25
Rio de Janeiro Maio de 2008 Seminário organizado pelo Fórum para uma nova Governança Mundial e pelo Ibase F GM n Fórum para uma nova Governança Mundial F GM n Série Cadernos de Proposições De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisa ?

De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

Rio de JaneiroMaio de 2008

Seminário organizado pelo Fórum para uma nova Governança Mundial

e pelo Ibase

F WGnForum for a new World Governance

Forum pour une nouvelle Gouvernance MondialeF GMn

Fórum para uma nova Governança Mundial F GMn

Séri

e C

ad

er

no

s d

e P

ro

po

siç

õe

s

De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisa ?

Page 2: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

Fórum para uma nova Governança Mundial Ibase Novembro de 2008

Tradutores:Ana Guanabara (francês–português)Peter Lenny (português–inglês)Marina Urquidi e Kimberly Bliss (francês–inglês)Releitura:Pascale Naquet

Iconografia: Dominique MonteauAs fotos foram feitas por fotógrafos brasileiros da Amazônia.Foto capa: Miguel ChikaokaProjeto gráfico: Patrick LescureImpressão: Publicado no Brasil pelo Ibase

info@world–governance.org

Atribuição – Uso Não–Comercial – Compartilhamento pela mesma Licençahttp://creativecommons.org/licenses/by–nc–sa/2.0/fr/deed.pt

De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisa ?

Rio de JaneiroMaio de 2008

Seminário organizado pelo Fórum para uma nova Governança Mundial

e pelo Ibase

Page 3: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

�Ao longo da história, certas cidades, regiões ou territórios adquirem umaimportânciaparticular, tornando–se lugaresondepodeserdecididoodestinodeumpovo,deuma sociedade, e atémesmodaTerra inteira.AAmazônia é, semdúvida,umdessesespaços.Elaconcentraascontradiçõesessenciaisdenossaépoca:esteoceanodevegetação,pulmãodonossoplaneta,territórioimensoatravessadopelo riomais longodomundo,estáassoladopelodesmatamento selvagem,pelamineração predadora e pela urbanização caótica. Recortada por Estados–Naçãoquenãolevamemcontaocursodosrios,ohabitatdascomunidadeshumanaseaextensãodasflorestas,aAmazôniapermanecefragmentadaporfronteirasquenãoacompanhamosentidodosventosnovosdeummundoglobalizado.Mesmoseospovosqueahabitamconseguiramconservaropotencialdabiodiversidadequeoscerca,aAmazôniasofredeuma“má”governança,estandodesprovidadeumagestãocoletivaecoerentedeseusrecursos.Maisgraveainda,elaéoterrenodeviolaçõesrecorrentesdosdireitoshumanos,cujasprimeirasvítimassãoseushabitantesmaispobresemaishumildes.

S u m á r i o

ApresentaçãoGustavo Marin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Introdução : QueBrasilequeAmazôniapodemosconstruireomundoprecisa?Cândido Grzybowski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

Relatório do seminárioPatrick Piro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

I.Tarashereditárias,problemasurgentes,questõesemergentes . . . . . . . . . . . 16II.«Atores»queescapamdosperfisconvencionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19III.Rumoaumnovomodelodecivilização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

Anexos :1.DequeAmazôniaestamosfalando? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 292.UmaAmazôniainternacional? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303.FórumSocialMundial2009:AAmazônianosconvocaarenovarnossocompromissoparaumoutromundopossível(FASE–FederaçãodeÓrgãosparaAssistênciaSocialeEducacional) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

Posfácio : AAmazôniaeagovernançamundialArnaud Blin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

Metodologia e cartografia conceitual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

Lista dos participantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

Foto

: Id

ua

cc

Apresentação

O

Page 4: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

V ivemosummomentocrucialparaahumanidade.ApesardastrincheirasderesistênciaqueseforjamnasdiferentessociedadesdoPlanetaTerra,desuaarticulaçãoemcoalizõeseredesdolocalaomundial,prevalecemrelações,

estruturas,processos,interesseseforças,ideologias,todosmuitopoderosos,homo-geneizadoreseexcludentes,queintensificamaglobalizaçãocapitalista.Naprática,persistemformasdepoderedeeconomiaquedestroemasbasesnaturaisdavida,concentramriquezaepodernasmãosdepoucascorporaçõesglobais,gerammaisexclusão,violência.Paraondevamos?Comoconstruirumoutromundo,dejustiçasocialesustentabilidade?Deigualdadenadiversidadesocialecultural?Dedireitoseresponsabilidades,comsolidariedadedolocalaomundial?Departicipaçãodemo-cráticaepodercidadão?

Écomtalperspectiva–“mundialista”e,aomesmotempo,muitoenraizadanolocal,ondedefatopodemosexercerplenamenteanossacidadania–quelevantoalgunspontosdereflexão.Sãoesboços,esforçosdeconstruçãodequestõesparaumproces-sodeanálise,detrocaseconfrontosentreparceirosquecomungamnosmesmosva-lores,noespíritoquenosanimaaestarjuntosnoprocessoFórumSocialMundial.Écomcertopragmatismotambém,poistemosodesafioconcretoderealizaroFórumSocialMundialnaAmazônia,emjaneirode2009.Trata–sedepensaroBrasileaAmazôniacomumaperspectivamundo,edepensaromundocomumaperspectivaquepartadoBrasiledaAmazônia,comseuspovosesuabiodiversidade.

Que Brasil e que Amazônia podemos construir e o mundo precisa?

CândidoGrzybowski

Sociólogo, Diretor do Ibase, uma das organizações mais influentes da sociedade civil brasileira, fundada por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou o Fórum Social Mundial de Porto Alegre em 2001, e, desde então, é um dos pilares deste importante acontecimento da sociedade civil com escala mundial.

SeaAmazôniaconcentratantosperigos,nãosomenteparaseushabitantes,mastambém para o equilíbrio ecológico do planeta, ela representa igualmente umterritório de vida e de porvir. Nada está perdido de antemão. No alvorecer doséculoXXI,elapoderásetornarumdesseslugaresessenciaisondeahumanidadeencontraráosrecursosbiológicos,políticoseculturaisparaumanovarelaçãocomabiosferaeumnovorelacionamentoentreospovos,fundadosnadignidadeenasolidariedade.AAmazôniapoderepresentaroterrenofértilparaumaverdadeiraescolade“boa”governança,seela fortratadacomoumbemcomumeprecioso,emprimeirolugarpelosbrasileiros,cujoterritóriocompreendecercade65%dasuperfície amazônica, em seguida pelos povos dos países sul–americanos que acercam,mastambémportodososhabitantesdaTerra.Apesardasdificuldades,aAmazôniaécertamenteumdosespaçosondeseinventamosnovosmecanismosdeumagovernançaresponsável,eficazelegítima.

Éporestarazãoque,conjuntamentecomCândidoGrzybowski,diretordoIbase,tomamosainiciativadeorganizar,emmaiode2008noRiodeJaneiro,oprimeirosemináriodoFórumparaumanovaGovernançaMundial, emtornodaquestão“DequeAmazôniaomundoprecisa?”.EstesemináriorecebeuoapoiodaFundaçãoCharlesLéopoldMayerparaoProgressodoHomem,instituiçãosuíçaindependentequesededicaàmobilizaçãodosconhecimentosedasexperiênciasparaenfrentarosdesafiosmaioresdenossaépoca.

Apresentepublicaçãoreúnetrêsdocumentos:otextodebaseredigidoporCândidoGrzybowski, o relatório do acima referido seminário exposto por Patrick Piro,jornalistaparaPolitis (França),eoposfácioescritoporArnaudBlin,coordenadordoFórumparaumanovaGovernançaMundial,comoobjetivodeestabelecerrelaçõesentreaspropostaselaboradasduranteoseminárioeagovernançamundial.

AgradeçoprofundamenteaCândidoeàexcelenteequipedoIbase.SeuengajamentopermitiureunirváriosmembrosdocomitêfundadordoFórumSocialMundialdePortoAlegre,osanimadoresdopróximoFórumSocialMundialqueserealizaráemBelém(Amazônia)emjaneirode2009,osresponsáveisdefundações,redes,ONGs,assimcomopesquisadoresdaricasociedadecivilbrasileira.Alistadosparticipantesseencontranofimdestapublicação.

Gustavo Marin Diretor do Fórum para uma nova Governança Mundial

Introdução

Page 5: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

II. Brasil potência emergente: para quem?

OBrasilé,semdúvida,umpaíscomenormespossibi-lidades.Masnãopodemosencobrirosníveisdeexclu-sãosocial,osenormesbolsõesdepobreza,avergonho-saepersistentedesigualdadecomsuasmúltiplasface-tas. Somos responsáveis por um patrimônio naturaldosmaisimportantesdoplaneta.Masadestruiçãodetaisrecursosnaturaisavançamaisrápidoqueosnos-sosprópriosíndicesdecrescimentoeconômico.Nossoterritórioenossapopulaçãonospermitemintegraropequeno grupo de países superdotados em recursos,masparecequenãoconseguimosusartalcapacidadeparacriarumBrasil sustentávele justo,paracontri-buirparaaconstruçãodeumoutromundo.

Conquistas recentes – que servem de base para umoutro desenvolvimento – merecem ser destacadase valorizadas, apesar de persistirem os limites acimaapontados.Amaisimportanteefundamentaléapró-priademocraciapolítica, jovemainda,masque temdemonstrado vitalidade. Em termos institucionaisavançamosbastante,mesmoseaindarestamuitoaserfeito.Talvezoaspectomaispromissorsejaavontadedeparticipardeamplos setores.Muitos,porém,ain-

dacontinuampoliticamente “invisíveis”porquenãoorganizadosou ainda extremamentedependentes defavorese semcapacidadedeafirmar seusdireitos.Ofatoéquetemosumasociedadecivilcomcapacidadedeiniciativa,expressãodeumaculturademocráticaedeumtecidoassociativoqueseexpandeeganhaforçapolítica.

Oquenosfalta,eondemenosavançamos,dizrespei-toàdemocraciasocial.ComaeleiçãodeLulaparaapresidência,quesignificouoBrasilpopularganhandopoder, parecia que finalmente estávamos criando ascondiçõespolíticasparaatarefahistóricaderecons-truiropaísembasesjustasesustentáveis.Naprática,porém, sãoainda tímidosos sinaisdemudanças sig-nificativas.OEstadobrasileiro,geridocomobasedodesenvolvimento que temos, está capturado por po-derososinteresseseforças,cujoenfrentamentoexigevontadeeengenhariamuitomaiscomplexadoqueapostaemmarchapeloPTparaganharaseleiçõesesemanternopoder.

Temosavançosindiscutíveisemalgumaspolíticasso-ciais,enfrentandourgências,comoafome,eresgatan-dodívidassociaishistóricas.Masofatoéquetaispolí-ticasnãosãodesenhadasestrategicamenteenemmes-mopensadascomoestruturantesdeumnovomodelo

I. A “desordem” global: como enfrentar a crise de civilização?

SomospartedeummundoameaçadonesteiníciodeséculoXXI.Após trêsdécadasde feroz globalizaçãoeconômico–financeira, com desregulações de todotipoemnomedolivremercado,duasdécadasdepoisdaquedadoMurodeBerlimedofimdaordembipolardaguerrafria,estamosdiantededesafioscomescalaplanetária. A globalização capitalista completou eradicalizouainterligaçãoentreasdiferentessociedadesdomundo,detalformaquehojesomosinteiramentedependentesunsdosoutros,poisoqueé feitonumlugar impacta de formas diferentes todos os outrospovosehabitatsdoplaneta.Aomesmotempo,nuncaestivemostãoconscientesdequeassimnãodáparacontinuar.Noentanto,continuamos...Atéonde?

Penso que a crise desafiante diante de nós tem nocentro, agora sem máscaras ideológicas, o idealde desenvolvimento das sociedades, uma visão deprogressosemlimitesbaseadonummodeloindustrial–produtivista–consumista,nocapitalismoenosocia–lismo,nadireitaenaesquerda,quenãotraznembemestar,nemsustentabilidade.Oumelhor,trazbemestarparaunsemdetrimentodeoutros,padrãodeproduçãoeconsumoqueoPlanetaTerranãosuporta,modelode sociedade que leva à concentração em mãos depoucoseàexclusãodemuitos,comviolência,terroreguerra.

Os Estados–Nação e os arranjos multilateraismontados, especialmente no pós Segunda GuerraMundial,jánãodãocontadoquesepassanomundo.Novazio,obelicosoimperialismodosEUApareceumursoferidocomgrandecapacidadededestruição,massemrumo.ComumaONUdiminuídaeorganismosfinanceirosmultilaterais(BM,FMI,OMC)perdendocapacidadee legitimidadede regulação,prevalecealeidomaisforteeconomicamentena“recolonização”do mundo: a China como potência econômica enuclearemergenteeasgrandescorporações,maioresque grande parte dos Estados Nacionais. O G–8– dos grandes Estados–Nação desenvolvidos, maispara “clube” privado do que organismo multilaterallegítimo – ampliado ou não, não dá conta dadiversidadedecontradiçõesedemandasemergentes,poisseuprincipalobjetivoéfazerperduraroqueestáemcrise.

A crise de civilização – que pode ser consideradacomo um conjunto de desafios para a tambémemergentecidadaniadedimensõesplanetárias–podeservisualizadaemtríplicedimensão:

• Desigualdade socialEconomiaemexpansãocontrasociedades,deformaglobal.Acentua–seadesigualdadeeaexclusãosocialemtermosmundiaisenointeriordecadasociedade.Hoje,oSulpobre(migrantes,comunidadesdezonasdeprimidas,minoriasétnicas,etc.)estámarginalizadono pequeno Norte desenvolvido, com 10% dapopulação mundial controlando mais de 85% dariqueza. Por sua vez, o Norte rico (proprietáriosde terra, gado e gente, empresários e seus gestoresmultinacionais,elitespolíticasaseuserviço)estánoSul, com seus povos destituídos de riqueza e poder,condenados a viver de migalhas. Desigualdade demúltiplasfacetaseperversidades,paraalémdasclassessociais,cujoenfrentamentoimplicareverparadigmasconceituais e analíticos, propostas e estratégias deluta.Estamosdiantedacombinaçãodedesigualdadeseformasdedominação,hojedeformamundial,comprevalênciadopatriarcalismo,doracismoexenofobia,danegaçãodadiversidade.

• Crise ambientalParaelaconvergemtrêsprocessosimpactantes:-mudançaclimáticadevidoaoefeitoestufa;-uso intensivo e esgotamento de fontes fósseis de

energia,nãorenováveis,basedomodeloindustrial–produtivista–consumista;

-destruiçãoeesgotamentodosbenscomunsnaturais,emparticularágua,recursosgenéticosebiodiversi-dadeesolosparaagricultura.

• ViolênciaMultiplicam–seassituaçõesemqueaviolênciaaber-ta,aintolerânciaeosfundamentalismosdefinemosmodoscoletivosdevida,impondosofrimentoemedoagrandescontingentesdepopulaçõescivis,ameaçasemortes,deslocamentoedesterritorialização.Povosinteirossãocindidosporconflitosintermináveis,ci-dades são partidas, países são invadidos. A disputapelocontrolederecursosnaturais,numcontextodeconcentraçãoebuscade lucro sem limites,dedesi-gualdadeeconômicaedepoderedeesgotamentodetais recursos, acentua a violência e alimenta aindamaisosfundamentalismos,levandoaumamilitariza-çãoaindamaior.

Diantedestatríplicecriseaguça–seo“desgoverno”ea falta de regulação concertada. A velha ordem dedominaçãonãodámaiscontadosdesafios,eanova,aindanãoemergiu.Énestequadroqueimportasitu-armo–nos,situaroBrasil,situaraAmazônia.Oqueomundoesperadenós?Oque,emtermosdecidadaniaativa, podemos e devemos fazer a partir daqui paraenfrentarestacrisedecivilização?

Foto: Miguel Chikaoka

Page 6: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

10

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

dedesenvolvimento,e,acimadetudo,dedemocraciasocial.São,semdúvida,políticascompensatóriasne-cessáriasnoimediato,masincapazesdeconstruirumasociedade sustentável, justa, participativa, de bemcomtodosospovosdoPlaneta.

Fundamentalmente, continuamos com um modelode desenvolvimento predador da natureza, concen-tradorderiquezasereprodutordeenormesbolsõesdepobreza.Aomenos,voltamosadiscutirsobreaidéiadodesenvolvimento,mesmosetaldebatevemessen-cialmenteconfundidocomíndicesdecrescimentodoPIB.Mais,deformaumtantotitubeante,nãocontinu-amospersistindonodesmonteinspiradonodecálogoneoliberaldo“ConsensodeWashington”,dadécadade90doséculopassado.OPAC(ProgramadeAcele-raçãodoCrescimento),apesardesuatimidez,apontaparaumaespéciederetomada,nemquesejadoquejáconhecemos,comograndesprojetosdeinfraestrutura,produçãovoltadaàexportaçãoetudomais.

