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ENGENHARIA E VIDA N.04 JULHO / AGOSTO 2004 50 DESTAQUE #02 SISMOS EM PORTUGAL: CONSEQUÊNCIAS E SOLUÇÕES SITUAÇÃO ACTUAL – PARTE 1 E QUANDO A TERRA VOLTAR A TREMER? O ANO QUE SE AVIZINHA, 2005, ASSINALARÁ OS 250 ANOS DO SISMO DE 1755. FACTO QUE TRARÁ, NATURALMENTE, PARA A AGENDA PÚBLICA, O DEBATE SOBRE A POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE UM SISMO DE IGUAL, MENOR OU MAIOR DIMENSÃO, COM AS INEVITÁVEIS PERGUNTAS SOBRE O IMPACTE DE UMA TAL EVENTUALIDADE. DOIS SÉCULOS E MEIO DEPOIS, PLENOS DE AVANÇOS CIENTÍFICOS E TECNOLÓGICOS, TEREMOS NÓS MELHORES CONDIÇÕES DE PREVER UM FUTURO SISMO FORTE E DOMINAR AS CONSEQUÊNCIAS DO MESMO? SÃO OS EDIFÍCIOS ONDE HABITAMOS E TRABALHAMOS MAIS RESISTENTES AOS MOVIMENTOS DO SOLO? TEXTO HELENA AZEVEDO E MÁRIO LOPES FOTOS GRUPO DE ENGENHARIA SÍSMICA DO IST 50-56

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ENGENHARIA E VIDAN.04 JULHO / AGOSTO 2004

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DESTAQUE #02

SISMOS EM PORTUGAL: CONSEQUÊNCIAS E SOLUÇÕESSITUAÇÃO ACTUAL – PARTE 1

E QUANDO A TERRA VOLTAR A TREMER?O ANO QUE SE AVIZINHA, 2005, ASSINALARÁ OS 250 ANOS DO SISMO DE 1755. FACTO QUETRARÁ, NATURALMENTE, PARA A AGENDA PÚBLICA, O DEBATE SOBRE A POSSÍVELOCORRÊNCIA DE UM SISMO DE IGUAL, MENOR OU MAIOR DIMENSÃO, COM ASINEVITÁVEIS PERGUNTAS SOBRE O IMPACTE DE UMA TAL EVENTUALIDADE. DOISSÉCULOS E MEIO DEPOIS, PLENOS DE AVANÇOS CIENTÍFICOS E TECNOLÓGICOS,TEREMOS NÓS MELHORES CONDIÇÕES DE PREVER UM FUTURO SISMO FORTE E DOMINARAS CONSEQUÊNCIAS DO MESMO? SÃO OS EDIFÍCIOS ONDE HABITAMOS E TRABALHAMOSMAIS RESISTENTES AOS MOVIMENTOS DO SOLO?

TEXTO HELENA AZEVEDO E MÁRIO LOPES

FOTOS GRUPO DE ENGENHARIA SÍSMICA DO IST

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DESTAQUE #02

Estará porventura o leitor admirado, por agora trazermos o assunto“à baila”? Informamos que há em Portugal quem muito se preocupe com esta matéria, até porque, a ocorrência de um sismo em territórionacional não é uma hipótese assim tão remota. Talvez não seja umadiscussão corrente na mesa de café, nos escritórios, nos estaleiros ou,mesmo, nas esferas políticas. Mas tal deve-se, dizem, ao “receio decriar o pânico nas populações”. No entanto, num assunto desta natureza– imprevisível – há que chamar a atenção para o perigo que tal posturapode constituir: a preocupação, além de natural, é positiva, pois só elapoderá conduzir a um grau de exigência superior da opinião públicarelativamente à resistência sísmica das construções, do parqueedificado.

O problema tem que ser analisado com serenidade e de formaracional, tomando-se as precauções necessárias para minimizar asconsequências de futuros sismos. E sabendo que estas podem serevitadas, será que a possibilidade de algumas pessoas entrarem empânico no dia em que tomarem consciência do problema pode justificarque este seja ignorado, deixando que um futuro sismo possa matardezenas de milhares de pessoas e arruinar a nossa economia? Omesmo é válido para políticos e engenheiros, se calhar ainda maisjustificável, pois se à Protecção Civil cabe actuar no pós-sismo, avontade política e a engenharia são fundamentais na prevenção, porforma a minimizar a tragédia.

DEFINIÇÃO DO PROBLEMA E SUAS POTENCIAIS CONSEQUÊNCIASOs sismos são fenómenos geológicos com origem em roturas originadasem falhas existentes na crosta terrestre. Os mecanismos de geraçãomostram que falhas que já tenham originado sismos no passado,provavelmente, voltarão a fazê-lo no futuro, informação que é, de resto,confirmada pela história. A ocorrência repetida de sismos com potencialdestrutivo significativo nos Açores é bem conhecida. Também háregistos, pelo menos com 2000 anos, de que o território de Portugalcontinental foi assolado periodicamente por sismos, não tendo portantoocorrido apenas o de 1755. As falhas que os podem gerar existem emtodo o nosso território ou próximo dele, como é o caso da falha quesepara a Europa de África, que passa ao sul do Algarve e onde teveorigem o sismo de 1755, mas também o de 1969 (ver caixa “Lembra-sede 28 de Fevereiro de 1969?”). A má notícia é que, por tudo isto,podemos dizer que a ocorrência de um sismo forte no futuro emPortugal continental tem um alto grau de probabilidade.

A boa notícia é que isso não significa, necessariamente, a repetiçãode novas tragédias como as de 1755... já que a tragédia não é aocorrência do sismo mas a destruição que o mesmo provoca e asvítimas que daí resultam. Num local onde não há construções ouestruturas geológicas instáveis, os sismos não provocam destruiçãonem causam vítimas. Assim, o grau de destruição que os sismos podemprovocar num dado local depende essencialmente de dois factores: dosmovimentos do solo (ondas sísmicas) que os sismos possam provocarnesse local e da vulnerabilidade das construções e das estruturasgeológicas a esses mesmos movimentos do solo. Não há nada quepossamos fazer para alterar os primeiros, mas a resistência dasconstruções depende da forma como as projectamos e construímos.Com o desenvolvimento que a engenharia sísmica tem hoje podemosconstruir edifícios com capacidade para resistir a sismos fortíssimos,reforçar os existentes para melhorar a sua resistência sísmica e evitarlocais impróprios para edificar. Com o conhecimento técnico actual épossível evitar novas tragédias como as de 1755.

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DESTAQUE #02

PROBABILIDADES DE PREVISÃO QUASE NULASAs possibilidades de previsão da ocorrência dos próximos sismosintensos são quase nulas, a curto e a médio prazo. A crosta terrestre émuito frágil, e raramente avisa antes de ocorrer uma rotura, pelo quenão podemos alimentar a ilusão de que seremos avisados comantecedência antes de ocorrerem os próximos sismos violentos. Mas aprevisão dos mesmos não resolveria o problema. Poder-se-iam evacuaras cidades, o que permitiria salvar muitas vidas, mas não se poderiaevitar a destruição das construções e os danos para a economia, quepodem ser tremendos.

Os estudos sobre os sismos que nos poderão atingir no futuro, nãonos dizem as datas das suas prováveis ocorrências; indicam-nos daprobabilidade de determinados tipos de sismos atingirem certas zonasnum dado período de tempo. Para tal utiliza-se informação proveniente(i) da sismicidade instrumental – dos registos de sismos reais ocorridosnas últimas décadas; (ii) da sismicidade histórica – dos sismos dopassado dos quais há relatos históricos; e (iii) do conhecimento dasfalhas que podem originar os sismos e do estudo da propagação dasondas na crosta terrestre.

