aes de educao e de interveno no meio ambiente. A reduo da morbimortalidade da esquistossomose requer a deteco precoce e pronto tratamento de todos os portadores para evitar que a ao patognica acumulativa dos ovos do S. mansoni provoque alteraes nos rgos afetados, especialmente fgado, resultando na hipertenso portal e outras formas graves da doena. A deteco e tratamento dos portadores objetivam tambm reduzir a expanso geogrfica da esquistossomose. Uma das dificuldades para deteco precoce dos portadores do S. mansoni que a infeco pode evoluir de maneira silenciosa at a instalao das formas graves da doena. Cabe aos municpios realizar regularmente busca ativa e

tratamento dos portadores, por longo prazo, em mdia em ciclos bienais, para manter a prevalncia baixa e reduzir o aparecimento das formas graves. A busca ativa dos portadores s dever ser reduzida ou interrompida, quando as medidas permanentes de controle eliminarem a transmisso. Os portadores sintomticos com doena grave, na fase aguda ou crnica e os casos ectpicos, por exemplo, de esquistossomose medular, chegam por demanda passiva rede municipal de sade e devem ter acesso ao cuidado mdico e diagnstico na rede de ateno bsica e servios especializados. Aps o diagnstico, esses casos devem ser notificados e investigados, pois funcionam

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como marcadores de reas endmicas crticas, merecedoras de ateno prioritria com aes integradas. Essas aes devem ser planejadas e desenvolvidas com a participao de outras reas sociais e governamentais, como saneamento, educao, turismo, meio ambiente e Ministrio Pblico. 2.2 Histrico do Programa de Vigilncia e Controle da Esquistossomose - PCE Desde o primeiro trabalho publicado, em 1908, por Piraj da Silva, dois marcos histricos importantes na luta contra a esquistossomose no Brasil foram a realizao do primeiro inqurito coprolgico de mbito nacional, no perodo de 1947 a 1952, coordenado pelos sanitaristas Pelon & Teixeira, da Diviso de Organizao Sanitria (DOS) do Ministrio da Educao e Sade, que permitiu o mapeamento da doena no pas e a criao, em 1975, na Superintendncia de Campanhas de Sade Pblica (SUCAM), do Programa Especial de Controle da Esquistossomose (PECE). Pela primeira vez, durante o PECE, a esquistossomose foi tratada com prioridade correspondente a sua importncia mdico-social. A descentralizao das aes de vigilncia e controle da esquistossomose comeou em 1993, com o apoio e recursos do Projeto de Controle de Doenas Endmicas no Nordeste PCDEN, ampliando a participao dos municpios e a cobertura do Programa de Vigilncia e Controle da Esquistossomose PCE. Antes da criao do Sistema nico de Sade (SUS), o PCE contava com recursos exclusivos do governo federal para realizar os inquritos coproscpicos e demais aes. Uma vez instalado o SUS, todos os recursos do PCE, inclusive os humanos, que eram gerenciados pela esfera federal, foram redistribudos e esto sob responsabilidade dos gestores municipais. As aes de vigilncia

epidemiolgica e de controle da esquistossomose devem estar inseridas na rotina da Ateno Bsica AB. Mesmo com a mudana do modelo, a insuficincia de recursos permanece, dificultando o cumprimento dos objetivos do programa. A implementao, desde 1976, de medidas regulares de controle da esquistossomose no Brasil, teve impacto sobre a prevalncia e a intensidade das infeces humanas. Diminuiu a frequncia de formas hepatoesplnicas e o nmero de bitos. Aps a queda inicial de positividade, a doena se ajustou a um novo nvel endmico, resistindo s aes convencionais de controle, notadamente a

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quimioterapia. Esse desafio refora a necessidade da intensificao das aes de saneamento, maior flexibilidade do programa, bem como integrao de suas aes rede de ateno bsica. Alcanar esses objetivos confere sustentabilidade s aes de vigilncia e controle e previne o retrocesso situao anterior. No mbito federal, cabe Secretaria de Vigilncia em Sade SVS a normatizao, o fornecimento dos insumos estratgicos, o apoio tcnico e financeiro, com base nos instrumentos de pactuao com estados e municpios, e condicionado apresentao regular dos relatrios estatsticos, anlises e avaliaes das aes desenvolvidas pelo PCE nos estados e Distrito Federal. A instituio e manuteno de um programa regular de controle tem contribudo para diminuir os casos da doena pelo diagnstico precoce e tratamento oportuno de milhares de portadores de S. mansoni, especialmente os casos de forma grave (hepatosplnica), mas no tem sido suficiente para impedir o aparecimento de novos casos e novas reas endmicas.

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3. A Infeco e a Doena3.1. Descrio A esquistossomose uma doena infecto parasitria provocada por vermes do gnero Schistosoma, que tm como hospedeiros intermedirios caramujos de gua doce, e que podem evoluir desde formas assintomticas at formas clnicas extremamente graves. A esquistossomose, tambm conhecida como Bilharziose, Xistose, Xistosa, Doena dos Caramujos, Barriga dgua, Doena de Manson-Piraj da Silva e outras designaes menos usuais, decorrente da presena de vermes que se alojam e vivem nos vasos mesentricos durante vrios anos nas suas formas adultas e diferenciadas sexualmente. Uma vez que o verme esteja alojado, inicia-se a postura de ovos. Alguns desses ovos so expelidos do organismo juntamente com as fezes, promovendo assim a perpetuao do ciclo vital do parasita, sempre que condies ambientais favorveis estiverem presentes. Os ovos no eliminados produzem minsculos granulomas e ndulos cicatriciais nos rgos em que se depositam, geralmente nas paredes do intestino ou no fgado, podendo originar formas ectpicas em qualquer rgo ou tecido do organismo humano. A sintomatologia apresentada depende da localizao, da quantidade do parasita nos diferentes rgos, das reaes do organismo humano e da resposta ao tratamento. Na maioria dos casos de infeco esquistossomtica os efeitos patolgicos mais importantes so observados na fase crnica da doena, quando pode haver comprometimento heptico e conseqente hipertenso portal. Entretanto, na forma inicial pode ter conseqncias graves como paraplegia ou morte.

3.2. Epidemiologia No perodo de 1998 a 2007 a mdia de portadores de S. mansoni identificados por meio de inquritos coproscpicos foi de 117.300. De 2000 a 2003 o percentual de positividade situou-se na mdia de 6,8. A partir de 2004 esse percentual decresceu gradativamente e alcanou 5,6% em 2007. (Tabela 1) Destaque-se que o indicador de percentual de positividade no reflete necessariamente a prevalncia, na medida em que no utiliza como denominador a

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totalidade da populao sob risco ou uma parcela representativa desta; pode ser considerado apenas como uma aproximao proxi da prevalncia, especialmente em populaes menores, como as que esto representadas na maioria das localidades trabalhadas pelo PCE. A maior prevalncia da esquistossomose encontrada nas regies Nordeste e Sudeste do pas. Tabela 1- Populao examinada, portadores de infeco, percentual de positividade e tratamentos realizados para esquistossomose. Brasil, 1975 a 2006. Percentual de positividade (%) 5,4 5,1 23,3 13,7 9,0 9,8 9,4 7,9 8,8 8,4 8,3 7,4 6,4 6,1 5,5 8,4 7,1 8,6 11,6 11,1 11,1 9,0 10,4 8,5 8,5 6,6 6,8 7,1 6,8 6,2 5,9 5,5 5,6

Ano

Populao examinada

Portadores de infeco

Tratamentos realizados 11.580 8.760 285.370 1.098.309 1.640.191 1.296.703 978.358 777.617 811.112 834.588 700.975 407.354 208.322 145.600 150.821 195.430 164.576 253.666 316.077 321.203 322.666 261.533 287.131 195.402 170.580 92.351 89.557 138.198 135.072 109.169 112.468 111.722 80.757

1975 855.921 46.331 1976 1.018.496 51.718 1977 443.591 103.409 1978 626.697 86.111 1979 663.429 59.905 1980 1.684.615 164.860 1981 1.840.626 172.242 1982 1.732.907 136.882 1983 2.096.268 184.149 1984 2.347.810 198.025 1985 2.697.910 223.609 1986 1.878.728 138.481 1987 1.406.844 90.001 1988 1.363.606 82.962 1989 1.395.202 76.412 1990 1.802.675 150.934 1991 1.900.761 134.103 1992 2.353.970 203.207 1993 2.354.390 274.084 1994 2.559.051 283.369 1995 2.715.259 300.484 1996 2.718.164 245.401 1997 2.791.831 290.031 1998 2.163.354 183.374 1999 2.095.765 177.146 2000 1.364.240 90.580 2001 1.376.867 93.464 2002 2.073.970 146.647 2003 2.089.180 141.605 2004 1.910.739 118.503 2005 2.058.592 121.722 2006 2.170.027 119.900 2007 1.619.285 91.323 Fonte: Secretaria de Vigilncia em Sade/MS

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3.2.1 Mecanismo de Transmisso A esquistossomose doena de veiculao hdrica cuja transmisso ocorre quando o indivduo suscetvel entra em contato com guas onde existem cercrias livres. Em sntese, so os seguintes os elementos envolvidos na cadeia de transmisso: agente etiolgico: Schistosoma mansoni Sambon, 1907; hospedeiro definitivo: homem (mais importante do ponto de vista epidemiolgico); hospedeiros intermedirios: caramujos de gua doce - Biomphalaria glabrata (Say, 1818), Biomphalaria straminea (Dunker, 1848), e Biomphalaria tenagophila Orbigny, 1835; fonte de infeco: hospedeiros definitivos, quando eliminando ovos viveis de S. mansoni; via de eliminao: fezes; veculo de contaminao para os hospedeiros intermedirios: gua contaminada com larvas de S. mansoni, na fase denominada miracdio; forma infectante para hospedeiros intermedirios: miracdio; forma infectante para os hospedeiros definitivos: fase larvria do S. mansoni, denominada cercria; veculo de contaminao para os hospedeiros definitivos: gua contendo cercria; porta de entrada: pele e mucosa dos hospedeiros definitivos.