O que se passa com as exportações brasileiras é umbom exemplo de que estamos diante do dilema dedesenvolverexacerbandoascontradiçõesdopassadoaoinvésdemudarrumoseperspectivas.Aliás,otal“sucesso”nasexportaçõeseaproduçãodeumgrandesuperávitcomercialsãovistospelaopiniãopúblicaenoscírculosespecializadosdaacademiaedosnegócioscomo um grande indicador do acerto de estratégia,poisistopuxaaeconomiacomoumtodo.Acontecequeestamosvoltandoaserumaespéciedeeconomiaprimário–exportadora,poisemnossasexportações70a80%sãonatureza:complexosoja,café,carnes,mi-nérioseaço,polpadepapeleporaívai.Paraparafra-searEduardoGaleanoeseufamosolivrosobreaAmé-ricaLatina,diriaqueestamosdilatandonossasveiasjáabertasparaexportaraindamaisnossasprópriasbasesdevida.Agoratambémdecidimosincluiroetanolen-treosprodutosparaexportação!

Claro que tudo pode ser visto por outro lado. Nostermos do modelo de desenvolvimento dominante,comummundocontroladopor grandes corporaçõeseaexpansãocapitalistadaChinaconsumindooqueaindasobraderecursosnaturaisnoPlaneta,aopçãobrasileiraporaproveitar“vantagenscomparativas”demomentopareceserumbomnegócio.Negócio,edosgrandes,atéqueé,masqualadívidasocialeambien-talqueficanoBrasil?Quemestáganhandocomisto?Mesmoos recursosdo tal superávitnasexportações,será que estão financiando a democracia social ou,antes,acabandoengolidosnalógicaquetudocaptura–atémesmoamaiorfatiadoorçamentopúblico–paraengordarlucros?

Otemadasexportaçõesestálongedeesgotaracom-plexa questão do modelo de desenvolvimento. Mas

ilustrabemoqueestouquerendoargumentaraqui.OBrasildespontacomopotênciaemergenteemtermospolíticos e econômicos, particularmente na região.Masnãovejoesta emergência apontandomudançasprogressistas na estrutura e no processo de relaçõesquesustentamaglobalizaçãodominante.Emtermosdeestratégia,pareceatéquetendemosmaisaquererfazerpartedoseletogrupodepaísesquesecomportamcomodonosdomundo–otalgrupodoG8–doqueanosposicionardemodoaexpressarmosanecessidadeeaurgênciadequeseefetivemmudançasnageopolí-ticaenosorganismosderegulaçãodopodermundialquepermitamconstruirsociedadesdemocráticas,jus-tas,solidáriasesustentáveis.

Omomento,maisumavez,édeinovarcomousadia.PrecisamosreconhecerasameaçaseosdesafiosnovosparaacidadaniaeademocracianoBrasil,hojenumcontextodemaioraberturaaomundoemaiorinter-dependênciageradapelaglobalizaçãoeaenormecrisequedelabrota.IstonosremeteàsgrandesquestõesdoBrasilnomundo.Trata–sedeperguntar:dequeBrasilomundoprecisaequeanossacidadania,emaliançacomacidadaniamundial,podeproduzir?DequeEs-tado?Dequesoberania?Dequedemocracia?Dequejustiçasocial?Dequetipodesustentabilidadeeparaquem?RespostasquesópoderemosconstruirapartirdoqueapreendemoscomagrandeescoladecidadaniaplanetáriaqueéoFórumSocialMundial.Trata–sedeassumirradicalmentenossasresponsabilidadesdebra-sileirosebrasileiras,masnumdiálogoabertocomou-trospovosesujeitosdoPlanetaTerra,reconhecendoqueaquidecidimosnossofuturoetambéminfluímosnodahumanidadeinteira,comogestoresdenossasvi-dasedopatrimônionaturalqueassustenta.

III. Nosso compromisso por uma outra Amazônia, num outro Brasil, num outro mundo possível

Ousadia de propósitos e coragem de incidência noaquienoagoradevemvirjuntosdiantedosdesafiosquetemosdeenfrentar.Poristo,pensoqueodebatepodeadquirirconcretudeemaiorradicalidadeapartirdodesafioqueopróprioFSMseimpôs:odeinseriraAmazônianodebatesobrecomoconstruirumoutromundo,dejustiçasocialesustentabilidade,deigual-dade na diversidade, de direitos de cidadania comresponsabilidades compartidas e solidárias, de parti-cipaçãodemocráticaedeefetivopodercidadão.Emjaneirode2009estaremosnosencontrandonoFSM,

emBelém,emplenocoraçãodaRegiãoAmazônica.Odesafioépensarasquestõesdesteoutromundo,apartir de uma perspectiva radicalmente local e, aomesmotempo,mundialista.

ARegiãoAmazônicaéumvasto territóriocompar-tidopor9paísesdaAméricadoSul(naverdade,umdeles–aGuianaFrancesa–éumpedaço remanes-centedoantigocolonialismo).AAmazôniacontéma maior floresta do Planeta. Mas nela vivem, paraaquém e além das fronteiras dos Estados nacionais,muitosediversospovos,commodosdevidaecultu-ras próprios, e, sobretudo, formas de resistência aosprocessosdominantes.Sónapartebrasileira,sãocer-cade21milhõesdehabitantes.

Comobemapontauminstigantedocumentoprepara-dopelaFASE(“FSM2009:AAmazônianosconvocaarenovarnossocompromissoparaumoutromundopossível”.RiodeJaneiro,out.2007):

“Frente ao acelerado desaparecimento da biodiversi-dade e à crise climática que já começa a provocar situ-ações de injustiça climática que afetam principalmen-te os mais pobres, a Amazônia aparece como uma das últimas regiões do planeta ainda relativamente preservadas, preciosa tanto para a manutenção da biodiversidade quanto pelo papel que ela tem, positi-vo, se a floresta for conservada, e negativo, se ela for destruída e queimada, no regime de chuva continen-tal e no clima continental e mundial . Neste sentido, ela dever ser compreendida como algo indispensável à vida da humanidade e, portanto, sua preservação, bem como a garantia da qualidade de vida de suas po-pulações, constituem um desafio não somente aos/às brasileiros(as), mas também ao conjunto dos povos do planeta .”

“Em torno do destino da Amazônia se trava uma das batalhas mais importantes entre os países ricos e os países do sul, numa guerra em que se decidi-rá o ônus que recairá sobre cada país, na inevitável alocação dos custos da crise ambiental e das mudan-ças catastróficas do clima mundial . Os Estados mais poderosos, que têm padrões de produção e de con-sumo insustentáveis, dispondo de enormes recursos financeiros, tecnológicos e militares em nome do bem comum, não abrirão mão da pretensão de controlar a Amazônia . Tentam reproduzir, à custa dos nossos países, os atuais padrões insustentáveis de existência e as práticas de quinhentos anos de expropriação das riquezas e recursos energéticos dos países da América do Sul .”

Tambéméfundamentalqueseregistreainternaliza-çãodeumprocessocolonialistadeexpansãodestruti-vodaRegiãoAmazônica.Poderososgruposprivados(latifundiárioseagronegócio,empresasmineradoras,

madeireiras,etc.),apartirdointeriordospaíses–doBrasilemparticular–disputamosrecursosdaregião,seapropriamdeterrasecontrolamgrandespartesdoterritório,destroemaflorestaeabiodiversidade,en-venenamos rios, extraemseusminérios,massacramas populações e os povos locais e seus modos vida.Tudoemnomedoprogresso,dodesenvolvimento.AAmazôniaéumterritóriohumanizadomuitoamea-çado.Masexisteumenormetecidoassociativoqueseforjaapartirdosdiversificadosgruposlocais.Grandesmovimentos resistema tudo isto e constroemalter-nativas..OdesafioébuscarinspiraçãonospovosdaAmazônia,nos seusmovimentos eorganizações co-munitárias,paradaíapontaroutraAmazôniaparaahumanidade:nemdestruiçãopredatóriaemnomedodesenvolvimento,nemconservacionismoexcludenteecolonialistaembutidonaidéiade“poços”interna-cionalizadosdecarbono,financiadosporcréditosob-tidoscomacompra,pelasgrandescorporaçõesepelospaísesindustrializados,dodireitodepoluir.

“A Amazônia é depositária de recursos biológicos e genéticos ainda largamente desconhecidos, mas, sem dúvida, preciosos para a humanidade; e seus povos são detentores de seculares e milenares conhecimentos sobre essa vida . Esses recursos e conhecimentos atra-

em a cobiça das grandes corporações que encabeçam a busca implacável pela privatização da vida e dos conhecimentos . Os povos indígenas e, depois deles, a população enraizada na região nos ensinam que a vida é uma dádiva e que somos parte da vida da Mãe Terra . A apropriação privada da vida é inconcebível, pois ela é feita para ser compartilhada . A Amazônia nos convida a recusar firmemente a lógica do merca-do, das corporações transnacionais e das instâncias

Foto: Miguel Chikaoka

11

Page 7: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

12

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

13

internacionais oficiais a seu serviço e a colocar no centro das suas preocupações a reconstrução do pla-neta, da humanidade, de novos paradigmas libertários como a solidariedade, a igualdade, o reconhecimento da diversidade, o respeito às diferenças, a responsabi-lidade, o cuidado .” (FASE . op . cit .)

ParaenfrentartaisdesafioséfundamentalreconhecerolugarqueocupanaprópriaexpansãodoFSMaforçadaconsciênciasobreobemcomummaiorquetemos:o Planeta Terra como base de nossa vida. Isto vemjuntocomumarenovadaconsciênciadehumanidadenadiversidadedesujeitos,povos,culturas.Assim,anascentecidadaniaplanetáriateráapossibilidadedetrocarconhecimentoseexperiências,avaliarpropos-tasedescobrirestratégiasdeaçãodosgruposhumanosquevivemnaRegiãoAmazônia,fortalecendo–osporsuavez.

Masnoquadrodequestõesqueaquiesboço,éeviden-tequeacrisedecivilizaçãoemsuatríplicedimensãoestaránocentrodosdebatessobreaAmazôniaemou-tromundopossível.Afinal,oenfrentamentodacriseclimáticaedadestruiçãoambientalpõe,necessaria-mente,aAmazôniaemevidência.Aí,estamosdiantedeumacomplexaquestãocomdimensãoplanetáriasobre o papel dos Estados–Nação e da soberania.

Quem afinal está em primeiro lugar numa re–enge-nhariadopoder?Paraacidadania,quantomaislocal,maioréopoderdedecisão.Eéoquereivindicamaspopulaçõeslocais.AtéasuarelaçãocomosEstadosnacionaisquepartilhamaAmazôniaéumaquestãode fundo. Basta lembrar aqui os povos indígenas eseusterritórios,muitasvezesnãoreconhecendofron-teirasnacionais.

Masnãoépossível,estandonoBrasil,pensaraAma-zôniasempensarolugardopróprioBrasilnomundo.O Brasil e a Amazônia são umbilicalmente ligados,profundamente interdependentes. O Brasil não é oBrasilsemaAmazônia,querepresentacercade50%doseuterritório.SeuspovossãopartedesteBrasildi-versoeprofundamentedesigual.

IV. Indicações para uma saída (começo, mais do que conclusão)

Conscientedequenãobastacriticar,gostariadefinali-zarlembrandoalgunspontosdepartidaparaconstruiralternativas. Na verdade, existe mais gente do que

imaginamosconstruindoconcretamentealternativasparaassuasvidas,láaondeestão.Afinal,serexcluídodoacessoaosrecursosambientaiseeconômicos,nãoserreconhecidoesofrerdadegradaçãodeseuentor-noe,aomesmotempo,sercapazdeinventarformasdeviver,deestabelecerlaçosfamiliaresedeamizade,defazerpartedeumacomunidadecomsolidariedade,desonhar,rezaredivertir–se,de“irlevando”enfim,tudoistosomadoearticulado,apontaumadinâmicaderesistênciaedeconstruçãodeoutrostiposdevidaemcoletividade.As“trincheiras”dasociedadecivil,dequenosfalaGramsci,sãoumfatohumanoehis-tórico.Faltaarticular,sistematizar,teorizararespeito,formulando propostas políticas que ajudem grupos,comunidades, cidades, povos, nações enfim, na suabusca de modelos de desenvolvimento – isto é, decondiçõespolíticas,culturais,econômicasetécnicas–paracriarsociedadesjustasesustentáveis.

Naminhavisão,enriquecidacomaexperiênciaqueo Ibase e o Fórum Social Mundial me propiciaram,destacoalgunspoucosprincípiosparaasituaçãobra-sileira:•Prioridadeabsolutaparaajustiçasocial•Democracia, fundada nos princípios éticos de

igualdade, liberdade, diversidade, solidariedade eparticipação,comoestratégia

•Empoderamentopolítico–culturaldosgrupos“in-visíveis”:pobres,discriminados,excluídos

•Garantiadeacessoeusodetodososbenscomuns,naturaiseproduzidos,atodasetodos,semdistin-ção,comobaseparaumavidasustentável

•Modelodedesenvolvimentobaseadonousosus-tentável dos recursos, com prioridade ao atendi-mentodasnecessidades internasdosprópriosgru-poshumanosdiretamenteenvolvidos,commáximarelocalizaçãodaeconomiaedesuagestãopolítica:“produziraqui,paraconsumiraqui,paraagentevi-vendoaqui”,ou,deformamaisbranda,queasem-presasseestabeleçamaquiparavenderaquieserviràsnecessidadesdaqui.

Essespontosjásãosuficientespararevelaraperspec-tivaemquemecolocoequecompartocommuitosoutrosnoBrasil,naAmazôniaepelomundoafora.Masháumoutropontoquepode fazeradiferença.Trata–sedeconstruirumfortemovimentoplanetáriopara mudança, o que significa fincar raízes em cadalugar,emcadacoletividade,emcadapovo.Paraistoprecisamossonhargrande,ser fortesepersistenteseparticiparcomatitudesradicais,semmedodaciviliza-çãoemcriseedadesordemmundialqueelaacarreta.TalreceitaéespecialmentedesenhadaparaoBrasil,onossoemergentepaísnocenáriomundial.

13

Foto

: M

igu

el

Ch

ika

ok

a

Page 8: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ? D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

1�1�

Relatório do Seminário

Patr ickPiro

“DequeBrasil–edequeAmazônia–omundoprecisa?”Aques-tão, complexa, tinha tudopara seduzir:desdea chegadadeLulaaopoder,aambiçãointernacionaldoBrasilnãoparou

decrescer,quersetratedereivindicar(ededesempenhar)umpapeldiplo-máticodeprimeiroplano,comotambém,maisrecentemente,deseatribuirumdestinoplanetário:produtordeagrocombustíveisedealimentosparaomundo,protetorsupremodeumaAmazôniaelevadaaoápicedaspreocupa-çõesecológicasplanetárias.

Portanto,osparticipantesdoseminário,nasuagrandemaioriabrasileiros,descar-taramimediatamenteesemremorsosoprimeiroconviteàutopia,paraseconsagrarexclusivamente ao segundo: durante dois dias, foi a Amazônia que absorveu osdebates(1).Reduçãopragmáticadoperímetrodosdebates?Não.Contrariamenteàsaparên-cias,umareorganizaçãoadequadadahierarquiadasproposições,paraparticipantesportadoresdereflexõesglobais.Umenriquecimento,umenfoquenovoemaispo-deroso.“DequeAmazôniaomundoprecisa?”significa,primeiramente,extrairodebatedoquadroestritamentebrasileiro,evitando–seassimotrabalhopenosodeabordarcertasquestõesinevitáveis,quenãotardarãoachegar:balançodogovernoLula,análisedapolíticaedaresponsabilidadedoBrasilnagestãoamazônica,pertinênciadaescalanacionalnacriseecológicamundialetc.“DequeAmazôniaomundopre-

Jornalista francês independente, autor de várias obras, Patrick Piro escreve há mais de vinte anos sobre questões ligadas à solidariedade internacional, às relações Norte–Sul e aos desequilíbrios globais, dentre os quais, particularmente, a crise ecológica e energética. Trabalha regularmente para a revista semanal Politis, sendo responsável pela rubrica Ecologia da mesma, e pelo acompanhamento da atualidade relativa à ecologia política.

