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Professor Miguel Teixeira de Sousa Direito Processual Civil I 葡京的法律大学 | 大象城堡 2015/1016

Direito Processual Civil I - sebentas.weebly.com · Direito Processual Civil I | Miguel Teixeira de Sousa | 2015/2016 大象城堡 2 Direito Processual Civil e Direito Privado1: o

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Professor Miguel Teixeira de Sousa

Direito Processual Civil I 葡京的法律大学 | 大象城堡

2015/1016

Direito Processual Civil I | Miguel Teixeira de Sousa | 2015/2016

大象城堡

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Atualização das folhas do Professor Miguel Teixeira de Sousa com apontamentos e resumes

de outra doutrina

Leiam com atenção porque podem existir erros!!

Desejando boa sorte, cabe-me alertar para o facto de a sebenta ter, certamente, pequenas

imprecisões que, por lapso e sem intenção, nela perpassaram.

E não dispensem a consulta dos manuais (isto ajuda e tem muita coisa resumida mas não

terá tudo e poderá ter erros, e nada como comprar os manuais ou consultá-los na

biblioteca

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Direito Processual Civil e Direito Privado1: o Direito Processual Civil é um ramo de Direito que

diz respeito a um conjunto de normas com a função instrumental de concretização jurisdicional

das normas de conduta de Direito Privado Material ou substantivo. As normas de Direito Privado

pressupõem a ponderação de interesses conflituantes perante bens e consagram normalmente

uma solução que faz prevalecer um desses interesses. No Direito português, o princípio é o da

proibição da autotutela privada (artigo 1.º CPC). O conflito de interesses traduzir-se-á, então,

numa pretensão de tutela jurídica formulada perante uma instância com funções de composição

de interesses. Os titulares dos interesses em conflito recorrera aos tribunais para tutela dos

direitos subjetivos (artigos 2.º, n.º1 e 2 e 3.º, n.º1 CPC).

A função das normas de Direito Processual Civil: as normas de Direito Processual Civil

destinam-se fundamentalmente a regular a atividade desenvolvida nos tribunais judiciais. A

atividade de heterocomposição de conflitos não se inicia sem que seja formulada uma pretensão

de tutela jurídica perante uma instância com poderes para a exercer. Nesta medida, o Direito

Processual Civil tem como finalidade regular a atividade de pretender e de realizara tutela do

Direito Material objetivo (função mediata), bem como a função de tutela das situações jurídicas

substantivas, isto é, dos direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos (função imediata);

artigo 4.º CPC. A função das normas de Direito Processual Civil é, assim, uma função combinada

de regulação da atividade de:

1. Heterocomposição do conflito de interesses traduzido na pretensão;

2. Realização do Direito Material através da tutela das situações jurídicas substantivas

(direitos e interesses legalmente protegidos).

Por último, note-se que a lei processual admite a proposição de ações com vista à tutela dos

chamados interesses difusos (artigo 31.º CPC).

O direito de ação: são as normas de Direito Proe3ssual Civil que disciplinam o exercício do direito

de ação, uma das dimensões do direito fundamental à jurisdição consagrado no artigo 20.º CRP:

consiste no direito do autor a que a sua pretensão seja formulada perante o tribunal e que por

este seja apreciada e no direito de obter uma decisão conforme ao Direito. O direito de ação é

um direito processual, instrumental, no sentido de que consiste no direito de deduzir num

tribunal uma concreta pretensão relativamente a uma situação jurídica que se quer ver tutelada.

O artigo 2.º, n.º2 CPC, consagra o direito de ação quando afirma que, salvo quando a lei

determine o contrário, a todo o direito corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em

juízo. De acordo com o artigo 2.º, n.º1 CPC, o direito à tutela das situações jurídicas implica o

direito de obter uma decisão judicial que aprecie a pretensão regularmente deduzida em juízo. O

artigo 8.º, n.º1 estabelece a proibição de non liquet, o que reforça o direito de ação na vertente

do direito de obter uma decisão judicial.

1 Xavier, Rita Lobo; Folhadela, Inês; Castro, Gonçalo Andrade e; Elementos de Direito Processual Civil; Universidade Católica Editora • Porto; Porto, 2014.

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§1.º - Ação e processo2: a garantia da norma de Direito Civil, que, como toda a norma

jurídica, requer a possibilidade de coativamente ser feita respeitar, postula a

recorribilidade aos tribunais para reintegrar as situações jurídicas afetadas pela sua

violação, prevenir violações ainda não consumadas ou exercer direitos potestativos que

não possam ser feitos valer extrajudicialmente. O recurso ao tribunal faz-se mediante a

propositura duma ação. Por ela, normalmente afirmando-se titular de uma situação

jurídica para a qual requer a tutela do tribunal. Consoante o tipo de pedido deduzido, a

ação proposta diz-se declarativa ou executiva: é declarativa quando o autor pede ao

tribunal que declare a existência ou inexistência de um direito ou facto jurídico (ação de

simples apreciação), que condene o réu na prestação duma coisa ou de um facto a que

o autor tem direito (ação de condenação) ou que altere as situações jurídicas das partes

em conformidade com um direito potestativo do autor (ação constitutiva); é executiva

quando visa a reparação material dum direito violado, no pressuposto da sua existência.

O Direito Processual Civil é o conjunto de normas, com natureza instrumental (ou adjetiva)

relativamente às normas primárias (materiais ou substantivas) de Direito Civil, que visam,

direta ou indiretamente, regular as atuações dos sujeitos de Direito Privado e dos

tribunais conducentes à concretização da garantia dessas normas de conduta do Direito

Civil. Estas atuações inserem-se, primacialmente, num processo jurisdicional, segundo

uma sequência predefinida na sua estrutura essencial: os atos jurídicos aí praticados

(pelas partes – autor, ´reu ou parte acessória –, pelo juiz, pelos funcionários da secretaria

ou pelos intervenientes acidentais no processo) são, naturalmente, atos processuais,

como tais de demarcando dos atos de Direito material, ainda que possam produzir

efeitos de Direito material combinar-se, em termos doutrinariamente controvertidos,

com atos de Direito Material; mas há também atos das partes que, embora praticados

fora dessa sequência, se destinam a conformar os requisitos (constitutivos ou impeditivos)

dos pressupostos processuais ou de atos da sequência processual, e que por isso

igualmente constituem atos processuais e igualmente são objeto do Direito Processual.

2 Freitas, José Lebre de; A Ação Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013; 3.ª edição; Coimbra Editora, setembro 2013, Coimbra.

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A estrutura da relação jurídica processual3: a relação jurídica processual existe entre sujeitos

e incide sobre um objeto. Estabelece-se entre cada uma das partes (o autor e o réu) e o tribunal.

Na verdade, as partes não se dirigem uma à outra, mas ambas se dirigem ao tribunal. No entanto,

existem deveres recíprocos, por exemplo, pelo dever de cooperação, de boa fé processual e de

recíproca correção (artigo 7.º, n.º1, 8.º e 9.º CPC). O Código de Processo Civil português designa

a relação processual por instância. A lei processual reconhece direitos e faculdades às partes,

impendendo sobre elas também devere3s, ónus e sujeições. As partes não assumem deveres

uma perante a outra (artigos 221.º e 255.º CPC). Contudo, à omissão destes deveres seguir-se-á

apenas, em princípio, uma consequência desfavorável dentro do processo, pelo que tais deveres

constituirão antes simples ónus, atualmente bastante temperados com os poderes-deveres de

iniciativa do juiz (artigo 6.º CPC). As partes têm o dever de cooperar com os outros intervenientes

no processo com vista a obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio e de agir

de boa fé (artigo 7.º e 9.º CPC). A lei prevê as consequências desfavoráveis da omissão do ato

previsto, que até podem consistir numa desvantagem económica, mas que não revestem o

caráter de sanção. O juiz exerce os poderes-deveres de que está incumbido pela lei para o

exercício da função jurisdicional com vista à justa composição do litígio, designadamente no que

se refere à gestão do processo e à adequação formal, assegurando o normal prosseguimento da

ação, devendo dar resposta às solicitações das partes e recusando tudo o que for impertinente

ou dilatório (artigo 6.º, n.º1 CPC). Os elementos estruturais (conteúdo) desta relação são: o

direito de ação (relação do autor com o tribunal), o direito de defesa ou de contradição (relação

do réu com o tribunal), e o poder jurisdicional (poder de heterocomposição em conformidade

com o Direito Material). A relação processual tem algumas características essenciais:

1. É autónoma relativamente às situações jurídicas de Direito Material;

2. Constitui-se com o pedido formulado pelo autor (princípio do pedido);

3. Desenvolve-se segundo o princípio de auto responsabilidade das partes completado com

o poder-dever de gestão processual do juiz.

Estrutura do processo: sequência de atos jurídicos praticados pelos sujeitos processuais

(forma processual): o processo desenvolve-se segundo uma sucessão de atos jurídicos, que se

entrecruzam numa sequência temporal, lógica e teleológica (atos processuais). A lei prevê, em

abstrato, uma sequência de atos processuais (forma processual) que é concretizada pelos

participantes no processo no decurso da instância (desenvolvimento da relação processual

através da sucessão de concretos atos processuais que compõem um processo). A lei processual

prevê diferentes formas de processo: modelos de sequências ordenadas de atos (a praticar pelas

partes, pelo tribunal ou por outros intervenientes) dirigidos a um determinado fim, em função de

providência judiciária requerida pelo autor, do valor atribuído aos interesses em conflito ou da

natureza da relação substantiva subjacente à pretensão. Distingue-se assim o processo de

declaração (artigos 548.º, 549.º e 552.º e seguintes CPC) do processo de execução (artigos 550.º

e 703.º e seguintes CPC). O processo declarativo pode ser comum – o processo regra – ou especial

– aplicável nos casos expressamente designados pela lei (artigos 546.º e 549.º CPC). No decurso

do processo podem ser suscitadas questões distintas da questão principal mas com ela

relacionadas que podem originar uma sequência processual autónoma com vista a obter uma

decisão autónoma, antes da decisão da questão principal que aquela depende. Tais sequências

designam-se por incidentes processuais ou incidentes de instância. A lei designa expressamente

3 Xavier, Rita Lobo; Folhadela, Inês; Castro, Gonçalo Andrade e; Elementos de Direito Processual Civil; Universidade Católica Editora • Porto; Porto, 2014.

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como tal incidentes de verificação do valor da causa (artigos 305.º, n.º2, 307.º a 310.º CPC), de

intervenção de terceiros (artigos 311.º e seguintes CPC) e de habilitação dos sucessores (Artigos

351.º e seguintes CPC). Importa sublinhar que a previsão legal de sequências ordenadas de atos

convive atualmente com o dever de adequação formal, consagrado no artigo 547.º CPC, quer

quanto à tramitação adequada à especificidade da causa, quer quanto ao conteúdo e forma dos

atos, e que introduz um princípio de flexibilização das formas legais.

Especificidade dos atos processuais: os atos processuais distinguem-se dos atos jurídicos em

sentido estrito. Sabemos que facto jurídico é todo o ato humano ou acontecimento natural

juridicamente relevante e que os factos jurídicos podem ser voluntários ou involuntários. Os atos

processuais são atos jurídicos – atos dirigidos à produção de efeitos jurídicos – cuja especificidade

resulta de estarem integrados numa sequência ordenada ao fim de um determinado processo.

OS factos jurídicos ocorridos fora do processo só podem ser nele conhecidos fora do processo se

e quando forem praticados os respetivos atos processuais de integração. No entanto, repare-se

que existem outros praticados fora do processo que têm relevância exclusivamente processual,

como é o caso do mandato judicial conferido por documento público ou por documento

particular (artigo 43.º, alínea a) CPC). Por outro lado, a desistência, a confissão ou a transação

podem ser lavradas por termo (ato processual) (artigo 290.º, n.º1 e 2 CPC), produzindo os efeitos

típicos dos mesmos atos quando representados por documento autêntico ou particular (artigo

290.º, n.º1 e 3 CPC).

Disposições comuns aos atos processuais:

1. Forma, lugar e momento em que se praticam: os atos a praticar pelas partes são dirigidos

ao tribunal. Os atos processuais devem usar língua portuguesa (artigo 133.º, n.º1 CPC) e

terão a forma que, nos termos que visam atingir (artigo 131.º, n.1º CPC), podendo assim

observar a forma oral ou escrita, e podendo a lei prever a obediência a modelos

aprovados (artigo 131.º, n.º3 e 4 CPC). Nos termos do artigo 132.º a tramitação é

efetuada eletronicamente, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva

expedição (artigo 144.º, n.º1 CPC). No entanto, sempre que se trate de causa que não

importa a constituição de mandatário (artigo 40.º, a contrario) e a parte não esteja

patrocinada, os atos processuais também podem ser apresentados por entrega na

secretaria judicial, remessa pelo correio, sob registo, ou envio através de telecópia (artigo

144, n.º1, alíneas a), b) e c) CPC). Quanto ao lugar e momento em que se praticam os

atos, nos termos do artigo 137.º não se praticam atos processuais nos dias em que os

tribunais estejam encerrados, em durante o período de férias judiciais (n.º1), excetuando

as citações, notificações e os atos que se destinem a evitar dano irreparável (n.º2),

devendo os atos que implicam a receção dos mesmos pelas secretarias judiciais ser

praticados durante as horas de expediente dos serviços (n.º 3). Na maior parte dos casos,

a lei delimita um determinado intervalo temporal para a prática de um ato processual

pela parte (prazo perentório), sob pena de ficar impedida de usar o direito ou a faculdade

que visava exercer (preclusão) (artigo 139.º, n.º3 CPC). A lei estabelece duas diferentes

modalidades do prazo (artigo 139.º, n.º1, 2 e 3 CPC):

a. Prazo dilatório: é aquele que difere para momento posterior o início da contagem

de um outro prazo;

b. Prazo perentório: é aquele cujo decurso extingue o direito de praticar o ato.

Quando a um prazo dilatório se segue um outro prazo perentório, ambos se contam

como um único prazo (artigo 142.º CPC). Na falta de disposição especial, a lei fixa o prazo

de 10 dias para a prática de qualquer ato pelas partes (artigo 149.º CPC). Decorrido o

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prazo fixado para a prática de um ato, este ainda pode ser praticado mediante

pagamento de multa – o que, nos termos do artigo 139.º, n.º5 e 6 CPC, pode ocorrer nos

três dias úteis posteriores ao termo do prazo – e em caso de justo impedimento (artigos

139.º, n.º4 e 140.º CPC). A estes requisitos gerais dos atos processuais acrescem os que

eventualmente poderão ser exigidos para o particular ato em causa, no local sistemático

próprio. No que diz respeito aos atos pelos quais o juiz exerce o seu poder de jurisdição,

eles podem assumir a forma de sentenças ou despachos. Designa-se por sentença o ato

pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente, denominando-se por

acórdãos as decisões dos tribunais colegiais (artigos 152.º, n.º1, 2 e 3 CPC). Os demais

atos proferidos pelo juiz tomam o nome de despachos (artigo 153.º, n.º4 CPC). Sentença

será desde logo a sentença final, que põe termo à causa depois de instruída e discutida

(artigo 607.º, n.º2 CPC), quer se trate de sentença de mérito, quer de sentença de

absolvição da instância (artigos 608.º, n.º1 e 620.º CPC). Terá o valor de sentença o ato

pelo qual o juiz decida sobre o mérito da causa no despacho saneador – antes da

instrução e discussão da causa – (artigos 595.º n.º1, alínea b) e n.º3, in fine e 629.º CPC).

Também é por sentença que o juiz admite a confissão, desistência ou transação (artigo

290.º, n.º3 CPC). Na categoria de despachos estão incluídos atos de índole muito diversa.

Importará, assim, distinguir, em primeiro lugar, os despachos de mero expediente, que

não exigem fundamentação, nem admitem recurso. A lei qualifica como despachos de

mero expediente aqueles que são destinados a prover ao andamento regular do processo

(artigo 152.º, n.º4 CPC). Não admitem recurso os despachos proferidos no uso legal de

um poder discricionário, que decidem de matérias confiadas ao prudente arbítrio do

julgador, embora se possa entender que carecem de fundamentação (artigos 630.º, n.º1,

152.º, n.º4 e 154.º, n.º1 CPC). Do enquadramento atual do despacho de convite ao

aperfeiçoamento dos articulador parece resultar que o juiz está vinculado à sua prolação

(artigo 590.º, n.º2, alínea b), 3.º e 4) CPC), mas não cabe recurso deste despacho, o que

sugere a sua natureza discricionária (n.º 6). Ganharam hoje denominação e importância

próprias o despacho de simplificação e adequação formal, a proferir em processo

declaratório comum, em regra, na audiência prévia, dos quais também não é admissível

recurso, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com

a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (artigo

630.º, n.º2 CPC).

A dinâmica da instância: fala-se de dinâmica da instância para indicar que a relação processual

se desenvolve progressivamente desde a constituição (artigo 267.º CPC) até à extinção (artigo

277.º CPC). A instância inicia-se pela propositura da ação e esta considera-se proposta logo que

a respetiva petição inicial seja apresentada por transmissão eletrónica de dados no sistema

informático CITIUS ou recebida na secretaria (artigos 259.º, n.º1 e 144.º CPC). A partir do

momento em que o réu é citado, a instância do processo (partes, pedido e causa de pedir) –

princípio da estabilidade da instância: artigo 26.º CPC) –, embora a lei admita excecionalmente

modificações subjetivas da instância (artigos 261.º, n.º1 e 262.º CPC) e modificações objetivas da

instância pro alterações do pedido e da causa de pedir (artigos 264.º e 265.º CPC). Depois de

iniciada a instância ela pode vir a suspender-se (artigos 269.º e seguintes) e extingue-se com o

julgamento ou por uma outra das causas previstas no artigo 277.º CPC.

A invalidade do ato processual: vimos que a especificidade dos atos processuais reside

fundamentalmente na circunstancia de estes estarem previstos numa sequência organizada de

forma abstrata, em termos de ordenação temporal, lógica e teleológica. Tal especificidade explica

o regime particular da invalidade do ato processual: será consequência da verificação de uma

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variação na ordenação prevista e da apreciação da sua influência no exame ou decisão da causa,

à luz da respetiva finalidade. Assim, quanto às regras gerais sobre a invalidade dos atos

processuais:

1. A Invalidade de um ato refere-se à concreta existência (ou não existência) do ato

enquanto elemento de uma sequência (artigo 195.º, n.º1 CPC);

2. De acordo com o artigo 195.º, n.º1,

«a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato

ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando

a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame

ou na decisão da causa».

A lei pode prescrever expressamente que o ato tem como consequência a nulidade (v.g.

artigo 186.º e 191.º CPC). Quando a lei não preveja a nulidade, mesmo assim, a prática

de um ato pode conduzir à invalidade se a irregularidade cometida puder influir no exame

ou na decisão da causa;

3. Por outro lado, uma vez que cada ato processual integra uma sequência, a invalidade de

um deles pode projetar-se sobre a validade de outros. O artigo 195.º, n.º2 CPC prevê que

«quando um ato tenha de ser anulado, se anularão também os termos

subsequentes que dele dependam absolutamente».

Podemos, assim, concluir que a anulação de um ato processual não implica a anulação

dos sucessivos atos, entretanto praticados que sejam independentes daquele.

O artigo 198.º diz respeito a nulidades principais e estas incluem, no n.º1, uma alusão ao artigo

193.º que se refere à anulação dos atos que não podem ser aproveitados. Mais, interessará o

regime previsto para o conhecimento dos aos processuais inválidos e suas consequências. Assim:

Existem nulidades de conhecimento oficioso que o tribunal pode conhecer sem arguição

da parte interessada, a não se que se devam considerar sanadas (artigos 196.º, 198.º,

186.º, 1887.º, 191.º, n.º2, 193.º e 194.º CPC). O juiz deve conhecer as nulidades previstas

nos artigos 187.º, 191.º, n.º2 e 194.º CPC ogo que delas se aperceba, podendo suscitá-

las em qualquer estado do processo enquanto não devam considerar-se sanadas (artigo

200.º, n.º1 CPC). As nulidades a que se referem os artigos 186.º e 193.º, n.º1 CPC são

apreciadas no despacho saneador se o houver (artigo 200.º, n.º2 CPC) ou, se não houver

despacho saneador, até à sentença final e ressalvada a hipótese de sua sanação, exceto

no caso do artigo 199.º (artigos 196.º e 200.º, n.º1 CPC). O erro a qualificação do meio

processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se

sigam os termos processuais adequados (artigo 193.º, n.º3 CPC);

Relativamente a outras invalidades (nulidades secundárias), a lei estabelece que apenas

a parte interessada pode argui-las (artigos 196.º, n.º1, in fine e 197.º CPC) e dentro de

um determinado prazo (artigo 199.º, n.º1 CPC).

Importa sublinhar que os poderes-deveres de gestão processual (artigo 6.º, n.º1 e 2 CPC) e da

adequação formal (artigo 547.º CPC) permitem hoje a atenuação da rigidez da forma processual

abstratamente prevista e orientam as decisões do juiz no sentido de eliminar obstáculos

injustificados à obtenção de uma decisão de mérito, privilegiando a decisão de fundo sobre a

decisão de forma com vista à definitiva e justa composição do litigio.

Os sujeitos da relação jurídica processual: os atos processuais são praticados pelos sujeitos da

relação jurídica processual que e estabelece entre cada uma das partes e o tribunal. Partes são o

autor – aquele que propõe a ação – e o réu – aquele contra quem a ação é proposta. As partes

ficam identificadas logo na petição inicial (artigo 552.º, n.º1, alínea a) CPC). Apesar do princípio

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da estabilidade da instância (artigo 260.º CPC), a lei admite certas modificações subjetivas da

instância, por intervenção de novas partes (artigo 261.º, n.º1 CPC) ou por substituição de algumas

delas, nomeadamente em virtude do seu falecimento (artigos 262.º, alínea a) e 351.º CPC). Os

tribunais gozam de um estatuto de independência, garantida pela existência de um órgão

privativo de gestão e disciplina da magistratura judicial, pela inamovibilidade dos juízes e pela sua

não sujeição a quaisquer ordens ou instruções (artigo 203.º CRP). É também garantida a sua

imparcialidade, não só pelo princípio do juiz natural que é aquele que é indicado pelas normas

gerais de competência e pela concreta distribuição do processo para apreciar a causa, mas

também e sobretudo para apreciar próprios mecanismos que permitem afastar o juiz natural de

uma ação: impedimentos (artigos 115.º e 116.º CPC) e suspeições (artigos 119.º e 120.º CPC),

constituindo exceções ao princípio da proibição do desaforamento (artigo 39.º LOSJ). Alçada de

um tribunal é o valor até ao qual um tribunal julga definitivamente sem que da sua decisão seja

admissível recurso ordinário.

Forma do processo declaratório comum: o processo de declaração comum segue forma única

(artigo 548.º CPC). No entanto, importa sublinhar flexibilização introduzida pelo poder-dever de

gestão processual (artigo 6.º, n.º1 CPC) e pelo poder-dever de adequação formal (artigo 547.º

CPC). O CPC de 2013 consagrou, ao lado do princípio da adequação formal que confere ao juiz o

poder-dever de adequar a forma processual às especificidades da causa, o princípio da gestão

processual. Este novo princípio faculta ao juiz um poder autónomo de direção ativa do processo

e da conformação e modulação da concreta tramitação processual. O juiz determinará, após

audição das partes, a adoção dos mecanismos de simplificação e agilização processual que

respeitando os princípios fundamentais da igualdade das partes e do contraditório, garantam a

composição do litigio em prazo razoável (artigo 591.º CPC).

Determinação e fixação do valor da ação: um dos critérios para a determinação da forma do

processo é o valor da causa (artigo 296.º, n.º2 CPC):

«A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual

representa a utilidade económica imediata do pedido»

(artigo 296.º, n.º1 CPC).

Muito embora o atual CPC não distinguir formas de processo em função do valor da causa, o

artigo 597.º CPC prevê especificidades quanto à tramitação das ações cujo valor não seja superior

ao valor de metade do valor da alçada do Tribunal da Relação. A lei estabelece critérios gerais

para a fixação do valor da causa (artigo 297.º CPC) e critérios especiais (artigos 298.º, 300.º, 301.º,

302.º, 303.º, 304.º e 307.º CPC). O autor deve indicar o valor do pedido na petição inicial (artigo

552.º, n.º1, alínea f) CPC), valor que pode ser impugnado pelo réu (artigo 305.º CPC). Contudo, a

quem compete a fixação do valor da causa é ao juiz, em princípio, no despacho saneador (artigos

306.º n.º1 e 2 CPC).

Breve descrição da tramitação do processo declaratório comum (forma única): a sequência

de atos a praticar no processo declaratório comum está prevista nos artigos 552.º e seguintes

CPC e estão ordenados em fases sucessivas. Seguindo um paradigma de ação contestada e eu

haja de seguir até ao julgamento:

1. Fase inicial – dos articulados: as partes apresentam a matéria de facto e a de direito

relevantes para a decisão (artigos 467.º e seguintes CPC);

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2. Fase intermédia: gestão inicial do processo (eventual despacho pré-saneador) e audiência

prévia. Esta fase está centrada na audiência prévia (artigo 591.º CPC). Antes de marcar a

data da audiência prévia, é de realização obrigatória, sendo neste contexto que se

concretizarão as atividades classicamente designadas como de saneamento e

condensação que se traduzirão na prolação do despacho saneador e do despacho de

fixação do objeto do litigio. Assim, no final da audiência prévia serão proferidos os quatro

despachos que permitem a transição para a fase final:

a. Despacho saneador: também pode integrar uma decisão de mérito ou de

absolvição da instância (artigos 595.º, n.º1, alínea b), n.º3, in fine, CPC);

b. Despacho de fixação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova;

c. Despacho de adequação formal e de simplificação e agilização;

d. Despacho de programação.

3. Fase final: audiência final (artigo 604.º CPC), onde ocorrerá a discussão e julgamento

(sentença) (artigo 607.º CPC).

Conteúdo das normas de Direito Processual Civil: as normas de Direito Processual Civil são

normas que ordenam, encadeiam e articulam, lógica e temporalmente, os atos em que se

concretiza a atividade dos sujeitos processuais dirigida à realização da função do Direito

Processual Civil. Assim, estes atos hão-de desenvolver-se nessa unidade pré ordenada à

realização:

a. De heterocomposição do conflito de interesses traduzido na pretensão;

b. Do Direito Material através da tutela das situações jurídicas substantivas (direitos

e interesses legalmente protegidos).

O dever-ser presente nas normas de Direito Processual modelam diferentes processos ou

procedimentos: sequência de atos dos sujeitos processuais, que se vão desenvolver

ordenadamente no tempo com vista à realização da função pretendida pelo autor, isto é, de

acordo com a pretensão solicitada e a atividade de heterocomposição correspondente. Dirige-se,

assim, à sequência de atos processuais previstos de forma abstrata como adequados à finalidade

de cada pedido. Envolvem igualmente um dever-ser dirigido às condutas concretas dos sujeitos

processuais, isto é, relativo a comportamentos a observar no desenvolvimento da instância, de

acordo com a finalidade normativa do Direito Processual Civil. Finalmente, repare-se que existem

normas de Direito Processual Civil que não se referem propriamente a atos processuais, mas a

exigências ligadas à realização da atividade heterocompositiva, como é o caso das normas sore

os pressupostos processuais que regulam os requisitos necessários para que a pretensão

formulada pelo autor possa ser apreciada. A função do processo só se cumpre realmente quando

o tribunal realiza a atividade heterocompositiva de acordo com o Direito. Contudo, o tribunal tem

de resolver sucessivamente uma série de questões preliminares ou prejudiciais: o conhecimento

dos elementos necessários à decisão é adquirido de forma progressiva.

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Atos processuais: são atos jurídico que produzem efeitos em processo. Para serem processuais,

os seus pressupostos devem estar regulados em Direito Processual, bem como aqueles cujos

efeitos característicos se produzem em processo. Abrangem a atuação da parte ou do juiz, com

eficácia direta no processo, independentemente do seu conteúdo. Os efeitos processuais

produzidos pelos atos processuais devem ser direitos.

Validade e eficácia: certos pressupostos processuais são igualmente pressupostos de atos

processuais:

1. Atos do tribunal: o seu pressuposto específico é a competência funcional, aquela que

respeita a cada um dos órgãos do tribunal (juiz e secretaria). A falta deste leva a uma

nulidade processual, a qual é sanável de acordo com o artigo 202.º CPC;

2. Atos das partes: no âmbito dos pressupostos subjetivos, têm de ter: capacidade judiciária;

patrocínio judiciário obrigatório, e legitimidade ad actum. A falta destes leva à ineficácia

do ato praticado, não produzindo efeitos. A sua falta corresponde a uma exceção dilatória,

absolvendo o réu da instância (artigo 576.º e 577.º CPC).

3. Falta de pressupostos:

a. Sanação: a falta destes pressupostos é conhecida oficiosamente pelo tribunal e

em certos casos é sanável através da renovação do ato ou a ratificação do ato

praticado;

4. Nulidades processuais: verificam-se sempre que seja praticado um ato que não é

permitido, ou seja, omitido um ato imposto ou uma formalidade essencial (artigo 195.º

CPC). Implicam:

a. Anulabilidade do ato praticado e demais atos dependentes dele;

b. Em casos em que a invalidade representa uma exceção dilatória, implica a

absolvição do réu da instância.

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A instância: traduz a relação que se estabelece entre as partes e o tribunal durante a pendência

da causa. É uma relação dinâmica, que se mantém desde a propositura da ação (artigo 259.º CPC),

até ao seu termo, coincidindo com o julgamento.

Condições de existência: são as circunstâncias necessárias para a existência de um processo, e

referem-se à pendência de uma causa. Para que o processo se inicie, tem de ter dado entrada na

secretaria do tribunal uma Petição Inicial.

1. Efeitos da pendência simples:

a. Necessidade de proceder à distribuição da petição inicial ou requerimento

(artigo 206.º CPC) e, eventualmente, ao proferimento de um despacho liminar

da indeferimento da petição inicial ou citação (artigo 226.º-A CPC);

b. Inadmissibilidade da propositura de outra ação igual (artigo 580.º CPC);

c. Irrelevância das modificações de facto posteriores à propositura da ação para a

determinação do tribunal competente.

Para o autor, a pendência simples determina a exigência da desistência como forma de

pôr termo ao processo (artigo 285.º CPC).

Condições de validade: são condições de dois tipos: algumas decorrer de atos processuais

cuja invalidade afeta todo o processo e outras respeitam a circunstâncias ou ocorrências

verificadas durante a pendência da causa e que justificam a possibilidade de impugnar o caso

julgado da respetiva decisão.

1. Ineptidão da petição inicial: a invalidade de alguns atos processuais determina a

nulidade de todo o processo, como ocorre neste caso (artigo 186.º CPC).

Condições de admissibilidade: são as condições necessárias para eu, no processos

declarativo, possa ser proferida uma decisão sobre o mérito da causa. Os pressupostos

processuais atribuem, assim, um valor de admissibilidade – tornam admissível a decisão de

mérito ou as medidas coativas. Os pressupostos requerem a existência de um processo, porque

a admissibilidade de uma sentença de mérito ou das medidas coativas, só é possível num

processo pendente. A falta de pressuposto determina a inadmissibilidade da pronúncia sobre o

mérito da causa.

1. Preenchimento: compete ao autor assegurar o preenchimento dos pressupostos

processuais, e o se não preenchimento importa uma exceção dilatória e impede que o

autor posa obter a tutela pretendida.

Exceções dilatórias: se faltar algum pressuposto processual positivo (que se refira às condições

que devem estar preenchidas para que possa ser proferida uma decisão de mérito) ou se relevar

alguns dos pressupostos negativos (que se refiram às condições que não se podem verificar par

que seja admissível o proferimento da sentença de mérito), os pressupostos processuais não se

encontram preenchidos. Estas exceções são as que impedem o conhecimento de mérito da

causa ou a realização coativa da prestação, e que conduzem à absolvição do réu da instância ou

remessa do processo para o tribunal competente (artigo 576.º CPC).

Exceções perentórias: consistem na verificação de um facto impeditivo, modificativo ou

extintivo do direito invocado pelo autor, e conduzem à absolvição, total ou parcial, do pedido.

Possuem um fundamento e determinam uma decisão de mérito absolutória.

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Apreciação genérica dos pressupostos processuais: o momento para apreciar os pressupostos

é o despacho (artigos 591.º e 595.º CPC) ou sentença final (artigo 608.º CPC). A generalidade das

exceções dilatórias determinam a absolvição do réu da instância (artigo 576.º e 278.º CPC).

Apreciação prévia dos pressupostos processuais: os pressupostos devem ser apreciados antes

do julgamento do mérito da causa. Para valorar a imposição da apreciação prévia dos

pressupostos processuais, têm de se considerar duas situações:

1. O tribunal, quando conclui pela falta de um pressuposto processual, ainda não pode

proferir qualquer decisão sobre o mérito da causa;

2. Quando o tribunal, no próprio momento em que aprecia a falta de um pressuposto

processual, está em condições de julgar a ação procedente ou improcedente;

O critério a definir a necessidade da apreciação prévia dos pressupostos processuais encontra-se

no artigo 278.º CPC.

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§2.º - Formas de processo4:

Processo comum e processo especial: a definição dos atos essenciais da sequência

processual, mediante a sua identificação e caracterização, é feita pela lei, embora o juiz

deva fazer as adaptações que as especificidades da causa aconselhem, quando a

definição legal abstrata dos atos da sequência a elas não se adequem. Não há um

modelo legal único de processo civil, mesmo considerando apenas a ação declarativa.

Quer esta, quer a ação executiva, podem, em casos expressamente designados na lei

(artigo 546.º, n.2º CPC), normalmente em função do tipo de pretensão deduzido pelo

autor, dar lugar a formas de processo especiais, isto é, a sequências ordenadas de atos

especificamente predispostas para de fazer valer esse tipo de pretensão. No Código de

Processo Civil, tratam de vários processos (contenciosos) especiais os artigos 878.º e

seguintes CPC. Não havendo lugar a processo especial, emprega-se o processo comum

(artigo 546.º, n.º2 CPC), cuja forma é única. Na base da opção do novo Código pela

unidade da forma comum está a ideia de que a matriz processual legal se apresenta já

muito simplificada, mormente na fase dos articulados, na condensação e na da discussão

e julgamento. Se essa matriz não se adequar às especificidades da causa, ao juiz caberá

fazer as adaptações que se imponham, usado o meio da adequação formal (artigo 547.º

CPC), isto é, tornando a forma processual mais complexa ou mais simples, ou apenas

diversa, consoante essas especificidades concretas. A adequação formal é

particularmente recomendada ao juiz quando a ação não tem valor superior a metade

da alçada da Relação (artigo 597.º CPC).

Alçada do tribunal: entende-se por alçada um valor, fixado pela lei de orgânica judiciária,

até ao qua um tribunal de instância julga definitivamente as causas da sua competência.

O conceito de alçada interessa, pois, antes de mais, aos recursos: a decisão proferida em

causa de valor contido na alçada do tribunal que a profere não é, em regra, suscetível de

recurso ordinário, ao passo que a proferida em causa de valor superior a essa alçada é-

o em regra, desde que seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade

da mesma alçada (artigo 629.º, n.º1 CPC). Mas a alçada tem outras funções, entre as quais

a de distribuir a competência do tribunal de comarca entre as secções cíveis da sua

instância central (valor superior à alçada da Relação: artigo 117.º LOSJ) e as secções de

competência genérica cível das suas instâncias locais, bem como a de determinar a

aplicação do disposto no artigo 597.º CPC. Estritamente dependentes do valor da moeda

e por isso sucessivamente alteradas pelas leis de organização judiciária a alçada do

tribunal de comarca é hoje de 5000€ e a do tribunal da Relação de 30000€ (artigo 44.º,

n.º LOSJ).

Valor da causa: o valor da causa, monetariamente expresso, representa a utilidade

económica do pedido (artigo 296.º, n.º1 CPC). Quando o pedido tem por objeto uma

quantia pecuniária líquida (quantia certa em dinheiro), a determinação está in re ipsa,

constituindo essa quantia a utilidade tida em vista por quem o deduz,

4 Freitas, José Lebre de; A Ação Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013; 3.ª edição; Coimbra Editora, setembro 2013, Coimbra.

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independentemente de ser pedida a condenação no seu pagamento, a simples

apreciação da existência do direito a essa quantia ou a sua realização em ação executiva;

nos outros casos há que encontrar o equivalente pecuniário correspondente à utilidade

visada (beneficio) (artigo 297.º, n.º1 CPC). Este critério geral é concretizado e adaptado

nos artigos 298.º e 300.º a 302.º CPC, que consagram critérios especiais, determinados

pelo tipo de pedido formulado, respetivamente para a ação de despejo, a ação referente

a contrato de locação financeira, a ação de alimentos definitivos e de contribuição para

despesas domésticas, a ação de prestação de contas, a ação em que sejam pedidas

prestações vencidas e vincendas, a ação de apreciação da existência, validade,

cumprimento, modificação ou resolução dum negócio ou outro ato jurídico, a ação de

propriedade ou outro direito real de gozo e a ação de divisão de coisa comum. Para a

fixação do valor, atende-se ao momento em que o pedido é deduzido (artigo 299.º, n.º1

e 2 CPC), sem prejuízo de o valor inicial vir a ser corrigido nos processos em que a

utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, como é o caso dos

de liquidação de patrimónios (artigo 299.º, n.º4 CPC). Sujeitas a uma norma específica

estão as ações cujo objeto não versa sobre valores patrimoniais, isto é, as ações de

estado e as relativas a interesses imateriais. Não podendo, para os efeitos decorrentes

do valor da causa, deixar de ter um valor; este é atribuído de modo a que seja sempre

garantido o direito ao recurso: o valor é o equivalente à alçada da Relação mais um

cêntimo (artigo 303.º, n.º1 CPC).

Regime subsidiário: as normas que disciplinam o processo comum de declaração têm,

além do seu âmbito de aplicação direto, o âmbito de aplicação indireta definido pelo

artigo 549.º CPC: na falta de disciplina específica de um processo especial, aplicam-se as

normas estabelecidas para o processo comum (n.º1), ressalvando o estabelecido no n.º2

quanto à venda de bens. Aplicam-se, além disso, obviamente, em qualquer forma do

processo, as disposições gerais do Código (artigos 1.º a 545.º CPC). O estudo das formas

de processo da ação declarativa é, pois, sobretudo, o estudo das normas que disciplinam

o processo comum de declaração.

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Introdução 5 : agrupamos estes princípios destacando, em primeiro lugar, os princípios

constitucionais, isto é, aqueles que dimanam do direito à jurisdição consagrado no artigo 30.º

CRP, salientando que constituem direitos fundamentais do cidadão e que são comuns a todos os

ramos de Direito Processual. Num segundo grupo, estão os princípios gerais do Direito Processual

Civil. Dentro deles, realçamos os princípios gerai estruturantes do Processo Civil, ou seja, aqueles

que constituem os pilares deste ramo do Direito Processual, iluminado e concretizando as opções

legislativas respeitantes ao modelo adotado, sobretudo no que respeita à função do processo e

à repartição de tarefas entre os sujeitos processuais. Nesta perspetiva, tais princípios apenas

relevam diretamente no âmbito particular do Processo Civil. Finalmente, e ainda dentro dos

princípios gerais de Direito Processual Civil, reunimos princípios que protejam a respetiva

influência prioritariamente em diferentes atividades, aspetos, momentos ou fases processuais.

Estes princípios poderão ter aplicação no contexto de outros ramos do Direito Processual, na

medida em que se harmonizem com a atividade e a função neles prosseguida.

3. Princípios constitucionais do Direito Processual Civil

a. O Direito à jurisdição como direito fundamental: o direito à jurisdição é estruturante do

Estado de Direito Democrático e imprescindível à defesa dos direitos dos cidadãos. As

ordens constitucionais reconhecem o direito de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional

efetiva no plano dos direitos, liberdades e garantias. O artigo 20.º, n.º1 CRP consagra o

direito fundamental à jurisdição. Por força do artigo 16.º, n.º2 CRP, este preceito

constitucional deve ser interpretado e integrado de harmonia com o artigo 1.º da

Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), segundo a qual todas as pessoas

têm direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja examinada, equitativa e

publicamente, por um tribunal independente e imparcial, que decidirá sobre os seus

direitos e obrigações. A estas exigências, o artigo 20.º, n.º4 CRP adita o direito a que

qualquer causa seja objeto de decisão num prazo razoável, e o artigo 6.º, n.º1 da

Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) exige que o tribunal seja criado por

lei (proibindo, assim, os tribunais de exceção). A ideia de que o Estado deve assegurar o

direito de acesso aos tribunais radica, ela própria, no princípio do monopólio estadual da

administração da Justiça e, consequentemente, na proibição de recurso a meios privados

de justiça. Como direito fundamental, o direito à jurisdição confere a cada cidadão uma

posição jurídica subjetiva cuja tutela pode ser exigida diretamente nos tribunais nas

relações entre os particulares, nos termos do regime constitucional aplicável a esta

categoria de direitos (artigo 18.º, n.º1 CRP).

i. Função normogénica do direito à jurisdição: numa outra perspetiva, o direito à

jurisdição pode ser encarado como um princípio constitucional que desempenha uma

função normogénica em relação ao sistema de administração da Justiça. Com efeito é

certo que a tutela do direito à jurisdição tem de se manifestar igualmente no plano da

conformação das normas jurídicas processuais, vinculando o legislador ordinário,

também não pode deixar de se afirmar como princípio que enforma toda a atividade

concreta dos órgãos que realizam a composição de conflitos, podendo até levar à

rejeição de soluções consagradas na lei ordinária que lesem aquele direito. Atendendo

à função que assinalámos às normas de Direito Processual Civil – a regulação da

5 Xavier, Rita Lobo; Folhadela, Inês; Castro, Gonçalo Andrade e; Elementos de Direito Processual Civil; Universidade Católica Editora • Porto; Porto, 2014.