Figura 2 - Ciclo Biolgico do S. mansoni.

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3.2.2. Agente Etiolgico e Ciclo biolgico Os vermes causadores da esquistossomose so platelmintos (vermes achatados), classe dos trematodeos (de forma folicea), famlia Schistosomatidae, que apresenta como caracterstica a existncia de sexos separados, com ntido dimorfismo sexual. O S. mansoni um verme de cor esbranquiada ou leitosa, que habitualmente hspede das vnulas tributrias do sistema porta, particularmente das mesentricas superior e inferior, do plexo hemorroidrio e mesmo da poro intra-heptica da veia porta. No interior desses vasos, encontram-se geralmente, o macho e a fmea, acasalados (Figura 3). A fmea aloja-se no canal ginecforo do macho e, por ser mais longa, ultrapassa-o para diante ou para trs e se recurva em uma ou duas flexes. Geralmente estes vermes realizam migraes dentro do mesmo vaso ou de um para outro, atravs de anastomoses.

Figura 3 - casal de S. mansoni, mostrando a fmea do verme, no canal ginecfaro do macho. O macho, isoladamente, mede entre 6,5 a 12 mm de comprimento e achatado , porm, devido ao enrolamento ventral de suas bordas corporais para formar o canal ginecforo, adquire um aspecto cilndrico. A fmea, mais fina que o macho, tem um comprimento aproximadamente duas vezes maior (cerca de 15 mm) e perfeitamente cilndrica, com as extremidades afiladas. Uma vez instalada no canal ginecforo do macho, facilmente fecundada e inicia a postura dos ovos no interior das vnulas da submucosa intestinal Os ovos (Figura 4) quando maduros medem cerca de 150 micrmetros de comprimento por 60 micrmetros de largura e tm formato oval, apresentando na

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sua parte mais larga um espculo lateral voltado para trs. Por ocasio da postura, os ovos contm o embrio ainda em formao. Somente depois de decorridos 6 a 7 dias o miracdio torna-se maduro. O tempo de vida dos ovos maduros nos tecidos de aproximadamente 20 dias, morrendo o miracdio caso a expulso pelas fezes no ocorra. A maioria dos ovos encontrados nas fezes contm embries maduros. A sobrevida dos miracdios dentro dos ovos que permanecem nas fezes de apenas quatro a cinco dias. Os ovos necessitam do contato com a gua para continuarem sua evoluo. A exposio direta das fezes ao sol provoca a morte dos miracdios dentro de 48 horas. Se o bolo fecal for conservado mido e ao abrigo da luz solar direta, esses ovos ainda permanecem viveis por alguns dias, podendo ser carreados por algum veculo (a chuva, por exemplo) para alguma coleo hdrica. Depois que a gua penetra por osmose no ovo e rompe sua casca, o miracdio, movimenta-se ativamente em busca do caramujo hospedeiro intermedirio.

Figura 4 Ovos de S. mansoni

O miracdio (Figura 5), que representa a primeira forma larvria do S. mansoni, sobrevive at 24 horas na gua, se as condies de temperatura forem adequadas. um organismo mvel, graas aos numerosos clios que revestem sua delgada cutcula e ao seu sistema muscular. A penetrao do miracdio no interior do molusco hospedeiro intermedirio ocorre devido atividade de substncias histolticas que so secretadas por suas glndulas ceflicas. Aps 48 horas, o miracdio perde a mobilidade e se transforma em esporocisto primrio, cujas clulas germinativas se multiplicam e do origem a esporocistos secundrios. Aps quatro a sete

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semanas da infeco, o molusco comea a liberar cercrias (Figura 6 a e b). Cada miracdio pode gerar at 300.000 cercrias.

Figura 5 - miracdio

0,1mm

Figuras 6, a e b Cercrias de Schistosoma mansoni

A liberao das cercrias influenciada pela luz solar e temperatura da gua. Colocando-se um planorbdeo infectado num recipiente com gua temperatura de 25 a 30 C e expondo-se este luz solar direta ou artificial, observa-se em poucos minutos, as cercrias sendo liberadas na gua e nadando ativamente. Na natureza, essa ecloso ocorre geralmente entre 11 e 15 horas,

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perodo em que a luminosidade e a temperatura so as mais adequadas para a ocorrncia do fenmeno. sob a forma de cercrias (chamadas furcocercrias, por apresentarem a cauda bifurcada) que o S. mansoni infecta o hospedeiro definitivo, seja ele o homem ou qualquer vertebrado suscetvel. Em laboratrio, a longevidade das cercrias de aproximadamente dois dias. Na natureza sua sobrevivncia menor, a infectividade diminui progressivamente durante o tempo em que permanecem livres. Ao penetrar ativamente na pele do homem, por meio de ao combinada da secreo ltica das glndulas anteriores e dos movimentos vibratrios, sobretudo da cauda, a cercria produz uma irritao de intensidade varivel de indivduo para indivduo (urticria e exsudato ppulo-eritematoso em alguns casos). O processo de penetrao do corpo da cercria, ou normalmente de 2 a 15 minutos. Uma vez nos tecidos do hospedeiro definitivo, as cercrias perdem a cauda e se transformam em esquistossmulos. Estes caem na circulao sangnea e/ou linftica, atingem a circulao venosa, vo ao corao e aos pulmes, onde permanecem algum tempo e podem causar certas alteraes mrbidas. Retornam posteriormente ao corao, de onde so lanados atravs das artrias aos pontos mais diversos do organismo, sendo o fgado o rgo preferencial de localizao do parasita. No fgado, estas formas jovens se diferenciam sexualmente e crescem, alimentando-se de sangue. Ainda imaturos, os parasitas migram para a veia porta, passando da s suas tributrias mesentricas, onde completam sua evoluo. A partir de 27 dias da penetrao das cercrias, aps a migrao dos esquistossomos para as veias mesentricas, inicia-se, geralmente, o acasalamento. Os vermes adultos se localizam no fgado e nos ramos terminais das veias mesentricas, da migram para as vnulas da submucosa intestinal, onde se daro as posturas dos ovos, por meio de uma srie de contraes musculares. A migrao dos ovos do vaso para a luz intestinal provoca micro-hemorragias e reas de inflamao responsveis pelo aparecimento de diarria muco-sanginolenta e de outros distrbios gastrointestinais. Uma fmea de S. mansoni produz cerca de 300 ovos diariamente, dos quais cerca da metade eliminada nas fezes. Os ovos que no conseguem alcanar a luz intestinal por ficarem retidos nos tecidos, raramente da cercria inteira, dura

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preferencialmente fgado e intestinos, so os responsveis pela formao de granulomas que, no fgado, podem ocluir, total ou parcialmente, a passagem do sangue, e juntamente com a fibrose periportal vo ocasionar as manifestaes das formas mais graves da doena. A expectativa de vida do S. mansoni, nas suas diferentes fases do ciclo biolgico descrita no quadro 1.

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Quadro 1 - Expectativa de vida do S. mansoni, nas suas diferentes fases do ciclo biolgico Fases Ovo imaturo Ovo maduro Miracdio Durao e evoluo - At 6 dias para maturao. - Dentro do hospedeiro, at 20 dias. - Dentro do ovo, em fezes slidas, sem exposio direta luz, at 5 dias. - Depois a ecloso do ovo, no meio aquoso, com temperatura adequada, at 24 horas. Entre 24 e 28C cerca de metade morre nas primeiras 08 horas de vida livre e os restantes entre 8 e 12 horas. - Dentro do molusco, 48 horas, at se transformar em esporocisto primrio. - Cerca de 2 semanas at se transformar em esporocisto-filhos, tambm chamado esporocisto-secundrio. Resultam, aproximadamente, de cada esporocistoprimrio 20 a 40 esporocistos-secundrios. - 3 a 4 semanas at a formao das cercrias. Esporocistos secundrio depois de produzirem cercrias por um tempo, podem voltar a formar novas geraes de esporocistos capazes de retomar a produo de novas cercrias. E neste processo pode levar at mais de 08 meses. - At 2 dias na gua, embora a infectividade caia rapidamente aps algumas horas. Leva de 2 a 15 minutos para completar a penetrao da pele. - Em 27 dias, depois da penetrao na pele, pode transformar-se em verme adulto; a postura pode comear aps o 30 dia e a partir do 40 dia, podem ser encontrados ovos nas fezes. - Vive em mdia cinco anos, embora existam relatos de pacientes eliminando ovos at 30 anos depois de sair da rea endmica.

