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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE EDUCAÇÃO COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL CONTEÚDO, METODOLOGIA E AVALIAÇÃO DO ENSINO DE HISTÓRIA Profª. Drª. Nádia G. Gonçalves CURITIBA 2011

CONTEÚDO, METODOLOGIA E AVALIAÇÃO DO ENSINO DE … · Conteúdo, Metodologia e Avaliação do Ensino de História 2 CÓDIGO EDP-061 3 CARGA HORÁRIA TOTAL 120 horas 3.1 CARGA HORÁRIA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE EDUCAÇÃO

COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E

ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

CONTEÚDO, METODOLOGIA E AVALIAÇÃO DO

ENSINO DE HISTÓRIA

Profª. Drª. Nádia G. Gonçalves

CURITIBA 2011

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Dilma Roussef

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Fernando Haddad

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL

Diretor

Celso José da Costa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

Reitor

Zaki Akel Sobrinho

Vice-Reitor

Rogério Andrade Mulinari

Pró-Reitora de Graduação - PROGRAD

Maria Amélia Sabbag Zainko

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação - PRPPG

Sérgio Scheer

Pró-Reitora de Extensão e Cultura - PROEC

Elenice Mara Matos Novak

Pró-Reitora de Gestão de Pessoas - PROGEPE

Laryssa Martins Born

Pró-Reitor de Administração - PRA

Paulo Roberto Rocha Krüger

Pró-Reitora de Planejamento, Orçamento e Finanças - PROPLAN

Lucia Regina Assumpção Montanhini

Pró-Reitora de Assuntos Estudantis - PRAE

Rita de Cássia Lopes

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SETOR DE EDUCAÇÃO

Diretora

Andrea do Rocio Caldas

Vice-Diretora Deise Cristina de Lima Picanço

Coordenação do Curso de Pedagogia - Magistério da Educação

Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental Américo Agostinho Rodrigues Walger

Coordenação de Tutoria

Leziany Silveira Daniel

CIPEAD

Coordenação de Integração de Políticas de Educação a Distância Coordenação EaD - UFPR e UAB

Marineli Joaquim Meier

Coordenação Adjunta UAB Gláucia da Silva Brito

Coordenação de Recursos Tecnológicos

Sandramara Scandelari Kusano de Paula Soares

Revisão Textual Altair Pivovar

Produção de Material Didático

CIPEAD

CONTATO __________________________________________________________ Coordenação do Curso de Pedagogia

Fone: (41) 3360.5141 3360.5139

e-mail: [email protected]

www.educacao.ufpr.br

CIPEAD

Fone: (41) 3310-2761

e-mail: [email protected]

www.cipead.ufpr.br

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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

Prezado(a) estudante:

A História, como disciplina escolar, tem uma longa trajetória, e o estudo

dessa construção, por si só, poderia ocupar todo este material. Compreender um

pouco da história do ensino de História é fundamental para que se possa entender

por que ela é assim hoje; por que quando você esteve na Educação Básica ela foi

desenvolvida de tal ou qual forma; por que existem permanências no cotidiano

escolar, sobre o entendimento do que constitui essa disciplina; por que alguns

conteúdos são sempre abordados, em detrimento de outros; o que comumente se

entende como História a ser ensinada na escola; e como ela vem sendo ensinada e

sua aprendizagem, avaliada.

Muitas das permanências, na escola, ocorrem devido a processos históricos

complexos, que envolvem tanto o habitus individual e coletivo (PIERRE BOURDIEU)

quanto a cultura escolar (DOMINIQUE JULIA). Nesse sentido, as apropriações e

representações individuais e aquelas socialmente compartilhadas (ROGER

CHARTIER) tendem mais a manter e reproduzir práticas do que a mudá-las.

Neste material, pretende-se evidenciar como a compreensão histórica sobre

a constituição de práticas escolares é fundamental para se refletir sobre a prática

docente, e mais, para que se possa pensar, de forma mais aprofundada, acerca da

História como elemento curricular. Não somente sobre a História, mas a escola de

forma ampla, com os diversos conteúdos e práticas que a envolvem.

Embora esse pressuposto, fundamentado na História da Educação, perpasse

esse material, o foco central será, evidentemente, o ensino de História. Porém os

dois campos de conhecimento mencionados são indissociáveis, na medida em que a

História envolve a tudo e a todos, sociedades, práticas, instituições e indivíduos,

com seus valores e percepções.

Compreender a historicidade presente em todos os âmbitos de nossa

trajetória, particular ou social, é essencial para que de fato possamos ser pessoas,

profissionais e cidadãos conscientes, ativos e críticos, pois o conhecimento é a base

fundamental para qualquer mudança. E o conhecimento histórico é elemento

necessário para uma percepção e compreensão crítica da realidade.

A História, enquanto componente presente no currículo e nas práticas

escolares, seja ou não como disciplina, precisa ser repensada, e existem hoje

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diferentes proposições para seu papel na formação humana. Neste material, serão

apresentadas algumas delas, bem como limites e possibilidades de sua aplicação na

escola.

As unidades aqui apresentadas constituem uma base introdutória para o

tema ensino de História, e no seu decorrer, muitas referências e atividades são

sugeridas, como complementares e como parte inerente do processo de ensino e

aprendizagem aqui proposto. Assim, este texto didático tem como objetivo servir

como roteiro básico para a condução dos estudos sobre o tema, e as sugestões e

bibliografias mencionadas ou recomendadas – muitas disponibilizadas na Internet –

são fundamentais para o aprofundamento da compreensão das questões

abordadas.

Para um melhor aproveitamento, procure desenvolver o hábito de anotar

suas reflexões, percepções e dúvidas – mesmo aquelas que pareçam ser simples –,

pois isso facilita a pesquisa posterior para esclarecimento, bem como para as

oportunidades de diálogo com o professor e com o tutor.

Não esqueça: todo este processo será tão mais proveitoso quanto maior for

seu empenho, comprometimento e preparo para e durante as aulas, leituras e

atividades, além de pensar, refletir criticamente e questionar tudo o que leu e

ouviu.

A aprendizagem e formação profissional envolvem seu interesse e

participação ativa como estudante, a fim de iniciar, já neste momento privilegiado,

o desenvolvimento de uma atitude crítica e consciente de sua própria formação.

Uma vez que é esta a atitude que desejamos e compreendemos como necessária

para os profissionais da Educação, nada mais justo que começar a orientá-la,

incentivá-la e desenvolvê-la (mais e melhor) como elemento inerente à formação.

Finalmente, é relevante destacar que um dos propósitos deste livro é gerar

um incômodo. Por que e de que forma, você descobrirá à medida que lê-lo e

compreendê-lo.

Bons estudos!

Profª Nádia

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PLANO DE ENSINO

1 DISCIPLINA

Conteúdo, Metodologia e Avaliação do Ensino de História

2 CÓDIGO

EDP-061

3 CARGA HORÁRIA TOTAL

120 horas

3.1 CARGA HORÁRIA PRESENCIAL

3.1.1 Com professor formador: 12 horas

3.1.2 Com tutor presencial no Polo: 12 horas

3.2 CARGA HORÁRIA A DISTÂNCIA

Noventa e seis (96) horas de estudos com orientação presencial e a

distância com os tutores do Polo presencial e/ou tutores da UFPR. Esses

estudos incluem a participação em fóruns, chats e outros espaços virtuais.

4 EMENTA

O ensino de História na Educação Básica: pressupostos teórico-metodológicos,

relação método–conteúdo, avaliação.

5 OBJETIVOS

5.1 OBJETIVO GERAL

Analisar relevância, fundamentos teórico-metodológicos e elementos do

planejamento para o ensino de História na Educação Infantil e nos Anos Iniciais

do Ensino Fundamental.

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5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Problematizar elementos que constituem a escola e a prática escolar.

- Apresentar a História do ensino de História.

- Discutir funções e contribuições do ensino de História para a formação dos

alunos.

- Analisar proposições teórico-metodológicas para o ensino de História.

- Discutir possibilidades e limites de usos de materiais didáticos e de

documentos no ensino de História.

- Discutir elementos fundamentais para o planejamento de aulas de História.

6 PROGRAMA

As Unidades que constituem este texto são necessariamente articuladas e visam

subsidiar uma formação crítica e fundamentada acerca de o que, por que e como

ensinar e planejar aulas de História ou conteúdos com problematização histórica.

UNIDADE 1: Escolas, teorias, práticas... e o ensino de História

UNIDADE 2: Breve História do ensino de História

UNIDADE 3: Proposições para o ensino de História na história recente

UNIDADE 4: Questões, conceitos e noções fundamentais para o ensino de

História

UNIDADE 5: Planejamento do ensino de História

7 ORIENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

7.1 ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Cada unidade aqui proposta visa subsidiar e promover reflexões a respeito

da relação entre teoria e prática e de limites e possibilidades da prática docente

em relação ao ensino de História para a Educação Infantil e para os Anos Iniciais

do Ensino Fundamental.

O pressuposto metodológico é de que cada pessoa já traz ideias a respeito

do tema, construídas a partir de sua própria vivência e trajetória. Dessa forma,

busca-se promover a problematização de algumas dessas certezas e a inserção

de novos elementos que permitam a reflexão crítica a respeito do Ensino de

História.

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A partir desse encaminhamento, cada um poderá questionar, desenvolver e

elaborar melhor e mais conscientemente sua ação quanto ao ensino de História.

As unidades trazem, assim, fundamentos teórico-metodológicos, exemplos,

atividades, referências e problematizações, que visam a estimular e subsidiar

uma reflexão mais elaborada acerca da relevância de conhecimentos e noções

históricas para a formação humana e cidadã.

No decorrer de cada unidade, é proposta ao menos uma atividade,

relacionada ao tema central. As referências utilizadas na construção do texto são

consideradas, automaticamente, sugestões para pesquisa e aprofundamento do

tema. Ao final das unidades, são indicadas leituras complementares.

8 AVALIAÇÃO

● Atividades presenciais com 75% de frequência (aula na UFPR ou no Polo e

tutoria no Polo).

● Atividades e exercícios sobre os textos e materiais de apoio.

● Atividades como fóruns, pesquisa, produção de textos e outras que o

professor considerar.

● Leituras complementares indicadas, com registro de análise crítica.

● Exercícios de autoavaliação com produção de conhecimento.

● Prova realizada ao término da disciplina na modalidade presencial e sem

consulta.

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SUMÁRIO 1. ESCOLA, TEORIAS, PRÁTICAS... E O ENSINO DE HISTÓRIA 13

1.1 HISTÓRIA COMO DISCIPLINA E A CULTURA ESCOLAR 15

1.2 SOBRE ESCOLA, HABITUS E ENSINO DE HISTÓRIA 16

1.3 SOBRE TEORIAS E PRÁTICAS 23

1.4 ENSINO DE HISTÓRIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 27

CAPÍTULO 2. BREVE HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA 33

2.1 HISTÓRIA COMO DISCIPLINA ESCOLAR 36

2.2 CAMINHOS DA ESCOLA E DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA NO BRASIL (1500 a 1889)

38

2.3 CAMINHOS DA ESCOLA E DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA NO BRASIL (1889 a 1985)

41

2.3.1 Escola e História no Estado Novo 45

2.3.2 História e Estudos Sociais no período democrático (1945 –1964) 53

2.3.2.1 Concepção funcionalista: a função da escola e a História 61

2.3.3 História e conteúdos/matérias afins na Ditadura Civil-Militar (1964 –1985) 63

3. PROPOSIÇÕES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NA HISTÓRIA RECENTE 71

3.1 PROPOSIÇÕES PARA A HISTÓRIA NA ABERTURA DEMOCRÁTICA 73

3.2 NOVA LDB E NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES 75

3.2.1 História nos PCNs (1ª a 4ª séries) 81

3.2.2 História no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil 84

3.3 EDUCAÇÃO HISTÓRICA 90

4. QUESTÕES, CONCEITOS E NOÇÕES FUNDAMENTAIS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA

97

4.1 SOBRE MÉTODO E METODOLOGIA DE ENSINO 100

4.2 SOBRE A HISTÓRIA E O ENSINO DE HISTÓRIA 104

4.2.1 Sobre documentos e fontes históricas 108

4.3 SOBRE DEFINIÇÕES, CONCEITOS E NOÇÕES NO ENSINO DE HISTÓRIA

111

4.3.1 Especificidades do tempo histórico 119

4.3.2 Sobre o anacronismo 121

4.4 PROBLEMATIZAÇÃO NA HISTÓRIA ESCOLAR 124

5. PLANEJAMENTO DO ENSINO DE HISTÓRIA 131

5.1 ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA UM PLANEJAMENTO 134

5.1.1 Objetivo e conteúdo 137

5.1.2 Livro didático 140

5.1.3 Documentos históricos 145

5.1.4 História local 155

5.1.5 Avaliação 161

5.2 CONSIDERAÇÕES FINAIS 170

REFERÊNCIAS 175

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UNIDADE

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ESCOLAS, TEORIAS, PRÁTICAS ... E O

ENSINO DE HISTÓRIA

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1 ESCOLAS, TEORIAS, PRÁTICAS... E O ENSINO DE HISTÓRIA

Antes de refletir sobre o processo histórico que envolveu a disciplina de

História na escola, é importante destacar elementos que perpassam sua cultura e

que necessariamente permeiam as relações e as ações a serem desenvolvidas ali,

não somente quanto ao ensino de História, mas também ao ambiente, à cultura e à

comunidade envolvida – profissionais, pais e estudantes, entre outros.

Nesta primeira unidade, o objetivo é situar, mesmo que brevemente,

algumas questões relevantes para as discussões que seguirão, acerca do que, por

que e como ensinar História. O pressuposto é de que, antes de abordar esses

temas, é preciso tratar do contexto no qual esse ensino se dará.

1.1 HISTÓRIA COMO DISCIPLINA E A CULTURA ESCOLAR

A maneira como cada disciplina é trabalhada, reconhecida e legitimada na

escola é variável, estando relacionada à cultura escolar. De acordo com Chervel,

uma disciplina é, em qualquer campo, “um modo de disciplinar o espírito, quer

dizer, de lhe dar os métodos e as regras para abordar os diferentes domínios do

pensamento, do conhecimento e da arte” (CHERVEL, 1990, p. 180), ou seja, ela

estabelece o que fazer e como fazer, mas em geral não são explicitados todos os

“porquês” a respeito de por que aquele conteúdo, daquela forma, naquela série.

Embora seja possível identificar elementos comuns a várias instituições

escolares, cada uma delas tem particularidades próprias da cultura relativamente

homogênea ali estabelecida e mantida, de sua cultura escolar, que pode ser

definida como:

[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA, 2001, p. 10).

Percebe-se que cada disciplina acaba por imprimir características na escola e

na sociedade em que ela é ensinada, ao mesmo tempo em que a escola e a

sociedade estabelecem a ela parâmetros, maior ou menor legitimidade, demandas

e questionamentos, entre outros aspectos. A cultura escolar e as disciplinas

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escolares, dessa forma, nunca podem ser analisadas ou compreendidas de maneira

dissociada do contexto histórico em que são desenvolvidas. De acordo com Julia

(2001):

[...] normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores. Mas, para além dos limites da escola, pode-se buscar identificar, em um sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não concebem a aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por processos formais de escolarização. [...]. Enfim, por cultura escolar é conveniente compreender também, quando isso é possível, as culturas infantis (no sentido antropológico do termo) que se desenvolvem nos pátios de recreio e o afastamento que apresentam em relação às culturas familiares (JULIA, 2001, p. 10-11).

A partir dessa proposição, é preciso pensar que a escola é uma instituição

concreta, mas ao mesmo tempo não é ela quem faz escolhas, que tem determinada

concepção educacional: são as pessoas que nela estão e que dela fazem parte,

como a equipe pedagógica, os funcionários, os alunos, os pais e a comunidade em

que está inserida – nesse caso, somente poderia ser utilizado o termo escola no

sentido de agente coletivo. Escola e sociedade influenciam-se mutuamente, a partir

de determinado contexto histórico.

Nos tópicos seguintes, serão abordados elementos que os constituem, a fim

de se esclarecer melhor como se dão essas relações.

1.2 SOBRE ESCOLA, HABITUS E ENSINO DE HISTÓRIA

Embora se possa afirmar que as diretrizes políticas e legais configuram

grandemente as práticas escolares, por meio de diversos mecanismos e

instrumentos, em especial administrativos, é improvável que o cotidiano, a cultura

escolar e todas as normas e práticas, legitimadas mas não necessariamente

escritas – e muitas vezes essas são as mais fortes –, adaptem-se automaticamente

à norma ou diretriz legal. Pelo contrário, a cada nova orientação formal, tendem a

ocorrer tensões e conflitos, e cada agente, como cada instituição, se adaptará de

forma particular à nova diretriz, porém não esquecendo nem desconsiderando o

que era feito e como era feito antes dela.

Isso ocorre porque cada um tem seus valores, crenças, suas “certezas”, que

foram constituídas ao longo da sua vida e de sua vivência, ou seja, tem seu

habitus, de acordo com Bourdieu. Esse habitus é individual, mas ao mesmo tempo

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coletivo, no sentido de que cada um, a partir dos ambientes e experiências pelas

quais passou, vai absorvendo, muitas vezes acriticamente, os valores e práticas

desses campos – família, religião, escola e outros. Espaço social e respectivo grupo

têm suas regras próprias. Por exemplo, em uma igreja, há uma orientação não

escrita sobre o tom de voz a ser usado, o tipo de roupa, o vocabulário e o

comportamento de forma geral. Em outro espaço, por exemplo, um churrasco de

família, as regras são outras. A mesma pessoa, passando por esses ambientes e

convivendo com esses grupos, assimila – comumente sem muitos questionamentos

– essas normas sociais naturalizadas, como sendo “o certo a se fazer”

(GONÇALVES; GONÇALVES, 2010).

Com a escola ocorre a mesma coisa. Por exemplo, com um professor que

acabou de passar em um concurso público e assume o cargo em uma escola na

qual nunca trabalhou. Ele tem certa forma de compreender a escola, a sua função

como docente, a disciplina que lecionará e a função dos alunos, entre outros

aspectos. Tudo isso, resultado do que vivenciou (como aluno, tanto na escola como

na Universidade, por exemplo), constituindo-se em valores e certezas sobre como

deve ser exercida sua profissão.

Ao chegar na escola, ele se depara com um grupo já constituído, com

normas e valores estabelecidos, aos quais de certa forma todos – ou pelo menos a

maioria – se conformam, no sentido de que, se não são entusiastas, no mínimo

aderiram, ou preferem se omitir, ou seja, não criticam, não se opõem, não

propõem nada diferente. Caso as ideias do novo professor, ou a sua prática, sejam

muito distintas do que está estabelecido naquela escola, ele com certeza sofrerá

algum tipo de coerção, mais ou menos sutil, conforme o caso. Por exemplo, se tem

uma prática inovadora, buscando respostas sobre como agir com as diferentes

turmas, ou usa recursos didáticos variados, enfim, se com sua prática ele passe a

ser reconhecido e admirado pelos alunos, isso ocasionará um desconforto nos

demais professores. Frases como “você é novo ainda, daqui a pouco vai perceber

que não vale a pena”, ou “não seja tão exigente porque se eles ficarem com nota

baixa, você é que será culpado ou cobrado”, ou ainda “o mais prático é nivelar por

baixo, porque eles não aprendem mesmo” – e outras muitas, que poderiam ser

pensadas aqui – são formas de coerção, no sentido de que este novo professor não

deve se distinguir tanto dos demais, ou que deve se acomodar ao padrão dos

demais. É improvável que alguém o impeça de ter uma prática diferenciada, mas a

coerção existirá, seja na crítica, seja por falta de apoio e colaboração, seja na

alegação de que já passaram por isso e não dará certo, ou de que ele com o tempo

se sentirá desanimado.

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É provável que estes que hoje o coagem a acomodar-se passaram pela

mesma situação, mas aos poucos, por razões diversas, tenderam a aceitar essa

acomodação – não no sentido de serem preguiçosos, mas no sentido de assumirem

uma certa rotina e resistirem a sair dela. Essa é uma situação que Bourdieu bem

explica em sua Teoria dos Campos Sociais: mudanças são desgastantes, tanto por

gerarem conflitos quanto por obrigarem as pessoas a terem que repensar suas

certezas, valores e práticas. Repensar escolhas é um processo biológica e

psicologicamente estressante, por isso a resistência, e isso ocorre nas menores

coisas do cotidiano.

Por exemplo, pense em sua rotina diária. Provavelmente você já tem uma

sequência que considera a mais eficiente para iniciar seu dia, e tende a fazer tudo

sempre igual. Se você vai de carro ao trabalho, deve fazer o mesmo trajeto, ao

ponto de automatizá-lo e dirigir por vários quarteirões, trocando a marcha do carro,

freando, acelerando, parando em semáforos... Por vezes, vai se dar conta do

quanto já andou sem nem ter percebido.

Para fazer a faxina da casa, cada um tem uma sequência que criou, seja a partir do

que aprendeu com a mãe, seja o que adaptou, devido ao tempo disponível para

isso, e “ai” de quem disser que é melhor fazer de outro jeito.

Em um ano letivo, na escola, cada turma se acomoda à sala de aula, e cada aluno

tende a sentar sempre no mesmo lugar, que escolheu no primeiro dia, dentro das

condições que encontrou – desde as carteiras disponíveis, quanto grupo de amigos,

entre outros fatores – e fará o possível para não ter que escolher novamente, ao

ponto de haver discussão, se outro se senta no “seu” lugar.

São inúmeros os exemplos que se poderia dar a esse respeito, mas o ponto

em que se pretende chegar com essa discussão é: o mesmo tende a ocorrer na

escola, nas práticas dos professores. Os hábitos (não confundir com o habitus de

Bourdieu: o conceito de habitus é mais amplo, ou seja, os hábitos fazem parte do

habitus) são sedimentados, cristalizados pela e na rotina, e muitas vezes torna-se

menos desgastante e mais cômodo não repensá-los. Se as práticas estão

funcionando – mesmo que o resultado não seja ótimo, mas somente razoável ou

suficiente –, cada um e o grupo tenderão a compactuar, a fim de não gerar

conflitos, nem de se ter o trabalho de criar, testar, adequar e ajustar novas

respostas.

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A norma legal, a diretriz curricular, todas as orientações administrativas e

pedagógicas que não decorram de decisão do grupo receberão dele,

provavelmente, a resistência e a desconfiança, ao menos em um primeiro

momento. Principalmente quando confrontarem práticas instauradas. Esse parece

ser um ponto crucial para discussão das políticas educacionais: essa reação da

escola, ou dos agentes que a compõem, é absolutamente previsível. Porém parece

ser ignorada reiteradamente, o que leva ou ao fracasso da diretriz, ou à sua

adaptação ao jeito da escola, ou a um faz de conta, em que formal e

administrativamente os registros indicam que está sendo implantada, mas na

prática nada ou pouco mudou, ou ainda a apropriações superficiais e equivocadas,

ou, finalmente, a casos, excepcionais, de discussão e apropriação fundamentada e

coletiva da norma, ao ponto de ser construída, conscientemente, uma prática

distinta da anterior.

Por outro lado, a reação do novo professor à escola e ao grupo que a

compõe, com as regras e práticas instauradas, pode variar muito: se essas normas

forem parecidas com o que ele pensa, será de adesão; se ele estiver muito convicto

do que acredita e do que faz, poderá resistir à coerção do grupo e à acomodação às

normas. Do tempo dessa resistência e da forma como ele a operacionalizar –

confrontando diretamente o grupo, ou apenas fazendo do seu jeito sem questionar

os demais – vão depender as condições de convivência que enfrentará nesse

ambiente.

Está situado nessa explicação sobre as relações sociais e normativas na

escola, com todos os fatores históricos, culturais e sociais mencionados até aqui,

relacionando-se e constituindo as práticas que envolvem a disciplina de História na

escola.

Nesse contexto, podem-se destacar:

- a configuração histórica da História como disciplina escolar. Sua

característica enciclopédica – ainda que amenizada ao longo do tempo e

especialmente a partir dos anos de 1990 – tem permanecido como um desafio,

principalmente – mas não exclusivamente – a partir do 6º ano do Ensino

Fundamental. Isso pode ser observado nas coleções de livros didáticos, muitas das

quais têm uma estrutura mais tradicional, marcada por História Geral, nos dois

primeiros livros, e História do Brasil, nos dois últimos. Mas essa concepção também

E o ensino de História, nessa discussão?

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Quando você pensa nas lembranças que traz das aulas de História, de quando

estava na Educação Básica, de que mais se lembra?

Liste algumas das características do ensino de História que você vivenciou como

estudante (ao menos três positivas e três de que não gostava). Essas listas podem

ser comparadas com as demais da turma, identificando-se as características que

mais aparecem.

está presente nos Anos Iniciais;

- a grande crítica, feita principalmente a partir da redemocratização, em

1985, acerca de sua finalidade para a formação do cidadão, ou melhor, o

questionamento de uma certa concepção de mundo e de cidadania, própria dos

governos militares;

- o habitus coletivo e individual acerca do que é essa disciplina e de sua

finalidade na escola. Cada pessoa que passou por uma escola no Brasil, nas últimas

décadas, conviveu com a História como disciplina, e dessa percepção decorre

grandemente a relação que terá com esse campo de conhecimento a partir de

então.

É provável que entre as características marcantes de que a turma não

gostava estejam datas, nomes e fatos; memorização (ou decoreba, na acepção

mais popular); questionários do tipo “resposta certa”, ou “recorte e cole”. Entre as

características positivas, aparecem, por vezes, professores marcantes, que sabiam

dar sentido às informações históricas, e o uso de recursos variados, como filmes,

imagens ou teatro.

Perceba como as características criticadas referem-se a uma concepção

enciclopédica e basicamente informativa da História, ou seja, nela o que se estuda

não precisa necessariamente fazer sentido: é preciso “saber”, por vezes somente

até a avaliação, mas por vezes nem isso. Não é incomum que, independente do

resultado da avaliação, outro tema comece a ser ensinado, sem ser relacionado ao

anterior.

Porém, como será visto, essa abordagem da História não é a orientada

oficialmente. Pelo menos, desde os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) há

problematizações a respeito dessa concepção de História, buscando-se esclarecê-la

e oferecer uma alternativa.

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O que ou por que ocorre isso? Por vezes os professores alegam que é muito

conteúdo – o dilema quantidade x qualidade – que precisa ser “vencido” no

bimestre, e nesse caso a aprendizagem dos alunos parece não ser a preocupação

central. As Secretarias de Educação Estaduais e Municipais e o próprio Ministério da

Educação não têm uma proposição única para o ensino – se houvesse essa

homogeneidade, provavelmente receberiam críticas no sentido de serem

autoritários ou ideológicos e de não respeitarem a diversidade cultural, social e

histórica existente no Brasil. Há ainda a descontinuidade – mudam os governos,

mudam os procedimentos ou referenciais teóricos. Por outro lado, por não haver

unicidade na orientação, são criticados porque não conseguem se entender e o

professor e a escola sentem-se reféns dessas diretrizes distintas. Esses tipos de

críticas são limitadas, porque parecem pressupor que tanto a escola como o

professor atendem automaticamente ao estabelecido pela norma legal,

desconsiderando a cultura escolar e as práticas já constituídas nos ambientes

escolares.

Provavelmente, parte do problema decorre da maneira como tais diretrizes

(não só curriculares, mas pedagógicas e administrativas) muitas vezes chegam à

escola, já prontas, no sentido de “cumpra-se”. Muitas, claro, vêm acompanhadas

de subsídios, como materiais impressos ou cursos. Porém comumente a primeira

reação, como já visto nesta unidade, é de resistência ao que é novo ou diferente,

em especial se implica mudança de práticas já estabelecidas e desenvolvidas de

forma confortável naquele ambiente. Seria talvez necessário, para medidas que

chegam prontas, pensar em uma estratégia de esclarecimento e formação, antes

da obrigatoriedade de cumprimento, a fim de ao menos amenizar a resistência, ou,

ainda, conseguir alguma adesão à ideia.

Por outro lado, desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de

1996, a gestão democrática é uma diretriz que estabelece relativa autonomia, mas

também responsabilidade, à comunidade escolar, pelos rumos, proposições e

resultados desenvolvidos naquela instituição. Mais uma vez, deve-se problematizar

essa proposta. Não pelo princípio ou pelo mérito dela, que é inegável, mas

principalmente pela viabilidade, no sentido de que, para que esse modelo de gestão

de fato funcione, são necessários alguns pressupostos, que provavelmente, ainda

hoje, a maioria das instituições não atinge ou não desenvolveu. Por exemplo: a

cultura de participação nas decisões coletivas, a começar pela discussão e

construção do Projeto Político Pedagógico (PPP), e alguma maturidade crítica, no

sentido de serem assumidas responsabilidades, individuais e coletivas, por todo o

processo de aprendizagem ali desenvolvido, que deve ser coerente, em cada ação,

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com o estabelecido no PPP. Esses dois pressupostos seriam necessários para se

evitarem campanhas populistas ou coerção política, para não dizer, apatia,

desinteresse e falta de participação no processo de decisão coletiva, uma vez que

muitos resistem em assumir a corresponsabilidade por seu desdobramento nas

práticas cotidianas.

Em suma, a escola é uma instituição que muitas vezes não tem sabido

responder à sociedade qual é sua função, na prática. Não se trata do PPP – nele em

geral o discurso é muito coerente e apropriado –, mas sim da necessidade desse

discurso ser conhecido, reconhecido, assumido, legitimado e utilizado nas ações

daquela comunidade e instituição.

Essa situação decorre de muitos e complexos elementos (CITRON, 1990),

porém é possível perceber que, em parte, a sociedade mudou, mas a escola

continua ou com muitas das referências do passado, que não são mais adequadas

para a realidade com a qual se defronta cotidianamente, ou confusa diante de

tantas possibilidades possíveis, ou tantas demandas que lhe são colocadas, o que

dificulta a construção de um relativo consenso, para depois haver coerência, ou,

ainda, convivendo com esses dois elementos juntos, lidando com distintas situações

que são resultado de dilemas sociais diversos, que fatalmente repercutem na

escola, porque esta e seus agentes fazem parte da sociedade.

Nesse sentido, a instituição escolar deve se repensar: qual é seu papel? Que

educação deseja promover? Para qual finalidade? Qual é a função e

responsabilidade de cada pessoa que constitui aquela comunidade? Formalmente,

as escolas já têm isso estabelecido, desde o PPP ao seu Regimento. Mas o formal,

se não legitimado e não contar com a adesão dessa comunidade, não é exercitado

na prática.

Cabe uma importante ressalva neste momento: é possível que esse tipo de

raciocínio leve pessoas a pensarem em um chavão muito comum: “na prática a

teoria é outra”. No caso acima não se aplica, porque norma legal não é sinônimo de

teoria, embora, se alguém pensou nessa frase, é porque confunde as duas coisas

também.

Por outro lado, o uso desse chavão parece incorrer em um sentido diferente

do contexto em que é lembrado, pois traz um olhar pejorativo para a teoria, mas

ao se afirmar que “a teoria é outra”, acaba-se afirmando que ela é necessária, mas

talvez fosse somente o caso de uma outra teoria, diferente da primeira e mais

adequada àquela realidade.

Um olhar mais otimista no senso crítico de quem diz essa frase remeteria à

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esperança de que essa pessoa tem consciência de que as teorias não são inertes ou

prontas e absolutamente acabadas e que, então, estaria afirmando que esse é um

processo de construção do conhecimento, que é dinâmico e contínuo... Porém não

parece ser a maioria dos casos. Por isso, esse é um elemento que necessita e

merece ser aprofundado.

1.3 SOBRE TEORIAS E PRÁTICAS

Para além das observações sobre a expressão “na prática a teoria é outra”,

apresentadas no tópico anterior, é possível afirmar que esse chavão não é

verdadeiro em seu enunciado, e, em geral, quem o repete não tem clareza sobre o

que está falando, por uma questão muito simples: essa pessoa não sabe o que é

teoria, no sentido acadêmico, nem sabe qual é sua função. Esse desconhecimento

ou equívoco talvez seja um dos mais graves problemas de formação existente na

área da Educação, por várias razões.

Primeiro: o termo teoria é usado de forma diferente pelo senso comum e

pelo meio acadêmico. Para o senso comum, é uma ideia ou uma opinião a respeito

de algo, no sentido de “eu acho que”.

No sentido acadêmico ou científico, uma teoria é uma explicação possível

sobre determinado aspecto da realidade, construída a partir de conceitos

articulados e coerentes entre si, dos quais deriva um conjunto de hipóteses. Esse

sistema de conceitos e hipóteses, no caso das Ciências Humanas, visa à explicação

de regularidades, mecanismos ou dinâmicas sociais, existentes por trás do

fenômeno, ou seja, não busca somente a descrição do que ele é, tal como pode ser

percebido, mas a compreensão ou explicação do porquê ele é ou ocorre daquela

forma.

Segundo: toda teoria é parcial e limitada por vários elementos, como a

formação de seu autor, o contexto em que foi constituída, o fenômeno que visa

explicar. Assim, a pessoa que se dispõe a utilizar uma teoria deve conhecer

exigências, pressupostos, possibilidades e limites explicativos que lhe são

inerentes, e saber que a apropriação e uso que faz dela para explicar outros

aspectos, tempos e recortes, é responsabilidade sua, e não do autor teórico

original.

Terceiro: toda teoria tem por base pressupostos acerca de determinado

fenômeno ou aspecto da realidade que se propõe a explicar e sobre um caminho

adequado para construir essa resposta. Esses pressupostos decorrem do método. É

por isso que teoria é indissociável de método, e que a expressão referencial teórico-

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metodológico é recorrente no meio acadêmico. Existem mais teorias do que

métodos, porque um mesmo método pode ser utilizado como base para a

proposição de teorias que abrangem distintos aspectos da realidade.

Qual a consequência dessa explicação sobre teoria, para o uso do chavão

“na prática a teoria é outra”?

Simples: quem usa essa frase parece remeter à teoria e ao seu autor a

responsabilidade de que resolvam ou tragam respostas prontas ao caso específico

(por exemplo, para a turma do 3º ano C da escola X), ou parece esperar que tudo

que é dito na teoria seja confirmado, como um reflexo, na realidade. Sobre essas

situações, é possível esclarecer:

1) Como dito anteriormente, toda teoria é limitada por vários fatores, entre

os quais o contexto de sua elaboração, porque é nele que foram observados os

elementos empíricos envolvidos. Por exemplo, no caso da Teoria dos Campos

Sociais, de Pierre Bourdieu: ele a elaborou na França, a partir dos anos de 1960 e

por cerca de três décadas. Essa é uma sociedade com História, cultura, organização

social, valores e instituições bastante distintas do Brasil, e, com certeza, da escola

X, hoje. Por isso, é plausível afirmar que muitas das suas afirmações a respeito do

ambiente escolar, quando o menciona, não se apliquem de forma igual no Brasil, ou

até mesmo não se apliquem. Ele não se propôs a explicar outro contexto, que não

aquele que vivenciou, da França. É justo que quem o leu não o culpe por não

responder ao problema da escola X, da qual provavelmente esse autor nem sabia

da existência.

2) O fato de se reconhecer as limitações inerentes a qualquer teoria não

impede, porém, de, conhecendo uma teoria que se julgue plausível, este leitor ou

profissional utilize-se de elementos explicativos que ela traz, para pensar,

compreender ou agir no seu ambiente de trabalho, como a escola. Porém cabe a

esse profissional a responsabilidade de conhecer a teoria, para avaliar o que pode

ser utilizado neste novo ambiente, e adequações que talvez precisem ser feitas,

relativas a especificidades deste outro tempo e espaço. Cabe totalmente a esse

profissional a responsabilidade de conhecer, apropriar-se e utilizar do referencial

teórico, e não ao autor teórico original.

3) É preciso lembrar que nem toda teoria se propõe a dizer o que deve ser

feito, mas sim o que acontece e por que e como aquilo acontece. Ou seja,

reconhecendo que as respostas e ações podem ser muito específicas conforme o

contexto, os teóricos propõem-se a realizar uma parte muito significativa da

explicação, para que as pessoas, compreendendo melhor os mecanismos que

sustentam aquele fenômeno ou prática, possam pensar, a partir de sua

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especificidade, o que fazer. Outro equívoco comum é o leitor achar que, porque o

teórico explicou que “é assim que essa situação acontece”, ele estaria defendendo

essa ação ou a permanência dessa situação.

Por exemplo, depois do lançamento do livro “A Reprodução”, no início dos

anos de 1970, houve vários questionamentos a Bourdieu e Passeron sobre se não

estavam defendendo que a escola reproduzia a ordem social, ao invés de

transformá-la. Bourdieu passa parte de sua trajetória posterior explicando e

evidenciando que eles não defendiam a reprodução, nem a compreendiam como

inevitável. Por exemplo, em entrevista concedida a Maria Andréa Loyola, em 1999,

ou seja, quase trinta anos depois da publicação de “A Reprodução”, a primeira

pergunta remete aos mal-entendidos que envolveram o livro, e ele responde:

[...] Para mim, ainda hoje é surpreendente, como foi naquela época, que o fato de dizer que uma instância como o sistema de ensino contribui para conservar as estruturas sociais, ou dizer que as estruturas tendem a se conservar ou se manter – o que é uma constatação –, é surpreendente que essa constatação seja percebida como uma declaração conservadora. Basta pensarmos um pouco para percebermos que o mesmo enunciado sobre a existência de mecanismos de conservação pode ter um caráter revolucionário. [...] Quando você diz as coisas são assim, pensam que você está dizendo as coisas devem ser assim, ou é bom que as coisas sejam dessa forma, ou ainda o contrário, as coisas não devem mais ser assim.

[...] Será que mudei? Não. Continuo a pensar que o sistema de ensino contribui para conservar. Insisto sobre o contribui, o que é muito importante aqui. Não digo conserva, reproduz; digo contribui para conservar (BORDIEU, 2002, p. 13-14, itálicos no original).

Nesse caso, observa-se a diferença entre explicar e defender, e ainda a

contribuição que Bourdieu esperava trazer com sua teoria: que a comunidade

escolar, tomando ciência e consciência de como estava funcionando, sobre quais

valores estava agindo, sobre qual a função que a escola estava desempenhando

naquele contexto, pudesse parar para refletir e propor novos rumos e

encaminhamentos para aquela situação, se assim o desejasse.

4) Esperar que a teoria traga as respostas prontas é inútil e equivocado –

porém mais cômodo, porque aí está se remetendo a responsabilidade pela não

mudança da situação a um teórico e não a quem está ali na escola, como

profissional ou membro dessa comunidade.

Teorias, em especial na área das Ciências Humanas, não se propõem a

fornecer fórmulas prontas, porque seu objeto de estudo, o homem (com sua cultura

e história, entre outros aspectos), é muito específico. Explicar as ações e escolhas

humanas é muito diferente de explicar a fotossíntese – se forem feitos

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experimentos com plantas da mesma espécie, sob as mesmas condições, em

qualquer lugar do planeta Terra, eles fornecerão um padrão de resposta igual ou

muito similar. No caso do homem, há muitas variáveis que interferem nas

respostas. Porém há teorias que, apesar do tempo e do espaço distinto, podem ser

generalizadas, se não totalmente, em muitos de seus enunciados e explicações,

como é o caso da Teoria dos Campos Sociais de Bourdieu, que, frise-se, não se

aplica somente ao campo educacional.