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atividade de heterocomposição do conflito de interesses traduzido no pedido e de

realização do Direito material através da tutela das situações jurídicas substantivas –,

a perspetiva que mais nos interessa adotar na abordagem do direito à jurisdição é a

normogénica. Deste ponto de vista, o direito à jurisdição pode concretizar-se e

analisar-se em diferentes princípios constitucionais que, para além de estarem a

génese de diversas soluções consagradas na legislação processual, vinculam o

exercício concreto de toda a atividade de heterocomposição de conflitos. No estudo

dos princípios constitucionais do Direito Processual Civil procurar-se-á estabelecer a

relação entre o seu conteúdo e as soluções constantes da lei processual que neles

encontram a sua respetiva fundamentação.

ii. Os princípios constitucionais do Processo Civil e a sua concretização na lei processual:

a) O direito de acesso aos tribunais: o direito de acesso aos tribunais desdobra-se

no direito de ação, no direito de defesa e no princípio da proibição da denegação

de Justiça por insuficiência de meios económicos.

(a) Direito de ação: a todos os cidadãos é garantido o direito de utilizar o meio

processual adequado à resolução dos conflitos de interesses que lhes digam

respeito e que, para tanto, lhes seja disponibilizado pelo sistema de

administração da justiça. Trata-se de um direito de exercer perante os órgãos

de administração da Justiça, que é irrenunciável. Este direito garante ainda ao

autor que a simples afirmação de que a situação jurídica existe é suficiente

para a instauração do processo, com o consequente direito de a obter uma

decisão conforme o Direito. Tal implica que a propositura de uma ação não

depende da verificação de qualquer requisito adicional ao cumprimento dos

requisitos (mínimos) estatuídos na lei processual, razão pela qual a atividade

jurisdicional só é evitada nos casos em que a secretaria do tribunal tem a

possibilidade de recusar a petição inicial, porque esta não cumpre aqueles

requisitos mínimos (artigo 558.º CPC). No entanto, saliente-se que a

secretaria não tem poderes de controlo ou de decisão quanto à situação

jurídica afirmada pelo autor (ou quanto à situação negada pelo autor, no caso

das ações de simples apreciação negativa). A secretaria realiza apenas um

controlo de natureza estritamente formal que, como resulta do preceito,

somente diz respeito a requisitos externos da própria petição inicial. O

legislador processual permite, aliás, que o Autor reclame da recusa da

secretaria em receber a petição inicial para o juiz que preside ao ato de

distribuição (artigo 559.º CPC). Cremos que esta recusa opera mesmo no caso

de receção eletrónica da petição, que é, como vimos, a regra para a prática

de atos processuais (artigo 132.º CPC). O direito de ação aparece

normalmente associado à titularidade de um direito ou interesse próprio

(individual) de quem o exerce, ou seja, do autor6. Mas tal é dispensado no

caso do exercício do direito de ação popular relacionada com os interesses

coletivos e difusos (artigos 52.º, n.º3 CRP, artigo 1.º Lei n.º 83/95, e artigo 31.º

CPC). Nestes casos o direito de ação é reconhecido a pessoas singulares ou a

6 Note-se que o direito de ação é um direito de cariz processual que não se confunde com a situação jurídica controvertida para que o autor solicita a tutela judiciária e que pretende fazer valer no processo. É que o autor tem o direito de recorrer aos tribunais (direito de ação), mas isso não significa que ele seja a o titular da relação jurídica substantiva, podendo haver ou não uma coincidência entre um e outro.

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associações, fundações e ao próprio Ministério Público, que possuem uma

legitimidade originária específica (artigo 31.º CPC).

(b) Direito de defesa: poder-se-á dizer que o direito de defesa é o reverso do

direito de ação, na medida em que se reporta ao réu em face do direito de

ação que contra ele é exercido pelo autor. No entanto, para que o direito de

defesa seja efetivo, não basta reconhecer ao réu a possibilidade de e defender

perante a ação proposta pelo autor. É ainda necessário que:

O réu tenha consentimento efetivo do processo instaurado: a lei processual

consagra diversas exigências quanto ao ato pelo qual se chama, pela

primeira vez, o réu ao processo, com vista a dar-lhe a conhecer a pretensão

que contra ele foi formulada e convidá-lo, querendo, a defender-se7. Este

ato, que se chama citação (artigo 219.º CPC), deve obedecer aos requisitos

plasmados no artigo 227.º CPC, e a sua inobservância dará origem à

nulidade do ato de citação, arguível no prazo da contestação (artigo 191.º

CPC). No caso de o réu não intervir no processo, a nulidade é, ainda,

arguível no prazo da contestação (artigo 191.º CPC). No caso de o réu não

intervir no processo, a nulidade é, ainda, arguível em recurso de revisão

(artigo 696.º, alínea e) CPC) ou em oposição à execução baseada em

sentença (artigo 814.º, alínea d) CPC). Por outro lado, sendo a citação um

ato recetício, privilegiam-se as modalidades de citação pessoal e quase

pessoal (artigo 225.º, n.º 1, a 5 CPC). A necessidade de dar conhecimento

ao réu da existência do processo logo no seu início encontra uma exceção

na dispensa de audição prévia do requerido nos procedimentos cautelares,

quando esta audição possa pôr em risco sério o fim ou a eficácia da

providência a decretar (artigo 366.º, n.º1 CPC). No entanto, nesta situação,

o direito de defesa não é postergado, sendo apenas diferido para

momento ulterior (artigo 372.º CPC). Em sentido estrito, só a citação

pessoa do réu nos garante o cumprimento da exigência de conhecimento

efetivo do processo. Na verdade, no caso de citação quase-pessoal (artigos

225.º, n.º4 e 228.º, n.º 2, 3 e 4 CPC) e de citação edital (artigo 225.º, n.º6

CPC) a certeza do conhecimento efetivo é substituída por uma presunção

de conhecimento.

Seja concedido ao réu um prazo suficientemente amplo para apresentar a

sua defesa: a lei processual estabelece um prazo para apresentação da

defesa que, em regra, é de 30 dias (o previsto nos termos do artigo 569.º,

n.º1 CPC para o processo declaratório comum), salvo os casos em que as

disposições dos processos especiais determinem prazo diferente (artigos

907.º, n.º1, 969.º, n.º1 e 981.º CPC). A preocupação em assegurar um

prazo que permita ao réu organizar a sua defesa vai ainda mais longe. Nos

termos dos n.º 4 e 5, do artigo 569.º CPC, o prazo de contestação pode ser

7 Do ponto de vista dos seus efeitos, a petição inicial é um ato postulativo – i.e. um ato através do qual é solicitada uma decisão do tribunal e que só produz os seus efeitos mediante essa decisão – e não um ato constitutivo – quer dizer, um ato que produza imediatamente os seus efeitos, independentemente de uma decisão do tribunal. Trata-se, de outro aspeto, de um ato recetício – i.e. de um ato que só produz os seus efeitos quando se torna conhecido do destinatário. Ao contrário dos atos constitutivos, os atos postulativos das partes são livremente modificáveis enquanto não chegaram ao conhecimento do seu destinatário e livremente revogáveis enquanto não constituírem uma situação favorável para a contraparte, ou seja, enquanto esta última os não tiver contestado (artigo 296.º, n.º2 CPC).

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prorrogado a pedido do réu (com o limite máximo de mais de 30 dias), no

caso de ocorrer motivo ponderoso que impeça ou dificulte anormalmente

ao réu ao seu mandatário judicial a organização da defesa (note-se que o

pedido de prorrogação deve ser apresentado no decurso do prazo inicial e

não suspende a respetiva contagem – artigo 569.º, n.º 6 CPC). Finalmente,

refira-se que a lei contempla dilações para algumas formas de citação

(artigo 245.º CPC), devendo, em tais situações, adicionar-se ao prazo

perentório para contestar um prazo dilatório, contando-se ambos os

prazos como um só (artigo 142.º CPC).

Seja moderada a rigidez das preclusões e cominações decorrentes da falta

de apresentação da defesa do réu: em abstrato, podem conceber-se dois

sistemas relativos à falta de apresentação de defesa por parte do réu. No

sistema da ficta confessio, o facto de o réu não contestar importará a

própria confissão do pedido com a consequente condenação do réu). No

sistema da ficta litis contestatio, decorrido o prazo para apresentar

contestação, fica precludido o direito de o réu contestar, mas sobre o

autor continua a incidir o ónus da prova dos factos que consubstanciam a

causa de pedir. No caso português, o artigo 567.º, n.º1 CPC estabelece,

para a hipótese de o réu se ter por regularmente citado na sua pessoa –

isto é, ter sido citado pessoal ou quase-pessoalmente –, a cominação de

se terem por provados os factos alegados na petição inicial (efeito

cominatório semipleno). Contudo, caberá ao tribunal, perante tais factos,

determinar se deles decorre a consequência jurídica pretendida pelo autor,

julgando a causa conforme for de direito (não se ficcionando, neste caso,

a confissão do pedido – artigo 567.º, n.º2 CPC). No caso de o réu ter sido

citado por edital, o autor não fica dispensado do ónus de provar os factos,

cabendo ao tribunal apreciar se os factos resultam provados e se

determinam ou não, por aplicação do Direito, a procedência do pedido

formulado (artigo 568.º, alínea b) CPC). É ainda de salientar que tal efeito

da revelia conhece outras exceções, já que não se produz em todos os

casos expressamente referidos no artigo 568.º CPC.

(c) Princípio da independência e imparcialidade dos tribunais: o poder

jurisdicional é um dos poderes do Estado e a separação dos demais poderes

está garantida pela independência e imparcialidade dos tribunais. A

independência dos tribunais é assegurada pela inamovibilidade e

irresponsabilidade dos juízes (artigo 216.º CRP), bem como pela própria

existência e funções do Conselho Superior de Magistratura (artigo s217.º e

218.º CPC). A imparcialidade dos tribunais é assegurada pela dedicação

exclusiva dos magistrados (artigo 216.º CRP) e pelo sistema de

impedimentos, escusas e suspeições consagrado no Código de Processo Civil

(artigos 115.º e seguintes).

(d) Direito ao contraditório: este direito não se confunde com o direito de

defesa uma vez que assiste a ambas as partes – autor e réu. Trata-se de

assegurar a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o

processo, permitindo-lhes, em condições de plena igualdade material, influir

em todos os seus aspetos (alegação dos factos, proposição e produção da

prova e discussão das questões de direito). O princípio do contraditório

reflete-se:

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No plano da alegação dos factos: os factos alegados por uma parte

devem poder ser contraditados pela outra parte, o que explica a

existência dos sucessivos articulados. O direito ao contraditório justifica

que a parte possa ainda responder a exceções no início da audiência

prévio ou da audiência final (artigo 3.º, n.º4 CPC);

No plano da proposição e da produção da prova: as partes têm ao seu

dispor meios de prova das afirmações sobre os factos que alegaram. As

provas podem ser produzidas no processo (provas constituendas) ou

serem pré-constituídas (meios de prova que são juntos ao processo). O

princípio do contraditório pressupõe nesta sede o tratamento igual das

partes.

No plano da discussão das questões de direito: nos termos do artigo

604.º, n.º1, alínea e) CPC, antes de proferida a sentença, é facultada às

partes a possibilidade de discutirem os fundamentos de direito. Este

contraditório no plano do direito está, também, acautelado nos

recursos (artigo 638.º, n.º5 CPC).

(e) Princípio da igualdade de armas (de igualdade de meios processuais): este

princípio é uma manifestação do princípio da igualdade das partes (paridade

simétrica) perante o tribunal (artigo 4.º CPC). Ao longo de todo o processo

deve haver um equilíbrio quanto aos meios processuais de que cada parte

dispõe para apresentar e fazer vingar os seus pontos de vista. Note-se,

contudo, que não se trata de uma mera identidade formal quanto a

faculdades, meios de defesa, ónus ou cominações. Do que se trata é de

assegurar uma igualdade substancial entre as partes. No atual CPC ainda

sobrevive uma desigualdade entre as partes, quando uma delas é o

Ministério Público (artigo 632.º, n.º4).

(f) Princípio da fundamentação da decisão: o dever de fundamentação das

decisões decorre para o tribunal do artigo 205.º CRP. Este dever assegura

aos destinatários das decisões o conhecimento das razões de facto e de

direito que levaram o juiz a proferi-las, reconstituindo o iter congnoscitivo

do julgador que, com esta exigência, tende a ser melhor estruturado e

ponderado. O dever de fundamentação não se manifesta apenas no

momento da emissão da sentença, mas ao longo de todo o processo,

nomeadamente na prolação de despachos interlocutórios que não revistam

a natureza de despacho de mero expediente (v.g. o despacho que designa o

dia para realização da audiência final) (artigo 154.º CPC). Em regra, a

fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos

alegados por cada uma das partes (artigo 154.º, n.º2 CPC). O dever de

fundamentação da sentença abrange o dever de o juiz discriminar os factos

que considera provados, após ter procedido à análise crítica das provas,

devendo especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua

convicção, tendo em consideração todos os factos e o respetivo valor

provatório, e devendo compatibilizar toda a matéria de facto (artigo 607.º,

n.º3, 1.ª parte e 4.º CPC) O juiz deve ainda indicar e interpretar as normas e

princípios jurídicos que a decisão realiza no caso concreto (artigo 607.º, n.º3

CPC). A violação deste dever de fundamentação poderá ser causa de

nulidade da sentença (artigo 615.º, n.º1, alínea b) CPC) e determinar a baixa

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do processo à 1.ª instância para efeito de obter tal fundamentação (artigo

662.º, n.º2, alínea d) CPC).

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4. Princípios gerais do Direito Processual Civil:

a. Princípios fundamentais:

i. Princípios estruturantes do Direito Processual Civil: a lei processual recorre

abundantemente à formulação de princípios gerais. A adequada articulação e a

compreensão de todos estes princípios é fundamental nas tarefas de interpretação e

integração das normas processuais, uma vez que são critérios orientadores da busca

das soluções mais adequadas para a atuação dos sujeitos processuais e para a própria

sequência dos atos processuais nos casos concretos. Os princípios estruturantes

exprimem os valores normativos enformadores do sistema e conferem-lhe a sua

fisionomia particular no plano da articulação entre a atividade das partes e os

poderes-deveres do juiz. É destes princípios que resulta a unidade de sentido das

normas constantes do Código de Processo Civil e da legislação avulsa. No CPC de 2013,

os princípios gerais do processo civil ganham uma importância acrescida em face do

reforço dos poderes-deveres do juiz, designadamente no que diz respeito ao exercício

do poder-dever de gestão processual (artigo 6.º, n.º1 CPC). Como veremos, o exercício

destes poderes-deveres pressupõe um modelo de relação processual e um perfil de

juiz colaborante e pró ativo. O exercício destes poderes-deveres está vinculado aos

princípios que enformam o processo civil, desde logo, ao princípio do contraditório. E,

na verdade, a forma processual mínima é, em si mesma, uma garantia: a forma legal

processual (sequência de atos) visa assegurar a justa composição do litígio, no

respeito pelos direitos das partes. Tendo como referência principal o processo

declaratório, é possível afirmar que o nosso sistema processual é hoje o resultado da

combinação de uma conceção publicista do processo, que se manifesta sobretudo na

relevância que o princípio do inquisitório (em sentido amplo) assume no atual CPC,

com uma conceção privatística do processo – patente na consagração do ónus do

impulso processual e da alegação das partes (princípio dispositivo em sentido amplo

e princípio da autorresponsabilidade das partes). A articulação entre a atividade das

partes e os poderes-deveres do juiz é reforçada e complementada pelo princípio da

cooperação com vista à justa composição do litígio. O princípio do contraditório e o

princípio da igualdade de armas, emanações do direito constitucional à jurisdição,

desempenham uma importante função ao longo de todo o processo, permitindo a

cada parte o controlo da atividade desenvolvida pela outra e impondo-se ao próprio

tribunal, incumbido de verificar a possibilidade da sua realização. No CPC de 2013, o

princípio inquisitório (em sentido amplo) invadiu uma área nova, no plano da

conformação do objeto do processo, aparentemente à custa de uma compressão

daquele princípio no plano da alegação dos factos. Consagrou-se uma nova forma de

articulação entre a atividade das partes e do juiz na formação do material fático a ter

em consideração na sentença. Na verdade, assegura-se às partes que todos os factos

relevantes poderão ser articulados ao longo de toda a tramitação, não existindo

propriamente um momento processual para a sua alegação, fora do caso da situação

da petição inepta (uma vez que continua a exigir-se, obviamente, um mínimo de

determinação inicial do objeto do litígio, através do pedido e da causa de pedir,

integrada pelos factos essenciais).

a) Princípio do inquisitório (em sentido amplo): o princípio do inquisitório (em

sentido amplo) encontra na atual lei processual um amplo acolhimento, quer no

âmbito do poder-dever de gestão processual, quer no campo da instrução

(princípio do inquisitório em sentido restrito).

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Poder-dever de gestão processual: o n.º1 do artigo 6.º CPC atribui ao juiz,

sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes,

o poder-dever de

«dirigir ativamente o processo, de providenciar pelo seu

andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências

necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o

que for impertinente ou meramente dilatório e adotando,

depois de ouvir as partes, mecanismos de simplificação e

agilização processual que garantam a justa composição do

litígio em prazo razoável».

No exercício do poder-dever de gestão processual deve o juiz orientar-se

sempre pelo fim último que o legislador pretendeu obter com sua a

consagração: a realização da função do processo, isto é, a prolação de uma

decisão de mérito, justa (porque realiza o Direito substantivo de acordo com

a verdade material), obtida de modo eficiente e rápido. O poder dever de

gestão processual desdobra-se em:

(i) Poder-dever de direção do processo: o artigo 6.º atribui-se ao juiz o

poder-dever de direção do processo nos seus aspetos técnicos e de

estrutura interna, que inclui:

a. O poder-dever de assegurar a regularidade da instância e o seu

normal andamento;

b. O poder-dever de providenciar oficiosamente pela sanação da

falta de pressupostos processuais, ou, no caso de esta

depender de atos das partes, de convidar estas ao seu

suprimento, evitando deste modo as situações em que, nos

termos do artigo 590.º, n.º1 CPC seria admissível o

indeferimento liminar da petição inicial 8 . Há, ainda, que

salientar que, nos termos do artigo 590.º, n.º2, alínea a) CPC,

uma das finalidades do despacho pré-saneador será,

precisamente, a de providenciar pelo suprimento das exceções

dilatórias.

(ii) Poder-dever de adequação formal: o poder-dever do juiz adotar

mecanismos de simplificação e agilização processual, reconhecido

no artigo 6.º, n.º1 CPC, é reforçado no artigo 547.º CPC. Ao juiz é

conferido o poder-dever de adotar a tramitação processual às

especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos

processuais, assegurando, dessa forma, um processo equitativo.

Esta adequação formal visa a simplificação e a agilização processual,

pelo que está estritamente relacionada com o direito a uma decisão

8 "Acto do juiz pelo qual se rejeita a petição ou requerimento inicial, em função da manifesta inviabilidade da acção [em sentido lato], de erro na forma do processo, da caducidade do direito à acção, da incompetência absoluta do tribunal, da falta de personalidade, capacidade ou legitimidade [singular] das partes, determinante da extinção ou absolvição da instância." Para o que nos importa, basta reter isto: o despacho de indeferimento liminar é proferido nos casos previstos no art. 590.º/1 (cf. 226.º/4): manifesta improcedência do pedido; verificação de excepções dilatórias insupríveis e de conhecimento oficioso.

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em prazo razoável, razão pela qual a lei processual procura adequar

o prazo para a prática dos atos processuais à maior ou menor

complexidade do processo. A simplicidade dos atos está

expressamente consignada no n.º1 do artigo 131.º CPC, de acordo

com o qual os atos processuais terão a forma mais simples e

adequada ao fim que visam.

b) Princípio do inquisitório em sentido restrito: este princípio está consignado no

artigo 411.º CPC e aponta para uma conceção do processo em que a investigação

da verdade material é também da responsabilidade do juiz, constituindo, dessa

forma, uma compressão do princípio do dispositivo. Assim, a lei processual

atribui ao juiz poderes em matéria de iniciativa da prova quanto aos factos que

lhe é lícito conhecer. Daí que o juiz possa oficiosamente ordenar a realização de

provas apesar de impender sobre as partes um ónus de iniciativa da prova.

Sublinhe-se, no entanto, que os poderes de iniciativa do juiz restringem-se «aos

factos que lhe é lícito conhecer» (artigo 411.º CPC), e que, nos termos do artigo

5.º, delimitam o âmbito dos poderes de cognição do tribunal

c) Princípio do dispositivo (em sentido amplo) e princípio da autorresponsabilidade

das partes: o princípio do dispositivo pode ser entendido num sentido mais lato

(o princípio do dispositivo propriamente dito), que se traduz na liberdade de

decisão sobre a instauração do processo e sobre a conformação do seu objeto,

bem como, embora com limitações, sobre o termo e suspensão do mesmo. Num

sentido mais restrito, designa-se por princípio da controvérsia, que manifesta a

responsabilidade das partes pelo material fático da causa, abrangendo a

liberdade de as partes alegarem os factos destinados a constituir o fundamento

da decisão, a liberdade de as partes acordarem sobre a existência de certos

factos ou de os darem por assentes e a iniciativa das partes quanto à prova dos

factos que forem controvertidos. O princípio do dispositivo reflete no Direito

Processual Civil o princípio da autonomia privada que domina o Direito Privado.

Numa conceção puramente privatística do processo, as partes teriam o direito

de dispor do processo em termos equivalentes àqueles sem que lhes é lícito

dispor da relação jurídica material. O processo seria um duelo entre as partes que

somente teria de obedecer a algumas regras, assumindo o juiz a função de árbitro.

Desde 1995 que a lei processual portuguesa vinha seguindo a tendência para

introduzir restrições ao princípio do dispositivo, reconhecendo uma função mais

interventiva ao juiz, nomeadamente com vista ao apuramento da verdade

material e à justa do litígio. Esta tendência culminou no atual Código do Processo

Civil em que se verificou uma forte compreensão do princípio do dispositivo

sobretudo no que toca ao plano da alegação dos factos (artigo 5.º, n.º2 CPC).

Correlativamente, verificou-se um reforço do princípio do inquisitório no plano

da instrução (artigo 411.º CPC). Sobre o juiz, impende o poder-dever de, uma vez

determinado o objeto do litígio (artigo 596.º, n.º1 CPC), ir em busca da verdade

material, apreendendo não só todos os factos instrumentais que brotem da

instrução – artigo 5.º, n.º2, alínea a) CPC –, os factos notórios – artigo 412.º, n.º1

CPC – e os factos de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas

funções – artigo 412.º, n.º1 CPC –, mas também «os factos que sejam

complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da

instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se

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pronunciar» (artigo 5.º, n.º2, alínea b) CPC). O princípio do dispositivo está

consagrado no plano:

(a) Da iniciativa inicial: segundo o artigo 3.º, n.º1 CPC, é ao autor que cabe dar

o impulso processual inicial;

(b) Da conformação da instância: nos termos do artigo 259.º, n.º1 CPC a

instância constitui-se com a propositura da ação, mas é com a citação do réu

que a instância se torna estável (artigo 260.º CPC) quanto às partes, pedido

e causa de pedir. É ao autor que cumpre formular o pedido contra o réu e

indicar a causa de pedir. O objeto da causa é assim, em regra, o que resulta

da causa de pedir configurada pelo autor da petição inicial. Contudo, esta

pode ser ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo

autor (artigo 256.º, n.º1 CPC) e alterada ou ampliada em consequência de

confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (artigo 265.º, n.º1 CPC) e alterada

ou ampliada, por acordo das partes, em qualquer momento do processo,

em 1.ª ou 2.ª instância (artigo 264.º CPC). No que diz respeito ao pedido,

este pode ser reduzido por qualquer das partes em qualquer altura

(desistência parcial: artigo 283.º, n.º1 CPC) ou ampliado até ao

encerramento da discussão da matéria de facto em 1.ª instância, quando a

ampliação for desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo (artigo

265.º, n.º2 CPC). Na sentença, o juiz tem de ter em consideração o objeto

do processo assim definido pelas partes, não podendo condenar em

quantidade superior ou em objeto diverso do que se pediu (artigo 609.º,

n.º1 CPC), sob pena de nulidade da mesma (artigo 665.º, n.º1, alínea e) CPC).

Quanto às partes, na pendência da ação, a sucessão mortis causa (artigos

351.º e seguintes CPC) ou a transmissão inter vivos do direito litigioso

(artigos 263.º e 356.º CPC) podem determinar modificações subjetivas da

instância. As modificações subjetivas da instância podem ainda resultar da

intervenção superveniente, espontânea ou provocada, de parte principal ou

acessória (artigos 320.º e seguintes CPC). Em caso algum o juiz tem o poder

de chamar o terceiro a intervir. O juiz pode apenas convidar a parte a

praticar os atos necessários à modificação subjetiva da instância quando

estes sejam necessários à regularização da mesma (artigo 6.º, n.º2 e 261.º,

n.º1 CPC).

(c) Da disponibilidade da instância: a partir da propositura da ação, caberá ao

juiz providenciar pelo andamento do processo, sem prejuízo do

cumprimento dos ónus que impendem sobre as partes (artigo 6.º, n,º1 CPC)

e de que dependa o prosseguimento do processo. Contudo, na pendência

da ação, as partes podem acordar na suspensão da instância (artigo 272.º,

n.º4 CPC, que, no entanto, impõe limites a esta faculdade na medida em que

a suspensão, na sua totalidade não pode exercer o período de três meses,

nem pode ser acordada quando dela resulte o adiamento da audiência final)

ou mesmo na sua extinção (artigo 277.º, alínea c) CPC). O termo da instância

pode ainda ser alcançado através da confissão, da transação e da desistência

do pedido, a que já se fer referência (artigos 283.º e seguintes CPC). No

entanto, estes negócios de autocomposição do litígio não constituem

verdadeiras manifestações da liberdade de disposição do processo, mas são

verdadeiros negócios processuais através dos quais as partes mantêm,

alteram ou criam as situações jurídicas objeto do processo. Tais negócios de

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autocomposição só são admissíveis na medida em que o direito substantivo

os permita (artigo 289.º CPC);

(d) Da responsabilidade pela formação da matéria de facto: de acordo com a

teoria da substanciação, consagrada pela nossa lei processual, incumbe às

partes alegar os factos essenciais da causa (artigo 5.º, n.º1 CPC), alegação

esta que é feita nos articulados (artigo 147.º, n.º1 CPC). Daqui decorre a

dependência do juiz em relação aos factos alegados pelas partes consignada

no artigo 5.º, n.º1 CPC. No entanto, este princípio está hoje, como já

referimos, fortemente mitigado pelo poder que o juiz tem de convidar as

partes a suprir insuficiências ou imprecisões na explosão dos factos (artigo

590.º, n.º4 CPC) e, também, pelo poder de considerar factos que

complementam ou concretizam os alegados nos articulados (artigo 5.º, n.º2

CPC), reforçando o objetivo de realização da função do processo de justa

composição do litígio de acordo com a verdade material e em tempo útil.

Mesmo nestes casos, porém, os factos são sempre trazidos ao processo

pelas partes e estão sujeitos ao princípio do contraditório. Há assim um ónus

de alegação que impende sobre cada uma das partes. O autor tem o ónus

de alegar os factos constitutivos do direito que se arroga. A omissão no

cumprimento desse ónus poderá conduzir à falta da causa de pedir, que

determinará a absolvição da instância, ou à deficiência da causa de pedir,

que determinará a absolvição do pedido por inconcludência. O réu tem o

ónus de alegar os factos constitutivos das exceções, sob pena de

procedência do pedido. Excecionais são as situações em que o tribunal pode

ter em consideração factos notórios e factos do conhecimento do tribunal

por virtude do exercício das suas funções (artigo 412.º CPC), bem como os

casos de simulação e fraude processual (artigo 612.º CPC), em que o juiz não

está limitado pelo princípio do dispositivo. Factos notórios são factos que

são de tal modo do conhecimento geral que não há razão para duvidar da

sua ocorrência e, como tal, não carecem de alegação, nem de prova; os

factos do conhecimento do tribunal por virtude do exercício das suas

funções não carecem de alegação, mas o juiz tem de juntar ao processo

documento que comprove o facto funcionalmente conhecido. É de salientar

que estas regras não se aplicam aos factos instrumentais que, por natureza,

não carecem de alegação e, por isso, são considerados na sentença (artigo

5.º, n.º2, alínea a) CPC). Essencialmente é que o conhecimento de tais factos

instrumentais resulte da instrução da causa;

(e) Do acordo sobre os factos: a possibilidade de as partes acordarem sobre os

factos é limitada, já que a sua admissão sem restrições equivaleria a admitir

o direito à mentira no processo. Todavia, tendo em conta a consequência

prevista no n.º2 do artigo 574.º CPC, para a não impugnação por parte do

réu de um facto alegado pelo autor, poderá dizer-se que a não impugnação

equivale à afirmação de que o facto é verdadeiro. Ao princípio do dispositivo

é inerente a autorresponsabilidade das partes: o autor e o réu são

responsáveis pelo processo e pela orientação que lhe imprimem em

execução da estratégia que delinearam, designadamente decidindo qual o

número de testemunhas e quais as testemunhas que pretendem apresentar,

se requerem ou não a produção de outros meios de prova, se se sujeitam

ou não aos ónus impostos pelo princípio da cooperação, com as

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consequências probatórias desfavoráveis que daí possam advir (artigos

417.º, n.º2 e 430.º CPC). Incumbe a cada uma das partes optar por sofrer as

consequências positivas decorrentes da prática dos atos processuais

impostos ou permitidos, ou por assumir as consequências negativas

(desvantagens ou perda de vantagens) decorrentes da omissão do ato que

a lei processual impõe.

d) Princípio da cooperação: a cooperação pode ser material, no sentido do

apuramento da verdade material sobre a matéria de facto, favorecendo, desse

modo, a emissão da adequada decisão de Direito (artigos 417.º e 7.º CPC). A

cooperação formal diz respeito a colaboração das partes no sentido de que a

decisão seja obtida num prazo razoável. Os artigos 7.º, n.º4, 151.º, n.º1 e 151.º,

n.º4, têm a ver com esta cooperação formal. Note-se, finalmente, que o artigo

417.º CPC reveste uma grande importância relativamente ao dever de as partes

colaborarem com vista à descoberta da verdade material, uma vez que a falta

injustificada de colaboração de uma das partes será livremente interpretada pelo

juiz para efeitos probatórios e poderá determinar a aplicação de multa. Para além

disso, o Código de Processo Civil consagra, no artigo 9.º, um dever processual de

(recíproca) correção das partes e dos juízes entre si, devendo as relações entre

estas pautar-se por especial dever de urbanidade e que implica o dever de as

partes se absterem de usar «expressões desnecessárias ou injustificadamente

ofensivas da honra ou do bom nome da outra, ou do respeito devido às

instituições» (artigo 9.º, n.º2 CPC).

ii. Princípio da boa fé processual: nos termos do artigo 8.º CPC impende sobre as partes

um dever geral de boa fé, cuja violação poderá consubstanciar litigância de má fé

(artigo 542.º CPC).

iii. Princípio do contraditório e princípio da igualdade das partes: estes princípios têm

consagração constitucional, como vimos. No entanto, eles encontram, igualmente,

expressão na lei processual civil que lhes faz especial referência nos artigo 3.º, n.º2 e

3 e 4.º, n.º4, e, em sede de prova, 415.º, o que manifesta a sua importância.

iv. Princípio da economia processual: este princípio aponta para que o resultado

processual deva ser atingido com a maior economia de meios – até para que, desse

modo, a Justiça possa ser célere – e para que se procure resolver no processo o maior

número de litígios. Constituem refrações deste princípio as seguintes soluções da lei

processual:

a) Os regimes do litisconsórcio, da cumulação de pedidos, do pedido subsidiário, da

ampliação do pedido e da causa de pedir, a reconvenção e dos incidentes de

intervenção de terceiros. Quanto à cumulação de pedidos, ela pode ser simples

quando o(s) mesmo(s) autor(es) deduz(em) contra o(s) mesmo(s) réu(s) mais do

que um pedido. A lei apenas exige que os pedidos sejam entre si compatíveis, sob

pena de se verificar ineptidão da petição inicial (artigo 555.º, n.º1 CPC). A

cumulação de pedidos pode ainda dar origem à coligação quando os pedidos

cumulados não são deduzidos por ou contra a mesma parte – singular ou plural

–, mas são deduzidos, discriminadamente, por ou contra partes distintas . Para

que a coligação seja admitida exige-se, além da compatibilidade dos pedidos

entre si, alguns dos tipos de conexão referidos no artigo 36.º CPC (mesma causa

de pedir, relação de prejudicabilidade ou dependência entre os pedidos;

identidade de factos essenciais integradores da causa de pedir; mesmas normas

legais ou cláusulas contratuais aplicáveis). O pedido subsidiário – que é distinto

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do pedido alternativo referido no artigo 553.º CPC – só será tomado em

consideração no caso de não proceder o pedido deduzido a título principal. Não

é exigida a compatibilidade substancial dos pedidos e é admissível quer entre as

mesmas partes (artigo 554.º CPC), quer, havendo fundada dúvida sobre o sujeito

da relação material controvertida, entre partes distintas em coligação (artigo 39.º

CPC). Tanto na cumulação de pedidos como no pedido subsidiário, a lei exige que

não se verifique a incompetência internacional ou incompetência interna em

razão da matéria ou da hierarquia para que possa ser conhecido qualquer dos

pedidos, e ainda a não correspondência aos pedidos de formas de processo

especialmente diversas (artigos 36.º, 554.º, n.º2 e 555.º, n.º1 CPC). No caso de

se verificar essa incompetência ou diferença processual, a petição inicial será

inepta, por força do n.º1 do artigo 186.º CPC. No que diz respeito à alteração ou

ampliação do pedido e da causa de pedir, a lei admite-as por acordo das partes

em qualquer altura, em 1.ª instância ou 2.ª instância, salvo se tal «perturbar

inconvenientemente a instrução, discussão ou julgamento do pleito» (artigo 264.º

CPC). Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em

consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor (artigo 265.º, n.º1

CPC); ou se estiverem em causa factos supervenientes, isto é, factos que tenham

ocorrido ou sido conhecidos depois da apresentação da petição inicial (artigo

588.º, n.º1 CPC). O autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da

discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a

consequência do pedido primitivo (artigo 265.º, n.º2 CPC). O pedido e a causa de

pedir podem ser modificados simultaneamente, por ampliação ou alteração,

como as limitações referidas desde que tal não implique convolação para relação

diversa da controvertida (artigo 256.º, n.º6 CPC). Nos termos do n.º1 do artigo

266.º CPC, a reconvenção consiste num pedido dirigido pelo réu contra o autor,

sujeito aos mesmos requisitos de compatibilidade processual referidos no artigo

37.º CPC, sendo apenas admissível:

Quando o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento à

ação ou à defesa (aqui a reconvenção fundamenta-se na mesma causa de

pedir que o pedido do autor ou nos factos em que o próprio réu funda uma

exceção perentória ou com os quais indiretamente impugna os alegados na

petição inicial);

Quando o réu pretende tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas

relativas à coisa cuja entrega é pedida pelo autor;

Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a

compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado

exerce o do autor.

A intervenção de terceiros provoca sempre uma modificação subjetiva da

instância (artigo 262.º, alínea b) CPC). Tal incidente permite que se constituam

como partes pessoas jurídicas que inicialmente não estavam no processo.

b) A faculdade reconhecida ao juiz de adequar a tramitação processual às

especificidades da causa (artigos 547.º e 37.º CPC), a proibição da prática de atos

processuais inúteis (artigos 130.º e3 542.º, n.º2, alínea d) CPC) e a redução da

forma dos atos úteis à sua expressão mais simples (artigo 131.º CPC).

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c) A possibilidade de a parte, que usa o processo de forma dilatória, ser condenada,

nos termos do artigo 542.º e seguintes CPC, como litigante de má fé, em multa e

indemnização a atribuir à parte contrária.

d) O poder do juiz, nos termos do artigo 531.º CPC, «por decisão fundamentada (…)

excecionalmente aplica[r] uma taxa sancionatória quando a ação, oposição,

requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente

improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida».

b. Princípios relativos à audiência final:

i. Princípio da publicidade e da continuidade da audiência: a instrução e a discussão

devem ter lugar na mesma audiência – a audiência final – que é uma audiência pública

e contínua (artigo 606.º, n.º1 CPC), apenas podendo ser interrompida nos termos do

disposto no artigo 606.º, n.º2 CPC.

c. Princípios relativos à prática de atos processuais e prazos: a lei processual civil consagra

uma série de princípios relativos a prática de atos processuais e aos prazos. No que

concerne aos atos, a lei processual determina o princípio da limitação dos atos (sendo,

assim, ilícita a realização no processo de atos inúteis, o que, de resto, poderá

consubstanciar litigância de má fé – artigos 130.º e 542.º, n.º2, alínea d) CPC), o princípio

da simplicidade dos atos (devendo estes revestir a forma, mais simples, que melhor

responda ao fim que visam atingir – artigo 131.º CPC), o princípio da tramitação

eletrónica (artigo 132.º CPC e Portaria n.º 280/2013, 26/08) e o princípio da

obrigatoriedade de uso da língua portuguesa na prática dos atos (artigo 133.º CPC). No

que toca aos prazos processuais, a lei estabelece, em primeiro lugar, o princípio da

preclusão: significa que quando, ao longo do processo, a lei processual impõe o ónus,

preclusões ou cominações com referência aos atos que as partes, de acordo com a

tramitação, têm de praticar dentro de prazos perentórios, tais atos não poderão ser

praticados depois de decorrido o prazo que a lei prevê para o efeito. Em segundo lugar,

está consagrado o princípio da continuidade dos prazos, segundo o qual os prazos

estabelecidos na lei ou fixados pelo juiz são contínuos, apenas se suspendendo durante

as férias judiciais (artigo 138.º, n.º1 CPC). Esta regra tem como exceção os casos em que

o prazo tem duração igual ou superior a seis meses, ou em que estejamos perante um

processo de natureza urgente. No que diz respeito ao início da contagem do prazo, a lei

estabelece que nesta contagem não se inclui o dia (ou a hora, se o prazo for de horas) e

que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr (artigo 279.º, alínea a) CC,

aplicável ex vi artigo 196.º CC aos prazos processuais). No que diz respeito ao termo do

prazo, quando este terminar em dia que o tribunal estiver encerrado (sábado, domingo

e feriados), o mesmo transfere-se para o 1.º dia útil subsequente (artigo 138.º, n.º2 CPC),

considerando-se, ainda, os tribunais encerrados quando for concedida tolerância de

ponto (artigo 138.º, n.º3 CPC). Outras regras a ter em consideração em matéria de prazo:

i. Artigo 248.º CPC: a notificação feita pela secretaria do tribunal aos mandatários

presume-se efetuada no 3.º dia posterior ao da elaboração da notificação ou no 1.º

dia útil seguinte a esse quando o não seja;

ii. Artigo 255.º CPC: as notificações entre mandatários presumem-se feitas no terceiro

dia posterior ao da elaboração da notificação ou no 1.º dia útil seguinte a esse,

quando o não seja.

iii. Artigo 149.º CPC: em processo civil, o prazo supletivo é de 10 dias.

A lei estabelece duas diferentes modalidades do prazo. O prazo dilatório é aquele que difere

para momento posterior o início da contagem de um outro prazo (artigo 139.º, n.º 1 e 2 CPC). O

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prazo perentório é aquele que, uma vez decorrido, extingue o direito da parte de praticar o ato

(artigo 139.º, n.º1 e 3 CPC). Quando a um prazo dilatório se segue um outro perentório, ambos

se contam como um único prazo (artigo 142.º CPC), também se aplicando esta regra no caso de

cumulação de prazos dilatórios. Decorrido o prazo para a prática de um ato, este ainda poderá

ser praticado fora do prazo mediante pagamento de multa (o que, nos termos do artigo 139.º,

n.º5 e seguintes CPC, pode ocorrer nos três dias úteis posteriores ao termo do prazo) e em caso

de justo impedimento (artigos 139.º, n.º4 e 140.º CPC)

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Objeto da relação jurídica processual e o objeto do processo:

1. Objeto da relação jurídica processual: para a chamada Escola de Lisboa, objeto imediato

da relação jurídica seria o conjunto de direitos e vinculações de que os sujeitos são

titulares. Falamos, agora, do objeto da relação processual para referir o quid sobre que

incide a atividade desenvolvida pelas partes e pelo tribunal. O objeto da relação

processual é o pedido formulado em juízo, pedido a que o tribunal tem de dar uma

resposta. O autor não se limita a apresentar o conflito de interesses ao tribunal, mas que

deduz uma pretensão concreta: o pedido (artigo 3.º, n.º1 CPC). O tribunal tem (artigo 8.º,

n.º1 PCC) sempre de dar uma resposta á solicitação do autor, mesmo quando profere

uma decisão de absolvição da instância que, não sendo uma decisão de mérito, não

constitui uma resposta (positiva ou negativa) ao pedido formulado pelo autor. É o pedido

que origina a constituição da relação jurídica processual, que determina a espécie de

ação e a forma de processo adequada e, sobretudo, que determina a espécie de ação e

a forma de processo adequada e, sobretudo, que define o conteúdo da decisão do

tribunal (artigos 10.º, 552.º, n.º1, alínea e), 607.º, n.º1, 609.º, n.º1 e 615.º, n.º1, alínea e)

CPC).

