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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS A POPULAÇÃO INDÍGENA ARICAPU E OS IMIGRANTES DA REPÚBLICA DE MIROKAI Vs. REPÚBLICA FEDERAL DE TUCANOS CONTESTAÇÃO MEMORIAL DA REPÚBLICA FEDERAL DE TUCANOS 2011

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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A POPULAÇÃO INDÍGENA ARICAPU E

OS IMIGRANTES DA REPÚBLICA DE MIROKAI

Vs.

REPÚBLICA FEDERAL DE TUCANOS

CONTESTAÇÃO

MEMORIAL

DA REPÚBLICA FEDERAL DE TUCANOS

2011

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#7611

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A POPULAÇÃO INDÍGENA ARICAPU E

OS IMIGRANTES DA REPÚBLICA DE MIROKAI

Vs.

REPÚBLICA FEDERAL DE TUCANOS

CONTESTAÇÃO

MEMORIAL

DA REPÚBLICA FEDERAL DE TUCANOS

2011

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I

ÍNDICE

ABREVIATURAS .................................................................................................................... II

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... IV

Jurisprudência Internacional .............................................................................................. IV

Comissão Interamericana ................................................................................................. VII

Doutrina ........................................................................................................................... VII

Diversos .......................................................................................................................... VIII

I DECLARAÇÃO DOS FATOS............................................................................................ 1

II ANÁLISE LEGAL .............................................................................................................. 7

1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES AO MÉRITO .................................................... 7

A. Jurisdição ..................................................................................................................... 7

B. Competência ................................................................................................................ 7

C. Pressupostos de Admissibilidade ................................................................................ 9

2 MÉRITO ......................................................................................................................... 13

A. Da quadra fática consentânea às diretrizes da Convenção ........................................ 13

B. Do Devido Processo Legal em Tucanos (Artigos 8 e 25 c/c 1.1 da CADH) ............ 14

C. Do caráter equânime ordenamento jurídico da República de Tucanos ..................... 17

D. Da quadra fática consentânea à Liberdade de Locomoção e Residência estabelecidos

pela Convenção (Artigo 22 c/c 1.1 da CADH)............................................................... 24

E. Das prestações positivas do Estado em prol da vida e da integridade dos povos

Aricapu e Mirokaes (Artigos 4, 5 e 11 c/c 1.1 da CADH) ............................................. 27

III DOS PEDIDOS .................................................................................................................. 33

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II

ABREVIATURAS

ANAE Agência Nacional de Auxílio aos Estrangeiros

Ampl. Ampliada

Art. (s) Artigo (s)

Atual. Atualizada

CADH Convenção Americana de Direitos Humanos

CEDH Comissão Européia de Direitos Humanos

CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Comissão Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CORTE Corte Interamericana de Direitos Humanos

Corte EDH Corte Européia de Direitos Humanos

Corte IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos

DH Direitos Humanos

Doc. Documento

Ed. Edição

Eur. Court H.R Europe Court of Human Rights

HC Habeas Corpus

I.C.J International Court of Justice

LOA Lei Orçamentária Anual

IMA Instituto Nacional do Meio Ambiente

N. Número

No Número

OC Opinião Consultiva

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III

OEA Organização dos Estados Americanos

ONU Organização das Nações Unidas

PND Política Nacional de Deslocados

PTMA Política Tucana de Meio Ambiente de 1991

RIA Relatório de Impactos Ambientais

SIDH Sistema Interamericano de Direitos Humanos

p. Página

Par. Parágrafo

Rev. Revista

Trad. Traduzido

UN United Nations

Vs. Versus

§ Parágrafo

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IV

REFERÊNCIAS

Jurisprudência Internacional

C.I.J. Caso"Lotus". Sentença de 1927. No. 9, 1927, Series A No. 10 .................................. 32

Corte EDH. Edward v. the United Kingdom, Sentença de 16 Dezembro 1992, Series A no.

247-B.................................................................................................................................... 15

Corte EDH. Handyside Case. Sentença de 7 de dezembro de 1976, Series A No. 24 ........... 32

Corte EDH. Loizidou v. Turkey. Sentença de 23 março de 1995 ............................................ 7

Corte EDH. Ruiz Mateos v. Spain, Senteça de 23 Junho 1993, Series A No. 262 ................ 15

Corte EDH. Vidal v. Belgium, Sentença de 22 Abril 1992, Series A no. 235-B.................... 15

Corte IDH. Caso "Instituto de Reeducação de Menores”. Sentença de 2 de setembro de

2004. Serie No. 112 ............................................................................................................. 28

Corte IDH. Caso Acevedo Jaramillo y otros Vs. Perú. Sentença de 7 de fevereiro de 2006.

Serie C No. 144 .................................................................................................................... 16

Corte IDH. Caso Alfonso Martín del Campo Dodd Vs. México. Sentença de 3 de setembro

de 2004. Serie C No. 113 ....................................................................................................... 7

Corte IDH. Caso Blake Vs. Guatemala. Sentença de 2 de julho de 1996. Serie C No. 27 ... 10

Corte IDH. Caso Bueno Alves Vs. Argentina. Sentença de 11 de maio de 2007. Serie C No.

164........................................................................................................................................ 18

Corte IDH. Caso Castañeda Gutman Vs. México. Sentença de 6 de agosto de 2008. Serie C

No. 184 ................................................................................................................................. 18

Corte IDH. Caso Castillo Páez Vs. Perú. Sentença de 30 de janeiro de 1996. Serie C No. 24

................................................................................................................................................ 7

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V

Corte IDH. Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. Sentença de 30 de maio de 1999. Serie

C No. 52 ............................................................................................................................... 15

Corte IDH. Caso Cinco Pensionistas Vs. Perú. Sentença de 28 de fevereiro de 2003. Serie C

No. 98 ................................................................................................................................... 11

Corte IDH. Caso Claude Reyes y otros Vs. Chile. Sentença de 19 de setembro de 2006.

Serie C No. 151 .............................................................................................................. 14, 15

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de

março de 2006. Serie C No. 146 ........................................................................ 19, 20, 21, 29

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek. Vs. Paraguay. Sentença de 24 de

agosto de 2010 Serie C No. 214..................................................................................... 20, 31

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho

de 2005. Serie C No. 125 ................................................................................... 16, 18, 19, 28

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Sentença de 6 de

fevereiro de 2006. Serie C No. 142...................................................................................... 19

Corte IDH. Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek. Vs. Paraguai. Sentença de 24 de

agosto de 2010 Serie C No. 214........................................................................................... 30

Corte IDH. Caso Constantine y otros Vs. Trinidad y Tobago. Sentença de 1 de setembro

de 2001. Serie C No. 82 ......................................................................................................... 7

Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua.

Sentença de 1 de fevereiro de 2000. Serie C No. 66............................................................ 20

Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua.

Sentença de 31 de agosto de 2001. Serie C No. 79........................................................ 10, 19

Corte IDH. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam. Sentença de 8 de fevereiro de

2006 Serie C No. 145 ......................................................................................... 13, 14, 20, 30

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VI

Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala.

Sentença de 19 de novembro de 1999. Serie C No. 63 .................................................. 28, 29

Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka. Vs. Surinam. Sentença de 28 de novembro de

2007. Serie C No. 172 .............................................................................................. 16, 20, 22

Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Sentença de 24 de setembro de

1999. Serie C No. 55 ...................................................................................................... 15, 16

Corte IDH. Caso do Masacre de Mapiripán Vs. Colombi. Sentença 7 de março 2005. Serie

C No. 122 ............................................................................................................................. 24

Corte IDH. Caso Escher y otros Vs. Brasil. Sentença de 6 de julho de 2009. Serie C No. 200

.............................................................................................................................................. 32

Corte IDH. Caso Genie Lacayo Vs. Nicaragua. Sentença de 29 de janeiro de 1997. Serie C

No. 30 ............................................................................................................................. 12, 15

Corte IDH. Caso Godínez Cruz Vs. Honduras. Sentença de 20 de janeiro de 1989. Serie C

No. 5 ..................................................................................................................................... 32

Corte IDH. Caso Gomes Lund y otros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil. Sentença de 24

de novembro de 2010 Serie C No. 219 ................................................................................ 12

Corte IDH. Caso González y otras (“Campo Algodonero”) Vs. México. Sentença de 16 de

novembro de 2009. Serie C No. 205 ...................................................................................... 8

Corte IDH. Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Sentença de 2 de julho de 2004. Serie C

No. 107 ................................................................................................................................. 21

Corte IDH. Caso Hilaire, Constantine y Benjamin y otros Vs. Trinidad y Tobago.

