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V Encontro Nacional da Anppas4 a 7 de outubro de 2010Florianpolis - SC Brasil_____________________________________________________________
Conflitos, Acordos e Direitos de Propriedade Comum no Estado do Amazonas
Tiago da Silva Jacana (UNICAMP)Socilogo e Economista, Doutorando em Cincias Sociais
Resumo
O trabalho visa discutir os problemas relacionados ao uso comum dos recursos pesqueiros em comunidades rurais do estado do Amazonas. Analisam-se os conflitos sociais entre pescadores, os acordos de pesca formais e informais e os direitos de propriedade comum. Toma-se como campo de pesquisa comunidades ribeirinhas localizadas na rea rural dos municpios de Manacapuru AM e na divisa de Novo Airo AM com Rorainpolis RR. Essas reas apresentam realidades diferentes no que se referem as suas instituies de gesto de recursos comuns, uma apresenta acordo de pesca legalizado e a outra no. Assim, o estudo focaliza osproblemas relacionados gesto local do territrio e suas implicaes sociais, polticas e jurdicas.
Palavra chaveConflitos, acordos de pesca, direitos de propriedade comum
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1 Introduo
O presente trabalho trata dos dilemas a respeito do sistema de propriedade comum, da instituio
dos acordos de pesca e dos conflitos sociais enfrentados pelos ribeirinhos moradores das
comunidades Nossa Senhora do Perptuo Socorro, Assembleia de Deus, Assembleia de Deus
Tradicional e Santa Isabel pertencentes localidade Jaiteua de Cima municpio de Manacapuru-
AM e as comunidades Itaquera, Gaspar, Barreira Branca e So Pedro situadas no Rio Jauaperi e
pertencentes aos municpios de Novo Airo - AM e Rorainpolis - RR.
O foco adotado se dirige para os problemas decorrentes da gesto do territrio por parte das
populaes que dele se utilizam. Muitas teorias, principalmente as apoiadas na teoria dos jogos
sugerem a incapacidade dos grupos sociais de se organizarem no intuito de combater a sobre-
explorao da natureza. Reduzem a ao humana em um simples jogo racional de interesse
presente no dilema do prisioneiro. Assim, a formalizao do problema se d de diferentes
maneiras, mas os pressupostos tericos bsicos so sempre os mesmos e generalizantes: oferta
finita e previsvel de unidades de recurso, a homogeneidade dos usurios, a sua tendncia
maximizao do lucro esperado, e sua falta de interao com o outro ou a capacidade para alterar
as suas instituies (OSTROM, 1990).
Todavia, inmeros estudos empricos esto demonstrando uma perspectiva oposta e desafiam os
pressupostos generalizantes da teoria convencional. de comum acordo que essa teoria no d
conta de explicar situaes onde os indivduos so capazes de criar e sustentar acordos para
evitar problemas de sobre-explorao. Tambm no explicam quando a posse do governo pode
se da de forma adequada ou quando a privatizao ir melhorar os resultados (OSTROM, 1990).
No entanto, a constatao da capacidade organizacional de alguns grupos sociais no resolve o
problema. preciso analisar como os acordos so construdos e as aes dos usurios que no
se vem contemplado pelo acordo.
O estudo apresentado verifica a presena de inmeros conflitos entre os usurios dos estoques
pesqueiros nos dois municpios estudados. Com realidades diferentes no que se diz respeito a
suas instituies de gesto, os conflitos ora se assemelham ora se diferenciam.
Sendo assim, o objetivo desse artigo comparar duas realidades diferentes no tocante s
instituies dos acordos de pesca: uma que apresenta acordo de pesca formalizado pelo Estado e
outra que no possui a legalizao do Estado, mas mantm acordos de pesca informais.
Assim procurou-se entender como se configuram os conflitos de pesca em cada lugar, quem so
os usurios e quais as reivindicaes apresentadas pelos moradores.
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2 Metodologia e fontes de informao
Toma-se como campo de estudo as comunidades Nossa Senhora do Perptuo Socorro,
Assembleia de Deus, Assembleia de Deus Tradicional e Santa Isabel localizadas na regio do
Jaiteua de Cima, lago Grande, municpio de Manacapuru-AM que possui acordo de pesca informal
(fig. 1) e as comunidades Itaquera, Gaspar, Barreira Branca e So Pedro localizadas no Rio
Jauaperi, no municpio Novo Airo - AM divisa com Rorainpis - RR que possui acordo de pesca
formal (fig. 2).
Figura 1 Localidades com respectivas comunidades pesquisadas, municpio de Manacapuru AM. Fonte: PIATAM (2007).
Figura 2 - Localidades com respectivas comunidades pesquisadas, municpio de Novo Airo AM e Rorainpolis RRFonte: Projeto Nova Cartografia Social (2007).