2. Objeto do processo:

a. O pedido e a causa de pedir: o objeto do processo resulta da conjugação de dois

elementos: o pedido (petitum) e a causa de pedir (causa petendi). Pedido é o

efeito jurídico que se pretende obter com a ação (artigo 581.º, n.º3 CPC); causa

de pedir são os factos constitutivos do efeito jurídico que pretende fazer valer ao

solicitar a intervenção do tribunal. Decorre do artigo 581.º, n.º2 CPC que a causa

de pedir é/são os factos que servem de fundamento à pretensão. Na petição

inicial (artigo 552.º, n.º1, alínea d) CPC), o autor terá de expor

«os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de

direito que servem de fundamento à ação»,

Isto é, deverá fazer a indicação dos factos concretos constitutivos do direito. A

causa de pedir é o próprio facto jurídico genético do direito, o acontecimento

concreto que o autor deve narrar e que terá de corresponder a uma fattispécie

prevista por uma ou mais normas substantivas como geradora do efeito

pretendido. A afirmação da situação jurídica tem de se fundar em factos. Tais

factos integrarão, justamente com os factos alegados pelo réu para basear as

exceções que invoca e com os factos de conhecimento oficioso, a matéria de

facto sobre a qual o tribunal pode fundar a sua decisão, de acordo com o

princípio do dispositivo (artigo 5.º, n.º1 CPC). Tais factos conformam o objeto do

processo. Em princípio, o juiz deve resolver todas as questões que as partes

tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões

suscitadas pelas partes, sob pena de nulidade da sentença (artigos 608.º, n.º1 e

615.º, n.º1, alínea d) CPC). O conceito de objeto do processo, em regra,

circunscreve os seus efeitos, em termos de caso julgado, às partes processuais

(artigo 619.º, n.º1, 581.º, n.º1 e 621.º CPC).

b. Conformação do objeto do processo e ineptidão da petição inicial: a falta ou

ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, a contradição entre o pedido e

a causa de pedir ou a cumulação de pedidos ou de causas de pedir

substancialmente incompatíveis tornam a petição inicial inepta nos termos do

artigo 186.º, n.º1 e 2 CPC, com a ressalva do n.º3. Sobre o autor incide, assim,

um ónus de alegar os factos que integram a causa de pedir cuja omissão poderá

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implicar a nulidade da petição inicial e a consequente nulidade de todo o

processo, podendo igualmente, em casos menos graves, ocasionar a prolação de

despacho pré-saneador destinado a formular convite para suprimento das

irregularidades ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada (Artigo

590.º, n.º2, alínea b) e n.º4, e 591.º n.º1, alínea c) CPC). No limite, a manifesta

insuficiência dos factos alegados pelo autor como fundamento do direito que

invoca poderá determinar a absolvição da instância ou do pedido.

c. Despacho de identificação do objeto do litígio: ao despacho saneador que não

ponha termo ao processo deve seguir-se a prolação de um despacho em que o

juiz identifica o objeto do litígio e enuncia os temas da prova (artigo 596.º, n.º1

CPC). Este despacho cumpre uma função de condensação, pelo que o juiz deve

descrever, isto é, formular genericamente a questão controvertida (o thema

decidendum). Para esta descrição, constituem quadros de referência as questões

fundamentais controvertidas reportadas à causa de pedir e às exceções: a

identificação do objeto do litígio consiste assim na enunciação dos pedidos

deduzidos sobre os quais haja controvérsia. A causa de pedir são as afirmações

sobre os factos jurídicos que servem de fundamento à pretensão. A causa de

pedir exerce a função individualizadora do pedido para efeito da conformação

do processo, por isso o autor na petição inicial deve indicar os factos

constitutivos da situação jurídica que pretende fazer valer ou negar. O despacho

do artigo 596.º CPC supõe que o tribunal identifique as questões controvertidas

tendo em conta também as impugnações do réu e as exceções que este deduziu,

mas não deve integrar uma seleção de factos, pelo contrário. A identificação do

objeto de litígio representa a descrição da situação controvertida que deve ser

objeto da atividade do juiz que tem por fim a justa composição do litígio de

acordo com o Direito. A identificação do objeto do litígio é o resultado da

atividade que antes se designava por condensação e, juntamente com a

enunciação dos temas de prova que deve constar do mesmo despacho referido

no artigo 596.º CPC, é importante para a delimitação da atividade de instrução e

dos poderes de cognição do juiz.

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§3.º - Fases do processo comum9: os atos da sequência processual ordenam-se em

fases sucessivas, findas as quais pode precludir a possibilidade de praticar atos que, nelas

se integrando, não hajam sido praticados. São as seguintes as fases do processo comum

na ação declarativa em primeira instância e os atos que as integram:

Fase dos articulados: ao longo da qual as partes alegam a matéria de facto e de

direito relevante para a decisão e requerem os meios de prova (artigo 147.º, n.º1

CPC): petição inicial (artigo 552.º CPC), distribuição (artigos 203.º e 204.º CPC),

citação do réu (artigos 219.º, n.º1 e 225.º CPC), contestação (artigos 569.º, n.º1 e

571.º e 572.º CPC) e a sua notificação ao autor (artigo 220.º, n.º2 CPC);

eventualmente, a seguir, réplica (Artigo 584.º CPC); excecionalmente, despacho

judicial liminar após a apresentação da petição inicial, precedendo a citação

(artigos 226.º, n.º1 e 590.º, n.º1 CPC).

Fase da condensação: visando verificar e garantir a regularidade do processo,

identificar as questões de facto e de direito relevantes (com a possibilidade de

serem suprimidas as insuficiências e imprecisões na alegação da matéria de facto),

decidir o que possa já ser decidido, enunciar os temas da prova a efetuar

subsequentemente e preparar as diligências probatórias: despacho pré-saneador

(artigo 590.º, n.º2 a 6 CPC), notificação das partes para a audiência prévia (artigo

220.º, n.º1 CPC) e audiência prévia (Artigo 591.º CPC); não havendo lugar a esta,

despacho saneador autónomo (artigo 595.º CPC), despacho de identificação do

objeto do litígio e enumeração dos temas da prova (artigo 596.º, n.º1 CPC),

despacho a marcar a data da audiência final (artigo 593.º, n.º2, alínea d) CPC),

notificação desses despachos às partes (Artigo 593.º, n.º3 CPC), eventuais

reclamações e alterações dos requerimentos de prova (artigos 593.º, n.º3, 596.º,

n.º2 e 598.º, n.º1 CPC), notificação das partes, havendo reclamação, para

audiência prévia (artigo 593.º, n.º3 CPC) e realização desta (artigo 593.º, n.º3 CPC).

Fase da instrução: repartida por atos de produção de cada meio de prova,

tendencialmente concentrados na audiência final (artigos 604.º, n.º3, alíneas a) a

d) e 607.º, n.º1 CPC), mas tendo lugar antes dela quando a natureza do meio de

prova, como é o caso da perícia, ou outras circunstâncias (a urgência, a

impossibilidade da comparência da testemunha ou da parte no tribunal, a

qualidade de testemunha, a conveniência em realizar a inspeção antes da

audiência: artigos 419.º, 456.º, 457.º, 490.º, 491.º e 503.º a 506.º CPC, conforme o

imponham ou aconselhem).

Fase da discussão e julgamento: em que as partes expressam os seus pontos

de vista sobre as decisões, de facto e de direito, a proferir e o tribunal decide:

alegações (sucessivas) do autor e do réu, com possibilidade de réplica (artigo

604.º, n.º3, alínea e) CPC), sentença (artigo 607.º CPC), notificação desta às partes

(artigo 220.º, n.º1 CPC), eventuais reclamações das partes, quando não seja

9 Freitas, José Lebre de; A Ação Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013; 3.ª edição; Coimbra Editora, setembro 2013, Coimbra.

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admissível recurso (artigo 615.º, n.º4 e 616.º, n.º3 CPC), e sua decisão (artigo 613.º,

n.º2 CPC), seguidamente notificada (artigo 220.º, n.º1 CPC).

Assim terminado o processo em 1.ª instância, pode abrir-se, no prazo do artigo 638.º

CPC instância de recurso ordinário dirigido à Relação. O processo seguirá então novas

fases, mediante o encadeamento de atos processuais igualmente tipificados na lei de

processo.

§4.º - Articulados:

Conteúdo: a fase dos articulados recebe o nome das «peças em que as partes expõem

os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondentes» (artigo

147.º, n.º1 CPC). Através dos articulados, autor e réu (representados ou não por

advogado, cuja constituição a lei impõe nas ações com valor superior à alçada do tribunal

de comarca: artigo 40.º, n.º1, alínea a) CPC) introduzem no processo os factos principais

da causa. Havendo mandatário constituído, sela ele advogado ou solicitador (artigo 42.º

CPC), é feita dos factos uma narração seca e concisa, subordinada, tal como os textos

legais, a artigos, cada um dos quais deve conter um facto (artigo 147.º, n.º2 CPC). Além

destes fundamentos de facto, devem as partes, já sem obrigatoriamente o deverem fazer

por artigos (embora, na prática forense, usem fazê-lo), invocar as razões que, no entender

de cada uma delas, deverão constituir fundamento de direito da decisão, por aplicação

das normas jurídicas aos factos por elas alegados. Destes fundamentos (de facto e de

direito) extraem, deduzindo pedidos (sempre, o autor contra o réu; eventualmente, o réu

contra o autor), dizendo da improcedência dos pedidos contra sido deduzidos ou

entendendo não ser possível, por se verificar uma exceção dilatória, o conhecimento de

mérito.

Espécies: constituem articulados normais do processo ordinário a petição inicial, em que

o autor deduz o pedido, e a contestação, com que o réu dele se defende. Constitui

articulado eventual a réplica com que o autor responde à reconvenção, quando haja, ou

à contestação da ação de simples apreciação negativa. Constituem articulados

supervenientes; também eles de caráter eventual, aqueles em que qualquer das partes

alega factos supervenientes, os que, a convite do juiz, completam os articulados

deficientes e os de resposta às exceções deduzidas no último articulado apresentado.

§5.º - Petição Inicial

Conteúdo e forma:

1. Pedido: o processo inicia-se com a apresentação da petição inicial,

considerando-se a ação proposta logo que o ato é ou se tem por praticado

(artigo 259.º, n.º1 CPC). Constitui-se assim a instância, como relação jurídica entre

o autor (solicitante da tutela jurisdicional) e o tribunal (a quem a solicitação é

dirigida), dizendo-se a partir daí pendente a ação, e é impedida a caducidade do

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direito, através dela feito valer, que só judicialmente possa ser exercido (artigo

331.º, n.º1 CC). A iniciativa do autor é insubstituível, pois ó a ele cabe solicitar a

tutela jurisdicional, que não pode ser oficiosamente concedida (artigo 3.º, n.º1

CPC). Perante uma situação de violação do seu direito, uma ameaça de violação,

a mera incerteza sobre a existência ou o conteúdo dum seu direito ou dever, ou

sobre a verificação dum facto jurídico, ou a vontade de exercer um direito

potestativo que só judicialmente possa ser exercido, o autor requer a providência

jurisdicional adequada para, respetivamente, reparar a violação consumada,

prevenir a violação ameaçada, declara a existência ou inexistência do direito, ou

do facto, ou alterar as situações jurídicas das partes em conformidade com o

direito exercido. O autor formula, assim, na petição inicial, um pedido (Artigo

552.º, n.º1, alínea e) CPC), o qual se apresenta duplamente determinado: por um

lado, o autor afirma ou nega uma situação jurídica subjetiva, ou um facto jurídico,

de direito material, ou manifesta a sua vontade de constituir uma situação jurídica

nova com base num direito potestativo; por outro lado, requer ao tribunal a

providência processual adequada à tutela do seu interesse. O pedido do autor,

conformando o objeto do processo, condiciona o conteúdo da decisão de mérito,

com que o tribunal lhe responderá: o juiz, na sentença, «deve resolver todas as

questões que as partes tenham submetido à sua apreciação», não podendo

ocupar-se de outras (Artigo 608.º, n.º1 CPC), e «não pode condenar em

quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir» (artigo 609.º, n.º1

CPC), sob pena de nulidade (artigo 615.º, n.º1, alíneas d) e c) CPC). O pedido pode

não ser único: ao autor é facultado deduzir mais de um pedido contra o mesmo

réu, em cumulação (artigo 555.º CPC) ou em relação de subsidiariedade (artigo

554.º CPC), ou, em certas condições, discriminadamente contra réus diversos,

também em cumulação (artigo 36.º CPC) ou em relação de subsidiariedade

(artigo 39.º CPC). Há, além disso, lugar à dedução de pedidos alternativos (artigo

553.º CPC), quando o direito que se quer fazer valer é, por sua natureza ou origem,

alternativo ou pode resolver-se em alternativa. A lei permite também a dedução

de pedido genérico, ou ilíquido, isto é, de pedido respeitante a um bem não

rigorosamente determinado. De acordo com o artigo 556.º CPC, é admitido o

pedido genérico respeitante a uma universalidade, de facto ou de direito, à

indemnização decorrente de facto ilícito ou a um quantitativo dependente de

prestação de contas ou de outro ato a praticar pelo réu. No primeiro caso, o autor

não tem de individualizar os elementos que integram a universalidade. No

segundo caso, o autor pede uma indemnização cujo quantitativo não precisa,

quer por tal lhe ser ainda impossível (não é ainda conhecida toda a extensão do

dano), quer por querer usar da faculdade que lhe confere a 1.ª parte do artigo

569.º CC (a de não indicar a quantia exata em que avalia ao dano). No terceiro

caso, é pedida a condenação do réu no saldo que venha a resultar das contas que

apresente ou no montante resultante de outro ato que deva praticar. Por seu lado,

o artigo 557.º, n.º1 CPC admite o pedido de condenação em prestações

vincendas, que configura igualmente um pedido genérico. Este só pode ter lugar

nos casos excecionais em que a lei o admite. A determinação do objeto a que o

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pedido respeita faz-se: nos casos da universalidade e da indemnização por facto

ilícito, mediante o incidente de liquidação, a deduzir, na ação declarativa, até ao

momento do início da discussão da causa em 1.ª instância (artigo 358.º, n.º1 CPC).

2. Fundamentação do pedido: ao autor não basta formular o pedido: este tem de

ser fundamentado, de facto e de direito (artigo 552.º, n.º1, alínea d) CPC). Por um

lado, o autor há-de indicar os factos constitutivos da situação jurídica que quer

fazer valer ou negar, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma,

os quais constituem a causa de pedir (artigo 581.º, n.º4 CPC). Esta corresponde

ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como

causa do efeito de direito material pretendido. Pela própria natureza das coisas,

essa indicação não tem, nas ações de simples apreciação negativa da existência

de um direito, o mesmo rigor que naquelas em que o autor afirma a existência

dum seu direito. O autor observa, assim o ónus da substanciação. A causa de

pedir exerce função individualizadora do pedido para o efeito da conformação

do objeto do processo. Por isso, o tribunal tem de a considerar ao apreciar o

pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada

pelo autor (artigo 608.º, n.º2 CPC), sob pena de nulidade da sentença (artigo 615.º,

n.º1, alínea d) CPC). Por isso também, a sentença de mérito que venha a ser

proferida só vincula no âmbito objetivamente definido pelo pedido e pela causa

de pedir (artigo 581.º, n.º1 CPC). Por outro lado, o autor deve, na petição, invocar

as razões de direito pelas quais entende que o seu pedido merece acolhimento.

Trata-se de aplicar o direito aos factos que constituem a causa de pedir, de modo

que permita a conclusão constante do pedido. Ao contrário do que acontece com

a causa de pedir, a fundamentação de direito da petição não condiciona o

conteúdo da sentença: o juiz permanece livre na indagação, interpretação e

aplicação do direito (artigo 5.º, n.º3 CPC). Mas a fundamentação de direito, não

tendo embora função individualizadora da pretensão, não deixa de constituir um

ónus, na medida em que o autor, se não fizer, no mínimo, a indicação da norma

jurídica ou do princípio jurídico que tenha por aplicável, não poderá vir a arguir

a nulidade da sentença que venha a ser proferida, sem prévia audião das partes,

com fundamento jurídico que elas não tenham anteriormente considerado.

Vícios da petição inicial:

1. Ineptidão: a falta de formulação do pedido ou de indicação da causa de pedir,

traduzindo-se na falta do objeto do processo, constitui nulidade de todo ele por

ineptidão da petição inicial, o mesmo acontecendo quando, embora

aparentemente existente, o pedido ou a causa de pedir é referido de modo tão

obscuro que não se entende qual seja ou a causa de pedir é referida em termos

tão genéricos que não constituem a alegação de factos concretos (artigo 186.º,

n.º1 e 2, alínea a) CPC). Pode também acontecer que o pedido tenha sido

claramente formulado e a causa de pedir claramente indicada, mas entre eles haja

contradição, caso que te igualmente o tratamento da nulidade por ineptidão da

petição inicial (artigo 186.º, n.º1 e 2, alínea b) CPC), pois gera também a

inexistência do objeto do processo. Não está aqui em causa a inconcludência

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jurídica, situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar,

por não preenchimento de qualquer previsão normativa, o efeito jurídico

pretendido, improcedendo a ação com consequente absolvição do réu do pedido;

o que integra a ineptidão da petição inicial é a contradição lógica entre o pedido

e a causa de pedir. Esta distinção, que o direito comum não estabelecia, pois

exigia que só quando há uma negação recíproca entre o pedido e a causa de

pedir, por o pedido brigar com a causa de pedir, opondo-se-lhe, não jurídica, mas

logicamente, é que se verifica a contradição geradora de nulidade. Finalmente,

podendo o autor deduzir contra o réu vários pedidos em cumulação, para serem

todos eles atendidos, e fundar o mesmo pedido, também cumulativamente, em

causas de pedir diversas, gera também a nulidade por ineptidão da petição inicial

a incompatibilidade material que haja entre esses pedidos ou essas causas de

pedir (artigo 186.º, n.º1 e 2, alínea c) CPC), pois também aqui a contradição no

objeto do processo (pedido individualizado pela causa de pedir) impede a sua

necessária identificação. A nulidade do processo por ineptidão da petição inicial

é sanável quando, resultando da ininteligibilidade (ou, mais dificilmente, da falta)

do pedido ou da causa de pedir, o réu conteste, ainda que arguindo a ineptidão,

e se verifique, após a audição do autor, que interpretou convenientemente a

petição inicial, a despeito do vício verificado (artigo 186.º, n.º3 CPC). Finalmente,

o disposto no artigo 6.º, n.º2 CPC leva a que o tribunal deva convidar o autor a

aperfeiçoar a petição inicial em que tenha deduzido pedidos incompatíveis,

mediante a escolha daquele que pretende que seja apreciado na ação ou a

ordenação de ambos em relação de subsidiariedade. Fora destes casos, a

ineptidão da petição inicial dificilmente deixará de constituir nulidade insanável

cuja ocorrência cabe ao juiz verificar oficiosamente no despacho saneador,

absolvendo o réu da instância (artigos 196.º, 200.º, n.º2, 278.º, n.º1, alínea b) CPC)

e 595.º, n.º1, alínea a) CPC) – sem prejuízo de o poder fazer no despacho liminar,

indeferindo liminarmente a petição inicial, se ele, excecionalmente, tiver lugar

(artigos 226.º, n.º2, alíneas c) e f) e 590.º, n.º1 CPC), e de o réu poder arguir a

nulidade na contestação (artigos 198.º, n.º1, 571.º, n.º2 e 577.º, alínea b) CPC).

Atos subsequentes:

1. Distribuição: recebida na secretaria a petição inicial, há que determinar, quando

na instância (central ou local) do tribunal de comarca haja mais do que uma, a

secção em que o processo há de correr seus termos. Esta determinação faz-se

através do ato da distribuição, o qual visa, por um lado, igualar o número ode

processos que corre em cada secção e, consequentemente, a repartição do

serviço entre juízes e funcionários (artigo 203.º CPC) e, por outro, evitar a

intervenção da vontade na determinação do juiz do processo, que há de ser o

juiz natural. A distribuição, que é automática, tem lugar diariamente (artigo 208.º

CPC). O despacho pelo qual o juiz recusa a distribuição é, nos mesmos termos

que o proferido em reclamação do ato de recusa do recebimento, suscetível de

recurso até à Relação, aplicando-se analogicamente o artigo 559.º, n.º2 CPC. O

autor goza, também neste caso, da possibilidade de apresentar nova petição

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(artigo 560.º CPC, este bem expresso em equiparar a recusa da distribuição da

petição à recusa do seu recebimento).

2. Despacho liminar: em casos excecionais, o processo é, após a distribuição,

apresentado ao juiz para despacho liminar. Tal acontece quando o autor tenha

requerido a intervenção principal de terceiro para com ele constituir litisconsórcio

necessário e quando a secretaria se afigure manifesto que ocorre fundamento de

indeferimento liminar, por manifesta improcedência do pedido ou falta insanável

dum pressuposto processual de conhecimento oficioso (artigo 590.º, n.º1 CPC).

Levando o processo ao juiz, este pode indeferir liminarmente a petição inicial,

quando o pedido seja manifestamente improcedente e quando ocorra uma

exceção dilatória (artigo 278.º, n.º1 CPC) e a falta do pressuposto não seja

suscetível de sanação. O despacho de indeferimento liminar é sempre suscetível

de recurso até à Relação (artigo 629.º, n.º3, alínea c) CPC). Havendo recurso, o

réu é citado para nele se assegurar o contraditório, mas com eficácia também

para os termos subsequentes da causa em 1.ª instância (artigo 641.º, n.º7 CPC).

Quando se torne definitiva a decisão de indeferimento liminar, o autor pode, tal

como no caso de recusa da petição, continuar a beneficiar dos efeitos da

propositura da ação, se apresentar nova petição dento de 10 dias (artigo 590.º,

n.º1, in fine CPC). Mantém-se a distribuição efetuada e aproveita-se a taxa de

justiça já paga. Duvidosa é a admissibilidade do despacho liminar de

aperfeiçoamento: será também admissível que o juiz, quando verifique a falta

sanável dum pressuposto processual, ou uma irregularidade ou deficiência da

petição, profira, aproveitando o momento em que o processo lhe é concluso,

uma decisão que, respetivamente, promova a sanação da falta, nos termos do

artigo 6.º, n.º2 CPC, ou convide o autor a sanar a irregularidade ou a insuficiência?

Na falta de despacho liminar, o momento adequado para estas atuações é o do

despacho pré-saneador (artigo 590.º, n.º2 CPC); mas, nos casos de exceção

dilatória e de petição irregular, não há razão alguma para não permitir, desde

logo, a prática, com evidente economia processual, dum ato judicial que o juiz

não deixará de praticar ulteriormente; já no caso da petição deficiente, é invocável

contra tal procedimento a igualdade das partes, pois melhor poderá o juiz

analisar todas as deficiências dos articulados de ambas as partes depois de todos

terem sido apresentados. A citação urgente tem lugar, a requerimento do autor,

quando se justifique que, excecionalmente, a citação deva ter prioridade sobre as

restantes a realizar pela secretaria; a petição, uma vez distribuída, é logo

apresentada a despacho do juiz (artigo 226.º, n.º4, alínea f) CPC), o qual, se julgar

justificadas as razões apresentadas pelo autor, ordenará a precedência requerida

(artigo 561.º CPC).

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§6.º- Citação:

Finalidade, conteúdo e formalidades gerais: há agora que dar conhecimento ao réu

da ação que contra ele foi proposta, proporcionando-lhe o exercício do direito de defesa.

É este um direito fundamental, que, tal como o direito de ação, integra o direito de acesso

aos tribunais, e a sua garantia pressupõe um ato que dê ao réu o conhecimento efetivo

do processo contra ele instaurado. Esse ato fundamental de comunicação entre o

tribunal e o réu, com a tripla função de transmissão de conhecimento, de convite para a

defesa e de constituição do ´reu como parte, é a citação (artigo 219.º, n.º1 CPC), misto

de declaração de ciência e de ato jurídico constitutivo. Pelo ato de citação, faz-se chegar

ao réu o duplicado da petição inicial que a ele se destinava e a cópia dos documentos

que a acompanharam. Mas não só: há que lhes dar as indicações necessárias para que

ele fique consciente do alcance do direito de defesa e do modo como poderá exercê-lo.

Constam do artigo 227.º CPC estes elementos imprescindíveis do conteúdo do ato: ao

réu é comunicado que fica citado para a ação a que o duplicado se refere, identificada

mediante indicação do tribunal e secção por onde corre o processo; são-lhe indicados o

prazo dentro do qual pode contestar; as cominações em que incorre se não o fizer a

obrigatoriedade se fazer representar por advogado.

Modalidades:

1. Enunciação: desejável seria que, para haver a certeza do que o réu toma efetivo

conhecimento da ação, a citação se fizesse por contacto pessoal do funcionário

dela encarregado. É o modo tradicional de a fazer, que em outros sistemas

jurídicos continua a ser a regra. Mas a complexidade das relações sociais

hodiernas tem levado a recorrer, cada vez mais insistentemente, a modalidades

de citação que não podem garantir com o mesmo grau de segurança que o réu

tome conhecimento da ação contra ele proposta. No nosso Direito atual, começa

por ser tentada a citação por via postal (artigos 228.º e 246.º, n.º2 CPC) e só se

essa via se frustrar é eu tem lugar a citação por agente de execução ou

funcionário judicial (artigo 231.º CPC), que, porém, frequentemente toma a forma

de citação com hora certa (artigo 232.º CPC); como último recurso, surge a citação

edital (artigo 240.º e 243.º CPC); modalidade existente desde a revisão do CPC de

1961, possível de ser utilizada a todo o tempo, mas raramente o sendo, é a citação

promovida por mandatário judicial (artigo 237.º CPC).

Oficiosidade e intervenção do juiz: fora o caso da citação promovida por mandatário

judicial, a iniciativa e a prática do ato cabem, em princípio, à secretaria do tribunal, que,

nos termos do artigo 226.º, n.º1 CPC, para tanto não necessita que o juiz lho ordene e

deve remover, ela própria, as dificuldades práticas que obstem à realização do ato. Esta

atuação da secretaria é, porém, sujeita a um duplo controlo: pelo autor, que, ao fim de

30 dias sem que o ato esteja efetuado, é informado das diligências efetuadas e dos

motivos por que a citação não foi feita, a fim de colaborar com as informações que possa

obter para a prática do ato (artigo 226.º, n.º2 CPC); pelo juiz, a quem, passado mais 30

dias, o processo é concluso com semelhante informação, a fim de ordenar à secretaria o

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procedimento a adotar (artigo 226.º, n.º3 CPC), sem prejuízo do novo regime geral de

controlo do artigo 162.º, n.º5 CPC. Só nos casos excecionais da citação edital e da citação

urgente é que ao juiz cabe previamente ordenar a citação.

Efeitos: com a citação, a instância iniciada com a propositura da ação converte-se de

bilateral em triangular: o ato de propositura, agora do conhecimento do réu, estende-

lhe a sua eficácia (artigo 259.º, n.º2 CPC) e a instância estabiliza, ficando, em princípio,

definida quanto aos sujeitos e ao objeto do processo (artigos 260.º e 564.º, alínea b)

CPC). O termo instância traduz, a partir daqui, a ideia da relação, por natureza dinâmica,

existente entre cada uma das partes e o tribunal, bem como entre as próprias partes, na

pendência da causa. Não é esse o único efeito da citação. Outro seu efeito é o de inibir

o réu de propor contra o autor ação destinada à apreciação do mesmo objeto processual

(artigo 564.º, alínea c) CPC), isto é, de um pedido normalmente deduzido ao contrário,

mas não necessariamente. Se o fizer, haverá litispendência e a segunda ação não poderá

prosseguir (artigos 580.º, n.º1 e 582.º CPC).

§7.º - Contestação:

Prazo: no prazo de 30 dias contados da citação, ou do termo da dilação que tenha lugar,

o réu pode contestar a ação contra ele proposta (artigo 569.º, n.º1 CPC). Havendo, porém,

vários réus e terminando em duas diferentes o prazo para a respetiva defesa, beneficiam

todos do prazo que termine em último lugar, podendo contestar até esse limite (Artigo

569.º, n.º2 CPC). Podem, por isso, os réus citados aguardar a última citação para, quando

ocorra, ficarem a saber até quando poderão efetivamente contestar; mas, se o autor

entretanto desistir da instância ou do pedido relativamente a um réu não citado, serão

os que ainda não contestaram notificados da desistência, a partir do que corre o prazo

para a sua contestação (artigo 569.º, n.º3 CPC). O decurso do prazo da contestação, como

prazo perentório que é, faz precludir o direito a contestar (artigo 139.º, n.º3 CPC), salvo

o caso de justo impedimento (artigos 139.º, n.º4 e 140.º CPC) e ressalvada a possibilidade

da prática do ato nos três dias úteis imediatos ao termo do prazo, mediante o pagamento

de multa (artigo 139.º, n.º5, 6 e 7 CPC). No entanto, pode o juiz, excecionalmente e sem

audição do autor, prorrogar o prazo da contestação por período não superior a 30 dias,

quando motivo ponderoso impeça ou dificulte anormalmente a organização da defesa

(artigo 569.º, n.º5 CPC), para tanto bastando, quando o réu é representado pelo

Ministério Público, que este careça de informação que não possa obter dentro do prazo

ou tenha de aguardar resposta a consulta feita a instância superior (artigo 569.º, n.º4

CPC).

Ónus da contestação e revelia:

1. Noção: vimos que a citação constitui o réu, em regra, no ónus de contestar. Se

este ónus não for observado, não apresentando o réu qualquer defesa, constitui-

se ele em situação de revelia. Quando, dentro do prazo da contestação, o réu

intervém de outro modo no processo, nem que seja apenas para constituir, por

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procuração, mandatário judicial, a revelia diz-se relativa é absoluta quando o réu

não intervém de modo algum no processo (artigo 566.º CPC). A revelia produz,

em regra, efeito probatório; mas há casos em que, excecionalmente, o efeito não

se produz. É corrente denominar de revelia operante o regime regra e de revelia

inoperante o que o exceciona.

2. Regime regra da revelia: a revelia tem, em regra, como consequência que os

factos alegados pelo autor se consideram provados por admissão (artigo 567.º,

n.º1 CPC). É prova desconhecida nos sistemas ditos de ficta litis contestatio, ou

contestação ficta, em que a omissão de contestar não tem o valor de prova legal

e mantém incólumes as normas sobre a distribuição do ónus da prova. Entre nós,

fica definitivamente adquirida no processo: não pode o réu vir posteriormente

negar os factos sobre os quais se manteve silencioso. Não é assim em todos os

sistemas de ficta confessio, porém.

3. Exceções: o efeito de prova nem sempre se produz, pois o artigo 568.º CPC

introduz-lhe exceções. Além disso, por aplicação analógica do artigo 574.º, n.º2

CPC, não podem ser dados como provados os factos física ou legalmente

impossíveis e os notoriamente inexistentes (artigo 354.º-C CC).

Conteúdo e forma:

1. Sentido material e sentido formal da contestação: a contestação é, em sentido

material, a peça escrita com que o réu responde à petição inicial, deduzindo os

meios de defesa que tenha contra a pretensão do autor. Em sentido forma, é um

articulado de estrutura semelhante à da petição inicial: começa por um intróito,

em que basta que o réu identifique o processo (individualizar a ação); segue-se a

narração, em que são expostos os factos, mediante a tomada de posição perante

os alegados pelo autor e a alegação de novos facos trazidos ao processo pelo

réu, e as razões de direito, por aplicação da norma jurídica aos factos expostos;

segue-se a conclusão, em que o réu remata dizendo se deve ser absolvido da

instância, por proceder uma exceção dilatória, ou do pedido, por improceder a

ação; finalmente, há que propor os meios de prova constituendos, sem prejuízo

de o réu poder ainda, no caso de reconvir, alterar o requerimento probatório que

apresente, no prazo de 10 dias contados da notificação da réplica (artigo 572.º

CPC). Após este núcleo essencial, há lugar a indicações complementares, tais

como a menção do número de duplicados, dos documentos e da procuração

eventualmente apresentados, a eventual escolha de domicílio para notificações,

a eventual indicação de valor diferente do indicado pelo autor, do qual o réu

discorde (artigo 305.º, n.º1 CPC). Com a contestação, há que fazer prova

documental de que o réu pagou a taxa de justiça, de que lhe foi concedido apoio

judiciário ou de que o requereu, sem que tenha tido ainda despacho o

requerimento (artigo 570.º, n.º1 CPC). Mas tem sido assinalado: por um lado, que

não deixa de ser contestação em sentido formal, não o sendo em sentido material,

o articulado, apresentado no prazo e sob forma de contestação, em que o réu se

limita a confessar o pedido contra ele deduzido (artigo 283.º, n.º1 CPC) ou os

factos alegados pelo autor (artigo 356.º, n.º1 CC), ou a reconvir; por outro lado,

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que deve ser admitida como contestação, embora não obedeça às exigências do

articulado, a mera apresentação, pelo réu, no prazo da contestação, de

documentos que provem não ser verdadeiros os factos alegados pelo autor ou

provem factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito dos que o autor

tenha alegado, constituindo-se assim contestação em sentido material que não

o é em sentido formal. Ao controlo formal externo da contestação pela secretaria

não faz a lei qualquer referência. Tratando-se de ato a praticar em prazo

perentório, a recusa só é admissível quando seja inevitável. Tal acontece quando

não é identificado o processo (através do seu número ou de outros elementos

que o individualizem), quando o articulado é entregue em tribunal diverso do do

processo, quando ele não se apresente assinado, quando não esteja redigido em

língua portuguesa e quando não tenha sido utilizado o papel regulamentar (caso

exista). Em todos os outros casos, o controlo há de ser feito pelo juiz, no despacho

pré-saneador.

2. Modalidades de defesa: duas são as modalidades de defesa ao alcance do réu:

a defesa por impugnação e a defesa por exceção (artigo 571.º CPC). A

impugnação pode ser de facto ou de direito. É de facto quando o réu se opõe à

versão da realidade apresentada pelo autor, negando os factos alegados na

petição inicial. É de direito quando o réu contradiz o efeito jurídico (normalmente,

o direito subjetivo material por eles constituído) que o autor deles pretende

extrair, pondo em causa a determinação, interpretação ou aplicação da norma de

direito feita pelo autor na petição inicial. A exceção é dilatória ou perentória. É

dilatória quando é invocada a falta dum pressuposto processual, isto é, duma das

condições (relativas às partes, ao tribunal, ao objeto do processo ou à relação

entre as partes e o objeto) exigidas para que o tribunal se possa ocupar do mérito

da causa, respondendo ao pedido formulado pelo autor. É perentória quando é

alegado um facto impeditivo, modificativo ou extintivo da situação jurídica que o

autor se arroga ou, na ação de mera apreciação da existência de factos, um facto

impeditivo da existência do facto jurídico que o autor pretende que seja

declarada. Todos os meios de defesa (impugnações e exceções) que o réu tenha

contra a pretensão formulada pelo autor devem, em princípio, ser deduzidos na

contestação. Este princípio da concentração da defesa, que a necessidade dum

processo quanto possível célere explica e que o artigo 573.º, n.º1 CPC, na sua 1.ª

parte, estabelece, é, em princípio, alargado aos incidentes que o réu queira

levantar e excecionado nos casos de defesa diferida do artigo 573.º, n.º2 CPC:

meios de defesa supervenientes, abrangendo quer os casos em que o facto em

que eles se baseiam se verifica supervenientemente (superveniência objetiva),

quer aqueles em que esse facto é anterior à contestação, mas só posteriormente

é conhecido pelo réu (superveniência subjetiva), devendo em ambos os casos ser

alegado em articulado superveniente (artigo 588.º, n.º2 CPC); meios de defesa

que a lei expressamente admita posteriormente à contestação; meios de defesa

de que o tribunal pode conhecer oficiosamente, abrangendo a impugnação de

direito (artigo 5.º, n.º3 CPC) e a maioria das exceções dilatórias (artigo 578.º CPC)

e perentórias (artigo 579.º CPC), sem prejuízo de os factos em que as exceções

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se baseiem só poderem ser introduzidos no processo pelas partes (salvo nos

casos excecionais em que é permitido o seu conhecimento oficioso: artigo 412.º

CPC), na fase dos articulados ou com os limites definidos para a alegação de facto

em articulado superveniente. Corolário do princípio da concentração é a

preclusão. O réu tem o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados

pelo autor, alegar os factos que sirvam de base a qualquer exceção dilatória ou

perentória (excetuadas apenas as que forem supervenientes) e deduzir as

exceções não previstas na norma excecional do artigo 573.º, n.º2 CPC. Se não o

fizer, preclude a possibilidade de o fazer.

Exceção:

1. Classificação: ao conceito de exceção subjaz a ideia de defesa indireta, que, sem

pôr em causa a realidade dos factos alegados como causa de pedir nem o efeito

jurídico que o autor deles pretende extrair, consiste na alegação de factos novos

dos quais o réu entende que se retira que o tribunal em que a ação foi proposta

não poderá declarar o efeito pretendido – ou porque tais factos impedem que

esse tribunal aprecie o pedido formulado pelo autor (exceção dilatória) ou

porque levam o tribunal, ao apreciá-lo, a julga-lo improcedente (exceção

perentória).

2. Exceção dilatória: sabemos já que, para que o tribunal se possa ocupar do mérito

da causa, decidindo-a, é necessário que se verifiquem determinadas condições,

que são os pressupostos processuais, e que, quando algum deles não se verifica,

ocorre uma exceção dilatória. Se a falta do pressuposto não for sanada (artigos

6.º, n.º2 e 278.º, n.º2 CPC), o juiz deverá proferir sentença de absolvição (do réu)

da instância (artigos 278.º, n.º1 e 576.º, n.º2 CPC), salvo se o processo dever ser

remetido para outro tribunal (artigo 99.º, n.º2, 105.º, n.º3, 278.º, n.º2 e 576.º, n.º2

CPC) ou ocorrer a situação prevista no artigo 278.º, n.º3 CPC. Pressuposto

processual e exceção dilatória constituem, assim, o ve3rso e o reverso da mesma

realidade. A exceção dilatória é, em regra, de conhecimento oficioso (artigo 578.º

CPC; mas, mesmo sendo-o, o réu pode argui-la na contestação e, embora possa

também fazê-lo posteriormente, enquanto não houver decisão (artigo 573.º, n.º2

CPC), é dele o ónus de alegar os factos em que se baseie, quando ela não se

funde apenas na versão apresentada pelo autor. O artigo 57.º CPC contém um

elenco extenso, mas não taxativo («são dilatórias, entre outras, as exceções

seguintes»), das exceções dilatórias. Entre as exceções dilatórias inominadas, é

polémica a do interesse processual ou interesse em agir.

3. Exceção perentória: constitui exceção perentória, segundo o artigo 576.º, n.º3

CPC, a invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito

jurídico dos factos articulados, como causa de pedir, pelo autor. Ao contrário da

exceção dilatória, fundada no Direito processual, a exceção perentória vai buscar

o seu fundamento ao Direito material: tal como o efeito do facto constitutivo, o

dos factos que o impedem, modificam ou extinguem é determinado pelas

normas de Direito substantivo, constituindo problema de interpretação destas a

individualização dos respetivos tipos. Por isso, a procedência da exceção

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perentória leva à absolvição do pedido (artigo 571.º, n.º2, in fine CPC). Os factos

modificativos e os factos extintivos são de ocorrência posterior ao momento da

constituição do direito e por isso a sua distinção dos factos constitutivos é mais

fácil. O efeito do facto modificativo pode produzir-se no objeto do direito, no

plano da sua oponibilidade ou no da possibilidade do seu exercício.. Mais difícil

é, por vezes, identificar o faco impeditivo, distinguindo-o do constitutivo, pois um

e outro são contemporâneos e o facto impeditivo inibe ab initio os efeitos do

facto constitutivo (ainda que com retroatividade), ó dele se diferenciando pela

necessidade de resolver o problema dos ónus da alegação e da prova. A distinção

entre o facto impeditivo e a negação do facto constitutivo faz-se sempre

mediante a análise das normas de direito substantivo, nelas identificando a regra

e a exceção, mediante o apelo a elementos literais e racionais e, em último

recurso, às máximas da experiência que permitam determinar se estamos perante

uma ocorrência normal (de que caberá fazer a alegação a quem do efeito da

norma se quer prevalecer) ou perante uma ocorrência excecional (de que a

contraparte terá o ónus da prova).

4. Exceção propriamente dita e objeção: as exceções são, em regra, de

conhecimento oficioso, o que mais não é do que uma vertente do princípio iura

novit curia (artigo 5.º, n.º3 CPC): o tribunal não está sujeito às alegações das

partes – e, portanto, à alegação do réu – no que respeita à indagação,

interpretação e aplicação da norma de direito. Este princípio tem como limites,

entre outros, os caos em que, em virtude da lei substantiva, está na dependência

da vontade do réu a invocação dum direito potestativo ou outra exceção (artigo

579.º CPC), bem como aqueles em que a lei processual coloca na sua exclusiva

disponibilidade a invocação da falta dum pressuposto, o que só acontece com a

incompetência relativa em caso não abrangido pelo artigo 104.º CPC (conjugar

com o artigo 103.º CPC) e com a preterição do tribunal arbitral voluntário (artigo

578.º CPC). Dizem-se exceções em sentido próprio aquelas que estão na exclusiva

disponibilidade da parte, de tal modo que só relevam quando ela manifeste a

vontade de delas se valer, e exceções em sentido impróprio ou objeções aquelas

de que o tribunal pode – e deve – conhecer, independentemente da vontade da

parte a quem aproveitam. Quando a lei civil permite que o exercício dum direito

potestativo ou a invocação de uma exceção tenha lugar extrajudicialmente e o

réu o tenha feito antes da contestação, o efeito desse exercício ou dessa

invocação está já produzido quando o réu contesta, pelo que ao réu bastará

alegar a manifestação extrajudicial da sua vontade, trazendo esse facto ao

processo, com o que a exceção em sentido próprio ganha o tratamento das

objeções.

5. Função: objeções e exceções propriamente ditas constituem questões

prejudiciais relativamente ao objeto do processo, definido pelo pedido deduzido

pelo autor, no sentido de a resposta do tribunal ao pedido (a conclusão da

sentença ou decisão propriamente dita: artigo 607.º, n.º3 CPC) deve ser precedida

pelo exame das exceções, sejam elas dilatórias ou perentórias. Mas a relação de

prejudicabilidade apresenta-se diversamente na exceção dilatória e na exceção

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perentória: a primeira, quando procedente, leva, em regra, à absolvição da

instância, não chegando o tribunal a apreciar o pedido a segunda leva, quando

procedente, à absolvição do pedido, tal como a ela leva a inconcludência ou a

não verificação dos facos que integram a causa de pedir. No primeiro caso a

sentença recai apenas sobre a relação processual; no segundo caso, constitui uma

decisão de mérito.