É com base neste tipo de estudos que se definem os sismosactualmente usados no cálculo das construções no nosso país, que secostumam designar por “regulamentares”, pois estão definidos no“Regulamento de Segurança e Acções para Estruturas de Edifícios ePontes” (RSA), um decreto-lei de 1983. Estes sismos têm em cada localuma probabilidade teórica de ocorrência de 5% num período de 50 anos.

Além disso, há sismologistas portugueses, como o professor CarlosSousa Oliveira, presidente da Sociedade Portuguesa de EngenhariaSísmica (SPES), e um dos mais prestigiados cientistas portugueses nestaárea, cuja competência é internacionalmente reconhecida, que pensamque a probabilidade de a região de Lisboa e Vale do Tejo ser atingida naspróximas décadas por um sismo com potencial destruidor significativo é

grande. Mas isto é apenas um receio que se fundamenta essencialmentena sismicidade histórica, dado que o sismo de 1755 já ocorreu hábastante tempo e esta região raramente está mais de dois ou trêsséculos sem ser atingida por sismos violentos. Não é uma previsão.Ninguém garante que isso vai acontecer mas também ninguém garanteque não vai.

Se quisermos uma referência sobre futuros sismos, a melhor são ossismos regulamentares definidos no RSA, acima mencionados, e quetêm uma aceitação vasta no meio técnico.

A GRAVIDADE DE UM POTENCIAL PROBLEMA SÍSMICO EM PORTUGAL.QUE CONSEQUÊNCIAS? O grau de destruição que um sismo pode provocar dependeessencialmente do próprio sismo e da resistência das construções. Aquantidade de vítimas depende do grau de destruição e de outrosfactores aleatórios, como, por exemplo, a hora do dia, o dia da semana, aestação do ano, etc. Pense-se no caso da cidade de Lisboa, em que maisde metade da área construída são edifícios antigos feitos em épocas emque não havia regulamentação anti-sísmica e, na maioria dos casos, têmpouca resistência. Há mais pessoas nesses edifícios durante o dia àshoras de expediente do que durante a noite, porque muitos sãoescritórios nas zonas mais centrais da cidade. Assim, o mesmo nível dedestruição pode causar números de vítimas diferentes consoante a horae dia em que ocorre. Outro exemplo é o caso do colapso do ViadutoCypress, perto de S. Francisco, durante o sismo de Loma Prieta em1988. Esse colapso provocou a morte de várias dezenas de pessoas; masse tivesse ocorrido à hora de ponta provavelmente teriam sido milhares;se fosse durante a noite poderia até nem ter causado vítimas.

Uma forma de ter uma ideia da potencial dimensão dasconsequências dos sismos é fazer comparações com as consequênciasde sismos do passado com os quais possamos estabelecer algum

1. 2. 3. 4. 5. Sismo na Turquia – Agosto de 1999

1. 2.

paralelismo. Pense-se nos seguintes casos:1. O sismo de 1755: causou dezenas de milhares de mortos, não se

sabe ao certo quantos. Há publicações do Serviço Nacional de Bombeirose Protecção Civil que apontam o número de 20 000 mortos, outras fontesapontam números superiores. Os registos históricos indicam que a maiorparte dos edifícios de Lisboa colapsaram por completo ou ficaramfortemente danificados. Basta recordarmos que a Baixa de Lisboa, talcomo a conhecemos hoje, foi totalmente reconstruída depois do sismo, oque significa que pouco deve ter sobrado das construções que lá existiamantes. Nessa época viviam na região de Lisboa cerca de 250 000 a 300 000 pessoas. Hoje vivem cerca de 3000 000 (considerando a zona deSetúbal a Santarém aproximadamente), dos quais cerca de 900 000pessoas em casas sem cálculo sísmico específico, de acordo com oscensos de 1991. E, se compararmos com a situação existente em 1755,constatamos que o número de pessoas a viver hoje em construções comresistência sísmica comparável às daquela época é cerca do triplo. Ouseja, nem sequer precisamos de ter um sismo tão forte para um númerosemelhante de vítimas.

2. O sismo da Turquia de Agosto de 1999: atingiu uma zona com umapopulação de cerca de 4500 000 de habitantes, um pouco superior à daregião de Lisboa. O sismo teve magnitude (que é uma medida da energialibertada na origem) semelhante à de um sismo que ocorreu em 1531com epicentro no Vale Inferior do Tejo, eventualmente próximo de VilaFranca de Xira. O sismo da Turquia provocou cerca de 30 000 a 40 000mortos, segundo as estimativas da maioria das organizações nãogovernamentais. A construção na zona era recente, de betão armado, aregulamentação vigente previa o cálculo sísmico, mas a qualidade deconstrução era fraca, pensa-se que inferior à qualidade média dasconstruções recentes em Portugal. Comparando com a situação emLisboa e Vale do Tejo pode constatar-se que sismos com característicassemelhantes ao que ocorreu na Turquia, já aqui ocorreram no passado,

é perfeitamente plausível que voltem a ocorrer; pensa-se que aqualidade de construção recente em Portugal é melhor do que naTurquia; mas cerca de um terço dos habitantes da região de Lisboa viveem casas sem cálculo sísmico relativamente às quais não se pode dizerque tenham, em média, mais resistência sísmica que as construçõesturcas na zona afectada; conclui-se assim que uma catástrofe dedimensões semelhantes também pode acontecer aqui. Esta é umaopinião partilhada por alguns engenheiros portugueses: “É necessárioestarmos preparados. Se não estivermos poderá acontecer-nos qualquercoisa semelhante ao que se passou na Turquia”, escrevia o chefe dogrupo de estudos e equipamentos de engenharia sísmica do LaboratórioNacional de Engenharia Civil na edição n.º 8 da revista Pedra e Cal.

3. O sismo de Kobe de Janeiro de 1995. Em termos da violência foisemelhante ao da Turquia de 1999 e ao sismo português de 1531. Adistância do epicentro aos principais centros populacionais também ésemelhante. A principal zona afectada tem uma população semelhante àda região de Lisboa. Causou 6000 mortos e prejuízos materiais deaproximadamente 150% do PIB (Produto Interno Bruto) português.

OS SISMOS REGULAMENTARESSe a legislação técnica fosse correctamente aplicada, e as obrasconstruídas com qualidade e de acordo com os projectos, provavelmenteos edifícios recentes resistiriam a sismos duas a três vezes mais fortesque os definidos no RSA. Isto por causa dos coeficientes de segurançausados no cálculo e porque normalmente os projectistas adoptamhipóteses de cálculo que em geral fariam com que os edifícios tivessemresistências superiores às calculadas. Estes edifícios são seguríssimos.Infelizmente podem ser muito poucos, porque em Portugal não hámecanismos sistemáticos de controlo da qualidade de projectos e obras,o que garante impunidade a quem poupar nos custos sacrificando aresistência sísmica das construções, pois as consequências só se

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53SISMOS EM PORTUGAL: CONSEQUÊNCIAS E SOLUÇÕESSITUAÇÃO ACTUAL - PARTE 1

DESTAQUE #02

LEMBRA-SE DO 28 DE FEVEREIRO DE 1969?

Quando se fala em sismos em Portugal Continental, pensa-se logo no casode 1755, outros houve porém. Por exemplo, o sismo de 28 de Fevereiro de1969 teve origem na falha que separa a Europa da África, curiosamente amesma que causou o sismo de 1755, mas com uma magnitude inferior. Ossismologistas já concluíram ter sido apenas uma libertação parcial deenergia. Causou poucas vítimas, pregou um susto a grande parte dapopulação, mas foi apenas um aviso.

tornarão visíveis depois do próximo sismo intenso. É por isso que, para aSPES, não será surpresa nenhuma se muitos edifícios modernos eaparentemente sólidos colapsarem no próximo sismo.