Esporocisto primrio

Esporocisto secundrio

Cercria

Esquistossmulo

Verme adulto

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3.2.3 Hospedeiro Definitivo e Reservatrios A infeco natural por Schistosoma mansoni foi observada em alguns animais, tais como roedores (exemplo: Nectomys squamipes), marsupiais (gamb) e ruminantes (boi). Entretanto, o homem o hospedeiro definitivo de maior importncia epidemiolgica. 3.2.4 Hospedeiros Intermedirios Os hospedeiros intermedirios naturais do S. mansoni no Brasil pertencem famlia Planorbidae, gastrpodes pulmonados lmnicos que habitam

preferencialmente colees hdricas lnticas. Nesta famlia apenas o gnero Biomphalaria (Figura 9) possui importncia epidemiolgica por incluir as trs espcies encontradas naturalmente infectadas por S. mansoni: Biomphalaria glabrata (Say, 1818); Biomphalaria tenagophila (dOrbigny, 1835); Biomphalaria straminea (Dunker, 1848). Outras duas espcies, Biomphalaria peregrina (dOrbigny, 1835) e Biomphalaria amazonica Paraense, 1966 so consideradas hospedeiras em potencial deste trematdeo, por terem sido infectadas experimentalmente. As outras espcies so: Biomphalaria schrammi (Crosse, 1864); Biomphalaria intermedia (Paraense & Deslandes, 1962); Biomphalaria oligoza Paraense, 1975; Biomphalaria occidentalis Paraense, 1981; Biomphalaria kuhniana (Clessin, 1883). E finalmente a Biomphalaria tenagophila guaibensis Paraense, 1984 que constitui uma subespcie do gnero.

Conhecidos desde o perodo Jurssico (140 milhes de anos), esses moluscos sobreviveram a diversas presses ambientais e ocupam atualmente grandes extenses territoriais, entre as latitudes 70N e 40S, desde o nvel do mar at 4.280 m de altitude (Lago Titicaca, Peru). De um modo geral so encontrados em pequenas colees de gua doce com velocidade inferior a 30 cm/s, mas podem tambm ocorrer em crregos, lagoas, pntanos, remansos de rios, margens de reservatrios ou colees artificiais (valas de irrigao e drenagem, pequenos audes, caixas dgua, etc.) (Figura 7 a e b) A presena de vegetao vertical e/ou flutuante indispensvel tanto para abrigo dos animais e suporte para as desovas, depositadas sempre na parte submersa, quanto para a alimentao e transporte. Entre os mecanismos de disperso dos moluscos, considerados mais importantes, esto o transporte das desovas ou mesmo de moluscos atravs de aves, peixes e[b1] Comentrio: Sandra e Omar vo providenciar

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plantas aquticas. A retirada e o transporte de areia das margens de colees hdricas com moluscos e as cheias provocadas pelas chuvas so tambm mecanismos de disperso. Alguns exemplares podem migrar contra a correnteza, ocupando lentamente outros criadouros a montante das colnias originais.

Figura 7 a e b Colees hdricas Em resposta s condies desfavorveis do ambiente como mudanas drsticas de temperatura, inundaes ou dessecao rpida da coleo hdrica, as bionfalrias desenvolveram inmeros mecanismos de sobrevivncia e escape, tais como: anidrobiose, enterramento, diapausa e quiscencia. O primeiro ocorre quando o processo de dessecao acontece de forma lenta, mas progressiva, como comum em grande parte do nordeste brasileiro, onde os caramujos podem sobreviver por mais de seis meses, embora ocorra sempre uma alta taxa de mortalidade. Enterramento o fenmeno pelo qual o caramujo se enterra no solo de ambientes aquticos temporrios, como poas d`gua formadas por fortes chuvas ou inundaes, as quais vo secando lentamente. Esse comportamento parece estar relacionado a hbitos de nutrio ou de proteo, ou mesmo a ambos, podendo ainda coincidir com a aplicao de moluscicida. Diapausa conhecida como uma parada brusca no desenvolvimento, controlada por fatores internos, mesmo quando as condies do meio so favorveis. Quiescncia determinada diretamente por condies desfavorveis do meio, manifestando-se na forma de parada do desenvolvimento, induzida pela elevao da temperatura (estivao), ou

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pelo abaixamento da temperatura a um nvel tal que faz cessar todo desenvolvimento (hibernao). albergar formas imaturas Os caramujos em estado de dormncia podem de Schistosoma mansoni, que retomam seu

desenvolvimento quando o hospedeiro retorna atividade. A diapausa relativamente comum em populaes de B. glabrata em reas sujeitas a secas sazonais, ocorrendo principalmente na fase pr-adulta. Modificaes morfolgicas, como o espessamento da concha e a formao de lamelas prximas abertura, so associadas persistncia em sair da gua e dormncia prolongada. Tais caramujos podem se antecipar estao seca, emigrando da gua e permanecendo em estado de dormncia sob condies microclimticas favorveis at o retorno das condies propcias. Como a

aplicao de moluscicidas no meio aqutico no atinge os moluscos em diapausa, estes podem repovoar os criadouros ao retornarem atividade. O mecanismo reprodutivo das bionfalrias desempenha papel fundamental no xito biolgico alcanado pelo grupo. Por serem hermafroditas, em condies favorveis h predominncia de fecundao cruzada, ou seja, durante a cpula um indivduo atua como fmea e o outro como macho. Em condies adversas um ou poucos indivduos podem utilizar o mecanismo de autofecundao, dando incio a uma nova populao. Um nico indivduo capaz de gerar, ao final de trs meses, cerca de 10 milhes de descendentes, com possibilidade de promover em pouco tempo, um rpido repovoamento dos criadouros. So ovparos e a postura se realiza geralmente noite, sendo os ovos dispostos em cpsulas transparentes sobre diferentes substratos submersos. O nmero de ovos postos de cada vez, bem como o nmero de posturas, varia dependendo de diversos fatores, tanto biolgicos quanto ambientais. O tempo entre a postura e a ecloso da forma jovem est em torno de 10 dias, enquanto o perodo de ovo a ovo de aproximadamente 60 dias. A sobrevida das bionfalrias no meio natural geralmente no ultrapassa um ano. A manuteno das populaes nos criadouros decorre principalmente da eficiente estratgia reprodutiva, a qual est subordinada a diversos fatores ambientais e biolgicos, que influenciam a fecundidade, a postura e a viabilidade dos ovos. Quando infectados pelas formas jovens do S. mansoni (miracdios), os caramujos tm a sua sobrevivncia encurtada, devido espoliao parasitria e s leses causadas nos tecidos pelo desenvolvimento das larvas at a liberao das

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cercrias. O ovo-teste e a glndula digestiva so as reas mais lesadas pelas larvas, e adquirem uma colorao esbranquiada nos indivduos muito infectados, diferindo da colorao esverdeada desses rgos, nos animais sadios. Biomphalaria Glabrata a mais importante espcie hospedeira intermediria do S. mansoni nas Amricas, por apresentar altos nveis de infeco e ter sua distribuio, no Brasil, quase sempre associada ocorrncia da esquistossomose. Sua presena foi notificada em 16 estados brasileiros (Alagoas, Bahia, Esprito Santo, Gois, Maranho, Minas Gerais, Par, Paraba, Paran, Pernambuco, Piau, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, So Paulo e Sergipe), alm do Distrito Federal, e em 801 municpios em uma rea delimitada pelos paralelos 00 53S (Quatipuru, PA) e 29 51 S (Esteio, RS) e o 53 44 S (Toledo, PR) e a linha costeira. (Figura 8).

Figura 8 Distribuio espacial da Biomphalaria glabrata (Carvalho et al. 2004)

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Biomphalaria. straminea a espcie mais bem sucedida e adaptada s variaes climticas, sendo encontrada em quase todas as bacias hidrogrficas do pas. muito menos suscetvel que B. glabrata. Entretanto, esta espcie possui a distribuio mais abrangente entre as trs espcies, sendo responsvel pela manuteno de taxas de infeco humana superiores a 50% em algumas localidades do Nordeste brasileiro. A presena de B. straminea foi registrada em 1.280 municpios distribudos por 24 estados brasileiros (Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Cear, Esprito Santo, Gois, Maranho, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Par, Paraba, Paran, Pernambuco, Piau, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, So Paulo, Sergipe, Tocantins e Roraima) (Figura 9). At o momento no foi notificada, apenas, nos estados de Amap e Rondnia.

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Figura 9 Distribuio espacial da Biomphalaria straminea (Carvalho et al. 2004) Biomphalaria tenagophila tem importncia epidemiolgica na transmisso do S. mansoni nos estados da regio Sul e Sudeste. A espcie responsvel pela maioria dos casos autctones de esquistossomose no estado de So Paulo e pelos focos da doena no Estado de Santa Catarina. Foi notificada em 562 municpios de 10 estados brasileiros (Bahia, Esprito Santo, Gois, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paran, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, So Paulo) alm do Distrito federal, em um quadrante delimitado pelos paralelos 10 12' e 33 41' S, pelo meridiano 57 05' W e a linha litornea (Figura 10). A espcie encontrada numa faixa litornea, de forma quase contnua a partir do sul do Estado da Bahia at o Estado do Rio Grande do Sul.