Reconvenção:

1. Em geral: o articulado serve também para o réu deduzir pedidos contra o autor,

em exercício (facultativo) do direito de ação e em ampliação do objeto do

processo (artigo 266.º, n.º1 CPC). Denomina-se reconvenção o pedido assim

deduzido pelo réu, que, no âmbito da reconvenção, toma a designação de

reconvinte, enquanto o autor da ação é nela o reconvindo. Deduzida

separadamente e com os elementos e indicações das alíneas d), e) e f) do artigo

552.º CPC (artigo 583.º, n.º1 e 2 CPC), a reconvenção apresenta a mesma estrutura

formal da petição inicial (fundamentos de facto; fundamentos de direito; pedido;

valor da causa; elementos complementares eventuais). A contestação não pode

ser recusada pela falta de indicação do valor da reconvenção; mas esta não será

atendida se o reconvinte, convidado a indicá-lo, não o fizer (artigo 583.º, n.º2

CPC). A reconvenção pode ser inepta, como a petição inicial; mas a consequência

da ineptidão não é, evidentemente, a nulidade de todo o processo, mas a

nulidade circunscrita da própria reconvenção, com a consequente absolvição do

reconvindo da instância reconvencional. Veiculando, tal como a petição inicial, o

exercício do direito de ação (do reconvinte contra o reconvindo). O reconvindo é

absolvido da instância quando o prosseguimento da ação reconvencional esteja

dependente de qualquer ato a praticar pelo reconvinte e este não o pratique

(artigo 583.º, n.º3 CPC). Pra que a reconvenção seja admissível, terá de se verificar

algum dos elementos de conexão com o pedido do autor indicados no artigo

26.º, n.º2 CPC e não poderá verificar-se nenhum dos requisitos negativos de

compatibilidade processual a que se refere o artigo 266.º, n.º3 CPC, sem prejuízo

do disposto no artigo 37.º, n.º2 e 3 CPC). A absolvição do réu (do pedido ou da

instância) não obsta à apreciação do pedido reconvencional, a menos que este

seja dependente do formulado pelo autor (artigo 266.º, n.º6 CPC).

§8.º - Réplica:

Funções: quando o réu haja deduzido reconvenção, o autor tem, para lhe responder, um

outro articulado: réplica (artigo 584.º, n.º1 CPC). Esta tem também lugar quando, em

ação de simples apreciação negativa, o réu tenha legado, na contestação, os factos

constitutivos do direito, ou os elementos constitutivos do facto negado pelo autor na

petição inicial (artigo 584.º, n.º2 CPC). No CPC 2013, a réplica deixou de ter lugar para

resposta às exceções deduzidas na contestação, função esta que anteriormente também

desempenhava. Nela o autor impugnava os factos que o réu tivesse alegado como

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fundamento das exceções deduzidas, sob pena de se terem por provados por admissão,

em termos idênticos e com as mesmas exceções que vigoram para o réu na contestação.

O autor estava, pois, sujeito, na réplica, ao ónus da impugnação dos factos constitutivos

das exceções deduzidas pelo réu. Na réplica tinha ainda o autor, com sujeição ao mesmo

regime de preclusão a que está sujeito o ́ reu, a contestação, o ónus de deduzir as contra-

exceções (exceções às exceções deduzidas pela parte contrária) que tivesse a opor à

contestação, alegando os factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos efeitos

alegados pelo réu em sede de exceção. Finalmente, cabia ao autor invocar os

fundamentos jurídicos que tivesse a opor às exceções deduzidas pelo réu, bem como

aq1ueles em que fundasse as contra-exceções que deduzisse, com a vantagem, quanto

a estes, de preservar a faculdade de arguir eventual nulidade por violação judicial do

princípio do contraditório. Com outro regime, a função desaparecida é agora

desempenhada pelo articulado do artigo 3.º, n.º4 CPC, sem prejuízo de, havendo réplica

(num dos casos em que a lei a continua a admitir), o autor a dever aproveitar para

antecipar esse articulado de resposta às exceções (se o quiser apresentar), com manifesta

economia processual. Desaparecida esta função, a réplica desempenha, em face da

reconvenção, o mesmo papel que a contestação (defesa) do réu em face da petição inicial:

é, por sua natureza, uma contestação da reconvenção, inteiramente sujeita, ressalvadas

as devidas adaptações, ao regime da contestação. Também nas ações de simples

apreciação negativa o autor tem o ónus de impugnar, na réplica, os factos constitutivos

alegados pelo réu, bem como o de deduzir as exceções perentórias, baseadas em factos

impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo réu ou em elementos

impeditivos do facto jurídico cuja existência o réu haja afirmado. Havendo réplica (num

dos dois casos em que a lei a continua a admitir), nada exclui que o autor nela possa

reduzir o pedido ou ampliá-lo em desenvolvimento ou consequência do pedido

primitivo (artigo 265.º, n.º2 CPC) e alterar ou ampliar a causa de pedir com factos

confessados pelo réu, por ele aceites na réplica ou nos 10 dias anteriores (artigo 265.º,

n.º1 CPC), bem como completar ou concretizar a matéria de facto alegada na petição

inicial (Artigo 590.º, n.º4 CPC). O autor pode, na réplica, alterar o requerimento

probatório inicialmente apresentado (artigo 552.º, n.º2 CPC). Tal como o réu com a

contestação, o autor deve pagar, antes da réplica, reforço da taxa de justiça idêntico ao

pago pelo réu por ter reconvindo, ressalvando o regime do apoio judiciário.

Prazo: o prazo para a réplica é de 30 dias, contados da data da notificação da

contestação ao autor (artigo 585.º, n,.º3 CPC). Este prazo, igual ao da contestação,

justifica-se pela natureza (da contra-ação) da reconvenção. Na ação de simples

apreciação negativa, tendo o réu nela alegado os factos constitutivos do seu direito,

também o autor está em situação semelhante, embora não idêntica, à do réu perante a

petição inicial. Se, havendo vários réus, a secretaria notificar separadamente as

contestações apresentadas, embora não deva fazê-lo, o prazo para a réplica só se inicia

com a última notificação, sem prejuízo de valer, quanto às contestações já notificadas, a

réplica que o autor apresente antes de ela ser efetuada. O prazo par a réplica é

prorrogável nos mesmos termos em que o é o prazo para a contestação (artigo 586.º

CPC).

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Revelia do reconvindo: a falta de réplica implica a revelia do reconvindo quanto ao

pedido reconvencional. Aplicando-se o regime cominatório (regra e exceções)

predisposto para a revelia do réu, o pedido reconvencional será decidido no despacho

saneador se, consequentemente, todos os factos relevantes alegados pelo reconvinte

deverem ser considerados provados.

§10.º - A condensação: terminada a fase dos articulados, em que os atos do processo

são fundamentalmente praticados pelas partes e pela secretaria, segue-se uma fase em

que o juiz tem papel predominante. Até agora, as partes, dirigindo-se ao juiz, definiram

o objeto do processo e tomaram posição sobre ele, alegando os factos da causa e

dizendo como, em seu entender, a eles se deve aplicar o direito constituído. Na nova

fase, o julgador toma conhecimento do que se passou na fase anterior e, assumindo a

direção do processo, vai, em diálogo com as partes, controlar a regularidade da instância,

convidar autor e réu a colmatar deficiências dos articulados e passar pelo seu crivo as

posições das partes, decidindo aquilo que pode desde já ser decidido, definindo as

grandes questões, que vão ser objeto da prova e julgamento e tomando as medidas que

se imponham para que, adequada a forma processual abstrata ao caso concreto, a justa

composição do litígio tenha lugar em prazo razoável. Se nesta sua intervenção, verificar

que o processo contém já os elementos suficientes para que o litígio possa, com

segurança, ser decidido de mérito, ou que ocorre a falta de um pressuposto insuscetível

de sanação, o juiz julga imediatamente a causa e, neste caso, a fase da condensação

acaba por absorver, sob forma simplificada, a de discussão e julgamento. Caso contrário,

quando as partes nela não transijam, são fixados nesta fase os termos essenciais da causa,

funcionando a audiência prévia, sempre que tem lugar, como o pivot de ligação entre a

fase anterior, que agora se completa, e as fases ulteriores do processo, que nela são

programadas. A denominação desta fase processual como fase da condensação é

suficiente e pode manter-se, desde que nela se compreenda, não só o peneirar de que,

após eventual aperfeiçoamento de articulados deficientes, resulta o apuramento das

questões essenciais da causa, mas também o saneamento do processo, isto é, a

verificação da sua regularidade, com eventual correção das irregularidades dos

articulados e sanação das nulidades e da falta de pressupostos processuais, gerais ou

específicos.

§11.º - Despacho pré-saneador:

Função: apresentando o último articulado do processo ou terminado o prazo para o

apresentar, o processo é concluso pela secretaria ao juiz, que, sendo caso disso, profere

despacho destinado a providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais e

(ou) a convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados (artigo 590.º, n.º2 CPC). A

este despacho chama o novo Código despacho pré-saneador, considerada a sua

finalidade de regularização da instância processual e das irregularidades dos articulados,

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em momento lógica e cronologicamente anterior ao do despacho saneador.

Desempenha uma quádrapla função:

Sanação da falta de pressupostos processuais (artigo 590.º, n.º2, alínea a) CPC);

Correção das irregularidades dos articulados (artigo 590.º, n.º2, alínea b) e 3

CPC)M

Junção de documento que perita a imediata apreciação de exceção dilatória ou

o imediato conhecimento do pedido (artigo 590.º, n.º2, alínea c) CPC);

Completamento dos articulados deficientes (artigo 590.º, n.º2, alínea b) e 4 CPC).

É, porém, de acrescentar duas notas. O novo Código atribui ao juiz um poder vinculado,

que o juiz tem o dever de exercer quando ocorram nos articulados «insuficiências ou

imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada». A omissão do

despacho constitui, pois, nulidade processual, sujeita ao regime dos artigos 195.º, 197.º,

199.º, 200.º, n.º3 e 201.º CPC. Proferido o despacho de aperfeiçoamento, ele não é

recorrível (artigo 590.º, n.º7 CPC) porque reveste natureza provisória: convidada a

aperfeiçoar os articulados, a parte corresponde ou não ao convite do juiz; em qualquer

dos casos, a ação prossegue, correndo a parte o risco, quando não aperfeiçoa ou o

aperfeiçoamento é insuficiente, de que a decisão de mérito lhe seja desfavorável, por

inconcludência ou falta de concretização da causa de pedir, se for o autor (ou o

reconvinte), ou dos factos em que se funda a exceção. Quanto à não sanação da falta do

pressuposto ou da irregularidade do articulado, as suas consequências diretas são, em

princípio, processuais.

Sanação da falta de pressupostos processuais: a preocupação da lei com a realização

da função processual, mediante a pronúncia de decisão de mérito, leva a estabelecer o

dever do juiz de providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais que seja

sanável: o juiz deve determinar a realização dos atos necessários à regularização da

instância e, quando não o possa fazer oficiosamente, por se estar no campo da exclusiva

disponibilidade das partes, convidar estas a praticá-lo (artigo 6.º, n.º2 CPC). A lei é

expressa quanto à sanabilidade da falta de determinados pressupostos e ao modo de a

sanar. Mas a norma geral do artigo 6.º, n.º2 CPC não se limita a remeter para estas e

outras disposições específicas: abrange todos os pressupostos cuja falta possa, por sua

natureza, ser sanada, sem que tal necessariamente implique a inutilidade de tudo o que

se tiver processado, pois a ideia que a ela preside é que devem ser removidos todos os

impedimentos da decisão de mérito que possam sê-lo. Algumas vezes, a sanação pode

ter lugar oficiosamente; mas na maior parte dos casos, a iniciativa oficiosa tem de ser

seguida por um ato da parte, do seu representante ou curador ou do terceiro titular do

poder de autorizar ou consentir. E há casos em que, por estar em causa a conformação

subjetiva ou objetiva da instância, o juiz mais não pode fazer do que convidar a parte a

determiná-la. Se o juiz não providenciar, no despacho pré-saneador, pela sanação, pode

a parte – ou a pessoa cuja falta origina o vício – praticar espontaneamente o ato que

dela dependa, com o que o pressuposto fica verificado. Pode ainda acontecer que só na

audiência preliminar, nomeadamente quando convocada para os fins do artigo 591.º,

n.º1, alínea c) CPC, se torne patente a falta do pressuposto; ou ainda que o juiz só dela

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dê conta no momento em que vai proferir o despacho saneador. O artigo 6.º, n.º2 aplica-

se em qualquer caso e, antes de proferir o despacho saneador, o juiz deve providenciar

pela sanação.

Correção das irregularidades dos articulados:

1. Regime: o despacho de aperfeiçoamento proferido perante articulado irregular

é um despacho vinculado, que, como tal, o juiz tem o dever de proferir, pelo que,

se não o fizer, a omissão constitui nulidade processual, nos termos do artigo 195.º

CPC. Mas, se for proferido, ele não é recorrível (artigo 590.º, n.º7 CPC), porque

reveste natureza provisória: convidada a aperfeiçoar os articulados, a parte

corresponde ou não ao convite do juiz; no primeiro caso, este verifica se o

aperfeiçoamento é suficiente e, se assim for, o processo prosseguirá, sem que o

juízo emitido constitua caso julgado; se o aperfeiçoamento não for suficiente ou

a parte nada aperfeiçoar, o juiz proferirá novo despacho, em que tirará as

consequências que se impõem, despacho este recorrível. As consequências do

não aperfeiçoamento variam consoante o tipo de situação que se verifique:

a. Quando falte um requisito legal: o tribunal deve rejeitar, por nulidade, o

articulado ou a parte dele que esteja inquinada pelo vício;

b. Quando falte documento essencial à verificação dum pressuposto

processual: este deve ter-se por não verificado;

c. Quando falte documento essencial ao prosseguimento da ação: esta não

prossegue sem que o documento seja junto, o que terá como

consequência, quando a falta respeite ao autor, a suspensão da instância

e, quando respeite ao reconvinte, a absolvição do reconvindo da instância

(artigo 583.º, n.º3 CPC);

d. Quando falte documento essencial à prova dum pressuposto da situação

jurídica que se quer fazer valer em juízo: a consequência é, normalmente,

a improcedência da ação ou da exceção.

Excetuada a suspensão da instância, que deve ser ordenada logo que decorra o

prazo concedido (inicialmente ou em prorrogação do prazo inicial), as outras

consequências do não aperfeiçoamento devem ser extraídas pelo juiz no

despacho saneador.

§11.º - Audiência prévia:

Designação: após os atos praticados em execução do despacho pré-saneador ou, não

tendo este lugar, logo que o processo lhe vai concluso no fim da fase dos articulados, o

juiz designa dia para a audiência prévia, observando o preceituado pelo artigo 151.º, n.º1

a 3 CPC, e indicando o seu objeto e finalidade (artigo 591.º, n.º2 CPC), de entre os

constantes do artigo 591.º, n.º1 CPC, salvo:

a) Quando ocorra revelia inoperante do réu ou, havendo vários réus, de todos

eles (artigo 592.º, alínea a) CPC);

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b) Quando o processo deva findar no despacho saneador pela procedência da

ação de exceção dilatória já debatida nos articulados (artigo 592.º, n.º1, alínea

b) CPC);

c) Quando, destinando-se a audiência apenas aos fins enunciados nas alíneas

d) a f) do artigo 591.º, n.º1 CPC: o juiz a entenda dispensável (artigo 593.º, n.º1

CPC), ressalvada, porém, neste caso, a possibilidade da sua ulterior realização por

iniciativa de parte reclamante.

A realização da audiência previa constitui, portanto, regra no processo ordinário e para

ela são sempre convocados os mandatários das partes, e ainda estas próprias quando o

objeto da causa se contenha no âmbito do direito disponível, a tentativa de conciliação

constitua um dos fins para os quais a audiência é realizada e se verifique o

condicionalismo do artigo 594.º, n.º2 CPC.

Finalidades: constituem finalidades principais, cumulativas ou alternativas, da audiência

prévia, as seguintes, que, quando cumulativas, definem, mas só em princípio, a ordem

pela qual têm lugar os atos que nela são praticados:

a) Tentativa de conciliação das partes (artigo 591.º, n.º1, alínea a) CPC): o juiz

promove o encontro das partes, que se podem fazer representar por advogado

com poderes especiais para o efeito (artigo 45.º, n.º2 conforme artigo 290.º, n.º3

CPC), para uma negociação de que possa resultar, no campo do direito disponível

(artigo 289.º, n.º1 CPC), auto-composição do litígio, ou de parte dele, mediante

transação (artigo 277.º, alínea d), 283.º, n.º2, 284.º e 290.º, n.º4 CPC);

b) Discussão sobre as exceções dilatórias (artigo 591.º, n.º1, alínea b) CPC): o

despacho saneador constitui o momento tipicamente adequado à verificação dos

pressupostos processuais e, portanto, ao conhecimento das exceções dilatórias

decorrentes da sua falta (artigo 595.º, n.º1, alínea a) CPC). Sem prejuízo da

sanação que possa ter tido lugar na sequência do despacho pré-saneador, ou por

iniciativa da parte, o juiz terá de se pronunciar, não só sobre as exceções que

tenham sido suscitadas pelas partes, mas também sobre aquelas que deva

conhecer oficiosamente, não as tendo as partes suscitado. Estas últimas devem

ser objeto de prévia discussão, em obediência ao princípio do contraditório,

excetuado apenas o caso em que a falta do pressuposto seja de tal modo

evidente – e insanável – que é manifesta a desnecessidade da discussão (artigo

3.º, n.º3 CPC). Quanto às restantes, pode acontecer que a exceção tenha sido

invocada no último articulado, tendo então a contraparte o direito de responder

na audiência prévia (artigo 3.º, n.º4 CPC); mas, mesmo quando já tenha tido

resposta em articulado posterior àquele em que fora invocada, a ulterior

discussão em audiência pode trazer novos argumentos ou esclarecer os já

utilizados pelas partes. O CPC de 2013, apesar da intenção do legislador de

revigorar a audiência prévia, optou pela solução de dispensar a sua realização

quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência

da exceção dilatória, eta já tinha sido debatida nos articulados. Parecerá que o

preceito implica estar vedado ao juiz convocar a audiência sempre que alguma,

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mesmo que insuficiente, discussão da exceção tenha tido lugar entre as partes,

desde que entenda que a exceção procede, e que, ao invés, deve coloca-la

quando entenda que a exceção dilatória debatida nos articulados improcede. Ora,

por um lado, não faz sentido que o princípio do contraditório seja mais

rigorosamente observado quando o processo vai prosseguir do que quando vai

findar no despacho saneador, com a absolvição da instância, pelo que os dois

caos têm, à luz desse princípio, de ter o mesmo tratamento; por outro lado, não

só há que ressalvar as situações em que a improcedência resulte da falta de

alegação de algum facto complementar de cuja decorrência se possa suspeitar

(alínea e)), mas também há que entender que a procedência da exceção só se

pode ter por manifesta quando seja de todo insuscetível de ser acolhida uma

argumentação contrária, pelo que, fora deste caso, sempre que o juiz entenda

que a discussão feita nos articulados pode ter algum desenvolvimento, a

audiência deve ser convocada para pleno exercício da contraditoriedade;

c) Discussão de mérito (artigo 591.º, n.º1, alínea b) CPC): quando se julgue

habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta,

total ou parcial, ao pedido (ou pedidos) nela deduzido(s) (artigo 595.º, n.º1, alínea

b) CPC), o juiz deve convocar a audiência prévia para esse fim. O juiz não pode

julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em

audiência, entre as partes.

d) Discussão para delimitação dos termos do litígio (artigo 591.º, n.º1, alínea c)

CPC): de acordo com o artigo 7.º, n.º2 CPC, o juiz pode, em qualquer altura do

processo, ouvir as partes, convidando-as a prestar os esclarecimentos que se lhe

afigurem úteis, quer sobre a matéria de direito (pedidos, exceções, questões

prejudiciais), quer sobre a matéria de facto. Trata-se de uma manifestação do

princípio da cooperação, na sua vertente material, que tem como momento mais

adequado o da audiência prévia. Sempre, portanto, que o juiz,

discricionariamente, entenda que as posições das partes, tal como resultam dos

articulados, devem ser discutidas e esclarecidas, com vista a conseguir uma

melhor delimitação dos termos do litígio, a audiência deve ser convocada para

esse fim;

e) Complemento dos articulados deficientes (artigo 591.º, n.º1, alínea c) CPC):

perante a constatação de insuficiências ou imprecisões dos articulados na

exposição da matéria de facto, o juiz pode optar entre convidar as partes ao seu

aperfeiçoamento no despacho pré-saneador (artigo 592.º, n.º2, alínea b) CPC) e

fazê-lo na audiência prévia, por entender que assim se ganha em economia

processual ou que tem utilidade o diálogo que a audiência proporciona. Se a sua

opção for a primeira e a parte não tiver correspondido ao convite, deve entender-

se precludida a possibilidade de o fazer na audiência prévia; mas, ose o

aperfeiçoamento da parte tiver sido ainda insuficiente, poderá admitir-se o

completamento da alegação na audiência, desde que com tal não sejam

ofendidas regras de boa fé ou de imparcialidade. É, além disso, admitido que a

matéria de facto articulada seja completada ou corrigida, por se patentearem

insuficiências ou imprecisões no decurso do próprio debate havido na audiência

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preliminar, quer para discussão das exceções dilatórias ou da possibilidade de

conhecimento do mérito da causa, quer com o fim de delimitação do objeto do

litígio. Daqui decorre que isso é possível mesmo que a audiência não tenha sido

convocada para o fim de completamento dos articulados.

f) Prolação do despacho saneador (artigo 591.º, n.º1, alínea d) CPC): havendo

audiência prévia, o despacho saneador é ditado para a ata, a menos que, dada a

complexidade das questões a resolver, o juiz decida dá-lo por escrito; neste caso,

lê-o em nova sessão da audiência, entretanto adiada, mas só se for caso disso

(artigo 595.º, n.º2 CPC), isto é, se a continuação da audiência tiver utilidade. Aliás,

a convocação da audiência prévia para a prolação do despacho saneador é

sempre dispensável pelo juiz (artigo 593.º, n.º1 CPC) e normalmente não se

justificará quando esse seja o seu único fim concreto.

g) Determinação da adequação formal, da simplificação ou da agilização

processual (artigo 591.º, n.º1, alínea e) CPC): proferido o despacho saneador,

deve o juiz verificar se a forma legal do processo carece de ser adaptada, tidas

em conta as especificidades da causa, e adotar, sendo caso disso, a tramitação

processual adequada, bem como adaptar o conteúdo e a forma dos atos

processuais ao fim que visam atingir, em obediência à dupla finalidade de

assegurar um processo equitativo e de garantir a justa composição do litigio em

prazo razoável (artigo 6.º, n.º2 e 547.º CPC). Esta adequação é particularmente

visada, com intuito de simplificação, nas causas cujo valor não exceda metade da

alçada da Relação (artigo 597.º CPC), mas pode, ao invés, tornar mais complexa

a tramitação das causas para as quais, por razão de economia processual ou de

equidade, o modelo legal se revele insuficiente.

h) Despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da

prova (artigo 591.º, n.º1, alínea f) CPC): proferido após contraditoriedade, o

despacho, no qual o juiz identifica o objeto do litígio e enuncia os temas da prova

(artigo 596.º, n.º1 CPC), as partes podem ainda reclamar (artigo 596.º, n.º2 CPC),

nomeadamente com fundamento em deficiência, excesso ou obscuridade. O juiz

decide na própria audiência e o despacho que profere não é sanável de recurso

autónomo, só podendo ser impugnado no recurso que seja interposto da

sentença final (artigo 596.º, n.º3 PC). O juiz pode dispensar a audiência prévia

para este fim (artigo 592.º, n.º1, alínea a) CPC).

i) Programação da audiência final (artigo 591.º, n.º1, alínea g) CPC): o juiz designa,

por acordo com as partes presentes, nos termos do artigo 151.º, n,º.1 CPC, a data

da audiência final – ou as datas, se se previr mais do que uma sessão –, tendo

para o efeito em conta a duração provável das diligências probatórias a efetuar

antes dela (perícias, diligências por carta rogatória e outras). Os atos a realizar em

audiência são programados, mediante o estabelecimento do número de sessões

e da sua provável duração. No exercício do poder de gestão processual, o juiz,

ouvidas as partes, pode determinar um limite razoável de tempo folgado) para

os depoimentos a prestar em audiência, desde que com flexibilidade suficiente

para que seja plenamente respeitado o direito à prova.

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§13.º - Despacho saneador e despacho do artigo 596.º CPC:

Despacho saneador:

1. Função: o despacho saneador, seja ditado para a data da audiência prévia, seja

proferido por escrito quando esta não se faz ou, fazendo-se, a complexidade das

questões a resolver o justifiquem (artigo 595.º, n.º2 CPC), tem uma dupla

finalidade: a verificação da regularidade da instância, mediante o apuramento da

ocorrência dos pressupostos processuais ou de uma exceção dilatória, e a

apreciação de nulidade; o conhecimento imediato do mérito da causa. A primeira

constitui função normal do despacho saneador e razão de ser da sua própria

designação; a segunda é uma função eventual, destinada a evitar o retardamento

da decisão de mérito quando ela é, com segurança, já possível na fase da

condensação.

2. Conhecimento das exceções dilatórias: dizia-se, em primeiro lugar, na redação

primitiva do artigo 510.º, n.º1, alínea a) CPC (de 1961), que o despacho saneador

se destinava ao conhecimento das exceções dilatórias, segundo a ordem por que

eram enumeradas no então artigo 288.º (atual 278.º CPC), e das nulidades. Com

a revisão de 1995-1996 passou a dizer-se, quer quanto às exceções dilatórias,

quer quanto às nulidades processuais, que o juiz deve conhecer das que hajam

sido suscitadas pelas partes e das que, face à matéria de facto lhe cabia apreciar

oficiosamente. Este texto passou para o artigo 595.º, n.º2, alínea a) do atual CPC.

Esse texto ão impõe, como aliás, na melhor interpretação, o anterior também não

impunha, que seja referida no despacho saneador a ocorrência de todos os

pressupostos processuais (e a inocorrência de qualquer nulidade), ainda que só

dos que a lei enumera; impõe tão só que expressamente sejam apreciadas as

exceções dilatórias e as nulidades que as partes tenham suscitado e as que o juiz

entenda oficiosamente que concretamente se verificam ou são de verificação

duvidosa, entre as não excetuadas pela norma agora no artigo 578.º CPC. De

qualquer modo, se o juiz referir genericamente que se verificam determinados

pressupostos, dos constantes do artigo 577.º ou outros, o despacho saneador

não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua ser possível a

apreciação duma questão concreta do que resulte que o pressuposto

genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade (artigo 595.º, n.º3

CPC). Verificado que ocorre uma exceção dilatória, quando a falta ou

irregularidade que a origine não possa ou não tenha sido sanada, o juiz profere

a absolvição do réu da instância, a menos que a lei determine a remessa do

processo para outro tribunal (artigo 278.º, n.º1 e 2 CPC) ou que seja possível o

conhecimento de mérito antecipado, nos termos do artigo 595.º,n.º1, alínea b)

CPC e a decisão deva ser inteiramente favorável à parte cujo interesse o

pressuposto se destina a tutelar (artigo 278.º, n.º3 CPC).

3. Conhecimento de nulidades processuais: entre as nulidades processuais de que

cabe ao juiz conhecer no despacho saneador, contam-se as decorrentes do não

aperfeiçoamento de articulado irregular. Quando este for a petição e a nulidade

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for total, configura-se a nulidade de todo o processo, que tem, tal como a

ineptidão da petição inicial, o tratamento das exceções dilatórias. Nos outros

casos, há nulidade, total ou parcial, do articulado irregular, que o juiz declarará.

Com a exceção do caso em que, por nada se aproveitar do processado

(nomeadamente porque tal representaria diminuição das garantias do réu),

constitui a exceção dilatória do artigo 278.º, n.º1, alínea b) CPC, o erro na forma

do processo deve também ser conhecido no despacho saneador, sob pena de

sanação, se não o tiver sido anteriormente, em omento em que o processo seja

concluso ao juiz, nomeadamente para despacho liminar ou no fim dos articulados

(artigo 590.º, n.º1 e 2 CPC). O juiz anulará então aí os atos que tenham de ser

anulados, praticará e mandará praticar aquele3s que forem necessários para que

o processo se aproxime da forma estabelecida na lei e fará seguir, para o futuro,

a forma adequada (artigo 193.º, n.º1 CPC). Deve ainda o juiz conhecer no

despacho saneador das nulidades da contestação e dos atos subsequentes

praticados pelo réu, quando falte um seu pressuposto. Das que não são

oficiosamente cognoscíveis (artigo 196.º, 2.ª parte CPC), conhece logo que sejam

reclamadas (artigo 200.º, n.º3 CPC) e, portanto, tal só acontecerá o despacho

saneador quando a reclamação da parte, a fazer no prazo geral do artigo 199.º

CPC, imediatamente o anteceda.

4. Conhecimento de mérito: o juiz conhece do mérito da causa no despacho

saneador, total ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao

pedido ou à parte do pedido correspondente, não haja necessidade de mais

provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo.

5. Valor do despacho saneador: é diferente a força do despacho saneador

consoante nele se julguem questões processuais (exceções dilatórias e nulidades)

ou questões de Direito material (conhecimento de mérito, incluindo toda a

apreciação sobre exceções perentórias). No primeiro caso, a decisão é vinculativa

apenas no âmbito do processo (artigo 620.º CPC), podendo consequentemente

repetir-se uma ação com o mesmo objeto e entre as mesmas partes. No segundo,

produz também, tal como a sentença final de mérito, caso julgado material

(artigo 619.º e 621.º CPC); equiparado à sentença, impede a repetição da causa

(artigos 577.º, incisivo i), 580.º, n.º1 e 581.º CPC) e impõe a sua autoridade nas

causas relativamente às quais a primeira seja prejudicial.

Despacho do artigo 596.º CPC:

6. Matéria de facto e matéria de direito: a seleção dos factos da causa pressupõe

a distinção rigorosa entre matéria de facto e matéria de direito. Trata-se de uma

distinção fundamental, que atravessa todo o Processo Civil, desde a fase dos

articulados, em que fundamentos de facto e fundamentos de direito devem ser

tratados de modo estruturalmente distinto, porque cumprem funções distintas,

até à fase do julgamento, em que o tribunal começa por apurar os factos da causa

para só a seguir lhes aplicar o direito, e ainda à fase de recurso. Sabido que a

norma jurídica se decompõe em previsão (hipótese de facto, fattispécie ou

Tatbestand) e estatuição (efeito jurídico), a delimitação entre esta e os factos que,

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uma vez julgado que se verificaram, integram a previsão normativa não é

normalmente complicada, embora algumas questões possa colocar no plano da

interpretação da lei. Mais difícil é, por vezes, estabelecer a fronteira entre o

conceito jurídico utilizado pela lei na sua previsão e o facto que nele se subsume.

O facto é um acontecimento ou circunstância do mundo exterior ou da vida

intima do homem, pertencente ao passado ou ao presente, concretamente

definido no tempo e no espaço e como tal apresentando as características de

objeto (designadamente, da alegação processual e da prova feita em juízo). A

previsão legal e, em certa medida, a própria estatuição recorrem, por sua vez, a

tipos de facto, gerais e abstratos, e descrevem-nos utilizando conceitos de direito,

que resultam do tratamento de outros tipos de facto por outras normas do

sistema, como seu efeito jurídico. A pura descrição dos factos, a que depois, se

aplica a norma jurídica, deve abstrair, não só do efeito da norma, mas também

dos conceitos utilizados na operação de subsunção. Mas – e aqui começa a

dificuldade – na descrição corrente dos factos da vida são utilizados conceitos

jurídicos vulgarizados, quer porque o envolvimento jurídico da vida social

impregna a linguagem corrente de termos jurídico, quer porque a própria norma

jurídica surge por utilização, pelas partes nos articulados e pelo juiz na decisão

de facto, de conceitos jurídicos simples e inequívocos, correntemente utilizados

na linguagem vulgar, desde que não incidam sobre o ponto dúbio do litigio.

7. Identificação do objeto do litígio e enumeração dos temas da prova: a

revisitação da seleção da matéria de facto no Código revogado não foi gratuita,

pois, não só ajuda a entender a evolução que levou à opção do legislador de

2013, mas também contribui para fixar, com maior rigor, o sentido desta nova

opção, tida por fundamental. O projeto proveniente da comissão encarregada da

reforma do CPC de 1961, em momento em que ainda não se se aventura a

hipótese da elaboração dum novo Código, visava voltar à ideia que levara, em

1995-1996, a substituir o questionário pela base instrutória, mas suprimindo a

seleção dos factos assentes e determinando que o juiz, após o despacho

saneador, proferisse, quando a ação tivesse sido contestada, um

«despacho destinado a fixar os temas controvertidos, segundo as

várias soluções plausíveis de direito, e as questões essenciais de facto

carecidas de prova».

Esta formulação foi criticada: questões essenciais de facto e temas controvertidos

não estão no mesmo plano e entre eles havia que optar. Numa segunda

formulação, optou-se por dizer que o despacho a proferir se destinaria a

«identificar o objeto do litígio e a enunciar as questões essenciais do

facto que constituem tema da prova».

Finalmente, com a revisão ministerial manteve-se a identificação do objeto do

litígio, mas deixou de ser feita referência às questões essenciais de facto: são

enunciados, mais simplesmente, os temas da prova. Ficou assim arredada a ideia

de elencar factos descritos segundo a perspetiva do juiz, ainda que por natureza

provisória, sobre a distribuição do ónus da prova. As questões fundamentais

(causa de pedir e exceção) controvertidas constituem os grandes quadros de

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referência desta enunciação. Com isto, a prova não deixa de incidir sobre os

factos concretos que o autor alegou como constitutivos do seu direito, tal como

plasmados nos articulados (petição, réplica, articulado superveniente), bem como

sobre os factos probatórios de onde se deduza, ou não, a ocorrência desses

factos principais e sobre os factos acessórios que permitam ou vedem esta

dedução, uns e outros denominados no artigo 5.º, n.º2, alínea b) CPC como factos

instrumentais. Nesta medida, a norma geral do artigo 410.º CPC não é rigorosa,

como aliás resulta das normas, também gerais, dos artigo 412.º CPC e 420.º, n.º1

CPC e das normas especiais, entre outras, dos artigos 452.º e 454.º, 456.º, 475.º e

487.º, n.º3, 495.º, n.º1 e 503.º, n.º3 CPC, bem como das normas de direito material

contidas no Código Civil (máxime, as normas gerais dos artigos 341.º e 347.º CC).

Os articulados continuam a realizar a sua função de meio de alegação dos factos

da causa, essencial no que respeita aos factos principais e facultativo no que

respeita aos factos instrumentais. Por sua vez, a decisão de facto continua a incluir

todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais

(dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos

pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não

verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais:

o tribunal relata tudo o que, quanto ao tema controvertido, haja sido provado,

ainda sem qualquer preocupação quanto à distribuição do ónus da prova. Sobre

esta distribuição apenas a decisão de direito se preocupará. Consequentemente,

se o tribunal de recurso, em apelação ou em revista, vier a fazer uma

interpretação diferente da do tribunal de 1.ª instância, da norma, geral ou especial,

de distribuição do ónus da prova, os factos que interessem a esta nova perspetiva

constarão todo da decisão de facto, que por esse motivo não terá de ser alterada

ou completada. A distinção entre matéria de facto e matéria de direito esbate-se

no despacho do artigo 596.º CPC, que poderá enunciar os temas da prova usando

qualificações jurídicas que ana anterior base instrutória eram inadmissíveis.

Quanto à identificação do objeto do litígio, consiste na enunciação dos pedidos

deduzidos (objeto do processo) sobre os quais haja controvérsia.

2. Preparação das fases seguintes: nem todos os atos que se praticam na fase da

condensação se dirigem à realização de funções próprias da condensação do

processo. Nela têm também lugar os atos preparatórios das fases seguintes.

Assim, os fins da audiência prévia referidos nas alíneas e) e g) do artigo 591.º,

n.º1 CPC, bem como a faculdade de nela alterar o requerimento probatório

(artigo 598.º, n.º1 CPC), destinam-se, com caráter preparatórios, à prossecução

de objetivos da fase de instrução e da subsequente fase de discussão e

julgamento. Quando seja dispensada a audiência prévia, o despacho saneador e

o despacho do artigo 596.º, n.º1 CPC, bem como os despachos de adequação,

simplificação ou agilização e de programação da audiência final, são notificados

às partes pela secretaria. Se a parte quiser reclamar de algum destes despachos

(coma exceção do saneador), requererá, em 10 dias, a realização de audiência

prévia, onde as questões suscitadas serão apreciadas (artigo 593.º, n.º3 CPC). Se

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não for feita reclamação, as partes têm a faculdade de, no mesmo prazo, alterar

o requerimento de prova costituenda.

§20.º - Discussão:

Audiência final:

1. Conteúdo: a instrução do processo termina, como sabemos, na audiência final,

cuja data é designada na audiência prévia (artigo 591.º, n.º1, alínea g) CPC) ou,

quando ela seja dispensada, em despacho proferido nos termos do artigo 593.º,

n.º2, alínea d) CPC – em qualquer caso tendo em conta a duração provável das

diligências de prova a efetuar antes dela. Feita uma tentativa inicial de conciliação,

que se realiza sempre que o objeto do processo se contenha no âmbito do direito

disponível (artigo 604.º, n.º2 CPC), têm sucessivamente lugar na audiência final,

quando devam realizar-se, os depoimentos de parte, a exibição de documentos

não escritos, os esclarecimentos dos peritos para complemento da prova pericial

e a inquirição de testemunhas (artigo 604.º, alínea a) a d) CPC), sem prejuízo de

esta ordem poder ser alterada por decisão do juiz que a ela preside (artigo 604.º,

n.º8 CPC). Terminada a produção da prova, entra-se na fase da discussão da causa

(artigo 604.º, n.º3, alínea e) CPC). Na audiência final, reúnem-se o tribunal, as

partes e os intervenientes acidentais necessários à produção da prova, assim

como à ajuda técnica ao tribunal e Às partes, para com imediação, oral e

concentradamente, bem como em contraditório, realizarem os atos conducentes

ao apuramento da prova da matéria de facto. Nela passou também a ter lugar a

discussão, entre as partes, da matéria de direito da causa.

2. O tribunal: a audiência final decorre, no CPC de 2013, sempre perante juiz

singular (artigo 599.º CPC), haja ou não prova a produzir. Cabe às leis de

organização judiciária determinar o juiz singular competente (artigo 599.º CPC),

que na LOSJ é sempre o da causa. A audiência é sempre gravada (artigo 155.º,

n.º1 CPC).

3. Procedimento: o novo Código só admite o adiamento da audiência com três

fundamentos:

Impedimento do tribunal;

Falta de advogado, quando o juiz não tenha procedido à marcação da

audiência mediante prévio acordo com os mandatários judiciais, nos termos

do artigo 151.º, n.º1 a 3 CPC;

Justo impedimento, isto é, evento, não imputável à parte nem aos seus

representantes ou mandatários, que impeça a presença de pessoa que tenha

sido convocada (artigo 140.º CPC).

Realizando-se a audiência, nela têm – ou podem ter – lugar os seguintes atos:

Tentativa de conciliação (artigo 604.º, n.º2 CPC);

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Atos de instrução a ter lugar, como é regra, na audiência final (artigo 604.º,

n.º3, alíneas a) a d) CPC);

Discussão sobre a matéria da causa, de facto e de direito (artigo 604.º, n.º3,

alínea e) e 5 e 6 CPC).

Discussão: o início dos debates, englobando alegações de facto e de direito pressupõe

a prévia produção de todas as provas constituendas, assim como a apresentação de

todas as provas preconstituídas cuja manifestação, como fator probatório, não seja

imediata. Na parte das alegações relativa à matéria de facto, farão os advogados a análise

crítica da prova produzida, de modo a concluir sobre os factos que, na sua opinião,

devem – e os que não devem – ser dados como provados. Segue-se, na mesma alegação,

a perspetiva do advogado sobre a seleção das normas jurídicas aplicáveis ao caso, a sua

interpretação e a subsunção, nelas, dos factos por ele considerados assentes, prevenindo

embora a probabilidade de entendimento diversos sobre a prova dos factos. Na parte

de direito das suas alegações, os advogados não estão condicionados pela

fundamentação jurídica que tenham invocado nos articulados: não estando o juiz sujeito,

na sentença, às alegações de direito das partes (artigo 5.º, n.º3 CPC), tão pouco estas o

estão, ao expressarem o que, no seu entender, deve ser o conteúdo jurídico da sentença.

É dada primeiro a palavra ao advogado do autor e depois ao advogado doo réu,

podendo seguir-se resposta de cada um deles (artigo 604.º, n.º3 CPC). As alegações têm,

para cada advogado, o limite de tempo de uma hora e cada uma das respostas o de 30

minutos, sendo, porém, estes períodos reduzidos para metade nas ações de valor não

superior à alçada do tribunal da 1.ª instância; pode, porém, o juiz permitir, a

requerimento do advogado no uso da palavra, a continuação da alegação, quando tal se

justifique em consequência da complexidade da causa (artigo 604.º, n.º5 CPC).

Concluídos os debates, a audiência é encerrada e o processo é concluso ao juiz. Mas, se

este entender que há ainda que esclarecer algum ponto da matéria de facto, pode

ordenar a reabertura da audiência para nela se complementar qualquer meio de prova

produzido ou até produzir novo meio de prova (artigo 607.º, n.º1 CPC).

§21.º - Sentença

Conteúdo:

1. Julgamento da matéria de facto: no novo Código, a sentença engloba a decisão

de facto, e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal

declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que

considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quis os que

julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos

meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser

fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à

especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de

cada facto (artigo 607.º, n.º4, 1.ª parte, e 5 CPC). A sua análise crítica constitui um

complemento fundamental da gravação; indo, nomeadamente, além do mero

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significado das palavras do depoente (registadas em audiência e depois

transcritas), evidencia a importância do modo como ele depôs, as suas reações,

as suas hesitações e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou o

depoimento. Por outro lado, a necessidade de fundamentação séria leva,

indiretamente, o juiz a melhor confrontar os vários elementos de prova, não se

limitando à sua intuição ou às impressões mais fortes recebidas na audiência

decorrida e considerando, um a um, todos os fatores probatórios submetidos à

sua livre apreciação, incluindo, nos casos indicados na lei, os relativos à conduta

processual da parte. A fundamentação exerce, pois, a dupla função de facilitar o

reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador,

sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato

jurisdicional. Além dos factos cuja verificação está feita à livre apreciação do

julgador, o juiz deve considerar na sentença aqueles cuja prova resulte da lei

(artigo 607.º, n.º4, 2.ª parte CPC. Factos dados como provados em aplicação da

regra da livre apreciação da prova e factos provados como provados por

existência dum meio de prova legal constituem o substrato, reportado ao

momento do encerramento da discussão de facto (artigo 604.º, n.º3 CPC), da

operação de subsunção que ao juiz cabe seguidamente efetuar.