“Não se freia uma idéia, cuja hora é chegada”

Foto: Octavio Cardoso

Page 9: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

1�

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

cisa?”:deslocandoaquestão,osdebatedoresencontraramuma“escapatóriamen-tal”originalemuitoprodutiva.AAmazônianãomaisvistacomosubconjuntodeabordagens–territorial,política,administrativa–e simcomometáfora–bemconcreta–dedebatesplanetários,comoumcondensadodecontradiçõescontemporâneas:elaéoterrenodemegaprojetos “de desenvolvimento” ecologicamente deploráveis e que desprezam aspopulaçõeslocais,mas,também,oterritóriodealternativassustentáveisbastantediversaseemnúmeroinimaginável;elaéumaenormereservadebiodiversidadeeumpólopreponderantederegulaçãoclimáticadoplaneta,emviasdepilhagemededegradaçãoaceleradas;éaindaumterritórioemgrandepartedesprovidodegovernança,massededeiniciativaspopularesdeorganização…Nossaépocaestásubmetidaaumdesafiosimplesmentevital:odaconstruçãodeumnovomodelodecivilização,baseadonadiversidade,nasustentabilidadeecológicaenajustiçasocial.Paraencarnar–se,essemodeloprecisadeterrenospropíciosàvoltadoimaginárioedautopia.Existempoucos,eaAmazôniaéumdeles.

ou equipam a bacia, que contém cerca de20%daságuasdocesdesuperfíciedoglobo.A bacia amazônica também esconde muitopetróleo e, como vimos acima, é uma áreapotencialmente utilizável para o cultivo deplantas energéticas, visando a produção deagrocombustíveis(4).

Uma colônia interiorOterritórioamazônicoestáconsideravelmentesubmetidoaosprojetoseconômicoseestratégi-cos do governo federal brasileiro, cujo modelolheimpõegrandepressão.Subjugada,aAmazô-nianãoéconsideradacomoumterritóriocapazde conceber projetos próprios, mas sim comoumareservaderecursosaexplorar,umafrontei-rainterior.

O pensamento únicoAtualmente,nãoexistemmodelosalternativosaoprodutivismobrutalque seaplicaaessa re-gião,enemferramentasdeplanificaçãoqueper-mitamelaborá–los.

E nada se faz nesse sentido, apesardas contradições e da problemáticapatentes.“OBrasilestásurfandonapororoca (5)!”– imagem local des-crevendo uma economia a contracorrente, em plena aceleração pro-dutivista e exportadora, apesar dosalertasqueaameaçam.Aagriculturaéomotordestaeconomia,oquefazcomqueasterras“improdutivas”daAmazônia despertem regularmenteambiçõesmaisoumenosdeclaradas.

A violação dos direitos humanosReinaumclimapermanentedeviolaçãodosdi-reitoshumanosnestaregião,oqualafetaempri-meiro lugaraspopulações indígenas.OEstadodeDireitoéinexistenteeamilitarização(éumatradição)voltaaserpraticada,comopodemos,porexemplo,constatarnosconflitosagudosqueenvolvemaatribuiçãodasterrasdareservaRa-posa–SerradoSolnoestadodeRoraima(6),às

I. Taras hereditárias, problemas urgentes, questões emergentes

AAmazôniaéumcasoclássico.Umparadigmaexemplar,atingidoportodososgrandesmalesecontradiçõesquefundamomodelodeciviliza-çãodominante:neoliberaleglobalizado,produ-tivistaepredador,indiferenteàscrisessociaiseecológicas,equedesprezaaexpressãoeasaspi-raçõesdaspopulaçõeslocais.Desdeoperíodocolonizador,aAmazôniaéumterritório submetido a depredações constantes.

Com uma cultura de aventuras pioneiras,essasdepredaçõessãomarcadaspelaviolên-cia: a que sofre o ecossistema equatorial eaqueéaplicadaaos seushabitantes,pelospredadores.Ocontexto amazônico atual éapenasoúltimoavatar deumavelha sagaprodutivista, baseada num controle priva-dodosrecursosnaturais(2),“umdoslugaresemblemáticos de realização do projeto ca-pitalista.”

Um território de depredações AAmazôniadesteiníciodo3°milênioéalvodenumerosostiposdecobiça:•aexploraçãodamadeira,emcondiçõesilegais

emprovavelmente90%doscasos;

•a conquista de terras agrícolas, através dodesflorestamento, segundo um esquema quepassoudaqueimada,utilizadapelaagriculturadesubsistênciaecujoimpactosobreomeioambiente é mais fraco, a derrubadas muitomaismassivas,sobapressãodoscriadoresex-tensivosdebovinos(decujacarne,oBrasiléoprimeiroexportadormundial).Assangriaspioneirasdosmadeireirossãoposteriormentealargadas pelos colonos, que multiplicam aspistasdeacessoaolocal.Masháalgunsanos,oscriadoresdegadovêmsendo,porsuavez,empurrados para dentro da floresta (cujasfronteiras eles destroem) pelos sojeiros, quese instalamnessasparcelaspropíciasaocul-tivo. Doravante, teme–se, apesar das dene-gações governamentais, a pressão de outrospoderosos postulantes à terra que poderiamdesencadearumanovaondadedesmatamen-to:osindustriaisdosagrocombustíveis–quesetratedeetanol(extraídodacana–de–açú-car,cujocultivoemclimaamazônicoacabaráse tornando possível, graças aos avanços daagronomia) ou de óleo para produzir diesel(extraídodasoja,decertaspalmeiras,etc.).

•amineração: o subsolo amazônico transbor-dade riquezasmineraisconsideráveis,comoouro,ferro,cobre,manganês.

•a produção de energia: a bacia amazônicadispõe de 2/3 do potencial hidrelétrico doBrasil.Váriascentraisestãoemconstrução(3)

“um dos lugares

emblemáticos de realização

do projeto capitalista.”

“Estamos no coração da mitologia brasileira do desenvolvimento!”

“O Brasil está surfando na pororoca (5)!”

Foto

: M

igu

el

Ch

ika

ok

a

1�

Page 10: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ? D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

1�

populaçõesindígenaslocais.Pelomenostrêsca-sossetornaraminternacionalmenteconhecidosnestesúltimosanos:oassassinatodoseringueiroelíderecologistaChicoMendesem1988,noes-tadodoAcre;omassacrede19camponesesemEldoradodosCarajás em1996; eoassassinatodareligiosanorteamericanaDorothyStangem2005,noPará.Esteúltimoestadoé,de longe,omaissangrentodoBrasilemtermosdeconfli-tosagrários,eneleotrabalhoescravonãorarosepratica.Nãosetratadeanomaliashistóricas,massimdasconsequênciasdeumalógicaprodu-tivistaaplicadasemescrúpulos.Aviolêncianaregiãoamazônicaenglobatam-bém o banditismo e tráficos de todos os tipos,sobretudoodedrogas.

A ausência de governançaA Amazônia, enquanto unidade biogeográfi-caehumana(veranexo1 “DequeAmazôniaestamos falando?”), não é “governada”. Suasoberania está fracionada,dividida entre8pa-íses (Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia,Venezuela,GuianaeSuriname)eum“enclavecolonizado”, aGuianaFrancesa.Em1978,um

TratadodeCooperaçãoInternacionaléassinadopelos8países,masseuobjetivoé,antesdemaisnada,garantira segurançadas fronteirasenco-bertaspelavegetação.Por outro lado, a Amazônia é, em parte, ocu-padaporpopulaçõessupranacionais(certasco-munidadesindígenas),poucoconcernidaspelasfronteiras.Mesmo no interior dos países acima enumera-dos, a ausência de governança dos territóriosamazônicosépatente.NoestadobrasileirodeRoraima,oconflitodeterrasdareservaRaposa–SerradoSoléemble-mático. Ultrapassando a simples problemáticaagrária,elequestionaamanutençãodeum“Es-tadodeDireito”,aintegridadedoecossistema,oestatutodaspopulaçõesindígenas,etc.

População predominantemente urbana, urbanização anárquicaO imaginário popular representa facilmente aAmazôniacomoumdesertoverdeaondevivemalgumas tribos indígenas dispersas. A idéia ébastantefalsa:mesmoseasuadensidadepopu-lacionaléamaisfracadopaís(4hab/km2,apro-

ximadamente), a bacia amazônica é habitadaporcercade21milhõesdepessoas.Dois fatossesobressaem:apopulaçãourbanaéaltamentemajoritária (70% do total, aproximadamente)eapresentaumcrescimentobrutal.Elapratica-mentetriplicouentre1980eoano2000!Consequência: as cidades crescem de maneiraanárquica,gerandoumasériedeproblemasur-banos.

O acirramento da crise ecológica planetáriaAAmazôniaéa reservabiológicamais impor-tantedentreosbiomasterrestres.Aexploraçãobrutaldeseusrecursos(madeira,espéciesvivas,etc)eaderrubadadaflorestaparaaconquistadenovosespaçosameaçamgravementeseuequilí-brio,e,àlongoprazo,suaprópriasobrevivência.Segundoestimativasmaisoumenosconsensu-ais, 17% da superfície da floresta desapareceu,desdeo iníciode sua “conquista”, lançadanosanos70doséculopassado.Outros17%sãocon-siderados degradados. A proteção deste gigan-tescoecossistemafoiidentificadaháváriosanoscomouma“questãomaior”,queultrapassa lar-gamenteasfronteirasdopaís.Oseudesapareci-mentoseriaumacatástrofecomconsequênciasincalculáveis.Mas a ampliação da crise planetária deu umanovadimensãoàsquestõesecológicasamazôni-cas. Com a entrada na era do desregulamentoclimático,amaiorflorestadomundoseencon-tra no centro das especulações: a destruiçãodeste“poçodecarbono”(7)comprometeriaatalpontoaestabilidadedoclima,quecertasvozesdefendemaidéiadecolocá–losobtutelainter-nacional.Acrisepetroleiraaumentaaindamaisapressão:pararesponderàdemandamundialdealterna-tivas energéticas, o Brasil desenvolve a largospassos as culturas de plantas destinadas à pro-dução de agrocombustíveis (cana–de– açúcar,certaspalmeiras,etc).Estanova“fronteiraagrí-cola”,consumidoradeterras,poderiaameaçaraAmazôniaacurtoprazo,apesardasdenegaçõesoficiasconstantes.Etrazemsi,umacontradiçãoevidente:produziragrocombustíveisparasubsti-tuir(umpouco)opetróleoereduzirasemissõesdeCO2,masemdetrimentodaprópriafloresta!

II. “Atores” que escapam dos perfis convencionais

Interrogar–sesobreatipologiadosdiversosele-mentosatuantesquecompõemocontextoama-zônico,nãoéumexercícioconvencional.Primeiro,porqueumafantasiafrequentedescre-ve a Amazônia como um espaço ocupado porbilhõesdeárvoresealgunsíndios.Depois, porque enfoques binários (ver maisabaixo)podem induzirumapercepção simplis-tadas relaçõesde força entre “bons” e “maus”elementos.Este exercíciode “taxionomia” torna–se entãofundamental, por ser político: com quem fala-mos? Faz sentido definirmos “blocos” de “ato-res”, visando constituir alianças? Os parceirospotenciaissãotãocoerentesquantoimaginamosnumaprimeiraabordagem?Enfim, todos os grupos (ou quase) têm uma“visão”ouprojetosprópriosparaaAmazônia.Aestepropósito,agrandevariedadedos“mapasdaAmazônia”revelaenfoquesdistintos:aAmazô-nialegaldaadministração;aqueladosmilitares;oecossistemaamazônico,paraosecologistas;aAmazôniadosterritóriosindígenas;adacompa-nhiapetrolíferanacionalPetrobrás;etc.

A tentação das oposições bináriasHávários séculos,aAmazôniaé fontedeumafortesimbólica,entrefantasiasesimplificações.Daíadeduzirqueelaéoterrenodeafrontamen-tos binários, só há um passo: “pequeno versusgrande”, “índios contra brancos”, “ecologistascontraindustriais”…Entretanto,naAmazôniareal,existemprojetosindustriais viáveis (nãopredadores, respeitososdo meio ambiente), assim como projetos nãomercantisouecológicosquestionáveis(comércio“solidário”exclusivamenteexportador,baseadona monocultura; empreendimentos respeitososdomeioambientemasnãodosaspectossociais).Arealidadeamazônicaébemmaischeiadenu-ancesdoquesepercebegeralmente.

Da coerência dos nossos inimigos …GraçasaseusprojetosnefastosparaaAmazônia,revela–se,demaneirabastanteespontânea,umacoerênciadoladodeseus“inimigos”,quepodem

Foto

: M

igu

el

Ch

ika

ok

a

1�

Page 11: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

20

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

serclassificadosemalgunsgrandesgrupos:osex-ploradoresdosrecursosdabiomassa–madeirei-ros,criadoresdegado,sojeiros,cultivadoresdeplantasparaaproduçãodeagrocombustíveis;osmineiros;osoperadoresenergéticos–barragens,agrocombustíveis, etc; os financistas e órgãosinternacionaisqueimpõemsuavisãodo“desen-volvimento”daAmazônia–oBNDES(8),porexemplo, que financia projetos na região semcritérios sólidos, ou o IIRSA (Iniciativa paraa Integração da Infra–estrutura Regional Sul-Americana),quequerpermitirolivre–trânsitodasmatérias–primasatravésdabaciaamazônica;os“bandidos”,comoelesdevemserchamados,dentre os quais se encontram os grandes labo-ratóriosfarmacêuticos(saqueadoresderecursosdabiodiversidadeedesaberesindígenas),certoseleitos(dentreosquais,governadores),empre-endedores,etc.

… à indefinição das nossas alianças potenciaisMasquantoaumgrupode“atores”positivos...adefiniçãodeseuscontornosapresentacertosproblemas.Podemosreunir,noseiodas“forçasaliadas”:•osíndios,osquilombolas(9);•osseringueiroseostrabalhadoresrurais;•novas organizações camponesas como, por

exemplo,ViaCampesinaouaFetraf(10),vin-das de outros horizontes, mas que possuemumavisãodapolíticaalimentaredasobera-niaalimentarútilparaaAmazônia;

•aComissãoPastoraldaTerra(CPT),oCon-selhoIndigenistaMissionário(Cimi)(11);

•movimentos urbanos e indígenas, surgidosrecentementeemManaus,Belém,Altamira,edesconhecidosaindahádezanosatrás–as-sistimos atualmente ao desenvolvimento de

bairrosindígenasnascidades.•grupos de mulheres, organizadas em

tornodediversascausas;•rádios comunitárias, elos fundamen-

taisnesteimensoespaço;•e numerosas pequenas organizações,

dispersaseisoladas.

Masatodosesses“atores”eredes,faltaarticulação. Além disso, certas vezes, aindução de alianças entre “grupos queconstroem alternativas” face aos “inte-ressescapitalistas”éprecipitada.Nocasodos projetos de infra–estrutura do RioMadeira,porexemplo,existemfricções

entre o Movimento dos Trabalhadores RuraisSemTerra(MST),osurbanosouosribeirinhos.Haveriaumapossibilidadedecolaboraçãocomesses trabalhadores explorados mas “destruido-res”quesãoosempregadosdosmadeireiros,osgarimpeiros,etc?Os interesses econômicos e as práticas políti-caslocaissãotãodeterminantesquemesmoasaliançasclássicasdevemserexaminadascasoacaso.NoAcreounoAmapá,osdefensoresdomeioambienteperderamasúltimaseleições,en-quantoquenoPará,oPartidodoTrabalhadoresgovernaemaliançacomosmadeireiros!

Acrescentemosaos“atorespositivos”,numou-troplano:•algumas(pequenas)mídiasregionais;•o“bloco”dospaísesamazônicos fronteiriços

comumgovernodeesquerda–Bolívia,Equa-dor,Venezuela;

•asorganizaçõesinternacionaismultilaterais;•ospaísesdaOrganizaçãodosEstadosAmeri-

canosqueintervêmespecialmentenasques-tõesligadasaosdireitoshumanosouaoscon-flitosentrepaíses;

•aUniãoEuropéia,noseudiálogocomaAmé-ricaLatina…

A emergência dos povos indígenas …De alguns anos para cá, eles são reconhecidoscomo“atores”,anívelinternacional.Ecomumagrandediversidade.Atualmente,naAmazônia,existemmaisdequinhentasorganizaçõesindíge-nas,comsuascrisesmastambémseusavanços.

… e dos parceiros governamentaisAntigamente,asociedadeciviladotava,faceaosgovernos,umaposturadeconfrontaçãooudedi-álogo.Hojeemdia,osesquemassãomaiscom-plexos.OeixoChávez(presidentedaVenezue-la)–MovimentodosTrabalhadoresRuraissemTerra(MST)–ViaCampesinaéumexemplodenovasestratégiasquesuscitaramparticularmen-teumdebatenoseiodoFórumSocialMundial:podemoschegaraopontodefazeraliançacomosgovernos?Semperderdevistaqueosdiversosprojetosdosgovernosdeesquerdalatinoameri-canos–Morales,Lula,Chávez–estãolongedeseremidênticos.