Mas o sector, onde provavelmente ocorrerão a maioria dos danos ecolapsos, é o parque construído antes de 1960, porque a imensa maioriadesses edifícios foram feitos sem qualquer preocupação de lhes conferirresistência sísmica. Para conhecer melhor a dimensão do problema têmsido realizados diversos estudos sobre a resistência de edifícios antigos,em geral tomando como referência os sismos regulamentares. Osedifícios antigos de alvenaria estudados no Instituto Superior Técnico(IST) não resistiriam aos sismos regulamentares, pois têm resistênciasmuito inferiores. Acerca disto, não falta informação técnica. Por exemplo,na “Avaliação do Comportamento Sísmico de um Edifício de Alvenaria emLisboa” que consta das actas do III Encontro Nacional sobre Sismologia eEngenharia Sísmica, que decorreu em Lisboa em 1997, encontramos oseguinte: “a resistência sísmica do edifício analisado éconsideravelmente inferior à necessária para que o edifício resistisse àacção sísmica regulamentar. Dado que o edifício analisado érepresentativo de uma parte significativa do parque construído em Lisboae no Sul de Portugal, a conclusão anterior aponta para a possibilidade demilhares de edifícios poderem colapsar na eventualidade da ocorrênciade um sismo intenso que afecte uma zona urbana de grande densidadepopulacional“. Outros estudos do mesmo género conduziram aconclusões semelhantes, por vezes piores. Aliás, estes estudos apenasservem para confirmar aquilo que qualquer pessoa pode deduzir: se osedifícios antigos de alvenaria (de Lisboa e não só) se desmoronamsozinhos, como periodicamente é noticiado, o que sucederá quandoforem violentamente sacudidos? Nestas condições, poucas serão asdúvidas de que a ocorrência de um sismo que provocasse aceleraçõessemelhantes às dos sismos regulamentares na região de Lisboa e Valedo Tejo seria uma catástrofe devastadora.

Os organismos ligados à Protecção Civil também têm a percepção dapotencial gravidade do problema sísmico. O Expresso de 20 de Maio de2000 noticiava que um simulador sísmico desenvolvido para osBombeiros de Lisboa previa que a ocorrência durante o dia de um sismosemelhante ao de 1755 provocaria 38 000 mortos, só na cidade de Lisboa.O vereador do pelouro da segurança da Câmara Municipal de Lisboa(CML) nessa altura, Vasco Franco, considerou a previsão pessimista erevelou que o Serviço Municipal de Protecção Civil admitia, com base emestudos próprios, cenários com cerca de dez vezes menos vítimas.Mesmo assim, seriam cerca de 4000 mortos só na cidade de Lisboa, oque a nível nacional poderia corresponder a mais de 10 000 mortos.

O QUE TEM SIDO FEITO PARA ENFRENTAR O PROBLEMA SÍSMICOAté ao presente, a prevenção do problema sísmico em Portugal tem sidorealizada essencialmente em duas vertentes: a da Protecção Civil e a dainvestigação.

Os Serviços de Protecção Civil tanto a nível nacional, nos Açores, emLisboa, e provavelmente noutros municípios, estão atentos ao problema etentam preparar-se o melhor que podem. Recomendam medidas deautoprotecção (ver caixa “As suas regras elementares de protecção”) quepodem ajudar a evitar ferimentos nos ocupantes dos edifícios (caso estesnão colapsem) e outros danos, como incêndios, para além de tratar dosferidos e minorar o sofrimento dos sobreviventes. Mas a acção daProtecção Civil no terreno só se inicia depois de declarada a emergência,o que no caso de uma catástrofe sísmica é tarde demais, porque nãoevita a imensa maioria dos mortos nem os danos e colapso dos edifícios.No caso da Turquia, o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil(SNBPC) português enviou uma equipa de 45 elementos que durantequatro dias trabalhou arduamente nas operações de busca e salvamentonuma das zonas mais afectadas. Conseguiram tirar uma pessoa viva dosescombros, o que numa catástrofe que causou mais de 30 000 mortos

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DESTAQUE #02

3.

4. 5. 6.

ilustra bem a ineficiência das intervenções a posteriori para reduzir asprincipais consequências dos sismos. E tudo isto é compreensível eprevisível: num cenário de grande destruição, com dificuldades demovimentação no terreno e com centenas ou milhares de pessoas presasnos escombros como é que se podem localizar pessoas e mobilizar osmeios de remoção pesados para lhes acudir em poucos dias? O chefe damissão portuguesa à Turquia relatou o caso de um homem que depois deestar dois dias preso nos escombros conseguiu alcançar um telemóvel epedir socorro. Quando as equipas de salvamento chegaram ao localencontraram-no já morto.

Os cenários são melhores a nível da investigação, aproximando-nosneste domínio dos países mais desenvolvidos. Na XI Conferência Mundialde Engenharia Sísmica, em 1996, Portugal foi o nono país com maiorcontribuição, em termos de artigos publicados. A investigaçãodesenvolve-se essencialmente nas universidades e laboratórios doEstado e reflecte-se na regulamentação de estruturas e em consultoriasespecializadas para alguns projectos e obras públicas e privadas. Masisto é apenas uma parte do que pode ser feito.

É fundamental um esforço para: (i) aplicar na prática de formageneralizada a legislação e os conhecimentos técnicos existentes; (ii)reforçar ou substituir parte do parque construído antes da legislaçãotécnica existir e reparar alguns dos erros cometidos desde então; e (iii)estender de forma generalizada os cuidados com a resistência sísmicaao parque industrial e às redes de infra-estruturas.

Neste último campo, por exemplo, faz-se muito menos do que se podee deve fazer. No essencial, só as estruturas edificadas projectadas porengenheiros civis é que são regularmente calculadas para resistir asismos. Em Portugal, os engenheiros das outras especialidades nãoestudam engenharia sísmica, não ouvem falar do problema nasuniversidades, na sua imensa maioria não são alertados para o

problema. Se juntarmos a isto as omissões na legislação técnica paramáquinas e equipamentos industriais resulta que, em geral, estesequipamentos não são projectados, montados e instalados a pensar nasua resistência aos sismos. Desconhece-se assim qual a sua resistênciasísmica. As observações dos sismos do passado, em particular nospaíses mais desenvolvidos, indicam que o sector industrial e as redes deinfra-estruturas podem ser fortemente afectados. Os prejuízoseconómicos podem ser elevadíssimos, em particular se as redes deenergia, telecomunicações e transportes ficarem inoperacionais durantemuito tempo. Neste momento quase ninguém tem noção do que podeacontecer no nosso país no sector industrial e nas infra-estruturas(exceptuando eventualmente as redes de transportes, projectadasessencialmente por engenheiros civis). Se ocorrer um sismo intenso, oproblema nem sequer está caracterizado.

Edifícios de habitação e escritórios. Quando a legislação anti-sísmicamoderna começou a ser desenvolvida, na segunda metade da década de1950, as construções que já existiam nessa época não foramcontempladas. Mas teria sido muito difícil fazê-lo porque nessa alturanão existia o conhecimento técnico necessário para as reforçar. Hoje já épossível reforçar muitos edifícios e melhorar significativamente a suaresistência sísmica. As técnicas e materiais usados no reforço estãomuito mais desenvolvidos do que há 40 anos atrás. Esta é uma área quese desenvolveu imenso nas últimas duas décadas, em particular na de90. Apesar disso, o conhecimento técnico na área do reforço deestruturas ainda é inferior ao que está disponível para as construçõesnovas, em que se usa o aço e o betão. Por isso é necessário continuar adesenvolver o conhecimento nesta área, em particular nodesenvolvimento de técnicas e materiais que permitam intervenções emlarga escala com custos limitados.

