191
Rebuscando minhas anotações sobre a herança nefasta deixada pela corrupção, encontrei material precioso no artigo Lei e inversão de valores, de Luiz Julião Ribeiro, delegado de polícia do Distrito Federal, publicado no Jornal de Brasília, em 14 de novembro de 2005, p.6. CORRUPÇÃO Ah, se nós pudéssemos Eliminar a corrupção, O Brasil seria mais respeitado Como uma grande nação. As crianças sorririam E os jovens iriam além, Os pobres se orgulhariam E os miseráveis diriam amém. As oportunidades seriam iguais, Dar-se-ia fim à distinção, Nem todos andariam sorrindo, Mas não haveria coação, Pois, para corruptos e corruptores, Acabaria a mordomia, E o país, feliz da vida, Extinguiria a epidemia. Viva, então, O fim da vida Da corrupção! José Daniel de Alencar CORRUPÇÃO Memórias de um cabra da peste CORRUPÇÃO Memórias de um cabra da peste José Daniel de Alencar “Tive a oportunidade de ler previamente este livro CORRUPÇÃO Memórias de um cabra da peste. Confesso que fiquei emocionado com o que li. Se antes respeitava o Daniel, agora o admiro. É uma rica história sobre uma alma que dedicou sua vida buscando contribuir para a falência da corrupção, apesar dos percalços no caminho. Não vai ser fácil suprimi-la, pois o Brasil levou mais de 500 anos para construir essa parafernália, e não vai ser em pouco tempo que o terreno será totalmente limpo. Há de haver sempre uma grande mobilização, mesmo de poucos, para amenizar esse mal. Considero hoje o Daniel um ícone nessa luta, um homem de caráter, e por tal deve ser respeitado. O livro fala da realidade dos fatos e apresenta propostas, além de mostrar a trajetória da vida de um cidadão na luta por um ideal e como nasceram, no seu íntimo, os valores e princípios fundamentais para a gestão pública. A dobradinha Daniel X Fernando de Oliveira vai dar o que falar.” ‘A realidade é que nosso país precisa menos de leis e mais de seriedade, comprometimento com o bem comum e com a formação moral e intelectual das nossas crianças e de nossos jovens. Quanto mais educarmos o homem, menos precisaremos de leis, porquanto a lei somente se faz necessária quando os bons costumes, os princípios da civilidade e do respeito mútuo falham.’ Tais palavras levam-me a lançar um brado, que espero seja ouvido em todos os recantos do Brasil e não seja olvidado: ‘Por que fecham os olhos e esquecem os principais responsáveis por essa vergonhosa e inominável situação, não se tocando, pelo menos, de que esse grandioso país será dirigido, no futuro, nas mais variadas áreas de atividades (jurídica, legislativa, executiva, administrativa, contábil, empresarial, etc.), justamente pelas crianças e pelos jovens de hoje e de amanhã? Que exemplo estão lhes transmitindo?’ A propósito, é de se recordar as lições que sábios legaram à humanidade: ‘Educai as crianças, e não será preciso castigar os homens.’ (Confúcio) ‘A corrupção do melhor é a pior das corrupções.’ (São Gregório, o Grande) ‘O bom exemplo não é apenas um meio de influenciar as pessoas. É o único!’ (Albert Schweitzer, médico alemão) José Daniel de Alencar FERNANDO ESTEVEZ GADELHA ADMINISTRADOR DE EMPRESAS PELA FACULDADE DE CIÊNCIAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS DO RIO DE JANEIRO E ESPECIALISTA EM POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MICRO E PEQUENAS EMPRESAS PELA UNIVERSIDADE DE CAMPINAS (UNICAMP). ATUA HOJE COMO GERENTE DA UNIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO SEBRAE DO ESPÍRITO SANTO E FOI DIRETOR DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS DO ESPÍRITO SANTO 1988 A 2001. Das lições que transmite o articulista à nossa sociedade, destacam-se os seguintes parágrafos do referido artigo:

Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

Embed Size (px)

DESCRIPTION

O livro fala da realidade dos fatos e apresenta propostas, além de mostrar a trajetória da vida de um cidadão na luta por um ideal e como nasceram, no seu íntimo, os valores e princípios fundamentais para a gestão pública.

Citation preview

Page 1: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

Rebuscando minhas anotações sobre a herança nefasta deixada pela corrupção, encontrei material precioso no artigo Lei e inversão de valores, de Luiz Julião Ribeiro, delegado de polícia do Distrito Federal, publicado no Jornal de Brasília, em 14 de novembro de 2005, p.6.

CORRUPÇÃO

Ah, se nós pudéssemos Eliminar a corrupção,O Brasil seria mais respeitadoComo uma grande nação.

As crianças sorririamE os jovens iriam além, Os pobres se orgulhariamE os miseráveis diriam amém.

As oportunidades seriam iguais, Dar-se-ia fim à distinção,Nem todos andariam sorrindo, Mas não haveria coação,

Pois, para corruptos e corruptores,Acabaria a mordomia, E o país, feliz da vida,Extinguiria a epidemia.

Viva, então, O fim da vidaDa corrupção!

José Daniel de Alencar

CO

RR

UPÇ

ÃO

M

emór

ias d

e um

cab

ra d

a pe

ste

CORRUPÇÃO Memórias de um cabra da peste

José Daniel de Alencar

“Tive a oportunidade de ler previamente este livro CORRUPÇÃO Memórias de um cabra da peste. Confesso que fiquei emocionado com o que li. Se antes respeitava o Daniel, agora o admiro. É uma rica história sobre uma alma que dedicou sua vida buscando contribuir para a falência da corrupção, apesar dos percalços no caminho. Não vai ser fácil suprimi-la, pois o Brasil levou mais de 500 anos para construir essa parafernália, e não vai ser em pouco tempo que o terreno será totalmente limpo. Há de haver sempre uma grande mobilização, mesmo de poucos, para amenizar esse mal. Considero hoje o Daniel um ícone nessa luta, um homem de caráter, e por tal deve ser respeitado. O livro fala da realidade dos fatos e apresenta propostas, além de mostrar a trajetória da vida de um cidadão na luta por um ideal e como nasceram, no seu íntimo, os valores e princípios fundamentais para a gestão pública. A dobradinha Daniel X Fernando de Oliveira vai dar o que falar.”

‘A realidade é que nosso país precisa menos de leis e mais de seriedade, comprometimento com o bem comum e com a formação moral e intelectual das nossas crianças e de nossos jovens.Quanto mais educarmos o homem, menos precisaremos de leis, porquanto a lei somente se faz necessária quando os bons costumes, os princípios da civilidade e do respeito mútuo falham.’

Tais palavras levam-me a lançar um brado, que espero seja ouvido em todos os recantos do Brasil e não seja olvidado:

‘Por que fecham os olhos e esquecem os principais responsáveis por essa vergonhosa e inominável situação, não se tocando, pelo menos, de que esse grandioso país será dirigido, no futuro, nas mais variadas áreas de atividades (jurídica, legislativa, executiva, administrativa, contábil, empresarial, etc.), justamente pelas crianças e pelos jovens de hoje e de amanhã? Que exemplo estão lhes transmitindo?’

A propósito, é de se recordar as lições que sábios legaram à humanidade:

‘Educai as crianças, e não será preciso castigar os homens.’ (Confúcio)

‘A corrupção do melhor é a pior das corrupções.’ (São Gregório, o Grande)

‘O bom exemplo não é apenas um meio de influenciar as pessoas. É o único!’ (Albert Schweitzer, médico alemão)

José Daniel de Alencar

Fernando estevez Gadelha

administrador de empresas pela Faculdade de ciências políticas e econômicas do rio de Janeiro e especialista em políticas públicas para micro e pequenas empresas pela universidade de campinas (unicamp). atua hoJe como Gerente da unidade de políticas públicas do sebrae do espírito santo e Foi diretor da empresa brasileira de correios e teléGraFos do espírito santo 1988 a 2001.

Das lições que transmite o articulista à nossa sociedade, destacam-se os seguintes parágrafos do referido artigo:

Page 2: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

Rebuscando minhas anotações sobre a herança nefasta deixada pela

corrupção, encontrei material precioso no artigo Lei e inversão de valores, de Luiz

Julião Ribeiro, delegado de polícia do Distrito Federal, publicado no Jornal de Brasília,

em 14 de novembro de 2005, p. 6.

Das lições que transmite o articulista à nossa sociedade, destacam-se os

seguintes parágrafos do referido artigo:

‘A realidade é que nosso país precisa menos de leis e mais de

seriedade, comprometimento com o bem comum e com a formação moral e

intelectual das nossas crianças e de nossos jovens.

Quanto mais educarmos o homem, menos precisaremos de

leis, porquanto a lei somente se faz necessária quando os bons costumes, os

princípios da civilidade e do respeito mútuo falham.’

Tais palavras levam-me a lançar um brado, que espero seja ouvido em

todos os recantos do Brasil e não seja olvidado:

‘Por que fecham os olhos e esquecem os principais

responsáveis por essa vergonhosa e inominável situação, não se tocando, pelo

menos, de que este grandioso país será dirigido, no futuro, nas mais variadas

áreas de atividades (jurídica, legislativa, executiva, administrativa, contábil,

empresarial, etc.), justamente pelas crianças e pelos jovens de hoje e de

amanhã? Que exemplo estão lhes transmitindo?’

A propósito, é de se recordar as lições que sábios legaram à

humanidade:

‘Educai as crianças, e não será preciso castigar os homens.’

(Confúcio)

‘A corrupção do melhor é a pior das corrupções.’

(São Gregório, o Grande)

‘O bom exemplo não é apenas um meio de influenciar as pessoas. É o único!’

(Albert Schweitzer, médico alemão)

   

José Daniel de Alencar

Page 3: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

José Daniel de Alencar

CORRUPÇÃO ― Memórias de um cabra da peste

Page 4: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

CRÉDITOS

Autor: José Daniel de Alencar

Colaboração: Carlos Marcelo Estevez de Alencar

Digitação e revisão: Sandra Regina de Oliveira

Supervisão: Maria Inez Dorça da Silva

Capa: Jonas Gadelha de Andrade Bento

Page 5: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

III

SUMÁRIO

Apresentação, VI

Prefácio, VII

PRIMEIRA PARTE

CAPÍTULO I

1. ANDANÇAS INICIAIS, p. 1

1.1 Em Parnaíba – Piauí, p. 1

1.2 No Rio de Janeiro – Guanabara, p. 8

1.3 Em Montes Claros – Minas Gerais, p. 21

1.4 Em Brasília – Distrito Federal, p. 29

1.5 Em Boa Vista – Território Federal de Roraima, p. 34

1.6 Em Macapá – Território Federal do Amapá, p. 38

1.7 De volta a Brasília – Distrito Federal, p. 60

CAPÍTULO II

2. CONTINUAÇÃO DAS BATALHAS, p. 61

2.1 O Projeto Verama, p. 62

2.2 As Secretarias de Controle Interno, p. 64

2.3 Mudança funesta, p. 68

2.4 Reinício da luta, p. 69

2.5 No Ministério da Agricultura, p. 74

2.5.1 Cargos exercidos, p. 75

2.6 Na Secretaria de Planejamento da Presidência da República, p. 75

2.6.1 Cargos exercidos, p. 76

2.7 Novamente no Ministério da Agricultura, p. 76

2.7.1 Cargo exercido, p. 77

2.8 No Serviço Nacional de Informações, p. 79

2.8.1 Cargos exercidos, p. 80

Page 6: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

IV

2.9 Na Fundação Visconde de Cabo Frio, p. 80

2.9.1 Cargo exercido, p. 80

SEGUNDA PARTE

CAPÍTULO I

1. O SISTEMA DE CONTROLE INTERNO NO PODER EXECUTIVO FEDERAL

PÓS CONSTITUIÇÃO DE 1988, p. 83

CAPÍTULO II

2. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO, p. 86

CAPÍTULO III

3. O CUSTO DA CORRUPÇÃO, p. 87

3.1 O prejuízo anual da corrupção no Brasil, p. 88

CAPÍTULO IV

4. O MENSALÃO NO DISTRITO FEDERAL, p. 89

4.1 A estatística da corrupção, p. 95

4.2 Não à intervenção federal, p. 96

CAPÍTULO V

5. A LEI DA FICHA LIMPA, p. 97

5.1 Repercussão mundial, p. 107

5.2 Agora, é o voto, p. 109

Page 7: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

V

CAPÍTULO VI

6. AINDA A PROPÓSITO DA CORRUPÇÃO, p. 110

6.1 O Congresso Nacional e a corrupção, p. 111

6.2 Caracterizando e batizando os corruptos, p. 112

6.3 Nós e você, já são dois gritando, p. 114

6.4 Dia Internacional contra a Corrupção, p. 121

6.5 Resposta à corrupção em várias partes do mundo, p. 124

6.6 Prisão de políticos corruptos em Curitiba, p. 124

CAPÍTULO VII

7. BASTA DE CORRUPÇÃO! , p. 125

7.1 Os Tribunais de Contas , p. 161

7.2 Fiscalização para fiscal, p. 163

7.3 Propostas do autor, p. 166

TERCEIRA PARTE

CAPÍTULO I

1. CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 168

ANEXO

1. TRABALHOS PARALELOS, p. 169

1.1 Cursos ministrados, p. 170

1.2 Livros publicados, p. 170

2. ELOGIOS RECEBIDOS, p. 171

Page 8: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

VI

Apresentação Há cerca de quarenta anos, venho lutando contra a corrupção. E não têm sido fáceis as batalhas travadas. Agindo sorrateiramente, a corrupção prejudica o desenvolvimento de qualquer nação, deixando um rastro inconfundível de sua nocividade. As crianças, os adolescentes, os pobres e os miseráveis são suas vítimas em potencial. Que pátria vamos entregar-lhes? Graças à ajuda de meu filho, Carlos Marcelo Estevez de Alencar, jornalista, e de minha sobrinha, Sandra Regina de Oliveira, pude concluir este livro. Desta, que desconhecia o meu combate à perniciosa corrupção, recebi o bilhete abaixo transcrito, com referência à minha luta e à esperança, que não deve ser olvidada:

“Tio Pan, Parabéns pela sua digna luta! Comparo-o a um mártir, em constante batalha, mesmo com os perigos que possam advir desse grito abafado em prol da decência, da honra e da respeitabilidade. Admiro-o pela coragem e perseverança. Oxalá esse clamor de justiça que intenta eclodir do seu interior possa, um dia, ser entendido pelos que somente visam à ganância, ao vilipêndio e ao poder como o caminho da prosperidade e da realização do indivíduo em sua essência.

Um grande abraço, Sandra Regina 1º/8/2010” Peço desculpas pelas palavras usadas no livro, em diversos casos citados, referentes aos elogios sobre a minha atuação. No entanto, trata-se de relato dos fatos por mim vivenciados. Brasília, 15 de agosto de 2010 José Daniel de Alencar

Page 9: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar
Page 10: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

CORRUPÇÃO ― Memórias de um cabra da peste

PRIMEIRA PARTE

CAPÍTULO I

1. ANDANÇAS INICIAIS

‘No meio do caminho tinha

uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.’

(Carlos Drummond de Andrade)

1.1 Em Parnaíba – Piauí

Daniel, o cabra da peste, nasceu no dia 15 de janeiro de 1934,

numa casa coberta com palha de coqueiro, piso de areia, paredes de taipa,

próxima aos barrancos do rio Parnaíba, na cidade do mesmo nome, no Estado

do Piauí.

Filho de João Alencar dos Santos, mais conhecido como seu

Janoco, e de Bernarda Costa dos Santos, a dona Nadina, foi o terceiro de uma

Page 11: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

2

prole de dezoito, segundo do sexo masculino. Após seu nascimento,

seguidamente, vieram mais dois daquele mesmo sexo. Depois, ano a ano,

nasceram, alternadamente, uma mulher e um homem. Somente onze

sobreviveram: seis homens e cinco mulheres.

Daniel que tinha feições japonesas ― e seu irmão Jonas eram

morenos. Os outros eram brancos, alguns de olhos verdes. Os quatro primeiros

meninos ― João, José (Daniel), Jaime e Jonas ― eram quase do mesmo

tamanho e pareciam, quando lado a lado, uma escadinha. Muito unidos, viviam

aprontando. Só sossegavam na hora de dormir.

Àquela época ― 1934, e por seguidas décadas ―, doenças

desconhecidas mutilavam as crianças da cidade. Diariamente, passavam nas

ruas vários caixões com criancinhas mortas.

Quando ainda dava os primeiros passos, Daniel foi acometido de

pneumonia e permaneceu doente por seis meses. Definhava a cada dia e já não

tinha mais carne, somente os ossos. Parecia um esqueleto. Um dia, começou a

balbuciar; de sua boca, a saliva escorria. Nadina apelou para a empregada que

fosse correndo chamar o médico, pois Janoco, também doente, se retorcia na

rede com uma congestão. O médico chegou, examinou Daniel e balançou a

cabeça negativamente:

― Este menino não viverá até o amanhecer. Amanhã passarei

aqui para entregar-lhe o atestado de óbito, informou tristonho.

“Meu Deus, o que faço?”, pensou Nadina, atordoada, pois, ao

mesmo tempo, o marido gritava seu nome desesperadamente.

Católica fervorosa, pegou Daniel, acolheu-o nos braços e foi até a

sala onde estava, em bonitos quadros de vidro, a Família Sagrada, na seguinte

ordem: São José, Jesus e Nossa Senhora. Ela olhou fixamente São José e,

ajoelhando-se com o menino nos braços, pediu-lhe:

― Se meu marido tiver que morrer, entrego-lhe meu filho. Leve-o

no lugar dele, pois sem o Janoco não teremos como viver. Seja o padrinho do

meu filho.

Retornou rapidamente, colocou Daniel na rede e foi atender o

marido, que se queixava de não mais sentir a perna esquerda. Aplicou

Page 12: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

3

massagens na perna dele e, exausta pelas noites indormidas, recolheu-se à sua

rede.

Acordou com os primeiros raios de sol e lembrou-se do aviso do

médico de que Daniel não atravessaria a noite. Ao chegar à rede, olhou para a

criança e quase desmaiou de tanta emoção. O menino fitava Nadina e sorria.

O médico vinha chegando e assustou-se.

― Isso é inacreditável. Nunca me enganei nos meus diagnósticos.

Reexaminou Daniel e, estupefato, acrescentou:

― Se me contassem, eu não acreditaria. A pneumonia sumiu.

Nunca vi caso igual. Se existe milagre, aqui houve um.

Em seguida, examinou Janoco e também se espantou com a sua

melhora. Notou, porém, que a perna esquerda definhara, em comparação com

a outra. Em poucos dias, o esposo de Nadina começou a andar, embora tivesse

que jogar a perna esquerda de lado. Tal defeito, carregou-o pelo resto da vida.

Um dia, Nadina estava trabalhando na máquina de costura e pediu

a Daniel, que brincava ao lado, que fosse pegar a tesoura em cima da cama. O

menino, já com quase dois anos de idade, assim o fez, mas escorregou, e parte

da lâmina entrou na coxa de sua perna direita. O sangue começou a jorrar. Sua

mãe, desesperada, gritava por socorro. Como ninguém apareceu, fechou os

olhos, rogou a Deus por Sua ajuda e puxou com firmeza a tesoura.

O sangue ainda correu por poucos minutos e estancou. Daniel foi

levado para a cama. O médico chegou logo depois e recomendou repouso

absoluto por aproximadamente um mês. Somente com cerca de três anos é que

o menino pôde caminhar com firmeza.

Sempre andando junto com João, Jaime e Jonas, Daniel era o

mais terrível dos irmãos: subia em árvores e corria o dia inteiro. Os quatro, de

tantas estripulias, levavam várias surras por dia, ora de palmatória, ora de

chiqueirador. Nadina não sabia o que fazer. Católica fervorosa, decidiu ir à

igreja revelar suas preocupações ao Monsenhor Roberto. Ele, então, deu-lhe o

seguinte conselho:

Page 13: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

4

― Levante as mãos ao céu, minha filha. Dê graças a Deus. Grave

é quando um adoece e você fica acordada por diversas noites cuidando da

criança.

Janoco, natural do Crato, no Ceará, era descendente de índio

casado com portuguesa. Nascera pobre, mas herdara uma fortuna de um

senhor chamado Zacarias, a quem servira em sua farmácia, por muitos anos.

Em face dessa herança, a situação financeira da família era boa. Infelizmente,

Janoco foi vítima de tifo e, entre o início da moléstia e a convalescença, ficou

cerca de seis meses ausente de seus negócios. Nessa ocasião, possuía um rico

armazém de comidas e bebidas, tendo, em confiança, deixado os afazeres por

conta de seus empregados. Quando retornou ao trabalho, já não havia mais

quase nada. Os empregados o roubaram e fugiram sem deixar rastro.

Começou, então, a via-crúcis. Para honrar os compromissos,

Janoco vendeu todos os bens e passou a sustentar a família com os parcos

recursos que recebia de sua aposentadoria. Ficaram numa pobreza de dar dó. A

comida, que antes era farta, foi reduzida drasticamente. Os filhos, mesmo na

tenra idade, esforçavam-se como podiam para ajudar: uns iam colher frutas

nas árvores, outros iam pescar e lavar jegues no rio Parnaíba.

Daniel, com apenas oito anos, ia trabalhar no campo, nos

arredores da cidade. Capinava o dia inteiro. Ao fim dos primeiros dias, suas

mãos estavam cheias de bolhas, que furava com espinhos, todas as noites, até

que se formassem calos. Assim, podia suportar, com menos dores, o cabo da

enxada.

As pescarias eram realizadas às noites de lua cheia. Ficavam,

Daniel e os irmãos, com lama até os joelhos, sempre preocupados com o

movimento dos jacarés, cujos olhos pareciam bolinhas de fogo. A impressão era

a de serem observados por eles durante todo o tempo.

Apesar da penúria que atravessavam, Janoco, ao contrário de

Nadina, não surrava os filhos. Ainda hoje, Daniel guarda na memória os

conselhos que dele recebia. O pai chamava os quatro meninos ― João, José

(Daniel), Jaime e Jonas ― e, rodeando-os, dava início às recomendações. Dizia

ele, começando sempre com meus fios:

Page 14: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

5

― Junta-te aos bons e serás um deles. Junta-te aos maus e serás

pior do que eles.

― A vingança que se tem contra o mentiroso é que, mesmo que

ele fale a verdade, não se acredita nele. Por isso, nunca mintam.

E completava:

― A verdade nasceu de manhã,

A mentira nasceu ao meio-dia,

Quando a verdade engatinhava,

A mentira já corria.

E continuava Janoco, depois de falar sobre o tempo e a pressa em

se resolver assuntos:

― O tempo perguntou ao tempo:

― Quanto tempo tem o tempo?

E o tempo respondeu ao tempo:

― Tudo com o tempo tem tempo.

E vinham mais conselhos:

― Dinheiro não se empresta porque, quando não se perde o

dinheiro, perde-se o amigo ou os dois.

Recomendava aos quatro filhos que andassem sempre direito e

cumprissem seus deveres. E finalizava:

― Só assim, quando uma pessoa der um grito em um de vocês,

vocês dão dois nela.

Certa vez, Janoco afirmou aos filhos que havia uma medida que

nunca enchia. Os meninos se entreolharam e perguntaram:

― Como assim, papai?

― Por exemplo, respondeu Janoco, um copo, você enche de água.

Se você coloca mais água, transborda. A mesma coisa acontece com uma

garrafa.

Como nenhum deles entendeu o enigma, Janoco encostou o dedo

polegar no dedo indicador da mão direita e, em círculo, esfregando um no

outro, disse:

Page 15: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

6

― Meus fios, a medida que nunca enche é a medida do ter:

quanto mais a pessoa tem, mais ela quer ter.

E vinha mais outro conselho do pai:

― Quem quiser viver neste mundo,

E para dele gostar,

É tomar por capricho

Ver, ouvir e calar.

Hoje, Daniel fica admirado ao relembrar o pai, que, mal sabendo

fazer um o com o auxílio de uma moeda, tinha tanta sabedoria. Era um

verdadeiro filósofo matuto.

E a sofrida infância foi passando...

Após completar quatorze anos (15/1/1948), Daniel começou a

procurar emprego. Em 2 de fevereiro de 1948, foi admitido na firma Moraes

S.A. Indústria e Comércio, tendo ali permanecido até 25 de março de 1950.

Nessa época, fazia o curso ginasial pelas manhãs, no Ginásio

Parnaibano. Entretanto, com o intuito de trabalhar na empresa e continuar os

estudos, pediu transferência para o Ginásio Nossa Senhora de Lourdes, no

período noturno.

Nos meses de junho, eram realizadas as primeiras provas do ano;

em dezembro, as últimas. Os professores de Ciências, Geografia e História

selecionavam os temas das dissertações e, no dia da aplicação das provas,

colocavam em um saquinho os números correspondentes a cada um deles. Em

junho, sorteavam dez temas; em dezembro, repetiam os dez de junho e

acrescentavam mais outros dez. Um dos alunos era escolhido para o sorteio. Ao

desdobrar o papel, o professor dizia o número sorteado e a que dissertação

correspondia. Então, começava a prova. A dissertação valia cinco pontos e era

acompanhada de cinco perguntas sobre assunto dado em cada semestre. Quem

tirasse menos de cinco no teste era reprovado na matéria. Ao final do ano, se o

aluno fosse reprovado em, no máximo, duas das sete ou oito matérias

estudadas, iria fazer prova um mês depois. Se a reprovação passasse de duas

matérias, repetia o mesmo ano. Isso no ginasial.

Page 16: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

7

Durante quinze dias antes das provas, Daniel levantava-se às 4

horas da manhã. Enchia uma bacia com água fria, trancava-se na despensa de

casa, acendia uma lamparina e colocava os pés na bacia para não dormir. Lia,

atentamente, as matérias de cada dissertação e, sintetizando-as, transcrevia o

que entendia ser importante. Às 7 horas parava, tomava banho, vestia-se e ia

trabalhar. Nunca fora reprovado e era tido como um dos melhores alunos.

Gostava tanto de estudar que uma de suas professoras, Maria da Penha, o

escalava, vez por outra, para que repetisse aos alunos o que ela ensinara na

aula anterior. Daniel, ainda hoje, traz boas lembranças de sua mestra.

Jaime, irmão mais novo de Daniel, já estava trabalhando no Rio

de Janeiro. Janoco e Nadina haviam aceitado de um comandante da empresa

de aviação Cruzeiro do Sul a oferta de emprego para o filho naquela cidade.

Todos os meses, Jaime mandava aos pais, pelos Correios ― por vale-postal ―,

certa quantia para ajudar nas despesas.

Daniel, diversas vezes, pediu aos pais para também ir morar no

Rio de Janeiro, onde poderia trabalhar e contribuir com as despesas. Eles não

concordavam, a não ser que Jaime garantisse, por escrito, que já conseguira

emprego para o irmão.

Daniel, então, pensou, pensou... e, às escondidas, enviou carta a

Jaime, apelando para que ele escrevesse a Janoco e Nadina. E assim

aconteceu.

O prazo para se apresentar era curto. Mas, qual emprego, que

nada... Tudo era fruto da combinação entre os irmãos a fim de que os pais

concordassem com a viagem.

Daniel pediu dispensa da firma em que trabalhava e partiu para o

Rio de Janeiro nos últimos dias de março de 1950.

Na véspera, Janoco chamou o filho e deu-lhe dois conselhos,

dizendo-lhe que não os esquecesse:

― O cabra em terra estranha é o último que fala e o primeiro que

apanha.

― Diz-me com quem andas e eu te direi quem és.

Page 17: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

8

1.2 No Rio de Janeiro – Guanabara

Chegando ao Rio de Janeiro, o irmão estava à sua espera. Daniel

ficou espantado ao ver tantas luzes. Tomaram um táxi em direção à pensão em

que ele se acomodaria. No caminho, pela janela traseira do carro, Daniel olhava

fixamente para as casinhas, umas em cima das outras, indo perto do céu ―

calculava erradamente.

O irmão, após vários minutos, puxou-o pelo braço e segredou-lhe:

― Aqui, os nordestinos são identificados, pois falam muito alto.

Somos xingados de pau de arara e cabeça-chata. Quando os cariocas estão em

grupo e passa um nordestino, eles o chamam e perguntam:

― Sabe por que tu tem a cabeça chata, seu pau de arara?

E eles, batendo com a mão na cabeça do nordestino, dizem:

― Porque, quando tu nasceu, teu pai bateu na tua cabeça,

dizendo: cresce, meu filho, para ir ganhar dinheiro no Rio de Janeiro ou em São

Paulo e mandar para teus pais criarem o resto dos filhos.

Se o nordestino não sair correndo, apanha.

Daniel arregalou os olhos, e Jaime completou:

― Tem mais: não fica feito besta, parado, olhando a altura dos

prédios, que eles passam de carro e gritam: ‘Pau de arara!’, ‘Cabeça-chata!’... e

dão risadas.

O táxi já estava chegando à porta da pensão, na Rua Corrêa

Dutra, onde Jaime alugara uma das vagas, em um quarto com três lugares.

Desceram do carro, pagaram a corrida ao motorista e retiraram as malas.

Daniel conheceu a dona da pensão e a sua vaga. Jaime despediu-se do irmão,

pois morava em outra rua, deixando seu endereço e telefone. Antes, porém,

aconselhou-o a comprar, na manhã seguinte, o Correio da Manhã e o Jornal do

Brasil e ir à luta, à procura de emprego. Mesmo com seus quinze anos, Jaime

trabalhava numa empresa ferroviária do governo federal e era remunerado pela

chamada Verba-3.

E Daniel seguiu o conselho do irmão. Cerca de um mês andara,

perguntando daqui, perguntando dali, em considerável parte do centro do Rio

Page 18: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

9

de Janeiro. Com o dinheiro quase acabando, às tardes, sentava-se no meio-fio

da calçada em frente à pensão e chorava. Não tinha recursos financeiros para

retornar ao seu Piauí. Quanta saudade!

Naquele tempo, as empresas podiam contratar pessoas a partir

dos quatorze anos, mas eram obrigadas a não despedir o empregado quando

este era convocado para servir, aos dezoito anos, às Forças Armadas. Depois

de servir, o emprego estava garantido, daí a dificuldade de Daniel, já com

dezesseis anos, conseguir trabalho com carteira profissional assinada. E tome

choro e lamentações: “Ah, meu Piauí, você lá, e eu chorando aqui!”...

Uma noite, no final do mês de abril, desiludido por não conseguir

emprego, Daniel ajoelhou-se aos pés da cama e rezou, pedindo a São José, a

quem considerava e ainda considera seu padrinho, que amenizasse seu

sofrimento e o ajudasse a arranjar um trabalho com a carteira profissional

assinada. Precisava mandar dinheiro aos pais e irmãos para que não passassem

fome.

No dia seguinte, levantou-se às 6 horas da manhã. Foi até a

primeira banca de jornais e revistas e comprou um exemplar do Jornal do

Brasil. Leu algumas páginas na Seção de Empregos e localizou um que lhe

agradou. Só ainda não entendia o significado de office boy. Como precisavam

de rapaz de dezesseis anos, resolveu arriscar. Partiu da Rua Corrêa Dutra,

transversal à do Catete, atravessou a Praça Paris e chegou à Avenida

Presidente Wilson. E o office boy não lhe saía da cabeça. E pensava: “Que

diacho é isso?”

Identificou o prédio e, sempre com o periódico na mão, entrou no

elevador. Ao dele sair, dirigiu-se à sala indicada no jornal, onde leu na porta:

Escritório Brasileiro de Imprensa NEWS PRESS Ltda. Viu um jovem de cor

negra, em pé, no corredor do escritório. Foi até uma mesa e perguntou ao

senhor sentado atrás dela:

― É aqui que estão precisando de um office boy?

― Sim, respondeu.

E Daniel, envergonhado, de cabeça baixa, voltou a perguntar:

― E o que é office boy?

Page 19: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

10

O senhor deu um pequeno sorriso e respondeu que office boy era

o mesmo que contínuo. Em seguida, levantou-se, estendeu a mão e

apresentou-se:

― Meu nome é Ari Cunha, e o seu?

Daniel disse-lhe, então, o seu nome completo.

Ari Cunha pediu que Daniel ficasse na fila, atrás do jovem que

chegara antes, e aguardasse a entrada do chefe, Amaury Cunha, paulista, que

vinha para o Rio de Janeiro na ponte-aérea.

Poucos minutos depois, um senhor entrou no escritório, olhou de

soslaio os dois candidatos e trancou-se em uma sala, separada por divisórias.

Ari Cunha foi chamado e, após certo tempo, foi até os candidatos,

perguntando-lhes se sabiam datilografia. O jovem que chegara primeiro,

balançando a cabeça, disse que não. De Daniel, recebeu resposta afirmativa.

Então, o candidato que antecedera Daniel foi dispensado.

Ari Cunha dirigiu-se à secretária, uma alemã, e pediu-lhe que

colocasse um exemplar do Correio da Manhã ao lado da máquina de

datilografia. Mandou que Daniel se sentasse na cadeira à frente da máquina.

Assim ele o fez, mas, antes que começasse a datilografar, a alemã, com um

sotaque carregado, disse, já parecendo irritada:

― Esse menino é como os outros. É um cata-milhos. Vai ser perda

de tempo.

Daniel, intimamente, ficou nervoso. Mas a necessidade falava mais

alto. A secretária deu-lhe as costas e foi mexer em um arquivo de metal. Ari

sentou-se à sua mesa de trabalho. O senhor Amaury estava enclausurado na

sala com divisórias. A máquina de datilografia era da marca Remington, muito

usada naquela época. O seu barulho lembrava o de uma metralhadora, quando

o datilógrafo era exímio.

Daniel começou a datilografar a reportagem que lhe fora indicada.

O tempo era de 10 minutos. Olhou para o relógio, e ainda não havia decorrido

o tempo estabelecido quando o senhor Amaury, que saíra de sua sala, chegou,

observou o trabalho durante alguns segundos e tirou o papel da máquina.

Antes que dissesse alguma coisa, a secretária, espantada, adiantou:

Page 20: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

11

― Esse menino estar brincando com coisa séria.

O senhor Amaury leu o que fora datilografado, pegou o jornal e

conferiu. Abriu um largo sorriso e disse:

― O emprego é seu. Me diga: onde e como você aprendeu a

datilografar tão rápido?

Daniel respondeu-lhe que tinha sido lá na Parnaíba, no Piauí,

quando tinha onze anos de idade. Em seguida, entregou-lhe sua carteira

profissional para o devido registro.

O senhor Amaury dirigiu-se a Ari e pediu-lhe que transmitisse a

Daniel os seus afazeres. Ari, então, começou a enumerá-los: chegar às 7 horas,

apanhar na banca de jornais, em frente ao prédio, os principais periódicos do

Rio de Janeiro, varrer o escritório, espanar as mesas e passar nelas óleo de

peroba, servir o café quando solicitado, entregar correspondência, etc.

Daniel estava espantado com tantas obrigações. Ari entregou-lhe

um envelope. Chamou-o ao fundo da sala e, da janela, apontou para o

Aeroporto Santos Dumont. Ordenou-lhe que fosse até lá e despachasse, por

uma empresa aérea, para um jornal de São Paulo, dito envelope. Daniel

cumpriu, rigorosamente, a missão, mas confundiu-se no momento de retornar à

NEWS PRESS. Andou por várias ruas, mas não conseguia reconhecer o prédio,

que ficava bem perto do aeroporto. Parou diversas vezes. Perguntava aos

passantes:

― Moço, o senhor sabe onde fica o prédio da NEWS PRESS?

As pessoas riam quando Daniel, com seu sotaque nordestino,

começava a dar as características do edifício. Ele pensou e lembrou-se do jornal

que havia comprado pela manhã. Chegando à primeira banca, pediu o exemplar

e pagou. Foi direto à página do anúncio do emprego e perguntou ao jornaleiro

onde ficava a Avenida Presidente Wilson. O vendedor esticou a mão e disse-lhe

que bastava continuar andando em frente, que a avenida começava logo após

o término da rua em que estava. Assim que Daniel chegou, Ari perguntou-lhe

por que demorara tanto. Desculpando-se, respondeu que ficara admirando a

beleza da decolagem e da aterrissagem dos aviões.

Page 21: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

12

Após vários meses de trabalho, atribuíram a Daniel mais uma

missão: passaria, todas as manhãs, a ler os jornais e a eleger as notícias mais

importantes. Então, iria resumi-las, datilografá-las, colocá-las em envelopes

endereçados a jornais de São Paulo com os quais a NEWS PRESS tinha contrato

e despachá-las no Aeroporto Santos Dumont. Para isso, acordava todos os dias

às 6 horas da manhã, inclusive aos sábados. Andava da Rua Corrêa Dutra à

Avenida Presidente Wilson, por quase uma hora, até chegar ao local de

trabalho.

No final de cada mês, durante quase dez anos seguidos ― de

1950 a 1960 ― Daniel enviava dinheiro aos pais pelos Correios ― por vale-

postal ―, como prometera. Ficava com poucos recursos no bolso para pagar a

vaga na pensão e fazer as refeições. Havia meses em que recebia cartas de

Janoco, pedindo-lhe que aumentasse o valor remetido, pois precisava comprar

remédios para os filhos.

Para atender os pedidos, por várias vezes, teve de mudar de

pensão. Além de morar na Rua Corrêa Dutra, morou também nas ruas Dois de

Dezembro, Buarque de Macedo e do Catete, todas no bairro do Flamengo. E em

outras em Botafogo.

Em algumas ocasiões, entre uma mudança e outra, faltava

dinheiro para a despesa com o aluguel da vaga, mesmo trabalhando na NEWS

PRESS. Então, ia dormir nos bancos das praças públicas, de preferência nos do

Tabuleiro da Baiana. Cobria-se com pedaços de jornais que levava da firma,

debaixo do braço. E não foram poucas as vezes que isso ocorreu. Acordava

cedo para, antes dos colegas, chegar ao escritório. Lavava rapidamente o rosto,

escovava os dentes e começava a trabalhar. Café da manhã? O jejum era seu

companheiro...

Pensando em driblar a fome, Daniel almoçava em pensões. A

comida era farta. Ele comia sete bifes no almoço, pois, erradamente, julgava

que, com isso, não precisasse jantar. “Não é assim com os camelos?”,

raciocinava. Em menos de um mês, começou a sentir dores insuportáveis no

estômago. Foi parar no pronto-socorro conhecido, no Rio de Janeiro, como

Sandu. O médico, conversando com ele, tomou conhecimento da besteira que

Page 22: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

13

fazia. Deu-lhe conselhos, advertindo que não comesse mais de um bife por dia.

A história de Daniel espalhou-se entre os colegas, que o apelidaram de Sete

bifes.

Não sobrava dinheiro para os jantares. Foram anos de fome, de

sofrimento e de muitas lágrimas. Com o pouco que restava, passava em um bar

na Rua Dois de Dezembro, antes de ir deitar-se. Sentava-se à mesa, e o

garçom, português, dizia, ao atendê-lo:

― Que vais jantar, ô gajo?

― Um copo de leite com café e pão, respondia Daniel.

― Com manteiga no pão?, perguntava o portuga.

― Não. A manteiga me faz mal, dizia Daniel.

O português olhava Daniel com ares de gozador e, antes que ele

falasse, Daniel lhe dizia:

― É que no Piauí tive malária várias vezes, e manteiga faz mal ao

meu fígado.

E o português saía resmungando.

― Raios, estoupore!

Que mal, que nada! Daniel dava graças a Deus porque podia

comer um pouco, pois houve dias ― e foram muitos ― em que, a conselho de

colegas, tomava dois copos d’água e dormia de bruços. Gozação ou não, foi a

saída que encontrou para tapear a fome.

Sua irmã, Lourdinha, penalizada, levou-o para morar com ela no

quarto, na Rua da Lapa. Daniel aceitou, feliz. Ficava mais perto da Avenida

Presidente Wilson e, assim, não precisava acordar tão cedo. Viu ali situações

que antes não vira: mulheres, praticamente nuas, só usando calcinha,

malandros com seus ternos brancos, camisas da cor creme, gravatas coloridas

e sapatos de camurça branca com bico marrom e salto carrapeta. Naquele

tempo, a malandragem era romântica, diferente da de hoje, em que só vigora a

violência.

Daniel, embora menor de idade, conheceu gafieiras e muitas

mulheres, mas não tinha coragem de manter relações sexuais com nenhuma

delas. Na primeira vez em que se aproximou para conversar com uma, veio ao

Page 23: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

14

seu encontro o chamado cafetão da mina e, dirigindo-se a ele, com aquela voz

de malandro, disse:

― Vem cá, meu irmão. Toma cuidado! Tu anda cercando minha

nega. Cavalo morre é pastando.

Tirou a navalha do bolso e, com ela, fez malabarismos. Daniel,

como se dizia em Parnaíba, ficou todo arrupiado, e nunca mais olhou para

qualquer uma daquelas mulheres. Ao delas se aproximar, baixava a cabeça e

seguia em frente.

Na Rua Pedro Américo, transversal à do Catete, havia uma

delegacia de polícia. Um dos delegados, conhecido como Padilha, era o terror

das redondezas. De surpresa, em um camburão seguido de carros da polícia,

fazia rondas em dias alternados das semanas. Quando apareciam na Rua da

Lapa, era um corre-corre e uma gritaria de endoidecer. Triste de quem ele

pegasse e não justificasse o que estava fazendo ali. Os malandros (cafetões),

tão ágeis com a navalha, se borravam de medo. Se o delegado Padilha pegasse

um deles, colocava uma maçã na cintura de uma das pernas da calça do

indivíduo para testar a largura da boca da vestimenta ― à época, acreditava-se

que só os malandros usavam calças com a boca da perna justa. Se a fruta

descesse e nela não passasse, Padilha cortava as pernas das calças do

malandro em várias partes.

Começou a circular o boato, na jurisdição da delegacia do famoso

Padilha, que um tarado tinha feito mal a várias crianças. Investiga daqui,

investiga dali, e prenderam o dito cujo. Os policiais o entregaram ao delegado

para lavrar a ocorrência. Contavam que Padilha olhou o preso de cima abaixo e

perguntou-lhe, gritando:

― É você o tarado?

― Sim, senhor, respondeu o preso, baixando a cabeça.

O delegado pegou-o pelo braço, chamou os policiais e levou-o, à

força, aos fundos da delegacia. Puxou um tamborete, mandou os policiais

tirarem a roupa dele e ordenou:

― Bota esse troço aí em cima do tamborete.

― Policiais, segurem firme esse desgraçado!

Page 24: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

15

Em seguida, com um cassetete desferiu violento golpe no pênis do

infeliz. O sangue espirrou longe e continuou a jorrar. O homem deitou-se no

chão, uivando de dor e rolando de um lado para o outro. E nunca mais as

crianças do Catete foram molestadas.

À época, Daniel conheceu, de longe, o famoso Madame Satã. Ai

do macho de que Satã gostasse e não mantivesse relações sexuais com ele.

Contava-se que, certa vez, ao atravessar a Avenida Rio Branco, ele não usara a

área de segurança demarcada pela Delegacia de Trânsito. O guarda, irritado,

apitou várias vezes, e Madame Satã não parou. O guarda correu e, chegando

perto dele, esbravejou:

― O senhor está multado!

― Anota, então, o número da minha placa, respondeu Satã,

rebolando por entre os carros.

No início do ano 1953, Daniel foi convocado para servir o Exército.

Apresentou-se ao Batalhão de Cavalaria em São Cristóvão. Ali permaneceu por

três meses, recebendo instruções sobre como se comportar ao se apresentar a

um superior ou quando passasse por um deles, sobre como armar e desarmar

um fuzil, marchar, prestar continência, conhecer a direita (volver!), a esquerda

(volver!) e a meia-volta (volver!).

O soldo de reco era pequeno. Como mandar dinheiro aos pais?

Daniel foi até a NEWS PRESS. O senhor Amaury concordou que ele trabalhasse

às noites, desde que assumisse o compromisso de não comentar a respeito.

Mesmo assim, era preciso fazer economia.

Às 5 horas da manhã, ele tomava o bonde nº 24 no Largo do

Machado. Ficava em pé no balaústre. Como militar, não pagava passagem. O

24 ia do Largo do Machado à proximidade da Central do Brasil. Ali, saltava e

tomava outro bonde até o Batalhão de Cavalaria, em São Cristóvão. Chegando

ao Batalhão, sempre na hora do café, com o estômago já pregando às costas,

saciava sua fome. Depois trocava de farda, às pressas, para começar a marchar

ou a lavar cavalos.

Daniel fora escolhido, dentre os vinte e cinco de muitos outros

convocados, para, após devidamente instruído no Batalhão, completar seus

Page 25: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

16

nove meses de serviços à pátria no quartel do Ministério da Guerra. A escolha

era considerada uma distinção. Ele havia se destacado numa prova de

datilografia.

Daniel tinha o péssimo hábito de jogar sinuca nas noites de

sábado e domingo, indo, às vezes, até o raiar do dia. Pensava em engordar

seus parcos recursos, mas estava prejudicando a saúde. Um colega de infância,

piauiense, o inesquecível Manoel Cunha, também reco, um dia, pegou-o pelo

braço e aconselhou-o a parar, porque seu fim poderia ser triste. Convidou-o,

ainda, para visitar parentes seus, que moravam no bairro de Santa Teresa.

Daniel aceitou o convite, e combinaram o dia e a hora do encontro na estação

dos bondes.

Era um dia de sábado. Daniel nunca havia ido a Santa Teresa.

Geograficamente, a casa estava situada abaixo do nível da rua e fora construída

em dois planos, em um terreno inclinado. Ao chegarem, Manoel abriu um

portão pequeno, de ferro. Começaram a descer as escadas quando Daniel

avistou, em frente à porta principal da casa, no primeiro nível, duas moças,

várias meninas brincando de queimada e mais dois garotos. Todos pararam e

ficaram olhando Daniel e Manoel descerem. Daniel fixou os olhos em uma das

meninas. Seu coração disparou, deixando-o trêmulo.

“Meu Deus!”, pensou ele, duas moças ali, e seu coração batendo

apressado e desenfreado por uma das crianças. “Não sou tarado.” Mas ela

também não tirava os olhos dele. A menina devia ter uns nove ou dez anos.

Daniel, mais tarde, voltou para a pensão, todavia a menina não lhe saía da

cabeça. Ele rezou e pediu a Deus que a eliminasse de seus pensamentos.