Figura 10 Distribuio espacial da Biomphalaria tenagophila(Carvalho et al.2004)

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As figuras 11, 12 e 13 mostram as principais caractersticas das conchas das trs espcies. O Documento editado pelo Ministrio da Sade: Vigilncia e Controle de Moluscos de importncia epidemiolgica- Diretrizes Tcnicas: Programa de Vigilncia e Controle da Esquistossomose, 2008, fornece informao mais detalhada sobre a biologia, comportamento, distribuio geogrfica, tcnicas e controle dos planorbdeos hospedeiros intermedirios da esquistossomose no pas.Este manual pode ser acessado em http://www.saude.gov.br/svs. 1. Biomphalaria glabrata Caractersticas Gerais Concha grande e lisa. Dimetro = 40mm Giros arredondados, aumentando gradativamente o seu dimetro. Cor escura/marrom

a

b

c

Figura 11 - Hospedeiros Intermedirios do S. mansoni (Biomphalaria glabrata) 1) Lado Direito - Cncavo, com o giro central profundo 2) Perfil - Abertura oval com dimetro = 11m 3) Lado Esquerdo - Formando uma concavidade rasa (Carvalho et al. 2005)

2. Biomphalaria stramnea Caractersticas Gerais Concha pequena, com os lados umbilicados. Dimetro = 16,5 mm

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Giros arredondados, aumentando rapidamente o seu dimetro.

a1

b2

c3 c

Figura 12 - Hospedeiro Intermedirio do S. mansoni (Biomphalaria stramnea) 1) Lado Direito - Cncavo ou aplanado, com o giro central profundo. 2) Perfil - Abertura oval ou arredondada, com dimetro = 6mm 3) Lado Esquerdo - Concavidade geralmente maior que no lado direito. 3. Biomphalaria tenagophila Caractersticas Gerais Concha grande, apresentando uma quilha (carena) em ambos os lados. Dimetro = 35 mm Giros carenados, mais acentuadamente esquerda, aumentando lentamente o seu dimetro.

a 1

b 2

c 3

Figura 13 - Hospedeiro Intermedirio do S. mansoni (Biomphalaria tenagophila)

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1) Lado Direito - Desde muito Cncavo at quase plano, com o giro central profundo. 2) Perfil - Abertura oval ou arredondada, com dimetro = 6mm. 3) Lado Esquerdo - Concavidade geralmente maior que no lado direito.

3.2.5 - Perodo de IncubaoSabe-se que o perodo de incubao de 1 a 2 meses e compreende desde a penetrao das cercarias at o aparecimento dos primeiros sintomas. Corresponde fase de penetrao das cercarias, seu desenvolvimento, at a instalao dos vermes adultos no interior do hospedeiro definitivo. Neste perodo, somente em raras ocasies, h o relato de prdromos tipo astenia, cefalia, anorexia, mal estar e nusea.

3.2.6 - Perodo de TransmissibilidadeA transmisso da esquistossomose no se faz atravs do contato direto, homem doente - homem suscetvel. Tambm no ocorre auto-infeco, como na estrongiloidase e em outras verminoses. O esquistossoma, para ser transmitido, necessita, obrigatoriamente, sair do hospedeiro definitivo (homem), passar por ciclo complementar no interior de um hospedeiro intermedirio (caramujo), para que ento se torne novamente infectante para o homem. Portanto, para os fins a que se destina este documento, considera-se aqui o perodo de transmissibilidade a passagem do esquistossoma entre o homem e o ambiente. O homem infectado pode eliminar ovos viveis , por 6 a 10 anos, podendo chegar at mais de 20 anos. Quanto aos hospedeiros intermedirios, comeam a eliminar cercrias aps 4 a 7 semanas da infeco pelos miracdios, e assim se mantm por vrios meses. 3.2.7 - Suscetibilidade e Resistncia Embora com variaes individuais, a suscetibilidade ao verme geral. Sendo assim, qualquer pessoa, independentemente de idade, sexo ou grupo tnico, uma vez entrando em contato com as cercrias, pode vir a contrair a infeco. Muito embora ainda no perfeitamente esclarecida quanto ao seu mecanismo, existem evidncias de que certo grau de resistncia esquistossomose se faz presente na maioria dos indivduos que a ela se expe em reas

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hiperendmicas. Esta resistncia, em grau varivel, faria com que grande parte das pessoas continuadamente expostas no desenvolva infeces com grandes cargas parasitrias, sendo por isso reduzido o nmero de indivduos com manifestaes clnicas severas, em relao ao total de portadores. 3.2.8 - Magnitude e Transcendncia

Entre as parasitoses que afetam o homem, a esquistossomose uma das mais disseminadas no mundo. De acordo com a Organizao Mundial de Sade OMS, ocupa o segundo lugar depois da malria, pela sua importncia e repercusso scio-econmica. uma das doenas de maior prevalncia entre aquelas veiculadas pela gua. Nos pases em desenvolvimento representa um dos principais riscos sade das populaes rurais e das periferias das cidades. A OMS estima que as esquistossomoses afetam 200 milhes de pessoas e representam ameaa para mais de 600 milhes de indivduos que vivem em reas de risco. A esquistossomose mansoni ocorre em 54 pases endmicos. Em 1990, a OMS estimou uma perda de 4,5 milhes de DALYs (Disability-adjusted life years: anos de vida perdidos ajustado por incapacidade) pela esquistossomose no mundo. Esse indicador mede a morbi-mortalidade levando em conta os anos de vida perdidos ajustados pela incapacidade ou os anos de vida potencialmente perdidos por morte prematura devido doena. O nmero de internao e bitos no Brasil, por esquistossomose e suas respectivas taxas so mostradas nas tabelas 2 e 3.

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Tabela 2: Taxa de internao hospitalar por esquistossomose, por 100 mil habitantes. Brasil, 1984 a 2007.

Ano 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007FONTE: SIH/MS

Populao 129.025.577 131.639.272 134.228.492 136.780.739 139.280.140 141.714.953 144.090.756 146.825.475 148.684.120 151.556.521 153.726.463 155.822.296 157.070.163 159.636.297 161.790.182 163.947.436 169.799.170 172.385.776 174.632.932 176.876.251 179.108.251 184.184.074 186.022.071 189.335.187

Internao por esquistossomose 1.483 1.279 1.587 2.706 3.497 3.107 3.080 3.293 3.329 3.322 2.926 2.105 1.656 1.522 1.314 1.344 1.322 1.267 1.105 1.017 859 890 757 722

Taxa 1,2 1,0 1,2 2,0 2,5 2,2 2,1 2,2 2,2 2,2 1,9 1,4 1,1 1,0 0,8 0,8 0,8 0,7 0,6 0,6 0,5 0,5 0,4 0,4

No Brasil, a extensa distribuio geogrfica da esquistossomose mansoni por si s dimensiona a magnitude desse problema de sade pblica. Alm disso, a ocorrncia de formas graves e bitos fazem da esquistossomose uma das parasitoses de maior transcendncia. A morbidade da esquistossomose representa grande dano sade da populao, a sua qualidade de vida e perdas de natureza econmica.

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Tabela 3: Taxa de mortalidade por esquistossomose, por 100 mil habitantes Brasil, 1977 a 2007. Ano 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 FONTE: SIM/MS Populao 109.984.679 112.757.285 114.651.243 119.011.052 121.154.159 123.774.229 126.403.352 129.025.577 131.639.272 134.228.492 136.780.739 139.280.140 141.714.953 144.090.756 146.825.475 148.684.120 151.556.521 153.726.463 155.822.296 157.070.163 159.636.297 161.790.182 163.947.436 169.799.170 172.385.776 174.633.932 176.876.251 184.184.074 186.020.071 189.335.187 189.335.187 bito 740 763 818 834 759 696 705 697 673 701 670 724 589 550 553 551 586 588 608 450 505 479 446 484 583 568 464 519 514 506 418 Taxa 0,7 0,7 0,7 0,7 0,6 0,6 0,6 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,4 0,4 0,4 0,4 0,4 0,4 0,4 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,2 0,2

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3.2.9 - Distribuio Geogrfica

Nas Amricas encontram-se reas endmicas no Brasil, Suriname, Venezuela e Ilhas do Caribe. Destes pases, o Brasil o que possui a maior rea endmica. No Brasil, a migrao de pessoas originrias de reas endmicas, entre elas portadores de S.mansoni, para reas at ento indenes em busca de melhores condies de vida tem contribudo para a disperso da doena. Estas pessoas foram aos poucos formando pequenos ncleos populacionais, onde as condies sanitrias precrias favoreciam o contato de fezes das pessoas parasitadas com os hospedeiros intermedirios suscetveis. Atualmente a esquistossomose distribui-se mais intensamente numa faixa de terras contnuas e contguas ao longo de quase toda a costa litornea da regio Nordeste, a partir do Rio Grande do Norte em direo do Sul, includo as zonas quentes e midas dos Estados da Paraba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, onde se interioriza alcanando Minas Gerais, no Sudeste, seguindo o trajeto de importantes bacias hidrogrficas. De forma localizada est presente nos Estados do Cear, Piau e Maranho, no Nordeste; Par, na regio Norte; Gois e Distrito Federal, no Centro-Oeste; Esprito Santo, So Paulo e Rio de Janeiro, no Sudeste; Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, na Regio Sul. No total, existem 19 Unidades Federadas com transmisso. O foco mais recente foi detectado, em 1997, no Municpio de Esteio, no Rio Grande do Sul. (Figura 14)

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Figura 14 Distribuio da esquistossomose segundo percentual de positividade em inquritos coproscpicos. Brasil, 2006.

