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Combatividade profética e os novos desafios Qua, 18 de Janeiro de 2012 18:20 Por James Apolinário Coordenador estadual da RCC do Ceará Antes de mesmo entrar, diretamente, no tocante da combatividade profética e o profetismo na atualidade, como voz profética e ação poderosa de Deus pelo anúncio inflamado, precisamos compreender o que foi o caráter profético na antiga aliança, para sabermos, com mais exatidão, o que forma o caráter profético e o que somos hoje. Primeiro, o movimento profético, em si. Depois, as pessoas que compuseram esse movimento profético. Em contrário, corríamos o risco de discutir um assunto que não ficará bem claro, tamanha a diversidade de conotações que o termo recebe em nossos dias. E não chegaríamos a um ponto proveitoso em nossa avaliação. Para alguns em nossos dias, o profeta é uma pessoa dotada de uma ação sobrenatural que lhe permite adivinhar coisas - Profecia, que nesta perspectiva, é adivinhação. É assim o conceito secular, no entendimento de pessoas sem o conhecimento do sentido bíblico da expressão. Da mesma forma, era esse o conceito de profeta entre os povos pagãos o chamado lecanomancia ou leitura do futuro pela figura do azeite derramado numa taça sagrada, ou ainda a hepatoscopia que era a leitura do futuro pelos riscos do fígado de animais sacrificados aos ídolos, o uso de árvores sagradas, como os cananeus faziam com os carvalhos (Gn 12, 6 - Moreh, em hebraico, significa “mestre”), sonhos após alucinógenos, a interpretação do vôo dos pássaros, tudo isto fazia parte do ofício profético pagão. 1. O Profetismo na Antiga Aliança O primeiro homem chamado de “profeta” surge, com o termo no hebraico, ‘navi’ que é atribuído a Abraão (Gn 20, 7) pelo testemunho que o próprio Deus dá a Abimeleque - “restitui a mulher a seu marido, porque é um profeta”. Abraão é visto como profeta nacional, nesse mesmo sentido tem um outro ‘navi’ que é Moisés, que inclusive, torna-se o padrão para os demais profetas. Em Dt 18, 15 se lê: “o Senhor teu Deus te suscitará um ‘navi’ como eu, do meio de ti, de teus irmãos. A ele ouvirás”. Esta palavra é digna de atenção especial porque é a única referência, na Torah, à profecia como instituição. Por isso que requer nossa atenção, porque Moisés nos é mostrado como o padrão profético. Tal expressão parece vir do verbo ‘nivva’, que teria vindo do 1 / 4

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Combatividade profética e os novos desafiosQua, 18 de Janeiro de 2012 18:20

Por James Apolinário

Coordenador estadual da RCC do Ceará

Antes de mesmo entrar, diretamente, no tocante da combatividade profética e o profetismo naatualidade, como voz profética e ação poderosa de Deus pelo anúncio inflamado, precisamoscompreender o que foi o caráter profético na antiga aliança, para sabermos, com maisexatidão, o que forma o caráter profético e o que somos hoje. Primeiro, o movimento profético,em si. Depois, as pessoas que compuseram esse movimento profético. Em contrário,corríamos o risco de discutir um assunto que não ficará bem claro, tamanha a diversidade deconotações que o termo recebe em nossos dias. E não chegaríamos a um ponto proveitoso emnossa avaliação.

Para alguns em nossos dias, o profeta é uma pessoa dotada de uma ação sobrenatural que lhepermite adivinhar coisas - Profecia, que nesta perspectiva, é adivinhação. É assim o conceitosecular, no entendimento de pessoas sem o conhecimento do sentido bíblico da expressão. Damesma forma, era esse o conceito de profeta entre os povos pagãos o chamado lecanomanciaou leitura do futuro pela figura do azeite derramado numa taça sagrada, ou ainda ahepatoscopia que era a leitura do futuro pelos riscos do fígado de animais sacrificados aosídolos, o uso de árvores sagradas, como os cananeus faziam com os carvalhos (Gn 12, 6 -Moreh, em hebraico, significa “mestre”), sonhos após alucinógenos, a interpretação do vôo dospássaros, tudo isto fazia parte do ofício profético pagão.