Aquele rosto, porém, logo aparecia. E o fato se repetiu quase todas as noites.

A parte da casa em que os familiares de Manoel Cunha moravam,

de aluguel, ficava no nível inferior. Era ali que, pelas manhãs, durante os dias

úteis da semana, Daniel e o amigo iam praticar levantamento de peso,

conforme haviam combinado, já que o trabalho no Ministério da Guerra tinha

início às 12 horas.

Um dia, Daniel estava se exercitando quando um senhor, da

janela do alto, começou a olhar para ele com cara de poucos amigos. Daniel

Page 26: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

17

despistou, fingiu que esquecera alguma coisa na casa dos parentes de Manoel

Cunha e entrou. Ao sair, já estava vestido com a farda.

No dia 6 de outubro de 1953, Daniel e Manoel deram baixa do

Exército. Pouco tempo depois, a numerosa família da menina perdia o chefe da

casa, um espanhol, o senhor que olhara Daniel do alto ― Carlos. Ficaram em

extrema penúria. A viúva, dona Arminda, para sobreviver, viu-se forçada a

internar duas filhas, Suely e Nancy, em um abrigo no bairro das Laranjeiras,

sem que nada pagasse. Como sofria com essa decisão! Felizmente, Marly, a

menina que provocara taquicardia em Daniel, não fora internada, assim como

suas outras irmãs Marlene e Carmen. Só havia vaga para aquelas duas. Carlos e

Fernando foram internados no Serviço de Assistência aos Menores (SAM) e,

posteriormente, transferidos para o Colégio Padre da Nóbrega, em

Jacarepaguá, em regime de internato. Dona Arminda viu-se, além disso,

obrigada a sublocar quartos de sua casa.

Lourdinha, a irmã de Daniel, e o marido dela, Mário, alugaram um

desses quartos. Daniel aproveitou a oportunidade e, junto com o namorado de

Marlene, o ainda hoje adorável Raimundo, também alugou um deles.

Um dia, Lourdinha chamou Daniel e, reservadamente, entregou-

lhe um bilhete, dizendo-lhe que era da Marly. Após ler o tal bilhete, o coração

de Daniel disparou. Ela começava chamando-o de meu príncipe chinês e

lembrava a primeira vez que o vira descendo as escadas de sua casa.

Entrelaçava a escrita com palavras de amor. Lourdinha, fã de Marly, disse a

Daniel:

― Coitada da bichinha. Tão meiga, tão doce, um amor.

― Você está maluca, minha irmã! Vão dizer que estou

desmamando uma criança, respondeu Daniel.

Uma menina de apenas nove anos de idade, e Daniel por ela

apaixonado. Nas ruas por onde passava, as moças não tiravam os olhos dele.

Com os exercícios que fizera, parecia um atleta, com músculos e pernas de

chamar a atenção.

A cada dia, as dificuldades na casa de dona Arminda

aumentavam. Até o pão que ela servia aos filhos no café, conseguia na fila dos

Page 27: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

18

pobres, no Convento de Santo Antônio. Semanalmente, uma senhora bem

idosa, dona Avelina, lavadeira paupérrima, que, em suas folgas, pedia esmola

na porta do Convento, levava à dona Arminda, a quem dedicava uma sincera

amizade, algum produto alimentício, como um saco de farinha ou de feijão.

A NEWS PRESS foi fechada, e Daniel conseguiu novo emprego na

iniciativa privada, em novembro de 1953, onde permaneceu até o mês de

janeiro de 1956.

Daniel guarda, no seu íntimo, gratidão por Ari Cunha e considera-

o seu segundo pai. Este o aconselhava, dava bronca, ensinava-lhe português,

corrigia seus trabalhos e o orientava como se comportar diante de várias

situações.

Leitor assíduo da sua coluna VISTO, LIDO E OUVIDO, publicada

no Correio Braziliense de terça a domingo, Daniel lembra-se sempre da figura

de Ari, que, após o fechamento do escritório, se mudou para São Paulo.

Atualmente, mora em Brasília e é vice-presidente institucional do citado jornal.

Ainda hoje, Daniel sente saudades dos primeiros passos que deu no Rio de

Janeiro sob as ordens dele. E também se sente agradecido por ter Ari Cunha

prefaciado o 19º livro de sua autoria, Bandeira Contra a Corrupção & Suas

Irmãs Siamesas, publicado em 2000.

Somente em julho de 1956, após incansável procura de emprego,

Daniel começou a trabalhar. Dessa vez, como auxiliar administrativo na

Comissão Nacional de Alimentação (CNA), entidade do Ministério da Saúde. Um

conterrâneo seu, o saudoso Alarico José da Cunha Júnior, que mais tarde foi

para a Organização dos Estados Americanos (OEA), conseguira empregá-lo na

citada Comissão. Nela permaneceria até 18 de novembro de 1957.

Pelo exercício da chefia do Setor Contábil na CNA, Daniel recebeu

elogio do presidente da entidade, mesmo depois de haver pedido dispensa do

cargo. Tal elogio foi publicado em portaria, no Boletim de Serviço do Ministério

da Saúde nº 37, de 31 de março de 1958.

Deixou a Comissão por haver prestado concurso para datilógrafo

do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), autarquia do

Ministério da Agricultura, tendo sido classificado em primeiro lugar na prova

Page 28: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

19

(92,40), conforme publicação no Diário Oficial da União, de 3 de maio de 1957.

Entrou em exercício no dia 19 de novembro de 1957.

Por feliz coincidência, foi trabalhar subordinado a Alarico Cunha,

engenheiro agrônomo do mencionado Instituto. Ainda por ele ajudado, foi

requisitado para voltar a trabalhar na Comissão Nacional de Alimentação e

cedido, algumas vezes, à então Associação Brasileira de Luta Contra a Fome

(Ascofam), presidida pelo notável Dr. Josué de Castro. Ali ficou subordinado ao

escritor Manoel de Souza Barros, de bondade incomparável. Conheceu, ainda,

Ana Maria de Castro e Josué de Castro Filho, rebentos do Dr. Josué. Desligou-

se do INIC em 3 de junho 1961.

De meados de 1953 até 1958, alternadamente, foi contratado pela

Rádio Mayrink Veiga para trabalhar, às noites, como secretário do Dr. Gilson

Amado. Homem inteligente, de família tradicional, Dr. Gilson, quando chegava

àquela Rádio, já trazia na memória o que deveria ser ditado. Daniel, além da

atividade datilográfica, comandava o programa Panorama Político, que ia ao ar

a partir das 22 horas, de segunda a sexta-feira.

Para chegar à Rádio Mayrink Veiga, Daniel, cansado, porque

trabalhava durante oito horas por dia, ia até a Lapa. Ali, poucos minutos depois

das 18 horas, tomava o bonde nº 34, que andava, parava e recomeçava, até

chegar à estação próxima à Central do Brasil. Depois, alcançava a Rua Marechal

Floriano e seguia reto. Ao parar na esquina da Avenida Rio Branco, próxima à

Rua Mayrink Veiga, Daniel saltava e ia direto à cantina da Rádio, no primeiro

andar do prédio. Jantava um copo de leite com café e, como fazia antes para

economizar, pedia um pão sem manteiga.

Na cantina, conheceu figuras inesquecíveis como Chico Anysio, Zé

Trindade, Caçulinha, Antônio Carlos, o pai da atriz Glória Pires, etc., etc. Batia

papo com todos eles e, principalmente, com Cid Moreira e Carlos Henrique, os

locutores do Panorama Político. Terminados o jantar e os bate-papos, subia um

lance de escadas e, ali, no segundo andar, esperava o Dr. Gilson Amado.

Daniel não era tão bom em português como em datilografia.

Sentado ao lado de Dr. Gilson, papel na máquina, dava início ao trabalho. Dr.

Gilson ia ditando e Daniel datilografando. As palavras, formando frases de

Page 29: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

20

impressionar, saíam com uma rapidez, que, às vezes, o atordoava e

atrapalhava seu desempenho.

― Vírgula, coloca vírgula, repetia Dr. Gilson.

― Vírgula onde?, perguntava Daniel.

― Antes de gerúndio, seu burro.

E dava risadas.

― Gerúndio, o que é gerúndio?, indagava Daniel encabulado...

E ele:

― Palavras terminadas em ando, endo, indo, ondo, respondia, e

voltava a sorrir.

Por várias vezes, com outras colocações, o episódio se repetiu.

Daniel trabalhava, à época, em uma empresa privada, no Edifício Odeon, na

Cinelândia. Próximo ao edifício, havia sido inaugurada a Livraria Ediouro. Ele

entrou e viu vários livros de formato pequeno, cujas capas chamaram a sua

atenção. Tratavam de análise léxica e sintática, do uso do que, por que,

porque, por quê e porquê, da conjugação de verbos, etc. Não teve dúvidas,

meteu as mãos nos bolsos e, cata daqui, cata dali, comprou logo o que seus

parcos recursos permitiam. E, no fim daquele mesmo mês, comprou os

restantes, que, acreditava, iriam ser-lhe úteis.

A partir desse dia, passou a carregar, sempre debaixo do braço,

os livros que podia. Como a viagem da Lapa à Rádio Mayrink Veiga durava mais

de uma hora, ia lendo até o seu destino e se esforçando para memorizar tudo o

que eles ensinavam. Seu hábito tornou-se um vício, e um conterrâneo seu, José

Sombra Borges, com quem morava em uma pensão, certa vez, em tom de

gozação, rindo, disse-lhe:

― Chininha, se axila lesse, você era o homem mais inteligente do

mundo.

Por sua aparência oriental, os colegas o chamavam, às vezes, de

Chininha, Japonês ou simplesmente Ponês.

A situação financeira de dona Arminda ia de mal a pior. Por isso,

Daniel resolveu casar-se com Marly, mesmo estando ela com apenas dezesseis

anos. Convidou Dr. Gilson Amado, sua esposa, dona Henriette, bem como o

Page 30: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

21

senhor Manoel de Souza Barros e sua companheira para seus padrinhos. Todos

aceitaram, de pronto, o convite. Então, no dia 22 de agosto de 1959, Daniel e

Marly foram unidos pelos laços do matrimônio. Dessa união, vieram ao mundo

três filhos: Danielle, Carlos Marcelo e Lucienne.

Daniel continuou trabalhando na iniciativa privada até 3 de janeiro

de 1965. Havia se desligado da Rádio Mayrink Veiga em 1958 para continuar os

estudos. Em 1959, aos vinte e cinco anos de idade, concluiu o curso ginasial na

escola Educandário Ruy Barbosa. De 1960 a 1962, frequentou o curso de

técnico de contabilidade no Colégio da MABE.

No dia 4 de janeiro de 1965, ajudado, mais uma vez, por Alarico

Cunha, foi contratado como auxiliar administrativo da Superintendência do

Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Em exercício no escritório da Sudene

no Rio de Janeiro, Daniel foi nomeado, a partir daquela data, assessor do

superintendente, Dr. João Gonçalves de Souza, lotado na sede da autarquia,

em Recife ― Pernambuco. O fato de Daniel já ter prática em taquigrafia foi

fundamental para sua designação de assessor.

Dr. João Gonçalves de Souza, católico fervoroso, era uma figura

de senso humanitário indescritível. De origem humilde como Daniel, trabalhara,

em sua juventude, capinando nos sertões cearenses. Fora contratado pelo

governo, que dava emprego aos flagelados vítimas das secas ― os cossacos.

Depois, estudara com afinco. Encontrava-se nos Estados Unidos quando foi

chamado por nossas autoridades para dirigir a Sudene.

1.3 Em Montes Claros – Minas Gerais

Dr. João ia ao Rio de Janeiro pelo menos duas vezes em cada

mês, e Daniel ficava sempre ao seu lado, assessorando-o. O assunto mais

urgente era os preparativos para a inauguração do escritório da Sudene em

Montes Claros. A cidade havia sido escolhida como sede da entidade em Minas

Gerais, complementando a chamada Zona do Polígono das Secas, que abrangia

quarenta e dois Municípios do Estado.

Page 31: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

22

O professor Antenor Vieira de Melo, também funcionário da

Sudene, que trabalhava com Daniel no Rio de Janeiro, fora designado chefe do

novo escritório. Convidou Daniel para acompanhá-lo, pois precisava de uma

pessoa que estivesse sempre disposta a enfrentar qualquer tipo de serviço. Os

trabalhos antecedentes à inauguração iriam exigir esforço redobrado de todos

os participantes, mas, infelizmente, o professor não sabia com quem poderia

contar, em Montes Claros, para ajudá-lo. Daniel respondeu imediatamente que

concordava, claro, se Dr. João Gonçalves também aquiescesse.

“Ora”, refletiu Daniel, “um dinheirinho extra não faz mal. Serão

algumas diárias de não se jogar fora.”

O professor Antenor falou com Dr. João, que concordou com a ida

de Daniel a terras mineiras. Iniciaram-se, então, os preparativos, pois a

solenidade fora marcada para o dia 17 de julho de 1965. Uma caminhonete

Rural Willys foi praticamente lotada com o material necessário para o evento e

para o início dos trabalhos. Tudo pronto, o motorista Sebastião recebeu ordem

de dirigir-se a Belo Horizonte e ali aguardar, em local combinado, a chegada do

professor e de Daniel, porque avião de carreira para Montes Claros só ocorria

uma vez por semana, e não havia tempo a perder.

Os dois embarcaram no Aeroporto Santos Dumont para Belo

Horizonte em um Constellation. Durante o voo, o professor Antenor queixou-se,

várias vezes, de dores no peito. A cada momento, elas aumentavam. O avião

aterrissou no aeroporto da Pampulha, tendo o professor se movimentado com

dificuldade, amparado por alguns tripulantes da aeronave.

Ao sentar-se em uma das poltronas do saguão do aeroporto,

meteu a mão no bolso, em seu paletó, e tirou um papel. Pediu a Daniel que

ligasse para o número do telefone ali escrito. Atenderia, informou, um primo

seu, cardiologista. Daniel deveria pedir-lhe que viesse com urgência. Pouco

tempo depois, o médico chegou em uma ambulância e levou-os a um hospital

com o nome de Incor. Fez os devidos exames no professor e colocou-o em um

quarto. A seguir, informou a Daniel que o primo iria ficar internado, em

princípio, por uma semana. E, ainda, que deveria retornar ao Rio de Janeiro e

permanecer em repouso absoluto, no mínimo por um mês.

Page 32: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

23

Daniel foi às nuvens. Teve a impressão de faltar chão aos seus

pés. Apelar para quem? Estava no quarto do hospital, fazendo companhia ao

professor Antenor. Este lhe pediu que ligasse para o Dr. João Gonçalves, em

Recife, e o colocasse a par do acontecido. E assim Daniel o fez. Era dia ainda. À

noite, Daniel recebeu telefonema do Dr. João e, ao atendê-lo, suas pernas

começaram a tremer.

― Meu filho, disse-lhe, tome a frente dos trabalhos para a

inauguração do escritório. Várias autoridades foram convidadas e não há mais

tempo de cancelá-la.

E Daniel apelou para Deus. “Ora, meu Pai, um simples cabra da

peste dirigindo trabalho de tamanha repercussão?” Seu passado na iniciativa

privada e nos humildes cargos exercidos na administração pública federal não o

credenciavam para ficar à frente da missão. “Mas por que não?”, começou a

dizer com seus botões. Se aos dezesseis anos de idade redigia notícias na

NEWS PRESS para serem divulgadas em jornais de São Paulo, se começara a

aprofundar seus conhecimentos de português com os livros da Ediouro, se lia,

diariamente, três a quatro jornais, sempre com um dicionário ao lado para tirar

as dúvidas... Disse de si para si: “Agora, com trinta e um anos de idade, muitas

coisas ficaram em minha cabeça. É só selecionar e me esforçar para continuar

aprendendo.” Contudo, foi até o saguão do hospital, olhou as nuvens e,

elevando seu pensamento, invocou:

― Ajuda-me, meu Pai, nesta tarefa.

Ajoelhou-se e rezou com o pensamento voltado para o Além.

Às 5 horas da manhã do dia 11 de julho de 1965, embarcou na

Rural Willys para Montes Claros, em companhia do motorista Sebastião.

Passaram por várias cidades e foram almoçar em Curvelo. Pediram, cada um,

um bife a cavalo (carne com dois ovos fritos). Quando o garçom colocou a

comida na mesa, ambos se entreolharam, espantados: o bife era do tamanho

do prato e os ovos pareciam de avestruz. Ficaram entupidos de tanta comida.

De Curvelo a Montes Claros, numa extensão considerável, a estrada não era

asfaltada. Debaixo de sol escaldante, de ventos fortes levantando poeira,

chegaram ao destino por volta de 16 horas daquele mesmo dia. O veículo

Page 33: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

24

estava com cor diferente, de tanta poeira. Daniel e Sebastião estavam

avermelhados e espirravam quase sem parar. Imediatamente, antes mesmo de

retirar o material da Rural, foram tomar banho no único hotel existente na

cidade, no qual se hospedaram. Depois, para que não se sujassem,

conseguiram que funcionários do hotel retirassem os objetos do carro e

providenciassem a lavagem dele.

No dia seguinte, às primeiras horas da manhã, Daniel, como havia

sido instruído pelo professor Antenor, dirigiu-se à associação comercial da

cidade. Antes, porém, instruiu o motorista para levar a encomenda que haviam

trazido e a acomodasse na casa que fora alugada para montar o escritório.

E o jornal Diário de Montes Claros, em sua edição de 15 de julho

de 1965, estampava em sua primeira página:

‘Inauguração do Escritório da SUDENE já tem programa

A reunião semanal da Associação Comercial de M.

Claros, realizada terça-feira última, contou com a presença, entre

outras pessoas, do sr. José Daniel de Alencar, secretário do prof.

Antenor Vieira de Melo, chefe do Escritório que a SUDENE instalará

nesta cidade, no próximo dia 17. Durante o encontro foi aprovado o

programa de inauguração do referido Escritório, que será o seguinte:

– inauguração da placa comemorativa do evento; logo após,

oferecimento de uma “corbeille” de flores à sra. João Gonçalves de

Souza, entronização de uma imagem pelo Monsenhor Gustavo

Ferreira de Souza; discurso do superintendente João Gonçalves e de

um representante de Montes Claros, que será escolhido,

oportunamente. As solenidades serão encerradas com um almoço no

Automóvel Clube, oferecido pelas classes produtoras, comércio e

indústrias locais aos representantes da SUDENE.

BOA VONTADE

Durante a reunião, usou da palavra o sr. José Daniel de

Alencar, que discorreu sobre as vantagens que trará para Montes

Claros e a região, o Escritório da SUDENE. Ressaltou ainda o

representante da SUDENE a boa vontade do sr. Antenor Vieira de

Melo que, mesmo acamado na Capital mineira, não esquece os

Page 34: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

25

interesses da região, tendo, inclusive, desaprovado um possível

adiamento da inauguração do Escritório, alegando que Montes Claros

e o Polígono das Secas merecem qualquer sacrifício quando o

propósito é o de trazer para aqui os benefícios a que têm direito.

AUTORIDADES ESPERADAS

Para a inauguração do Escritório, marcada para às 11

horas, são esperadas, entre outras, as seguintes autoridades, que

deverão chegar ao aeroporto local às 10 horas de sábado, viajando

em companhia do superintendente João Gonçalves de Souza, em

avião cedido pelo governador Magalhães Pinto; sr. José Cabral,

Secretário do Desenvolvimento e o ex-ocupante daquela pasta Darcy

Bessone; prof Paulo Campos de Oliveira Pena, presidente do BDMG;

sr. Marcio Bhering, presidente da CEMIG e o economista Roberto

Campos, diretor financeiro do FRIGONORTE e da equipe do BDMG.’

E no dia 17 de julho de 1965, acompanhado de seleta comitiva da

sociedade montes-clarense, Daniel foi esperar a comitiva que vinha de Belo

Horizonte. Depois do pouso do avião, pipocaram foguetes por cerca de 10

minutos. Dr. João Gonçalves foi o primeiro a descer da aeronave, seguido de

autoridades. Dentre elas, encontravam-se o deputado federal Francelino Pereira

e o Dr. Raimundo Nonato de Castro, assessor do governador Magalhães Pinto.

A comitiva seguiu em carreata até o escritório da Sudene, no

centro da cidade. Durante o desfile, os fogos não pararam de estourar. A frente

do escritório estava enfeitada com bandeirolas e apinhada de espectadores.

Abraços e mais abraços se sucediam. Todos felizes pelos benefícios que a

autarquia poderia proporcionar à área mineira com seus incentivos fiscais,

extensivos à agricultura familiar.

Os discursos se sucediam, ressaltando o desenvolvimento que a

Sudene traria para a região. O deputado Francelino Pereira, ao usar a palavra,

discorreu, em comovente discurso, sobre o esforço que empreendera para que

fosse instalado, o mais rápido possível, o escritório. De repente, ainda com o

microfone na mão, chamou Daniel para perto de si. Colocou uma das mãos no

ombro dele e disparou, mais ou menos assim, emocionado e emocionando os

presentes:

Page 35: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

26

― Aqui está mais um piauiense, como eu, desbravando o rico

Estado de Minas Gerais. Veio de terras longínquas, mas não mediu esforços

para, de igual modo, colaborar para a grandeza de nosso povo e deste Estado.

Abraçou, comovidamente, Daniel. As palmas ecoaram por

bastante tempo. Daniel ficou pasmo com tanta eloquência e admirado pelo fato

de o deputado já conhecer detalhes de sua origem.

Terminado o evento, Dr. João Gonçalves, com a humildade que o

caracterizava, chamou Daniel para uma conversa reservada e disse-lhe:

― Meu filho, preciso contar com o seu sacrifício e o de sua família.

O professor Antenor seria o chefe deste escritório. Fui pego de surpresa e não

tenho candidato para o posto. Você fica aqui como meu assessor, dirigindo o

escritório, até que eu consiga um novo chefe.

― Está bem, Dr. João. Para dar os primeiros passos, preciso de

que sejam contratados pelo menos quatro funcionários, respondeu Daniel.

― Concordo, meu filho. Apresente os nomes e eu os nomearei.

Incrível, mas a notícia correu rápida como rastilho. A esposa de

Daniel comparecera também à solenidade, e ele lhe contou o ocorrido. Ela

manifestou seu apoio à decisão do marido.

Dos candidatos, Daniel optou, e foram contratados: Maria de Melo

Mendes, senhora bastante capacitada; Ezequiel, pau pra toda obra; Damázio,

contínuo, e, finalmente, o motorista, só lembrado agora pelo apelido de Zé do

Jeep, assim conhecido na cidade.

Passaram-se vários meses, até que, um dia, Dr. João Gonçalves

informou a Daniel que iria nomear o economista Dr. Mauro para a chefia do

escritório. Tratava-se de profissional residente em Montes Claros, que fora

recomendado por autoridades mineiras.

Publicada sua nomeação no Diário Oficial da União, Dr. Mauro

assumiu o cargo como diretor do referido escritório. Após as apresentações de

praxe, chamou Daniel para uma conversa particular.

― Preciso de sua ajuda no setor administrativo, enquanto vou

cuidar da parte técnica ― a dos incentivos fiscais para a região mineira. Já

Page 36: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

27

conversei com o Dr. João Gonçalves, que concordou. Se você aceitar, e nós

esperamos que sim, ele assentirá.

Com a aceitação, Daniel foi nomeado, inicialmente, em 25 de

agosto de 1965, como responsável pela chefia da Divisão de Administração, e

titular, a contar de 1º de janeiro de 1966, cargo que exerceu até 23 de

fevereiro de 1967. Mudou-se com a família para Montes Claros. O casal levara,

em sua companhia, a filha mais velha, Danielle, que nascera no Rio de Janeiro,

e também Maria de Lourdes Castro ― para ajudar nos serviços da casa ―, mais

tarde por ele adotada. Ainda hoje, há mais de quarenta anos, com sua lealdade

e seu trabalho, Maria os acompanha. Em Montes Claros, nasceu seu filho,

Carlos Marcelo, no dia 17 de abril de 1966.

Nos primeiros meses em Montes Claros, Marly andava triste com a

disparidade, em comparação com o seu Rio de Janeiro: as ruas eram

demasiadamente estreitas e pouco movimentadas, não havia mar nem

restaurantes, o calor seco, quase insuportável, etc. Decorreram vários meses

para que ela se adaptasse. Estranhou também a terminologia mineira: “Pega

meu trem aí, menino!” ou “Filha, cadê meus trens?” Na primeira vez, olhou

rapidamente para os lados e não havia trem algum. Depois, acostumou-se com

o linguajar.

Daniel, ao contrário, tinha a sensação de que voltara à

adolescência, na sua inesquecível Parnaíba, no Piauí. Fez amizades no Minas

Tênis Clube e, nas tardes de sábado e domingo, não faltava às peladas. Pode

ter esquecido o nome de alguns amigos, mas as fisionomias de todos estão

guardadas em sua mente. Zé Oswaldo, irmão do Tostão, aquele exímio jogador

da Seleção Brasileira de Futebol, era seu companheiro assíduo nos jogos. Zé

trabalhava na agência do Banco do Brasil, a única na cidade. E o Ruy, por onde

anda, ô Ruy? Ô mineiro gozador!

Certa vez, Zé Osvaldo convidou Daniel para ir com ele a Belo

Horizonte assistir a uma partida da Seleção e apresentá-lo ao seu mano Tostão,

promessa não cumprida, porque o jogador estava na concentração. Foram ao

estádio, e Daniel jamais se esqueceu da torcida mineira. Ocorreu um fato que

Page 37: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

28

sempre é lembrado: um jogador da seleção adversária passou por um marcador

da Seleção Brasileira, e uma voz isolada, numa altura ensurdecedora, gritou:

― Come o figo dele, come o figo dele!...

No campo do Minas, Daniel ia levando a vida que pediu a Deus.

Após o fim de cada partida, o grupo seguia para os bares. O churrasquinho e as

cervejas desciam pelo gogó. Quando já estavam meio grogues, iniciavam as

piadas. Só de salão. Os bares eram movimentados, e não ficaria bem usar

palavrões.

Antes, um adendo. Daniel era muito popular em Montes Claros.

Por onde passava, as pessoas o chamavam para conversar, fosse sobre sua

terra natal, fosse sobre o Rio de Janeiro, fosse sobre os benefícios da Sudene

para a região, etc. Mas, se você, leitor, chegasse à cidade e perguntasse se

conheciam Daniel, todos balançariam a cabeça negativamente. Porém, se

perguntasse a qualquer pessoa: “Você conhece o Sudene?”, a resposta era

afirmativa, e os mineiros, educadamente, como sempre, indicariam onde ele

poderia ser encontrado.

Os biriteiros ― pareciam até combinados ― sempre gritavam, em

uníssono: “O Sudene começa!”

E todos os sábados e domingos a cena se repetia. E haja

desculpas de Daniel, ao chegar tarde a casa, mas Marly dava um sorriso

maroto, balançava a cabeça em sinal negativo e dizia:

― Me engana, que eu gosto.

Os dois, então, caíam na gargalhada.

Antes de encerrar sua estada em Montes Claros, Daniel registra a

amizade que mantinha com o deputado Luiz de Paula Ferreira. Conversavam

sempre animadamente. Um dia, o deputado deu-lhe um conselho, que ele

jamais esqueceu. Disse-lhe:

― Meu amigo, é bom ser importante, porém é mais importante

ser bom.

Page 38: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

29

1.4 Em Brasília – Distrito Federal

Em 24 de fevereiro de 1967, Daniel passou a exercer a chefia da

Divisão de Administração do escritório da Sudene em Brasília, para onde fora

transferido, a pedido. Preocupava-o a necessidade de fazer curso superior a fim

de poder melhorar sua condição financeira. Dr. João Gonçalves de Souza havia

sido substituído pelo general Euler Bentes Monteiro na Superintendência da

autarquia.

Ao visitar o escritório em Brasília, todos os funcionários foram

convocados para uma reunião. Sentados à sua frente, o general fez explanação

sobre os novos serviços que vinham sendo desenvolvidos em sua gestão e

sobre as metas que a Sudene esperava alcançar. A certa altura, discorreu

acerca de assunto que considerava inadmissível, dizendo que mandara bloquear

o salário de um funcionário que havia recebido diárias pagas pelo escritório da

autarquia no Rio de Janeiro e não prestara contas. E, ainda, que o processo de

sua dispensa estava sendo concluído, pois jamais poderia concordar com

desonestidade.

Daniel, presente, tomou um susto. A emoção foi tão grande que

seu coração começou a bater descompassadamente, pois, naquele momento,

voltando os pensamentos para o passado, entendeu a razão pela qual não

vinha recebendo salário há três meses, e também a razão de ter sido obrigado

a devolver à Sudene o carro que ela lhe havia financiado. Para comprar o

mínimo possível de comestíveis, já colocara na praça vários cheques, que

estavam prestes a ser depositados pelos credores. Quanta angústia!

Logo que o general terminou de falar nesse assunto, Daniel pediu

a palavra e, concedida, disse:

― Vossa Excelência me perdoe, mas o que acaba de afirmar não

corresponde à realidade.

― O senhor está dizendo que sou mentiroso?

― Não, Excelência. É que fiquei tenso, pois o funcionário a quem

o senhor acaba de se referir sou eu, respondeu Daniel.

E acrescentou:

Page 39: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

30

― Minha família e eu temos passado até dias de fome. Espero que

Vossa Excelência releve minha atitude. Jamais ofendi, ofendo ou ofenderei

sequer um subordinado e muito menos um superior. Para provar minha

inocência sobre as falsas informações passadas a Vossa Excelência, autorize-

me, agora mesmo, a seguir para Montes Claros, porque toda a documentação

da prestação de contas das diárias está lá. Preciso também de um veículo

emprestado e, ainda, de que Vossa Excelência autorize o diretor do escritório a

que eu tenha acesso aos arquivos.

― Está bem, respondeu o general, educadamente.

Eram cerca de 15h30min. Daniel chegou a Montes Claros por volta

das 23 horas. No dia seguinte, foi ao escritório da autarquia, dirigindo-se

diretamente à pasta do arquivo. Ali encontrou cópia do memorando que enviara

ao escritório da Sudene no Rio de Janeiro. A ela anexada, a cópia da prestação

de contas das diárias. De lá mesmo, colocou tudo, em nome do general Euler,

no malote que era despachado para Recife semanalmente.

Após alguns dias, Daniel soube que o general havia adotado

medidas severas contra os que lhe disseram inverdades. E, pouco tempo

depois, recebeu amável carta do mesmo general, pedindo-lhe desculpas pelo

ocorrido e informando-lhe que determinara o desbloqueio de seus salários e,

ainda, a devolução do carro. Daniel agradeceu, comovidamente, a gentileza,

lamentando não poder mais ficar com o veículo.

Somente em 1968, após aprovação no vestibular, Daniel pôde

matricular-se nos cursos de Administração e de Ciências Contábeis, na

Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF).

Em meados de 1968, Daniel foi chamado ao gabinete do diretor.

Este lhe informou que o escalara para trabalhar à noite, na datilografia da

redação do anteprojeto I PLANO DIRETOR DA SUDENE. Tratava-se, inclusive,

de assunto de repercussão internacional. Daniel deveria aguardar, mesmo sem

ir jantar, o tenente-coronel Stanley Fortes Baptista, superintendente adjunto da

autarquia.

Precisamente às 19 horas, Daniel, no fundo do corredor, com

salas separadas por divisórias de madeira, ouviu passos vindos da entrada dos

Page 40: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

31

elevadores. Lembrou-se, imediatamente, do seu tempo de reco. Passos firmes e

fortes, aquele senhor abriu a porta da sala e perguntou:

― O senhor foi o escalado para datilografar o anteprojeto?

Levantando-se, Daniel respondeu afirmativamente.

― Então, acompanhe-me.

O tenente-coronel Stanley abriu uma pasta, dela tirou várias

folhas de papel e adiantou:

― Aqui está. Amanhã tenho uma reunião com os representantes

do Nordeste no Congresso Nacional para apresentação deste documento ― e

mostrou-lhe uma via do Plano. A reunião está marcada para as 10 horas. Será

presidida pelo senador Virgílio Távora, e dela participarão senadores e

deputados da região nordestina. Preste bastante atenção ao trabalho que o

senhor vai datilografar.

― Sim, senhor, respondeu Daniel.

Àquela época (1968), as antigas máquinas de datilografia estavam

sendo substituídas por máquinas elétricas da marca IBM. Daniel sentou-se,

colocou o papel na máquina e começou a trabalhar. Eram cerca de 60 páginas.

Tinha ele, por hábito, acompanhar, ao mesmo tempo em que datilografava, a

redação do texto, guardando-o na memória.

Por volta de meia-noite, terminou e foi entregar o trabalho. O

tenente-coronel Stanley olhou, levantou-se da cadeira e enfiou o braço na

manga direita do paletó. Antes de vesti-lo completamente, satisfeito, perguntou

a Daniel:

― O que o senhor achou do anteprojeto?

Daniel, meio encabulado, respondeu:

― Sinceramente?

― Claro. Se estou perguntando, é para o senhor responder. Qual

a sua opinião?

E Daniel:

― Há vários erros neste anteprojeto, como, por exemplo:

repetições desnecessárias, sujeitos no plural e verbos no singular, inadequação

vocabular, etc.

Page 41: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

32

O tenente-coronel olhou Daniel, espantado. Tirou o braço direito

da manga do paletó, colocou-o novamente na cadeira, sentou-se à mesa e,

chamando-o para seu lado, disse:

― Aponte os erros que o senhor encontrou...

Daniel, que os decorara, mostrou.

― O senhor tem razão, afirmou. Corrija-os. Tem minha

autorização para tirar ou acrescentar o que julgar necessário para melhorar o

anteprojeto.

Daniel lembrou-se, como se um filme rapidíssimo passasse diante

de si, dos ensinamentos que lhe transmitira o jornalista Ari Cunha, em 1950,

quando trabalhavam na NEWS PRESS, das primeiras lições que aprendera nos

livrinhos da Livraria Ediouro e do Dr. Gilson Amado, na Rádio Mayrink Veiga. As

vicissitudes que atravessara haviam sido seus melhores professores.

Finalmente, por volta de 3 horas da manhã, entregou o trabalho

ao tenente-coronel Stanley. Este mandou que Daniel ficasse ao seu lado e lhe

mostrasse as correções que havia feito. E, página por página, Daniel as

apontava e complementava com explicações verbais.

O tenente-coronel concordou com todas as alterações. Já eram

cerca de 4 horas da manhã. Colocou o paletó, estendeu a mão a Daniel e

perguntou-lhe:

― O senhor estuda à noite?

― Sim, senhor.

E continuou:

― Este anteprojeto foi redigido por funcionários da Sudene com

curso de PhD na Sorbonne.

E prosseguiu:

― Qual o curso que o senhor está fazendo e em que

universidade?

― Faço dois cursos: Administração e Ciências Contábeis. Estudo

na Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF), completou

Daniel.

― O senhor é de que Estado?

Page 42: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

33

― Do Piauí.

― Que coincidência. Também sou do Piauí.

Estendeu a mão a Daniel, cumprimentando-o afavelmente.

― O senhor já jantou?, perguntou.

― Não, tenente-coronel, ainda não.

O coronel enfiou a mão no bolso, tirou uma quantia e ordenou:

― Vamos sair agora. O motorista está embaixo esperando. Ele vai

me levar ao hotel. De lá, o senhor vai jantar e depois vai pra casa. Fica de

licença durante uma semana. A partir de agora, as coisas vão mudar. Eram

péssimas as informações que me deram a seu respeito. Todas falsas.

Daniel soube depois, por terceiros, que a reunião do tenente-

coronel Stanley com a bancada nordestina havia sido um verdadeiro sucesso.

As perseguições que sofria no escritório da Sudene em Brasília foram

amenizadas. Não eram tão graves como antes. Tempos depois, aceitou convite

para trabalhar na Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste

(Sudeco), autarquia vinculada ao então Ministério do Interior. Ali desempenhou

a função de chefe do Serviço de Documentação e Divulgação, a partir de 7 de

outubro de 1968 até setembro de 1970.

Nesse mesmo mês de setembro de 1970, foi colocado à disposição

do Ministério do Interior, tendo sido nomeado para a função de auxiliar

administrativo “A”. Ainda no mesmo exercício, foi designado responsável pela

chefia da Turma de Pessoal e Material do Serviço de Administração da

Inspetoria-Geral de Finanças (IGF) e substituto do chefe do Serviço de

Administração da IGF. Em maio de 1971, foi promovido a auxiliar técnico “C” da

mesma IGF.

De setembro de 1970 a julho de 1971, datilografava, com outros

colegas, os relatórios e os certificados de auditoria dos auditores do Ministério

do Interior.

Enquanto datilografava, Daniel procurava assimilar as ocorrências

que eram detectadas na fiscalização do emprego de recursos públicos,

apontadas como deslize ou falha grave. Lembrava-se de alguns dos conselhos

Page 43: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

34

de Sun Tzu, general chinês, que, em seu livro A Arte da Guerra, de 2.500 a.C.,

ensinava:

― Se você conhece o seu terreno e o terreno do inimigo, não há o

que temer nas batalhas;

― Se queres a paz, prepara-te para a guerra.

Por isso, seguindo os conselhos do general, Daniel estudara os

115 artigos da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que Estatui Normas

Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e

balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

É de se esclarecer que o Orçamento da União é um dos

documentos mais importantes da nação. Nele estão sintetizadas todas as

previsões das receitas e fixadas as despesas dos Três Poderes da União.

Era intenção de Daniel diplomar-se, primeiro, em Ciências

Contábeis e, depois, em Administração. Seu objetivo principal era fazer parte da

equipe de auditores do Ministério do Interior, viajando por este Brasil. Com seu

trabalho, receberia diárias gordas e ajuda de custo, caso as viagens

ultrapassassem trinta dias. E quase sempre isso ocorria, para que os auditores

tivessem tempo suficiente na análise da documentação a ser encaminhada ao

Tribunal de Contas da União (TCU) para julgamento.

Após inesquecíveis esforços, às vezes varando as noites, inclusive

aos sábados e domingos, conseguiu seu intento. Diplomado em Ciências

Contábeis, em agosto de 1971, e em Administração, em dezembro do mesmo

ano, recebeu, do Conselho Regional de Contabilidade no Distrito Federal

(CRC/DF), carteira provisória para iniciar trabalhos de auditoria. Em setembro

de 1971, foi designado auditor do Ministério do Interior.

1.5 Em Boa Vista – Território Federal de Roraima

Depois de regressar de viagem a vários Estados, auditando as

tomadas e prestações de contas de órgãos e entidades subordinados e

Page 44: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

35

vinculados ao Ministério do Interior, Daniel foi chamado ao gabinete do

inspetor-geral de Finanças, Dr. Benecdito Ruy Goiabeira Corrêa, que lhe disse:

― Você foi escolhido para ir ao Território Federal de Roraima fazer

o levantamento dos bens patrimoniais do Território. Será um trabalho árduo,

pois duas comissões, com o mesmo objetivo, fracassaram. Escolha dois

auxiliares e leve-os.

― Levarei o Oswaldo Menezes e o Lourival Pinto Saraiva,

respondeu-lhe Daniel.

Embora fossem apenas assistentes III-A, eram técnicos de fazer

inveja a muitos dos auditores da IGF.

Chegaram a Roraima no início do mês de fevereiro de 1972. Após

alguns dias de pesquisas, Daniel solicitou a colaboração de servidores do

Território, tendo sido colocados à sua disposição Arrais, Yolanda, Maria e

Ludmila. No dia a dia dos trabalhos, à procura dos bens e dos responsáveis

para a devida identificação, as tarefas eram penosas e exigiam grandes

esforços de toda a equipe. Preocupado em não fracassar ― seria, portanto, a

terceira vez, para vergonha da IGF ―, Daniel pediu ao Dr. Goiabeira que

enviasse, para compor a comissão, os técnicos Rubem Darcy de Oliveira,

Waldemir Alves Maia e Edson Saldanha. Enriquecida a equipe, pôde Daniel ficar

tranquilo, tendo conseguido cumprir a missão que lhe fora atribuída.

O prezado leitor pode avaliar a difícil tarefa, fielmente cumprida,

no ofício que se segue, dirigido ao Dr. Benedicto Ruy Goiabeira Corrêa,

inspetor-geral de Finanças do Ministério do Interior:

‘GAB/Ofício nº 365/72 Boa Vista, T.F.R. Em 27.09.72

Senhor Inspetor Geral:

Os senhores JOSÉ DANIEL DE ALENCAR, Assessor IV-E

e OSWALDO MENEZES, Assistente III-A, servidores desse Ministério,

entregaram-nos, nesta data, os cinco (5) volumes do Inventário Geral

dos Bens Patrimoniais do Governo deste Território, acompanhados

Page 45: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

36

das Normas de procedimento a serem adotadas, para registro e

controle dos referidos Bens, trabalho pelos mesmos caprichosamente

elaborado, em cumprimento ao disposto nas Portarias IGF/001/A e

002, de 04.02.72 e 03.06.72, dessa Inspetoria, e no qual tiveram a

prestimosa colaboração dos técnicos RUBEM DARCY DE OLIVEIRA,

WALDEMIR ALVES MAIA, EDSON SALDANHA e LOURIVAL PINTO

SARAIVA.

2. Ao recebermos tão valiosa contribuição para a obra de

organização administrativa que este Governo se esforça por deixar

implantada no Território Federal de Roraima, é-nos sumamente grato

manifestar a Vossa Senhoria o quanto apreciamos o trabalho

verdadeiramente precioso, executado por aqueles devotados

servidores, cuja dedicação, habilidade, competência e eficiência foi

cabalmente demonstrada no empenho com que se deixaram absorver,

inteiramente, pela árdua tarefa, numa faina intensa de oito meses,

assim como no esmero com que se aplicaram à elaboração gráfica e

literária que constitui a consolidação de sua obra.

3. Não podemos deixar de expressar, também nesta

oportunidade, o nosso penhorado reconhecimento a Vossa Senhoria,

ante a compreensão e boa vontade com que se dignou prestar-nos a

sua indispensável e inestimável cooperação pondo à disposição deste

Governo elementos de tão eminente capacidade, para a realização do

importante trabalho.

Apresentando a Vossa Senhoria os servidores JOSÉ

DANIEL DE ALENCAR e OSWALDO MENEZES, cuja missão foi

cumprida, assim, de forma tão meritória, desejamos registrar os

nossos aplausos e os mais efusivos agradecimentos a eles e aos seus

dignos colaboradores, enquanto renovamos a Vossa Senhoria as

homenagens do nosso distinguido apreço.

HÉLIO DA COSTA CAMPOS

Governador’

Para agradável surpresa de Daniel, foi publicado no Boletim de

Serviço nº 315, de 13 de outubro de 1972, o seguinte documento:

Page 46: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

37

‘PORTARIA Nº 01113, DE 13 DE OUTUBRO DE 1972

O MINISTRO DE ESTADO DO INTERIOR, no uso das

atribuições que lhe conferem o Decreto nº 54.026, de 1964,

R E S O L V E:

ELOGIAR os servidores JOSÉ DANIEL DE ALENCAR,

Assessor IV-E e OSWALDO MENEZES, Assistente III-A, pela

dedicação, eficiência e espírito público com que se houveram na

árdua tarefa de proceder ao levantamento dos Bens Patrimoniais do

Governo do Território Federal de Roraima e à fixação de normas que

disciplinam os procedimentos a serem adotados para registro e

controle dos referidos Bens.

Brasília,

JOSÉ COSTA CAVALCANTI Ministro’

Embora diplomado em Ciências Contábeis e em Administração,

Daniel carregava consigo o ensino popular de que a melhor universidade é a da

vida. Por isso, sempre esteve atento aos dizeres de sábios, que, às vezes, não

são encontrados em livros de graduação universitária, daí o fato de ter

memorizado dizeres que lera em Roraima, quando fora convidado pelo

governador para com ele almoçar.

Ao subir os primeiros degraus da escada que permitiria o acesso

ao local do almoço, vira papel pregado na parede, onde se lia:

“Quando você começar a subir os degraus do sucesso, não pise

nas pessoas que neles estão sentadas, porque, amanhã, você pode descê-los e

encontrá-las no mesmo lugar.”

Entre o primeiro e o segundo pavimentos, estava escrito:

“Quando você fizer algo, faça-o bem feito, porque não sabe se

amanhã terá oportunidade de refazê-lo.”

E no alto do segundo lance de escadas:

Page 47: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

38

“Quando você tirar algo de algum lugar, recoloque-o no mesmo

lugar. Só assim saberá sempre onde encontrá-lo.”

1.6 Em Macapá – Território Federal do Amapá

Eis que Daniel, em julho de 1973, foi novamente designado, com

Oswaldo Menezes e Roberto Bustamante, pelo mesmo inspetor-geral de

Finanças, Benedito Goiabeira, [...] para orientar e prestar assessoramento

técnico ao Governo do Território Federal do Amapá, com vistas ao

aprimoramento do sistema de registro e controle de seus bens patrimoniais

[...].

Os Territórios Federais eram equiparados às autarquias do

governo federal e vinculados ao Ministério do Interior, de acordo com os

dispositivos do Decreto-lei nº 411, de 8 de janeiro de 1969. As autarquias estão

definidas no artigo 4º do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967.

Apenas a título de esclarecimento, entende Daniel ser importante

ressaltar que os Territórios Federais de Roraima e do Amapá foram

transformados em Estados federados, mantidos em seus atuais limites

geográficos, de acordo com o disposto no art. 14 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias de 1988. O Território Federal de Rondônia, por lei

anterior, já havia alcançado a condição de Estado, e o Território Federal de

Fernando de Noronha, em obediência ao prescrito no art. 15 daquele mesmo

Ato, foi extinto, sendo sua área reincorporada ao Estado de Pernambuco.

Com a experiência anterior, a equipe desincumbiu-se, com

sucesso, de mais essa missão.

A vida de auditor de Daniel ia correndo a contento, viajando de

Porto Alegre ao Território Federal do Amapá, fiscalizando os órgãos e as

entidades subordinados ao Ministério do Interior. Andava de avião pela

necessidade de cumprir a tarefa em tempo hábil, recompensado por diárias e

ajuda de custo, mas, antes de embarcar, passava três dias com disenteria, em

Page 48: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

39

decorrência da claustrofobia de que era vítima. E ainda vinham os colegas de

equipe meter-lhe medo ao dizer-lhe:

― Medo de andar de avião, por quê? Isso só ocorre três vezes:

quando ele decola, quando aterrissa ou quando está no ar.