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4 - Fases e Formas Clnicas

A evoluo clnica da esquistossomose mansoni depende da resposta do hospedeiro invaso, ao amadurecimento e oviposio do verme. So muitas as possibilidades de classificao da doena e cada uma segue critrios que interessam ou convm ao grupo que vai utiliz-la. Para este Manual de Diretrizes Tcnicas do PCE ser adotada a classificao proposta por consenso entre os especialistas reunidos em Porto Alegre, durante o 44 Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, maro de 2008. Esta classificao contempla uma escala crescente de gravidade de modo a facilitar estudos de morbidade e epidemiolgicos para o estabelecimento das bases referenciais para o controle da doena. 4.1 Classificao da Esquistossomose mansoni 1. Fase Inicial: Formas agudas a. assintomtica b. sintomtica 2. Fase Tardia: Formas crnicas de acordo com o rgo mais acometido: a. b. c. d. Hepatointestinal Heptica: fibrose periportal sem esplenomegalia Hepatoesplnica: fibrose periportal com esplenomegalia Formas complicadas: i. ii. iii. iv. v. vi. vasculopulmonar glomerulopatia neurolgica outras localizaes: olho, pele, urogenital etc pseudoneoplsica doena linfoproliferativa

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3.

Doenas associadas que modificam o curso da esquistossomose a. b. c. salmonelose prolongada abscesso heptico em imunossuprimidos (SIDA, HTLV, uso de imunossupressores etc.) d. outras hepatopatias: virais, alcolica etc.

4.1.1 Fase Inicial A fase inicial comea logo aps o contato com as cercrias. Depois da penetrao observa-se infiltrado de polimorfonucleares ao redor dos parasitos e nas proximidades dos vasos. Mais tarde surgem linfcitos e macrfagos. Nessa fase as manifestaes alrgicas predominam; so mais intensas nos indivduos

hipersensveis e nas reinfeces. Alm das alteraes dermatolgicas ocorrem tambm manifestaes gerais devido s alteraes em outros tecidos e rgos. 4.1.2. Formas Agudas a) Assintomtica Em geral, o primeiro contato com a esquistossomose ocorre na infncia. A maioria das infeces assintomtica ou passa despercebida, confundida com outras doenas dessa idade. s vezes diagnosticada devido alteraes nos exames de laboratrio (eosinofilia, ovos viveis de S. mansoni nas fezes) em indivduo que procura assistncia mdica por outro motivo, e/ou identificada na investigao epidemiolgica por ter freqentado guas contaminadas como acompanhante de pessoas com forma aguda sintomtica . b) Sintomtica Logo aps o contato infectante alguns indivduos queixam-se de manifestaes pruriginosas na pele de durao geralmente transitria e cedendo quase sempre espontaneamente. Esta manifestao clnica, conhecida como dermatite

cercariana (figuras 15), decorre da morte de cercrias que penetraram na pele e dura em geral 24 a 72 horas (podendo estender-se por at 15 dias). Caracteriza-se por microppulas eritematosas e pruriginosas semelhantes a picadas de inseto e

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eczema de contato. O diagnstico difcil, pois os sintomas so inespecficos. A histria epidemiolgica e os achados clnicos so muito importantes para o diagnstico.

Figura 15 Dermatite cercariana A forma aguda grave (toxmica) ou febre de Katayama (quando causada pelo Schistosoma japonicum), ora se apresenta em estgio clnico nico, ora se diferencia em duas fases, uma pr e outra ps-postural, podendo apresentarse com quadro clnico pouco sintomtico, moderado, grave ou complicado (hepatite, pneumonite, dermatite, envolvimento neurolgico, abscesso piognico do fgado, perfurao intestinal). Os sintomas surgem cerca de trs a quatro semanas aps a contaminao e incluem: mal estar, febre, hiporexia, tosse seca, sudorese, dores musculares, dor na regio do fgado ou intestino, diarria, cefalia e prostrao, entre outros. A intensidade dos sintomas aumenta entre a quinta e a sexta semanas, coincidindo com o incio da oviposio. O doente apresenta-se abatido, com hepatomegalia e esplenomegalia dolorosas, taquicardia e hipotenso arterial (Quadro 2).

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Quadro 2 Dados clnicos, epidemiolgicos e de laboratrio em pacientes com esquistossomose aguda grave Histria de contato com guas de regio endmica nos ltimos 60 dias Outras pessoas podem apresentar quadro clnico semelhante porque o banho em colees hdricas , em geral, um comportamento grupal Febre, diarria muco-sanguinolenta, dor abdominal, hepato e/ou esplenomegalia, tosse seca, urticria e edema facial Eosinofilia Elevao das enzimas hepticas (fosfatase alcalina, GGT, transaminases) Ultra-sonografia do abdmen: hepatoesplenomegalia e linfonodos portais caractersticos Ovos viveis de S. mansoni nas fezes Bipsia heptica: granuloma na fase necrtico-exsudativa Sorologia sugestiva (ELISA com KLH, IgA anti-SEA)KLH: "keyhole limpet hemocyanin" (hemocianina do caramujo Megathura crenulata), SEA: "soluble egg antigen" (antgeno solvel do ovo)

O diagnstico clnico s se define a partir de 45 dias do banho infectante, quando se evidenciam ovos viveis do verme nas fezes ou, quando a bipsia heptica revela o caracterstico granuloma esquistossomtico na fase necrticoexsudativa. As provas de funo heptica (fosfatase alcalina, gama glutamil transferase e transaminases) encontram-se elevadas no soro como regra geral. Os sintomas e sinais clnicos podem persistir por mais de 90 dias e a doena enquadrar-se na definio de febre de origem indeterminada. H geralmente remisso espontnea do quadro clnico nos casos no tratados. A doena raramente mata. A eosinofilia marcada (> 1000 cels/mm3) sugere o diagnstico. O ultra-som do abdmen mostra hepatoesplenomegalia inespecfica e a presena de linfonodos periportais sugestivos. H um caso relatado na literatura de ndulos no fgado identificados ao ultra-som e na tomografia

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computadorizada do fgado; achados semelhantes foram observados durante a laparoscopia. A melhora clnica anunciada pela normalizao da temperatura corporal e o desaparecimento dos sintomas digestivos. O fgado e o bao diminuem de tamanho progressivamente. 4.2. Fase Tardia 4.2.1 Formas crnicas

Os indivduos que evoluem das formas agudas para as formas crnicas, geralmente apresentam modulao satisfatria do granuloma; isto , o granuloma necrtico-exsudativo da forma aguda transforma-se em um granuloma produtivo com menor nmero de clulas inflamatrias, sem rea de necrose em torno dos ovos e maior deposio de fibras colgenas (o granuloma pequeno provocaria menor dano aos hepatcitos). Alguns autores acreditam que os indivduos que modulam mal, ou seja, aqueles que mantm granulomas grandes so os que evoluiro para a forma hepatoesplnica da doena. 4.2.2 Forma hepatointestinal As pessoas que vivem em reas endmicas geralmente apresentam a forma hepatointestinal e algumas evoluem para a forma hepatoesplnica. O ultra-som do abdmen ajuda pouco na definio das formas hepatointestinais, mas a presena de espessamento periportal pode sugerir progresso para a forma hepatoesplnica. Em geral, as pessoas nesta forma da doena no apresentam sintomas; o diagnstico torna-se acidental, quando o mdico depara-se com a presena de ovos viveis de S. mansoni no exame de fezes rotineiro. Naquelas pessoas com queixas clnicas a sintomatologia varivel e inespecfica: desnimo, indisposio para o trabalho, tonturas, cefalia e sintomas distnicos. Os sintomas digestivos podem predominar: sensao de plenitude, flatulncia, dor epigstrica e hiporexia. Observam-se surtos diarricos e por vezes disenteriformes, intercalados com constipao intestinal crnica. Esse quadro clnico, exceto pela presena de sangue nas fezes, no difere do encontrado em pessoas sem esquistossomose, mas infectados por outras parasitoses intestinais. Ao exame fsico tem sido anotado dor palpao dos clons, fgado palpvel entre 2 e 6cm do rebordo costal direito, de consistncia aumentada e, s vezes, com a superfcie irregular e hipertrofia do lobo esquerdo. O bao, por definio, no