1. O Profetismo na Antiga Aliança

O primeiro homem chamado de “profeta” surge, com o termo no hebraico, ‘navi’ que é atribuídoa Abraão (Gn 20, 7) pelo testemunho que o próprio Deus dá a Abimeleque - “restitui a mulher aseu marido, porque é um profeta”. Abraão é visto como profeta nacional, nesse mesmo sentidotem um outro ‘navi’ que é Moisés, que inclusive, torna-se o padrão para os demais profetas.Em Dt 18, 15 se lê: “o Senhor teu Deus te suscitará um ‘navi’ como eu, do meio de ti, de teusirmãos. A ele ouvirás”. Esta palavra é digna de atenção especial porque é a única referência,na Torah, à profecia como instituição. Por isso que requer nossa atenção, porque Moisés nos émostrado como o padrão profético. Tal expressão parece vir do verbo ‘nivva’, que teria vindo do

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acadiano ‘navvu’, que significa chamar, nomear. O verbo ‘nivva’ significaria, então, o ato dedesignar alguém como arauto. Que sentido maravilhoso, o primeiro significado bíblico paraprofeta, na antiga aliança, seria o de proclamar, o de anunciar, fazendo assim o papel de umARAUTO. O primeiro ‘navi’ tem uma relação próxima com Deus e é um peregrino. Porém, osegundo ‘navi’ também tem uma relação próxima com Deus, é peregrino, também, mas já éarauto, o que o primeiro não foi. Outro termo no hebraico para “profeta” é o ‘ish Elohim’, homem de Deus que classifica comoum reconhecimento que os outros faziam do profeta, o qual é mostrado como uma pessoa deconfiança de Deus e as pessoas vêem isso em seu testemunho de vida. Não é ele quem seproclama assim. Na realidade, o profeta não alardeava sua condição profética. As pessoasviam isso por ter uma autoridade que o tornava alguém credenciado.

Duas palavras hebraicas expressam o profeta como vidente, o que requereria uma maiorobservância: ‘ro’eh’ e ‘hozeh’, ambas com o sentido de vidente. ‘Ro’eh’, o termo mais comum,deriva do verbo “ver” como em Am 7, 12 no qual Amasias chama a Amós de ‘ro’eh’: “Vai-te, óvidente (ro’eh), foge para a terra de Judá, e ali come o teu pão, e ali profetiza”. Nem sempre otermo está associado com vidência. É muito mais uma interpretação dos eventos ou acompreensão de algo mais profundo numa visão comum relacionada ao discernimento. Pois oprofeta é aquele que vê o que os outros não vêm. Nós, como profetas, somos chamados, emmeio a uma cultura banalizada, que acha tudo normal, a denunciar a injustiça e as condutasimorais em um mundo marcado pela cultura de morte que defende a união conjugal dehomossexuais, na descriminalização de drogas, na liberação total de costumes, aborto, tudoisso mostrado com tolerância e progresso, e vê as conseqüências, vê o que os outros nãoconseguem ou não querem ver e quase sempre, é uma voz contra a multidão, um solitário, umrejeitado. Na LXX são traduzidos os três termos, ‘navi’, ‘ro’eh’, ‘hozeh’ por ‘prophetês’,vendo-os em uma única direção no sentido é “falar por alguém”. Diria que expressa bem ocaráter profético na sua essência ou raiz. Não muito comumente, aparecem também trêstermos hebraicos: ‘sophi’im’, significando atalaia (Jr 6,17; Ez 3,17; 33,2.6.7); ‘shomer’,significando atalaia, sentinela, guarda (Is 21, 11-12; 62, 2) e ‘raah’, significando pastor (Jr 23, 4;Ez 34, 2-10; Zc 11, 5.16).

Em suma, o profeta é um homem de Deus, por Ele indicado, é um homem que vê além dosdemais, que tem inquietude interior, que entende, que vem como arauto. É também umasentinela no serviço e um pastor, que cuida do rebanho. E sem dúvida sabe como as coisasdevem ser e sabe das consequências de não serem como devem. Tem uma relação de guardacom o povo de Deus, adverte e ensina. Nem sempre é amado pelos homens, mas mesmoassim segue com sua missão.