E morriam de rir de Daniel, trêmulo.

Mas, quando o avião chegava ao seu destino, e os passageiros

começavam a desembarcar, Daniel descia as escadas e dizia:

― Agora, eu sou macho! risos em geral.

Chegamos ao ano de 1974. Em abril, Daniel foi chamado ao

gabinete do inspetor-geral de Finanças. Ali se encontrava um senhor, que foi

apresentado a Daniel, identificando-se como comandante Arthur Azevedo

Henning, da reserva da Marinha. Havia sido nomeado governador do Território

Federal do Amapá.

― Eu indiquei você para ir trabalhar com o comandante Henning

no Amapá, disse o Dr. Goiabeira a Daniel.

Daniel ficou estupefato. A experiência que tivera em Montes

Claros, terra inóspita àquela época (1965/1967), viera à sua mente. Já

conhecera Macapá, capital do Território Federal do Amapá, pois lá estivera

fazendo auditoria. Era terra também praticamente inóspita. Mas não sabia

como rejeitar o convite.

Em fins do mês de abril de 1974, acompanhou ele a comitiva do

comandante Henning, que se dirigiu ao Território para a cerimônia de posse do

novo governador. Depois de empossado, houve um almoço de confraternização

na residência oficial do governo. Atencioso, o comandante Henning chamou

Daniel para sentar-se ao seu lado, numa mesa de mais ou menos oito metros

de extensão. Os garçons começaram a servir. Primeiro, foi o governador. Em

seguida, um a um, foram servidos os convidados. Todos atendidos, o

governador continuava conversando, e nenhum dos convidados começava a

comer. Como estavam absortos às palavras do comandante Henning, Daniel

não perdeu tempo: pegou a faca e o garfo e iniciou o almoço. E o governador

permanecia conversando... E nenhum outro convidado dava a primeira

garfada... Quando Daniel, solitário, já estava quase terminando, o comandante

Page 49: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

40

iniciou a refeição. Aí, Daniel notou, envergonhado, que somente depois que ele

começou, os convidados o seguiram.

Depois dos comes e bebes, os convidados se retiraram para tomar

o avião de volta a Brasília. O comandante Henning convidou Daniel para ficar

hospedado no palácio residencial do governo a fim de manterem entendimento

mais estreito, e até que Daniel trouxesse a família para Macapá, em julho

daquele mesmo ano, época das férias de seus filhos nos colégios onde

estudavam, em Brasília.

Certa noite, após uma partida de baralho, o governador lembrou a

Daniel a mancada que ele dera durante o almoço de sua posse. E, risonho,

disse:

― Agora, vou lhe dar aula de etiqueta.

Pegou duas taças e uma garrafa de vinho. Colocou o líquido em

ambas, um pouco acima da metade.

― Pegue a sua taça e beba, disse a Daniel.

Daniel abriu a mão, abarcou a parte de cima da taça e ia

colocando à boca quando o comandante atalhou:

― Não, está errado. Você coloca o dedo indicador e o polegar na

taça. Assim...

Em seguida, levou a taça à boca e tomou apenas um gole.

Aí Daniel interveio:

― Ora, comandante, pra que perder tempo? Não é mais fácil

pegar na parte mais grossa e tomar logo todo o vinho?

O comandante riu e, gargalhando, soltou:

― Você é mesmo um pau de arara...

E os dois riram a valer.

O Diário Oficial do Território publicou, em sua edição de 6 de maio

de 1974, a designação de Daniel para o cargo de secretário de Administração e

Finanças do Território Federal do Amapá, a contar de 2 de maio do mesmo ano,

data em que de fato assumira dito cargo. Foi um dia de quinta-feira.

Page 50: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

41

Terminados os cumprimentos relativos à posse, Daniel, dirigiu-se

à sua sala de trabalho. Convocou, então, reunião com seus subordinados

imediatos. Reunidos, Daniel dirigiu-lhes a palavra:

― Vocês todos me conhecem de auditorias que já fiz aqui. Por

favor, não me chamem de Vossa Excelência quando estivermos a sós. Só se for

na presença de estranho. Outra coisa: não recebo subordinados de vocês, a

não ser que tenham autorizado ou que venham com um de vocês, para que

não haja desrespeito à hierarquia. Fiquem tranquilos, que o poder não me

subiu à cabeça. Carregarei sempre comigo a minha origem humilde. Só exijo

sinceridade de todos.

Daniel respirou fundo, esperou que algum dos presentes usasse a

palavra, mas nada... Então, continuou:

― Fui procurado por vários colegas em Brasília que queriam vir

trabalhar aqui. Todos de olho na ajuda de custo e nas mordomias. Disse-lhes

que jamais cometeria injustiça na minha vida. Primeiro, vou testá-los nos seus

respectivos cargos, na capacidade de cada um. Tenho certeza de que vocês

não vão me decepcionar.

Finalizada a reunião, Daniel pediu ao seu chefe de gabinete,

Edemburgo, que lhe trouxesse os problemas mais graves, que ele sabia

estarem sendo preteridos.

Edemburgo colocou sobre a mesa de Daniel cerca de trinta

processos. Referiam-se eles a compras da administração anterior, algumas sem

terem sido realizadas com base no empenho. Pareciam fraudes, mas como

apurar, se os beneficiários já tinham ido embora? Passou parte da manhã

estudando todos os casos. À tarde, pediu audiência ao governador, contando-

lhe as anomalias que encontrara. Tinha até aquisição de modess, comprado

pela ex-secretária de Educação. Um horror!

O governador ficou atônito. E perguntou a Daniel qual o melhor

caminho a adotar.

― Governador, respondeu Daniel, se formos criar comissões de

sindicâncias para apurar os fatos, não vamos iniciar a governar tão cedo.

Aconselharia a não iniciarmos a caça às bruxas e pagarmos.

Page 51: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

42

O governador concordou. Então, Daniel lavrou o seguinte

despacho, anexando-o aos processos:

Excepcionalmente, para manter o bom nome da administração

deste Território, solicito a Vossa Excelência seja autorizado o pagamento.

E, logo abaixo, vinha o despacho do governador:

De acordo. Pague-se.

O primeiro dia de trabalho de Daniel tinha sido um verdadeiro

sufoco. Terminado o expediente, foi para o palácio residencial do governo.

No dia seguinte, 3 de maio de 1974, uma sexta-feira, Edemburgo

colocou sobre a mesa de Daniel cerca de dez processos, e foi dizendo:

― São as diárias do pessoal da Segup (Secretaria de Segurança

Pública), que vai fazer investigação no interior.

Daniel ficou espantado. Na condição de secretário de

Administração e Finanças, estava ele autorizado pelo governador a permitir

pagamentos até uma certa importância. Dali em diante, só o governador

autorizava. Enfim, o governador e Daniel mantinham a chave do cofre.

― Pode recolher todos esses processos. Não vou autorizar. Esses

policiais vão pescar nos rios e beber cachaça. Eles têm a semana inteira para

fazer seus trabalhos.

A partir daquele dia, quase toda a Polícia Civil se voltou contra

Daniel. Até mesmo alguns policiais militares, porque a notícia se espalhou

rapidamente.

Aqui, Daniel abre um parêntese para registrar que exerceu, por

quinze vezes, o cargo de governador substituto, durante o período

compreendido entre 2 de maio de 1974 a 6 de agosto de 1975, tempo em que

esteve a serviço no Território.

Para poder cumprir suas responsabilidades, Daniel levantava-se

todos os dias às 5 horas da manhã. Tomava café e às 5h30min. estava no

trabalho. Só retornava para casa às 22 horas. Ia e voltava andando, e, no

trajeto, não havia vivalma. Abria a porta de sua sala, sentava-se à mesa e

começava a trabalhar, porque, às 9 horas, diariamente, tinha despacho com o

Page 52: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

43

comandante Henning. Os outros secretários ― de Educação, de Saúde e de

Obras ― só despachavam com o governador uma vez por semana.

Chegou o fim do mês de maio de 1974. Daniel começou a analisar

o balanço financeiro e identificou despesas que considerou absurdas: gasolina,

troca de óleo, carne, arroz, feijão, etc. Chamou o seu diretor financeiro e

perguntou-lhe quem eram os beneficiários de tais despesas.

― Todos os chefes têm jeep. A comida é para a casa dos

secretários.

Daniel contou ao governador o acontecido. Ficou combinado,

então, que todos os veículos usados por chefes de divisão ou de seção fossem

alienados. E também que fossem reduzidas as mordomias.

Daniel, imediatamente, adotou as providências. Mandou que seu

diretor da Divisão de Administração diminuísse drasticamente os comensais dos

secretários. E, ainda, que fosse convocada a Comissão Permanente de Licitação

para venda de todos os veículos entregues a chefes de cada secretaria. E assim

foi feito.

Após alguns dias, foram abertas as propostas. Os vencedores

foram deslocados para as respectivas secretarias, em cuja garagem se

encontravam os veículos que arremataram. Ao chegarem à Segup, porém, para

retirar os jeeps, constataram que eles não funcionavam. Ao contrário do que

havia sido detalhado pela Comissão Permanente de Licitação, faltavam peças

nos veículos. Os vencedores ficaram irritados e ameaçaram processar o

governo. Eram pessoas do próprio Território, de Belém ― Pará e até mesmo de

São Paulo.

O diretor da Divisão de Administração e presidente da Comissão

Permanente de Licitação, Cassio Dolabela Romeiro, pediu-lhes que

aguardassem um pouco, pois ele ia conversar com o governador. Daniel estava

em exercício como governador substituto. Cassio contou-lhe o ocorrido. Daniel

pegou o telefone, ligou para o secretário de Segurança e foi logo dizendo:

― O senhor tem meia hora para que sejam colocados nos veículos

as peças que foram deles retiradas.

Page 53: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

44

― Eu não sei do que se trata. Não tenho condições de atender sua

determinação, respondeu-lhe.

― Bem, disse-lhe Daniel, se minha ordem não for respeitada,

amanhã pode ler sua dispensa no Diário Oficial. E os funcionários responsáveis

por esses desmandos serão objeto de comissão de sindicância para apuração

das responsabilidades.

Não demorou meia hora e todas as peças que haviam sido

retiradas foram recolocadas.

Na segunda quinzena do mês de junho de 1974, Daniel recebeu a

visita do Dr. Raimundo Nonato de Castro, que, por coincidência, estivera na

inauguração do escritório da Sudene, em Montes Claros, representando o

governador de Minas Gerais. Disse ele a Daniel que fora nomeado assessor do

ministro do Interior, general José Costa Cavalcanti. Informou-lhe, em seguida,

que haviam chegado várias queixas ao gabinete do ministro sobre sua atuação

como secretário de Administração e Finanças do Território. E mais, que estivera

fazendo pesquisa no comércio local. Concluiu:

― Se eu fosse você, não traria a família para o Território. Não

houve quem não criticasse sua atuação. Está dando prejuízo ao comércio local.

Daniel, então, pediu-lhe um favor:

― Dê-me seis meses e, depois, o senhor vem refazer a pesquisa.

Essa revolta é natural, porque foram adotadas medidas enérgicas contra o

desperdício.

Em um dos despachos com o governador, este informou a Daniel

que a Associação Comercial do Amapá havia lhe pedido audiência para colocá-

lo a par dos prejuízos que o comércio local estava atravessando, em

decorrência da drástica diminuição das compras. O governador pediu a Daniel

que viesse devidamente municiado, pois a briga ia ser feia.

Ao retornar à Secretaria de Administração e Finanças, Daniel

cuidou de estudar, detalhadamente, o balanço financeiro do ano anterior

(1973). Verificou que havia vários lançamentos na rubrica Restos a pagar e

Despesas de exercícios anteriores. Pediu aos seus subordinados todos os

processos relativos a esses lançamentos. Havia casos de compra de material

Page 54: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

45

que, há mais de três anos, não havia sido entregue. E, como tal, não existia

razão dos vencedores que justificasse a não entrega das encomendas.

No dia e na hora marcados para a reunião, Daniel levou todos os

processos. Sentou-se ao lado do governador, numa mesa de mais ou menos

sete metros. O primeiro a falar foi o presidente da Associação Comercial que,

em longo discurso, criticou a atuação do governo do Amapá por haver

diminuído drasticamente as compras. Terminadas as críticas, o governador

cedeu a palavra a Daniel, que, ao iniciar, perguntou ao orador o nome da firma

em questão. Após identificá-la entre os vários processos que havia levado,

Daniel disse-lhe:

― Sua empresa, há cerca de dois anos, ganhou uma licitação para

fornecimento do seguinte material. E listou-o a seguir.

Continuando, acrescentou:

― Até hoje, não houve qualquer comunicação de sua parte

informando o motivo pelo qual o material não foi entregue. Os prejuízos que o

senhor deu ao Território são indescritíveis.

Em seguida, perguntou-lhe:

― O senhor, bem como os demais participantes da reunião, tem

condições de entregar o material agora pelo mesmo preço que ganharam a

licitação?

Para surpresa de Daniel, todos se levantaram, encerrando a

reunião. Ao retornar à Secretaria de Administração e Finanças, mandou

cancelar todos os pedidos. Como o Território era equiparado a uma autarquia,

os recursos retornaram ao seu orçamento.

E, seis meses depois, Dr. Raimundo Nonato voltou, e, ao abrir a

porta da sala de Daniel, foi logo dizendo:

― Nossa, você agora é um Deus. Que é que você fez?

Daniel disse-lhe que alguns interesseiros espalhavam boatos de

que ele estava fingindo-se de durão, mas, na verdade, iria se comportar do

mesmo modo que os antecessores, ou seja, só iria levar vantagem no cargo

que exercia. Entretanto, com o passar dos dias, a população percebeu que ele

Page 55: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

46

estava agindo estritamente dentro da lei, sem beneficiar quem quer que fosse.

Dr. Raimundo Nonato abraçou Daniel, comovido, e despediu-se. Saiu satisfeito.

Chegara a vez da venda dos aviões. A Comissão Permanente de

Licitação terminara os trabalhos de avaliação das aeronaves, e o Edital de

Licitação Pública foi publicado no Diário Oficial do Território. O primeiro

aparelho colocado à venda foi um monomotor CESSNA, ano de fabricação 1964.

Abertas as propostas, o vencedor foi o dono de um garimpo na selva

amazônica. Daniel recebeu a visita de várias pessoas da sociedade amapaense,

protestando contra o vencedor, um senhor que raramente ia à cidade e que

não tinha ligação alguma com o povo de Macapá. Pediram-lhe que anulasse a

licitação. Ele discordou, justificando que foram cumpridas todas as exigências

legais.

Eis que Daniel recebe a visita de um cidadão, vestindo roupas

desgastadas, de chinelo nos pés e chapéu de palha na cabeça. Sentou-se na

cadeira em frente a Daniel, tirou o chapéu e foi dizendo:

― Excelência...

Daniel interrompeu-o, pedindo-lhe que não o tratasse por

Excelência, mas apenas pelo nome. E ele prosseguiu:

― Soube que várias pessoas estiveram com o senhor, pedindo

para cancelar a licitação que fui vencedor. Queria lhe dar um presente pela sua

honestidade. O senhor vai comigo no avião. Tenho um garimpo no meio da

selva. Lá tem um pico que é usado para pouso e decolagem. Depois, o pico é

coberto com galhos de árvore e vira tudo selva. Quem se aproxima do garimpo,

eu mando matar. O senhor vai ganhar um saquinho de pedras preciosas e

nunca mais será pobre.

Daniel agradeceu-lhe e disse que tudo tinha sido feito dentro da

lei, e que ele não lhe devia nada. Ao que o senhor respondeu:

― Mas, Dr., o senhor não será mais pobre para toda a vida.

Daniel levantou-se, abraçou-o e agradeceu a gentileza.

Além de trabalhar de segunda à sexta-feira, de 5h30min. às 22h,

Daniel também dava expediente aos sábados pela manhã. Às tardes de sábado,

Page 56: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

47

às 16 horas, ia jogar pelada. Certa vez, jogando no campo da Polícia Militar,

todos o chamaram de governador.

― Passa a bola, governador!

― Chuta a gol, governador!

Até que, numa bola dividida, o adversário tirou o pé, não travando

com ele. E Daniel, para o seu adversário:

― Aqui, todos somos jogadores. Não tem esse negócio de tirar o

pé numa bola dividida.

E, em outra dessas bolas divididas, o adversário entrou de sola,

machucando o tornozelo de Daniel, que foi retirado de campo nos braços dos

colegas. O tornozelo ficou tão inchado que a tornozeleira que calçava teve de

ser cortada com tesoura.

Um dia, o substituto de Daniel, Domício, pediu-lhe que fosse

dispensado um subordinado dele, Leandro. Já entregou a Daniel o texto da

portaria para ser assinado. Prontamente atendido, o documento foi publicado

no Diário Oficial do Território.

Após a publicação da portaria, para surpresa de Daniel, adentrou

em seu gabinete um dos poderosos empreiteiros do Território. Foi logo lhe

dizendo que a dispensa de Leandro tinha de ser desfeita, porque ele (Leandro)

era secretário-geral da ARENA e o presidente Geisel não ia gostar. E Daniel

respondeu-lhe:

― Jamais farei uma coisa dessas. A única saída é o governador

me demitir e o meu substituto atender sua determinação. Afinal, o que a

população vai pensar? Eu ou o senhor, quem é o secretário?

― Então, vou falar com o governador, disse o empreiteiro.

Em menos de 10 minutos, o governador ligou para Daniel,

perguntando-lhe o que havia ocorrido. Este lhe relatou o fato. E o governador:

― Foi assim? Então, você está correto.

Já se passara mais ou menos um mês quando, às 6 horas da

manhã, Leandro entrou na sala de Daniel, que ficou apreensivo. Chegou à sua

frente, começou a chorar e desabafou:

Page 57: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

48

― Vim aqui lhe pedir desculpas. Já falei muito mal do senhor,

pensando que tinha me dispensado. Ontem à noite, soube que foi meu

compadre Domício.

E Daniel, também comovido, disse-lhe:

― Você vai voltar para o seu lugar. O Domício vai ser diretor do

escritório do Território em Belém. Quem vai substituí-lo é o Rubens. Aliás, já

conversamos, e você vai voltar para o seu lugar.

Certa vez, Daniel estava em despacho com o governador. Este, ao

ler um processo para assinar, olhava para o secretário e sorria. Fez a mesma

coisa três vezes. Então, Daniel perguntou-lhe:

― Há algum problema, governador?

― Sim. Toda a minha vida foi dirigindo homens. Nunca me

enganei com nenhum, mas me enganei com você. Jamais pensei que você,

nessa simplicidade, fosse tão capaz. Quem ia ser o secretário de Administração

e Finanças era um amigo meu, porém você me impressionou tanto que

dispensei os serviços dele.

― Nossa, governador, respondeu Daniel.

E acrescentou:

― Agora, vou ter de me esforçar em dobro para não decepcioná-

lo.

Risos.

Daniel era o único secretário que mantinha sempre a porta de sua

sala aberta, não fazendo distinção entre qualquer cidadão que com ele

desejasse falar. Um dia, entrou na sala uma irmã. Aproximou-se e:

― Excelência...

Daniel não deixou que continuasse. Aproximou-se dela e,

beijando-lhe a mão, disse:

― A que devo tão ilustre visita? Por favor, não me chame de

Excelência.

― Eu sou do Ginásio Feminino de Macapá. Lá ensinamos crianças

pobres e cuidamos da saúde delas. Todos os meses, recebemos uma ajuda

financeira do Ministério da Educação e Cultura e do governo do Território. Já

Page 58: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

49

vim aqui várias vezes e me dizem que a liberação do dinheiro enviado pelo

Ministério está sendo estudada. Já estamos passando privação.

Daniel pegou o telefone e chamou o responsável. Perguntou-lhe

por que não tinham, ainda, entregue o dinheiro. Ele lhe deu uma desculpa

esfarrapada. Daniel ordenou-lhe:

― Dentro de 20 minutos, no máximo, quero que o cheque seja

entregue. E que isso não se repita mais...

Daniel pediu desculpas à irmã pelo atraso e solicitou-lhe que

ficasse em sua sala, aguardando. Aqueles 20 minutos ainda não haviam

transcorrido e ela estava com o cheque em mão.

O governador ligou para Daniel, informando-lhe que estava em

seu gabinete o vice-reitor, de nome Moita, da Universidade Federal Rural do Rio

de Janeiro, vinculada ao Ministério da Educação e Cultura. Fora tratar da

instalação do Campus Avançado do Amapá, do Projeto Rondon. Tratava-se de

um projeto lançado pelo regime militar, objetivando o contato de estudantes

com a realidade nacional, diferente, portanto, do que as forças contrárias ao

regime apregoavam nas grandes cidades.

Com os contatos diários, mantidos durante as pesquisas para

locação da casa destinada aos universitários e a realização das compras de

utensílios e móveis, Daniel e Moita tornaram-se amigos. Em longas conversas,

trocavam até mesmo confidências sobre os mais variados assuntos. Moita

retornou ao Rio de Janeiro e ficou de informar a Daniel o dia do embarque dos

estudantes para o Território e o nome do professor responsável pelo Campus

Avançado.

Chegando o dia, Moita comunicou a Daniel que viria com a

comitiva. Ao desembarcarem do avião, foram todos apresentados ao secretário,

inclusive o professor Nilde Ceciliano Santiago, o responsável pelo mencionado

Campus. No primeiro domingo após a chegada do grupo ao Território, o

governador ofereceu à equipe um almoço de boas-vindas. Daniel, presente, ia

passando pela mesa onde estavam sentados Moita e o professor Santiago, que

o convidaram para sentar-se à mesma mesa. O professor Santiago pediu a

Daniel que contasse um pouco da sua vida e como chegara a secretário de

Page 59: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

50

Administração e Finanças. Daniel, então, fez um breve histórico de seu

passado.

Daniel notou que o professor Santiago olhava incrédulo para

Moita, que sorria. Daniel disse com os seus botões: “Será que falei alguma

bobagem?” Terminaram de almoçar, e o professor prometeu que iria fazer uma

visita a Daniel, após certificar-se dos afazeres a seu encargo e das

responsabilidades que competiam à Secretaria de Administração e Finanças.

No dia da visita, os dois tiveram uma conversa amigável sobre as

responsabilidades das respectivas áreas. Em seguida, o professor Santiago não

se conteve e disse:

― Quando cheguei ao Território, perguntei ao Moita quem era o

homem forte do governo. Ele ficou de me apresentá-lo durante o almoço.

Contudo, antes da hora marcada, cobrei dele: ‘Mostra aí, nesse amontoado de

gente conversando, quem é o homem forte’... Aí, ele apontou você. Eu disse:

‘Moita, aquele vestido de bermuda e de camiseta, que está contando piadas?

Conta outra.’ Pois é, você me surpreendeu. Quem vir você na rua, não dá um

vintém pela sua figura.

― Bondade sua, meu caro. O que mais me ensinou na vida não

foram os diplomas de nível superior que consegui, mas, sim, as chicotadas da

Universidade da Vida. Agradeço seus elogios. Sinceramente, não me sinto

envaidecido. Aumenta a minha preocupação para não decepcionar os amigos e

jamais esquecer a minha origem humilde.

O tempo ia correndo. Chegou o mês de junho de 1975. Eis que,

um dia, o filho de Daniel, Carlos Marcelo, com nove anos de idade, estava à

procura de seus livros e cadernos da quarta série primária. Daniel perguntou-

lhe o motivo da busca, e ele respondeu:

― Estou na oitava série. A professora vai dar a prova pelos meus

cadernos da quarta série.

Daniel ficou chateado. Como poderia ser o futuro de seu filho?

Chamou a filha mais velha, Danielle ― já que a mais nova, Lucienne, ainda não

estudava ―, e perguntou-lhe como ela ia na escola. Nova decepção: estava

atrasadíssima. Daniel combinou com a esposa que em julho teriam de voltar

Page 60: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

51

para Brasília. Os filhos estavam muito atrasados, e o futuro de ambos era

preocupante. Falou com o governador, que lamentou a decisão, mas a

compreendia.

Rapidamente, a população tomou conhecimento da novidade.

Sempre que Daniel saía da Secretaria, havia na porta de entrada uma romaria

de pessoas esperando-o. Faziam até comícios, apelando para ele ficar. Diziam

que ele seria facilmente eleito deputado federal pelos bons serviços prestados

ao Território. Daniel agradecia comovido e adiantava que não gostaria de ser

político.

O Jornal do Povo, de 8 de junho de 1975, na Coluna F, publicou a

seguinte notícia:

‘SUPER SECRETÁRIO

O sr. Daniel Alencar, Secretário de Finanças do

Governador Arthur Henning, tem atribuições que vão além de suas

responsabilidades específicas. Segundo informaram ao repórter, o

titular das Finanças é uma espécie de ‘cérebro eletrônico’ de todo o

mecanismo da atual administração, e todas as decisões programadas

só entram em execução depois da aquiescência do homem do

Tesouro. Ele seria, assim, um Super-Secretário, em quem o

Governador confia sem restrições, embora isso atrapalhe ou incomode

as figuras que não se afinam com o guardião da caixa-forte.’

Os presentes que Daniel recebeu estavam guardados em sua

casa. Todos foram doados à Associação de Voluntários do Amapá ― Abrigo São

José, de onde recebeu o documento abaixo transcrito:

‘Recebi do Sr. JOSÉ DANIEL DE ALENCAR, como doação

ao Abrigo dos Velhinhos, os seguintes objetos, que lhe foram

presenteados por terceiros durante a sua gestão como Secretário de

Administração e Finanças do Governo do Território Federal do Amapá:

1 (um) faqueiro, de prata meridional, 1ª classe

mundial, com 130 peças;

2 (dois) quadros, um representando um preto velho e

outro, uma parte da Rua Mendonça Furtado;

Page 61: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

52

1 (um) isqueiro, marca PORKA, suíço, com um relógio

nele encravado;

1 (uma) escultura em cobertura de manganês,

retratando um casal;

1 (um) DRINKO’MATIC, marca FORDA;

1 (um) isqueiro ornamental para mesa, com a

respectiva carga;

1 (um) jogo para coquetel de plástico, com sete peças;

1 (uma) rede, trabalhada em fios lamê, com desenhos

da Arábia.

Macapá, 09 de junho de 1975.

Lícia Góes Barbosa’

E, novamente, o Jornal do Povo, em sua edição de 15 de junho de

1975, dava a seguinte notícia:

‘MOSQUETEIROS

O Governador Arthur Henning tem quatro Secretários

dando IBOPE, em algumas correntes de opinião do Território. Na faixa

das preferências, figuram em primeiro plano o Secretário de Finanças,

Daniel Alencar, e o Secretário de Segurança, Coronel José Índio

Machado. Em seguida, pontificam os nomes do engenheiro Fernando

Ramos Dias, Secretário de Obras, e do agrimensor Cleiton Azevedo,

prefeito de Macapá.

Considerados como os quatro mosqueteiros de Arthur

Henning, em que pesem as dificuldades da atual administração, esses

homens se desdobram ― cada qual a seu modo ― para projetar uma

imagem alegre, otimista e descontraída do Governo do Território.

A maior torcida, contudo, é pela permanência do

Secretário de Finanças no esquadrão Henning. Demissionário, mesmo

assim o sr. Daniel Alencar tem mantido um elevado espírito público à

frente da SAF, atento para as finanças do Governo e para o equilíbrio

da estrutura administrativa do Amapá, embora não tenha escapado

de críticas radicais, e quase sempre injustas. O repórter analisa a

questão à luz de depoimentos trazidos ao bureau por pessoas

responsáveis que, embora, admitam que o sr. Daniel Alencar não seja

insubstituível no cargo, defendem a sua permanência como um

Page 62: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

53

imperativo de ordem e segurança, autoridade e responsabilidade no

comando da Secretaria que tinha o triste conceito de fazer parte de

uma herança maldita.’

Meses antes de pedir dispensa do cargo, Daniel mandara fazer o

levantamento do material necessário ao governo, a ser utilizado no prazo de

um ano. Foi realizada uma tomada de preços em Macapá, em Belém e em São

Paulo. Daniel tomou um susto quando foi comparar os preços: os de São Paulo

chegavam à diferença astronômica de até 500% menos que os de Macapá.

Nomeou, então, novos membros para a Comissão Permanente de Licitação para

comprar, em São Paulo, o material. Este, ao chegar a Belém, foi despachado

em barcas do governo, com destino a Macapá.

Ao ligar o rádio do carro, quando saía para o almoço, Daniel ouviu

pela Rádio Educadora São José, da cidade de Macapá, críticas que considerou

até ofensivas sobre a compra do material: que ele estava, inclusive,

extrapolando seus deveres, empobrecendo o comércio local, fazendo compras

que lhe renderiam boa comissão, justamente no momento em que iria deixar o

Território.

Daniel ficou chocado. Quando retornou do almoço, ligou para a

rádio e falou com o comentarista, Alcy Araújo. Pediu-lhe, por gentileza, que

viesse até a Secretaria, pois desejava conversar com ele. No dia seguinte, Alcy

apresentou-se.

Daniel estendeu-lhe a mão, pediu-lhe que se sentasse na cadeira

à sua frente e disse-lhe:

― Fiquei perplexo ao ouvir sua crônica ontem pela rádio.

Deixemos o Excelência de lado. Pode tratar-me pelo próprio nome. Afinal, já

trilhei os mesmos caminhos que você.

A seguir, Daniel fez reminiscências de sua vida, lembrando seus

tempos de foca na NEWS PRESS e de secretário na Rádio Mayrink Veiga. E,

mostrando-lhe os processos, acrescentou:

― São processos de tomada de preços. Veja as diferenças de

preços. Um absurdo. Foi tudo feito de acordo com o Decreto-lei nº 200/67.

Page 63: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

54

Alcy olhou, manuseou os processos e fez várias perguntas a

Daniel.

― Pois é, Alcy. Aí está a verdade. As informações que você

recebeu foram mentirosas. Compreendo sua situação de jornalista: na ânsia de

dar a notícia em primeira mão, o chamado furo, dá-se credibilidade à fonte.

Não se checa a informação.

Alcy, que também era funcionário do Território, pediu desculpas a

Daniel, dizendo-lhe que iria reparar o mal que tinha feito. E Daniel atalhou:

― Estou saindo do governo, como você já sabe. Queria pedir-lhe

um favor: não quero que você me defenda. Quero que você defenda os

membros da Comissão Permanente de Licitação, que vão ficar aqui, e não

sejam eles expostos à execração pública.

Ao despedir-se, Daniel sentiu que Alcy estava emocionado. No dia

seguinte, à mesma hora, Daniel ligou o rádio do carro e ouviu, comovido:

‘PROGRAMA “ELES, A MÚSICA E A NOTÍCIA”

TRANSMITIDO NO DIA 18/06/75 (4ª feira)

RÁDIO EDUCADORA SÃO JOSÉ

CORTINA MUSICAL:

PROPAGANDA:

COM A PALAVRA ALCY ARAÚJO: Tivemos a satisfação de um primeiro

contato pessoal com o Dr. DANIEL ALENCAR, Secretário de

Administração e Finanças do Território. O encontro constituiu abertura

para um diálogo franco, honesto e inteligente, permitindo um

estabelecimento claro das posições em que se encontram o jornalista

e a autoridade. A autoridade, de sua alta posição, zelando pela

dignidade do Governo, zelando pela honrosa confiança que lhe foi

depositada e zelando ainda pela responsabilidade delegada a um dos

altos funcionários da Secretaria, para que não pairem dúvidas no seio

da coletividade, quanto à exação de uma política de material que visa

emprego, em termos legais, e no sentido da economia, de recursos

que a União carreia para os programas administrativos do Território

do Amapá. Foi uma demonstração patente e o jornalista tem a

satisfação de registrar a responsabilidade funcional. O jornalista, na

posição menos responsável, de homem apressado, que transforma a

informação em notícia, sem as limitações que caracterizam as ações

Page 64: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

55

administrativas que envolvem leis, normas e instruções, que não

regulamentam as atividades de um simples repórter. Apresentou o

Secretário seus pontos de vista, a sua opinião respeitável em torno do

tratamento que foi dado a uma nota divulgada por este programa,

demonstrando não estar alheio aos labirintos da profissão deste

escriba. O jornalista, por sua vez, declarou as suas intenções, nunca

subalternas, nunca ocultas, nunca ditadas por sentimentos menos

dignos, embora houvesse a notícia que divulgou criado uma situação

momentânea desagradável. Mas que ofereceu um ângulo positivo.

Lamenta o jornalista que deveres funcionais do Secretário de Finanças

e as obrigações do repórter não tenham produzido contacto entre um

e outro há mais tempo. O encontro em tela constituiu uma

demonstração de urbanidade, de respeito pelo profissional e pela

pessoa humana de parte do homem a quem agora o jornalista tem a

satisfação de tratar, não como Secretário de Governo, não como sua

Excelência, mais singelamente de amigo DANIEL DE ALENCAR,

incluindo aquele que exerce as funções de Administrador-Geral no rol

dos que têm lugar em nossa estima, lugar que já ocupava em nosso

respeito. As palavras dirigidas ao jornalista foram uma mostragem

nítida do homem ponderado, lúcido e perfeitamente integrado no

cargo que lhe foi confiado. Permitiu a radiografia do administrador,

um diagnóstico do chefe, do companheiro de trabalho. Enquanto isso,

o diálogo do jornalista assegurou o enfoque de uma sistemática

administrativa contemporânea. Após o encontro, lamentamos

profundamente termos que dar a notícia de que DANIEL DE ALENCAR

vai deixar o Território. Não fossem motivos imperiosos e de ordem

particular, que nos expôs com a transparência de quem não tem nada

a ocultar, e o jornalista engrossaria a corrente dos que tentam

demovê-lo de sua decisão, isto pela certeza de que o Governo vai

perder um colaborador de primeira água e o Amapá vai deixar de ter

em seu convívio um amigo que veio de outras vivências e de outras

comunidades e logo aprendeu a querer bem a esta terra e ao seu

povo. Mas paremos aqui, o Repórter não deseja ferir mais do que

feriu a modéstia de um amigo que nos vai dizer adeus.

PEDRO SILVEIRA: Muito bem, Alcy, muito bem, faço meus os seus

conceitos, porque também mantive contato com o ilustre Secretário

de Finanças e encontrei na autoridade um homem aberto, franco,

preocupado como os problemas humanos.

Page 65: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

56

ALCY ARAÚJO: Exatamente. Cremos, de alguma forma, embora de

maneira condensada, que demos uma idéia do homem que aciona o

coração administrativo do Governo.

CORTINA MUSICAL.’

As irmãs do Ginásio Feminino de Macapá não se esqueceram de

Daniel, tendo ele recebido este documento:

‘Ofício nº 14/75 – GPM Macapá, 19/05/75.

DA(S) : Diretora do Ginásio Feminino de Macapá

e Vice-Diretora

AO DD Secretário de Administração e Finanças

do Amapá

ASSUNTO : Agradecimento (apresenta)

EXMO. SR. SECRETÁRIO

Vimos, através do presente, agradecer a Vossa

Excelência os importantes e significativos favores com que fomos

contempladas durante o período de vossa gestão, à frente da

Secretaria de Finanças do Território Federal do Amapá, em nosso

nome e no nome das Irmãs, religiosas do Ginásio Feminino de

Macapá.

Que Deus onipotente cumule Vossa Excelência

e digna família com ricas bênçãos divinas.

Na oportunidade, apresentamos nossas

despedidas, em virtude de estarmos também em vésperas de viagem.

Atenciosamente,

As Irmãs: Irmã Carmen Bello

Irmã Elvira Buyatti

Irmã Odete Bahia

Irmã Maria das Graças de Souza Góes

Irmã Nelizia Pereira Colares’

Page 66: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

57

E, mais uma vez, talvez ainda lembrando-se da maneira afável

com que fora tratado por Daniel, o jornalista Alcy Araújo escreveu na coluna

Gazetilha, de 22 de junho de 1975:

‘Os que me conhecem sabem que eu sou parco em

elogios. Sou mais da crítica. Não tenho as mãos cheias de ditirambos

para oferecer aos que mais necessitam de louvor. E a faculdade de

elogiar se estreita, se espreme, quando se trata da autoridade. Isto

porque considero que ― quando a autoridade trabalha com exação,

quando realiza, está cumprindo apenas com o seu dever e nada mais,

nada menos. Mas é natural que cada um de nós que trabalha, que

recebe a remuneração do ofício, receba também a do

reconhecimento.

É bom receber um elogio. Sabe bem. Não se esgota

como o ‘papel’ do pagamento mensal. Fica. Todos nós, no

desempenho de nossas humildes obrigações ou no exercício honroso

do comando, sentimos a satisfação do elogio, notadamente quando

ele vem revestido da justiça.

Uma das razões de nossa parcimônia é o medo de ser

mal interpretado. Pelo alvo do louvor ou pelos que tomam

conhecimento deste. Mas hoje vou elogiar sem peias, descontraído e

tranqüilo. Vou elogiar um homem que nos diz adeus. Deve ter tido os

seus defeitos e erros. Deve carregar humanas limitações. Deve deixar

descontentamentos. Vou dizer desta coluna que Daniel Alencar tem

saldo positivo. Haver. É um homem simples, capaz de entender

problemas humanos e encontrar a solução mais adequada, no nível

de suas atribuições e da hierarquia do seu posto. Foi dito o ‘homem

forte’ do Governo. Deve ter sido na dimensão de suas

responsabilidades e não no sentido autocrático do administrador

apegado a detalhes sem relevo. Prestou, na área de sua competência,

a contribuição de sua capacidade profissional ao Amapá. Merece o

reconhecimento dos seus méritos e a pouco valia do meu aplauso.

Rendo a minha homenagem a Daniel Alencar, porque

ele vai embora, vai deixar o Amapá. Não vai remunerar essa

homenagem. Não vai chamar o jornalista para um posto de confiança

ao seu lado, nem proporcionar uma sinecura ou ficar tentado a fazer

algum favor. Nada pedimos a Daniel Alencar e nada nos foi negado ou

concedido. Não o fez ontem, nem o fará hoje, muito menos amanhã,

Page 67: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

58

separado do Governo onde foi dito ‘homem forte’. O que nos deu foi

de maneira espontânea e franca. Foi a compreensão e o respeito pelo

profissional, sem pedidos ou interveniências subalternas. Nada mais.

Isto espelha um dos ângulos positivos do seu caráter. Rendo a minha

homenagem a Daniel Alencar, como despedida, quando ninguém

pode dizer que o fazemos rastejando ou coleando, com intenções

genuflexas ou outra desvirtude. Que Daniel Alencar seja feliz em

outros brasis onde possa continuar dando a contribuição do seu

trabalho, para qualquer outra grandeza nacional. Daniel amigo,

receba o meu abraço.’

A sinceridade de Alcy fez Daniel chorar, emocionado.

― Alcy, amigo, onde estiver, que Deus o proteja!

Enquanto arrumava as malas para mudança, Daniel recebeu dois

importantes documentos, que vão abaixo transcritos:

‘ATESTADO

Atesto, para os fins de direito, que o Dr. JOSÉ DANIEL

DE ALENCAR, durante o tempo em que permaneceu como Secretário

de Administração e Finanças do Território Federal do Amapá, prestou

relevantes serviços ao Juízo de Direito da Comarca de Macapá, bem

como à Justiça Eleitoral deste Território, colaborando sempre com a

máxima boa vontade com o Poder Judiciário local e contribuindo de

todas as formas para que as instruções do Tribunal Superior Eleitoral,

referentes às eleições de 15 de novembro de 1974, fossem fielmente

cumpridas neste Território.

Macapá, 05 de julho de 1975

JOSÉ CLEMENCEAU PEDROSA MAIA

(Juiz de Direito Eleitoral

com atribuições de Juiz Federal)’

‘Em 06/07/75

Do: Diretor do Campus Avançado do Amapá

Ao: Dr. José Daniel de Alencar

Page 68: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

59

Prezado Dr. Daniel

O Campus Avançado, através de sua direção, se sente

na obrigação de agradecer a V.Sª pelo empenho, carinho e dedicação

que teve junto ao Projeto Rondon, quando de vossa participação à

frente da Secretaria de Administração e Finanças.

Sempre solícito aos pedidos do Campus Avançado,

Vossa Senhoria dispensava os momentos de lazer para nos atender,

visando maior integração dos nossos universitários com o Território

Federal do Amapá, registrando consequentemente seu alto espírito

público e de civismo.

É, pois, com tristeza, que o Campus Avançado vê o

afastamento de tão ilustre camarada, mas, em se tratando de Brasil,

sabemos perfeitamente que a dedicação persistirá em vossa nova

função e que mesmo longe, estarás pronto a nos atender.

Queira V.Sª receber o verso abaixo que caracteriza

vossa pessoa junto a nossa atividade:

‘Quando os homens dão-se as mãos,

Metade da batalha estará vencida.

Quando de mãos dadas, unem-se os pensamentos,

Em favor de um bem comum, aí, então, tudo dará

certo...’

Agradecendo aos vossos relevantes serviços, o Campus

Avançado encontrar-se-á a vossa inteira disposição.

Atenciosamente

Prof. NILDE CECILIANO SANTIAGO

Diretor do Campus

Avançado’

Daniel foi reapresentado ao ministro do Interior, Dr. Maurício

Rangel Reis, pelo Ofício nº 0177/75 ― GAB, de 11 de agosto de 1975, cujo

texto vai abaixo:

Page 69: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

60

‘SENHOR MINISTRO:

Cumpre-me apresentar a Vossa Excelência o Senhor

JOSÉ DANIEL DE ALENCAR, Contador e Técnico de Administração,

Assessor IV - C desse Ministério e que se encontrava à disposição do

Governo deste Território para exercer o cargo de Secretário de

Administração e Finanças, função da qual foi exonerado, a pedido,

com o Decreto (P) nº 0643d/75 ― GAB, de 31 de julho findo.

Apresentando agradecimentos pela valiosa colaboração

que essa Secretaria de Estado prestou ao Amapá, informo que, de

acordo com o critério estabelecido, os vencimentos e demais

vantagens a que fez jus o referido técnico foram pagos, até a data de

sua exoneração, pela Administração territorial.

Esclareço a Vossa Excelência que o Doutor JOSÉ

DANIEL DE ALENCAR aqui realizou um magnífico trabalho, dando

nova organização ao Órgão que dirigia, o que muito contribuiu para a

eficiência do seu funcionamento.

Trata-se de um técnico de alta capacidade

administrativa, de grande dedicação à causa pública e que merece o

reconhecimento e os melhores encômios do Governo e povo do

Amapá.

Aproveito o ensejo para renovar a Vossa Excelência os

protestos de minha alta estima e mais distinta consideração.

ARTHUR AZEVEDO HENNING

Governador’

1.7 De volta a Brasília – Distrito Federal

Depois de tanta luta e de tantos sacrifícios, o chefe de gabinete

do ministro disse a Daniel que ele procurasse um lugar para trabalhar. A

Inspetoria-Geral de Finanças, que o havia indicado para trabalhar no Território,

não o queria mais. Ficou decepcionado. Perambulou pelos órgãos do Ministério,

até encontrar uma vaga na Secretaria do Meio Ambiente (Sema), embrionária

do atual Ministério do Meio Ambiente. Em 22 de junho de 1976, conseguiu ser

Page 70: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

61

nomeado coordenador de Elaboração e Acompanhamento Orçamentário do

órgão e, em 13 de outubro de 1976, foi designado secretário adjunto de

Planejamento, substituto, da Sema, tendo dela se desligado em meados de

1977.

Em setembro de 1977, retornou ao Território Federal do Amapá

para reorganizar a auditoria do referido Território.

CAPÍTULO II

2 CONTINUAÇÃO DAS BATALHAS

Ainda em 1977, sentindo-se deprimido, Daniel pediu demissão do

serviço público federal e foi trabalhar como autônomo na área de contabilidade.

Havia poucos clientes, e a situação financeira definhava a cada mês. Encorajou-

se e procurou seu colega Gerardo Antônio Monteiro de Paiva Gama, que era

diretor da Divisão de Auditoria do Ministério da Agricultura. Contou-lhe as

dificuldades que estava atravessando, tendo Gerardo prontamente atendido o

seu pedido de ajuda. Daniel foi, então, admitido, em 1º de setembro de 1978,

na Cobal ― Cia Brasileira de Alimentos, sucedida pela atual Conab ― Cia

Nacional de Alimentos, e colocado à disposição do Ministério da Agricultura,

indo trabalhar na referida Divisão de Auditoria.

Daniel passa a narrar, agora, a continuação de suas batalhas e a

de abnegados lutadores para frear os malefícios da corrupção. Para isso, foi

buscar no livro Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas o seguinte

histórico, esclarecendo que Haziel foi o nome usado por ele no texto do referido

livro:

Page 71: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

62

2.1 O Projeto Verama

‘Em 1978, Haziel recebeu telefonema do então

Tenente-Coronel Nelson Barcelos da Veiga Filho, Inspetor-Geral de

Finanças do então Serviço Nacional de Informações (SNI), que

desejava trocar idéias sobre a malfadada corrupção. Conversa vai,

conversa vem, no final, ficou acordado convidar outros especialistas

para realizar trabalho de profundidade, com vistas a combater a

corrupção e suas irmãs siamesas. Foram convidados civis e militares

para formar um grupo de trabalho, tais como: Rubens de Oliveira

Lima, Consultor Jurídico da Presidência do TCU; Gerardo Antônio

Monteiro de Paiva Gama, Diretor da Divisão de Auditoria da

Inspetoria-Geral de Finanças do Ministério da Agricultura; Joaquim

Gonçalo de Almeida, Auditor do Denatran/MI e Tenente-Coronel Darcy

Blanco Garcia, chefe da SOF/SAD/SNI. O grupo de trabalho contou

ainda com a colaboração especial de oficiais da 1ª Inspetoria-

Seccional de Finanças do Exército, Francisco Luiz Dutra, hoje General

da reserva, e José de Barros Cabral Filho, Coronel e também na

reserva, bem como de vários servidores da IGF do próprio SNI.

Após seguidas reuniões, o trabalho foi concluído, tendo

sido batizado por Haziel de ‘Projeto Verama’ ― as três primeiras letras

do verde e as três primeiras do amarelo das cores da bandeira

brasileira. O TC Nelson Veiga ficou encarregado dos contatos com as

autoridades superiores, a fim de convencê-las a implantar as

sugestões que deram os participantes.