Sentença de 21 de junho de 2002. Serie C No. 94 ............................................................... 15

Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Sentença de 6 de fevereiro de 2001. Serie C

No. 74 ............................................................................................................................. 16, 21

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VII

Corte IDH. Caso Las Palmeras Vs. Colombia. Sentença de 4 de fevereiro de 2000. Serie C

No. 67 ................................................................................................................................. 7, 8

Corte IDH. Caso Ricardo Canese Vs. Paraguai. Sentença de 31 de agosto de 2004. Serie C

No. 111 ................................................................................................................................. 24

Corte IDH. Caso Suárez Rosero Vs. Ecuador. Sentença de 12 de novembro de 1997. Serie

C No. 35 ............................................................................................................................... 15

Corte IDH. Caso Tibi Vs. Ecuador. Sentença de 7 de setembro de 2004. Serie C No. 114 .. 15

Corte IDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. Sentença de 23 de junho de 2005. Serie C No. 127

........................................................................................................................................ 12, 14

Opinião Consultiva OC-17/02 de 28 de agosto de 2002. Serie A No. 17................................ 18

Opinião Consultiva OC-4/84 de 19 de janeiro de 1984. Serie A No. 4 ................................... 18

Opinião Consultiva OC-9/87 de 6 de outubro de 1987. Serie A No. 9.............................. 16, 17

Comissão Interamericana

C.I.D.H., Informe 29/88 ........................................................................................................... 12

C.I.D.H., Informe 34/97 ........................................................................................................... 11

C.I.D.H., Informe 74/90 ........................................................................................................... 12

C.I.D.H., Informe 87/98 ........................................................................................................... 10

Doutrina

Cruz, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição Constitucional Democrática – Belo Horizonte:

Del Rey, 2004 ...................................................................................................................... 18

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VIII

GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia; TRINDADE, Antônio Augusto Cançado

(Colab.). O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito

brasileiro. São Paulo: R. dos Tribunais, 2000 ...................................................................... 7

LEDESMA, Héctor Faúndez. El Sistema Interamericano de Protección de los Derechos

Humanos: aspectos institucionales y procesales. 3 ed. São José :Instituto Interamericano de

Derechos Humanos. ............................................................................................................. 24

Rodríguez Pinzón, Diego, “The „victim‟ requirement, the fourth instance formula and the

notion of „person‟ in the individual complaint procedure of the Inter-American Human

Rights System”, ILSA Journal of International and Comparative Law, 2001 .................... 12

SKRENTNY, John D., The Minority Rights Revolution. Massachusetts: Belknap Harvard,

2002...................................................................................................................................... 18

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: parte geral . 41.ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2009 ................................................................................................ 9

TRINDADE, Antônio A. Cançado, Direitos Humano: Personalidade e Capacidade Jurídica

Internacional do Indivíduo. In: O Brasil e os NovosDesafios do Direito Internacional, Rio

de Janeiro: Ed. Forense, 2004 .............................................................................................. 28

Diversos

Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, Länsman y otros vs. Finlandia

(qüinquagésima segunda sessão, 1994), Comunicación No. 511/1992, ONU Doc.

CCPR/C/52/D/511/1994, 8 de novembro de 1994 .................................................................. 20

Convenção 169 da OIT ............................................................................................................ 21

Convenção Americana de Direitos Humanos e 1969 - Pacto de São José da Costa Rica.........

.................................................................................................................................... 7, 9, 13, 21

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IX

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, 1969 ....................................................... 17

Draft Articles on State Responsibility with commentaries.Report of International Law

Commission fifty-third session.Yearbook of the International Law Commision. ..................... 9

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1

Excelentíssimo Senhor Presidente da Honorável Corte Interamericana de Direitos

Humanos,

A República de Tucanos, doravante denominada simplesmente Estado,

por seus procuradores devidamente constituídos nos termos do artigo

36 do regulamento desta Colenda Corte, vem, tempestivamente,

apresentar sua CONTESTAÇÃO à demanda oferecida pela Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, a fim de que seja declarada por

essa Corte Interamericana de Direitos Humanos a observância pelo

Estado ao artigo 1.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos,

bem como a ausência de responsabilidade internacional em

decorrência das supostas violações aos artigos 4 (Direito à Vida), 5

(integridade física), 8 (garantias judiciais), 21 (propriedade), 22

(liberdade de circulação e de residência) e 25 (proteção judicial)

também da CADH e do artigo 11 do Protocolo de São Salvador.

I DECLARAÇÃO DOS FATOS

Contexto Histórico da República Federal de Tucanos

Entre os anos de 1815 e 1835 o Estado travou uma guerra com o Principado de

Araras, devido a conflitos territoriais, que obteve um fim pacífico em 1835, ocasião em que

foi nomeada uma comissão conjunta que delimitou as fronteiras que dividem os países,

presentes na confluência entre os rios Betara e Corvina.

Nos anos de 1990, o Estado passou a investir fortemente na indústria, o que ensejou a

necessidade de que também fizesse investimentos para desenvolver seu setor energético, e

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2

após a realização de estudos ambientais se verificou que a opção mais adequada seria

promover a construção de uma hidroelétrica, na confluência dos rios Betara e Corvina.

Breve relato acerca da população indígena Aricapu

A população indígena Aricapu é um dos mais tradicionais grupos que habitam as

fronteiras, Norte do Estado e Leste do Principado de Araras. Vivem como um grupo de

caçadores, além de plantar e colher os seus alimentos.

Com a delimitação de territórios estabelecida após o conflito mencionado, a maior

parcela dos aricapus passou a habitar o Estado oficialmente. Desde então, mantiveram boas

relações com o governo, que lhes garantia educação e saúde, obtendo por meio do Ato de

Reconhecimento de Terras Indígenas, o título oficial de propriedade sobre as suas terras,

concedido pelo Estado.

Os Aricapus possuem, em cada vila, um representante junto ao Estado, escolhido de

forma tradicional. Há também, a cada dois anos, uma eleição entre esses representantes para a

escolha de um Secretário Geral, que representa o povo Aricapu junto à República de Tucanos

e aos demais países.

Breve relato acerca da população de imigrantes de Mirokai

A República de Mirokai, localizada no continente asiático, possui cerca de 20 milhões

de habitantes, em 1970 foi atingida por uma série de tsunamis, o que deixou grande parcela

da sua população sem moradia, obrigando-os a migrar para o continente Sul-Americano. A

maioria deles se instalou na República de Tucanos, perto da confluência dos rios Betara e

Corvina e desde então vivem da exploração de recursos naturais, da pesca, além de

produzirem objetos para vender na feira local.

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3

Ao se instalarem nesta região, em 1975, os Mirokais se reuniram com o representante

dos povos Aricapus e desde então passaram a manter uma relação de cooperação.

A Constituição do Estado de Tucanos estabelece igual tratamento a nacionais e

estrangeiros, o que permitiu aos mirokaenses realizarem registros junto ao Estado, nos

moldes da Agência Nacional de Auxílio aos Estrangeiros (ANAE), e a adquirirem títulos de

propriedade sobre as terras que ocuparam desde a sua chegada ao país.

Dos fatos que originaram a presente demanda

Após a realização de diversos estudos, constatou-se que o local mais adequado para a

construção de uma hidroelétrica de grande porte, capaz de solucionar a iminente crise

energética do país, seria na confluência dos rios Betara e Corvina, local habitado pelas

comunidades Aricapu e os imigrantes de Mirokai.

Para realização de projetos dessa natureza o Estado deve observar a Lei de Licitações,

que em seu artigo 67 estabelece que: todos os projetos financiados pelo governo devem ser

feitos através do uso de licitações ou leilões e ter seus gastos aprovados na lei orçamentária

do exercício financeiro atual. Deve também, observar a Lei 8090/76, que constitui a

legislação ambiental do país (Política Tucana de Meio Ambiente de 1991 – PTMA) e cria o

Instituto Nacional do Meio Ambiente (IMA), que analisa e autoriza tais projetos.

De acordo com as normas supracitadas as fases para a implantação de projetos, bem

como a construção da hidroelétrica de Cinco Voltas são:

1ª fase: Concessão de licença prévia após verificação dos impactos ambientais,

permitindo abertura do edital de licitação;

2ª fase: Abertura do edital de licitação para contratação da empresa que irá executar a

obra;

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4

3ª Fase: A empresa e o IMA deverão fazer um Relatório de Impactos Ambientais

(RIA), que deverá especificar todas os aspectos ambientais e sociais que serão afetados pelo

projeto. O RIA deve ter o selo de aprovação do IMA;

4ª Fase: O RIA deve ser publicado e disponibilizado durante dois meses num site para

que sociedade civil possa emitir suas opiniões sobre o projeto;

5ª Fase: Depois disso, o IMA tem o prazo de três meses para fazer a segunda análise

do RIA. Com base nos apontamentos sociedade civil o IMA e a empresa deverão alterar o

relatório para diminuir os impactos;

6ª Fase: Depois de alterado, o RIA deve ser aprovado e ratificado pelo presidente do

IMA;

7ª Fase: Após a ratificação do RIA a empresa selecionada poderá começar as obras.