Feitos os esclarecimentos sobre o que é e qual a função de uma teoria na

ação profissional na escola, é importante lembrar que, porque a maioria da

população brasileira de hoje passou pela escola, é muito comum todos se acharem

no direito de emitir opinião sobre ela. De certa forma, sim, é um direito, que é

exercido pela vivência, mas também reforçado pelo senso comum, que embora seja

importante elemento de nosso habitus não tem a preocupação necessária de

averiguar ou comprovar o que é dito: o senso comum é constituído

espontaneamente, e se pode ter relação com algum conhecimento científico,

comumente apropria-se deste de forma generalizante, nem sempre racionalizada,

não sendo necessárias comprovações para que explicações sejam tomadas como

verdades. O senso comum constitui grande parte das crenças cotidianas, nas quais

são apoiadas as experiências e práticas.

Assim é importante lembrar que na vivência profissional na Educação o

senso comum provavelmente perpassará muito da prática, mas, como profissionais

da Educação, ou, neste caso, pedagogos(as), a acomodação no senso comum

somente desmerece e desqualifica o trabalho profissional, porque, para dar opinião

e afirmar o senso comum, não é necessária uma formação própria para o exercício

da profissão.

Essa formação deve ser a base de distinção, no sentido de que a partir dela

são trabalhados subsídios para o desenvolvimento de conhecimentos específicos da

área, ou seja, há coisas ditas e compreendidas de forma mais simplista pelo senso

comum, mas que um profissional não pode aceitar como verdadeiras, nem

acomodar-se a elas de forma acrítica.

Cabe sempre lembrar, em relação à teoria e à prática, da proposta de Freire

(1996): “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação

Teoria/Prática, sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo”

(FREIRE, 1996, p. 22).

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Procure refletir sobre os conceitos de Bourdieu aqui apresentados.

Como eles se aplicam à realidade escolar?

De que forma podem auxiliar na compreensão desse campo, para a

proposição de encaminhamentos possíveis, na disciplina de História,

em sala de aula?

1.4 ENSINO DE HISTÓRIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Considerando os elementos abordados nesta unidade, que envolvem o

ambiente e a instituição escolar, é possível problematizar a própria formação de

professores, no sentido de definir o que é preciso estar presente como elemento

curricular. Qual a concepção de docência que cada curso assume? E, mais

particularmente, o que é necessário para a formação de um bom professor de

História, ou de um professor que saiba lecionar História?

Quanto às duas primeiras questões, é possível averiguá-las no projeto

pedagógico do próprio curso, no qual elas devem estar explicitadas, a fim de

orientar o desenvolvimento do mesmo. Até porque é delas que deriva a escolha das

disciplinas que o compõem, bem como as ementas de cada uma delas.

No caso do Curso de Pedagogia EaD da Universidade Federal do Paraná, a

formação é voltada para o Magistério da Educação Infantil e os Anos Iniciais do

Ensino Fundamental, ou seja, para a formação do professor da Educação Infantil e

do 1º ao 4º ano do Ensino Fundamental. Embora muitas das considerações

apresentadas neste texto extrapolem essa delimitação, por se aplicarem ao

contexto educacional e ao ensino de História de forma geral, o foco do curso terá

maior ênfase.

Por exemplo, são aqui assumidos alguns dos elementos apresentados no

Projeto Político Pedagógico do Curso, presentes em seu guia:

- o objetivo de formar “profissionais com competência para atuar na escola,

na formação de cidadãos em condições de participar da construção de uma

sociedade mais justa e igualitária e de nela conquistar um espaço de vida com

qualidade” (HARACEMIV; BRANCO, 2010, p. 17); e

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- a formação teórico-prática visada, que abrange “o domínio dos

pressupostos científicos, a compreensão do processo pedagógico na sua totalidade

e complexidade e pelo domínio dos fundamentos básicos do processo ensino-

aprendizagem” (HARACEMIV; BRANCO, 2010, p. 17).

Essas preocupações podem ser relacionadas à discussão sobre os sentidos

da escola e do ensino de História na escola e na sociedade contemporâneas, e

sobre dilemas que os envolvem. Suzanne Citron indicava que na França do final dos

anos de 1980 ocorria uma crise do sistema escolar, articulada à desestruturação

social e à perda da memória, que resultavam em processos de marginalização e

violência. Embora as reflexões dessa autora refiram-se a um outro contexto, é

possível identificar algumas semelhanças com o panorama brasileiro. Parte do

problema, a autora remete à escola:

O prolongamento generalizado da escolaridade obrigatória criou uma situação antropológica sem precedente: as sociedades que inventaram a escola, há mais de dois mil anos, reservavam a cultura escolar a uma minoria de privilegiados; pede-se hoje a todos os jovens que passem o seu tempo a instruir-se até aos dezesseis [sic] anos. Enquanto o estudo, para as aristocracias antigas, era lugar de trabalho desinteressado, elevação da alma, busca sem constrangimento, a escola ocidental, ao generalizar a todos a herança escolar, pretendeu, por um lado, fazer de todos os jovens os herdeiros da paideia, da memória cultural da elite e, ao mesmo tempo, decidir do seu futuro profissional e social, segundo as normas do seu insucesso ou sucesso. Contradição insuperável e projecto impossível mascarado pelo discurso dum pseudoigualitarismo que se exprime na fórmula ambígua de “a igualdade de oportunidades” (CITRON, 1990, p. 112).

Citron também problematiza se o currículo escolar adotado na França, que

foi organizado no século XIX, ainda atenderia às necessidades das sociedades

contemporâneas:

Hoje em dia, num mundo revisto e modificado pela ciência pós-newtoniana, que linguagens, que chaves, que estrutura de saberes utilizar para dar aos jovens, a partir da sua diversidade familiar e social, os meios para descodificarem o mundo que os rodeia, para traçarem as suas referências numa cultura tecnológica, audiovisual, informática? Como representarmos o universo em categorias contemporâneas e não segundo as do século passado? O fim proclamado da escola é transmitir “o” conhecimento e “o” saber. Poderemos fazê-lo sem nunca nos interrogarmos acerca do que se transmite? (CITRON, 1990, p. 113).

A proposta de Citron é priorizar o sujeito, “dar-lhe os meios para construir a

sua pessoa, para compreender o mundo em que vive, para se descobrir passo a

passo na imagem que os outros lhe dão e no seu próprio narcisismo, para aprender

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a comunicar, criar, lutar, construir” (CITRON, 1990, p. 117).

Considerando a busca pela superação desses dilemas, é necessário refletir

sobre a formação de professores, pois estes devem estar conscientes de sua

função, da função da escola e do ensino de História nessa instituição (este último,

no caso específico desta disciplina e deste material).

Faz-se necessário, então, considerar o habitus profissional em constituição

em um curso de formação de professores.

Pierre Bourdieu designa o habitus como as “disposições adquiridas pela

experiência, logo, variáveis segundo o lugar e o momento” (BORDIEU, 2004, p.

21). Ainda sobre o habitus:

Sendo produto da incorporação da necessidade objetiva, [...] necessidade tornada virtude, produz estratégias que, embora não sejam produto de uma aspiração consciente de fins explicitamente colocados a partir de um conhecimento adequado das condições objetivas, nem de uma determinação mecânica de causas, mostram-se objetivamente ajustadas à situação. [...] [Os agentes] fazem, com muito mais frequência do que se agissem ao acaso, “a única coisa a fazer”. Isso porque, abandonando-se às intuições de um “senso prático” que é produto da exposição continuada a condições semelhantes àquelas em que estão colocados, eles antecipam a necessidade imanente ao fluxo do mundo (BOURDIEU, 2004, p. 23).

Nesse sentido, a constituição intencional de um habitus profissional é

elemento inerente de um curso de formação de professores. Na medida em que

haja o reconhecimento de que ele é parte inerente da ação pedagógica, podem-se

propor estratégias para seu aperfeiçoamento, lembrando que o habitus profissional

decorre necessariamente do habitus constituído anteriormente, ou seja, reconhece-

se aqui que você, discente deste curso, já traz valores, crenças e atitudes

construídos ao longo de sua vida, antes de ingressar como aluno da Universidade

Federal do Paraná, e que isso não pode ser desconsiderado.

Ainda, é preciso lembrar que, para Bourdieu, o habitus é ao mesmo tempo

coletivo e individual, e que contribui significativamente para a reprodução da ordem

social, na medida em que esta não pode se dar sem a adesão, o reconhecimento e

mesmo a ação dos agentes e instituições envolvidos. Porém esse processo ocorre

de forma sutil, em geral inconsciente por parte dos agentes.

A constituição do habitus implica uma dialética entre ele e as significações

prováveis percebidas pelo agente, no sentido de que este tenderá a observar na

realidade elementos que reconhece e pensa compreender, resultando em práticas

que reforçam essa visão de mundo. Bourdieu denomina essa situação como

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“causalidade do provável”, uma vez as disposições incorporadas levam o agente a

limitar-se ao que entende como possível, considerando seu lugar no mundo.

A aplicabilidade desse conceito para a discussão desse momento tem alguns

desdobramentos principais em relação a alunos e professores.

Sobre os alunos, é interessante destacar um duplo sentido: as considerações

que seguem se aplicam tanto a vocês, professores em formação, que neste

momento são alunos do Curso de Graduação em Pedagogia, como necessariamente

servirão para as reflexões sobre como vocês, futuros professores, devem

compreender seus alunos em sala de aula.

Um pressuposto aqui assumido é o de que cada um tem conhecimentos

prévios e adquiridos externamente à escola e à Universidade, e que suas crenças,

valores e interesses são condicionados fortemente pelo ambiente em que viveram e

vivem. Também compartilham socialmente – mesmo que nem sempre

conscientemente – de compreensões sociais acerca da escola/Universidade, de sua

função na sociedade e da função ou contribuição do ensino de História em sua

formação. Parte dessa compreensão advém de suas experiências individuais. Nesse

caso, o reconhecimento desse cabedal de conhecimentos, valores e interesses é

fundamental para o professor refletir sobre o sentido da disciplina escolar História e

de conteúdos específicos dela, em seu planejamento e na ação pedagógica.

Quanto aos professores, admite-se que, embora o que se chama de

formação inicial, profissional, possa ser marcada pelo ingresso no ensino superior, o

professor em formação já traz consigo, em seu habitus, uma ideia sobre “ser

professor”, “ser aluno” e sobre o que é “ensinar História”. A Universidade deve

refletir sobre isso e sobre o que é ser professor no mundo contemporâneo: que

professor formar? Para quê? Quais conhecimentos e competências são necessários?

Como refletir sobre a complexidade da sociedade e da escola, de forma a oferecer

subsídios para o professor desenvolver-se e atuar profissionalmente?

São muitas as questões que poderiam partir destas, e este material não tem

a intenção de resolvê-las nem de esgotá-las, mas de contribuir com subsídios

introdutórios para sua compreensão e reflexão.

Considera-se aqui que os professores em formação já trazem pressupostos

advindos de sua experiência, acerca da escola e do ensino de História, que se

refletirão em sua prática docente. Considerando que o habitus é dinâmico, essas

certezas advindas do senso comum e da experiência podem ser revisitadas à

medida que problematizadas, no que este material busca contribuir, mas esta

problematização deverá ser contínua, mesmo após o curso, por diversos meios,

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Entreviste ao menos três professores ou pedagogos, fazendo-lhes as seguintes

perguntas: como você definiria “teoria”? Qual a função de uma teoria no campo

educacional? Você acha que o ditado “na prática a teoria é outra” aplica-se à escola?

Por quê? Dê um exemplo.

Em seguida, discuta as respostas com a turma, identificando as definições

apresentadas pelos entrevistados, se são pertinentes, se confirmam as proposições

trazidas nesta unidade, ou se e como se contrapõem a elas.

Importante: o objetivo desta atividade não é discutir com os entrevistados, nem

identificar suas fragilidades formativas, mas apenas averiguar quais são as concepções

presentes nas escolas que, na percepção dos entrevistados, justificam o uso da

expressão “na prática a teoria é outra”.

como leituras, material didático, cursos, palestras, conversas com outros

profissionais e mesmo novas experiências.

Também é importante lembrar que a apropriação que cada um faz de novas

informações é muito particular, e a tendência é que quanto mais pontuais forem

essas inserções, menos impacto terão no habitus e consequentemente na prática. O

mais provável é que ocorram pequenas mudanças, graduais, inseridas à medida

que o docente as reconheça como legítimas e se sinta confortável e um pouco

seguro, ao menos, em aplicá-las.

Finalmente, uma importante ressalva: ninguém ensina o que não conhece, e

se o professor tem informações apenas superficiais sobre a contribuição do ensino

de História e do tema a ser abordado dificilmente conseguirá apresentar, explicitar

e problematizar seu sentido e significado. Nesse caso, não há atividade, recurso ou

estratégia que resolva.

As unidades que seguirão neste livro trarão subsídios para essa reflexão,

com base na proposta da ementa desta disciplina: O ensino de História na

Educação Básica: pressupostos teórico-metodológicos, relação método–conteúdo,

avaliação.

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Sugestões de leituras complementares

BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.

35. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GONÇALVES, Nádia G.; GONÇALVES, Sandro A. Pierre Bourdieu: educação para

além da reprodução. Petrópolis: Vozes, 2010.

LOURENCETTI, Gisela C.; MIZUKAMI, Maria G. N. Dilemas de professoras em práticas

cotidianas. In: MIZUKAMI, Maria G. N.; REALI, Aline M. M. R. (Orgs.). Aprendizagem

profissional da docência: saberes, contextos e práticas. São Carlos: EDUFSCar,

2002, p. 49–69.

E ainda ...

ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) e GT de

História da Educação: http://www.anped.org.br.

SCIELO (Scientific Electronic Library Online): http://www.scielo.br.

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UNIDADE

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BREVE HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA

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2 BREVE HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA

A ignorância do passado não se limita a prejudicar o

conhecimento do presente: compromete, no

presente, a própria ação (Marc Bloch)

Por que começar pela História do Ensino de História?

Principalmente porque, pela forma como a História foi constituída como

disciplina escolar, ela traz marcas muito profundas, permanências que persistem,

apesar de nem sempre serem adequadas à sociedade contemporânea. Ou seja,

muitas características da História escolar fizeram sentido em certos contextos

históricos, mas ainda são assumidas como práticas escolares atuais, às vezes por

inércia, outras por comodismo ou mesmo por uma apropriação acrítica.

Assim, apresentando uma breve trajetória da História como disciplina

escolar, pretende-se evidenciar de onde vêm certas características que impregnam

o ensino de História, e dessa forma subsidiar um olhar mais crítico e fundamentado

para questionar a pertinência e as mudanças necessárias à compreensão e ao

ensino do conhecimento histórico na escola.

A epígrafe desta unidade assume, neste momento, um duplo sentido:

- de que é preciso conhecer a trajetória da disciplina escolar História para

poder discutir por que, o que e como ensiná-la hoje, identificando limites e

possibilidades que ela oferece; e

- de que a afirmação de Marc Bloch – um importante historiador francês da

primeira metade do século XX – pode ser assumida como uma das principais

justificativas para o ensino de História na escola. Porém, como será visto, essa

frase também leva à discussão necessária sobre que História deve ser ensinada,

uma vez que, da forma como por vezes ela é abordada em sala de aula, pouco

auxilia na compreensão do passado, do presente e muito menos inspira ou orienta

a ação sobre este último.

Nesta unidade será abordada, de forma breve, a trajetória da disciplina

escolar de História, com ênfase no caso brasileiro e no século XX, até o final da

ditadura civil-militar. Sempre que possível, foram trazidos para o texto documentos

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históricos para ilustrar e permitir problematizações das questões abordadas, a fim

de que se possa perceber de forma mais concreta as proposições em discussão.

2.1 HISTÓRIA COMO DISCIPLINA ESCOLAR

A disciplina escolar de História tem uma trajetória muito marcada por

contextos em que a função da escola era relacionada à formação de uma identidade

nacional. A proposta de ensino de História, no Brasil, estabelecida em especial

quando do início da República, deriva fortemente da proposta francesa, que, por

sua vez, é constituída em um contexto bastante específico, do final do século XVIII.

Na Europa, esse período foi marcado por movimentos sociais, políticos e

econômicos que culminaram nas Revoluções – Francesa e Industrial – e seus

desdobramentos no século XIX. Até então, embora os Estados tivessem controle

sobre a abertura de escolas, ainda eram principalmente as instituições religiosas as

responsáveis pelo ensino, de acesso bastante restrito (PETITAT, 1994, p. 141).

Aos poucos, com o surgimento e a organização dos Estados-Nações,

iniciados no século XVIII, ocorreu um aparente paradoxo: o pensamento liberal,

predominante nesse momento, propunha a menor responsabilização do Estado

frente à regulação da economia. Porém simultaneamente indicava que o Estado

deveria assumir o ônus da instrução pública, pois havia a percepção de que o que

garantiria a soberania e as fronteiras das nações em constituição não seria somente

a força, mas principalmente o sentimento, a identidade nacional, que deveria ser

orientada, fortalecida e difundida, de forma a atingir grande parte da população,

até mesmo para garantir a ordem social desejada pelos governantes.

Sobre este contexto, um trecho da obra “Considerações sobre o governo da

Polônia”, de Jean-Jacques Rousseau, do final do século XVIII, é bastante ilustrativo:

É a Educação que deve dar às almas sua forma nacional e dirigir de tal forma as suas opiniões e os seus gostos que elas deverão ser patriotas por inclinação, por paixão, por necessidade. Uma criança, ao abrir os olhos, deve ver a pátria, e até à morte, nada deve ver além dela. [...] Aos vinte anos, um polonês não deve ser outro homem; ele deve ser um polonês. Quero que, ao aprender a ler, ele leia sobre coisas do seu país, que aos dez anos ele conheça tudo que o país produz, aos doze todas as províncias, todos os caminhos e todas as cidades; que aos quinze ele saiba toda a sua história, aos dezesseis todas as leis, e que não tenha havido em toda a Polônia uma bela ação ou um homem ilustre que ele não tenha na memória e no coração. [...] Daí, poderemos depreender que não serão estudos comuns dirigidos por estrangeiros ou por padres que eu desejo oferecer às crianças. A lei deve regulamentar a matéria e a forma de seus estudos. Elas não devem ter como professores senão poloneses [...]. (citado por PETITAT, 1994, p. 142).

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Cabe aqui uma observação importante, sobre um tema que será abordado mais adiante: o

anacronismo. Esse termo significa, em História, avaliar e julgar pessoas, valores e fatos do

passado, a partir das informações, valores e práticas de hoje. Essa prática ocorre com

frequência na escola, mas um professor deve estar alerta: não podemos julgar o que era

proposto para a escola e a disciplina de História daquela época como ruins, ou limitados,

porque essas proposições eram decorrentes do contexto histórico daquela época, e

somente à luz daquela sociedade é que se poderia compreendê-los.

Assim, ao caracterizar naquele momento a disciplina escolar de História como bastante

informativa, e até mesmo enciclopédica, o objetivo não é realizar um julgamento de valor,

mas apenas afirmar que, naquele contexto, foi assim que ela e seu conteúdo foram

constituídos.

E qual a relação desse contexto com a disciplina de História?

A citação de Rousseau traz algumas pistas sobre o currículo escolar

desejável naquele momento: focada na pátria, com seus heróis, grandes feitos, o

que sugere heróis políticos e militares, principalmente. Quando o autor afirma que

“aos quinze ele saiba toda a história”, traz forte indicador da compreensão de

História e de sua função na escola, naquele momento: a escola deveria transmitir

muitas (ou todas) informações para seus alunos, selecionadas de forma a fortalecer

a identidade nacional, ou seja, os valores desejados pelos governantes, aqueles

que eles julgavam os melhores. E à História caberiam, então, todos os nomes,

datas e fatos. Não se encontra na citação de Rousseau nenhuma menção ao

pensamento crítico, porque de fato não era esse o propósito.

Estas características, marcantes para a escola e particularmente para a

disciplina escolar de História criaram raízes. É importante lembrar que, naquele

contexto, essa proposta fazia sentido. O problema é ainda hoje a disciplina ser

abordada da mesma maneira, pois isso indica, em geral, uma simples reprodução,

acrítica, de práticas, e não uma escolha consciente e justificada pedagogicamente.

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2.2 CAMINHOS DA ESCOLA E DO ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL (1500 A 1889)

No Brasil, a educação formal é marcada, inicialmente, pela ação jesuítica. O

padre Manoel da Nóbrega foi importante na organização dessa congregação na

então colônia portuguesa. No século XVI, suas atividades estavam organizadas em:

duas ‘instituições´ educacionais: as casas de bê-á-bá, voltadas particularmente para as crianças indígenas e mamelucas, e alguns colégios, cujos alunos eram os chamados ´internos´ [futuros padres da Ordem] e ´externos´, os filhos dos colonizadores portugueses (BITTAR; FERREIRA JR., 2007, p. 34).

Na figura 1, é possível observar a estrutura curricular desses colégios:

FIGURA 1 - ESTRUTURA DO ENSINO EM COLÉGIOS JESUÍTAS – SÉCULO XVI. FONTE: BITTAR; FERREIRA JR. (2007, p. 51).

Como pode ser observado, não havia menção a nenhuma dimensão histórica

nessa proposta. Essa organização e a ação dos jesuítas foram predominantes no

Brasil, por vários séculos, até sua expulsão pelo Marquês de Pombal, em 1759. É

importante saber que uma das razões para essa expulsão era a reforma

administrativa que ele coordenava, em Portugal, em sintonia com os princípios

liberais correntes na Europa no século XVIII, já mencionados, que criticavam o

ensino proporcionado por instituições religiosas – tanto, que os jesuítas foram

expulsos de Portugal e do Brasil. Embora esta não seja a única razão para a

expulsão – outro motivo foi, por exemplo, o grande poder e influência dos jesuítas

na então Colônia –, foi uma das mais importantes.

Humanidades (gramática latina + retórica)

Ofícios (artes

mecânicas)

Continuação dos estudos na

Europa

Doutrina cristã (catecismo bilíngue português–tupi)

Ler, escrever e contar em português

Canto orfeônico + Música

Instrumental + Teatro

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De acordo com Fernando de Azevedo, o impacto dessa decisão foi grande:

Para se avaliar a profundidade desse golpe para Portugal e especialmente para o Brasil, bastará lembrar ainda uma vez que, no momento de sua expulsão, possuíam os jesuítas só no Reino 24 colégios, além de 17 casas de residência, e na Colônia, 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, sem contar os seminários menores e as escolas de ler e escrever, instaladas em quase todas as aldeias e povoações onde existiam casas da Companhia (AZEVEDO, 1963, p. 539).

No período posterior à expulsão dos jesuítas do Brasil, algumas medidas

administrativas foram tomadas, visando a estabelecer responsabilidades sobre a

oferta de instrução pública, porém não obtiveram sucesso, devido a várias

dificuldades, entre as quais a escassez de professores – lembrando que até então a

maioria deles era de religiosos jesuítas – e a baixa remuneração. Mudanças nesse

panorama começaram a ocorrer, de forma localizada, na cidade do Rio de Janeiro,

somente no século XIX, com a vinda da família real ao Brasil, em 1808.

Como decorrência da transferência da sede do Reino para a Colônia, era

necessário oferecer formação para as pessoas que comporiam a administração, o

que ocorreu, de forma predominante, voltada para o ensino superior. Para a

população em geral, o ensino mútuo foi escolhido por D. João VI, em 1816, por ser

um “sistema menos dispendioso e mais racional” (VEIGA, 2007, p. 143).

Após a Independência, e ainda no período imperial, a instrução foi debatida

na Assembleia Nacional Geral e Constituinte, de 1823. Porém essa discussão

terminou de forma bastante vaga, na Constituição de 1824, pois nela não se

informava quem era responsável pela oferta da instrução primária, nem se garantia

sua oferta, embora houvesse a afirmação de que era gratuita a todos os cidadãos

(CHIZZOTTI, 2001, p. 50-51).

Em 1827, embora tenham sido estabelecidas diretrizes para a oferta da

instrução pública, cujos conteúdos deveriam ser ler e escrever, noções de

gramática e conteúdos de aritmética e geometria, “os princípios da moral cristã e

da doutrina da religião católica romana (...); preferindo para as leituras a

Constituição do Império e a História do Brasil” (SUCUPIRA, 2001, p. 58), houve

poucos avanços, dada a dispersão e o isolamento das iniciativas de organização

escolar. Por exemplo, de acordo com dados oficiais de 1832, havia 180 escolas no

Brasil, distribuídas por 9 províncias, sendo que 40 dessas escolas não tinham

professor (VIEIRA; FARIAS, 2007, p. 61).

Por outro lado, é importante identificar nessa indicação de conteúdos as

leituras da “Constituição do Império” e da “História do Brasil”. Essa diretriz está

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associada à necessidade de haver uma História do Brasil no momento de separação

de Portugal – ainda que esta tenha sido mais formal do que de fato, já que o filho

do Rei de Portugal permaneceu como Imperador. Embora com especificidades

distintas, em relação à Europa no século XVIII, identifica-se no Brasil um

movimento semelhante ao do europeu, no sentido de marcar, por meio da

legislação sobre a instrução pública, a necessidade de ir constituindo uma

identidade. Essa preocupação será potencializada a partir da Primeira República e

viabilizada a partir do final da primeira metade do século XX, e é inegável a

associação entre a função da escola e de seu currículo com preocupações mais

políticas que de fato educacionais, embora por vezes seja difícil distingui-las.

Em 1837 é criado o Imperial Collegio de Pedro II, inspirado nos liceus

franceses, com o seguinte plano de estudos:

incorporava estudos considerados clássicos, entre os quais a Gramática, a Retórica, a Poética, a Filosofia, Latim e Grego, e os estudos modernos, que incluíam as línguas ´vivas´, tais como Francês e Inglês e as Matemáticas, Ciências, História, Geografia, Música e Desenho” (VECCHIA, 2006, p. 82–83).

É relevante considerar, sobre essa instituição:

1) que tinha o propósito de ser referência e modelo para as demais

instituições de ensino do Brasil;

2) que era inspirada nos liceus franceses, ou seja, fortalecendo e

instituindo-se como exemplar um modelo que foi desenvolvido a partir de outro

contexto, de outra sociedade, a partir de especificidades históricas da Europa e da

França, particularmente; e

3) seu plano de estudos, que se encaixa no adjetivo “enciclopédico”, no

sentido de ser amplo, detalhado e informativo, características que foram

incorporadas na escolha de conteúdos a serem contemplados. É importante

destacar que no caso do Colégio Pedro II não havia menção à História do Brasil, ou

seja, o foco era a História que se conhece como Geral, focada em especial na

perspectiva eurocêntrica.

De forma geral, quando do final do Império, o panorama da instrução

elementar no Brasil era extremamente precário, em comparação ao número de

formados com ensino superior, fortalecendo a perspectiva que vinha sendo

constituída desde a chegada da família real, em 1808. De acordo com Fausto

(1999):

Em 1872, entre os escravos, o índice de analfabetos atingia 99,9%, e entre a população livre aproximadamente 80%, subindo para mais de 86% quando consideramos só as mulheres. [...] Apurou-se ainda

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que somente 16,85% da população entre seis e quinze anos frequentavam escolas. Havia apenas 12 mil alunos matriculados em colégios secundários. Entretanto, calcula-se que chegava a 8 mil o número de pessoas com educação superior no país. Um abismo separava, pois, a elite letrada da grande massa de analfabetos e gente com educação rudimentar (FAUSTO, 1999, p. 237).

Porém, em relação ao ensino de História, Schmidt e Cainelli (2004)

ressaltam que “a partir de 1860, as escolas primárias e secundárias começaram a,

sistematicamente, incluir em seus programas a história nacional” (SCHMIDT;

CAINELLI, 2004, p. 10). Embora nesse momento existissem relativamente poucas

escolas, observa-se que houve um início de movimento no sentido de abordar a

História do Brasil em seu currículo.

2.3 CAMINHOS DA ESCOLA E DO ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL (1889 A 1985)

O final do século XIX e o início do XX é um período fortemente marcado por

discussões acerca do Brasil como nação, a partir da Primeira República. Nesse

contexto, a instrução da população aparece nos debates de intelectuais e políticos,

muito em função das novas demandas, a partir da reorganização do Estado e do

panorama social e econômico que passa por grandes mudanças, devido à abolição

da escravidão. É a partir desse contexto que se identifica uma complexificação da

sociedade e uma crescente urbanização, com várias consequências, entre as quais

a ampliação da demanda por instrução pública, dadas as oportunidades de

mobilidade, ascensão social e trabalho para pessoas letradas.

Para Veiga (2007), nesse contexto:

[...] a educação brasileira vive um momento contraditório. Ocorre, de um lado, uma importante movimentação intelectual e política para a melhoria da qualidade pedagógica do ensino, enquanto as escolas públicas primárias funcionam em condições extremamente precárias em grande parte do Brasil (VEIGA, 2007, p. 184).

Algumas das preocupações de políticos e intelectuais, bem como o embate

de ideias naquele momento, refletiram-se na Constituição de 1891, que apregoava

que “será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos” (art. 72) e

instituía as responsabilidades no campo educacional: caberia à União o ensino

superior e o secundário, e aos Estados, o ensino primário e o profissional. Por outro

lado, não era garantida a gratuidade do ensino.

Nesse contexto, o ideário positivista era bastante forte, embora não

homogêneo, e perpassava as discussões sobre a nação, o Estado e,

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consequentemente, sobre a Educação. Uma boa referência para esse ideário é o

lema da bandeira brasileira: “Ordem e Progresso”, que exprime a concepção de

mundo e de sociedade defendida naquele momento, que tinha consequências sobre

o olhar para a educação, em uma proposição muito parecida com aquela da Europa

no final do século XVIII.

Uma especificidade no caso brasileiro era a discussão acerca da população

brasileira, resultante de forte miscigenação, que dificultava a desejável identidade

nacional. Esse panorama era agravado pelo analfabetismo, que aparecia como um

dos principais desafios para o progresso: “O maior mal do Brasil contemporâneo é a

sua porcentagem assombrosa de analfabetos. (...) O monstro canceroso, que hoje

desviriliza o Brasil, é a ignorância crassa do povo, (...) esterilizando a vitalidade

nativa e poderosa de sua raça” (SAMPAIO DORIA, 1923, citado por CARVALHO,

2000, p. 227).

Dessa forma, proposições higienistas, eugenistas e civilizatórias em

discussão à época tiveram forte impacto sobre as diretrizes para a Educação, por

exemplo, no que se refere à construção de edifícios para a instalação de grupos

escolares e de práticas neles desenvolvidas (VEIGA, 2007). Segue exemplo de

procedimentos para inspeção de alunos, propostos por um médico em sua tese da

Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, escrita em 1922:

Primeiro dia de aula. O professor dá boas-vindas aos alunos e, por todos os modos possíveis, procura captar-lhes a simpatia e incutir-lhes amor ao trabalho. Entre as coisas que pede está a observância do asseio. Diz a sua importância e especifica o que entende por asseio: limpeza rigorosa das mãos, unhas, rosto, boca, pescoço, orelhas, cabeça; arranjo dos cabelos; ordem e asseio da roupa, dos sapatos; lenço no bolso. Essa enumeração, tão minuciosa quanto possível, é indispensável. O aluno não compreende a expressão genérica de asseio. (...) Para capacitar-se de que foi entendido pela classe, o professor fará com que algumas crianças repitam a explicação. Em seguida, prometerá proceder, diariamente, no início da aula, a uma inspeção de cada aluno, para verificar se todos praticaram o que foi pedido. No dia seguinte, fazendo desfilar a classe diante de si, o professor examinará os alunos um por um: estão as unhas aparadas e limpas? As mãos limpas? O rosto? Cabeça e os cabelos? O aluno está calçado? Etc. Ao mesmo tempo em que examina irá chamando a atenção para as falhas, ou louvando e encorajando os acertos. De vez em quando, terá que mandar um ou outro à torneira: fá-lo-á sem alarde nem repugnância (ANTONIO DE ALMEIDA JÚNIOR, 1922, citado por VEIGA, 2007, p. 263, grifo nosso).

Nas proposições, evidencia-se o tipo de público ao qual a escola se

destinava, no sentido de que o professor já deveria esperar uma ignorância em

relação à concepção do que era asseio e de que este não fosse uma prática dos

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alunos, ou seja, não recebiam esse tipo de orientação em casa, por parte de suas

famílias. À escola cabia, assim, não só o papel de levar essa instrução aos alunos,

mas também contribuiria para uma possível mudança nos hábitos familiares de

forma geral, por meio do estímulo, inspeção e cobrança por parte do professor,

para que esses hábitos fossem aos poucos cultivados.

Na dimensão mais cívica, sob a preocupação de fomentar uma identidade

nacional, o que tem início no período imperial, mas em especial a partir do início da

Primeira República, é possível notar na escola e em seu currículo uma orientação

semelhante à identificada na França nos séculos anteriores, embora com

especificidades do caso brasileiro. Buscava-se fortalecer o espírito nacionalista,

patriótico, não somente por meio da escola, mas esta sendo um dos principais

elementos disseminadores desse novo ideário.

Houve nesse contexto o fortalecimento da preocupação de constituição da

História do Brasil, a fim de fundamentar essa identidade. Muitos símbolos nacionais

e heróis são criados nesse momento. Criados, no sentido de que uma determinada

versão sobre aqueles fatos ou personagens foi divulgada como “a” verdade. Essa

versão histórica é assumida como enobrecedora, como indícios já existentes mas

antes desconhecidos, acerca da nobreza e caráter do povo brasileiro.

No livro “Inaugurando a História e construindo a Nação: discursos e imagens

no ensino de História” (SIMAN; FONSECA, 2001), esse contexto e essa questão são

abordados por vários autores, dos quais podemos destacar o exemplo do quadro A

primeira missa no Brasil, de Victor Meirelles. Esta obra, de presença muito comum

em livros didáticos, encomendada pelo governo imperial e apresentada em 1860,

“buscava passar para a tela uma determinada concepção de Pero Vaz de Caminha”

(SIMAN; FONSECA; 2001, p. 11). Por sua vez, a carta de Caminha relatava essa

primeira missa como um momento ritual, no qual reunia “índios (pagãos) e

portugueses (católicos) e dava à igreja a centralidade necessária a esse processo

que culminaria com a conformação de um Estado” (SIMAN; FONSECA; 2001, p. 11–

12). As autoras destacam essa pintura como épica, e com uma função bastante

evidente de contribuir para a construção de uma determinada imagem da nação

brasileira, ao ponto de tornar-se quase que “uma espécie de verdade visual do

episódio” (SIMAN; FONSECA; 2001, p. 12), tal a ênfase dada a ela como retrato

daquele momento, por várias décadas, nas escolas.

Outro exemplo clássico é a pintura “Tiradentes esquartejado” (1893), de

Pedro Américo, ou, mais ainda, a figura de Tiradentes retratado por Décio Villares

em 1890, em que ele é representado de forma muito parecida com Jesus Cristo.

Não por acaso, o Dia de Tiradentes – 21 de abril – foi o primeiro feriado nacional,

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decretado no início da República.

Nesse caso, a obra, inaugurada já na Primeira República é também uma

tentativa clara de fortalecer a imagem de um herói brasileiro. Furtado (2001)

analisa fontes e produções acadêmicas sobre esse tema, mostrando a diversidade

de interpretações sobre a Inconfidência Mineira ao longo do tempo. Documentos e

relatos esses muito articulados aos seus momentos de produção, nos quais é

possível identificar, sobre o alferes Joaquim José da Silva Xavier, informações que o

tratam com indiferença, ou como mais um criminoso comum, ou como um

criminoso que deve ser tratado de forma exemplar ou, ainda, gradativamente (e

em especial a partir da Primeira República), como herói, que se sacrificou por um

ideal nobre de independência do Brasil e do povo brasileiro do domínio português.

A bandeira brasileira, em sua versão atual, é outro importante símbolo. Foi

adotada a partir de 19 de novembro de 1889, lembrando que o lema nela inscrito

estava em sintonia com o ideário positivista presente naquele contexto e que cada

detalhe do seu desenho também tem um significado específico.

O hino nacional teve uma trajetória menos rápida do que a bandeira:

embora a música fosse a mesma, a versão da letra proposta por Joaquim Osório

Duque Estrada em 1909 foi oficializada somente em 1922, por um decreto

presidencial.

Essa preocupação com o fortalecimento da identidade nacional, do

patriotismo, teve na escola um de seus principais focos de disseminação desses

ideais, durante a maioria das décadas do século XX, embora com razões e ênfases

distintas ao longo do tempo.

Nesse contexto, é preciso lembrar o método de ensino predominante:

A memorização era a tônica do processo de aprendizagem e a principal capacidade exigida dos alunos para o sucesso escolar. Aprender era memorizar. Tal concepção de aprendizado, fundamentada no desenvolvimento da capacidade do aluno em memorizar, criava uma série de atividades para “o exercício da memória”, constituindo os chamados métodos mnemônicos. [...]

Na prática [...] parece ter prevalecido não exatamente a preocupação com uma memorização ativa, mas simplesmente com a decoração de nomes e dados dos grandes heróis e dos principais acontecimentos da história nacional. [...] Para consolidar a memória histórica, as escolas passaram a preparar com muito esmero as comemorações e festas cívicas, utilizando estratégias pedagógicas que envolviam músicas, teatros, desfiles e toda uma série de rituais, com a participação de alunos e suas famílias, ao lado das autoridades públicas (BITTENCOURT, 2004, p. 68–69).

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De certa forma, a citação acima ilustra práticas predominantes em relação

ao ensino de História na maioria das décadas do século XX, mesmo que diretrizes

oficiais propusessem ações diferentes delas.

2.3.1 Escola e História no Estado Novo

Por exemplo, durante o Estado Novo (1930–1945) houve uma política

nacionalista muito forte, com ênfase na formação da juventude, o que refletiu nas

práticas e no currículo da escola, e não somente na disciplina de História. Três

estudos de História das disciplinas escolares podem ilustrar esse contexto, a partir

de uma instituição escolar em comum, o Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba

(que, à época, era chamado de Ginásio Paranaense): Chaves Jr. (2004) trata da

Educação Física, Lemos Jr. (2005) do Canto Orfeônico e Kawka Martins (2006), da

História. Os autores trabalham a relação entre as reformas educacionais para o

ensino secundário no governo getulista e seus objetivos pedagógicos e identificam

formas de orientação normativa legal, que associam currículo e práticas escolares

ao ideário governamental.

Na Educação Física, Chaves Jr. (2004) encontrou indícios do papel dessa

disciplina como coadjuvante no processo de desenvolvimento da nação,

fortalecendo os corpos e ajudando a formar mentes. Uma fonte ilustrativa dessa

perspectiva é a imagem abaixo, da sala de ginástica do Ginásio.

FIGURA 2 - SALA DE GINÁSTICA DO GINÁSIO PARANAENSE – ANOS DE 1940. FONTE: ACERVO DO CENTRO DE MEMÓRIA DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ.

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Pintado ao fundo da sala, o brasão do Ginásio e o lema: “Pelo Brasil: mente

sã em corpo são”. Nesse caso, a ênfase na disciplina dos corpos e em seu

fortalecimento no sentido de serem saudáveis para melhor servir à pátria é

reforçada por outras ações, muitas de origem militar, como marchas, fanfarras e

bandas marciais, e a criação do movimento Juventude Brasileira (1938–1945), cujo

lema era “Por Deus e pelo Brasil”.