O ‘Projeto Verama’, concluído em 30 de novembro de

1978, apresentava novidades importantes em termos de fiscalização

de aplicação dos recursos públicos e inovava quanto à subordinação

de novo órgão, ou seja, ‘Criar a Secretaria de Controle Interno ― SCI

― como órgão de assessoria imediata do Presidente da República’,

justificado na introdução do referido projeto nos seguintes termos:

‘Estamos sentindo, fortemente, nos dias que correm,

principalmente neste segundo semestre do presente exercício

financeiro, uma preocupação por demais justa de entidades e homens

públicos de mais elevado gabarito moral sobre procedimentos de

controle de recursos públicos quanto à sua correta aplicação, dentro

dos planos de ação do Governo.

Page 72: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

63

Sabemos que existe um sistema criado com a finalidade

primordial de exercer o controle e sentimos, também, que o sistema é

bom e cumpre sua missão, mas, dentro do próprio sistema,

encontramos duas falhas que prejudicam e, em última análise, afetam

as próprias intenções governamentais: a primeira é o próprio homem,

o técnico, que, por circunstâncias alheias à sua vontade, pressões,

etc., vê-se obrigado a calar-se ou verificar mutilações esdrúxulas em

seus trabalhos. A segunda é a descentralização da auditoria que força

o aparecimento da falha primeira. Existem soluções à vista e a curto

prazo? Temos convicções que sim! E aqui, e agora, as apresentamos,

modestamente, mas carregadas de um elevado sentimento de

patriotismo.

O Governo não dispõe de um órgão que possa centralizar os

trabalhos de auditoria em que estes fiquem independentes de seus

Ministérios. O sistema, como dissemos, é bom, mas precisa ser

atualizado para acompanhar o próprio desenvolvimento do País,

oferecendo, diretamente, ao Presidente da República, os dados

concretos, não manipulados por terceiros, sobre o controle e

acompanhamento de recursos de que o próprio Governo determinou

seu emprego. Ainda mais, oferecendo ao TCU meios reais que possam

assegurar a eficácia ao controle externo, como determina a própria

lei.’

O TC Veiga aproximou-se do então Inspetor-Geral de

Finanças da ex-Secretaria de Planejamento da Presidência da

República, Dr. Fernando de Oliveira, de quem recebeu total apoio. Dr.

Fernando conversou com o Ministro Delfim Neto, ao qual estava

subordinado, tendo sua excelência gostado das inovações. Mas

ponderou que, inicialmente, fossem elas implementadas na própria

estrutura da ex-SECIN/SEPLAN/PR, prometendo ao Dr. Fernando que

iria falar com o Presidente João Figueiredo a respeito.

E, para satisfação dos membros do Grupo de Trabalho

― e quiçá do próprio País ―, o Presidente João Figueiredo assinou,

com os Ministros Karlos Rischbieter e Delfim Neto, o Decreto nº

84.362, de 31 de dezembro de 1979, publicado no Diário Oficial da

União de 04 de janeiro de 1980. Surgia, em conseqüência, uma luz no

fim do túnel no combate à corrupção e às suas asseclas, como se

poderá concluir pelo que registrou Haziel, sinteticamente, em seu livro

‘Os sistemas de Controle Interno Federal, Estadual e Municipal’,

páginas 10/12:’ (p. 172-174)

Page 73: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

64

2.2 As Secretarias de Controle Interno

O livro Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas contém a

constituição das Secretarias de Controle Interno, com a inovação criada no sistema:

‘Profunda modificação sofreu o Sistema de Controle

Interno, com a edição do Decreto nº 84.362, em 31 de dezembro de

1979, que dispôs sobre a estrutura do controle interno aplicável a

recursos de qualquer natureza, estabelecia novos instrumentos de

fiscalização e acompanhamento da despesa pública e dava outras

providências.

O novo sistema trazia várias inovações. As Inspetorias-

Gerais de Finanças passariam a denominar-se Secretarias de Controle

Interno, registrando-se, ainda, as seguintes modificações no âmbito

do controle interno:

a) O órgão central dos Sistemas de Administração

Financeira, Contabilidade e Auditoria, que era o

Ministério da Fazenda, passou a ser a Secretaria

Central de Controle Interno ― SECIN, subordinada

à então Secretaria de Planejamento da Presidência

da República ― SEPLAN/PR.

b) Com a inovação acima, dissociou-se o órgão

setorial que se encontrava na IGF do Ministério da

Fazenda. Assim, o Inspetor-Geral de Finanças do

Ministério da Fazenda deixou de acumular essas

funções, bem como a de Presidente da INGECOR ―

Comissão de Coordenação das Inspetorias-Gerais

de Finanças, órgão de deliberação dos Sistemas de

Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria,

na qual tinham assento todos os Inspetores-Gerais

de Finanças dos Ministérios Civis e de órgãos de

competência equivalente às IGFs dos Ministérios

Militares, da Presidência da República e dos

Poderes Legislativo e Judiciário. Observa-se que um

mesmo servidor desempenhava três funções, não

lhe sobrando tempo, portanto, para exercê-las

eficientemente.

Page 74: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

65

c) Em cada capital de Estado, foi criada uma

Delegacia Regional de Contabilidade e Finanças ―

DECOF, subordinada à SECIN, responsável pela

execução Orçamentária, Financeira e Patrimonial da

União, excetuando-se as DECOFs do Distrito

Federal, que eram subordinadas aos Secretários de

Controle Interno de cada Ministério.

d) Foram criadas 10 (dez) Delegacias Regionais de

Auditorias nas capitais dos principais Estados

(Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Minas

Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio

de Janeiro e São Paulo), tendo sido implementadas

apenas a do Distrito Federal e a do Rio de Janeiro.

e) Introduziu-se o Acompanhamento Físico e

Financeiro de Projetos e Atividades a cargo de

unidades subordinadas ao Ministério ou órgão,

inclusive os decorrentes de contratos, convênios, e,

sob qualquer forma, a aplicação, pelos órgãos da

administração e pelas entidades de administração

indireta ou descentralizada de recursos públicos.

f) A Comissão de Coordenação das Inspetorias-Gerais

de Finanças ― INGECOR passou, sob nova

composição e estrutura, a denominar-se Comissão

de Coordenação de Controle Interno ― INTERCON.

g) No âmbito das Secretarias de Controle Interno,

foram instituídas: Secretaria de Administração

Financeira, Secretaria de Contabilidade, Secretaria

de Processamento de Dados, Delegacia Regional de

Contabilidade e Finanças, apenas no DF, e uma

Divisão de Apoio Administrativo, em substituição à

estrutura anterior.

h) A estrutura básica da Secretaria Central de Controle

Interno, como órgão central normativo e

consolidador de resultados das atividades de

Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria,

ficou assim constituída: Secretaria de Normas e

Desenvolvimento, Secretaria de Processamento de

Dados, Secretaria de Administração Financeira,

Secretaria de Contabilidade, Secretaria de

Page 75: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

66

Auditoria, Delegacia Regional de Contabilidade e

Finanças, em todas as capitais de Estado, Delegacia

Regional de Auditoria, nas grandes capitais e no

Distrito Federal, e uma Divisão de Apoio

Administrativo.

i) Em conseqüência do que está dito na alínea ‘d’, a

auditoria passou a ser centralizada na

SECIN/SEPLAN/PR.’

A ex-SECIN/SEPLAN/PR, em decorrência das

determinações contidas no citado Decreto Nº 84.362/79, recebeu

auditores de vários Ministérios, profissionais desejosos de não verem

mais seus trabalhos mutilados pela independência conquistada com a

centralização da auditoria em um único órgão.

Dr. Fernando Oliveira foi nomeado Secretário Central

de Controle Interno, tendo Haziel sido designado Delegado Regional

de Auditoria no Distrito Federal. Seu sonho e os de seus colegas

começavam a se tornar realidade. O que se apurara de irregularidade,

em Brasília, e por este país afora, começou a incomodar [...]

[...] E o jornalista Alexandre Garcia, na Rádio

Manchete-FM, em seu programa ‘Cinco Minutos com Alexandre

Garcia’, em 17 de maio de 1983, fez, empolgado, a leitura do seu

comentário desse dia, sintetizando, brilhantemente, os benefícios que

adviriam com a criação e os trabalhos a serem desenvolvidos pelo

novo órgão, assim:

‘SECIN

A Revolução de 31 de março de 1964 foi feita para

afastar do nosso país o perigo de uma ditadura comunista e livrar o

Brasil da corrupção que grassava. Hoje, decorridos 19 anos, verifica-

se que os comunistas e totalitários em geral são uma minoria

desprestigiada e sob controle dos democratas. Já com a corrupção,

infelizmente, ela continua mostrando as garras.

Você, que é contribuinte do Imposto de Renda, às

vezes não sente raiva quando está recolhendo honestamente o seu

imposto, ao saber de algum caso de má aplicação do dinheiro

público? O chamado dinheiro público não é um dinheiro sem dono.

Page 76: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

67

Pode imprimir dinheiro, mas não cria o recurso, a riqueza. Toma o

dinheiro do contribuinte para aplicá-lo em obras de interesse público.

Certamente vocês perguntarão como o governo

controla a correta aplicação do dinheiro que é de todos. Pois saiba

que existe um órgão, recém-instalado, que já começou sua árdua e

difícil tarefa de investigar como o dinheiro do povo está sendo

aplicado. Chama-se Secretaria Central de Controle Interno e está

vinculado à Secretaria de Planejamento da Presidência da República.

Esse órgão tem todo o apoio do Presidente Figueiredo, para controlar

a correta aplicação do dinheiro de todos e para apurar as

irregularidades.

Falo isso agora porque quero pedir a vocês um grande

apoio para esse órgão. É a Secretaria Central de Controle Interno que

tem, hoje, a incumbência de completar a outra metade da tarefa da

revolução de 1964: combater a corrupção.

A Secretaria Central de Controle Interno vai ser o diabo

diante dos corruptos e corruptores. Mas é um anjo para nós,

contribuintes, e povo em geral. Por isso, ela vai precisar muito do

nosso apoio. Ela precisa sentir que há o povo em suas costas, a

estimular o seu difícil trabalho. Quando algum figurão tentar

pressioná-la a afastar-se de alguma investigação, o figurão precisa

saber que os eleitores e contribuintes estão aplaudindo e apoiando o

trabalho dos homens da Secretaria Central de Controle Interno.

(Guardem bem esse nome).

Quando o dono de algum feudo político resolver

protestar contra a ação da Secretaria Central de Controle Interno,

esse dono de feudo político precisa saber que os eleitores de sua

região estão conscientes de que o trabalho da Secretaria vai fazer

diminuir as despesas públicas. E os contribuintes vão saber que,

diminuindo as despesas públicas, não vai ser preciso aumentar os

impostos.

A Secretaria Central está sediada em Brasília e presente

em todos os Estados. Está presente também em toda a administração

direta do Governo Federal, e deverá acompanhar a aplicação das

verbas federais pelos Estados e Municípios que estiverem se

beneficiando com elas. E está começando a entrar nas empresas

públicas e autarquias federais.

Os homens da Secretaria Central do Controle Interno

não são apenas os nossos fiscais na aplicação do nosso dinheiro. São

Page 77: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

68

também os que se sacrificam e se sacrificarão para que os corruptos

sintam que as coisas não estão fáceis para eles e que suas defesas

serão insuficientes. Essa é uma Revolução feita por uns poucos, que

precisa ter o apoio de todos os brasileiros. BOM DIA.’ (p. 175-179)

2.3 Mudança funesta

Eis o que registrou, ainda, Daniel no mesmo livro Bandeira Contra

a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas:

‘E a luz surgida no fim do túnel, que avançava firme,

mas vagarosamente, de repente, não mais que de repente, foi

apagada. O sonho de Haziel e de seus colegas fora mesmo um

pesadelo, e as palavras do jornalista Alexandre Garcia foram jogadas

no vácuo. Decepção geral para os que tanto lutaram. Pois não é que

as auditorias voltaram a ser descentralizadas, isto é, cabendo os

trabalhos aos servidores dos respectivos Ministérios, cujos Secretários

de Controle Interno estavam subordinados aos próprios ministros?

[...]

[...] Logo no primeiro dia do Governo Sarney, eis que é

expedido o Decreto nº 91.150, em 15/03/85, retirando da ex-

SEPLAN/PR o órgão central do Sistema de Controle Interno,

passando-o, novamente, para o Ministério da Fazenda. Quase um ano

depois, em 10/3/86, foi criada, no Ministério da Fazenda, a Secretaria

do Tesouro Nacional (STN) ― Decreto nº 92.452 ― extinguindo a

Secretaria Central de Controle Interno, e aquela Secretaria passou a

ser o órgão central dos sistemas mencionados. Como conseqüência,

também, desse diploma legal, as auditorias foram novamente

descentralizadas, cabendo, portanto, às Secretarias de Controle

Interno dos Ministérios o exame de contas dos dirigentes da

Administração Federal Direta e Indireta.’ (p. 179)

Page 78: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

69

2.4 Reinício da luta

E continuando suas batalhas contra a nocividade da corrupção,

está também registrado no livro Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs

Siamesas:

‘Mas Haziel não se conformou e reiniciou sua luta. Em

29 de outubro de 1990, foi entrevistado pela TV Brasília, no programa

Telemanhã, vaticinando, mais uma vez, os graves escândalos que

ainda apareceriam, em decorrência da modalidade na fiscalização da

aplicação dos recursos públicos. Sua profecia foi além do que

pensara, pois, infelizmente, houve até o impedimento, pela primeira

vez, de um Presidente da República.

Mesmo aconselhado por colegas do perigo de um

Boeing cair na sua cabeça, Haziel aceitou convite para realizar, pela

segunda vez, palestra no auditório do Tribunal de Contas da União, ao

ensejo do ‘I Encontro de Dirigentes de Controle Interno ― I

ENDICON’. Ali compareceu e, no dia 11 de março de 1993,

pronunciou a seguinte palestra:

‘A Revisão Constitucional e o Controle Interno

Não só a corrupção mas também, e principalmente, a

má aplicação e o desperdício dos recursos públicos vêm

empobrecendo, sobremaneira, este País. Urge a adoção de medidas

enérgicas e urgentes, embora tardias, para se pôr fim a esses males.

Desde agosto de 1976, quando entreguei ao então

Deputado Francelino Pereira, na presidência da extinta ARENA,

minuta de projeto para a criação de uma Secretaria Nacional de

Auditoria ― SENAUD ― subordinada à Presidência da República, que

luto pelo fortalecimento do Sistema de Controle Interno Federal,

responsável pela fiscalização da aplicação de todos os recursos

públicos.

Ao ensejo do I SEMINÁRIO SOBRE AUDITORIA FISCAL

PREVENTIVA, PÚBLICA E PRIVADA, realizado em Brasília, no período

de 02 a 05 de maio de 1978, sob os auspícios da Ordem dos

Auditores Independentes do Brasil e da Associação Comercial do

Distrito Federal, voltei a insistir na criação daquela Secretaria,

Page 79: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

70

mostrando a dependência do controle interno, a subordinação do seu

Secretário (à época Inspetor-Geral de Finanças) e o verdadeiro

massacre que sofriam os auditores. Estes, os reais responsáveis pelo

cumprimento das leis, recebiam toda ordem de pressão na hora de

emitirem os certificados de auditoria. O ex-Inspetor de Finanças, sem

nenhum compromisso com o sistema, ditava os caminhos que bem

lhe interessavam, desde que não fosse apontada nenhuma

irregularidade.

Em novembro de 1978, uma equipe foi formada, sob a

liderança do Cel. Nelson Barcelos da Veiga Filho, Inspetor-Geral de

Finanças do ex-SNI, composta pelas seguintes pessoas: Darcy Blanco

Garcia, TC ― Chefe da SOF/SAD/SNI ― Gerardo Gama ― Diretor da

Divisão de Auditoria da IGF-MA ― Joaquim Gonçalo de Almeida ―

Auditor do DENATRAN/RJ ― Rubens de Oliveira Lima ― Consultor

Jurídico da Presidência do TCU ― e por mim.

Após exaustivos dias de trabalho, conseguimos elaborar

um documento, a que denominamos PROJETO VERAMA. Nele

estavam inseridos não só os meus pronunciamentos como também os

de eminentes Ministros do TCU ― Wagner Estelita Campos, Gilberto

Pessoa, Batista Ramos e Mauro Renault Leite ― que, desde 1978,

também alertavam os dirigentes federais para a deficiência do

controle interno e primavam pela sua subordinação à Presidência da

República.

O PROJETO VERAMA deu origem ao Decreto nº 84.362,

de 31/12/79, retirando do Ministério da Fazenda o órgão central, e

criou a Secretaria Central de Controle Interno, subordinada à ex-

SEPLAN/PR. Dentre as várias modificações no Sistema de Controle

Interno, cite-se a centralização da Auditoria naquela Secretaria

Central, a criação de dez Delegacias Regionais da Auditoria nas

capitais dos principais Estados e Delegacias Regionais de

Contabilidade e Finanças, em cada capital. A partir dessa data, as

Inspetorias-Gerais de Finanças passaram a denominar-se Secretarias

de Controle Interno ― CISETs.

Logo no primeiro dia do Governo Sarney, eis que é

expedido o Decreto nº 91.150, em 15/03/85 retirando da ex-

SEPLAN/PR o órgão central do Sistema de Controle Interno,

passando-o, novamente, para o Ministério da Fazenda. Quase um ano

Page 80: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

71

depois, em 10/03/86, foi criada, no Ministério da Fazenda, a

Secretaria do Tesouro Nacional (STN) ― Decreto nº 92.452 ―

extinguindo a Secretaria Central de Controle Interno, e aquela

secretaria passou a ser o órgão central dos sistemas mencionados.

Como conseqüência, também, desse diploma legal, as auditorias

foram novamente descentralizadas, cabendo, portanto, às Secretarias

de Controle Interno dos Ministérios o exame de contas dos dirigentes

da Administração Federal Direta e Indireta.

Em 29 de outubro de 1990, fui entrevistado pela TV

Brasília, no programa TELEMANHÃ, no qual antevi as dificuldades que

o País atravessaria, caso não fortalecesse o Sistema de Controle

Interno.

Em palestra realizada neste auditório, em 29 de

novembro de 1990, a convite da UNITEC ― União Nacional dos

Analistas de Finanças e Controle Externo ― apontei as deficiências do

controle interno, os males que daí poderiam advir e as providências

que poderiam ser adotadas, com vistas a se colocar um ponto final

nas denúncias que a todo momento surgiam.

Ainda em 1990, lancei um livro intitulado ‘OS SISTEMAS

DE CONTROLE INTERNO FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL’, em que

narrava a fraqueza do controle interno e as dificuldades dos auditores

para bem cumprirem sua missão, estando registrado à página 48:

‘Embora muito bem estruturado, e mesmo com o

prestígio que as Constituições lhe vêm atribuindo, a verdade é que, na

prática, o Sistema de Controle Interno não funciona, seja para dar

combate à corrupção, seja para evitar a má aplicação ou o

desperdício dos recursos públicos, males esses tão ou mais graves do

que a corrupção.

O fracasso do Sistema de Controle Interno no Poder

Executivo Federal, embora criado para dar eficácia ao controle

externo, a cargo do Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de

Contas da União, deve-se, principalmente, aos seguintes fatores:

a) Necessidade de criação de uma Secretaria Nacional

de Controle Interno diretamente subordinada à

Presidência da República, na qualidade de órgão

central;

b) indicação dos Secretários de Controle Interno,

servidores pertencentes à Carreira de Finanças e

Page 81: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

72

Controle, pelo Secretário de Controle Interno, e

nomeação do Presidente da República;

c) implantação do Acompanhamento Físico-Financeiro

dos Projetos e Atividades, a cargo do Governo

Federal;

d) criação de Delegacias Regionais de Auditoria nas

capitais dos Estados.

Contento-me em registrar que estão engajados na

luta para reformulação do controle interno o próprio Governo Federal,

com o envio de projeto ao Congresso Nacional; o TCU, seus ministros

e funcionários, especialmente o Presidente da Casa, Ministro Carlos

Átila, que, segundo noticia a imprensa, já alertou o Presidente Itamar

Franco, em correspondência reservada, sobre o estado de

desorganização do sistema; o Senador Pedro Simon, que propôs a

criação de uma Secretaria Federal de Controle Interno, subordinada à

Presidência da República; o Deputado Jackson Barreto, que sugeriu a

criação da Auditoria Geral da República, também subordinada à

Presidência da República; a UNACON ― União Nacional dos Analistas

e Técnicos de Finanças e Controle; o SINATEFIC ― Sindicato Nacional

dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle, no incansável

trabalho de bastidores, e os abnegados auditores, que,

anonimamente, esforçam-se também pelo revigoramento do controle

interno.

Todavia, senhores, mudei de opinião. Isso se deve

aos últimos acontecimentos, que abalaram esta Nação, com o

impedimento de um Presidente da República. Mudei de opinião,

porque adotei a filosofia de Pascal, que sabiamente nos ensina: ‘Não

me envergonho de mudar de opinião, porque não me envergonho de

pensar’.

Hoje penso em um órgão ainda mais forte,

totalmente isento de pressões, partam de onde partir. Um órgão

imparcial, nos moldes de um Ministério Público, não só para fiscalizar

a aplicação dos recursos públicos na área federal mas também no das

esferas estadual e municipal.

A preocupação, entendo, não deve ser apenas com os

recursos federais. Os Estados e Municípios também devem ser

fiscalizados, com o mesmo vigor e disposição que na área federal.

Toda vez que há mudanças de governantes, são noticiados os estados

Page 82: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

73

calamitosos em que ficam os cofres públicos. Recentemente, tivemos

exemplos vergonhosos em vários Municípios, não se tendo

conhecimento de punição de ex-dirigentes responsáveis.

Não há necessidade, contudo, de retirar-se as CISETs

da estrutura dos Ministérios, deixando os ministros sem condições de

exercem a supervisão ministerial nos órgãos e entidades

subordinados. Basta tão-somente trazer a auditoria dos Ministérios

para o novo órgão, dando-se aos auditores total independência para

poderem relatar o que de fato viram e apuraram, respeitado assim o

disposto no artigo 74, IV, da Constituição Federal ― ‘apoiar o controle

externo no exercício de sua missão institucional’.

A par da criação desse novo organismo, que seja

elaborado um ‘Código Nacional Anticorrupção’, tipo Código Penal, para

que não haja modificação na legislação, ao sabor das conveniências e

interesses dos governantes, dificultando, sobremaneira, a fiscalização,

pela necessidade de se consultar um verdadeiro cipoal de leis,

decretos, portarias, resoluções, etc. Obviamente, não pode ser um

órgão anômico.

Que na revisão constitucional que se aproxima, além

desse novo órgão ― uma verdadeira revolução em termos de

fiscalização dos recursos públicos ― não se apressem os legisladores

em aprovar dispositivos que não sejam respeitados, como o artigo 74,

determinando que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário

manterão, de forma integrada, sistema de controle interno. Essa

‘forma integrada’ não saiu do papel. Ou como prevê o parágrafo

primeiro desse mesmo artigo 74, em que ‘os responsáveis pelo

controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer

irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas

da União, sob pena de responsabilidade solidária’.

Para ilustrar o desrespeito a essa obrigatoriedade

constitucional, cito dois exemplos: o dos elevados salários dos

dirigentes das estatais e o que nos dá conta o CORREIO BRAZILIENSE

do dia 22 de fevereiro último, noticiando irregularidades que deixaram

de ser apuradas pela Secretaria de Controle Interno do Ministério da

Cultura por ordem do Secretário-Executivo. Aliás, nesse último caso,

está a confirmação do que disse naquele livro de minha autoria.’

O leitor, certamente atento à leitura desta obra, notou

que Haziel fez, nessa palestra, um retrospecto de sua luta, do

Page 83: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

74

considerável número de autoridades, de pessoas e até mesmo da

imprensa que se engajaram no combate à persistente corrupção e

suas irmãs siamesas, responsáveis pelo empobrecimento do País e

pelo sofrimento das classes menos favorecidas.

A profundidade das novas idéias de Haziel, servindo-se,

para isso, do filósofo Pascal, deve merecer, a par das medidas

lançadas pelo Governo, profundas reflexões. Porque, somente um

órgão forte, isento de pressões, partam de onde partirem, poderá

atenuar, consideravelmente, a horripilante corrupção e a nocividade

de suas irmãs siamesas, com o desperdício e a má aplicação dos

recursos públicos.’ (p. 179-185)

2.5 No Ministério da Agricultura

Voltemos aos idos de 1º de setembro de 1978, quando Daniel foi

admitido pela extinta Cobal ― Cia Brasileira de Alimentos ― e colocado à

disposição do Ministério da Agricultura, tendo ido trabalhar na Divisão de

Auditoria do mesmo Ministério.

Terminada a redação do Projeto Verama, Daniel reiniciou as

viagens pelo Brasil, auditando as contas dos órgãos e das entidades

subordinados ao Ministério da Agricultura. Em 15 de março de 1979, o Dr.

Fernando de Oliveira assumiu o cargo de inspetor-geral de Finanças do referido

Ministério. Cinco meses depois, em agosto de 1979, passou ele a exercer o

mesmo cargo na Secretaria de Planejamento da Presidência da República ―

SEPLAN/PR, sempre acompanhando o então ministro Delfim Netto, já agora

titular dessa pasta.

Para substituí-lo no Ministério da Agricultura, cujo titular passara a

ser o Dr. Amaury Stábile, assumiu o cargo de inspetor-geral de Finanças a Drª

Lucy de Andrade Moraes, vinda da Secretaria de Contabilidade da IGF do

Ministério da Fazenda.

Page 84: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

75

2.5.1 Cargos exercidos

Daniel continuava o seu trabalho. De repente, começaram as

fofocas na Divisão de Auditoria. Sentindo-se incomodado, foi ao gabinete do

ministro oferecer seus préstimos. Ao retornar à IGF, foi chamado pela Drª Lucy.

Ela lhe disse que haviam telefonado, determinando que ele fosse colocado à

disposição do referido gabinete. Insistiu com Daniel, perguntando-lhe o motivo

de tal decisão. Daniel, então, contou-lhe o que estava ocorrendo. Ao terminar,

a Drª Lucy anunciou:

― Tenho um cargo de assessor para ser preenchido. Você aceita?

Daniel ficou atordoado. Jamais vira em sua vida funcional tanta

generosidade. Um cargo de assessor do inspetor-geral de Finanças? Voltando a

si, Daniel aceitou. Só não beijou a mão da Drª Lucy porque não tinha, ainda,

intimidade para tanto. Mas agradeceu, e viu na face dela um verdadeiro anjo.

Foram seis meses de contatos diários, e ficaram tão íntimos que até brincavam:

“Na próxima encarnação, vamos voltar de sexos trocados e nos casar.”

Passados alguns meses, o diretor da Divisão de Auditoria, Gerardo

Antônio Monteiro de Paiva Gama, teve de retornar ao seu órgão de origem. E,

novamente, num gesto magnânimo, a Drª Lucy convidou Daniel para ser o

novo diretor da citada Divisão, cargo que exerceu de 25 de janeiro de 1980 a 2

de junho de 1982.

2.6 Na Secretaria de Planejamento da Presidência da República

Daniel deixou a Divisão de Auditoria do Ministério da Agricultura

para trabalhar, a partir do dia 3 de junho de 1982, na Secretaria Central de

Controle Interno, órgão da Secretaria de Planejamento da Presidência da

República.

Page 85: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

76

2.6.1 Cargos exercidos

Na Secretaria de Auditoria da SECIN/SEPLAN/PR, Daniel exerceu,

até o dia 10 de março de 1983, o cargo de coordenador de Auditoria de

Programas.

A partir de então, foi nomeado delegado regional de Auditoria no

Distrito Federal. Ressalte-se, mais uma vez, que o DF ficou com jurisdição em

todo o território nacional, até que fossem instaladas as demais Delegacias de

Auditoria, à exceção da do Rio de Janeiro, já criada.

Com a independência dos auditores, porque subordinados agora à

Delegacia Regional de Auditoria no Distrito Federal e não mais aos secretários

de Controle Interno dos respectivos Ministérios, foram descobertos e relatados

casos de extrema gravidade. O mais sério deles, apenas para citar um, foi o

caso da farra do uísque ou a adega do poder, que será narrado por Dr.

Fernando de Oliveira, no Capítulo VI desta obra, no conteúdo da carta que ele

enviou a Daniel, sob o título A SOCIEDADE ETILISTA DE BRASÍLIA.

2.7 Novamente no Ministério da Agricultura

O telefone tocou, Daniel atendeu. Era o Dr. Fernando de Oliveira,

chamando-o ao seu gabinete. Ao entrar, Daniel viu a Drª Lucy. Ficou admirado.

Ao abraçá-la, ela lhe disse:

― Vim aqui falar com o Dr. Fernando para liberá-lo a fim de que

você seja nomeado secretário de Controle Interno do Ministério da Agricultura.

Daniel ficou atônito. Secretário de Controle Interno do Ministério

da Agricultura? Cargo disputadíssimo, com carro chapa de bronze, salário alto,

DAS-101.5, subordinado diretamente ao ministro? Era prestígio demais para um

cabra da peste.

Page 86: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

77

2.7.1 Cargo exercido

O Dr. Fernando relutou, mas concordou. Daniel foi nomeado no

dia 16 de janeiro de 1984 e empossado nesse mesmo dia. Houve discursos de

parte do ministro Amaury Stábile e da Drª Lucy, finalizando com as palavras de

agradecimento de Daniel.

A Drª Lucy, anjo protetor de Daniel, ao se despedir, confessou-

lhe:

― Eu nunca agi incorretamente com qualquer pessoa, muito

menos com subordinado. As informações que tinha a seu respeito eram

descabidas. Para conferi-las, comecei nomeando-o meu assessor e, depois,

diretor da Divisão de Auditoria. Quanta injustiça você sofreu! E brincando,

recordou:

― Ficamos então combinados: na próxima encarnação, viremos

de sexos trocados e nos casaremos... Risos dos dois.

Ainda hoje, decorridos mais de vinte e cinco anos, todas as noites

Daniel lembra-se, em suas orações, da Drª Lucy de Andrade Moraes, pessoa

digna de reconhecimento por todos os que com ela trabalharam.

Em 15 de março de 1985, assumiu a Presidência da República o

senhor José Sarney, nomeando Pedro Simon ministro da Agricultura. Poucos

dias depois, entrou no gabinete de Daniel um senhor, dizendo-lhe que tinha

vindo assumir o cargo de secretário de Controle Interno. Daniel perguntou-lhe:

― A sua portaria de nomeação já foi publicada no Diário Oficial da

União?

― Ainda não, respondeu-lhe.

― Pois só deixarei o cargo depois da publicação.

E admitiu:

― Não devo entregar um cargo sem documento oficial. Se a sua

nomeação demorar, a responsabilidade por qualquer ato será minha.

O senhor deixou a Secretaria de Controle Interno irritado. Não

demorou nem 10 minutos e Daniel foi chamado ao gabinete do ministro. Ali foi

atendido por um assessor do secretário-geral, que também quis impor a Daniel

Page 87: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

78

a entrega do cargo sem a publicação da portaria. Daniel recusou, informando-

lhe que ia aguardar a publicação do ato, e retirou-se, decepcionado. O

secretário de Controle Interno era diretamente subordinado ao ministro, no

caso, ao senhor Pedro Simon, e este não se dignara sequer a falar com Daniel

para saber como estavam se portando os órgãos e as entidades do Ministério

da Agricultura no que dizia respeito às auditorias.

Enfim, no dia 10 de abril de 1985, eis que foi publicada a portaria

destituindo Daniel do cargo de secretário de Controle Interno do Ministério da

Agricultura e nomeando seu substituto.

A rádio corredor comentava que havia ordem do gabinete do

ministro para demitir Daniel assim ele que retornasse à Cobal, em represália

por ter sido um dos autores do Projeto Verama. A dispensa seria sem justa

causa, recebendo Daniel o FGTS e a multa de 40% incidente sobre o saldo. E

ainda perderia o apartamento funcional.

Daniel, temeroso, apresentou-se à Cobal. E pensava: “Depois de

tantos e inestimáveis serviços prestados ao governo nos relevantes cargos que

exercera, mercê de esforço pessoal, o reconhecimento seria um chute no

traseiro?”

Ao ser recebido pelo chefe do Setor de Auditoria da Cobal,

Raimundo Nonato dos Santos, este pediu a Daniel:

― Aguarde um pouco. Sente-se ali e espere.

Em seguida, chamou todos os funcionários da Auditoria e saiu,

com eles, da sala. Demoraram cerca de meia hora. Ao retornar, dirigiu-se a

Daniel:

― Fomos até a sala do presidente do Conselho de Administração

para solicitar-lhe nossas dispensas, caso persistisse a ordem de demiti-lo. Seria

uma atitude desumana e injustificável. Você sempre foi um ótimo colega,

jamais procedeu incorretamente, e nós não iríamos pactuar com essa decisão

absurda. O presidente do Conselho ligou para o gabinete do ministro, que

desfez a ordem. Agora, vamos trabalhar.

Daniel ficou perplexo. E refletia: só fizera o bem ao país, e esse

era o pagamento que recebia de um governo que assumira pós-

Page 88: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

79

democratização? Se jamais participara de qualquer ação que ferisse o direito de

pessoas, fosse durante o regime militar, fosse em algum outro movimento, por

que a paga tão mesquinha?

2.8 No Serviço Nacional de Informações

Daniel não se conformava com a injustiça que sofrera. Começara

a fazer auditorias nos supermercados da Cobal, em várias cidades do interior de

Goiás e de Minas Gerais. Dormia em pensões humildes, em vagas de quartos

com três pessoas. Não via futuro. Por isso, procurou o coronel Nelson Barcelos

da Veiga Filho, secretário de Controle Interno do Serviço Nacional de

Informações (SNI), pedindo-lhe que o requisitasse a fim de poder servir nesse

órgão. O Cel. atendeu sua solicitação.

Durou cerca de seis meses o período entre o início do pedido da

requisição e a data de sua concretização. A vida de Daniel foi vasculhada de fio

a pavio, até que chegou o dia da entrevista, a última fase dos testes do

processo requisitório. Daniel foi chamado à Escola Nacional de Informação

(ESNI) e colocado em uma sala. De repente, diante dele, apareceram dois

armários, cada um mais parrudo que o outro. Mandaram Daniel sentar-se em

uma cadeira e ocuparam outras duas, em volta de mesa redonda. Fizeram-lhe

uma série de perguntas. Todas foram respondidas. Para finalizar, indagaram:

― O que o senhor acha dos comunistas?

― Onde?, perguntou Daniel.

― Ora, aqui no Brasil, responderam.

― No Brasil não há comunistas. Há oportunistas. Vejam se eles

trocam um prato de caviar por um de farinha com rapadura? Se eles tiverem

duas casas, dão uma para quem precisa de moradia?, respondeu Daniel.

― O senhor está aprovado, concluíram.

Page 89: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

80

2.8.1 Cargos exercidos

Daniel foi requisitado e passou a prestar serviços ao SNI, a partir

de 21 de novembro de 1986. Foi nomeado, a começar dessa data, como chefe

da Seção de Administração Financeira. E, a partir de 1º de janeiro de 1989, foi

designado subsecretário de Auditoria, cargo que exerceu até 16 de novembro

do mesmo ano.

2.9 Na Fundação Visconde de Cabo Frio

Depois de deixar o Serviço Nacional de Informações (SNI), Daniel

foi convidado a trabalhar na Fundação Visconde de Cabo Frio, entidade dos

servidores do Ministério das Relações Exteriores.

2.9.1 Cargo exercido

Aceitando o convite, Daniel foi nomeado para exercer o cargo de

diretor administrativo e financeiro, a partir de 21 de fevereiro de 1990.

Trabalhou na Fundação por mais de dez anos, dela tendo sido dispensado em

18 de setembro de 2000. Acusado de mau administrador por não ter

contribuído para superar os problemas que enfrentava a Fundação, não

evitando o prosseguimento da redução do patrimônio da entidade, foi

dispensado por justa causa.

Referida acusação foi montada com base em três fatos:

1. empréstimos tomados à Fundação como diretor;

2. não recolhimento relativo ao FGTS dos funcionários da

Fundação e

3. não pagamento de multa pela concessão de férias, no prazo

legal, a si e a funcionários da Fundação.

Page 90: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

81

É de se esclarecer que, no primeiro caso, as contas haviam sido

aprovadas pelos Conselhos Fiscal e de Administração da entidade. No segundo

e no terceiro casos, foram atendidas as determinações do Conselho de

Administração. Todos os fatos estavam registrados em atas desse Conselho,

referendadas pela Promotoria de Tutela das Fundações e Entidades de

Interesse Social do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

Por considerar injusta a acusação, Daniel ingressou na Justiça do

Trabalho ― Processo nº 17-1197/2000 ―, reivindicando o que lhe era devido.

Depois de quase dois anos de luta, seus direitos foram reconhecidos pelo

Tribunal Superior do Trabalho (TST). Recebeu ele, então, a devida indenização,

por ter sido julgada improcedente a culpa que lhe fora atribuída.

O despacho do ministro Ives Gandra Martins Filho, dando razão a

Daniel, foi publicado no Diário da Justiça, de 9 de maio de 2002, Seção I, p.

381:

‘Proc. NºTST – Airr-20438-2002-900-10-00-3

AGRAVANTE: FUNDAÇÃO VISCONDE DE CABO FRIO

Advogado: Dr. Heráclito Zanoni Pereira

AGRAVADO: JOSÉ DANIEL DE ALENCAR

Advogado: Dr. João Duarte Moreira

DESPACHO

A Presidência do 10º Regional trancou a revista

interposta pela Reclamada, com supedâneo nas Súmulas nos 126,

196,e 297 do TST (fls. 329-330).

Inconformada, a Reclamada veicula o presente

agravo de instrumento, sustentando que foram demonstradas, nas

razões do recurso de revista, violações legais e constitucionais, bem

como divergência jurisprudencial (fls. 322-338).

Contraminutado o agravo (fls. 398-408), sendo

dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do

Trabalho, em face da Resolução Administrativa nº 322/96.

O recurso é tempestivo (fls. 331-332), regular a

representação (fl.48) e foi processado nos autos principais.

No que tange à justa causa decorrente de suposto

ato de improbidade administrativa, o Tribunal de origem foi claro

ao consignar que os empréstimos feitos pelo Autor, ainda que para si

Page 91: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

82

mesmo, não configuram justa causa, se as contas da instituição foram

aprovadas tanto pelo conselho fiscal quanto PELA ADMINISTRAÇÃO.

Consignou, ainda, que à época da concessão dos

empréstimos, o Reclamante não sofreu nenhuma sansão, o que

configura perdão tácito da Reclamada.

Por último, o Tribunal a quo afirmou que os

empréstimos foram quitados, não causando nenhum prejuízo para

a Reclamada.

A demanda, no particular, restringe-se a determinar se

os empréstimos que o Reclamante efetuou para si mesmo, como

diretor da Reclamada, configura ou não ato de improbidade

administrativa, suficiente para ensejar sua demissão por justa CAUSA.

A matéria é de cunho nitidamente

interpretativo, porquanto nem o art. 37, caput, da Constituição

Federal, que se limita a elencar os princípios básicos a serem

obedecidos pela administração pública, nem o art. 482, ‘a’, da CLT,

que consigna que o ato de improbidade pode amparar a demissão por

justa causa, apontados como violados pela Reclamada, disciplina

expressamente a vertente abordada nos autos em que o Reclamante

se concedeu empréstimos que foram posteriormente pagos e,

ainda, que as contas referentes à sua gestão foram aprovadas

tanto pelo conselho fiscal quanto pela administração.

Assim sendo, a matéria só pode ser combatida por

intermédio de demonstração de dissenso pretoriano, ônus do qual

não se desincumbiu a Reclamada, visto que o único aresto

colacionado desserve ao fim colimado por ser inespecífico, já que

parte da premissa de que o Reclamante se apropriou indevidamente

de numerários da Reclamada.O Recurso encontra óbice na Súmula

nº 296 do TST.

Quanto à alegação de que são indevidos o recolhimento

referente ao FGTS e à multa por não-concessão de féria no

prazo legal, porque foi o próprio Reclamante que, como diretor, não

concedeu as férias e não fez o correto recolhimento do FGTS, também

não prospera o recurso, uma vez que o Tribunal, a quo foi claro no

sentido de que a mora em honrar tais compromissos decorreu do fato

de que a Reclamada não dispunha de recursos suficientes e não da

má gestão do Reclamante. Cabe ressaltar que, segundo afirmou o

Tribunal a quo, a administração anterior já decidira que, em tais

casos, seria melhor acumular as férias.

Page 92: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

83

Ora, não ficando configurada que a má gestão do

Reclamante acarretou o atraso na concessão das férias e no

recolhimento dos valores destinados ao FGTS, não há como

vislumbrar violação dos arts.159 e 1.058 do CCB e 5º,II, da

CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Por outro lado, a verificação de má gestão por parte do

Reclamante exigiria o revolvimento de fatos e provas, procedimento

vedado em sede de recurso de revista pela Súmula nº 126 do TST.

Diante do exposto, com lastro no arts. 896,§ 5º, da

CLT e 557, caput, do CPC, denego seguimento ao agravo de

instrumento, em face do óbice da Súmula nº 126 e 296 do TST.

Publique-se.

Brasília, 29 de abril de 2002.

IVES GANDRA MARTINS FILHO

Ministro-Relator’

Com esse episódio, Daniel lembrou-se de um dos sábios conselhos

de seu pai quando recomendava aos filhos que andassem sempre direito e

cumprissem seus deveres:

― Só assim, quando uma pessoa der um grito em um de vocês,

vocês dão dois nela.

SEGUNDA PARTE

CAPÍTULO I

1. O SISTEMA DE CONTROLE INTERNO NO PODER EXECUTIVO

FEDERAL PÓS CONSTITUIÇÃO DE 1988

Está relatada no subtítulo 2.3, Mudança funesta, a transformação

ocorrida no sistema de controle interno, no início da gestão do governo José

Sarney, em 1985. Os servidores que fiscalizavam a aplicação de recursos

públicos, na época, eram denominados auditores, mas com a edição do

Page 93: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

84

Decreto-lei nº 2.346, de 23 de julho de 1987, regulamentado pelo Decreto nº

95.076, de 22 de novembro de 1987, foi criada, no âmbito do Ministério da

Fazenda, a carreira de Finanças e Controle, composta dos cargos de técnico de

Finanças e Controle, nível médio, e de analista de Finanças e Controle, nível

superior.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o sistema

de controle interno continuou subordinado ao Ministério da Fazenda.

Em 1994, o presidente Itamar Franco assinou a Medida Provisória

(MP) nº 480, de 27 de abril de 1994, que criou a Secretaria Federal de Controle

Interno. Essa Medida foi reeditada até a de nº 2.112-88, de 26 de janeiro de

2001, tendo sido convertida na Lei nº 10.180, de 6 de fevereiro de 2001,

assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, portanto, mais de sete

anos depois da primeira edição da MP.

A referida Lei determinava como integrantes do sistema a

Secretaria Federal de Controle Interno, como órgão central, subordinada ao

Ministério da Fazenda, e as Secretarias de Controle Interno dos Ministérios da

Defesa e das Relações Exteriores, a Advocacia-Geral da União e a Casa Civil,

como órgãos setoriais. Determinava ainda que o controle interno da Casa Civil

abrangia, como área de atuação, todos os órgãos integrantes da Presidência e

da Vice-Presidência da República, além de outros determinados em legislação

específica. Instituiu a mencionada Lei a Comissão de Coordenação de Controle

Interno, órgão colegiado de coordenação do sistema, com o objetivo de

promover a integração e de homogeneizar entendimentos dos respectivos

órgãos e unidades.

Foi criada no governo Fernando Henrique Cardoso pela Medida

Provisória nº 2.143-31, de 2 de abril de 2001, no âmbito da Presidência da

República, a Corregedoria-Geral da União. E novas alterações se sucederam no

âmbito do controle interno, com a edição do Decreto nº 4.113, de 5 de

fevereiro de 2002, que transferiu a Secretaria Federal de Controle Interno para

a Casa Civil da Presidência da República e, posteriormente, com o Decreto nº

4.177, de 28 de março de 2002, para a Corregedoria-Geral da União, também

da Presidência da República.

Page 94: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

85

Em 8 de maio de 2002, a Medida Provisória nº 37 transformou,

em seu artigo 3º, a Corregedoria em Controladoria-Geral da União (CGU), e o

cargo de ministro de Estado corregedor-geral da União em ministro de Estado

chefe da Controladoria-Geral da União.

A Medida Provisória nº 37/2001 foi convertida na Lei nº 10.539,

de 23 de setembro de 2002, retirando os artigos que transformavam a

Corregedoria em Controladoria-Geral da União. Com essa providência, então,

ficaram revogados dispositivos dos Decretos nos 3.591, de 6 de setembro de

2000, e 4.304, de 5 de fevereiro de 2002, que alteravam tal denominação.

A Controladoria-Geral da União foi recriada no início do governo

do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a assinatura da Medida Provisória

nº 103, de 1º de janeiro de 2003. Convertida na Lei nº 10.683, de 28 de maio

de 2003, o artigo 31, inciso III, transforma a Corregedoria em Controladoria-

Geral da União e o artigo 1º, parágrafo 3º, inciso I, considera a Controladoria-

Geral da União como órgão integrante da Presidência da República.

O Decreto nº 4.785, de 21 de julho de 2003, que aprovou a

estrutura regimental dessa Controladoria, foi revogado pelo Decreto nº 5.683,

de 24 de janeiro de 2006. O Decreto nº 4.923, de 18 de dezembro de 2003,

regulamentou as disposições contidas nos parágrafos 1º e 2º do artigo 17 da

Lei anteriormente citada.

Por fim, em 2005, mediante o Decreto nº 5.480, de 30 de junho

de 2005, são organizadas, sob a forma de sistema, as atividades de correição

do Poder Executivo federal a fim de promover sua coordenação e

harmonização. A Controladoria-Geral da União integra o referido sistema de

correição como órgão central, consoante o disposto no inciso I do artigo 2º do

mencionado Decreto.

E nova Lei, nº 11.204, de 2005, estabeleceu a estrutura básica da

Controladoria e a denominação do seu titular como ministro de Estado do

Controle e da Transparência.

Atualmente, no Poder Executivo federal, o sistema de controle

interno é exercido pela Controladoria-Geral da União como órgão central do

sistema, tendo como órgãos setoriais as Secretarias de Controle Interno dos

Page 95: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

86

Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores, a Advocacia-Geral da União e a

Casa Civil.