Qual é a posição dos ambientalistas?Paraqueladoseinclinamosambientalistas?Osmovimentossociaisosconsideramespontanea-mentecomumacertadesconfiança:- os grupos internacionais, geralmentede cul-tura anglo–saxônica, desempenham um papelimportantenoseiodestacategoria–asorgani-zaçõesambientalistaspuramentebrasileirasnãotêmpesosuficiente.Importandoseusobjetivosdeproteçãodanatureza,essesgrupossãofacil-menteacusadosdeneocolonialismo,enãoso-mentepelos fazendeirosreacionários.ÉocasodeGreenpeace,queemergiuespetacularmenteno cenário amazônico esses últimos anos, ob-tendoalgunsresultados.-regularmente,elessãocriticadosporexcluíremasquestõessociaisdesuaspreocupações–“me-nosquandosetratadearrecadarfundos”.Mastambém,pordefenderemposiçõescertasvezesambíguas.Atémesmo,pordesenvolveremcoo-peraçõescontraditóriascomgrandesempresas,negociando avanços no domínio ambiental,

masesquecendoosoutrosaspectosdosproblemas,comofoiocasocomospro-jetosdecertificaçãodasculturasdesoja.Porexemplo,TheNatureConservancy(TNC)éfinanciadaporBunge&Car-gill(12)!“Atenção,naAmazôniaexistemestruturasproduzindodiálogo,massemnenhumaambiçãodemudança…”Entretanto,noBrasil,osambientalistassãomuitomais“amigosdosíndios”doqueemoutrasregiões.- aoposição se cristaliza entreosmovimentossocioambientais (seringueiros, indígenas, etc)quebuscamconciliaros compromissos econô-micos,sociaiseecológicos,eosambientalistas“demercado”quenãorejeitam,àpriori,osme-canismos da economia neoliberal para atingirseusobjetivosdeproteçãodanatureza.-nãoobstante,faceaoaumentodosperigoseàinérciadosdecisores,osentimentodeurgênciacrescenomeio.“Omovimentoecologistaestátomadopelodesespero!”

“Atenção, na Amazônia

existem estruturas

produzindo diálogo, mas

sem nenhuma ambição de

mudança …”

“O movimento ecologista está tomado pelo desespero!”

21

Foto

: O

cta

vio

Ca

rdo

so

Page 12: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

22

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

23

A internacionalização ambíguaElaépositiva,negativa?Arespostanãoésim-ples.Desdeaépocacolonialatéagora,apresen-çade“atores”internacionaisnaAmazôniaagiusobretudoemseudesfavorenosentidodesuadestruição.Mas, recentemente,novos “atores” internacio-nais, oriundos da sociedade civil (ONGs, mo-vimentossociais,científicos,etc)ouatémesmodaesferagovernamental,estãoagindodeforma

a impedir esta tendência. A pressãointernacionalpodeajudaraencontrarsoluções, recursos financeiros, assimcomo pode favorecer a solidariedade(inclusivecomcertasformasdecomér-ciosolidário)esuscitarointeressedasmídias.

“Atores” ausentesAonde estão os partidos políticos, ossindicatos? Ausentes … “Eles não têm projeto para a Amazônia!” Eles não seapropriaramverdadeiramentedaques-tão amazônica como de um objeto

político ou de um terreno de lutas, apesar dasdesigualdadessociaissofridaspelosíndioseporoutraspopulaçõesdesfavorecidas.Eistonãoésurpreendente:as“vanguardasescla-recidas”defenderam,historicamente,ummode-lode“progresso”quefracassounesseespaço.Suaausênciaassinalatambémestacrisecontempo-rânea dos mediadores, em particular, frente àemergênciadenovosmovimentossociais.

Estratégias de ação•primeiramente, consolidar um contra–poder

faceaoblocoultradominantedosdestruidores;•favorecerasaliançasinternacionais,reforçan-

do,aomesmotempo,os“atores”locais;•facilitaraaproximaçãoentreascomunidades

indígenaseosmovimentossociais;•reconheceropapelestratégicodasrádioscomu-

nitáriaslocaisereforçá–las.

III. Rumo a um novo modelo de civilização

“Até então, nós, sobretudo, criamos resistências, cavamos trincheiras . Agora, precisamos construir alternativas” . Éumaconstataçãoumtantoverti-ginosa:ocanteirodeobrasdofuturodaAmazô-niaestápraticamentevirgem.

Nosanos80,asforçasdeesquerdanoBrasilserecusaram a tratar da questão amazônica: era“Nãoàcolonização,simàreformaagrária”.Masaíestá,omodelopredadoréumfracassototaleodesastreecológico,umaverdadeiraameaça.Osgrandesprincípiosbásicoscolocados–prote-çãodoecossistema,restabelecimentodoEstadodeDireito,sustentabilidadedaeconomia,con-troledoprocessodeurbanização–nãobastamparafundarummodelo.Existeumacoexistên-cia possível entre o modelo capitalista e suabasematerialnaAmazônia?“Nos falta, absoluta-mente, audácia!” Nãoprecisamosurgentementereinventararelaçãohomem–natureza?Poisédeumarupturaradical–deumavisãocivilizadora!–queaAmazônianecessita,eelapodeservirdelaboratórioplanetário.

Urgência contra utopia?Autopia é uma resposta à lógicadomercado.Éprecisoteracoragemdepartirdeumacríticaglobal do capitalismo, coma ambiçãode fazeraparecernovos“atores”coletivosqueintegremessadiversidadetãocaracterísticadaAmazônia.Senão,corremosoriscodeperenizarumafrag-mentaçãodasociedadecivilempequenosgru-poscomsoluçõesisoladaseinviáveis.Entretanto, emnomedaurgênciaecológica,opragmatismocorreo riscode imporàutopiaa

ordemdasprioridades,semdebate.Deveremos,dentroembreve,privilegiaralutacontraodes-regulamentoclimáticoapontodeterqueacei-tarasacralizaçãodaflorestaenquantopoçodecarbono?Talvezmaisimportantequeoclima,sejao“ca-lendáriopragmático”delutacontraorecuodafloresta:entre17e34%desua superfície já seperdeu ou degradou, em 40 anos. Há urgênciaemempreenderaçõeseficazesàcurtoprazo,en-tre10e20anos.“É preciso inventar uma alquimia entre a audácia e um pragmatismo doentio …”

Se livrar do “desenvolvimentismo” e dos seus avataresOprodutivismo,basedosistemapredador,estánaorigemdomalamazônico.Atacá–lo,implicaquestionarsuasantigasrepresentaçõeseovoca-bulárioqueaelasserefere:“modelocivilizador”,“desenvolvimento”,etc.No entanto, o “desenvolvimento” evoluiu.Agora,elesechama“desenvolvimentosusten-tável” e todas as empresas lhe consagram umdepartamento.Oconceitopretendereconciliaroprodutivismocomapreservaçãodomeioam-bienteeosinteressesdaspopulaçõeslocais.Maspordetrásdessaetiquetagenerosareinaamaiorindefiniçãoquantoaoconteúdo.Amploguarda-chuva,o“desenvolvimentosustentável”abrigahojeopioreomelhordeumavastafauna.Emseunome,aAmazôniatornou–seumlabo-ratórioda“enganação”ecológica,umterrenode“lavagemverde”(13)para“atores”quedisfarçam,com alguns paramentos ecológicos, atividadesapenasmenosnefastasdoqueantes.Seus métodos vão desde a adoção de algumasmedidaspaliativasatéàobtençãode“certifica-çãosocioambiental”.Essescertificadosouselosdegarantia sãobemmais favoravelmenteaco-lhidos pelas empresas destruidoras, por seremelasquegeralmentecolaboramparasuaelabo-ração,pornãopossuíremqualquercarátercons-trangedore,namaioriadasvezes,nãopassarempornenhumcontroleindependente.

A noção de “bem comum”, em princípio vir-tuosa,tambéméalvodeumamanipulaçãoquedevemosdesmascarar:“bemcomum”querdizer“bemgeridopelapopulação,emnomedahuma-nidade”,enão“bemdetodos”,comopretendemasfirmasfarmacêuticasquesedãoaodireitodeusufruir livrementeda reservadebiodiversida-de, semcontrapartidaepara seuproveitopró-prio–umneocolonialismoverde.

Dentreospioresmanipuladoresdo“ma-rketing verde”, encontram–se os sojei-ros.Mediantealgumasconcessões,elesprocuram dar uma imagem respeitávela essa agroindústria, sem modificar emnada seus fundamentos: umamonocul-tura de exportação, que induz um des-matamento crescente, contamina ossoloseaságuas,agrideascomunidadesindígenas,etc.Menoscínicas,certasempresasevoluem,tentando, por exemplo, regularizar os conflitosrelativosàterra.Outras ainda, no extremo oposto do espectro,chegamaestabelecercontratosdecolaboraçãocomascomunidades indígenas,comoéocasodaempresadecosméticoséticosNatura.

Éprecisodeliberadamentedesmantelarosavata-resdoantigomodelo.Casocontrário,corremosoriscodepromover,maisumavez,ummodeloeconômico exportador para aAmazônia, e, deassistiràsuatransformaçãoemfábricadeagro-combustíveis.“Não podemos mais falar de desen-volvimento sem considerar o meio ambiente como uma questão central”.Eatémesmoaventarapos-sibilidadede“des–desenvolver”,comosugeremospartidáriosda“décroissance”(14),cujasidéiaspoderiam inspirar umanovaorientaçãopara aAmazônia.

A diversidade de alternativas como esboço de um modelo?AAmazôniaéumterritórioameaçadomasnãoarruinado,muitopelocontrário:nelaexistemumagrandevariedadedeexperiênciasalternativas– economia solidária, agroecologia, exploraçãosustentáveldafloresta,vendadeserviçosambien-tais (comoaBolsaFloresta(15)), etc–epráticasviáveis,inclusivenaszonasurbanas.“A Amazônia é um território de soluções”,um vasto laboratório de experiências“biossustentáveis”esociais.-Maselasestãoespalhadas.ÉumaAma-zônia invisível. Como tornar aparenteesteembriãodemodeloalternativo,comovalorizaressasexperiências?Alémdisso,devidoaseupequenocalibre,elasvãoperderojogosenãocontribuírem para a construção de alternativasmaisglobais.- As organizações amazônicas não estão muitoavançadas na construção de plataformas de ini-ciativasalternativas,construçãoquedevesean-corarnestaprofusãodeexperiênciasexistentes.-Imaginar“um”modeloalternativoéumaarma-

“A Amazônia é um dos lugares aonde se exprime com mais força o debate sobre o pós–capitalismo.”

“É preciso inventar uma

alquimia entre a

audácia e um pragmatismo

doentio …”

“A Amazônia é um território de soluções”

Foto

: M

igu

el

Ch

ika

ok

a

Page 13: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

2�

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

dilhaaserevitada:aAmazônia,atravésdeseupo-voamentoedesuahistória,édiversapornature-za.Éprecisoinventarumprojetointegrador,umarededealternativaslocais,articuladaseentrela-çadas,umesquemacomváriasfacetasquesejaoreflexodestamultiplicidade.Éprecisoabordara

integração como um projeto desprovidodeumaperspectivahomogeneizadora.

Lições indígenasA questão étnica está tomando umadimensão particularmente importantenoBrasil,poisospovosindígenasestãodefendendoprojetospara seu futuro (oquenãoaconteceemtodosospaíses).Eelestêmmuitoanosensinar.Inclusive,

eles oferecem serviços ambientais ao mundo edemonstraramsermelhoresgestoresqueosco-lonizadores.

Tudo vem da terraAquestãodaterradesempenhaumpapelcentralnaproblemáticaamazônicaepoderiaestruturarabuscadesoluçõesedenovosmodelos.Aterraestánoâmagodomodelopredador:ex-ploraçãodamadeira,extraçãodeminérios,agri-cultura,etc.Existeumalargagamademeiosile-gaisparaadquirí–la,noBrasil.Agrilagem,porexemplo,éumapraganaAmazônia(16).Masademandadeterratambéméopontoco-mum entre os seringueiros, pequenos produto-res,comunidadesindígenas,etc.Assim, em cada disputa pela terra, encontra-mosfrequentementeumasíntesedosproblemasamazônicos: ausência de governança, práticasilegais, injustiça social, precariedade econôm-ca,destruiçãodomeioambiente.Ora,aAmazôniapossuiumaextensãoconside-

ráveldeterraspúblicas–quaseametadedesuasuperfície!–,sendoessaumadassingularidades notáveis deste território.Emparticular,asterrasdosíndiosedosquilombolas,asreservasnaturais,têmumestatutoqueasconsidera“àmargemdalógicacapitalista”!Oprocessodedemar-caçãodasterrasindígenasatécontribuiufortementeparaaproteçãodafloresta.Emboraconflituosa,estarealidadejurídi-

caconstituiumtrunforealsobreoqualseapoiarpara elaborar perspectivas alternativas. Essasperspectivaspoderiamsearticularemtornodoprojetodeum“paísdeterritórios”–construídoapartirdosrecursosqueessesterritóriosoferecem(água,energia,agricultura,organizaçãointerna...),equefuncionariacomoumlocaldedeter-

minaçãodaestratégiados “atores”, aqual,porsuavez,sebasearianahistóriaenaculturadasrespectivaspopulações.“Inversamente, o capitalismo não tem território . Quando não tem mais nada para pilhar, ele vai exercer sua depredação em outro lugar, se deslocan-do com uma grande velocidade” . Dessaforma,ocritérioterritorialpodeconstituirumabasedediscussãocomos“atores”locaisparafomentarumprojetoinovador,quedeveráseba-sear em formas mais “inclusivas” do que a sim-plesdemarcaçãodereservas,levandoemcontaaexistênciadeummosaicodepráticas,paisagenseusosdiferenciados.Oucomoconjugaraexplora-çãosensatadosrecursos,apreservaçãodabiodi-versidade(criaçãodecorredoresecológicos,porexemplo),asnecessidadesdasviasdecomunica-ção,etc.,comumagestãodoterritório,eventual-mente,sobformadepropriedadecoletiva.

Da autarquia à internacionalização (passando pelo Brasil ...)Autarquia? Ninguém mais argumenta que essavariante do fechamento sobre si possa ser umasoluçãoparaaAmazônia.Primeiro,porqueades-conexãocomorestodopaísjáfavoreceudiversastaras–degradaçõesbrutais,terrasemlei,violên-cias...Depois,porqueanaturezaeaamplitudedasquestõesemjogonaAmazôniademandamrefle-xões, soluções e engajamentos que ultrapassamseuslimitesgeográficos.

É portanto legítimo considerá–la como umaquestão“internacional”.Mascomoabordarestaquestão?-Osinstrumentosdadiplomaciaconvencional,pilotadospelospaíses,mostraramseuslimites:éprecisoimaginareestabeleceroquadroinstitu-cionaladequadoparatratardadimensãointer-nacional deste espaço único. Esta necessidadebatede frentecomas sensibilidadesnacionais.AresistênciaàmudançaémuitoforteenenhumdospaísesdabaciateminteresseemabandonarumapartedasuasoberaniasobreaAmazônia.-QueposiçãoocupariaoBrasil,especialmentesensívelquantoàsuasoberania?Opaís,quepos-suicercade60%dasuperfícieamazônicaeumaproporção ainda maior de seus recursos, é um“ator”incontornável,eatémesmohegemônico.O presidente Lula, em particular, é irredutívelsobreoassunto:“AAmazôniaébrasileira”(veranexo2).Detodaforma,opaísteráumarespon-sabilidade central na gestão deste patrimôniomundial.Emquepéestáaambiçãobrasileirade

desempenharumpapelde“atorplanetário”–noConselho de Segurança, na cena diplomática,naOrganizaçãoMundialdoComércio?-Éprecisopoisdesenvolverintensamenteaarti-culaçãoentreo“local”eo“global”.Quegraudeinterdependênciaestabelecerentreosdois?Atéondeforçarumaintegraçãoregional?-Adimensãointernacionalamazônicasereduzaoaspecto“climático”?Searespostaé“sim”,aAmazôniacorreoriscodesercondenadaàfun-çãodepoçodecarbonoplanetário.

A governança e a democraciaAfrequênciadassituaçõesdeilegalidadeeim-punidadequasetotalfrenteàsinfraçõesecrimescometidosétãoconstitutivadocontextoama-zônico que ela implica novas maneiras de tra-balhar.Aausênciadegovernança temumpeso indis-cutível,reconhecidodemaneiraconsensualpordiferentes grupos de elementos. “Sua conquista

deveria ser a base de uma agenda comum a todos os “atores” progressistas .”Damesmaforma,ademocracia,talcomoelaépraticadahojeemdia,estásendoquestionada.Existeumademandamuitoforte de participação na construção deseudestino,porpartedaspopulações.Adefesadademocraciacomoestratégia...“a caravana faz parte do processo .”