Um exemplo concreto de reforço sistemático da resistência sísmicadas construções em Portugal é o dos Açores. Na sequência do sismo de1998 – nas ilhas do Faial e do Pico – muitas habitações não foramreconstruídas como eram antes do sismo; houve o cuidado de as reforçarpara que resistam aos sismos que ocorrerão no futuro. Há programas dereforço sísmico de construções noutras regiões do mundo, como naCalifórnia e na Nova Zelândia, e intenções de avançar nesta área naItália, Grécia e Turquia.

CUMPRIR A LEGISLAÇÃO, UM IMPERATIVOA legislação só é útil se for aplicada. No que diz respeito à resistênciasísmica de edifícios impera a lei da selva, cada um faz o que quer e lheapetece com total impunidade. A legislação e os conhecimentos técnicosexistentes permitem que se construam edifícios óptimos a nível daresistência sísmica. Mas só o faz quem quer e sabe. É um problema dequalidade do projecto e da construção. No caso dos edifícios novos, oacréscimo de custo de um edifício calculado e construído com qualidaderelativamente a outro com fraca resistência sísmica é baixo (2 ou 3% amais, na maioria dos casos) mas não é nulo. Como em geral não háqualquer tipo de controlo e fiscalização, pode poupar-se este dinheirosacrificando a resistência sísmica das construções sem qualquerproblema, pois nestas condições as consequências só se tornarãovisíveis depois de um sismo forte. É extremamente importante criarmecanismos que assegurem níveis de qualidade mínimos no projecto ena construção, no que diz respeito à resistência sísmica e não só. Casocontrário continuar-se-á a vender gato por lebre no mercado imobiliário.E esta situação é extremamente difícil de contrariar devido à falsasensação de segurança que o Estado transmite aos cidadãos.

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UM CASO ÚNICO DE PREVISÃOCOM SUCESSO

Em toda a história da humanidade háessencialmente um caso, o sismo de Haicheng naChina, em Fevereiro de1975. O sismo foi precedidode uma série de perturbações na crosta terrestre,que foram monitorizadas e cuja intensificaçãoforneceu indicações preciosas que possibilitarama previsão do sismo e a evacuação ordeira dascidades, salvando a vida a centenas de milhares depessoas. Mas a ilusão de que seria possível preveros sismos rapidamente desapareceu. No anoseguinte, um novo sismo violento ocorreu,também na China, na cidade de Tangshan. Nãohouve qualquer sintoma prévio da sua ocorrênciae morreram centenas de milhares de pessoas.

Há pouco tempo, durante um colóquio sobrereabilitação urbana, quando questionado sobre comoa questão sísmica era tida em conta nas obras dereabilitação de edifícios antigos, um responsávelpolítico limitou-se a responder que “as obras sãoacompanhadas pelos técnicos competentes”.Perante uma afirmação destas, o que conclui ocidadão comum, que não conhece o problema? Que oque pode ser feito não depende dele e está a serfeito por outros, portanto, esquece o problema. É um

grande desincentivo à prevenção. A realidade é exactamente contrária àideia que se transmite. Não há legislação técnica relativa à segurançaestrutural aplicável a estas obras em prédios antigos. Por isso, salvoraras excepções, são obras que apenas visam melhorar as condições deconservação e habitabilidade dos edifícios intervencionados, sendo asquestões de segurança estrutural esquecidas. Veja-se o exemplo que sedocumenta na Fig. 8 relativa a uma obra de reabilitação recente daCâmara Municipal de Lisboa num edifício da Baixa. Trata-se de umedifício construído após a destruição desta, durante o sismo de 1755, quetêm no interior das paredes uma estrutura triangulada em madeira, adenominada Gaiola Pombalina, cujo objectivo é conferir resistênciasísmica aos edifícios. O cano que se vê na fotografia, certamenteintroduzido numa fase posterior à construção original, corta as barras demadeira da gaiola, reduzindo-lhe fortemente a eficácia. Nesta obra, emque se removeu o reboco, o acréscimo de custo de reconstituir a gaiola,substituindo as barras danificadas e deslocando o cano para outraposição, teria sido reduzido. Em vez disso deixou-se como estava etapou-se com reboco de cimento, o que apenas tornará mais difícilidentificar o problema se algum dia se quiser fazer um trabalho sério dereforço estrutural. Cremos que os técnicos da câmara conhecem oproblema e sabem que as obras estão a ser mal feitas, mas não podemactuar devido à omissão legislativa.

CONSEQUÊNCIAS DO DESINCENTIVO À PREVENÇÃOA primeira consequência prática deste desincentivo à prevenção é aforma negativa como influencia a opinião pública. Em Portugal não hámotivação para enfrentar o problema sísmico de forma preventiva porquea opinião pública conhece mal o problema e desconhece as capacidades

da engenharia para o resolver. Se os responsáveis políticos nãochamarem a atenção para o problema, esta situação dificilmente sealterará. Considere-se como exemplo a omissão legislativa no que dizrespeito à resistência estrutural nas obras de reabilitação dos edifíciosantigos: se as pessoas que vivem ou trabalham nesses edifícios tivessema percepção de que era possível obter ganhos substanciais de resistênciacom custos baixos, a pressão da opinião pública para colmatar essalacuna legislativa e considerar explicitamente a resistência dasconstruções nos projectos de reabilitação far-se-ia sentir.

A segunda consequência é ao nível das próprias obras: há inúmerosintervenientes, senhorios, inquilinos, empreiteiros, projectistas, credoresimobiliários (Banca), entidades públicas, etc. A necessidade decompatibilizar os interesses de todos eles torna estes processoscomplicados de gerir e é extremamente difícil avançar comdeterminados tipos de obras se os intervenientes não estiveremsensibilizados para as vantagens da sua realização.

Ao nível da construção nova, a questão coloca-se de formasemelhante, o que se pode ilustrar nesta situação: dois promotoresimobiliários constroem em dois terrenos adjacentes dois edifíciosaparentemente iguais e vendem os respectivos andares ao público. Um,que se preocupou em garantir a resistência sísmica da construção, vendeos andares por 155 mil euros (31 mil contos). O segundo poupou noprojecto e nos materiais e não fiscalizou a qualidade da construção,construindo um edifício igual na aparência mas com muito poucaresistência sísmica, vendendo os andares por 150 mil euros (30 milcontos). Perante esta situação qual é a opção do cidadão comum? Comonão está preocupado com a segurança da construção que vai comprar,que pensa estar garantida pelo Estado, naturalmente compra o andarmais barato.

Qualquer política de reforço da resistência das construções ou demelhoria da sua qualidade terá sempre uma eficácia limitada se nãotiver o apoio da opinião pública. Por isso dar uma falsa sensação desegurança aos cidadãos desincentiva a prevenção e é um exemplo do quenão se deve fazer se se quiser reduzir as consequências de futurossismos.