CAPÍTULO II

2. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO

Daniel acompanhava pela mídia os casos de corrupção, quando

uma notícia chamou-lhe a atenção: o Brasil promulgara a Convenção da

Organização das Nações Unidas (ONU) para combater a corrupção.

Foi buscar, então, o teor da histórica Convenção no Decreto nº

5.687, de 31 de janeiro de 2006, publicado no Diário Oficial da União ― Seção

1, de 1º/2/2006, com a seguinte ementa:

‘Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção,

adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro

de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003.’

A Convenção, que entrou em vigor internacional em 14 de

dezembro de 2005, foi ratificada pelo governo brasileiro em 15 de junho de

2005. O texto original está em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo,

possuindo estes igual autenticidade. Seu conteúdo trata de obrigações e

responsabilidades atinentes aos países participantes da ONU ― cerca de 300 ―,

as quais, se seguidas à risca, reduzirão ― e muito ― a corrupção mundial.

Ora, quem diria que uma luta iniciada há cerca de quarenta anos

por Daniel, um cabra da peste nascido à beira dos barrancos do rio Parnaíba,

Piauí, numa casa de taipa, com piso de areia, iria coincidir com providências

adotadas pela Organização das Nações Unidas para coibir a corrupção?

Page 96: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

87

CAPÍTULO III

3. O CUSTO DA CORRUPÇÃO

Daniel se aprofundava em pesquisas para embasar, ainda mais,

sua luta contra os malefícios causados pela corrupção. E a Folha de S. Paulo, de

9 de março de 2010, à página A2, na coluna Editoriais, veio confirmar sua

preocupação e as razões de suas batalhas, pois, com o título em referência e o

texto abaixo, reforçou sua inquietação:

‘Estudo da PF indica que superfaturamento em obras públicas

consome quase 30% dos recursos e é prática generalizada

Não é incomum que autoridades brasileiras rechacem

os rankings de corrupção divulgados anualmente pela Transparência

Internacional por considerá-los imprecisos e falaciosos.

Além do fato de o país aparecer em posições

constrangedoras, os critérios adotados pela organização não

governamental são depreciados por seu aspecto subjetivo ― não se

trata de medir a corrupção, mas de aferir como os diversos governos

são avaliados neste quesito por analistas e homens de negócios.

No último sábado, relatório da Polícia Federal, obtido

pela FOLHA, conferiu alguma objetividade àquilo que nos rankings é

apenas a percepção. Levantamento feito pelo Serviço de Perícias de

Engenharia e Meio Ambiente da PF apontou superfaturamento de

cerca de R$ 700 milhões em 303 obras inspecionadas.

O trabalho conclui que de cada R$ 100 desembolsados

pelo poder público, R$ 29, em média, foram superfaturados. Ainda

que se levem em conta algumas ressalvas à inspeção, apontadas por

empresas, e o caráter por ora inconcluso da investigação, o resultado

não deixa dúvida quanto à gravidade do fenômeno.

Pelos quatro cantos do país, da esfera federal à

municipal, cerca de 30% do dinheiro do contribuinte aplicado em

prédios, obras viárias, sistemas de esgoto, portos e aeroportos pode

escoar pelo ralo da corrupção.

Page 97: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

88

Em valores absolutos, Rio de Janeiro, Goiás e São

Paulo, nesta ordem, lideram este novo ranking da dissipação de

recursos públicos, com um total de R$ 418 milhões. Embora tenham

sido periciadas no ano passado, as obras em questão datam de

períodos variados. Há contratos assinados de 1994 a 2009.

Nas palavras do diretor técnico-científico da PF, o

estudo evidencia ‘uma prática de sobrepreço reinante’, que irriga

‘diversos gabinetes e setores’.

Note-se que o trabalho refere-se apenas a uma

modalidade de malversação. Além do superfaturamento, há, como se

sabe, uma miríade de artifícios criada pela imaginação de políticos e

governantes com o intuito de alimentar suas campanhas e contas

bancárias. Casos de fraudes em concorrências, propinas, caixa dois,

comissões e pagamentos por tráfico de influência são corriqueiros no

noticiário político, por vezes demasiadamente próximo da crônica

policial.

A corrupção não é um mal que aflige apenas a

sociedade brasileira, mas é inegável que aqui os desvios são

incentivados pela cultura da desinformação, do compadrio e da

impunidade. Não será com instâncias de fiscalização ornamentais e

casos encerrados sem punição que esse quadro será modificado.’

3.1 O prejuízo anual da corrupção no Brasil

O jornal O Globo, de 14 de maio de 2010, publicou chocante

matéria com dados sobre o desvio anual de recursos no Brasil, sob o título:

‘Corrupção desvia por ano R$ 41,5 bilhões, diz Fiesp’

E, logo abaixo, vem o subtítulo:

‘Total é equivalente a 1,38% do PIB’

‘Estudo da Federação das Indústrias do Estado de São

Paulo (Fiesp) mostra que, se os apelos por moral e ética parecem não

Page 98: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

89

sensibilizar parlamentares e governantes, os custos econômicos

deveriam.

De acordo com estudo do Departamento de

Competitividade e Tecnologia da Fiesp, o custo médio anual da

corrupção no Brasil é de pelo menos 1,38% do PIB (a soma de toda a

riqueza produzida no país), algo como R$ 41,5 bilhões que são

desviados todos os anos para os bolsos de políticos e grupos aliados

em vez de serem injetados na economia.

A Fiesp simulou o quanto poderia ser investido a mais

em determinados setores-chave da economia, caso o dinheiro

desviado pelos corruptos fosse aplicado na economia. Na educação, a

quantidade de alunos matriculados na rede pública do ensino básico

poderia subir 47%, ou seja, de 34,5 milhões de jovens e crianças para

51 milhões. Segundo as estimativas do PAC, o total de domicílios com

acesso a esgoto é de 22,5 milhões. Com menos corrupção, outras

23,3 milhões de casas poderiam receber esgoto, uma alta de 103,8%.

Na saúde, a quantidade de leitos para internação poderia crescer

89%: mais 327.012 leitos. Sem corrupção, o PAC poderia construir

casas populares para atender outras 2,9 milhões de famílias além das

3,9 milhões beneficiadas hoje.

Para combater o fenômeno, a Fiesp aconselha reformas

como a reavaliação da representatividade no Congresso e regras

claras para o financiamento de campanha.’

CAPÍTULO IV

4. O MENSALÃO NO DISTRITO FEDERAL

Em uma operação deflagrada pela Polícia Federal por

determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 27 de novembro de

2009, denominada Caixa de Pandora*, foi descoberto o envolvimento de

* Expressão oriunda de mito grego. A Caixa de Pandora é um mito grego que se tornou uma expressão muito utilizada quando se quer fazer referência a algo que gera curiosidade, mas que é melhor não ser revelado ou estudado, sob pena de se mostrar algo terrível, que possa fugir de controle. Pela lenda, Pandora foi enviada a Epimeteu, irmão de Prometeu, como um presente de Zeus. Prometeu, antes de ser

Page 99: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

90

autoridades em esquema de corrupção, em um dos casos mais repugnantes já

vistos na história deste país.

Em matéria dos jornalistas Diego Escortegui e Alexandre

Oltramari, a revista Veja, que circulou em 9 de dezembro de 2009, publicou

cenas de vídeo em que aparecem políticos distritais e empresários recebendo

propina. A estrela maior foi o então governador de Brasília, José Roberto

Arruda.

O autor de tais vídeos foi o delegado aposentado da Polícia Civil,

Durval Barbosa, que responde a trinta e sete processos na Justiça, alvo de

diversas ações penais. Espera o ex-delegado, com o seu trabalho de gravação,

receber os benefícios da delação premiada, negociada com o Ministério Público

do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

Vários pedidos de impedimento do governador e de seu vice

foram protocolados na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). O

governador desfiliou-se do partido Democratas (DEM) em 10 de dezembro de

2009, ficando impossibilitado de concorrer a qualquer cargo público no pleito de

2010.

E fato histórico e sem precedentes aconteceu na capital da

República: pela primeira vez no Brasil, um governador, em pleno exercício do

cargo, é preso. Por 12 votos a 2, a Corte Especial do STJ, em reunião no dia 11

de fevereiro de 2010, determinou o afastamento do cargo e decretou a prisão

preventiva do governador José Roberto Arruda, sob acusação de atrapalhar a

Operação Caixa de Pandora, decisão estendida a outras cinco pessoas.

Paralelamente a essa decisão, o procurador-geral da República,

Roberto Gurgel, requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF) intervenção

federal no DF.

Antes que o mandado de prisão lhe fosse entregue, o governador

apresentou-se, voluntariamente, à polícia. Enviou mensagem à Câmara

condenado a ficar 30 mil anos acorrentado no Monte Cáucaso, alertou o irmão quanto ao perigo de se aceitar presentes de Zeus. Epimeteu ignorou a advertência do irmão e aceitou a oferenda do rei dos deuses, e se casou com Pandora. Ela trouxe uma caixa, que acabou aberta por Epimeteu, liberando os males que haveriam de afligir a humanidade dali em diante: o trabalho, a doença, a loucura, a mentira e a paixão. (Correio Braziliense, 28/9/2009).

Page 100: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

91

Legislativa, solicitando afastamento do cargo. Em consequência, assumiu a

chefia do Executivo o vice-governador Paulo Octávio (DEM).

E, em 23 de fevereiro de 2010, Paulo Octávio renunciou,

encaminhando sua decisão à CLDF, tendo o processo de impedimento contra

ele sido extinto.

Com a renúncia do vice-governador, assumiu interinamente o

cargo de governador do Distrito Federal o presidente da Câmara Legislativa,

deputado Wilson Lima ― Partido da República (PR). E, em apenas doze dias, o

Distrito Federal contou com três governadores.

Em 4 de março de 2010, em dois julgamentos considerados

históricos, o Supremo Tribunal, ao decidir ação do advogado de Arruda,

recusou, por 9 votos a 1, o pedido de habeas corpus e manteve o governador

preso. Ressalte-se que o pedido de liberdade já havia sido negado

anteriormente, por liminar. A Câmara Legislativa decidiu, por 19 votos a zero,

iniciar o processo de impedimento do governador.

O Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE/DF), em

sessão realizada no dia 16 de março de 2010, cassou o mandato do

governador. Houve empate entre os vogais, e, pelo voto de minerva do

presidente da sessão, desembargador Lecir Manoel da Luz, foi decidida a

cassação por infidelidade partidária.

Em 17 de março de 2010, os advogados de Arruda ingressaram

com ação no STJ, pedindo que a sua prisão passasse a ser domiciliar, baseados

em dois argumentos: a cassação do seu mandato pelo TRE/DF e o seu estado

de saúde. No dia seguinte, o ministro do STJ, Fernando Gonçalves, negou o

pedido.

No dia 18 de março de 2010, a Câmara Legislativa foi notificada

pelo TRE/DF sobre a cassação de Arruda. Os deputados aguardaram as 72

horas que ele tinha de prazo para recorrer da decisão. Mas, em 22 de março de

2010, o ex-governador dirigiu carta a seus advogados, Nélio Machado e Luciana

Lóssio, recomendando que não recorressem ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

contra a decisão do TRE/DF. A advogada, então, protocolou no TRE/DF a

Page 101: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

92

decisão de Arruda, anexando à sua petição a carta, de quatro páginas, que dele

recebera e na qual afirmava sua saída da vida pública.

Os advogados do ex-governador, nesse mesmo dia,

encaminharam também ao STJ novo pedido de revogação de sua prisão

preventiva, justificando que Arruda não era mais governador, portanto, não

poderia interferir na coleta de provas para instruir as investigações sobre

corrupção em seu governo.

Em decorrência da decisão do ex-governador, tornaram-se sem

efeito a substituição dos deputados envolvidos na Caixa de Pandora pelos

suplentes, a notificação ao ex-governador pela Câmara Legislativa sobre a

abertura do processo de impedimento contra ele e o pedido de autorização

feito pelo STJ para processá-lo.

O ministro Fernando Gonçalves, do STJ, determinou à Polícia

Federal que fossem realizados, no prazo de dez dias, os estudos técnicos de

todo o material apreendido durante a Operação Caixa de Pandora. E mais: que

as pessoas que apareceram nos vídeos entregues por Durval Barbosa fossem

ouvidas pela corporação.

Em 25 de março de 2010, foi publicado, no Diário da Câmara

Legislativa, Ato da Mesa Diretora nº 26, declarando vagos os cargos de

governador e vice-governador do Distrito Federal e fixando a data de 17 de

abril para a realização da eleição indireta. O dito Ato estabeleceu também as

normas para sua concretização.

Na sessão de 29 de março de 2010, os deputados distritais

referendaram, em 2º turno, a proposta que modifica a Lei Orgânica do Distrito

Federal, adaptando-a aos preceitos constitucionais para eleição de governador

e vice, no caso de vacância nos dois últimos anos de mandato.

Ainda no dia 29 de março de 2010, orientado pelo seu advogado,

Nélio Machado, José Roberto Arruda manteve silêncio no momento de depor na

Superintendência da Polícia Federal. A defesa de Arruda apresentou ao STJ

petição, assinada pelo ex-governador, declarando as razões da impossibilidade

do depoimento. Ditas razões se referem ao não conhecimento do processo

Page 102: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

93

investigativo na sua totalidade pela defesa. Esta reiterou, ainda, no mesmo

documento, o pedido de revogação da prisão de Arruda.

Em 30 de março de 2010, Durval Barbosa compareceu à

Superintendência da Polícia Federal para prestar depoimento na CPI da

Codeplan, que investiga irregularidades no governo nos últimos dezenove anos.

Munido de habeas corpus, só falou por, no máximo, 8 minutos. Não respondeu

às perguntas da CPI, mas declarou que suas denúncias foram feitas porque não

suportava mais os achaques do ex-governador Arruda e do vice-governador,

não tendo revelado os tipos de pressão que sofreu. Declarou ainda que estaria

por vir um rolo compressor.

Depois de sessenta e um dias preso, a Corte Especial do (STJ), em

sessão realizada em 12 de abril de 2010, revogou, por 8 votos contra 5, a

prisão do ex-governador José Roberto Arruda.

Durante o julgamento, o ministro Fernando Gonçalves, relator do

inquérito, alegou que, ao perder o cargo de governador, Arruda não tinha mais

condições de interferir na coleta de provas relativas ao suposto esquema de

corrupção no Governo do Distrito Federal (GDF), e ressaltou que sua liberdade

não representava mais perigo às investigações, já que o período de

depoimentos havia sido encerrado na semana anterior. Adiantou mais o relator

que a Polícia e o Ministério Público Federal haviam passado à fase de estudo

dos documentos apreendidos e de dados de quebra de sigilos fiscais e

bancários, além da análise de perícias. Na mesma sessão, o STJ liberou

também da prisão os outros acusados.

Das dez chapas inscritas na Câmara Legislativa, em 7 de abril de

2010, para concorrer à eleição indireta de governador e vice, somente quatro

delas participaram da disputa:

1. Chapa 2: Partido Trabalhista Brasileiro ― PTB

governador: Luiz Filipe Ribeiro Coelho

vice-governador: João Estênio Campelo Bezerra

2. Chapa 3: Partido dos Trabalhadores ― PT

governador: Antônio Ibañez Ruiz

vice-governador: Cícero Batista Araújo Rola

Page 103: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

94

3. Chapa 4: Partido do Movimento Democrático Brasileiro ―

PMDB

governador: Rogério Schumann Rosso

vice-governadora: Ivelise Maria Longhi Pereira da Silva

4. Chapa 6: Partido da República ― PR

governador: Wilson Ferreira de Lima

vice-governador: Jucivaldo Salazar Pereira

Para surpresa geral, foi eleito, em 17 de abril de 2010, em 1º

turno, com 13 votos (maioria absoluta), para governador do Distrito Federal,

Rogério Rosso e, para vice-governadora, Ivelise Longhi. Os eleitos tomaram

posse em 19 de abril de 2010.

De dezembro de 2009 a abril de 2010, em dias alternados, houve

confronto entre manifestantes, contra e a favor de Arruda, tendo a Polícia

Militar de intervir em várias ocasiões. Em 25 de março de 2010, representantes

de cinquenta e sete entidades, encabeçadas pela Ordem dos Advogados do

Brasil (OAB), deram um abraço simbólico no prédio do STF, tendo sido

entregue ao ministro Cezar Peluso, que assumiria a presidência da Corte em

abril, um manifesto contrário à intervenção federal no DF. Em 7 de abril de

2010, cerca de duzentas pessoas juntaram-se, à noite, para se expressar em

favor da intervenção federal no DF. Carregando cartazes e velas, protestaram

contra a corrupção. Grades separavam o STF dos participantes, que não

puderam abraçar o prédio como desejavam. A polícia, de longe, acompanhou o

protesto.

Em sessão extraordinária realizada no dia 22 de junho de 2010, a

Câmara Legislativa cassou, em votação secreta, por 16 votos a 3, o mandato da

deputada Eurides Brito ― PMDB. Os parlamentares entenderam que ela

praticou os crimes de improbidade administrativa, formação de quadrilha e

lesão ao erário. A deputada apareceu em um dos vídeos de Durval Barbosa

guardando dinheiro na bolsa.

Todos os citados na Operação Caixa de Pandora terão de se

defender perante a Justiça. Faz-se mister, para juízo de valores, aguardar o

Page 104: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

95

resultado das investigações e o pronunciamento da Justiça, bem como a

conclusão dos trabalhos da CPI da Codeplan.

4.1 A estatística da corrupção

A jornalista Ana Dubeux, em artigo intitulado A estatística da

corrupção, publicado no Correio Braziliense, de 30 de maio de 2010, p. 20,

Opinião, aborda o impressionante esquema de corrupção, que veio à baila com

a Operação Caixa de Pandora. No artigo, expressa sua indignação contra os

desmandos constatados e os prejuízos irreparáveis sofridos pela população do

Distrito Federal:

‘No engenhoso esquema da corrupção, montado em

sete anos de governo (ou desgoverno) no DF, há cifras milionárias,

organogramas, planilhas, siglas e classificações que se assemelham a

organizações partidárias, neste caso por reunir em grupos políticos

com mais ou menos poder de ocupar cargos públicos. Os documentos

da investigação que se desdobrou na Operação Caixa de Pandora, aos

quais as repórteres do Correio Ana Maria Campos e Lilian Tahan

tiveram acesso e vêm publicando desde a semana passada, revelam

não somente um esquema documentado ― e, por isso, já histórico ―

de gestão fraudulenta, que começou num governo e se sofisticou no

seguinte de forma impressionante. Mostram também uma criminosa

bifurcação para o Legislativo e o Judiciário. O mais grave, no entanto,

são as consequências do derrame do dinheiro, escoado para o bolso

dos políticos, ao longo de quase uma década.

Recentemente, publicamos uma reportagem da

repórter Samantha Sallum sobre a saúde no DF, em especial no

Hospital de Base. A situação é de calamidade e o sentimento

decorrente dela é de inconformismo total. Transporte público e

escolas também padecem de problemas crônicos e funcionam cada

vez pior. Foram milhões e milhões ― quem poderá dizer ao certo? ―

desviados. Pelos cálculos da auditoria do Tribunal de Contas do DF,

estão sob suspeita contratos que superam R$ 300 milhões, a maioria

com despesas na área de informática. Superfaturamentos, gastos com

Page 105: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

96

projetos fictícios e desperdícios compõem o ralo grosso por onde

passa toda a bandalheira da política local. Fora as propinas pagas e

todo o resto já sabido.

Quanto deixou de ser investido em áreas essenciais? É

revoltante constatar dia após dia que a corrupção no DF é uma

prática endêmica e, ao longo do tempo, tornou-se hegemônica ―

tanto que as listas não deixam quase ninguém de fora. Políticos

beneficiaram-se com o dinheiro que deveria equipar hospitais, escolas

etc. Lembrar-nos disso diariamente, ainda que seja torturante, é

necessário. Perdemos dinheiro, perdemos votos e perdemos um

tempo precioso, que poderia ter sido investido para fazer de Brasília

uma cidade melhor. Portanto, resta-nos a torcida e a fiscalização para

que este caso não caia no esquecimento e as investigações não

parem.’

4.3 Não à intervenção federal

Quanto à intervenção federal no DF, solicitada ao Supremo

Tribunal Federal pela Procuradoria-Geral da República, a Corte jurídica julgou,

em sessão realizada no dia 30 de junho de 2010, improcedente o pedido. E o

Correio Braziliense, de 1º de julho de 2010, publicou a seguinte manchete:

‘STF REJEITA INTERVENÇÃO POR AMPLA MAIORIA: 7x1’

Em seguida, descreve, em síntese, os votos dos ministros no

julgamento da intervenção:

‘O primeiro voto contrário à violação da autonomia

política do Distrito Federal partiu de Cezar Peluzo, presidente do

Supremo e relator do caso. Ele considerou que a ordem foi

restabelecida na capital da República, não havendo sentido para uma

medida tão drástica como a intervenção. Os integrantes da Corte de

Justiça que acompanharam o voto de Peluso ressaltaram as ações

saneadoras no DF, como a eleição indireta de um governador e a

punição de envolvidos. Foram contrários os ministros Dias Toffoli,

Page 106: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

97

Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio

Mello e Celso de Mello. Carlos Ayres Brito foi o único a deferir o

pedido apresentado pela Procuradoria-Geral da República.’

E, na página 37 do jornal, na coluna Visão do Correio, foi

publicado o seguinte comentário:

‘Vitória da sensatez

Merece aplauso a decisão do Supremo Tribunal Federal

contra a intervenção na capital da República. O bom senso imperou

na sessão de ontem quando, por 7 X 1, respeitou-se a autonomia

política do DF. Em harmonia com os princípios da Carta Magna, a Lei

Orgânica estabelece as regras do processo sucessório no caso de

vacância do cargo de chefe do Executivo. A solução constitucional

assegurou a governabilidade.

O Correio Braziliense, desde o primeiro momento da

crise, defendeu a alternativa democrática como a melhor para a

cidade. Acertou. Apesar da gravidade dos fatos, a ordem pública foi

mantida sem traumas. A população retomou a rotina, o Estado

funciona, as eleições seguem o curso previsto na lei. Brasília soube

encontrar a saída que lhe preservou a soberania duramente

conquistada. Sai da tormenta mais madura, mais forte e mais

confiante nas instituições.’

CAPÍTULO V

5. A LEI DA FICHA LIMPA

Não obstante o que já foi abordado até agora sobre a

perversidade da corrupção, igualmente contra ela há poderosas forças

engajadas com o objetivo de reprimi-la, como poderá ser observado pelo que

vai descrito em seguida.

Page 107: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

98

O Senado, em sessão realizada no dia 19 de maio de 2010,

aprovou, por unanimidade ― 76 votos favoráveis ―, o chamado projeto de lei

da Ficha Limpa.

A Folha de S. Paulo, do dia 21 de maio de 2010, na p. A2, em

Opinião, na coluna Editoriais, publicou o artigo reproduzido a seguir:

‘Vitória moral

Aberta a dúvidas tanto práticas quanto teóricas, lei da ‘ficha

limpa’ mostra ainda assim o peso da mobilização popular

O MAIS IMPORTANTE aspecto da lei da ‘ficha limpa’,

aprovada pelo Senado Federal nesta quarta-feira, é que o diploma

resultou de um amplo esforço de mobilização da sociedade.

Subscrito por cerca de 1,6 milhão de cidadãos, o

projeto foi apresentado ao Legislativo pelo mecanismo constitucional

da iniciativa popular, dispensando o patrocínio de qualquer partido,

deputado ou senador.

Por mais de uma ocasião, previu-se que terminaria

engavetado. Não parecia plausível, com efeito, que a maioria dos

parlamentares manifestasse interesse num diploma visando a impedir

a candidatura de quem tivesse condenações na Justiça, em função de

crimes contra o patrimônio público ou de natureza eleitoral, por

exemplo.

Mesmo eliminados os pontos mais draconianos do

projeto, permanece a surpresa de sua aprovação. Explica-se,

sobretudo, pelo interesse, pelo respaldo de opinião e pela publicidade

― no bom sentido ― que cercaram a iniciativa, tornando

insustentável para os próprios políticos, ainda mais num ano eleitoral,

que se inclinassem a dar ao processo algum outro desfecho.

A pressão da sociedade teve efeitos sobre o Legislativo.

Não é pouco. Mas é provavelmente tudo. Na prática e na teoria, a lei

da ‘ficha limpa’ comporta uma série de dúvidas quanto à sua

conveniência e aplicação.

Fica por resolver, no plano imediato, se seus

dispositivos irão valer já para as próximas eleições. Minúcias técnicas

e questões de regulamentação ainda estão por decidir.

Page 108: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

99

Do ponto de vista jurídico, há largo espaço para

discussões, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, quanto à

constitucionalidade da lei. De que modo se concilia o princípio da

presunção da inocência, tantas vezes reiterado em decisões polêmicas

do STF, com a ideia de que alguém deva ser privado de seus direitos

políticos enquanto ainda não foi julgado em última instância?

Note-se que a esmagadora maioria, se não a totalidade,

dos atuais deputados e senadores não se vê atingida pela nova lei.

Surge até a figura do ‘ficha sujo oculto’ ― o parlamentar que, votando

a favor do projeto, julga avalizar para si próprio uma disposição ética

que nada, em sua vida pregressa, autorizou-o alguma vez a ostentar.

Eis, para lembrar o conhecido bordão, a homenagem

que o vício presta à virtude. Vitória moral, sem dúvida, de quem se

sente inconformado com o espetáculo do oportunismo, da fraude e da

criminalidade pura e simples na vida política brasileira.

A lei da ‘ficha limpa’ não os elimina ― e nem tem poder

sobre as decisões de inúmeros eleitores que, por desinformação ou

indiferença, reiteradamente conduzem corruptos ao poder.

Na surpresa de sua aprovação, mostrou-se todavia o

peso que pode assumir a mobilização de muitos, quando essa mesma

tentação da indiferença deixa de contaminá-los também.’

O projeto foi sancionado, sem veto, no dia 4 de junho de 2010,

pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e foi transformado na Lei

Complementar nº 135, publicada no Diário Oficial da União do dia 7 seguinte.

Por tratar-se de fato digno de pertencer à História, é transcrita

abaixo matéria publicada no jornal O Globo, de 5 de junho de 2010, de autoria

das jornalistas Luíza Damé e Isabel Braga:

‘Sem veto, Ficha Limpa vira lei

Tribunais superiores terão de decidir agora sobre o alcance

da medida para este ano

Cinco dias antes do encerramento do prazo final, em 9

de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou ontem, sem

vetos nem mudanças, a lei que proíbe a candidatura de políticos com

condenação judicial por crimes graves. A lei, conhecida como Ficha

Page 109: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

100

Limpa, é resultado de um projeto de iniciativa popular, apresentado

na Câmara em setembro do ano passado, com mais de 1,3 milhão de

assinaturas. Agora, começará no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e

no Supremo Tribunal Federal (STF) o debate sobre se a exigência de

ficha limpa vale para as eleições de 2010 e se a lei será aplicada para

barrar os candidatos que já foram condenados ou apenas para os que

vierem a ser condenados.

Uma emenda de redação, apresentada pelo senador

Francisco Dornelles (PP-RJ) e aprovada no Senado, provocou

polêmica sobre a abrangência da lei e sua validade para as eleições

de outubro. Os senadores substituíram a frase ‘os que tenham sido

condenados’ por ‘os que forem condenados’. Há a interpretação de

que a nova lei só valerá para condenações futuras. O presidente do

TSE, Ricardo Lewandowski, entende que a lei abrange apenas os

condenados entre a sanção (segunda-feira) e o registro das

candidaturas, em 5 de julho.

A Advocacia Geral da União (AGU) recomendou ao

presidente a sanção da lei, sem vetos. Sobre a emenda de redação, a

AGU disse que deve ser ouvida a Comissão de Constituição e Justiça

do Senado, que a aprovou, considerando que não modifica o espírito

da proposta. Integrante do Movimento Ficha Limpa, o presidente da

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante,

comemorou:

— O recado foi dado pelos eleitores: basta de

corrupção, de usar os mandatos como instrumento de impunidade.

Basta de tratar a política como negócio privado. É uma vitória da

sociedade, um grito de independência pela ética na política.

Ophir disse que não há por que pôr em dúvida a

aplicação da nova lei nas eleições deste ano. E lembrou que a própria

lei de inelegibilidades foi aprovada em maio de 1990 e vigorou nas

eleições do mesmo ano:

— Justificou-se à época que não haveria modificação no

processo eleitoral, mas no requisito de elegibilidade. Por que valeu

para aquela época e agora não vale?

Ophir disse achar que a alteração do tempo verbal feita

pelo Senado não alterou a essência do projeto:

— É uma interpretação absurda. O entendimento é o de

que ainda não temos candidatura, elas só serão formalizadas depois.

A lei abrange todos os que estão condenados em processo em curso.

Page 110: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

101

Especialistas em legislação eleitoral entendem que,

como a lei foi sancionada antes de 9 de junho, data de início das

convenções partidárias para escolha dos candidatos, as regras

poderão ser aplicadas neste ano. Mas os prejudicados pela lei poderão

recorrer à Justiça, pois a Constituição estabelece que as normas

eleitorais têm de ser aprovadas pelo menos um ano antes do pleito.

Inelegibilidade passa para oito anos

Pela legislação atual, são considerados inelegíveis

apenas os candidatos com condenação definitiva, em última instância

da Justiça. A Lei Ficha Limpa veda a concessão do registro eleitoral

aos condenados na Justiça por crimes graves, em instância colegiada

(decisões tomadas por mais de um juiz). Estão incluídos, por exemplo,

processos de cassação de mandato, crimes contra a vida, tráfico de

drogas e improbidade administrativa.

A lei veda ainda o registro de candidatura aos políticos

condenados por crime eleitoral cuja pena é a prisão, e também aos

políticos que renunciarem aos mandatos para que não seja aberto

processo por quebra de decoro. O prazo de inelegibilidade é ampliado

de três para oito anos.

O deputado Índio da Costa (DEM—RJ), um dos

relatores do projeto na Câmara, comemorou a sanção:

— Foi um grande passo, mas precisamos dar

continuidade a esse trabalho, através da reforma política.

Jovita José Rosa, do Movimento de Combate à

Corrupção Eleitoral, que articulou a coleta de assinaturas para o

projeto de iniciativa popular, vibrou com a sanção. O MCCE integra

mais de 40 entidades da sociedade civil:

— Estamos que é só alegria e já pensamos na reforma

política. Se o Congresso não faz, a sociedade vai fazer. Estamos com

uma mobilização boa, não podemos deixar que se desfaça. Temos

que ousar mais.

A proposta original vetava a candidatura até dos

políticos condenados por crimes graves em primeira instância, mas

enfrentou resistência.’

Page 111: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

102

O Tribunal Superior Eleitoral, em sessão de 10 de junho de 2010,

decidiu, com o voto contrário apenas do ministro Marco Aurélio Mello, que a

validade da lei para políticos de ficha suja se aplicaria para as eleições deste

ano. Quanto à sua abrangência e às dúvidas ainda existentes, seriam elas

tratadas na reunião seguinte da Corte, a realizar-se no dia 17 de junho de

2010.

De fato, o TSE, em sessão realizada nesse dia, decidiu sobre o

alcance da lei em relação aos políticos de ficha suja. É o que informa o jornal O

Globo , de 18 de junho de 2010, com a manchete na primeira página:

‘TSE bane destas eleições todos os já condenados’

E, com o subtítulo:

‘Decisão inclui condenações anteriores à sanção da Lei da Ficha

Limpa’,

está a síntese assim redigida:

‘Em resolução histórica, o Tribunal Superior Eleitoral

decidiu que a Lei da Ficha Limpa valerá para todos os candidatos

condenados por crimes graves em órgãos colegiados ― mesmo que a

condenação seja anterior à sanção da lei, em 4 de junho. Com isso,

todos os condenados ficam banidos das eleições. O resultado foi 6 a

1, e só Marco Aurélio Mello votou contra. O relator, ministro Arnaldo

Versiani, enfatizou que a lei alcança processos em tramitação, já

julgados ou sobre os quais cabe recurso. Para o TSE, o direito

eleitoral deve proteger a moralidade.’

Na página 3, a jornalista Isabel Braga resume as normas

estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral:

‘REGRAS QUE VALEM PARA ESTE ANO

FICHA SUJA

Page 112: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

103

Veta candidaturas de políticos com condenação na Justiça, nos

julgamentos em instâncias colegiadas (decisão de mais de um juiz)

DIREITOS POLÍTICOS

Amplia de 3 para 8 anos a inelegibilidade

RECURSO

Permite que um político condenado por órgão colegiado recorra a

uma instância superior, para tentar suspender a inelegibilidade. Neste

caso, o tribunal superior terá que decidir, também de forma colegiada

e em regime de prioridade, se a pessoa pode ou não concorrer

SERÃO ABRANGIDOS PELA PROPOSTA:

Os crimes dolosos, onde há a intenção, e com penas acima de dois

anos. Por exemplo, tráfico de entorpecentes, crimes contra a vida, a

economia popular, o sistema financeiro e o meio ambiente, entre

outros

Os condenados por atos de improbidade administrativa. Geralmente

os que exercem cargos no Executivo e os ordenadores de despesa

Os que tiverem seus mandatos cassados por abuso de poder político,

econômico ou de meios de comunicação, corrupção eleitoral e compra

de votos, entre outros

Os condenados por crimes eleitorais que resultem em pena de prisão.

Estão fora da lista os crimes eleitorais em que os políticos são punidos

com multa

Os que forem condenados, em decisão transitada em julgado, por

crimes graves

Os que tiverem sido excluídos do exercício da profissão, por algum

crime grave ético-profissional. Aqui incluem-se os casos de pessoas

que tiverem seus registros profissionais cassados.

Page 113: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

104

Os eleitos que renunciarem a seus mandatos para evitar processo por

quebra de decoro também ficam inelegíveis nos oito anos

subseqüentes ao término da legislatura’

Na mesma página 3, em matéria dos jornalistas Tatiana Farah,

Adauri Antunes Barbosa e Natanael Damasceno, estão citadas opiniões sobre o

assunto.

‘Entidades comemoram decisão

SÃO PAULO e RIO. Magistrados e entidades como a

AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) e o MCCE (Movimento de

Combate à Corrupção Eleitoral), comemoraram ontem a decisão do

TSE de vetar a candidatura de todos os políticos com condenações de

órgãos colegiados e não só aqueles que tivessem sido condenados a

partir da publicação da Lei da Ficha Limpa, no dia 7 de junho.

― A inelegibilidade não é pena, é critério. E o que

determina? Que os candidatos não tenham condenação em órgão

colegiado. A sociedade é quem determina os critérios para eleições,

por meio do Congresso. Até a última eleição, concordamos com

outros critérios, a partir de agora, quisemos mudar ― diz o juiz

eleitoral de Imperatriz (MA) Marlon Reis, do comitê nacional do MCCE.

Para Reis, ‘ninguém tem direito adquirido’ quando se

trata de direito eleitoral.

Para o presidente interino da AMB (Associação dos

Magistrados do Brasil), o juiz Francisco Oliveira Neto, a interpretação

do chamado ‘tempo verbal’ da lei não deveria ser mesmo vista como

questão de retroatividade.

― Estabeleceu-se um novo critério para ser candidato

às eleições. Esse critério diz que o candidato não pode ter

condenações em decisões colegiadas. Mesmo quando a Constituição

fala sobre irretroatividade, ela trata da questão penal e não da

matéria (eleitoral).

O entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral de

São Paulo foi o mesmo do TSE: de que a lei deve ser estendida a

todos os candidatos com condenação por decisão colegiada.

Para o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da

OAB de São Paulo, Sílvio Salata, a vigência a partir desta eleição da

Page 114: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

105

Lei da Ficha Limpa provocará uma enxurrada de recursos dos

tribunais regionais, no TSE e no STF.

― Vai tumultuar o processo eleitoral. Imagina um

candidato que está trabalhando há quatro anos, tem uma eleição

garantida, e agora pode ter sua candidatura anulada porque vai ser

atingido pela lei. É óbvio que esse candidato vai recorrer.

Para Salata, a decisão de ontem à noite do TSE fere

alguns itens da Constituição:

― Essa decisão traz alterações que vão ter como

consequência a busca de direitos que se julga garantidos. [...]’

O Correio Braziliense, de 20 de junho de 2010, em Opinião, p. 20,

em Visão do Correio, publicou artigo discorrendo sobre o êxito alcançado pela

sociedade com a aprovação do projeto Ficha Limpa e a sobre a esperança para

o fortalecimento da democracia.

‘Vitória da cidadania

A cidadania tem bom motivo para tocar as vuvuzelas,

pois seu alarido só vai incomodar quem vinha atirando contra a boa

prática republicana e os interesses do povo. Mas a sociedade terá de

ficar atenta ao gigantesco, embora ainda incipiente, passo que o país

pode dar rumo ao saneamento dos quadros da representação popular

e da administração pública brasileira. O Tribunal Superior Eleitoral

(TSE) cumpriu quinta-feira o que dele se esperava: livrou a sociedade

dos efeitos da esperteza de uma emenda de última hora ao texto da

Lei da Ficha Limpa.

O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) mudou o tempo

verbal da frase ‘tenham sido condenados’ para ‘que forem

condenados’. A tentativa de anistiar os julgados culpados por

corrupção e improbidade esteve perto de frustrar o sonho de 1,6

milhão de eleitores que assinaram o projeto de iniciativa popular,

apoiados pela maioria da opinião pública. Se tivesse prevalecido a

interpretação pretendida pelo autor e alguns políticos interessados em

preservar amigos, a porta se fecharia apenas aos futuros bandidos e

acabaria servindo de abrigo e de imerecido perdão a figuras que

Page 115: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

106

dispensam apresentação, mas não a necessidade de serem banidas

da vida pública.

Questões semânticas à parte, seguiram os ministros do

TSE a boa prática jurídica de levar em conta a intenção do legislador.

No caso, o desejo dos milhões de cidadãos que patrocinaram a

redação do projeto e não desistiram de pressionar o tempo todo —

por meio de entidades como o Movimento de Combate à Corrupção

Eleitoral (MCCE) — pela rápida tramitação e aprovação pelo

Congresso Nacional. Como ocorre numa negociação democrática, o

texto original foi abrandado em seus rigores para evitar protelações

por parte de interesses poderosos dentro e fora do Legislativo. As

duas principais alterações aceitas por todos foram a exigência de

condenação por decisão colegiada (mais de um juiz) e a admissão de

recurso à instância superior para suspender a inelegibilidade.

Mas o saldo dessa batalha cívica chega a ser

surpreendente, ante o festival de desmazelos que vinha fazendo da

carreira política no Brasil um campeonato de espertezas e velhacarias,

frustrando as verdadeiras vocações para a vida pública. Não se

conhece democracia que tenha avançado rumo à construção da

prosperidade econômica e da justiça social sem que o povo tenha

contado com lideranças confiáveis, aptas ao debate elevado e

comprometidas com projetos de país claramente colocados à escolha

do eleitor.

Em vez do valhacouto procurado pelos fichas sujas que

se especializaram em tirar vantagem das verbas e cargos públicos, a

representação política, desde as câmaras municipais até o Senado

Federal, assim como a administração dos municípios, dos estados e

da União, podem voltar a atrair os que somam honestidade e

inteligência com dedicação à causa pública. É verdade que nem tudo

está resolvido. Há ainda muito a fazer pela democracia e pelas boas

práticas republicanas no Brasil. Mas, com a Lei da Ficha Limpa, a

cidadania volta a ter a certeza de que esse é um combate que vale a

pena travar.’

Page 116: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

107

5.1 Repercussão mundial

A Folha de S. Paulo do dia 13 de junho de 2010, na p. A3, em

Opinião, na coluna Tendências/Debates, publicou artigo do mexicano Alejandro

Salas, cientista político, mestre em políticas públicas pelo Institute of Social

Studies, em Haia ― Holanda, diretor do Departamento das Américas da

Transparência Internacional.

Com o título Ficha Limpa é vitória exemplar, o cientista ressalta a

importância da interação Estado/sociedade no amadurecimento da democracia

no país.

Eis, abaixo, o texto do mencionado artigo:

‘O processo de mobilização que resultou na lei deve ser

referência para a relação entre Estado e sociedade na luta

contra a corrupção

A sanção do projeto Ficha Limpa é um marco na luta da

sociedade brasileira contra a corrupção. Porém, sua importância vai

além dos benefícios que trará diretamente — e já no curto prazo —

para o sistema político brasileiro. O processo de mobilização da

sociedade civil que resultou na iniciativa do projeto de lei, sua

subsequente aprovação e sanção serve como referência para a

relação entre Estado e sociedade na luta global contra a corrupção.

De um lado, as organizações sociais que lideraram a

elaboração do projeto e a coleta de assinaturas exerceram um papel

crucial na conformação e vocalização do interesse público. Através da

criação e ampliação de espaços de debate, tais organizações

canalizaram a indignação coletiva diante da corrupção política para

avançar com transformações estruturais.

Igualmente importante, embora menos evidente, é o

papel que exercem essas organizações na criação de identidades,

ampliando as condições para a transformação de indivíduos

indignados em agentes da mudança social, isto é, cidadãos.

Do outro lado, as instituições estatais, acolhendo o

projeto de origem popular e respondendo com sua tramitação e

Page 117: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

108

aprovação, confirmam o processo de amadurecimento da democracia

brasileira.

O instrumento de iniciativa popular de lei, criado pela

Constituição de 1988, revela-se como recurso eficaz, e a participação

política da sociedade afirma-se, cada vez mais, como traço

característico e duradouro do modelo democrático brasileiro.

Por sua vez, a atuação responsiva da classe política

(partidos, parlamentares e presidente da República) corrobora a

possibilidade de esse modelo favorecer o interesse público mesmo

quando confrontando o interesse privado do legislador — contanto

que a sociedade civil também exerça seu papel, incitando o

funcionamento adequado das instituições representativas.

Em um continente marcado por um histórico de

governos pouco sensíveis ao interesse público e por atores sociais

tradicionalmente orientados pela polarização extremada ao Estado,

essa vitória conjunta da sociedade e das instituições estatais no Brasil

torna-se ainda mais extraordinária e exemplar.

Contudo, uma pesquisa recente do Instituto Sensus

revelou que apenas 8% dos brasileiros consideram que a corrupção

esteja diminuindo no país.

Portanto, para o cidadão brasileiro, cético quanto à

possibilidade de mudança, talvez a importância mais imediata da nova

lei seja trazer-lhe esperança de que a sociedade esteja se tornando

mais justa.

Resta ainda que a nova lei passe pelo teste de sua

aplicação efetiva para que, aí sim, possamos celebrá-la como um

instrumento de combate à corrupção política.

A julgar pelos efeitos de outra vitória popular, a lei nº

9.840, sobre compra de votos, há motivos para esperar resultados

concretos do novo ordenamento. Além disso, as transformações

necessárias para vencer a corrupção no sistema político deverão ser

ainda muito mais profundas e abrangentes.

Mas há, novamente, motivos para esperança, pois a

sociedade brasileira já está comprometida com a discussão de uma

ampla reforma política e, conhecedora de seu papel, pressionará para

que suas instituições representativas acolham esse debate e

processem as transformações necessárias.

Page 118: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

109

A Transparência Internacional reforça o apoio na luta

do país contra a corrupção e parabeniza o povo brasileiro pela sua

importante conquista com o projeto Ficha Limpa.’

5.2 Agora, é o voto

A jornalista Ana Dubeux, em artigo publicado no Correio

Braziliense, de 20 de junho de 2010, na coluna Opinião, p. 20, considera a

aprovação do projeto Ficha Limpa uma conquista da sociedade, e ressalta que

esta deve honrar a vitória com votos conscientes contra os corruptos:

‘Agora, é o voto

Agora, é o voto. Não foi uma nem duas vezes que

ocupei este espaço nos últimos meses para explorar um tema

indigesto. Paciência: de fato, ele ainda não foi digerido. Falo da

corrupção, da safadeza, da desonestidade, que existe desde sempre

no Brasil e que desde o ano passado assombra Brasília com uma

frequência tão incômoda quanto talvez seja a opção por lembrá-la

sempre aqui nesse espaço nos domingos de leitura agradável, porém

também de reflexão e discussão em família. Por respeito à Brasília,

queridos leitores, ainda o farei algumas vezes, sobretudo neste

período que antecede nossa ida às urnas.

Na semana passada, comemorei a decisão do Tribunal

Superior Eleitoral de tornar válido o projeto Ficha Limpa para as

próximas eleições. Disse também que dificilmente o mesmo tribunal

iria contra ao espírito da lei popular ao interpretá-la nas minúcias. Pois

bem: na noite na última quinta-feira, o TSE decidiu, por seis votos a

um, que todos os políticos condenados por decisão colegiada, antes

ou depois da publicação da lei do Ficha Limpa, estão impedidos de se

candidatar para a disputa eleitoral de outubro. Além disso, os

ministros decidiram também que ficam inelegíveis aqueles que

renunciaram para escapar da cassação e os cassados pela Justiça

Eleitoral por irregularidades cometidas nas eleições de 2006.

Esse entendimento não apenas representa a vitória do

movimento anticorrupção e da sociedade civil organizada como

Page 119: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

110

interfere diretamente nas eleições de vários estados e do Distrito

Federal. Algumas candidaturas já colocadas, como a do ex-

governador Joaquim Roriz terão que ser reavaliadas e, quem sabe,

extintas. Mas, ainda que, por força de lei, os condenados e os que

renunciaram sejam afastados das eleições, não podemos em nenhum

momento esquecer aqueles que ainda não chegaram a ser julgados,

embora tenham um leque de acusações tão extenso que deveriam

cuidar de provar inocência antes de concorrer de novo a qualquer tipo

de mandato.

Por exemplo: existe a necessidade de uma renovação

total, salvo raríssimas exceções, na política local, sobretudo na

Câmara Legislativa. É impossível promover uma faxina geral no

Distrito Federal sem varrer o lixo acumulado por anos de ineficiência e

corrupção. Deputados distritais, desta legislatura e também de outras,

é verdade, passaram seu tempo trabalhando para arriscar nossa

sonhada autonomia política, estimular invasões, mudar destinações de

áreas públicas, criar currais eleitorais de miseráveis e encher os

próprios bolsos. Não se pode esquecer isso nem um dia que seja

daqui até as próximas eleições. O TSE cumpriu seu papel, selando o

memorável trabalho feito pelos incansáveis trabalhadores em prol do

projeto Ficha Limpa. Cabe a nós honrar tudo isso com votos a favor

de Brasília e contra os corruptos.’