Essas serão acompanhadas pelo IMA. Durante esse processo a empresa devera submeter

relatórios trimestrais das obras para avaliação do IMA.

A licença prévia aprovada pelo IMA, nos termos da LC 101, em Outubro de 2009, foi

automaticamente inserida no Projeto de Lei da Lei Orçamentária Anual (LOA) para o

exercício financeiro de 2010, objetivando assegurar as dotações de recursos para as obras.

Em novembro o edital de licitação foi divulgado, e em dezembro abriu-se o projeto de

licitação. Dentre as quatro empresas participantes, a Empresa LAX foi a escolhida.

A LOA de 2010 foi aprovada pelo Congresso em janeiro do mesmo ano,

especificando o orçamento para a construção da hidroelétrica. Juntamente com a LAX o IMA

elaborou o relatório de impactos ambientais, que em seguida foi disponibilizado para o

público, em observância às exigências legais existentes no Estado.

A LAX indicou no relatório o tamanho do lago a ser construído, 1.450 km2 de

superfície, necessitando que fossem realocados a população ribeirinha de imigrantes de

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5

Mirokai e o povo indígena Aricapu. O governo explicou que todos os realocados receberiam

um lote de terra do mesmo tamanho do que moravam e recursos econômicos suficientes para

que dessem continuidade às suas vidas e atividades, de acordo com a Política Nacional de

Deslocados (PND).

Ao ser publicado o relatório, os aricapus e os mirokaenses deram início a uma

movimentação política questionando o fato de supostamente não terem sido devidamente

consultados durante a elaboração do RIA, e declararam que não pretendiam deixar a região

onde estabeleceram um vínculo histórico. Alegaram, ainda, terem sido tratados de forma

discriminatória pelos tribunais, que, supostamente, não teriam observado seus direitos de

propriedade sobre os seus territórios.

Em fevereiro do mesmo ano o Estado se reuniu com os representantes dos aricapus e

mirocaenses, oportunidade em que se dispôs a reavaliar o projeto e chegar a uma solução

conjunta e harmônica para a situação. No dia 15 de março, foi aprovado pelo IMA o relatório

que autorizou o início das obras, o que aconteceu duas semanas depois.

A autorização fez com que os aricapus e mirokaenses promovessem uma demanda

interna, a fim de anular a aprovação concedida pelo IMA, na qual alegaram terem sido

tratados com discriminação e que as obras destruiriam o território considerado por eles como

sagrado. Além disso, afirmaram que a criação do lago teria um impacto ambiental superior

aos limites que estabelece o PTMA.

Em primeira instância, o governo alegou que não houve perseguição aos indígenas e

nem aos imigrantes e que ambos tiveram os seus direitos à vida, liberdade e propriedade

garantidos pela Política Nacional de Descolados (PND) de 1992. O juiz indeferiu totalmente

o pedido dos aricapus e mirokaenses, em 14 de maio de 2010.

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6

Os demandantes recorreram da decisão e, em 30 de junho, tiveram seu pedido

deferido, momento em que foi expedida a liminar determinando a suspensão das obras.

O Advogado Geral da União recorreu em última instância à Suprema Corte do Estado,

alegando que os reclamantes não apresentaram evidências de impactos negativos com a

construção da hidrelétrica, nem para o seu território nem para as populações deslocadas.

Argumentou ainda, que a hidroelétrica é de suma importância para que haja o crescimento

das indústrias nacionais e para a população que necessita dos recursos para seu crescimento

econômico. Por fim, alegou que os benefícios trazidos pela construção da hidroelétrica de

Cinco Voltas para a população como um todo justificam a relativização dos direitos de uma

parte tão pequena da população.

Em 2 de agosto, a Suprema Corte proferiu sentença favorável ao Estado, revogando a

liminar e permitindo que dessem prosseguimento às obras, sob a alegação de que os

demandantes não foram desrespeitados e os impactos ambientais não ultrapassaram os limites

do PTMA.

Procedimento perante o Sistema Interamericano

Em 6 de Outubro de 2010, após esgotados os recursos internos, os aricapus e

mirokaeses apresentaram petição individual ante à Comissão Interamericana de Direitos

Humanos, alegando a violação pelo Estado de diversos artigos da Convenção.

Com efeito, tanto as alegações do Estado perante a Comissão, quanto as tentativas de

mediação do órgão mostraram-se infrutíferas, o que ensejou o encaminhamento do presente

caso à Corte pela Comissão em conformidade com seu Regimento.

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7

II ANÁLISE LEGAL

1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES AO MÉRITO

A. Jurisdição

A República de Tucanos é signatária da Convenção Americana desde 04 de agosto de

1991, tendo reconhecido a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos

Humanos em julho de 1992, razão pela qual a Corte, nos termos do art. 62 da CADH, possui

jurisdição para analisar a presente demanda.

B. Competência

O Estado reconhece que a Corte é competente ratione temporis1, ratione loci

2 y

ratione personea3 para conhecer da presente demanda, mas reserva-se no direito de

apresentar a seguinte exceção preliminar com em relação à sua competência ratione

materiae4:

1 Corte IDH. Caso Alfonso Martín del Campo Dodd Vs. México. Sentença de 3 de setembro de 2004. Serie C

No. 113. Par. 79.

2 Corte IDH. Caso Constantine y otros Vs. Trinidad y Tobago. Sentença de 1 de setembro de 2001. Serie C

No. 82. Par. 68 e Corte EDH. Loizidou v. Turkey. Sentença de 23 março de 1995. Par 79.

3 Corte IDH. Caso Castillo Páez Vs. Perú. Sentença de 30 de janeiro de 1996. Serie C No. 24. Voto do Juiz

Antônio Augusto Cançado Trindade. Par. 14.

4 Corte IDH. Caso Las Palmeras Vs. Colombia. Sentença de 4 de fevereiro de 2000. Serie C No. 67. Par 34.

Ver também: GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia; TRINDADE, Antônio Augusto Cançado (Colab.). O

sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: R. dos

Tribunais, 2000.

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8

B.1 Incompetência da Corte Interamericana para conhecer e julgar a suposta

violação ao artigo 11 do Protocolo de São Salvador

É incontroverso que a Corte, exercendo a sua faculdade consultiva, é competente para

conhecer e interpretar tratados distintos à CADH, no entanto, insta salientar que o mesmo não

se aplica em se tratando da sua jurisdição contenciosa, restringindo-se esta aos tratados

contenham direitos descritos na referida convenção5 ou instrumentos que, de forma expressa,

reconheçam a competência contenciosa da Corte para julgá-los6.

Na presente demanda as supostas vítimas solicitam à Corte que declare a violação, por

parte do Estado, ao artigo 11 do Protocolo de São Salvador, referente a um Meio Ambiente

Sadio, ocorre que o Protocolo, em seu artigo 19, inciso 6, reconhece a competência

contenciosa da Corte apenas para julgar violações referentes aos seus artigos 8 (Direitos

Sindicais) e 13 (Direito à Educação).

Apesar de possuir competência consultiva para interpretar o Protocolo de São

Salvador, a Corte não é competente para julgar supostas violações aos demais artigos deste

instrumento, vez que o princípio fundamental que rege a competência jurisdicional da mesma

é a vontade, ou aquiescência expressa, do Estado de submeter-se a ela7.

Cumpre frisar, que a própria Comissão, ao apresentar o caso à Corte, desconsiderou a

alegação das demandantes quanto à suposta violação ao artigo 11 do referido Protocolo,

5 Corte IDH. Caso Las Palmeras Vs. Colombia. Sentença de 4 de fevereiro de 2000. Serie C No. 67. Par 34.

6 Corte IDH. Caso González y otras (“Campo Algodonero”) Vs. México. Sentença de 16 de novembro de

2009. Serie C No. 205. Par. 37. Ver também Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 - Pacto de

São José da Costa Rica – Art. 62.3

7 Corte IDH. Caso González y otras (“Campo Algodonero”) Vs. México. Sentença de 16 de novembro de

2009. Serie C No. 205. Par. 35.

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9

admitindo uma possível violação apenas referente aos artigos 4, 5, 8, 21, 22 e 25 todos em

relação ao 1.1 da Convenção8.