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palpvel. As provas de funo heptica se mantm dentro de valores normais. A bipsia heptica raramente fornece informaes. O exame retossigmoidoscpico revela mucosa congesta, granulosa, com pequenas ulceraes e no exame de fragmentos de tecido retirados por bipsia se encontram com freqncia ovos viveis de S. mansoni. 4.2.3 Forma Heptica Nesta forma clnica, existe fibrose heptica sem hipertenso porta e sem esplenomegalia. A apresentao clnica destes doentes pode ser assintomtica ou com sintomas da forma hepato-intestinal. Ao exame fsico, o fgado palpvel e endurecido, semelhana do que acontece na forma hepatoesplnica. Na ultra-

sonografia verifica-se a presena de fibrose heptica, moderada ou intensa. Esta forma tem importncia clnica, porque ao contrrio da forma hepatoesplnica, o paciente no apresenta varizes de esfago e sangramento decorrente da ruptura de varizes. 4.2.4 Forma Hepatoesplnica A esquistossomose hepatoesplnica apresenta-se de vrias formas: compensada, descompensada ou complicada. Dados obtidos em inquritos epidemiolgicos revelam que at 10% dos indivduos podem apresentar essa forma clnica em reas de alta endemicidade. No quadro 3 descreve-se as variantes clnico-evolutivas da forma hepatoesplnica. Quadro 3 - Variantes clnico-evolutivas da forma hepatoesplnica Forma hepatoesplnica compensada Sem hipertenso portal (geralmente em crianas) Com hipertenso portal - sem hemorragia digestiva - com hemorragia digestiva Com hipoevolutismo Com ascite Com ictercia Com encefalopatia Com outras formas clnicas da doena - com formas vasculopulmonares - com glomerulopatia Com outras hepatopatias

Forma hepatoesplnica descompensada

Forma hepatoesplnica complicada

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-

com hepatite crnica ativa com cirrose com trombose portal Com outras doenas - com infeces por enterobactrias O diagnstico da forma hepatoesplnica em paciente internado em hospital bem aparelhado no difcil. Por outro lado, diagnosticar a forma hepatoesplnica em um indivduo que mora em rea endmica (baseando-se na presena de bao palpvel e ovos do verme nas fezes) representa um problema. Um percentual desses indivduos apresenta aumento do bao secundrio a outras doenas, dificultando o diagnstico diferencial . O ultra-som porttil permite melhorar a acurcia diagnstica do exame clnico. Em uma rea endmica para esquistossomose, utilizando-se uma combinao da palpao abdominal e resultados da ultra-sonografia, quatro grupos de indivduos foram identificados: (1) bao palpvel, espessamento periportal intenso e hipertenso portal ao ultra-som; (2) espessamento periportal intenso e hipertenso portal ao ultra-som, sem bao palpvel (forma heptica); (3) bao palpvel com espessamento periportal leve a moderado; (4) bao palpvel e fgado com aspecto normal ao ultra-som. As implicaes desses achados so de duas ordens: a) a morbidade da esquistossomose em reas endmicas tem sido superestimada (nem todo bao palpvel em rea endmica causado pela esquistossomose); b) os estudos epidemiolgicos e imunolgicos conduzidos em reas endmicas devem ser reavaliados dentro dessa nova definio da forma hepatoesplnica no campo. As doenas mais freqentemente consideradas no diagnstico diferencial da esquistossomose hepatoesplnica so: calazar, esplenomegalia tropical (ou esplenomegalia hiperreativa da malria), leucemia, linfoma, cirrose de Laennec ou cirrose ps-necrtica e sndromes semelhantes mononucleose. 4.2.5 - Forma hepatoesplnica compensada Esta forma representa o modelo da esquistossomose heptica avanada, tendo como substrato anatmico a fibrose de Symmers. No quadro 4 resumem-se as principais caractersticas clnicas, hemodinmicas, bioqumicas/hematolgicas, de imagem e anatomopatolgicas da esquistossomose hepatoesplnica

compensada.

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Quadro 4 - Caractersticas clnicas, bioqumicas/hematolgicas, hemodinmicas, ultra-sonogrficas, ressonncia magntica e anatomopatolgicas da

esquistossomose hepatoesplnica compensada. Caractersticas clnicas Prevalncia maior entre 10 e 30 anos de idade Estado geral regular ou bom Presena de hepatoesplenomegalia (excluir outras causas) Hemorragia digestiva alta Ausncia de sinais ou sintomas de insuficincia heptica Hipoevolutismo nos jovens e Testes de funo heptica normais Hipergamaglobulinemia (aumento da frao IgG) Anemia normoctica ou microctica e hipocrmica, leucopenia, trombocitopenia Presso sinusoidal normal ou levemente aumentada Presses esplnica e portal direta aumentadas Alteraes esplenoportogrficas intrahepticas peculiares Fluxo heptico normal ou levemente diminudo. Fibrose periportal caracterstica Fibrose da parede da vescula biliar Aumento do lobo esquerdo do fgado Esplenomegalia Aumento do calibre das veias esplnicas e porta Presena de colaterais no sistema porta Intensidade aumentada do sinal nas reas de fibrose Retardo da excreo do contraste nas reas de fibrose Espessamento ntido da parede da vescula biliar Identificao dos vasos do sistema porta e de colaterais (Excludas outras doenas hepticas) Intensa fibrose portal do tipo Symmers Moderada atividade inflamatria Boa preservao das clulas hepticas Conservao da estrutura lobular

Caractersticas hematolgicas

bioqumicas

Caractersticas hemodinmicas

Caractersticas ultra-sonogrficas

Alteraes ressonncia magntica

Caractersticas anatomopatolgicas

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A caracterstica fundamental desta forma a presena de hipertenso portal, levando esplenomegalia e ao aparecimento de varizes do esfago. Os pacientes costumam apresentar sinais e sintomas gerais inespecficos, como dores abdominais atpicas, alteraes do hbito intestinal e sensao de peso ou desconforto no hipocndrio esquerdo, por causa do crescimento do bao. s vezes, o primeiro sinal de descompensao da doena a hemorragia digestiva com a presena de hematmese e/ou melena. Ao exame fsico o fgado encontra-se aumentado de tamanho, com predomnio do lobo esquerdo, enquanto o bao aumentado mostra-se endurecido e indolor palpao. A forma hepatoesplnica predomina nos adolescentes e adultos jovens (Figura 16 a e b).

Figura 16 a e b - adolescente e adulto com formas hepatoesplnicas. Na faixa etria dos cinco aos 14 anos, 50% no apresentam hipertenso portal e a esplenomegalia resulta, provavelmente, de hiperplasia linforreticular. Nos adultos, a hipertenso portal constitui a expresso fisiopatolgica dominante e 30 a 40% deles apresentam hemorragia digestiva oriunda de rotura de varizes esofagogstricas ou gastrite erosiva por medicamentos. O fgado apresenta aspecto nodular e ao exame antomo-patolgico evidencia-se a tpica fibrose de Symmers (Figuras 7 e 8).

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Figuras 17 e 18 Fgado apresentando Fibrose de Symmers

O estado funcional do fgado encontra-se preservado, sem evidncias de insuficincia heptica. A anemia, leucopenia e plaquetopenia em combinaes variveis, secundrias ao hiperesplenismo, quando presentes, no devem preocupar o mdico; em geral no h repercusso clnica. A anemia por perda de sangue (hemorragia digestiva, parasitoses intestinais associadas) deve ser adequadamente tratada. As varizes esofgicas, geralmente localizadas no tero mdio e inferior do esfago, merecem ser pesquisadas pela endoscopia digestiva. (Figura 19) A endoscopia permite o diagnstico diferencial entre os sangramentos de origem varicosa e os provocados por gastrite erosiva. A esplenoportografia para a avaliao dos vasos portais vem sendo substituda pela ultra-sonografia. Quando realizada neste estgio da doena observam-se a presena de reverso do fluxo sanguneo nos ramos radiculares e a formao precoce de grossas e extensas dilataes varicosas gstricas e esofgicas.

Figura 19 Varizes do esfago

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4.2. 6. Forma hepatoesplnica descompensada Esta forma da doena caracteriza-se por diminuio acentuada do estado funcional do fgado. Essa descompensao relaciona-se ao de vrios fatores, tais como os surtos de hemorragia digestiva e conseqente isquemia heptica e fatores associados (hepatite viral, alcoolismo). No quadro 5 resumem-se as principais caractersticas da forma hepatoesplnica descompensada. Quadro 5 - Principais caractersticas da forma hepatoesplnica descompensada Os pacientes em geral tm mais de 30 anos de idade O fgado menor do que o encontrado na forma compensada Associao com outros fatores etiolgicos (hepatite viral, alcoolismo) Hemorragia digestiva alta comum Presena de sinais e sintomas de insuficincia heptica: ascite, ictercia, aranhas vasculares, coma, sintomas neuropsquicos, quando associada a outras hepatopatias Estado geral precrio Alteraes bioqumicas evidentes: diminuio da albumina srica, aumento das bilirrubinas e da amnia srica. Presena freqente de trombose portal ao ultra-som Fluxo heptico reduzido Inflamao crnica ativa com invaso do parnquima heptico Fibrose septal, proliferao de ductos biliares Cirrose ps-necrtica focal

Figura 20 - Paciente com forma hepatoesplnica descompensada. Fonte: J. R. Lambertucci

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A ascite inscreve-se entre as manifestaes mais comuns de descompensao no esquistossomtico, com freqncia iniciando-se aps episdio de hemorragia digestiva alta. A ictercia pode ser encontrada em alguns casos; quando presente, deve-se suspeitar de associao com hepatite viral, infeces bacterianas associadas, alcoolismo ou hiperesplenismo com hemlise. Os sintomas e sinais de encefalopatia heptica geralmente surgem aps sangramentos digestivos e, quando presentes, respondem ao tratamento adequado ou evoluem para o coma heptico e a morte. 4.4 Outras formas clnicas e complicaes: 4.4.1 Forma Vasculopulmonar As duas formas clnicas mais importantes so as formas hipertensiva e ciantica. A primeira, mais freqentemente associada forma

hepatoesplnica da esquistossomose pode, raramente, ser encontrada na forma hepatointestinal. Cerca de 10% dos pacientes com hipertenso portal apresentam tambm hipertenso pulmonar; nesses casos as cirurgias que se baseiam no desvio de sangue do sistema portal esto contra-indicadas, pois podem agravar a hipertenso pulmonar pelo aumento do fluxo sanguneo para a veia cava inferior.