CAPÍTULO VI

6. AINDA A PROPÓSITO DA CORRUPÇÃO

São apresentadas, a seguir, mais notícias publicadas na mídia

atinentes à corrupção, com o escopo de levar o leitor a aprofundar-se na

reflexão sobre o tema, que tantos males causa à população.

Page 120: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

111

6.1 O Congresso Nacional e a corrupção

O jornalista Cláudio Humberto, em sua coluna no Jornal de Brasília

do dia 25 de setembro de 2009, nos dá a seguinte notícia:

‘CÂMARA ENGAVETA 70 PROJETOS ANTICORRUPÇÃO

A Câmara dos Deputados não deixa tramitar projetos

que endurecem o combate à corrupção. Setenta projetos estão

parados desde 2004, como o do deputado Francisco Praciano (PT-

AM), que criminaliza a riqueza injustificada de agente público, ou de

Ônyx Lorenzoni (DEM―RS), que torna crime a utilização de emendas

parlamentares como instrumento de barganha para influir em

votações no Congresso.

FALTA DE VONTADE

Segundo Praciano, ‘falta motivação’ para pautar temas

contra a corrupção. Apesar do bom momento, ‘não há interesse’, diz o

deputado.’

Em nota na coluna VISTO, LIDO E OUVIDO, o jornalista Ari Cunha

publicou no Correio Braziliense, em 20/3/2010:

‘ESCASSEZ

Nenhum projeto contra a corrupção está na pauta de votações da

Câmara ou Senado. O deputado petista Francisco Praciano é quem

protesta. Ele protocolou na Mesa das duas Casas pedido para que

fosse criado um grupo de trabalho conjunto sobre o tema. Para as

próximas eleições, seria mais honesto que os próprios partidos

mudassem as regras nesse sentido. Não mudam porque falta

coragem.’

Page 121: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

112

6.2 Caracterizando e batizando e os corruptos

Em artigo publicado no jornal Correio Braziliense, de 27 de

novembro de 2009, intitulado O corruptômetro, Frei Beto caracteriza e batiza os

corruptos do Brasil. São tantos os exemplos por ele citados, meu caro leitor,

que vale a pena você conhecê-los. Eis, abaixo, a matéria:

‘O corruptômetro

FREI BETTO

Escritor, é autor do romance Um homem chamado Jesus, lançamento

da editora Rocco para o próximo Natal.

A Transparência Internacional divulgou, a 17 de

novembro, na Alemanha, o índice de corrupção no mundo. Numa

escala de 0 (sem corrupção) a 10 (haja lanterna de Diógenes para

descobrir um honesto!), o Brasil mereceu 3,7 pontos. Avançou da 80ª

posição para a 75ª, entre 180 nações analisadas. Nosso país se

equipara, agora, à Colômbia, ao Peru e ao Suriname. O país onde há

menos corrupção é a Nova Zelândia.

Por que há tanta corrupção no Brasil? Temos leis,

sistema judiciário, polícias e mídia atenta. Prevalece, entretanto, a

impunidade ― a mãe dos corruptos. Você conhece o nome de um

notório corrupto brasileiro? Ele foi processado e está na cadeia?

Padre Vieira, no sermão em homenagem à festa de

Santo Antônio, em 1654, indagava: ‘O efeito do sal é impedir a

corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa,

havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser

a causa desta corrupção?’ A seu ver, havia duas causas principais: a

contradição de quem deveria salgar e a incredulidade do povo diante

de tantos atos que não correspondiam às palavras.

O corrupto caracteriza-se por não se admitir como tal.

Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente

um ladrão. Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de

conversa frouxa, sorriso amável, salamaleques gentis. Anzol sem isca,

peixe não belisca.

O corrupto não se expõe; extorque. Considera a

comissão um direito; a porcentagem, pagamento por serviços; o

Page 122: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

113

desvio, forma de apropriar-se do que lhe pertence; o caixa dois,

investimento eleitoral. Bobos aqueles que fazem tráfico de influência

sem tirar proveito.

Há muitos tipos de corruptos. O corrupto oficial se vale

da função pública para tirar proveitos a si, à família e aos amigos.

Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem custeada

pelo erário, usa cartão de crédito debitável no orçamento do Estado,

faz gastos e obriga o contribuinte a pagar. Considera natural o

superfaturamento, a ausência de licitação, a concorrência com cartas

marcadas.

A lógica do corrupto é corrupta: ‘Se não aproveito,

outro leva vantagem em meu lugar’. Seu único temor é ser apanhado

em flagrante delito. Não se envergonha de se olhar no espelho,

apenas teme ver o nome estampado nos jornais. Confiante, jamais

imagina a filha pequena a indagar-lhe: ‘Papai, é verdade que você é

corrupto?’

O corrupto não tem nenhum escrúpulo em dar ou

receber caixas de uísque no Natal, presentes caros de fornecedores

ou patrocinar férias de juízes. Afrouxam-lhe com agrados e, assim, ele

relaxa a burocracia que retém as verbas públicas.

Há o corrupto privado. Jamais menciona quantias, tão

somente insinua, cauteloso. Assim, torna-se o rei da metáfora. Nunca

é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor saberá

ler nas entrelinhas.

O corrupto franciscano pratica o toma lá, dá cá. Seu

lema é ‘quem não chora, não mama’. Não ostenta riquezas, não viaja

ao exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É

o primeiro a indignar-se quando o assunto é a corrupção que grassa

pelo país.

O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói

mansões e castelos, enche o latifúndio de bois, convencido de que

puxa-saquismo é amizade e sorriso cúmplice, cegueira. Vangloria-se

de sua astúcia ao enganar e mentir.

O corrupto nostálgico orgulha-se do pai ferroviário, da

mãe professora, da origem humilde na roça, mas está intimamente

convencido de que, tivessem as mesmas oportunidades de meter a

mão na cumbuca, seus antepassados não deixariam passar.

O corrupto previdente, calculista, já está de olho na

Copa do Mundo no Brasil, em 2014, e nas Olimpíadas do Rio, em

Page 123: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

114

2016. Ele sabe que os jogos Pan-americanos no Rio, em 2007,

tiveram orçamento de R$ 800 milhões e consumiram R$ 4 bilhões.

O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta,

estende a mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo

bancário. De tal modo se corrompe que nem mais percebe que é um

corrupto. Julga-se um negocista bem-sucedido.

Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos

honestos para se lhe aproveitar a sombra, trata os subalternos com

uma dureza que os faz parecer o mais íntegro dos seres humanos.

Aliás, o corrupto acredita piamente que todos o consideram de uma

lisura capaz de causar inveja em madre Teresa de Calcutá.

O corrupto julga-se dotado de uma inteligência que o

livra do mundo dos ingênuos e torna-o o mais arguto e esperto do

que o comum dos mortais. Enquanto os corruptos brasileiros não vão

para a cadeia, ao menos nós, eleitores, ano que vem podemos

impedi-los de serem eleitos para funções públicas.’

6.3 Nós e você, já são dois gritando

O jornal O Globo, de 25 de novembro de 2009, publicou a

seguinte notícia:

‘Seminário no GLOBO vai discutir corrupção’

Informa, a seguir, que:

‘Senador, ONGs e leitores vão debater ao vivo o problema

mais comentado em site de debates na internet’

Esclarece o jornal:

‘Desde o lançamento, o site da campanha ‘Nós e você,

já são dois gritando’ ― na qual leitores do GLOBO conversam sobre

os problemas da sociedade brasileira ― tem na corrupção seu tema

mais concorrido. Dos 40 tópicos de discussão no endereço

Page 124: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

115

www.oglobo.com.br/doisgritando, a preocupação com a má

administração de verbas, privilégios do poder e extorsões do dia-a-dia

é de longe o assunto mais eloquente do fórum, com milhares de

participações. Exatamente por isso, a corrupção foi escolhida para

trazer o debate do meio digital para o mundo real, num encontro que

vai reunir, no auditório do GLOBO, políticos e integrantes de ONGs

que atuam no combate ao problema.

O evento ‘Corrupção ― o debate’ ocorrerá segunda-

feira, dia 30, às 10 h, com o senador Pedro Simon (PMDB/RS); o

diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Abramo; a

coordenadora da ONG Voto Consciente, Rosângela Giembinsky e

Maria Apparecida Fenizola, vice-presidente do Instituto de

Desenvolvimento de Estudos Políticos e Sociais. A mediação do debate

será pelo colunista do GLOBO Merval Pereira. O evento será gratuito,

e os debatedores responderão também a perguntas de outros

colunistas. O auditório do jornal fica na Rua Irineu Marinho 35, e tem

capacidade para 200 lugares. Será proibida a entrada de pessoas com

bermuda, chinelo ou camiseta.’

O jornal O Globo lembra em sua reportagem que:

‘Para muitos, as origens da corrupção no Brasil

remontam os primórdios da sociedade brasileira, no período colonial.

Porém, mais do que discutir as causas, o objetivo do encontro é

ajudar a construir soluções. Uma delas, na opinião do senador Pedro

Simon, é o combate à impunidade. Para o senador ― que desde os

anos 80 tenta levar para dentro do Congresso um debate sobre a

questão em todas as esferas do poder público ―, o Brasil ainda vive

uma vergonhosa realidade nessa área: ‘aqui, ainda, só os pobres são

presos’, diz ele.

― O problema do Brasil é que só ladrão de galinha vai

para a cadeia. O resto, político e empresário, paga um bom

advogado. E não é para defendê-lo, mas para postergar ao máximo o

processo. Para empurrar com a barriga e cair no decurso de prazo ―

diz Simon.’

E termina:

Page 125: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

116

‘O senador afirma que o maior grau de corrupção ainda

ocorre na classe política, mas preocupa-se também com o avanço da

questão em outras áreas da sociedade.

― O Congresso vive um momento triste, mas a

corrupção tem evoluído também no dia-a-dia das pessoas. É motorista

pagando propina para o guarda, outro dando dinheiro para furar fila

― critica o senador, que assumiu votos de pobreza há nove anos.’

No dia aprazado, ou seja, em 30 de novembro de 2009, foi

realizado o seminário. E o jornal O Globo, de 1º de dezembro de 2009, em

reportagem de autoria do jornalista Gustavo Autran, publicou o resultado do

encontro, com o seguinte título:

‘Simon: ‘Não esperem nada do Congresso’

E como subtítulo:

‘Senador do PMDB afirma que só a sociedade organizada tem

forças e vontade para lutar contra a corrupção’.

Eis, abaixo, o texto do jornalista:

‘A máxima de que ‘de onde não se espera nada é que

não vem nada mesmo’ foi usada com conotações de humor negro

ontem pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS), durante um debate

sobre corrupção realizado na sede do GLOBO. A frase foi uma das

conclusões do senador frente ao cenário cada vez mais assustador de

casos de corrupção envolvendo parlamentares, governadores e outros

políticos de alto escalão, especialmente agravado este fim de semana,

após a divulgação de vídeos mostrando o governador do Distrito

Federal, José Roberto Arruda (DEM), assessores e deputados distritais

de Brasília manuseando maços de dinheiro vivo com origens e

destinos ainda não explicados.

― Temos um Congresso pobre, sem preparo técnico,

sem formação, que se beneficia de um modo de governo calcado em

interesses de grupos de influência. Também não percebo nenhuma

Page 126: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

117

ação concreta no combate à corrupção. Não há interesse. Hoje, o

político com problemas judiciais contrata um advogado para emperrar

o andamento do processo até o crime prescrever. Se a população

brasileira quer mudar a situação que aí está, deve se mobilizar, deve

protestar, como já vi fazerem na época dos caras-pintadas, por

exemplo. Mas não esperem nada do Congresso. De onde menos se

espera é que não vem nada mesmo ― disse o senador.

Na saída do debate, o senador gaúcho também

classificou o episódio envolvendo José Roberto Arruda de ‘mensalão

do DEM’:

― Vinte quatro horas antes de a denúncia ser

divulgada, eu era fã do governador, até então considerado um

administrador exemplar. Mas as gravações de vídeo e áudio não

deixam dúvidas de que existe um mensalão do DEM, que opera mais

ou menos no mesmo estilo do que foi denunciado no episódio

envolvendo o PT em 2005 ― afirmou Simon, completando em tom de

desânimo:

― É triste constatar que as denúncias que derrubaram

o Fernando Collor hoje parecem brincadeira de criança frente ao que

estamos vendo. Em vez de melhorar, as coisas andaram para trás.

Fórum sobre mazelas do país

O seminário do qual o senador participou é um

desdobramento da campanha ‘Nós e Você. Já São Dois Gritando’, na

qual O GLOBO convida a população para um debate público sobre os

maiores problemas do Brasil, por meio de um fórum na internet

(www.oglobo.com.br/doisgritando). O encontro reuniu cerca de 150

pessoas no auditório do jornal e contou com a presença do diretor-

executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo, da

coordenadora da ONG Voto Consciente, Rosângela Giembinsky, e da

socióloga Maria Apparecida Fenizola, vice-presidente do Instituto do

Desenvolvimento de Estudos Políticos e Sociais e líder de um

movimento de cidadãos brasileiros contra a corrupção. A mediação do

debate foi feita pelo jornalista Merval Pereira, colunista do GLOBO. Os

também colunistas Miriam Leitão, Ancelmo Gois e Flávia Oliveira

gravaram em vídeo suas perguntas relacionadas ao tema.

Apesar da repercussão do caso envolvendo o

governador do Distrito Federal, ‘o mensalão do DEM’ não foi a tônica

Page 127: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

118

do debate. Por cerca de uma hora e meia, os convidados debateram

diversos aspectos da corrupção que grassa no serviço público e no

cenário político brasileiro, especialmente sobre os mecanismos

disponíveis para o cidadão comum fiscalizar a atuação dos políticos

em seus mandatos. Apesar de algumas discordâncias a respeito das

origens e das formas mais eficientes de combate ao problema, os

quatro convidados concordaram que a apatia política, a falta de

engajamento e de mobilização social por parte da maioria dos

brasileiros também ajudam a aumentar os índices de corrupção

registrados no Brasil.

― Fica difícil mudar a situação de verdade se o cidadão

não mudar a sua postura. Não basta ir a passeatas, tem que fiscalizar

o tempo todo. É importante que a sociedade acorde e assuma o seu

compromisso sobre o que ocorre hoje na administração pública no

Brasil. Temos o poder de tirar os parlamentares que aí estão, com o

nosso voto. E isso é só uma parcela pequena do que a sociedade

organizada pode fazer ― defendeu. Maria Apparecida Fenizola,

arrancando aplausos da plateia.

Maria Aparecida recebeu o apoio da professora

Rosângela Giembinsky, da ONG Voto Consciente, na defesa do projeto

Ficha Limpa, proposta de iniciativa popular para rejeitar o registro de

candidaturas de políticos com processos na Justiça, os chamados

fichas-sujas. Elas que, sem mobilização popular, não será possível

resolver o problema da corrupção no Brasil, e citaram o abaixo

assinado em defesa do projeto, entregue ao presidente da Câmara

dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), como um eficiente

mecanismo de pressão.

― Foram mais de um milhão de assinaturas recolhidas.

E nós temos que continuar insistindo para o projeto ser votado e sair

do papel. Sem a nossa cobrança, não haverá milagre ― disse a

professora.

Corrupção pode ser medida, diz

O diretor da Transparência Brasil procurou mostrar que,

mais do que questão de ordem moral, corrupção é um problema

concreto. E que pode ser medido.

― Quase 40% dos senadores em exercício respondem

por crimes na Justiça. E, na Assembleia Legislativa de Goiás, nada

Page 128: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

119

menos que 75% dos deputados são alvo de alguma denúncia nos

tribunais ― disse ele, arrancando expressões de espanto na plateia.

― A corrupção é uma dimensão da ineficiência do

Estado. Ela não pode ser reduzida a uma questão moral. E, na hora

de enfrentá-la, devemos ser objetivos. O fato é que a corrupção anula

a possibilidade de o Estado alocar seus recursos com eficiência e,

dessa forma, ela só será combatida quando mexermos nas leis e

combatermos certos vícios da administração pública, ponto a ponto ―

disse Abramo, ao ressaltar os dados levantados pelo projeto

Excelências, que disponibiliza na internet informações detalhadas e

atualizadas sobre os gastos de todos os parlamentares em exercício

no país (www.excelencias.org.br).

As questões levantadas pelos colunistas do GLOBO

contribuíram para esquentar ainda mais o debate. A jornalista Flávia

Oliveira, titular da coluna Negócios e Companhia, questionou as

fronteiras existentes entre o que seria o lobby legítimo promovido por

empresários, que não constitui crime, e as pressões políticas pela

aprovação de emendas em projetos de lei.’

Na mesma reportagem, foi publicado:

‘Aplausos, gritos e protestos no auditório’.

E logo abaixo desse título:

‘Debate no GLOBO foi acalorado’.

O texto vai a seguir:

‘A coincidência com o escândalo envolvendo o

governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, serviu para

deixar ainda mais quente o debate sobre corrupção organizado ontem

pelo GLOBO. Desde cedo, 150 pessoas começaram a chegar para

participar do encontro promovido pela campanha ‘Nós e você. Já são

dois gritando’, na qual O GLOBO estimula leitores a discutir os

principais problemas do país. O tema do evento tinha sido escolhido

Page 129: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

120

por ser o mais debatido do site nos últimos meses. A realidade

mostrou que a escolha não podia estar mais certa.

O senador Pedro Simon, conhecido pela sua luta contra

a corrupção no Congresso, era o mais famoso dos convidados, mas

não foi o mais aplaudido. Nem o especialista no assunto Claudio

Abramo, da ONG Transparência Brasil. A honra coube a uma

professora e a uma socióloga.

Coordenadora da ONG Voto Consciente, Rosângela

Giembinsky defendeu a tese de que cabe à população fiscalizar ―

através do voto e da denúncia ― a atuação de parlamentares e

administradores públicos. A mesma defesa foi feita pela socióloga

Maria Apparecida Fenizola. Vice-presidente de uma ONG de estudos

sociais e líder de um movimento de brasileiros contra a corrupção,

Maria Apparecida foi convidada por sua atuação como cidadã. Os

discursos de ambas, feitos mais com a emoção do que com dados

estatísticos, conquistaram a plateia.

A cada intervenção delas, muitos aplausos. Ainda mais

comuns eram as expressões de concordância, manifestada com

movimentos de cabeça. O que os cidadãos presentes queriam ouvir

não eram análises nem tristes constatações. Eram propostas de

mudança na atual situação.

― Vamos às ruas! ― chegou a bradar um dos

espectadores, durante uma das intervenções de Rosângela, em que a

professora defendia a necessidade de mobilização popular em torno

da luta contra a corrupção.

O evento seguiu cheio de manifestações do público,

protestos e tentativas de intervenção, não só no auditório, mas

também pela internet. Cerca de 500 leitores deixaram perguntas e

comentários sobre o evento no site da campanha ‘Dois gritando’.

Finalizando, ao lado da reportagem, há uma coluna intitulada:

‘NÓS E VOCÊ. JÁ SÃO DOIS GRITANDO.

oglobo.com.br/doisgritando

O LEITOR OPINA.’

‘A melhor imagem para comparar com esse debate é aquela do

cachorro tentando morder o próprio rabo’.

Page 130: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

121

― Jorge Manoel Santos da Silva, em comentário no site do GLOBO

‘Se punirem Arruda e não punirem os petistas envolvidos no mensalão

federal, continuaremos afundando na lama na corrupção

eternamente’.

― Edmundo Bezerra de Góis, em comentário no site do GLOBO.

‘O povo é o que tem menos culpa. Já virou lugar comum dizer que o

povo é culpado porque elege esses políticos. Querem mesmo que o

povo demonstre que não é culpado? Coloquem o voto não

obrigatório’.

― Jorge Manoel Santos da Silva, em debate sobre ‘Corrupção no site

da campanha ‘Nós e você. Já são dois gritando’.

‘Só o investimento pesado na educação pública pode ajudar a

solucionar a corrupção. Não vejo outro caminho que não passe por

uma sociedade consciente de seus deveres, direitos e obrigações’.

― Paulo Cesar Guedes, em debate sobre ‘Corrupção’ no site da

campanha ‘Nós e você. Já são dois gritando’.

‘Ficamos com cara de trouxas, e a maracutaia andando solta. Desta

vez são R$ 50 mil para comprar panetone. Cadê a polícia? Se fosse

pobre, já estaria preso’.

― Carlos Otavio, em debate sobre ‘Corrupção’ no site da campanha

‘Nós e você. Já são dois gritando’.

‘Se não houvesse reeleição indefinida para deputados e senadores, a

situação ficaria melhor’.

― Leonardo Vieira, em debate sobre ‘Corrupção’ no site da campanha

‘Nós e você. Já são dois gritando’.

6.4 Dia Internacional contra a Corrupção

Comemorando o Dia Internacional contra a Corrupção, a Folha de

S. Paulo, em 10 de dezembro de 2009, publicou reportagem de autoria da

jornalista Simone Iglesias, da Sucursal Brasília, com o seguinte texto:

Page 131: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

122

‘Corrupção pode estar dentro da casa, diz Lula

Presidente compara crime à situação de um pai que não

percebe que ‘o filho está queimando um baseadinho no

quarto’

Sem mencionar mensalão do DEM, Lula diz que governos

precisam de ‘check-up’ anual para identificar políticos

corruptos com ‘cara de anjo’.

Ao anunciar ontem o envio de projeto ao Congresso

que endurece os flagrantes de corrupção, o presidente Lula afirmou

que esse tipo de crime às vezes acontece dentro de casa sem que se

perceba.

‘A corrupção é como uma droga (...) Às vezes, o filho

está queimando um ‘baseadinho’ no quarto, e ele [pai] não sabe. A

corrupção é assim. Às vezes ela está dentro da tua casa, ela está na

tua porta e você não sabe.’

Há quatro anos, o presidente enfrentou denúncias de

que seu governo pagava mensalão a deputados em troca de apoio em

votações. Lula disse na época que não sabia do esquema.

‘Eu prefiro que saia manchete para a gente poder

investigar, do que não sair nada e a gente continuar sendo roubado e

continuar não sabendo o que está acontecendo’, disse.

Em nenhum momento no evento contra a corrupção,

Lula mencionou o escândalo do mensalão do DEM no Distrito Federal.

Lula afirmou que, ao apresentar a proposta, o governo

está agindo para combater a ‘safadeza’ com o dinheiro público e

defendeu rigor nas punições, principalmente as que atinjam o ‘alto

clero’.

‘Um cara que rouba um pãozinho vai preso e um cara

que rouba R$ 1 bilhão não vai preso (...) Se não aumentarmos a

punição para essa gente, vamos continuar enchendo as cadeias de

pobres’, declarou.

Lula criticou a existência dos paraísos fiscais, disse que

o Brasil é um dos países que mais têm instituições de combate à

corrupção e afirmou que levará o seu projeto à próxima reunião do

G20 (grupo das maiores economias do mundo).

Segundo o presidente, a administração pública deve

fazer um ‘check-up’ anual para tentar identificar ações de corrupção,

Page 132: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

123

já que muitos que a praticam têm ‘cara de anjo’ e não dão sinais de

que estão desviando recursos públicos.

O ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge

Hage, que organizou o evento pelo Dia Internacional Contra a

Corrupção, apresentou vídeos com 25 depoimentos de pessoas

exaltando o trabalho da Controladoria, desde servidores a

funcionários da ONU e o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz

Fernando Corrêa.’

Ao lado dessa mesma reportagem, há a seguinte explicação:

‘[+] saiba mais

Projeto prevê que prática seja crime hediondo

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O projeto de lei que o governo encaminha hoje ao

Congresso endurece as penalidades para crimes de corrupção

cometidos por políticos e os diferencia legalmente de servidores

públicos. Como passará por Câmara e Senado, é provável que o texto

seja abrandado.

Segundo o projeto, corrupção cometida por autoridades

com poder decisório e ocupantes de cargos elegíveis passa a ser

crime hediondo, portanto inafiançável, e abre possibilidade para

prisão temporária de até 60 dias. Hoje, o prazo previsto para prisão é

de cinco a dez dias. O projeto amplia para 30 a 60 dias.

O projeto amplia as penas de crimes de corrupção ativa

e passiva, peculato (uso de cargo público em benefício próprio), hoje

de dois a 12 anos, e concussão (extorsão praticada por funcionário

público), hoje de dois a oito anos, para oito a 16 anos.

Estão entre as altas autoridades abrangidas pela

proposta presidente, vice-presidente, ministros, governadores,

prefeitos, secretários estaduais e municipais, vereadores, deputados,

senadores, presidentes e diretores de estatais, juízes,

desembargadores, promotores de Justiça, comandantes das Forças

Armadas, conselheiros e membros do Tribunal de Contas da União e

dos tribunais de contas dos Estados.[...]’

Page 133: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

124

A reportagem é encerrada assim:

‘[...] ‘O corrupto é o cara que tem a cara mais de anjo,

é aquele cara que mais fala contra a corrupção, é aquele cara que

mais denuncia, porque ele acha que ele não vai ser pego’. LULA.’

6.5 Resposta à corrupção em várias partes do mundo

O jornalista Ari Cunha, em sua coluna VISTO, LIDO E OUVIDO,

publicada no Correio Braziliense em 25 de abril de 2010, descreve a reação de

cidadãos em partes de nosso planeta diante da

‘CORRUPÇÃO

Nada nem ninguém protege o cidadão quando o interesse supera a

ganância humana. No caso da corrupção, nem a oposição condena

quando está com a mão na botija. No mundo a situação é a mesma.

Em países árabes, usa-se cortar a mão. Na Europa, a renúncia é

incisiva. No Japão, o acusado foi à televisão. Sem que ninguém

pudesse evitar, tirou o revólver da cinta e atirou na própria boca.

Morreu em frente às câmeras.’

6.7 Prisão de políticos corruptos em Curitiba

O Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, mostrou, na noite

do dia 7 de junho de 2010, manifestantes carregando cartazes, comemorando a

prisão, em Curitiba ― Paraná, de políticos corruptos da Assembleia Legislativa

do referido Estado, e o jornalista Ari Cunha, em sua coluna VISTO, LIDO E

OUVIDO, no Correio Braziliense de 10 de junho de 2010, assim registrou o fato:

‘Mudanças

Curitiba puxa o cordão contra políticos corruptos de assembleias

legislativas. O comando da instituição está preso. Os exemplos de

Page 134: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

125

protestos pelo país têm indicado que cabe à sociedade mostrar que

democracia não é sinônimo de roubo ou balcão de negócios. Muitas

mudanças depois do Ficha Limpa.’

CAPÍTULO VII

7. BASTA DE CORRUPÇÃO!

O livro de autoria de Daniel ― Bandeira Contra a Corrupção &

Suas Irmãs Siamesas ― já havia sido lançado em novembro de 2000. Recebeu

o autor, com data de 28 de fevereiro de 2001, carta do Dr. Fernando de

Oliveira, paulista quatrocentão, infelizmente já falecido. Ao lê-la, Daniel julgou

tão importante o seu conteúdo que correu às livrarias e delas retirou os

exemplares de seu livro. Foi à gráfica e ali pediu que fosse impressa uma

SEPARATA, nela constando a Lei nº 10.180, de 6 de novembro de 2001, ― que

Organiza e disciplina os Sistemas de Planejamento e de Orçamento Federal, de

Administração Financeira Federal, de Contabilidade Federal e de Controle

Interno do Poder Executivo Federal, e dá outras providências ― e a carta do

Dr. Fernando. Juntou-a ao livro e devolveu os exemplares às livrarias.

Deixa Daniel ao julgamento do leitor a histórica narração do Dr.

Fernando de Oliveira, que deve ser motivo de orgulho para o povo brasileiro,

especialmente para os paulistas:

‘São Paulo, 28 de fevereiro de 2001 Meu caro colega, colaborador e amigo José Daniel de Alencar

‘Há um tempo para pescar. E há um tempo

para secar as redes’

(provérbio japonês)

Page 135: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

126

Obrigado pelo exemplar de sua obra ‘Bandeira Contra a

Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’ e, em particular, pela amável

dedicatória. Registre-se um pequeno reparo: meu nome é Fernando

de Oliveira, com o genitivo de, e não como grafado na mensagem e

na página 177.

Ao me telefonar, previamente à remessa, manifestou o

prezado Autor o desejo de que eu dissesse algo acerca do trabalho.

Aquiesço prazerosamente e tentarei esmiuçar meu

pensamento a respeito do sempre momentoso tema do Controle, e

desde já pedindo escusas pela veemência com que, por vezes, me

conduzo. Nasci assim, combativo e autêntico, e, nesta quadra de

minha vida, incapaz de me amoldar a coisas em cujas entranhas sinto

o mau cheiro ou a percepção do comportamento nefasto. Sou filho de

imigrantes portugueses, que adotaram o Brasil como sua verdadeira

pátria e que, enquanto vivos, o honraram com o traço uniforme da

honestidade. Pobres, trabalhadores, foram êmulos do respeito aos

bens alheios e sem jamais se ater à circunstância de que alhures

pudesse haver uns trocados a mais. Dentro dessa perspectiva, emitirei

minhas observações, em estreita caminhada, asseguro, com as

preocupações lançadas no livro. E nisso acompanharei a lição nele

repetida, de que as palavras doces nem sempre são verdadeiras e as

palavras verdadeiras nem sempre são doces.

A ORIGEM DO TRIBUNAL DE CONTAS

A Constituição Republicana de 1891 estatuiu no art. 89:

‘É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as

contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de

serem prestadas ao Congresso. Os membros deste Tribunal serão

nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, e

somente perderão os seus lugares por sentença’.

Duas observações, de início: a) não foi criado junto ao

Poder Legislativo ou ao Judiciário, mas no próprio Ministério da

Fazenda; b) não deveria ter recebido a denominação de ‘tribunal’ e,

sim, v.g., de Conselho de Contas, Corpo Coletivo de Contas ou

qualquer denominação ou intitulação reveladora do cuidado no exame

prévio das contas a prestar.

Tribunal é entidade reservada a órgãos do Poder

Judiciário, com sua competência exercida através de juízes,

Page 136: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

127

desembargadores, ministros ― magistrados, enfim, com a função

precípua de dar interpretação final às leis. Tribunal de Contas, na

concepção brasileira, atrelado ao Poder Legislativo, é excrescência, é

aberração, seja no título, seja na subordinação.

Tanto é verdade que a Constituição de 1946, ao dispor

sobre o então TCU, o localizou no cerne do Poder Legislativo, mas,

apagadamente, na Seção VI ― Do Orçamento (arts. 73 ‘usque’ 76). Já

a Constituição de 1988 colocou o TCU de novo sob o Poder

Legislativo, porém, na Seção IX ― Da Fiscalização Contábil, Financeira

e Orçamentária (arts. 71 a 73). Se, por um lado, mal se colocou a

filiação do TCU, pior ficou a escolha de seus membros, praticamente

oriundos da Câmara dos Deputados mediante simples indicação

política a beneficiar parlamentares em fim de mandato. Não se

poderia jamais esperar que as pessoas habituadas a ‘fazer política’ e a

proferir discursos laudatórios se transformassem, de repente, como

num passe de mágica, em vigilantes do Erário. Nem precisaria ser

aqui repisada a circunstância de que a eventual escolha implicaria de

certa forma obrigar à contrapartida da gratidão, fechando um olho ou

os dois quando o padrinho ou afim viesse a cometer um deslize de

gestão. Ainda que o nomeado possuísse a têmpera do auditor

independente, muito remotamente concordaria em manietar o

falcatrueiro. Deriva desse raciocínio a absoluta conveniência de que

todos os membros da Corte de Contas deveriam ingressar pela

estreita porta do concurso público, a exemplo de igual exigência em

relação ao corpo técnico e administrativo. Os quadros auxiliares

revelam a verdadeira força motriz dos trabalhos. São esses abnegados

servidores os responsáveis pelo funcionamento da máquina do

controle externo.

Não se nos afigura adequada, decorrentemente, a

proteção corporativa exposta no parágrafo 2º do art. 73, ‘verbis’:

‘Os Ministros do TCU serão escolhidos:

I ― um terço pelo Presidente da República, com

aprovação do Senado Federal, sendo dois

alternadamente dentre auditores e membros do

Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista

tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de

antigüidade e merecimento;

Page 137: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

128

II – dois terços pelo Congresso Nacional’.

Vale dizer, os nove ministros serão escolhidos assim:

a) dois dentre auditores e titulares do Ministério

Público;

b) um de livre escolha do Chefe do Executivo; e

c) seis indicados livremente pelo Congresso (leia-se

especificamente Câmara dos Deputados)

Por que a proteção a auditores e membros do

Ministério Público? E quem nos explicará a presença acaso necessária

de promotores de justiça fora dos domínios do Poder Judiciário, os

quais, além dessa aberração teratológica, ainda concorrem ao cargo

de ministro livremente nomeado?

Disso emana a triste certeza de que os técnicos, os

assessores e os inspetores de controle externo da Casa nunca

poderão aspirar à condição de ministro. A única hipótese, nada

provável, está consubstanciada na lembrança de que sejam

lembrados, um dia, para a única vaga disponível de competência do

presidente da República ou escolhidos pelo Senado.

Os ministros do TCU, sabemos, já recebem o prato

feito, isto é, o processo examinado, depurado, instruído,

documentado e pronto para o julgamento, ao qual, à guisa de

sustentação de seu voto, acrescentam habitualmente suas

considerações pessoais.

Ainda hoje sinto saudade do eminente Ministro Iberê

Gilson, presidente do TCU na época de instalação das Inspetorias-

Gerais de Finanças, criadas pelo Decreto-Lei nº 200, de 25/02/67. Fui

o ‘pai do controle interno’, na condição de responsável pela

implantação dos órgãos central e setoriais dos Sistemas de

Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria, a cargo da

Inspetoria-Geral de Finanças do Ministério da Fazenda, no Rio de

Janeiro. Estávamos em 15 de março de 1967, início do Governo

Arthur da Costa e Silva, com o Professor Antônio Delfim Netto no

superior comando do Ministério da Fazenda. Permita-se-me revelar

que o Ministro Iberê Gilson se deslocava, em algumas sextas-feiras,

de Brasília para o Rio (sempre se referia ao Município de Vassouras,

seu torrão natal, como a coisa mais linda do mundo...), e,

Page 138: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

129

invariavelmente, vinha conversar comigo, em meu gabinete.

Sentados, lado a lado, em mangas de camisa, sem protocolo, nem

percebíamos o transcorrer das horas, tal a consistência de nossas

preocupações. Esse diálogo, sem testemunhas, era aberto, franco e

mais abordava as misérias recíprocas dos controles externo e interno

e menos as coisas boas que já começavam a assomar. Era uma prosa

de gente leal, despida de vaidades, envolta no propósito de melhorar

as coisas e de fortalecer os mecanismos de controle.

Foi por essa época que fiquei conhecendo o então

Secretário da Presidência do Tribunal, o saudoso Ivo Krebs

Montenegro, guindado, mercê de sua cultura e liderança ― além de

profundo conhecedor da máquina ― à chefia da Assessoria Técnica

do Tribunal e na qual empregou todos os instantes de sua vida na

moldagem de um figurino cristalizador da boa imagem do controle.

Sua saúde começou a cambalear após nossa despedida do serviço

público federal, em março de 1985. Fiquei sabendo, por intermédio de

amigos comuns, que viera a falecer. Esse, sim, merecia ser ministro,

mas, sua hombridade moral e técnica jamais foi merecedora do

galardão que lhe deveria coroar a invejável carreira pública. Afinal,

não era egresso da Câmara e muito menos membro da confraria do

‘toma-lá-dá-cá’. Logo que iniciávamos os trabalhos de encerramento

dos balanços-gerais da União (eufemisticamente e erradamente

chamados de Contas do Presidente da República), lá estava, firme,

assíduo, presente, nosso querido e pranteado amigo Ivo, a colher os

primeiros números e dados para o Relatório que sua assessoria

deveria elaborar.

Digo tudo isto, meu caro Daniel, com o escopo de se

não perderem de memória alguns traços delimitadores das glórias e

fracassos dos controles interno e externo. O TCU, malgrado a

presença de pouquíssimos membros voltados ao campo do

aprimoramento da eficiência, nunca mais repetiu as glórias e o

respeito que Iberê Gilson (nunca mais o vi!) e Ivo Krebs Montenegro

lhe emprestavam. Restou-me para sempre a certeza de que são os

Homens que dignificam as instituições, e não o contrário.

A TRANSCRIÇÃO DE PENSAMENTOS EMANADOS DO TCU

Sou obrigado, já a esta altura de minhas apreciações, a

discordar parcialmente dos encômios feitos por José Daniel de Alencar

Page 139: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

130

a alguns ministros. Guardo mágoa, por exemplo, de Luciano Brandão

Alves de Souza e de Fernando Gonçalves, que nada criavam ou

aperfeiçoavam, mas se deleitavam em fustigar o controle interno.

Davam a impressão de que desejavam chegar ao estrelato da glória,

nos mais altos píncaros, transformando em escadas as costelas dos

responsáveis pela controladoria interna. E que dizer da infeliz

colocação de Humberto Souto, reportada à página 116:

‘Se o governo quer fortalecer o controle, tem que

fortalecer o Tribunal, argumentou. Segundo ele, o mandato de seis

anos deixa o ministro do TCU numa situação de fragilidade. Humberto

questiona ainda a proposta de restrição à nomeação de ex-

parlamentares para ministro do Tribunal. A condição para ser

ministro, depende, não é ter sido deputado ou técnico, mas, ser

honrado e competente...’

Aí está, indisfarçada, a confraria protetora dos

interesses, às vezes até legítimos, de seus membros. Não nesta

assentada, no entanto, porque a proposta moralizadora terá

encontrado eco nas pessoas de bem e na própria opinião pública, que

não suporta a presença de tribunais condescendentes e omissos e

que mais atuam na base da leitura de escândalos divulgados pelos

jornais ou pelos televisores do que por iniciativa própria. Para

começar, há no texto uma impropriedade. ‘Competência’ é poder

hierárquico, é ser investido em comando ou chefia, como sinônimo de

determinar o que deva ser feito ou o que não deva ser feito. ‘Compete

ao chefe distribuir tarefas aos subordinados’. Creio que o Ministro

Souto pretendeu dizer, no final de sua fala, ‘honrado e capaz’.

‘Capacidade’ é o conjunto de atributos pessoais obtidos pelo estudo

ou pela prática, conducentes à boa realização de algo. Não se

confundam, portanto, os significados das palavras ‘competência’ e

‘capacidade’. Um chefe analfabeto é sempre competente. Já um

indivíduo capaz é aquele que conhece, dá conta do recado e domina

seu mister, ainda que não seja chefe. A análise do mérito da assertiva

não resiste ao bom senso, porque emanada dos confins do compadrio

e porque prega abertamente a necessidade de manter o modelo falido

que se quer modificar. Nossa fórmula anteriormente sugerida, de se

dar provimento aos cargos de ministro através de concurso público,

Page 140: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

131

encontrará sem dúvida melhor ressonância que a teimosia em

recrutar no parlamento os ‘amigos-do-rei’.

Mais adiante arrisco uma proposta merecedora, essa sim, do

respeito e da inteligência das pessoas devotadas às coisas sérias.

Chegaremos lá.

CONTROLE INTERNO/CONTROLE EXTERNO ―

CONCEITUAÇÃO

Podemos aglutinar as expressões ‘controle interno’ e

‘controle externo’ nos seguintes limites universalmente aceitos e

adotados:

a) controle interno ― é o conjunto de meios técnico-

legais capaz de manter a direção superior de um

órgão, entidade ou empresa informada a respeito

da fiel ou má execução dos programas a

desenvolver. O controle interno está, assim, voltado

para dentro do próprio organismo que o nutre e tem

a função de alertar se algo discrepa do que se

estabeleceu.

b) controle externo ― é, igualmente, o conjunto de

meios técnico-legais capaz de manter os acionistas

informados quanto à boa ou má condução dos

programas previamente estabelecidos. O controle

externo, desta maneira, está voltado para fora do

próprio organismo e se dirige às pessoas que o

sustentam.

CONTROLE INTERNO/CONTROLE EXTERNO ―

INTEGRAÇÃO

A integração controle interno/controle externo resulta

naturalmente da divisão do trabalho e se revela simples. A harmonia,

o respeito, a cooperação e a uniformidade de procedimentos

convergirão para um resultado eficaz. Quem milita na área de

auditoria sabe de cor e salteado essa premissa. Nenhum auditor

externo (ou independente) inicia sua tarefa sem o exame inicial e

indefectível dos relatórios de auditoria interna. Não é curiosidade, é

Page 141: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

132

obrigação. É preciso conhecer o que se passa dentro da empresa, da

entidade, do organismo, para verificar os pontos passíveis de

aprimoramento ou admoestação ou, em última análise, para firmar a

convicção de que as coisas caminham bem ou mal. Resulta daí a

imprescindibilidade de que sejam sepultados ciúmes ou estrelismos

dentro do corpo unificado chamado simplesmente de controle.

Controle é substantivo, é essência. Os adjetivos interno

e externo apenas qualificam a divisão de trabalho outorgada à

competência de cada um. O controle interno não é superior ao

controle externo, nem este se sobrepõe àquele: ambos são iguais,

porque idênticas suas funções.

O TCU precisa aprender a aceitar essa lição e, em

conseqüência, banir seu vezo de superioridade, de querer valorizar

suas atribuições de mero auxiliar do Poder Legislativo à custa do

aviltamento dos órgãos legalmente definidos como condutores da

Administração Financeira, da Contabilidade e da Auditoria. Não há, em

absoluto, a relação ‘rei-vassalo’, ‘patrão-empregado’ ou ‘rei-da-

cocada-preta’. O TCU é, nem mais nem menos, um dos dois pilares do

controle e, mesmo assim, sujeito às ordens e prescrições emanadas

do Congresso Nacional.

Nosso precioso e comum amigo, Cel. Nelson Barcelos

da Veiga Filho, costumava dizer, em suas apreciadas palestras sobre o

controle interno, que o nosso Sistema era uma espécie de banquinho

com três pernas, porque três eram as prerrogativas de nossa alçada.

E concluía indagando qual seria a perna mais importante, para ele

mesmo concluir que num banco trípede as pernas do controle

financeiro, da contabilidade e da auditoria se completam ao se

auxiliarem mutuamente.

CONTROLE INTERNO ― ALGUNS DEPOIMENTOS

Faltou reunir no livro ‘Bandeira Contra a Corrupção &

Suas Irmãs Siamesas’, meu prezado Autor, com a devida licença, as

manifestações e atos e fatos produzidos pelas autoridades do controle

interno no decorrer de 1967 até o presente e dentro de um universo

compreensivelmente abrangente, como corolário de igual deferência a

membros do controle externo, que tiveram generosa acolhida nas

páginas do livro. Talvez, não sei, valesse obter o depoimento de

nossos antigos colegas e os atuais, da mesma forma, para que

Page 142: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

133

pudéssemos colher e registrar os fatos dignos de menção. Aí fica a

sugestão. De minha parte, quero anotar algumas ocorrências que

jamais fugirão de minha memória, mesmo sem registro escrito.

O INCÊNDIO NA IGF―FAZENDA/RIO DE JANEIRO

Em 1968, ou 1969, houve uma grosseira falcatrua

praticada pela Diretora de Obras do Ministério da Fazenda,

Engenheira Laura, na adjudicação de serviços de engenharia. Havia

três propostas de licitantes, todas preenchidas pela mesma máquina

de escrever. Nossos auditores perceberam a mistificação e nos

mostraram o esboço do relatório que começavam a redigir,

externando certa desconfiança acerca do desfecho. Recomendei que

caminhassem com firmeza até o fim e desnudassem o crime de lesão

ao Erário, sem receio. Havia respeitável dispêndio em jogo. Era obra

de vulto. Isso foi feito. O então Secretário da Receita Federal, Antônio

Amílcar de Oliveira Lima, tentou protegê-la por via da grotesca

fórmula de ataque a quem desvenda a prática de anomalias.

Ponderei ao Ministro Delfim Netto, ao submeter-lhe o

processo, que eu não poderia continuar a pertencer a uma equipe

onde militasse uma pessoa desse jaez. Deixei o campo livre para que

ele ou eu permanecêssemos. A essa altura, o assunto já havia

transposto o âmbito do Ministério da Fazenda, tanto que a Comissão

Geral de Investigações, do Ministério da Justiça, nos requisitava cópia

do processo em causa. Avisei ao Ministro Delfim que havia recebido o

pedido e iria atendê-lo, como atendi, porque as solicitações feitas pela

CGI não se vinculavam à corrente hierárquica. Eram dirigidas às

pessoas ou autoridades que pudessem de alguma forma contribuir

para o deslinde. Foi nossa sorte. Por essa época, recebemos convite

do Vice-Reitor da Universidade Católica de Caxias do Sul ― RS, Padre

Sérgio Leonardelli, no sentido de realizarmos palestra destinada aos

acadêmicos de Ciências Contábeis, Ciências Administrativas e Ciências

Econômicas. O tema envolveria o controle interno e, em particular, o

modelo dos Decretos ns. 64135 e 64136/68, ambos de nossa modesta

autoria e que implementavam as IGFs central e setoriais junto aos

Ministérios Civis, órgãos de igual equivalência nos Ministérios Militares

e, ainda, na Presidência da República.

Chegamos lá na véspera da missão, 14 de outubro de

1970. Na parte da manhã do dia 15, recebemos um telegrama de

Page 143: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

134

nosso Secretário Homero José Lobo Jr., em que nos pedia regresso

imediato porque ‘um incêndio destruiu nossa IGF-Fazenda’. O sinistro

ocorreu na madrugada de 14 para 15 de outubro de 1970, data que

jamais esquecerei. Fiquei atônito, pasmo. Um turbilhão de

pensamentos me invadiu de assalto. Tentei voltar imediatamente ao

Rio, mas somente havia lugar em avião às 15 horas. Marquei minha

passagem na Cruzeiro do Sul e aproveitei o tempo ainda disponível

para tentar dizer algumas palavras aos acadêmicos caxienses. Foi em

vão. O Padre Leonardelli havia preparado a moçada para nos receber

com tolerância. Mal entrei no imenso auditório, uma grande salva de

palmas mostrava, à guisa de solidariedade, que ali recebia o primeiro

conforto. Foi um gesto espontâneo. Explodi, em resposta, numa crise

de choro. E aí as palmas redobraram, impedindo-me de falar. Não

obstante, consegui articular algumas palavras e, graças a Deus,

mostrar a estrutura desenhada pelo modelo do Dec.-Lei nº 200/67.