2. Julgamento de direito: a aplicação do direito pressupõe a delimitação das

parcelas da realidade a subsumir na norma jurídica, isto é, o apuramento de todos

os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as exceções deduzidas, sejam

relevantes para o preenchimento das respetivas previsões normativas, sejam elas

de normas processuais, sejam de normas de direito material. Aos factos assim

assentes o juiz aplica o direito, sem sujeição ao que as partes tiverem sobre isso

alegado (artigo 5.º, n.º3 CPC), pois iura novit curia, mas com respeito pelo artigo

3.º, n.º3 CPC, que proíbe as decisões-surpresa. A verificação dos pressupostos

processuais já teve, em princípio, lugar no despacho saneador (artigo 595.º, n.º1

CPC); mas, por falta de apuramento de elementos de facto para tanto necessários,

pode ter sido relegada para a decisão final (artigo 595.º, n.º4 CPC). Por outro lado,

as exceções dilatórias que, como é regra, sejam de conhecimento oficioso (artigo

578.º CPC) podem ser arguidas pelas partes (Artigo 573.º, n.º2 CPC) ou

oficiosamente suscitadas pelo tribunal a todo o tempo (artigo 97.º, n.º1 CPC para

a incompetência absoluta), salvo nos caos em que a lei determine, para tanto, um

momento limite, sendo que o despacho saneador só constitui caso julgado

formal quanto às questões que concretamente aprecie (artigo 595.º, n.º3 CPC). A

sentença final deve, por isso, começar pelo conhecimento das questões

processuais que possam conduzir à absolvição da instância (artigo 608.º, n.º1

CPC). Não havendo lugar à absolvição da instância, segue-se a apreciação do

mérito da causa. O juiz vai agora responder aos pedidos deduzido pelo autor e

pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que,

dependendo algum deles da solução dada a outro, a sua apreciação esteja

prejudicada pela decisão deste; o mesmo fará quanto às várias causas de pedir

invocadas, quando mais do que uma, em relação de subsidiariedade, funde o

pedido, bem como quanto as exceções perentórias que tenham sido deduzidas

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pelo réu ou pelo autor reconvindo e àquelas que deva ter conhecimento oficioso

(artigo 608.º, n.º2 CPC). «Resolver todas as questões que as partes tenham

submetido à sua apreciação» não significa considerar todos os argumentos que,

segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenha

deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Por um lado, através

da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser

consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida. Por outro lado,

o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação

e aplicação das normas jurídicas (artigo 5.º, n.º3 CPC) e, uma vez motivadamente

tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido,

nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente

analisadas. Ao dispensar a referência a outras vias de fundamentação jurídica

(alternativas ou subsidiárias) da decisão tomada, a boa fundamentação da

decisão obriga, porém, a afastar, ainda que sumariamente, os argumentos

contrários que, com seriedade, as partes tenham deduzido. Limitado pelos

pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar: a decisão, seja

condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que o que

foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida (artigo 609.º, n.º1 CPC).

O objeto da sentença coincide assim com o objeto do processo, não podendo o

juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido. Pode, porém, acontecer que,

em ação de condenação, os factos provados, embora conduzam à condenação

do réu, não permitam concretizar inteiramente a prestação devida. Tal pode

acontecer tanto nos casos em que foi deduzido um pedido genérico não

subsequentemente liquidado como naqueles em que o pedido se apresenta

determinado, mas os factos constitutivos da liquidação da obrigação não foram

provados. Em qualquer dos casos, o artigo 609.º, n.º2 CPC impõe a condenação

genérica: o tribunal condena o réu no que se vier a liquidar sem prejuízo de

condenação parcial na parte já liquidada (e provada).

3. Estrutura: a sentença compõe-se de três partes:

a. Relatório: o juiz identifica as partes e enuncia os pedidos deduzidos, bem

como as questões relativas à causa de pedir e às exceções, tanto as

suscitadas pelas partes como aquelas de que ao tribunal cumpre

oficiosamente conhecer (artigo 607.º, n.º2 CPC);

b. Fundamentação: o juiz discrimina os factos que considera provados,

determina as normas jurídicas aplicáveis, interpreta-as e aplica-as (artigo

607.º, n.º3 CPC), em obediência ao imperativo constitucional do artigo

205.º, n.º1 CRP;

c. Decisão: o juiz, consoante o casos, absolve o réu da instância ou responde

ao pedido deduzido pelo autor, nele condenando o réu ou dele o

absolvendo.

Acessoriamente, a sentença condena nas custas do processo a parte que lhe

tenha dado causa (artigo 527.º, n.º1, e 607.º, n.º6 CPC). Esta é, em princípio, a

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parte vencida (artigo 527.º, n.º2 CPC); mas será o autor se o réu, embora vencido,

não tiver contestado:

Ação constitutiva não originada em facto ilícito por ele praticado e que

não seja imposta pela finalidade de tutelar um seu interesse (artigo 535.º,

n.º2, alínea a) e 3 CPC);

Ação de condenação em obrigação que vença com a citação ou depois

de proposta a ação (artigo 535.º, n.º2, alínea b) CP;

Ação de condenação, ou de simples apreciação, relativa a obrigação que

conste de título com manifesta força executiva (artigo 535.º, n.º2, alínea c)

CPC);

Alão de declaração de falsidade de prova ou de declaração de nulidade

ou anulação de confissão, desistência ou transação, proposta em vez de

se recorrer diretamente ao recurso de revisão (Artigo 535.º, n.º2, alínea d)

e 696.º, alíneas b) e d) CPC).

Cabe ainda ao autor pagar as custas quando a instância se extinga por

impossibilidade ou inutilidade da lide (artigo 277.º, alínea e) CPC) que não resulte

de facto imputável ao réu (artigo 536.º, n.º3 CPC). Quando a atuação da parte

(ação do autor; defesa do réu) seja inicialmente fundada, mas circunstâncias

supervenientes que não lhe sejam imputáveis a ornem infundada, as custas são

repartidas por autor e réu em partes iguais (artigo 536.º CPC). Acessoriamente

também, sendo caso disso, a sentença condena a parte – ou, sendo esta incapaz,

o seu representante legal (artigo 544.º CPC) – que tenha litigado de má fé em

multa e indemnização para reparação do dano causado à parte contrária, se esta

a pedir (artigos 542.º, n.º1 e 543.º, n.º1 CPC). A litigância de má fé pressupõe dolo

ou negligência grave e consiste na dedução de pretensão ou oposição

infundamentada (artigo 542.º, n.º2, alínea a) CPC), na apresentação duma versão

dos factos deturpada ou omissa (artigo 542.º, n.º2, alínea b) CPC), em omissão do

dever de cooperação (artigo 542.º, n.º2, alínea c) CPC) e, em geral, no uso

reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o

impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou

o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (artigo

542.º, n.º2, alínea d) CPC). Como qualquer outra decisão judicial, a sentença é

notificada às partes, por iniciativa oficiosa da secretaria (artigo 220.º, n.º1 CPC). A

revelia não obsta à notificação, desde que o domicílio do réu (ou o seu local de

trabalho) seja conhecido (artigo 249.º, n.º5 CPC).

Vícios:

1. Elenco: além dos vícios respeitantes À formação ou expressão da livre convicção

do juiz no julgamento da matéria de facto, aflorados já, a sentença pode

apresentar vícios que geram nulidade, tornando-a totalmente inaproveitável para

a realização da função que lhe compete, e vícios de conteúdo, que podem afetá-

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la total ou apenas parcialmente. Os segundos podem ainda respeitar á estrutura,

aos limites ou à inteligibilidade da decisão, gerando anulabilidade, ou em erro

material, a retificar, todos caracterizando o que a doutrina tradicional usava

designar por errores in procedendo, ou consubstanciar erro de julgamento (error

in iudicando), gerando a injustiça da decisão. Neste quadro de vícios específicos

da sentença não entram as invalidades decorrentes da sua prolação em momento

processual inadequado. Não se trata então de vício de um ato que devesse ter

lugar, ma s da prática de um ato processual que não devia ter lugar no momento

em que foi praticado. Tão pouco cabe no quadro dos vícios específicos da

sentença a prolação da sentença for ado processo. Não constituem, finalmente,

vícios da sentença os casos em que ela é ineficaz, por circunstâncias extrínsecas

ao ato, preenchendo, porém, os requisitos do respetivo tipo legal. A anulabilidade

e a anulabilidade resultam de vícios genéticos do ato jurídico, consistentes na

falta dum requisito (pressuposto, elemento ou função) que exprime uma

divergência entre o ato concreto e o tipo legal ou, no campo do direito disponível,

a violação duma exigência das partes feita em conformidade com a lei, enquanto

a ineficácia resulta duma circunstância extrínseca ao ato que, por imperativo da

lei ou, no campo do direito disponível, por vontade das partes, impede ou

retroativamente destrói os efeitos jurídicos do ato; os pressupostos, que são por

definição circunstâncias extrínsecas ao ato que os pressupõe, constituem simples

requisitos de eficácia, quando não entram, por imposição da lei ou pela natureza

das coisas, a fazer parte do núcleo essencial dos requisitos do ato. Estão, no caso

de ineficácia:

a. A sentença proferida contra pessoa inexistente ou incapaz, cuja falta de

personalidade ou incapacidade não tenha sido verificada no processo;

b. A proferida (pelo menos em certos casos) sem intervenção nem

chamamento dum litisconsorte necessário, sem que a sua falta fosse

manifesta;

c. A proferida contra pessoa com imunidade diplomática, sem que a falta de

jurisdição do tribunal português tenha sido declarada;

d. A proferida sobre objeto já coberto pelo caso julgado (artigo 625.º CPC),

não excecionado ou não reconhecido no processo;

e. As destinadas a atuar, constitutivamente, numa relação jurídica

inexistente.

2. Nulidades: geram nulidade da sentença, impedido a produção dos seus efeitos,

não obstante a inércia das partes na invocação do vício:

a. A falta absoluta de poder jurisdicional de quem a profere;

b. A falta ou ininteligibilidade (artigo 615.º, n.º1, alínea c) CPC) da parte

decisória, como conteúdo mínimo essencial da sentença;

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c. A falta de assinatura do juiz, como requisito de forma essencial, cuja

insanabilidade só se harmoniza com a sua aposição ulterior, a

requerimento das partes ou por iniciativa oficiosa, pelo juiz que a proferiu

(artigo 615.º, n.º1, alínea a), 2 e 3 CPC).

3. Anulabilidade: respeitam à estrutura da sentença os fundamentos de

anulabilidade (nulidade, segundo a lei – terminologia que, apenas por razão de

simplicidade, passamos a usar) das alíneas b) (falta de fundamentação – artigo

607.º, n.º3 CPC) e c), 1.ª parte (oposição entre os fundamentos e a decisão), aos

seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia– artigo 608.º,

n.º2 CPC) e e) (pronúncia ultra petitum) e à sua ininteligibilidade o da alínea c),

1.ª parte, do artigo 668.º CPC. A nulidade da sentença pode ser total. Mas é

meramente parcial quando o vício apenas em parte a afete.

Efeitos:

1. Enunciação: a sentença produz efeitos, quer na ordem substantiva, quer na

ordem processual. Quando se torna definitiva, por já não ser suscetível de

reclamação nem de recurso ordinário, quer nenhuma impugnação tenha tido

lugar nos prazos legais, quer se tenham esgotado os meios de impugnação

efetivamente utilizados, transita em julgado (artigo 628.º CPC) e extingue a

instância (artigo 277.º, alínea a) CPC). Forma-se, então, o caso julgado, só formal

(com efeitos apenas no processo concreto) quando a sentença tenha sido de

absolvição da instância e simultaneamente formal e material (com efeitos dentro

e fora do processo) quanto tenha sido de mérito. É este o mais importante dos

efeitos da sentença. Mas a sentença tem outros efeitos: o esgotamento do poder

jurisdicional; a exequibilidade; o direito à constituição de hipoteca judicial; efeitos

reflexos ou laterais de direito material.

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Pressupostos processuais relativos ao tribunal: a competência internacional e a

competência interna10: a função jurisdicional está reservada pela Constituição aos tribunais

(artigo 202.º, n.º1 CRP). Fala-se em jurisdição para referir o poder de julgar que na organização

do Estado é atribuído aos tribunais. O termo jurisdição é também usado para referir o poder

genericamente atribuído a cada categoria de tribunais (ou ordens jurisdicionais) em face das

demais categorias. A expressão competência, por seu turno, designa a fração de poder

jurisdicional que é atribuída pela lei a cada tribunal. No nosso sistema, o poder jurisdicional está

repartido pelos vários tribunais: cada tribunal tem o poder de julgar apenas determinada espécie

ou determinado conjunto de litígios, e não todos os que lhe sejam submetidos pelas partes. A

cada tribunal é atribuída apenas uma parcela ou fração do poder jurisdicional: é a competência

abstrata desse tribunal. A competência concreta diz respeito ao poder reconhecido a um

determinado tribunal para julgar certo litigio. Para delimitar a fração do poder jurisdicional

atribuída a cada tribunal existem regras de competência: são as normas que definem os critérios

de repartição do poder jurisdicional e permitem determinar, relativamente a cada litígio, qual o

tribunal a quem foi atribuído o poder de o apreciar. A distribuição de competências ou do poder

jurisdicional por diversas entidades pode fazer surgir situações de conflito. Tal conflito pode ser

positivo (quando duas ou mais autoridades pertencentes a diversas atividades do Estado, ou dois

ou mais tribunais, se arrogam o poder de conhecer a mesma questão); ou negativo )quando duas

ou mais entidades públicas, ou dois ou mais tribunais, declinam o poder de conhecer uma

determinada questão). Os conflitos, positivos ou negativos, podem ser de jurisdição, quando se

estabelecem entre autoridades pertencentes a diversas atividades do Estado, ou quando

ocorrem entre tribunais pertencentes a diferentes ordens jurisdicionais. Os conflitos podem

ainda ser de competência, quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se

consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão. As regras para

resolver os conflitos de jurisdição e os conflitos de competência constam dos artigos 110.º a 114.º

CPC. OS conflitos de jurisdição são resolvidos, conforme os casos, pelo Supremo Tribunal de

Justiça ou pelo Tribunal dos Conflitos, e os conflitos de competência são solucionados pelo

presidente do Tribunal de menos categorias que exerça jurisdição sobre as autoridades em

conflito.

1. Modalidades de competência:

a. Competência internacional e competência interna: deve ter-se presente a

distinção entre, por um lado, o plano da competência internacional dos tribunais

portugueses e, por outro lado, o plano da competência interna. Sempre que o

litígio que é submetido a juízo apresenta elementos de estraneidade

relativamente à ordem jurídica portuguesa, põe-se, antes de mais, uma questão

de competência internacional dos tribunais portugueses. A competência

internacional dos tribunais portugueses é aquela fração do poder jurisdicional

que é atribuída aos nossos tribunais em face dos tribunais estrangeiros, para

julgar questões que estão conexionadas com ordens jurídicas estrangeiras. Só

depois de afirmada a competência internacional dos tribunais portugueses é que

poderá resolver-se o problema da competência interna, que resulta, como se

disse, da repartição do poder de julgar entre os vários tribunais.

b. Competência internacional dos tribunais portugueses:

10 Xavier, Rita Lobo; Folhadela, Inês; Castro, Gonçalo Andrade e; Elementos de Direito Processual Civil; Universidade Católica Editora • Porto; Porto, 2014.

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64

i. Regras nacionais sobre competência internacional: a existência de

litígios conexionados com várias ordens jurídicas nacionais obriga a que

cada ordenamento jurídico disponha de regras destinadas a definir os

critérios segundo os quais os seus tribunais são competentes para

resolver esses litígios: são as normas sobre competência internacional.

As regras nacionais sobre a competência internacional permitem apenas

determinar se os tribunais portugueses são no seu conjunto,

competentes para decidir o litígio; mas já não definem qual o tribunal

concretamente competente, no interior da jurisdição nacional, para

apreciar a questão. Essa é a função das regras de competência. Uma vez

que cada Estado define unilateralmente os critérios de distribuição do

poder jurisdicional, é inevitável que as diferentes ordens jurídicas

possam considerar os seus tribunais simultaneamente competentes

para o conhecimento de um mesmo litígio. Nessa hipótese, o autor

poderá escolher o tribunal (a jurisdição) no qual irá propor a ação, de

acordo com os seus interesses (forum shopping). Esta possibilidade é

ineliminável, embora possa ser combatida através da harmonização ou

mesmo uniformização das regras sobre a competência internacional.

ii. Regras vigentes em Portugal: o CPC contém regras sobre a competência

internacional dos tribunais portugueses nos artigos 59.º, 62.º e 63.º CPC.

A primeira destas normas logo adverte, porém, que o regime ali

estabelecido não prejudica o que se ache estabelecido em regulamentos

europeus e em outros instrumentos internacionais.

iii. Regulamento (CE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho,

12 dezembro 2012:

(a) Âmbito de aplicação material: o Regulamento aplica-se em

matéria civil e comercial, com exceção de questões atinentes ao

estado e capacidade das pessoas singulares, regimes

matrimoniais de bens, testamentos, sucessões, insolvências,

concordatas e processos análogos, segurança social e

arbitragem (artigo 1.º R);

(b) Âmbito subjetivo: o Regulamento aplica-se sempre que o

demandado tenha domicílio num dos Estados Membros (artigos

4.º e 6.º, n.º1 R). Existem porém, regras de competência

exclusiva que são aplicáveis qualquer que seja o domicilio do réu

(artigo 24.º CPC).

(c) A regra geral fixada no Regulamento para determinação da

competência internacional dos tribunais de um Estado Membro

consta do artigo 4.º R: se o réu tiver domicílio ou sede num

Estado Membro. Isto é: se o réu estiver domiciliado num Estado

Membro, os tribunais desse Estado são, em princípio,

competentes para a ação, não relevando a sua nacionalidade.

(d) O Regulamento admite, no entanto, em determinadas situações,

que o réu domiciliado noutro Estado Membro seja demandado

noutro Estado Membro: para o efeito, será necessário que aos

tribunais deste segundo Estado Membro seja reconhecida

competência por força dos critérios especiais enunciados nas

Secções 2 a 7 do Capítulo II do Regulamento (artigo 5.º, n.º1 R).

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Na Secção 2 estão previstas regras especiais que atribuem

competência a tribunais de Estados diversos do Estado de

residência do réu mas que não excluem a normal competência

dos tribunais deste último. Ou seja, o autor pode optar entre o

tribunal do Estado do domicílio e o daquele Estado para que

aponta o critério especial. Entre as competências especiais que

o demandante pode utilizar em alternativa à competência do

tribunal do Estado de domicílio do demandado salientam-se:

Em matéria contratual: a competência do tribunal do lugar

onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou

deveria ter sido cumprida (artigo 7.º, n.º2 R);

Em matéria extracontratual: a competência do tribunal do

lugar do lugar do facto danoso (artigo 7.º, n.º2 R).

Nas situações previstas nas Secções 3 a 7, diversamente, a

competência internacional é determinada unicamente pelas

regras especiais aí estabelecidas. Porém, nas hipóteses

contempladas nas Secções 3 a 5 o Regulamento continua a

privilegiar o critério do domicílio do réu, seja elegendo o tribunal

respetivo como exclusivamente competente, seja definindo

competência ao domicílio do demandado em alternativa com

outros. As disposições especiais contidas nestas três Secções

visam a proteção da parte considerada mais fraca,

estabelecendo regras de competência mais favoráveis aos seus

interesses do que a regra geral. Na Secção 6 preveem-se um

conjunto de regras de fixação de competência internacional em

matéria de direitos reais sobre imóveis ou o arrendamento de

imóveis (artigo 24.º, n.º1 R) e nas outras matérias elencadas nos

n.º 2 a 5 do artigo 24.º R. Estas regras determinam competências

exclusivas, que valem qualquer que seja o domicílio do réu.

Sendo proferida decisão em desrespeito pelas competências

exclusivas definidas nesse preceito (ou ainda pelas regras

especiais sobre competência em matéria de seguros e de

contratos celebrados por consumidores), não deverá ser

reconhecida essa decisão (artigo 45.º, n.º1, alínea c) R). Na

Secção 7 regulam-se os pactos atributivos de jurisdição,

reconhecendo-se às partes, com grande amplitude, a

possibilidade de livremente atribuírem aos tribunais de um

Estado Membro a competência para dirimirem os litígios que

tenham surgido ou possam resultar de uma determinada relação

jurídica (artigo 25.º, nº1 R). Tais pactos atributivos de jurisdição

deverão ser escritos, estar em conformidade com os usos que as

partes tenham estabelecido entre si ou que vigorem no comércio

internacional e nele sejam amplamente reconhecidos e

regularmente observados pelas partes, e, quando contratos

celebrados por consumidores ou de contratos individuais de

trabalho, não deverão ser contrários ao disposto nos artigos 15.º,

19.º 2 23.º R, respetivamente (artigo 25.º, n.º1 e 4 R). A

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competência assim estabelecida é exclusiva a menos que as

partes hajam convencionado em contrário. Também na Secção

7, agora no artigo 26.º, reconhece-se competência ao tribunal do

Estado-Membro no qual o réu haja sido demandado quando este

compareça perante esse tribunal, a menos que tal comparência

tenha como único objetivo arguir a incompetência ou que esteja

em causa a violação das regras de competência exclusiva do

artigo 24.º R.

(e) Se o réu não for domiciliado em Estado Membro, a competência

é regulada pela lei do Estado do foro, ressalvando-se a

competência exclusiva definida no artigo 24º. R e os pactos de

jurisdição (artigo 25.º R). Aquela competência exclusiva é

independente do domicílio do réu demandado e, por isso, existe

mesmo que este não seja domiciliado num Estado Membro: é o

que resulta do artigo 6.º, n.º1 R.

iv. Regras de competência internacional do Direito interno: os cirtérios de

atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses

estabelecidos na lei interna constam dos artigos 62.º, 63.º e 94.º CPC.

No artigo 62.º, estabelecem-se três critérios, tradicionalmente

designados como:

(a) Critério da coincidência (alínea a) );

(b) Critério da causalidade (alínea b) );

(c) Critério da necessidade (alínea c) ).

No artigo 63.º, estabelece-se o critério da exclusividade. Por último, no

artigo 94.º a lei permite, em certos termos, que as partes, por acordo,

atribuam competência aos tribunais portugueses para resolver uma

ordem jurídica ou que lhes retirem a competência de que, por aplicação

das demais regras legais eles gozavam.

v. Competência internacional legal: os critérios de aferição da competência

internacional dos tribunais portugueses estabelecidos nos artigos 62.º e

63.º CPC:

(a) Critério da exclusividade: no artigo 63.º indica-se o conjunto de

matérias relativamente às quais os tribunais portugueses são

exclusivamente competentes, em termos tais que não são,

sequer, reconhecidas, em Portugal, decisões que sobre essas

matérias sejam proferidas por tribunais estrangeiros (artigo

980.º, alínea c) CPC). Note-se, finalmente, que o artigo 63.º tem

de ser lido em conjugação com o artigo 24.º R. Assim, as regras

do artigo 63.º que determinam a competência exclusiva dos

tribunais portugueses só terão aplicação nos casos que não

forem subsumíveis à norma do artigo 24.º R.

(b) Critério da coincidência: para que os tribunais portugueses

disponham de competência para a ação, bastará que, de acordo

com as regras de competência territorial estabelecida na lei

interna, a ação possa ser proposta num tribunal português

(artigo 62.º, alínea a CPC). As regras da lei portuguesa que fixam

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a competência em razão do território permitem atribuir

competência internacional aos tribunais nacionais.

(c) Critério da causalidade: a ação poderá ser intentada em Portugal

se tiver sido praticado em território português o facto que serve

de causa de pedir à ação, ou algum dos factos que a integram

(artigo 62.º, alínea b) CPC).

(d) Critério da necessidade: os tribunais portugueses são

competentes quando não possa tornar-se efetivo o direito

invocado senão por meio de ação proposta em Portugal, ou

quando constitua para o autor dificuldade apreciável a sua

propositura no estrangeiro, desde que entre o objetivo de litígio

e a ordem jurídica nacional haja um elemento ponderoso de

conexão, pessoal ou real (artigo 62.º, alínea c) CPC).

vi. Competência internacional convencional: pactos atributivos de

jurisdição: tal como acontece no Regulamento (CE) n.º 1215/2012,

também o CPC permite, em determinados termos, que as partes

acordem sobre a matéria da competência internacional dos tribunais

portugueses, seja atribuindo-lhes competência, seja afastando a

competência que lhes está reconhecida. Trata dessa matéria o artigo

94.º CPC. Chamam-se pactos atributivos de jurisdição aqueles acordos

pelos quais as partes conferem competência aos tribunais portugueses

a competência que lhes é, em geral, reconhecida na lei, atribuindo-a em

exclusivo a tribunais estrangeiros, fala-se em pactos privativos de

jurisdição. A lei contempla igualmente a hipótese de a convenção de

escolha de um foro estrangeiro não excluir a competência dos tribunais

portugueses (competência convencional alternativa), mas estabelece a

presunção de que, em caso de dúvida, a atribuição de competência aos

tribunais estrangeiros se deve entender como exclusiva (artigo 93.º, nº2

CPC que está em linha do o estabelecido no artigo 25.º, n.º1 R). Os

requisitos de validade da convenção sobre a escolha da jurisdição

competente são bastante exigentes e estão estabelecidos no artigo 94.º,

nº.3 CPC: redução a escrito, disponibilidade dos direitos objeto de litígio,

aceitação pela lei do tribunal designado, escolha justificada por um

interesse sério de ambas as partes ou de uma delas sem que isso envolva

inconveniente de matéria de competência exclusiva dos tribunais

portugueses.

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c. Competência interna:

i. Sequência: na ordem interna, a jurisdição reporta-se pelos vários

tribunais por apelo à conjugação de certos critérios, entre os quais o da

matéria que a ação versa, o do valor da causa, o da hierarquia judiciária,

o do território e o da forma do processo. O CPC, no artigo 60.º, n.º2,

considera relevantes os quatro primeiros critérios referidos.

ii. Competência em razão da matéria: a estrutura e organização dos

tribunais judiciais é especialmente regulada no Título V da LOSJ, nos seus

artigos 31.º e seguintes. A competência dos tribunais judiciais em razão

da matéria é residual, ou seja, têm competência para todas as causas

que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (artigo 209.º, n.º1

CRP; artigo 40.º, n.º1 LOSJ). No mesmo sentido, afirma o artigo 80.º, n.º1

CPC que compete aos tribunais da comarca preparar e julgar os

processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros

tribunais. No quadro dos tribunais judiciais, os tribunais superiores são

tribunais de competência genérica, sem prejuízo de a sua organização

interna prever a existência de secções especializadas (artigos 32.º, n.º3,

47.º, n.º1 e 63.º, n.º3 LOSJ). No que se refere aos tribunais de 1.ª

instância, apesar de estes serem, em regra, os tribunais de comarca

(artigo 29.º, n.º3 e 79.º LOSJ), a verdade é que se prevê a existência, a

par destes, de tribunais de competência territorial alargada com

competência especializada em razão da matéria (artigo 33.º, n.º1 CPC).

Teremos, assim, em 1.ª instancia:

(a) Tribunais de comarca: são tribunais de competência genérica

(artigo 80.º, n.º1 LOSJ) e de competência especializada (artigo

81.º LOSJ); desdobram-se em:

a. Instâncias centrais: que integram secções de

competência especializada, ou seja, cuja competência é

determinada em função da matéria. Podem ser criadas

as seguintes secções de competência especializada:

i. Cível;

ii. Criminal;

iii. Instrução criminal;

iv. Família e menores;

v. Trabalho;

vi. Comércio;

vii. Execução.

As competências próprias das várias secções da

instancia central estão especificadas nos artigos 117.º e

seguintes LOSJ.

b. Instâncias locais: integram secções de competência

genérica e secções de proximidade, cujas competências

estão especificadas no artigo 130.º LOSJ; de assinalar

que as secções de competência genérica podem ser

desdobradas em secções cíveis e em secções criminais,

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e estas ainda em secções de pequena criminalidade

(artigos 130.º, n.º1 e 3 LOSJ).

(b) Tribunais de competência territorial alargada: são tribunais de

competência especializada e têm competência para mais do que

uma comarca ou sobre áreas geográficas especialmente

referidas na lei (artigo 65.º CPC e 83.º LOSJ). São tribunais de

competência territorial alargada cujas competências próprias

estão especificadas nos artigos 11.º e seguintes LOSJ:

a. Tribunal da propriedade intelectual;

b. Tribunal da concorrência, regulação e supervisão;

c. Tribunal marítimo;

d. Tribunal de execução de penas;

e. Tribunal central de instrução criminal.

iii. Competência em razão do valor: no que respeita à distribuição da

competência em relação do valor, a distinção que importa estabelecer é,

em 1.ª instância, entre as competências próprias da instância local e da

instância central do tribunal de comarca (artigo 66.º CPC). A

competência da instância local é residual, abrangendo a preparação e

julgamento de todos os processos relativos a causas não atribuídas a

alguma das secções da instância central ou a tribunal de competência

territorial alargada (artigo 130.º, n.º1, alínea a) LOSJ). A competência da

instância central é que é delimitada em razão do valor da causa, uma vez

que apenas lhe cabe a preparação e julgamento das ações declarativas

cíveis de processo comum de valor superior a 50000€, conforme resulta

do artigo 117.º, n.1º LOSJ11.

iv. Competência em razão da hierarquia judiciária: do ponto de vista da

hierarquia judiciária, a competência encontra-se distribuída entre os

tribunais de 1.ª instância, os tribunais da Relação e o Supremo Tribunal

de Justiça, segundo os critérios definidos nos artigos 67.º a 69.º CPC e

no artigo 42.º LOSJ. A regra geral, em matéria civil, é a de que os tribunais

superiores apenas conhecem dos recursos, e os tribunais de 1.ª instância

são competentes para conhecer de todas as ações. Prevê também a lei,

com caráter excecional, que determinadas ações sejam diretamente

propostas nos tribunais superiores (artigos 68.º, n.º1 e 69.º, n.º1 CPC).

Presentemente, essas ações são apenas as presentes nos artigos 73.º,

alínea b) e 59.º, alínea c) LOSJ e artigo 978.º e seguintes CPC.

v. Competência em razão do território: em função do território, a

competência de cada tribunal resulta da conjugação de duas referências:

a circunstância territorial corresponde ao tribunal e o fator de conexão

considerado decisivo atenta a natureza da ação. Quanto à circunscrição

de cada tribunal temos que:

(a) O Supremo Tribunal de Justiça exerce a sua jurisdição sobre todo

o território nacional;

(b) A área de competência dos tribunais da Relação é a definida no

Anexo I à LOSJ (artigo 32.º, n.º1) LOSJ);

11 Nas comarcas em que não haja secção de comércio as regras referidas são também aplicáveis às ações que caibam a essas secções (artigo 117.º, n.º2 LOSJ).

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(c) Os tribunais de comarca têm jurisdição sobre a área territorial

de competência da respetiva comarca, conforme definido no

ROFTJ (artigo 33.º, nº.4 LOSJ), o território nacional encontra-se

dividido em 23 comarcas (artigo 33º, n.º2 LOSJ);

(d) Os tribunais judiciais de 1.ª instância de competência alargada

têm uma área territorial de competência que excede a da

comarca e que se encontra definida no Anexo III LOSJ (artigo

83.º, n.º4 LOSJ).

No que respeita aos fatores que determinam, em cada caso, qual é o

tribunal territorialmente competente, a LOSJ remete, no artigo 43.º, n.º2

para a lei processual, sendo esta que estabelece os fatores que

determinam, em cada caso, o tribunal territorialmente competente. Os

referidos critérios de atribuição da competência em razão do território

constam dos artigos 70.º e seguintes CPC:

a. Foro do réu: a regra geral indica o domicílio do réu

(artigo 80.º, n.º1 CPC). A regra deste artigo 80.º vale

para o réu que seja uma pessoa singular. Na

determinação do domicílio, bem como na solução de

conflitos que a esse respeito se possam geral, valem as

regras dos artigos 82.º e seguintes CC. Nos n.º2 e 3 do

artigo 80.º CPC estabelecem-se soluções especiais para

réus domiciliados ou habitualmente residentes no

estrangeiro. Quando o réu for uma pessoa coletiva, será

demandado no tribunal da sede da administração

principal ou na sede da sucursal, agência, filiar,

delegação ou representação, conforme a ação seja

dirigida contra aquela ou contra estas (artigo 81.º, n.º2

CPC). Atente-se que, quando o réu for o Estado, se não

existir uma disposição especial, a ação deve ser

proposta no tribunal do domicílio do autor (artigo 81.º,

n.º1 CPC). Sublinhe-se, porém, que as regras destes

artigos 80.º e 81.º são de aplicação supletiva;

b. Foro real ou situação dos bens (artigo 70.º CPC): as

ações relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre

imóveis (entre as quais as ações de reivindicação de

imóveis do artigo 131.º CC), as alões de divisão de coisa

comum, de despejo, de preferência e de execução

específica sobre imóveis, e ainda as de reforço,

substituição, redução ou expurgação de hipotecas (com

a ressalva do n.º2 do artigo 70.º CPC) devem ser

propostas no tribunal onde estejam situados os bens

que delas são objeto;

c. Foro obrigacional (artigo 70.º, n.º1 CPC): a ação

destinada a exigir o cumprimento de obrigações ou a

indemnização pelo não cumprimento defeituoso e a

resolução do contrato por falta de cumprimento deve

ser proposta no tribunal do domicílio do réu quando

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este seja pessoa singular12. Quando o réu seja pessoa

coletiva, o autor poderá sempre optar entre o tribunal

do domicílio do réu e o do lugar do cumprimento.

d. Foro do lugar onde o facto ilícito ocorreu (artigo 71.º,

n.º2 CPC): é competente o tribunal do lugar onde o facto

ocorreu;

e. Foro do autor (artigo 72.º CPC): as ações devem ser

intentadas no tribunal do domicílio ou de residência do

autor.

vi. Extensão de competência: por força do disposto nos artigos 91.º e 93.º

CPC, o tribunal competente para a ação tem também competência para

conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu

suscite como meio de defesa, bem como das questões deduzidas por via

de reconvenção.

vii. Competência convencional: também no que respeita à competência

interna a lei permite que as partes convencionem sobre o tribunal

competente para a ação. O artigo 95.º CPC autoriza apenas que as partes,

por acordo, afastem as regras de competência em razão do território e

mesmo aí com exceção dos numerosos casos a que se refere o artigo

104.º CPC. No importante domínio das ações destinadas a exigir o

cumprimento de obrigações ou a indemnização pelo não cumprimento

ou cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de

cumprimento, a conjugação das normas dos artigos 95.º e 104.º, n.º1,

alínea a) conduz a que a escolha pelas partes do tribunal territorialmente

competente deva ser respeitada quando o réu seja pessoa coletiva ou

quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana do

Porto ou Lisboa, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.

Para ser válida, a convenção sobre a competência do tribunal deve

satisfazer os requisitos de forma do contrato que é fonte da obrigação,

contanto que seja reduzida a escrito, e deve dedignar as questões a que

se refere bem como o critério de determinação do tribunal que fica

sendo competente (artigo 95.º, n.º2 e 4 CPC). Daqui resulta que não é

necessário que as partes, no pacto de competência, indiquem o tribunal

competente, sendo suficiente que forneçam o critério que permita a sua

determinação. A norma exige que se indique as razões serias e

razoavelmente compreensíveis à luz dos interesses em discussão para o

afastamento do foro legal, veja-se o Acórdão Relação de Coimbra, 4 maio

2004.

2. Violação das regras de competência: a incompetência absoluta e a incompetência relativa:

a. Modalidades de incompetência: quando a ação é proposta num tribunal que não

é competente ocorre um vício de incompetência que constitui uma exceção

dilatória (artigo 577.º, alínea a) CPC). A nossa lei distingue duas modalidades de

incompetência: a incompetência absoluta, associada a consequências mais

12 Se o réu e o autor estiverem domiciliados na mesma área metropolitana o autor poderá

escolher entre o tribunal do domicílio do réu ou o do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida.

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drásticas, que decorre da violação das regras de competência internacional e das

regras de competência em razão da matéria e da hierarquia; a incompetência

relativa, de consequências menos gravosas, que decorre da infração das regras

de competência em razão do valor da causa e do território ou da violação do

estipulado em acordos sobre a competência interna (artigos 96.º e 102.º CPC).

b. Regime da incompetência absoluta:

i. Quem pode suscitá-la? Pode ser arguida por qualquer das partes e pode

ser suscitada oficiosamente pelo tribunal, exceto se decorrer da violação

de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral

voluntário (artigo 97.º, n.º1 CPC).

ii. Até quando pode ser arguida ou oficiosamente conhecida? Em qualquer

estado do processo, enquanto não houver sentença transitada em

julgado proferida sobre o fundo da causa; porém, só pode ser conhecida

oficiosamente ou ser arguida até ao despacho saneador ou até ao início

da audiência final (artigo 97.º, n.º1 e 2 CPC). Se o vício for arguido antes

de proferido o despacho saneador, deve conhecer-se imediatamente da

incompetência ou reservar-se a apreciação para esse despacho; se só

depois for invocado, deve ser logo apreciada e decidida a questão (artigo

98.º CPC).

iii. Consequências da incompetência absoluta: efeito de absolvição do réu

da instância ou o indeferimento liminar, quando haja lugar a despacho

desta natureza (artigo 99.º, n.º1 CPC). Porém, se a incompetência só dor

decretada depois de findos os articulados, poderão tais atos ser

aproveitados se o autor requerer a remessa do processo ao tribunal em

que a ação deveria ter sido proposta e o réu não oferecer oposição

justificada (artigo 99.º, n.º2 CPC).

c. Regime da incompetência relativa:

i. Quem pode suscitá-la? Pode ser arguida apenas pelo réu, mas já não

pelo autor (artigo 103.º, n.º1 CPC); o tribunal pode conhecer

oficiosamente da incompetência relativa nas hipóteses previstas no

artigo 104.º CPC.

ii. Até quando pode ser arguida ou oficiosamente conhecida? Pode ser

arguida pelo réu no prazo da contestação (artigo 103.º, n.º1 CPC);

quando a incompetência for de conhecimento oficioso, a questão deve

ser suscitada e decidida até ao despacho saneador ou, se a este não

houver lugar, até à prolação do primeiro despacho subsequente ao

termo dos articulados.

iii. Consequências da incompetência relativa: a procedência desta exceção

dilatória implicar apenas a remessa do processo para o tribunal

competente, com integral aproveitamento dos atos já praticados (artigo

105.º, n.º3 CPC).

iv. Valor da decisão sobre incompetência relativa: a decisão sobre a

competência, uma vez transitada em julgado, resolve definitivamente a

questão (artigo 105.º, nº2 CPC), pelo que, se a exceção for julgada

procedente e o processo remetido para outro tribunal, este fica

vinculado por aquela decisão e não pode recusar a competência que lhe

foi reconhecida pelo primeiro tribunal.

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Pressupostos processuais relativos às partes:

1. A personalidade judiciária: o artigo 11.º CPC define personalidade judiciária como a

suscetibilidade de ser parte, acrescentando que essa característica é reconhecida a todos

aqueles que tenham personalidade jurídica. Assim, por este critério de equiparação entre

a personalidade jurídica e a personalidade judiciária as pessoas singulares (artigo 66.º,

n.º1 CC), as pessoas coletivas de Direito Privado (artigo 158.º CC e 5.º CSC) ou de Direito

Público. A lei processual civil estende o conceito de personalidade judiciária a certas

entidades desprovidas de personalidade jurídica, de acordo com um critério de

separação patrimonial (artigo 12.º CPC). Essa extensão é feita também, relativamente a

sucursais, agências, filiais, delegações ou representações de pessoas jurídicas, atendendo

a um critério de imputação do facto: quando a ação procede de facto praticado por

aquelas (artigo 13.º, n.º1 CPC); ou quando, tendo o facto sido praticado pela pessoa

jurídica estrangeira, estiver em causa uma obrigação contraída com um português ou

com estrangeiro domiciliado em Portugal (artigo 13.º, n.º2 CPC). Como sublinha Lebre de

Freitas, a personalidade judiciária:

«É também pressuposto de cada ato processual que deva ser praticado pela

parte ou perante ela».

Por esse motivo, quando a personalidade judiciária se extingue no decurso da lide, a

instância deve suspender-se (artigo 269.º, n.º1, alínea a) CPC), ficando automaticamente

feridos de nulidade todos os atos praticados entre a data da extinção e a da suspensão

(artigo 270º.º, n.º3 CPC). Tratar-se-á de uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso,

que gera a absolvição da instância (artigo 278.º, n.º1, alínea c), 577.º e 578.º CPC).