Mário Lopes é professor auxiliar do IST e membro da direcção

da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica

ENGENHARIA E VIDAN.04 JULHO / AGOSTO 2004

56 SISMOS EM PORTUGAL: CONSEQUÊNCIAS E SOLUÇÕESSITUAÇÃO ACTUAL – PARTE 1

DESTAQUE #02

AS SUAS REGRAS ELEMENTARES DE PROTECÇÃO

1. Ter armazenada em casa água potável e comidaenlatada para alguns dias.2. Ter os armários mais altos presos às paredes.3. Ter lanterna e rádio a pilhas sempre à mão.4. Evitar pôr objectos pesados em locais elevadosou atravancar os corredores com objectos quedificultem a circulação. 5. Informar-se e informar a sua família dosmelhores locais para se abrigarem em casa seocorrer um sismo.6. Saber que em caso de ocorrência de sismo se

deve desligar o gás, a água e a electricidade, e,após o sismo, dirigir-se calmamente (se possível),sem usar os elevadores, para um local no exterioronde não lhe possam cair em cima prédios,postes ou outras estruturas.7. Quando comprar uma casa/apartamentoinforme-se e tente obter garantias de que se tratade um edifício resistente aos sismos.

Nota: Há um CD, editado pelo Serviço Municipalde Protecção Civil de Lisboa, dirigido às crianças.É um instrumento útil para ajudar a transmitirestes e outros conselhos úteis aos seus filhos.Interessante para crianças e adultos

7.

6. 7. Sismo nos Açores em Julho de 1998

8.

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DESTAQUE SISMOS EM PORTUGAL:CONSEQUÊNCIAS E SOLUÇÕESPROPOSTAS PARA O FUTURO — PARTE 2

NA SEQUÊNCIA DA PRIMEIRA PARTE DESTE ARTIGO (PUBLICADO NA ANTERIOR EDIÇÃODA ENGENHARIA E VIDA) QUE CARACTERIZAVA A ACTUAL SITUAÇÃO EM RELAÇÃO AOTEMA, ESTA SEGUNDA “INCURSÃO” NO ASSUNTO VEM FALAR DAS PROPOSTAS PARA OFUTURO, COMO A CRIAÇÃO DE UM PARQUE EDIFICADO DOTADO DE MAIOR RESISTÊNCIASÍSMICA QUE O ACTUAL. “SUGESTÕES” DEVIDAMENTE ESTUDADAS E FUNDAMENTADASPOR QUEM SABE...

TEXTO MÁRIO LOPES

FOTOS GRUPO DE ENGENHARIA SÍSMICA DO IST 36-43

ENGENHARIA E VIDAN.05 SETEMBRO 2004

SISMOS EM PORTUGAL: CONSEQUÊNCIAS E SOLUÇÕESPROPOSTAS PARA O FUTURO — PARTE 2

DESTAQUE

ENGENHARIA E VIDAN.05 SETEMBRO 2004

37SISMOS EM PORTUGAL: CONSEQUÊNCIAS E SOLUÇÕESPROPOSTAS PARA O FUTURO — PARTE 2

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Há vários anos que a Direcção da Sociedade Portuguesa de EngenhariaSísmica (SPES) discute a melhor forma de fomentar a prevenção e adefesa contra os sismos, aliás, um dos objectivos estatutários da SPES.A primeira conclusão é que não basta chamar a atenção para oproblema e esperar que os políticos o resolvam: é necessária umaatitude mais construtiva, propor soluções. Dada a dimensão e acomplexidade do problema, crê-se que a soma de um conjunto demedidas avulsas não seria eficiente, sendo indispensável umaestratégia global e a longo prazo, compreendendo medidas coerentes eintegradas simultaneamente em diversas frentes. Para este efeito, aSPES elaborou – em conjunto com o Grémio das Empresas deConservação e Restauro do Património Arquitectónico (GECoRPA) – umdocumento intitulado “Contribuição para a elaboração de um ProgramaNacional de Redução da Vulnerabilidade Sísmica do Edificado”, ao qualdenomina Programa. Pretendendo lançar o debate sobre um conjuntode ideias cujo desenvolvimento conduza a um verdadeiro programaglobal que mobilize o Estado e a sociedade portuguesa, ambiciona-se acriação, no nosso país, de um parque edificado com muito maisresistência sísmica que o actual. No fundo, encarar a ocorrência defuturos sismos intensos com alguma tranquilidade, sem o receio decomprometer o futuro de uma geração de portugueses.

A elevada complexidade do problema levou a um amadurecimento dasideias antes de apresentar sugestões ao poder político. Sendo assim,além do debate interno, no âmbito da Sociedade e do meio técnico emgeral, a SPES e o GECoRPA divulgaram, num encontro realizado naOrdem dos Engenheiros a 3 de Abril de 2001, o Programa junto de umasérie de organismos da sociedade civil potencialmente interessados –nomeadamente a Associação de Bancos, a Associação Portuguesa deSeguradores (APS), a Associação Industrial Portuguesa (AIP), aConfederação da Indústria Portuguesa (CIP), associações de empresasde construção, associações de consumidores, o Serviço Nacional deBombeiros e Protecção Civil (SNBPC) e o Serviço Municipal deProtecção Civil (SMPC), institutos estatais ligados ao sector daconstrução e da investigação, entre outros. Da parte do Governo Central,esteve presente a secretária de Estado da Habitação; dada a suaespecial sensibilidade e interesse face a esta problemática, esteverepresentado o Governo Regional dos Açores. A situação dos Açores foireferenciada durante o encontro, com o representante do GovernoRegional a afirmar que o sismo de 1998 criou a consciência de que énecessária uma política pública e activa de prevenção dos efeitos dossismos. Uma política que se reflecte de diversas formas: no crédito àhabitação, no planeamento e nas autorizações para construção (que nãosão permitidas em alguns dos locais mais perigosos), bem como noscuidados com a reconstrução. Por tudo isto, o Governo Regional dosAçores definiu a redução da vulnerabilidade sísmica como um desígniopolítico da região e considera, tal como a SPES, que deveria ser umobjectivo político nacional.

No seguimento do Encontro foi editado um livro de actas intitulado“Redução da Vulnerabilidade Sísmica do Edificado”; este contém oPrograma, os textos das comunicações apresentadas e as principaisconclusões do debate (vide Visto e Revisto, pág. 71).

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O PROGRAMA NACIONAL DE REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE SÍSMICADestinando-se apenas ao parque edificado, o Programa Nacional deRedução da Vulnerabilidade Sísmica também chama a atenção para anecessidade de desenvolver programas equivalentes para o sectorindustrial, redes de infra-estruturas, monumentos e edifícios históricos. OPrograma propõe um conjunto de sete tarefas devidamentecalendarizadas:1. O levantamento do parque construído e a avaliação do risco – trata-sede um trabalho de investigação que visa a caracterização da resistênciasísmica dos edifícios existentes (os quais devem ser agrupados emconjuntos de características semelhantes), para além da determinaçãodas perdas materiais e humanas que futuros sismos possam causar;2. A definição de estratégias de intervenção mais eficazes – definir asprioridades e o tipo de intervenção a realizar em cada grupo de edifícios;3. O aperfeiçoamento de soluções de reabilitação sísmica – consiste emdesenvolver e pormenorizar soluções técnicas de reforço. É importanteobter soluções eficazes com custos limitados para maximizar o benefíciodos recursos a aplicar;4. A criação de enquadramento legislativo – uma tarefa em várias frentes,como por exemplo a necessidade de colmatar o vazio de legislaçãotécnica aplicável a obras de reforço de edifícios, para além de legislaçãomais rigorosa no que diz respeito à definição de responsabilidades, aoexercício de determinadas actividades técnicas e de construção, seguros,lei das rendas, planos directores, entre outras;5. A formação e a divulgação – porque a mobilização de todos os agentesenvolvidos, ou seja de toda a sociedade, e não apenas do Estado, é crucialpara o sucesso do Programa, estas tarefas são fundamentais comosuporte às restantes. Deste modo, é essencial a divulgação do problemasísmico junto da população, a sua potencial gravidade e a forma de oresolver, sem isso não haverá motivação para implementar o Programa. Aformação técnica é, igualmente, indispensável, não só porque o

conhecimento técnico é inferior ao desejável, mas também porque onúmero de pessoas com conhecimentos técnicos sobre reforço estruturalseria insuficiente para aplicar o Programa em larga escala;6. A elaboração de planos directores de reabilitação sísmica – é umaquestão de planeamento a nível municipal;7. A execução dos trabalhos – as obras propriamente ditas.