Esse movimento, cuja missão era “inculcar valores cívico-patrióticos nas

crianças e jovens, formar um corpo militar de elite, promover um meio de extensão

escolar e auxiliar na manutenção do regime político do país” (STEIN, 2008, p. 8), é

analisado em seus desdobramentos em Curitiba por Cristiane Stein (2008), que

problematiza aproximações da Juventude Brasileira com as juventudes da Europa,

em especial a “hitlerista”, já que:

ambas tinham estratégias semelhantes de inculcação do sentimento de raça, uma extrema preocupação com a preparação física e o culto ao corpo. Esse movimento esteve presente dentro do universo escolar e utilizou a escola como principal veículo da propagação de seus ideais (STEIN, 2008, p. 8).

Por outro lado, o trecho abaixo ilustra pensamentos relativos a princípios

eugenistas e higienistas presentes no início dos anos de 1930, que impactaram nas

diretrizes para a escola. A partir deles, era manifestada a preocupação com a raça

brasileira, que poderia ser melhorada por diversas ações, entre as quais o

branqueamento da população.

Os elementos bárbaros que formam o nosso povo estão sendo, pois, rapidamente reduzidos: a) pela atuação estacionária da população negra; b) pelo aumento contínuo dos afluxos arianos nestes últimos tempos; c) por um conjunto de seleções favoráveis que asseguram, em nosso meio, ao homem da raça branca, condições de vitalidade e fecundidade superiores aos homens de outras raças (OLIVEIRA VIANA, 1933, citado por VEIGA, 2007, p. 261).

Na escola, práticas deveriam contribuir para esse fortalecimento, como as

mencionadas a respeito da Educação Física. Nessa mesma perspectiva, a disciplina

de Canto Orfeônico. Lemos Jr. (2005) ressalta que a sua finalidade nem sempre

priorizava o desenvolvimento da sensibilidade musical e estética. Outros objetivos,

encontrados nas fontes, eram: disciplinar e socializar os alunos, melhorar a

respiração e a circulação sanguínea e contribuir para a homogeneização cultural.

Embora fossem ensinadas músicas eruditas e populares, hinos estavam também

muito presentes, tanto nas aulas quanto nas apresentações, em especial nas

comemorações cívicas, como pode ser observado no Programa Comemorativo da

Semana da Pátria, publicado no jornal dos estudantes do Ginásio Paranaense, em

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10 de novembro de 1941 (Figura 3). Nele, podem-se observar os diversos

momentos de inserção musical, em geral hinos cívicos.

FIGURA 3 - PROGRAMA PARCIAL DA SEMANA DA PÁTRIA – GINÁSIO PARANAENSE (1941). FONTE: JORNAL DO GINÁSIO PARANAENSE EXTERNATO (10/11/1941). DISPONÍVEL NO ACERVO DO CENTRO DE MEMÓRIA DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ.

A disciplina de História também tinha forte responsabilidade nessa formação

cívica e patriótica. Kawka Martins (2006) identifica, a partir dos relatórios de

inspetores escolares da época, que estes os escreviam:

[...] como se tivessem assistido a muitas aulas dos professores e pretendiam demonstrar como estes estariam seguindo à risca as recomendações metodológicas, ou seja, nas primeiras séries do secundário, os professores trabalhavam um caráter mais episódico e biográfico da História e, nas séries seguintes, um maior aprofundamento intelectual que exigia mais dos alunos. A questão do trabalho com as imagens também era uma recomendação que os

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professores seguiam e que dava ótimos resultados, segundo os inspetores (RANZI; GONÇALVES, 2010, p.39).

Porém ela problematiza essa informação, já que os relatórios são muito

semelhantes entre si, propondo que na verdade eram mais formais, não retratando

o que ocorria de fato em sala de aula. Mesmo a partir desse questionamento, é

possível afirmar que, se os inspetores faziam esses registros, já havia a orientação

de que as aulas não fossem tão focadas na memorização, o que pode ser

compreendido a partir de influências da Escola Nova nesse contexto. Por exemplo,

o Ginásio dispunha de uma sala ambiente para o ensino de História, com mapas e

materiais didáticos, o que pode ser observado na Figura 4.

FIGURA 4 - SALA DE HISTÓRIA DO GINÁSIO PARANAENSE – FINAL DOS ANOS DE 1930. FONTE: ACERVO DO CENTRO DE MEMÓRIA DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ.

Além disso, a autora destaca o processo de imposição na comemoração de

determinadas datas criadas pelo governo de Getúlio e demonstra como a instituição

escolar contribuiu para essa exaltação nos dias “da raça”, “aniversário do

presidente Getúlio” e no dia de “comemoração da instalação do Estado Novo”.

Essas datas foram acrescidas às comemorações já existentes e mantidas, como o

dia da Bandeira e o dia da Pátria. A forma de comemoração também variava. Por

exemplo, o dia da Raça e o dia Pátria eram celebrados externamente, diante de

toda a comunidade, e outras, como o dia do Professor e o dia da República, no

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interior da escola. A participação dos estudantes era muito significativa e elogiada

pela imprensa local.

Sobre o conteúdo abordado em aulas de História, um exemplo é bastante

ilustrativo. Trata-se do livro “História do Brasil para Crianças”, de Viriato Corrêa,

que teve sua primeira edição em 1934, sendo que a referência aqui utilizada é de

sua 19ª edição, de 1955, havendo a indicação de “110 milheiros” abaixo do número

de edição. Ele fazia parte da Biblioteca Pedagógica Brasileira, e tantas edições

neste período permitem afirmar que era considerado adequado tanto ao objetivo

das escolas, como dos governos de então, sobre a História que trazia, e que foi

utilizado para formar várias turmas e gerações de alunos, contribuindo para fixar

na memória coletiva essa versão da História.

Sua capa e contracapa já trazem indícios do tipo de abordagem da História

com grandes homens e heróis: a formação da nação, com os indígenas retratados

como bravos, valentes; o escravo negro feliz pela abolição; o papel marcante dos

jesuítas, sendo que, na figura, uma criança indígena está junto ao padre,

abraçando-o como que buscando proteção e afeto, em uma atitude de confiança;

os bandeirantes, corajosos desbravadores; as bandeiras e os heróis militares; e um

esboço de Tiradentes – que está cortado pela deterioração da lombada do livro –,

entre outros personagens.

FIGURA 5 - CONTRACAPA E CAPA DO LIVRO HISTÓRIA DO BRASIL PARA CRIANÇAS. FONTE: CORRÊA (1955).

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Merece destaque a epígrafe do livro: “Neste livro procura-se dar às crianças

apenas a superfície vistosa da história brasileira. Nada de filosofia. Nada de

profundos aspectos históricos que lhes possam causar bocejos” (CORRÊA, 1955, p.

11). Ou seja, não seria preciso que a criança pensasse ou problematizasse ou

compreendesse mais profundamente os temas, apenas que recebesse as

informações. A estrutura do livro é organizada com um vovô contando a História do

Brasil para seus netos, portanto, na forma de diálogos.

Embora as transcrições que seguem, do último capítulo do livro, sejam um

pouco longas, são necessárias para demonstrar que, afinal, ao menos alguns

trechos do livro não deveriam conseguir evitar bocejos por parte das crianças, e

também o que era considerado importante que os leitores soubessem sobre a

História do Brasil.

Capítulo LIX

PALAVRAS DO FIM

Da Inconfidência Mineira à República. Os grandes brasileiros. A história que devemos prezar. O Brasil de amanhã.

Quando se proclamou a República, disse Vovô, faltavam apenas dez anos para o Brasil completar quatro séculos. Já vocês conhecem os grandes homens que tivemos desde o descobrimento até a inconfidência mineira. Vejamos agora os que apareceram da inconfidência até a proclamação da república, só até a proclamação da república.

Da inconfidência à república o Brasil se adiantou mais, muito mais do que durante os trezentos anos anteriores. Portanto, os homens de inteligência e de saber foram em número muito maior que nos três primeiros séculos.

- Vamos lá saber os nomes dêles, disse Mariazinha, espalhando-se no banco do jardim, disposta a ouvir.

- Não vou dizer o nome de um por um, porque isso seria um nunca acabar. Apenas o nome dos principais, dos maiores.

Comecemos pelos prosadores. O número é grande, mas os mais notáveis são: João Francisco Lisbôa, Machado de Assis, Rui Barbosa, João Ribeiro e Coelho Neto.

- E os poetas? Lembrou Pedrinho.

- O número ainda é maior do que o dos prosadores, disse o velho. Mas, acima de todos, estão Gonçalves Dias, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Luiz Delfino, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Vicente de Carvalho, Augusto de Lima, Luiz Murat.

- E pintores? perguntou a Quiquita.

- Dois, os grandes: Vitor Meireles e Pedro Américo (CORRÊA, 1955, p. 233–235).

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O capítulo segue com a mesma estrutura, nomeando romancistas, músicos,

jornalistas, oradores, escritores de direito, escritores de teatro. Em continuidade:

- E soldados? Não houve nenhum grande soldado? Perguntei.

- Houve dois, os dois maiores soldados do Brasil: o duque de Caxias e o general Osório.

A Quiquita atalhou:

- Eu notei que Vovô falou quatro vêzes em Rui Barbosa. Como prosador, como jornalista, como escritor de direito e como orador.

- Sim, porque êle era tudo isso. Rui Barbosa foi o homem de maior inteligência e de maior saber que o Brasil já teve em todos os tempos.

E, depois de ficar calado durante dois ou três minutos, falou:

- Aí têm, meus meninos, a história comprida que eu queria contar a vocês. É bonita? É feia? Não sei. O que sei é que devemos prezá-la, porque ela é a história da nossa pátria.

Amemos o mundo inteiro, mas amemos particularmente a terra em que nascemos.

- E qual o melhor meio de amar a nossa terra? Perguntou a Quiquita.

- Procurando engrandecê-la, respondeu o velho.

- E como é que a gente a engrandece? Indagou o Pedrinho.

- Trabalhando, estudando, praticando belas ações. Muita gente por aí vive a dizer que o Brasil é o mais rico país do mundo. Rico por quê? Porque possue um território colossal. Mas não é porque tenham imensas terras que os povos são grandes. O que engrandece os povos é o trabalho, a inteligência, o caráter, o estudo.

E de pé, com voz trêmula, emocionada:

- A grandeza do Brasil depende de vocês, meus meninos. As crianças é que são o futuro de um país. Se vocês seguirem o exemplo dos grandes homens que eu acabei de nomear, se trabalharem, se estudarem, se cultivarem a inteligência, o Brasil amanhã poderá ser a mais bela, a mais rica, a primeira nação do mundo (CORRÊA, 1955, p. 235–236).

Por vezes, ao ser citada a característica cívica e patriótica do ensino de

História daquele contexto, para quem ouve essa informação nos dias de hoje,

parece algo estereotipado, mas, observando esse capítulo do livro de Viriato

Corrêa, é possível perceber como esses valores, se compreendidos naquele

momento histórico, faziam muito sentido e eram aceitos, legitimados, reconhecidos

como importantes pela sociedade da época e também por aqueles que compunham

as escolas.

Atualmente, muitos dos nomes mencionados pelo Vovô como grandes

homens são questionados pela historiografia, em relação às suas biografias

heroicas. Nas pesquisas em História, busca-se desconstruir esses mitos, justamente

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explicando como foram construídos, em determinados contextos, e para quais

finalidades.

Nesse caso, volta-se à questão do anacronismo: passado o período do

Estado Novo, foi muito comum haver várias críticas a essa dimensão formativa das

escolas, que foi uma das estratégias de Vargas para manter-se no poder por 15

anos, o que atualmente é compreendido como uma ditadura. Mas para grande

parte da população da época, ele não foi percebido como um ditador. Em parte,

claro, porque, ao controlar os meios de comunicação da época e fortalecer a sua

própria imagem como “pai dos pobres”, Vargas disseminava uma representação

positiva de seu governo. Mas também é preciso lembrar que boa parte da adesão

da população e do efeito que ele obteve com esses mecanismos decorreu de sua

percepção dos valores cultivados na sociedade, de que ele soube fazer uso,

associando-os ao seu discurso e à sua imagem. Assim, não se pode julgar o

passado pelos valores e conhecimentos de hoje, pois se isso for feito corre-se o

risco de extrair desse passado sua especificidade e elementos contextuais que

determinaram que os processos históricos se dessem daquela forma.

2.3.2 História e Estudos Sociais no período democrático (1945–1964)

Embora possivelmente elaborado ainda durante o Estado Novo, outro

exemplo de abordagem do conteúdo de História pode ser obtido do livro História do

Brasil, de Garcia e Carone (1946), este com organização voltada diretamente para

uso escolar, sendo indicado para a 3ª série do Curso Ginasial. Naquele contexto, a

partir da Reforma Capanema, havia o primário, de quatro anos, e o secundário,

dividido entre o curso ginasial, de quatro anos, e o colegial (clássico ou científico),

de três anos.

O livro traz o Programa de História para a terceira série do Curso Ginasial –

que, se comparada com o Ensino Fundamental de oito anos, corresponderia à 7ª

série, agora 8º ano.

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FIGURA 6 - PROGRAMA DE HISTÓRIA PARA A TERCEIRA SÉRIE GINASIAL (1946). FONTE: GARCIA E CARONE (1946).

Considerando que este era o programa para um ano de estudos, a

perspectiva enciclopédica parece ser a adotada. Outros elementos reforçam a

constatação de várias permanências na abordagem da disciplina em relação ao seu

conteúdo e ao que se julgava importante que os estudantes soubessem sobre a

História.

3. O GRITO DO IPIRANGA

Querendo obter mais firmemente o apoio de S. Paulo, dirigiu-se D. Pedro a esta capitania. Quando voltava de Santos, a 7 de Setembro de 1822, às alturas do riacho Ipiranga, recebeu a correspondência urgente que D. Leopoldina, sua espôsa, e José Bonifácio lhe haviam mandado. Eram as últimas notícias e medidas tomadas pelas côrtes portuguesas. Tinha sido nomeado um novo ministério para o Brasil. Medidas severas foram tomadas contra os patriotas e D. Pedro era intimado a voltar imediatamente para Portugal. A execução destas ordens seria a volta do Brasil ao estado de colônia.

D. Pedro, ao tomar conhecimento dos decretos portuguêses, indignado declarou rompidos os laços que uniam o Brasil a Portugal. Todos os membros da comitiva, ao grito de D. Pedro, “Independência ou Morte”, entusiasticamente, atiram fóra as fitas de cores portuguesas que ornamentavam suas fardas. [...]

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São Paulo recebeu D. Pedro com grandes festas. A alegria dos brasileiros foi enorme.

De volta ao Rio é também recebido festivamente. E a 12 de Outubro do mesmo ano foi êle aclamado, com tôda a pompa “Imperador do Brasil” (GARCIA; CARONE, 1946, p.165 e 167).

Observa-se o relato informativo e idealizado como um retrato fiel daquele

momento, o que depois será reforçado pelo quadro de Pedro Américo, intitulado

Independência ou Morte, que ficou conhecido como O Grito do Ipiranga (1888).

Essa versão e a pintura, juntas, estiveram presentes em boa parte dos livros

didáticos de História quando abordavam o tema até quase o final do século XX.

Um outro elemento a ser destacado nesse livro é o questionário proposto

para esse capítulo, em especial as perguntas referentes ao trecho acima transcrito:

Por que D. Pedro foi a São Paulo? Por que um emissário urgente veio procurar D. Pedro em São Paulo? Que resoluções haviam tomado as côrtes portuguesas em relação ao Brasil? Qual foi a reação de D. Pedro ao tomar conhecimento das resoluções das côrtes portuguesas? Quando foi proclamada a Independência e em que local? Qual foi a reação dos brasileiros ao saberem que D. Pedro proclamara a Independência? (GARCIA; CARONE, 1946, p. 168).

Como pode ser observado, a proposição está coerente com a perspectiva de

memorização, já explicitada anteriormente por Bittencourt (2004). As perguntas

podem ser respondidas copiando-se os trechos do texto no local certo, ou

decorando as informações, o que está coerente com a função atribuída à escola

naquele contexto e com o método por ela assumido. Essa perspectiva é, de certa

forma, uma permanência nas práticas relativas à disciplina de História, ao longo de

quase todas as décadas do século XX. Por ora, essa é apenas uma constatação, que

será problematizada nas unidades seguintes.

Os atualmente chamados Anos Iniciais do Ensino Fundamental

correspondiam à escola primária nos anos de 1960. Nesse caso, a História não era

uma disciplina específica, já que os conteúdos históricos faziam parte da matéria de

Estudos Sociais.

Segundo Bittencourt (2004), propostas para Estudos Sociais surgiram a

partir dos anos de 1930, em geral reunindo conteúdos de História, Geografia e

Civismo. Em especial, elas tinham origem na crítica que se fazia à História

ensinada, que abordava o passado pelo passado, e visavam propor um novo

sentido para esses conteúdos, mais pragmático. Essas proposições estavam ligadas

à Escola Nova, particularmente a Anísio Teixeira (VIANA, 2006, p. 25).

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Em 1962, o Ministério da Educação e Cultura, cujo ministro era Darcy

Ribeiro, criou um Programa de Emergência, que visava à publicação de livros que

subsidiassem o trabalho do professor em sala de aula, reunidos sob a coleção

Biblioteca do Professor Brasileiro, que seria distribuída a todos os professores e

professoras do país.

Tal coleção era composta pelas seguintes obras: Atlas Histórico e Geográfico

Brasileiro, Dicionário Escolar do Professor e seis guias para o ensino de Linguagem,

Matemática, Estudos Sociais, Ciências, Recreação e Jogos, e Música. Dessa forma, é

possível identificar o currículo proposto para a escola primária da época.

No exemplar relativo a Estudos Sociais, é interessante destacar vários

aspectos. Primeiro: na capa está escrito Biblioteca da Professôra Brasileira, no

feminino, mas dentro as referências ao nome da coleção estão no masculino. Tal

opção talvez se deva ao fato de, nesse período, a maioria do corpo docente da

escola primária ser composta por mulheres, que dessa forma estariam prestigiadas.

Segundo: a estrutura do livro de fato corresponde a um guia para o ensino

de Estudos Sociais, no sentido de ser um planejamento completo para os

professores. Para cada ano o livro segue a mesma organização geral:

a) Tema central, a ser abordado em cada ano letivo: 1º ano – A criança em

seu nôvo ambiente (a escola); 2º ano – A comunidade e o trabalho; 3º ano –

Novas formas de vida e aproveitamento dos recursos naturais no sentido da

melhoria e progresso das condições de vida; 4º ano – A realidade brasileira; 5º ano

– Cidadania fundada no conhecimento da realidade brasileira.

b) Objetivos, a serem trabalhados com o tema. Para o 1º ano, eles abordam

hábitos, atitudes e conhecimentos; para os demais, objetivos e programa.

c) Conteúdos, variáveis a cada ano em função do seu respectivo tema.

d) Atividades sugeridas, com um rol de propostas a serem desenvolvidas em

classe e extraclasse; e

e) Avaliação, seja “do rendimento escolar para orientação da atividade pela

professôra”, “do rendimento escolar”, “dos trabalhos e fixação de noções no 3º

ano”, ou “com respeito a hábitos e atitudes sociais” ou “a conhecimentos e

habilidades”.

Após esse planejamento, há uma sessão intitulada “Sugestão de bibliografia

auxiliar”, dividida em: I – Livros para os alunos, indicados por ano escolar; II –

Livros com informações para o professor; III – Outros recursos (filmes, diafilmes,

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músicas); IV – Bibliografia nacional consultada; e V – Bibliografia estrangeira

consultada.

Terceiro: cada tópico é desenvolvido em detalhes. O guia de Estudos Sociais

tem 521 páginas, o que indica o investimento do MEC, tanto para a produção desse

material quanto para sua publicação e distribuição no país. Tal preocupação

possivelmente estava relacionada à fragilidades na formação de professores da

época, mas também ao propósito de garantir alguma homogeneidade na educação

primária.

Embora não haja nenhuma menção no livro acerca da primeira Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada no ano anterior (Lei no 4.024,

de 20/12/1961), talvez essa iniciativa estivesse a ela relacionada, pois nela o

ensino primário é destacado:

Art. 25. O ensino primário tem por fim o desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança, e a sua integração no meio físico e social.

Art. 26. O ensino primário será ministrado, no mínimo, em quatro séries anuais.

Parágrafo único. Os sistemas de ensino poderão estender a sua duração até seis anos, ampliando, nos dois últimos, os conhecimentos do aluno e iniciando-o em técnicas de artes aplicadas, adequadas ao sexo e à idade.

Art. 27. O ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos e só será ministrado na língua nacional. Para os que o iniciarem depois dessa idade poderão ser formadas classes especiais ou cursos supletivos correspondentes ao seu nível de desenvolvimento (BRASIL, 1961).

Quarto: conteúdos históricos estão presentes, com maior ou menor ênfase,

em todos os anos, como pode ser observado no Quadro 1, que traz exemplos deles.

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Ano Tópico Trechos ilustrativos

1º Valorização de

fatos e homens

de interesse

histórico e

aquisição de

noções básicas

para a formação

do conceito de

História

“O preparo da criança relativamente à formação do conceito de

História, no 1º ano de Estudos Sociais, terá por base a sucessão

de fatos no tempo”.

“A criança irá desenvolvendo o conceito de tempo e apreendendo

que o presente depende do passado e prepara o futuro. [...] Aliás,

só o aspecto positivo dos fatos interessa, no momento.

Precisamos dar, à História, no 1º ano, seu aspecto formador,

mostrando, à criança, fatos que se sucedem numa contribuição

positiva dos esforços humanos, e fazendo ressaltar que êsses

esforços se juntam, somam-se para o bem-estar comum. [...]

Valorizemos, então, as pessoas que fizeram algo de bom, a fim de

que as crianças sejam levadas a imitá-las, contribuindo com seu

esfôrço pessoal, na certeza de que não agem no bom sentido,

socialmente falando, aquêles que nada realizam” (p. 50).

2º Interesse

histórico e

compreensão de

fatos históricos

“O 2º ano de Estudos Sociais, no que se refere à formação do

conceito de História e valorização de fatos e homens de interêsse

histórico, desenvolverá os objetivos do 1º ano e dará oportunidade

a que sejam considerados mais os seguintes aspectos:

- continuidade de esforços no sentido do bem comum;

- noção de progresso como resultado dêsses esforços;

- interêsse pelos aspectos históricos, em geral” (p. 99).

3º Aspectos da

experiência

brasileira no

sentido de

adaptação e

melhoria das

condições de

vida

“As crianças precisam sentir em todos os aspectos da vida,

principalmente naqueles que estão ao seu alcance na comunidade,

as marcas do aperfeiçoamento e do progresso. [...] Será

necessário [...] restringi-lo, no 3º ano de Estudos Sociais, o mais

possível, à experiência brasileira” (p. 167).

“O indígena – Procuraremos então fazer que as crianças conheçam

a maneira por que os primitivos habitantes de nossa terra

satisfizeram sua necessidade de abrigo, alimentação, [...] de modo

a apreender-lhes a cultura própria e o papel que desempenharam

na formação da sociedade brasileira. [...]

– a mulher indígena contribuiu para o desenvolvimento social e

econômico do Brasil – para a formação da família brasileira,

casando-se com o colonizador português [...]; – o índio,

inadaptado à lavoura e ao trabalho escravo, [...] colaborou na

obra de colonização dos portuguêses, como sertanista, e na

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defesa da colônia; [...] – o índio não fez o devido

aproveitamento de nossos recursos naturais – o que

mostrará à criança que o maior ou menor aproveitamento dos

recursos naturais, pelo homem, decorre de seu estágio de

cultura mais ou menos elevado e das possibilidades de

intercâmbio com povos de cultura mais avançada” (p. 169).

4º Desenvolvimento

da noção de

tempo

“No 4º ano de Estudos Sociais, a criança irá tomando

conhecimento da sucessão dos fatos históricos nas suas

relações de causa e efeito, isto é, da própria evolução histórica

do Brasil.

É preciso, portanto, que estejam aptas a situar êsses

acontecimentos no tempo, e que se vão iniciando na

compreensão das transformações que eles imprimem à nossa

maneira de viver – o que prepara para a compreensão das épocas

e dos períodos de nossa História. [...]

O professor poderá mesmo ir anotando ou afixando, numa linha

de tempo, à proporção que forem sendo evocados, êsses

acontecimentos de relevo, que são os que importam em

transformações sociais” (p. 271–272).

“Os aspectos históricos que se devem seguir terão boa

oportunidade de ser iniciados durante os preparativos para as

comemorações da Semana da Pátria, o que os fará

desenrolarem-se como autênticas vivências democráticas que se

irão sucedendo até a Semana da Democracia, em outubro (23 a

29 de outubro). [...]

Êsses aspectos históricos deverão ser tratados de maneira a fazer

ressaltar ideais de civismo e democracia, a fim de que se

constituam, como dissemos, em verdadeiras vivências

democráticas” (p. 276–277).

5º Sentido da

aprendizagem: a

cidadania efetiva

e os interesses

da comunidade

nacional

“As experiências que vimos proporcionando à criança até o 5º ano

de Estudos Sociais têm se norteado pelo intuito de lhe fornecer

padrões condizentes com os processos democráticos. [...]

Temo-la conduzido, igualmente, na direção de uma escala de

valores que a prepare, de maneira objetiva, para a vida

democrática. [...]

Assim, a criança tem praticado realmente a Cidadania

democrática – e não apenas louvado os ideais da Democracia.

[...]

Agora, [...] a criança precisa sentir maior estímulo a este trabalho

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59

de equipe que vem realizando, pela compreensão de que o

Govêrno Federal, o Govêrno Estadual e o Govêrno Municipal

representam igualmente equipes de trabalho interessadas na

melhoria de vida e no progresso da Federação [...]” (p. 340–341).

QUADRO 1 - CONTEÚDOS HISTÓRICOS NA PROPOSTA DE ESTUDOS SOCIAIS DO MEC (GAUDEZI, 1962). FONTE: ELABORADO A PARTIR DE INFORMAÇÕES EXTRAÍDAS DE GAUDENZI (1962). TRECHOS EM ITÁLICO CORRESPONDEM A GRIFOS NO ORIGINAL. (TRECHOS EM NEGRITO, A GRIFOS NOSSOS. QUANDO EM ITÁLICO E NEGRITO, OS DESTAQUES SÃO COINCIDENTES).

Os exemplos apresentados no Quadro 1 trazem vários indícios sobre a

finalidade dos Estudos Sociais e a forma de abordagem do conteúdo, em sua

dimensão histórica:

- os conteúdos vão tomando amplitude maior, com os anos. Essa forma de

organização ficou conhecida como círculos concêntricos, e parte em geral da

família, da comunidade e da escola, até chegar ao Brasil;

- as noções de temporalidade fazem parte da proposta, abordando sucessão,

transformação, períodos, relações entre eventos históricos, por meio, entre outros,

da linha do tempo. Esses são elementos fundamentais para a compreensão da

História, e na proposição atual ela tem outros desdobramentos, que permitem uma

maior problematização e compreensão, mas essas noções citadas no exemplo

permanecem também como relevantes;

- a forma de abordagem dos conteúdos históricos, por um lado, evidencia

uma significativa permanência de elementos presentes na explicação sobre a

História do Brasil nas propostas e nos livros didáticos das décadas anteriores. Por

exemplo, os temas históricos são apresentados de maneira informativa, muito

harmônica e conciliatória, como se toda a História não fosse perpassada por

conflitos, por explorações diversas, por relações de poder, mas, sim, fosse

naturalmente voltada para um progresso, uma civilidade desejável.

Isso pode ser ilustrado, no 1º ano, com a preocupação em destacar que

“fatos que se sucedem numa contribuição positiva dos esforços humanos” e

“fazendo ressaltar que êsses esforços se juntam, somam-se para o bem-estar

comum”. Essa perspectiva está presente no 2º ano, com as noções de bem

comum e de progresso como resultado dos esforços do homem. No 3º ano, ela é

reiterada com as noções de aperfeiçoamento e de progresso e ilustrada com o

relato a respeito da contribuição e colaboração dos indígenas – como se tivesse

sido totalmente espontânea, seja no “casamento”, seja no trabalho em favor da

colonização – e com os termos a eles relacionados: primitivos, com cultura menos

elevada, e ignorantes sobre como melhor explorar os recurso naturais aqui

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60

disponíveis. Essa explicação fortalece a noção de que os colonizadores portugueses

fizeram um grande favor para os indígenas, porque, sob a influência dos

colonizadores e em contato com sua cultura, esses indígenas puderam dar um salto

na evolução de sua civilização.

- no quarto e quinto ano, a preocupação volta-se para uma dimensão mais

cívica da formação – além das noções de temporalidade, já comentadas –, com

grande ênfase nos ideais de civismo e democracia, como dimensões necessárias

da cidadania, inclusive destacando comemorações cívicas e a Semana da

Democracia. Embora o civismo estivesse sempre presente nos exemplos das

décadas anteriores, aqui se destaca a Democracia. Isso por um motivo muito

simples: após o Estado Novo, houve todo um movimento de fortalecimento da

Democracia no país, e, de fato, entre 1945 e 1964 ela existiu no Brasil, embora

com a compreensão da época. Muitas ações dos governos democráticos daquele

contexto foram tão populistas quanto as desenvolvidas por Getúlio Vargas, porém

não deixaram de ser democráticos. Assim, uma valorização da Democracia e da

formação de cidadãos para exercê-la e mantê-la torna-se compreensível naquele

contexto, e para isso um elemento fundamental seria o conhecimento sobre a

estrutura e o funcionamento dos diferentes níveis e distintas instâncias de governo.

Porém é importante ressaltar que esses dois últimos itens – forma de

abordagem dos conteúdos e dimensão cívica da formação – apresentam-se

permeados por uma concepção funcionalista de mundo, que está associada a

elementos do positivismo e a uma compreensão específica da História, que

perpassou, por muito tempo, tanto as pesquisas acadêmicas quanto os livros

didáticos e a formação de professores desse campo de conhecimento.

2.3.2.1 Concepção funcionalista: a função da escola e a História

A concepção funcionalista de mundo, de acordo com Petitat (1994), entende

que a sociedade teria como sua condição normal a harmonia e o consenso: cada

indivíduo tem uma função específica, e para que haja ordem social é preciso que

cada um aceite seu papel e faça sua parte, complementando-se o todo.

Essa é uma teoria que tende a aceitar desigualdades como naturais e

conflitos como anormalidades que devem ser combatidas. Nesse contexto, a escola

teria então a função de colaborar na manutenção da ordem, transmitindo valores

de aceitação e valorização da colaboração individual para a harmonia e o consenso

do todo.

Segundo Petitat (1994, p. 13), foi Durkheim quem traçou as linhas

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fundamentais dessa corrente. Para ele, o problema central era o da harmonização

das funções sociais e da solidariedade entre elas, sendo que o conflito social

surgiria somente onde essa harmonia se rompia. Os conflitos são vistos apenas em

seus aspectos negativos, e não como produtores de novas transformações e

relações sociais.

Essa perspectiva teórica está relacionada a alguns pressupostos do

positivismo, que já foi mencionado como elemento presente no início da Primeira

República, no Brasil. E, pelo que se pode perceber, ainda havia resquícios deles na

proposta do MEC para os Estudos Sociais, em 1962.

Em relação à História, de forma simples, pode-se afirmar que, também com

base no funcionalismo e no positivismo, ela levaria à pressuposição de um ideal de

civilização a ser atingido. Nesse caso, há uma referência reconhecida de civilização

mais evoluída, como alguns países da Europa (França, Inglaterra e Alemanha) e a

certeza de que todas as outras sociedades e culturas do mundo um dia chegariam a

esse ideal civilizatório. Essa é uma das razões das constantes referências a esses

países e aos seus modelos – intelectuais, de escola e de currículo, por exemplo –

como algo a ser seguido, a fim de haver progresso.

Nessa perspectiva, tenta-se explicar os fatos como parecendo

“naturalmente” encadeados, e os conflitos são distorcidos ou amenizados, quando

por exemplo se destaca a colaboração do indígena com o colonizador, como se não

tivesse havido um choque importante de culturas. Só que, para os colonizadores,

os nativos eram selvagens, pagãos, primitivos; não havia naquela época o

reconhecimento de que tinham sim uma cultura, valores, crenças, que lhe eram

específicas – o que hoje é reconhecido e mais valorizado. Por isso, mais uma vez

deve ser evitado o anacronismo: na mentalidade da época, a ideia de culturas

distintas, mas tão legítimas umas quanto as outras, nem passava pela cabeça das

pessoas. O pensamento que havia era de uma hierarquia, de culturas mais ou

menos evoluídas, em comparação ao ideal europeu.

Hoje em dia, sabe-se que diversas especificidades, desde culturais a

materiais e naturais, no sentido de natureza, contribuem para culturas,

organizações sociais, valores e práticas muito distintos, que não podem ser

comparados, simplesmente porque são incomparáveis: não partiram do mesmo

ponto, ao mesmo tempo, nem com as mesmas condições. Assim, cada sociedade e

cultura constrói-se em um processo histórico único, não havendo nem interesse

nem a possibilidade de igualar-se a outras, distintas, ao menos não como ideal

mais evoluído.

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Essa é uma das razões pelas quais deve ser evitado o uso do termo evolução em

História.

Por geralmente pressupor melhora, progresso, torna-se inapropriado, pois, em geral,

distintos contextos históricos são incomparáveis.

Preferencialmente, em comparações, utilizar mudança ou transformação, o que será

abordado nas unidades seguintes.

2.3.3 História e conteúdos/matérias afins na Ditadura Civil-Militar (1964–1985)

Primeiramente, é preciso explicar o uso do termo Ditadura Civil-Militar, e

não a expressão mais comum, Ditadura Militar. A opção pela designação Ditadura

Civil-Militar decorre de várias discussões – como as propostas por Cordeiro (2009)

e Vasconcelos (2009) – que alertam que a expressão Ditadura Militar constitui

simplificação e dicotomização desse período, que foi muito mais complexo. Nesses

estudos ressalta-se, por exemplo, que empresários, políticos, religiosos, estudantes

e sindicatos, além da população de forma geral, participaram – apoiando

diretamente e/ou omitindo-se – dos governos desse período. A repressão e a

censura não podem ser negadas nem esquecidas, porém quem as sentiu mais

diretamente foi um grupo relativamente pequeno, em comparação ao tamanho da

população brasileira, e como justamente esse grupo, que era composto, entre

outros, por intelectuais, acaba influenciando a escrita da História e as versões que

aparecem em livros didáticos, a Ditadura acabou por ser representada sem uma

parte importante da História, como se os vinte anos e todas as ações dos governos

desse período pudessem ter sido realizados somente pela ação dos militares, e

somente por eles.

Mas o tema deste tópico não é a representação da ditadura nos livros

didáticos, é a disciplina de História nesse período.

De acordo com Bittencourt (2004), nos anos de 1940 e 1950, de forma um

pouco tímida, começaram a haver cursos superiores, como o de História, na

Universidade de São Paulo. Nesse meio acadêmico, estudiosos discutiam a função

do ensino de História e desenvolviam reflexões a esse respeito, como ilustrado no

artigo da historiadora Emília Viotti da Costa, publicado em 1957:

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A História matéria tem uma finalidade a preencher (...) como a de formar a personalidade integral do adolescente e, em segundo plano, fornecer-lhe conhecimentos básicos. Como preenche a História essa função?

Inicialmente, pelo seu caráter informativo, amplia a visão intelectual, fornece conhecimentos novos. Por outro lado, ela dá margem à expansão do aluno – oralmente ou por escrito. Sendo matéria essencialmente expositiva, desenvolve hábitos de expressão e sistematização do pensamento. O aluno aprende a expressar-se, a formular suas ideias com clareza e método. O aproveitamento da História nesse sentido depende, evidentemente, da orientação seguida pelo professor. O uso e abuso de perguntas nas sabatinas e exames, o que facilita sem dúvida alguma o trabalho de correção, é, a esse respeito, pouco producente. A exposição oral contribui para dar segurança ao aluno, domínio e controle de si mesmo, hábito de falar em público. Diminui inibições. Dessa forma estamos contribuindo para a formação de sua personalidade. A História ainda pode também desenvolver o raciocínio. Educa a imaginação. Formulando problemas, analisando os porquês, as razões, as condições que explicam um determinado fenômeno, problemas da sociedade. Enxergar soluções. Mas tudo isso sempre que a História ensinada permaneça num plano explicativo e não se restrinja a fastidiosa enumeração de fatos, dados, nomes, geralmente sem significado, e que são obrigatoriamente decorados pelos alunos (COSTA, citada por BITTENCOURT, 2004, p. 93–94).

É possível perceber uma crítica aos métodos até então desenvolvidos e ao

objetivo focado na memorização, juntamente com a proposição formativa mais

ampla que deveria ser a finalidade da História ensinada na escola. Esse é um bom

exemplo para ilustrar também que, muitas vezes, ideias e proposições

desenvolvidas no meio acadêmico demoram para chegar às escolas, seja por meio

de diretrizes oficiais, seja por livros didáticos, ou ainda pelos professores formados

no ensino superior.

Apesar dessa citação que demonstra crítica sobre a História escolar, nos

anos de 1960 algumas outras tendências que vinham se desenhando sobre o

ensino de História se fortalecem, como por exemplo a insistência na neutralidade

do professor dessa disciplina – pois ainda havia nesse campo de conhecimento

historiadores que acreditavam como possível a absoluta objetividade, mesmo na

área de Humanidades – e o desenvolvimento de técnicas de ensino, o que fazia a

discussão sobre o tema ser voltada não para o conteúdo, mas somente a como

ensiná-lo de forma mais eficiente.

De forma geral, quando há referência à Educação na ditadura, são

lembradas a reforma do ensino superior; a junção do ensino primário e de parte do

antigo secundário (o ginasial), transformando-os no 1º grau de oito anos; a

transformação do colegial em 2º grau profissionalizante (Lei 5.692/71); e a

significativa expansão do número de vagas em escolas públicas. Mas uma outra lei

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teve influência no currículo escolar, antes dessa última: o decreto-lei 869/69

estabeleceu a obrigatoriedade da Educação Moral e Cívica (EMC) como disciplina e

como prática educativa em todos os níveis de ensino nas escolas brasileiras. De

acordo com Filgueiras (2006):

[...] a institucionalização da Educação Moral e Cívica pelo regime militar fazia parte de um projeto político nacional que procurou construir um ideário patriótico, com uma nação forte, que ressaltava os valores da moral, da família, da religião, da defesa da Pátria e inculcava valores anticomunistas nos jovens e crianças (FILGUEIRAS, 2006, p. 53).

Embora isso seja verdade, conforme já visto, não era uma novidade, nem

algo que partisse somente da iniciativa dos militares. Tanto que Cordeiro (2010)

identifica a sua presença como prática educativa e nas atividades complementares

do Colégio Estadual do Paraná antes mesmo do decreto – o que provavelmente

ocorria também em outras escolas. Talvez a nova ênfase, distinta do que vinha

ocorrendo antes, seja a preocupação dos militares em insuflar valores

anticomunistas, já que o golpe havia sido grandemente justificado por essa

ameaça. Embora essa finalidade não seja explicitada no decreto, é certo que ela era

estimulada.

