2. Bacharel em Direito pela USP. Mestre em Direito pela
USP.Doutor em Direito pela PUCSP. Procurador de Justia
licenciado.Deputado Estadual. Presidente da Comisso de Constituio e
Justiada Assembleia Legislativa do Estado de So Paulo
(2007-2010).Professor da Escola Superior do Ministrio Pblico de So
Paulo.Professor convidado em diversas instituies de ensino.parte
geral(arts. 1 a 120)15 edio2011
3. FILIAISAMAZONAS/RONDNIA/RORAIMA/ACRERua Costa Azevedo, 56
CentroFone: (92) 3633-4227 Fax: (92) 3633-4782
ManausBAHIA/SERGIPERua Agripino Drea, 23 BrotasFone: (71) 3381-5854
/ 3381-5895Fax: (71) 3381-0959 SalvadorBAURU (SO PAULO)Rua
Monsenhor Claro, 2-55/2-57 CentroFone: (14) 3234-5643 Fax: (14)
3234-7401 BauruCEAR/PIAU/MARANHOAv. Filomeno Gomes, 670
JacarecangaFone: (85) 3238-2323 / 3238-1384Fax: (85) 3238-1331
FortalezaDISTRITO FEDERALSIA/SUL Trecho 2 Lote 850 Setor de
Indstria e AbastecimentoFone: (61) 3344-2920 / 3344-2951Fax: (61)
3344-1709 BrasliaGOIS/TOCANTINSAv. Independncia, 5330 Setor
AeroportoFone: (62) 3225-2882 / 3212-2806Fax: (62) 3224-3016
GoiniaMATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSORua 14 de Julho, 3148
CentroFone: (67) 3382-3682 Fax: (67) 3382-0112 Campo GrandeMINAS
GERAISRua Alm Paraba, 449 LagoinhaFone: (31) 3429-8300 Fax: (31)
3429-8310 Belo HorizontePAR/AMAPTravessa Apinags, 186 Batista
CamposFone: (91) 3222-9034 / 3224-9038Fax: (91) 3241-0499
BelmPARAN/SANTA CATARINARua Conselheiro Laurindo, 2895 Prado
VelhoFone/Fax: (41) 3332-4894 CuritibaPERNAMBUCO/PARABA/R. G. DO
NORTE/ALAGOASRua Corredor do Bispo, 185 Boa VistaFone: (81)
3421-4246 Fax: (81) 3421-4510 RecifeRIBEIRO PRETO (SO PAULO)Av.
Francisco Junqueira, 1255 CentroFone: (16) 3610-5843 Fax: (16)
3610-8284 Ribeiro PretoRIO DE JANEIRO/ESPRITO SANTORua Visconde de
Santa Isabel, 113 a 119 Vila IsabelFone: (21) 2577-9494 Fax: (21)
2577-8867 / 2577-9565 Rio de JaneiroRIO GRANDE DO SULAv. A. J.
Renner, 231 FarraposFone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 /
3371-1567Porto AlegreSO PAULOAv. Antrtica, 92 Barra FundaFone: PABX
(11) 3616-3666 So PauloNenhuma parte desta publicao poder ser
reproduzidapor qualquer meio ou forma sem a prvia autorizao
daEditora Saraiva.A violao dos direitos autorais crime estabelecido
naLei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.Diretor
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fechamento da edio: 13-10-2010Dvidas?Acesse
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a 6, das 8:30 s 19:[email protected]:
www.saraivajur.com.brISBN 978-85-02-11427-2Dados Internacionais de
Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP,
Brasil)Capez, FernandoCurso de direito penal, volume 1, parte geral
:(arts. 1 a 120) / Fernando Capez. 15. ed. SoPaulo : Saraiva,
2011.1. Direito penal I. Ttulo.10-12090 CDU-343ndice para catlogo
sistemtico:1. Direito penal 343
4. A meu pai, Amin Capez, cuja coragem, determinao, dedicao
ehonestidade construram o exemplo que procuro seguir em todos os
dias deminha vida.A minha me, Suraia Capez, a quem tudo devo, por
sua renncia, sa-crifcio e afeto, os quais jamais conseguirei
retribuir na mesma intensidade.A meu amigo e professor Damsio de
Jesus, que sonhou em escreverum livro e criou um marco na histria
do Direito Penal; um dia pensou emensinar e se transformou em um
jurista renomado internacionalmente.
5. Se voc conhece o inimigo e conhece a si mesmo, noprecisa
temer o resultado de cem batalhas.Sun Tzu, A arte da guerra
6. 9SOBRE O AUTORFernando Capez Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito daUniversidade de So Paulo (USP). Mestre em
Direito pela Faculdade deDireito da Universidade de So Paulo (USP).
Doutor em Direito pela Pon-tifcia Universidade Catlica de So Paulo
(PUCSP).Ingressou no Ministrio Pblico em 1988 (aprovado em 1
lugar), ondeintegrou o primeiro grupo de Promotores responsveis
pela defesa do pa-trimnio pblico e da cidadania. Combateu a
violncia das torcidas orga-nizadas e a mfia do lixo. professor da
Escola Superior do Ministrio Pblico de So Paulo., tambm, professor
convidado da Academia de Polcia de So Paulo, daEscola da
Magistratura do Rio de Janeiro e da Escola Superior do Minist-rio
Pblico do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, Rio de
Janeiro,Esprito Santo, Alagoas, Sergipe, Bahia, Amazonas, Mato
Grosso do Sul,Mato Grosso, Amap, Rondnia e Gois. palestrante
nacional e internacional.Tem 37 livros publicados, nos quais aborda
temas como interpretaoe aplicao de leis penais, crimes cometidos
com veculos automotores,emprego de arma de fogo, interceptao
telefnica, crime organizado, entreoutros. coordenador da Coleo
Estudos Direcionados, publicada pela Edi-tora Saraiva, que abrange
os diversos temas do Direito, destacando-se apraticidade do sistema
de perguntas e respostas, que traz, ainda, grficos eesquemas, bem
como da Coleo Pockets Jurdicos, que oferece um guiaprtico e seguro
aos estudantes que se veem s voltas com o exame da OABe os
concursos de ingresso nas carreiras jurdicas, e cuja abordagem
sint-tica e a linguagem didtica resultam em uma coleo nica e
imprescindvel,na medida certa para quem tem muito a aprender em
pouco tempo.
7. 11NOTA DO AUTORO CDIGO CIVIL DE 2002 E SEUSREFLEXOS NO CDIGO
PENALO novo Cdigo Civil, em seu art. 5, estatuiu que a menoridade
cessaaos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa ca habilitada
prticade todos os atos da vida civil. Isto signica que, a partir de
sua entrada emvigor, adquire-se a plena capacidade para a prtica de
qualquer ato jurdicoaos 18, e no mais aos 21 anos. Com isso, no se
pode mais continuar fa-lando em representante legal para quem j
completou a maioridade civil, namedida em que, atingida a
maioridade, cessa a menoridade. Se o sujeito estcompletamente apto
para expressar livremente sua vontade no mundo jur-dico, no h mais
como trat-lo como um incapaz. Desta forma, no caso domaior de 18 e
menor de 21 anos, a expresso representante legal tornou--se incua,
vazia, sem contedo. um representante que no tem mais aquem
representar. Em nota 10 edio do nosso Curso de processo
penal,sustentamos o entendimento de que a Lei n. 10.406, de 10 de
janeiro de2002, que entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003,
instituindo o novoCdigo Civil, provocou sensvel modicao no quadro
de capacidadesestabelecidas pelo Cdigo de Processo Penal.Por essa
razo, tendo o acusado atingido a maioridade civil, no hmais
necessidade de nomeao de curador para o seu interrogatrio,
nemsubsiste a gura do representante legal para oferecer a queixa ou
a repre-sentao, alm do que somente o ofendido poder exercer ou
renunciar aodireito de queixa ou de representao, bem como conceder
o perdo ouaceit-lo. Se plenamente capaz, no tem mais representante
legal, nemprecisa ser assistido.Especicamente no que toca aos arts.
65 e 115 do Cdigo Penal, noentanto, entendemos que nenhum deles foi
atingido pela reforma da legis-lao civil. O primeiro trata da
circunstncia atenuante genrica do menorde 21 anos na data do fato.
O segundo reduz pela metade o prazo da pres-
8. 12crio da pretenso punitiva e executria, quando o agente
for, ao tempo docrime, menor de 21 anos. Em ambos os casos, no
existe nenhuma relaoentre a idade mencionada pelos dispositivos e a
plena capacidade para aprtica de atos jurdicos. Independentemente
de o agente ser relativa ouplenamente capaz, de ter ou no
representante legal, o legislador pretendeuconceder-lhe um
benefcio, devido sua pouca idade. Prova disso o fatode os arts. 65
e 115 estenderem as mesmas benesses ao maior de 70 anosna data da
sentena. Tanto o menor de 21 quanto o maior de 70 so plena-mente
capazes para os atos da vida civil, includos a os de natureza
proces-sual. Apenas por um critrio do legislador, uma opo poltica
sua, taisagentes, por inexperincia de vida ou senilidade, foram
merecedores de umtratamento penal mais ameno. Assim, no h que se
falar em derrogaodesses dispositivos.
9. 13PREFCIOEste Curso de direito penal que estou tendo a honra
de prefaciar cons-titui no s um sedimentado fruto de longos anos de
trabalho prossionale docente, seno sobretudo o coroamento de uma
das mais brilhantes car-reiras no campo jurdico. Com estilo direto
e facilmente compreensvel,Fernando Capez, semelhana do seu
consagrado Curso de processo penale comprovando uma vez mais seu
indiscutvel talento, acaba de nos brindarcom uma obra completa
sobre a Parte Geral do Direito Penal. Nenhum dosmais importantes
institutos dessa rea da Cincia Criminal deixou de sertratado com a
devida maestria e leveza de sempre. um livro, portanto,dirigido a
todos os que militam no campo penal, aos estudantes dos cursosde
Direito e, particularmente, aos que esto se preparando para
concursospblicos de ingresso nas mais variadas carreiras
jurdicas.Para mais alm da clareza e objetividade, o livro um slido
Manualde utilidade inquestionvel, seja pela atualidade do seu
contedo, que estem perfeita consonncia tanto com as mais recentes
modicaes legaiscomo com as modernas tendncias das cincias penais
globalmente consi-deradas (gesamte Strafrechtswissenschaft), seja
pela extenso e bem sele-cionada jurisprudncia. Com tudo isso se
chegou a um valioso e imprescin-dvel instrumento de trabalho, que
est predestinado a servir de verdadeiroguia tanto nas atividades
forenses como nas acadmicas, destacando-seaquela especca fase
preparatria intermediria entre o m do curso uni-versitrio e o
princpio de uma bem-sucedida carreira prossional.A obra foi
inteiramente estruturada, quer para atender necessidadede qualquer
operador jurdico em seu dia a dia, quer para constituir
umainteressante alternativa para aqueles que, premidos pelos
mltiplos com-promissos da vida moderna, no contam com grande
disponibilidade detempo. Excelente contedo, fcil acesso a cada uma
das matrias mais re-levantes da Parte Geral do Direito Penal,
coordenada sistematizao epragmatismo na exposio das ideias. Com
essas caractersticas marcantes,no h dvida que este livro ir ocupar
o seu devido espao no cenrio ju-rdico nacional, fundamentalmente
porque escrito por um dos mais notveisprofessores na rea de
concursos pblicos.