Ademais, em consonância ao princípio da segurança jurídica, que visa garantir não

apenas a estabilidade do sistema interamericano, mas também delimitar quais as obrigações

imputáveis ao Estado ao submeter-se aos organismos internacionais de proteção aos Direitos

Humanos, o Estado, requer seja declarada a incompetência desta Corte para julgar os demais

artigos do Protocolo de São Salvador, inadmitindo, assim, todas as alegações apresentadas

pelos demandantes referentes à suposta violação ao seu Artigo 11 (Direito a um Meio

Ambiente Sadio).

C. Pressupostos de Admissibilidade

C.1. Ausência de Interesse de Agir

O interesse de agir se assenta na conveniência que a ação possa trazer um resultado

útil, sendo avaliada a necessidade e a adequação da ação judicial9. Cumpre frisar, que o

Estado respeitou todos os direitos consagrados pela Convenção, inclusive durante o tramite

do processo judicial que culminou na autorização para o reinício das obras.

Insta salientar a inexistência de dano aos demandantes, vez que, apesar de iniciadas as

obras não é possível depreender do escopo fático apresentado que os povos Aricapus e

mirokais já foram realocados de suas terras.

8 Caso Hipotético, par. 33.

9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: parte geral . 41.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2009.

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10

Desta feita, não há se falar em resarcimento10

, haja vista não ter havido dano, portanto

a presente demanda se mostra desnecessária e inadequada. Assim, a medida apropriada para

evitar a suposta violação aos Direitos Humanos dos demandantes seria a interposição de

medidas provisionais, nos termos do art 63.2 da CADH11

12

.

São dois os requisitos exigidos para interposição de medidas provisionais, quais

sejam: a extrema gravidade e a urgência de se previnir danos irreparáveis aos indivíduos.

Ocorre que os demandantes não lograram demonstrar a existência de dano, bem como

de qualquer possibilidade de que este venha a ocorrer, não obstante o Tribunal Superior de

Tucanos decidiu cassar a liminar concedida anteriormente e autorizar o reinicio das obras.

Pelo exposto, o Estado requer seja inadmitida a presente demanda por inexistência de

uma das condições do processo, o interesse de agir.

C.2. Vedação à “Quarta Instância”

Ainda que a Corte entenda pela existência de competência ratione matéria na presente

demanda, deverá se abster de exercer sua jurisdição, uma vez que os fatos foram devidamente

resolvidos pelos tribunais internos da República de Tucanos, conforme seu ordenamento

jurídico e em consonância com os marcos do devido processo legal estabelecidos por esta

Corte13

.

10

Draft Articles on State Responsibility with commentaries.Report of International Law Commission fifty-third

session.Yearbook of the International Law Commision.

11 Convenção Americana de Direitos Humanos e 1969 - Pacto de São José da Costa Rica. art. 63

12 Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Sentença de 31 de

agosto de 2001. Serie C No. 79.

13 Corte IDH. Caso Blake Vs. Guatemala. Sentença de 2 de julho de 1996. Serie C No. 27, par. 39 e 40

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11

A Corte deverá, portanto, considerar o caráter subsidiário do Sistema Interamericano

em relação à proteção aos Direitos Humanos, não podendo atuar como tribunal de revisão

para as decisões proferidas por outros tribunais.

Neste sentido, a Comissão sustenta a tese de que “(...) não pode revisar as sentenças

decretadas pelos tribunais nacionais que atuem na esfera de sua competência e apliquem as

devidas garantias judiciais, a menos que se tenha cometido uma violação da Convenção

Americana”14

, reconhecendo, assim, o caráter prioritário que a jurisdição interna tem com

relação à Internacional.

Nessa linha, o Ilustre Juiz Garcia Ramírez, reconheceu expressamente as limitações

aos quais está sujeito o Sistema Interamericano15

, veja-se:

Caso um órgão desse enfrente e remedia adequada e oportunamente a

violação cometida por outro, não surgirá a responsabilidade internacional

do Estado. É por isso, precisamente, que o acesso ao sistema interamericano

é condicionado ao prévio esgotamento dos recursos internos. Decorre deste

fato a importância da jurisdição interna, que tem caráter prioritário em

relação à internacional. Esta só atua de maneira subsidiária16

. (Traduziu-se)

14

C.I.D.H., Informe 87/98, Caso 11.216, Oscar Vila-Mazot, Venezuela, 12 de outubro de 1998, par. 17;

15 Corte IDH. Caso Cinco Pensionistas Vs. Perú. Sentença de 28 de fevereiro de 2003. Serie C No. 98. Voto

Concorrente do Juiz García Ramírez.

16 No original: Si un órgano de éste enfrenta y remedia adecuada y oportunamente la violación cometida por

otro, no surgirá la responsabilidad internacional del Estado. Es por ello, precisamente, que el acceso al sistema

interamericano se halla condicionado al previo agotamiento de los recursos del orden interno. (…) De ahí la

importancia de la jurisdicción interna, que tiene carácter prioritario con respecto a la internacional. Esta sólo

actúa de manera subsidiaria.

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12

Cabe frisar, que a Corte, em conformidade com os princípios gerais do Direito

Internacional, consolidou o entendimento de que não possui atribuições de um tribunal de

apelação ou cassação dos organismos judiciais de caráter nacional17

. Neste caso, poderia

apenas analisar as violações de cunho processual dos direitos consagrados na Convenção,

limitando-se a presente demanda à suposta violação aos artigos 8 e 25.

Portanto, a possibilidade de re-análise de fatos que tenham sido julgados

definitivamente em âmbito interno, de forma consentânea aos procedimentos internos de

determinado Estado, deve limitar-se a casos em que o julgamento tenha ocorrido à margem

do devido processo legal, o que naturalmente ensejaria a violação a outros direitos garantidos

pela Convenção18

.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a revisão pela Corte poderá ocorrer: em hipótese

que o julgamento não tenha sido realizado por juízes competentes, independentes e

imparciais, não tenha sido possível a apresentação de recurso em um tribunal superior ou se

tiver havido violação de alguma das demais garantias estabelecidas pelo artigo 8 da CADH19

.

17

Corte IDH. Caso Genie Lacayo Vs. Nicaragua. Sentença de 29 de janeiro de 1997. Serie C No. 30. par. 94;

Corte IDH. Caso Gomes Lund y otros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de

2010 Serie C No. 219. Voto do Juiz Figueiredo Caldas.

18 C.I.D.H., Informe 34/97, Jorge Enrique Benavides, Colombia, 03 de outubro de 1997, par. 24.

19 Corte IDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. Sentença de 23 de junho de 2005. Serie C No. 127. Voto

Dissidente do Juiz Montiel Arguello, par. 8; C.I.D.H., Informe 39/96, par. 50-52; Rodríguez Pinzón, Diego,

“The „victim‟ requirement, the fourth instance formula and the notion of „person‟ in the individual complaint

procedure of the Inter-American Human Rights System”, ILSA Journal of International and Comparative

Law,2001, párr. 51; C.I.D.H., Informe 74/90, Caso 9850, Héctor Gerónimo López Aurelli, Argentina, 4 de

outubro de 1990; C.I.D.H., Informe 29/88, Caso 9260, Clifton Wright, Jamaica, 14 de setembro de 1988, par. 5

e 7.

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13

Tendo cumprido todas as garantias ao devido processo com relação aos demandantes,

o Estado requer, em consonância aos princípios gerais do direito internacional e, sobretudo, à

vedação da quarta instância, que seja declarada inadmissível a presente demanda, sob pena de

violação à Soberania do Estado e à CADH.

Com efeito, na eventualidade deste tribunal desconsiderar as preliminares ora

apresentadas, reconhecendo, assim, a admissibilidade da presente demanda, o Estado

apresenta, ainda que subsidiariamente, os argumentos de defesa capazes de comprovar a não

violação de todos os direitos apresentados pela Comissão.

2 MÉRITO

A. Da quadra fática consentânea às diretrizes da Convenção

Prefacialmente cumpre salientar o papel exercido pelas diretrizes do artigo 1.1 da

CADH, já que da leitura do mencionado dispositivo percebe-se que as disposições nele

inscritas relacionam-se diretamente com a salvaguarda dos direitos protegidos pela

Convenção.

Isso porque se afiguraria grande inocuidade normativa a proteção de determinados

direitos em espécie, sem que houvesse a obrigação ao Estado de respeitá-los teologicamente

em sua atuação.

Isto é, o Estado não está obrigado apenas a adotar uma ordem normativa compatível

com suas obrigações internacionais, mas pelo contrário tem o dever de assegurar a

consecução dos direitos humanos fundamentais de forma livre, plena e efetiva. 20

20

Corte IDH. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam. Sentença de 8 de fevereiro de 2006 Serie C No.