Quanto à calendarização, sugere-se a execução em duas décadas emeia, reconhecendo que não é possível aplicar o Programa em“velocidade de cruzeiro” a curto prazo. Primeiro, há que desenvolver astarefas 1 a 6, de forma a garantir o posterior sucesso da aplicação doPrograma e aumentar progressivamente o ritmo de execução das obras.Indica-se ainda o que poderia ser o potencial custo de aplicação,essencialmente quanto ao último ponto, dado que os custos dos outrositens são muito reduzidos em comparação com este. O valor apontado –25 000 milhões de euros (5000 milhões de contos) – constitui apenasuma referência que visa dar uma ideia da ordem de grandeza dasverbas envolvidas se o Programa fosse aplicado à imensa maioria dasconstruções de maior risco na metade do país com maior risco sísmico.

Conclui-se que apenas a divulgação pública da problemática sísmicatornará este tema uma preocupação para toda a sociedade. Por outrolado, é deveras importante melhorar a qualidade de projectos e obras,sob pena de se aplicar mal os recursos que possam vir a serdisponibilizados. Desenvolver manuais técnicos aplicáveis ao reforçodas principais tipologias do parque edificado é outra medida que deveráser tomada. Por fim, existe o interesse de implementar Seguros de Obracom cobertura de fenómenos sísmicos, o que mereceu, inclusive, aconcordância da Associação Portuguesa de Seguradores (APS). ÀProtecção Civil, cabe um papel complementar ao da engenharia, já queas consequências variam em sentido inverso às precauções que se

1. e 2. Comparação entre a construção recente econstrução antiga de alvenaria de pedrairregular. Sismo do Faial - Julho de 1998

1. 2.

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tomam antes do sismo. Se à engenharia é possível reduzirsignificativamente a existência de danos mas não eliminá-los, aProtecção Civil terá sempre a sua missão. Em relação à implementaçãodo Programa, a Protecção Civil pode ajudar na divulgação à população,informando-a sobre o problema e a forma de o enfrentar, não selimitando a ensinar medidas de autoprotecção ou a fazer simulacros desituações pós-sismo.

O ARGUMENTO ECONÓMICO, UMA DESCULPA PARA DEIXAR TUDO NA MESMAQuanto à análise da necessidade e exequibilidade do Programa emtermos de custos de implementação, existem diversos factores aconsiderar, por exemplo, os custos que um sismo intenso pode ter –provavelmente superiores aos custos do Programa em si. Depois, nãopodemos esquecer que o custo desta implementação se espalha ao longode décadas, enquanto os custos de um sismo são concentrados no tempo,fazendo recair todos os sacrifícios sobre uma única geração deportugueses. Isto, para já não falar no número de vidas que poderiam sersalvas com a execução do Programa. Há ainda outros factores a considerar na análise desta questão: oPrograma não seria financiado na sua totalidade pelo Orçamento deEstado (OE). O sector privado tem igualmente interesse em contribuir,particularmente nos casos em que os danos expectáveis possam serelevados e se possam obter melhorias de resistência significativas cominvestimentos reduzidos. Ou seja, mediante a mobilização do sectorprivado, poder-se-á executar uma parte do Programa. Assim, realizandoas tarefas dos pontos 1 a 6 – que não envolvem verbas significativas aoponto de comprometer as políticas de redução do défice do OE – o Estadopotenciaria a contribuição do sector privado, contribuindo assim para aexecução parcial do Programa.Na realidade, estas medidas são, por si só, suficientes para produzir

resultados significativos a médio e a longo prazo. Por exemplo, a melhoriada qualidade da construção, que envolve tarefas como divulgação ecriação de enquadramento legislativo adequado, teria, per si, um efeitomuito positivo no que se construísse e reforçasse no futuro. A longo prazoconduziria a uma renovação significativa do parque construído, com umamelhoria da resistência sísmica de muitas construções. Portanto,mesmo que o Estado apenas apoie a realização das tarefas do Programaque envolvem gastos reduzidos, poderá ser o suficiente para obterresultados a médio e longo prazo e, desse modo, reduzirsignificativamente as consequências de futuros sismos. Não é, então,razoável que se ignorem sugestões que podem ser aplicadas comrecursos relativamente limitados.No que se refere ao reforço/substituição sistemática de edifícios (tarefa 7do Programa), não é ponto de honra para a SPES que seja implementadona sua totalidade. Como os recursos envolvidos nesta tarefa são,previsivelmente, bastante elevados, há que decidir com bom senso erealismo, estabelecer prioridades considerando critérios de racionalidadeeconómica e social, bem como o potencial para evitar perdas de vidashumanas. Embora seja possível calcular valores médios, o custo dasobras de reforço pode ser muito variável, dependendo do estado dosedifícios e do nível de reforço necessário. Casos há em que se podemobter ganhos de resistência significativos com custos reduzidos, outrosem que é tão caro que, se não houver relevância arquitectónica ouurbanística, mais vale demolir e reconstruir. Estas questões devem serdebatidas com profundidade podendo conduzir à conclusão de que apenasé racional aplicar o Programa parcialmente: algo que seria natural.

Consequentemente, não parece aceitável utilizar o argumentoeconómico como desculpa para deixar tudo na mesma e continuar acometer erros técnicos como os que já foram mencionados (na parte Ideste artigo). Obviamente a capacidade para mobilizar verbas, tanto do

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sector privado como do OE e das autarquias, influenciará a extensão dasobras a realizar. Além disso, há a possibilidade de jogar com o prazo deexecução do Programa, que pode ser superior ao sugerido. Havendomotivação, poder-se-ia aplicar o Programa numa extensão bastanterazoável. Para que essa motivação exista, é fundamental a divulgaçãojunto da população, não só para mobilizar fundos e vontades do sectorprivado mas, também, porque no regime democrático a vontade dapopulação condiciona a vontade dos responsáveis políticos. Esta, por suavez, condiciona as prioridades na distribuição de verbas do OE e dasautarquias. Há que não esquecer que o próprio Programa geraria receitasfiscais que poderiam suportar parte das comparticipações do OE.

E OS FUNDOS DA UNIÃO EUROPEIA?Em todo este trajecto, a obtenção de Fundos da União Europeia nãoseria indispensável, todavia teria um efeito positivo na velocidade deaplicação do Programa. Embora as perspectivas não sejam as melhores,o chefe do Laboratório Europeu para Avaliação de Estruturas e o chefedo sector de Engenharia Sísmica não excluem a possibilidade de a UniãoEuropeia (UE) apoiar programas como o proposto pela SPES e peloGECoRPA, porém afirmam explicitamente que a iniciativa tem de partirdos Estados membros. Trabalhando na dependência directa daComissão Europeia, ambos têm alguma sensibilidade para a formacomo esta questão é encarada nas instituições europeias. Obviamenteque o ideal seria que fosse o Governo (e não a SPES) a tentar colocaresta questão na agenda pública europeia, porque poderia escolher ostimings mais adequados, faseando a apresentação dos argumentos, peloseu peso político e porque pode coordenar os seus esforços com os deoutros Estados membros potencialmente interessados. Apesar das parcas expectativas de resultados nesta frente, uma coisa écerta: se não tentarmos, a probabilidade de obter Fundos da UE paraapoiar o Programa é nula.