10. 14Para alm de desfrutar de uma lcida inteligncia e admirvel
agilida-de mental, Fernando Capez conta com invejvel experincia
docente, tendolecionado com brilhantismo mpar no Complexo Jurdico
Damsio de Jesusno s a disciplina de Direito Penal como tambm a de
Direito ProcessualPenal. Tem ainda a virtude de aliar a essa
profcua atividade de ensino umconhecimento tcnico-jurdico por todos
reconhecido, conhecimento esserevelado no s no fato de ter sido o
primeiro colocado em seu concurso deingresso, seno e sobretudo no
desempenho dirio das suas mltiplas funesde Promotor de
Justia.Atuando em defesa da cidadania, da moralidade pblica e da
tranqui-lidade de todos, notabilizou-se como um dos mais dignos e
respeitadosrepresentantes do Ministrio Pblico paulista, que dele
certamente deveorgulhar-se.Sendo criador de um dos mais ecientes
mtodos de estudo, autor deinmeros trabalhos (de Direito Penal,
Processo Penal, leis especiais, leide execuo penal etc.) voltados
primordialmente para os candidatos quese preparam para o ingresso
em concursos pblicos, professor monitor daEscola Superior do
Ministrio Pblico, palestrante nato, coordenador decursos de
ps-graduao, no h como deixar de admitir seu extraordinriocabedal
para editar esta completa e transcendental obra de Direito
Penal,Parte Geral, que seguramente ter a aceitao merecida de
todos.So Paulo, outubro de 1999.Luiz Flvio Gomes
11. 15NDICESobre o Autor
....................................................................................
9Nota do Autor
....................................................................................
11Prefcio
.............................................................................................
1311.
Introduo....................................................................................
191.1. Da concepo do Direito
Penal............................................. 191.2. Da funo
tico-social do Direito Penal ............................... 191.3.
Objeto do Direito Penal
........................................................ 221.4. O
Direito Penal no Estado Democrtico de Direito..............
221.4.1.O perl democrtico do Estado brasileiro. Distinoentre Estado
de Direito e Estado Democrtico de
Di-reito..............................................................................
221.4.2.Princpios penais limitadores decorrentes da dignida-de
humana
...................................................................
281.5. Os limites do controle material do tipo
incriminador........... 451.6. Da Parte Geral do Cdigo Penal:
nalidade......................... 4612. Fontes do Direito
Penal................................................................
472.1. Fonte formal
imediata...........................................................
482.2. Fontes formais mediatas
....................................................... 5013.
Interpretao da lei
penal.............................................................
5214.
Analogia.......................................................................................
5315. Princpio da
legalidade.................................................................
5616. Irretroatividade da lei
penal.........................................................
6517. Leis de vigncia
temporria.........................................................
8318. Tempo do crime e conito aparente de
normas........................... 8819. Territorialidade da lei
penal brasileira ......................................... 10010.
Extraterritorialidade da lei penal
brasileira.................................. 11111. Eccia de
sentena estrangeira
.................................................. 12012. Do lugar
do crime
........................................................................
122
12. 1613. Contagem do
prazo......................................................................
13114. Teoria do
crime............................................................................
13415. Fato tpico
....................................................................................
13615.1.
Conduta...............................................................................
13615.1.1. Da conduta
omissiva............................................... 16215.1.2.
Sujeitos da conduta tpica.......................................
16715.1.3. Objeto jurdico e objeto
material............................ 17615.2.
Resultado............................................................................
17715.3. Nexo causal
........................................................................
17815.4.
Tipicidade...........................................................................
20916. O tipo penal nos crimes dolosos
.................................................. 22317. O tipo
penal nos crimes
culposos................................................. 23018.
Crime
preterdoloso.......................................................................
23919. Erro de tipo
..................................................................................
24320. Crime consumado
........................................................................
26321. Tentativa (conatus)
......................................................................
26622. Desistncia voluntria e arrependimento
ecaz........................... 27123. Arrependimento posterior
............................................................ 27424.
Crime impossvel
.........................................................................
27925. Classicao dos
crimes................................................................
28626. Ilicitude
........................................................................................
29327. Estado de
necessidade..................................................................
29828. Legtima
defesa............................................................................
30529. Estrito cumprimento do dever
legal............................................. 31530. Exerccio
regular de
direito..........................................................
31731.
Culpabilidade...............................................................................
32331.1.
Imputabilidade....................................................................
33131.2. Potencial conscincia da
ilicitude....................................... 34731.3.
Exigibilidade de conduta
diversa........................................ 35232. Concurso de
pessoas
....................................................................
35933. Comunicabilidade e incomunicabilidade de elementares e
cir-cunstncias...................................................................................
37934. Da sano penal
...........................................................................
38435. Das penas privativas de liberdade
................................................ 386
13. 1736. Das penas restritivas de
direitos................................................... 42837.
Da pena de multa
.........................................................................
45838. Das medidas de segurana
........................................................... 46739.
Da aplicao da pena
...................................................................
47440. Da reincidncia
............................................................................
50041. Suspenso condicional da
pena.................................................... 50742.
Livramento condicional
...............................................................
52343. Efeitos da
condenao..................................................................
53344.
Reabilitao..................................................................................
54045. Concurso de
crimes......................................................................
54445.1. 1Concurso material ou
real................................................. 54445.2.
1Concurso formal ou
ideal.................................................. 54645.3.
1Crime
continuado..............................................................
54946. Limites de penas
..........................................................................
56047. Ao
penal....................................................................................
56348. Causas de extino da punibilidade
............................................. 58848.1. 1Morte do
agente (inciso I).................................................
58848.2. 1Anistia, graa e indulto (inciso II)
.................................... 59048.3. 1Lei posterior que
deixa de considerar o fato criminoso 1abolitio
criminis................................................................
59648.4. 1Renncia ao direito de
queixa........................................... 59648.5. 1Perdo
do
ofendido...........................................................
59848.6.
1Perempo.........................................................................
59948.7. 1Retratao do
agente.........................................................
60248.8. 1Casamento do agente com a vtima e casamento da vti-ma com
terceiro
................................................................
60348.9. 1Perdo judicial
..................................................................
60348.10.
Decadncia........................................................................
61148.11.
Prescrio..........................................................................
61348.11.1. Prescrio da pretenso punitiva (PPP)...............
61648.11.2. Prescrio da pretenso executria (PPE)...........
63348.12. Prescrio na legislao
especial...................................... 637Bibliograa
.......................................................................................
641
14. 191. INTRODUO1.1. Da concepo do Direito PenalO Direito
Penal o segmento do ordenamento jurdico que detm afuno de
selecionar os comportamentos humanos mais graves e pernicio-sos
coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais
paraa convivncia social, e descrev-los como infraes penais,
cominando-lhes,em consequncia, as respectivas sanes, alm de
estabelecer todas as regrascomplementares e gerais necessrias sua
correta e justa aplicao.A cincia penal, por sua vez, tem por escopo
explicar a razo, a essn-cia e o alcance das normas jurdicas, de
forma sistemtica, estabelecendocritrios objetivos para sua imposio
e evitando, com isso, o arbtrio e ocasusmo que decorreriam da
ausncia de padres e da subjetividade ilimi-tada na sua aplicao.
Mais ainda, busca a justia igualitria como metamaior, adequando os
dispositivos legais aos princpios constitucionais sen-sveis que os
regem, no permitindo a descrio como infraes penais decondutas
inofensivas ou de manifestaes livres a que todos tm
direito,mediante rgido controle de compatibilidade vertical entre a
norma incri-minadora e princpios como o da dignidade humana.1.2. Da
funo tico-social do Direito PenalA misso do Direito Penal proteger
os valores fundamentais para asubsistncia do corpo social, tais
como a vida, a sade, a liberdade, a pro-priedade etc., denominados
bens jurdicos. Essa proteo exercida noapenas pela intimidao
coletiva, mais conhecida como preveno geral eexercida mediante a
difuso do temor aos possveis infratores do risco dasano penal, mas
sobretudo pela celebrao de compromissos ticos entreo Estado e o
indivduo, pelos quais se consiga o respeito s normas, menospor
receio de punio e mais pela convico da sua necessidade e justia.A
natureza do Direito Penal de uma sociedade pode ser aferida
nomomento da apreciao da conduta. Toda ao humana est sujeita a
doisaspectos valorativos diferentes. Pode ser apreciada em face da
lesividadedo resultado que provocou (desvalor do resultado) e de
acordo com a repro-vabilidade da ao em si mesma (desvalor da
ao).