2. A capacidade judiciária: a capacidade judiciária consiste na suscetibilidade de estar, por

si,, em juízo (artigo 15.º, n.º1 CPC). A capacidade judiciária tem por base e em medida a

capacidade do exercício de direitos no âmbito do Direito Civil (artigo 15.º, n.º2 CPC). Tal

significa que carecem de capacidade judiciária se as pessoas que não têm capacidade de

exercício; e que têm a sua capacidade judiciária limitada e na medida dessa limitação. Os

incapazes só poderão estar em juízo por intermédio dos seus representantes legais ou

autorizados pelo curador, conforme for o caso (artigo 16.º CPC). Face ao exposto, não

têm capacidade judiciária: os menores (artigos 123º. e 124.º CC), fora dos casos previstos

no artigo 127.º CC, que são representados por quem exerce as responsabilidades

parentais, em princípio, pelos seus pais (artigo 16.º, n.º2 e 3 e 18.º CPC), e os interditos

(artigo 139.º CPC), que são representados pelo tutor (artigo 16.º, n.º2 e 3 3 18 CPC). Os

inabilitados (artigo 153.º CC) têm uma capacidade judiciária limitada: podem estar em

juízo por si mesmos na medida da sua capacidade de exercício e, fora desse âmbito,

necessitam da intervenção do curador (artigo 19.º CPC). A lei prevê ainda a designação

de representantes especiais para as pessoas que se encontram de facto incapacitadas de

receber a citação, cabendo ao tribunal nomear-lhes um curator ad litem (artigos 20.º e

234.º CPC). A falta deste pressuposto processual é sanável nos termos dos artigos 27.º a

29.º CPC. Logo que o juiz se aperceba da incapacidade judiciária tem o poder-dever de,

oficiosamente e a todo o tempo, providenciar pelo seu suprimento (artigo 6.º e 28.º CPC).

Assim, se a incapacidade judiciária respeitar ao autor, o juiz ordenará a notificação do

seu representante legal (ou do seu curador), que pode ratificar o processado ou renová-

lo (regularizando a instância); se esta nada fizer, o juiz absolverá o réu da instância; se a

incapacidade respeitar ao réu, o juiz ordenará a citação do representante legal (ou do

seu curador), que pode ratificar o processado ou renová-lo (regularizando a instância);

se este nada fizer, a ação prosseguirá, cabendo ao Ministério Público a defesa do incapaz

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(artigo 21.º CPC). As pessoas coletivas e as sociedades são representadas em juízo por

quem a lei, os estatutos ou o contrato social designarem (artigo 25.º CPC), e as entidades

com mera personalidade judiciária pelos administradores, ou pelas pessoas que ajam

como diretores, gerentes ou administradores (artigo 26.º CPC). A irregularidade de

representação é suprível mediante a intervenção do representante legítimo. Logo que o

juiz se aperceba de tal irregularidade tem o poder-dever de, oficiosamente e a todo o

tempo, providenciar pelo seu suprimento (artigo 6.º e 28.º CPC).

3. A legitimidade:

a. Critérios legais de determinação da legitimidade: o pressuposto da legitimidade

diz respeito à relação das partes com a concreta pretensão deduzida. Ser parte

legítima é ter uma relação direta com o objeto do litígio. De acordo com o artigo

30.º, n.º1 CPC, o autor é parte legítima quando tem interesse direto em

demandar, e o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.

Tal interesse exprime-se pela utilidade ou pelo prejuízo que advenha da

procedência da ação (artigo 30.º, n.º2 CPC). Faltando esse interesse direto,

haverá uma ilegitimidade, que, se não for sanada, conduzirá à absolvição do réu

da instância (artigo 278.º, n.º1, alínea d) CPC). O n.º3 do artigo consagra um

critério supletivo acerca da determinação dos titulares do interesse relevante

para efeitos de apuramento da legitimidade:

«na falta de indicação legal em contrário, são considerados titulares

do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da

relação controvertida tal como é configurada pelo autor».

Por outras palavras, a relação material que interessa para aferição da

legitimidade é aquela que o autor descreveu na petição inicial e não a que venha

a apurar-se na própria causa. A parte final do n.º3 do artigo 30.º consagrou um

conceito virtual de legitimidade: o que interessa é que, na história que o autor

narra na petição inicial, as partes desempenham o papel de titulares da relação

material controvertida, ainda que porventura não o sejam na realidade. Para

apuramento da legitimidade, o juiz ficciona que a relação controvertida existe e

que existe tal como foi narrada pelo autor na petição inicial. Por isso, mesmo que

não se venha a comprovar a existência da relação material controvertida e a sua

titularidade pelas partes identificadas, tal não implicará a absolvição da instância

com fundamento em ilegitimidade processual. O pressuposto processual da

legitimidade deve, portanto, ser aferido em concreto, à luz do objeto da ação.

b. Ilegitimidade singular e ilegitimidade plural: quando a mesma situação jurídica

controvertida diz respeito a uma pluralidade de pessoas, todas têm de estar em

juízo: são os casos de imposição de litisconsórcio – litisconsórcio necessário legal,

negocial ou natural. A preterição do litisconsórcio necessário – a pretensão tem

de ser deduzida por várias pessoas ou contra várias pessoas – hera a

ilegitimidade plural. Ao contrário do que sucede com a ilegitimidade singular,

que é insanável (artigo 278.º, n.º1, alínea d) CPC), a ilegitimidade plural é sanável

através do incidente da intervenção principal, espontânea ou provocada, nos

termos dos artigos 311.º e 316.º, n.º1 (artigo 261.º CPC). Uma vez requerida essa

intervenção, se o chamado não intervier, depois de citado, fica sanada a

ilegitimidade (artigo 320.º CPC).

4. Patrocínio judiciário quando obrigatório: o patrocínio judiciário consiste na representação

e assistência técnica proporcionadas às partes por advogados (ou solicitadores), a fim de

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conduzirem o processo, de acordo com as regras legais. O patrocínio judiciário só

constitui pressuposto processual quando é imposto ao autor (artigo 577.º, alínea h) CPC)

e só o é nos casos previstos no artigo 40.º, n.º1 CPC:

a. Nas causas em que seja admissível;

b. Nas causas em que admitem sempre recurso (artigo 629.º, n.º2 e 3 CPC);

c. Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores (v.g. artigo 979.º

CPC).

Nos causas em que o patrocínio não é obrigatório, as partes podem pleitar por si ou

serem representadas por advogados estagiários ou por solicitadores (artigo 42.º CPC). A

falta, insuficiência ou irregularidade do patrocínio podem ser suscitadas pela parte ou

pelo tribunal a todo o tempo e são sanáveis (artigo 48.º, n.º1 e 2 e 41.º CPC). Porém, não

sendo sanada essa falta, haverá lugar à absolvição do réu da instância (quando a falta

respeite ao auto); se a falta respeitar ao réu, ou ao seu mandatário, ficará sem efeito a

defesa (artigo 41.º CPC).

5. O interesse em agir do autor como pressuposto processual: o interesse processual não é

referido na lei processual portuguesa como pressuposto de forma expressa. Ainda que

Miguel Teixeira de Sousa sustente que a exigência do interesse processual como

pressuposto resulta do n.º2 do artigo 30.º CPC. Alguns autores rejeitam o interesse

processual como pressuposto, apoiando-se no artigo 535.º, n.º1 CPC, para concluir que

a falta de interesse processual apenas implicaria a responsabilidade do autor pelas custas

da ação. Contudo, a doutrina e a jurisprudência maioritária exigem-no, para evitar a

proposição de ações inúteis porque referentes a pretensões que manifestamente não

carecem de tutela judiciária. Em face desta finalidade, Miguel Teixeira de Sousa sustenta

que o réu nunca deve ser absolvido da instância por falta deste pressuposto sem que o

tribunal averigue se nesse momento le é possível concluir pela improcedência da ação

(artigo 278.º, n.º3, in fine CPC). Mas só excecionalmente, e em casos mais flagrantes, é

que deve reconhecer-se essa falta de interesse em agir. Nas palavras de Antunes Varela,

o interesse processual consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer

prosseguir a ação. Terá, pois, de haver uma situação objetiva de carência, justificando

assim o recurso à tutela jurisdicional. Nas ações declarativas de condenação e nas ações

executivas. O interesse processual resultará da afirmação de que um direito de que o

autor é titular foi violado; nas ações declarativas constitutivas, o interesse processual

decorrerá de se afirmar a existência de um direito potestativo que deva ser exercido

através de uma ação judicial; nas ações declarativas de simples apreciação, o interesse

processual dependerá da invocação de uma situação de incerteza, que seja grave e

objetiva. O interesse processual não se confunde com a legitimidade processual: o autor

pode ser o titular da relação material controvertida – tendo, por isso, um interesse

potencial em contradizer – e não ter, face às circunstâncias concretas da sua situação,

necessidade efetiva de recorrer à tutela jurisdicional. A falta de interesse processual

constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (artigo 578.º CPC). A falta deste

pressuposto é insanável, devendo o juiz abster-se de conhecer do mérito da causa e

absolver o réu da instância. Contudo, o réu nunca deve ser absolvido da instância por

falta deste pressuposto sem que o tribunal averigue se nesse momento lhe é possível

concluir pela improcedência da ação (artigo 278.º, n.º3, in fine CPC).

6. A pluralidade das partes: pode existir uma pluralidade de partes – de autores e/ou réus –

desde o início ou não desenvolvimento da ação. A pluralidade de partes pode revestir

modalidades diferentes. A lei processual distingue o litisconsórcio da coligação. No

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litisconsórcio, o mesmo pedido é formulado por várias partes e/ou contra várias partes.

A pluralidade de partes corresponde à pluralidade na contitularidade na mesma relação

material controvertida. Na coligação (artigo 36.º CPC), pedidos diferentes são formulados

por várias partes e/ou contra várias partes. O litisconsórcio será ativo, passivo ou misto,

consoante a pluralidade ocorra do lado dos autores, do lado dos réus ou de ambos.

a. Litisconsórcio necessário: legal, negocial ou natural (artigo 33.º CPC): quando são

vários os titulares e é obrigatória a intervenção de todos eles. Exemplos de

litisconsórcios necessários legais encontram-se no artigo 34.º CPC e nos artigos

419.º e 1410.º CC. Nestas situações, a falta em juízo de algum dos titulares da

relação material controvertida gera ilegitimidade plural (sanável mediante

intervenção principal de terceiro, a qual poderá ocorrer mesmo depois de

declarada a absolvição do réu da instância (artigo 261.º CPC);

b. Litisconsórcio voluntário: (artigo 32.º CPC) quando são vários os titulares da

relação material controvertida, mas a lei não exige a intervenção de todos. Por

isso, a constituição deste litisconsórcio é facultativa, dependendo apenas da

vontade das partes. O artigo 29.º CPC explicita a distinção entre litisconsórcio

necessário e o voluntário: no primeiro há uma única ação com pluralidade de

sujeitos; no segundo há uma simples acumulação de ações, conservando cada

litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes. Isto não

significa, porém, que seja indiferente a presença de todos os interessados ou de

só alguns deles, pois, em princípio, o tribunal só conhecerá da quota-parte do

interesse ou da responsabilidade daqueles que intervierem na lide, conforme o

artigo 27.º, n.º1, in fine, bem como a exceção prevista no n.º2 do mesmo artigo.

A figura do litisconsórcio (voluntário) abrange também os casos de pluralidade subjetiva

subsidiária previstos no artigo 39.º CPC: essa pluralidade também é admissível do lado

do autor. No que diz respeito à coligação, é permitido vários autores deduzirem pedidos

diferentes (coligação ativa) contra um ou vários réus (coligação passiva), desde que haja

identidade da causa de pedir (artigo 36.º, n.º1 CPC); também é permitida a coligação,

mesmo que seja diferente a causa de pedir, se a procedência dos pedidos depender da

apreciação dos mesmos factos, ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de

direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas (artigo 36.º, n.º2 CPC). A

admissibilidade da coligação depende ainda de não se verificar alguns dos obstáculos

previstos no artigo 37.º n.º1 CPC:

Aos pedidos não podem corresponder formas de processo diferentes (n.º2);

A cumulação de pedidos não pode ofender regras de competência internacional

ou em razão da matéria ou da hierarquia.

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A intervenção de terceiros:

1. Intervenção principal: a pluralidade de partes pode surgir no início do processo ou no seu

decurso através do incidente da intervenção de terceiros. A questão geral subjacente aos

incidentes da intervenção de terceiros é a da legitimidade processual. Assim, a distinção

entre os tipos fundamentais de intervenção de terceiros decorrente da diferente

conexão com o objeto do processo. A intervenção principal confere a posição de parte

principal, com os direitos processuais inerentes; a intervenção como parte acessória

(com interesse dependente da parte principal) subordina-se à atividade da parte que vai

auxiliar. Essas intervenções podem ser espontâneas, quando ocorrem por iniciativa do

interveniente, ou provocadas, quando resultam de requerimento de uma das partes

principais, caso em que se fala em chamamento.

a. Intervenção principal: este incidente tem por finalidade levar um terceiro a fazer

valer em interesse igual ao do autor ou do réu nos termos dos artigo 32.º, 33.º e

34.º CPC. O interveniente principal assume a posição de parte principal, como

autor ou como réu (artigo 312.º e 317.º CPC). A intervenção principal tem

relevância nas seguintes hipóteses:

i. Preterição do litisconsórcio necessário (artigos 33.º 3 311.º CPC): neste

caos o incidente vem possibilitar a sanação da ilegitimidade plural

decorrente da falta de uma parte em juízo. Esta intervenção é permitida

mesmo depois de uma decisão de absolvição da instância (artigo 261.º

CPC);

ii. Constituição de litisconsórcio voluntário (artigos 32.º e 311.º CPC): neste

caso o incidente vem possibilitar a constituição como parte de um

terceiro que podia ter sido demandado com o réu;

iii. Pluralidade subjetiva subsidiária (artigos 39.º e 316.º, n.º2 CPC): neste

caso o autor chama a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda

deduzir o pedido subsidiário (intervenção provocada).

1. Intervenção principal espontânea e provocada: a intervenção

principal espontânea pode ter por fim a constituição do

litisconsórcio (voluntário ou necessário) seja do lado do autor,

seja do lado do réu. Para o efeito, o interveniente poderá

apresentar articulado próprio, se o fizer até ao termo da fase dos

articulados (artigo 314.º CPC) ou poderá aderir, por simples

requerimento, aos articulados de parte com quem se associa,

caso em que a sua intervenção pode ter lugar a todo o tempo,

enquanto não estiver definitivamente julgada a causa, que o

interveniente aceita no estado em que estiver (artigo 313.º CPC).

Requerida a intervenção pelo terceiro, o juiz, se não houver

razão para a indeferir liminarmente, decide da admissibilidade

do incidente após audição das partes primitivas (artigo 319.º,

n.º1 CPC). O âmbito da intervenção principal provocada é

distinto consoante se trate de um chamamento para intervir no

processo numa situação de litisconsórcio necessário e seja

requerida pelo autor ou pelo réu. A intervenção principal

provocada pode ter por objeto a sanação da ilegitimidade plural

decorrente da preterição do litisconsórcio necessário, do lado

ativo ou do lado passivo, caso em que pode ser requerida por

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qualquer das partes, ate ao termo da fase dos articulados

(artigos 316.º, n.º1 e 318.º, n.º1, alínea a) CPC). Em todas as

situações de intervenção provocada, se esta for admitida, o

terceiro é chamado ao processo por meio de citação e poderá

intervir, seja declarando que faz seus os articulados do autor ou

do réu, seja apresentando articulado próprio, mas aí terá a

intervenção de ocorrer dentro de prazo igual ao que na ação seja

facultado para a contestação; se intervir passado esse prazo,

terá de aceitar o articulados da parte a que se associa a todos os

atos já praticados no processo (artigo 319.º CPC).

2. Intervenção acessória:

a. Intervenção acessória provocada: tem por finalidade permitir que possa intervir

no processo como auxiliar, a chamamento do réu, um terceiro, que embora

careça de legitimidade para intervir como parte principal, tenha um interesse

reflexo ou indireto na decisão da causa. O réu chamará a intervir um estranho à

relação material controvertida, com base na invocação contra ele de um possível

direito de regresso, que lhe permitirá ressarcir-se do prejuízo que lhe causa a

perda da demanda (artigo 321.º CPC) A sua posição será assim uma posição

subordinada, não podendo contrariar o assistido, nem praticar atos que ele

tenha deixado de poder praticar (artigos 323.º e 328.º, n.º2 CPC). O juiz, ouvida

a parte contrária, apreciará a relevância do interesse que está na base do

chamamento deferindo-o (artigo 322.º, n.º2 CPC):

«quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal

andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da

viabilidade da ação de regresso e da sua efetiva dependência das

questões a decidir na causa principal».

b. Intervenção acessória espontânea: assistência: o artigo 326.º CPC admite

ainda como modalidade de intervenção acessória a assistência, isto é, a

intervenção espontânea de um terceiro que tenha interesse jurídico em

que a causa seja favorável a uma das partes, com o objetivo de a auxiliar.

O terceiro terá um interesse atendível quando seja titular de uma relação

cuja consistência prática ou económica depende da pretensão do assistido.

O assistente pode intervir a todo o tempo mas tem de aceitar o processo

no estado em que o encontrar (artigo 327.º, n.º1 CPC). O assistente tem

no processo a posição de auxiliar de uma das partes principais estando a

sua atividade subordinada a dessa parte, embora goze dos mesmos

direitos e esteja sujeito aos mesmos deveres (artigo 328.º, n.º1 e 2 CPC).

3. Oposição: a oposição tem por finalidade trazer à lide um terceiro que vem fazer valer um

direito próprio, incompatível com a pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte.

Pode ser espontânea (artigo 333.º CPC) ou provocada pelo réu (artigo 338.º CPC). A

posição do oponente é de parte principal, em princípio, numa terceira posição

independente das partes iniciais ou substituindo a parte que reconhecer o direito do

oponente – a qual nesse caso abandona o processo (artigo 335.º e 337.º CPC).

4. Efeitos da intervenção de terceiros: a oportunidade da intervenção varia consoante a

modalidade considerada. A intervenção de terceiros, nas diversas modalidades que

acabamos de referir, é deduzida em articulado da causa ou em requerimento autónomo,

consoante os casos e os momentos em que ocorra. E leva obviamente à modificação

subjetiva da instância. Pode também gerar-se uma modificação no objeto do processo,

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nomeadamente a sua ampliação (como sucederá no caso da oposição). A produção de

caso julgado ocorrerá sempre, nos casos em que o terceiro aceite intervir. Em

contrapartida, quando a intervenção ou oposição é provocada, mas o chamado se recusa

a intervir a decisão a proferir no processo só constituirá caso julgado contra ele nos casos

dos artigos 320.º, 323.º, n.º3, 332.º e 340.º, n.2º CPC:

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Título I – As partes processuais13

Capítulo I – A qualidade de parte

§1.º - Posição processual da parte

Noção de parte processual: as partes processuais são os sujeitos que requerem ou contestam

a concessão de tutela judiciária para uma determinada situação subjetiva ou que auxiliam a

parte que a requer ou a contesta. A parte que requer a tutela é o autor e a parte que a contesta

é o réu; a parte que auxilia o autor ou o réu é uma parte acessória.

As partes no processo:

1. Princípio da dualidade das partes: todo o processo pressupõe duas partes: a parte ativa,

ou autor, e a parte passiva, ou réu. Se alguma faz partes falecer ou se extinguir, a

instância fica suspensa até à notificação da decisão que considera habilitado o sucessor

da pessoa falecida ou extinta (artigos 269.º, n.º1, alínea a) e 276.º, n.º1, alínea a) CPC).

Dele também resulta que o processo não pode prosseguir se se verificar a confusão da

situação litigada numa única das partes, uma parte não pode ser representada pela

outra, ambas as partes não podem ser representadas pelo mesmo representante e não

é admissível uma ação entre duas filiais ou sucursais de uma mesma sociedade.

2. Parte e representante: toda a parte age em nome próprio, pelo que não é parte aquele

que age em nome alheio. O representante, legal ou voluntário, não é parte, pois que,

verificando-se essa situação de representação, a parte é sempre o representado.

3. Parte principal e acessória: as partes principais são aquelas que requerem ou contestam

a concessão da tutela judiciária: o autor e o réu. As partes acessórias são os titulares de

situações jurídicas conexas com o objeto do processo que ocupam em juízo a posição

de auxiliar de uma das partes principais. O Direito positivo só prevê a intervenção da

parte auxiliar durante a pendência do processo através da assistência (artigo 326.º, n.º1

CPC), a qual é admissível nomeadamente quando o assistente for titular de uma relação

jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão da parte assistida

(artigo 326.º, n.º1 CPC).

4. Parte inicial e subsequente: a aquisição da qualidade de parte pode verificar-se no

momento da propositura da ação ou durante a pendência da causa. As partes iniciais sã

o autor e o réu, mas a qualidade de parte também se pode adquirir durante a pendência

da ação por sucessão (inter vivos ou mortis causa) na titularidade do objeto do processo

ou por uma das situações de intervenção de terceiros (reguladas nos artigos 311.º a

350.º CPC). As modalidades da intervenção de terceiros são a nomeação à ação (artigos

311.º a 315.º CPC), o chamamento à autoria (artigos 316.º e 317.º CPC), o chamamento

13 Sousa, Miguel Teixeira de; As partes, o objeto e a prova na ação declarativa. (as famosas folhas)

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à demanda (artigos 321.º a 325.º CPC), a assistência (artigos 326.º a 332.º CPC), a

oposição (artigos 333.º a 341.º CPC) e a intervenção principal (artigos 342.º a 350.º CPC).

Parte acessória:

1. Condições da intervenção: a intervenção como assistente é admissível sempre que o

terceiro tenha um interesse jurídico em que a decisão da causa seja favorável a uma das

partes (artigo 326.º, n.º1 CPC), o que sucede quando o assistente for titular de uma

relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão da parte

assistida (artigo 326.º, n.º2 CPC). Assim, por exemplo, a assistência é admissível sempre

que o terceiro que pretende intervir fique abrangido pelo caso julgado da decisão

proferida na ação, mesmo que não venha a ser parte na causa, ou esteja vinculado a um

direito de regresso de uma das partes do processo.

2. Posição processual: o assistente tem no processo a posição de auxiliar de uma das

partes principais (artigo 328.º, n.º1 CPC), pelo que tem de aceitar o processo no estado

em que se encontrar no momento da sua intervenção (artigo 327.º, n.º1 CPC). Além

disso, apesar de gozar dos mesmos direitos e estar sujeito aos mesmos deveres da parte

assistida, a sua atividade está subordinada à desta parte principal, não podendo praticar

atos que aquela tenha perdido o direito de praticar, nem assumir atitude que esteja em

oposição com a do assistido (artigo 328.º, n.º2 CPC). Dada a posição subordinada do

assistente perante a parte assistida, a assistência não retira a liberdade de confissão,

desistência ou transação reconhecida àquela parte principal (artigo 331.º CPC), mas, em

contrapartida, o assistente não pode confessar ou desistir do pedido ou celebrar

transação. A sentença proferida na causa constitui, naturalmente, caso julgado em

relação ao assistente (artigo 332.º CPC). Deste modo, numa eventual ação proposta pela

parte assistida contra o assistente, o assistente está impedido de invocar qualquer

negligência da parte assistida na ação em que esta foi condenada.

O Ministério Público:

1. Função: o Ministério Público é o órgão do Estado encarregado de o representar, exercer

a ação penal e defender a legalidade democrática e os interesses determinados pela lei

(LOMP).

2. Posição processual: o Ministério Público pode intervir como parte principal ou acessória.

Intervém como parte principal, nomeadamente, quando representa o Estado, as regiões

autónomas e as autarquias locais, os incapazes, os incertos e os ausentes e nos

inventários obrigatórios.

Identidade e modificação da parte:

1. Identidade: o critério que afere a identidade das partes é, como se infere do disposto

no artigo 560.º CPC, essencialmente qualitativo e jurídico: as partes são idênticas

quando possuem a mesma qualidade jurídica. Assim, por exemplo, o transmitente e o

adquirente são partes idênticas, porque ambos possuem a mesma qualidade de titular

de um direito ou de um bem.

2. Modificação: a parte processual pode modificar-se durante a pendência da causa. Essa

modificação pode verificar-se quer por substituição da parte proveniente da sucessão,

inter vivos ou mortis causa, no objeto do processo (artigo 262.º, alínea a) CPC), quer

pela intervenção de outras partes (que podem ser principais ou acessórias) ao lado da

parte inicial (artigo 262.º, alínea b) CPC). Aquela substituição e esta intervenção podem

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ser facultativas ou necessárias. A substituição da parte falecida é necessária, porque o

processo não pode subsistir sem uma das partes (artigo 269.º, n.º1, alínea a) CPC), mas

a substituição da parte que transmitiu a coisa ou direito litigioso pelo seu adquirente é

facultativa (artigo 263.º, n.º1 CPC). Também a intervenção de terceiros pode ser

necessária ou facultativa, consoante a presença do terceiro em juízo ou não

indispensável para assegurar a legitimidade processual (artigo 261.º, n.º1 CPC).

§2.º - Personalidade judiciária

Noção: a personalidade judiciária é a suscetibilidade de ser parte processual (artigo 11.º, n.º1

CPC). Só pode ser parte processual quem tiver personalidade judiciária.

Critérios atributivos:

1. Enunciado: a personalidade judiciária é atribuída em função do critério da coincidência,

da diferenciação patrimonial, da afetação do ato e da proteção de terceiros.

2. Critério da coincidência: de acordo com o critério da coincidência, a personalidade

judiciária é concedida a todas as pessoas jurídicas, singulares ou coletivas (artigo 11.º,

n.º2 CPC). Assim, todo o ente juridicamente personalizado tem igualmente

personalidade judiciária, ativa ou passiva. São pessoas coletivas as associações e

fundações com personalidade jurídica (artigo 158.º CC), as sociedades comerciais (artigo

5.º CSC) e as sociedades civis sob forma comercial (artigo 1.º, n.º4 CSC). Note-se, ainda,

que todas as pessoas coletivas públicas possuem necessariamente personalidade

judiciária. Relativamente a sujeitos ou pessoas estrangeiras, há que considerar o artigo

26.º, n.º1 CC, segundo o qual o início e o termo da personalidade jurídica são fixados

pela lei pessoal de cada indivíduo, que é a lei da sua nacionalidade (artigo 31.º, n.º1 CC)

ou, se o indivíduo for apátrida, a lei do lugar onde ele tiver a sua residência habitual ou,

se for menor ou interdito, o seu domicílio legal (artigo 32.º, n.º1 CC). Quanto às pessoas

coletivas (exceto sociedades comerciais), a sua lei pessoal é a do Estado onde se

encontra situada a sede principal e efetiva da sua administração (artigo 33.º, n.º1 CC)

ou, se for uma pessoa coletiva internacional, a designada na convenção que a criou ou

nos respetivos estatutos ou, na sua falta, a do país onde estiver a sede principal (artigo

34.º CC). As sociedades comerciais têm como lei pessoal a lei do Estado onde se

encontra situada a sede principal e efetiva da sua administração (artigo 3.º, n.º1, 1.ª

parte CSC).

3. Critério da diferenciação patrimonial: segundo o critério da diferenciação patrimonial,

têm personalidade judiciária determinados patrimónios autónomos (artigo 12.º CPC).

Nestes patrimónios autónomos com personalidade judiciária englobam-se a herança

jacente e os patrimónios autónomos stricto sensu. A herança jacente é a herança aberta,

mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado (artigo 2046.º CC). A herança

jacente é, assim, a herança cujos titulares ainda não estão determinados, seja porque

são desconhecidos quaisquer sucessíveis, seja porque são conhecidos sucessíveis que

ainda não aceitaram a herança. Nos patrimónios autónomos stricto sensu incluem-se,

nomeadamente, os patrimónios daas associações sem personalidade (artigo 159.º CC),

das comissões especiais (artigo 199.º CC), das sociedades civis sob forma civil (artigo

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980.º CC), as partes comuns dos imóveis em propriedade horizontal (artigo 980.º CC),

os bens doados ou legados a nascituros (artigos 952.º, n.º1 e 2033.º, n.º2, alínea a) CC)

e ainda os bens do Estado geridos ou administrados autonomamente (artigo 24.º, n.º1

CPC). Mas nem todos os patrimónios autónomos possuem personalidade judiciária: a

herança aceite constitui um património autónomo na esfera do herdeiro (artigos 2068.º

e 2071.º CC), mas não é um património com personalidade judiciária.

4. Critério da afetação do ato: pelo critério da afetação do ato, têm personalidade

judiciária as sucursais, agências, filiais ou delegações de uma pessoa coletiva

relativamente a atos que por elas tenham sido praticados (artigo 13.º, n.º1 CPC). Quer

dizer: quem praticou o ato pode igualmente estar em juízo quando a ação o tem por

objeto. É claro que a concessão dessa personalidade judiciária em nada atinge a mesma

personalidade da própria pessoa coletiva, que continua a poder demandar e a ser

demandada. A personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais ou delegações de

pessoas coletivas estrangeiras – isto é, de pessoas coletivas com sede no estrangeiro –

é, comparativamente à situação descrita, uma personalidade mais ampla: ainda que a

ação derive de facto praticado pela própria pessoa coletiva, aquelas sucursais têm

personalidade judiciária quando a obrigação tenha sido concluída com um português ou

com um estrangeiro domiciliado em Portugal (artigo 13.º, n.º2 CPC). Neste caso, apesar

de o sujeito interveniente ter sido a administração principal e não a sucursal, atribui-se

personalidade judiciária a esta última quando a obrigação tenha sido contraída com um

português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.

5. Critério da proteção de terceiros: segundo o critério da proteção de terceiros, é

atribuída personalidade judiciária passiva – e apenas passiva – às pessoas coletivas

irregulares (artigo 14.º, n.º1 CPC), embora essas pessoas irregulares, quando

demandadas, possuam personalidade judiciária para a dedução de reconvenção (artigos

14.º, n.º2 e 266.º, n.º1 CPC). A concessão de personalidade judiciária às pessoas

coletivas irregulares não é exclusiva: a ação pode ser proposta só contra a pessoa

irregular, apenas contra os sujeitos que, segundo a lei, tenham responsabilidade pelo

facto que serve de causa de pedir da ação ou simultaneamente contra a pessoa irregular

e aqueles sujeitos (artigo 14.º, n.º1 CPC).

Falta de personalidade judiciária:

1. Sanação e cessação: quando a ação foi proposta pelo representante de uma parte

falecida ou contra uma parte falecida, a falta de personalidade judiciária da parte sana-

se com a habilitação dos sucessores (artigo 351.º CPC) ou da herança jacente (artigo

12.º CPC). Por aplicação analógica do disposto nos artigos 27.º, n.º2 e 28.º CPC, essa

sanação pode ser determinada pelo tribunal e, naquele primeiro caso, os sucessores ou

o representante da herança jacente devem ainda ratificar ou repetir os atos praticados

pelo representante do de cuius. Quando a ação foi indevidamente instaurada pela

sucursal, agência, filial ou delegação, a falta da sua personalidade judiciária é sanável,

igualmente por aplicação analógica do disposto no artigo 14.º CPC, mediante a

ratificação ou repetição pela administração principal dos atos praticados por aquelas

entidades (Antunes Varela). A falta de personalidade judiciária cessa com a aquisição

superveniente dessa personalidade.

2. Consequência da falta: a falta não sanada de personalidade judiciária é uma exceção

dilatória nominada (artigo 577.º, n.º1, alínea c) CPC), que é de conhecimento oficioso

(artigo 578.º CPC). Os seus efeitos são os seguintes: se essa falta é apreciada no

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momento do despacho liminar, ela justifica o indeferimento liminar da petição inicial

(artigo 558.º, n.º1, alínea b) CPC); se é conhecida no despacho saneador, conduz à

absolvição do réu da instância (artigos 577.º, n.º1, alínea b), 576.º, n.º2 e 278.º, n.º1,

alínea c) CPC), mas, conforme resulta do disposto no artigo 577.º, n.º2 CPC, o tribunal

deve procurar, através da aplicação analógica do artigo 14.º CPC, a sanação da falta de

personalidade.

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Capítulo II – A capacidade e a representação judiciárias

§3.º - Capacidade judiciária

Noção: a capacidade judiciária é a suscetibilidade de a parte estar pessoal e livremente em juízo

ou de se fazer representar por representante voluntário (artigo 15.º, n.1 CPC). Assim, não

possuem capacidade judiciária quer os que podem intervir pessoal mas não livremente (os

inabilitados), quer os que não podem atuar nem pessoal, nem livremente (os menores e os

interditos).

Aferição:

1. Critério geral: a capacidade judiciária é aferida pela capacidade de exercício para a

produção dos efeitos possíveis decorrentes da ação pendente (artigo 15.º, n.º2 CPC). O

que releva para o reconhecimento da capacidade judiciária é a capacidade de exercício

relativamente a esses efeitos e não quanto à prática do ato que constitui o objeto do

processo14. Excetuam-se do âmbito da incapacidade judiciária os atos que o incapaz

pode excecionalmente praticar (artigo 16.º, n.º1, in fine CPC): assim, o menor pode estar

em juízo em ações relativas às situações previstas no artigo 127.º CC e o inabilitado tem

capacidade judiciária nas ações respeitantes a atos de administração não abrangidos

pela sentença de inabilitação (artigo 153.º, n.º1 CC).

2. Estrangeiros e apátridas: a capacidade judiciária dos estrangeiros e apátridas (que

depende da sua capacidade de exercício, artigo 15.º, n.º2 CPC) determina-se pela sua

lei pessoal (artigo 25.º CC), que é a lei da sua nacionalidade (artigo 31.º, n.º1 CC) ou, no

caso dos apátridas, a do lugar onde tiverem a sua residência habitual ou, na hipótese de

menoridade ou interdição, a do domicílio legal (artigo 32.º, n.º1 CC).

Meios de suprimento:

1. Assistência e representação: a incapacidade judiciária é suprida mediante assistência e

representação (artigo 16.º, n.º1 CPC). A assistência por curador supre a incapacidade

dos inabilitados (artigo 153.º, n.º1 CC): a autorização do curador é necessária para os

atos praticados pelo inabilitado quando é parte ativa ou passiva, embora, como o

inabilitado pode estar pessoalmente em juízo, ele possa intervir em qualquer ação e

deva ser citado quando seja réu (artigo 19.º, n.º1 CPC). A representação legal do menor

cabe aos progenitores (artigos 124.º e 1877.º CC), ao tutor (artigos 124.º e 1921.º, n.º1

CC) ou ao administrador de bens (artigo 1922.º CC); a representação legal do interdito

incumbe ao tutor (artigo 139.º CC); havendo representação legal do inabilitado quanto

à administração de um património (artigo 154.º CC), a sua representação incumbe ao

curador (artigo 154.º, n.º1 CC).

14 Um exemplo ajuda a compreender esta distinção entre a capacidade para produzir aqueles efeitos e a capacidade para praticar este ato: um inabilitado pode aceitar uma doação sem encargos (artigo 951.º CC), mas como não tem capacidade para dispor do bem doado (artigo 153.º, n.º1 CC), não tem capacidade judiciária para uma ação de reivindicação desse mesmo bem, porque um dos efeitos dessa ação é o reconhecimento de que a propriedade do bem não pertence a esse inabilitado.

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2. Curador ad litem: a representação legal do menor, interdito ou inabilitado pode caber

a um curador ad litem (ou provisório), que é um representante cujos poderes são

limitados a um processo. Utiliza-se quando o incapaz não tem representante legal

(artigo 17.º CPC) e quando, apesar de o ter, ele está impossibilitado de exercer a

representação (artigo 16.º, n.º2, 3 e 4 CPC). O curador ad litem é nomeado quando o

incapaz não tem representante legal, situação que pode ser verificada antes do início da

causa ou na sua pendência. Se a parte é incapaz, mesmo de facto, e não tem

representante legal e a propositura da ação é urgente, pode requerer-se a nomeação

de um curador provisório ao tribunal da causa (artigo 17.º, n.º1 CPC); essa

representação pelo curador ad litem pode ser requerida tanto para a parte ativa, como

para a parte passiva, porque a falta de representante legal do réu também pode ser

incompatível com a urgência da ação. Pode igualmente suceder que só no momento da

citação se descubra que o réu é incapaz: nessa hipótese, é nomeado um curador

provisório desse réu (artigos 20.º, n.º1 e 158.º, n.º5 CPC). A representação pelo curador

ad litem cessa quando o incapaz tiver o seu representante legal (artigos 17.º, n.º2 e 14.º,

n.º2 CPC). O curador provisório também é nomeado quando o representante está

impossibilitado de exercer os seus poderes de representação.

3. Sub-representação: se o incapaz não deduzir oposição, a defesa incumbe ao Ministério

Público ou, se ele representar o autor, a um defensor oficioso (artigo 21.º, n.º1 e 2 CPC):

essa eventualidade se chama sub-representação. Quer dizer: antes de o réu incapaz se

considerar na situação de revelia (aliás, em regra, inoperante, artigos 547.º, alínea b),

830.º, n.º3 CPC) por falta de contestação doo seu representante legal, deve ser facultada

ao Ministério Público a possibilidade de deduzir oposição. Como a sub-representação

cessa logo que seja constituído mandatário judicial ao incapaz (artigo 21.º, n.º3 CPC),

pode concluir-se que o seu regime nunca é instituído se o incapaz tiver mandatário

judicial.

Regime do suprimento:

1. Menores: nos menores, a incapacidade judiciária é suprida pelo poder paternal, pela

tutela e pela administração de bens (artigos 124.º e 1922.º CC). O poder paternal é

exercido por ambos os progenitores (artigo 1901.º, n.º1 CC). Para determinados atos,

esses progenitores necessitam, conforme se dispõe no artigo 1889.º CC de autorização

do tribunal. São eles, nomeadamente: a representação do menor nas ações em que um

dos efeitos possíveis seja a perda ou oneração de bens do menor (artigo 1889.º, n.º1,

alínea a) CC); a representação do menor na transação ou na convenção de arbitragem

referida aos mesmos atos (artigo 1889.º, n.º1, alínea b) CC); e a representação do menor

para convencionar ou requerer em juízo a divisão de coisa comum ou a liquidação e

partilha de patrimónios sociais (artigo 1889.º, n.º1, alínea n) CC). O menor fica sujeito a

tutela se os progenitores não podem exercer o poder paternal (artigo 1921.º CC). O tutor

necessita de autorização judicial em todas as situações em que ela é exigida aos

progenitores (artigos 1935.º, n.º1 3 1938.º, n.º1, alínea a) CC) e, além disso, para

intentar qualquer ação, salvo se for destinada à cobrança de prestações periódicas ou

se a demora na sua propositura for suscetível de causar prejuízos (artigo 1938.º, n.º1,

alínea e) CC). O administrador de bens (artigo 1922.º CC) tem os mesmos direitos e

obrigações do tutor (artigo 1971.º, n.º1 CC), pelo que necessita de autorização judicial

nas mesmas situações em que dela carece o autor (artigo 1938.º, n.º1, alíneas a) e e)

CC).

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2. Interditos: a incapacidade judiciária dos interditos é suprida pela tutela e pela

administração de bens (artigo 139.º CC), cujo regime é idêntico ao do menor.

3. Inabilitados: a incapacidade judiciária dos inabilitados é suprida através da curatela

(artigos 153.º, n.º1 e 154.º, n.º1 CC). A curatela incumbe ao curador, que pode intervir

no regime de assistência ou de representação. O curador assiste o inabilitado quanto

aos atos de disposição de bens entre vivos e a todos os demais atos que forem

especificados na sentença de inabilitação (artigo 153.º, n.º1 CC); o curador representa

o inabilitado nos atos de administração do seu património (artigo 154.º, n.º1 CC). Para

intentar quaisquer ações em representação do inabilitado, o curador do inabilitado está

sujeito ao regime do tutor do interdito (artigo 156.º CC).

§ 4.º - Representação judiciária

Noção: a representação judiciária é a representação de entes que estão submetidos a uma

representação orgânica ou que, não sendo incapazes, necessitam de representação em juízo.

Regime:

1. O Estado: o Estado é representado pelo Ministério Público (artigo 24.º, n.º1 CPC).

Segundo o disposto na LOMP, o Ministério Público é representado: do Supremo Tribunal

de Justiça, pelo Procurador-Geral da República; nas Relações por Procuradores-Gerais-

Adjuntos; nos tribunais de 1.ª instância, por Procuradores da República e Delegados do

Procurador da República. O Ministério Público representa o Estado, mas esta

representação não abrange a chamada administração indireta do Estado, isto é, as

pessoas coletivas que, embora realizando tarefas administrativas, agem com autonomia

administrativa e financeira.

2. Pessoas coletivas e sociedades: sobre a representação das pessoas coletivas e das

sociedades, há que distinguir entre as ações dessas entidades com terceiros e as ações

entre elas e o seu representante. Nas ações com terceiros, as pessoas coletivas e as

sociedades são representadas por quem a lei designar (artigo 25.º, n.º1 CPC). As pessoas

coletivas são representadas por quem os estatutos determinam ou, na falta de

disposição estatutária, pela administração ou por quem por ela for designado (artigo

163.º, n.º1 CC). As sociedades em nome coletivo e as sociedades por quotas são

representadas pelos gerentes (artigos 192.º, n.º1 e 252.º, n.º1 CSC); as sociedades

anónimas, pelo conselho de administração (artigo 405.º, n.º1 CSC); as sociedades em

comandita, pelos sócios comanditados (artigos 470.º, n.º1 e 478.º CSC). Nas ações entre

a pessoa coletiva ou a sociedade e o seu representante, aquela pessoa ou sociedade é

representada pelo substituto do representante ou, se não o houver, por um curador ad

litem (artigo 25.º, n.º2 e 3 CPC).

3. Pessoas judiciárias: as pessoas judiciárias – entidades que só possuem personalidade

judiciária – são representadas: a herança jacente, por um curador (artigo 26.º CPC;

artigo 2048.º, n.º1 CC); as sociedades sem personalidade jurídica, as comissões especiais,

as sucursais e equivalentes, as pessoas coletivas e sociedades irregulares, pelos

diretores, gerentes ou administradores (artigo 26.º CPC; artigos 195.º, n.º1 e 996.º, n.º1

CC); as associações sem personalidade, pelos diretores, gerentes ou administradores

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(artigo 26.º CPC), quando sejam parte ativa, ou por aqueles que tiverem assumido a

obrigação, quando sejam parte passiva (artigo 198.º, n.º3 CC).

4. Incertos e ausentes: quando a ação seja proposta contra incertos são estes

representados pelo Ministério Público (LOMP), exceto se o Ministério Público

representar o autor, caso em que é nomeado um defensor oficioso para servir como

agente especial do Ministério Público naquela representação (artigo 22.º, n.º1, 2.ª parte

CPC).