RECEPTIVIDADE DO SECTOR DA CONSTRUÇÃOActualmente, o volume anual de negócios no sector da construção civil éde cerca de 15 000 milhões de euros (3 000 milhões de contos).Investindo 7 % desta verba por ano, as obras sugeridas executar-se-iamno prazo proposto pelo Programa. Mesmo admitindo que as obras dereabilitação sísmica poderiam estar associadas a outras componentesde reabilitação, duplicando os 7 %, continuaríamos com umapercentagem inferior à que quase todos os países da UE investem emreabilitação de edifícios. Não estamos, assim, perante um problema decapacidade económica, mas de falta de motivação. No plano técnico,presentemente, o país não tem pessoal e empresas especializadas emnúmero suficiente para suportar a execução do Programa em“velocidade de cruzeiro”. Por isso, este teria que ser implementado deforma gradual, dando tempo a investimentos na formação e a melhoriasquantitativas e qualitativas da capacidade técnica na área do reforçoestrutural. O mercado e as instituições de investigação têm capacidadepara responder satisfatoriamente a essa solicitação, e a capacidadeexistente é suficiente para dar início ao Programa.

As reacções do sector à “campanha” da SPES têm sido positivas mas nãoactivas. Também parece óbvio que a implementação do Programarepresentaria uma fonte de trabalho estável para o sector da construção,que globalmente beneficiaria da sua aplicação. No entanto, tal não serásuficiente para evitar que se desenvolvam resistências. A melhoria daqualidade de construção e a fiscalização sistemática de projectos e obrasnão é, certamente, do interesse de todos:> tanto a nível do projecto como da construção, há quem beneficie daactual situação de impunidade, poupando no cálculo e nos materiais emdetrimento da resistência sísmica das construções; o que se traduz emconcorrência desleal a quem trabalha com competência e honestidade;> a regulamentação do acesso a determinados tipos de trabalhos pode

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3.

3. Sismo na Turquia de 1999: vista sob o ensoleiramentogeral de edifícios que rodaram em bloco devido aliquefação

4. Sismo na Turquia de 1999: exemplo dos efeitos de mápormenorização (amarrações da armadura principal)

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ser uma ferramenta importante para melhorar a qualidade dessesmesmos trabalhos, não obstante iria certamente chocar com interessescorporativos, em particular na arquitectura, na engenharia civil e naconstrução. Nem todos aqueles que exercem actividades nestas áreastêm conhecimentos técnicos e qualificações adequadas aos trabalhosque executam.

O mesmo se passaria a nível do mercado imobiliário, uma vez que oconhecimento dos riscos por parte da população tenderia a desvalorizaros edifícios de maior risco. Contudo, comparando com as potenciaisconsequências do sismo – que é o que se pretende evitar – conclui-seque nada disto é justificação razoável para não aplicar o Programa.Devemos considerar os diversos interesses em causa com realismo ejustiça, mas sem que o país tenha que andar a reboque de interessescorporativos ou lobbies económicos.Finalmente, ao cidadão comum, cabe-lhe aplicar as medidas deautoprotecção recomendadas pela Protecção Civil, fazer pressão sobre opoder político para que se interesse pelo problema e promova aaplicação do Programa e exigir garantias de qualidade no que dizrespeito à resistência sísmica quando comprar um escritório ou umahabitação. As medidas de autoprotecção têm a vantagem de poderemser aplicadas independentemente de outros factores.

MAIS QUALIDADE NA CONSTRUÇÃONem o Estado nem os consumidores têm interesse em investir em casascom má qualidade de construção, tanto novas como reabilitadas, pois asua probabilidade de colapsar quando ocorrer um sismo forte é elevada.Melhorar a qualidade de construção é um assunto que implica umamplo debate de todos os agentes envolvidos no processo construtivo.Imagine-se o seguinte cenário: Se um consumidor, ao adquirir um bemimobiliário, casa de habitação ou escritório, exigir do potencial vendedor

(promotor imobiliário ou proprietário) garantias de segurança eresponsabilização relativas aos efeitos dos sismos, o potencial vendedorapresenta, como garantia, um seguro com cobertura de fenómenossísmicos com prémio baixo. Os prémios a pagar pela cobertura defenómenos sísmicos são proporcionais aos riscos cobertos.

Em consequência: O comprador disporia de um indicador do nível deresistência sísmica da sua construção. O conhecimento generalizado desteindicador tenderia a desvalorizar as construções de menor resistênciasísmica se os consumidores valorizassem a segurança das suas habitaçõese locais de trabalho. O promotor imobiliário teria todo o interesse em queuma seguradora desse cobertura a fenómenos sísmicos com um prémiobaixo para poder vender o imóvel ao melhor preço. Como as seguradorassó teriam interesse em facultar seguros com prémio baixos se o risco fosseigualmente reduzido, exigiriam do promotor imobiliário garantias dequalidade do projecto e da obra, que é o objectivo a atingir.Na prática, o mercado funcionaria assim: Antes de dar início aoprocesso construtivo, que começa logo no projecto e não na obra, opromotor contactaria uma seguradora questionando as condições paraobter um seguro com prémio baixo (para poder oferecer aos potenciaiscompradores a garantia de segurança que sabe que estes lhe irãoexigir). A seguradora exigiria que uma empresa acreditada pelo Estado(ou pelo Estado em parceria com a APS, por exemplo) fiscalizasse oprojecto e a obra do princípio ao fim, certificando a resistência daconstrução, a fim de se responsabilizar perante a seguradora. Opromotor imobiliário contrataria o serviço de uma empresa defiscalização acreditada, que, no final da obra, passaria um certificadode qualidade, o qual seria entregue na seguradora.

Trata-se de uma tentativa de criar um sistema eficiente e auto-sustentável por via de um enquadramento legal, social e económico que

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compatibilize os interesses das diversas entidades intervenientes noprocesso construtivo, fazendo-os coincidir com o interesse público.Podemos ver a questão sob o ponto de vista de cada uma das partesenvolvidas: > o cidadão comum – tendo plena consciência da existência doproblema sísmico e da capacidade técnica para construir edifíciosresistentes aos sismos com acréscimos de custos baixos, não quereriacorrer riscos graves se, em termos de custos, é tão fácil evitá-los. Poresta razão, o cidadão comum teria todo o interesse em ser exigenterelativamente à segurança da sua habitação, pelo que um seguro comum prémio baixo seria uma excelente garantia (a seguradora só o fariase estivesse convencida que o risco seria mesmo reduzido);> a empresa de fiscalização – dificilmente sobreviveria no mercadocaso não cumprisse o seu papel com empenho e competência e asseguradoras se apercebessem disso. Ainda por cima, se da sua acçãoresultassem danos num sismo futuro, seria provável umaresponsabilização por esses danos, não pelos consumidores mas pelasseguradoras que teriam muito mais capacidade para o fazer;> o promotor imobiliário – teria todo o interesse em garantir asegurança da construção e apresentar provas fiáveis de que o fez paranão desvalorizar o seu produto perante os potenciais compradores. > as empresas de projecto e construção – sendo responsáveis peranteo promotor e a fiscalização, não se poderiam “dar ao luxo” decomprometer a resistência sísmica das construções para reduzir custos,até porque, de acordo com o enquadramento proposto, seriamresponsabilizadas juridicamente e penalizadas em termos de trabalhosfuturos pelo próprio mercado;> o sector segurador – o seu interesse justificar-se-ia pelo volume denegócios apreciável que esta solução representa e porque segurar bensque oferecem riscos reduzidos é um bom negócio, para além de que oRegulamento de Segurança e Acções (RSA) é extremamente exigente,fazendo com que de acordo com a prática e metodologias de projectocorrentes, edifícios bem construídos possam resistir a sismos quasetrês vezes mais fortes que o sismo característico, cuja probabilidade deocorrência durante 50 anos é de 5 %. Realce-se também que os critériosdo RSA correspondem a dimensionar os edifícios para forças sísmicas80 % acima dos níveis correspondentes aos critérios recomendados pelafutura legislação europeia e que serão mantidos quando essa legislaçãoentrar em vigor;

> o Estado – tendo um papel de regulação e fiscalização do bomfuncionamento do mercado, esta proposta é bastante atractiva do pontode vista político, porque o cumprimento destas funções não temimplicações orçamentais significativas. Entre outras tarefas,provavelmente será útil que o Estado promova alguma fiscalização poramostragem, tanto técnica como financeira (inibindo empresas menosescrupulosas de “vender gato por lebre”), para isso, no domínio técnico,tem ao seu dispor as universidades e os laboratórios de investigação.