145. Voto concorrete da juíza Cecilia Medina.

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14

Assim, para além das obrigações expressas nos artigos da Convenção, o Estado

encontra-se responsabilizado internacionalmente por uma atuação consentânea aos princípios

gerias estabelecido pela Convenção.

Em razão disso, não há como se avaliar uma violação autônoma ao artigo 1.1 por

parte dos Estados signatários, uma vez que essa obrigação deve ser avaliada à luz de

determinada violação a direito substancial presente na convenção. 21

Nessa linha, torna-se inequívoco que a atuação do Estado foi parametrizada pelas

disposições do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Isso porque será demonstrado

oportunamente que não houve qualquer violação a direitos inscritos na Convenção, e

tampouco é possível constatar uma atuação estatal contrária aos princípios de proteção aos

Direitos Humanos.

Observa-se que, o Estado ao contrário, não só adotou uma legislação interna que

visava concretizar a proteção dos Direitos Humanos, mas também, como demonstram os

autos, atuou em prol do exercício pleno dessas garantias.

B. Do Devido Processo Legal em Tucanos (Artigos 8 e 25 c/c 1.1 da CADH)

O Artigo 8 da Convenção americana é aplicável ao conjunto de requisitos que devem

ser observados pelas instâncias processuais, quaisquer que sejam elas, a fim de que os

indivíduos possam se defender adequadamente de atos do Estado que possam violar seus

direitos22

. É dizer: o art. 8 diz respeito, em sentido amplo, ao direito a um devido processo23

.

21

Corte IDH. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam. Sentença de 8 de fevereiro de 2006 Serie C No.

145. Voto concorrete da juíza Cecilia Medina.

22 Corte IDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. Sentença de 23 de junho de 2005. Serie C No. 127. Par. 147; Corte

IDH. Caso Claude Reyes y otros Vs. Chile. Sentença de 19 de setembro de 2006. Serie C No. 151. Par. 116

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15

Assim, em todas as suas decisões o Estado deve garantir o direito das supostas vítimas

em serem ouvidas dentro de um prazo razoável24

, por um tribunal competente, independente

e imparcial que adote suas decisões mediante sentença devidamente fundamentada, evitando-

se assim um julgamento arbitrário25

.

Tendo em vista o artigo 8 da CADH não poder ser interpretado de forma restritiva, a

Corte entende como “tribunal” toda autoridade pública, seja ela administrativa, legislativa ou

judicial competente para analisar direitos e obrigações dos indivíduos26

.

Quanto à suposta violação ao art. 25 da CADH, a Corte pacificou o entendimento de

que este artigo deve ser analisado em consonância ao devido processo legal, declarando assim

a conexão entre os artigos 8 e 25 da Convenção27

.

23

Corte IDH. Caso Tibi Vs. Ecuador. Sentença de 7 de setembro de 2004. Serie C No. 114. Voto Concorrente

do Juiz García Ramírez, párr. 27.

24 Corte EDH. Edward v. the United Kingdom, Sentença de 16 Dezembro 1992, Series A no. 247-B, par. 34-

35, § 34 e Corte EDH. Vidal v. Belgium, Sentença de 22 Abril 1992, Series A no. 235-B, par. 32-33, § 33.

25 Convenção Americana de Direitos Humanos e 1969 - Pacto de São José da Costa Rica. Art. 8; Corte IDH.

Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. Sentença de 30 de maio de 1999. Serie C No. 52. Voto dissidente do

Juiz de Roux Rengifo; Corte IDH. Caso Claude Reyes y otros Vs. Chile. Sentença de 19 de setembro de 2006.

Serie C No. 151. Voto Dissidente dos Juízes Abreu Burelli e Medina Quiroga, par. 1

Corte EDH. Ruiz Mateos v. Spain, Senteça de 23 Junho 1993, Series A No. 262, párr. 30; Corte IDH. Caso

Genie Lacayo Vs. Nicaragua. Sentença de 29 de janeiro de 1997. Serie C No. 30. Par. 77; Corte IDH. Caso

Suárez Rosero Vs. Ecuador. Sentença de 12 de novembro de 1997. Serie C No. 35. Par. 66; Corte IDH. Caso

Hilaire, Constantine y Benjamin y otros Vs. Trinidad y Tobago. Sentença de 21 de junho de 2002. Serie C

No. 94. Voto Concorrente do Juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, par 12.

26 Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Sentença de 24 de setembro de 1999. Serie C No.

55. Par. 293.

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16

A construção histórica realizada pela Corte, acerca dos referidos artigos, determina

que os Estados têm a responsabilidade de desenvolver e consagrar, mediante publicação de

leis, recursos eficazes contra atos de violação aos direitos fundamentais das pessoas

submetidas à sua jurisdição, bem como têm o dever de assegurar a devida aplicação de tais

recursos por parte das autoridades28

.

Ao interpretar o texto do art. 25 da CADH, a Corte sustenta que a obrigação do Estado

de proporcionar um recurso efetivo não se resume à existência de determinado recurso no seu

ordenamento jurídico, definindo assim29

, a obrigação do Estado em adotar prestações

positivas, a fim de garantir que os recursos são verdadeiramente efetivos para estabelecer se

ocorreram violações aos direitos humanos e propiciando a devida reparação do dano30

.

Todo o procedimento que culminou na autorização para realocação dos demandantes,

incluindo o administrativo, transcorreu em consonância com os parâmetros estabelecidos pela

Corte, em cumprimento ao devido processo legal e se desenvolveu em um intervalo de 1 (um)

ano, respeitando, assim, os parâmetros de razoabilidade para a duração do processo,

estabelecidos pela Corte31

.

27

Corte IDH. Caso Acevedo Jaramillo y otros Vs. Perú. Sentença de 7 de fevereiro de 2006. Serie C No. 144.

Voto do Juiz Cançado Trindade. Par. 6.

28 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005. Serie

C No. 125. Par. 99.

29 Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka. Vs. Surinam. Sentença de 28 de novembro de 2007. Serie C No.

172. Par. 177.

30 Garantías Judiciales en Estados de Emergencia (arts. 27.2, 25 y 8 Convención Americana sobre Derechos

Humanos). Opinião Consultiva OC-9/87 de 6 de outubro de 1987. Serie A No. 9, párr. 24.

31 Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Sentença de 6 de fevereiro de 2001. Serie C No. 74. Par. 137;

Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Sentença de 24 de setembro de 1999. Serie C No. 55.

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17

Conforme demonstrado, o Estado garantiu, formal e materialmente, o direito ao

devido processo legal, à ampla defesa e propiciou aos demandantes recursos efetivos que

avaliaram a suposta violação aos Direitos Humanos dos Demandantes, respeitando, assim os

arts. 8 e 25 da CADH.

Insta salientar que, se o Tribunal Superior de Tucanos não atendeu às expectativas dos

demandantes é porque, deveras, postulam sem qualquer base jurídica aceitável.

Pelo exposto, torna-se incontroversa a observância aos artigos 8 e 25 da CADH tanto

no procedimento administrativo que autorizou a construção da Hidroeletrica de Cinco Voltas,

quanto no procedimento judicial que reafirmou a conduta irrepreensível adotada pelo Estado.

C. Do caráter equânime ordenamento jurídico da República de Tucanos (Artigo 24

c/c 1.1 da CADH)

A análise acurada do art. 24 da CADH, demonstra que não há qualquer violação

objetiva ao enunciado do referido artigo por parte da República de Tucanos, sendo que o que

se apresenta para a análise é uma avaliação da atividade estatal em face do dever de

tratamento isonômico.

Com efeito, é inquestionável que o Estado agiu de forma equânime, pois o princípio

da igualdade, que se encontra alicerçado sob duas perspectivas de garantia aos direitos do

homem, quais sejam: igualdade formal -paridade em termos de tratamento legal- e igualdade

Par. 93 e Garantías Judiciales en Estados de Emergencia (arts. 27.2, 25 y 8 Convención Americana sobre

Derechos Humanos). Opinião Consultiva OC-9/87 de 6 de outubro de 1987. Serie A No. 9, párr. 24.

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18

material- distinções32

operadas em face da manifesta vulnerabilidade de determinados

grupos33

.

Por tal razão, não há se falar em violação do Estado ao Princípio da Igualdade, já que

as distinções feitas pelo Estado em momento nenhum se configuraram como discriminações,

isto é, a desproporcionalidade da atuação da atividade estatal em relação a alguma

característica individual, bem como raça, gênero, crença, etc..

