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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA ALESSANDRA CELESTINO DE OLIVEIRA CARTÃO DE CRÉDITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL MARÍLIA 2012

CARTÃO DE CRÉDITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL ... - … · cartão de crédito, fazendo uma correlação dessas contemporaneidades com o ordenamento jurídico e a nova ordem contratual

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

ALESSANDRA CELESTINO DE OLIVEIRA

CARTÃO DE CRÉDITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA TUAL

MARÍLIA

2012

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ALESSANDRA CELESTINO DE OLIVEIRA

CARTÃO DE CRÉDITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA TUAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília – UNIMAR, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação da Prof.(a) Dr.(a) Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.

MARÍLIA

2012

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OLIVEIRA, Alessandra Celestino de,

Cartão de Crédito e a Responsabilidade Civil Contratual -- Marília: UNIMAR, 2012.

126 f. Dissertação – Mestrado em Direito

1. Operadoras de Cartões de Crédito 2. Relação

Contratual 3. Responsabilidade Civil Contratual.

CDD-- 342.233

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ALESSANDRA CELESTINO DE OLIVEIRA

CARTÃO DE CRÉDITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA TUAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília –

UNIMAR como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação da

Prof.(a) Dr.(a) Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.

Aprovada em: ____/____/____ __________________________________________________________________

Coordenação do Programa de Mestrado em Direito Considerações_______________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________.

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Dedico este trabalho primeiramente A Deus, pela esperança, graça, sabedoria e misericórdia, estas que se renovam a cada manhã, mesmo em tempos conturbados. A razão de minha vida, o bem mais precioso, meus pais, Antônio José de Oliveira e Neuza Celestino de Oliveira, pelo apoio incondicional nessa exitosa caminhada. À minha filha Gabriela Oliveira Guidoni, que utilizará nos anos vindouros a força da tecnologia e a agilidade dos meios de pagamento, para que a esta saiba sempre fazer sobrepor os valores morais e culturais. À minha orientadora e amiga, Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, com o amor sobrenatural que por eles sinto, minha eterna gratidão

pelos preceitos de lealdade, honestidade e amor ensinados durante minha trajetória.

À minha Gabi, presente que Deus entregou em minhas mãos, motivo de incentivo que

me impulsionou para que eu pudesse concluir o presente estudo.

Ao Doutor João Tavares de Lima Pai, ser humano incrível, que, no auge de seus 86

anos, é uma pessoa de caráter ilibado, de um coração sincero, bondoso e, acima de tudo, justo.

Ele me ensinou muito, não somente no que se refere ao seu vasto e notório saber jurídico, mas

também relativamente aos ensinamentos sobre a vida.

Aos queridos amigos, turma indissolúvel, que carinhosamente recebeu o nome de

Dragow Cave, pela união, carinho, pelo tempo dedicado aos estudos e aos momentos de

descontração.

Aos amigos Perla, Ailton, Aroldo e sua esposa Gisele, estes que me fizeram acreditar

que ainda existem amigos verdadeiros.

Ao Pedro Eduardo Ortega por trazer alegria aos meus dias.

Agradeço a todos do quadro de funcionários da Unimar e a todo o corpo docente; em

especial, agradeço à minha orientadora Dra. Jussara, pelo incentivo, ensinamentos e pelo

toque de brilhantismo que deu ao presente trabalho.

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CARTÃO DE CRÉDITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA TUAL Resumo: A utilização dos cartões de crédito na economia brasileira é de suma importância, sendo forma de negociação utilizada nas operações comerciais, movimentando cifras incalculáveis de valores, o que o torna de primeira necessidade para os usuários. Neste contexto, pretende-se estudar o instituto, analisando a relação contratual e a responsabilidade civil das administradoras de cartão de crédito no mercado de consumo. Pretende-se demonstrar nesta pesquisa a praticidade de seu uso, os benefícios de segurança em relação aos meios tradicionais de transação bancária e a relação contratual entre consumidor e as operadoras de cartões. Justifica-se o estudo do tema devido às peculiaridades da vida moderna, econômica e social e do modelo capitalista contemporâneo, trazendo a celeridade e modernização às operações financeiras e aos meios de se ofertarem créditos.Como metodologia, será adotado o método indutivo e dialético, com pesquisa documental e bibliográfica. Serão estudados ainda os princípios norteadores do instituto e sua valoração no âmbito doutrinário e jurisprudencial, bem como a dinâmica tripartite da relação existente entre consumidor, fornecedor e o estabelecimento comercial. Palavras-Chave: Operadoras de Cartões de Crédito. Relação Contratual. Responsabilidade Civil Contratual.