Por tudo isto, os custos deste processo teriam que ser pagos peloconsumidor, que só o fará se achar que vale a pena. Na realidade, oacréscimo de custo seria considerado baixo (provavelmente da ordemdos 2 ou 3 %) e imperceptível para construções novas por ser muitoinferior a outros factores que influenciam o custo das habitações eescritórios, como a localização, a qualidade dos acabamentos, entreoutros. Como o custo final inclui o custo do terreno, o reflexo no custofinal dos edifícios ainda seria inferior. Compare-se com a situaçãoocorrida em 1983, quando a entrada em vigor do RSA impôs umcoeficiente de segurança de 1.5 no cálculo sísmico que não existia antes,aumentando as forças sísmicas em 50 %, tendo os correspondentesaumentos de custo. Além das pessoas ligadas ao sector da construção,alguém deu por isso? Depois, como os sismos não se fazem sentir damesma forma em todo o território nacional – quanto mais afastado seestiver dos principais epicentros, menores são as acelerações do solo –o RSA, para garantir níveis de segurança idênticos em todo o país,estipula forças sísmicas que no Porto são apenas 30 % das de Lisboa.Isto torna as obras mais baratas no Porto do que em Lisboa, contudoessa diferença passa despercebida em comparação com os outrosfactores que influenciam o custo final. O mesmo sucederá neste caso.

CONDIÇÕES PARA O SUCESSOPara que este processo possa ser posto em prática, é preciso criar ascondições necessárias ao sucesso desta metodologia. > Primeiro, é necessário motivar os consumidores, que só valorizarão asegurança se conhecerem as consequências de não a ter, ou seja, osriscos. A população portuguesa, à excepção da dos Açores, está muitomal informada, desconhecendo, em geral, a potencial dimensão dasconsequências dos sismos, bem como a possibilidade de as reduzir comuma acção preventiva, ou seja, a capacidade da engenharia de projectar

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5. Sismo na Turquia de 1999: exemplo dos efeitos de má pormenorização (afastamento excessivo das cintas)

6. Sismo do Faial em Julho de 1998: danos numa igreja antiga de alvenaria de pedra irregular

5. 6.

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e construir estruturas resistentes aos sismos. A noção corrente de que“não se pode fazer nada” resulta da confusão entre o fenómeno sísmico,em relação à qual a afirmação é verdadeira, e as suas consequências,em relação às quais a afirmação é falsa. É, pois, fundamental informar apopulação sobre esta questão, debater o problema de forma racional ecom serenidade.> Criar o enquadramento legal adequado, nomeadamente a definição,tão clara quanto possível, das responsabilidades de todos osintervenientes no processo construtivo. É a ausência deresponsabilização, e respectivas consequências, que possibilita asbarbaridades que se fazem no sector da construção. Associada a estaquestão, está a necessidade de regulamentar melhor o acesso deempresas e pessoas a certos tipos de trabalhos e actividadesprofissionais, de forma a assegurar que são realizados por profissionaisqualificados.> É também essencial que quaisquer questões de responsabilidade poreventuais danos causados por sismos, eventualmente imputáveis aterceiros, não tenham como consequência o não pagamento daindemnização ao segurado ou a necessidade deste ter que recorrer à viajudicial para receber a indemnização. O segurado só tem interesse noseguro se receber a indemnização logo depois do sismo ocorrer, paraque possa reconstituir a sua vida. A seguradora ficaria sub-rogada dosseus direitos em relação a terceiros. Assim, caso a seguradoraentendesse que a responsabilidade pelos danos era imputável aterceiros, nomeadamente à empresa de fiscalização, ressarcir-se-ia dosprejuízos causados junto dessa entidade. Salienta-se que a necessidade de garantir a qualidade se aplica tanto àconstrução nova como ao reforço das construções existentes. Emrelação aos prémios associados à cobertura de fenómenos sísmicospara as construções existentes, estes deverão reflectir o risco médioreal para cada grupo de construções, sendo inviável avaliar o riscoedifício a edifício num prazo e com custos aceitáveis. Deste modo, osprémios das construções antigas, em particular das que foramconstruídas antes de 1960, sem cálculo sísmico portanto, tenderão asubir. Porque muitas dessas construções têm resistências muito baixas,poderá até chegar-se à conclusão de que é inviável segurar muitasdessas construções se não forem reforçadas. Esta situação podeconstituir uma má notícia para muita gente, mas é preferível que arecebam antes do sismo do que depois. Por outro lado, assim, gerar-se-

á pressão para que sejam efectuados os reforços ou substituições(demolir e reconstruir) dessas construções, podendo reduzir-sebastante o número de vítimas e os elevados danos materiais. Nasconstruções novas com controlo de qualidade fiável, provavelmente osprémios sofrerão reduções, pois o nível de segurança é muito alto.

CLASSIFICAÇÃO DO PARQUE CONSTRUÍDOA APS promoveu, há uns anos atrás, um estudo técnico detalhado sobreos riscos e os prémios para as construções existentes. O parqueconstruído foi dividido em 17 grupos que dependem essencialmente dosprincipais parâmetros que condicionam a resistência dos edifícios, aidade (pelas razões que já referi) e o número de pisos. A cada um foiatribuído um factor de risco em função da zona do país em que seencontram as construções; este factor pode ser agravado por outrosfactores, como a implantação e o estado de conservação nos edifíciosantigos ou a existência de irregularidades. O factor de risco final pode ser encarado como um indicador relativo daprobabilidade de colapso devido a sismos num dado período de tempo.Obviamente que estas tabelas podem ser melhoradas e incluir outrosfactores; se possível, dever-se-iam considerar as alterações feitas apósa construção, muitas das quais enfraquecem os edifícios (cortar pilares,acrescentar pisos e outras), além de que, caso se façam obras dereforço estrutural para aumentar a resistência sísmica, o nível de riscodiminui. Na realidade, acredita-se que a variação entre os níveis de risco dosdiferentes tipos de construção é maior do que o estudo indica. Nãoobstante, seria útil que estes resultados, ou os de outros estudossemelhantes, se reflectissem nos prémios, ou se divulgassempublicamente, porque permitiriam a qualquer cidadão obter umindicador relativo do nível de risco sísmico da sua habitação ou local detrabalho. Desta forma, os próprios consumidores poderiam precaver-see zelar pela sua segurança, evitando as construções de maior risco.Decididamente um passo importante no sentido de melhorar asegurança de pessoas e bens.

Mário Lopes é professor auxiliar do IST e membro da direcção

da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica

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