Em julgados anteriores a Corte tem entendido que se não há um liame objetivo entre a

conduta discriminatória e a condição pessoal do indivíduo, não há se falar em violações ao

direito exposto no art. 24 da CADH.34

As comunidades indígenas encontram, em qualquer país do mundo, grandes

dificuldades em estabelecer uma vida digna, justamente por viverem em uma constante

situação de vulnerabilidade35

, e as distinções realizadas pelo Estado constituem uma forma

legítima de resguardar36

os direitos fundamentais dessas pessoas, já que pode-se afirmar que

encontra-se em um papel especial de garantidor.

32

Corte IDH. Caso Castañeda Gutman Vs. México. Sentença de 6 de agosto de 2008. Serie C No. 184. Par.

211.

33 SKRENTNY, John D., The Minority Rights Revolution. Massachusetts: Belknap Harvard, 2002; Cruz, Álvaro

Ricardo de Souza. Jurisdição Constitucional Democrática – Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

34 Corte IDH. Caso Bueno Alves Vs. Argentina. Sentença de 11 de maio de 2007. Serie C No. 164. Par. 126.

35 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005. Serie

C No. 125. Par. 63.

36 Corte IDH. Propuesta de Modificación a la Constitución Política de Costa Rica Relacionada con la

Naturalización. Opinião Consultiva OC-4/84 de 19 de janeiro de 1984. Serie A No. 4, par. 56; Corte IDH.

Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinião Consultiva OC-17/02 de 28 de agosto de 2002.

Serie A No. 17, par. 47;

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19

Neste sentido, a Corte determina ser indispensável que os Estados outorguem uma

proteção efetiva que tome em conta as particularidades dos povos indígenas, bem como suas

características econômicas e sociais, seu direito consuetudinário, valores e costumes.

D. Do exercício pleno do direito de propriedade em Tucanos (Artigo 21 c/c 1.1 da

CADH)

A Corte tem adotado uma interpretação vanguardista no que diz respeito aos tratados

em Direitos Humanos, considerando-os como instrumentos vivos37

, cuja interpretação deve

evoluir juntamente com a Sociedade Internacional.

Com efeito, essa nova perspectiva decorre das regras gerais de interpretação

consagradas no art. 29 da CADH, bem como as estabelecidas pela Convenção de Viena.38

À luz dessa nova modalidade interpretativa, o direito à propriedade privada tem sido

analisado pela Corte. No que diz respeito aos povos indígenas, especificamente, formulou-se

o entendimento de que o direito deverá ser analisado, necessariamente em sua esfera coletiva,

isto é, por meio da garantia à propriedade comum às populações indígenas39

.

Encontra-se consolidado nessa Corte, destarte, que o direito à propriedade dessas

comunidades não pode prescindir do reconhecimento por parte do Estado da propriedade

37

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005. Serie

C No. 125. Par. 125. Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Sentença de 6 de

fevereiro de 2006. Serie C No. 142 e Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay.

Sentença de 29 de março de 2006. Serie C No. 146.

38 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, 1969

39 Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Sentença de 31 de

agosto de 2001. Serie C No. 79. Par. 148.

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20

coletiva, bem como da concessão do registro do terreno tradicionalmente ocupado por essas

tribos.40

Em consonância com esse postulado, o Estado concedeu em 1975 e 1980 às

comunidades Aricapu e de imigrantes mirokaenses, respectivamente, o título de propriedade

sobre suas terras41

.

A despeito disso, cabe ressaltar, que a proteção do direito à propriedade em maneira

ampla não é absoluto, entendimento corroborado pela Corte, que admite a possibilidade de

imposições de limites e restrições ao direito de propriedade.42

.

Isso porque a dicção do art. 21 da CADH estabelece que “a lei poderá subordinar o

uso e gozo (dos bens) ao interesse social”. Bem de ver, que, para se apreciar a violação ou

não do direito à propriedade não se pode levar em consideração exclusivamente os interesses

de uma, duas, ou mais comunidades, mas há que se analisar dentro do contexto de todos os

povos que integram o referido Estado.

Invariavelmente a aplicação de uma norma implicará no descumprimento de uma ou

mais outras normas. Por tal razão, o direito tem buscado mecanismos para minimizar os

efeitos dessa fragilidade intrínseca a qualquer ordenamento jurídico.

40

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006.

Serie C No. 146; Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek. Vs. Paraguay. Sentença de 24 de

agosto de 2010 Serie C No. 214; Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs.

Nicaragua. Sentença de 1 de fevereiro de 2000. Serie C No. 66 e Corte IDH. Caso de la Comunidad Moiwana

Vs. Surinam. Sentença de 8 de fevereiro de 2006 Serie C No. 145.

41 Caso Hipotético, par. 7 e 14.

42 Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka. Vs. Surinam. Sentença de 28 de novembro de 2007. Serie C No.

172. Par 127.

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21

Portanto, não se pode visar concretizar a proteção do direito à propriedade, ou

qualquer outro direito, das comunidades Arikapu e de imigrantes mirokaenses sem levar em

consideração os direitos do restante da população.

Com efeito, a relativização do direito de propriedade só é admitida pela Corte desde

que às restrições: (i) tenham sido previamente estabelecidas por lei, (ii) sejam necessárias,

(iii) proporcionais e que (iv) tenham o fim de atingir um objetivo legítimo em uma sociedade

democrática43

.

Observa-se, in casu, que a República de Tucanos alcançou níveis acelerados de

crescimento econômico, o que aumentou consideravelmente a demanda por energia no país,

que por sua vez, ensejou restrições ao abastecimento de energia nos próximos anos44

.

Por tal razão, a realocação das comunidades, diz respeito à preponderância dos

princípios da razoabilidade e da primazia do interesse público, aqui representados pela

necessidade de prover o abastecimento de energia para toda a população do Estado, sob pena

de violar os direitos de 45 milhões de habitantes (equivalente a 90% da população do Estado).

Portanto, em consonância com a Lei de Licitações e a Lei 8090/76, a fim de impedir

danos à população de Tucanos, decorrentes da deficiência do abastecimento de energia, o

Estado realizou estudos para definir qual a forma de produção de energia menos gravosa para

essas situações e qual o local mais apropriado para o seu desenvolvimento45

. Desta forma o

43

Corte IDH. Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Sentença de 2 de julho de 2004. Serie C No. 107. par. 127;

Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Sentença de 6 de fevereiro de 2001. Serie C No. 74. par. 155 e

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006. Serie

C No. 146. Par 137.

44 Caso Hipotético, par 3.

45 Caso Hipotético, par. 15.

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22

estado logrou demonstrar o cumprimento dos quatro parâmetros gerais de apreciação

exigidos por esta Corte, não deixando de considerar as peculiaridades existentes neste caso,

por se tratar de interferência ao direito de propriedade de populações indígenas.

Frise-se que, em se tratando de restrições aos direitos de povos indígenas e tribais, em

especial ao que concerne ao uso e gozo de suas terras e recursos naturais que tenham

possuído tradicionalmente, o direito inscrito no art. 21 da CADH, ganha um novo relevo, em

que o Estado deverá avaliar se as restrições ao direito irão implicar em uma interferência nas

tradições e costumes dos povos, de forma a colocar em perigo a própria subsistência do grupo

e seus integrantes46

.

Dessa forma, a Corte Interamericana em precedente de grande vulto, estabeleceu três

requisitos a serem adotados pelos Estados em hipóteses de restrição47

: (i) possibilitar a

participação efetiva dos povos envolvidos; (ii) realizar o pagamento de justa indenização e

(iii) garantir a realização de um estudo prévio de impacto social e ambiental por entidades

independentes e tecnicamente capazes.

In Casu, a fim de garantir que as restrições ao direito de propriedade das comunidades

Aricapu e de imigrantes mirokaenses não constituíssem um prejuízo à subsistência desses

povos, a República de Tucanos, em Janeiro de 2010 tornou público o Relatório de Impactos

Ambientais (RIA)48

, possibilitando não só aos povos diretamente envolvidos, mas a toda

46

Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka. Vs. Surinam. Sentença de 28 de novembro de 2007. Serie C No.

172. Par 128; Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, Länsman y otros vs. Finlandia (qüinquagésima

segunda sessão, 1994), Comunicación No. 511/1992, ONU Doc. CCPR/C/52/D/511/1994, 8 de novembro de

1994, párr. 9.4

47 Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka. Vs. Surinam. Sentença de 28 de novembro de 2007. Serie C No.

172. Par 129

48 Caso Hipotético, par 19.

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23

população de Tucanos a participação no desenvolvimento do projeto da Hidroelétrica de

Cinco Voltas.