Art. 2º A Educação Moral e Cívica, apoiando-se nas tradições nacionais, tem como finalidade:

a) a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus;

b) a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos da nacionalidade;

c) o fortalecimento da Unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana;

d) o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos de sua história;

e) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade;

f) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização sócio-político-ecônomica do País;

g) o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva, visando ao bem comum;

h) o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade (BRASIL, 1969).

Como pode ser percebido, as finalidades da EMC não são muito distantes do

que já foi apresentado até agora sobre o ensino de História ou os Estudos Sociais,

caracterizando-se dessa forma mais como uma permanência nos currículos, nas

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práticas e na cultura escolar do que algo novo, surgido como determinação do

golpe militar.

De que forma essa disciplina influenciava na História escolar? A Lei 5.692/71

reafirmou a importância da disciplina de EMC e sua obrigatoriedade. No 1º grau, ela

era ministrada como parte dos Estudos Sociais. De acordo com Cordeiro (2010):

Em 1974, no currículo de 1º grau, a matéria de Estudos Sociais era dividida em duas partes: núcleo comum e parte diversificada. O núcleo comum tinha como conteúdos Geografia e História que eram ministradas por meio de uma atividade chamada de Integração Social para as 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries; OSPB era desenvolvida pela atividade denominada Estudo do Meio para as 5ª e 6ª séries; e EMC, que compreendia a área de estudo de Estudos Sociais e era aplicada para as 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries. Já a parte diversificada tinha por disciplina Economia e era dada apenas na 8ª série. A EMC tinha uma carga horária semanal de três horas nas 5ª e 6ª séries e de quatro horas nas 7ª e 8ª séries (CORDEIRO, 2010).

No 2º grau, a EMC era uma disciplina específica, autônoma, e a partir de

1972 era componente da Educação Geral, dentro da matéria de Estudos Sociais,

juntamente com Geografia, História e Organização Social e Política do Brasil

(OSPB).

Um estudo aprofundado sobre os Estudos Sociais nos currículos de escolas

municipais de 1º grau de Curitiba, nos anos de 1970, foi realizado por Viana

(2006). Essa autora destaca primeiramente o contexto em que se situa o tema: do

regime militar, de construção de uma representação de Curitiba como cidade

planejada e de início de implantação de uma rede municipal de ensino.

Em relação aos Estudos Sociais, identifica a permanência das “finalidades

mais amplas da educação e do ensino de História tradicional, voltadas à formação

de cidadania, embora muitas vezes numa perspectiva limitada” (VIANA, 2006, p.

27).

A disciplina escolar de História tem sido objeto de interesses diversificados e as polêmicas sobre seu ensino teriam se avolumado, principalmente a partir da institucionalização da área de Estudos Sociais no currículo do 1º grau e em face da criação dos cursos de licenciatura curta para habilitação de professores, com vistas a atuar no ensino de 1º e 2º graus, durante a vigência do regime militar. Esse processo culminou com a mobilização da opinião de intelectuais para a retomada da História e da Geografia como disciplinas escolares autônomas, a partir do final da década de setenta e no decorrer dos anos oitenta (VIANA, 2006, p. 27).

No caso de Curitiba, a grade curricular de 1975 contempla as seguintes

matérias e conteúdos, apresentados no Quadro 2.

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Educação Geral/

Núcleo comum

Matérias

Conteúdos Específicos

Séries/ nº de horas semanais 1ª 2ª 3ª 4ª

Comunicação e Expressão

Língua Nacional 5 5 5 5

Educação Artística 1 1 1 1

Integração Social

História

4

4

4

4 Geografia

Educação Moral e Cívica

Ciências

Iniciação às Ciências

8

8

8

8 Programas de Saúde

Matemática

Educação Física - 3 3 3 3

Ensino Religioso - 1 1 1 1

Total 22 22 22 22

QUADRO 2 - GRADE CURRICULAR EM VIGÊNCIA NAS ESCOLAS MUNICIPAIS – DIURNO – 1ª A 4ª SÉRIE DO 1º GRAU (CURITIBA) – 1975. FONTE: ADAPTADO DE VIANA (2006, p. 230).

Nesse quadro, pode ser observada a diferença de carga horária: enquanto

para o conteúdo específico Língua Nacional eram 5 aulas por semana, em todas as

séries, para a matéria Integração Social – que, embora sem a denominação de

Estudos Sociais, tinha responsabilidade semelhante – abrangendo os conteúdos

específicos de História, Geografia e Educação Moral e Cívica, eram somente 4 aulas

semanais. Essa mesma situação ocorre se for comparada a carga horária semanal

da matéria de Ciências, também com três tipos de conteúdos específicos, com 8

aulas.

Um problema com a implementação dessa proposta era a formação

específica dos professores. Disso decorria que, embora responsável pelos Estudos

Sociais, o docente acabava enfatizando mais um ou outro aspecto ou conteúdo, o

que pode ser ilustrado pelo depoimento de uma professora daquela época, que

[...] confirma a dificuldade de apropriação da noção de integração dos conteúdos na área de Estudos Sociais, por parte dos professores municipais. Embora houvesse conhecimento da norma, cada professor ministrava os conteúdos, conforme sua própria formação e experiências anteriores. O professor ia para a sala de aula, ele era o titular de Estudos Sociais. Só que aí ele dava aulas de Geografia, pois era formado em Geografia e a criança ficava sem a História. Eu me recordo que me debati com algumas pessoas. Eu dizia: não, espera aí, você pode até não concordar com Estudos Sociais, mas pelo menos o conteúdo da História e o conteúdo da Geografia você tem que dar, porque a prejudicada é a criança (SOUZA, 2006, citado por VIANA, 2006, p. 108).

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Ao longo desta Unidade, um elemento que perpassou vários momentos históricos

foi o Estado ou o governo utilizar a escola, e no caso específico a disciplina de História,

para determinados fins, associados às suas políticas ou ideais.

Reflita: você acha que isso ocorre nos dias de hoje, quanto à escola e a essa disciplina?

Justifique.

Entreviste alguém que era professor(a) ou estudante do 2º grau no período da ditadura militar. Pergunte-lhe, por exemplo:

- sua idade, na época; - em qual cidade residia; - em qual escola lecionava ou estudava; - o que sabia sobre a ditadura; - se foi coagido ou censurado pela ditadura, ou conheceu alguém que o foi; - qual era a percepção das pessoas sobre a ditadura.

Houve, em especial no final dos anos de 1970 e início de 1980, forte

mobilização de professores, sindicatos e acadêmicos de História, como a Associação

Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH) e a Associação dos

Geógrafos Brasileiros (AGB), a fim de que fossem restaurados os espaços

curriculares específicos para essas disciplinas. Finalmente elas recuperaram sua

autonomia por meio da Resolução nº 06/1986, do Conselho Federal de Educação,

que aprovou sua separação no currículo.

Mesmo antes da Resolução de 1986, havia proposições para abordagem da

História na escola. No caso do Paraná, o Parecer nº 332/84, do Conselho Estadual

de Educação, permitia que, embora a área de Estudos Sociais continuasse

existindo, História e Geografia podiam ser trabalhadas separadamente (VIANA,

2006, p. 182).

Na Unidade seguinte, será abordado o período mais recente, pós-ditadura, e

as configurações e proposições para esta disciplina.

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Se era professor:

- de qual disciplina? - como foi o impacto da lei 5.692/71 na sua escola? - e o impacto da questão profissionalizante? - qual era o sentimento dos professores em relação à Educação Moral e Cívica e

à Organização Social e Política do Brasil? - qual era a posição dos professores de História sobre a ditadura e essas

disciplinas?

Se era aluno:

- o que lembra da disciplina de História? - o que lembra de Educação Moral e Cívica ou OSPB? - os professores falavam algo sobre a ditadura?

Podem ser acrescentadas outras questões, que você julgar pertinentes.

Depois, comente seus resultados com a turma.

Procure discutir com os colegas, a partir das entrevistas, se o que vocês aprenderam sobre a ditadura, na escola, na disciplina de História, corresponde à percepção das pessoas que viveram naquela época.

Entre no endereço da Sociedade Brasileira de História da Educação:

http://www.sbhe.org.br.

No link Congressos, entre em um deles e pesquise os estudos apresentados no evento.

Escolha um cujo tema chame sua atenção, seja sobre a História da escola no Brasil,

sobre as disciplinas escolares, ou especificamente sobre o ensino de História.

Leia o artigo, identificando:

- a delimitação que o autor fez (temporal e espacial) e a justificativa que apresentou

para esse recorte;

- o objetivo geral;

- os documentos históricos utilizados.

Procure identificar a construção de uma pesquisa desse campo de conhecimento, como

são construídos os argumentos, os referenciais e conceitos utilizados... Há muitos

temas e problemas de pesquisa, em História da Educação, a serem investigados.

Quem sabe você não venha a ser um pesquisador desse campo de conhecimento?

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Sugestões de leituras complementares

BENCOSTTA, Marcus L. (org.) Culturas escolares, saberes e práticas educativas:

itinerários históricos. São Paulo: Cortez, 2007.

MARTINS, Maria do C. A história prescrita e disciplinada nos currículos

escolares. Tese (doutorado). Faculdade de Educação da Unicamp. Campinas, 2000.

Disponível em: <http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000195512>.

VIDAL, Diana G. (org.) Dossiê Arquivos Escolares: desafios à prática e à pesquisa em

história da Educação. Revista Brasileira de História da Educação/SBHE.

Campinas: Autores Associados, n. 10, p. 71 a 220, jul./dez. 2005. Disponível em:

<http://www.sbhe.org.br>.

E ainda ...

- HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no

Brasil: http://www.histedbr.fae.unicamp.br.

- Museu da Escola PR: http://www.diaadia.pr.gov.br/museudaescola/.

- SBHE – Sociedade Brasileira de História da Educação: http://www.sbhe.org.br.

- Senado Federal – Legislação federal de todo o período republicano brasileiro:

http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/.

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UNIDADE

3

PROPOSIÇÕES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NA

HISTÓRIA RECENTE

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3 PROPOSIÇÕES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NA HISTÓRIA RECENTE

Nesta unidade, o objetivo é apresentar de que maneira, no período mais

recente, a disciplina escolar de História vem sendo abordada em documentos

oficiais. O intuito é introduzir o tema e subsidiar questionamentos,

problematizações e encaminhamentos que serão tratados nas unidades seguintes.

3.1 PROPOSIÇÕES PARA A HISTÓRIA NA ABERTURA DEMOCRÁTICA

Muitas das mudanças ocorridas na segunda metade dos anos de 1980, no

Brasil, estão relacionadas ao fim da ditadura: regime político, planos econômicos,

diretrizes educacionais, fortalecimento de movimentos sociais e nova Constituição

são exemplos disso.

No caso da Educação, e mais especificamente do ensino de História, é

possível identificar muitas proposições alternativas, que embora partam de

referenciais teóricos distintos, compartilham de maneira razoavelmente consensual

de um pressuposto: o de que o conteúdo pelo conteúdo, baseado apenas na

memorização das informações, não serve mais para a formação do aluno, nem para

a escola atual, nem para a sociedade que se almeja construir.

Porém essas proposições não constituem, necessariamente, uma ruptura

com as ideias, conteúdos e práticas que permeavam essa disciplina antes e durante

a ditadura. Por exemplo, em seu estudo comparativo sobre os conteúdos históricos

em duas fontes principais – na Educação Moral e Cívica, por meio de seus

objetivos, estabelecidos no Decreto-Lei 869/69, e no Projeto Pedagógico e no

currículo básico para a escola pública do Paraná, publicado em 1990 – Rodrigues

(2004) identifica que “é falaciosa a ideia de que houve uma ruptura com a forma e

com os conteúdos do ensino de História”. A proposta paranaense enunciava forte

crítica à abordagem conteudista e também às preocupações tecnicistas,

mencionadas no tópico anterior, mas em relação a alguns objetivos não explicitados

como conteúdos configura-se ainda em consonância com elementos presentes nas

propostas existentes até o fim da ditadura.

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Especificamente relacionada ao campo disciplinar da História, a proposta paranaense propunha-se a desenvolver um trabalho em que ensinar História fosse sinônimo de educar para a cidadania democrática, tornando os jovens capazes de ação participativa. Em consonância com o período anterior, e não rompendo com ele, mantém-se o ideal de conformação dos sujeitos à nação no estado em que se encontrava, legitimando a ordem social e política, fosse ela ditatorial ou democrática. Tomadas como referência,quer a disciplina de História, quer a disciplina de Educação Moral e Cívica não são diferentes; existe um processo contínuo de conformação de seus conteúdos ao ideal de formação do cidadão. A seleção de conteúdos, nas duas disciplinas, prima pela manutenção da tradição do ensino nacionalista e patriótico, calcado na História da civilização ocidental e no modelo eurocêntrico. Ainda buscamos o herói! Sendo "conservador" ou "revolucionário", a ele compete a tarefa de redimir a sociedade de seus males (RODRIGUES, 2004).

A proposta da Secretaria de Educação do Paraná (SEED), segundo essa

autora, defendia uma postura política do professor, no sentido de que este deveria,

no cotidiano escolar, estar consciente de seu compromisso com a cidadania e a

democracia – este sim, um viés bem distinto daquele dos anos de 1950 e 1960,

que defendia a neutralidade na ação pedagógica. Da mesma forma, ao enunciar o

que se espera do professor, é possível identificar tanto a função da escola nesse

contexto – como conscientizadora política – como o aluno que se deseja formar, no

caso, por meio dos conteúdos históricos. Assim, de acordo com a proposição da

SEED:

A disciplina de História [...] possibilitava ao educando que tomasse contato com uma forma de pensamento esclarecedor com relação à classe social a que pertencia, e de posse desses conhecimentos caberia ao aluno interferir na sociedade, como sujeito histórico, contribuindo para a sua transformação. Qualitativamente se estaria oportunizando o conhecimento de "níveis mais elaborados de abstração, o que é um dos requisitos para o exercício da cidadania". [...]

Os argumentos propostos como estratégias reflexivas, objetivando a elevação do nível educacional, remetem o leitor a um raciocínio de caráter solidário: o pedido é de participação, comunhão, humildade, dedicação, responsabilidade. Esta é a tônica do discurso. O teor argumentativo do projeto, quando discute qualidade de ensino, é messiânico, como se, respondendo às expectativas da SEED, a população pudesse conquistar uma nova sociedade, mais justa, mais fraterna, mais livre, com níveis de consciência mais elaborados (RODRIGUES, 2004).

Dessa forma, identifica-se a permanência em um tipo de argumento que

estava presente nos objetivos da Educação Moral e Cívica e também nos Estudos

Sociais: o da participação cívica, embora enunciada com novos termos.

Pode-se também ressaltar que a abordagem funcionalista, já mencionada,

não é de todo descartada nessa proposição. Embora haja a preocupação com a

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consciência e participação na construção de novos rumos da sociedade e não se

ignore a existência de conflitos inerentes a ela, o apelo, em última instância, é na

colaboração e na solidariedade para a harmonia. O progresso é substituído pela

igualdade social, porém permanece como o ideal a ser alcançado, por meio da

participação de todos os cidadãos.

Esse tipo de questionamento é muito presente em todas as proposições para a

História escolar, e pode-se perceber que desde que ela é criada, embora com

especificidades contextuais, há um elemento permanente de “conscientização”

inerente à sua função, do qual é muito difícil escapar.

Embora geralmente abordado de forma pejorativa, é importante refletir: quais

outras atribuições poderiam ser dadas a essa disciplina?

Essa questão será abordada ainda neste tópico e no decorrer das unidades

seguintes, mas é importante ressaltá-la porque é talvez o desafio de todo o

currículo escolar: evidenciar qual é a função da escola, e como aqueles conteúdos

podem contribuir para essa finalidade, o que parte da concepção de método e

envolve também a metodologia, em todos seus desdobramentos.

3.2 Nova LDB e novas diretrizes curriculares

Uma das mudanças decorrentes da nova configuração política no Brasil foi a

Constituição de 1988. No caso da Educação, a nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (nº 9.394/96) busca traduzir os novos rumos da escola no país.

No quadro abaixo, o objetivo é demarcar alguns artigos dessa Lei, que podem ser

relacionados às proposições de ensino de História posteriores.

Artigo Comentário

Art. 2º A educação, dever da família e do

Estado, inspirada nos princípios de liberdade

e nos ideais de solidariedade humana, tem

por finalidade o pleno desenvolvimento do

educando, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Os princípios de liberdade e solidariedade

remetem à responsabilidade do cidadão. O

destaque à liberdade pode ser compreendido

como demarcador contrário à censura e

repressão identificados na ditadura. As

finalidades orientarão as proposições

curriculares posteriores.

Art. 21º A educação escolar compõe-se de:

I - educação básica, formada pela educação

Além de incluir a educação infantil na

educação básica, um significativo avanço,

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infantil, ensino fundamental e ensino médio;

II - educação superior.

Art. 22º A educação básica tem por

finalidades desenvolver o educando,

assegurar-lhe a formação comum

indispensável para o exercício da cidadania e

fornecer-lhe meios para progredir no

trabalho e em estudos posteriores.

reitera as finalidades já identificadas no

artigo 2º, acrescentando a função

propedêutica, ou seja, a preparação para

prosseguir os estudos na educação superior.

Art. 9º A União incumbir-se-á de: [...]

IV - Estabelecer, em colaboração com os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios,

competências e diretrizes para a educação

infantil, o ensino fundamental e o ensino

médio, que nortearão os currículos e seus

conteúdos mínimos, de modo a assegurar

formação básica comum.

Dentre as várias atribuições da União, este

inciso se destaca, porque levará à proposição

dos Parâmetros Curriculares Nacionais,

juntamente com o estabelecido no artigo 26.

Art. 26º Os currículos do ensino

fundamental e médio devem ter uma base

nacional comum, a ser complementada, em

cada sistema de ensino e estabelecimento

escolar, por uma parte diversificada, exigida

pelas características regionais e locais da

sociedade, da cultura, da economia e da

clientela. [...]

§ 4º O ensino da História do Brasil levará em

conta as contribuições das diferentes

culturas e etnias para a formação do povo

brasileiro, especialmente das matrizes

indígena, africana e europeia.

Em complemento ao artigo 9º, orienta a

proposição dos PCNs, permitindo a

complementação regional ou local, ou seja, a

possibilidade da existência simultânea aos

PCNs, de Diretrizes Curriculares Estaduais e

Municipais.

Em relação ao ensino de História, afirma

como necessário o conteúdo que não se

limite à visão eurocêntrica, mas que inclua e

valorize também elementos relacionados à

formação do povo brasileiro e da identidade

nacional.

QUADRO 3 - ARTIGOS DA LEI 9.394/96 E SUA RELAÇÃO COM O ENSINO DE HISTÓRIA. FONTE: ARTIGOS DA LDB (BRASIL, 1996); COMENTÁRIOS DA AUTORA.

Em decorrência do estabelecido na nova Lei, os Parâmetros Curriculares

Nacionais são apresentados em 1997 e distribuídos pelo correio aos professores

efetivos do país. Nas apresentações, feitas pelo então ministro Paulo Renato de

Souza e pela Secretaria de Ensino Fundamental, a mensagem aos professores é de

que este material é orientador e subsídio para reflexões e possíveis mudanças na

escola, em relação às práticas pedagógicas e à reformulação curricular, e de que

eles são afinal os grandes agentes nesse processo. Também alertam para sua

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compreensão de que são parâmetros, em diálogo com as especificidades regionais

e locais, em consonância com o artigo 26 da LDB, que demarcam a gestão

democrática esperada, atribuindo autonomia e responsabilidade às escolas:

Por sua natureza aberta, [os PCNs] configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobre programas de transformação da realidade educacional empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Não configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do País ou à autonomia de professores e equipes pedagógicas (BRASIL, 1997, p. 13).

Sobre essa organização, é relevante notar que todas as disciplinas têm um

volume específico, com exceção de História e Geografia, que são conjugados. Esse

dado reflete tanto as marcas do passado recente, no qual as duas disciplinas

estavam reunidas nos Estudos Sociais e na Educação Moral e Cívica, como também

uma característica que é inegável: a relação inerente entre seus conteúdos. Porém,

os conteúdos são abordados separadamente no interior do volume.

No caso da 1ª a 4ª séries, a coleção de PCNs é composta de 10

volumes, a saber:

Volume 1 - Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais

Volume 2 - Língua Portuguesa

Volume 3 - Matemática

Volume 4 - Ciências Naturais

Volume 5 - História e Geografia

Volume 6 - Arte

Volume 7 - Educação Física

Volume 8 - Apresentação dos Temas Transversais e Ética

Volume 9 - Meio Ambiente e Saúde

Volume 10 - Pluralidade Cultural e Orientação Sexual

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Esse é um documento interessante para leitura, porque ilustra bem a relação entre

função da escola e contexto histórico, no caso, no Brasil.

No volume 1, há o cuidado de se situar historicamente a necessidade de

elaboração dos PCNs, destacando tanto as discussões internacionais da época sobre

a Educação quanto o contexto brasileiro e a LDB. Apresenta um diagnóstico sobre

vários aspectos da escola no Brasil, como evasão, promoção e desempenho no

Ensino Fundamental, e traz a metodologia utilizada para a elaboração dos PCNs.

Dessa forma, contribui para a compreensão de sua dinâmica e de algumas de suas

proposições, como, por exemplo, a definição de ensino de qualidade:

O ensino de qualidade que a sociedade demanda atualmente expressa-se aqui como a possibilidade de o sistema educacional vir a propor uma prática educativa adequada às necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais da realidade brasileira, que considere os interesses e as motivações dos alunos e garanta as aprendizagens essenciais para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar com competência, dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem (BRASIL, 1997a, p. 27).

Em relação aos conteúdos curriculares, a concepção assumida nos PCNs é

também evidenciada:

Os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem uma mudança de enfoque em relação aos conteúdos curriculares: ao invés de um ensino em que o conteúdo seja visto como fim em si mesmo, o que se propõe é um ensino em que o conteúdo seja visto como meio para que os alunos desenvolvam as capacidades que lhes permitam produzir e usufruir dos bens culturais, sociais e econômicos (BRASIL, 1997a, p. 51).

Nota-se a coerência com a crítica que vinha sendo feita ao ensino de

História, com o detalhe de que essa crítica era comum a todas as disciplinas, ou

seja, a memorização não era característica somente da História. Buscando

articulação com as proposições da LDB para a finalidade da Educação Básica, os

PCNs apontam para a escolha de conteúdos e para metodologias que considerem o

aluno real e o sentido que esse ensino possa ter em sua vida.

Embora seja compreensível e legítima essa abordagem, muitas críticas

foram feitas aos PCNs, no sentido de que, saindo de uma perspectiva muito

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desconectada da realidade (conteúdo como fim em si mesmo), eles traziam uma

preocupação que por vezes parecia muito utilitária, caindo em um extremo oposto.

Tais ponderações não deixam de ter certo fundamento, porém é preciso considerá-

las com cuidado, uma vez que a reação a modelos distintos já é previsível –

conforme visto na Unidade 1 deste livro – e que, por vezes, quem faz a crítica não

propõe outras alternativas.

A coleção dos PCNs, por sua estrutura, busca equilibrar referenciais teórico-

metodológicos para o professor e também ser um guia, escrito de forma didática, a

fim de permitir a compreensão da proposta e, consequentemente, que ela pudesse

ser implementada.

Enuncia elementos importantes para um método, no sentido de esclarecer a

função da escola, mais especificamente do Ensino Fundamental, e o papel de cada

disciplina para que possa ser atingido esse objetivo. Os Parâmetros Curriculares

Nacionais indicam como objetivos do ensino fundamental que os alunos sejam

capazes de:

• compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;

• posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;

• conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País;

• conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais;

• perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente;

• desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania;

• conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva;

• utilizar as diferentes linguagens – verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos

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públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação;

• saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos;

• questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação (BRASIL, 1997b, p. 9).

Muitas das críticas feitas aos PCNs no meio acadêmico derivam da

constatação de que seus objetivos estão relacionados aos quatro pilares da

Educação para o século XXI, proposto em relatório da UNESCO, organizado por

Jacques Delors, em 1996, no qual são indicados quatro eixos orientadores para a

Educação. São eles:

Aprender a conviver, desenvolvendo o conhecimento a respeito dos outros, de sua história, tradições e espiritualidade. [...]

Aprender a conhecer. [...] considerando as rápidas alterações suscitadas pelo progresso científico e as novas formas de atividade econômica e social, é inevitável conciliar uma cultura geral, suficientemente ampla, com a possibilidade de estudar, em profundidade, um reduzido número de assuntos. [...]

Aprender a fazer. Além da aprendizagem continuada de uma profissão, convém adquirir, de forma mais ampla, uma competência que torne o indivíduo apto para enfrentar numerosas situações, algumas das quais são imprevisíveis, além de facilitar o trabalho em equipe que, atualmente, é uma dimensão negligenciada pelos métodos de ensino. [...]. Essa é a justificativa para atribuir um valor cada vez maior às diferentes formas possíveis de alternância entre escola e trabalho.

Por último e acima de tudo, Aprender a ser, [...] já que, no século XXI, todos nós seremos obrigados a incrementar nossa capacidade de autonomia e de discernimento, acompanhada pela consolidação da responsabilidade pessoal na realização de um destino coletivo. [...] podemos citar a memória, o raciocínio, a imaginação, as capacidades físicas, o sentido estético, a facilidade de comunicar-se com os outros, o carisma natural de cada um... Eis o que confirma a necessidade de maior compreensão de si mesmo. [...]

A educação deve, portanto, adaptar-se constantemente a essas mudanças da sociedade, sem negligenciar as vivências, os saberes básicos e os resultados da experiência humana (DELORS, 2010, p. 13–14).

Os argumentos das críticas passam, em geral, pela interpretação de que

esses eixos norteadores seriam muito utilitários, preocupados com habilidades e

competências necessárias ao mercado de trabalho. Uma boa discussão sobre esse

tema é desenvolvida por Santos (2002), que aborda certa dicotomia nas produções

acadêmicas de “direita” e de “esquerda”, problematizando essa questão e situando

os PCNs no contexto mais amplo das políticas públicas relativas ao currículo

escolar.

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3.2.1 História nos PCNs (1ª a 4ª séries)

O volume 5 dos PCNs de 1997, voltado para História e Geografia, traz a

mesma apresentação das proposições dos Parâmetros, situando o Ensino

Fundamental. Na parte específica, há um primeiro tópico sobre a história do ensino

de História, relacionando-a aos Estudos Sociais e à Geografia e destacando a

importância social do conhecimento histórico, com ênfase ao objetivo específico de

“constituição da noção de identidade. Assim, é primordial que o ensino de História

estabeleça relações entre identidades individuais, sociais e coletivas, entre as quais

as que se constituem como nacionais” (BRASIL, 1997b, p. 26). A ele estão

relacionadas as noções de diferenças e semelhanças; de continuidade, permanência

e de mudança.

A proposta para as séries iniciais enfatiza três conceitos fundamentais, “de

fato histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico” (BRASIL, 1997b, p. 29),

distinguindo o nível de aprofundamento do conhecimento histórico entre aquele

acadêmico e o escolar. Essa distinção, por sua vez, deve orientar a escolha dos

conteúdos, para que eles “possam levar o aluno a desenvolver noções de diferença

e de semelhança, de continuidade e de permanência, no tempo e no espaço, para a

constituição de sua identidade social, envolvendo cuidados nos métodos de ensino”

(BRASIL, 1997b, p. 31), o que se reflete nos objetivos gerais e na escolha de

conteúdos de História para o Ensino Fundamental:

Os conteúdos propostos estão constituídos, assim, a partir da história do cotidiano da criança (o seu tempo e o seu espaço), integrada a um contexto mais amplo, que inclui os contextos históricos. Os conteúdos foram escolhidos a partir do tempo presente, no qual existem materialidades e mentalidades que denunciam a presença de outros tempos, outros modos de vida sobreviventes do passado, outros costumes e outras modalidades de organização social, que continuam, de alguma forma, presentes na vida das pessoas e da coletividade. Os conteúdos foram escolhidos, ainda, a partir da ideia de que conhecer as muitas histórias, de outros tempos, relacionadas ao espaço em que vivem, e de outros espaços, possibilita aos alunos compreenderem a si mesmos e a vida coletiva de que fazem parte (BRASIL, 1997b, p. 36).

Há orientações específicas para o 1º ciclo (1ª e 2ª séries) e para o 2º (3ª e

4ª séries), que são semelhantes, distinguindo-se principalmente no tipo de recurso

metodológico e material utilizado. As prioridades para o 1º ciclo são fontes não

escritas, como imagens, mapas e objetos, e o eixo temático História local e do

cotidiano, que abrange inclusive a comunidade indígena local. Para o 2º ciclo,

mantêm-se as mesmas sugestões de fontes, mas com o incremento das escritas, e

o eixo temático História das organizações populacionais, que envolve

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deslocamentos populacionais, grupos sociais e étnicos, organizações políticas e

administrativas urbanas e a organização histórica e temporal.

De certa forma, é possível identificar um princípio que também estava

presente nos Estudos Sociais: o de iniciar com o reconhecimento e conhecimento

acerca do que é mais próximo da criança, para ir aos poucos expandindo o âmbito

e o contexto. Princípio este inquestionável, já que qualquer pessoa – e não somente

criança – aprende mais facilmente quando consegue relacionar a nova informação

ou conhecimento a algo que já lhe é familiar. Ao mesmo tempo, essa estratégia

permite que o aluno aos poucos perceba que pode e deve problematizar a realidade

que o cerca, que ele até então assume como “natural”, no sentido de que para uma

criança de 7 anos, essa realidade é aquela com a qual sempre conviveu, não tendo

muitas condições de identificar mudanças. Até então, pressupõe-se que a criança

não teve oportunidade de refletir de forma orientada e sistematizada sobre esse

mundo que conhece, o que deve ser promovido pela escola, por meio tanto de

conteúdos que lhe permitam desenvolver essa reflexão quanto de subsídios

metodológicos ou procedimentais, no sentido de como questionar, como buscar e

construir respostas.

Sobre o conteúdo histórico nos PCNs, Zamboni (2003) realizou um estudo

no qual discute de que forma era tratado, nesse documento, o conceito de

"identidade nacional". Mais uma vez, identificam-se algumas permanências na

forma de abordagem do tema, em relação ao que anteriormente era trabalhado

como conteúdo de História.

Os temas identidade e cidadania ficaram mais evidentes nesses novos parâmetros, se comparados com os currículos anteriores, e tiveram como meta focalizar a formação da cidadania entendida “como o direito de participar de uma sociedade tendo direito de ter direito, bem como construir novos direitos, rever os já existentes (...).” (...) O entendimento dado a este conceito de cidadania é dinâmico, abrangente, implicando a percepção do outro, com característica de mobilidade e mudanças. (ZAMBONI, 2003).

Nesse caso, a lembrança do contexto histórico do qual derivam essas novas

proposições curriculares é importante. No período pós-ditadura, seguido da nova

Constituição e da nova LDB, a ênfase na cidadania, nos direitos, na democracia é

óbvia, e os PCNs sintonizam-se com esse discurso. Sobre a identidade, Zamboni

(2003) também destaca:

Nas propostas curriculares o estudo da noção de identidade passa pela discussão do caráter brasileiro e é visível pelo processo de comparação, destacando as semelhanças e as diferenças existentes entre os grupos étnicos como brancos, negros, índios, mestiços e outros. A identidade nacional é construída e perceptível via as representações simbólicas como a bandeira nacional, as moedas, os selos, os hinos e os rituais presentes

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nas festas cívicas, populares, em jogos esportivos, nos funerais de pessoas que se destacaram no cenário nacional, como o do corredor Ayrton Senna. Nesse momento as discussões sobre identidade nacional passam pelo diferente e pelos antagonismos existentes entre os grupos sociais, e a nação é concebida como algo em construção. Nas paradas militares e/ou escolares, nas comemorações cívicas são colocadas em destaque as identidades dos diversos grupos existentes. Os grupos são organizados em batalhões que desfilam pelas ruas, dando visibilidade às suas características, às suas tradições, e cada um deles representa no corpo e nas vestes determinados momentos da história nacional. Nesse momento, há um ritual em ação: os que desfilam, e os que assistem estão nas calçadas parados, aplaudindo a nação e os seus símbolos que passam, sacralizando a memória nacional.

(...) A formação de uma identidade nacional, na escola, começa com os livros didáticos, com a sacralização de certos acontecimentos históricos e personagens que os representam, como Tiradentes, D. Pedro I, princesa Isabel. Frequentemente as narrativas dos textos didáticos são ilustradas com fotografias, desenhos e charges. (...) a formação de uma identidade nacional e do conceito de nação é um processo ideológico que na escola passa necessariamente pela conservação de uma memória nacional e pela formação de uma consciência política. As propostas educacionais do Estado não discutem no processo educativo que a formação da identidade nacional e da nação são construções sociais em que o povo é sujeito (ZAMBONI, 2003, grifos no original).

Observa-se nas conclusões da autora que vários elementos presentes na

História escolar anterior aos PCNs permanecem. Porém, nessa citação, ela remete

não só aos Parâmetros, mas também às práticas que continuaram existentes na

escola e na sociedade, bem como aos valores que as sustentam.

Cabe lembrar o conceito de habitus de Bourdieu, já mencionado na Unidade

1, a fim de refletir sobre essas permanências. De acordo com a Teoria dos Campos

Sociais, a mudança de valores e práticas é um processo mais difícil do que a sua

manutenção. Quando ocorrem ações diferenciadas, essas são construídas lenta e

gradativamente, fortalecendo-se à medida que se popularizam e ganham

legitimidade.

Associado a isso, no contexto da ditadura civil-militar, conforme destacado

no tópico 2.3.3, havia legitimidade deste governo por forte adesão por parte da

população, ao menos até o início dos anos de 1970. Quando começam as

contestações à ditadura, elas decorrem motivadas principalmente pela crise

econômica e seus desdobramentos, o que levou ao questionamento do governo e

de suas políticas. Nesse panorama de contestação, as críticas são feitas ao

governo, e não à Nação. Mais: a mobilização popular daquele momento, como no

caso da campanha pelas Diretas Já, fortaleceu a ideia e o discurso da cidadania e

da democracia como práticas desejadas pelo povo brasileiro.

Na escola, estavam professores que foram formados no período da ditadura e

aqueles que já exerciam a profissão e continuaram exercendo-a. Além de terem

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Deve-se lembrar que há vários estudos relacionados aos PCNs, para toda a educação básica, mas que neste tópico, introdutório, o objetivo não é esgotar o assunto, apenas apresentar elementos comuns aos PCNs e à História neste contexto.

antes, como alunos, vivenciado uma História escolar informativa e baseada na

memorização, em geral foram formados professores sob esse método de ensino.

Assim, nessa conjuntura de fatores, desde os mais amplos, nacionais, aos

micro, relacionados à cultura escolar e a cada habitus, é possível compreender as

práticas identificadas por Zamboni como permanências.

3.2.2 História no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

Em continuidade à proposta dos PCNs, no ano seguinte, 1998, é lançado o

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI).

Vianna; Unbehaun (2006) fazem um breve histórico da Educação Infantil no

Brasil, situando o Referencial nos anos de 1990, que foi marcado por uma

preocupação com esta modalidade de ensino, com reflexos na LDB. As autoras

destacam os esforços da Coordenadoria Geral da Educação Infantil (COEDI), que

nessa década havia feito algumas tentativas de “produzir um documento de política

de educação infantil com as grandes metas que foram estabelecidas: formação do

educador, a questão de um modelo nacional", na compreensão de que “a educação

infantil deveria se dar pelo binômio educação e cuidado”.

Em 1998, foi elaborado e aprovado o Referencial, mas as autoras alertam que

várias das sugestões dos pareceristas, em especial quanto ao documento assumir a

concepção acima enunciada, não foram incorporadas pelo MEC ao documento.

Assim, no Referencial permaneceu a preocupação em aproximar a Educação Infantil

do Ensino Fundamental.

O Referencial é organizado em três volumes: um de Introdução, que traz o

panorama de creches e pré-escolas no Brasil, e a apresentação da proposta

curricular deste documento; um intitulado Identidade e Autonomia, que aborda a

formação pessoal e social da criança; e um intitulado Conhecimento de Mundo, que

trata de seis eixos de trabalho com as crianças para a construção de diferentes

linguagens – Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza

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Se você pensar em todas as festas ou atividades de Dia do Índio de que participou

quando criança, provavelmente se lembrará que elas reforçavam mesmo a ideia da

homogeneidade cultural dos indígenas brasileiros.

e Sociedade, e Matemática. Como os PCNs, o Referencial foi distribuído aos

professores do país.

Dos seis eixos, o que pode ser mais identificado com o conhecimento

histórico e geográfico é Natureza e Sociedade, que:

[...] reúne temas pertinentes ao mundo social e natural. A intenção é que o trabalho ocorra de forma integrada, ao mesmo tempo em que são respeitadas as especificidades das fontes, abordagens e enfoques advindos dos diferentes campos das Ciências Humanas e Naturais (BRASIL, 1998, p. 163).

O Referencial traz importantes reflexões sobre como esses temas vinham

sendo trabalhados na escola, por exemplo, em festas cívicas, que acabam por

reforçar mitos e estereótipos, ao invés de oferecer subsídios à criança para que ela

possa refletir sobre eles. Por exemplo, cita-se o Dia do Índio, com as atividades a ele

relacionadas, por meio das quais

[...] as crianças, em geral, acabam desenvolvendo uma noção equivocada de que todos possuem os mesmo hábitos e costumes: vestem-se com tangas e penas de aves, pintam o rosto, moram em ocas, alimentam-se de mandioca etc. As crianças ficam sem ter a oportunidade de saber que há muitas etnias indígenas no Brasil e que há grandes diferenças entre elas (BRASIL, 1998, p. 165).

Nessa preocupação situam-se as questões de gênero, analisadas por Vianna e

Unbehaun (2006), que consideram que com o Referencial houve um importante

avanço:

Ao chamar a atenção para o caráter social do gênero e da sexualidade, problematiza o determinismo biológico, estimulando o educador a perceber que as percepções de ser menino ou menina são construídas nas interações sociais estabelecidas desde os primeiros anos de vida.

Contudo há críticas e a principal delas destaca a ênfase na escolarização da criança pequena, tomando por modelo os conteúdos

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didáticos do ensino fundamental. Isso significaria que iniciativas que exploram o jogo simbólico, a sexualidade – descobrimento e reconhecimento do corpo – por exemplo, perderiam espaço e necessitariam ser reformuladas para uma nova concepção de educação infantil. De acordo com Lenira Haddad, em parecer enviado ao MEC sobre o RCNEI (1998), a antecipação do ensino tem consequências graves para a educação das crianças pequenas (VIANNA; UNBEHAUN, 2006).

Assim, destacam avanços mas também elementos não condizentes com a

proposição de Educação Infantil que tem por base a educação e o cuidado, de forma

associada.

O Referencial estende o mesmo argumento da questão dos indígenas a outros

temas, alertando que por vezes a abordagem das noções de tempo e espaço,

necessárias para tratar de sociedades e momentos históricos diferentes, por vezes

subestima a criatividade e a capacidade da criança de lidar com tempos, espaços,

contextos, paisagens, culturas e sociedades distintos.