Desmatamento zero?“Aflorestavalemaisempédoquederru-bada”,éumdosprincipaisslogansdosecologis-tasparaaAmazônia.Oquefazercomapropo-siçãode“desmatamentozero”,ponta–de–lançadeumaorganizaçãocomoGreenpeace?Umarespostapuramenteambientalistaàques-tãoamazônica–prioridadeàproteçãodaflorestaapontodesacralizá–lae,atémesmo,colocá–lasobtutelainternacional(comoreclamamcertosgruposambientalistasnorteamericanos)–mar-ginaliza qualquer projeto social. As dissensões

“Nós repetimos constantemente que eles têm as

soluções! E o que fazemos disso?”

“Sua conquista deveria ser a base de uma agenda comum a todos os “atores” progressistas.”

“A Amazônia não é só o problema dos

amazonenses.”

2�

Foto

: Ja

nd

ua

ri S

imo

es

Page 14: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ? D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

2�

O que fazer com as cidades?A questão urbana pode parecer intrusa nestedebate,umcoroláriodadegradaçãoamazônica.Maséimpossívelmarginalizá–la,poisamaioriadapopulaçãoda regiãovivenasaglomerações.Épreciso evitar a dicotomiafloresta–cidades etrabalharainclusãodaquestãourbananapro-blemáticaamazônica.Umavezexcluídooextremismodasacralizaçãodabacia,seriamelhorcriar“indústrias”susten-táveisnasáreasurbanasjádegradadas,ouoptar,aquitambém,porumaruptura,afimdeprivile-giaradiversificaçãodealternativaseconomica-mentesustentáveis?

Uma conscientização insuficienteQualéograudeconsciênciapolítica,noBrasilenomundo,sobreaimportânciaeacomplexi-dadedasquestõesqueestãoemjogonodebatesobre aAmazônia?Ele é extremamentebaixo.“No Fórum Social Mundial de Belém (17), no qual a Amazônia deveria se impor como tema central, será absolutamente necessário explicar aos participantes que não se trata de árvores e barcos!”

É preciso elaborar um discurso e argu-mentosquevisemasmídiaseaopiniãopública(aurbana,emparticular),e,es-pecialmente, esclarecer mitos e idéiasfalsas: por exemplo, quem é que sabeque 70% da madeira explorada ilegal-mentenaAmazôniaéconsumida...noBrasil(18)?Tambémháumenormetrabalhodesen-sibilização a ser feito na própria Ama-zônia. “Quando os jovens falam de sua região, nem sempre eles têm consciência de que fazem parte dela!”Énecessáriocriarlocalmenteespaçosdediálogocomoex-terior.

É pois fundamental preocupar–se com a infor-mação do público e com a maior divulgaçãopossíveldoselementosdodebate.Algumasdi-retrizes:-lançarumacampanhade“visualização”domo-delopredadordaAmazônia;- elaborar uma “pedagogia” da complexidadeamazônica.

que explodem por ocasião dos novosprojetos amazônicos traduzem, muitasvezes,oconflitoentreanecessidadedemelhorarascondiçõesdevida,acurtoprazo, e os estragos causados, a longoprazo. O que responder às populaçõeslocais que reclamam “desenvolvimen-to”eempregoimediatos?Inversamente,umarespostaquepriorizeexcessivamenteoscritériossociais–em-pregos,produção–prometeumviolentoretrocessonamedidaemqueacriseeco-

lógicaimpuserseusprazos.Éprecisonãoseperder,escamoteando a verdadeira questão ambiental;todatolerânciateriaconsequênciasdramáticas.

“2008, são vinte anos após a adoção da nova Cons-tituição brasileira e o assassinato de Chico Men-des .” AConstituiçãobrasileirade1988afirma,pelaprimeiravez,que“todostêmdireitoaummeioambienteecologicamenteequilibrado”,e,forneceaolegisladorinstrumentosimportantespara apreservaçãodos espaços.Esta constitui-ção também reconhece os “direitos coletivos”dospovosindígenassobreasterrasqueelesocu-pamhistoricamente.Quanto à atuação de Chico Mendes, ela mar-caonascimentodoconceitode“socioambien-talismo” no Brasil. Duas décadas depois, estaabordagem é cada vez mais questionada pelosambientalistaspuristas.Éprecisoatualizarode-bateentreosdoispólos.“É imperativo avançar no sentido de ultrapassar essa tensão!”A idéia do “desmatamento zero” é uma pista?Elamereceserexaminada,porsetratardeumaalternativanova,quepoderiapotencializarou-tras. A priori, não se trata de uma proposiçãoantissocial.Elapodesercoerentecomasneces-sidadesdaspopulações,desdequesejaatribuídoumverdadeiropapeleconômicoà“florestaempé”.“As condições são suficientemente inovadoras para justificar a integração de conceitos ecológicos radicais na busca de soluções .”Algumaspistas:- desenvolver a idéia de uma plataforma: ocu-par–se,aomesmotempo,dasrespostasàurgên-cia ecológica e das necessidades sociais, como objetivo de estabelecer uma governança naAmazônia.“Lancemos as bases de um bloco socio-ambiental que lute contra o desespero .”- defendero “desmatamento zero”para as áre-asaindaintactas,eaelaboraçãodeummodeloeconômicoalternativoparaaspopulaçõesquejávivemaolongodoseixosdevastados.- aumentar, imperativamente, a qualidade e acredibilidadedosselosdecertificaçãosocioam-biental(Quetiposdeprojetoselecionar?Quemcertifica?Segundoquaiscritérios?),quesãoumaformadeestabilizarosprojetosnaregião.

“É imperativo avançar no sentido

de ultrapassar essa tensão!”

“As condições são suficientemente inovadoras para justificar a integração de conceitos ecológicos radicais na busca de soluções.”

“ Será absolutamente necessário explicar aos participantes que não se trata de árvores e barcos!”

2�

NOTAS

(1)Comalgumaspoucasexceções,explicitamentecitadas,aAma-zôniadequesetrataaquiéaAmazôniabrasileira.Orecursoaeste“abuso”delinguagemfazpartedodebate,comoveremosemsegui-da.

(2)Aprocuradacanela,abuscadoEldorado,aexploraçãodama-deira,daseringueira,etc.

(3)EspecialmentenocasodoComplexoMadeira,sobreoRioMa-deira,principalafluentedoRioAmazonas.

(4)Comoéocaso,noProjetoDistritoFlorestaldoCarajás.

(5)OndaquesobeadesembocaduradoAmazonasquandofortesma-résencontramaságuasdorio(macaréu).

(6)Trata–sedeumaáreadecercade1,7milhõesdehectares,fron-teiriçacomaVenezuelaeaGuiana,devidamentehomologadacomoterritórioindígena,e,porconseguinte,legalmentereservadaaousu-frutoexclusivodoscincopovosquenelavivemdesde“sempre”ecujapopulaçãototalizaatualmentecercade20.000pessoas.Entretanto,Raposa–SerradoSolestáocupadaporarrozeirosqueserecusama

partir, apesarde teremdireitoa receberumaboa indenizaçãoparaisto. Daí decorrem violências, intervenções militares e, sobretudo,umprocessojudicialquepretendecontestaraatribuição“detantasterrasaalgunsindígenas”,argumentorecorrentedos“barõesdaterra”para desmantelar uma das disposições mais originais da Constitui-çãobrasileirade1988quedesencadeiaoprocessodehomologaçãocomoterritórioindígena(mesmosesãonecessáriosváriosanosparaseatingiroobjetivo).AnularahomologaçãodeRaposa–SerradoSolpoderiaocasionarumajurisprudênciadesastrosaparaascomuni-dadesindígenas.

(7) Chamamos assim os mecanismos do ecossistema (crescimen-todasflorestas,absorçãopelosoceanos,etc)capazesdefixarogáscarbônico(CO2),principalgásdeefeitoestufaacontribuirparaoaquecimentoglobal.

(8)BancoNacionaldeDesenvolvimentoEconômicoeSocial.Essebancopúblicofederal,cujavocaçãoéfinanciargrandesprojetosdeinfraestrutura,dispõesderecursosimportantes.

(9)AConstituiçãobrasileirade1988lhesatribuidireitossobreasterrasdosquilombos,damesmaformaqueàspopulaçõesindígenas,sobreasterrasqueelasocupamdesde“sempre”.

Foto: Pierre Pouliquin

Page 15: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

2� 2�

(10)AViaCampesinaéaprincipalcoordenaçãointernacionaldemovimentoscamponeseserurais;aFetraf(FederaçãodosTrabalha-doresnaAgriculturaFamiliar)éummovimentoativosobretudonosuldoBrasil,ecujainfluênciaécrescentefaceàagroindústria.

(11)ACPT(ComissãoPastoraldaTerra)éum“ator”históricocen-tralnadefesadosdireitosdos trabalhadores rurais.ÉumórgãodaConferênciaNacionaldosBisposdoBrasil(CNBB),aqualtambémestáligadooCIMI(ConselhoIndigenistaMissionário),quelutapelaautonomiadosíndiosepeladefiniçãodeprojetosalternativosparaeles.

(12)ATNCéumadasmaisimportantesassociaçõesnorteamerica-nasdeproteçãodanatureza;BungeeCargillsãoduasdasprincipaismultinacionaisestadunidensesquecontrolamosnegóciosdasojanoBrasil.

(13)“greenwashing”eminglês.

(14) Movimento de contestação do crescimento econômico, estedogmafundamentaldosistemaneoliberalbemcomodasteoriasdodesenvolvimento,identificadocomoumadascausasmaisimportan-tesdacriseecológicaesocialplanetária.Inspiradaspelasreflexõesdeeconomistasacercadeum“crescimentozero”nosanos70,asidéiasda“décroissance”ressurgiramnoiníciodoano2000sobaformadeummovimento social comdimensãopolítica,naFrançae, em se-guida,naEuropa(“decrescita”,emitaliano,“degrowth”,eminglês).Sitesparaconsulta:www.decroissance.org;www.decrescita.it;www.degrowth.net.

(15)A“BolsaFloresta”éumainiciativaoriginaldoestadodoAma-zonas: ela é a venda, no mercado internacional, da compensação

voluntária das emissões de CO2 (de “créditos carbono”), geradapelasaçõesdepreservaçãodafloresta.Ogovernodoestadoestimaqueépossívelcriarumfundodecercadeumbilhãodedólaresemcincoanos.Esses“créditos”virãodecompromissos(verificados)denão–desflorestamento,assumidosporfamíliasderibeirinhos,asquaisreceberãoemtrocaumabolsamensalde50reais(aproximadamente30dólares,amesmaquantiadaBolsaFamília,instauradapelopre-sidenteLulaparalutarcontraafome).Umaoutrapartedosfundosseráinvestidaemmedidasestruturaisvisandoreorientarasatividadeseconômicasparaqueelassejammaisrespeitosasdomeioambiente.

(16)Agrilageméumapráticaqueconsisteemfalsificardocumentosparaseapropriarilegalmentedaterra(documentosfalsos,assinatu-rasfalsas,pressãosobreospequenoscamponeses,cumplicidadedoscadastros,etc).UmrelatóriodeGreenpeace,em2005,assustáva–se,inclusive,comummercadoextremamenterentávelnainternet(vá-riascentenasdemilhõesdeeurosdetransaçõespotenciais), impli-cando,nosestadosamazônicos,parcelasquechegavamaatingir2,3milhõesdehectares!Numerosasofertasassinalavamqueaproprieda-de“nãodispunha”dedocumentosdevidamenteregistradosnocadas-tro...Umexemplo,entreoutros:umanúnciopropunhaavendade900.000hectaresnomunicípiodeCanutama(estadodoAmazonas),ou seja,oequivalentea30%do seu território,enquantoque97%dessemunicípioépropriedade...dogovernofederalbrasileiro!

(17)Queserealizarádo27dejaneiroao1°defevereirode2009.

(18)Umapeloaoboicoteàmadeirailegal,àcarnebovinaeàsoja,oriundosdas terras desmatadasnaAmazônia, está emcurso atual-mentenoBrasil.

QuantasAmazôniasdiferentesexistem,depen-dendodospontosdevistaedosdiversosinteres-sesemjogo?Asabordagenssãomuitoformata-daspelavisãodos“atores”interessados.Consequência: os números referentes à “Ama-zônia”podemvariarde formaespetacular,poisnemsempreficaclarodequeAmazôniaseestáfalando.Oecossistemaamazônico,porexemplo,nãoexiste,administrativamentefalando:qualéasuapopulação?Destaforma,édifícildefinirarealidadedemo-gráficadesse espaço, comoveremos a seguir.Eistotemconsequênciaspolíticas.Alémdomais,por razõesorçamentárias,o InstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatísticas(IBGE)temohábitodesimplificarorecenseamentodapopulaçãoru-ralamazônicaedeprocederporavaliações.

A Amazônia legalDesde 1953, o governo brasileiro definiu, parafins estratégicos e de planificação, uma “Ama-zônia legal”, perímetro que inclui os seguintesestados:Acre,Amapá,Amazonas,MatoGrosso,Pará,Rondônia,Roraima,Tocantins,bemcomoumapartedoMaranhãoecincomunicipalida-desdeGoiás.Comcercade5,2milhõesdeKm2,essa área cobre 59% do território nacional etem,aproximadamente,21milhõesdehabitan-tes.Nelaseinseremprojetosdeinfraestruturaedesenvolvimento.

A região NorteAscinco“regiões”doBrasilsãodivisõesadmi-nistrativasqueagrupamváriosestadosequecor-respondemaproximativamenteàsregiões“natu-rais”dopaís,servindodebaseparaasestatísticasdo IBGE.Desta forma,a “regiãoNorte”(n°(3)no mapa) – Acre, Amapá, Amazonas, Pará,Rondônia, Roraima e Tocantins, 3.851.560Km2,45,2%doterritórionacional,cercade14,6milhõesdehabitantes–correspondeaproxima-damente à parte brasileira da bacia amazônica(quecobre49,3%dopaís).

O ecossistema amazônicoEnquanto espaço biogeográfico, a Amazônia éumaimensabaciasedimentarcaracterizadaporsuacoberturaflorestal(delimitadaemvermelhonomapa)eumclimatropicoequatorial.Super-fície:osnúmerosvariamde6,3a7,5milhõesdekm2(segundoseconsidereabaciahidrográfica,osecossistemas,acoberturaflorestalinicial...),dosquais,entre60e65%seencontramemter-ritóriobrasileiro.Beneficiandodetemperaturasmédiasanuaissi-tuadasentre24°e26°Cedeumapluviometriaqueatinge3.000mmporano,estabaciadrena20% das águas doces de superfície do planeta,e seus ecossistemas (obiomaamazôniconãoéuniforme)constituemamaisimportantereservadebiodiversidadeterrestredoglobo.Cercade17%dasuperfícieflorestaljádesapare-ceuem40anos,eoutros17%sãoconsideradosmuitodegradados.

ANEXO 1

De que Amazônia estamos falando?

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

Foto: Janduari Simões

Os limites da Amazônia geográfica

Fonte: NASA, WWF, Pfly.

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

Page 16: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

30

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

31

Noano2000,CristovamBuarquecontouumapiadaqueficoufamosa.Duranteumdebateor-ganizado numa universidade norte–americana,ofuturoministrodaeducaçãobrasileiro,entãomilitante da ala mais radical do Partido dosTrabalhadores(PT,partidodopresidenteLula)é interpeladoporumestudante:quepensaeledaidéia(particularmentesustentadaporgruposambientalistas norteamericanos) de se colocaraAmazôniasobtutelainternacional,emnomedo interesse que este bioma apresenta para ahumanidade,edasquestõesplanetáriasqueeleengloba–enormereservadebiodiversidade,derecursosflorestais,póloderegulaçãoclimática,etc.Eugostariadeterarespostadohumanista,enãodobrasileiro,precisaseuinterlocutor.AlongarespostadeCristovamBuarque,arrasa-dora,deuavoltadomundoweb,edeleitouseuscompatriotas, bem como ambientalistas quecombatemoimperialismotantoquantoadegra-daçãodafloresta(1).Emsuma,convémopolítico,porquenão“internacionalizar”aAmazônia,queoBrasilmalconsegueimpedirdevirarfumaça?

Masentão,quepassemigualmentesobtutelain-ternacional,paraescapardainconseqüênciadeentidades locais irresponsáveisou simplesmen-teparacolocá–losàdisposiçãodahumanidade,todoumgrupode“benscomuns”mundiais:asreservas de petróleo, o capital financeiro e osarsenaisnuclearesdospaisesricos–cujopoderdedestruiçãodospovosultrapassaemmuitoodosexploradoresdafloresta–todososgrandesmuseusdomundo,queabrigamriquezas incal-culáveis produzidas pelo gênio humano, e atémesmo as crianças, que são um patrimônio dahumanidade.Eparaconcluir,definitivo,Cristo-vamdeclara:”Comohumanista,aceitodefenderainternacionalizaçãodomundo.Mas,enquantoomundometratarcomobrasileiro,lutareiparaqueaAmazôniasejanossa.Sónossa.”