Após manifestação dos povos aricapus e mirokaenses, representantes do governo se

reuniram com representantes das comunidades, ora demandantes, com o objetivo de adequar

o projeto e reavaliar as condições socioambientais do Relatório de Impactos Ambientais49

.

O Estado, baseando-se no RIA e em observância às normas gerais de direito, descritas

no art. 16.4 da Convenção 169 da OIT50

concedeu às comunidades demandantes lotes de terra

com as mesmas características dos seus terrenos históricos, bem como recursos econômicos

suficientes para que possam retomar suas atividades nesta nova área.

A participação efetiva dos demandantes se deu não apenas na seara administrativa,

mas também durante o processo judicial, em que – conforme demonstrado anteriormente –

tiveram seu direito ao devido processo legal garantido pelo Estado.

Em que pese às alegações dos demandantes, sobre a impossibilidade de retomar sua

vida em outro território, os estudos realizados na região foram amplos e levaram em

consideração as peculiaridades de cada tribo.

Durante o processo judicial interposto pelos demandantes em desfavor do Estado,

estes não foram capazes de demonstrar, através de provas e fundamentos aceitáveis, que ao

serem realocados para novas terras, mediante pagamento de justa indenização garantido pelo

Estado, teriam o modo de vida alterado de forma irreparável, motivo pelo qual os tribunais

denegaram o pedido apresentado.

Tendo cumprido de forma diligente os preceitos indispensáveis à intervenção no

direito de propriedade das comunidades Aricapu e de imigrantes mirokaenses, o Estado

49

Caso Hipotético, par 22.

50 Convenção 169 da OIT, par. 16.

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24

requer sejam acatadas por essa Corte os fatos e fundamentos ora elencados, para ao fim,

declarar que a República de Tucanos não violou o disposto no artigo 21 da CADH.

D. Da quadra fática consentânea à Liberdade de Locomoção e Residência

estabelecidos pela Convenção (Artigo 22 c/c 1.1 da CADH)

O direito de liberdade de locomoção e residência, inscrito no art. 22 da CADH, diz

respeito a dispositivo da Convenção em que é necessária grande cautela para a avaliação de

uma suposta violação.

Isso porque o direito em questão está submetido à margem de apreciação do Estado

parte51

. É dizer: o direito de circulação e residência está submerso em um rol de disposições

em que o Estado poderá adotar medidas internas para regulamentar o seu exercício, sendo-lhe

permitido, inclusive, restringir o plexo de incidência da norma, conforme entendimento da

Corte52

.

Com efeito, não se trata de munir o Estado de um poderio contrário ao

princípio pro homini, enunciado do art. 29 da CADH, ao contrário, trata-se de espécie de

poder discricionário que deverá ser exercido pelo Estado, tendo como diretrizes norteadoras o

princípio da razoabilidade.

51

LEDESMA, Héctor Faúndez. El Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos: aspectos

institucionales y procesales. 3 ed. São José :Instituto Interamericano de Derechos Humanos.p 70 e ss.

52 Corte IDH. Caso Ricardo Canese Vs. Paraguai. Sentença de 31 de agosto de 2004. Serie C No. 111, par

110; Corte IDH. Caso do Masacre de Mapiripán Vs. Colombi. Sentença 7 de março 2005. Serie C No. 122,

par 188.

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25

Pode-se afirmar, então, que essa margem de apreciação diz respeito ao poder

de avaliação dos fatos e fundamentos do Estado em momentos preliminares, que também não

o exime de responsabilidade ulterior.

In casu, o Estado não podede ser responsabilizado por qualquer cerceamento

das liberdades inscritas no art. 22 da CADH. Isso porque a dicção legal é no seguinte sentido:

22º - Direito de circulação e de residência

1. Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem

direito de circular nele e de nele residir em conformidade com as

disposições legais.

2. Toda pessoa tem direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do

próprio.

3. O exercício dos direitos acima mencionados não pode se restringido

senão em virtude de lei, na medida indispensável, em uma sociedade

democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança

nacional, a segurança ou a ordem públicas, a moral ou a saúde públicas, ou

os direitos e liberdades das demais pessoas.

4. O exercício dos direitos reconhecidos no inciso 1 pode também ser

restringido pela lei, em zonas determinadas, por motivo de interesse

público.

[...]

Observa-se que, a própria CADH se antecipa e prevê a margem de apreciação estatal,

não só ao dispor que o exercício do direito mencionado encontra-se limitado às disposições

legais internas, art. 22.1, mas também ao submetê-lo ao crivo de necessidades emergenciais,

como as de Ordem Pública e Interesse Público, art 22.3.

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26

Como demonstram os autos, o procedimento de realocação das comunidades só foi

realizado por circunstâncias imperativas à manutenção da Ordem Pública e de consecução do

Interesse Público.

Ora, a construção da hidroelétrica de Cinco Voltas se fez necessária em face da

iminente crise de recursos energéticos, que foi gerado pelo crescimento econômico do país,

que como resta comprovado nos autos, não beneficiaria apenas um grupo determinado de

pessoas, mas a sociedade civil como um todo.

Bem de ver, que a evidência de preponderância do Interesse Público foi devidamente

analisada e comprovada pelo Estado, quando da análise à suposta violação ao direito de

propriedade.

Assim, foi trazido à tona, todo o procedimento de criação do empreendimento, que

não só foi constituído de maneira escorreita em termos de garantias processuais, mas também

se deu de forma consentânea ao princípio da razoabilidade.

É que além de se tratar de um empreendimento necessário, como mencionado alhures,

o procedimento administrativo para sua criação se deu por meio de ampla participação da

sociedade civil, bem como de criteriosa avaliação por parte das entidades estatais das

conseqüências que acarretaria.

Com efeito, os precedentes da Corte, que analisam a liberdade de residência e

locomoção à luz dos direitos de povos originários também não podem ser aplicados ao caso

sub judice.

Tendo em vista que tais casos, prioritariamente, analisaram fatos ocorridos com

violência por parte do Estado53

, o que não pode ser observado no caso em análise. As

53

Corte IDH. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Suriname. Sentença de 15 de junho de 2005. Serie C No.

124, par 104 e ss.

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27

comunidades originárias em questão eram privadas do acesso às suas terras por meio da

força, e sentiam-se coagidas a retornar ao local em questão é sofrer nova retaliação.

No processo de realocação na República de Tucanos não houve, em qualquer

momento, privação arbitrária da liberdade de locomoção. Pelo contrário, todo o procedimento

foi realizado nos termos da lei, e também foi operado de forma consentânea às diretrizes do

Direito Internacional.

Já que se pode observar nos autos, que o empreendimento que ensejaria a realocação

dos povos ribeirinhos só foi constituído por meio de ordem judicial, que ao seu turno, foi

exarada dentro de todos os padrões do devido processo legal.

Além disso, foram assegurados aos povos outros terrenos para que pudessem

permanecer com suas atividades, sendo que também não é possível perceber nos autos,

qualquer outro fato que pudesse causar constrangimento ao exercício do direito previsto no

art. 22 da CADH.

Pelo exposto, o Estado requer seja julgado improcedente o pedido formulado para sua

condenação, em razão da suposta violação ao art. 22 pelos povos arikapus e mirokaenses, já

que ficou demonstrado que não há qualquer fundamento de fato ou direito que lhes assistam

de razão.

E. Das prestações positivas do Estado em prol da vida e da integridade dos povos

Aricapu e Mirokaes (Artigos 4, 5 e 11 c/c 1.1 da CADH)

Pode-se asseverar, hodiernamente, que o Sistema Interamericano de Direitos

Humanos encontra-se alicerçado na proteção do direito à vida, nos termos inscritos no art. 4º

da Convenção. Isso porque se trata de direito fundamental, norma de jus cogens no Direito

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28

internacional54

, cujo gozo é pré-requisito para o exercício de todos os demais direitos

humanos55

.

Em razão disso, esse direito não pode ser compreendido de forma restritiva, tendo em

vista que não se trata apenas da obrigação de não privar qualquer ser humano da vida

arbitrariamente (prestação negativa), mas sua garantia requer também o acesso às condições a

uma existência digna (prestação positiva).

In casu, não há que se falar em violação do direito à vida em qualquer uma de suas

perspectivas. Ao contrário, o Estado sempre adotou todas as medidas para salvaguardar a

existência digna desses povos.

O procedimento de realocação per si, não enseja violação ao direito à vida dos povos

Aricapu e Mirokais, pois a remoção desses povos da área em que residiam não é suficiente

para alijá-los das condições necessárias à vida digna.

De fato, os autos demonstram que essas populações viviam prioritariamente da caça e

da colheita de alimentos que eles próprios plantavam. Sendo que, os Mirokais ainda vendiam

produtos de sua confecção na feira local.