2. A função do profeta hoje

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Para que a proclamação da Palavra seja eficaz, é necessário que ela se faça com a forçaimpactante da profecia, com audácia (parhessia), capaz de ressoar nas raízes da pessoa láonde Deus plantou o desejo de encontrá-lo. Ao ouvir o querigma a pessoa deveria poderexperimentar a Morte e Ressurreição do Senhor como mistério que a envolve e lhe afetaprofundamente a própria existência. Quem o proclama, se não o faz de dentro desta mesmaexperiência, não estará falando de uma realidade atual que lhe toca as raízes e, por isso,tornasse incapaz de fazer uma proclamação que leve à conversão (Doc 80, pág. 26). Semdúvida a voz profética da igreja é uma indicação ao exercício do nosso ministério, que de fato,por meio de um anúncio inflamado, ousado, mudará as realidades atuais com combatividade emais do que nunca a pregação ousada, parte daquilo que cremos e cremos naquilo queexperimentamos, por formar assim o nosso caráter, a identidade ou ainda o selo do pregador,pois anunciar o Evangelho não é glória para nós; é uma obrigação que nos é imposta. Ai denós, se eu não anunciarmos o Evangelho! (Cf. I Cor 9, 16).

O profeta tem como missão hoje de encorajar o povo de Deus a confiar exclusivamente nagraça, e no Seu poder, como também avisar ao povo que sua segurança depende da fidelidadeà aliança pelo sangue de Cristo, o dever de encorajar Israel (a igreja) é constitutivo da nossapregação que tornará presente na vida das pessoas as coisas eternas. Somos chamados asermos criadores da esperança, anunciadores de que o povo de Deus deve ser preparado paraEle na glória, mesmo que no momento presente seja ela incutida pelo mau testemunho dealguns dos seus membros, porém não seja acuada pela pressão de um mundo ímpio. Isto nospõe diante de uma verdade que não se pode ignorar devemos encorajar o povo a permanecerfiel no compromisso com Deus, a confiar Nele e não arrefecer de sua missão neste mundo.

Assim como Novo Testamento, encontramos profetas na Igreja e a profecia é mostrada sendoum dom ou carisma como o exemplo mostrando na missão de Paulo (At 21, 11-12) e vemo-loprofetizando uma grave fome no Império Romano (At 11, 27-30). Mas o fato está aqui: a Igrejaestá edificada sobre o fundamento dos “apóstolos e profetas” (Ef 2, 20), como a comunidadedo passado, Israel, estava edificada sobre “sacerdotes e profetas”. Do sacerdotalismo judaico,que é o levitismo do templo, cede lugar à Palavra profética. Constituir o profetismo nos temposde hoje é reviver a angústia de Jeremias revelado em um homem que vê o que está poracontecer ao seu povo e que sofre com isso, que é tomado de uma inquietude interior. Ele nãose alegra com o que vê, mas chora por causa dela: “Ah! Minhas entranhas! Minhas entranhas!Eu me contorço em dores. Oh! As paredes do meu coração! Meu coração se agita! Não possocalar-me, porque ouves, ó minha alma, o som da trombeta, o alarido de guerra” (Jr 4, 19).

“Por isso, nós, como discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar oEvangelho, que é o próprio Cristo. Anunciamos a nossos povos que Deus nos ama, que sua

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existência não é uma ameaça para o homem, que Ele está perto com o poder salvador elibertador de seu Reino, que Ele nos acompanha na tribulação, que alenta incessantementenossa esperança em meio a todas as provas. Os cristãos são portadores de boas novas para ahumanidade, não profetas de desventuras” (DA 29). O profeta é um embaixador de Cristoinserido no povo de Deus com a missão de conduzir-los na Palavra de Deus e na doutrina daIgreja para os preceitos da aliança, e proclama, em nome de Deus, a maneira correta deproceder. Ele fala não apenas em nível individual, mas também em nível coletivo em umainstrução voltada à conversão. Pois denuncia o pecado individual e estrutural e aponta ocaminho correto: o arrependimento.

“Porque não ousaria mencionar ação alguma que Cristo não houvesse realizado por meuministério, para levar os pagãos a aceitar o Evangelho, pela palavra e pela ação, pelo poderdos milagres e prodígios, pela virtude do Espírito. Vê-lo-ão aqueles aos quais ainda não tinhasido anunciado; conhecê-lo-ão aqueles que dele ainda não tinham ouvido falar” (Rm 15,18-19a.21b).

 

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