15. 20Toda leso aos bens jurdicos tutelados pelo Direito Penal
acarreta umresultado indesejado, que valorado negativamente, afinal
foi ofendido uminteresse relevante para a coletividade. Isso no
significa, porm, que a aocausadora da ofensa seja, necessariamente,
em si mesma sempre censurvel.De fato, no porque o resultado foi
lesivo que a conduta deva ser acoima-da de reprovvel, pois devemos
lembrar aqui os eventos danosos derivadosde caso fortuito, fora
maior ou manifestaes absolutamente involuntrias.A reprovao depende
no apenas do desvalor do evento, mas, acima detudo, do
comportamento consciente ou negligente do seu autor.Ao ressaltar a
viso puramente pragmtica, privilegiadora do resulta-do,
despreocupada em buscar a justa reprovao da conduta, o Direito
Penalassume o papel de mero difusor do medo e da coero, deixando de
preser-var os valores bsicos necessrios coexistncia pacfica entre
os integran-tes da sociedade poltica. A viso pretensamente
utilitria do direito rompeos compromissos ticos assumidos com os
cidados, tornando-os rivais eacarretando, com isso, ao contrrio do
que possa parecer, ineficcia nocombate ao crime. Por essa razo, o
desvalor material do resultado s podeser coibido na medida em que
evidenciado o desvalor da ao. Estabelece-se um compromisso de
lealdade entre o Estado e o cidado, pelo qual asregras so cumpridas
no apenas por coero, mas pelo compromisso tico-social que se
estabelece, mediante a vigncia de valores como o respeito vida
alheia, sade, liberdade, propriedade etc.Ao prescrever e castigar
qualquer leso aos deveres tico-sociais, oDireito Penal acaba por
exercer uma funo de formao do juzo tico doscidados, que passam a
ter bem delineados quais os valores essenciais parao convvio do
homem em sociedade.Desse modo, em um primeiro momento sabe-se que o
ordenamentojurdico tutela o direito vida, proibindo qualquer leso a
esse direito,consubstanciado no dever tico-social no matar. Quando
esse manda-mento infringido, o Estado tem o dever de acionar
prontamente os seusmecanismos legais para a efetiva imposio da sano
penal transgressono caso concreto, revelando coletividade o valor
que dedica ao interesseviolado. Por outro lado, na medida em que o
Estado se torna vagaroso ouomisso, ou mesmo injusto, dando
tratamento dspar a situaes assemelha-das, acaba por incutir na
conscincia coletiva a pouca importncia que de-dica aos valores
ticos e sociais, afetando a crena na justia penal e propi-ciando
que a sociedade deixe de respeitar tais valores, pois ele prprio
seincumbiu de demonstrar sua pouca ou nenhuma vontade no acatamento
atais deveres, atravs de sua morosidade, ineficincia e omisso.
16. 21Nesse instante, de pouco adianta o recrudescimento e a
draconizaode leis penais, porque o indivduo tender sempre ao
descumprimento,adotando postura individualista e canalizando sua
fora intelectual parasubtrair-se aos mecanismos de coero. O que era
um dever tico absolutopassa a ser relativo em cada caso concreto,
de onde se conclui que umaadministrao da justia penal insegura em
si mesma torna vacilante a vi-gncia dos deveres sociais
elementares, sacudindo todo o mundo do valortico. Desse contedo
tico-social do Direito Penal resulta que sua missoprimria no a
tutela atual, concreta dos bens jurdicos, como a proteoda pessoa
individualmente, a sua propriedade, mas sim, como ensina
HansWelzel, ...asegurar la real vigencia (observancia) de los
valores de acto dela conciencia jurdica; ellos constituyen el
fundamento ms slido quesustenta el Estado y la sociedad. La mera
proteccin de bienes jurdicostiene slo un fin preventivo, de carcter
policial y negativo. Por el contrario,la misin ms profunda del
Derecho Penal es de naturaleza tico-social yde carcter
positivo1.Para Welzel, ...ms esencial que el amparo de los bienes
jurdicosparticulares concretos es la misin de asegurar en los
ciudadanos el perma-nente acatamiento legal ante los bienes
jurdicos; es decir, la fidelidadfrente al Estado, el respeto de la
persona2.Em spera crtica concepo simblica e promocional do
DireitoPenal, Welzel lembrou a Ordenana de 9 de maro de 1943,
expedida peloMinistro da Justia do Reich visando reduzir o nmero de
pessoas nopertencentes raa ariana na Alemanha, descriminalizou-se o
aborto prati-cado por estrangeiras, punindo-se apenas o cometido
por alems. Aqu sedemonstraron visiblemente los lmites del pensar
utilitario3. O aborto eraincriminado no por causa de seu contedo
moralmente reprovvel, nempassou a ser permitido devido adequao ao
novo sentimento social dejustia; muito ao contrrio, foi largamente
empregado como meio de reali-zao da poltica racista e
discriminatria do regime nazista. Como esperar,assim, acatamento
espontneo a uma norma criada com propsitos amorais?Diferentemente
dessa desprezvel viso utilitria, o Direito Penal deve ser1. Derecho
penal alemn, 11. ed., 4. ed. castellana, trad. del alemn por los
profesoresJuan Bustos Ramrez y Sergio Yaez Prez, Ed. Jurdica de
Chile, 1997, p. 3.2. La teora de la accin finalista, trad. Eduardo
Friker, BuenosAires, Depalma, 1951,p. 12.3. La teora, cit., p.
12.
17. 22compreendido no contexto de uma formao social, como
matria social epoltica, resultado de um processo de elaborao
legislativa com represen-tatividade popular e sensibilidade capaz
de captar tenses, conflitos e anseiossociais.1.3. Objeto do Direito
PenalNo tocante ao seu objeto, tem-se que o Direito Penal somente
podedirigir os seus comandos legais, mandando ou proibindo que se
faa algo,ao homem, pois somente este capaz de executar aes com
conscinciado fim. Assim, lastreia-se o Direito Penal na
voluntariedade da condutahumana, na capacidade do homem para um
querer final. Desse modo, ombito da normatividade jurdico-penal
limita-se s atividades finais huma-nas. Disso resulta a excluso do
mbito de aplicao do Direito Penal deseres como os animais, que no
tm conscincia do fim de seu agir, fazen-do-o por instinto, bem como
dos movimentos corporais causais, como osreflexos, no dominveis
pelo homem.Conclui-se, portanto, na lio de Welzel, que o objeto de
las normaspenales es la conducta humana, esto es la actividad o
pasividad corporaldel hombre sometida a la capacidad de direccin
final de la voluntad. Estaconducta puede ser una accin, esto es, el
ejercicio efectivo de actividadfinal, o la omisin de una accin,
esto es, el no ejercicio de una actividadfinal posible. Para las
normas del Derecho Penal la accin est con muchoen primer plano,
mientras que la omisin queda notoriamente en un segun-do
plano4.1.4. O Direito Penal no Estado Democrtico de Direito1.4.1. O
perfil democrtico do Estado brasileiro. Distino entre Estado
deDireito e Estado Democrtico de DireitoA Constituio Federal
brasileira, em seu art. 1, caput, definiu o per-fil
poltico-constitucional do Brasil como o de um Estado Democrtico
deDireito. Trata-se do mais importante dispositivo da Carta de
1988, pois deledecorrem todos os princpios fundamentais de nosso
Estado.Estado Democrtico de Direito muito mais do que
simplesmenteEstado de Direito. Este ltimo assegura a igualdade
meramente formal4. Derecho penal alemn, cit., p. 38.
18. 23entre os homens, e tem como caractersticas: (a) a
submisso de todos aoimprio da lei; (b) a diviso formal do exerccio
das funes derivadas dopoder, entre os rgos executivos, legislativos
e judicirios, como forma deevitar a concentrao da fora e combater o
arbtrio; (c) o estabelecimentoformal de garantias individuais; (d)
o povo como origem formal de todo equalquer poder; (e) a igualdade
de todos perante a lei, na medida em queesto submetidos s mesmas
regras gerais, abstratas e impessoais; (f) aigualdade meramente
formal, sem atuao efetiva e interventiva do PoderPblico, no sentido
de impedir distores sociais de ordem material.Embora configurasse
relevantssimo avano no combate ao arbtrio doabsolutismo monrquico,
a expresso Estado de Direito ainda carecia deum contedo social.Pela
concepo jurdico-positivista do liberalismo burgus, ungida
danecessidade de normas objetivas inflexveis, como nico mecanismo
paraconter o arbtrio doAbsolutismo monrquico, considerava-se
direito apenasaquilo que se encontrava formalmente disposto no
ordenamento legal, sen-do desnecessrio qualquer juzo de valor
acerca de seu contedo. A buscada igualdade se contentava com a
generalidade e impessoalidade da norma,que garante a todos um
tratamento igualitrio, ainda que a sociedade sejatotalmente injusta
e desigual.Tal viso defensiva do direito constitua um avano e uma
necessidadepara a poca em que predominavam os abusos e mimos do
monarca sobrepadres objetivos de segurana jurdica, de maneira que
se tornara umaobsesso da ascendente classe burguesa a busca da
igualdade por meio denormas gerais, realando-se a preocupao com a
rigidez e a inflexibilida-de das regras. Nesse contexto, qualquer
interpretao que refugisse visoliteral do texto legal poderia ser
confundida com subjetivismo arbitrrio, oque favoreceu o surgimento
do positivismo jurdico como garantia do Es-tado de Direito. Por
outro lado, a igualdade formal, por si s, com o tempo,acabou
revelando-se uma garantia incua, pois, embora todos
estivessemsubmetidos ao imprio da letra da lei, no havia controle
sobre seu contedomaterial, o que levou substituio do arbtrio do rei
pelo do legislador.Em outras palavras: no Estado Formal de Direito,
todos so iguaisporque a lei igual para todos e nada mais. No plano
concreto e social noexiste interveno efetiva do Poder Pblico, pois
este j fez a sua parte aoassegurar a todos as mesmas chances, do
ponto de vista do aparato legal.De resto, cada um por si.
19. 24Ocorre que as normas, embora genricas e impessoais, podem
sersocialmente injustas quanto ao seu contedo. perfeitamente
possvel umEstado de Direito, com leis iguais para todos, sem que,
no entanto, se reali-ze justia social. que no existe discusso sobre
os critrios de seleo decondutas delituosas feitos pelo legislador.
A lei no reconhece como crimeuma situao preexistente, mas, ao
contrrio, cria o crime. No existe neces-sidade de se fixar um
contedo material para o fato tpico, pois a vontadesuprema da lei
dotada de poder absoluto para eleger como tal o que bementender,
sendo impossvel qualquer discusso acerca do seu contedo.Diante
disso, pode-se afirmar que a expresso Estado de Direito, porsi s,
caracteriza a garantia incua de que todos esto submetidos ao
imp-rio da lei, cujo contedo fica em aberto, limitado apenas
impessoalidadee no violao de garantias individuais mnimas.Por essa
razo, nosso constituinte foi alm, afirmando que o Brasil no apenas
um Estado de Direito, mas um Estado Democrtico de
Direito.Verifica-se o Estado Democrtico de Direito no apenas pela
procla-mao formal da igualdade entre todos os homens, mas pela
imposio demetas e deveres quanto construo de uma sociedade livre,
justa e solid-ria; pela garantia do desenvolvimento nacional; pela
erradicao da pobre-za e da marginalizao; pela reduo das
desigualdades sociais e regionais;pela promoo do bem comum; pelo
combate ao preconceito de raa, cor,origem, sexo, idade e quaisquer
outras formas de discriminao (CF, art. 3,I a IV); pelo pluralismo
poltico e liberdade de expresso das ideias; peloresgate da
cidadania, pela afirmao do povo como fonte nica do poder epelo
respeito inarredvel da dignidade humana.Significa, portanto, no
apenas aquele que impe a submisso de todosao imprio da mesma lei,
mas onde as leis possuam contedo e adequaosocial, descrevendo como
infraes penais somente os fatos que realmentecolocam em perigo bens
jurdicos fundamentais para a sociedade.Sem esse contedo, a norma se
configurar como atentatria aos prin-cpios bsicos da dignidade
humana. A norma penal, portanto, em um Es-tado Democrtico de
Direito no somente aquela que formalmente des-creve um fato como
infrao penal, pouco importando se ele ofende ou noo sentimento
social de justia; ao contrrio, sob pena de colidir com aConstituio,
o tipo incriminador dever obrigatoriamente selecionar, den-tre
todos os comportamentos humanos, somente aqueles que
realmentepossuem real lesividade social.