Lago SoLourenoJaitua
de Cima
Jaituade Baixo
Manacapuru
Lago SoLourenoJaitua
de Cima
Jaituade Baixo
Manacapuru
Cajazeira
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As informaes utilizadas para a confeco desse trabalho originam-se de pesquisas de campo
com entrevistas e anlise de documentos, realizadas na dissertao de mestrado elabora por
Jacana (2009) intitulada A ressignificao dos comuns comparando-se com os resultados
publicados pelo projeto coletivo Nova cartografia social dos povos e comunidades tradicionais do
Brasil (2007).
As pesquisas de campo das duas fontes de informao foram realizadas mais ou menos nos
mesmos anos, entre 2005 e 2007. Na pesquisa realizada por Jacana (2009) foi utilizada a prtica
da etnografia na coleta de dados, utilizando as tcnicas de entrevistas semi-estruturadas,
questionrios com perguntas abertas e fechadas e conversas informais.
A pesquisa realizada pelo projeto Nova Cartografia Social coletou os dados a partir de oficinas
que contou com a participao dos moradores das comunidades de Gaspar, Itaquera, Barreira
Branca e So Pedro.
3 Resultados
3.1 A instituio dos acordos de pesca
Grande parte da literatura contempornea que trabalha com a relao entre instituies e uso de
recursos naturais se apia na noo de instituies cunhada por North (1990) (FOLKE et al.,
2007). Institutions are the rules of the game in a society or, more formally, are the humanl devised
constraints that shape human interaction. In consequence they structure incentives in human
exchange, whether political, social, or economic (NORTH, 1990, p. 3)
Nessa perspectiva as instituies so vistas como estruturas poderosas que influenciam as aes
individuais. Granovetter (2007) etiqueta essa viso como supersocializada A concepo
supersocializa assenta na ideia de que as pessoas so sensveis e influenciadas pelas opinies
dos outros, assim, so obedientes aos sistemas consensualmente desenvolvidos de normas e
valores, transmitindo pela socializao na qual a obedincia torna-se natural.
Proponents of these approaches, from neofunctionalists and systems theorists to many historical- comparative analysts, all too often fall back upon the assumption that it is durable, coherent entities that constitute the legitimate starting points of all sociological inquiry. Such entities possess emergent properties not reducible to the discrete elements of which they
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consist. Not individual persons, but groups, nations, cultures, and other reified substances do all of the acting in social life and account for its dynamism (EMIRBAYE, 1997: 285)
Essa concepo tornou-se proeminente em 1961 com a tentativa de Talcott Parsons a superar o
problema da ordem problematizado por Hobbes, propondo a superao e ruptura com a
perspectiva atomizada e subsocializada do homem da tradio utilitarista da qual Hobbes fazia
parte.
Tentando fugir dessa gaiola de ferro terica, prefiro entender as instituies a partir de uma
perspectiva relacional, vendo as instituies no como uma estrutura que define a forma das
relaes humana e nem como uma coisa que nasce a partir de escolhas individuais (teoria das
escolhas racionais), mas como um conjunto de relaes sociais que possui padres de transao
que define o contedo dessas relaes.
O desafio que se coloca a sociologia relacional explicar os fenmenos sociais sem eleger
nenhuma relao causal, total ou parcial de estruturas sociais para a ao. A sociologia relacional
rejeita as concepes voluntaristas e deterministas como modo realista de percepo. Assim,
nenhum ator especfico pode mudar toda a estrutura social conforme sua vontade, assim como
nenhuma estrutura social pode determinar as aes de qualquer indivduo, isto , no existe a
possibilidade de qualquer relao emprica entre estruturas e atores sociais
Nesse nterim, os acordos de pesca podem ser entendidos como arranjos participativos locais que
grupos sociais de pescadores tencionam regulamentar os recursos ictiofaunsticos adjacentes s
suas moradias. Os primeiros acordos de pesca datam de meados da dcada de 1970, nesse
perodo, quando havia apenas uma comunidade nas margens do lago, os acordos eram
realizados pelas lideranas da prpria comunidade. No caso de se encontrarem muitas
comunidades nas margens de um lago ou de um sistema de lagos, ento os presidentes das
comunidades e mais algumas lideranas locais participavam do processo de elaborao e
negociao do acordo intercomunitrio (AZEVEDO e APEL, 2004).
Na localidade Jaiteua de Cima, o acordo de pesca existente envolve o conjunto das quatro
comunidades pertencentes localidade (Nossa Senhora do Perptuo Socorro, Assembleia de
Deus, Assembleia de Deus Tradicional e Santa Izabel), sendo iniciados pelos presidentes ou
lderes de cada comunidade que convocaram os demais moradores, sobretudo, os pescadores,