Foi uma palestra tartamudeante, em que, ao final e mesmo sem

conhecer ainda toda a extensão da tragédia, lamentava a maldade

perpetrada contra quem apenas desejava trabalhar com seriedade.

Quem o teria feito? E por quê? A resposta, óbvia, não me acudia de

pronto. Ao desembarcar no Aeroporto Santos Dumont, no centro do

Rio de Janeiro, dirigi-me imediatamente ao 9º andar do Ministério da

Fazenda, onde se localizavam nossas dependências. E aí chorei

novamente. O incêndio havia devorado meu gabinete, a sala de meus

assessores, a do Secretário Homero, o salão da Divisão de Auditoria e

o salão de reuniões, todos contíguos. Salvaram-se, com

chamuscaduras, a Divisão de Contabilidade, a Divisão de

Administração Financeira, a Seção de Mecanografia e o Serviço de

Administração. Os bombeiros chegaram a tempo de salvar essas salas

e tudo não foi consumido pelo fogo por obra da sorte. Mas a água

que jorrava das mangueiras era tanta que até o gabinete do Ministro

Delfim Netto, no 8º andar, cuja localização correspondia à mesma

prumada nossa, foi seriamente afetado. Foi um dilúvio.

As desgraças, entretanto, têm o condão de revelar o

lado bom das coisas. E esse lado benfazejo veio dos dirigentes e

amigos do Departamento Federal de Compras, que nos cederam suas

melhores salas para que pudéssemos trabalhar. E isso demorou mais

de seis meses, quando, após as obras de recuperação, pudemos

retornar ao 9º andar, na mesma sala onde se via o Pão-de-Açúcar,

com sua misteriosa águia esculpida (quem a desenhou ali?), e a ponte

Page 144: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

135

Rio―Niterói, a cuja construção assistimos desde o início, por volta de

1969, se não me engano.

Não se consumou o efeito desejado pelos incendiários, de

queimar todos os processos em andamento na Divisão de Auditoria.

Embora os originais se perdessem, foi possível recompor a maioria

deles, paciente e paulatinamente. E o processo que cuidou da dupla

Laura/Amílcar foi refeito sem qualquer dificuldade, porque fomos

pessoalmente à CGI pedir cópia da cópia que lhe havíamos fornecido.

Tivemos notícia, à época, de que a Engenheira Laura fora

aconselhada a pedir aposentadoria e assim se livrar do processo

administrativo. Quanto ao Sr. Antonio Amílcar, acabou sendo

exonerado do cargo de Secretário da Receita Federal e,

decorrentemente, desligado da Equipe Delfim Netto.

A SOCIEDADE ETILISTA DE BRASÍLIA

Outro episódio a merecer comentário é o do famoso

caso que ficou conhecido como a ‘farra do uísque’ ou a ‘adega do

poder’. A Secretaria da Receita Federal, dirigida pelo Sr. Francisco

Neves Dornelles, houve por bem presentear altas autoridades em

Brasília com bebidas apreendidas em contrabando. A lei, pelo menos

à época, impunha quatro caminhos alternativos para sanear

operações dessa natureza: a) destruição; b) doação a entidades de

benemerência; c) venda em hasta pública; e, d) devolução à origem.

Nossos auditores fisgaram a irregularidade e a trouxeram, com as

provas, a nosso conhecimento. Como sempre, recomendei-lhes

prosseguissem com seu trabalho, que, concluído, foi, como de praxe,

submetido ao Gabinete do Ministro Delfim, já na SEPLAN/PR, para sua

habitual manifestação, antes do encaminhamento ao TCU. Isso foi por

volta de 1983. O processo, contudo, estava demorando a retornar, e

aí pensei nas dificuldades e no estremecimento que nosso Chefe iria

sentir por parte das autoridades contempladas. Pensei, então, numa

engenhosa fórmula capaz de resolver o impasse. Fui pessoalmente ao

Tribunal de Contas da União e, em conversa reservada com seu

presidente, expus o dilema. Ficou combinado entre nós ― sem

testemunhas, claro ― que montaríamos um estratagema: o Tribunal

me chamara para esclarecer as doações de bebidas, porque os

rumores ‘chegavam ali’ e eu diria ao Ministro Delfim que fui

convocado para fornecer esclarecimentos. Assentada essa estratégia,

Page 145: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

136

combinamos um telefonema para o dia seguinte e, por isso, nada falei

ao Ministro Delfim. Recebi de fato um telefonema, no dia seguinte, do

próprio presidente do TCU, pedindo-me que lá voltasse. Fui e fiquei

estarrecido com as explicações recebidas. As caixas de madeira onde

a bebida (uísque, principalmente) é embalada não podem apresentar

avarias, como amassamento ou esmagaduras, porque seriam

recusadas no leilão... E foi o próprio Sr. Dornelles quem forneceu essa

desculpa esfarrapada, após ser alertado pelo TCU. Senti-me

abandonado, sozinho, traído. É como se alguém deixasse de comprar

um par de sapatos de cromo alemão apenas porque houvesse

algumas escoriações na caixa de papelão. Deixei o TCU e sua

monumentalidade escancaradamente falida, depois de perguntar ao

meu interlocutor, sem resposta, se acreditava na versão de que o

invólucro era mais importante do que o conteúdo.

Para mim, as atitudes vaidosas e entufadas se

esboroavam naquele episódio, em que o decantado controle externo

lançou mão de desculpa esfarrapada para tentar subverter a verdade.

Na hora crucial de cumprir o dever, o habitual urro do leão se

transfigurou no tênue miado do gatinho de estimação. E dizer-se que

um de seus ministros chegou até a asseverar que o controle interno

era um cabrito que tomava conta da horta, julgando-nos incapazes de

punir os faltosos. Pelo menos no episódio do uísque deixamos o

controle externo menos arrogante, menos falador, menos discurseiro.

No momento em que sua propalada vigilância era posta à prova, fugiu

da raia. E, pior: foi buscar no próprio acusado a desculpa para

justificar o injustificável.

E é bom recordar, por oportuno, que o Sr. Francisco Neves

Dornelles era o titular do Ministério da Fazenda no Governo Tancredo

de Almeida Neves, que inobstante, não chegou a assumir o Poder, em

virtude de sua morte. Foi o Sr. José Sarney, Vice-Presidente eleito,

quem permitiu a Dornelles o desmoronamento do Decreto nº

84.362/79. O Decreto nº 91.150, de 15 de março de 1985, acabou

com o sonho da SECIN. Durou pouco o poder do Sr. Francisco

Dornelles, mas o suficiente para destruir nosso modelo de controle

interno e inclusive devolvendo os auditores aos Ministérios de origem,

para que lá obedecessem, hierarquicamente, às ordens recebidas.

Toda a concepção de independência, todo o entusiasmo da

centralização auditorial foi por água abaixo. Até o edifício-sede da

SECIN, denominado INTERCON, até hoje está em ruínas, fisicamente.

Page 146: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

137

Abandonado, rachado, sem ocupação, é o atestado irrecorrível de que

a certeza de sua progressiva destruição encontra correspondência no

procedimento destruidor aplicado à auditoria.

A ELIMINAÇÃO DOS CENTAVOS

O período de janeiro de 1980 a 15 de março de 1985

nos proporcionou alguns êxitos, todos creditados ao espírito de

conjunto de nossas equipes. A eliminação dos centavos no resultado

final dos cálculos, que representavam naquela época dois dígitos

inexpressivos, veio a desafogar nossas máquinas calculadoras por

força da exigência de somente 11 dígitos (99.999.999.999) em lugar

dos treze algarismos anteriores (99.999.999.999,99). Como sempre,

no entanto, os analistas apressados acoimavam de absurda e

prejudicial a medida que mandávamos cumprir, argüindo com a

‘ilegalidade’ ou o ‘prejuízo’ futuro. Lembre-se o caso do Departamento

de Águas do Ceará, que não admitia a perda dos centavos porque

eles faziam parte do cálculo formador do preço unitário do produto.

Redargüí com a leitura de nossa Instrução Normativa, onde se

estabelecia que o abandono dos quebrados se verificava ‘no resultado

final dos cálculos’. Se o m3 de água estivesse tarifado, digamos, em

1,333, e o consumo mensal fosse ficticiamente de 17 m3, o cálculo

seria, pela sistemática antiga, de 22,661. Entretanto, o final de conta

passaria a ser de 22, pela nova conduta. Mais: nada obrigaria a

perder os centavos mensalmente desprezados. Bastaria acumulá-los

ao longo do ano e capturá-los na última conta (dezembro). Se o valor

mensal fosse homogêneo, a perda anual aparente seria de 12 x 0,661

= 7,932. O número inteiro se incorporaria à conta de dezembro e a

fração de 0,932 seria acumulada (e não perdida) nas operações do

ano seguinte. Simples, como se vê. Por oportuno, e em abono de

nosso procedimento naquela época, cabe agora registrar, para nossa

imensa satisfação, que o INSS acaba de autorizar, a partir dos

pagamentos a aposentados e pensionistas referentes a janeiro de

2001, o arredondamento, para maior, de todos os centavos existentes

(por exemplo, de R$ 4.734,02 para R$ 4.735,00). Decidiu,

coerentemente, que os centavos assim levados à unidade de reais

serão descontados no último pagamento do ano. A conta-corrente

assim definida melhora os procedimentos do beneficiário (que não

mais necessita portar trocadinhos para favorecer o caixa-pagador), o

Page 147: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

138

estabelecimento bancário, pela economia de moedas divisionárias, e o

próprio INSS, que se torna credor do agradecimento de todos em face

da simples e benéfica idéia ― e sem perder nada.

ATUALIZAÇÃO DE VALORES PATRIMONIAIS

O controle interno foi, ademais, o propulsor de

atualização dos valores patrimoniais inseridos nos balanços da União.

A adesão unânime de todas as áreas setoriais foi o vigoroso remo que

impulsionou o barco então paralisado. Referimo-nos à urgente

necessidade de ajustar os números da escrituração patrimonial, o que

foi feito com invulgar interesse e entusiasmo. A incorporação de itens

novos, assim como a desincorporação de outros, por obsolescência ou

outros motivos, permitiram mostrar um conjunto mais representativo

ao espelhar, como espelhou, um universo mais vizinho da realidade.

Não foi tarefa fácil. Ficam aqui os agradecimentos a todos quantos

laboraram na faina comum. Os trabalhos foram fundamentalmente

desenvolvidos, é claro, dentro dos próprios Ministérios e órgãos, pelas

próprias equipes de gestores e controladores, com o fito de chegar a

resultados mais animadores do que os conhecidos. Os lançamentos

contábeis, na época, de ‘insubsistências ativas’, ‘insubsistências

passivas’, ‘superveniências ativas’ e ‘superveniências passivas’

captaram os fatos administrativos ligados à atualização. A tarefa,

contudo, não deve parar aí. Há que fazer levantamentos periódicos e

contrastá-los com as posições contábeis. O exemplo típico pode advir

das fazendas experimentais da agricultura, onde nascem e morrem

animais sem registro patrimonial. Ou, também, dos estabelecimentos

penais, onde se adquire linha, pano, palha, madeira e uma enorme

variedade de insumos ligados à produção de bens, inclusive

permanentes. Assim se exercita a laborterapia e se proporciona a

redução da pena imposta a sentenciados, além de proporcionar

ganhos financeiros compartilhados entre os artífices e seus familiares.

No entanto, surgem desse labor colchões, vassouras, cadeiras, camas,

tapetes, mesas e uma infinidade de produtos, sem controle contábil,

muitas vezes. É claro que nos referimos aos bens permanentes,

cadastráveis, e não aos de consumo. E é evidente, outrossim, nossa

intenção de melhorar os procedimentos, gradativamente, porque,

segundo dizia Iberê Gilson, ‘onde houver dinheiro público aí estará o

dedo do controle’.

Page 148: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

139

FUNDOS DE NATUREZA CONTÁBIL

Originários da permissão contida na Lei nº 2.416, de

16/06/40, mais tarde substituída pela Lei nº 4320, de 17/03/64, os

fundos de natureza contábil captavam recursos não incluídos como

despesa no Orçamento Geral da União e não lhe agregavam as

receitas auferidas. Eram uma espécie de feudo, onde o suserano

arrecadava e gastava sem prestar contas aos súditos. Ora, a

expressão ‘contábil’, que os acompanhava, supunha haver uma

contabilização desses recursos. Não, não havia balancetes mensais

nem demonstrativos de saldos anteriores, receitas arrecadadas,

despesas realizadas e saldos para o período seguinte. O fato de serem

‘contábeis’ foi nossa justificativa para obrigar seus gestores a

apresentar seus demonstrativos contábeis para centralizá-los na

escrita geral da União, a nosso cargo. Foi uma epopéia, porque

ninguém estava acostumado a fazê-lo. E, quase sempre em nome do

suposto sigilo das operações, tentavam torpedear a medida racional

que determinávamos fosse posta em prática.

De nada valeu o argumento, e os balancetes dos

fundos contábeis fluíram normalmente e os balanços-gerais da União

puderam espelhar os números das operações até então ausentes. Era,

na prática, a extinção do Caixa 2.

UM PALESTRANTE FRUSTRADO

Em 1978, em Porto Alegre ― RS, a convite de meu

amigo e companheiro ímpar de tantas jornadas, Dr. Antonio Alves de

Oliveira Neto, então titular da Secretaria de Orçamento e Finanças ―

SOF, da SEPLAN/PR, pretendi fazer uma palestra, na sede da SOGIPA,

a seminaristas de orçamento público. Eram umas quinhentas pessoas

reunidas em auditório respeitoso. Cheguei antes, como de habito, e

pude assistir à palestra do Sr. Reinhold Stephanes, então presidente

do INSS e antigo Inspetor-Geral de Finanças do Ministério da Saúde,

sob o império do Decreto nº 64.136/69. Fiquei revoltado com a

anarquia orçamentária que ele pregava. Se não houvesse, por

exemplo, dotação suficiente à aquisição de medicamentos ou

esparadrapo, ele propugnava a utilização de qualquer outro recurso

orçamentário, por mais inadequado que fosse, para amparar a

despesa. Essa tese representava a anarquia do orçamento-programa,

Page 149: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

140

seus desdobramentos e classificações. O pior é que o auditório

prorrompeu em palmas, a convalidar a absurda apelação. Senti-me

chocado e enviei um bilhete à Mesa, protestando contra a infeliz idéia

e lembrando ao orador nossa militância, ele na Saúde e eu no Órgão-

Central, Fazenda. Entretanto, ao que parece, a Mesa não fez chegar

meu protesto ao destrambelhado palestrante, anos depois guindado à

titularidade de um Ministério.

Ao chegar nossa vez de falar, como de hábito, sobre o

controle interno do qual havíamos nos despedido em 1972, tivemos

amável silêncio por parte dos presentes. De repente, porém, os alto-

falantes do corredor adjacente começavam a avisar que ‘a excursão

para Montevidéu está prestes a sair, e os inscritos devem tomar

assento imediato no ônibus’. A locução foi repetida umas quatro ou

cinco vezes, seguidamente. Foi o caos, a desordem. Os ‘turistas’

começaram a se levantar, a se acotovelar, a querer sair de qualquer

maneira e, a essa altura, já criando o ambiente desrespeitoso aos

colegas que permaneciam sentados e ao modesto palestrante, que

ingenuamente supunha estar alguém interessado em ouvi-lo. Está

claro que tivemos de encerrar abruptamente nossa palestra através

do artifício de que ‘não há clima, a partir de agora, para prosseguir

em nossa explanação’.

O DEPARTAMENTO DE IMPRENSA NACIONAL

Lá pelos anos 82, o Departamento de Imprensa

Nacional emitiu uma circular comunicando a todos os órgãos federais

que se achava em condições operacionais de fornecer, além do Diário

Oficial, impressos de uso comum, tais como notas de empenho,

ordens de pagamento, papel para escritório, envelopes e muitos

outros formulários usados nas repartições. Éramos o titular da

SECIN/SEPLAN/PR, e nos apercebemos da sensível economia que se

obteria se todos passassem a comprar do DIN. Sua Diretora-Geral, Sra

Dinorah Moraes Ferreira, havia feito curso de artes gráficas na

Alemanha e mandava confeccionar nas máquinas da Imprensa

Nacional os balanços-gerais da União, os relatórios administrativos e

técnicos e as capas com que se encadernavam essas peças. Emitimos,

em face desse comunicado, uma recomendação a todos os órgãos

setoriais de nosso Sistema e, também, aos responsáveis pelas

diferentes áreas da própria SEPLAN/PR, inclusive o Departamento de

Page 150: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

141

Administração. Alertávamos para a sensível economia que todos

poderiam obter se comprassem daquele órgão, diretamente, todos os

artigos de escritório de que necessitassem, com a vantagem adicional

de que não se fazia necessário o processo licitatório. Foi, de novo, um

‘ai-jesus’. Estávamos redondamente enganados ao pensar que alguém

estivesse motivado a poupar recursos orçamentários. Os que estavam

habituados a comprar nas papelarias e gráficas particulares foram os

primeiros a profligar a medida, de resto moralizadora, porque, a partir

desse momento, cessariam os afagos dos antigos fornecedores.

Uns dias após a emissão de nossa Circular, recebemos

grosseiro ataque do jornal O Estado de S. Paulo, que, em editorial,

nos açoitava em nome da livre iniciativa por nós agredida e que

passaria a perder suculento naco de seu faturamento. Concluía o

libelo pedindo às autoridades superiores que determinassem a

extinção da nefanda e execrável medida protetora dos cofres públicos.

Nesse mesmo dia, encaminhamos àquele periódico nossa resposta,

respaldada no simples argumento da economicidade adjacente. Na

verdade, o Estadão não estava defendendo a iniciativa privada, da

qual fazia parte, mas seus próprios interesses, já que mantinha ao

lado do jornal um parque gráfico produtor, por exemplo, das listas (ou

catálogos) telefônicas, sob a sigla OESP. Não foi o patriotismo nem

tampouco a defesa dissimulada de supostas agressões ao conjunto

empresarial. Foi a defesa em causa própria, a defesa do próprio bolso.

Entretanto, e apesar da gritaria, as encomendas de impressos

passaram a percutir o Depto. de Imprensa Nacional, vinculada ao

Ministério da Justiça. Houve economia, não apenas de recursos

orçamentários senão, em particular, de intimidade ou duvidoso

relacionamento entre compradores e fornecedores. Ainda hoje, se lá

estivesse, repetiria a dose. É muito salutar, e mais ainda no serviço

público, não ter o ‘rabo preso’, como se diz à boca miúda. Colocava-

me por vezes na pele de Dom Quixote, a enfrentar o poderoso

exército dos maus gestores do dinheiro público.

CONGRESSOS, SIMPÓSIOS E...TURISMO

Depois do desagradável episódio de Porto Alegre, em

que narrei a debandada dos seminaristas de orçamento rumo ao

ônibus com destino ao Uruguai, restou-me a convicção de que

trabalho e turismo não se coadunam, ao menos concomitantemente.

Page 151: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

142

E aconselho a todos que prefiram o turismo, o passeio de barco e a

água de coco geladinha, ou o bom vinho das serras gaúchas, em

lugar da monotonia da palestra fastidiosa e cansativa. Nada de

inscrições, pranchetas, monografias, apostilas, canetas e crachás.

Talvez uma fascinante viagem incluindo visita a pagodes asiáticos e

faustosos banquetes fosse o bálsamo e o refrigério para quem é

obrigado, sempre contra a vontade, a receber a claridade dos

holofotes e a presença de uns dez microfones. Velejar por Angra dos

Reis, por exemplo, se possível com o apoio de alguém que patrulhe o

mar e o torne exclusivo para nosso passeio, é outra sugestão para

atenuar os aborrecimentos de quem é obrigado a visitar países de

outros continentes. Nada de trabalho. No entanto, é necessário o

disfarce, para efeito popular, de que isso não é passeio turístico, e

apenas uma enfadonha obrigação ligada ao árduo trabalho.

Não sei por que razão o humano Presidente João

Baptista de Oliveira Figueiredo não usufruía tais benefícios, ou

melhor, não se adaptava a reuniões de trabalho no exterior. Ele era,

todavia, autêntico. Preferia a companhia de seus cavalos, que nada

lhe pediam além de milho e alfafa e muito menos o incomodavam

com os conchavos da suposta governabilidade. Como diria um

folclórico presidente do clube Corinthians Paulista, os animais são

mais humanos que as pessoas.

O PROJETO VERAMA

Tive oportunidade, quando me tornei Inspetor-Geral de

Finanças do Ministério da Agricultura, a partir de 15 de março de

1979, em Brasília-DF, de conhecer, em caráter reservado, o trabalho

‘Projeto Verama’. Eu já sabia que o modelo das IGFs estava a carecer

de reforma substancial, que lhe devolvesse a autoridade e os meios

para fazer ressurgir o controle interno e arrancá-lo do marasmo a que

pouco a pouco era condenado. Colegas antigos, a esta altura todos

sediados na Capital Federal, nos reportavam sua decepção em face do

visível enfraquecimento. Esboroava-se o sonho dos reformistas de

1967, que preconizavam um controle sistêmico e de fato atuante.

Lembrei-me de que a área de auditoria, em vez de

respeitada, era achincalhada. É fácil o raciocínio: se os dirigentes da

Casa são escolhidos pelo mesmo ministro que escolhe o IGF, a

convivência entre ambos, controladores e controlados, passa a entrar

Page 152: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

143

em crise, a sofrer desgaste, quando o relatório não produz encômios,

mas vergastadas. E aí meu pensamento retornou aos anos 70, em

que um incêndio destruiu nossas instalações, no Rio, mas nunca os

nossos ideais.

Uma das premissas do Verama advogava a presença da

auditoria no mais alto escalão do Executivo, sob a direta autoridade

do presidente da República, para que nenhuma injunção se

interpusesse aos resultados colhidos pelos auditores. Esse era o

cerne, o âmago, o centro do estudo. E nós, que sempre pregávamos

a auditoria imune a pressões políticas, de compadrio ou de amizades

pessoais, nos rendemos à evidência de que o caminho adequado era

esse, direto, sem esconsos nem trilhas a toldar a caminhada. Depois

da leitura do trabalho, pude me reunir com a maior parte da equipe

que o produziu. Acabei aderindo à idéia ― quem não o faria? ― de

que a centralização da auditoria na Presidência da República era

imposição natural.

Cinco meses depois, em agosto/79, passei a ser o

Inspetor-Geral de Finanças da Secretaria de Planejamento da

Presidência da República ― SEPLAN/PR, acompanhando de novo o

Ministro Delfim Netto, já agora como titular daquela pasta.

Nunca nos habituamos à prática de repentes.

Preferimos, sempre, o amadurecimento natural das idéias, de molde a

testar a presença de aspectos negativos e positivos inerentes a

qualquer inovação.

Não levei a idéia do Verama a meu chefe, de inopinado.

Lembrei-me, em minhas elucubrações, da viagem oficial que fiz aos

Estados Unidos da América, sob os auspícios da USAID, em

novembro/67, na qualidade de titular da IGF ― Fazenda. Aprendi que

o Bureau of Budget (Escritório de Orçamento, em tradução livre)

mantinha a figura do comptroller, controlador supremo dos dispêndios

federais. Essa autoridade, com poderes ilimitados em sua esfera de

ação, era nomeada pelo prazo de 10 anos consecutivos, sem

recondução, para fiscalizar o Executivo, embora oriundo do Congresso

que havia aprovado o Orçamento. Não poderia ser afastada ou

substituída em qualquer hipótese. Daí o natural comentário de nossos

interlocutores de que, ‘se esse homem for mal escolhido, a

Administração terá de suportá-lo por todo esse tempo’. ‘Mas, se for o

bem, será uma pena vê-lo sair ao fim do mandato’. É isso,

precisamente isso. Em outros países, teoricamente, poderia haver até

Page 153: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

144

laudos atestando a insanidade do controlador com o fito de alijá-lo.

Tivemos a alegria de conhecer o comptroller. Era um homem

relativamente idoso e nos dizia, em tom sério, que iria brevemente

pagar uma promessa feita à esposa, de que estava na hora de chegar

a hora de largar tudo e ir pescar. Creio que o merecia, segundo as

carinhosas referências de seus comandados.

Já na SEPLAN/PR, como falei, procurei depois de algum

tempo de reflexão o Professor Delfim, a fim de motivá-lo a ajudar a

mudar as coisas. Disse-lhe das idéias do Verama, em essencial das

que propunham a centralização da auditoria interna no âmago da

Presidência da República. Seria a redenção, a volta aos pressupostos

do respeito e a certeza de que ninguém se atreveria a praticar atos

mesquinhos, corporativos ou de fuga aos preceitos da higidez

administrativa. Inteligente, arguto, o Ministro Delfim Netto percebeu o

alcance da idéia, à qual aderiu, mas com uma ressalva: a Auditoria

deveria ficar por enquanto circunscrita ao âmbito da SEPLAN,

centralizadamente. O raciocínio era perfeito. Afinal, a SEPLAN estava

diretamente subordinada à Presidência da República.

Era a primeira vitória, sem dúvida. A reformulação

começava a ganhar corpo, dentro do espírito de agregação de forças

numa só repartição.

Com o sinal verde posto nesses termos, pudemos

estabelecer a estratégia, em que pesou por igual a contraposição que

a IGF ― Fazenda, então Órgão Central, provavelmente adotaria. Foi

constituída, sob nossa presidência, uma comissão interministerial de

alto nível, formada pelos mais destacados lideres do controle interno,

para debater as propostas e colocá-las no papel. Das reuniões,

bissemanais, emergiam convergências e discrepâncias, todas

respeitáveis e, sempre que possível, consideradas nas minutas que se

sucediam. Muitos titulares de IGFs não oficialmente representados

apareciam de quando em vez para acompanhar as linhas do contorno

esboçado. E nos davam sua opinião sobre o futuro modelo

precolocado em nossas reuniões.

Havia, no entanto, quem procurasse revelar seus

propósitos meramente pessoais, como o fez o titular da IGF ― Minas

e Energia, Francisco das Chagas Mariano, que comparecia a todas as

reuniões não para conhecer os alinhavos que íamos tecendo, mas,

sobretudo, para saber qual seria o valor... do DAS no futuro modelo.

E, pior, não se mostrava reservado ao fazê-lo. O importante era

Page 154: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

145

adivinhar quanto receberíamos por um trabalho que nem estava

concluído. Esse tipo de reflexão não pode prevalecer.

Aos poucos foi emergindo a redação final e, com ela, a

inconformidade da IGF ― Fazenda ante a perda do poder central.

Pronto o trabalho, que propunha a transferência dos poderes da IGF

― Fazenda para a SEPLAN/PR, e nela instalava o Sistema de Auditoria

centralizado, demos por finda nossa colaboração. O Ministro Delfim

Netto levou o projeto de decreto, com a devida justificativa, ao

Presidente Figueiredo, que o despachou, para exame, ao Gabinete da

Casa Civil, dirigido pelo inesquecível General Golbery do Couto e Silva,

por sinal, o criador do Serviço Nacional de Informações ― SNI, extinto

no Governo Collor. O exame gramatical da peça ficou, como de

hábito, a cargo do excelente Professor Carvalho, lotado na Casa Civil e

profundo conhecedor da língua portuguesa, de redação e de técnica

legislativa. Foi nosso primeiro contato pessoal, em que nosso trabalho

foi acolhido, sem qualquer observação, por quem sabia fazê-lo. Bons

tempos, aqueles.

Vencida essa etapa, faltava o exame do mérito, da

conveniência e da oportunidade de se produzir um novo desenho

representativo do controle interno. Aí começou o drama. Fomos

convocados pelo Gal. Golbery, que chamou também o meu prezado

amigo de tantas jornadas, o leal Antonio Alves de Oliveira Netto,

investido no comando dos Sistemas, ante sua titularidade no cargo de

IGF ― Fazenda. Para nossa sorte, foi igualmente convocado (ou pediu

para ser convocado, não sei) o Sr. Márcio Fortes, Secretário-Geral da

Pasta da Fazenda e que, com a palavra inicial, foi logo fulminando o

novo modelo, mais para não perder a liderança das IGFs e menos

para reconhecer, malgrado o esforço da maioria dos integrantes do

controle interno, que o instrumento em vigor estava falido, acuado e

desmoralizado. Ninguém dispunha de força suficiente para coibir a

prática de má-gestão de dinheiros, valores e outros bens públicos.

Aparteei-o seguidas vezes, diante do Gal. Golbery,

quanto aos aspectos legislativos que pretendia questionar. Houve um

instante em que o Sr. Fortes, perdendo a calma, alegou que eu não o

deixava falar. Respondi que, enquanto não se cingisse estritamente

aos ditames legais ― que não por acaso eu conhecia muito bem ― eu

continuaria a aparteá-lo, até que chegasse minha vez de falar.

Produzi, em seqüência, um relatório verbal e sucinto acerca dos

modelos anterior e proposto, com a culminância de tentar a realização

Page 155: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

146

de um trabalho de verdade, sério, e não para transformar o controle

interno num faz-de-conta. Fez-se silêncio. Aguardava-se a palavra de

quem nos convocara. Veio então a decisão, memorável, mais ou

menos com estas palavras: ‘O controle interno, do jeito que está hoje,

não funciona. Vamos experimentar o novo modelo proposto. Se não

funcionar, paciência, mas não custa tentar’. Esse texto, citado de

memória, foi um endosso, um aval, um crédito de confiança e, ainda

mais que isso, a esperança do Governo João Baptista de Oliveira

Figueiredo na colheita de resultados mais animadores que as safras

da época não logravam conseguir.

Saí dali em disparada, rumo ao gabinete do Professor

Delfim, para transmitir-lhe a notícia, em primeira mão, antes que

outrem o fizesse. Essa é a gênese, por inteiro, do Decreto nº 84.362,

de 31/12/79, publicado no mesmo dia e que circulou em 04/01/80.

O destino me faria pai, pela segunda vez, do controle interno. A

primeira, como disse, em 1967, ao instalar o conjunto IGFs. Eu

chamava as IGFs setoriais de ‘minhas meninas’, tal o amor com que

me lancei à tarefa de torná-las exemplares e responsáveis. Aos 13

anos de idade, o Decreto nº 84.362/79 as fez renascer sob o novo

nome de Secretarias de Controle Interno ― CISETs e nova roupagem

de atribuições. A IGF ― Fazenda, a seu turno, depois da devoção de

Arthur Pereira, que nos sucedeu, e, mais tarde, de Antônio Alves de

Oliveira Netto, que igualmente a engrandeceu, viu sua competência

adjudicada à Secretaria Central de Controle Interno ― SECIN, da qual

fomos o primeiro titular, mercê da renovada confiança do Ministro

Antonio Delfim Netto, que nos indicou ao Chefe do Executivo.

Deus sabe das dificuldades que se nos antolharam, da

guerra surda, ostensiva ou disfarçada que nossos antigos

colaboradores e auxiliares declaravam contra seu antigo chefe. O

poder embriaga, tolda a visão e veste de ridículo os que raciocinam

em função de seu ego. Havia, na verdade, tão-somente o supremo e

legítimo dever do País no sentido de prover de condições mínimas de

funcionalidade a regência das relações entre controlados e

controladores. Não me recordo de haver recebido sequer um

telefonema ou visita de ministros do TCU sobre a hercúlea missão

posta diante de nós. Seria até despiciendo supor descessem do alto

de sua majestade para render homenagem ao titular da SECIN. Pena

é que lá não estivesse essa criatura boníssima e simples, Iberê Gilson,

que não telefonaria, mas viria a nosso encontro, em mangas-de-

Page 156: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

147

camisa, como nos velhos tempos do Rio de Janeiro, para cingir-nos

com seu abraço de fraterna amizade. Nunca mais o vi. As brumas do

tempo não me favoreceram com a continuidade do convívio

reconfortante, respeitoso e bom.

O ARCABOUÇO DA SECIN

Faz-se necessário esclarecer que o Ministro Delfim

Netto nos proporcionou a independência necessária ao preenchimento

dos cargos, tal como já o fizera na montagem do Sistema IGFs. Isso

nos permitiu convocar estritamente os melhores profissionais dos

quadros técnicos dos diferentes Ministérios. Nenhuma interferência

política e nenhuma relação de amizade prevaleceu. A avaliação do

mérito se deveu estritamente ao currículo de cada um. Como

conseqüência, os delegados regionais de contabilidade e finanças em

cada capital de Estado foram empossados graças a seus méritos. A

maioria deles me era pessoalmente desconhecida. Lembro-me até de

haver telefonado ao Sr. César Augusto Incot, para informá-lo de que

seu padrinho político o havia feito delegado da SECIN no Estado do

Paraná (Curitiba). ‘Como? ― estranhava ―, eu não tenho padrinho

político’. ‘Tem, sim, redargüimos nós. É o seu currículo!’ No dia da

posse, coletiva, lá estavam todos, homens e mulheres, a se identificar

mutuamente e eu, no meio deles, a tentar descobrir quem era fulano,

beltrano e sicrano. Foi uma decisão feliz, porque todos se revelaram

capazes e atentos e nunca atrasaram a remessa dos balancetes

incorporados à centralização contábil. O digno Professor Delfim sabia

ser essa a melhor maneira de cumprir tarefas que implicavam elaborar,

em última análise, os balanços-gerais da União dentro do prazo

constitucional, até 30 de abril do exercício financeiro subseqüente.

A CONTADORIA GERAL DA REPÚBLICA

O Decreto-Lei nº 200/67, como já disse, é a gênese de

nossa existência. Ao lado da Constituição de 1967 (24/02/67), a

Administração Superior de nosso país passou a contar com um

controle orgânico e sistêmico disseminado pelas diferentes áreas

setoriais e tendo com ápice da pirâmide a IGF ― Fazenda, dita Órgão

Central. Fui, por imposição do destino, o coveiro da Contadoria Geral

da República, que tanto admirava e respeitava, e cujos assinalados

Page 157: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

148

serviços prestados ao Brasil se confundiam com a própria história que

ajudou a escrever. Como egresso da Contadoria Central do Estado de

São Paulo, colocada no organograma da Secretaria da Fazenda,

sentia-me absolutamente à vontade, em casa, para assimilar as lides

orçamentárias, a execução financeira, a escrituração pública,

financeira e patrimonial de toda a intrincada cadeia de atribuições

inserida no campo das finanças públicas. Falávamos a mesma língua,

embora os números fossem bem mais longos. Créditos especiais,

despesas extra-orçamentárias, restos a pagar, despesas de exercícios

anteriores e quejandos constituíam a base de nossa atividade,

primeiro obediente ao Dec. Lei nº 2.416 e, depois, à Lei nº 4.320, de

1964, que rege a matéria até hoje. Integrante da Equipe Delfim

Netto, fui designado Assessor-Chefe do Gabinete do Ministro, já em

março/67. Foi assim que pude conhecer a CGR e já me familiarizava

com os Assessores Jonil Rodrigues Loureiro e Marcos Vinicius Mendes

Bastos, com os quais trocava impressões a respeito da competência

da notável Instituição. O último Contador Geral da República, Dr.

Álvaro Brandão, nos recebeu amavelmente nessa fase. Disse-nos

estranhar nossa presença, porque ninguém havia até aquela data

procurado a Contadoria Geral da República para buscar informações.

Tranqüilizei-o dizendo que minhas visitas ali tinham caráter

meramente técnico, porque me considerava oficial do mesmo ofício,

ao mesmo tempo em que colhia dados para manter o Ministro Delfim

a par do andamento da execução orçamentária e financeira. Mal sabia

eu que, mais tarde, lá por volta de novembro/67, eu me tornaria, sem

querer e sem pleitear coisa nenhuma, o Inspetor-Geral de Finanças do

Ministério da Fazenda e com a responsabilidade adicional de ser o

Órgão Central dos Sistemas de Administração Financeira,

Contabilidade e Auditoria. Assim terminou a atividade da Contadoria

Geral da República, fértil, valiosa, respeitada. E a fecundidade de

Álvaro Brandão não se encerrou aí, porque foi merecidamente

guindado ao cargo de Inspetor-Geral de Finanças do Ministério do

Interior, com o advento dos Decretos nº 64.135 e nº 64.136/68.

CONSTRUIR OU REFORMAR?

Talvez valha a pena, meu prezado Dr. Daniel, abordar o

sempre momentoso problema relacionado à construção ou à reforma

de alguma coisa. Há adeptos e inimigos dos dois lados. Há correntes

Page 158: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

149

apaixonadas pela construção, porque o resultado observa

precisamente o que foi planejado. E as há a favor da reforma, porque

se conserta exatamente aquilo que não funciona, que prejudica o

conjunto. Muitas vezes as falhas ou os defeitos não estão colocados

na parte material, física, das coisas, mas, na verdade, nas pessoas

incumbidas de fazê-las operar. Não adianta fazer reformas num

edifício e nele conservar as mesmas pessoas que o danificaram.

Também de nada vale construir algo e não saber selecionar as

pessoas certas para cuidar disso. Afinal, reforma ou construção? Qual

a opção mais consentânea? Que nossos eventuais leitores decidam.

Apenas diremos, sem pretender colocar lenha na fogueira, que o

Decreto-Lei nº 200 foi conhecido como ‘reforma administrativa’.

Deveria funcionar bem, porque as alterações produzidas na

Administração Federal foram relevantes, de grande valor no campo

das inovações. E talvez tenha falhado ao manter nos cargos novos o

ranço de vícios antigos trazidos pelos mesmos indivíduos responsáveis

pelos procedimentos que sugeriam as reformas. Talvez um sociólogo

ou um pesquisador independente, ligado apenas à tese, nos possa

responder com a exatidão desejável. Fica a sugestão no sentido de o

fator preponderante a definir possa dizer se é melhor construir,

reformar... ou destruir.

Sou suspeito para influenciar a resposta, porque sou o

‘pai’ da corporificação de uma idéia trazida por uma... reforma.

REMINISCÊNCIAS

O controle interno, meu caríssimo Autor, sempre esteve

presente na luta contra a corrupção, os desmandos e a malversação

de bens e outros valores públicos. Foi relativamente fácil redigir o

Dec. nº 64.135 e o nº 64.136, ambos de 25/02/69, aquele dispondo

sobre o Regulamento da IGF ― Órgão Central e este editando o dos

Órgãos Setoriais (IGFs e equivalentes). Difícil, mesmo, foi outras

áreas tolerarem a presença dos órgãos de controle, inclusive os da

área de auditoria, que, embora disseminada e, pois, adstrita aos

próprios Ministérios a que se filiava, começava a incomodar. O caso

do incêndio de 14-15/10/70 é uma clara confissão de ‘delenda

Cartago’ (destrua-se Cartago, diziam os romanos). Algumas

autoridades não se pejavam da prática habitual do trato da coisa

pública como se fosse propriedade privada. E, quando apanhadas,

Page 159: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

150

vociferavam e procuravam seus superiores hierárquicos com o escopo

de denegrir a conclusão que os desabonasse ou que não coadunasse

com suas práticas habituais.

Cabe-me declarar, por dever de lealdade e de

admiração, que o Professor Delfim Netto sempre nos estimulou

encorajando-nos a fulminar procedimentos acaso incorretos. De

minha parte, procurei corresponder a quem me abria as portas da

generosa confiança trabalhando com seriedade e o rigor uniforme do

comportamento, e sem deixar de deferir o respeito merecido a quem

mourejava com natural dignidade.

Ainda hoje, e desgarrado da equipe que se dissolveu

em 15/03/85, com o término do período governamental do Presidente

Figueiredo, costumo dizer que não fui o mais culto e capaz, mas, sem

dúvida, reivindico o qualificativo de mais leal ou fiel integrante de sua

homogênea turma, iniciada com os Delfim Boys, em 1966, na

Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, quando passei a

presidir a Comissão Central do Orçamento. O apêndice boys nunca se

aplicou a mim, claro, porque sempre fui o mais idoso da equipe,

embora, para meu consolo pessoal, todos eles estejam hoje, como eu,

exibindo seus cabelos encanecidos.

A confiança recíproca produz milagres. E resultados

bons. Nossos colaboradores diretos, por exemplo, sempre foram

escolhidos sem a interferência de corretores (que acabariam sendo

seus chefes de fato), mas à custa de seus próprios méritos.

Pertenci, nos anos 1959/1963, à equipe técnica do

digno Governador do Estado de São Paulo, Professor Carlos Alberto

Alves de Carvalho Pinto, que me foi buscar, quando Secretário da

Fazenda, nos quadros da própria pasta. O Prof. Carvalho Pinto

representou uma das mais belas e soberbas páginas que já se

escreveram a respeito de sua devoção ao serviço público. Ao lado do

não menos ilustre Governador Lucas Nogueira Garcez, formou a díade

que cristalizou o respeito de todos os paulistas. Era aclamado, nas

raras vezes em que comparecia, em feiras, exposições e praças

públicas. Não dispunha de tempo para o Lazer e muito menos se

comprazia em viagens de turismo rotuladas como necessárias à

assinatura de pactos ou tratados. Trabalhava aos sábados, domingos,

feriados e dias santificados. E nós, de sua equipe, também o

fazíamos. Afinal, dezenas ou centenas de processos ou expedientes

diários a examinar aguardavam decisão a respeito de dotações

Page 160: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

151

orçamentárias em benefício de secretarias de Estado, autarquias,

prefeituras municipais e, também, de entidades merecedoras de

auxílios e subvenções. O Prof. Carvalho Pinto somente passou a

confiar em nós quase dois anos depois. Nada assinava ou despachava

sem perguntar o motivo e a finalidade do dispêndio e sua

conformidade às leis e regulamentos. Com o tempo assinava ‘de cruz’,

depois de lida superficial, porque percebeu que fazíamos a triagem de

tudo e desse modo evitando que sua eventual decisão viesse a

comprometê-lo. Paradoxalmente, acho que foi mais fácil trabalhar

com o Prof. Carvalho Pinto, que tudo perguntava e examinava antes

de assinar, assim assumindo toda a responsabilidade. Já o Prof.

Delfim Netto, ao contrário, nos conferia o obséquio de sua confiança.

Costumava assinar os despachos que lhe submetíamos à assinatura

sem prolixas indagações. Era direto. Acreditava em sua equipe. Essa a

razão pela qual suponho ser mais difícil trabalhar com quem confia

em nós, porque poderíamos maldosamente ou não preparar um

‘despacho-armadilha’ e comprometer quem o subscreve. Já o

desconfiado ou o receoso nunca poderia nos acusar de algo errado,

porque simplesmente argumentaríamos com o fato de ele nunca

haver assinado qualquer coisa de boa-fé ao fazer questão de checar e

confrontar o fulcro da matéria. Já se faz longa essa exposição. E

percebo não poder ultimá-la sem a adição de certos ingredientes que

se me afiguram imprescindíveis ao conjunto.

À GUISA DE ENCERRAMENTO

Muitas coisas mais poderiam ser aditadas, mesmo com

o alongamento já notado. Creio, no entanto, meu caro e bom amigo

Daniel, haver percutido alguns pontos cruciais objeto das justas

preocupações inscritas em sua obra ‘Bandeira Contra a Corrupção &

Suas Irmãs Siamesas’. O livro é, antes de tudo, um bom repositório

da legislação atinente aos controles interno e externo. E é visível

fonte de receio relativamente aos predadores do Erário, que fingem

ou não acreditar nas algemas que os atiraria na masmorra dos

demolidores de recursos financeiros e morais. Sempre existiram e

continuarão proliferando os dilapidadores, aqueles que exercitam seu

mister lobrigando proveito pessoal e não o da coletividade a que

deveriam servir. Para esses, entre os quais as ‘jorginas’ e os ‘lalaus’

da vida, tanto faz que haja controle ou não, inclusive de foro íntimo. A

Page 161: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

152

ânsia de se locupletarem é bem maior do que a educação recebida de

seus pais e cuja permanência no íntimo se revela incapaz de resistir

ao apelo das pessoas de bem, daquelas cujo rosto se ruboriza quando

sentem vergonha. Faz-se por igual aconselhável que as prestações de

contas revestidas de boa apresentação sejam submetidas a exame

profundo quanto ao mérito, quanto à legalidade e quanto à obtenção

física daquilo a que se propunham. Muitas vezes uma pessoa

simplória presta contas sem o estardalhaço das molduras bonitas, que

muitas vezes só servem para a distração do observador na realidade

interessado na tela. A regra dos procedimentos de auditoria é clássica

e definitiva: é forçoso desconfiar, em especial quanto ao conteúdo. E

nada custa fazer o teste de verificação de notas fiscais anexadas,

buscando na fonte emissora a certeza ou não da credibilidade. Não é

preciso ensinar que muitas notas fiscais são impressas em ‘gráficas-

de-fundo-de-quintal’, com endereço forjado. E é necessário

precipuamente observar se os valores lançados na primeira via são os

mesmos que constam da cópia. Mais ainda: verifique-se se as

mercadorias ou os serviços ali descritos foram realmente fornecidos.

São pequenas verificações, as quais, contudo, devem ser objeto de

fiscalização.

SUGESTÕES FINAIS

Não desejo concluir minha apreciação sem oferecer

algumas sugestões visando ao bom desempenho da máquina pública:

a) aceite-se nossa tese de que o controle é um só,

sem adjetivação. A integração dos campos interno e

externo somente seria factível se a vaidade não

permeasse os momentos de execução dos trabalhos

das equipes técnicas libertas, antes de tudo, de

indicações políticas ou de amizade e que atuassem

em conjunto. Ao falar em equipes técnicas, estamos

nos referindo àquelas cujo propósito é operar seus

deveres com independência e sem o receio de

agradar ou melindrar seus padrinhos ou superiores

hierárquicos;

b) reconheça-se haver gritante descompasso entre a

vontade de trabalhar seriamente e a recepção que

Page 162: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

153

os mal-intencionados dedicam aos procedimentos

assim gerados. Há uma lei, não escrita, que

prescreve: ‘toda idéia, ainda que excelente, deve

ser ferozmente combatida, se não for derivada de

nossa iniciativa pessoal’;

c) observe-se quão necessária e prejudicial é a

proliferação de leis, decretos, portarias e, muito

especialmente, medidas-provisórias para reafirmar

coisas existentes. Na maior parte das vezes,

bastaria um aperto ou ajustamento aqui ou ali, de

sorte a preservar a unidade do conjunto, e sem

necessidade de editar o supérfluo. Basta cumprir e

fazer cumprir o que já existe. A propósito, vale

transcrever, ainda que parcialmente, o pensamento

do Senador Fernando Henrique Cardoso (‘apud’

Clóvis Rossi, in Folha de S. Paulo, 09/02/01) que,

em memorável discurso no Congresso Nacional,

transcrito pela mesma Folha em 07/06/90, assim

protestava: ‘O Executivo abusa da paciência e da

inteligência do país quando insiste em editar

medidas provisórias sob o pretexto de que, sem sua

vigência imediata, o Plano Collor vai por água

abaixo e, com ele, o combate à inflação... Ou o

Congresso põe ponto final no reiterado desrespeito

a si próprio e à Constituição, ou então é melhor

reconhecer que no país só existe um ‘poder de

verdade’, o do presidente. E daí por diante

esqueçamos também de falar em democracia’. Pois

é;

d) as chamadas leis de licitações e contratos,

conquanto paulatinamente aperfeiçoadas, timbram

em manter exceções ao processo normal da

universalidade de interessados (ou concorrentes).