§5.º - Incapacidade judiciária e vícios da representação judiciária

Incapacidade judiciária lato sensu: o não suprimento da incapacidade judiciária pelo

representante legal ou pelo curador determina a incapacidade stricto sensu. Todavia, o

suprimento daquela incapacidade pode ainda ser afetado por uma irregularidade de

representação, se o incapaz está representado ou assistido por sujeito diverso do verdadeiro

representante ou curador, ou por uma falta de autorização se o representante ou o curador do

incapaz não obteve a necessária autorização judicial. A representação judiciária pode

igualmente padecer de uma irregularidade de representação, se a pessoa coletiva, a sociedade,

o Estado ou a pessoa judiciária não estão representados pelo verdadeiro representante, ou de

uma falta de autorização ou deliberação se esse representante não cuidou de as obter

previamente. A incapacidade judiciária stricto sensu encontra-se prevista, como tal, nos artigos

27.º, n.º1 e 577.º, n.º1, alínea c) CPC; a irregularidade de representação, nos artigos 27.º, n.º1,

278.º, n.º1, alínea c) CPC; a falta de autorização ou deliberação nos artigos 29.º, n.º1, 278.º, n.º1,

alínea c) e 577.º, n.º1, alínea d) CPC.

Incapacidade jurídica stricto sensu:

1. Casuísmo: a incapacidade judiciária stricto sensu pode verificar-se relativamente à parte

ativa e à parte passiva: quanto ao autor, essa incapacidade existe quando o incapaz

propõe uma ação sem a intervenção do seu representante legal ou a assistência do seu

curador; quanto ao réu, essa incapacidade surge quando é proposta uma ação contra

um incapaz sem a indicação pelo autor do representante legal ou do curador daquela

parte. Este ónus que recai sobre o autor de indicar o representante legal do réu incapaz

é uma decorrência do ónus de preenchimento dos pressupostos processuais: como lhe

incumbe assegurar todos esses pressupostos, cabe-lhe indicar o representante da parte

passiva.

2. Consequências: as consequências da incapacidade judiciária stricto sensu são as

seguintes:

a. Se a incapacidade for detetada no momento do despacho liminar, o juiz deve

indeferir liminarmente a petição inicial (artigo 558.º, n.º1, alínea b) CPC);

b. Se essa incapacidade só for apreciada ou apenas se originar em momento

posterior da tramitação da causa, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de

qualquer das partes fixa um prazo para a sanação do vício e mediante a

intervenção ou a citação do representante legal do incapaz (artigos 27.º, n.º1,

28.º e 558.º, n.º2 CPC).

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A incapacidade fica sanada se o representante do incapaz ratificar os atos praticados

por este ou, se o não fizer, se repetir esses atos (artigo 27.º, n.º2, 1.ª parte CPC). Mas se

o representante não ratificar nem repetir esses atos, a incapacidade não se sana, ficando

sem efeito todo o processado posterior ao momento da verificação do vício (artigo 27.º,

n.º2, 2.ª parte CPC). Mas esta situação implica consequências distintas consoante o vício

afete a parte ativa ou a parte passiva. Se o representante do autor não sana a

incapacidade dessa parte, o processo não pode continuar quando essa incapacidade

afete a própria petição inicial (que fica sem efeito): neste caso, releva a falta de um

pressuposto processual e o réu é absolvido da instância (artigos 27.º, n.º2, 2.ª parte,

577.º, n.º1, alínea c), 576.º, n.º1 e 278.º, n.º1, alínea c) CPC). Se, pelo contrário, é o

representante do réu que não sana a incapacidade desta parte, então falta apenas um

pressuposto de um ato processual e a contestação e os demais atos praticados pelo

incapaz ficam sem efeito (artigo 27.º, n.º2, 2.ª parte CPC) e o incapaz fica sujeito ao

regime da sub-representação se não tiver mandatário judicial constituído (artigo 21.º,

n.º1 CPC).

Irregularidade na representação:

1. Casuísmo: a irregularidade de representação verifica-se sempre que a parte, embora

esteja representada ou assistida, não o está pelo verdadeiro representante ou curador.

2. Consequências: as consequências da irregularidade de representação são distintas para

a parte ativa e para a parte passiva:

a. Se o vício afeta a parte ativa,

i. no próprio momento do despacho liminar, o juiz, lavra um despacho

anómalo de citação do verdadeiro representante do autor (artigo 27.º,

n.º1 CPC). Depois desta citação, pode suceder uma de duas situações:

se o representante ratifica ou repete a petição inicial apresentada pelo

falso representante, o vício sana-se (artigo 27.º, n.º1, 1.ª parte CPC); se

o representante citado não ratifica nem repete aquela petição, o vício

não fica sanado, pelo que, como a petição não está em termos de ser

recebida e o juiz não pode lavrar um despacho de citação (artigo 561.º,

n.º1 CPC), a petição deve ser indeferida;

ii. Se a irregularidade de representação atinge a parte ativa mas o vício só

é detetado ou apenas surge no decurso da causa, o juiz, oficiosamente

ou a requerimento de qualquer das partes (ou do verdadeiro

representante da parte ativa), profere um despacho de citação desse

representante e marca-lhe um prazo para ratificar ou repetir os atos

entretanto praticados pelo falso representante (artigo 27.º, n.º1, 28.º e

577.º, n.º2 CPC). Se o verdadeiro representante ratificar esses atos, a

irregularidade sana-se (artigo 27.º, n.º2, 1.ª parte CPC); se o

representante não os ratificar nem repetir, verifica-se a falta de um

pressuposto processual e o réu deve ser absolvido da instância (artigos

27.º, n.º2, 2.ª parte e 278.º, n.º1, alínea c) CPC).

b. Quanto à irregularidade de representação da parte passiva, há que distinguir

igualmente entre os casos em que essa irregularidade é detetada no momento

do despacho liminar ou em momento posterior:

i. Se o autor indica na petição inicial um falso representante da parte

passiva e se o juiz deteta o vício no momento do despacho liminar, essa

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irregularidade sana-se com a citação do réu na pessoa do verdadeiro

representante (artigo 27.º, n.º1 CPC). Como o réu ainda não praticou

qualquer ato no processo, nada há a ratificar ou a repetir;

ii. Se a irregularidade só for descoberta depois do despacho liminar ou se,

no decurso da ação, a representação do réu passou para uma pessoa

sem os necessários poderes, o juiz, oficiosamente ou a requerimento,

manda citar esse representante e marca-lhe um prazo para a ratificação

ou repetição dos atos praticados pelo falso representante (artigos 27.º,

n.º1 e 28.º CPC). O representante citado deve ratificar ou repetir os atos

praticados pelo falso representante; se o não fizer, esses atos ficam sem

efeito (artigo 27.º, n.º2, 2.ª parte CPC) e o incapaz fica submetido à sub-

representação do Ministério Público se não tiver mandatário judicial

constituído (artigo 21.º, n.º1 CPC).

Falta de autorização judiciária:

1. Casuísmo: verifica-se a falta de autorização judiciária quando o representante legal ou

o curador do incapaz não obteve a necessária autorização judicia.

2. Consequências: as consequências da falta de autorização judiciária do representante

são diferentes para a parte ativa e para a parte passiva:

a. Se o vício atinge a parte ativa, ainda importa distinguir consoante a falta de

autorização seja detetada:

i. No momento do despacho liminar: o juiz lavra um despacho de

aperfeiçoamento, convidando o representante a conseguir essa

autorização. Se o representante obtém essa autorização o vício sana-se

e o réu pode ser citado (artigo 561.º, n.º1 CPC); se o representante não

consegue a necessária autorização, o juiz, que não pode mandar citar o

réu (artigo 561.º, n.º1 CPC), indefere liminarmente a petição inicia;

ii. Momento posterior ao despacho liminar: o juiz, oficiosamente ou a

requerimento, marca o prazo dentro do qual o representante deve

obter a respetiva autorização (artigo 29.º, n.º1 CPC). Se o vício não é

sanado, falta um pressuposto processual, pelo que o réu é absolvido da

instância (artigos 29.º, n.º2, 1.ª parte, 577.º, n.º1, alínea d), 576.º, n.º2

e 278.º, n.º1, alínea c) CPC). Se a falta de autorização judiciária afetar o

tutor, o regime da sanação do vício consta do artigo 1940.º CC: o

tribunal ordena oficiosamente a suspensão da instância, depois da

citação, até que seja concedida aquela autorização.

b. Se o vício de autorização afeta o representante da parte passiva: o juiz marca-

lhe um prazo para conseguir essa autorização (artigo 29.º, n.º1 CPC). Se o

representante obtiver essa autorização, o vício sana-se; se não o conseguir, a

contestação fica sem efeito (artigo 29.º, n.º2, 2.ª parte CPC) e o incapaz fica

submetido à sub-representação do Ministério Público se não tiver mandatário

judicial constituído (artigo 21.º, n.º1 CPC). O mesmo regime vale para as

hipóteses de falta de deliberação do próprio representado (artigo 29.º, n.º1 e 2

CPC).

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Capítulo III – O patrocínio judiciário

§6.º - Patrocínio e apoio judiciário

Enquadramento:

1. Noção: o patrocínio judiciário é a representação da parte por um profissional do foro

(Advogado, advogado estagiário ou solicitador). Distingue-se da representação do

incapaz: esta última supre uma incapacidade de exercício e uma impossibilidade de

orientar devidamente a defesa dos interesses próprios, aquele justifica-se pela

necessidade de atribuir a condição do processo, pelo lado das partes, a profissionais

com a devida habilitação técnica.

2. Justificação: através desse patrocínio procura obviar-se ao uso indevido dos tribunais,

porque se espera que os profissionais forenses, dada a sua posição de relativa

neutralidade perante os interesses das partes, se abstenham de patrocinar causas

insuscetíveis de sucesso e de formular, nas causas pendentes, pedidos sem fundamento.

Além disso, a consulta prévia realizada pelas partes aos seus advogados e as tentativas

de diálogo entre as partes encetadas por estes podem proporcionar a obtenção de uma

conciliação extrajudicial e, com isso, evitar uma ação judicial. Nas ações pendentes, o

patrocínio judiciário visa igualmente proteger os interesses das partes, pois que

dificilmente estas saberiam observar as formalidades processuais e utilizar

corretamente os mecanismos judiciais. A isso ainda acresce a importante função de

aconselhamento das partes que nelas é realizada pelos mandatários judiciais.

Modalidades:

1. Enunciado: o patrocínio judiciário pode ser facultativo ou obrigatório: é facultativo

quando não é imposto por lei; é obrigatório quando a lei o impõe. Isto é, o patrocínio

judiciário pode ser permitido ou obrigatório, mas nunca é proibido, pois que, no caso

em que é facultativo, as partes podem pleitar por si e ser representadas por advogados

estagiários ou por solicitadores (artigo 42.º CPC) e, a fortiori, por advogados.

2. Patrocínio obrigatório: na ação declarativa, o patrocínio judiciário é obrigatório nas

seguintes situações:

a. Nas causas em que seja admissível recurso ordinário, isto é, nas causas

propostas nos tribunais de 1.ª instância cujo valor exceda a alçada desses

tribunais (artigo 40.º, n.º1, alínea a) CPC);

b. Nas causas em que seja sempre admissível recurso ordinário,

independentemente do seu valor (artigo 40.º, n.º1, alínea b) CPC);

c. Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores (artigo 40.º, n.º1,

alínea c) CPC).

O patrocínio obrigatório em determinada ação não impede que as próprias partes, os

advogados estagiários ou os solicitadores façam requerimentos em que se não levantem

questões de direito (artigo 40.º, n.º2 CPC).

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Proteção jurídica e apoio judiciário:

1. Justificação: o acesso sem discriminação aos tribunais e à justiça constitui uma garantia

fundamental dos cidadãos nos modernos Estados de Direito. Por isso mesmo, o artigo

20.º, n.º1 CRP estabelece o direito à jurisdição, referindo que a todos é assegurado o

acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos,

não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. E porque

só podem ser defendidos os direitos que se conhecem e porque essa defesa pode

implicar os serviços de um advogado, o artigo 20.º, n.º1 CRP estipula que todos têm

direito à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário.

§7.º - Mandato judicial

Noção: o mandato judicial é o conjunto de poderes forenses concedidos pela parte ao

mandatário judicial.

Exercício e concessão:

1. Profissionais forenses: o mandato judicial só pode ser exercido por advogados e

advogados estagiários, inscritos na respetiva Ordem, e por solicitadores.

2. Condições da concessão: o mandato judicial pode ser conferido por meio de

instrumento público ou de documento particular, com intervenção notarial, ou por

declaração verbal no auto de qualquer diligência que se pratique no processo (artigo

43.º CPC). Em caso de urgência, o patrocínio judiciário pode ser exercido a título de

gestão de negócios (artigo 50.º, n.º1 CPC). Nessa hipótese, a parte é notificada

pessoalmente para ratificar a gestão, dentro do prazo assinado pelo juiz (artigo 49.º,

n.º2 e 3 CPC). Porém, se a parte não ratificar a gestão, o gestor será condenado nas

custas que provocou e na indemnização do dano causado à parte contrária ou à parte

cuja gestão assumiu (artigo 49.º, n.º2, 2.ª parte CPC). Se a parte não encontrar na

comarca quem aceite voluntariamente o seu patrocínio, pode dirigir-se ao presidente

do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados ou à respetiva delegação, solicitando a

nomeação de advogado (artigo 51.º, n.º1 CPC). Se essa nomeação não for realizada no

prazo de cinco dias, ela pertence ao juiz (artigo 52.º, n.º2 CPC).

Conteúdo:

1. Geral: o mandato judicial tem um conteúdo geral e pode ter um conteúdo especial. A

concessão de mandato judicial através de procuração ou de declaração verbal em auto

atribui ao mandatário poderes para representar a parte em todos os atos e termos do

processo e seus respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, e para

substabelecer o mandato (artigos 44.º e 45.º, n.º1 CPC).

2. Especial: os mandatários judiciais só podem confessar o pedido, desistir do pedido ou

da instância ou transigir sobre o seu objeto quando estejam munidos de procuração que

os autorize expressamente a praticas aqueles atos (artigo 45.º, n.º2 CPC). A sanação

deste vício verifica-se, contudo, através de uma forma interessante: o vício fica sanado

se a sentença for notificada pessoalmente ao mandante (isto é, à parte) e ele não

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recorrer no prazo legal (artigo 290.º, n.º6 CPC). Diferente é o regime da confissão de

factos pelo mandatário: essa confissão vincula a parte, salvo se for ratificada ou retirada

enquanto a parte contrária a não tiver aceitado especificamente (artigo 46.º CPC); sobre

as condições da irretratabilidade da confissão (artigo 465.º CPC).

Cessação:

1. Revogação: a revogação do mandato judicial é requerida pela parte (que é o mandante)

no processo pendente e é notificada ao mandatário e à contraparte (artigo 47.º, n.º1

CPC). A revogação só produz efeitos a partir da data da junção ao processo da certidão

de notificação (artigo 47.º, n.º2 CPC).

2. Renúncia: a renuncia ao mandato judicial é requerida pelo mandatário no próprio

processo, sendo notificada ao mandante (ou seja, à parte) e à contraparte (artigo 47.º,

n.º1 CPC). Só produz efeitos na data da junção da certidão da notificação, se o patrocínio

for facultativo, ou na data da constituição de um novo mandatário, se o patrocínio for

obrigatório (artigo 47.º, n.º2 CPC). Se o mandante não constituir novo mandatário

judicial, sendo a sua constituição obrigatória, o mandatário pode requerer a fixação de

um prazo para essa finalidade (artigo 47.º, n.º3, 1.ª parte CPC). Findo esse prazo, se for

o autor que não tenha constituído novo mandatário judicial, o mandato considera-se

extinto e suspende-se a instância; se a falta respeitar ao reu, o processo segue os seus

termos, aproveitando-se os atos anteriormente praticados pelo advogado (artigo 47.º,

n.º3, 2.ª parte CPC).

§8.º - Vícios do patrocínio judiciário

Falta de patrocínio judiciário:

1. Noção: verifica-se a falta de patrocínio judiciário quando a parte não constitui

mandatário judicial numa situação de patrocínio judiciário.

2. Regime: o regime da falta de patrocínio judiciário da falta de patrocínio judiciário para

a parte ativa e passiva:

a. Quanto à parte ativa, a falta de patrocínio judiciário determina que o tribunal,

oficiosamente ou a requerimento da pare contrária, fá-la-á notificar para

constituir mandatário dentro de prazo certo (artigo 41.º CPC). Se a parte não

sanar o vício, falta um pressuposto processual e o réu é absolvido da instância

(artigos 41.º, in fine, 577.º, n.º1, alínea e), 576.º, n.º2 e 281.º, n.º1, alínea e)

CPC).

b. Relativamente à parte passiva, a falta de mandatário judicial gera um despacho

de notificação para constituição de mandatário judicial dentro de um prazo

certo (artigo 41.º CPC). Se o não fizer, falta um pressuposto que afeta os atos

processuais praticados, ficando sem efeito, eventualmente entre outros, a

contestação apresentada (artigo 41.º, in fine). Se a falta de patrocínio judiciário

ocorrer em virtude de falecimento do mandatário judicial ou da sua

impossibilidade absoluta e se no processo for obrigatória a constituição de

advogado, a instância suspende-se até ao conhecimento pela parte contrária da

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constituição de novo mandatário judicial (artigos 269.º, n.º1, alínea b), 271.º e

276.º, n.º1, alínea b) CPC).

Falta ou insuficiência do mandato judicial:

1. Noção: a falta ou insuficiência do mandato judicial verifica-se quando a parte está

representada por mandatário judicial, mas falta, é insuficiente ou é irregular o

instrumento de concessão de poderes forenses a esse mandatário.

2. Regime: também o regime da falta, insuficiência ou irregularidade do mandato judicial

e distinto quando afeta a parte ativa e a parte passiva:

a. Para a parte ativa esse regime ainda é diferente no momento do despacho

liminar ou em momento posterior da tramitação da causa. No momento do

despacho liminar, a falta, insuficiência ou irregularidade do mandato judicial

origina um despacho de notificação da parte para que esta apresente, dentro

do prazo fixado, o instrumento de concessão de poderes forenses (a procuração

forense, nomeadamente) ou corrija a insuficiência ou a irregularidade do

mandato judicial e ratifique o processado (artigo 48.º, n.º2, 1.ª parte CPC). Se o

autor não regularizar a situação e ratificar a petição inicial, fica sem efeito este

ato, isto é, essa petição é indeferida, e o mandatário é condenado em custas e

na indemnização dos prejuízos originados (artigo 40.º, n.º2, 2.ª parte CPC). Se a

falta, insuficiência ou irregularidade do mandato for detetada em momento

posterior, o juiz marca o prazo dentro do qual o autor deve suprir a falta ou

corrigir o vício ou não ratificar os atos praticados pelo mandatário, ficam sem

efeito todos eles e, se neles se incluir a petição inicial, o réu é absolvido da

instância (artigo 48.º, n.º2, 2.ª parte, 755.º, n.º1, alínea e), 756.º, n.º2 e 278.º,

n.º1, alínea e) CPC). O mandatário judicial é ainda responsável pelas custas e

pelos prejuízos que originar (artigo 48.º, n.º2, 2.ª parte CPC).

b. Relativamente à parte passiva, a falta, insuficiência ou irregularidade do

mandato implica um despacho de notificação dessa parte para que apresente o

instrumento de concessão de poderes forenses ou supra o vício e ratifique o

processado (artigo 48.º, n.º2, 1.ª parte CPC). Se isso não suceder, ficam sem

efeito todos os atos praticados pelo mandatário (o que, se afetar a contestação,

determina a revelia do réu), tornando-se o mandatário responsável pelas custas

e pelos prejuízos causados (artigo 48.º, n.º2, 2.ª parte CPC).

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Capítulo IV – A legitimidade processual singular

§9.º - Delimitação doutrinária

Noção: a legitimidade processual é a suscetibilidade de ser parte numa ação aferida em função

da relação dessa parte com o objeto daquela ação. A legitimidade processual (ou ad causam) é,

assim, sempre relativa a uma determinada ação e a um certo objeto. A legitimidade processual

é singular quando se afere em relação a um autor ou a um réu. Essa legitimidade distingue-se

da capacidade judiciária essencialmente pela sua autonomia perante a capacidade de exercício.

Enquanto a capacidade judiciária é aferida pela capacidade de exercício para produzir todos os

possíveis efeitos decorrentes da ação (artigo 15.º, n.º2 CPC), a legitimidade processual é

apreciada em função da relação da parte com o objeto da ação.

Função: a legitimidade visa assegurar que o autor e o réu são os sujeitos que podem discutir a

procedência da ação. E esses sujeitos são aqueles que podem ser beneficiados com a decisão de

procedência ou de improcedência da causa.

Aferição doutrinária:

1. Legitimidade direta e indireta: a legitimidade processual é apreciada por uma relação

da parte com o objeto da ação. Essa relação é estabelecida através do interesse da parte

perante esse objeto: é esse interesse que relaciona a parte com o objeto para aferição

da legitimidade. É claro que os titulares do objeto do processo são sempre titulares

desse interesse, mas não se podem excluir situações em que a esses titulares não pode

ser reconhecida a legitimidade processual e em que a certos sujeitos, que não são

titulares desse objeto, possa ser reconhecida essa legitimidade. Deste modo, a relação

da parte com esse interesse pode ser de vários tipos. Nalguns casos, a parte é titular do

objeto processual e tem um interesse direto pessoal na sua apreciação – é o que se

designa por legitimidade direta. Excecionalmente, todavia, o titular do direito pode não

possuir legitimidade processual. Noutras hipóteses, a parte não é titular do objeto do

processo, mas possui um interesse indireta na apreciação de certo objeto – a essa

legitimidade chama-se legitimidade indireta ou substituição processual.

2. Consumpção da legitimidade: quando a legitimidade processual é reconhecida à parte

que é titular do objeto do processo, essa legitimidade coincide com um aspeto, mais ou

menos amplo, do mérito da causa. Assim, há que concluir que, sempre que o tribunal

reconhece a inexistência do objeto da ação ou a sua não titularidade (ativa ou passiva)

por qualquer das partes, a decisão de improcedência daí decorrente consome a

apreciação da ilegitimidade da parte. Na jurisprudência já se entendeu que a situação

determinante da ilegitimidade, uma vez decidida definitivamente esta questão no

sentido da legitimidade, funciona em momento posterior, como causa de

improcedência da ação. Esta orientação confirma que, como acima se propugna, os

fundamentos da ilegitimidade podem ser motivos de improcedência. A mera afirmação

ou alegação pelo autor de que ele próprio e a parte demandada são os titulares do

objeto do processo não tem, deste modo, qualquer relevância para a aferição da

legitimidade das partes. O que se verifica nessa situação é que, de acordo com o

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princípio da autossuficiência do processo, as partes são consideradas legítimas até se

analisar e apreciar a sua legitimidade.

§10.º - Regime jurídico-positivo

Legitimidade direta:

1. Generalidades: como a legitimidade direta é apreciada em função da titularidade do

objeto processual, torna-se necessário distinguir entre o interesse da parte ativa e o da

parte passiva. A legitimidade do autor resulta da titularidade de um interesse em

contradizer (artigo 30.º, n.º1 CPC); no caso da legitimidade direta, o interesse em

demandar ou em contradizer é um interesse direto e pessoal. Confirmando que, em

princípio, esse interesse em demandar e em contradizer é reconhecido aos titulares do

interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material

controvertida, isto é, do objeto do processo. Conforme se afirma no artigo 30.º, nº.2

CPC o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da

ação. Contudo, apesar do que esse preceito dispõe quanto ao interesse em contradizer,

este interesse que afere a legitimidade da parte passiva não é apreciado pelo prejuízo

que provém para essa parte da procedência da ação, mas pelo benefício que essa parte

pode obter com a improcedência da ação.

2. Direitos absolutos: a aferição da legitimidade processual quando o objeto da ação é um

direito absoluto merece uma referência especial. Os direitos absolutos são

individualizados apenas pelo seu titular ativo, dado que não se baseiam em qualquer

relação com um sujeito vinculado ou obrigado. Por isso, nas ações cujo objeto é um

direito absoluto o interesse em demandar do autor é aferido pela respetiva titularidade,

mas o interesse em contradizer do réu nunca pode ser apreciado por uma correlativa

titularidade passiva. Há que buscar outros critérios atributivos do interesse em

contradizer.

Substituição processual:

1. Fundamento: a substituição processual verifica-se nas situações em que a parte

legitimidade não é o titular do objeto do processo. A sua cobertura legal encontra-se no

artigo 30.º, n.º3 CPC, ao admitir que a legitimidade possa ser reconhecida a quem não

é titular do objeto da ação. A parte legitimada que não é titular desse objeto é o

substituto processual; o seu titular é a parte substituída. A ressalva feita no artigo 30.º,

n.º3 CPC aponta para uma necessária previsão legal da situação de substituição

processual. O fundamento legal dessa substituição, ou seja, o motivo pelo qual a lei

permite a atuação do substituto processual, pode ser muito variado: o substituto pode

intervir, por exemplo, porque é titular de um direito litigado, porque é administrador de

um património pertencente a terceiro, ou porque é alienante da coisa litigada. A

substituição processual também pode ser voluntária, isto é, também pode ter por

fundamento um ato jurídico. As hipóteses de substituição processual referidas a

relações plurilocalizadas são reguladas pelas regras seguintes: a substituição processual

do transmitente da coisa ou direito litigioso é regulada pelo artigo 263.º CPC e, portanto,

pela lex fori; em contrapartida, as situações de substituição processual previstas no

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direito material são reguladas pela lex causae, que, de acordo com a determinação da

lei competente pelas normas de conflitos, pode não ser o Direito português.

2. Tipologia: a substituição processual total é aquela em que o substituto processual não

é titular do objeto do processo; a substituição parcial verifica-se quando a parte é

contitular desse objeto. A substituição processual pode ser própria ou imprópria. A

substituição própria é aquela em que o substituto processual pode estar em juízo sem

a presença simultânea do titular do objeto. A substituição imprópria é aquela em que

se exige a presença simultânea do substituto processual e da parte substituída. A

substituição representativa é aquela em que o substituto processual age na defesa,

ainda que não exclusiva, de interesses alheios. O seu interesse em demandar ou em

contradizer é indireto e não pessoa. Em geral, todavia, a substituição não é

representativa, isto é, o substituto processual defende em juízo interesses próprio, pelo

que o seu interesse em demandar ou em contradizer, embora indireto, é pessoal. A

substituição representativa não se confunde com a representação judiciária ou com

qualquer forma de suprimento da incapacidade judiciária, porque, ao contrário do que

sucede nestas, naquela o sujeito que instaura a ação ou contra o qual esta é proposta

age em nome próprio e, por isso, é parte processual. A substituição processual pode

verificar-se tanto na parte ativa como na parte passiva.

3. Efeitos: um dos efeitos típicos da substituição processual é a extensão à parte

substituída do caso julgado formado na ação em que intervém o substituto processual.

Essa extensão é facilmente compreensível nos casos de substituição representativa, mas

encontra-se igualmente estabelecida noutras situações, nomeadamente na substituição

do adquirente pelo transmitente da coisa ou direito litigioso (artigo 263.º, n.º3 CPC), na

solidariedade entre devedores ou credores (artigos 522.º e 531.º CC) e na ação relativa

a prestação indivisível (artigo 538.º, n.º2 CC).

Interesses difusos:

1. Noção: os interesses difusos são interesses cuja titularidade pertence a todos e a cada

dos membros de uma comunidade ou de um grupo, mas que não são suscetíveis de

apropriação individual por qualquer desses membros.

2. Tutela judicial: para a tutela judicial dos interesses difusos, o artigo 52.º, n.º3 CRP prevê

uma ação popular, que decorre do direito que é reconhecido a todos, pessoalmente ou

através das associações de defesa desses interesses, de promover a prevenção,

cessação ou perseguição das infrações contra os mesmos.

Falta de legitimidade processual:

1. Casuísmo: a consumpção da falta de legitimidade direta decorrente da falta de

titularidade ou da inexistência do objeto do processo pela improcedência da ação torna

desnecessária a autonomização dessas hipóteses como situações de ilegitimidade

processual. Assim, só importa averiguar duas situações de ilegitimidade: a ilegitimidade

direta do titular desse objeto e a ilegitimidade indireta. A ilegitimidade direta do titular

do objeto do processo verifica-se quando a parte, apesar dessa titularidade, não possui

a correspondente legitimidade processual. Embora não sejam frequentes, são possíveis

situações de ilegitimidade superveniente, isto é, eventualidades em que uma parte

legítima perde a sua legitimidade durante a pendência da causa. A ilegitimidade

corresponde às situações em que é indevidamente conformada uma substituição

processual, ativa ou passiva. Neste mesmo âmbito, pode ainda suceder que a

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substituição processual seja irregular em virtude da não obtenção, pelo substituto

processual, da devida autorização.

2. Consequências: a ilegitimidade do titular do objeto do processo implica o indeferimento

liminar da petição inicial (artigo 558.º, n.º1, alínea b) CPC) ou, se essa ilegitimidade só

for detetada em momento posterior, a absolvição do réu da instância (artigos 577.º,

n.º1, alínea b), 576.º, n.º2 e 278.º, n.º1, alínea d) CPC). Recorde-se que é definitiva a

declaração e termos genéricos no despacho saneador transitado relativamente à

legitimidade, salvo a superveniência de factos que neste se repercutam. Se a

ilegitimidade for superveniente, é sanável mediante a intervenção da parte legítima. A

substituição processual ilegal (isto é, a ilegitimidade indireta) tem as seguintes

consequências: no momento do despacho liminar, justifica o indeferimento liminar da

petição inicial (artigo 559.º, n.º1, alínea b) CPC); em momento posterior da tramitação

da ação, conduz à absolvição do réu da instância (artigo 577º, n.º1, alínea b), 576.º, n.º2,

278.º, n.º1, alínea d) CPC). A substituição irregular (por falta de uma autorização exigível)

é sanável mediante a aplicação analógica do regime previsto no artigo 29.º, n.º1 CPC: o

juiz designa um prazo dentro do qual o substituto processual deve obter a autorização

requerida, suspendendo-se entretanto a instância.

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Capítulo V – A legitimidade processual plural

§11.º - Delimitação doutrinária

Noção: a legitimidade processual plural, ou acumulação subjetiva, consiste na atribuição a uma

pluralidade de partes. Essa legitimidade verifica-se em duas situações: quando a legitimidade é

concedida a uma pluralidade de partes principais, isto é, de autores e de réus, e quando é

admissível a cumulação de uma parte principal com uma parte acessória (que se designa por

assistente, artigo 326.º CPC).

Classificações:

1. Quanto à qualidade das partes: atendendo à qualidade das partes, a legitimidade plural

pode ser simples, quando todas as partes possuem a qualidade de parte principal e

mista, quando conjuga uma ou várias partes principais com uma ou várias partes

acessórias. A pluralidade de partes principais, ou seja, a pluralidade de autores ou de

réus, pode ser um litisconsórcio ou uma coligação. Existe litisconsórcio em duas

situações:

Quando, conjuntamente com essa cumulação subjetiva, não há qualquer

pluralidade de objetos processuais, isto é, quando vários autores formulam um

único pedido ou contra vários réus é apresentado um único pedido ou contra vários

réus é apresentado um único pedido;

Quando, apesar de existir uma cumulação objetiva, os vários pedidos são

formulados por todos os autores ou contra todos os réus.

O litisconsórcio pode constituir-se entre titulares (ativos ou passivos) de várias relações

jurídicas, isto é, o litisconsórcio é compatível com uma pluralidade de relações jurídicas.

Verifica-se uma coligação quando, conjuntamente com a pluralidade de partes, existe

uma cumulação objetiva diferenciada, isto é, quando os vários pedidos são formulados

por cada um dos autores ou contra cada um dos réus. A legitimidade plural mista

conjuga uma ou várias partes principais com uma ou várias partes acessórias. As partes

acessórias são titulares de um interesse na decisão de uma ação entre terceiros e, por

isso, assumem nela a posição de auxiliar de uma das partes principais (artigo 326.º, n.º1

CPC). Como a parte acessória auxilia uma parte principal, sempre que essa está em juízo

verifica-se uma cumulação mista.

2. Quanto ao momento da verificação: a pluralidade de partes pode ser inicial ou

sucessiva. A cumulação inicial verifica-se desde o começo da instância, ou seja, desde a

propositura da ação: a cumulação sucessiva constitui-se durante a pendência da ação e

determina uma modificação subjetiva da instância proveniente da intervenção de novas

partes na ação (artigos 261.º e 261.º, alínea b) CPC).

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§12.º - Litisconsórcio inicial

Sistematização geral:

1. Autonomia da legitimidade plural: a pluralidade de partes que caracteriza o

litisconsórcio coincide, em princípio, com uma pluralidade de titulares do objeto do

processo. Isso significa que, relativamente à legitimidade singular dos titulares daquele

objeto, o litisconsórcio representa uma legitimidade de segundo grau, isto é, uma

legitimidade que se demarca, através de critérios específicos, entre esses titulares, de

molde a determinar as condições em que todos eles podem ou devem ser partes numa

mesma ação. A legitimidade plural não é, por isso, um conjunto ou somatório de

legitimidades singulares mas uma realidade com características próprias.

2. Consumpção da legitimidade plural: a verificação de que os litisconsortes, ou qualquer

deles, não são titulares do objeto do processo consome a análise da legitimidade plural:

se se concluir que essas partes não são titulares daquele objeto, não interessa analisar

se é admissível entre elas qualquer litisconsórcio. Perante essa situação, o tribunal deve

proferir uma decisão de improcedência relativa a todas ou a algumas das partes.

Classificações:

1. Quanto à origem: quanto á sua origem, o litisconsórcio pode ser voluntário ou

necessário. No litisconsórcio voluntário, todos os interessados podem demandar ou ser

demandados, mas não se verifica qualquer ilegitimidade se não estiverem todos

presentem em juízo. No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem

demandar ou ser demandados, originando a falta de qualquer deles uma situação de

ilegitimidade. Assim, enquanto o litisconsórcio voluntário decorre exclusivamente da

vontade dos interessados, o litisconsórcio necessário é imposto às partes.

2. Quanto ao conteúdo: atendendo ao conteúdo do litisconsórcio (voluntário ou

necessário) pode ser simples ou recíproco. O litisconsórcio simples é aquele em que a

pluralidade de partes não implica, relativamente às ações entre um autor e um réu, um

aumento do número de oposições entre as partes. O litisconsórcio recíproco é aquele

em que pluralidade de partes determina um aumento do número de oposições entre

elas. A intervenção de um terceiro através do incidente da oposição (que se encontra

definida no artigo 333.º, n.º1 CPC) determina igualmente um litisconsórcio recíproco

conforme especialmente artigo 337.º, n.º2 CPC.

Litisconsórcio voluntário:

1. Critério aferidor: sempre que existe uma pluralidade de interessados, ativos ou passivos,

opera, quanto à constituição do litisconsórcio, uma regra de coincidência pois que a

ação pode ser proposta por todos esses titulares ou contra todos eles (artigo 32.º, n.º1,

1.ª parte CPC). O litisconsórcio voluntário verifica-se exclusivamente por iniciativa da

parte ou partes da causa: são os vários interessados que decidem instaurar a ação

conjuntamente, é o autor da ação que resolve propor a ação contra vários réus e é esse

autor que ou o réu que opta por promover a intervenção de outras partes durante a

pendência da ação. Apesar de o litisconsórcio voluntário se encontrar na disponibilidade

das partes, que o podem constituir ou não, isso não significa que a sua constituição seja

irrelevante, isto é, que a parte que o pode conformar possa conseguir os mesmos

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benefícios e vantagens com ou sem a sua conformação. Basta atentar na diferença

quanto ao âmbito subjetivo do caso julgado para se concluir que o litisconsórcio, mesmo

quando voluntário, não é, normalmente, irrelevante ou indiferente, ao que ainda

acresce que nalguns casos, a produção de certos efeitos depende da presença de certas

partes em juízo. O litisconsórcio voluntário é simples quando visa apenas estender o

âmbito subjetivo do caso julgado: é conveniente quando procura assegurar a produção

de certos efeitos.

2. Litisconsórcio simples: no litisconsórcio simples, a parte que o conforma pretende

integrar determinados sujeitos no âmbito subjetivo do caso julgado, numa situação em

que, sem a sua participação na ação, eles não ficariam abrangidos por esse caso julgado.

3. Litisconsórcio conveniente: no litisconsórcio conveniente, a parte que constitui o

litisconsórcio visa alcançar uma vantagem que não pode obter sem essa pluralidade de

partes, ativas ou passivas. Quer dizer: a constituição do litisconsórcio é uma condição

indispensável para alcançar um certo resultado ou efeito. São vários os motivos que

podem determinar o litisconsórcio conveniente. Este litisconsórcio verifica-se em

relação a obrigações conjuntas, pois que, sem a participação de todos os credores ou de

todos os devedores, a ação só pode ser procedente na quota-parte respeitante ao

sujeito presente em juízo (artigo 32.º, n.º1, 2.ª parte CPC). Verifica-se um caso de

litisconsórcio conveniente no caso de uma dívida comunicável entre cônjuges casados

no regime de separação de bens, pois que, sem a demanda de ambos os cônjuges, não

pode ser obtida a totalidade do crédito e não podem ser executados bens próprios do

cônjuge não demandado (artigos 1691.º e 1695.º, n.º2 CC). Suponha-se um credor de

uma dívida contraída por um dos cônjuges (casados segundo o regime da separação)

para ocorrer aos encargos normais da vida familiar; esta dívida é comunicável (artigo

1691.º, n.º1, alínea b) CC), mas, se a ação for proposta apenas contra um dos cônjuges,

o credor só pode obter a condenação deste em metade do montante do crédito e não

pode vir a executar os bens próprios do outro cônjuge (artigo 1695.º, n.º2 CC). Se os

cônjuges forem casados segundo qualquer outro regime de bens (comunhão de

adquiridos ou comunhão de bens), as ações relativas a dívidas comunicáveis devem ser

propostas contra ambos os cônjuges (artigo 34.º, n.º3 CPC), porque por essa dívida são

responsáveis os bens comuns do casal e, na falta ou insuficiência deles, os bens próprios

de qualquer dos cônjuges (artigo 1695.º, n.º1 CC).

Litisconsórcio necessário:

1. Critérios aferidores: no litisconsórcio necessário todos os interessados devem

demandar ou ser demandados. Os critérios que orientam a previsão do litisconsórcio

necessário são essencialmente dois:

O critério da indisponibilidade individual (ou da disponibilidade plural) do objeto do

processo: tem expressão no litisconsórcio legal e convencional; e

O critério da compatibilidade dos efeitos produzidos: tem expressão no

litisconsórcio natural e por apensação.

2. Litisconsórcio legal: o litisconsórcio legal é aquele que é imposto pela lei (artigo 33.º,

n.º1 CPC). O litisconsórcio entre os cônjuges é necessário quanto a direitos que apenas

podem ser exercidos por ambos os cônjuges ou a bens que só podem ser administrados

ou alienados por eles (artigo 34.º CPC). Nas ações relativas a atos de administração, o

litisconsórcio ativo é necessário quanto aos atos de administração extraordinária de

bens comuns do casal (artigos 1678.º, n.º3, in fine CC e 34.º, n.º1 CPC). Nas ações

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referidas a atos de disposição, o litisconsórcio ativo é necessário quando o objeto do

processo seja um ato de disposição, nomeadamente, de bens móveis comuns

administrados por ambos os cônjuges (artigos 1682.º, n.º1 CC e 34.º, n.º1 CPC), de bens

móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida doméstica ou

profissional (artigos 1682.º, n.º3, alínea a) CC e 34.º, n.º1 CPC), de bens móveis

pertencentes exclusivamente ao cônjuge não administrador (artigos 1682º, n.º3, alínea

b) CC e 34.º, n.º1 CPC), da casa de morada de família (artigos 1682.º-A, n.º2 CC e 34.º,

n.º1 CPC) e de bens imóveis próprios ou comuns e de estabelecimento comercial, se os

cônjuges forem casados no regime de comunhão de bens (artigos 1682.º-A, n.º1 CC e

34.º, n.º1 CPC). Note-se que o litisconsórcio ativo entre os cônjuges pode ser substituído

pela propositura da ação por um dos cônjuges com o consentimento do outro (artigo

34.º, n.º1 CPC), o que constitui uma situação de substituição processual voluntária. Se

o cônjuge não der o seu consentimento para a propositura da ação, o outro cônjuge

pode suprir judicialmente esse consentimento (artigo 34.º, n.º2 CPC), utilizando o

processo regulado no artigo 1000.º CPC. Relativamente à demanda dos cônjuges, o

litisconsórcio é necessário quando o objeto do processo é um facto praticado por ambos

os cônjuges ou um bem que só por eles pode ser administrado ou alienado. O

litisconsórcio passivo entre os cônjuges acompanha a responsabilidade patrimonial

pelas dívidas e a disponibilidade substantiva sobre os bens em causa na ação. O

litisconsórcio acompanha a responsabilidade patrimonial pelo pagamento da dívida,

pelo que, se pela dívida foram responsáveis bens comuns ou bens próprios do cônjuge

não contratante (artigo 1695.º CC), devem ser demandados ambos os cônjuges. O

mesmo acontece quando o bem integra ou pode integrar o património comum. O

litisconsórcio necessário definido pelo artigo 34.º CPC também pode operar depois da

dissolução, declaração da nulidade ou anulação do casamento. Para tanto basta que o

ato tenha sido praticado pelos ex-cônjuges ou que, apesar da cessação do casamento,

ainda não se tenha realizado a partilha de bens entre eles. Em qualquer dos casos, pode

ainda suceder que também deva ser demandado, se qualquer dos ex-cônjuges

responsáveis tiver contraído novo casamento, o seu cônjuge atual, nomeadamente

porque importa delimitar os bens daquele ex-cônjuge perante os bens do novo casal ou

os bens próprios do seu cônjuge.