(1) Essa resposta foi publicada no jornal O Globo de10/10/2000 e pode ser consultada no site www.cristovam.org.br

ANEXO 2

Uma Amazônia internacional?

ANEXO 3

A Amazônia nos convoca a renovar nosso compromisso para um outro mundo possível

FASE – Federação de Órgãos para AssistênciaSocialeEducacionaloutubro2007

OFórumSocialMundial é “umespaçoabertodeencontroparaoaprofundamentodareflexão,odebatedemocráticodeidéias,aformulaçãodepropostas,atrocalivredeexperiênciaseaarti-culaçãoparaaçõeseficazes,deentidadesemovi-mentosdasociedadecivilqueseopõemaoneo-liberalismoeaodomíniodomundopelocapitale por qualquer forma de imperialismo, e estãoempenhadas na construção de uma sociedadeplanetáriaorientadaaumarelaçãofecundaen-treossereshumanosedestescomaTerra”.(1)

A escolha da Amazônia para a realização em2009doFSMtemtudoparafazerjusàCartadePrincípios do Fórum. Por ter uma presença demaisde40anosnaAmazôniabrasileira,aFase– Solidariedade e Educação – tem certeza queoFSMseráenriquecedorparaoshabitantesdaAmazôniaeparatodososquecompartilhamdabuscaporprojetosparaopresenteeofuturodaregião.Mastambém,elaestáconvencidadequetodos/asos/asparticipantesdoprocessoquele-varáaoFSM2009edopróprioEncontrosairãodeBelémcomumacompreensãorenovadadasalternativas necessárias para o mundo e commaior fortalezana sua construção,pois acredi-tamosqueaAmazôniatemalgoadizerparaomundoeparaoFSM.

·AlutaporumaAmazôniasustentável,solidáriaedemocráticacontajácomasforçasdeumcon-juntoamplodemovimentossociais,associações,cooperativas eorganizaçõesda sociedadecivil.Mencionamos,nocasodoBrasil, aCoordena-

ção das Organizações Indígenas da AmazôniaBrasileira(COIAB),oGrupodeTrabalhoAma-zônico(GTA),oConselhoNacionaldosSerin-gueiros(CNS),asFederaçõesdeTrabalhadorese Trabalhadoras na Agricultura (FETAG’s), asFederações de Trabalhadores e Trabalhadorasna Agricultura Familiar (FETRAF’s), o Movi-mentoNacionaldosPescadores(MONAPE),aViaCampesina(comoMST,aCPTeoutros),o Movimento Interestadual das QuebradeirasdeCocoBabaçu,osmovimentospopularesur-banos,demulheres,dequilombolas,asONG’s,pastorais sociais etc.Aquase totalidadedessasorganizações e movimentos sociais está arti-culada em redes e fóruns, como a ArticulaçãoNacional de Agroecologia (ANAAmazônia),oFórumdaAmazôniaOriental(FAOR),oFó-rumdaAmazôniaOcidental(FAOC),oFórumMato–grossense de Meio Ambiente e Desen-volvimento–FORMAD,oFórumdeMulheresdaAmazôniaParaense (FMAP),oFórumNa-cionaldeReformaUrbana(FNRU),osFórunsEstaduaisdeEconomiaSolidária,aAssociaçãoBrasileiradeOrganizaçõesNãoGovernamentais(ABONG–Amazônia). Todas essas forças, aomesmotempoemquemostramagrandediversi-dade,apluralidadeeavitalidadeorganizativas,sabem dialogar, procuram se unir e constroemalternativasdefuturocomjustiçasocioambien-tal,quecontemplemtantoasaspiraçõesdecadasetorquantoreforcemumavisãoeumdestinocomuns.

·Essamultiplicidadedeorganizaçõesrefleteumapopulaçãoeumterritóriomuitodiversificados.Áreas de conservação integral, florestas nacio-nais, áreas de uso sustentável, reservas extra-tivistas florestais e marinhas, terras indígenas,

Fonte: Ibama, Funai, Embrapa

O avanço da fronteira agrícola na Amazônia As principais áreas protegidas na Amazônia

Fonte: IBGE

Page 17: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

32

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

33

assentamentos, áreas de colonização, terras dequilombos,áreasflorestaisdegestãosustentável,inúmerasáreasdeposseantigaporribeirinhoseagroextrativistas,possesdepequenosprodutoresmigrantes das últimas décadas; lagos, igarapés,rioseparanásmanejadospelosribeirinhos;regi-õesmetropolitanas,pequenasemédiascidades,aglomeraçõesurbanasnascidasaoredordegran-desempreendimentos,cidadesgarimpeiras,cida-des ribeirinhas, agrovilas. A população amazô-nica,mulheres,homensejovens,emparticularospovos indígenaseaspopulaçõestradicionais(quilombolas,ribeirinhosepescadorestradicio-nais, seringueiros, coletores de castanha e deessênciasflorestais,quebradeirasdecocobabaçuetc.),representaumariquezaculturalenormeeum patrimônio incalculável para o Brasil. Nãodevem servistos como sobrevivênciadopassa-do,poisseadaptamcontinuamentee,lhessendopropiciadas condições para tal, são totalmentehabilitados a serem artífices centrais da cons-truçãodeumprojetoamazônico.Tampoucopo-demservistossemasuaconexãocomascidadesamazônicas.Aproximidadeeasensibilidadedamaiorpartedos(as)habitantesdascidadesama-zônicascomoseuentornoaindaégrande.

· Frente ao acelerado desaparecimento da bio-diversidadeeàcriseclimáticaquejácomeçaaprovocar situações de injustiça climáticas queafetamprincipalmenteosmaispobres,aAma-zôniaaparececomoumadasúltimasregiõesdoplaneta ainda relativamente preservadas, pre-ciosatantoparaamanutençãodabiodiversida-dequantopelopapelqueela tem,positivo, seafloresta forconservada,enegativo, seela fordestruídaequeimada,noregimedechuvacon-tinentalenoclimacontinentalemundial.Nes-tesentido,eladevesercompreendidacomoalgoindispensávelàvidadahumanidadee,portanto,suapreservação,bemcomoagarantiadaquali-dadedevidadesuaspopulações,seconstituemnumdesafionãosomenteaos/àsbrasileiros(as),mastambémaoconjuntodospovosdoplaneta.

·EmtornododestinodaAmazôniasetravaumadasbatalhasmaisimportantesentreospaísesri-coseospaísesdosul,numaguerraemquesede-cidiráoônusquerecairásobrecadapaís,naine-vitável alocação dos custos da crise ambientaledasmudançascatastróficasdoclimamundial.OsEstadosmaispoderosos,quetêmpadrõesdeproduçãoedeconsumoinsustentáveis,dispondodeenormesrecursosfinanceiros,tecnológicosemilitares, em nome do bem comum, não abri-rãomãodapretensãodecontrolaraAmazônia.

Tentamreproduzir,àcustadosnossospaíses,osatuaispadrõesinsustentáveisdeexistênciaeaspráticas de quinhentos anos de expropriaçãodasriquezaserecursosenergéticosdospaísesdaAméricadoSul.

· No entanto, tanto os países que compõem abaciaamazônicaquantoseuspovosindígenas,assuas populações tradicionais e todos os que vi-vemnaregiãohádécadas,centenasoumilharesde anos, recusam qualquer ingerência externasobre a Amazônia. A resistência dos povos in-dígenasepopulações tradicionaisé fundadanasuaconvicçãodequesãoelesquecuidamdaflo-restaedasuabiodiversidadeatéhojeeque,semeles,ouelessendoexcluídosemarginalizados,afloresta,oscerradoseaságuasdesaparecerãoouserãoempobrecidos.Elesestãonosdizendoquepovose formasdevidaqueeramconsiderados,naóticadochamadodesenvolvimentismo,comoatrasadosoumerostestemunhosdopassado,têmalgoadizersobrenossofuturo.Elesquestionamosentidodessedesenvolvimento,oqueériquezae o que é pobreza. Por sua grande diversidade,pelasmúltiplasformasdemanejodosseusrecur-sosnaturaiseasformasdiversascomoentendemoseufuturo,pelamultiplicidadeeacriatividadedas alternativas que estão elaborando e já ex-perimentando,elesnosdizemqueo futuronãoestánumúnicodesenvolvimento,falido,masemmúltiplasformasdevidaedesociedade.

·Emnomedodesenvolvimento,doprogressoedoemprego,abaciaamazônicaestásendoabertaàsanhadadestruição.Estradas,polidutos,linhasdetransmissãodeenergiaelétricajáatravessamaregiãoouestãosendoprojetadosparalevarasriquezasdosnossosterritóriosparaosmercadosmundiais.Acelera–seaconstruçãodebarragenshidroelétricas,aexploraçãodopetróleoedogás,dos minerais, da madeira, de outros produtosflorestaisedaságuas;apecuária,asculturasdasojaedematéria–primaparaagrocombustíveis,(alémdasoja,canadeaçúcar,palmaeeucalipto);agroindústrias,siderurgiaseusinasdealumínio.Busca–se impor a idéiadeque aminoriadevesesacrificarparaoprogressogeral,equeomeioambiente não pode barrar o desenvolvimento.Mais: os que destroem conjuntamente o meioambiente,abiodiversidadeeasociodiversidade,acabandocompovosepopulaçõeslocais,noafãdeconservarseusmercados,searrogamotítulodecampeõesdodesenvolvimentosustentável,apartirdeumamassivapropagandapublicitária.AAmazônianosconvidaadesmascararaideo-logiadodesenvolvimento.

· A bacia amazônica está sendo invadida porumprogramapostoemobrapelosgovernosdaregiãoebancosmultilateraischamadoIniciati-va pela Integração sul–americana – IIRSA. AAmazôniaévistaporesseprogramatantocomoobstáculo a ultrapassar para levar produtos ematérias–primas à Ásia, à América do Nortee à Europa pelo Pacífico, pelo Caribe ou peloAtlântico, quanto como depositária e produ-tora,elamesma,dematérias–primasedecom-modities .E,juntocomelas,exportam–senossossolos,nossasflorestas,nossaságuas,osofrimentoeosanguedosnossospovosepopulações.Os/Asamazônidas tambémqueremenergia,hidroviase estradas. Também querem ter acesso a bensmateriais queos insiramnomundodehoje, equeremquetodosospovosaoredordomundotenhamomesmodireito.Sabemquepara issoprecisa–sedeminériosedeindústrias.Masques-tionamqueassuasriquezasestejamindoemborapara o enriquecimento de uma minoria e paraaperpetuaçãodeummodelodeproduçãoedeconsumoinsano.

· Os sujeitos econômicos presentes, direta ouindiretamente,naregião,nosmostramqueoca-pital internacional anda freqüentemente man-comunado com pessoas e setores econômicosnacionaisquemantêmentrenósamentalidadede aventureiros conquistadores e de senhoresdeescravos.Debaixodaflorestaenassuasáre-as degradadas e desmatadas, grassa a violência–rouboegrilagemdasterras,expulsões,discri-minação e racismo, cerceamento da liberdade,escravidão, assassinatos, etnocídios... violên-cia que vitima pessoas, comunidades e povos.Como não perceber que, por baixo do ideáriododesenvolvimentoqueacivilizaçãoindustrialnospromete,continuaemcursoomesmoem-

preendimentodedominaçãoclassistaecolonialmulti–centenário?Anossavivênciaamazônicanosensinaqueavançaremosnocaminhodapaz,dorespeitoaosDireitosHumanosedaigualdadesomentequandopudermosconstruirnasnossassociedades um outro projeto de futuro do quehojechamamdedesenvolvimento.

AAmazôniaédepositáriaderecursosbiológicose genéticos ainda largamente desconhecidos,mas,semdúvida,preciososparaahumanidade;e seus povos são detentores de seculares e mi-lenares conhecimentos sobre essa vida. Essesrecursos e conhecimentos atraem a cobiça dasgrandescorporaçõesqueencabeçamabuscaim-placávelpelaprivatizaçãodavidaedosconhe-cimentos.Ospovosindígenase,depoisdeles,apopulaçãoenraizadanaregiãonosensinamqueavidaéumadádivaequesomospartedavidadaMãeTerra.Aapropriaçãoprivadadavidaéinconcebível, pois ela é feita para ser compar-tilhada.AAmazônianosconvidaarecusarfir-mementealógicadomercado,dascorporaçõestransnacionais e das instâncias internacionaisoficiaisa seuserviçoeacolocarnocentrodassuaspreocupaçõesareconstruçãodoplaneta,dahumanidade e de novos paradigmas libertárioscomoasolidariedade,aigualdade,oreconheci-mentodadiversidade,o respeitoàsdiferenças,a responsabilidade, o cuidado.AFase acreditaquea realizaçãodoFSM2009naAmazôniaéuma oportunidade histórica para a renovaçãodasdisputas,visõeseprojetosdefuturoentreosqueacreditamqueoutromundoépossível,equeesteoutromundoencontranosconflitosenasperspectivasexistentesnaAmazôniaatraduçãoesíntesedenossosgrandesdesafios

1CartadePrincípiosdoFSM,2001

Page 18: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

3�

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

3�

Q uando,nofinalde2007,nóslançamos,com Gustavo Marin, o projeto de umFórum para uma nova Governança

Mundial, ficou estabelecido desde a nossa pri-meirareuniãoemCoubron,pertodeParis,quetalprojetosópoderiaseatribuirlegitimidadesefossemosbrigarno terrenodosproblemascon-cretos,quedolocalaoglobal,segundoaexpres-são consagrada, são a fábrica da “governançamundial”.Emmeioàdezenade regiões–chaveque tínhamos identificado, o Brasil aparecia

evidentementenoaltoda listagraçasnãosóàsua importância,aoseudinamismoeàsuaca-pacidadede repensaraorganizaçãosocial,mastambémpelofatodeleconteramaiorpartedaAmazônia.Alémdisso,foinoBrasilquenasceuo Fórum Social Mundial (FSM). Era portantomais do que lógico que nosso périplo planetá-riocomeçasseaqui,comnossosamigosdoIba-se, agente principal do FMS. O seminário in-titulado“DequeAmazôniaomundoprecisa?”devia ser, inicialmente,orientado sobreoBra-

A Amazônia e a governança mundialArnaudBl in

sil(tendocomotítulo“DequeBrasilomundoprecisa?”).Rapidamente,ficouclaroqueotemadaAmazôniaapresentava,aindamaisqueoBra-sil, um atrativo particular para o nosso debatesobreagovernançamundial.Foientãoemtor-nodeste temaquedurantedoisdias, emmaiode2008,nósnosreunimoscomoIbaseeumatrintena de representantes da sociedade civil,particularmenteinteressadospelaproblemáticaamazônica.CândidoGrzybowski ePatrickPironos forne-ceram,emseustextosrespectivos,umaanálisenotáveldostemasabordadosedosdebatesqueanimaram este seminário. Eu não pretendereipoisaquiacrescentaroquequerquesejaaumaproblemática que eles dominam infinitamentemelhordoqueeu.Entretanto,comoessesemi-náriotambémfazpartedeumprojetomaisam-plo,éimportantedeterminaraspontesquepo-deriamligaroBrasileaAmazôniaàgovernançamundial.Talseráoassuntodesteposfácio.

A governança mundialMasemprimeirolugar,oqueéessagovernan-ça mundial que o público associa geralmentequeràsNaçõesUnidas,queraumgovernosu-pranacional? Para ser simples, e para além dasdefiniçõesacadêmicas,pode–sedizerqueago-vernançamundialénadamaisnadamenosdoqueagestãocoletivadenossoplaneta,sobseusaspectos políticos e econômicos, mas tambémsociais,humanoseambientais.

Ofatodequesefaledoravantedegovernançamundialenãomaisexclusivamentede“relaçõesinternacionais”,mostraocaminhoepistemoló-gicopercorridoemalgunsanos,oqualmodificaconsideravelmente a visão que mantemos donossolugarnoseiodeummeioambiente,cujocamposealargoubruscamentedemaneira im-portante.Porqueaglobalizaçãoéantesdemaisnadaumaexplosãofantásticadoespaçonoqualsemovemosindivíduoseascoletividades.Du-ranteváriosséculos,esteespaçoseconjugounoâmbitoestreitodoEstado–Nação,queengloba-vaemfronteirasquaseherméticasocampofísi-coementaldoindivíduo.