Uma delas, quiçá a mais escandalosa, é a que

permite dispensa de licitação quando estiver

configurada a ‘notória especialização’. Essa é a

brecha por onde caminham os fornecedores

Page 163: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

154

‘especializados’ de bens e serviços supostamente

mancomunados com os responsáveis pelo processo

decisório. Embora a lei se esforce por explicar os

critérios a observar na adjudicação em favor de

pretensos ‘especialistas únicos’, pensamos ser

imoral tal procedimento. Ninguém está no mundo

sozinho. Por mais notória que se afigure a

capacidade do ‘vencedor por antecipação’, sempre

haverá quem domine a arte de produzir coisas ou

realizar serviços elencados como de ‘notória

especialização’. É preciso banir tais negociatas.

Urge do mesmo modo fulminar as precondições

disfarçadas sob ‘critérios técnicos’ excluindo, por

exemplo, os concorrentes que não consigam

comprovar a feitura de uma obra ou serviço do

mesmo porte do objeto da licitação. Um engenheiro

tanto sabe executar 20 metros de piso quanto 200

ou 20.000. Não pode ser eliminado a priori se

nunca teve a sorte ou a chance de realizar obras

tão grandes quanto as encaixadas no modelo sob

competição. A regra é bastante simples. Quem sabe

construir uma estrada com 5 quilômetros de

comprimento saberá construí-la com 100 ou 1.000.

Não há necessidade de se impor aos concorrentes

as esdrúxulas cláusulas restritivas que os afastem

do pleito. São imposições sub-reptícias, maldosas,

para dizer o mínimo;

e) concordo, em parte, com a sugestão colocada às

páginas 182 e 183, a propósito da concepção de um

órgão de controle interno mais robusto. O primeiro

passo será colocar um comptroller técnico, sem

filiação política, ao lado do presidente da República,

pelo prazo de 10 anos. Seu mandato, a exemplo da

administração norte-americana, deveria extrapolar o

do chefe do Executivo. Deveria ser escolhido,

preferentemente, por quem disputasse o cargo

mediante concurso público e não se submetesse a

qualquer forma de injunção. Deveria pôr no ‘olho-

Page 164: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

155

da-rua’, sem contemplação, e apenas com o ad

referendum do Executivo, o mau administrador, o

negocista, o trampolineiro, o arrivista, o

malversador de recursos, o freqüentador do turismo

disfarçado de simpósio e tantos outros mais cuja

preocupação única é sorver o leite generoso que

jorra das glândulas mamárias do Tesouro Nacional,

intumescidas pelos impostos e taxas cobrados do

povo. Talvez uma drenagem nas torneiras dos

gastos ensejaria a possibilidade de proporcionar

algum aumento de vencimentos aos funcionários

públicos, há quase sete anos sem atualização, nem

mesmo correspondente aos índices inflacionários;

f) nosso Decreto nº 84.362/79 ensejou um melhor

figurino em prol do controle interno e teve como

um de seus pontos culminantes a centralização da

auditoria no organograma do órgão central, a

SECIN/SEPLAN/PR. Foi um começo de

independência. Os auditores, retirados dos

Ministérios em que atuavam e colocados sob

comando único, já podiam, como puderam, se livrar

das peias que os atavam à hierarquia anterior.

Conseqüentemente, sem o receio da represália, já

podiam elaborar seus relatórios. Foi um tempo feliz,

testemunhado pelo meu prezado Dr. José Daniel de

Alencar, que os dirigia sob essa égide e os

estimulava à prática da independência, ingrediente

fundamental da auditoria em qualquer parte do

mundo. A idéia do Projeto Verama fica assim

resgatada, ao menos em parte, porquanto se

tornou inatingível, logo ao primeiro impacto, o

propósito de colocá-la sob o direto comando do

presidente da República. Mas, enquanto esteve

conosco ― e éramos parte da Presidência da

República ―, mereceu a dignidade a que fazia jus.

Tudo isso está hoje destruído. Os auditores

voltaram ao jugo dos próprios Ministérios, em nome

de uma descentralização fadada ao fracasso,

Page 165: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

156

porque inoperante, sem independência e com o

temor de relatar os fatos desabonadores dos

‘manda-chuvas’ de plantão. A auditoria precisa

voltar ao processo centralizador;

g) seria esse o verdadeiro controle interno, com o

poder de vetar, inclusive, a distribuição de novos

recursos a dirigentes, administradores e

ordenadores de despesa cujo comportamento já

houvesse ultrapassado os limites da decência. Claro

está que deveria haver, em cada Ministério, uma

espécie de autoridade incumbida do poder de sustar

a realização da despesa, ou seja, um ‘controlador

interno’. Seria uma figura quase equivalente à do

Secretário de Controle Interno ― CISET, mas

estreitamente voltada ao binômio custo/benefício.

Aplicaria poderosa ênfase aos aspectos de realidade

física, medida, pesada, fotografada, para que

nenhuma dúvida subsistisse quanto à efetiva

entrega da coisa contratada. Registre-se, por

oportuna, a advertência outrora feita pelo Ministro

José Pereira Lira, ex-presidente do TCU, em que

divulgava o conjunto de uma convincente prestação

de contas revestida de todos os requisitos

indispensáveis a seu acolhimento, tais como

documentos, notas fiscais, recibos e outros papéis

ligados à construção de uma obra... inexistente.

Para nós, contudo, a obra tinha existência física,

sim, embora erguida em terreno estranho à União.

Esses delegados setoriais, como dissemos,

investidos do poder de veto, inclusive, seriam assim

como ‘preparadores de expedientes’, para fugir à

cediça e desgastada figura de Secretário de

Controle e escolhidos pela moralizadora porta do

concurso público. E permaneceriam no cargo

enquanto durasse o mandato do ‘controlador geral’

(comptroller), supostamente de dez anos. Quem, no

entanto, assimilaria a idéia? e

Page 166: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

157

h) a tese enunciada no inciso anterior é aplicável, em

igual e rigorosa medida de equivalência, ao Tribunal

de Contas da União. Não há necessidade de manter

o cenário aparatoso de ministros travestidos de

julgadores e não escolhidos, como no respeitável

Poder Judiciário, por concurso ou através de

promoção na carreira. Será pelo menos útil acabar

com o ‘julgamento político’, não técnico, destruidor

do ânimo com que a equipe incumbida do controle

externo se volta para as tarefas de instrução dos

processos levados a julgamento, por sinal, em

harmonia com o manancial fornecido pelo controle

interno. Essa equipe poderá ser dirigida, ao mesmo

passo, por um ‘controlador externo’, escolhido via

concurso aberto pela União e com todas as

prerrogativas do modelo ianque, inclusive no

tocante a prazo de mandato. Ora, se é no

Congresso Nacional que se dá aprovação do

Orçamento Público, nada mais natural e

consentâneo seja a fiscalização praticada lá com o

auxilio do corpo técnico a ser alijado da influência

de pessoas nada afeitas às lides do controle, porque

geradas por bancadas políticas afeitas a discursos

de mútua confraternização, do tipo ‘depois das

palavras de V.Exa. o sol nunca mais brilhará’... Não

há como justificar a presença de um Tribunal de

Contas eivado de protegidos abandonados por seus

antigos eleitores ou em fim de mandato. Juízes e

ministros integrantes do Judiciário não são

recrutados desse modo. A coerência precisa

prevalecer.

Imaginem-se as futuras equipes de controle interno e

externo irmanadas no propósito de produzir coisas úteis e sabê-las

aproveitadas e respeitadas. Pense-se nos benefícios se as coisas

fluíssem sem a presença dos que tudo fazem, não para salvar nosso

Brasil, senão para salvar amigos eventualmente encastelados ou

refestelados no Poder. De resto, a opinião pública está saturada

quanto à inutilidade dos tribunais de contas, cuja presença no cenário

Page 167: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

158

do controle vem sendo progressivamente contestada. Se o grande

Ruy Barbosa, mentor da figura do Tribunal de Contas, estivesse vivo

hoje, sofreria ataques de decepção ante o desvirtuamento de sua

criatura com o perpassar dos tempos e mais afeita aos bônus da

celebridade do que aos espinhos da austeridade. O TCU não pode

nem deve continuar a ser uma espécie de filial do INSS ao acolher

parlamentares em final de carreira para lhes proporcionar a sonhada

aposentadoria. A menos que os recursos caiam do céu, como o maná

no deserto, o povo é quem, na estação final do trem-da-alegria,

suportará tais ônus, no ombro e no bolso.

Poder-se-á objetar que tal medida ofenderia a

Constituição. Ora, se a Lei Maior pode ser amoldada aos interesses

meramente pessoais e momentâneos da conveniência,

casuisticamente, pois, poderá sê-lo, do mesmo modo e agora

certamente sob os aplausos do povo, mais retumbantes do que

qualquer outra emenda, mesmo que se destinasse a reeleger, por

única e exclusiva vontade dos governados, e contra a própria

vontade, eventual ocupante do Poder. Pelo menos nesse lance se

faria sensível economia de recursos orçamentário-financeiros por via

do banimento de um organismo não desejado nem respeitado pela

sociedade que o considera oneroso inútil e, pior, mau exemplo de

cabide de emprego. O Tribunal de Contas da União não deve subsistir.

ALOCUÇÃO DERRADEIRA

Meu respeitável Autor e Auditor Dr. José Daniel de

Alencar:

Após minha extensa dissertação, parece-me ter ficado

clara a simples adoção das seguintes propostas:

1) coloque-se um Auditor Externo diretamente

subordinado ao Poder Legislativo;

2) coloque-se um Auditor Interno diretamente

subordinado ao presidente da República e

3) escoime-se a superfluidade de organismos cuja

missão não se amolde ao indeclinável respeito a

dinheiros, valores e outros bens públicos.

Page 168: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

159

Peço desculpas por haver transposto o limite suportável

ao tentar resumir a caminhada do controle interno, desde seu

nascedouro, em 1967, até o triste massacre a que foi submetida a

Secretaria Central de Controle Interno ― SECIN, em 15 de março de

1985. Alguém, entretanto, deveria um dia contar um pouquinho da

história iniciada com a Reforma Administrativa (DL nº 200/67). Peço

dar a este depoimento o destino julgado útil, seja transcrevendo-o em

seu próximo (e já esperado!) livro, se o merecer, seja desprezando

minhas opiniões. Desejo pedir, todavia, a unanimidade num caso e

noutro, porque não quero ver minhas idéias fragmentadas ou

apartadas do conjunto em que as situei. As remissões parciais, como

sabemos, costumam desfigurar a inteireza do conjunto. Tive a

coragem de fazê-lo, em primeiro lugar, porque o Destino me tornou o

modesto desbravador do cipoal da mensagem reformista e, em

segundo plano, porque me entreguei de corpo e alma à

implementação de algo refletindo a vontade, a ordem, o respeito e,

muito mais, a disciplina dos ideais da Revolução de 1964.

Penitencio-me da prolixidade. Mas a culpa não é minha.

Minhas redes estavam a secar, depois da faina de

tantas pescarias. Devo ao livro ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas

Irmãs Siamesas’ o entusiasmo ou o desafio desta nova travessia pelos

mares revoltos do Controle, não por certo para fisgar outros peixes,

senão, tão-somente para recordar os bons tempos em que o

fazíamos, sob a bonança ou a borrasca. Releve-se-me alguma

eventual e compreensível falha, porque abordei praticamente de

memória a história do Controle Interno. E todo o nosso trabalho

haverá de ser eternamente a lembrança da lealdade e operosidade de

nossas equipes, credoras únicas dos aleatórios sucessos de nossas

colheitas. Aos que estejam ainda pescando ou secando suas redes,

nossa comovida homenagem. E àqueles que hoje residem no Além, e

já são tantos!, remeto a saudade do antigo chefe e companheiro, com

esta mensagem:

‘As pessoas queridas, quando partem, sempre deixam

um pouco de si, mas, também, sempre levam um pouco de nós’.

Os dados por mim revelados foram buscados no

coração, e em maior dose que na memória.

Page 169: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

160

Gostaria que nossa Constituição fosse emendada mais

uma só vez e se reduzisse àquele modelo sugerido pelo grande

historiador Capistrano de Abreu, assim compilado:

‘Artigo 1º - Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha.

Artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrário.‘

Peço aceitar, com meus cumprimentos pela produção

da obra ora comentada, minha adesão à mensagem ali dirigida à

consciência dos homens de bem. Acredito que nossos colegas e bons

amigos responsáveis pela semente do Projeto Verama ficariam felizes

se recebessem o abraço que por seu intermédio lhes envio, apertado

e saudoso.

Um abraço muito especial com o renovado

agradecimento de seu amigo,

Fernando de Oliveira

FERNANDO DE OLIVEIRA ALAMEDA TIETÊ, 191 AP. 81 01417 ― 020 ― SÃO PAULO / SP’

É de se constatar que a carta do Dr. Fernando de Oliveira ― fiel

escudeiro do ex-ministro Delfim Netto na área de fiscalização do emprego de

recursos públicos ― é um tesouro que merece ser conhecido e explorado. Não

só a ele mas também às autoridades citadas em sua mensagem, o Brasil fica a

dever o trabalho dignificante por eles prestado à nação.

Da carta, é destacado um dos valiosos trechos para que fique

gravado na memória do leitor, a respeito da significativa diferença existente

entre os vocábulos competência e capacidade:

‘[...] ‘Competência’ é poder hierárquico, é ser investido

em comando ou chefia, como sinônimo de determinar o que deva ser

feito ou o que não deva ser feito. ‘Compete ao chefe distribuir tarefas

aos subordinados. [...]

Page 170: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

161

[...] ‘Capacidade’ é o conjunto de atributos pessoais

obtidos pelo estudo ou pela prática, conducentes à boa realização de

algo. [...]’

Em que o Dr. Fernando afirma:

‘[...] Não se confundam, portanto, os significados das

palavras ‘competência’ e ‘capacidade’. Um chefe analfabeto é sempre

competente. Já um indivíduo capaz é aquele que conhece, dá conta

do recado e domina seu mister, ainda que não seja chefe. [...]’

Eis uma bela lição a ser transmitida pelos que lidam com as

massas e, em especial, com os adolescentes e os jovens. É comum ouvir a

confusão que se faz entre o significado de competência e capacidade, o que

resulta, muitas vezes, em incompreensão dos valores que tais palavras

carregam.

7.1 Os Tribunais de Contas

E, passados alguns anos depois da carta do Dr. Fernando de

Oliveira, datada de 28 de fevereiro de 2001, a Folha de S. Paulo e o Correio

Braziliense também demonstraram a inutilidade dos Tribunais de Contas.

Leia, então, o comentário da Folha de S. Paulo, em sua edição de

13 de novembro de 2007, p. A2, em Opinião, na coluna Editoriais, sob o título

Abrigo para os sem-voto:

‘Uma das mais dispendiosas e inúteis sinecuras da

República é o cargo de conselheiro de tribunal de contas. O emprego

é vitalício, dá direito a generosa aposentadoria e oferece salários que

estão entre os mais altos do funcionalismo. No âmbito federal, cada

um dos nove ministros do Tribunal de Contas da União ganha R$ 23,2

mil mensais, o mesmo que ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Nos Tribunais de Contas dos Estados, o salário do conselheiro

costuma emparelhar com o de desembargador.

Page 171: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

162

O trabalho é reduzido, dado que os relatórios e

pareceres são elaborados pelo pessoal técnico dessas instituições,

contratados por concurso. Praticamente tudo o que ministros e

conselheiros fazem é rejeitá-los ou aprová-los acompanhados de

recomendações anódinas, tarefa, aliás, supérflua, uma vez que essa

etapa precisa ser repetida no Congresso Nacional ou na respectiva

Assembléia Legislativa, órgãos que têm a palavra final.

Diante de tantas vantagens e benefícios, não

surpreende que tais cargos, preenchidos por indicações dos

Executivos e dos Legislativos, tenham se tornado abrigo de

correligionários com prestígio entre seus padrinhos políticos, mas não

entre os eleitores. Dos 189 conselheiros de TCEs, apenas 19 têm

perfil técnico. O restante divide-se entre ex-deputados, estaduais e

federais, ex-prefeitos, ex-secretários de Estado e ex-vereadores, entre

outras ex-autoridades.

É preciso pôr um fim a essas casas de misericórdia para

políticos sem voto. Há várias propostas de reforma dos tribunais de

contas tramitando no Congresso, mas o ideal seria transformá-los em

órgãos puramente técnicos de auditoria, enxutos, e dar cabo dos

cargos de ministro e conselheiro. Cabe, afinal, aos tribunais de contas

combater o desperdício e o mau uso do dinheiro público ― não

fomentá-los.’

E o Correio Braziliense, de 27 de maio de 2010, em artigo do

jornalista Lúcio Vaz, publicado na coluna Opinião, p. 24, intitulado Depósitos de

políticos, assim manifesta sua posição:

‘Os tribunais de contas dos estados e municípios são

hoje o que era o Tribunal de Contas da União há 20 ou 30 anos:

depósitos de políticos aposentados. Estão repletos de ex-deputados,

ex-prefeitos, ex-secretários estaduais e apadrinhados em geral de

governadores. Na busca de espaços para afilhados, deputados

estaduais e governadores ocupam até mesmo a vaga reservada para

auditores e procuradores de carreira. A Constituição Federal diz que,

das sete vagas de conselheiros em cada tribunal, uma deve ser

ocupada por procurador e outra por auditor substituto. Metade dos

tribunais não cumpre essa exigência constitucional.

Page 172: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

163

A presença de conselheiros com formação técnica

resultaria no aprofundamento dos debates, embora eles não tivessem

peso maior nas decisões. A maioria dos conselheiros continuaria

sendo fruto de indicações políticas. Há casos de governadores que

propõem a nomeação até mesmo de irmãos. Quatro das sete vagas

são indicadas e aprovadas pelos próprios deputados estaduais. O

cargo de conselheiro tem o atraente salário de R$ 24 mil, sem contar

os inúmeros assessores disponíveis. Em vários estados existem o

tribunal de contas do estado e o tribunal dos municípios, cada um

com sete conselheiros e mais algumas centenas de funcionários.

Em Alagoas, os deputados chegaram a emendar a

Constituição estadual para poder indicar um apadrinhado na vaga de

auditor existente no Tribunal de Contas do Estado. O Tribunal de

Justiça do Estado considerou inconstitucional a mudança, mas até

hoje a vaga de auditor não foi preenchida. Os dirigentes de tribunais

de contas inventam exigências não previstas na Constituição, como

estágio probatório, para deixar a vaga de auditor aberta. Na verdade,

a cadeira não fica vazia, porque acaba preenchida por um

apaniguado.

O TCU também já foi depósito de políticos em fim de

carreira. Nos últimos anos, as vagas indicadas pela Câmara e pelo

Senado têm sido disputadas em plenário por cinco ou seis candidatos.

Há até candidatos apoiados pelo governo. Políticos no auge da

carreira acabam sendo nomeados ministros do tribunal. Pode ser

coincidência, mas o fato é que a qualidade dos serviços do TCU

evoluiu nos últimos anos, apesar das falhas históricas, como a

excessiva demora no julgamento dos processos. Espera-se que os

novos tempos cheguem aos estados.’

7.2 Fiscalização para fiscal

Tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal duas

propostas de emenda à Constituição (PECs), referentes à criação de um órgão

colegiado ― o Conselho Nacional dos Tribunais de Contas.

Page 173: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

164

O Jornal de Brasília, de 19 de junho de 2010, p. 7, com o título

Fiscalização para fiscal, publicou reportagem sobre o assunto, dando a

conhecer o objetivo das citadas PECs:

‘DINHEIRO PÚBLICO

Fiscalização para fiscal

Congresso votará criação do Conselho dos Tribunais de

Contas do País

Avança no Congresso Nacional, por meio de duas

Propostas de Emenda à Constituição (PECs), a criação do Conselho

Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC), colegiado que terá a missão

de fiscalizar conselheiros e ministros de contas de todo o País.

A exemplo e nos moldes de outros dois conselhos

instalados por força da emenda 45, de 2004 ― o Conselho Nacional

de Justiça e o do Ministério Público ―, o novo órgão controlará a

atuação administrativa e financeira dos tribunais de contas e o

cumprimento dos deveres funcionais de ministros, conselheiros e

auditores. A fiscalização do conselho também deverá alcançar os

membros dos Ministérios Públicos de Contas, que funcionam junto aos

tribunais de contas. São duas PECs similares, ambas de 2007. Uma

tramita na Câmara, outra no Senado. Elas têm a mesma meta e

ostentam apenas algumas divergências, como em relação ao número

de integrantes que o conselho deve ter ― a Câmara quer nove, o

Senado, 17.

TEXTO DA CÂMARA

Na Câmara, a PEC 28/07, de autoria do deputado Vital

do Rêgo Filho (PMDB―PB), recebeu substitutivo do deputado Júlio

Delgado (PSB―MG), o relator. O texto, admitido na Comissão de

Constituição e Justiça (CCJ), foi aprovado por comissão especial.

Depende agora de acordo de lideranças para ir a plenário.

Delgado destaca que ao conselho caberá ‘apreciar, de

ofício ou mediante provocação, a validade de atos administrativos

praticados por membros dos tribunais de contas, podendo

desconstituí- los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as

providências necessárias ao cumprimento da lei’.

Page 174: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

165

Além disso, segundo a proposta de Delgado, o conselho

deverá ‘receber e conhecer as reclamações contra ministros,

conselheiros, auditores e membros do Ministério Público junto aos

Tribunais de Contas, inclusive contra seus serviços auxiliares e demais

órgãos que atuem por delegação ou oficializados, sem prejuízo da

competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar

processos disciplinares em curso e determinar atos que importem em

sanções administrativas, assegurada a ampla defesa’.

TEXTO DO SENADO

No Senado, a PEC 30/07 está sob crivo da CCJ, que já

promoveu audiência pública para debater melhor a questão. Ao

colegiado caberá ainda a apuração de denúncias sobre nepotismo,

enriquecimento ilícito e desvios. Há casos graves no País. Em São

Paulo, dois dos sete conselheiros estão sob suspeita do Ministério

Público por corrupção e remessa ilegal de valores para paraíso fiscal.

De autoria do senador Renato Casagrande (PSB―ES), e

relatoria a cargo do senador Romero Jucá (PMDB―RR), a PEC 30/07

prevê que o conselho será presidido pelo ministro do Tribunal de

Contas da União (TCU) indicado que for mais antigo em exercício no

cargo. Os membros do conselho serão nomeados pelo presidente da

República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do

Senado.

O quadro completo terá 17 integrantes com mandato

de dois anos, admitida uma recondução. Nove representam os

colegiados de contas ― dois ministros do TCU; dois conselheiros

estaduais e municipais; dois membros do Ministério Público de Contas

da União, dos estados e municípios; um ministro substituto do TCU;

um conselheiro substituto estadual e um municipal.’

‘SAIBA +

No texto que tramita no Senado, há a previsão de outros sete

integrantes do conselho, que são estranhos ao universo dos tribunais,

sendo cinco indicados pelos conselhos federais da Ordem dos

Advogados do Brasil, de Engenharia, Economia, Administração e

Contabilidade. A última vaga será de um auditor escolhido pela

Federação dos Servidores. Para Romero Jucá, o argumento de ofensa

ao princípio da separação dos Poderes ou ao princípio federativo não

deve prosperar. Em seu relatório, ele destaca que, quando da criação

do CNJ e do CNMP, as mesmas questões foram levantadas.’

Page 175: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

166

Na avaliação de Daniel, a criação desse órgão resultaria em maior

prejuízo para o contribuinte. É de se questionar qual a necessidade da

instituição de um colegiado para fiscalizar ministros, conselheiros e auditores de

contas de todo o país, uma vez que eles deveriam ser o exemplo de conduta

ilibada, conforme preceitua a Constituição Federal, seguida pelas Constituições

estaduais, em seu art. 73:

‘Art. 73

[...]

§ 1º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados

dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:

I ― mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de

idade;

II ― idoneidade e reputação ilibada;

III ― notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e

financeiros ou de administração pública;

IV ― mais de dez anos de exercício de função ou de efetividade

profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso

anterior. [...]’

A discrepância aumenta quando se trata da composição dos

integrantes do novo órgão ― na proposta da Câmara, nove, e na do Senado, o

total de dezessete, sendo nove representantes dos órgãos encarregados da

fiscalização. E chega ao ápice quando prevê que o Conselho será presidido pelo

ministro do Tribunal de Contas da União mais antigo em exercício no cargo.

Então, recapitulemos: será criado um novo órgão fiscalizador para

fiscalizar o fiscal, e presidido justamente por um dos fiscais, ou seja, pelo

ministro do TCU mais antigo no cargo?

7.3 Propostas do autor

O Dr. Fernando de Oliveira, em sua carta, sugere a nomeação de

auditor externo e auditor interno, respectivamente, nos Poderes Legislativo e

Page 176: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

167

Executivo federais, preferencialmente aprovados em concurso público, sem

filiação partidária, pelo prazo de dez anos, devendo, desse modo, seus

mandatos extrapolarem os de seus chefes. Para tanto, serviu-se do exemplo

que trouxe dos Estados Unidos, que utilizam esse esquema somente para

fiscalizar o emprego de recursos da área federal.

Como você pôde perceber, leitor, no Brasil, a fiscalização do

emprego de recursos públicos tornou-se uma verdadeira mixórdia. Para corrigir

essa anomalia, Daniel ousa sugerir a implantação das seguintes propostas, as

duas primeiras em extensão às do Dr. Fernando:

1. nomear auditor externo em cada um dos Poderes Legislativos

federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais;

2. nomear auditor interno em cada um dos Poderes Executivos

federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais;

3. exercer o controle, em consonância com a lição deixada, há

mais de 100 anos, por Henri Fayol, o grande mestre da

Administração:

‘Controle é o exame de resultados. Controlar é ter a

certeza de que todas as operações a toda hora estão sendo realizadas

de acordo com o plano adotado, com as ordens dadas e com os

princípios estabelecidos. Controle ampara, discute e critica. Ele tende

a estimular o planejamento, a simplificar e fortalecer a organização,

aumentar a eficiência do comando e facilitar a coordenação’ (MAUTZ,

K. R. Princípios de Auditoria 1: Ed. Atlas, 1975);

4. respeitar o que estabelece a Lei nº 4.320, de 17/3/1964,

especialmente em seu art.77:

‘Art. 77 ― A verificação da legalidade dos atos de

execução orçamentária será prévia, concomitante e subseqüente.’

Page 177: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

168

Os servidores a serem subordinados aos auditores externo e

interno, dos órgãos mencionados nos itens 1 e 2, seriam colocados à disposição

apenas de seus novos chefes, fato que geraria uma centralização e evitaria

novos gastos.

Daniel acredita que, se tais propostas forem implementadas neste

país, resultarão em benefícios para a sociedade. Os Tribunais de Contas não

servirão mais de Abrigo para os sem-voto, nem serão Depósitos de políticos,

como visto antes nos artigos da Folha de S. Paulo e do Correio Braziliense.

Some-se a todos esses benefícios o mais importante: haverá total

independência para o fiscal, dando-se, em consequência, um freio brusco na

corrupção, doença transmissora de tantas infelicidades. E, conjugando-se as

cominações estabelecidas na Lei da Ficha Limpa com as propostas

apresentadas, assim, só assim, corruptos e corruptores serão banidos do

cenário nacional.

TERCEIRA PARTE

CAPÍTULO I

1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Daniel narrou sua vida com o intuito de demonstrar como, pouco

a pouco, foi engajando-se na luta contra a corrupção e, assim, tomando como

ideologia o compromisso pessoal de colaborar para o seu combate.

Hoje, com 76 anos, Daniel fixa seu pensamento no passado e se

vê, há cerca de quarenta anos, plantando uma semente, cuja árvore espera

que dê bons frutos. Ainda não para de pensar em seguir contribuindo, de

alguma forma, para a redução do grande mal que assola o país. Como possível

solução, atreve-se a sugerir a implantação, com o apoio de instituições

respeitáveis, das propostas transcritas no item 7.3 do Capítulo VII ― BASTA DE

CORRUPÇÃO!

Page 178: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

169

Infelizmente, é difícil extinguir a corrupção, mas é possível

diminuí-la de forma considerável, pois haverá sempre soldados do bem a

engrossar as fileiras dos que lutam para contê-la: a Câmara dos Deputados com

a Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, a Justiça agindo de modo

imediato, a Polícia Federal trabalhando ininterruptamente para coibi-la,

estudantes lutando para a moralização das atividades políticas, instituições e

cidadãos unindo-se para que sejam castigados os aproveitadores de plantão e a

mídia relatando os passos indecorosos dos participantes no desvio de recursos

públicos para fins inconfessáveis.

Se cada brasileiro contribuir com uma pequena parcela, por menor

que seja, para colocar um freio nessa insidiosa moléstia que impede o

progresso do país, em um amanhã não muito distante, o Brasil estará no topo

das nações do chamado primeiro mundo.

E Daniel apela para aqueles que desejam transmitir às crianças,

aos adolescentes, aos pobres e aos miseráveis uma pátria digna que continuem

batalhando, sem esmorecer.

ANEXO

1. TRABALHOS PARALELOS

Procurando contribuir com fiscais e fiscalizados no que diz respeito

ao emprego de recursos públicos, Daniel aprofundou-se nos trabalhos de

pesquisa da legislação. Igualmente, ministrou cursos e escreveu livros ―

edições esgotadas ― com o mesmo objetivo. Uns, como escritor autônomo;

outros, em parceria com o ex-Ministério da Agricultura, Secretaria-Geral.

Page 179: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

170

1.1 Cursos ministrados

Convidado pelo então governador do Território Federal do Amapá,

comandante Arthur Azevedo Henning, Daniel deu aulas sobre auditoria a

servidores do Território em julho e agosto de 1977.

Em agosto de 1979, em Brasília, sob os auspícios da ex-OAIB

(Organização dos Auditores Independentes do Brasil), Daniel ministrou a

auditores o Curso de Auditoria. E, na mesma cidade, em janeiro de 1980, foi

instrutor do Curso de Treinamento sobre Fundamentos e Procedimentos de

Auditoria na Escola de Administração Fazendária (Esaf).

1.2 Livros publicados

1. Manual de Auditoria. Brasília, DF: Gutenberg Gráfica e Papéis, autônomo,

1977.

2. Quem está sujeito à jurisdição do TCU? Brasília, DF: Gutenberg Gráfica e

Papéis, autônomo, 1977.

3. Coleção de Auditoria: Legislação Básica. Brasília, DF: Gráfica da CFP (v.I a

IV e VI), Gráfica Brasiliana (v.V e VII), parceria Min. da Agricultura, Secretaria-

Geral, 1983, 7 v.

Volume I: A Lei nº 4.320, de 1964, e Legislação Complementar

Volume II: Licitações e Alienações. Concorrência, Tomada de Preços,

Convite, Leilão, Venda, Permuta, Cessão e Doação

Volume III: Transporte, Diárias e Ajuda de Custo

Volume IV: O Controle Interno

Volume V: O Controle Externo

Volume VI: Convênios, Contratos, Acordos, Ajustes, Auxílios Financeiros e

Subvenções Sociais

Volume VII: Auditoria Contábil, de Programas e de Tomadas e Prestações

de Contas

Page 180: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

171

Obs.: nas páginas finais de cada um dos volumes, há um índice dos assuntos

neles tratados.

4. Coleção de Auditoria: Legislação Básica ― Atualização. Brasília, DF: Gráfica

Valci Editora Ltda, autônomo, 1984.

Obs.: nas páginas finais, há um índice dos assuntos nele tratados.

5. Dicionário de Auditoria. Brasília, DF: Gráfica da CFP, parceria Min. da

Agricultura, Secretaria-Geral, 1985.

6. Coletânea de Auditoria Governamental. Brasília, DF: Gráfica e

Encadernadora Calazans, autônomo, 1989, 5v.

Volume I: Legislação

Volume II: Legislação

Volume III: Legislação

Volume IV: Legislação

Volume V: Sumário e Índice Alfabético Remissivo dos volumes anteriores.

7. Conjunto de Termos Oficiais ― Conceituação. Brasília, DF: L.G.E. Editora,

autônomo, 1990.

8. Os Sistemas de Controle Interno Federal, Estadual e Municipal. Brasília, DF:

Escopo Editora, autônomo, 1990.

9. Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas. Brasília, DF: L.G.E.

Editora, autônomo, 2000-01.

2. ELOGIOS RECEBIDOS

É com satisfação que Daniel registra os elogios recebidos de

renomadas autoridades sobre o livro de sua autoria, o Bandeira Contra a

Corrupção & Suas Irmãs Siamesas, prefaciado pelo jornalista Ari Cunha.

Destaca, ainda, o do vice-presidente da República, José Alencar, sobre o

Dicionário de Auditoria.

Em 11/6/2001, cartão:

Page 181: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

172

‘Recebi o livro de sua autoria, intitulado ‘Bandeira

Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’.

Agradeço a gentileza do seu gesto e parabenizo-o pelo

excelente trabalho.

Com os cumprimentos do

PLAUTO RIBEIRO

Juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região’

Em 11/7/2001, Ata da 2ª (segunda) Reunião Plenária

Extraordinária dos membros do Conselho Regional de Administração do Distrito

Federal (CRA/DF) de 2001:

Foi a reunião aberta pelo presidente em exercício, Adm. Carlos

Alberto Pio, a pedido do presidente, Adm. José Ataíde Miranda Barreto, que iria

chegar atrasado, por motivo de trabalho.

Da dita reunião, participaram o “[...] Adm. Júlio Modesto Severino,

Adm. Thiago Mendes Vieira, Admª Maria do Rosário de Moraes e também o

Adm. José Daniel de Alencar (concorrente ao Prêmio ‘Belmiro Siqueira’ de

Administração), na modalidade Livro, e do Senhor Gerardo Antônio Monteiro de

Paiva Gama, Ex–Presidente do CRC/DF e CRC/BA. [...]”

Passada a presidência dos trabalhos para o Adm. José Ataíde, os

conselheiros presentes aprovaram, por unanimidade, a indicação do livro

Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas, de autoria do Adm. José

Daniel de Alencar, para concorrer ao referido prêmio. Infelizmente, não venceu.

Em 16/7/2001, expediente:

‘Ofício nº 531/2001/PRES/CRA/DF

Brasília, 16 de julho de 2001

Senhor Administrador,

Page 182: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

173

É com imensa satisfação que nos dirigimos a Vossa

Senhoria para informar que seu nome foi indicado por este CRA para

concorrer, no Conselho Federal de Administração, ao Prêmio ‘Belmiro

Siqueira’ de Administração de 2001, na modalidade LIVRO ― Obra:

BANDEIRA CONTRA A CORRUPÇÃO & SUAS IRMÃS SIAMESAS.

A indicação por si só já se configura como fator de

reconhecimento deste Conselho ao papel que Vossa Senhoria

representa, com suas pesquisas e denodado grau de desenvolvimento

cultural, para o gáudio de todos aqueles que o estimam e admiram.

O certame é Nacional, mas este CRA/DF não medirá

esforços, para que tão valiosa premiação venha a ser conferida ao

insigne representante da categoria Profissional que abraçamos, no

Distrito Federal.

Sem mais, colocamo-nos à disposição para qualquer

esclarecimento, renovando nossos protestos de estima e

consideração.

Atenciosamente,

Adm. JOSÉ ATAÍDE MIRANDA BARRETTO

Presidente

CRA/DF nº 6177’

Em 18/7/2001, prêmio:

Recebeu Daniel, no auditório do Conselho Regional de

Administração do Distrito Federal (CRA/DF), de seu presidente, José Ataíde

Miranda Barretto, o Prêmio de Mérito Administrativo do Distrito Federal ―

CRA/DF/2001, na condição de autor do livro Bandeira Contra a Corrupção &

Suas Irmãs Siamesas.

Em 26/8/2001, DIÁRIO DO POVO, de Teresina ― PI:

‘Escritor parnaibano concorre a prêmio nacional

José Daniel de Alencar foi indicado para concorrer ao prêmio ‘Belmiro

Siqueira’ de Administração 2001

Page 183: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

174

O livro ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs

Siamesas’, do parnaibano José Daniel de Alencar, foi indicado para

concorrer no Conselho Federal de Administração, ao prêmio ‘Belmiro

Siqueira’ de Administração 2001, na modalidade Livro. A indicação,

por si só, já representa o conhecimento do Conselho. A obra elucida o

mistério do desvio de recursos, do desperdício e da má aplicação do

dinheiro público. O leitor é conduzido pelo labirinto dos procedimentos

burocráticos tão emperrados da administração pública.

O autor prova, neste livro, que há mais de 24 anos,

previu e iniciou sua luta para se colocar um freio na corrupção.

Acompanhada de suas nefastas irmãs siamesas ― o desperdício e a

má aplicação de recursos públicos ― impede o natural crescimento do

país, vitimando, principalmente as classes menos favorecidas.

Iniciando pelo desvario financeiro no Brasil e no

exterior, passa pela América Latina e se concentra apenas no que

ocorreu e está ocorrendo no Brasil. O autor expõe sua visão histórica

dos sistemas de controle interno e externo e sua luta contra as

nocividades da corrupção.

O enredo trata diretamente da participação de milhares

de brasileiros vivendo em condições de miséria. A trama conta com as

intervenções de jornalistas e personalidades brasileiras, como Gilberto

Amaral, Cristovam Buarque, Pelé, Ari Cunha, Fernando Tourinho Neto

e Fernando Henrique Cardoso, entre outros.

‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’

sinaliza que todos podem participar da construção da Nação e

acompanhar o processo com boa presença de espírito para não

desanimar, tal é o estado que o conceito corrupção provoca. O autor

apresenta novas sugestões com a intenção de contribuir para se

colocar um freio neste mal. O autor José Daniel de Alencar nasceu em

Parnaíba e chegou ao Rio de Janeiro em 1950. É formado nos cursos

de Administração e Ciências Contábeis e já ocupou diversos cargos

importantes no serviço público federal. É autor de mais de dez obras

e já ministrou cursos de auditoria em Brasília e no Amapá.’

Em 6/11/2001, cartão:

Page 184: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

175

‘Ilmo Sr.

Dr. José Daniel de Alencar Acuso, com satisfação, o recebimento do exemplar de

sua obra intitulada ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs

Siamesas’, que teve a gentileza de me enviar.

Agradeço a remessa e apresento-lhe meus

cumprimentos pela realização.

Cordialmente,

MILTON DE MOURA FRANÇA

Ministro do TST’

Em 19/11/2001, telegrama:

‘COM CORDIAL VISITA AGRADEÇO A REMESSA DO SEU BANDEIRA

CONTRA A CORRUPÇÃO & SUAS IRMÃS SIAMESAS QUE LEIO COM

ESPECIAL INTERESSE. CORDIAL ABRAÇO, MINISTRO CARLOS

VELLOSO, STF’

Em 26/11/2001, cartão do ministro do Superior Tribunal Militar,

almirante de esquadra Domingos Alfredo Silva, escrito à mão:

‘Prezado Senhor,

Agradeço a gentileza da oferta do livro ‘Bandeira Contra

a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’ e transmito os cumprimentos

pela oportunidade da obra.

Cordialmente

Domingos A. Silva’

Em 26/11/2001, cartão do ministro do Superior Tribunal Militar,

gab min gen Ex José Luiz Lopes da Silva, escrito à mão:

‘Prezado Sr. José Daniel de Alencar

Já li este excelente trabalho e receba meus

cumprimentos calorosos.

Page 185: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

176

À sua disposição

José Luiz’

Em 29/11/2001, cartão do ministro do Superior Tribunal Militar,

ten-brig-do-ar Sérgio Xavier Ferolla, escrito à mão:

‘Prezado José Daniel de Alencar

Com muita satisfação recebi um exemplar do seu livro

‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas’,

abordando um tema sempre de interesse, particularmente, nessa fase

que o país vem enfrentando os maiores desafios.

Pretendo analisá-lo minuciosamente mas, desde já,

cumprimento-o pelo trabalho realizado.

Atenciosamente

TB do Ar Sérgio Xavier Ferolla’

Em 30/12/2002, carta do Prof. de Ciências Políticas da

Universidade de Brasília (UnB) e historiador, Octaciano Nogueira:

‘Caro patrício

Dr. José Daniel de Alencar

Lamentavelmente, só o ócio desses últimos dias do ano me

permitiu concluir a leitura da esclarecedora obra de sua autoria

‘Bandeira contra a corrupção & suas irmãs siamesas’.

Devo esclarecer que para mim, leigo e jejuno na matéria, foi

extremamente útil e proveitoso tomar conhecimento desse complexo

tema de tanta atualidade em nosso país e em todo o mundo, para o

qual a sociedade e suponho que a maioria dos cidadãos estão

completamente despreparados para enfrentar e superar.

Embora não tenha autoridade para tanto, suponho que seu

trabalho de pesquisa, compilação e sistematização das informações

seja fruto não só de sua vasta experiência profissional, mas também

de seu devotamento à que deve ter sido a causa de toda uma vida.

Ao agradecer a gentileza de seu gesto, remetendo-me um

exemplar de sua obra, quero aproveitar a oportunidade para desejar-

Page 186: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

177

lhe novos sucessos, ânimo e alento em sua cruzada, pela qual tanto

lhe fica a dever o Brasil.

Do patrício e leitor atento e mais uma vez agradecido.

Octaciano Nogueira’

Em 19/5/2004, carta do vice-presidente José Alencar, escrita à

mão, falando dos livros Dicionário de Auditoria e Bandeira Contra a Corrupção

& Suas Irmãs Siamesas:

‘Estimado parente,

Seu excelente Dicionário de Auditoria mostra que, de José de Alencar,

você só tem o nome, porque não faz romance, mas oferece um

trabalho de grande valor para todos os que militam em áreas

econômicas, empresariais ou públicas.

Meus parabéns e um forte abraço do

José Alencar

E olha que nem falei do ‘Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs

Siamesas’. Novamente, parabéns.

José Alencar’

Cartão sem data:

‘Caro José Daniel, Agradeço a gentil remessa do exemplar do livro

Bandeira Contra a Corrupção & Suas Irmãs Siamesas e parabenizo-o

pelo trabalho publicado.

Atenciosamente,

Terezinha Célia Kineipp Oliveira

Juíza Presidente do TRT/10ª Região’

Cartão sem data:

Page 187: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

178

‘Sr. José Daniel,

Acuso recebimento vosso livro e aproveito a

oportunidade para parabenizá-lo pela iniciativa.

Charles Renaud Frazão de Moraes

Juiz Federal Substituto da 14ª Vara’

Cartão sem data:

‘Caro Dr. José Daniel Agradeço-lhe o livro ‘Bandeira Contra a Corrupção

& Suas Irmãs Siamesas’, parabenizando-lhe pela autoria desta

valiosa obra.

Ao ensejo, apresentando-lhe protestos de estima e

consideração, colocando-me à disposição de Vossa Senhoria.

AMARÍLIO TADEU FREESZ ALMEIDA

Corregedor–Geral

e-mail: [email protected]

HTTP://www.mpdft.gpv.br’

Page 188: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

179

‘Todos esses que aí estão

Atravancando meu caminho,

Eles passarão...

Eu passarinho!’

(Mário Quintana)

Page 189: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar
Page 190: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

CORRUPÇÃO

Ah, se nós pudéssemos

Eliminar a corrupção,

O Brasil seria mais respeitado

Como uma grande nação.

As crianças sorririam

E os jovens iriam além,

Os pobres se orgulhariam

E os miseráveis diriam amém.

As oportunidades seriam iguais,

Dar-se-ia fim à distinção,

Nem todos andariam sorrindo,

Mas não haveria coação,

Pois, para corruptos e corruptores,

Acabaria a mordomia,

E o país, feliz da vida,

Extinguiria a epidemia.

Viva, então,

O fim da vida

Da corrupção!

José Daniel de Alencar

Page 191: Corrupção - Memórias de um cabra da peste - Jose Daniel de Alencar

“Tive a oportunidade de ler previamente este livro CORRUPÇÃO ―

Memórias de um cabra da peste. Confesso que fiquei emocionado com o que li. Se

antes respeitava o Daniel, agora o admiro. É uma rica história sobre uma alma que

dedicou sua vida buscando contribuir para a falência da corrupção, apesar dos

percalços no caminho. Não vai ser fácil suprimi-la, pois o Brasil levou mais de 500 anos

para construir essa parafernália, e não vai ser em pouco tempo que o terreno será

totalmente limpo. Há de haver sempre uma grande mobilização, mesmo de poucos,

para amenizar esse mal. Considero hoje o Daniel um ícone nessa luta, um homem de

caráter, e por tal deve ser respeitado. O livro fala da realidade dos fatos e apresenta

propostas, além de mostrar a trajetória da vida de um cidadão na luta por um ideal e

como nasceram, no seu íntimo, os valores e princípios fundamentais para a gestão

pública. A dobradinha Daniel X Fernando de Oliveira vai dar o que falar.”

Fernando Estevez Gadelha

Administrador de empresas pela Faculdade de Ciências Políticas

e Econômicas do Rio de Janeiro e especialista em Políticas

Públicas para Micro e Pequenas Empresas pela Universidade de

Campinas (Unicamp). Atua hoje como gerente da Unidade de

Políticas Públicas do Sebrae do Espírito Santo e foi diretor da

Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos do Espírito Santo ―

1988 a 2001.