20. 25Sendo o Brasil um Estado Democrtico de Direito, por
reflexo, seudireito penal h de ser legtimo, democrtico e obediente
aos princpiosconstitucionais que o informam, passando o tipo penal
a ser uma categoriaaberta, cujo contedo deve ser preenchido em
consonncia com os princpiosderivados deste perfil
poltico-constitucional. No se admitem mais critriosabsolutos na
definio dos crimes, os quais passam a ter exigncias de ordemformal
(somente a lei pode descrev-los e cominar-lhes uma pena
corres-pondente) e material (o seu contedo deve ser questionado luz
dos prin-cpios constitucionais derivados do Estado Democrtico de
Direito).Pois bem. Do Estado Democrtico de Direito partem princpios
regra-dores dos mais diversos campos da atuao humana. No que diz
respeito aombito penal, h um gigantesco princpio a regular e
orientar todo o sistema,transformando-o em um direito penal
democrtico. Trata-se de um braogenrico e abrangente, que deriva
direta e imediatamente deste modernoperfil poltico do Estado
brasileiro, a partir do qual partem inmeros outrosprincpios prprios
afetos esfera criminal, que nele encontram guarida eorientam o
legislador na definio das condutas delituosas. Estamos falan-do do
princpio da dignidade humana (CF, art. 1, III).Podemos, ento,
afirmar que do Estado Democrtico de Direito parteo princpio da
dignidade humana, orientando toda a formao do DireitoPenal.
Qualquer construo tpica, cujo contedo contrariar e afrontar
adignidade humana, ser materialmente inconstitucional, posto que
atenta-tria ao prprio fundamento da existncia de nosso Estado.Cabe
ao operador do Direito exercer controle tcnico de verificaoda
constitucionalidade de todo tipo penal e de toda adequao tpica,
deacordo com o seu contedo. Afrontoso dignidade humana, dever
serexpurgado do ordenamento jurdico.Em outras situaes, o tipo,
abstratamente, pode no ser contrrio Constituio, mas, em determinado
caso especfico, o enquadramento deuma conduta em sua definio pode
revelar-se atentatrio ao mandamentoconstitucional (por exemplo,
enquadrar no tipo do furto a subtrao de umatampinha de
refrigerante).A dignidade humana, assim, orienta o legislador no
momento de criarum novo delito e o operador no instante em que vai
realizar a atividade deadequao tpica.Com isso, pode-se afirmar que
a norma penal em um Estado Demo-crtico de Direito no somente aquela
que formalmente descreve umfato como infrao penal, pouco importando
se ele ofende ou no o sen-
21. 26timento social de justia; ao contrrio, sob pena de
colidir com a Consti-tuio, o tipo incriminador dever
obrigatoriamente selecionar, dentre todosos comportamentos humanos,
somente aqueles que realmente possuamlesividade social. imperativo
do Estado Democrtico de Direito a investigao onto-lgica do tipo
incriminador. Crime no apenas aquilo que o legislador dizs-lo
(conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode,
materialmen-te, ser considerada criminosa se, de algum modo, no
colocar em perigovalores fundamentais da sociedade.Imaginemos um
tipo com a seguinte descrio: manifestar ponto devista contrrio ao
regime poltico dominante ou opinio contrria orien-tao poltica
dominante: Pena 6 meses a 1 ano de deteno.Evidentemente, a par de
estarem sendo obedecidas as garantias deexigncia de subsuno formal
e de veiculao em lei, materialmente estetipo no teria qualquer
subsistncia por ferir o princpio da dignidade hu-mana e,
consequentemente, no resistir ao controle de
compatibilidadevertical com os princpios insertos na ordem
constitucional.Tipos penais que se limitem a descrever formalmente
infraes penais,independentemente de sua efetiva potencialidade
lesiva, atentam contra adignidade da pessoa humana.Nesse passo,
convm lembrar a lio de Celso Antnio Bandeira deMello: Violar um
princpio muito mais grave do que transgredir umanorma. A desateno
ao princpio implica ofensa no apenas a um espec-fico mandamento
obrigatrio, mas a todo o sistema de comandos. a maisgrave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalo doprincpio
atingido, porque representa ingerncia contra todo o
sistema,subverso de seus valores fundamentais, contumlia
irremissvel a seu ar-cabouo lgico e corroso de sua estrutura
mestra5.Aplicar a justia de forma plena, e no apenas formal,
implica, por-tanto, aliar ao ordenamento jurdico positivo a
interpretao evolutiva,calcada nos costumes e nas ordens normativas
locais, erigidas sobre padresculturais, morais e sociais de
determinado grupo social ou que estejam li-gados ao desempenho de
determinada atividade.5. Curso de direito administrativo, 5. ed.,
So Paulo, Malheiros Ed., 1994, p. 451.
22. 27Os princpios constitucionais e as garantias individuais
devem atuarcomo balizas para a correta interpretao e a justa
aplicao das normaspenais, no se podendo cogitar de uma aplicao
meramente robotizada dostipos incriminadores, ditada pela verificao
rudimentar da adequao tpi-ca formal, descurando-se de qualquer
apreciao ontolgica do injusto.Da dignidade humana, princpio genrico
e reitor do Direito Penal,partem outros princpios mais especficos,
os quais so transportados dentrodaquele princpio maior, tal como
passageiros de uma embarcao.Desta forma, do Estado Democrtico de
Direito parte o princpio rei-tor de todo o Direito Penal, que o da
dignidade humana, adequando-o aoperfil constitucional do Brasil e
erigindo-o categoria de Direito PenalDemocrtico. Da dignidade
humana, por sua vez, derivam outros princpiosmais especficos, os
quais propiciam um controle de qualidade do tipo penal,isto , sobre
o seu contedo, em inmeras situaes especficas da vidaconcreta.Os
mais importantes princpios penais derivados da dignidade humanaso:
legalidade, insignificncia, alteridade, confiana, adequao
social,interveno mnima, fragmentariedade, proporcionalidade,
humanidade,necessidade e ofensividade.De pouco adiantaria assegurar
ao cidado a garantia de submisso dopoder persecutrio exigncia prvia
da definio legal, se o legisladortivesse liberdade para eleger de
modo autoritrio e livre de balizas quais osbens jurdicos
merecedores de proteo, ou seja, se pudesse, a seu bel-pra-zer,
escolher, sem limites impostos por princpios maiores, o que vai ser
eo que no vai ser crime.O Direito Penal muito mais do que um
instrumento opressivo emdefesa do aparelho estatal. Exerce uma funo
de ordenao dos contatossociais, estimulando prticas positivas e
refreando as perniciosas e, por essarazo, no pode ser fruto de uma
elucubrao abstrata ou da necessidade deatender a momentneos apelos
demaggicos, mas, ao contrrio, refletir, commtodo e cincia, o justo
anseio social.Com base nessas premissas, deve-se estabelecer uma
limitao elei-o de bens jurdicos por parte do legislador, ou seja,
no todo e qualquerinteresse que pode ser selecionado para ser
defendido pelo Direito Penal,mas to somente aquele reconhecido e
valorado pelo Direito, de acordo comseus princpios reitores.O tipo
penal est sujeito a um permanente controle prvio (ex ante),no
sentido de que o legislador deve guiar-se pelos valores consagrados
pela
23. 28dialtica social, cultural e histrica, conformada ao
esprito da Constituio,e a um controle posterior, estando sujeito ao
controle de constitucionalida-de concentrado e difuso.A funo da
norma a proteo de bens jurdicos a partir da soluodos conflitos
sociais, razo pela qual a conduta somente ser consideradatpica se
criar uma situao de real perigo para a coletividade.De todo o
exposto, podemos extrair as seguintes consideraes:1. O Direito
Penal brasileiro somente pode ser concebido luz doperfil
constitucional do Estado Democrtico de Direito, devendo,
portanto,ser um direito penal democrtico.2. Do Estado Democrtico de
Direito parte um gigantesco tentculo,a regular todo o sistema
penal, que o princpio da dignidade humana, demodo que toda
incriminao contrria ao mesmo substancialmente in-constitucional.3.
Da dignidade humana derivam princpios constitucionais do Direi-to
Penal, cuja funo estabelecer limites liberdade de seleo tpica
dolegislador, buscando, com isso, uma definio material do crime.4.
Esses contornos tornam o tipo legal uma estrutura bem distinta
daconcepo meramente descritiva do incio do sculo passado, de modo
queo processo de adequao de um fato passa a submeter-se rgida
apreciaoaxiolgica.5. O legislador, no momento de escolher os
interesses que mereceroa tutela penal, bem como o operador do
direito, no instante em que vaiproceder adequao tpica, devem,
forosamente, verificar se o conte-do material daquela conduta
atenta contra a dignidade humana ou osprincpios que dela derivam.
Em caso positivo, estar manifestada ainconstitucionalidade
substancial da norma ou daquele enquadramento,devendo ser
exercitado o controle tcnico, afirmando a incompatibilidadevertical
com o Texto Magno.6. A criao do tipo e a adequao concreta da
conduta ao tipo devemoperar-se em consonncia com os princpios
constitucionais do DireitoPenal, os quais derivam da dignidade
humana que, por sua vez, encontrafundamento no Estado Democrtico de
Direito.1.4.2. Princpios penais limitadores decorrentes da
dignidade humanaNo Estado Democrtico de Direito necessrio que a
conduta consi-derada criminosa tenha realmente contedo de crime.