4.4.2 Hipertenso pulmonar H hipertenso pulmonar por obstruo vascular, provocada por ovos, vermes mortos, e/ou vasculite pulmonar por imunocomplexos. Os sintomas e sinais clnicos caracterizam a sndrome do cor pulmonale. Observam-se sncope de esforo, hiperfonese de P2, impulso na regio mesogstrica e sinais de insuficincia cardaca. O eletrocardiograma e o ecodopplercardiograma confirmam a sobrecarga direita e mostram a presso pulmonar acima de 20 mm de Hg. O aspecto da radiografia do trax (figura 21) pode ser normal ou evidenciar abaulamento do arco mdio (s vezes, aneurismtico), hilos densos e, menos freqentemente, micronodulao pulmonar (a tomografia computadorizada, s vezes, revela alteraes no identificadas ao raio-x de trax padro). A forma ciantica, de pior prognstico, encontra-se associada forma hepatoesplnica (as derivaes porta-pulmonares parecem explicar o achado). Em raros casos observou-se cianose, com baqueteamento digital, em pacientes com hipertenso portal e sem hipertenso pulmonar.

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Figura 21 Hipertenso pulmonar raio X de trax 4.4.3 Glomerulopatia O acometimento do rim ocorre em 10% a 15% dos pacientes com a forma hepatoesplnica da doena. A sndrome nefrtica a apresentao clnica mais comum. Trata-se de uma complicao causada por imunocomplexos. Estudos mais recentes tm demonstrado leses glomerulares em indivduos com esquistossomose hepatointestinal. Quando definitivamente instalada a leso renal, o quadro histolgico predominante a clssica glomerulonefrite membranoproliferativa

(mesangiocapilar), com acentuao lobular. O segundo tipo histolgico mais encontrado a esclerose glomerular focal. O curso evolutivo da leso renal causada pela esquistossomose no se modifica com os esquemas teraputicos propostos (esquistossomicidas isoladamente ou associados a imunossupressores). O dano renal mostra-se progressivo e a doena evolui para a insuficincia renal. O tratamento da esquistossomose no parece agravar a glomerulonefrite, justificando-se o emprego de esquistossomicidas na tentativa de eliminar a constante produo de antgenos parasitrios. A doena renal encontrada na salmonelose prolongada difere, sob vrios aspectos, da observada na esquistossomose hepatoesplnica. Na salmonelose de curso prolongado a apresentao clnica mais comum a sndrome nefrtica, as leses renais so a glomerulopatia proliferativa focal, mesngio-proliferativa e proliferativa difusa (endocapilar). Essas leses, ao contrrio das observadas na esquistossomose hepatoesplnica, so reversveis aps o tratamento com

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antibiticos e esquistossomicidas e decorrem da deposio glomerular de imunocomplexos formados com antgenos bacterianos. 4.4.4 Forma Neurolgica As leses do sistema nervoso central decorrem da presena de ovos e de granulomas esquistossomticos neste sistema; ao que parece, os vermes migram para os vasos que nutrem as clulas do sistema nervoso e a depositam os seus ovos. A leso mais freqente na esquistossomose mansnica a mielite transversa. A mielite transversa inexplicavelmente rara na forma hepatoesplnica e comum na forma intestinal e na fase aguda. O diagnstico correto depende de se manter alto nvel de suspeio clnica para esquistossomose em qualquer paciente com sintomas e/ou sinais de compresso da medula espinhal. A pesquisa de anticorpos no lquor possui importncia no diagnstico. A ressonncia magntica tem facilitado o diagnstico desta forma clnica da esquistossomose (captao heterognea do contraste em extenses variadas da medula, s vezes, com envolvimento das razes nervosas) (Figura 22). O tratamento precoce com

corticoesterides e esquistossomicidas mostra-se eficaz na maioria dos casos. O tratamento com corticoesterides deve ser mantido por vrios meses aps a melhora clnica.

Figura 22 Alargamento do cone medular em paciente com mieloradiculopatia esquistossomtica.

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Figura 23 paciente com forma neurolgica Os patologistas, em estudos de necropsias, encontram ovos de S. mansoni no crebro com grande freqncia. As manifestaes clnicas nesses pacientes so pobres, mas casos de epilepsia, acidente vascular cerebral e tumores cerebrais j foram descritos na literatura. O diagnstico e o tratamento, nesses casos, so geralmente cirrgicos. A forma neurolgica pela sua importncia clnica e epidemiolgica foi objeto de uma publicao especfica do Ministrio da Sade denominada Guia de vigilncia epidemiolgica e controle da mielorradiculopatia esquistossomtica a qual pode ser acessada na ntegra na Biblioteca Virtual do Ministrio da Sade: http://www.saude.gov.br/bvs.

4.4.5. Outras Localizaes So formas que aparecem com menos frequncia. As mais importantes localizaes encontram-se nos rgos genitais femininos, testculos, na pele, na retina, tireide e corao, podendo aparecer em qualquer rgo ou tecido do corpo humano. 4.4.6 Pseudoneoplsica A esquistossomose pode provocar tumores que parecem neoplasias. Essas formaes tumorais so ocasionadas pela reao tecidual exacerbada em torno de ovos ou vermes adultos. Localizam-se no intestino grosso, com predominncia no clon descendente, no sigmide e com menor freqncia, no leo terminal e no intestino delgado. Esses tumores podem ser muito grandes e envolver outros rgos ou situarem-se nos mesos e epplons. Os localizados no intestino, quando diagnosticados devem ser submetidos ao tratamento clnico, todavia em alguns casos dever ser indicada a remoo cirrgica. Podem ser encontrados tambm em outros rgos, dificultando ainda mais o diagnstico e tratamento. Nos indivduos com polipose intestinal esquistossomtica, a sintomatologia intestinal mostra-se exuberante, com diarria, enterorragia, sndrome de enteropatia perdedora de protenas, edema, hipoalbuminemia, emagrecimento e anemia. O diagnstico diferencial com neoplasias dos clons se impe. Esta apresentao incomum no Brasil, mas tem sido descrita com maior freqncia no Egito.

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4.4.7 Doena linfoproliferativa Os linfomas esplnicos foram vistos complicando a esquistossomose hepatoesplnica. Foram observados em oito portadores de esquistossomose avanada, o que corresponde a um ndice de 0,9%, num grupo de 863 esplenectomias pesquisadas. Todos os casos, exceto um, ocorreram em mulheres, a maioria com mais de quarenta anos de idade. Os linfomas foram de tipo nodular, no-Hodgkin, mas necessitariam ser re-classificados de acordo com critrios mais precisos e com tecnologia atual. Outras sries de casos semelhantes, inclusive com a predominncia do sexo feminino foram publicadas por Paes & Marigo em 1981. Sabe-se que a possibilidade de um linfoma surgir em outras condies de esplenomegalia parasitria crnica foi comprovada em casos de malria crnica ocorridos na frica 4.5 Doenas Associadas que modificam o curso da esquistossomose mansoni 4.5.1 Salmonelose prolongada H associao da esquistossomose com bactrias Gram negativas, em especial, as do gnero Salmonella. As salmonelas tm sido encontradas associadas esquistossomose mansnica e produzindo doena febril prolongada peculiar e conspcua. Acomete preferencialmente os jovens entre os 10 e 30 anos. Os pacientes queixam-se de fadiga, perda de peso e febre. A presena de hepatoesplenomegalia evidenciada na maioria dos casos; entretanto, a doena j foi descrita em indivduos com a forma hepatointestinal. Edema e a presena de petquias em membros inferiores so freqentes. Prostrao e delrio tambm no ocorrem. A doena se assemelha mais ao calazar do que febre tifide. As salmonelas so facilmente identificadas, quando o sangue semeado em meio de cultura. Em 25% dos casos elas tambm podem ser recuperadas nas coproculturas e uroculturas. A salmonelose septicmica prolongada deve ser tratada com antibiticos de reconhecida ao anti-salmonela, como a associao sulfametoxazol-trimetoprima, a ciprofloxacina e o cloranfenicol. Numa etapa subseqente, o tratamento da esquistossomose poder ser feito com praziquantel ou oxamniquina. Nos casos de menor gravidade o uso do esquistossomicida suficiente para cura de ambas as infeces com eficcia em torno de 90%.