Essa problematização é bastante pertinente. Se observada superficialmente,

pareceria se contrapor à ideia de começar pelo local, pelo mais próximo, mas a

diversidade social, natural, biológica, cultural, entre outras, pode ser observada

também no que está próximo. Pode-se partir do próximo como elemento de

comparação, ou de referência, para que a criança identifique o que é diferente e o

que é semelhante no outro local, tempo ou cultura. Ao professor caberia orientar

esse olhar para que não seja de estranhamento ou de hierarquização do que é

diferente (como melhor ou pior em relação ao local), mas sim de busca de

compreensão e reconhecimento dessa especificidade. Esse raciocínio também se

aplica a diferentes representações ou explicações do mundo e dos fatos, e não

somente aos elementos mais concretamente observáveis.

Essa questão está relacionada a outro objetivo estabelecido para o eixo

Natureza e Sociedade:

[...] propiciar experiências que possibilitem uma aproximação ao conhecimento das diversas formas de representação e explicação do mundo social e natural para que as crianças possam estabelecer progressivamente a diferenciação que existe entre mitos, lendas, explicações provenientes do “senso comum” e conhecimentos científicos (BRASIL, 1998, p. 167).

Tal como os PCNs, observa-se no Referencial a influência de Piaget, na

medida em que a tomada de consciência do mundo, pela criança, é associada a

diferentes etapas de desenvolvimento. No Referencial também pode ser observada a

presença de proposições de Vygotsky, pois o ambiente e as experiências são

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bastante valorizados como elementos que configuram a aprendizagem. Porém há um

alerta ao professor, que precisa:

[...] ter claro que esses domínios e conhecimentos não se consolidam nesta etapa educacional. São construídos gradativamente, na medida em que as crianças desenvolvem atitudes de curiosidade, de crítica, de refutação e de reformulação de explicações para a pluralidade e diversidade de fenômenos e acontecimentos do mundo social e natural (BRASIL, 1998, p. 173).

No quadro a seguir estão sintetizadas as principais orientações do Referencial

para o eixo Conhecimento de Mundo, por faixa etária.

Item Crianças de 0 a 3 anos Crianças de 4 a 6 anos

Objetivos - Explorar o ambiente, para que

possa se relacionar com

pessoas, estabelecer contato

com pequenos animais, com

plantas e com objetos diversos,

manifestando curiosidade e

interesse.

- Interessar-se e demonstrar curiosidade

pelo mundo social e natural, formulando

perguntas, imaginando soluções para

compreendê-lo, manifestando opiniões

próprias sobre os acontecimentos,

buscando informações e confrontando

ideias;

- estabelecer algumas relações entre o

modo de vida característico de seu grupo

social e o de outros grupos;

- estabelecer algumas relações entre o

meio ambiente e as formas de vida que ali

se estabelecem, valorizando sua

importância para a preservação das

espécies e para a qualidade da vida

humana.

Critérios para

seleção de

conteúdos

- relevância social e vínculo

com as práticas sociais

significativas;

- grau de significado para a

criança;

- possibilidade que oferecem de

construção de uma visão de

mundo integrada e relacional.

- possibilidade de ampliação do

repertório de conhecimentos a

Deve-se aprofundar os critérios já

estabelecidos para as crianças de 0 a 3

anos.

Conteúdos organizados em cinco blocos:

- organização dos grupos e seu modo de

ser, viver e trabalhar;

- os lugares e suas paisagens;

- objetivos e processos de transformação;

- os seres vivos;

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respeito do mundo social e

natural.

- fenômenos da natureza.

Orientações

didáticas /

Procedimen-

tos

- participação em atividades

que envolvam histórias,

brincadeiras, jogos e canções

que digam respeito às tradições

culturais de sua comunidade e

de outros grupos;

- exploração de diferentes

objetos, de suas propriedades e

de relações simples de causa e

efeito;

- contato com pequenos

animais e plantas;

- conhecimento do próprio

corpo por meio do uso e da

exploração de suas habilidades

físicas, motoras e perceptivas.

-formulação de perguntas;

- participação ativa na resolução de

problemas;

- estabelecimento de algumas relações

simples na comparação de dados;

- confronto entre suas ideias e as de

outras crianças;

- formulação coletiva e individual de

conclusões e explicações sobre o tema em

questão;

- utilização, com ajuda do professor, de

diferentes fontes para buscar informações,

como objetos, fotografias, documentários,

relatos de pessoas, livros, mapas etc.;

- utilização da observação direta e com

uso de instrumentos, como binóculos,

lupas, microscópios etc., para obtenção de

dados e informações;

- conhecimento de locais que guardam

informações, como bibliotecas, museus

etc.;

- leitura e interpretação de registros, como

desenhos, fotografias e maquetes;

- registro das informações, utilizando

diferentes formas: desenhos, textos orais

ditados pelo professor, comunicação oral

registrada em gravador etc.

QUADRO 4. ORIENTAÇÕES DO REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL – EIXO CONHECIMENTO DE MUNDO. FONTE: ELABORADO A PARTIR DE INFORMAÇÕES DE BRASIL (1998, p. 177–181).

Observam-se orientações bastante ricas e minuciosas, que são detalhadas no

decorrer do texto, ilustrando e sugerindo ações ao professor, para desenvolver tais

objetivos e conteúdos – no caso da faixa etária de 4 a 6 anos, as orientações são

específicas para cada bloco de conteúdo. Dessa forma, o Referencial constitui um

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importante recurso de apoio ao professor, para que ele possa compreender a

proposta e seus desdobramentos em sala de aula e na prática pedagógica.

É possível perceber que as proposições teórico-metodológicas mais recentes

para o ensino de História possuem, como já destacado, um elemento comum, que é

a crítica ao modelo que pressupunha o conteúdo como fim em si mesmo. Bittencourt

(2004) ressalta outras características presentes nas propostas curriculares

brasileiras, marcadamente a partir dos PCNs, e que também abrangem o

Referencial:

- a alteração nas formulações técnicas dos textos curriculares, que passaram a apresentar fundamentações sobre o conhecimento histórico e sobre os demais tópicos da disciplina;

- a preocupação com a implementação dos currículos, buscando sua legitimidade junto aos professores, justificando sua produção e procurando diluir formas de resistência aos documentos oficiais;

- a redefinição do papel do professor, fornecendo-lhe maior autonomia no trabalho pedagógico, concepção esta expressa na ausência de um rol de conteúdos estabelecidos de forma obrigatória para cada série ou ciclo;

- a apresentação mais detalhada dos pressupostos teóricos e metodológicos do conhecimento histórico;

- a fundamentação pedagógica baseada no construtivismo, expresso de maneiras diversas, mas tendo como princípio que o aluno é sujeito ativo no processo de aprendizagem;

- a aceitação de que o aluno possui um conhecimento prévio sobre os objetos de estudos históricos, obtido pela história de vida e pelos meios de comunicação, o qual deve ser integrado ao processo de aprendizagem;

- a introdução dos estudos históricos a partir das séries iniciais do ensino fundamental (BITTENCOURT, 2004, p. 111–112).

Os dois documentos mencionados – PCNs e RCNEI – parecem ter proposições

derivadas principalmente de Piaget, e de certa forma influenciam as características

comuns identificadas por Bittencourt, que são marcadas por teorias da psicologia da

aprendizagem.

Em um primeiro momento de chegada dessas teorias à discussão sobre

aprendizagem em História, houve o questionamento sobre a possibilidade de

crianças pequenas aprenderem alguns conceitos históricos, por serem mais

abstratos, em especial a partir do argumento de que esde aprendizado dependeria

de condicionantes biológicos.

Posteriormente, a partir das contribuições de Vygotsky, que aufere maior

relevância ao ambiente social e cultural do qual a criança faz parte e menor peso aos

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condicionantes biológicos, houve forte argumentação em defesa do papel da escola

“na elaboração conceitual, (...) uma vez que essa capacidade só se adquire pela

aprendizagem organizada e sistematizada” (BITTENCOURT, 2004, p. 188).

Uma abordagem que vem ganhando adeptos no Brasil nos últimos anos, e

que se propõe romper com elementos da perspectiva psicologizante, é a “Educação

Histórica”, que tem por base a obra de Jörn Rüsen, historiador alemão que vem se

dedicando à reflexão sobre a Didática da História há algumas décadas. No Brasil e

em Portugal, tal perspectiva vem sendo institucionalizada e difundida, em especial a

partir do início do século XXI (SCHMIDT; BARCA; GARCIA, 2010).

3.3 Educação Histórica

Rüsen destaca que, na Alemanha, no final dos anos de 1980, quatro itens

dominavam as discussões sobre a didática da História:

a metodologia de instrução em sala de aula;

a análise da função do conhecimento e da explicação histórica na vida

pública;

estabelecer os objetivos da educação histórica e descobrir como esses

objetivos têm sido alcançados; e a

análise da natureza, função e importância da consciência histórica”

(RÜSEN, 2010, p. 33–36).

Percebe-se que essas questões, fundamentais para a compreensão do porquê

de que determinado conteúdo ou disciplina deve fazer parte do currículo escolar,

qual conteúdo deve ser abordado, e como, constituem dilemas que não são próprios

somente do Brasil, e nem somente da História escolar.

A consciência histórica é um elemento central nas proposições de Rüsen:

“Consciência histórica é uma categoria geral que não apenas tem relação com o

aprendizado e o ensino de história, mas cobre todas as formas de pensamento

histórico; através dela se experiencia o passado e se o interpreta como história”

(RÜSEN, 2010, p. 36). O autor destaca três pontos principais sobre ela:

Primeiro, a consciência histórica não pode ser meramente equacionada como simples conhecimento do passado. A consciência histórica dá estrutura ao conhecimento histórico como um meio de entender o tempo presente e antecipar o futuro. (...)

Segundo, a consciência histórica pode ser analisada como um conjunto coerente de operações mentais que definem a peculiaridade

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do pensamento histórico e a função que ele exerce na cultura humana. (...)

Terceiro, através da análise das operações da consciência histórica e das funções que ela cumpre, isto é, pela orientação da vida através da estrutura do tempo, a didática da história pode trazer novos insights para o papel do conhecimento histórico e seu crescimento na vida prática (RÜSEN, 2010, p. 36–38).

Ou seja, Rüsen propõe, por meio dessa categoria, uma complexidade do

aprendizado histórico e uma função social dele, que extrapola a simples informação

e a memorização e que busca discutir, antes, o sentido do aprendizado histórico,

como eixo fundamental para a reflexão sobre o ensino de História na escola.

Uma das contribuições importantes de Rüsen para a discussão sobre a

aprendizagem de História é a tipologia que desenvolveu, que contempla quatro tipos

de consciência histórica e que tem como ponto de partida a narração histórica. Essa

tipologia é apresentada no Quadro 5.

TIPOS/

Elementos

TRADICIONAL EXEMPLAR CRÍTICA GENÉTICA

Experiência

no tempo

Origem e

repetição de um

modelo cultural e

de vida

obrigatório.

Variedade de

casos

representativos de

regras gerais de

conduta ou

sistemas de

valores.

Desvios

problematizadores

dos modelos

culturais e de vida

atuais.

Transformações

dos modelos

culturais e de vida

alheios em outros

próprios e

aceitáveis.

Formas de

significação

histórica

Permanência dos

modelos culturais

e de vida na

mudança

temporal.

Regras atemporais

de vida social.

Valores

atemporais.

Rupturas das

totalidades

temporais por

negação de sua

validade.

Desenvolvimento

nos quais os

modelos culturais

e de vida mudam

para manter sua

permanência.

Orientação

da vida

exterior

Afirmação das

ordens

preestabelecidas

por acordo ao

redor de um

modelo de vida

comum e válido

Relação de

situações

particulares com

regularidades que

se atêm ao

passado e ao

futuro.

Delimitação do

ponto de vista

próprio frente às

obrigações

preestabelecidas.

Aceitação de

distintos pontos de

vista em uma

perspectiva

abrangente do

desenvolvimento

comum.

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para todos.

Orientação

da vida

interior

Sistematização

dos modelos

culturais e de vida

por imitação –

role-playing.

Relação de

conceitos próprios

a regras e

princípios gerais.

Legitimação do

papel por

generalização.

Autoconfiança na

refutação de

obrigações externas

– role-playing.

Mudança e

transformação dos

conceitos próprios

como condições

necessárias para a

permanência e a

autoconfiança.

Equilíbrio de

papéis.

Relação com

os valores

morais

A moralidade é

um conceito

preestabelecido de

ordens

obrigatórias; a

validade moral é

inquestionável.

Estabilidade por

tradição.

A moralidade é a

generalidade da

obrigação dos

valores e dos

sistemas de

valores.

Ruptura do poder

moral dos valores

pela negação de sua

validade.

Temporalização da

moralidade. As

possibilidades de

um

desenvolvimento

posterior se

convertem em

uma condição de

moralidade.

Relação com

o raciocínio

moral

A razão

subjacente aos

valores é um

suposto efetivo

que permite o

consenso sobre

questões morais.

Argumentação por

generalização,

referência a

regularidades e

princípios.

Crítica dos valores e

da ideologia como

estratégia do

discurso moral.

A mudança

temporal se

converte em um

elemento decisivo

para a validade

dos valores

morais.

QUADRO 5. OS QUATRO TIPOS DE CONSCIÊNCIA DA HISTÓRIA. FONTE: RÜSEN (2010, p. 63).

Essa tipologia pode ser aplicada a uma narração histórica, feita por pessoa de

qualquer idade, para que seja identificado qual seu nível de consciência histórica.

No caso do tipo tradicional, a narrativa basicamente se sustenta em

tradições, não necessariamente tradições formais ou cívicas, mas em conhecimentos

e valores que perpassam o senso comum, no sentido de que “sempre foi assim e

continuará sendo”. Eles definem os papéis sociais e se relacionam à identidade.

O tipo exemplar também é relacionado a tradições, mas sua ênfase é em

regras e ações do passado que orientam a ação do presente; exemplar no sentido de

exemplo a ser seguido, desconsiderando-se as especificidades dos contextos

históricos.

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Por meio do tipo crítico são expressas críticas a versões da história, a valores

e regras estabelecidos razoavelmente em um consenso social, em geral situando ou

fundamentando historicamente a crítica ou a negação.

Finalmente, o tipo genético se refere a uma maneira mais complexa de

percepção da sociedade e da história, identificando permanências, mudanças e

rupturas e compreendendo que valores e normas não são estáticos no tempo, mas

sim dinâmicos conforme o contexto.

Por meio dessa tipologia, pode-se, por exemplo, averiguar em qual nível

determinado aluno está quanto ao seu pensamento histórico, a fim de serem

elaboradas estratégias para que possa chegar a um nível mais aprofundado de sua

reflexão sobre o passado e o presente, e sobre estes em relação a si mesmo. É

importante destacar que essa tipologia tem gerado proposições complementares,

que a utilizam como base.

Por exemplo, Castex (2008) investigou como:

jovens alunos entendem os conceitos históricos, aqui denominados de conceitos substantivos (LEE, 2001). Nesse trabalho destaca-se o conceito substantivo Ditadura Militar Brasileira (1964-1984), presente no contexto da sociedade brasileira na segunda metade do século XX (CASTEX, 2008, p. 7).

Para tanto, envolveu vários recursos, como observação, questionários e

entrevistas, aplicados a professores e alunos, textos e materiais didáticos sobre o

tema, utilizados em sala de aula. Para avaliar as concepções dos alunos sobre o

tema, ele elaborou sua própria categorização. Os exemplos que seguem são

respostas de alunos às seguintes perguntas: "O que você sabe sobre a existência

da ditadura em períodos da História do Brasil?" e/ou "O que você sabe sobre a

existência da ditadura no período de 1964 a 1984 no Brasil?" (CASTEX, 2008,

p. 107–122).

Castex (2008) define a categoria “Ideias ausentes ou sem nexo” como

“ideias dos jovens que não conseguiram responder à questão ou expressaram

idéias sem sentido” (CASTEX, 2008, p.106). Por exemplo: Já me falaram sobre

isso, mas eu não me lembro; Não sei, nunca ninguém me falou; Não respondi essa

questão pelo mesmo motivo; não sei o que é ditadura; Que ocorreu a ditadura

militar e suas consequências foram muitas vezes favoráveis para uns e para outros

não.

Uma segunda categoria refere-se a “Ideias confusas sobre o passado” e

ocorre quando “representavam confusão sobre o passado histórico, demonstrando

que o aluno ainda não tinha propriedade para falar sobre o assunto” (CASTEX,

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2008, p. 106), como nos seguintes casos: Não tinham liberdade de expressão,

mulheres não votavam, o voto era censitário; Sei que os militares queriam

independência, liberdade, em seu país; Que o povo fez a revolução contra a

ditadura, para eles terem a liberdade de lutar; Não estudei, não aprendi ainda

sobre as causas, mas soube que houve muitas pessoas revoltadas que foram

exiladas, que havia toque de recolher e censura. Soube também, num caso à parte,

que a poupança das pessoas foi retirada; ou Foi um tempo em que as pessoas

(população) não podiam opinar, eram vigiadas o tempo todo e também não tinham

liberdade, pois o poder estará sempre concentrado no rei.

A categoria “Ideias parciais, pouco complexas” remete aos casos em que “os

jovens apresentavam, em suas narrativas, ideias históricas parciais, de pouca

complexidade” (CASTEX, 2008, p. 106), como, por exemplo: Momentos em que

quem comandava eram os militares, causou também muita revolta entre a

população; Foi um regime militar em que os soldados (comandantes) davam as

ordens, como, depois de uma certa hora da noite, todos tinham que ir para as suas

casas; Foi um período em que muitas pessoas viviam cercadas pela polícia militar.

Muitos compositores foram presos por compor músicas que não falavam bem do

governo da época; ou Acho que era quando as pessoas se reuniam para conseguir

seus direitos; Que a ditadura existiu por muitos anos no Brasil com governos

militares.

Outra categoria é a de “Ideias históricas que explicam como as pessoas do

passado pensavam”, definida pela autora da seguinte forma: “Quando os jovens

conseguiam explicar as ideias históricas, demonstrando, em suas narrativas, como

as pessoas do passado pensavam” (CASTEX, 2008, p. 106–107), mas não foram

encontrados exemplos na dissertação de Castex (2008), nem alguma hipótese

sobre por que não foi identificada essa categoria nas respostas.

A quinta categoria é “Ideias históricas complexas”, que ocorre quando os

alunos “conseguiam explicar as ideias históricas do passado, mostrando como

entenderam os fatos de determinado tempo histórico, estabelecendo relações com

as pessoas daquele tempo e percebendo-as em seu contexto histórico” (CASTEX,

2008, p. 107), como: O País sofreu muito com a ditadura, pessoas foram exiladas,

mortas, torturadas e sequestradas, pois elas não podiam expressar suas opiniões

contra o governo.

Embora não elabore definição, aparecem ainda outras categorias no trabalho

de Castex: “Idéias estereotipadas ou do senso comum” (CASTEX, 2008, p.111),

como nos casos: Sei que mudou muito a vida no Brasil, delimitando horários e o

que deveriam ou não ver ou ouvir; Houve vários presidentes durante esse período,

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Acesse os PCNs de História e Geografia para 1ª a 4ª série (BRASIL, 1997b) e

identifique:

- ao menos três preocupações metodológicas, comuns às orientações para História e

para Geografia;

- ao menos cinco temas que deveriam ser trabalhados conjuntamente entre essas

disciplinas, a fim de enriquecer sua problematização.

Apresente para a turma os itens que anotou e discuta as interseções existentes entre

os conteúdos e objetivos dessas duas disciplinas.

revoltas do povo, muitas pessoas mortas; Os jovens se rebelaram contra os

policiais.

A última categoria, também não definida na dissertação, é “Ideias que

explicam o passado da mesma forma que explicam o presente” (CASTEX, 2008, p.

116), como: Não me recordo exatamente de um exemplo, sei que foi um período

difícil, e que hoje em dia seria um crime o uso dessa ditadura, pois não tinham

alternativas, a única era concordar com o governo; Aprendi várias coisas, como a

que muitos rebeldes gritavam 'abaixo a ditadura', e que os chefes dessas rebeliões

eram presos e, se fossem pegos, eles [os militares] até matavam.

Tal categorização pode ser adaptada a diferentes conteúdos, auxiliando o

professor na escolha tanto dos temas quanto dos recursos e da metodologia a ser

utilizada em seu planejamento didático-pedagógico. Nas unidades seguintes, essa

questão será retomada.

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Sugestões de leituras complementares

CAINELLI, Marlene R.; OLIVEIRA, Sandra R. F. Entre o conhecimento histórico

e o saber escolar: uma reflexão sobre o Livro Didático de História para as

séries iniciais do Ensino Fundamental. In: OLIVEIRA, M. M. D.; STAMATTO, M.

I. S. (orgs.). O livro didático de história: políticas educacionais, pesquisas e

ensino. Natal: EDUFRN, 2007, p. 89–98.

EHLKE, Tania G. Patrimônio imaterial e educação histórica. [s/d].

Disponível em:<http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/

160-4.pdf?PHPSESSID=2009050613422228>. Acesso em 20/11/2010.

OLIVEIRA, Margarida M. D. Parâmetros Curriculares Nacionais: suas ideias

sobre História. In: OLIVEIRA, M. M. D.; STAMATTO, M. I. S. (orgs.) O livro

didático de história: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal:

EDUFRN, 2007, p. 9–18.

SCHMIDT, Maria A.; GARCIA, Tânia B. (orgs.). Dossiê Educação Histórica.

Educar em Revista. Curitiba, Vol. Especial, 2006. Disponível em:

<http://www.ser.ufpr.br/>. Acesso em 20/11/2010.

E ainda ...

- INEP – www.inep.gov.br – em especial, o link Publicações.

- MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – www.mec.gov.br

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UNIDADE

4

QUESTÕES, CONCEITOS E NOÇÕES FUNDAMENTAIS

PARA O ENSINO DE HISTÓRIA

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4 QUESTÕES, CONCEITOS E NOÇÕES FUNDAMENTAIS PARA O ENSINO DE

HISTÓRIA

Como já foi visto nas unidades anteriores, a origem mais formal da disciplina

escolar de História, na Europa do final do século XVIII, apresentava uma resposta

bastante plausível para aquele contexto, sobre por que História deveria ser

ensinada. A partir da compreensão de que a finalidade da instrução pública era

criar ou fortalecer a identidade nacional, foram identificados quais fatos eram

relevantes para serem ensinados – os grandes feitos, heróis e datas da nação.

Também no Brasil a configuração da instrução pública esteve fortemente

relacionada ao contexto político e ao ideal de povo e nação, ou aos projetos de

distintos governos, como, por exemplo, às discussões e princípios positivistas,

eugenistas e higienistas característicos da Primeira República, que imprimiram à

escola uma função civilizatória e modernizadora; ao Estado Novo, cujo projeto

nacionalista impactou grandemente nas práticas e no currículo escolar; ou à

ditadura civil-militar, durante a qual a Doutrina de Segurança Nacional e

Desenvolvimento orientou duas importantes reformas, do ensino superior (1968) e

de criação do 1º e 2º graus (1971), além de estabelecer e formalizar novos

elementos formativos, configurados como disciplinas ou práticas escolares.

Finalmente, a partir da redemocratização do país, observa-se uma

pluralidade de orientações e proposições para a escola e seu currículo. Tantas, que

por vezes não há muita clareza de qual opção a instituição segue, resvalando para

frases feitas ou expressões que sempre são citadas, mas que são pouco

significativas no cotidiano da instituição, como é o caso da “formação para a

cidadania”, presente provavelmente em 100% dos projetos político-pedagógicos do

Brasil, mas nos quais em geral não há clareza sobre sua vivência e presença nas

ações escolares cotidianas; ou o “pensar historicamente”, uma expressão genérica

que parece equivaler a “formação para a cidadania” nos planos de ensino da

disciplina de História.

Nesta Unidade, o objetivo é abordar alguns elementos considerados

fundamentais para o planejamento do ensino de História, mas que é preciso

esclarecer antes de se chegar a essa etapa.

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4.1 SOBRE MÉTODO E METODOLOGIA DE ENSINO

Você já pensou sobre qual seria a diferença entre método e metodologia?

Por vezes, esses termos são equivocadamente utilizados como sinônimos, mas não

são, nem no caso de métodos e metodologias de pesquisa, nem no de métodos e

metodologias de ensino.

Método é um conceito mais amplo do que metodologia, que, por sua vez,

dele decorre. Para exemplificar, será aqui utilizado um genérico “método tradicional

de ensino”, embora com a ressalva de que sob essa designação encontram-se

diferentes práticas, contextos e proposições. Porém, para o uso que será feito neste

tópico, o genérico será suficiente, situando-se no final do período do Império no

Brasil, por exemplo, a partir do currículo do Colégio Pedro II.

Um método de ensino deve contemplar respostas a algumas questões-

chave. No quadro abaixo, segue a ilustração.

Qual a função da instrução formal

daquela época?

Transmitir o conhecimento culto até então

desenvolvido. Formar pessoas letradas, com

cultura reconhecida como legítima, derivada da

proposição curricular da França. A maioria dos

alunos visava o ensino superior.

Considerando essa função da escola, para

qual público ela estava voltada?

Público restrito, filhos de famílias abastadas.

Considerando essa função da escola, que

tipo de conteúdo era escolhido para

compor o currículo?

Aquele reconhecido como legítimo, em geral

associado ao currículo de países mais

“civilizados”, como a França. Currículo

enciclopédico, com muita informação

pormenorizada.

Considerando essa função da escola,

público e currículo, qual a função e quais

características ou habilidades teria um

bom professor?

Função de transmitir esse conhecimento aos

alunos. Pessoa com conhecimento e boa

oratória.

Considerando essa função da escola,

público e currículo, qual a função e quais

características ou habilidades teria um

bom aluno?

Função de “absorver” esse conhecimento.

Disciplinado, concentrado, passivo, com boa

memória.

Considerando essa função da escola,

público e currículo, a função do professor

e do aluno, qual a melhor maneira de

ensinar?

Por meio da explanação, ou da aula expositiva,

no sentido de monólogo.

Atividades focadas na memorização, com

palavras “certas”, com questões para as quais a

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(aqui entra-se nas estratégias de ensino,

que fazem parte da metodologia)

resposta está pronta no texto, ou exercícios de

complete.

Considerando essa função da escola,

público e currículo, a função do professor

e do aluno, e a maneira de ensinar, qual a

melhor forma de avaliar se foi cumprida

a função da escola?

Avaliação com base na memorização, com as

mesmas características das atividades.

Visava avaliar se o aluno era capaz de

reproduzir as informações que recebeu, com

fidelidade.

QUADRO 6 - MÉTODO “TRADICIONAL” DE ENSINO – QUESTÕES BÁSICAS. FONTE: ORGANIZADO PELA AUTORA, S/R.

Como pode ser observado no exemplo, um método precisa ter coerência

interna. Por muito tempo o método tradicional esteve presente em escolas

brasileiras e, principalmente, era aceito e aprovado pela sociedade, ou seja, tinha

legitimidade. Por ser o modelo predominante, não era quase questionado, ou, se

era, esse questionamento não perpassava a sociedade, poderia ser mais

concentrado nos meios intelectuais, por exemplo. Essa relativa homogeneidade na

forma de entender para o que a escola servia e o que era função do aluno, por ser

legitimada socialmente, era reforçada pelas famílias dos alunos. Esse panorama, de

forma geral, favorecia o reconhecimento da autoridade do professor na escola e

consequentemente facilitava seu trabalho.

No que tange à História, foram apresentados vários exemplos de como esse

método sobreviveu por décadas. E mesmo nos dias de hoje é possível encontrar

resquícios dele na cultura escolar, por razões que já foram mencionadas. Porém é

importante ressaltar que esse método e seus desdobramentos não perpassaram

somente a História. Por exemplo, mediante a pergunta O que é ilha? em geral vem

a resposta pronta: ilha é um pedaço de terra cercado de água por todos os lados.

Ou, o que significa DNA? Ácido desoxirribonucleico. Ou, conjugue o verbo ser no

presente perfeito: eu sou, tu és, ele é, nós somos, vós sois, eles são. Ou, ainda,

quanto é 4x8? 32. E tantos outros.

No caso da História, como esse método impregnou a prática?

Por exemplo, mediante a pergunta quem descobriu o Brasil, e quando?, a

resposta clássica: Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500. Hoje, a própria

pergunta é questionada.

Esse questionamento deriva, em grande parte, de mudanças na forma de se

compreender o que é História e de novas perspectivas para sua explicação, que se

voltam para documentos que não somente os oficiais (como os emitidos pelo

Estado ou pela Igreja) e para perguntas que não tratam somente de “grandes”

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Documento histórico é compreendido como todo registro do passado humano. Pode

ser então desde uma imagem a uma carta, a um objeto, entre outras possibilidades.

Essa questão será retomada ainda nesta Unidade.

Representação significa, para a História, a maneira como as pessoas percebem,

compreendem e relatam as situações. Um mesmo evento histórico pode assim gerar

diferentes representações, dependendo da posição social, por exemplo, em que a

pessoa ou grupo que faz o relato estava. Isso também será aprofundado na

sequência.

heróis, mas do cotidiano das pessoas comuns, em especial quanto à cultura, às

ideias, às representações existentes em cada época.

Voltando a Cabral: o questionamento é ao termo “descobrimento”,

considerado inadequado atualmente, porque:

- pressupõe que não havia alguém aqui até 1499, que tivesse “descoberto”

ou chegado ao Brasil antes de Cabral;

- ou que, embora se reconheça a existência de pessoas no Brasil quando

Cabral chegou, essas pessoas e suas culturas não teriam sido importantes

para nossa História, que ficaria marcada somente com a chegada dos

europeus, os “civilizados”;

- ou ainda, porque ele remete a uma explicação que foi por muito tempo

utilizada, de que Cabral chegou aqui por acaso, por um desvio de rota,

tanto que “achou” que estava nas Índias.

Hoje sabe-se que existem registros que contradizem essa versão do acaso,

pois há mapas europeus dos séculos XIV e XV que já trazem a costa brasileira, ao

menos parcialmente, já delimitada.

Mas, para além de explicações historiográficas mais recentes, é importante

destacar que antes mesmo de elas serem divulgadas, no livro didático de muitas

décadas atrás, já havia indícios de que se podia desconfiar dessa casualidade.

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Procure pensar no assunto, respondendo as perguntas que seguem:

1) Quando Cabral chegou ao Brasil?

2) Qual o Tratado que Portugal e Espanha tinham assinado, antes disso, em

1494?

3) O que era estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas?

4) Como Portugal e Espanha sabiam que haviam terras naquela latitude e

longitude, antes de 1500?

5) O que tinha acontecido em 1492, ao norte da linha do Equador?

6) Você consegue perceber a relação de causalidade, ou seja, a articulação entre

esses fatos e informações históricas?

Respostas, na sequência: 1) Em 22 de abril de 1500; 2) Tratado de

Tordesilhas; 3) delimitava a divisão de terras a 370 léguas a oeste da Ilha de Cabo

Verde: o que estivesse a oeste disso seria da Espanha, e o que estivesse a leste, de

Portugal; 4) Ou tinham uma bola de cristal ou já deviam saber da existência de

terras ali; 5) Colombo chegou em 1492 em terras, hoje, norte-americanas – curioso

é que essas terras não foram chamadas de Colômbia, mas de América, estando

este nome relacionado provavelmente ao navegador Américo Vespúcio e a um erro

cometido em um mapa de 1507, que lhe atribuía a “descoberta” das terras ao

norte. O nome foi difundido e mantido – esta é só uma informação histórica, mas

ilustra elementos que em geral são incorporados como “naturais”, sem que as

pessoas questionem os seus porquês... Como o caso do “descobrimento por acaso”

do Brasil em 1500.

Sobre a questão 6: você deve ter percebido que recebeu essas informações

quando estava no Ensino Fundamental, mas elas eram compartimentadas. Não

necessariamente – ou muito raramente – essas inter-relações foram explicitadas.

Você precisava saber aquele conteúdo, mas não necessariamente ele fazia sentido.

Esse com certeza é um resquício do método tradicional apresentado no início desse

tópico.

Com esse exemplo, deve ter ficado mais clara a ideia apresentada, de que a

escolha do conteúdo, a forma de ensinar, as atividades e avaliações estão

relacionadas às funções que se entende como sendo da escola, do professor e do

aluno.

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Como o método exemplificado decorre de outro contexto, e quando você

estava na Educação Básica provavelmente já vinha sendo questionado há muito

tempo, mais uma vez nota-se uma permanência nas práticas escolares. Porém com

um agravante: sendo que no período atual não é mais o método tradicional o

adotado formalmente pelas escolas, essa prática dos professores chega a ser

anacrônica, porque, se racionalizada, não teria sentido na escola e no ensino,

enunciados tanto na legislação quanto nos Parâmetros e Diretrizes Curriculares.

Assim é importante lembrar: para saber responder por que ensinar História

na escola, qual conteúdo ensinar, como ensinar e como avaliar, é preciso saber

responder antes: qual é a função da escola? Qual é a função do professor nesta

escola? E qual é a função do aluno?

Essas respostas deveriam ser construídas coletivamente – esse é o objetivo

do Projeto Político-Pedagógico. Cada docente e disciplina deveriam ter muito

claramente enunciados nesse documento qual seu papel na formação do aluno que

se deseja formar – tema esse que deverá perpassar de forma mais aprofundada

outras disciplinas deste Curso.

4.2 SOBRE A HISTÓRIA E O ENSINO DE HISTÓRIA

No tópico anterior, foi destacado que a História, hoje, tem elementos que

permitem a construção de respostas sobre eventos históricos, distintas daquelas

que por muitas vezes foram disseminadas pela escola, por décadas.

Isso ocorre porque a concepção de História e da função do historiador

assumida atualmente por essa área de conhecimento mudou ao longo do tempo, o

que ocorre em todos os campos. Em relação à História tal como é compreendida

nos dias de hoje, o maior marco do novo paradigma é a chamada Escola dos

Annales, um grupo de historiadores da França que nos anos de 1930 lançam,

sistematizam e difundem uma nova perspectiva, caracterizada por várias

proposições, que não estabelecem uma única possibilidade para a problematização

e a explicação históricas.

Peter Burke (1992) apresenta uma comparação entre a História conhecida

como tradicional – que por várias décadas perpassou os livros didáticos de História

– e a Nova História. Ele destaca:

- a mudança de ênfase, da política – grandes heróis, geralmente militares ou

governantes – e da história mundial, para “toda atividade humana”

(BURKE, 1992, p. 10), incluindo e talvez enfatizando as pessoas comuns,

seus cotidianos e formas de agir e pensar, em sua cultura em sentido

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amplo;

- a preocupação em relatar cronologicamente e de forma linear – e até

progressiva – é substituída por uma outra forma, que prioriza a

identificação e compreensão de permanências e mudanças, em especial do

porquê aquela prática, aquele valor, entre outros aspectos, permaneceu ou

mudou ao longo do tempo;

- a aceitação da legitimidade de documentos ou fontes históricas distintos e

variados em suas formas, locais e grupos de produção, em contraposição à

visão anterior, que aceitava somente documentos oficiais; e

- a ruptura da crença de que era possível relatar “a verdade”, ou seja, o que

aconteceu como “de fato” ocorreu na história, para uma nova perspectiva,

de compreensão de que podem haver distintos relatos sobre o evento

histórico, não necessariamente excludentes entre si. Esta última estava

relacionada à ideia de que o historiador poderia ser neutro, não

interpretando, mas apenas relatando o que as fontes (oficiais) informavam,

o que atualmente não é mais aceito, pois compreende-se que é impossível

uma objetividade absoluta por parte do historiador.

Dessa forma, percebe-se que muito daquela forma de História escolar que

foi vista nas unidades anteriores derivava também de como se compreendia o que

era História naquela época.

Essas novas proposições são relativamente consensuais no campo da

História, na atualidade, e de certa forma já aparecem em diretrizes curriculares e

em livros didáticos. Porém não deixam de trazer questionamentos, em especial de

docentes, pedagogos, pais e alunos, muitas vezes ainda habituados, por sua

experiência, à História mais tradicional.

Por exemplo: se não se acredita mais que há “a verdade” em História, mas

que é possível que haja diferentes visões ou representações sobre o mesmo evento

histórico, como saber o que de fato ocorreu?

Se o professor aceita essa possibilidade, como explicar para os alunos que

aprender História é importante? Para quê seria importante se não há uma

explicação definitiva, ou se pode haver diferentes perspectivas para uma mesma

situação? Como escolher a melhor explicação? Como saber o que aconteceu de

verdade?

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Antes de continuar a leitura, reflita um pouco sobre essas questões, procurando

levantar possíveis respostas que você daria para seus alunos.

Procure lembrar das aulas de História que teve na Educação Básica: em algum

momento algum professor colocou esse tipo de questão para sua turma? Quais

elementos ele destacou? Ofereceu algum caminho para respondê-las? Qual foi a

reação de vocês, como alunos?

Não há fórmula mágica para responder a essas questões, nem respostas

absolutas, definitivas e consensuais.

Claro que em cada campo acadêmico – lembre-se de Bourdieu, abordado na

Unidade 1 – os pesquisadores estabelecem entre si o que é legítimo, as regras do

jogo. Assim, a cada época, um historiador “deve saber” quais os critérios que

validarão ou não sua pesquisa, e as respostas que construir sobre determinado

assunto ou evento histórico.

Mas e no caso do professor, o que ele deve saber, já que não

necessariamente faz parte desse campo, e por isso pode desconhecer esses

critérios?

É preciso ressaltar que alguns eventos podem ser confirmados, no sentido

de terem acontecido. Por exemplo, a chegada de Cabral ao Brasil: todos os

registros até hoje, confirmam a data de 22 de abril de 1500. Isso ocorreu, e não há

questionamentos sobre esse evento.

O que mudou foi o olhar sobre essa chegada. Documentos que antes não

eram reconhecidos como fontes históricas passaram a ser investigados; a

preocupação com pessoas “comuns” levou a novas perguntas e explicações. E a

busca em averiguar os porquês, os sentidos e o contexto que envolveu essa

situação levou a respostas diferentes daquelas até então reconhecidas.

Por não se reconhecer hoje que existe uma verdade, ou “a” verdade na

História, não significa que qualquer opinião seja aceitável. Assim, se é certo que

Cabral e sua esquadra chegaram ao Brasil em determinada data, as razões e

circunstâncias que os envolveu passaram a ser questionadas.

Hoje não se usa mais o termo “descobrimento”, pelas razões já apontadas

no tópico anterior. Além delas, deve-se acrescentar que pode haver diferentes

olhares sobre esse momento histórico, por parte daqueles que o presenciaram.

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Lembre-se: representação é a maneira como cada um percebe, compreende e relata

ou descreve alguma situação, objeto ou fenômeno. Aproxima-se do conceito de

habitus de Bourdieu, porque o olhar de cada um deriva de quem ele é, de suas

experiências, crenças e valores.

A versão predominante até recentemente sobre a chegada de Cabral foi a

relatada na carta de Pero Vaz de Caminha. Ele era um enviado do rei, uma pessoa

letrada que tinha a função de relatar oficialmente o que e como aconteceu. Mas é

preciso considerar essas informações, para entender o que ele escolheu mencionar

na carta. E essa decisão depende de quem seria o destinatário (o rei) e do que

Caminha achava que interessaria ao rei saber, por exemplo.