Crime no apenas
24. 29aquilo que o legislador diz s-lo (conceito formal), uma
vez que nenhumaconduta pode, materialmente, ser considerada
criminosa se, de algum modo,no colocar em perigo valores
fundamentais da sociedade.Da dignidade nascem os demais princpios
orientadores e limitadoresdo Direito Penal, dentre os quais merecem
destaque:a) Insignificncia ou bagatela: originrio do Direito
Romano, e decunho civilista, tal princpio funda-se no conhecido
brocardo de minimisnon curat praetor. Em 1964 acabou sendo
introduzido no sistema penal porClaus Roxin, tendo em vista sua
utilidade na realizao dos objetivos sociaistraados pela moderna
poltica criminal.Segundo tal princpio, o Direito Penal no deve
preocupar-se combagatelas, do mesmo modo que no podem ser admitidos
tipos incrimina-dores que descrevam condutas incapazes de lesar o
bem jurdico.A tipicidade penal exige um mnimo de lesividade ao bem
jurdicoprotegido, pois inconcebvel que o legislador tenha imaginado
inserir emum tipo penal condutas totalmente inofensivas ou
incapazes de lesar o in-teresse protegido.Se a finalidade do tipo
penal tutelar um bem jurdico, sempre que aleso for insignificante,
a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesseprotegido, no
haver adequao tpica. que no tipo no esto descritascondutas
incapazes de ofender o bem tutelado, razo pela qual os danos
denenhuma monta devem ser considerados fatos atpicos.O Superior
Tribunal de Justia, por intermdio de sua 5 Turma, temreconhecido a
tese da excluso da tipicidade nos chamados delitos de ba-gatela,
aos quais se aplica o princpio da insignificncia, dado que lei
nocabe preocupar-se com infraes de pouca monta, insuscetveis de
causaro mais nfimo dano coletividade6.O Supremo Tribunal Federal,
por sua vez, assentou algumas cir-cunstncias que devem orientar a
aferio do relevo material da tipicida-de penal, tais como: (a) a
mnima ofensividade da conduta do agente,(b) a nenhuma
periculosidade social da ao, (c) o reduzidssimo grau
dereprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da leso
jur-6. Nesse sentido: REsp 234.271, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU,
8-5-2000, p. 115;REsp 235.015, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU,
8-5-2000, p. 116.
25. 30dica provocada7. Assim, j se considerou que no se deve
levar em con-ta apenas e to somente o valor subtrado (ou pretendido
subtrao) comoparmetro para aplicao do princpio da insignificncia.
Do contrrio,por bvio, deixaria de haver a modalidade tentada de
vrios crimes, comono prprio exemplo do furto simples, bem como
desapareceria do orde-namento jurdico a figura do furto
privilegiado (CP, art. 155, 2). (...) Ocritrio da tipicidade
material dever levar em considerao a importnciado bem jurdico
possivelmente atingido no caso concreto. No caso emtela, a leso se
revelou significante no obstante o bem subtrado ser in-ferior ao
valor do salrio mnimo. Vale ressaltar que h informao nosautos de
que o valor subtrado representava todo o valor encontrado nocaixa,
sendo fruto do trabalho do lesado que, passada a meia-noite,
aindamantinha o trailer aberto para garantir uma sobrevivncia
honesta8.No se pode, porm, confundir delito insignificante ou de
bagatelacom crimes de menor potencial ofensivo. Estes ltimos so
definidos peloart. 61 da Lei n. 9.099/95 e submetem-se aos Juizados
Especiais Criminais,sendo que neles a ofensa no pode ser acoimada
de insignificante, poispossui gravidade ao menos perceptvel
socialmente, no podendo falar-seem aplicao desse princpio.O
princpio da insignificncia no aplicado no plano abstrato.No se
pode, por exemplo, afirmar que todas as contravenes penaisso
insignificantes, pois, dependendo do caso concreto, isto no se
poderevelar verdadeiro. Andar pelas ruas armado com uma faca um
fato con-travencional que no pode ser considerado insignificante.
So de menorpotencial ofensivo, submetem-se ao procedimento
sumarssimo, beneficiam-se de institutos despenalizadores (transao
penal, suspenso condicionaldo processo etc.), mas no so, a priori,
insignificantes.Tal princpio dever ser verificado em cada caso
concreto, de acordocom as suas especificidades. O furto,
abstratamente, no uma bagatela,mas a subtrao de um chiclete pode
ser. Em outras palavras, nem todaconduta subsumvel ao art. 155 do
Cdigo Penal alcanada por este prin-cpio, algumas sim, outras no. um
princpio aplicvel no plano concreto,portanto. Da mesma forma, vale
notar que o furto de um automvel jamaisser insignificante, mesmo
que, diante do patrimnio da vtima, o valor seja7. STF, 1 Turma, HC
94.439/RS, Rel. Min. Menezes Direito, j. 3-3-2009.8. STF, 2 Turma,
RHC 96.813/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31-3-2009.
26. 31pequeno quando cotejado com os seus demais bens. A
respeito do furto,vale trazer baila alguns julgados do Supremo
Tribunal Federal: tratando--se de furto de dois botijes de gs
vazios, avaliados em 40,00 (quarentareais), no revela o
comportamento do agente lesividade suficiente parajustificar a
condenao, aplicvel, destarte, o princpio da insignificncia9.Da
mesma maneira, a conduta perpetrada pelo agente tentativa de
furtoqualificado de dois frascos de xampu, no valor total de R$
6,64 (seis reaise sessenta e quatro centavos) , insere-se na
concepo doutrinria e ju-risprudencial de crime de bagatela (STJ, 5
Turma, HC 123.981/SP, Rel.Min. Laurita Vaz, j. 17-3-2009, DJe,
13-4-2009). E, ainda: A subtrao degneros alimentcios avaliados em
R$ 84,46, embora se amolde definiojurdica do crime de furto, no
ultrapassa o exame da tipicidade material,uma vez que a
ofensividade da conduta se mostrou mnima; no houvenenhuma
periculosidade social da ao; a reprovabilidade do comportamen-to
foi de grau reduzidssimo e a leso ao bem jurdico se revelou
inexpres-siva, porquanto os bens foram restitudos10.Com relao
aplicao desse princpio, nos crimes contra a admi-nistrao pblica, no
existe razo para negar incidncia nas hipteses emque a leso ao errio
for de nfima monta. o caso do funcionrio pbli-co que leva para casa
algumas folhas, um punhado de clips ou uma bor-racha,
apropriando-se de tais bens. Como o Direito Penal tutela bens
ju-rdicos, e no a moral, objetivamente o fato ser atpico, dada a
sua irre-levncia11. No crime de leses corporais, em que se tutela
bem indispon-vel, se as leses forem insignificantes, como mera
vermelhido provoca-da por um belisco, tambm no h que se negar a
aplicao do mencio-nado princpio.9. STF, AgRg no REsp 1043525/SP,
Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 16-4-2009, DJe 4-5-2009.10. STJ, 5
Turma, HC 110.932/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j.
10-3-2009,DJe, 6-4-2009.11. Em sentido contrrio, j decidiu o
Superior Tribunal de Justia, sob o argumentode que a norma busca
resguardar no somente o aspecto patrimonial, mas moral da
Admi-nistrao (STJ, 6 T., HC 50863/PE, Rel. Min. Hlio Quaglia
Barbosa, j. 4-4-2006, DJ,26-6-2006, p. 216). No mesmo sentido, j se
manifestou o Supremo Tribunal Federal nosentido de que, em tais
casos descabe agasalhar o princpio da insignificncia consoan-te o
qual ho de ser levados em conta a qualificao do agente e os valores
envolvidos quando se trata de prefeito e de coisa pblica (STF, 1
Turma, HC 88.941/AL, Rel. Min.Marco Aurlio, j. 19-8-2008).
27. 32Na hiptese de crime de descaminho de bens, sero
arquivados osautos das execues fiscais de dbitos inscritos como
DvidaAtiva da Unioinferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) (cf.
art. 20 da Lei n. 10.522/2002,com a redao determinada pela Lei n.
11.033/2004). Assim, no caso de odbito tributrio e a multa no
excederem a esse valor, a Fazenda Pblicaest autorizada a se recusar
a efetuar a cobrana em juzo, sob o argumentode que a irrisria
quantia no compensa a instaurao de um executivofiscal, o que levou
o Superior Tribunal de Justia a considerar atpico o fato,por
influxo do princpio da insignificncia12.H, finalmente, julgado da
Suprema Corte no sentido de que, em ma-tria ambiental, surgindo a
insignificncia do ato em razo do bem protegi-do, impe-se a absolvio
do acusado13. De forma contrria, j se decidiuque a preservao
ambiental deve ser feita de forma preventiva e repressi-va, em
benefcio de prximas geraes, sendo intolervel a prtica reiteradade
pequenas aes contra o meio ambiente, que, se consentida, pode
resul-tar na sua inteira destruio e em danos irreversveis14.b)
Alteridade ou transcendentalidade: probe a incriminao deatitude
meramente interna, subjetiva do agente e que, por essa razo,
reve-la-se incapaz de lesionar o bem jurdico. O fato tpico pressupe
um com-portamento que transcenda a esfera individual do autor e
seja capaz deatingir o interesse do outro (altero).Ningum pode ser
punido por ter feito mal s a si mesmo.No h lgica em punir o suicida
frustrado ou a pessoa que se aoita,na lgubre solido de seu quarto.
Se a conduta se esgota na esfera do prprioautor, no h fato
tpico.Tal princpio foi desenvolvido por Claus Roxin, segundo o qual
spode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de
outraspessoas e que no seja simplesmente pecaminoso ou imoral.
condutapuramente interna, ou puramente individual seja pecaminosa,
imoral,escandalosa ou diferente , falta a lesividade que pode
legitimar a inter-veno penal15.12. STF, 2 Turma, HC 96.374/PR, Rel.
Min. Ellen Gracie, j. 31-3-2009.13. STF, Tribunal Pleno, AP 439/SP,
Rel. Min. Marco Aurlio, j. 12-6-2008.14. TRF, 1 Regio, ACR
2003.34.00.019634-0/DF, 3 Turma, Rel. Des. Olindo Me-nezes, j.
14-2-2006.15. Cf. Nilo Batista, Introduo, cit., p. 91.
28. 33Por essa razo, a autoleso no crime, salvo quando houver
intenode prejudicar terceiros, como na autoagresso cometida com o
fim de frau-de ao seguro, em que a instituio seguradora ser vtima
de estelionato (CP,art. 171, 2, V).No delito previsto no art. 28 da
Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 200616,poder-se-ia alegar ofensa
a este princpio, pois quem usa droga s est fa-zendo mal a prpria
sade, o que no justificaria uma intromisso repressi-va do Estado
(os drogados costumam dizer: se eu uso droga, ningum temnada a ver
com isso, pois o nico prejudicado sou eu).Tal argumento no
convence.A Lei n. 11.343/2006 no tipifica a ao de usar a droga, mas
apenaso porte, pois o que a lei visa coibir o perigo social
representado pela de-teno, evitando facilitar a circulao da
substncia entorpecente pela so-ciedade, ainda que a finalidade do
sujeito seja apenas a de uso prprio.Assim, existe
transcendentalidade na conduta e perigo para a sade da
co-letividade, bem jurdico tutelado pela norma do art.