O Estado moderno é uma construção políticacom suas particularidades econômicas, sociaise culturais, na qual o caráter “nacional” temprimaziasobretodooresto.Atémuitorecente-mente,querdizeratéofimdoséculoXX,todos

osproblemasdohomemforamconsideradossoboprismadaorganizaçãoestatal,aúnicaaptaaresolverosproblemasdentrodeumpaís,assimcomoosproblemasentreospaíses.Diversosregimes de governança mundial foram instau-rados através dos séculos e dos continentes, enenhumdelesconseguiu,aliás,resolverumpro-blemadosmais simples (na teoria) edosmaiscomplicados(naprática):odaguerra.Seoserhumanotranscendeseuespaço,eleofazapenasporrazõesmesquinhamentenacionalistasebe-licosas:aconquistadaluaéumprodutodiretodaguerrafria,simbolizadopeloespetacular,masnãomenospatético,desdobramentodabandei-raestadunidensesobreosololunar.Numoutroregistro, os formidáveis avanços realizados pe-lasciênciasfísicasnoiníciodoséculoXX,quepermitem decompor o átomo, conduzem dra-maticamenteàbombanucleareaHiroshimaeNagasaki.Quantoaosgrandesarroubosideoló-gicosuniversalistasdeumséculoXIXquetentase libertar de sua coleira de ferro estreita, elesdesembocam miseravelmente nos Goulags daSibéria.

Historicamente,aresoluçãodosproblemas“in-ternacionais” sempre se fezpor intermédiodosEstados. A emergência do Ocidente no sécu-lo XVI acabou com a hegemonia dos grandesimpérios que dominavam o espaço geopolíticodesde milênios. Após um período de busca, aEuropa instaura um sistema, no século XVII,quecontacomahegemoniapolítica(dospaísespertencentesaosistema),orespeitoabsolutodasoberanianacional(dosmembrosdosistema)eoequilíbriodas(grandes)potências.Éessesiste-maquepermiteaoseuropeuscolonizarumaboaparte do planeta, impondo, para o melhor e opior,seumodelodeorganizaçãopolítica,econô-micaesocial.AOrganizaçãodasNaçõesUnidas(ONU)édecertaformaumacontinuaçãodessesistema,mesmosea“segurançacoletiva”substi-tuioequilíbrioemesmoque,teoricamente,to-dososEstadosmembrostenhamdireitosiguais.AONUéantesde tudoumconglomeradodeEstados(192em2008).Seelaestáenfraqueci-da,nãoéenquantoinstituição,massimporqueelasófaztraduziravontade,ouafaltadevonta-de,dosEstadosqueacompõem.ApósaSegundaGuerra mundial, a guerra fria mantém o novosistema“inter–Estatal”que,comoospreceden-tes,semanifestaatravésdeumjogodeequilíbrioentreasgrandespotências,asquaisutilizamseusparceirosdecircunstânciaparaassentarsuahe-gemoniaeparaconteroadversário.

Coordenador do Fórum para uma nova Governança Mundial,

especialista em Relações Internacionais e em

História dos Conflitos. É o autor de uma quinzena de obras dentre as quais

Géopolitique de la paix démocratique, edições Descartes et Cie, 2001.

http://fr.wikipedia.org/wiki/Arnaud_Blin

Foto

: M

igu

el

Ch

ika

ok

a

Posfácio

Page 19: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

3�

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

3�

Quatro eventos vão se conjugar, modifican-do consideravelmente o tabuleiro planetário:odesmoronamentodaURSS; a globalizaçãoeseusefeitos;atomadadeconsciênciadaameaçaaomeioambiente;ademocratizaçãodomundogeopolítico que favorece, entre outras coisas,a emergência da sociedade civil. Esses aconte-cimentos oumovimentos “maiores” se aliameinduzem,napassagemparaonossoséculo,umarupturahistóricacujaplenitudenoséhojedifí-cildeapreendercompletamente.Ora,agrandedificuldade,hojeemdia,éprecisamentedefinirasnovasregrasdeumjogoquemudou,masquevêosantigospapéisprincipaisocuparemsempreumaposiçãodedestaquenacena.

A consequência primeira desta defasagem éuma incapacidade flagrante de apreender e deresolverosproblemascomquenosdefrontamosa partir de agora, problemas sensivelmente di-ferentesdaquelesquenosocupavamatépoucotempoequeseresumiamparamuitosnadico-tomiaguerra/paz.Paracomplicarnossavisãojábastanteembaralhadadanovarealidade,váriosacontecimentosdominaramasmídiasnessesúl-timosanos,impedindo–nosdenosprojetarrumoaumfuturoquenoentantojáchegou.Osaten-tadosislamitas,aguerranoIraquee,maisrecen-temente,aincursãodastropasrussasnaGeórgiasãoepisódiosque,pormaisimportantesqueelessejam,pertencemhistoricamenteaomundodeontem.Todossãoumaconsequênciadosafron-tamentosdaguerrafria,todosobedecemàsleisque regiam as relações de força clássicas. Ora,seomundodevemudar,é imperativoqueno-vosmodosoperatóriossejaminstaurados.Sefa-lávamosoutrora de “regimes” oude “sistemas”internacionais, a nova “governança mundial”nãopoderá funcionar senãoatravésde redes edeparceriasentre“atores”(1),alegitimidadedoedifícioencontrandosuafontenapromoçãoati-vadacidadaniaedademocracianoseusentidomaisamplo,apertinênciadosarranjos institu-cionais instaurados, e a articulação das escalasdegovernançapermitindoqueestaarquiteturafuncioneecubraoconjuntodosproblemasquepodemosencontrar.

ÉportantonessesentidoquenóslançamosesteFórum para uma nova Governança Mundial,quetemporobjetivonãosomenteidentificarosnovosmodosdegovernançaglobaiseos“atores”quedeleparticipam,mastambémencontrarasmaneirasdepô–losemprática.OBrasilnospa-receu de imediato um terreno particularmentepropícioparaumprimeirodebatesobreagover-

nançamundial,tantopelacomplexidadequeocaracteriza,quantopelofatodequehoje,eape-sardascríticasquepodemosemitiremrelaçãoaseugoverno,essepaísbuscasoluçõesinovadorasparaosproblemasqueafetamsuasociedadeemtransição,aqualrefletesobváriosaspectosaso-ciedade–mundo, que assume sua plena medidano século XXI e que, como assinala CândidoGrzybowski,deveenfrentaruma“crisedecivi-lização”.

A emergência do BrasilNessecontextonovoenessemundoemeferves-cência,opapelqueseimpõemaoBrasilpareceainda mais importante. Por seu tamanho, seudinamismo econômico, sua complexidade, suaposiçãogeográfica,oBrasil correspondeàsno-vasnormasfísicasdosEstadosemergentes,queàmaneiradaChinaedaÍndia,têmumaescalacontinental.Ora,sesabemosqueo“choquedascivilizações”éumaficção(ouumanacronismo),provavelmenteénorealinhamentodasgrandesregiõesgeoestratégicasqueomundodeamanhãvaiseredesenhar.OBrasil,país–continenteouquase,correspondeaestenovomodelo.Contra-riamenteàChina,elerealizousuamodernizaçãonoplanoeconômico,mastambémnosdomíniospolíticoesocial.Comparativamente,éoúnicopaísdessetamanho–oChileéumoutrocasoclássico, mas com proporções físicas mais mo-destas e uma maior homogeneidade social – aterrealizadotanto,emtantosdomínios.

Todavia, este crescimento brasileiro não se fezsem efeitos perversos, aos quais se somou umpassivoherdadodopassado–pensemosnasdesi-gualdadeseconômicasesociaisgritantesouaindanaherançadacolonização–quefazemcomqueo Brasil seja um microcosmo da modernizaçãopós–industrial com suas contradições. De fato,as grandes ameaçasdomomento, e aquelas deamanhã,estãorealçadaseexacerbadasnoBrasildehoje,quesetratedainsegurançacrônicaedetodososmalesligadosaumaurbanizaçãorápida,das ameaças ao meio ambiente, da dificuldadedereduzirofossoentreosmuitoricoseosmuitopobres,ouainda,entreasregiõessubdesenvolvi-daseasregiõesindustrializadas.

Assim como o mundo depois da guerra fria, oBrasilprocuraseu lugarnoseiodeumplanetaqueevoluitãorápidoquantooprópriopaís.Osdebates acadêmicos que se efetuam há alguns

anosnoBrasilsobreosparadigmasgeopolíticos(com,porexemplo,aretomadadeinteressepelarealpolitik)ougeoeconômicos(debatessobreateoriadadependência,omodeloneoliberal,ouodaterceiravia,etc...),simbolizamessabuscadeumavisãoglobalquepermitiriaapreenderolugardestepaísnomundo.

Noplanogeopolítico,opapeldoBrasiléigual-mente interessante, sobretudo aos olhos daregressão comparativa que atinge os EstadosUnidosháalgunsanos,regressãoque,semsigni-ficarnecessariamenteo“fimdoimpério”,afetaum certo número de domínios, tanto políticos(violaçãodosdireitoshumanosedasliberdades,criseeleitoralde2000)quantosociais(crisedasaúdepública,questionamentodosistemameri-tocráticoedepromoçãosocial,questionamentoourejeiçãodecertasaquisiçõessociais),econô-micos(criseimobiliária,problemadadívida),eatémesmocientíficos(recuorelativoemcom-paraçãoàspotênciasemergentes).Maisvisível,embora mais facilmente reversível, a políticaexteriordosEstadosUnidos,desdeaeleiçãodeGeorgeW.Bushem2000,semostroudesastro-sa,dandoumsériogolpenacredibilidadeinter-nacionaldopaís,inclusivenaAméricaLatina,aondeWashingtonjánãogozavadeumarepu-taçãoacimadequalquersuspeita...

AprogressãointrínsecadoBrasil,oprestígioeanotoriedadecrescentesqueeleganhoucomaascensãodeumantigosindicalistaàpresidênciada república – quaisquer que sejam as críticasquesepossafazerarespeitodaimplementaçãopolíticadeLula–contribuíramparamodificarconsideravelmenteaconfiguraçãogeoestratégicadocontinenteamericanoe,consequentemente,doconjuntodoplaneta.OresultadoéumBra-silqueganhapodereseimpõedefinitivamentecomooparceiroprivilegiadodosEstadosUnidosnaAméricadoSul,parceirodoravantecapazdecontrabalançar o gigante do Norte (contraria-menteàVenezuela)equeé,também,apeçadotabuleirodaqualosEstadosUnidosnecessitamabsolutamente,seelesquiseremcontinuaraterpesosobreodestinodocontinente,eatémesmosequiseremimpedira“ingerência”regionaldeelementoscadavezmaisativoscomoaChina.

Maisimportanteainda,oBrasilpropõeaomun-doummodelodiferente–domodeloestaduni-denseespecialmente–massensivelmenteatra-tivo,sobretudodeumpontodevistacompara-tivo. País do “Sul”, embora tendo um passadocolonialquelembrasobcertosaspectosodosEs-

tadosUnidos,oBrasiltemavantagemincompa-ráveldeestardissociado,nosespíritos,dospaísesdoNorteedeoutrasnaçõescomumpassadoim-perialista,próximooulongínquo.NummundoaondeaEuropa,osEstadosUnidos,aChina,oIran,o“mundoislâmico”emesmoaÍndiatêm,pordiversasrazões,umpoderdeatraçãogloballimitado,oBrasilapresentaqualidadesquedãoumaforçaparticularaoseumodelo.

Assim, tantodopontodevistapráticoquantosimbólico–enessedomínio,aimagemdoêxitodamisturaétnicabrasileiraéforteeeloquente,desdeasuateorizaçãoepopularizaçãoporGil-bertoFreyre–oBrasilsecolocahojecomoumbeloexemplo,numaépocaemque,justamente,oplanetabuscamodelosqueconjuguemmoder-nização,integração,proteçãosocialeambiental,etambém,qualidadedevida.OfatodeoBrasilestar igualmenteconfrontadoa todaumasérie

Foto

: M

igu

el

Ch

ika

ok

a

Page 20: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

3�

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

3�

deproblemastornaestemodelomaishumano,enquantoquenossafénoidealdoprogressonãoémaisoqueelaeranotempodasLuzesoudu-ranteaidadedeourodasideologiassocialistas.E,contrariamenteaosmodelosfranceseseame-ricanosdos séculosXVIIIeXIX,eosmodeloscomunistasdoséculoXX,abuscadeummodelo“universal”rejeitahojeanoçãodeummodelouniversalista.Nessesentido,oBrasiltalvezsejaomodelodoqualomundoprecisaagora.

A Amazônia como laboratório do mundo?Foiporumacasohistórico, soba formado fa-mosoTratadodeTordesilhas,queviaopapadodividirumcontinenteamericanoaindanãoex-ploradoentreasduaspotências ibéricas,queoBrasil, depois de Portugal, herdou o “pulmão”doplaneta,aAmazônia,cujonomeevocaessasguerreiras lendárias da mitologia grega que osprimeirosconquistadorespensaramtervistoàsmargensdogranderio.A Amazônia, é um fato, reflete em todos ospontos a desmedida, mais ainda que o próprioBrasil.

Talvez seja essa a razão pela qual este seminá-rioque,deinício,tinhaoBrasilcomotema,semetamorfoseougradualmentenumdebatesobreaAmazônia,enquantooBrasil,finalmente,pas-souparaosegundoplano.

Pois, no final das contas, focalizando inicial-menteoBrasil,nósnostornamosdecertaformaculpados, por apreenderomundodeumama-neiraanacrônica,querdizer,privilegiandomaisumEstadoouumanaçãodoqueumasociedadeouumterritório.Ora,éumaevidência,aproble-máticaamazônicaultrapassaoâmbitobrasileiro.E,finalmente,elaémaisrica,maisinteressantee ainda mais complexa já que ela reclama umoutrocampomentaleoutrosmodosoperatórios,diferentes daqueles aos quais estamos habitua-dos. E, como sugere Patrick Piro, “o canteirode obras do futuro da Amazônia está virgem”.Constataçãosemapelo,masquepermitepartirteoricamente de novas bases, pois, sempre se-gundo P. Piro, “A Amazônia é um dos lugaresaondeseexprimecommaisforçaodebatesobreopós–capitalismo.”

Pós–capitalismo, pós–Estado Nação: nós sabe-mosqueomundoestámudando.Todavia,dois

problemassecolocam:primeiro,asrupturashis-tóricassãoapenasparciais;osresíduosdopassa-dosubsistemeformambasesquevãoservirparaaconstruçãodenossasnovas“placascivilizacio-nais”.Duranteumtempo,odaruptura,osmo-dosdefuncionamentodopassadopermanecemenraizadoseéprecisovivercomessabagagempesadaque,aliás,éindispensávelparaquenos-sas estruturasnãodesmoronemdeuma sóvez:a ruptura não é uma revolução. Em seguida, éextremamentedifícilpensarofuturo,aindamaisglobalmente.Ora,asomadesoluçõeslocaisnãoconstituiumasoluçãoglobal.Seprecisamosdesoluções concretas, é preciso também desen-volver, emprimeiro lugar,umpensamentoco-erentesobreosnovosmodosdegovernança.AssoluçõesconcretasquefervilhamnaAmazônia,equesepodemaplicaraoutroscontextos,po-demnosajudaradesenvolveressepensamento,mais é preciso ir além. O papel dos “atores” éprimordial.E,nessaperspectiva,nãoésupérfluolembraralgumasestratégiasdeaçãoelaboradasaolongodoseminário:. primeiramente, consolidar um contra–poderface ao bloco “ultra dominante” dos destruido-res;.favorecerasaliançasinternacionais,reforçan-do,aomesmotempo,os“atores”locais;. facilitaraaproximaçãoentreascomunidadesindígenaseosmovimentossociais.

Vê–sequeestaabordagempodeseaplicaraumadimensão global segundoalgunsdosprincípios-chavedagovernançademocrática,acomeçarporaquele dos contra–poderes, princípio esse sobreo qual os país fundadores norteamericanos fize-ramapedraangulardeseusistemapolíticoecujaimportância não se saberia superestimar hoje,nomomentodaglobalização(liçõesesquecidas,aliás,sejaditodepassagem,pelosdirigentesnor-teamericanos atuais). Mas os contra–poderes,difíceis de serem instaurados nos sistemas polí-ticos fechados, são ainda mais complicados deserempostosempráticanossistemasabertos,ouseja, aqueles que não beneficiam de um regimedegovernançaviável:comoéocasodaAmazô-nia,comoéocasodomundonasuaglobalidade.Maisfáciléainstauraçãodesistemasdealianças,sabendoqueessessistemastêmumalcancelimi-tado.Vê–seigualmenteque,aníveldosEstados,avontadedosgovernosestásubmetidaàsdeman-dasdospredadoreseconômicos,osinteressesdes-sesúltimosindoevidentementeaoencontrodointeressegeral,apesardaretórica lancinantedo“crescimentoeconômico”,supostamenteaservi-çodafelicidadedetodaahumanidade.