Se Cabral tivesse escrito uma carta a um familiar, ou um diário, relatando o

que viu, provavelmente haveria elementos diferentes daqueles mencionados por

Caminha. Se houvesse um marinheiro letrado, seria a mesma situação: ele relataria

elementos distintos dos de Cabral e Caminha. Da mesma forma, se fosse possível

recuperar o relato que um dos indígenas fez à sua tribo sobre o que viu chegar pelo

mar e do encontro com os portugueses quando eles desembarcaram, os elementos

destacados por ele seriam muito, muito mais distintos. E, finalmente, se houvesse

uma máquina do tempo, que permitisse que você voltasse para aquele momento, o

visse, e regressasse para o presente, imagine só o relato que faria, a partir de

quem você é, dos valores e conhecimentos que tem, e do que é o mundo de hoje!

Esse pequeno exercício de imaginação é um exemplo para auxiliá-lo a

compreender como pode haver diferentes relatos ou representações sobre um

mesmo evento histórico sem que sejam excludentes. Muitas vezes, podem ser até

muito interessantes para que se possa perceber a complexidade e diferentes

aspectos de uma mesma situação.

Porém reconhecer que pode haver distintas representações sobre um

mesmo evento histórico não é o mesmo que aceitar “achismos” ou qualquer opinião

a respeito dos porquês daquela situação.

Há explicações mais plausíveis que outras, ou seja, considerado o contexto,

as especificidades de quem relatou, o tipo de fonte, entre outros fatores, algumas

hipóteses são mais prováveis de terem ocorrido do que outras. Essa é uma

dimensão formativa interessante para o professor trabalhar em sala de aula, como

será abordado na Unidade 5.

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4.2.1 SOBRE DOCUMENTOS E FONTES HISTÓRICAS

Até o momento, foram mencionados documentos históricos e fontes

históricas, por vezes utilizados como sinônimos, mas existe uma pequena sutileza

que os distingue.

Em decorrência da nova concepção de História, brevemente abordada no

tópico anterior, a compreensão sobre documento e fonte também foi modificada.

Segundo Bloch (2001), “a diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita.

Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve

informar sobre ele” (BLOCH, 2001, p. 79).

Hoje em dia, qualquer registro do passado humano pode ser considerado

relevante para a compreensão da história daquele contexto. Isso inclui desde

objetos (como móveis, roupas, lápides) a imagens (como fotografias, pinturas),

escritos (como cartas, panfletos, grafites, jornais, ofícios), depoimentos orais

(entrevistas, tradição oral), músicas (cantadas, tocadas ou registradas por escrito),

enfim, o que se possa pensar como registro, mesmo que não seja oficial.

Ou seja, documento é todo o registro sobre o passado do homem, havendo

diferentes tipos de documentos, sem uma hierarquização prévia sobre algum que

seria mais importante ou legítimo do que outro. O que vai estabelecer o grau de

importância do documento, no caso do historiador, é a pergunta que ele quer

responder, ou seja, a informação que o registro traz deve auxiliá-lo no

esclarecimento dessa pergunta. Se ele estiver investigando, por exemplo, as

diretrizes políticas da Educação no Brasil, provavelmente leis e pareceres oficiais

lhe serão muito relevantes. Mas se estiver pesquisando como foi a apropriação do

Decreto Lei 869/69 – que estabeleceu a obrigatoriedade da Educação Moral e Cívica

como disciplina nas escolas – na instituição X, ele também poderá usar a legislação

e as atas, mas se conseguir entrevistas com pessoas que lecionaram a disciplina,

ou com alunos da época, ou um caderno escolar, ou o livro didático utilizado, terá

outros elementos relevantes para responder sua questão. Assim, conforme a

pergunta de pesquisa, buscará registros que o ajudem a respondê-la. Ele pode

encontrar documentos que não tragam informações significativas para sua

pesquisa, e selecionará somente os que, a seu ver, contribuirão para sua

investigação.

Você sabe a diferença entre documento e fonte histórica?

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Esta é a principal distinção entre documento histórico e fonte histórica: quando o

historiador seleciona o documento para sua pesquisa, este documento se transforma,

ou é também, fonte de informações para o historiador. Dessa forma, nem todo

documento virá a ser fonte para alguém. Há documentos que nunca ninguém irá

utilizar.

Por outro lado, toda fonte histórica é um documento, ou seja, era um registro que por

alguma razão foi selecionado para trazer informações sobre algum assunto para

alguém.

Para entender melhor a questão das representações, reflita: se um historiador do ano

2200 encontrasse o álbum de fotografias de sua família – não importa se em suporte

material ou digital – qual a ideia que ele teria dessa família?

O historiador sabe que esses registros trarão, cada um, a forma de perceber

aquele contexto, a marca de seu autor. Ou seja, cada registro ou documento trará

a representação que a pessoa ou instituição da época tinha ou queria transmitir

sobre determinado assunto. Por isso é importante averiguar quais foram suas

condições de produção e de uso.

De acordo com Rousso (1996), os documento são produzidos, em geral:

por instituições ou indivíduos singulares, tendo em vista não uma utilização ulterior, e sim, na maioria das vezes, um objetivo imediato, espontâneo ou não, sem a consciência da historicidade, do caráter de ´fonte´ que poderiam vir a assumir mais tarde (ROUSSO, 1996, p. 87).

Ou seja, na maioria das vezes, quem produziu esses registros não pensou

que um dia seriam fontes históricas para alguém. Porém alguns tipos de fonte

tendem também para o outro lado, ou seja, foram produzidos considerando já a

possibilidade de que um dia alguém no futuro olharia para aquela informação como

registro do passado. Essa situação deve ser bem investigada pelo pesquisador, para

a compreensão das representações presentes no registro.

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Provavelmente, a de uma família unida e feliz. Pense, por exemplo, nas

festas de Natal. Quando é que se tiram as fotos? Em geral, no início, quando todos

estão bem arrumados, os presentes embrulhados e a mesa enfeitada e com os

alimentos postos. É improvável que alguém lembre ou se preocupe em fotografar

depois, quem está lavando a louça, ou a briga do tio que bebeu demais, ou a mesa

após o jantar, com os restos de comida nos pratos – a menos que seja como uma

gracinha.

Há algum tempo atrás, quando as fotografias tinham os filmes revelados, o

cuidado na seleção do que devia ser fotografado e na escolha da foto que iria para

o álbum eram maiores ainda, pelo custo financeiro que tinham.

No caso do álbum de família, ele constitui uma representação do que seu

proprietário quer transmitir, ou seja, da família que ele quer que as pessoas vejam.

Provavelmente, nas fotografias serão perceptíveis os ideais e valores que para

aquela pessoa envolvem o que é uma família. Não significa que a família era

mesmo daquele jeito, mas é como ele gostaria que as pessoas vissem. Também

não significa que não seja aquele ideal, somente é improvável que seja.

Mas caberá ao historiador do futuro desvendar isso, identificar, se possível,

o limite entre o que eram as relações entre os membros daquela família e o que

aparece nas fotografias, suas fontes.

É nesse sentido que cabe o alerta sobre a verdade em história, já abordada

no tópico anterior. Pode até ser verdade para quem produziu o registro, mas uma

outra pessoa poderia olhar para outros aspectos daquela mesma situação.

Por exemplo, uma pessoa que vai ao Rio de Janeiro. Se ele é um turista,

buscará fotografar o que há de positivo e bonito, como lembrança de seu passeio.

Se ele não for um turista, se for um ativista de uma organização não

governamental contra a violência, fotografará outros aspectos da cidade. Eles

podem estar exatamente no mesmo local, mas a sua preocupação orientará para

onde a câmera será voltada e o que será fotografado.

Nesse caso, a condição de produção – determinada pelo interesse do

fotógrafo – terá influência na condição de uso da imagem – também relacionada a

essa intenção.

Na unidade seguinte, que tratará do planejamento do ensino de História, a

questão dos documentos e fontes históricas será retomada, mas sob a perspectiva

de seu uso em sala de aula.

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Você saberia distinguir noção de conceito? E ambos, de definição?

Pense a respeito, pois por vezes esses termos são utilizados como sinônimos, mas

nem sempre o são. O uso que será feito deles nesse tópico os distingue por algumas

sutilezas.

4.3 SOBRE DEFINIÇÕES, CONCEITOS HISTÓRICOS E NOÇÕES NO ENSINO DE

HISTÓRIA

Antes de iniciar a discussão sobre este tópico, é necessário esclarecer os

termos que serão utilizados.

O dicionário Houaiss (2010) traz as seguintes informações:

- definição: delimitação exata, estabelecimento de limites; significação

precisa de; indicação do verdadeiro sentido de;

- conceito: por extensão de sentido; faculdade intelectiva e cognoscitiva do

ser humano; mente, espírito, pensamento; compreensão que alguém tem

de uma palavra; concepção, ideia;

- noção: conhecimento imediato, intuitivo, de algo; ideia, consciência.

Esse esclarecimento faz-se necessário para distinguir justamente o uso que

se pode fazer deles, em sala de aula, no ensino de História, o que será

exemplificado a seguir.

Considerando que este Curso refere-se à Educação Infantil e aos Anos

Iniciais do Ensino Fundamental, é importante ressaltar conceitos relacionados a

temas que possam ser abordados em diferentes momentos e anos, distinguindo-se

apenas o nível de aprofundamento e problematização que possa ser agregado ao

trabalho desenvolvido em sala de aula.

Por exemplo, conceitos que de alguma forma estejam presentes no cotidiano

dos alunos, como cultura, sociedade, família, trabalho, identidade. Só por meio

desses é possível abordar uma série de temas, ressaltando como esse conceito se

aplica ao âmbito local e ao tempo presente, como se manifesta e se manifestava

em outros contextos históricos.

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O importante é sempre inserir a discussão sobre o sentido assumido pelo

conceito, dentro de determinada realidade histórica. Nenhum conceito ou evento

histórico pode ser compreendido se não forem observadas as especificidades do

tempo e do espaço em que ele se dá.

Para o ensino de História, talvez aqui esteja a principal distinção entre

definição e conceito. Definição é a informação que o dicionário traz. Por exemplo,

os ilustrados no Quadro a seguir.

Cultura

O cabedal de conhecimentos, a ilustração, o saber de uma pessoa ou grupo

social. Rubrica: antropologia. Conjunto de padrões de comportamento, crenças,

conhecimentos, costumes etc. que distinguem um grupo social.

Família Grupo de pessoas vivendo sob o mesmo teto (esp. o pai, a mãe e os filhos);

grupo de pessoas que têm uma ancestralidade comum ou que provêm de um

mesmo tronco; pessoas ligadas entre si pelo casamento e pela filiação ou,

excepcionalmente, pela adoção; derivação: sentido figurado – grupo de pessoas

unidas por mesmas convicções ou interesses ou que provêm de um mesmo

lugar.

Identidade Consciência da persistência da própria personalidade; o que faz que uma coisa

seja a mesma (ou da mesma natureza) que outra; conjunto de características e

circunstâncias que distinguem uma pessoa ou uma coisa e graças às quais é

possível individualizá-la.

Sociedade Rubrica: sociologia. Conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e

de espaço, seguindo normas comuns, e que são unidas pelo sentimento de

grupo; corpo social, coletividade.

Trabalho Conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para

atingir determinado fim.

QUADRO 7 -. EXEMPLOS DE DEFINIÇÕES FONTE: HOUAISS (2010).

Como pode ser observado, a definição traz informações sobre a essência

inerente àquele termo. Mas ela não traz especificidades ou características de como

aquilo ocorria em determinado contexto histórico.

Por exemplo, o que constitui a cultura de tal sociedade, em dada época?

Quais eram seus valores, as regras sociais vigentes, o que era considerado mais

relevante e o que era desprezado?

No caso da família: quais as funções sociais de cada membro dela, em cada

contexto? E sua estrutura? Observa-se na definição inclusive a indicação de um

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modelo de referência, e até ele pode ser problematizado nos dias de hoje, pois há

diferentes organizações familiares em diferentes tempos e sociedades. O mesmo

poderia ser aplicado ao trabalho, à identidade e à sociedade.

Somente quando se configura, se situa e se caracteriza historicamente o

termo ou definição, localizando-o no tempo e no espaço e compreendendo seu

sentido naquele contexto, é que se pode dizer que está sendo esclarecido o

“conceito de” naquele contexto histórico. Ou seja, o conceito, nesse caso, pode ser

utilizado como sinônimo de “definição contextualizada”.

Justamente porque os termos mencionados no Quadro 7 – que são os mais

comuns, para crianças – estão presentes em todos os tempos e sociedades é que

se faz necessário esclarecer bastante bem, e até exaustivamente, as

especificidades de cada contexto e os sentidos nele, sob o risco de ser anacrônico –

o que será abordado no tópico seguinte. Escravidão, cidadania, democracia, povo,

são outros exemplos que também têm uso em diversos contextos.

Como visto na definição do Houaiss, a noção é “um conhecimento imediato,

intuitivo, de algo; ideia, consciência”. É algo que a pessoa pode saber, mas não é

necessário definir.

As noções, no caso do ensino de História, são as de tempo ou de

temporalidade, e justamente não precisam ser definidas, porque o que se espera é

que os alunos as saibam, as reconheçam. Eles podem somente explicá-las e aplicá-

las. De acordo com Schmidt e Cainelli (2004):

o trabalho com a temporalidade no ensino da História não significa que o tempo seja, em si mesmo, o conteúdo a ser trabalhado, mas implica, sim, um pressuposto metodológico essencial para a compreensão e o raciocínio históricos SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 80).

As principais noções de temporalidade são apresentadas a seguir.

1) Sucessão: ocorre quando se menciona o antes, o durante e o depois, em

uma perspectiva linear; ou quando se localizam eventos históricos ao longo do

tempo.

Esta talvez seja a noção mais primária e mais simples de ser apreendida.

Mesmo na abordagem tradicional da História ela estava presente, e é fácil

E as noções, como entram nessa discussão?

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identificá-la em livros didáticos. É só pensar em uma linha do tempo:

|__________|_______________|_________________|_______________|

Uma linha do tempo, no caso de crianças, não precisa ser acompanhada de

datas de eventos históricos nacionais. Podem ser utilizadas datas importantes para

a criança, em sua vida, em distintas perspectivas. Ela pode colocar em ordem

momentos que foram significativos, como o nascimento do irmão, ganhar um

brinquedo e aprender a andar de bicicleta, entre outros.

A sucessão também está sendo abordada quando o professor trabalha o

calendário, com os meses e sua sequência, ou quando a criança é estimulada a

fazer uma lista do que ocorre durante seu dia, ordenando o horário de acordar, o

horário de ir para escola, o horário de almoço... Ou ainda os dias da semana, com

as atividades comuns a cada um deles.

Em todas essas situações, o estímulo é para que a criança perceba que

existe essa sequência. Em um aprofundamento posterior, essa noção pode ser

associada à ideia de causalidade histórica, ou seja, o aluno deverá ser instigado a

observar que fatos anteriores influenciaram o que veio depois deles. Nesse caso, a

importância da noção de causalidade, que auxilia na compreensão dos sentidos das

coisas, para que a criança perceba que os fatos históricos não são casuais, nem

naturais (natural, compreendido como algo ou que sempre foi assim, ou que não

poderia ser diferente), mas sim que foram construídos ao longo de um processo

histórico.

2) Duração: refere-se ao período em que determinado fato ou situação

ocorre.

Essa noção está relacionada à sucessão, uma vez que aborda quanto tempo

algo dura e que existem durações mais curtas e outras mais longas, variáveis

conforme a situação ou o recorte estabelecido para compreendê-las.

Por exemplo, em uma dada linha do tempo:

|_______________________|__________|_________|___________|___|

Se for o caso da vida da criança estar contemplada na linha do tempo, ou o

ano letivo, ou fatos históricos, ela pode ser estimulada a perceber que a distância

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entre seu aniversário e o Natal é maior do que entre o Dia das Crianças e o Natal.

Ou que as férias de julho duram menos do que as de dezembro e janeiro. Ou o

horário de aula em que ela está na escola, em comparação à noite (hora de dormir)

ou o tempo que está em casa.

Quanto a eventos históricos, se for usado o referencial político na História do

Brasil, tem-se, por exemplo, o Brasil Colônia, o Império, a República – e esta

subdividida em vários momentos distintos.

O principal propósito da noção de duração é auxiliar a criança a perceber

que, para fatos ou situações distintas, os tempos podem ser maiores ou menores, e

que durante aquele contexto ocorrem determinadas situações ou especificidades –

por exemplo, durante o tempo da escola, é preciso ter tal ou qual atitude ou

comportamento; ou, durante o tempo do recreio, pode-se fazer isso ou aquilo; ou

ainda, durante o período da ditadura civil-militar, aconteceram tais situações.

3) Simultaneidade: se aplica nos casos em que duas ou mais situações estão

acontecendo ao mesmo tempo – podendo ou não estar relacionadas. Elas podem se

dar no mesmo contexto ou em contextos diferentes. Por exemplo, nas linhas dos

tempos das vidas dos alunos:

|__________________|_________________|_______________________|

|__________________|_________________|______________________|

Enquanto estava acontecendo tal coisa na vida da Mariazinha, estava

ocorrendo outra coisa na vida do Joãozinho, não necessariamente havendo uma

relação entre essas duas situações. Ou, nos horários do dia: enquanto a criança

está na escola, a mãe está em determinado local trabalhando, o pai em outro, a

avó está em casa e o irmão está em outra escola – nesse caso, a relação é

evidente, até para pensar a organização do tempo da família.

Ou ainda, em exemplos que relacionam espaços distintos, no mesmo

período histórico: no final do século XVIII, enquanto na Europa ocorria a Revolução

Francesa (1789–1799), no Brasil ocorriam movimentos pela Independência, como a

Inconfidência Mineira (1789).

A noção de simultaneidade é relevante, ao estimular o olhar da criança para

o fato de que nem ela nem a sociedade em que ela vive são isoladas, havendo

várias situações inter-relacionadas, desde o âmbito mais cotidiano e próximo, como

a organização dos horários da família, até outros mais distantes espacialmente,

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mas que exercem influência sobre esse cotidiano. Por exemplo, o crescimento da

entrada de produtos chineses no Brasil implicou o fechamento de uma série de

fábricas que não tinham como competir com o baixo custo dos produtos

importados. Esse fechamento levou à demissão do pai da criança do trabalho, o que

levou a consequências graves na vida da família. Esse é um exemplo muito

simples, mas plausível, talvez para as últimas séries dos Anos Iniciais.

4) Semelhanças e diferenças: essas noções são utilizadas quando se realiza

comparação entre duas situações distintas – seja pela sociedade, pelo espaço ou

pelo tempo – visando identificar justamente o que as aproxima e o que as

distingue.

Também podem ser relacionadas a uma linha do tempo, mas não

necessariamente.

|__________________|_____________________|___________________|

|__________________|_____________________|___________________|

Se for a mesma sociedade em tempos diferentes, uma linha é suficiente.

Nesse caso, pode-se, por exemplo, trabalhar o tema “brinquedos e brincadeiras”.

Por meio de fotografias, ou outras imagens, e/ou entrevistas (fonte oral), comparar

quais eram os brinquedos e brincadeiras de crianças de épocas diferentes,

identificando o que é semelhante e o que é diferente, para depois adentrar nos

porquês disso – o que será abordado na próxima unidade.

Outra possibilidade, com ao menos duas linhas do tempo, é identificar duas

ou mais sociedades ou grupos, ou culturas, distintos, em uma mesma época, e,

pela mesma forma do exemplo anterior, compará-las, verificando que pode haver

semelhanças e diferenças no mesmo tempo, mas em espaços sociais diferentes.

Essas noções, bem como as que serão tratadas a seguir, têm a função

principal de permitir a discussão sobre a construção ou sobre o processo histórico,

ou seja, de evidenciar que a realidade que cerca cada um hoje foi produzida com a

participação de cada pessoa que vivenciou a história daquela sociedade, ao longo

dos tempos.

5) Permanências ou mudanças: decorrem das noções anteriores, quando as

situações comparadas referem-se à mesma sociedade em tempos distintos, por

exemplo. Enquanto por meio da semelhança identifica-se o que permaneceu ao

longo do tempo, com a diferença chega-se ao que foi modificado. A noção de

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Você pode ter acesso a essas imagens no endereço:

http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/abertura.htm

mudança por vezes é utilizada com diferentes graduações. Se ela for muito

significativa, podem ser usados os termos ruptura ou transformação, também.

Por exemplo, no caso dos brinquedos e brincadeiras, existem algumas

pinturas de Portinari dos anos de 1930 e 1940 que retratam brincadeiras infantis,

muitas ainda em uso nos dias de hoje.

Mas as crianças retratadas têm roupas diferentes das atuais. Pode-se

explorar, por meio dessas pinturas, uma comparação, e identificar nelas, ao mesmo

tempo, semelhanças e diferenças, permanências e mudanças. No caso desse tema,

é possível começar a problematizar os porquês, como o fato de muitas das

brincadeiras de antigamente não serem tão utilizadas hoje, ou serem realizadas em

espaços restritos, o que antigamente era menos difícil de conseguir, porque antes

haviam muitos espaços em que as crianças podiam brincar, e atualmente o

processo de urbanização os restringiu.

Ou uma semelhança e permanência que pode ser encontrada em

praticamente todas as sociedades e tempos: a boneca como brinquedo das

meninas. Isso, claro, considerando que os materiais utilizados mudaram e até se

transformaram ao longo do tempo. Essa permanência e similaridade pode ser

explicada, de forma relativamente simples, pela função social atribuída às

mulheres, associada a uma especificidade biológica – a possibilidade da

maternidade.

A própria escola, como instituição, traz muitas permanências em suas

práticas, conforme já mencionado.

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Leia o texto abaixo, e tente levantar uma hipótese sobre a data (período histórico)

de sua produção.

NORMAS DA PROVA ESCRITA

1. Presença dos alunos – Entendam todos que, se alguém faltar, no dia da prova

escrita, a não ser por motivo grave, não será levado em consideração no exame.

2. Tempo da prova – Venham a tempo à aula para que possam ouvir exatamente a

matéria da prova e os avisos que por si ou por outrem der o Prefeito e terminem

tudo dentro do horário escolar. Dado o sinal do silêncio, a ninguém será

permitido falar com outros nem mesmo com o Prefeito ou com quem o

substituir. (...)

5. Cuidado com os que sentam juntos – Tome-se cuidado com os que sentam

juntos: porque, se porventura duas composições se apresentam semelhantes ou

idênticas, tenham-se ambas como suspeitas por não ser possível averiguar qual

o que copiou do outro. (...)

7. Entrega das provas – Terminada a composição, poderá cada um, em seu lugar,

rever, corrigir e aperfeiçoar, quanto quiser, o que escreveu; porque, uma vez

entregue a prova ao Prefeito, se depois quiser fazer alguma correção, já lhe não

poderá ser restituída. (...)

10. Tempo – Se alguém não terminar a prova no tempo prescrito, entregue o

que escreveu. Convém, por isto, que saibam todos exatamente o tempo que lhes

é dado para escrever, para copiar e para rever.

Você consegue lembrar se já passou por alguma situação ao menos semelhante na

escola? E no vestibular?

Pois bem, esse texto foi retirado do Ratio Studiorum, o manual pedagógico

da Companhia de Jesus, datado do século XVI e utilizado como referência pelos

jesuítas no Brasil, no período Colonial – documento transcrito por FRANCA (1952,

p. 177–178). Embora possam ser observadas permanências em práticas escolares,

é importante lembrar que, conforme abordado também na Unidade 1, em relação a

essas práticas essa permanência não se justificaria se isolada de um método no

qual esse formato e procedimentos de avaliação fizessem sentido. Mas essa é outra

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problematização, ligada ao exercício profissional da docência, que já foi

contemplada.

Como você percebeu, as noções se articulam, podendo ser trabalhadas várias

delas, a partir de um mesmo tema ou atividade. No último exemplo, ao trabalhar o

antes e o período atual, também é acessada a noção de sucessão.

A relevância da aprendizagem sobre as noções de tempo é explicada por

Schmidt e Cainelli (2004). Segundo as autoras, o ensino de História “prevê que

essas noções sejam trabalhadas com os alunos, já que elas não existem a priori em

seu raciocínio, mas são construídas no decorrer de sua vida e dependem de

experiências culturais” (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 77–78). Ou seja, a

percepção sobre o tempo é desenvolvida à medida que estimulada.

Essa relevância é ressaltada tendo em vista novas problematizações e

explicações da História, que podem e devem ser exploradas em sala de aula,

cuidando para que o nível de aprofundamento seja adequado às idades dos alunos.

É a pluralidade de perspectivas sobre o tempo, por meio das noções.

Por muitas décadas, a linearidade – ou a sucessão – foi o eixo prioritário da

História. Hoje sua importância é ainda reconhecida, mas as outras noções são

também valorizadas como fundamentais para o conhecimento histórico.

4.3.1 Especificidades do tempo histórico

Ainda sobre o tempo histórico, Bittencourt (2004) o classifica em dois

grupos:

- o tempo vivido, que é o tempo psicológico, biológico, e do cotidiano, ou

seja, o tempo limitado pelo nascimento e a morte, e que é percebido,

organizado e vivenciado de acordo com os grupos e sociedades em que se

dá; e

- o tempo concebido, que é organizado de diferentes formas, conforme

cada cultura ou sociedade. Por exemplo, a autora menciona o tempo na

sociedade capitalista, no qual não se pode “perder tempo”, e o tempo em

algumas culturas indígenas, que é organizado e valorizado de outra

forma.

Pode-se também pensar a diferença entre o tempo (sua organização e seu

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uso) em uma grande capital urbana, em uma pequena cidade do interior e em um

sítio muito afastado da zona urbana. O ano cronológico pode ser o mesmo, mas as

pessoas relacionam-se e organizam suas vidas de formas diferentes: enquanto em

uma o relógio e a precisão são relevantes, em outras podem ter menor

importância, porque as atividades do dia são organizadas não em relação a outras

pessoas que também têm seus horários. Podem ser organizadas, por exemplo, em

função da claridade do dia ou das estações do ano, mais relevantes para as

atividades rurais.

O tempo cronológico também pode ser considerado nos casos nos quais

determinadas culturas estabelecem marcos para sua compreensão. Por exemplo, a

organização do relato histórico do Ocidente em História Antiga, Medieval, Moderna

e Contemporânea. Ou a História do Brasil subdividida em Colônia, Império, Primeira

República, Estado Novo, Democracia Populista, Ditadura Civil-Militar e Retomada

Democrática.

Outro indicador e uso do tempo cronológico é a organização dos anos em

antes de Cristo e depois de Cristo, o que costuma gerar muitas dúvidas e

questionamentos: ao fato de se contar os anos na ordem inversa, até o ano ao qual

se atribui o nascimento de Cristo, e a como organizar os séculos seguintes,

principalmente ao ano de início e de fim de cada século.

Você saberia explicar a uma criança como fazer esse cálculo?

Trabalhar com o calendário, sua história e organização, em sala de aula, pode ser

muito interessante.

Para o cálculo dos séculos, é importante lembrar que não houve um ano zero: ao

ano 1 a.C. sucede o ano 1 d.C. Dessa forma, o século I vai do ano 1 ao ano 100. A

mesma lógica se aplica aos seguintes: o século II teve início em 101 e terminou em

200.

Parece simples, mas na virada do milênio, muita gente ficou em dúvida se o século

XXI começava em 1 de janeiro de 2000 ou em 1 de janeiro de 2001. A resposta

correta é a segunda.

Ainda nessa lógica, para saber a que século se refere o ano, ou vice-versa: o último

ano do século indica seu número. Por exemplo, se você nasceu em 1982, o último

ano deste século foi 2000. O século é o XX. Com exceção de quem nasceu no

último ano do século, a forma mais simples é somar 1 aos dois primeiros números

do anos de nascimento: 19 + 1 = 20.

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O tempo concebido também pode ser o tempo astronômico ou geológico,

relacionados a ciências específicas, que valorizam, cada uma, um aspecto distinto

dele, conforme seu objeto de estudo.

Para o ensino de História, o tempo histórico está intrinsecamente

relacionado à noção de espaço. Tempo e espaço definem especificidades de

contexto, que permitem compreender os sentidos de cada evento histórico. Sem

situar temporal e espacialmente o conceito, o tema, o evento e a cultura, entre

outros aspectos, não é possível abordá-lo sob a perspectiva histórica, pois se

incorrerá em anacronismo.

4.3.2 Sobre anacronismo

O anacronismo é definido da seguinte forma, no dicionário Houaiss (2010):

[...] Erro de cronologia que geralmente consiste em atribuir a uma época ou a um personagem ideias e sentimentos que são de outra época, ou em representar, nas obras de arte, costumes e objetos de uma época a que não pertencem; atitude ou fato que não está de acordo com sua época; erro de data relativa a fatos ou pessoas (HOUAISS, 2010).

Ou seja, refere-se a exemplos ou julgamentos, ou uso de expressões de

forma atemporal, equivocada, pois são desconsideradas as especificidades do

contexto histórico em questão.

Muitas vezes, incorre-se nesse erro quando é feita uma tentativa de

simplificar a explicação para o aluno. Por exemplo, quando o termo “povo” é

utilizado para qualquer tempo e período e cultura, sem explicar quais grupos sociais

o constituíam e as circunstâncias que envolviam aquele contexto. Falar no povo da

Grécia Antiga não é o mesmo que falar no povo hebreu no Egito, ou no povo

brasileiro na campanha das Diretas Já. São configurações de povo muito diferentes,

em tempos e espaços diferentes.

O exemplo abaixo é uma ótima ilustração de anacronismo, presente em

materiais didáticos. Leia-o e procure identificar quais são os problemas ou

equívocos anacrônicos que ele traz para o aluno.

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FIGURA 7 - TRECHO DO CAPÍTULO SOBRE ASTECAS – LIÇÕES CURITIBANAS. FONTE: CURITIBA (1994–1995, p. 498).

Alguns dos anacronismos presentes nessa Figura são:

- Escola e outra escola: pressupõe-se que a criança da 2ª série, a que se

destina o livro em questão, não tem informações sobre a civilização

asteca. O que ela conhece é a realidade que a cerca. Assim, o uso da

palavra escola é anacrônico porque, mesmo havendo um tipo de

educação fora do ambiente familiar naquela civilização, não chega a

constituir uma escola, como instituição formal. E a referência que a

criança tem é a da escola que ela conhece. Se não for muito bem

explicado pelo professor, os alunos não conseguirão identificar o que seria

aquela educação, naquele contexto. Além disso, ao mencionar outra

escola, essa informação pode ser relacionada a escolas públicas e

particulares, o que não corresponde ao caso dos astecas.

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- Famílias mais ricas: a organização social daquela civilização contemplava

sim a riqueza, mas não da forma como a sociedade atual, que a criança

conhece. Os bens estavam relacionados a funções sociais e a

hereditariedade, e o uso e a compreensão que os astecas faziam desses

recursos não correspondia às noções de acumulação, consumo e lucro.

Mas como o texto não explica essa diferença, a menos que o professor o

faça, a criança não saberá disso.

- Matemática, escrita, leitura e uso do calendário: são conhecimentos

distintos dos ensinados das escolas atuais, próprios dos astecas, inclusive

o calendário. Por dedução, o aluno pode crer que as crianças daquela

civilização aprendiam a tabuada, ou a silabação, ou ainda que usavam o

mesmo calendário que elas conhecem e utilizam, o que não é verdade.

- Funcionários do governo: a organização social e política dos astecas era

muito específica. O que os alunos da 2ª série poderiam entender pela

expressão funcionários do governo? Que os astecas tinham prefeitura,

presidente, posto de saúde, escola pública, receita federal? Que eles

faziam concurso e eleição? Assim, tanto o termo funcionários, quanto

governo são inapropriados àquele contexto.

- Profissão dos pais: naquela sociedade, o ofício era mais relacionado ao

status e à função social, não caracterizando a mesma qualidade que se

usa atualmente para o termo profissão, que pressupõe alguma formação

específica, ou ao menos alguma escolha (mesmo que limitada por outros

fatores).

Outras menções, como as funções das meninas, embora também possam

ser consideradas anacrônicas e possam tomar essa dimensão se não explicitadas,

são menos graves, mas também deve-se atentar a elas: como era a casa dos

astecas? Eles não possuíam eletrodomésticos, nem a organização do espaço era

como as crianças têm em suas casas, atualmente.

Somente para não perder a oportunidade, porque a questão das atividades

será abordada na Unidade 5, ressalte-se que as perguntas propostas tentam

estabelecer uma relação da informação anacrônica sobre os astecas com a vida da

criança de hoje, reforçando o equívoco.

Além disso, não parecem ter uma finalidade clara: opinar, trocar ideias e

conversar são proposições muito vagas e até mesmo acríticas, na forma como

estão elaboradas. Afinal, escolher uma profissão depende de vários fatores, e por

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vezes as opções são muito limitadas, e não há nenhum indicador para essa

discussão – embora sempre haja a esperança de que o professor esteja atento e a

proponha.

Poderia ser questionada a escolha do tema, para a 2ª série. É possível

trabalhar com crianças dessa série um outro contexto e sociedade do passado?

Claro que sim, e poderiam ser os astecas, ou outra civilização. A questão crucial,

nesse caso, é deixar clara a finalidade dessa opção. Por exemplo, se a intenção

fosse estabelecer uma perspectiva comparativa entre culturas e tempos diferentes,

ou entre povos distintos, no mesmo período, poderia ser um trabalho interessante.

Mas esse não parece ser o caso da Figura 7, que é meramente informativa, e

mesmo assim não cumpre nem essa finalidade, pelo contrário, o texto é superficial

e anacrônico.

4.4 PROBLEMATIZAÇÃO NA HISTÓRIA ESCOLAR

Considerando os elementos abordados até o momento, pode-se definir

algumas diretrizes gerais, necessárias para o ensino de História, no que tange à sua

problematização.

Talvez a grande função da História na escola, atualmente, seja mesmo

contribuir para a formação de cidadãos mais críticos, conscientes e participativos.

Mas como a História pode contribuir para essa finalidade? E como começar isso com

crianças pequenas?

A resposta é: buscando problematizar a realidade que as cerca. Ou seja,

auxiliando-as a perceber que o mundo é assim porque é resultado de um processo

histórico. As pessoas que viveram antes é que fizeram com que fosse assim, e não

de outro jeito. Dessa forma, as crianças devem ser estimuladas a perceber que são

participantes dessa construção e que tudo o que for feito no presente será em parte

decorrente do passado e terá um impacto no futuro.

É preciso sensibilizá-las para o fato de que, seja por ação ou por omissão,

nunca é possível uma posição de neutralidade. Pela omissão, cada um coopera para

a permanência das coisas. Como já visto na Unidade 1, o habitus é elemento forte

que contribui para a permanência, porque as crianças crescem observando as

pessoas que as cercam, como elas agem, seus valores, suas crenças, e tendem a

acreditar que é assim que devem fazer também.

O conhecimento sobre seu papel na construção histórica é crucial para que

elas percebam que pode ser diferente, se as pessoas que constituem a sociedade

ou determinado grupo social unirem-se e agirem em busca de determinada

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Pense em sua vida escolar. Quantas vezes você se fez essa pergunta, ou a fez para o

professor, e não obteve uma resposta satisfatória?

finalidade. Também para que possam reconhecer que, se elas já sabem dessa

possibilidade e se já forem conhecendo, por exemplo, direitos e deveres dos

cidadãos, fica um pouco mais difícil acomodar-se e somente reproduzir o que já

está posto.

Assim, o pressuposto assumido para esta defesa da finalidade do ensino de

História é o de que o conhecimento não muda ninguém por si mesmo – se fosse

assim, quem ainda faria refeições cheias de açúcar e gordura, ou quem fumaria

cigarros? –, mas é condição necessária para a construção de uma consciência

crítica e, a partir dela, para o exercício da cidadania de forma ativa, coletiva e real,

não somente formal.

Essa problematização da realidade poderia ser chamada de

desnaturalização. Ou seja, o professor pode, partindo do que existe e do que as

crianças conhecem, evidenciar como aquela prática ou instituição tem essa

configuração, mas que não foi sempre assim, e até houve um tempo em que ela

não existia, ao menos não no formato atual.

Instigar a curiosidade, orientar as crianças para que saibam que podem

fazer perguntas, estimulá-las para que questionem as informações e os sentidos

delas, para que não aceitem passivamente informações prontas, para que busquem

respostas para os “por quês” são atitudes desejáveis para o docente.

Oferecer subsídios na forma de conteúdos, procedimentos e atitudes é

essencial para que as crianças desenvolvam o conhecimento histórico, de forma

que ele de fato as auxilie a compreender o mundo que as cerca.

É importante destacar que para que essa formação almejada ocorra, o

professor precisa estar também bastante consciente sobre o sentido do que ensina

para as crianças. Não se acomodar a conteúdos somente porque estão no livro

didático ou nas diretrizes curriculares, mas saber responder a uma pergunta que

certamente perpassa o cotidiano escolar, mesmo que não verbalizada: por que eu

tenho que aprender isso?

Embora seja muito provável que qualquer pessoa que tenha passado pela

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126

escola, em algum momento, tenha se perguntado sobre isso, é relevante perceber

que o ex-aluno, hoje professor, nem sempre atenta para isso e não vê necessidade

de evidenciar para os seus alunos este porquê. Provavelmente porque às vezes ele

não sabe mesmo responder.

No planejamento das aulas, é então imprescindível que o professor esteja

preocupado em saber o porquê de aquele conteúdo ser ensinado, e qual a melhor

forma de explicitar para os alunos o sentido e a necessidade daquele conhecimento.

Não se trata de uma preocupação utilitária, mas simplesmente de uma

constatação: aprende-se mais e melhor se o interesse for despertado. E essa

explicitação do sentido pode contribuir para esse interesse – embora, é claro,

existam outros fatores a considerar, que não cabe destacar nesse momento.

Outro aspecto importante a ser lembrado é que ninguém ensina o que não

sabe. Mais: se não sabe, não tem como problematizar. E por isso, se o professor

não conhece um conteúdo, tenderá a somente informar sobre ele, reproduzindo o

que está no material didático, sem nada acrescentar ou problematizar em função

da realidade específica na qual a escola está inserida.

Assim, quando se fala em problematização da História, trata-se de lhe dar

sentido, relacionando-a à realidade conhecida e naturalizada pelos alunos, de forma

a auxiliá-los a compreendê-la melhor, o que subsidiará a construção de sua

identidade e de sua cidadania.

Para tanto, a proposição de problemas, por parte do professor, é essencial,

ou seja, que proponha questões que instiguem a criança a levantar hipóteses, a

construir respostas plausíveis, a pesquisar – e o professor pode orientar seus

alunos quanto a esse aprendizado.

Um estudo desenvolvido por Oliveira (2003) traz dados muito interessantes

sobre a construção de hipóteses e respostas de crianças. No quadro a seguir estão

alguns exemplos, que serão comentados na sequência.

Pergunta Resposta(s)

Seu pai (e seu avô e

seu bisavô)

estava(m) vivo(s) na

época do

Descobrimento do

Brasil?

Avô – Acho... talvez sim. Porque meu avô faz muito tempo que ele

nasceu, e que ele viveu. Bisavô – meu bisavô era. Porque faz muito

tempo que ele nasceu e que ele viveu e também faz muito tempo que

aconteceu isso, o Descobrimento. (p. 152)

Avô – não, porque já passou mais de 300 anos e meu avô morreu

com 98. Bisavô – não, porque o ser humano só vive até 120 anos,

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né?