28.Interessante questo ser a de quem consome imediatamente a
subs-tncia, sem port-la por mais tempo do que o estritamente
necessrio parao uso. Nesta hiptese o STF decidiu: no constitui
delito de posse de dro-ga para uso prprio a conduta de quem,
recebendo de terceiro a droga, parauso prprio, incontinenti a
consome17. Neste caso no houve deteno, nemperigo social, mas
simplesmente o uso. Se houvesse crime, a pessoa estariasendo
castigada pelo Poder Pblico, por ter feito mal sua sade e a de
maisningum. No se pode confundir a conduta de portar para uso
futuro coma de portar enquanto usa. Somente na primeira hiptese
estar configurado16. A nova Lei de Txicos, publicada em 24 de
agosto de 2006, entrou em vigor 45dias aps sua publicao, revogando
expressamente as Leis n. 6.368/76 e n. 10.409/2002. Aantiga conduta
prevista no art. 16 da Lei n. 6.368/76 passou a ser objeto do art.
28 da novalei, a qual vedou a imposio de pena privativa de
liberdade ao usurio, impondo-lhe, noentanto, medidas educativas
(advertncia sobre os efeitos da droga, prestao de servios
comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo). Men-cione-se que: s mesmas medidas submete-se quem,
para seu consumo pessoal, semeia,cultiva ou colhe plantas
destinadas preparao de pequena quantidade de substncia ouproduto
capaz de causar dependncia fsica ou psquica (art. 28, 1). Tal
conduta constituafato atpico na antiga Lei de Txicos, embora
houvesse quem a enquadrasse no art. 16 ouno art. 12, 1, I, da Lei
n. 6.368/76, o que gerava discusso.17. STF, 1 Turma, HC 189/SP, j.
12-12-2000, DJU, 9-3-2001, p. 103, Phoenix n. 14,maio/2001, rgo
informativo do Complexo Jurdico Damsio de Jesus.
29. 34o crime do art. 28 da Lei de Drogas. Quem detm a droga
somente duranteo tempo estritamente necessrio em que a consome
limita-se a utiliz-la emprejuzo de sua prpria sade, sem provocar
danos a interesses de terceiros,de modo que o fato atpico por
influxo do princpio da alteridade.O princpio da alteridade veda
tambm a incriminao do pensamento(pensiero non paga gabella) ou de
condutas moralmente censurveis, masincapazes de penetrar na esfera
do altero.O bem jurdico tutelado pela norma , portanto, o interesse
de terceiros,pois seria inconcebvel provocar a intervenincia
criminal repressiva contraalgum que est fazendo apenas mal a si
mesmo, como, por exemplo, punir--se um suicida malsucedido com pena
pecuniria, corporal ou at mesmocapital.c) Confiana: trata-se de
requisito para a existncia do fato tpico,no devendo ser relegado
para o exame da culpabilidade.Funda-se na premissa de que todos
devem esperar por parte das outraspessoas que estas sejam
responsveis e ajam de acordo com as normas dasociedade, visando a
evitar danos a terceiros. Por essa razo, consiste narealizao da
conduta, na confiana de que o outro atuar de um modo nor-mal j
esperado, baseando-se na justa expectativa de que o
comportamentodas outras pessoas se dar de acordo com o que
normalmente acontece.Por exemplo: nas intervenes mdico-cirrgicas, o
cirurgio tem deconfiar na assistncia correta que costuma receber
dos seus auxiliares, demaneira que, se a enfermeira lhe passa uma
injeo com medicamento tro-cado e, em face disso, o paciente vem a
falecer, no haver conduta culposapor parte do mdico, pois no foi
sua ao mas sim a de sua auxiliar queviolou o dever objetivo de
cuidado. O mdico ministrou a droga fatal impe-lido pela natural e
esperada confiana depositada em sua funcionria.Outro exemplo o do
motorista que, trafegando pela preferencial,passa por um
cruzamento, na confiana de que o veculo da via secundriaaguardar
sua passagem. No caso de um acidente, no ter agido com culpa18.A
vida social se tornaria extremamente dificultosa se cada um
tivessede vigiar o comportamento do outro, para verificar se est
cumprindo todosos seus deveres de cuidado; por conseguinte, no
realiza conduta tpicaaquele que, agindo de acordo com o direito,
acaba por envolver-se em situa-o em que um terceiro descumpriu seu
dever de lealdade e cuidado.18. Cf. Hans Welzel, Derecho penal
alemn, 4. ed., cit., p. 159.
30. 35O princpio da confiana, contudo, no se aplica quando era
funo doagente compensar eventual comportamento defeituoso de
terceiros. Porexemplo: um motorista que passa bem ao lado de um
ciclista no tem porque esperar uma sbita guinada do mesmo em sua
direo, mas deveria terse acautelado para que no passasse to prximo,
a ponto de criar uma si-tuao de perigo19. Como atuou quebrando uma
expectativa social de cui-dado, a confiana que depositou na vtima
qualifica-se como proibida: ochamado abuso da situao de
confiana.Deste modo, surge a confiana permitida, que aquela que
decorre donormal desempenho das atividades sociais, dentro do papel
que se esperade cada um, a qual exclui a tipicidade da conduta, em
caso de comporta-mento irregular inesperado de terceiro; e a
confiana proibida, quando oautor no deveria ter depositado no outro
toda a expectativa, agindo no li-mite do que lhe era permitido, com
ntido esprito emulativo.Em suma, se o comportamento do agente se
deu dentro do que dele seesperava, a confiana permitida; quando h
abuso de sua parte em usufruirda posio que desfruta incorrer em
fato tpico.d) Adequao social: todo comportamento que, a despeito de
ser con-siderado criminoso pela lei, no afrontar o sentimento
social de justia (aqui-lo que a sociedade tem por justo) no pode
ser considerado criminoso.Para essa teoria, o Direito Penal somente
tipifica condutas que tenhamcerta relevncia social. O tipo penal
pressupe uma atividade seletiva decomportamento, escolhendo somente
aqueles que sejam contrrios e nocivosao interesse pblico, para
serem erigidos categoria de infraes penais;por conseguinte, as
condutas aceitas socialmente e consideradas normaisno podem sofrer
este tipo de valorao negativa, sob pena de a lei incrimi-nadora
padecer do vcio de inconstitucionalidade.Por isso que Jakobs afirma
que determinadas formas de atividadepermitida no podem ser
incriminadas, uma vez que se tornaram consagra-das pelo uso
histrico, isto , costumeiro, aceitando-se como
socialmenteadequadas20.No se pode confundir o princpio em anlise
com o da insignificncia.Na adequao social, a conduta deixa de ser
punida por no mais ser con-19. Gunther Jakobs, Derecho penal; parte
general, 2. ed., Madrid, Marcial Pons, 1997,p. 255.20. Derecho
penal, cit., p. 244.
31. 36siderada injusta pela sociedade; na insignificncia, a
conduta consideradainjusta, mas de escassa lesividade.Critica-se
essa teoria porque, em primeiro lugar, costume no revogalei, e, em
segundo, porque no pode o juiz substituir-se ao legislador e darpor
revogada uma lei incriminadora em plena vigncia, sob pena de
afron-ta ao princpio constitucional da separao dos poderes, devendo
a ativida-de fiscalizadora do juiz ser suplementar e, em casos
extremos, de claraatuao abusiva do legislador na criao do tipo.Alm
disso, o conceito de adequao social um tanto quanto vagoe
impreciso, criando insegurana e excesso de subjetividade na
anlisematerial do tipo, no se ajustando por isso s exigncias da
modernadogmtica penal.Entretanto, foroso reconhecer que, embora o
conceito de adequaosocial no possa ser aceito com exclusividade,
atualmente impossveldeixar de reconhecer sua importncia na
interpretao da subsuno de umfato concreto a um tipo penal. Atuando
ao lado de outros princpios, podelevar excluso da tipicidade.e)
Interveno mnima21: assenta-se na Declarao de Direitos doHomem e do
Cidado, de 1789, cujo art. 8 determinou que a lei s deveprever as
penas estritamente necessrias.A interveno mnima tem como ponto de
partida a caracterstica dafragmentariedade do Direito Penal. Este
se apresenta por meio de pequenosflashs, que so pontos de luz na
escurido do universo. Trata-se de um gi-gantesco oceano de
irrelevncia, ponteado por ilhas de tipicidade, enquan-to o crime um
nufrago deriva, procurando uma poro de terra na qualse possa
achegar.Somente haver Direito Penal naqueles raros episdios tpicos
em quea lei descreve um fato como crime; ao contrrio, quando ela
nada disser,no haver espao para a atuao criminal. Nisso, alis,
consiste a principalproteo poltica do cidado em face do poder
punitivo estatal, qual seja, ade que somente poder ter invadida sua
esfera de liberdade, se realizar umaconduta descrita em um daqueles
raros pontos onde a lei definiu a existn-cia de uma infrao
penal.21. Cf., a respeito, Maura Roberti, A interveno mnima como
princpio no direitopenal brasileiro, Porto Alegre: Sergio A.
Fabris, Editor, 2001.
32. 37Ou o autor recai sobre um dos tipos, ou se perde no vazio
infinito daausncia de previso e refoge incidncia punitiva.O sistema
, portanto, descontnuo, fragmentado (um tipo aqui, umtipo ali,
outro l e assim por diante).Por outro lado, esta seleo, a despeito
de excepcional, feita semnenhum mtodo cientfico, atendendo apenas
aos reclamos momentneosda opinio pblica, da mdia e das necessidades
impostas pela classe domi-nante, conforme bem ressaltou Juarez
Tavares, em cida crtica ao sistemalegiferante: Analisando
atentamente o processo de elaborao das normasincriminadoras, a
partir primeiramente do dado histrico e depois do obje-tivo jurdico
por elas perseguido, bem como o prprio enunciado tpico dasaes
proibidas ou mandadas, chega-se concluso inicial, embora trgica,de
que efetivamente, na maioria das vezes, no h critrios para essa
elabo-rao. Isto pode parecer panfletrio, primeira vista, mas
retrata fielmentea atividade de elaborao legislativa. Estudos de
Haferkamp na Alemanhae Weinberger na Frana demonstram que, com a
institucionalizao dopoder poltico, a elaborao das normas se
expressa como evento do jogode poder efetuado no marco das foras
hegemnicas atuantes no Parlamen-to. A norma, portanto, deixaria de
exprimir o to propalado interesse geral,cuja simbolizao aparece
como justificativa do princpio representativopara significar,
muitas vezes, simples manifestao de interesses partidrios,sem
qualquer vnculo com a real necessidade da nao22.Alm disso, as
descries so abstratas, objetivas e impessoais, alcan-ando uma
gigantesca gama de situaes bem diversas entre si. Os tiposnesse
sistema fragmentrio transportam desde gravssimas violaes ope-radas
no caso concreto at nfimas agresses. Quando se descreve comoinfrao
penal subtrair para si ou para outrem coisa alheia mvel,
incri-mina-se tanto o furto de centenas de milhes de uma instituio
bancria,com nefastas consequncias para milhares de correntistas,
quanto a subtra-o de uma estatueta oca de gesso em uma feira de
artesanato.O tipo do furto uma nuvem incriminadora na imensido do
cu deatipicidade, mas o mtodo abstrato, que tem a vantagem da
impessoalidade,tem o desconforto de alcanar comportamentos de toda
a ordem, mesmocontando com descrio taxativa.A imperfeio no decorre
da construo abstrata do tipo, mas dafragmentariedade do sistema
criminalizador, totalmente dependente deprevises genricas,
abstratas e abrangentes, incapazes de, por si ss, dis-22. Critrios
de seleo de crimes e cominao de penas, p. 73-74.