A despeito disso, conforme sinalado pelo Poder Judiciário local, os aricapus e os

mirokaenses não conseguiram demonstrar que não poderiam exercer essas atividades, que

realmente lhes são essenciais à existência, nas áreas que lhes foram destinadas pela PND.

54

TRINDADE, Antônio A. Cançado, Direitos Humano: Personalidade e Capacidade Jurídica Internacional do

Indivíduo. In: O Brasil e os NovosDesafios do Direito Internacional, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2004, p. 225

55 Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Sentença de 19 de

novembro de 1999. Serie C No. 63. par. 144 e ss; Conferir também Corte IDH. Caso "Instituto de Reeducação

de Menores”. Sentença de 2 de setembro de 2004. Serie No. 112, par 156; Corte IDH. Caso Comunidad

Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005. Serie C No. 125. par. 160 e ss.

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29

Ressalte-se, que o Estado, ciente que um processo de realocação pode ser dificultoso

aos seres humanos e alinhado à perspectiva de prestação positiva do Estado em prol da vida,

consolidada por essa Corte56

, assegurou também às populações deslocadas recursos

econômicos para que o processo de adaptação em uma nova área não lhes ensejasse qualquer

possibilidade de violação aos seus direitos essenciais.

Ademais, a sacralidade do território em que habitam não pode ser considerada como

fator de violação ao direito à vida, considerado isoladamente. Isso porque o processo de

avanço na interpretação da Corte em relação ao referido direito, diz respeito tão somente57

à

inscrição desse direito no rol de direitos econômicos e sociais.

Nessa seara, resta claro a atuação do Estado em prol dessas populações, uma vez que

sempre atuou no sentido de lhes garantir as condições adequadas de vida, sendo que lhes

proveu de direitos sociais, subsidiando educação e saúde aos aricapus. Assim como, prestou

ajuda humanitária aos mirokaenses por meio da ANAE.

Bem de ver, que a suposta separação das populações de seus territórios originários,

cuja natureza é sagrada para sua cultura, diz respeito tão somente a violação do direito de o

ser humano ser considerado em sua integridade, o que se admite só por argumentar, conforme

dicção do art. 5 da CADH.

Ocorre que, tanto os aricapus, quanto os mirokaenses, sempre tiveram sua existência

consideradas em sua integridade pelo Estado, isto é, com todos os elementos indispensáveis

ao seu bem estar.

56

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006.

Serie C No. 146, par 151 e ss.

57 Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Sentença de 19 de

novembro de 1999. Serie C No. 63. Voto Concorrente do Juiz Cançado Trindade. par 4.

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30

Essas comunidades estiveram permanentemente integradas ao processo democrático

do Estado, de sorte que tiveram sua personalidade coletiva reconhecida possibilitando, assim,

sua devida representação junto ao governo, em que pese nunca ter havido ao longo da relação

do Estado com esses povos qualquer ato que lhes privasse de qualquer meio necessário ao

exercício de suas práticas culturais.

Com efeito, a noção de violação do direito das comunidades originárias, quanto à sua

integridade, diz respeito à vedação por parte do Estado, da realização de seus cultos e

tradições58

. É dizer: haveria uma violação à integridade pessoal dessas populações se o

Estado impedisse às suas práticas culturais59

.

Ocorre que, da quadra fática não é possível se constatar qualquer ato estatal nesse

sentido. Isso porque a possível separação das populações de suas terras per si, não é

suficiente para lhes gerar um dano à sua integridade.

Não é possível constatar nos autos, destarte, que os aricapus e mirokaenses estariam

impedidos de exercer suas práticas culturais60

com a possível separação de suas terras

originárias, isto é, a manifestação cultural desses povos, que lhes é primordial a construção de

sua personalidade, poderá ser exercida em outras localidades, que não a área que será

inundada pela construção da hidroelétrica.

58

Corte IDH. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Suriname. Sentença de 15 de junho de 2005. Serie C No.

124, par 101 e ss.

59 Corte IDH. Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek. Vs. Paraguai. Sentença de 24 de agosto de 2010

Serie C No. 214, par 243 e ss.

60 Corte IDH. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam. Sentença de 8 de fevereiro de 2006 Serie C No.

145.

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31

De fato, a Corte já apreciou por diversas vezes violações em casos similares, em que

entendeu que separação da população originária de suas terras tradicionais ensejava a

violação doa art. 5º da CADH.

Observa-se, entretanto, que os precedentes não se aplicam o caso, uma vez que não foi

demonstrada a existência de qualquer prática peculiar às comunidades ribeirinhas, que só

pudessem ser exercidas no território em que se pretende instalar o empreendimento.

Nessa toada, não cabe também, supor uma similaridade entre as comunidades, cujos

direitos já foram apreciados formando-se os mencionados precedentes, pois como é cediço,

tratando-se de comunidades indígenas cada qual se rege por preceitos e princípios próprios.

Tampouco se pode falar que a possibilidade de separação dos aricapus e mirokaenses

iria acarretar à violação ao art. 5º da CADH61

, pois a despeito desses povos terem

estabelecido uma relação de cooperação ao longo de sua relação de vizinhança, não se pode

interpretar a referida relação como a criação de uma nova comunidade.

É que ambos os grupos, mirokaenses e aricapus, não só mantiveram sua identidade

cultural, sendo expressa de forma diversa em cada comunidade, como também não adotaram

um regime político único, sendo claro que cada um desses povos manteve sua representação

própria durante todo o processo.

Ademais, não é possível se constatar nos autos, que essas comunidades eram

interdependentes, ao contrário, enquanto os aricapus residiam naquele território oficialmente,

desde 1835, os imigrantes mirokaenses só passaram a habitar a região em 1990, quando de

sua chegada ao Estado.

61

Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek. Vs. Paraguay. Sentença de 24 de agosto de 2010

Serie C No. 214.

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32

Tampouco pode-se falar em violação ao art. 11 da CADH, que ora se analisa por

expresso reconhecimento do princípio iura novit cúria62

, que se encontra consolidado pela

Corte, um vez que, como demonstrado alhures, os povos ribeirinhos estiveram inseridos

perfeitamente no processo democrático do Estado, tendo sua existência reconhecida pela

República de Tucanos.

Ademais, a instalação do empreendimento não foi um ato de ingerência por parte do

Estado, que só autorizou o início das obras após transcorridos os tramites administrativos e

judiciais, em consonância com os preceitos inerentes ao devido processo legal, que por sua

vez, esteve orientada pelas diretrizes da CADH.

Com efeito, não se constata nos autos, qualquer elemento que comprove uma atuação

desproporcional ou coativa do Estado para com os demandantes, ao contrário, o que já se

demonstrou, foi uma atuação positiva do Estado em prol das populações ribeirinhas.

Como se vê, a alegação de violação dos artigos 4, 5 e 11 da CADH pelo Estado, são

desarrazoadas e não apresentam verossimilhança com a quadra fática.

62

Corte IDH. Caso Godínez Cruz Vs. Honduras. Sentença de 20 de janeiro de 1989. Serie C No. 5. Par. 172;

Corte IDH. Caso Escher y otros Vs. Brasil. Sentença de 6 de julho de 2009. Serie C No. 200. Par. 34; C.I.J.

Caso"Lotus". Sentença de 1927. No. 9, 1927, Series A No. 10, pág. 31 e Corte EDH. Handyside Case.

Sentença de 7 de dezembro de 1976, Series A No. 24. Par. 41.

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33

III DOS PEDIDOS

A República de Tucanos, pelas e razões de fato e de direito apresentados, requer que:

a) a Corte se declare incompetente, em razão da matéria, para analisar as alegações

referentes ao art. 11 do Protocolo de São Salvador.

b) a Corte declare a ausência de dano às comunidades demandantes e a conseqüente

inexistência do interesse de agir;

c) na eventualidade de não ser acolhida a preliminar de ausência de interesse de agir,

o que só se admite por respeito ao debate, que seja inadmitida a presente demanda,

com base na exceção de vedação à quarta instância, uma vez que o procedimento

judicial foi devidamente realizado;

d) na eventualidade da r.Corte decidir pela admissibilidade da presente demanda, Ad

argumentandum tantum, que seja declarada a inexistência, de quaisquer violações

aos artigos 4 (direito à vida), 5 (integridade física), 8 (garantias judiciais), 11

(honra), 21 (propriedade), 22 (liberdade de circulação e residência), 24

(igualdade) e 25 (proteção judicial) da CADH todos em conexão com o art. 1.1,

pelo Estado, julgando improcedentes todos os pedidos apresentados pela

Comissão em conjunto com os demandantes.