A elaboração de sistemas de contrabalancea-mento é portanto indispensável para o futuroda governança mundial, como ela o é para aAmazônia.Quecontrabalanceamentos?Agamahabitualéfácildeenumerar:sistemasjurídicoseficazes, legislação adaptada, fortalecimentodos sindicatos, papel de importância crescentedasociedadecivil,etc.Maisdifícil,épô–laemprática. Por quem? Com quem? Como? Comquemeios?Maisumavez,ospaísesjogamumapartidaambígua.MesmocomumLula,consta-ta–sequeosgovernantesestãofechadosnasuaprópria lógica política e que, finalmente, elesdispõemdeumamargemdemanobraextrema-mentefraca.OEstadotempormissãoprimeiraprotegerocidadãoeascomunidadescontraospredadores, mas também contra eles próprios,desde que se calcule a longo prazo. Vê–se, naescalaamazônica,oquantoédifícilrealizarestatarefaprimeiraetodaviaessencial.Atítulodeexemplo,oproblemadaterra,noqualsecrista-lizamtodasasfalhasdagovernançaamazônica,podesimbolizaraincúriadospoderespúblicos.

Naescalamacro–política,asdificuldadesencon-tradaspelosnove“paísesamazônicos”paraela-borar uma estratégia comum para a AmazôniaindicamclaramentequeserámuitodifícilparaduzentosEstadosseentenderemsobreo futurodoplaneta.Paradoxalmente, seoEstadoéumelemento essencial da governança, ele é tam-bém um obstáculo à boa governança. Os con-tra–poderesdevemprimeiramentesedesenvol-verparalimitaropapeldoEstado,ajudando–o,aomesmotempo,aexecutarcorretamentesuastarefas.Anívellocal,opassivopesadodaspolí-ticassucessivasquemarcaramahistóriarecentedaAmazôniareforçamasuspeiçãomútua.Nesseâmbito também as mentalidades deverão evo-luir.

Noentanto,umacoisaécerta,a“internacionali-zação”daAmazôniaparece,pelomenosamédioprazo,inviáveleatémesmoinaceitável.AAma-zônia,assimcomooconjuntodosterritóriosdoplaneta, com exceção dos oceanos, “pertence”aosEstados,paraomelhoreopior,eas“contri-

Foto

: M

igu

el

Ch

ika

ok

a

Page 21: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

�0

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

�1

buições”exterioresserevelaramessencialmentepredadoras. Apesar disto, e sem ultrapassar asprerrogativasdesoberanianacionaldoBrasil,doPeruedosoutros“paísesamazônicos”,éimpera-tivoqueacomunidadeinternacionalsustenteoprojetoamazônico,tantofinanceiramentequan-totecnicamente,eatémesmomoralmente,comumaimplicaçãocrescentenosdiversosprojetoseiniciativasempreendidaspelosgovernoslocaise nacionais, pelas comunidades, as associaçõeseasONGs.Esseapoioativoassumeformastãovariadasquantonumerosasepoderiaeventual-mentesercoordenadoporumagrandeagênciainternacionalcriadaparaestefim,queelafaçaounãopartedosistemaonusiano.

Alémdosprojetosclássicos,umapolíticadearti-culaçãodasredesedasiniciativasconstituiumaprioridade,cujainstalaçãopoderiaserconfiadaaumatalagência.Paratanto,asmodalidadesdesteapoiodevem levar emcontaos orgulhosnacio-nais.Bemorganizado,essesuportepodeincitarosgovernosaseimplicarmaisemelhor.Aquitam-bém,afimdelimitarosinevitáveisefeitosperver-sos,convémrefletircuidadosamenteàinstalaçãodeumatalpolítica,coordenandoosesforçoscomos governos, mas também, e sobretudo, com asorganizaçõesimplantadaslocalmente.Ora,seco-nhece doravante a capacidade das ONGs e dosorganismosinternacionaisdecomplicarumasitu-açãoqueeles,poressência,deveriammelhorar.

AAmazôniasãomuitascoisas.Naperspectivadagovernançamundial,elaé,deumacertama-neira, um formidável laboratório. Ela permite,entreoutrascoisas,examinarcomumalentedeaumentoosefeitosnegativosdoprodutivismoeamontagemecológicaquetornapossíveldisfar-çá–locomdiversostrajes,dentreosquais,odo“desenvolvimento sustentável”. A urbanizaçãogalopante, a violação dos direitos humanos, amultiplicaçãodosconflitos(enumeram–sequa-torzetiposdeconflitoparacentenasdecasosnaAmazônia),aproteçãodaspopulaçõesindígenas,suaparticipaçãoativanagovernançalocal,sãoigualmenteproblemáticasqueconcernemato-talidadedoplaneta,semfalardomeioambiente,éclaro.PorémomaisinteressantenaAmazônia,talvezsejaessapluralidadedeiniciativaslocais,inclusivenomeiodaspopulaçõesindígenas,quetestemunhamapossibilidaderealeconcretadeuma organização diferente, afim de combinarumaeconomialocalsã,umaboacoesãosocialeummodelodedesenvolvimentosustentávelnãodisfarçadodessavez.OquefazdaAmazônia“umterritóriodesoluções”.

Deumamaneiramaisgeral,oproblemaamazô-nicoajudaacolocarcertasquestõesfundamen-tais sobre o futuro da humanidade, o primeiro–grande–problemasendooda justiça social.Em outros termos, como construir um novomodelodecivilizaçãoquepromovaajustiçaso-cial?Comomontarumanovaarquiteturasocialquenospermitaviverjuntos?Ospensadores,àexemploJohnRawls,prepararamoterrenofilo-sóficopropondonovasteoriasdajustiçasocial.Aopiniãopúblicacomeçaaaderirexprimindonovas exigências neste domínio. Falta fazer omaisdifícil: instaurar sistemasqueprotejamosmais fracos e que aplainem as diferenças eco-nômicas e sociaismais gritantes.Masa justiçasocialnãoconhecefronteirase,maisumavez,adivisãodomundoemnaçõesé,emsi,umain-justiça, jáqueo simples fatodenasceremumlugardeterminaa sortedeumindivíduo,vistoqueelenãotemliberdadeparacircularporondequiser,mesmoquetenhameiosparaisso,equeelenãotemacessoaosmesmosrecursosqueseuvizinho,dooutroladodafronteira.Adimensão“extra–nacional”daAmazôniapode,maisumavez, abrir campos interessantes já que anoçãodefronteiraéaqui,porforçadascircunstâncias,muitomaisflexívelqueemoutrolugar.

O caso amazônico recoloca sobre a mesa umaoutra noção imutável da história das civiliza-ções:anoçãodapropriedadeprivada.Asdife-rentes crises que abalam os povos amazônicosnosobrigamarepensara“propriedadeprivada”e introduzem–ou reintroduzem–outros con-ceitoscomoanoçãode“territóriodospovos”ouaindaade“territóriodevida”,semqueseestejaobrigadoarecorrer,comosefaziaatépoucotem-po,aumainterpretaçãomarxistadahistóriaedapropriedadeprivadaquepodeserproblemática.Umavezmais,éagestãocoletivadosterritóriosque deve ser repensada, nas suas múltiplas di-mensões.Apropriedadeprivada,assimcomoainjustiçasocial,talveznãoestejafundamentadananatureza.Trata–seaquideumaconstataçãoqueomundoindustrializadoterádificuldadeeminteriorizar, já que ela recoloca em questão asprópriasbasesdosistemaliberal.

AAmazônianospossibilitarefletirsobreumou-troconceitoemergente,oda“responsabilidadedeproteger”.Esseconceito,quesegueaofamoso“direitodeingerência”(oqualhavia“recoloca-dosobreamesa”,nosanos90,umaoutranoçãoinalterável, a da “inviolabilidade da soberanianacional”), foi até agora utilizado para tentarprotegeraspopulaçõesameaçadaspelasguerras

civis.Poder–se–iaconsiderarquearesponsabili-dadedeprotegerpodeserigualmenteestendidaà proteção dos povos fragilizados face à degra-daçãoeconômica.Porquenãoalargartambémaperspectivaparaenglobararesponsabilidadedeprotegeromeioambiente?Como?Aqui,nova-mente,asmodalidadesdessasaçõespermanecemextremamenteindefinidasetendemasemanterassimtantomaisqueseatacaminteressese“ato-res”poderososquenãodesejamdeformaalgumaversuasaçõesentravadas.

Nomais,naAmazôniacomonoconjuntodoplaneta,é importantediferenciarclaramenteoque deveria ser feito do que poderia ser feito,esta distinção tendo uma relação, aliás, com adiferenciaçãoentreasestratégiasacurtoemé-dioprazo,porumlado,easestratégiasalongoprazo,poroutro.Seévitalnãotermedodede-senvolverumpensamentoutópicoparaofuturodaAmazôniaedoplaneta,éigualmenteimpor-tantedefinirestratégiasquepossibilitemtratararealidade imediata.Ora,estanosparecepassar

por três tipos muito concretos de abordagem,quealémdissoserviramdebaseestruturalparaasproposiçõessurgidasdonossoseminário:asis-tematizaçãodoquejáexisteedoquejáfoifeito;a articulação e a construção de alianças a nívellocal, regional e planetário; a comunicação e adifusãodainformação.

Sementraraquinosdetalhesdestes trêseixos,apostemosqueoFSMpossaservirdecatalisadorparaaelaboraçãodestetrípticoestratégicoco-locandosobreamesaumcertonúmerodepro-posiçõesconcretasparao futurodaAmazônia.O que está em jogo é importante: o futuro daAmazôniapoderiaanunciareatédeterminarofuturodorestodomundo.

(1)Otermoator(es)éutilizadoaqui,comonotextoanexodePatrickPiro,paradesignartodoelementoatuantenumdeterminadocontexto(N.d.T.)

Page 22: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

�2

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

�3

Oseminárioquis,expressamente,sediferenciardas conferências clássicas que privilegiam dis-cursosmaisoumenoslongos,pronunciadospororadoresescolhidospelosorganizadores,diantedeespectadoresquepodem,eventualmente,fa-zer algumas perguntas, mas apenas no final dasessão.

Ummêsantesdareunião,doisdocumentosdes-crevendoaproblemáticaforamenviadosatodososconvidados.Oprograma foiapresentadonavésperadoseminário,queseestendeupordoisdiaseabordouasseguintesquestões(o relatório do seminário, redigido por Patrick Piro, seguiu a mesma orientação):

I.AAmazônia : tarashereditárias,proble-masurgentes,questõesemergentes

II.Os“atores“esuasestratégiasIII.Rumoaumnovomodelodecivilização

Duranteoseminário,nãohouvediscursoslon-gosnemexposiçõesdeespecialistas.Cadasessãofoi lançadaporumoudois animadoresvolun-tários, surgidos espontaneamente em meio aospróprios participantes. Em seguida, na mesmasala,seformaramgruposdecincoaseispessoas,reunidospelasimplesproximidade.Apósquin-zeminutosdetrocaparaidentificarasquestõesessenciais,osprincipaiseixosdodebateeaspro-postas,essesgrupossedesfizeramparacontinuaremsessãoplenária.

Um membro de cada grupo “colou” na paredeasideiasouosconceitossurgidosdatrocaintro-dutória.Depoisqueasideiasdetodososgruposforamafixadasnamesmaparede,umapausadecercadetrintaminutospermitiuaosanimadoresintroduzir a sessãoplenária, graças aummapaconceitual,organizadoemtornodetrêsouqua-troideiasqueprocuravamapresentarumavisãorelativamente articulada da reflexão coletiva,mostrandoaomesmotempoospontosaparen-tementeconfusosoucontraditórios.

Astrocas,frequentementeanimadasporvisõesdivergentes,prosseguiramdurantecercadeduas

horas, através de intervenções curtas de cadaparticipante. Dois relatores anotaram o essen-cialdasdiscussões,constituindoumdocumentomemória.

Apresentamosmaisadiantetrêsmapasconcei-tuais.Nãosãocópiasexatasdosmapasafixadosna parede durante o seminário, mas procurammostrarariquezadasideiastrocadas.Dever–se-iapoder identificaras idéias,aspropostas,eosconceitos desenvolvidos no relatório do semi-nário,assimcomonosoutrosdocumentosdestapublicação.

Oprimeiromapareúneosconceitosacercadastrêsquestõestratadasnoprogramadoseminário:asproblemáticas,os“atores”easpropostasparaumnovomodelodecivilização.Osegundo,estáapresentadosegundoalgunsprincípiosdegover-nança:legitimidade,cidadania,pertinênciadosarranjos institucionais, parcerias, articulaçãodasescalasdegovernança.Oterceiro,agrupaosconceitos de acordo comos diversos domíniosdagovernança :política,ecologia,economiaesociedade,pazesegurança,ética,ciência,edu-cação,comunicação.

À primeira vista, os mapas conceituais podemparecerestranhos,pois,diferentementedostex-tosescritos,sualeituranãosefazdaesquerdaparaadireita,nemdoaltoparabaixo. Elespodemser lidos de maneira circular, podendo o olharcruzar termos próximos ou afastados. Esse tipodemapapermiteumainterligaçãodosconceitosquefacilitaaanálisetransversal.Destaforma,osmapasconceituaispodemservirdecomplemen-toàsinformaçõestratadasnareunião.

Durante o seminário, os mapas foram simples-menteconfeccionadosemfolhasdepapelcola-dasnaparede.Osmapasabaixoforamrealizadoscom o programa Desmodo, desenvolvido pelaempresa Exemole (www.desmodo.net), e suadiagramaçãofoifeitaporNataliaMassa,aweb-masterdositedoFórumparaumanovaGover-nançaMundial(info@world–governance.org).

Metodologia e cartografia conceitual

Page 23: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

��

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

��

Page 24: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

D e q u e B r a s i l e d e q u e A m a z ô n i a o m u n d o p r e c i s a ?

��

Nome completo Instituição E-mail

Aldalice Otterloo UNIPOP ABONG [email protected]

André Zabludowski FSM – Rio de Janeiro [email protected]

Antonio Martins ATTAC [email protected]

Arnaud Blin Fórum para uma nova Governança Mundial [email protected]

Aurélio Vianna Fundação FORD [email protected]

Camila Moreno CPDA Terra de Direitos [email protected]

Custódio Dumas Social Watch (Moçambique) [email protected]

Daltro Paiva APACC [email protected]

Demba Moussa Dembele AFS [email protected]

Fatima Mello FASE [email protected]

Francisco Whitaker CBJP [email protected]

Gustavo Marin Fórum para uma nova Governança Mundial - FPH [email protected]

Ivônio Barros Nunes [email protected]

Jean-Pierre Leroy FASE [email protected]

José Corrêa ATTAC [email protected]

Kinda Mohamadiel Arab NGO Network for Development [email protected]

Luiz Novoa ATTAC Fórum Indep. Popular Madeira [email protected]

Marcelo Furtado Greenpeace [email protected]

Maria Glória Figueiredo Souza FSM - Rio Ação da Cidadania [email protected]

Nelson Delgado CPDA [email protected]

Patrick Piro Politis (França) [email protected]

Salete Valesan IFP [email protected]

Thomas Fatheuer Fund. H. BOELL [email protected]

Lista dos participantes

Cândido Grzybowski [email protected]

Dulce Pandolfi [email protected]

Nahyda Franca [email protected]

Moema Miranda [email protected]

Carlos Tautz [email protected]

Luciana Badin [email protected]

Manoela Roland [email protected]

Luciano Cerqueira [email protected]

Athayde Motta [email protected]

Fernanda Carvalho [email protected]

Rogério Jordão [email protected]

Confirmados(as) do Ibase

Page 25: De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisafdm.rio20.net/sites/default/files/IMG/pdf_cp_amazonie_pt.pdf · por Betinho. Cândido é um dos membros do comitê brasileiro que lançou

SeaAmazôniaconcentratantosperigos,nãosomenteparaseushabi-tantes,mastambémparaoequilíbrioecológicodoplaneta,elarepre-sentaigualmenteumterritóriodevidaedeporvir.Nadaestáperdidodeantemão.NoalvorecerdoséculoXXI,elapoderásetornarumdesseslugaresessenciaisondeahumanidadeencontraráosrecursosbiológi-cos,políticoseculturaisparaumanovarelaçãocomabiosferaeumnovorelacionamentoentreospovos,fundadosnadignidadeenasoli-dariedade.

Eisaquiodesafio:inseriraAmazônianodebatesobrecomoconstruirumoutromundo,dejustiçasocialesustentabilidade,deigualdadenadiversidade,dedireitosdecidadaniacomresponsabilidadescomparti-das.

ConjuntodostrabalhosrealizadospeloFórumparaumanovaGover-nançaMundialepeloIbase,emmaiode2008noRiodeJaneiro,comoapoiodaFundaçãoCharlesLéopoldMayer.

F WGnForum for a new World Governance

Forum pour une nouvelle Gouvernance MondialeF GMn

Fórum para uma nova Governança Mundial F GMnwww.world-governance.org/ www.ibase.br

De que Brasil e de que Amazônia o mundo precisa ?

Séri

e C

ad

er

no

s d

e P

ro

po

siç

õe

s