33. 38tinguirem entre os fatos relevantes e os irrelevantes que
nela formalmente sesubsumem.Alm de defeituoso o sistema de criao
normativa e da excessiva abran-gncia dos modelos objetivos, os
quais no levam em considerao a dispari-dade das situaes concretas,
concorre ainda a panaceia cultural que faz surgir,dentro do mesmo
pas, inmeras naes, com costumes, tradies e conceitosbem diversos,
mas submetidas mesma ordem de incriminao abstrata.Nesse triplo
problema dficit do sistema tipificador, diversidadecultural e
abrangncia demasiada de casos concretamente diversos,
masabstratamente idnticos , insere-se o carter fragmentrio do
DireitoPenal, fincando a questo: Como solucionar, por meio de
descries pon-tuais e abstratas, todos os variados problemas reais?A
resposta se impe, com o reconhecimento prvio da existncia
dafragmentariedade e da necessidade de empregar critrios
reparadores dasfalhas de todo o sistema, dentre os quais a
interveno mnima.Somente assim ser possvel compensar o alcance
excessivamenteincriminador de hipteses concretas to
quantitativamente diversas do pon-to de vista da danosidade
social.A interveno mnima tem, por conseguinte, dois destinatrios
prin-cipais.Ao legislador o princpio exige cautela no momento de
eleger as con-dutas que merecero punio criminal, abstendo-se de
incriminar qualquercomportamento. Somente aqueles que, segundo
comprovada experinciaanterior, no puderam ser convenientemente
contidos pela aplicao deoutros ramos do direito devero ser
catalogados como crimes em modelosdescritivos legais.Ao operador do
Direito recomenda-se no proceder ao enquadramen-to tpico, quando
notar que aquela pendncia pode ser satisfatoriamenteresolvida com a
atuao de outros ramos menos agressivos do ordenamen-to
jurdico.Assim, se a demisso com justa causa pacifica o conflito
geradopelo pequeno furto cometido pelo empregado, o direito
trabalhista tornouinoportuno o ingresso do penal. Se o furto de um
chocolate em um super-mercado j foi solucionado com o pagamento do
dbito e a expulso doinconveniente fregus, no h necessidade de
movimentar a mquina per-secutria do Estado, to assoberbada com a
criminalidade violenta, a orga-nizada, o narcotrfico e as
dilapidaes ao errio.Da interveno mnima decorre, como corolrio
indestacvel, a carac-terstica de subsidiariedade. Com efeito, o
ramo penal s deve atuar quando
34. 39os demais campos do Direito, os controles formais e
sociais tenham perdidoa eficcia e no sejam capazes de exercer essa
tutela. Sua interveno s deveoperar quando fracassam as demais
barreiras protetoras do bem jurdicopredispostas por outros ramos do
Direito. Pressupe, portanto, que a inter-veno repressiva no crculo
jurdico dos cidados s tenha sentido comoimperativo de necessidade,
isto , quando a pena se mostrar como nico eltimo recurso para a
proteo do bem jurdico, cedendo a cincia criminala tutela imediata
dos valores primordiais da convivncia humana a outroscampos do
Direito, e atuando somente em ltimo caso (ultima ratio)23.Se existe
um recurso mais suave em condies de solucionar plenamen-te o
conflito, torna-se abusivo e desnecessrio aplicar outro mais
traumtico.A interveno mnima e o carter subsidirio do Direito Penal
decor-rem da dignidade humana, pressuposto do Estado Democrtico de
Direito,e so uma exigncia para a distribuio mais equilibrada da
justia.f) Proporcionalidade: alm de encontrar assento na imperativa
exi-gncia de respeito dignidade humana, tal princpio aparece
insculpido emdiversas passagens de nosso Texto Constitucional,
quando abole certos tiposde sanes (art. 5, XLVII), exige
individualizao da pena (art. 5, XLVI),maior rigor para casos de
maior gravidade (art. 5, XLII, XLIII e XLIV) emoderao para infraes
menos graves (art. 98, I). Baseia-se na relaocusto-benefcio.Toda
vez que o legislador cria um novo delito, impe um nus so-ciedade,
decorrente da ameaa de punio que passa a pairar sobre todos
oscidados.Uma sociedade incriminadora uma sociedade invasiva, que
limitaem demasia a liberdade das pessoas.Por outro lado, esse nus
compensado pela vantagem de proteo dointeresse tutelado pelo tipo
incriminador. A sociedade v limitados certoscomportamentos, ante a
cominao da pena, mas tambm desfruta de umatutela a certos bens, os
quais ficaro sob a guarda do Direito Penal.Para o princpio da
proporcionalidade, quando o custo for maior doque a vantagem, o
tipo ser inconstitucional, porque contrrio ao EstadoDemocrtico de
Direito.Em outras palavras: a criao de tipos incriminadores deve
ser umaatividade compensadora para os membros da coletividade.23.
Cf. Nilo Batista, Introduo, cit., p. 84.
35. 40Com efeito, um Direito Penal democrtico no pode conceber
umaincriminao que traga mais temor, mais nus, mais limitao social
do quebenefcio coletividade.Somente se pode falar na tipificao de
um comportamento humano,na medida em que isto se revele vantajoso
em uma relao de custos e be-nefcios sociais. Em outras palavras,
com a transformao de uma condutaem infrao penal impe-se a toda
coletividade uma limitao, a qual pre-cisa ser compensada por uma
efetiva vantagem: ter um relevante interessetutelado
penalmente.Quando a criao do tipo no se revelar proveitosa para a
sociedade,estar ferido o princpio da proporcionalidade, devendo a
descrio legalser expurgada do ordenamento jurdico por vcio de
inconstitucionalidade.Alm disso, a pena, isto , a resposta punitiva
estatal ao crime, deve guardarproporo com o mal infligido ao corpo
social. Deve ser proporcional extenso do dano, no se admitindo
penas idnticas para crimes de lesivi-dades distintas, ou para
infraes dolosas e culposas.Exemplo da aplicao do princpio da
proporcionalidade ocorreu nojulgamento de umaAo Direta de
Inconstitucionalidade, na qual o SupremoTribunal Federal suspendeu,
por liminar, os efeitos da Medida Provisria n.2.045/2000, que
proibia o registro de armas de fogo, por considerar nohaver
proporcionalidade entre os custos sociais como desemprego e perdade
arrecadao tributria e os benefcios que compensassem o
sacrifcio24.Necessrio, portanto, para que a sociedade suporte os
custos sociaisde tipificaes limitadoras da prtica de determinadas
condutas, que sedemonstre a utilidade da incriminao para a defesa
do bem jurdico que sequer proteger, bem como a sua relevncia em
cotejo com a natureza e quan-tidade da sano cominada.g) Humanidade:
a vedao constitucional da tortura e de tratamentodesumano ou
degradante a qualquer pessoa (art. 5, III), a proibio da penade
morte, da priso perptua, de trabalhos forados, de banimento e
daspenas cruis (art. 5, XLVII), o respeito e proteo figura do preso
(art.5, XLVIII, XLIX e L) e ainda normas disciplinadoras da priso
processual(art. 5, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV e LXVI), apenas para
citar algunscasos, impem ao legislador e ao intrprete mecanismos de
controle de tiposlegais.24. ADInMC 2.290-DF, Rel. Min. Moreira
Alves, j. 18-10-2000, Informativo STF n.16, de 20-10-2000, n. 207,
p. 1.
36. 41Disso resulta ser inconstitucional a criao de um tipo ou
a cominaode alguma pena que atente desnecessariamente contra a
incolumidade fsi-ca ou moral de algum (atentar necessariamente
significa restringir algunsdireitos nos termos da Constituio e
quando exigido para a proteo dobem jurdico).Do princpio da
humanidade decorre a impossibilidade de a pena passarda pessoa do
delinquente, ressalvados alguns dos efeitos extrapenais da
con-denao, como a obrigao de reparar o dano na esfera cvel, que
podematingir os herdeiros do infrator at os limites da herana (CF,
art. 5, XLV).h) Necessidade e idoneidade: decorrem da
proporcionalidade.A incriminao de determinada situao s pode ocorrer
quando atipificao revelar-se necessria, idnea e adequada ao fim a
que se destina,ou seja, concreta e real proteo do bem
jurdico.Quando a comprovada demonstrao emprica revelar que o tipo
noprecisava tutelar aquele interesse, dado que outros campos do
direito oumesmo de outras cincias tm plenas condies de faz-lo com
sucesso, ouainda quando a descrio for inadequada, ou ainda quando o
rigor for ex-cessivo, sem trazer em contrapartida a eficcia
pretendida, o dispositivoincriminador padecer de insupervel vcio de
incompatibilidade verticalcom os princpios constitucionais regentes
do sistema penal.Nenhuma incriminao subsistir em nosso ordenamento
jurdico,quando a definio legal revelar-se incapaz, seja pelo
critrio definidorempregado, seja pelo excessivo rigor, seja ainda
pela afronta dignidadehumana, de tutelar concretamente o bem
jurdico.Surge, ento, a necessidade de precisa definio do bem
jurdico, semo que a norma no tem objeto e, por conseguinte, no pode
existir. Um tiposem bem jurdico para defender como um processo sem
lide para solu-cionar, ou seja, um nada.O conceito de bem jurdico ,
atualmente, um dos maiores desafios denossa doutrina, na busca de
um direito protetivo e garantista, e, portanto,obediente ao Estado
Democrtico de Direito.i) Ofensividade, princpio do fato e da
exclusiva proteo do bemjurdico: no h crime quando a conduta no
tiver oferecido ao menos umperigo concreto, real, efetivo e
comprovado de leso ao bem jurdico.A punio de uma agresso em sua
fase ainda embrionria, emboraaparentemente til do ponto de vista da
defesa social, representa ameaa proteo do indivduo contra uma atuao
demasiadamente intervencionis-ta do Estado.