Sua família já existia

no tempo do homem

das cavernas?

Não, os homens da caverna não tinham sobrenome. [...] acho que

sim, por que eles, bem no comecinho, era o homem das cavernas. Na

verdade é primeiro... aqueles animais lá, depois era dinossauro

depois os mamíferos daí nasceu o... gente, dessas pessoas

começaram a nascer outras, outras e outras e outras dessas outras aí

elas tiveram filhos. Seus filhos tiveram filhos e ficaram... um dos

filhos tiveram meu pai e o resto. (p. 159)

Sua família já existia

no começo do

mundo?

Na verdade, no começo do mundo acho que existia, porque quem foi

dando geração a minha família foi Adão e Eva. Realmente, então eu

acho que tinha sim origem da minha família. (p. 160)

A cidade de Londrina

existia na época de

Tiradentes?

Existia. Era velha porque já faz muito tempo. Tudo era velho, de

madeira, não tinha asfalto nem praça. (p. 162)

Existia. Muito pequena, muito pequena... com casa de madeira e

mato. (p. 162)

Sobre o passado. Existia relógio na época do descobrimento do Brasil? Naquela época

não. Existiam livros? Existia. Eram com folhas sujas com capa dura.

Existiam carros? Ah... tinha... mas eram bem velhos e pequenos. [...]

como as pessoas viajavam? Viajavam é, de aviões feito de madeira,

não assim como tem hoje. As crianças iam à escola na época de

Tiradentes? Iam. Só tinha uma escola e ela era muito velha. (p. 163)

E aviões existiam (na época do Descobrimento)? Existiam. Eles eram

diferentes, eles não eram fechados. Eram iguais o do Santos Dumont.

As pessoas iam à escola? Iam, as escolas eram de madeira e bem

pequenas. Não tinha mesa nem cadeira. (p. 164)

QUADRO 8 - RESPOSTAS DE CRIANÇAS DE 3ª SÉRIE A PERGUNTAS SOBRE CONTEÚDO HISTÓRICO. FONTE: OLIVEIRA (2003, p. 145–172).

As respostas das crianças, ilustradas no Quadro 8, permitem algumas

observações sobre como as crianças buscam construir hipóteses explicativas sobre

o passado, e também algumas ideias que trazem sobre ele:

- A noção de distância do tempo, da quantidade de anos ou séculos, nem

sempre está clara nas respostas. As crianças, com poucas exceções,

referem-se ao passado sem localizar qual é o tempo e o que corresponde a

cada contexto.

- As respostas projetam o passado, em geral, como uma cópia malfeita,

mais precária e feia que a realidade atual. Assim, havia livros, mas eram

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Assista ao filme Uma cidade sem passado (The Nasty Girl) – filme alemão,

lançado em 1990. Procure observar e posteriormente discutir como e por que uma

determinada versão oficial da história pode ser construída e mantida em uma dada

sociedade.

sujos; a cidade era pequena e velha; o avião era de madeira; a escola era

velha e pequena; e assim por diante. Assim, parece que intuitivamente

acessam a noção de evolução ou de progresso, além de cometerem

anacronismo, devido ao desconhecimento sobre o passado, colocando-o

como um estereótipo; e

- As relações de causalidade para responder às questões sobre a origem da

família são muito interessantes, tanto no momento em que a criança

acessa um conhecimento prévio, religioso, para uma explicação histórica

quanto quando ela utiliza cálculos matemáticos, ou ainda quando tenta

construir um raciocínio lógico, no sentido de que mesmo sem seu

sobrenome, de alguma forma a humanidade teve uma origem comum,

então, sua família (ou a origem dela) é daquele tempo.

Essas questões são importantes para identificar como a criança constrói seu

pensamento histórico. Claro que parte das respostas pode derivar do que elas já

aprenderam na escola, mas a preocupação de Oliveira (2003) era investigar o

processo de construção dos argumentos apresentados.

Mesmo que não seja por uma pesquisa sistematizada, o professor pode e

deve averiguar os conhecimentos prévios que os alunos têm sobre os conteúdos

que irá abordar, a fim de que seu planejamento possa ser adequado a cada turma e

que as problematizações que venha a propor sejam pertinentes e instigantes para

eles.

Associado a isso, deve-se lembrar que o planejamento das aulas de História

– como o de qualquer outra aula de outros conteúdos ou disciplinas – é fator

essencial na determinação de qual História será ensinada e como isso será feito, o

que será abordado na unidade seguinte.

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Sugestões de leituras complementares

BLOCH, Marc. Apologia da História – ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 2001.

DE ROSSI, Vera L.; ZAMBONI, Ernesta (Orgs.) Quanto tempo o tempo tem!

Campinas: Alínea, 2003.

FONSECA, Selva G. Didática e Prática de Ensino de História. 5. ed. São Paulo:

Papirus, 2006.

MOÇO, Anderson; SANTOMAURO, Beatriz; VICHESSI, Beatriz. Discurso vazio. Nova

Escola, dez. 2008, p. 42–51.

Assista ao documentário Uma verdade inconveniente (2006). Endereço:

www.climatecrisis.net. Embora o tema central seja o aquecimento global, enquanto

estiverem assistindo anotem se e como noções de temporalidade como sucessão,

mudança, transformação, simultaneidade e permanência aparecem nele.

Discuta com os colegas suas anotações, problematizando como as ações humanas

impactam em outras dimensões da vida, para além da histórica.

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UNIDADE

5

PLANEJAMENTO DO ENSINO DE HISTÓRIA

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5 PLANEJAMENTO DO ENSINO DE HISTÓRIA

O objetivo desta unidade é trazer subsídios para o planejamento do ensino

de História, à luz das discussões que já foram realizadas neste livro.

Esse planejamento deve partir das concepções assumidas pela escola no

Projeto Político-Pedagógico, em relação a qual é sua função, quais suas finalidades

formativas e como a disciplina de História pode contribuir. A proposição aqui

assumida é de apontar possibilidades, mas não determinar o que deve ser seguido,

uma vez que cada instituição escolar e sua equipe pedagógica devem construir essa

proposta a partir do que acreditam, e não do que alguém diz que deve ser feito.

Essa opção fundamenta-se nas discussões de Bourdieu, acerca dos limites da

legitimidade desse tipo de orientação, em comparação à de escolhas feitas pelo

próprio grupo. Porém, compreendendo que a neutralidade é impossível, mesmo as

possibilidades aqui apontadas são escolhidas pela autora, em função de seu habitus

– constituído a partir de experiências, conhecimentos, valores e crenças. Isso

sempre vai acontecer, seja em escritos acadêmicos, seja em livros didáticos, em

todo o momento em que alguém se exprime a respeito de algo.

Pelos temas e problematizações apresentados anteriormente, foi possível

perceber alguns pressupostos aqui considerados importantes sobre o conhecimento

histórico e sua abordagem na escola, mas cabe relembrar seus fundamentos.

Por julgar muito pertinentes as proposições de Citron (1990) acerca dos

dilemas sobre a escola e o ensino de História, mencionados na Unidade 1, assume-

se aqui a compreensão de que a função do ensino de História na Educação Básica,

atualmente, não pode permanecer na ilusória tentativa de abordar toda a História,

nem se fixar em uma memorização temporária das informações, mas que deve

voltar-se para a associação entre aprendizagem, sim, de conteúdos específicos –

em especial relativos a contextos e conceitos históricos e noções de temporalidade

–, mas problematizados e orientados pela preocupação de propiciar a compreensão,

problematização e construção de sentidos.

Esses sentidos deverão auxiliar os alunos a perceberem que a realidade que

observam e vivenciam hoje é uma construção histórica, e que fazem parte dessa

construção, quer queiram ou não: toda ação, como toda omissão, resulta em uma

consequência histórica. Também aqui a neutralidade é ilusória e impossível.

E é a partir dessas considerações que deve ser construído o planejamento

do ensino de História. Assim, são pressupostos para essa construção:

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1) Que o ensino de História deve efetivamente superar a abordagem

informativa, conteudista, tradicional, desinteressante e não significativa –

para professores e alunos – e que uma das possibilidades para essa

superação é sua problematização a partir do que está próximo, do que é

familiar e natural aos alunos. Esse pressuposto é válido e aplicável em

toda a Educação Básica, em especial na Educação Infantil e nos Anos

Iniciais do Ensino Fundamental, nos quais é necessário haver uma

abordagem e desenvolvimento importante das noções de tempo e de

espaço, juntamente com o início da problematização da compreensão e

explicação históricas e o contato com documentos. Essa abordagem deve

ser contínua no Ensino Fundamental e até no Ensino Médio, quando a

discussão pode ser mais complexa e as relações entre a história local,

regional, nacional e geral podem ser exploradas de forma mais

aprofundada.

2) Que o processo de construção do conhecimento histórico deve ser

gradativamente fundamentado na Educação Básica como um todo, e que

é viável inclusive como forma de superação dos dilemas quantidade (de

conteúdo) x qualidade de aprofundamento e de problematização dos

conteúdos históricos. Se os sistemas de ensino municipais ou estaduais

estabelecem diretrizes quanto a conteúdos a serem abordados em cada

ano ou série escolar, o professor possui relativa autonomia para definir

como trabalhá-los; e

3) Que, dessa forma, o ensino de História pode superar muitos dilemas que

tem enfrentado, em especial quanto à sua função na sociedade e na

escola contemporâneas – considerando-se que estas também carecem de

reflexão –, tornando-se mais significativo e interessante para alunos e

professores na medida em que eles não se vejam excluídos por uma

História pronta e acabada, informativa, que não os auxilia a compreender

sua realidade. A proposição é de que o ensino de História pode lhes

permitir problematizar sua realidade cotidiana, percebê-la não como

natural, mas sim como construída historicamente, e que, portanto, como

agentes históricos que são, as escolhas que fazem – de ação e de

omissão – também constituem e contribuem, no presente, para uma

construção histórica.

5.1 ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA UM PLANEJAMENTO

Um planejamento é composto de alguns itens que necessariamente devem

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ser explicitados, para que a coerência e o fundamento das proposições possam ser

averiguados pelo próprio professor e também pela equipe pedagógica.

Ele pode variar quanto à amplitude: anual, semestral, bimestral, unidade ou

plano de aula, por exemplo. Mas independentemente de qual o período a que ele se

referirá, os itens básicos serão os mesmos, somente mudando seu grau de

aprofundamento e um ou outro termo, que por vezes são distintos, conforme a

instituição, mas que em geral são sinônimos. No quadro a seguir, os tópicos são

acompanhados das perguntas a que eles se referem. Quando houver pergunta em

itálico, corresponde a o que o professor precisa saber responder, mesmo que o

plano de ensino ou de aula não exija esse detalhamento.

Tópico Perguntas a serem respondidas e esclarecimentos sobre o

tópico

Tema (ou assunto) O que vai ser ensinado?

Por que esse tema é relevante?

Qual o sentido que ele pode ter, ou que pode ser mais explorado,

para ser significativo para essa escola ou turma?

Conteúdo programático O que vai ser ensinado?

Detalhamento ou subdivisão do tema.

Por que esses conteúdos, e não outros aspectos do tema?

Objetivo geral

O que pretendo atingir com esse conteúdo?

Pode ser uma problematização, por exemplo. O objetivo sempre

deve começar com um verbo de ação – analisar, discutir,

problematizar, apresentar etc.

Eu conheço o suficiente do tema para atingir esse objetivo? O

que mais preciso saber, onde buscar mais informações a

respeito?

Esse objetivo fará sentido para a turma X, considerando seu

perfil, seus conhecimentos prévios, seu habitus?

Objetivos específicos O que pretendo atingir com esse conteúdo?

Detalhamento do objetivo geral, ou sua operacionalização em

objetivos menores.

Metodologia (geral) Como ensinarei esse tema, a fim de atingir meus objetivos?

Metodologia envolve toda a ação didático-pedagógica, inclusive

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recursos, estratégias e avaliação.

Metodologia – recursos Quais os recursos necessários e disponíveis para atingir meus

objetivos?

Recursos envolvem elementos materiais a serem utilizados,

desde livro didático, infraestrutura física (como equipamentos), a

documentos como mapas, filmes e livros para pesquisa, entre

outros.

Quais os recursos mais adequados para o trabalho com aquela

turma, sobre esse tema?

Metodologia – estratégias Quais as estratégias mais adequadas para atingir meus

objetivos?

Estratégia refere-se à forma de ensinar. Ela é escolhida muito

em função do que o docente entende como objetivo da escola,

daquela disciplina, e qual seu papel e dos alunos nesse processo.

Pode envolver diferentes tipos de atividades, desde a aula

expositiva – que é necessária, em certos momentos – que

permita o diálogo entre os alunos e o professor, a atividades em

grupo e exercícios individuais, que podem ser bastante variados

conforme o objetivo pretendido.

Associada a ela, está a definição de quanto tempo será dedicado

ao tema e quais atividades serão desenvolvidas nesse período.

Metodologia – avaliação Qual o melhor modo de avaliar meus alunos, para saber se o

objetivo foi atingido por eles?

Avaliação está sendo compreendida aqui não necessariamente

como uma prova, mas sim como atividades que permitam ao

professor acompanhar a aprendizagem dos alunos e averiguar

se, quanto e como eles apreenderam o que foi ensinado.

Dizer que ela será diagnóstica, processual e formativa é somente

afirmar princípios, que são pertinentes, mas que, se enunciados

dessa forma, não esclarecem quais serão as formas,

instrumentos e critérios de avaliação que serão utilizados.

QUADRO 9 - ELEMENTOS DO PLANEJAMENTO ESCOLAR. FONTE: ELABORADO PELA AUTORA.

O tema, por exemplo, pode ser a chegada de Cabral ao Brasil, ou, como

aparece por vezes em livros didáticos, “As grandes navegações”.

No conteúdo, poderiam ser listados: razões políticas e econômicas;

desenvolvimento tecnológico; o cotidiano e as condições de navegação; a esquadra

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de Cabral e sua missão; a chegada de Cabral ao Brasil; contato com os povos

nativos.

Porém é no objetivo que o professor deve explicitar exatamente o que

pretende atingir com esses conteúdos, ou melhor, qual a problematização que fará

sobre eles. Isso porque, se for somente apresentar os conteúdos, irá repetir o que

vem sendo criticado há décadas: simples transmissão de informações, sem que

necessariamente isso faça sentido ou auxilie o aluno a pensar sobre o tema.

Um objetivo geral poderia ser: discutir a versão sobre o descobrimento

casual do Brasil, de forma que os alunos possam compreender o processo de

construção da História e das representações sobre ela.

Os objetivos específicos estariam mais diretamente relacionados aos

conteúdos e à operacionalização do objetivo geral. Por exemplo: apresentar o

contexto histórico dos países ibéricos, do final do século XV; analisar a tecnologia

disponível à época, para a realização das navegações; entre outros.

É importante lembrar que objetivo não é metodologia, assim, devem ser

evitados objetivos como apresentar o contexto, utilizando mapas e outros

documentos. No objetivo você ainda não enuncia como irá realizar aquilo.

Entrando na metodologia, o professor deve saber qual é a orientação da

escola, enunciada no Projeto Político-Pedagógico, e qual é a finalidade do ensino de

História nesse documento. Preferencialmente, ele deveria ter participado de sua

elaboração, mas nem sempre isso é possível, o que dificulta, de certa forma, que

siga e aplique essas diretrizes, principalmente se desconhecê-las ou discordar

delas.

A metodologia tratará de diversos aspectos do “como” esse ensino será

realizado, envolvendo recursos, estratégias e a avaliação, que também serão

abordados nos tópicos que seguem – ora tendo como ponto de partida recursos,

ora estratégias, ora avaliação. Porém, por ser difícil separar esses elementos, em

geral são abordados conjuntamente.

5.1.1 Objetivo e conteúdo

Os conteúdos estão articulados aos currículos escolares, e estes, aos

objetivos que a escola tem em relação à disciplina. Sobre essa questão, Bittencourt

ressalta:

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De acordo com os currículos mais recentes, os conteúdos escolares correspondem à integração dos vários conhecimentos adquiridos na escola. Destarte, concebem-se como conteúdo escolar tanto os conteúdos explícitos de cada uma das disciplinas como a aquisição de valores, habilidades e competências que fazem parte das práticas escolares. [...] Em História, não se entende como apreensão de conteúdo apenas a capacidade dos alunos em dominar informações e conceitos de determinado período histórico, mas também a capacidade das crianças e jovens em fazer comparações com outras épocas, usando, por exemplo, dados resultantes de uma habilidade de leitura de tabelas, gráficos e mapas ou de interpretação de textos (BITENCOURT, 2004, p. 106)

Dessa forma, embora o conteúdo envolva o conhecimento específico,

abrange também o domínio de procedimentos, por exemplo. No caso dos PCNs,

como já mencionado anteriormente, era adotada a classificação proposta por

Zabala (1998): conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais.

No caso da Educação Histórica, também há o reconhecimento de que o que

deve ser ensinado em História não se limita a conteúdo específico ou conceitual (no

sentido de determinados temas, épocas ou eventos históricos), sendo que esse tipo

de conteúdo não parece ser a preocupação principal de Rüsen. Para ele, o objetivo

dessa disciplina é desenvolver o aprendizado histórico, o que se aproximaria dos

conteúdos procedimental e atitudinal, ou mesmo de habilidades e competências,

embora, no caso deste autor, desenvolvido e proposto especificamente para a

História. Para Rüsen:

a) Através do aprendizado histórico, deve ser aqui aberta a orientação temporal da própria vida prática sobre a experiência histórica e ser mantida aberta para um incremento da experiência histórica. [...] O aprendizado histórico é sempre (também) um processo, no qual se abrem os olhos para a história, para a presença perceptível do passado.

b) A referência do aprendizado histórico à experiência não teria sentido didático se não fosse relacionada à subjetividade do aprendiz. [...] Sem esta referência ao sujeito, o conhecimento histórico petrifica-se em um mero lastro de reminiscências.

c) A referência subjetiva do aprendizado histórico se dá, primeiramente, quando for relacionada ao movimento entre sujeitos diferentes, portanto à intersubjetividade, na qual se constrói, a cada vez, a identidade histórica. [...]

d) Por fim, o aprendizado histórico deve ser organizado de modo que suas diferentes formas sejam abordadas, praticadas e articuladas em uma relação consistente de desenvolvimento dinâmico. Nesse processo, têm importância não apenas os fatores cognitivos, mas nele também devem ser sistematicamente considerados os componentes estéticos e políticos da consciência histórica e da cultura histórica enquanto pré-requisitos, condições e determinações essenciais dos objetivos do aprendizado histórico (RÜSEN, 2010, p. 47–48)

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Considerando essas proposições, é possível pensar em objetivos e conteúdos

que não se restrinjam ao tradicionalmente associado à disciplina de História, como

a memorização de informações sobre datas e nomes. É claro que conhecimentos

sobre cada contexto, época e sociedade são importantes, mas não da forma como

foram ensinados por muito tempo, visando à sua reprodução, e não reflexão. Serão

relevantes na medida em que tiverem um sentido para quem ensina, e que este

seja percebido e apreendido por quem aprende.

Assim, tanto o objetivo quanto o conteúdo, poderão ser reconhecidos e

valorizados quando o professor souber responder aos seus alunos a pergunta que

todos fazem, mesmo sem verbalizar:

Também a aprendizagem de procedimentos poderá ser o foco principal em

dado momento. Nesse caso, se a preocupação do professor for que os alunos

apreendam melhor a perceber as noções de mudança e permanência, o tema

escolhido para este fim – por exemplo, brinquedos e brincadeiras – tem

importância, mas secundária. Sua escolha deve ser cuidadosa, porque pode

favorecer o interesse e o envolvimento dos alunos, mas é secundária no sentido de

que o que será posteriormente avaliado não necessariamente será o que a criança

aprendeu sobre brinquedos, mas se ela desenvolveu sua percepção das noções de

temporalidade.

A relevância desse tipo de aprendizado está em sua dimensão metodológica,

ou seja, elegê-lo como conteúdo significa oferecer à criança subsídios sobre como

perceber e compreender informações que lhe chegam, o que pode ser generalizado

para outros tipos de informações a que ela venha a ter acesso, mesmo fora da sala

de aula. No exemplo acima mencionado, se de fato ela apreendeu as noções de

mudança e permanência, poderá aplicá-las, como perguntas, a vestuários, a

utilidades domésticas, a meios de transporte, entre outros temas... Ela terá um

subsídio metodológico que auxiliará no questionamento sobre a realidade que a

cerca, buscando compreender a construção histórica dessa realidade, e não se

acomodando à ideia de que sempre foi assim.

Dessa proposição para objetivos e conteúdos deriva a certeza de que o

objetivo, a escolha de conteúdos, bem como a metodologia e a consequente

avaliação da aprendizagem são elementos profundamente articulados. Daí a

Por que eu tenho que aprender isso?

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importância de um planejamento bem feito e coerente, por parte do professor,

consciente de suas escolhas em relação a por que, o que e como ensinar e avaliar.

5.1.2 Livro didático

Um dos recursos mais comuns nas escolas é o livro didático. Inegavelmente,

ele é um companheiro para o professor, cumprindo vários papéis simultâneos:

- guia didático, por vezes assumindo até a função de planejamento do

professor, quando traz orientações detalhadas;

- fonte de conhecimento sobre a área específica, pois novas questões,

fontes e problematizações sobre o ensino de História vão chegando ao

professor por meio desse recurso, que, por ser utilizado durante todo o

ano, acaba por atualizá-lo sobre pesquisas historiográficas; e

- recurso de atualização pedagógica, na medida em que novas formas de

abordar os conteúdos, de atividades e de questões vão aos poucos se

tornando mais familiares aos professores, que muitas vezes passam a

assumir aquele olhar sobre o sentido do ensinar História na escola.

Utilizar um livro didático não é problema. Poderiam ser elencadas várias

razões nessa defesa, mas elas já são por demais conhecidas. O problema é só usar

o livro didático, e depender dele para tudo, não o avaliando, não o

problematizando, nem trazendo outros recursos e atividades para a sala de aula.

Não há livro didático perfeito. No caso da História, por exemplo, é preciso

lembrar que, como em geral as coleções são desenvolvidas para serem vendidas no

Brasil todo, aspectos da história local ou regional não são abordados, ou o são de

maneira superficial, insuficiente – o que será abordado no tópico História Local,

ainda nesta unidade.

O Ministério da Educação realiza avaliações periódicas dessas produções, a

partir do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que, de alguma forma, vem

imprimindo algumas características nas coleções que se submetem a essa

avaliação. O interesse em ser aprovado é, em grande medida, financeiro, uma vez

que somente coleções aprovadas no Programa podem ser adquiridas pelo Governo

Federal. E como essas aquisições contam-se aos milhões, é muito lucrativo. Porém

nem toda coleção é inscrita para ser avaliada, o que não significa necessariamente

que não tenha qualidade.

Há muitos estudos sobre os livros didáticos e seus usos, e no caso da

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História, uma obra constitui ótima sugestão para leitura, por trazer distintas

pesquisas sobre o tema. Oliveira e Stamatto (2007) reuniram vinte artigos que

enfocam desde políticas educacionais e pesquisas até avaliações sobre o material e

seu uso, bem, como as abordagens ao âmbito regional. Entre esses trabalhos,

alguns voltam-se exclusivamente para as quatro primeiras séries do Ensino

Fundamental, sendo de interesse direto aqui.

Stamatto (2007) trata das abordagens metodológicas que encontrou em

coleções de História para a I Etapa do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries – 2º ao

5º ano), avaliando quais características o PNLD imprimiu nelas. Identifica três

correntes historiográficas principais, que chama de História Tradicional,

Materialismo Histórico e Nova História Cultural, e no aspecto pedagógico, quatro

conjuntos de orientações:

- transmissão de conteúdos: foco na “recuperação e memorização das

informações” (STAMATTO, 2007, p. 41), conforme já abordado nas

unidades anteriores;

- formação reflexiva: pressupõe “a reflexão crítica e a conscientização

política como elementos prioritários para a aprendizagem e a formação do

indivíduo, para uma sociedade multicultural” (STAMATTO, 2007, p. 42);

- construção ativa: “valoriza a participação ativa do aluno, a autonomia do

professor, a criatividade e a variedade de procedimentos didáticos para a

aprendizagem de conhecimentos significativos” (STAMATTO, 2007, p. 43);

- estratégia específica: constituído por coleções com orientações muito

específicas e diferenciadas, como por exemplo aquelas que enfatizam a

formação de conceitos, ou que organizam o conteúdo por meio de

personagens fictícios.

Por meio desses e de outros elementos, a autora conclui que houve

melhoras nas coleções de História para os anos iniciais, no período abordado. Como

pode ser percebido pela classificação que ela utiliza, há livros distintos, para

professores e escolas com propósitos e perfis diferentes. Por isso, o que é

considerado um bom livro por alguns, pode não ser visto da mesma forma por

outros.

Para avaliar a qualidade de um livro didático de História, há alguns

elementos que devem ser observados:

- Linguagem: é adequada à idade provável do aluno? Tem glossário,

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esclarece termos ou conceitos históricos, próprios do contexto que está

sendo abordado? As noções, termos e conceitos estão correta e

precisamente enunciados?

- Imagens: são relacionadas ao texto? São utilizadas somente como

ilustração, para colorir a página, ou são problematizadas, em articulação

ao tema abordado? Há imagens de documentos históricos de diferentes

tipos? Todos os documentos trazem legenda com data? Por exemplo, no

caso de um quadro, a legenda traz seu título, o nome do pintor, e o ano

em que foi produzido? O mesmo se aplicaria a uma fotografia ou a um

trecho de matéria de jornal.

- Concepção de História: o autor enuncia o que compreende por História, e

sua função para os anos iniciais? Em geral essa informação vem na

introdução, e mais detalhada no livro do professor. Porém nem sempre o

que é ali enunciado é cumprido no decorrer do material. Pode ser

destacada a problematização da História como um dos eixos centrais da

proposta do autor, mas observando-se o material, somente a

memorização ou a simples opinião é solicitada, sem que sejam oferecidos

subsídios ou questões mais reflexivas.

- Temas escolhidos: os temas são apropriados à idade provável dos alunos?

Um mesmo tema pode ser utilizado em diferentes anos, somente

modificando-se o nível de aprofundamento ou problematização?

- Abordagem do conteúdo: relacionada à concepção de História e de ensino

de História do autor, reflete-se na organização do livro, seja nos textos

didáticos, na forma de distribuir os temas, por exemplo, somente

informando (foi assim) ou lembrando a criança de que pode haver distintas

representações sobre um mesmo contexto ou evento histórico. Também,

embora se reconheça que a neutralidade do historiador não seja possível,

o outro extremo não é recomendável: caso o autor faça algum tipo de

militância na abordagem do tema, é um problema na abordagem do

conteúdo.

- Anacronismo: relacionado à linguagem e à concepção de História, aparece

com frequência quando o autor não especifica o contexto em que aquele

evento histórico ocorreu, ou utiliza palavras inapropriadas para designar

características de certos contextos, como o exemplo apresentado na

Unidade 4.

- Atividades: o tipo de exercício proposto faz com que o aluno reflita sobre o

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assunto, busque informações, pense sobre elas? O autor relaciona as

atividades, ao local, à vida do aluno? Estão adequadas à idade provável do

aluno – por exemplo, se for solicitada muita redação já no 1º ou no 2º

ano, a proposta pode ser inviável ou difícil para o professor desenvolver

em sala de aula.

- Formação para a cidadania: considerando-se que a formação de um aluno

crítico e consciente de si mesmo como agente histórico, está articulada a

todos os itens anteriores, mas na análise do livro essa dimensão pode ser

observada desde o tipo de problematização que o autor faz (ou não faz),

às imagens (se não são estereotipadas ou se trazem informação

preconceituosa), por exemplo.

Novamente, recorre-se ao exemplo dos astecas, para ilustrar problemas.

Observe as informações da Figura abaixo (texto e imagem).

FIGURA 8 - TRECHO DO CAPÍTULO SOBRE OS ASTECAS. FONTE: CURITIBA (1994 –1995, p. 504).

Ao tratar da alimentação dos astecas, o texto traz informações

descontextualizadas, nem ao menos mencionando que culturas distintas têm

hábitos alimentares diferentes, e o que pode parecer estranho para algumas

sociedades é comum em outras, tanto no passado quanto no presente.

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Escolha um livro didático de História para os anos iniciais, selecione um

capítulo dele e analise-o a partir dos elementos acima indicados. A partir de sua

experiência – seja no estágio, seja como profissional – procure avaliar os pontos

fortes e fracos do livro didático escolhido.

Para piorar, a imagem refere-se a cães, destacando justamente o que pode

chocar ou horrorizar as crianças. A legenda não ajuda, ao mencionar que os astecas

“gostavam de assar filhotes”. Uma problematização possível seria que o que está

dito no livro é semelhante ao que a sociedade ocidental costuma fazer com filhotes

de outros mamíferos, como bezerros ou cordeirinhos, ou de aves, como frangos. A

situação é a mesma, somente a relação com algumas espécies é estabelecida de

forma distinta em cada cultura.

A abordagem do exemplo acima ilustrado é problemática não pela

informação que traz, que está correta, mas pela forma como o faz, que parece

contribuir para fortalecer nas crianças a ideia de que civilizações do passado são

malvadas, cruéis, selvagens, incultas, primitivas – desperdiçando-se a oportunidade

de discutir as diferenças entre culturas e civilizações, que devem ser

compreendidas cada uma dentro de seu próprio contexto. Nesse caso, o livro, além

de não contribuir para a formação para a cidadania, instiga a intolerância e a

desqualificação do outro, do diferente.

Esses são alguns elementos e exemplos do que pode ser observado em um

livro de História. Embora sempre haja a possibilidade e a necessidade do professor

adaptar o material à sua turma específica, se ele tiver que fazer isso todo o tempo,

será mais desgastante. Se o professor utilizar critérios para a seleção de um bom

livro, este favorecerá o aprofundamento do tema e da problematização em sala de

aula.

Dessa forma, reconhece-se aqui o livro didático como importante recurso de

apoio do professor, porém este não deve ficar restrito ou dependente dele.

Necessariamente, deve buscar aprofundá-lo, complementá-lo e mesmo criar novas

atividades, materiais e problematizações que não estejam ali contempladas.

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5.1.3 Documentos históricos

Na Unidade 4 já foram apresentadas algumas informações importantes

sobre como os documentos históricos são compreendidos pela História, atualmente.

Neste tópico, busca-se explorar melhor as possibilidades de uso didático desses

registros.

Em relação a como documentos históricos podem contribuir para a

construção do conhecimento histórico na escola, é preciso lembrar que a proposição

quanto ao uso de documentos no ensino de História não é novidade. Mesmo na

abordagem mais tradicional, podiam ser encontrados documentos em livros

didáticos. Porém o que mudou ao longo do tempo foi a compreensão quanto ao que

é considerado documento ou fonte histórica, e quanto ao olhar e a utilização que se

deve dar a eles.

Enquanto há algumas décadas o documento, no livro didático, cumpria

prioritariamente o papel de ilustração do fato, utilizado como comprovação da

verdade, não problematizado, atualmente seu uso não é proposto de forma tão

simplista – embora ainda possa ser assim, caso não haja um encaminhamento

metodológico adequado por parte do professor em sala de aula. Dessa forma,

assumem-se alguns pressupostos para a proposta que segue:

1) de que há clareza, por parte do professor, sobre não haver uma verdade

absoluta a respeito do evento histórico, mas versões possíveis, não

necessariamente excludentes entre si, ao ponto de ele levar essa postura

e compreensão para sua prática como docente, permeando-a e ao seu

discurso e abordagem de História, em sala de aula;

2) de que os documentos são registros parciais, limitados, datados, de

olhares possíveis a respeito de eventos históricos; e

3) de que as fontes para a compreensão da História não se limitam aos

documentos escritos e oficiais, mas abrangem também objetos,

depoimentos orais, produções escritas informais, imagens em diferentes

materiais e suportes, enfim, toda e qualquer forma de registro a respeito

do tema a ser problematizado e analisado historicamente.

Como destaca Bittencourt (2004), é importante lembrar que os documentos

históricos podem ser utilizados para fins didáticos, mas eles não foram produzidos

para isso. Ou seja, Victor Meireles, quando pintava o quadro A primeira missa no

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Brasil, em 1860, não tinha como propósito que ela seria uma imagem comum em

livros didáticos, 150 anos depois. Ele tinha outras preocupações, relacionadas

àquele contexto. O mesmo se aplica a ofícios, jornais, fotografias, enfim, a outros

tipos de documentos históricos. Além disso, o uso que historiadores fazem das

fontes históricas é diferente daquele que será feito pelo professor, que envolve

muitas possibilidades:

[...] pode ser usado simplesmente como ilustração, para servir como instrumento de reforço de uma ideia expressa na aula pelo professor ou pelo texto do livro didático. Pode também servir como fonte de informação, explicitando uma situação histórica, reforçando a ação de determinados sujeitos etc, ou pode servir ainda para introduzir o tema de estudo, assumindo nesse caso a condição de situação-problema, para que o aluno identifique o objeto de estudo ou o tema histórico a ser pesquisado (BITTENCOURT, 2004, p. 330).

Por isso, caberá ao professor tomar alguns cuidados quando for utilizá-los

em sala de aula, desde a adequação da linguagem (o documento escrito pode

trazer expressões, grafias ou conceitos próprios da época, que precisam ser

explicados) e o tempo necessário para seu uso didático. Mas, principalmente, o

professor deve ter bastante claro qual objetivo didático tem em relação ao uso do

documento, de forma a planejar a atividade e a avaliação em função desse

propósito e do perfil da turma em que o desenvolverá.

Em relação à problematização e discussão de documentos no ensino de

História, as proposições de Gemma Traveria (TRAVERIA, 2005) são muito

pertinentes, por sugerirem caminhos viáveis para essa prática pedagógica e

contribuírem para a construção de um ensino de História mais instigante e

significativo. Sua proposta é de que, a partir de uma pergunta principal ou de uma

hipótese provisória sobre determinado tema, o professor tome os cuidados para

escolher fontes adequadas aos seus objetivos e ao perfil da turma, e identifique

quais temas são possíveis de abordar; deve orientar o processo de interação ativa

entre a investigação e a análise, por meio da problematização, visando à produção

do conhecimento e, se possível, à formulação de novos problemas e hipóteses a

serem investigados.

Novamente, reitera-se a importância da pesquisa inserida nas atividades de

compreensão da História. Ranzi e Moreno (2005) questionam o uso da pesquisa

como simples cópia de informações prontas:

O passo a passo do que se pratica por pesquisa no ensino de história pode ser resumido no seguinte: 1. dar um tema; 2. estabelecer uma data para entrega; 3. os alunos copiarem o que acharem, por eles mesmos, mais importante. Ou, pior ainda: copiarem tudo o que acharem sobre o tema, pois quanto mais volume, maior a nota; 4. o professor passar um olhar por cima do

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que os alunos entregam por escrito; 5. fim: o professor atribui uma nota pelos critérios do capricho estético, dos erros de ortografia ou da quantidade de cópia (RANZI; MORENO, 2005, p. 54).

Há vários problemas aí, começando pela solicitação de um tema, geralmente

vago – como: faça uma pesquisa sobre Tiradentes –, sem que o professor proponha

problemas a serem investigados, ou que haja outro sentido para essa busca. Isso

favorece que sejam encontradas respostas prontas, só para serem copiadas, e com

a internet, o aluno nem precisa ler o texto todo. Como o professor também não vai

ler, nem utiliza-lo de forma mais articulada a outras atividades da disciplina, em

geral não faz mesmo diferença.

Porém, se essa pesquisa for direcionada por uma questão derivada do

documento, seja para compreender seu contexto, seja para identificar alguma

dúvida específica quanto a ele ou ao seu autor, por exemplo, um outro sentido será

atribuído à investigação, e será mais difícil encontrar respostas prontas.

Ranzi e Moreno (2005) ressaltam que a busca, a consulta à informação,

pode ser um aprendizado a ser realizado pelos alunos, mas que, por si só, a

consulta não gera conhecimento. Compreendem a pesquisa como “a resolução de

um problema, através de um trabalho organizado, sistematizado” (RANZI;

MORENO, 2005, p. 55). Ou seja, seu objetivo deve estar muito claro para todos os

envolvidos. Além disso, os autores lembram que pesquisar também é um

aprendizado – procedimental e atitudinal – muito relevante, que deve ser

estimulado e orientado em sala de aula, de forma integrada ao planejamento do

professor.

Essa proposição relativa à pesquisa está articulada e é essencial para o uso didático

de documentos históricos.

Especificamente quanto à análise de documento histórico em sala de aula, a

proposta apresentada por Circe Bittencourt (BITENCOURT, 2004, p. 338) é

bastante útil para esse aspecto da atividade. A autora estabelece a seguinte

sequência: descrever o documento e mobilizar os conhecimentos prévios para

explicar, situar e identificar a natureza do documento, para “chegar a identificar

limites do documento, isto é, a criticá-lo”. Essa é uma base de referência para

quaisquer trabalhos a serem desenvolvidos com uso de documentos para o ensino

de História, seja qual for o tipo de documento.

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A seguir, são apresentadas as três etapas de análise de Bittencourt, e são

indicadas outras, complementares, avançando um pouco mais na possibilidade de

exploração do documento histórico em sala de aula, sob a preocupação de abordar

melhor algumas noções de temporalidade.

1. Descrição – implica, num primeiro momento, a identificação de

informações e compreensão da mensagem do documento. Assim,

perguntas como: quem o produziu (pessoa, grupo, instituição,

sociedade); quando; onde; por que; para quem; para que; como; que

tipo de documento é, são essenciais e primárias. Em seguida, o que o

documento diz – compreensão inicial da mensagem, identificando

palavras, referências, conceitos específicos. Parte desse processo deve

mobilizar os conhecimentos prévios dos alunos, para que sejam

valorizados e para que se possa partir deles, confirmando-os,

complementando-os ou problematizando-os.

2. Contextualização – constitui a fase de compreensão das informações

identificadas, em função do contexto histórico em que o documento foi

produzido, de quem era o autor, ou seja, busca-se dar sentido às

informações obtidas na descrição, consideradas a partir do contexto de

produção do documento. Nela buscam-se fontes secundárias de apoio,

desde o livro didático até outras referências bibliográficas e a internet.

Pesquisa aqui assume um sentido ativo de busca, compreensão e seleção

de informações, a partir de um problema ou tema histórico concreto.

3. Crítica ou problematização – por decorrência das duas primeiras fases,

problematiza-se a produção do documento em função do contexto,

compreendendo intencionalidades, referências, abordagens e temas,

entre outros. É o momento em que deve ser explicitada, por exemplo, a

parcialidade do registro histórico.

Uma possibilidade quando o objetivo didático-pedagógico é identificar

permanências e mudanças é selecionando dois documentos de momentos distintos,

sobre o mesmo tema. Realizadas as atividades propostas acima, em relação a cada

um deles, haverá neste caso outras etapas, quais sejam:

4. Comparação – busca-se identificar o que há de semelhante e de

diferente em cada um dos registros, sobre o tema.

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5. Análise – em função das semelhanças e diferenças encontradas, busca-

se explicá-las, a partir da identificação do que permaneceu e do que

mudou ao longo do tempo. Mais do que essa constatação, nesta fase o

objetivo central é problematizar os documentos e as informações que

trazem, e responder a questões-chave para o ensino de História: por que

isso mudou ou permaneceu? Como ocorreu o processo de manutenção

ou mudança – de espaços, práticas, valores, organização etc.?