3. Litisconsórcio convencional: o litisconsórcio convencional é aquele que é imposto pela

estipulação das partes de um negócio jurídico (artigo 33.º, n.º1 CPC). Para a

determinação do âmbito deste litisconsórcio convencional há que analisar o regime das

obrigações divisíveis e indivisíveis. Se a obrigação for divisível, o litisconsórcio é, em

princípio, voluntário, porque, se não estiverem presentes todos os interessados ativos

ou passivos, o tribunal conhece apenas da quota-parte do interesse ou da

responsabilidade dos sujeitos presentes em juízo (artigo 32.º, n.º1, 2.ª parte CPC). Assim,

quanto a uma obrigação divisível, o litisconsórcio só é necessário se as partes

estipularem que o seu cumprimento apenas é exigível por todos os credores ou a todos

os devedores. Quanto à obrigação indivisível, há que distinguir entre a pluralidade de

devedores e a de credores. Se forem vários os credores, o artigo 535.º, n.º1 CC estipula

que o cumprimento só pode ser exigido de todos eles, pelo que, quanto a essa hipótese,

vale um litisconsórcio necessário legal e, por isso, o caso não pode enquadrar-se no

litisconsórcio convencional. Pelo contrário, se houver uma pluralidade de credores, o

artigo 538.º, n.º1 CC dispõe que qualquer deles pode exigir a prestação por inteiro,

resultando daí que, na falta de estipulação das partes, o litisconsórcio de vários credores

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de uma obrigação indivisível é meramente voluntário. Por isso, relativamente a uma

obrigação indivisível, o litisconsórcio necessário convencional também só se verifica se

for estipulado que essa obrigação só pode ser exigida por todos os credores.

4. Litisconsórcio natural: o litisconsórcio natural é aquele que é imposto pela realização

do efeito útil normal da decisão do tribunal (artigo 33.º, n.º2 CPC). Pode entender-se

que o litisconsórcio natural só existe quando a repartição dos vários interessados por

ações distintas impediria uma composição definitiva entre as partes da causa. Mas

também pode defender-se que o litisconsórcio é natural não só quando a repartição dos

interessados por ações diferentes impediria a composição definitiva entre as partes,

mas também quando a repartição dos interessados por ações distintas poderia obstar a

uma solução uniforme entre todos os interessados. Segundo a definição legal do artigo

33.º, n.º2, 2.ª parte CPC, o efeito útil normal é atingido quando sobrevém uma regulação

definitiva da situação concreta das partes (e só delas) quanto ao objeto do processo.

Porém, de acordo com a mesma definição, o efeito útil normal pode ser conseguido

ainda que não estejam presentes todos os interessados ou, dito de outra forma, a

ausência de um desses interessados nem sempre constitui um obstáculo a que esse

efeito possa ser atingido: é o que resulta do facto e nessa definição se admitir

expressamente a não vinculação de todos os interessados. Assim decorre da leitura do

artigo que, na determinação do litisconsórcio, releva apenas a eventualidade de a

sentença não compor definitivamente a situação jurídica das partes, por esta poder ser

afetada pela solução dada numa outra ação pendente entre outras partes. Deste modo,

o critério legal impõe que, numa ação de divisão de uma coisa comum, seja necessária

a intervenção de todos os interessados, pois que qualquer outra divisão da mesma coisa

afetará sempre a divisão efetuada na primeira ação; o mesmo se pode dizer quanto a

uma ação de dissolução de uma sociedade. Importa reconhecer, contudo, que a

aplicação jurisprudência do regime do litisconsórcio natural tem seguido uma

orientação diversa. De acordo com essa orientação, o litisconsórcio natural verifica-se

quando, sem a participação de todos os interessados, não é possível uma composição

definitiva dos seus interesses, o que corresponde indiscutivelmente à situação prevista

no artigo 33.º, n.º2 CPC. Mas, em consonância com a referida orientação jurisprudencial,

o litisconsórcio natural também se impõe quando a presença em juízo de todos os

interessados é necessária para garantir uma decisão uniforme entre eles, ou seja,

quando a ausência de um qualquer dos interessados é suscetível de possibilitar uma

nova ação sobre a mesma relação e de originar decisões contraditórias entre eles. Pode

assim dizer-se que a jurisprudência tem imposto o litisconsórcio natural quer por razões

de compatibilidade lógico-jurídica, quer por motivos de coerência prática.

Diferenças entre os litisconsórcios:

1. Constituição: o litisconsórcio voluntário encontra-se na disponibilidade da parte, que o

pode constituir ou não. Diferentemente, o litisconsórcio necessário não permite

qualquer opção das partes, pois que a ação tem de ser proposta por todos ou contra

todos os interessados. Importa assim determinar como pode uma parte ultrapassar uma

recusa dos demais interessados em proporem, conjuntamente com ela, a ação: tem-se

entendido que essa parte pode instaurar sozinha a ação e, simultaneamente, requerer

a intervenção principal, como autores, dos demais interessados (artigo 327.º CPC). A

pluralidade de partes relativamente às quais o litisconsórcio é imposto pode ser ativa

ou passiva. Normalmente, o litisconsórcio é imposto a uma pluralidade de autores ou a

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um autor relativamente a uma pluralidade de réus. Mas o litisconsórcio também pode

ser imposto a uma pluralidade de réus ou a um réu quanto a uma pluralidade de autores:

é o que sucede quando a dedução de uma exceção perentória ou a apresentação de um

pedido reconvencional só é admissível por vários réus ou contra vários autores. Nestes

casos, o réu da ação deve solicitar a intervenção principal dos demais co-réus ou dos

restantes co-autores (artigo 347.º CPC).

2. Posição das partes: quanto à posição das partes a diferença entre o litisconsórcio

voluntário e o necessário reside no seguinte: enquanto no litisconsórcio necessário as

partes se apresentam externamente como uma única parte (artigo 35.º, 1.ª parte CPC),

no litisconsórcio voluntário, em contrapartida, as partes mantêm uma posição de

autonomia (artigo 35.º, 2.ª parte CPC). Daí decorre que no litisconsórcio voluntário a

falta de citação de um dos réus não é motivo de nulidade da citação (artigo 175.º, alínea

b) CPC), cada parte pode desistir ou confessar a quota-parte do pedido ou transigir sobre

essa quota-parte (artigo 288.º, n.º1 CPC), o recurso interposto por alguma das partes

vencidas não aproveita aos não recorrentes (artigo 634.º, n.º1 CPC) e o recorrente pode

excluir do recurso algumas partes vencedoras (artigo 635., n.º1 CPC), o que demonstra

que a decisão pode ser diversa para cada um dos litisconsortes. Em conclusão, no caso

do litisconsórcio voluntário, a admissibilidade e a fundamentação da ação são analisadas

separadamente quanto a cada um dos litisconsortes. Outras manifestações da

autonomia entre os litisconsortes numa hipótese de litisconsórcio voluntário

encontram-se no decurso dos prazos processuais, que correm separadamente para cada

uma das partes, e na possibilidade de um dos litisconsortes ser testemunha de uma

outra parte, o que, contudo, só pode suceder relativamente a factos sobre os quais o

litisconsorte não pode ser chamado a depor como parte (artigo 454.º, n.º1 CPC).

Convém referir que, no processo ordinário, a contestação de um dos litisconsortes

aproveita sempre aos demais, não relevando se o litisconsórcio é necessário ou

voluntário 568.º, alínea a) CPC). Idêntica extensão vale, por maioria de razão, para o

caso de algum dos litisconsortes não cumprir o ónus de impugnação especificada no

artigo 574.º CPC): também nesta hipótese o litisconsorte que, em processo ordinário,

não impugnou especificamente certo facto beneficia da sua impugnação por um outro

réu. A comunidade constituída pelas partes de um litisconsórcio necessário verifica-se

também quanto aos pressupostos processuais, no sentido de que esse litisconsórcio

exige que eles estejam preenchidos em relação a todos os litisconsortes. Na verdade, se

faltar um dos pressupostos que afeta um dos litisconsortes e se isso determinar a sua

absolvição da instância, os demais litisconsortes deverão ser absolvidos por

ilegitimidade, dado que aquela absolvição os tornou partes ilegítimas; se o litisconsórcio

se verificar na parte ativa, é o réu que deverá ser absolvido da instância, com base na

ilegitimidade dos autores.

3. Efeitos da preterição: quanto aos efeitos da sua não constituição, no caso do

litisconsórcio voluntário verifica-se apenas o desenvolvimento de certos benefícios ou

vantagens, mas na hipótese do litisconsórcio necessário conforma-se a ilegitimidade da

parte ativa ou passiva que está em juízo desacompanhada dos demais interessados.

Assim, se, numa situação de litisconsórcio conveniente, o credor demandar apenas um

dos devedores conjuntos, ele só obtém a condenação do réu no cumprimento da sua

quota-parte (artigo 32.º, n.º1, 2.ª parte CPC); pelo contrário, a falta de qualquer parte,

ativa ou passiva, para assegurar o litisconsórcio necessário determina sempre a

ilegitimidade da parte ou partes presentes em juízo (artigo 33.º, n.º1 CPC). A

ilegitimidade proveniente da preterição de litisconsórcio necessário é sanável, embora

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haja que distinguir o litisconsórcio relativo aos cônjuges das demais hipóteses. No

litisconsórcio entre os cônjuges, a ilegitimidade ativa é sanável mediante a obtenção do

consentimento do outro cônjuge ou o seu suprimento (artigo 29.º, n.º3 CPC); a

ilegitimidade passiva é sanável através da intervenção principal do cônjuge não

presente, provocada quer pelo autor da ação (artigo 261.º, n.º1 CPC), quer pelo cônjuge

demandado (artigos 321.º, alínea d) e 347.º CPC). Na consideração de que o

chamamento à demanda do cônjuge não demandado inicialmente (artigo 321.º, alínea

d) CPC) representa uma forma de sanação da ilegitimidade do cônjuge demandado

parte-se do princípio que a responsabilidade dos bens comuns do casal pelas dívidas

comunicáveis (artigo 1695.º, n.º1 CC) não está na disponibilidade do credor, que, por

isso, não pode acionar apenas um dos cônjuges, desistindo da garantia dada pelo

património comum. Nas demais situações de litisconsórcio necessário, a ilegitimidade é

sanável mediante a intervenção principal provocada da parte cuja falta gera a

ilegitimidade (artigo 261.º, n.º1 CPC). Essa intervenção é admissível mesmo depois do

trânsito em julgado do despacho saneador que apreciou a ilegitimidade (artigo 261.º,

n.º1 CPC), situação em que a instância se renova (artigo 261.º, n.º2 CPC).

§13.º - Litisconsórcio sucessivo

Tipologia:

1. Intervenções nominadas: o litisconsórcio superveniente – que é aquele que se verifica

durante a pendência da causa (não abrangendo, contudo, o chamado litisconsórcio por

apensação) – corresponde às situações de intervenção de uma parte principal numa

ação pendente. Esse litisconsórcio pode ser passivo, se essa intervenção só pode

verificar-se na parte passiva, misto; se o terceiro pode intervir como autor ou réu, e

recíproco, se intervém um terceiro em oposição a uma ou a ambas as partes. O campo

de aplicação de cada uma das modalidades de intervenção de terceiros determina-se

segundo o princípio da prevalência do regime especial sobre o geral. Assim ,ainda que

uma situação seja subsumível à previsão de várias modalidades de intervenção de

terceiros, deve aplicar-se aquela que a previr especificamente.

2. Intervenções inominadas: além das intervenções nominadas (artigos 311.º a 350.º CPC),

algumas outras se encontram dispersas por vários regimes legais.

Litisconsórcio passivo:

1. Nomeação à ação: a nomeação à ação (nominatio actoris) visa provocar, por iniciativa

do réu demandado, a intervenção de um terceiro que tem um interesse direto em

contradizer o pedido formulado pelo autor. Por isso, a nomeação à ação pode implicar

a substituição da parte inicialmente demandada pelo terceiro por ela nomeado (artigo

314.º, n.º2, 1.ª parte CPC). A nomeação à ação é admissível quando, tendo sido

demandado como possuidor em nome próprio alguém que afinal possui em nome

alheio, este réu pretenda provocar a intervenção do verdadeiro possuidor em nome

próprio (artigo 311.º, n.º1 CPC). Contudo, o dever que impende sobre o possuidor em

nome alheio de nomear à ação o possuidor em nome próprio não decorre de qualquer

falta de legitimidade para ser demandado na ação de reivindicação, dado que, conforme

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se dispõe no artigo 1311.º, n.º1 CC o proprietário pode exigir de qualquer possuidor ou

detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a restituição do

que lhe pertence. Assim, quanto às opções de reivindicação, o sentido útil da nomeação

à ação é, atualmente, apenas o de imporão demandado o dever de reparação dos danos

suportado pelo possuidor em nome próprio com a falta dessa nomeação (artigo 311.º,

n.º3 CPC), em correspondência, aliás, com o dever que o demandado tem de informar

aquele possuidor de que um terceiro se arroga direitos em relação à coisa possuída

(artigos 1038.º, alínea h) e 1187.º, alínea b) CC). A nomeação à ação também é

admissível quando tiver sido demandado como violador de um direito real alguém que

agiu por ordem ou em nome de terceiro (artigo 315.º CPC). A nomeação à ação é

realizada dentro do prazo fixado para a contestação (artigo 312.º, n.º1 CPC). O autor da

ação pode não aceitar a nomeação (artigo 313.º, n.º1 CPC), o que implica o risco de o

tribunal considerar o demandado parte ilegítima se ele for possuidor em nome alheio

(artigo 313.º,n.º3 CPC). O nomeado pode negar a qualidade que lhe é atribuída (artigo

314.º, n.º1 CPC) ou reconhecê-la (artigo 314.º, n.º2 CPC); neste caso, o nomeado fica

ocupando a posição de réu, em substituição do demandado que o nomeou à ação (artigo

314.º, n.º2 CPC).

2. Chamamento à autoria: o chamamento à autoria (litis denuntiatio) visa fazer intervir,

por iniciativa do réu demandado, um terceiro contra o qual aquele réu tem um direito

de regresso, de origem legal ou contratual, se a ação vier a ser julgada procedente

(artigo 316.º, n.º1 CPC). Se, por sua vez, o terceiro chamado tiver direito de regresso

contra um outro terceiro, pode chamá-lo à autoria, e assim sucessivamente (artigo 317.º

CPC). O chamamento à autoria destina-se a permitir a intervenção de um terceiro, que

é responsável pelos danos resultantes para o réu demandado da procedência da ação,

isto é, perante o qual este réu possui, na hipótese de procedência da ação, um direito

de regresso. Através do chamamento à autoria, o réu libera-se do ónus de provar, na

eventual ação de indemnização proposta por ele contra o responsável, que empregou

todos os esforços para evitar a sua condenação na ação anterior (artigo 316.º, n.º2 CPC).

Mesmo que o chamado não aceite a autoria, ele permanece vinculado pelo caso julgado

da decisão de mérito e fica impedido de alegar, na eventual ação de indemnização

proposta pelo réu, qualquer negligência deste na ação anterior (artigo 319.º, n.º1 CPC).

Com a intervenção do terceiro chamado verifica-se uma modificação subjetiva da

instância, que pode chegar até à substituição do réu primitivo pelo chamado (artigo

320.º, n.º2 CPC). Mas não há qualquer alteração do objeto da ação, porque se mantém

o pedido formulado inicialmente, pelo que o chamamento à autoria não obsta à

eventual condenação do primitivo réu da ação, mas não pode conduzir à condenação

do chamado que, contudo, fica vinculado ao efeito de caso julgado da decisão proferida.

O chamamento à autoria determina ainda a interrupção do direito de regresso, pois que

esse chamamento exprime a intenção do seu exercício pelo titular (artigo 314.º, n.º1

CPC)15.

3. Chamamento à demanda: o chamamento à demanda visa fazer intervir, por iniciativa

da parte demandada, um co-devedor do réu demandado. A finalidade do chamamento

à demanda é criar uma pluralidade de réus correspondente à pluralidade de devedores.

O chamamento à demanda está previsto nas seguintes situações:

Quando o fiador demandado pretender fazer intervir o devedor (artigo 321.º, alínea

a) CPC) ou os demais fiadores (Artigo 321.º, alínea b) CPC);

15 ???

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Quando o devedor solidário, demandado pela totalidade da dívida, pretender fazer

intervir os demais co-devedores (artigo 321.º, alínea c) CPC);

Quando um dos cônjuges demandado por dívida por ele contraída quiser fazer

intervir o outro cônjuge (artigo 312.º, alínea d) CPC).

Na hipótese em que o chamamento à demanda provoca a intervenção do cônjuge do

réu, esse chamamento pode assegurar um litisconsórcio conveniente entre os cônjuges.

Mas esse mesmo chamamento também pode sanar a ilegitimidade decorrente da

preterição de um litisconsórcio entre os cônjuges. Como a ação devia ter sido proposta

contra ambos os cônjuges, (artigo 34.º, n.º2 CPC), o chamamento à demanda do cônjuge

sana a ilegitimidade do cônjuge inicialmente demandado. O chamamento à demanda é

deduzido na contestação ou, se o réu não quiser contestar, em requerimento próprio

(artigo 322.º CPC). O chamado é citado para contestar (artigo 232.º, n.º1 CPC), podendo

impugnar simultaneamente o crédito do autor e a solidariedade ou comunicabilidade

da dívida (artigo 324.º, n.º1 CPC).

Litisconsórcio misto:

1. Delimitação: o litisconsórcio sucessivo misto é aquele que se pode verificar tanto na

parte ativa, como na parte passiva. No Direito positivo, esse litisconsórcio corresponde

a uma das modalidades da intervenção principal: a intervenção litisconsorcial. Esta

intervenção visa permitir a participação de um terceiro que é titular (ativo ou passivo)

de uma situação subjetiva própria, mas paralela à alegada pelo autor ou à defendida

pelo réu (artigo 343.º CPC). Como a própria designação indica, essa intervenção visa a

participação de uma parte principal, que, como tal, goza de todos os direitos

reconhecidos a essa parte (artigo 344.º, n.º2, 2.ª parte CPC)

2. Modalidades: a intervenção litisconsorcial pode ser espontânea ou provocada. A

intervenção espontânea é a que se verifica por iniciativa do interveniente (artigo 342.º,

alínea a) CPC). Só pode referir-se ao litisconsórcio voluntário (artigo 342.º, alínea a) CPC),

mas as suas condições são distintas para a parte ativa e passiva. Quanto à parte ativa,

essa intervenção espontânea pode respeitar a um crédito conjunto ou solidário, mas,

para a parte passiva, só pode ser relativa a uma dívida conjunta, pois que para a dívida

solidária está reservado o chamamento à demanda (artigo 321.º, alínea c) CPC). A

intervenção litisconsorcial provocada é a que se realiza por iniciativa de qualquer das

partes (artigo 347.º CPC). Pode referir-se ao litisconsórcio voluntário ou necessário,

situação em que sana a ilegitimidade da parte desacompanhada das demais (artigo

261.º, n.º1 CPC).

3. Regime: a intervenção litisconsorcial é admissível em qualquer momento até ao trânsito

em julgado da sentença proferida na causa (artigo 344.º, n.º1, 1.ª parte CPC). O

interveniente pode deduzir a sua intervenção em articulado próprio quando a

intervenção se realize antes do proferimento do despacho saneador, se o processo o

comportar), ou antes de ser designado dia para discussão e julgamento em 1.ª instância,

se o processo não comportar saneador, nem audiência de discussão e julgamento

(artigo 345.º, n.º1 CPC); se a intervenção for posterior, o interveniente deduzi-la-á em

simples requerimento (artigo 342.º, n.º2 CPC). Requerida a intervenção, o juiz, se não

houver motivo para a rejeitar liminarmente, ordena a notificação de ambas as partes

para responderem (artigo 343.º, n.º1 CPC). Posteriormente, o juiz decide (artigo 343.º,

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n.º4 CPC). A intervenção provocada só pode ser requerida, salvo quando for necessária

para assegurar a legitimidade (artigo 262.º, n.º1 CPC), até ao momento em que é

admissível a intervenção espontânea em articulado próprio (artigo 348.º, n.º1 CPC), isto

é, dentro dos prazos referidos no artigo 345.º, n.º1 CPC. Depois de ouvida a parte

contrária e de o tribunal ter decidido sobre a admissibilidade da intervenção (artigo

348.º, n.º2 CPC), os interessados são citados (artigo 349.º, n.º1 CPC). Mesmo que o

chamado não intervenha no processo, a sentença constitui, quanto a ele, caso julgado

quando tenha sido ou deva considerar-se citado na sua própria pessoa (artigo 350.º,

n.º2 CPC).

Litisconsórcio recíproco:

1. Delimitação: a oposição (interventivo ad excludendum) destina-se a permitir a

participação de um terceiro que é titular de uma situação subjetiva incompatível com

aquela que é alegada pelo autor (artigos 333.º, n.1º e 338.º CPC).

2. Modalidades: a oposição pode classificar-se quanto à iniciativa e ao âmbito; quanto à

iniciativa, a oposição pode ser espontânea ou provocada. A oposição espontânea é a

que se verifica por iniciativa do terceiro opoente (artigo 333.º, n.º1 CPC). A oposição

provocada verifica-se por iniciativa da parte passiva (artigo 338.º CPC). Quanto ao

âmbito, a oposição pode ser total ou parcial, consoante a medida da incompatibilidade

da situação subjetiva alegada pelo opoente com aquela que é invocada pelo autor.

3. Regime: o opoente espontâneo deve deduzir a sua pretensão numa petição (artigo

334.º CPC). Se a oposição não for liminarmente indeferida, é ordenada a notificação das

partes da ação para contestarem o pedido do opoente (artigo 335.º, n.º1 CPC). Se

alguma das partes reconhecer o direito do opoente, estando reconhecida a legitimidade

deste, o processo fica a correr unicamente entre a outra parte e o opoente, tomando

este a posição de autor ou de réu, conforme a posição da contraparte (artigo 337.º, n.º1

CPC). Assim, se o autor reconhecer a pretensão do opoente, este fica a ocupar a posição

daquela parte ativa; se esse reconhecimento for realizado pelo réu, o opoente fica

igualmente na posição de réu da ação. A oposição provocada pode ser requerida pelo

réu dentro do prazo fixado para a contestação (artigo 338.º CPC). O terceiro é citado

para deduzir a sua pretensão (artigo 339.º CPC); se o terceiro, tendo sido ou devendo

considerar-se citado na sua própria pessoa, não deduzir qualquer pretensão, o réu é

imediatamente condenado a satisfazer o pedido do autor (artigo 340.º, n.º1 CPC). Isto

é, na falta da dedução da oposição pelo terceiro determina o efeito cominatório da

condenação do réu da ação.

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Capítulo VI – O interesse processual

§15.º - Aspetos gerais

Delimitação:

1. Noção: o interesse processual (ou interesse em agir) pode ser definido como o interesse

da parte ativa em obter a tutela judicial de uma situação subjetiva através de um

determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir

a concessão daquela tutela.

2. Justificação: o interesse processual impõe algumas restrições ao exercício do direito à

jurisdição – que constitucionalmente é garantido a qualquer sujeito (artigo 20.º, n.º1

CRP) –, dado que condiciona o recurso aos tribunais à inexistência de qualquer outro

meio, processual ou extraprocessual, de exercício jurisdicional requerida. A sua

justificação prende-se, assi, com razões de economia: esse pressuposto visa evitar que

sejam impostos custos e incómodos ao demandado e ao tribunal numa situação em que

não se fundamenta o recurso aos órgãos jurisdicionais.

Conteúdo:

1. Interesse em demandar e em contradizer: o interesse processual desdobra-se num

interesse em demandar (do autor) e num interesse em contradizer (do réu): – o

interesse em demandar é o interesse na obtenção da tutela judicial e afere-se pelas

vantagens decorrentes dessa tutela para a parte ativa; – o interesse em contradizer é o

interesse na não concessão dessa tutela e avalia-se pelas desvantagens impostas ao réu

pela atribuição daquela tutela à contraparte. Assim, o autor não tem interesse em

demandar quando não extrair nenhuma vantagem da concessão da tutela judiciária; o

réu não tem interesse em contradizer quando a concessão dessa tutela não lhe importar

nenhuma desvantagem. A vantagem do autor e a desvantagem do réu são

necessariamente apreciadas em relação à situação das partes no momento da

propositura da ação. Só conhecendo esta situação se pode saber se o autor vai obter

algum benefício com a atribuição da tutela requerida ou se o réu vai sofrer algum

prejuízo com a concessão da tutela. O interesse processual não pode ser afirmado ou

negado em abstrato: apenas comparando a situação em que a parte (ativa ou passiva)

se encontra antes da propositura da ação com aquela que existirá se a tutela for

concedida, se pode saber se isso representa um benefício para o autor e uma

desvantagem para o réu.. Se a situação relativa entre as partes não se alterar com a

concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual.

2. Correlatividade dos interesses: qualquer desvantagem do autor é naturalmente

correlativa de uma desvantagem do réu, e vice-versa. Na verdade, só se o autor

beneficiar algo com a tutela judicial requerida é que o réu terá algum prejuízo; e o autor

só aufere alguma vantagem se a concessão da tutela pedida implicar para o réu alguma

desvantagem. Disto resulta que se o autor tiver interesse em demandar, então o réu

tem igualmente interesse em contradizer, porque tem interesse em opor-se à vantagem

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que o autor pretende obter com a tutela judicial requerida. Correspondentemente, se

o autor não tiver interesse em demandar, então o réu também não tem interesse em

contradizer, porque essa tutela obtida pelo autor, que não atribui qualquer vantagem a

esta parte, também não o coloca em posição desvantajosa perante aquela parte ativa.

Assim, o interesse processual é um pressuposto que apesar de ser aferido relativamente

a ambas as partes (autor e réu), apresenta a particularidade de ser preenchido

simultaneamente pelo autor para ambas as partes. O autor, ao assegurar o seu interesse

em demandar, garante igualmente o interesse em contradizer o réu. Aquela

especialidade não reside na circunstância de recair sobre o autor o ónus de assegurar

um pressuposto processual relativo ao réu, pois que isso também sucede quanto a

outros pressupostos: é ao autor que incumbe assegurar, por exemplo, a capacidade

judiciária do réu ou a legitimidade desta parte passiva. Específico do interesse

processual é apenas o facto de o autor, ao garantir o seu interesse em demandar,

assegurar igualmente o interesse em contradizer do réu. Esta característica, que decorre

da correlatividade entre o interesse em demandar e o interesse em contradizer, é que

não se encontra em nenhum outro pressuposto processual (mesmo relativo às partes).

Desse modo, não pode haver interesse em demandar sem interesse em contradizer e

não pode existir interesse em contradizer sem aquele interesse em demandar.

Aferição:

1. Necessidade de tutela judicial: o interesse processual é um pressuposto processual

respeitante à parte ativa e correlativamente ao réu, que é aferido pela posição de ambas

as partes perante a necessidade de tutela jurisdicional e a adequação do meio

processual escolhido pelo autor. Em princípio, a necessidade de tutela é aferida

objetivamente perante a situação subjetiva alegada pelo autor. O autor tem interesse

processual se, dos factos apresentados, resulta que essa parte necessita da tutela

jurisdicional para realizar ou impor aquela situação. Contudo, não se exclui que,

nalgumas eventualidades, a necessidade de tutela judicial deva ser aferida em função

de alguns fatores subjetivos do exercício do direito à jurisdição. Isso sucede

nomeadamente nas situações de litigância de má fé (artigo 542.º, n.º1 CPC). Em certos

casos, a situação subjetiva alegada pelo autor justifica ela mesma o interesse processual

da parte, isto é, a mera alegação de uma situação subjetiva pode ser suficiente para

reconhecer ao autor a necessidade de obter a tutela judicial. Esta é, aliás¨, a hipótese

mais frequente. Quando o autor alega um direito a uma prestação já exigível, o interesse

em requerer a tutela judicial está normalmente preenchido, porque o autor necessita

dessa tutela para obter a condenação do devedor e, através da sentença proferida nessa

ação condenatória, conseguir a realização coativa dessa prestação numa subsequente

ação executiva. O mesmo se passa se o autor invoca um direito potestativo: também

neta hipótese está implicitamente reconhecida a necessidade de tutela judicial, porque

a mudança jurídica decorrente do exercício daquele direito subjetivo só é realizável

através de uma sentença judicial. Isto demonstra que o interesse processual,

considerado como pressuposto processual, se destina essencialmente a definir as

condições em que uma parte pode recorrer aos tribunais quando a situação subjetiva

de que é titular não lhe atribui, no momento da propositura da ação, essa faculdade.

2. Adequação do meio judicial: além da necessidade de tutela judicial, o interesse

processual também exige que a ação instaurada seja o meio judicial adequado para

obter essa tutela. Assim, falta o interesse processual quando, no caso concreto, o meio

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processual utilizado não se reveste de qualquer utilidade. A adequação do meio judicial

também respeita à sua rapidez e economia. Isto significa que a parte não tem interesse

processual quando pode obter o mesmo resultado visado com a propositura da ação

através de um outro meio, processual ou extraprocessual, que importa menos custos e

incómodos. Deste modo, o autor não tem interesse processual para intentar uma ação

de simples apreciação se lhe é possível propor, desde logo, uma ação condenatória,

porque, como daquela ação não resulta nenhum comando de cumprimento, o autor

tem sempre de instaurar uma ação de condenação para obviar ao incumprimento do

devedor. Mas a possibilidade de obter extrajudicialmente o mesmo resultado através

da ação direta (artigo 336.º CC) ou da legitima defesa (artigo 337.º CC) em nada

contende com o interesse processual. Não só porque a tutela judicial é a forma normal

de defesa dos direitos subjetivos perante a qual devem ceder quaisquer outras formas

de exercício desses direitos (artigo 1.º CPC), mas também porque essas formas de

autotutela só podem ser usadas quando não for viável o recurso aos tribunais (artigo

336.º, n.º1 e 337.º, n.º1 CC), pelo que a parte nunca tem, numa situação concreta, a

opção entre utilizar a justiça privada ou recorrer aos tribunais. Além da impropriedade

do meio processual escolhido pelo autor, também falta o interesse processual quando

o autor recorre a um meio judicial que só pode ser utilizado se não for admissível

recorrer a um outro meio legalmente previsto. Com efeito, esse meio processual é

subsidiário perante este último (que é o meio principal), pelo que só pode ser usado

quando, por qualquer motivo, não seja viável o uso deste.

Qualificação:

1. Pressuposto processual: o interesse processual é um pressuposto processual, pelo que,

como qualquer outro pressuposto, é aferido exclusivamente perante o objeto definido

pelo autor. Por este motivo, a sua apreciação deve ser totalmente autonomizada do

julgamento do mérito da ação. Disto decorre que a contestação do mérito não envolve

a contestação do interesse processual: o réu que contesta o interesse limita-se a alegar

que o autor não necessita da tutela judicial requerida ou que o meio processual

escolhido não é o adequado a essa tutela, mas, em contrapartida, quando o réu contesta

o mérito, está a contestar, não a necessidade daquela tutela ou a propriedade daquele

meio, mas a própria procedência da ação.

2. Orientações negativistas: perante o Direito positivo, alguma doutrina nega a

qualificação do interesse processual como um pressuposto processual, porque, nos

termos do artigo 535.º CPC, a falta desse interesse implica apenas a responsabilidade

do autor pelas custas da ação, ainda que esta seja procedente (Castro Mendes). As

eventualidades nas quais o autor, apesar da procedência da ação, é responsável pelas

custas encontram-se referidas no artigo 535.º, n.º2 CPC, segundo o qual o pagamento

das custas incumbe ao autor quando:

a. Essa parte exerce um direito potestativo que não tem origem em qualquer facto

ilícito praticado pelo réu (alínea a));

b. A obrigação do réu só se vence com a sua citação ou depois da propositura da

ação (alínea b));

c. O autor, munido de um título com manifesta eficácia executiva, intenta uma

ação condenatória (alínea c)).

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Para alguma doutrina, estes casos são exemplos de ações inúteis – isto é, de ações

propostas sem interesse processual –, sem que, contudo, essa inutilidade implique a

absolvição do réu da instância, mas apenas a responsabilidade do autor pelas custas

(Castro Mendes).

3. Crítica: a orientação que fundamenta a negação do interesse em agir como pressuposto

processual na responsabilidade do autor pelas custas não deve ser seguida. As razões

para a rejeição dessa opinião são expostas de seguida. Segundo o critério geral definido

no artigo 527.º, n.º2 CPC é responsável pelas custas a parte que per4de a ação. É a esta

regra que o artigo 535.º CPC vem estabelecer algumas exceções: nos casos nele

previstos não é o réu, como parte vencida, que paga as custas, mas o autor apesar de

ter obtido a procedência da ação. Perante isto, parece efetivamente que o artigo 535.º

CPC demonstra que, no Direito Positivo, o interesse processual não é tratado como um

pressuposto processual, porque – diz-se então – se esse interesse fosse considerado

como um pressuposto, então jamais a sua falta poderia ter como consequência a

responsabilidade do autor pelas custas. Se o interesse processual fosse tratado como

um pressuposto processual, a solução prevista no artigo 535.º CPC deveria prever a

absolvição da instância e não, como realmente estipula, a mera responsabilidade do

autor pelas custas (Castro Mendes). Contudo, esta argumentação não considera que,

conforme diz o artigo 535.º, n.º1 CPC, o autor só é responsável pelas custas, mesmo nas

hipóteses previstas no artigo 535.º, n.º2 CPC, quando o réu não tenha contestado. Quer

dizer: a responsabilidade do autor pelas custas não decorre automaticamente da

circunstância de a ação corresponder a uma das previstas no artigo 535.º, n.º2 CPC; para

além disso, é necessário, nos termos do artigo 535.º, n.º2 CPC é, pois, a seguinte: o autor

intenta uma ação subsumível a um dos casos do artigo 535.º, n.º2 CPC; o réu não

contesta; a ação é considerada procedente e o autor é responsável pelas custas. O artigo

535.º CPC demonstraria efetivamente que o interesse processual não poderia ser

considerado como um pressuposto processual se, em situações em que

doutrinariamente não se reconhece interesse processual ao autor, ele não permitisse a

invocação da falta daquele pressuposto. Mas, como se verifica, não é isso que o artigo

535.º CPC estatui: este preceito, ao impor a responsabilidade do autor pelas custas

apenas na hipótese de o réu não ter contestado, demonstra inequivocamente que o réu

pode contestar a falta de interesse processual. A única consequência é que, se o fizer, a

situação já não é subsumível ao artigo 535.º CPC e o pagamento das custas regula-se

pelo artigo 527.º, n.º2 CPC. Assim, o artigo 535.º CPC não impede a contestação do

interesse processual, isto é, não obsta a que, mesmo nos casos previstos no artigo 535.º,

n.º2 CPC, o réu invoque a falta de interesse processual. Por isso, o que o artigo 535.º

CPC faz é facultar a réu uma opção:

se o réu não contesta (nem o interesse processual, nem o mérito), o autor é

responsável pelas custas, ainda que a ação seja procedente;

Se o réu contesta (o interesse processual ou o mérito), seguem os critérios gerais:

se a ação for procedente, o réu paga as custas; se o réu for absolvido da instância

ou se a ação for improcedente, é o autor o responsável pelo seu pagamento.

Compreende-se facilmente que a ratio do artigo 535.º CPC é proteger o réu: só isso

justifica que, apesar de a ação ser procedente, esse preceito imponha ao autor a

responsabilidade pelas custas. Importa agora averiguar qual o motivo dessa proteção

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dispensada ao réu. A razão prende-se com a impossibilidade da apreciação oficiosa do

interesse processual (ou da correspondente exceção, quando ele faltar). Efetivamente,

o artigo 535.º CPC demonstra que o interesse processual não é de conhecimento

oficioso, dado que, apesar das várias situações de falta de interesse processual nele

previstas (n.º2), esse preceito admite que, numa hipótese em que falta aquele

pressuposto de conhecimento oficioso, então jamais a falta desse interesse seria

compatível com essa procedência, porque então o tribunal deveria absolver, mesmo ex

officio, o réu da instância e abster-se de conhecer do mérito. Como o tribunal não pode

absolver oficiosamente o réu da instância, a lei, que não permanece totalmente

insensível à falta de interesse processual do autor numa situação em que a não

contestação do réu impede o tribunal de apreciar essa exceção, concede à parte passiva

outra proteção (ainda que não tão eficaz como a absolvição da instância) – impõe ao

autor o pagamento das custas. Assim, o regime instituído no artigo 535.º CPC visa

compensar o réu da impossibilidade do conhecimento oficioso da falta de interesse

processual. Nesta ótica, deve também entender-se que o réu deixa de merecer essa

proteção se, apesar de não ter contestado o interesse processual, contestou o

preenchimento de outros pressupostos processuais ou contestou o mérito da causa.

Quanto ao pagamento das custas, esta situação resolve-se pelos critérios gerais do

artigo 527.º, n.º2 CPC:

Se o réu for absolvido da instância ou do pedido, o autor é responsável pelas custas;

Se o réu decair nas suas alegações, fica responsável pelas custas, não importando

para esse efeito que não tenha contestado o interesse processual do autor.

§16.º - Regime jurídico-positivo

Funções:

1. Generalidades: o interesse processual visa essencialmente definir as condições nas

quais uma parte pode recorrer aos tribunais quando o direito por ela alegado não lhe

atribui por si e só a faculdade de requerer a tutela judicial. Um proprietário, apenas pelo

facto de o ser, não pode intentar uma ação de simples apreciação contra qualquer

sujeito, pois que o seu direito de propriedade não comporta tal faculdade; contudo, se

houver uma ameaça grave à violação desse seu direito, então o proprietário pode

propor uma ação inibitória contra o autor da ameaça.

2. Espécies: quando o interesse processual concede à parte a faculdade de requerer uma

determinada tutela judicial numa situação em que a mera alegação da situação subjetiva

não o permite, esse interesse manifesta-se na sua função positiva. É essa a função do

interesse processual nas ações condenatórias in futurum e nas ações inibitórias, nas

quais o interesse depende da ameaça de lesão do direito, e nas ações de simples

apreciação, nas quais o interesse se determina em função da incerteza objetiva

existente sobe uma situação jurídica. Quando o interesse processual retira ao titular de

um direito subjetivo a faculdade de requerer uma certa tutela judicial, esse interesse

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mostra-se na sua funão negativa. É esta função que determina a adequação do meio

processual utilizado pelo autor.

Consagração:

1. Apreciação geral: a exigência do interesse processual consta do artigo 30.º, n.º2 CPC,

no qual se define o interesse em demandar e o interesse em contradizer. O preceito,

seguindo a conceção dominante na época da sua elaboração. Atualmente, contudo, o

interesse processual deve ser distinguido da legitimidade: enquanto pelo interesse se

determinam as condições em que a parte pode recorrer aos tribunais, pela legitimidade

define-se qual o sujeito que pode ser parte ativa ou passiva numa ação. Aliás, o artigo

30.º, n.º2 CPC, só aparentemente se refere à legitimidade processual. Ao definir o

interesse em demandar pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse

em contradizer pelo prejuízo proveniente daquela procedência, o artigo 30.º, n.º2 CPC

reporta-se a dois interesses correlativos:

Se o autor extrair algum benefício da procedência da causa, então o réu é

prejudicado com essa procedência; em contrapartida

Se o autor não retirar qualquer vantagem da procedência da causa, então o réu

também não pode ser prejudicado com essa decisão.

Assim, se o autor tiver interesse em demandar, o réu tem necessariamente interesse

em contradizer, e vice-versa. Esta correlatividade é possível quanto ao interesse

processual, mas não quanto à legitimidade ad causam, pois que a legitimidade do autor

não assegura a legitimidade do réu, isto é, mesmo que o autor seja parte legítima, o réu

pode não possuir qualquer legitimidade. Por isso, o artigo 30.º, n.º2 CPC ao definir dois

interesses correlativos entre si, não se refere à legitimidade das partes, mas ao

interesse processual. Mantém-se, todavia, uma certa relação entre a legitimidade e o

interesse, porque só a parte legitimada pode ter interesse processual. Ou noutros

termos: o interesse processual é aferido relativamente à parte à qual é concedida a

faculdade de propor ou de contestar uma determinada ação, isto é, à parte com

legitimidade ativa ou passiva para essa ação.

2. Inutilidade superveniente: outra consagração da exigência do interesse processual é a

extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (aritgo 277.º, alínea c) CPC),

que se verifica quando o autor perde o interesse processual durante a pendência da

ação, pela ocorrência de um facto posterior à propositura da ação. Por exemplo, o autor

intentou uma ação para entrega de uma coisa infungível; durante a pendência da causa

a coisa perece; o autor deixou de ter interesse processual, porque a tutela judicial lhe é

inútil. As custas da ação que finda por inutilidade superveniente ficam a cargo do autor,

exceto se a inutilidade resultar de facto imputável ao réu (artigo 529.º, n.º1 CPC).

Apreciação:

1. Caracterização: a inexistência de interesse processual é uma exceção dilatória, porque

corresponde à falta de um pressuposto processual (artigo 576.º, n.º2 CPC). Como a

generalidade das exceções dilatórias, também a falta desse pressuposto implica a

absolvição do réu da instância (artigo 576.º, n.º2 e 278.º, n.º1, alínea c) CPC). No entanto,

porque o interesse processual é um pressuposto que visa proteger o réu, o

reconhecimento da falta desse interesse cede perante a improcedência da ação. Assim,

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o réu nunca deve ser absolvido da instância por falta desse pressuposto sem que o

tribunal averigue se nesse momento lhe é possível concluir pela improcedência da ação:

se houver elementos que justificam aquela improcedência, o tribunal deve absolver o

réu do pedido. Não faria sentido impor a absolvição da instância pela falta de um

pressuposto processual cuja finalidade é exatamente proteger o réu, dado que esta

parte passiva obtém com a improcedência da ação um resultado que lhe é mais

favorável.

2. Conhecimento: o interesse processual não é um pressuposto de conhecimento oficioso.

Isso resulta do regime do artigo 535.º CPC, dado que, como se referiu, o disposto nesse

preceito não se compreenderia se o interesse processual devesse ser apreciado

oficiosamente, porque então, mesmo não havendo contestação do réu, esta parte

deveria ser absolvida da instância, nunca se podendo admitir a procedência da ação nele

prevista. Isto impõe que se interprete convenientemente o artigo 578.º CPC.

Relativamente às exceções dilatórias não previstas no artigo 577.º CPC há sempre que

considerar quais os interesses que o correspondente pressuposto processual, for a parte

passiva a principal beneficiada com o preenchimento desse pressuposto, então deve

entender-se que a respetiva exceção dilatória não é de conhecimento oficioso.