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4.5.2 Abscesso heptico Abscesso piognico do fgado causado pelo Staphylococcus aureus na esquistossomose aguda foi encontrado no Brasil. A bipsia heptica cirrgica em duas crianas com abscesso piognico revelou a presena de granulomas hipergicos caractersticos da fase aguda da esquistossomose. Aps o tratamento, que incluiu drenagem cirrgica, antibiticos e oxamniquina as crianas ficaram curadas. 4.5.3 Esquistossomose em imunocomprometidos Cresce a cada dia o nmero de indivduos imunossuprimidos por medicamentos (quimioterapia antiblstica, outros frmacos imunossupressores, como a ciclosporina e os corticoesterides, transplantados, entre outros) e doenas que causam imunodepresso (AIDS, neoplasias, insuficincia renal). No hospedeiro imunocomprometido h alteraes na apresentao clnica, nos vrios aspectos patolgicos e na abordagem teraputica das doenas infecciosas associadas. Nesse cenrio novos aspectos merecem ateno: possibilidade de hepatite txica na ausncia de granuloma, reduo da eliminao de ovos nas fezes por diminuio da resposta inflamatria, disseminao de ovos por vrios tecidos, diminuio da eficcia teraputica dos esquistossomicidas. 4.5.4 Outras hepatopatias O agravamento da esquistossomose por associao com as hepatites virais B e C controversa. Para alguns autores a evoluo das hepatites segue seu prprio curso natural, independente da esquistossomose, enquanto para outros, a associao das hepatites virais B e C pode agravar a esquistossomose causando mais precocemente insuficincia heptica, ascite, ictercia, hipertenso portal e varizes do esfago com sangramento. 4.6 Diagnstico Diferencial A esquistossomose pode ser confundida com diversas doenas em funo das manifestaes diferentes que ocorrem durante sua evoluo. Dermatite cercariana o quadro clnico da dermatite cercariana pode ser confundido com manifestaes exantemticas como dermatite por larvas de helmintos (Ancylostoma duodenale, Necator americanus, Strongyloides

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stercoralis, Ancilostoma brasiliensis), ou por produtos qumicos lanados nos rios, ou ainda por cercrias de parasitas de aves. Esquistossomose aguda o diagnstico diferencial deve ser feito com outras doenas infecciosas agudas, tais como febre tifide, malria, hepatites virais (A e B, nas formas anictricas), estrongiloidase, amebase, mononucleose, tuberculose miliar e ancilostomose aguda, brucelose e doena de Chagas aguda. Esquistossomose crnica Nessa fase a doena pode ser confundida com outras parasitoses intestinais, alm de outras doenas do aparelho digestivo, afeces que cursam com hepatoesplenomegalia como: calazar, leucemia, linfomas, hepatoma, salmonelose prolongada, forma hiperreativa da malria (esplenomegalia tropical) e cirrose.

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5. Diagnstico laboratorial

Como a esquistossomose em suas diversas formas clnicas se assemelha a muitas outras doenas, o diagnstico de certeza s feito atravs de exames laboratoriais. A histria do doente mais o fato de ser originrio ou haver vivido em regio reconhecidamente endmica, orientam o diagnstico. Contudo, apenas o laboratrio que poder confirmar tratar-se de caso de esquistossomose. Para efeito didtico, pode-se categorizar os mtodos de diagnstico laboratorial em diretos e indiretos. 5.1 Mtodos diretos Consistem na visualizao ou na demonstrao da presena de ovos de S. mansoni nas fezes ou tecidos ou de antgenos circulantes do parasito. 5.1.1 Pesquisa de ovos de S. mansoni nas fezes a) tcnica de Kato-Katz a tcnica mais utilizada pelos programas de controle. Alm da visualizao dos ovos, permite que seja feita a contagem destes por grama de fezes, fornecendo um indicador quantitativo para se avaliar a intensidade da infeco. o mtodo de escolha para inquritos coproscpicos de rotina e em investigaes epidemiolgicas. b) tcnica de sedimentao espontnea, ou de Lutz, tambm

conhecida por Hoffman, Pons e Janer (HPJ) Permite a identificao dosovos e sua diferenciao em viveis ou no. excelente mtodo qualitativo de diagnstico, porm no permite a quantificao da intensidade da infeco medida pela contagem dos ovos encontrados numa determinada quantidade de fezes. a tcnica mais utilizada nos laboratrios de anlises clnicas. c) tcnica da ecloso dos miracdios - Consiste em colocar amostra de fezes em recipiente transparente prprio (Kitasato com brao lateral), contendo gua morna e, expondo-se este recipiente luz solar (ou a outra fonte luminosa). Depois de algum tempo, em caixa escura onde o brao lateral receber a luz, a olho nu ou com o auxlio de uma lupa de mo, pode-se ver os miracdios sados dos ovos que porventura existam na amostra. O procedimento demorado, exige gua em boas condies e tcnicos que saibam diferenciar miracdios de protozorios de vida livre.

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5.1.2 Pesquisa de antgeno circulante do parasita Elisa de captura - Este teste, embora imunolgico, considerado mtodo de diagnstico direto porque evidencia a presena de antgeno circulante secretado pelo verme adulto. A tcnica de Elisa de captura utiliza anticorpo monoclonal e apresenta especificidade de 100%, sensibilidade de 75 a 90% (dependendo da prevalncia) e eficincia diagnstica de 92%. Tem a desvantagem de ser muito trabalhoso e ter baixa sensibilidade para os casos com pequenas cargas parasitrias e especialmente de variabilidade de desempenho. 5.1.3 Outros mtodos diretos a) Biopsia retal - consiste na retirada de fragmentos da mucosa retal e seu exame, para a deteco de ovos em seus diferentes estgios evolutivos. Permite a contagem e classificao dos ovos encontrados no fragmento da mucosa biopsiado que tm o nome de oograma. O resultado do oograma pode ser qualitativo e/ou quantitativo quando expresso em ovos/grama de tecido retal biopsiado. A biopsia retal tambm empregada quando se deseja fazer a avaliao de eficcia de algum novo medicamento anti-esquistossomtico, atravs do acompanhamento de oogramas seriados. O portador com exame de fezes negativo pode ter a bipsia retal positiva e vice-versa. O exame cruento e de difcil aceitao pela populao, em geral.

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b) Bipsia Heptica Dentre as biopsias para o diagnstico da esquistossomose a mais comum. recurso que s deve ser utilizado quando a doena se apresenta clinicamente grave e quando os meios diagnsticos j mencionados no permitiram confirmao da esquistossomose ou a sua diferenciao de outras hepatopatias. realizado atravs do exame de fragmento de fgado, o qual pode ser obtido cirurgicamente ou mediante puno com agulha adequada, guiada por ultra-som. O diagnstico de certeza feito pelo achado de ovos ou de granulomas periovulares no material examinado. Na fase aguda o mtodo diagnstico definitivo da infeco e se presta tambm para o diagnstico diferencial de outras hepatopatias difusas (e.g., hepatites virais, hepatite alcolica). c) Outras bipsias - A bipsia de outros stios (por exemplo: pulmo, medula espinhal, pele, testculos, ovrio, crebro, plipos intestinais) representa, com freqncia, a nica forma de se definir o diagnstico nesses rgos. d) Outros mtodos de alta sensibilidade em desenvolvimento: deteco de cidos nuclicos (PCR) nas fezes, mtodos de isolamento de ovos de S. mansoni nas fezes, atravs de interao com microesferas (Helmintex). 5.2 Mtodos Indiretos Os mtodos indiretos so baseados em mecanismos imunolgicos, envolvendo reao de antgeno-anticorpo e que tm aplicao quase sempre em inquritos epidemiolgicos, acompanhados ou no de exames de fezes. s vezes so tambm usados em casos clnicos isolados, de difcil diagnstico, pelos mtodos diretos tradicionais. Estes mtodos, quando positivos, no indicam obrigatoriamente infeco ativa, pois a positividade, devido a presena de anticorpos, pode permanecer por muitos anos, mesmo aps a cura da infeco. Esses mtodos so pouco usados nos servios de rotina devido complexidade da execuo e a exigncia de equipamentos sofisticados. Vencidos esses obstculos, eles podero ser teis em complementao aos exames parasitolgicos notadamente nas reas de baixa prevalncia e cargas parasitrias pequenas para aumentar a deteco de portadores falsos negativos pelo exame de fezes. Atualmente, os seguintes mtodos indiretos, baseados em mecanismos imunolgicos, so utilizados para diagnstico da esquistossomose: ensaio imuno enzimtico (ELISA), imunofluorescncia (IF), reao peri-ovular (RPOV). Dentre estes mtodos destacam-se os seguintes:

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5.2.1 Reao de ELISA So empregadas placas de poliestireno com antgenossolveis adsorvidos para identificao de anticorpos IgG, IgM e IgA. IgG pode permanecer detectvel