Este seria o momento de síntese da atividade com documento, no qual o

sentido da História estaria associado à razão de sua aprendizagem, que extrapola

assim o conteúdo por ele mesmo. Esse tipo de atividade permite o estímulo e

acesso a vários tipos de aprendizagens, além do conteúdo específico. Por exemplo,

em relação a procedimentos: por meio desse tipo de exercício, o aluno pode

aprender a fazer perguntas, a levantar hipóteses, a questionar, a buscar

informações, a articulá-las, compará-las e utilizá-las, além de perceber que embora

a História não traga respostas definitivas ou “a” verdade, a compreensão de como

as respostas possíveis são elaboradas está longe de ser um “vale tudo”, em que

qualquer opinião é válida, havendo respostas mais plausíveis que outras, e mesmo

respostas distintas não são necessariamente excludentes, podendo ser até

complementares. Também ocorre a possibilidade de aprendizagem atitudinal, ou

seja, ao reconhecer a História como processo, ao ter a realidade – que lhe parece

tão natural, pronta e acabada – desnaturalizada, problematizada e melhor

compreendida, o aluno pode perceber-se como agente histórico. Essas diversas

aprendizagens, articuladas, ainda podem ser extrapoladas em relação à atividade

desenvolvida com o uso de documentos históricos, uma vez que têm grande

potencial de generalização, se de fato apreendidas.

Finalmente, uma ressalva: embora se proponham essas cinco fases para o

uso didático de documentos no ensino de História, não é necessário que sejam

utilizadas sempre em seu conjunto. Por exemplo, conforme a série, a aprendizagem

dos alunos e os objetivos do professor, este pode propor atividades que

contemplem somente a primeira etapa, fundamental para qualquer atividade com

documento.

É possível que o professor desenvolva, em momentos distintos, o estímulo à

identificação e compreensão básica, para somente depois de averiguar a

aprendizagem desse processo tornar a atividade mais complexa, avançando para a

segunda fase, de contextualização. Do mesmo modo, pode fixar-se nessas duas

primeiras fases, até que julgue pertinente e possível chegar à etapa de crítica ou

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problematização mais elaboradas. As etapas quatro e cinco também seguem essa

lógica.

O objetivo dessa ressalva é que o roteiro proposto não deve ser

compreendido como rígido, pois, conforme a turma ou objetivo do professor, ele

pode ser inviável em sua totalidade. Cada etapa é considerada aqui um nível

possível de complexificação dessa aprendizagem, e cabe ao professor definir a

adequação e pertinência do uso de cada fase com seus alunos.

Segue um exemplo dessa proposta, aplicável a crianças do 1º ou 2º ano do

Ensino Fundamental, mas adaptável também à Educação Infantil ou anos

seguintes. O que poderá variar serão o tipo de documento e o nível de

problematização.

Tema: Brinquedos e brincadeiras

Documentos:

1) Fonte oral – realização de entrevista com pessoas mais velhas, sobre

quais brinquedos tinha e de quais brincadeiras participava, quando era

criança. Pode ser feito um roteiro básico, que envolva o ano em que o

entrevistado tinha, por exemplo, 7 anos: de que eram feitos os

brinquedos; se eram comprados ou feitos em casa; onde brincava; entre

outras questões. A entrevista pode ser feita em casa, ou pessoas mais

velhas podem ser convidadas para irem à escola relatar essa vivência,

ou ainda para levar algum brinquedo que tinha quando criança, ou

ensinar as crianças a fazerem um brinquedo ou a brincar de alguma

brincadeira.

2) Imagens – tanto de brinquedos e brincadeiras mais antigos quanto de

mais recentes, preferencialmente datadas, mesmo que seja a década

como referência.

3) Objetos – brinquedos diversos, novos ou antigos.

Esses documentos poderão ser explorados didaticamente de diferentes

maneiras, associando-se a uma dimensão lúdica da aprendizagem e a outras

aprendizagens, para além da histórica. Podem ser propostas perguntas sobre o

material e a forma de produção dos brinquedos, para que as crianças construam

hipóteses; as datas dos brinquedos, das imagens ou mesmo de idade dos

entrevistados podem ser utilizadas para a construção de uma linha do tempo, ou

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Informações sobre esta pintura, e a reprodução dela, você encontrará disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/brinca8.htm

Acesse esse endereço eletrônico e tente identificar brincadeiras que já brincou em sua

vida.

Identificou? Você sabia que elas eram tão antigas?

Para as crianças, descobrir que algo que elas conhecem já era brincado em

sociedades da Europa, há 450 anos, pode ser muito instigante. Esse é um bom

exemplo de “desnaturalização” de coisas que parecem comuns, familiares, para os

alunos, mas dos quais eles não têm noção de que são construções históricas, muitas

transmitidas pela tradição oral e não necessariamente catalogadas ou sistematizadas

como cultura ou conhecimento.

para marcar a comparação entre brinquedos e brincadeiras de diferentes tempos;

uma pesquisa sobre o brinquedo ou brincadeira pode permitir observar que muitos

deles são transmitidos por várias gerações e sociedades, tendo origem séculos

atrás, ou mesmo que não seja possível identificar esta origem, o que é um dado

muito interessante a ser explorado. Por exemplo, o quadro “Jogos infantis” de Peter

Brueghel, pintado em 1560, traz 84 brincadeiras, muitas das quais conhecidas e

brincadas até hoje, mesmo que com adaptações.

Em um tema como esse, após as comparações, uma problematização

relevante é o porquê de ter havido mudanças e permanências. Parte dessa

explicação poderia ser relacionada à constituição do espaço, hoje em nossa

sociedade predominantemente urbano, e de tal forma organizado que muitos dos

espaços em que as crianças brincavam antigamente são hoje inviabilizados para

esse fim – como é o caso das ruas. Dessa forma, os alunos poderiam refletir sobre

como o espaço e a organização da sociedade impactam em seu cotidiano, por

exemplo.

Outro tema que pode servir de ilustração para o uso de documentos, seria a

escola, tendo como ponto de partida o próprio ambiente escolar, sua organização

espacial, suas práticas e os objetos ali utilizados. Abaixo seguem alguns tipos de

fontes históricas que suscitariam, com certeza, muitas possibilidades de exploração

didática.

As crianças seriam instigadas, por exemplo, a observar a arquitetura da

escola, a organização das carteiras, suas roupas (uniforme), as regras de

comportamento, os materiais didáticos e as pessoas que trabalham na escola

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(quanto às suas funções), entre outros elementos.

Também poderiam ser utilizadas entrevistas para averiguar como era a

escola – e quem a frequentava – em outros tempos e outros espaços. Além da linha

do tempo com esses dados, outros documentos permitiriam a comparação de

diferentes tempos e espaços, e não somente entre dois momentos históricos.

Abaixo, alguns exemplos.

FIGURA 9 - SALA DE AULA. ESCOLA TRADICIONAL (1900–1930). FONTE: FOTO DA AUTORA. ACERVO DO MUSEU DA ESCOLA DE BELO HORIZONTE (2010).

FIGURA 10 - SALA DE AULA. ESCOLA TRADICIONAL (1900–1930). FONTE: FOTO DA AUTORA. ACERVO DO MUSEU DA ESCOLA DE BELO HORIZONTE (2010).

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As figuras 9 e 10 são compostas por objetos e mobiliários do cotidiano

escolar do início do século XX, encontrados em diferentes escolas de Minas Gerais e

reunidos para exposição no Museu da Escola de Belo Horizonte. Seriam um bom

parâmetro para comparação entre o que está diferente e o que está semelhante,

identificando o que permaneceu e o que mudou ao longo do tempo na sala de aula.

Nessa comparação, poderiam ser vistos o uniforme e o material escolar, o

material das carteiras, desde práticas punitivas, como ilustrado pela figura do

burrinho, que tinha um cabo de madeira (aparece sob a carteira) para que pudesse

ser encaixado atrás da blusa do aluno que estivesse de castigo. A régua de madeira

poderia ser utilizada tanto para fins didáticos como para punições. Caso houvesse

na escola objetos antigos, também seriam explorados em sala de aula.

Na figura a seguir, outros objetos são destacados, tanto os utilizados para

controle do tempo (sino) como para punição (palmatória).

FIGURA 11 - OBJETOS ESCOLARES. ESCOLA TRADICIONAL (1900–1930). FONTE: FOTO DA AUTORA. ACERVO DO MUSEU DA ESCOLA DE BELO HORIZONTE (2010).

Nesse caso, como estão aparecendo objetos de punição, utilizados na escola

daquele contexto, é preciso que o professor esteja bastante atento para que não

fique uma imagem estereotipada de que o passado era “pior” que hoje, ou que as

pessoas daquela época eram muito ruins ou insensíveis. É preciso discutir que

escola era aquela, quais eram os valores e práticas, mesmo nas famílias, ou seja, é

preciso contextualizar, explicar cada documento dentro do contexto em que ele era

utilizado e fazia sentido no ambiente escolar e na sociedade.

Em relação às práticas, a figura 12 evidencia regras de comportamento,

ensinadas na escola da época.

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FIGURA 12 - MATERIAL DE APOIO DO PROFESSOR (PROVAVELMENTE ANOS DE 1950). FONTE: FOTO DA AUTORA. ACERVO DO MUSEU DA ESCOLA DE BELO HORIZONTE (2010).

Uma possibilidade seria também explorar a pertinência dessas orientações

para os dias de hoje, se são necessárias, se são seguidas, em quais ambientes

poderiam fazer mais sentido, entre outros questionamentos, o que permitiria

abordar outros temas e problemas, para além da História.

Caso os alunos tenham possibilidade de trazer reproduções de fotografias ou

materiais escolares de seus pais ou de pessoas mais velhas na escola, ou de as

buscarem em uma pesquisa, novos elementos poderiam ser abordados, a partir do

mais próximo, pois fariam sentido como algo que uma pessoa conhecida vivenciou.

Deve-se lembrar do que foi mencionado no tópico sobre objetivo e conteúdo

do ensino de História: o uso didático de documentos em sala de aula tanto pode ser

utilizado para a melhor aprendizagem de um conteúdo específico – como um tema

histórico, ou um conceito – como os procedimentos para análise de um documento

podem ser o foco principal a ser ensinado pelo professor.

Se a criança aprender a fazer perguntas para um documento, qualquer que

seja, mesmo tratando-se das perguntas mais básicas nessa exploração da fonte

histórica (como que tipo de documento é? Quem produziu? Quem era essa pessoa?

Quando foi produzido? Onde foi produzido? Por que foi produzido?), e conseguir dar

sentido às respostas encontradas, compreendendo o documento como uma

representação da realidade – entre as muitas possíveis –, com certeza poderá

generalizar esse aprendizado. Ou seja, observando outros objetos, imagens,

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escritos, enfim, outros registros com os quais venha a ter contato, lembrará que

pode fazer-lhes essas mesmas questões, para compreendê-los melhor, e saberá

que deve buscar pensar sobre eles, no seu contexto de produção e uso. Esse é um

aprendizado que de certa forma instrumentaliza metodologicamente a criança para

um aprendizado histórico.

5.1.4 História local

No exemplo do tópico anterior, em que a escola seria um espaço de

problematização temática e de produção dos documentos, é possível uma

aproximação com a abordagem de história local.

É importante que o professor conheça limites e possibilidades que essa

articulação pode oferecer, a fim de repensar sua prática e a aplicabilidade da

proposta em sua realidade. Segundo Bittencourt:

[...] a história local tem sido indicada como necessária para o ensino por possibilitar a compreensão do entorno do aluno, identificando o passado sempre presente nos vários espaços de convivência – escola, casa, comunidade, trabalho e lazer –, e igualmente por situar os problemas significativos da história presente (BITTENCOURT, 2004, p. 168).

Porém cabe esclarecer, como alertam Schmidt e Cainelli, que:

[...] uma realidade local não contém, em si mesma, a chave de sua própria explicação, pois os problemas culturais, políticos, econômicos e sociais de uma localidade explicam-se, também, pela relação com outras localidades, outros países e, até mesmo, por processos históricos mais amplos (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 112).

Nesse sentido, os cuidados para evitar o reducionismo, o etnocentrismo, o

eurocentrismo, a simplificação e até mesmo o anacronismo devem ser constantes.

Faz-se necessária a articulação entre os conteúdos da história local e do tema

abordado, com os conteúdos da história regional, nacional e geral. De fato, esta

inter-relação é um pressuposto para que a história local seja compreendida

historicamente, e sua abordagem pode seguir duas direções principais: partir do

local para as relações mais amplas, ou partir do tema amplo para especificidades

do local.

A primeira opção parece mais viável para os Anos Iniciais do Ensino

Fundamental, cujas diretrizes em geral abordam a especificidade local – o que faz

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sentido, e permite a associação mais complexa dessa dimensão com outros

saberes, que não somente o histórico.

A segunda opção parece ser mais fácil de ser contemplada, tratando-se dos

Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, uma vez que os livros

didáticos abordam o panorama geral. Nesse caso, o professor pode elaborar

didaticamente subsídios para o desenvolvimento do tema no âmbito local,

oferecendo uma nova dimensão para a compreensão da História.

Embora a história local seja uma interessante proposta para

problematização e abordagem do ensino de História, em geral essa dimensão é

ignorada pelas coleções de livros didáticos, isso porque elas são feitas para uso em

âmbito nacional, com poucas exceções.

Procure lembrar-se dos livros de História com os quais estudou na Educação Básica.

Em geral, o Paraná aparece muito pouco, pontualmente, neles. Parece que toda

História do Brasil passou sempre pelo Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e,

mais recentemente, por Brasília.

Isso não significa que o Paraná não tenha tido uma história e que ela não

seja relevante; apenas é ignorada, na forma e para o público que os livros são

produzidos. Por exemplo, houve escravidão no Paraná, o que raramente é

mencionado, ao ponto de haver paranaenses que acham que isso não ocorreu. Ou,

quando no livro didático é abordada a exploração de ouro em Minas, antes da

Inconfidência, às vezes é destacado que esse tipo de atividade econômica não

deixava espaço para o cultivo de alimentos (agricultura ou pecuária), sendo

necessário trazê-los de outras regiões. Pois bem, o Caminho do Viamão, por onde

passavam os tropeiros levando gado para Minas, tem grande importância na

história do Paraná. Mesmo quando o Paraná era 5ª Comarca de São Paulo, havia

uma história dessa região – o Paraná passou à categoria de província somente em

1853.

Porém, por vezes, essas informações são desconhecidas até mesmo pelo

professor. Mas poderiam ser muito úteis para auxiliar na busca do sentido daquele

conteúdo ou tema, quando ele é trazido para mais próximo do aluno.

Em especial nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a questão do local, da

organização do espaço, do reconhecimento das mudanças e permanências que

envolvem a criança são temas muito profícuos para a problematização e a

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aprendizagem da História. Nesse caso, os documentos iconográficos são

potencialmente estimuladores da curiosidade e do interesse dos alunos, uma vez

que podem ilustrar realidades muito diferentes daquela à qual eles estão

acostumados, porque no curto tempo de vivência deles “sempre foi assim”. Pode-se

inclusive partir do presente como referência para a compreensão do passado.

Essa proposição está coerente com o defendido por Bittencourt (2004) para

o ensino de História nos Anos Iniciais. Além de destacar a superação da abordagem

que valorizava a memorização pela prioridade às noções de tempo e aos conceitos

históricos mais próximos da realidade vivenciada pelas crianças, ela indica a

relevância de trabalhar o âmbito local:

[...] Os estudos de História têm como base o desenvolvimento intelectual do educando, daí a recomendação de introduzir o conteúdo a ser estudado por um problema situado no tempo presente, buscando em tempos passados respostas para as indagações feitas. A problematização do estudo histórico inicia-se sempre pelo local, que se torna objeto de análise constante (BITTENCOURT, 2004, p. 113–114).

Novamente, propõe-se a escola e suas fontes como um exemplo de como

poderia ser estabelecido esse vínculo com a história local. Outra possibilidade seria

utilizar o mesmo percurso com fotografias do bairro. A seguir, são apresentadas

algumas fotografias do mesmo espaço, em tempos distintos, para ilustrar

possibilidades didáticas (o que será desenvolvido na sequência).

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FIGURA 13 - CHÁCARA DA NHÁ LAURA – CURITIBA (ANOS DE 1930). FONTE: ACERVO DO CENTRO DE MEMÓRIA DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ – CMCEP.

FIGURA 14 - CONSTRUÇÃO DO PRÉDIO DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ – CURITIBA, DÉCADA DE 1940. FONTE: ACERVO ERNANI C. STRAUBE, DIGITALIZADO E DISPONÍVEL NO ACERVO DO CENTRO DE MEMÓRIA DO CENTRO DE MEMÓRIA DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ (CMCEP).

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FIGURA 15 - COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ – 1966. FONTE: ACERVO ERNANI C. STRAUBE, DIGITALIZAÇÃO DISPONÍVEL NO ACERVO DO CENTRO DE MEMÓRIA DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ (CMCEP).

FIGURA 16 - COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ – 1993. FONTE: ACERVO FUNDEPAR, DIGITALIZAÇÃO DISPONÍVEL NO ACERVO DO CENTRO DE MEMÓRIA DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ (CMCEP).

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160

A Figura 13 é relativa ao terreno que foi adquirido para a construção da

atual sede do Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba. Essas quatro imagens

(Figuras 13 a 16) combinadas constituem um ótimo exemplo de como o espaço ao

redor da atual sede do Colégio Estadual do Paraná foi modificado ao longo de um

espaço de tempo relativamente curto. De área rural na década de 1930,

atualmente constitui centro da cidade. Todas as fotografias permitem entrever um

pouco do entorno, e é possível identificar que, gradativamente, são construídas

casas, posteriormente substituídas por edifícios.

Uma fotografia de 2010 revelaria ainda mais a presença desses últimos, mas

a imagem poderia ser trocada por uma visita aos arredores com os alunos, a fim de

dar maior concretude à experiência e à aprendizagem. Ou então uma pesquisa por

meio do Google Maps permitiria também visualizar esse entorno no dia da aula.

Destacam-se nesse tipo de proposição outras duas dimensões de

aprendizado:

- a pesquisa, como inerente à proposta, realizada na forma como já foi

apresentada nesta unidade; e

- a interdisciplinaridade (por exemplo, na atividade com as quatro imagens

do Colégio Estadual do Paraná, há um destaque para a Geografia,

diretamente associada à História). Também podem ser envolvidas outras

dimensões, como a questão do meio ambiente, e se outros documentos

forem utilizados, a Língua Portuguesa, a Matemática e as Artes, entre

outras inter-relações.

Sobre a problematização, deve-se lembrar que o espaço familiar, no sentido

de conhecido ou próximo, em geral não sofre observação crítica, por ser

incorporado ao cotidiano de forma natural. A provocação e a reflexão que podem

ser propiciadas e estimuladas por meio dos documentos acima indicados

contribuirão para essa desnaturalização e para a aprendizagem e a percepção de

que os espaços são organizados e construídos historicamente, como processo. Em

seu uso didático nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, poderiam ser utilizadas

noções de temporalidade centrais para a aprendizagem histórica, como sucessão,

simultaneidade, mudanças e permanências, por exemplo.

As mesmas imagens possibilitariam a discussão acerca do planejamento e

do crescimento urbano da cidade de Curitiba, nos Anos Finais do Ensino

Fundamental, quando articuladas, por exemplo, à discussão de temas como

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desenvolvimentismo e urbanização, que aparecem mencionados em momentos

históricos distintos no livro didático – como o Estado Novo e a ditadura civil-militar,

se estes forem objetivos do professor.

5.1.5 Avaliação

Sobre a avaliação, primeiramente é preciso não compreendê-la somente

como uma prova. A concepção de avaliação aqui assumida é a de uma atividade

que visa auxiliar o professor a averiguar se as crianças apreenderam o conteúdo

proposto e se seu objetivo foi alcançado; se não foi, que possa identificar onde está

a fragilidade dessa aprendizagem, para retomar a questão.

É por isso que, como já foi enunciado nesta unidade, a avaliação não é

somente uma formalidade, nem mais um item isolado do planejamento. Para que

seja coerente, sua escolha decorre necessariamente do objetivo, do conteúdo, dos

recursos e das estratégias utilizados pelo professor.

Outro esclarecimento importante a esse respeito é que simplesmente

informar no planejamento que a avaliação será “diagnóstica, processual – ou

contínua – e formativa” não é suficiente. Isso porque só estarão sendo enunciados

princípios orientadores para a avaliação, mas não explicitados os instrumentos e os

critérios que serão utilizados para identificar se e como a aprendizagem ocorreu. O

grande desafio é aplicar esses princípios em exercícios e corrigi-los com base em

critérios previamente definidos em função do objetivo, tanto daquele conteúdo

quanto daquela atividade.

Para avaliar qualquer disciplina é necessário levar em conta a tarefa que o aluno deve cumprir, sua margem de liberdade, a forma da produção final, os critérios de avaliação em função da exatidão e da pertinência das respostas. O professor pode programar a sua avaliação em função do tempo destinado à disciplina de história nas séries iniciais e em função de algumas operações intelectuais que o aluno deve ir construindo para atingir as finalidades do ensino de História anteriormente definidas (RANZI; MORENO, 2005, p. 11).

Mais uma vez, essa proposição implica que o planejamento esteja

necessariamente pré-definido e articulado. Isso não significa que deve ser utilizado

de forma rígida, sem possíveis flexibilizações e ajustes, que são necessários. Por

outro lado, a prática docente não pode ser realizada com base em improvisações

contínuas.

A fim de objetivar o processo avaliativo, ou seja, de estabelecer claramente

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critérios e parâmetros para identificar se, do que e como ocorreu a aprendizagem

do aluno, Ranzi e Moreno (2005) propõem uma ficha de acompanhamento

individual, que possa ser utilizada ao longo do processo de ensino-aprendizagem.

Nela também trazem alguns exemplos de critérios que poderiam ser utilizados no

ensino de História.

Disciplina: História Professor(a):

Aluno: Série: Turma:

Critérios Não

atinge

Atinge com

estímulo da

professora

Já desenvolve

autonomamente

Observações

Estabelece relações entre o

passado e o presente?

Identifica em uma reflexão

oral ou escrita papéis

divergentes atribuídos a um

evento?

Utiliza noções relacionadas ao

tempo como medida:

calendário, décadas, séculos,

semanas?

É capaz de realizar uma

produção escrita que mostre

uma interpretação e

explicação comparando

diversos documentos/fontes?

Utiliza noções relacionadas ao

tempo, como datas,

mudança, permanência,

sucessão, simultaneidade?

Consegue estruturar uma

linha do tempo de um

período histórico citando

eventos significativos?

QUADRO 10 - FICHA DE ACOMPANHAMENTO INDIVIDUAL DE APRENDIZAGEM EM HISTÓRIA. FONTE: ADAPTADO DE RANZI E MORENO (2005, p. 13).

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Essa proposta é ilustrativa do que pode ser avaliado, mas também evidencia

que o que será avaliado depende diretamente do objetivo estabelecido. No exemplo

acima, avalia-se o aprendizado de conteúdos procedimentais, portanto somente

para esse tipo de objetivo os critérios de Ranzi e Moreno (2005) poderiam ser

utilizados.

No caso de conteúdos específicos, como o exemplo da chegada de Cabral ao

Brasil, apresentado no tópico 5.1 desta unidade, que tinha como objetivo geral

“discutir a versão sobre o descobrimento casual do Brasil, de forma que os alunos

possam compreender o processo de construção da História e das representações

sobre ela”, outros deveriam ser os critérios observados para a avaliação da

aprendizagem. Poderiam ser os seguintes:

- identifica diferentes relatos sobre a chegada de Cabral em documentos

históricos distintos?

- percebe esses diferentes relatos como representações possíveis sobre um

mesmo evento histórico?

- reconhece que pode haver diferentes relatos, de acordo com o lugar social

que a testemunha daquele evento histórico ocupava à época?

- é capaz de explicar por que o termo “descobrimento” não é apropriado?

- relaciona a viagem de Cabral com o contexto mais amplo de navegações e

expansões marítimas da época?

Para que esses critérios possam ser utilizados, o professor deve selecionar e

trabalhar em sala de aula conteúdos, subsídios e documentos que permitam

desenvolver o objetivo e o conteúdo proposto.

Por isso, em uma avaliação, o professor deve ter clareza sobre o que deseja

averiguar e, decorrente disso, qual o melhor momento e a melhor forma de fazê-lo.

Além disso, a avaliação deve estar relacionada aos objetivos estabelecidos (e

compartilhados com os alunos) e o que foi efetivamente ensinado, decorrendo disso

os critérios de avaliação; deve haver clareza e precisão no uso dos termos e quanto

ao que se espera que o aluno faça (explicitar ao aluno o sentido tanto do que está

sendo ensinado e de seu objetivo quanto da avaliação); e deve ser considerado o

tempo necessário para a resolução e o tempo disponível para tal.

Em relação às atividades, que cumprem uma dupla função, tanto de

estimular o aprendizado quanto de servir como parâmetro avaliativo para o

professor acerca de como a criança compreendeu o tema, elas podem ser as mais

diversas, conforme o ano ou série e seu objetivo.

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Os propósitos de uma atividade também podem variar bastante, desde

avaliar o conhecimento específico sobre um determinado tema (a criança sabe

isso?), até sobre a aplicação dele derivada (ela sabe fazer ou aplicar aquele

procedimento?), ou, ainda, se sabe avançar na reflexão sobre ele (ela consegue

levantar uma hipótese ou explicação plausível, relacionada ao contexto, ou

identificar semelhanças ou diferenças em relação ao seu cotidiano, no presente?).

Os exemplos a seguir permitirão que você perceba melhor essas

possibilidades. Eles derivam do pressuposto de um livro didático fictício que traga

um capítulo intitulado “Brinquedos e brincadeiras” e estão relacionados ao exemplo

mencionado no tópico sobre documentos históricos, nesta unidade.

O livro didático traria o seguinte texto didático:

BRINCAR É IMPORTANTE

Por meio das brincadeiras em grupo, você aprende a conviver com os

amigos, faz novas amizades, aprende a ganhar e a perder, aprende coisas

novas, aprende a estabelecer, negociar e a seguir regras, solta a

imaginação, aprende a auxiliar os colegas e a ser solidário quando a

brincadeira envolve um time, por exemplo.

Muitos jogos e brincadeiras já eram conhecidos há muito tempo, séculos até.

E hoje, vários deles são ainda brincados, mesmo que você não saiba que

crianças de tanto tempo atrás faziam as mesmas atividades.

Por exemplo, canções de roda, adivinhas, parlendas, histórias de fadas,

bruxas, lobisomens e jogos de bolinhas de gude, pião, amarelinha,

pedrinhas (saquinhos), a pipa, entre outros, foram trazidos pelos

colonizadores portugueses quando vieram para o Brasil.

Tradições e brincadeiras de origem africana foram transmitidas pelos então

escravos, e se havia brincadeiras em que eram reproduzidas as relações de

poder daquele contexto, longe do controle dos adultos por vezes essa

relação se invertia, particularmente nas brincadeiras de pião, papagaio,

subir em árvores, prevalecendo as habilidades do jogador.

Da tradição indígena ficaram as brincadeiras de barbantes, atualmente

conhecidas como cama-de-gato, e o gosto pelos jogos e brinquedos imitando

animais.

(Adaptado de BERNARDES, Elizabeth L. Jogos e brincadeiras

tradicionais: um passeio pela história. [s/d]).

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Com base no texto “Brincar é importante”, responda:

- Por que brincar é importante?

- Quais povos são citados?

- Você conhece alguma das brincadeiras mencionadas no texto? Liste aquelas de

que você já brincou.

A atividade é voltada para o propósito de a criança ler o texto e extrair dele

algumas informações. A primeira pergunta permitiria uma síntese. A segunda é

simplesmente para localizar a informação, mas pode ser discutida em função do

início da colonização no Brasil. A terceira procura aproximar da realidade da criança

as informações trazidas no texto.

Embora aparentemente sejam muito óbvias, tais questões podem cumprir

algumas funções: estimular a leitura atenta da criança; oportunizar a aprendizagem

de extrair informações de um texto; garantir que informações básicas para as

atividades que seguem sejam assimiladas; informar sobre o tema, para iniciar uma

discussão mais aprofundada depois. Elas não têm como propósito que a criança

opine sobre o tema, mas como início da atividade podem ser úteis. O problema

seria se o livro somente trouxesse atividades desse tipo. Na questão três, a criança

pode iniciar uma reflexão sobre o tema, pelo menos identificando, mesmo que

ainda não enunciando, permanências na história das brincadeiras.

Uma outra forma de contemplar essas finalidades seria a seguinte:

Indique a alternativa correta. O texto afirma que:

( ) as brincadeiras do passado não são mais utilizadas nos dias de hoje.

( ) as brincadeiras trazidas pelos portugueses são somente para meninos.

( ) brincar é importante porque traz aprendizado.

Você concorda com o texto? Por quê? Dê um exemplo, a partir de sua experiência.

Nesse caso, a intenção também é identificar se houve uma compreensão

básica do texto lido, somente foi proposta de forma diferente. A segunda parte da

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atividade já exigirá um posicionamento da criança quanto à ideia que a alternativa

assinalada por ela traz, o que a levará à reflexão sobre o que já aprendeu,

brincando.

Inserindo documentos, outros objetivos podem ser propostos.

A Figura 11 é uma fotografia, mas poderiam também ser trazidos os

próprios brinquedos em sala de aula, ou ainda outras imagens de outros

brinquedos, inclusive se os alunos conseguirem registros deles ou de seus pais ou

outros familiares mais velhos, com seus respectivos brinquedos, ou então

brincando.

Na figura podem ser identificados, por exemplo: peteca, perna de pau,

telefone sem fio, bonecas, bonecos, carrinho de rolimã, bilboquê, fantoche, bolinha

de gude.

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FIGURA 11 – BRINQUEDOS ANTIGOS. FONTE: ACERVO DO MUSEU DA EDUCAÇÃO E DO BRINQUEDO – FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA USP. DISPONÍVEL EM: http://paje.fe.usp.br/estrutura/meb/index.htm.

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Quantos brinquedos, da Figura X, você consegue identificar?

Você já brincou com algum brinquedo parecido com esses? Qual?

Escolha um dos brinquedos da figura. Converse com uma pessoa mais velha da

família, perguntando se ela brincava com esse tipo de brinquedo quando era

criança.

Peça a ajuda dessa pessoa para preencher o quadro abaixo.

Brinquedo escolhido:

Pessoa entrevistada:

Essa pessoa tem que idade, atualmente?

Ela brincava com este brinquedo quando tinha qual idade?

Características Como era antigamente Como é atualmente

De que material ele era/é

feito?

Ele era/é feito em casa ou

comprado?

Brinca(va)-se sozinho, ou

com outros amigos?

Em quais espaços

brinca(va)-se com ele?

Por que você gosta(va) de

brincar com ele?

A construção das respostas a essas questões já seria uma dimensão de

aprendizado e também de descoberta, no sentido de a criança exercitar a escrita e

de ser surpreendida pelas informações sobre o passado. Porém elas podem ser

mais exploradas, por meio de várias possibilidades, que nos exemplos abaixo têm

por objetivo ilustrar a aprendizagem da comparação, para a identificação de

semelhanças e diferenças e, assim, de permanências e mudanças. Nesse sentido, o

professor poderia:

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- utilizar as idades dos entrevistados para a construção de uma linha do

tempo, em que seriam anotados os anos relativos à infância deles, o que

já envolveria Matemática. Os brinquedos seriam também registrados

junto a esses anos, para averiguar desde quando algum conhecido já

brincava com ele;

- orientar a construção de um gráfico dos brinquedos mais recorrentes nas

escolhas dos alunos, bem como gráficos comparativos entre as respostas

das crianças e dos entrevistados sobre cada item do quadro;

- utilizar outras imagens, de pinturas, de outros tempos, de fotografias, ou

mesmo trazer brinquedos antigos para as crianças “sentirem”,

concretamente, as diferenças e as semelhanças;

- convidar alguma pessoa mais velha para vir ensinar as crianças a fazer

um brinquedo;

- organizar uma exposição de brinquedos, cada grupo ou criança seria

responsável por pesquisar algumas informações sobre a história daquele

brinquedo e de fazer as explicações para os visitantes da exposição.

Nesse roteiro, as permanências e semelhanças poderiam ser

contempladas;

- propor as seguintes questões (poderia ser escrita ou realizada oralmente,

conforme a idade das crianças – exemplo no caso da boneca):

a) O que você achou mais interessante, na resposta de seu entrevistado?

Por quê?

b) Indique duas semelhanças e duas diferenças que você encontrou,

entre a sua resposta e a resposta de seu entrevistado.

c) Por que você acha que a boneca é um brinquedo que as pessoas mais

velhas brincavam, e as crianças de hoje continuam brincando?

Neste último exemplo, a primeira questão seria uma abertura, para

identificar se a criança gostou da atividade, se esta lhe trouxe alguma informação

nova, curiosa. Mas também seria possível verificar como categoriza o que é

interessante – pode ser algo que julgou positivo, ou como estranho ou negativo. Ela

esboçou alguma compreensão ou deu algum indicativo que relacionasse aquela

característica ao contexto passado? Tentou construir uma explicação? Se sim, esta

foi plausível?

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Quanto às outras duas, alguns critérios de avaliação poderiam ser:

- a criança domina as noções de semelhanças e diferenças, ou seja, não

confundiu o que é semelhante do que é diferente? Soube distingui-las

com clareza, aplicando-as ao tema boneca?

- consegue estabelecer relação entre o presente e o passado? Identifica

permanências associadas a funções sociais, como a maternidade?

Identifica mudanças, como as roupas novas ou profissões (por exemplo,

da Barbie) a um novo perfil da mulher, na sociedade contemporânea?

Claro que essas seriam referências para o professor, que as aplicaria ao

nível de desenvolvimento e elaboração que as crianças poderiam ter. Porém mais

uma vez reitera-se a importância de que, ao definir o objetivo e o conteúdo, as

distintas dimensões da metodologia também devem estar coerentes. E para o

professor, devem também estar bem explícitas.

5.2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final desta unidade e deste texto, espera-se que você tenha

compreendido quantos e quais elementos envolvem a concepção de ensino de

História e seu planejamento.

São conhecimentos específicos, históricos e pedagógicos, que se inter-

relacionam, necessários para a construção de um processo de ensino-aprendizagem

que contribua para o desenvolvimento de um pensamento histórico, crítico e

fundamentado. Este deve ser base para uma atitude e uma consciência cidadã,

ativa e ciente da corresponsabilidade que envolve a todos na construção de um

mundo mais justo, no qual possam ser garantidos os direitos básicos, necessários

para a dignidade humana, a todas as pessoas.

Esse é o incômodo enunciado na apresentação deste material.

Ao longo das unidades, foram abordados diferentes temas e

problematizações que, acredita-se, trouxeram informações e propiciaram reflexões

importantes sobre a História, a escola, o profissional da Educação, a formação

desejada e possibilidades para construí-la. Elementos que visaram contribuir para a

desnaturalização de alguns temas, certezas e práticas, muitas vezes agregados

acriticamente ao habitus. O pressuposto é que o conhecimento apreendido,

significativo, mesmo que não leve de imediato a uma ação diferenciada,

permanecerá presente, em diálogo com o habitus de cada um, mas incomodando,

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porque uma vez sabendo que é possível e que é preciso fazer melhor e fazer

diferente, a passividade, a omissão, o comodismo tornam-se mais difíceis de serem

mantidos.

Apesar de reconhecer que o conhecimento por si só não leva à mudança e à

transformação da atitude individual e coletiva, considera-se que ele é necessário

para a construção desse processo.

Se você, ao longo deste texto, desenvolveu algumas reflexões ou veio a

conhecer elementos que considera hoje importantes para a sua formação

profissional e para sua prática na escola e em sala de aula, bem como na

sociedade, o objetivo foi atingido.

Cabe agora a você fundamentar mais e melhor, continuamente, esse

propósito, não se acomodando. Que o ideal de ensino de História e de prática

profissional da docência aqui proposto e seu conhecimento sobre eles possam ser

sólidos o suficiente para que dificuldades do cotidiano e do ambiente escolar não

o(a) deixem desistir do que acredita que deve ser feito.

A profissão de professor lida diretamente com a formação humana, e, por

meio de seu exercício, sua ação pode ser fundamental para que cada criança possa

ter melhor consciência de si mesma e do mundo que a cerca, reconhecendo-se

como cidadão, como pessoa humana e ciente de que é um agente histórico, como

todos os demais o são.

Para concluir, um destaque especial aos princípios e diretrizes para a prática

educativa, enunciados por Paulo Freire no livro Pedagogia da Autonomia:

1. Não há docência sem discência 1.1 Ensinar exige rigorosidade metódica 1.2 Ensinar exige pesquisa 1.3 Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos 1.4 Ensinar exige criticidade 1.5 Ensinar exige estética e ética 1.6 Ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo 1.7 Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação 1.8 Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática 1.9 Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural 2. Ensinar não é transferir conhecimento 2.1 Ensinar exige consciência do inacabamento 2.2 Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado 2.3 Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando 2.4 Ensinar exige bom-senso 2.5 Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educandos 2.6 Ensinar exige apreensão da realidade 2.7 Ensinar exige alegria e esperança 2.8 Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível

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Verifique em sua casa, ou com seus familiares e amigos, diferentes

documentos relacionados à escola do passado: podem ser cadernos, fotografias, livros

didáticos, boletins ou objetos.

Selecione alguns que você avalia que seriam interessantes para trabalhar como

documento histórico em sala de aula e apresente à turma qual seria a atividade

proposta.

2.9 Ensinar exige curiosidade 3. Ensinar é uma especificidade humana 3.1 Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade 3.2 Ensinar exige comprometimento 3.3 Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo 3.4 Ensinar exige liberdade e autoridade 3.5 Ensinar exige tomada consciente de decisões 3.6 Ensinar exige saber escutar 3.7 Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica 3.8 Ensinar exige disponibilidade para o diálogo 3.9 Ensinar exige querer bem aos educandos (FREIRE, 1996, p. 7–8).

De certa forma, esses princípios são contemplados neste material, embora

alguns com maior ênfase que outros. Eles são essenciais para a prática educativa

que se buscou propor aqui, e é por sua validade para qualquer âmbito educativo,

para além das disciplinas escolares, que a obra Pedagogia da Autonomia é

considerada uma leitura fundamental para qualquer educador. Finalizando este

texto, fica então o convite para uma ótima leitura, que com certeza lhe trará

importantes reflexões e mais incômodos, mas também subsídios para a construção

de uma prática profissional mais rica, consciente, crítica e ética.

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A partir do capítulo de livro didático que você analisou (atividade proposta no item

5.1.2), elabore um plano de aula, como se fosse utilizar este capítulo em sala de aula,

só que acrescentando alguma atividade que você vai criar, com algum documento

relacionado ao tema. O plano de aula deve conter:

- Tema

- Ano a que se destina

- Objetivo geral (da aula)

- O que utilizaria do livro didático

- O documento escolhido

- Objetivo da atividade

- Detalhamento de como utilizaria o documento e encaminharia a atividade em sala

de aula

- Critério(s) de avaliação

Sugestões de leituras complementares

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Ponta Grossa: UEPG, 2007.

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E ainda ...

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