37. 42Como ensina Luiz Flvio Gomes, o princpio do fato no
permite queo direito penal se ocupe das intenes e pensamentos das
pessoas, do seumodo de viver ou de pensar, das suas atitudes
internas (enquanto no exte-riorizada a conduta delitiva)...25.A
atuao repressivo-penal pressupe que haja um efetivo e
concretoataque a um interesse socialmente relevante, isto , o
surgimento de, pelomenos, um real perigo ao bem jurdico.O princpio
da ofensividade considera inconstitucionais todos os cha-mados
delitos de perigo abstrato, pois, segundo ele, no h crime
semcomprovada leso ou perigo de leso a um bem jurdico. No se
confundecom princpio da exclusiva proteo do bem jurdico, segundo o
qual odireito no pode defender valores meramente morais, ticos ou
religiosos,mas to somente os bens fundamentais para a convivncia e
o desenvolvi-mento social. Na ofensividade, somente se considera a
existncia de umainfrao penal quando houver efetiva leso ou real
perigo de leso ao bemjurdico. No primeiro, h uma limitao quanto aos
interesses que podemser tutelados pelo Direito Penal; no segundo, s
se considera existente odelito quando o interesse j selecionado
sofrer um ataque ou perigo efetivo,real e concreto.Nesse sentido, a
sempre precisa lio de Luiz Flvio Gomes:A funo principal do princpio
da exclusiva proteo de bens jurdi-cos a de delimitar uma forma de
direito penal, o direito penal do bemjurdico, da que no seja tarefa
sua proteger a tica, a moral, os costumes,uma ideologia, uma
determinada religio, estratgias sociais, valores cul-turais como
tais, programas de governo, a norma penal em si etc. O
direitopenal, em outras palavras, pode e deve ser conceituado como
um conjuntonormativo destinado tutela de bens jurdicos, isto , de
relaes sociaisconflitivas valoradas positivamente na sociedade
democrtica. O princpioda ofensividade, por sua vez, nada diz
diretamente sobre a misso ou formado direito penal, seno que
expressa uma forma de compreender ou deconceber o delito: o delito
como ofensa a um bem jurdico. E disso deriva,como j afirmamos
tantas vezes, a inadmissibilidade de outras formas dedelito (mera
desobedincia, simples violao da norma imperativa etc.). Emface do
exposto impende a concluso de que no podemos mencionar tais25.
Princpio da ofensividade no direito penal, So Paulo, Revista dos
Tribunais, 2002,p. 41.
38. 43princpios indistintamente, tal como vm fazendo alguns
setores da doutri-na e da jurisprudncia estrangeira26.A funo
principal da ofensividade a de limitar a pretenso punitivaestatal,
de maneira que no pode haver proibio penal sem um contedoofensivo a
bens jurdicos.O legislador deve se abster de formular descries
incapazes de lesarou, pelo menos, colocar em real perigo o
interesse tutelado pela norma. Casoisto ocorra, o tipo dever ser
excludo do ordenamento jurdico por incom-patibilidade vertical com
o Texto Constitucional.Toda norma penal em cujo teor no se
vislumbrar um bem jurdicoclaramente definido e dotado de um mnimo
de relevncia social, ser con-siderada nula e materialmente
inconstitucional.O intrprete tambm deve cuidar para que em
especfico caso concre-to, no qual no se vislumbre ofensividade ou
real risco de afetao do bemjurdico, no haja adequao na descrio
abstrata contida na lei.Em vista disso, somente restar justificada
a interveno do DireitoPenal quando houver um ataque capaz de
colocar em concreto e efetivoperigo um bem jurdico.Delineando-se em
termos precisos, a noo de bem jurdico poderexercer papel
fundamental como mecanismo garantidor e limitador dosabusos
repressivos do Poder Pblico.Sem afetar o bem jurdico, no existe
infrao penal.Trata-se de princpio ainda em discusso no
Brasil.Entendemos que subsiste a possibilidade de tipificao dos
crimes deperigo abstrato em nosso ordenamento legal, como legtima
estratgia dedefesa do bem jurdico contra agresses em seu estgio
ainda embrionrio,reprimindo-se a conduta, antes que ela venha a
produzir um perigo concre-to ou um dano efetivo. Trata-se de
cautela reveladora de zelo do Estado emproteger adequadamente
certos interesses. Eventuais excessos podem, noentanto, ser
corrigidos pela aplicao do princpio da proporcionalidade27.j)
Princpio da auto responsabilidade: os resultados danosos
quedecorrem da ao livre e inteiramente responsvel de algum s podem
ser26. Princpio da ofensividade, cit., p. 43.27. Cf. sobre o
assunto nosso Estatuto do Desarmamento, 3. ed., So Paulo,
Saraiva,2005.
39. 44imputados a este e no quele que o tenha anteriormente
motivado. Exem-plo: o sujeito, aconselhado por outro a praticar
esportes mais radicais,resolve voar de asa-delta. Acaba sofrendo um
acidente e vindo a falecer. Oresultado morte no pode ser imputado a
ningum mais alm da vtima, poisfoi a sua vontade livre, consciente e
responsvel que a impeliu a correrriscos.k) Princpio da
responsabilidade pelo fato: o direito penal no sepresta a punir
pensamentos, ideias, ideologias, nem o modo de ser das pes-soas,
mas, ao contrrio, fatos devidamente exteriorizados no mundo
con-creto e objetivamente descritos e identificados em tipos
legais. A funo doEstado consiste em proteger bens jurdicos contra
comportamentos externos,efetivas agresses previamente descritas em
lei como delitos, bem comoestabelecer um compromisso tico com o
cidado para o melhor desenvol-vimento das relaes intersociais. No
pode castigar meros pensamentos,ideias, ideologias, manifestaes
polticas ou culturais discordantes, tam-pouco incriminar categorias
de pessoas. Os tipos devem definir fatos, asso-ciando-lhes penas, e
no estereotipar autores. Na Alemanha nazista, porexemplo, no havia
propriamente crimes, mas criminosos. Incriminavam-seos traidores da
nao ariana e no os fatos eventualmente cometidos. Eramtipos de
pessoas, no de condutas. Castigavam-se a deslealdade com o Es-tado,
as manifestaes ideolgicas contrrias doutrina nacional-socialista,os
subversivos e assim por diante. No pode existir, portanto, um
direitopenal do autor, mas sim do fato.l) Princpio da imputao
pessoal: o direito penal no pode castigarum fato cometido por quem
no rena capacidade mental suficiente paracompreender o que faz ou
de se determinar de acordo com esse entendimento.No pune os
inimputveis.m) Princpio da personalidade: ningum pode ser
responsabilizadopor fato cometido por outra pessoa. A pena no pode
passar da pessoa docondenado (CF, art. 5, XLV).n) Princpio da
responsabilidade subjetiva: nenhum resultado ob-jetivamente tpico
pode ser atribudo a quem no o tenha produzido por doloou culpa,
afastando-se a responsabilidade objetiva. Do mesmo modo, nin-gum
pode ser responsabilizado sem que rena todos os requisitos da
cul-pabilidade. Por exemplo: nos crimes qualificados pelo
resultado, o resultadoagravador no pode ser atribudo a quem no o
tenha causado pelo menosculposamente. Tome-se o exemplo de um
sujeito que acaba de conhecer umhemoflico e, aps breve discusso,
lhe faz um pequeno corte no brao. Emface da patologia j existente,
a vtima sangra at morrer. O agente deu
40. 45causa morte (conditio sine qua non), mas no responde por
ela, pois noa causou com dolo (quem quer matar corta a artria
aorta, no o brao), nemcom culpa (no tinha como prever o desfecho
trgico, pois desconhecia aexistncia do problema anterior). a
inteligncia do art. 19 do CP.o) Princpio da coculpabilidade ou
corresponsabilidade: entendeque a responsabilidade pela prtica de
uma infrao penal deve ser compar-tilhada entre o infrator e a
sociedade, quando essa no lhe tiver proporcio-nado oportunidades.
No foi adotado entre ns.1.5. Os limites do controle material do
tipo incriminadorComo se percebe, imperativo do Estado Democrtico
de Direito ainvestigao ontolgica do tipo incriminador. Crime no
apenas aquiloque o legislador diz s-lo (conceito formal), uma vez
que nenhuma condu-ta pode, materialmente, ser considerada criminosa
se, de algum modo, nocolocar em perigo valores fundamentais da
sociedade.Imaginemos um tipo com a seguinte descrio: manifestar
ponto devista contrrio ao regime poltico dominante ou opinio capaz
de causarmelindre nas lideranas polticas. Por evidente, a par de
estarem sendoobedecidas as garantias formais de veiculao em lei,
materialmente essetipo no teria qualquer subsistncia, por ferir o
princpio da dignidade hu-mana e, assim, no resistir ao controle de
compatibilidade vertical com osprincpios insertos na ordem
constitucional. Na doutrina no existe diver-gncia a respeito.A
polmica circunscreve-se aos limites desse controle porparte do
Poder Judicirio. Entendemos que, a despeito de necessria,
averificao do contedo da norma deva ser feita em carter excepcional
esomente quando houver clara afronta Constituio.Com efeito, a regra
do art. 5, XXXIX, da Constituio Federal, se-gundo a qual no h crime
sem lei anterior que o defina, nem pena semprvia cominao legal,
incumbiu, com exclusividade, ao legislador a ta-refa de selecionar,
dentre todas as condutas do gnero humano, aquelascapazes de colocar
em risco a tranquilidade social e a ordem pblica.A issose
convencionou chamar funo seletiva do tipo.A misso de detectar os
anseios nas manifestaes sociais especficade quem detm mandato
popular. Ao Poder Legislativo cabe, por conse-guinte, a exclusiva
funo de selecionar as condutas mais perniciosas aoconvvio social e
defini-las como delitos, associando-lhes penas. A discus-so sobre
esses critrios escapa formao predominantemente tcnica doPoder
Judicirio. Da por que, em ateno ao princpio da separao dos
41. 46Poderes, nsito em nosso Texto Constitucional (art. 2), o
controle judicialde constitucionalidade material do tipo deve ser
excepcional e exercido emcaso de flagrante atentado aos princpios
constitucionais sensveis. Nopadecendo de vcios explcitos em seu
contedo, no cabe ao magistradodeterminar o expurgo do crime de
nos