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CREDIT CARD AND CONTRACTUAL LIABILITY

Abstract: The use of credit cards in the Brazilian economy is of paramount importance, and a form of negotiation used in business operations, dealing with huge amounts of money, making it a priority for the users. In this context, we intend to study the institute, analyzing the relationship and the contractual liability of the credit card companies in the consumer’s market. The present study aims at demonstrating the practicality of its use, the safety benefits compared to traditional means of banking transactions and the contractual relationship between consumers and card operators. It seems timely to study the subject because of the peculiarities of modern life, the economic and social contemporary capitalistic model, bringing the speed and modernization of financial transactions and the means for offering credits. The methodology adopted is the inductive and dialectical method, with bibliographical and documentary research. The study will further the guiding principles of the institute and its evaluation within doctrinal and jurisprudential realm as well as the dynamics of the tripartite relationship between customer, supplier and business establishment. Key Words: Credit Cards Operators. Contractual Relationship. Contractual Liability.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Primeira versão do cartão Diners, em 1950 .......................................................... 63

FIGURA 2: Um restaurante muda os meios de pagamento ..................................................... 63

FIGURA 3: Cartão de Crédito American Express Company ................................................... 64

FIGURA 4: BankAmericard precursor do cartão Visa ............................................................ 64

FIGURA 5: Cartão precursor do MasterCard .......................................................................... 65

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABECS Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito e Serviços

art. Artigo

BACEN Banco Central do Brasil

CC Código Civil

CDC Código de Defesa do Consumidor

CF Constituição Federal (Constituição Federativa do Brasil de 1988)

CMN Conselho Monetário Nacional

CNC Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo

DPDC Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor

EC Emenda Constitucional

MP Medida Provisória

SINDEC Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor

SPC Serviço de Proteção ao Crédito ou Bureau de Crédito

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11

2 SOCIEDADE, CARTÃO DE CRÉDITO E PÓS MODERNIDADE .................. 14

2.1 AVANÇOS TECNOLÓGICOS ................................................................................. 15

2.2 O ORDENAMENTO JURÍDICO E A ORDEM CONTRATUAL ........................... 18

2.2.1 A Pós-Modernidade e a Ciência Jurídica ................................................................... 22

2.2.2 O Novo Sistema Contratual ........................................................................................ 27

3 PROCESSO NEGOCIAL: RELAÇÃO CONTRATUAL ........... ......................... 31

3.1 NEGÓCIO JURÍDICO: CARTÃO DE CRÉDITO.................................................... 31

3.2 CONTRATOS ............................................................................................................ 33

3.3 PRINCIPIOLOGIA .................................................................................................... 37

3.3.1 Princípio da Dignidade Humana ................................................................................ 38

3.3.2 Princípio da Autonomia Privada da Vontade ou Consensualismo ............................. 41

3.3.3 Princípio da Função Social ......................................................................................... 46

3.3.4 Princípio da Boa-Fé .................................................................................................... 49

3.3.4.1 Princípio da Boa-Fé Objetiva ..................................................................................... 53

3.3.5 Princípio da Força Obrigatória do Contrato ............................................................... 57

4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITO DO CARTÃO DE CRÉDIT O ....... 61

4.1 HISTÓRICO ............................................................................................................... 61

4.2 CONCEITO ................................................................................................................ 66

4.3 FUNÇÃO ECONÔMICA .......................................................................................... 70

4.4 MODALIDADES: DÉBITO, CRÉDITO OU MÚLTIPLO E TIPOS DE

BANDEIRA ............................................................................................................... 72

4.5 RELAÇÕES CORRELATAS AO CARTÃO DE CRÉDITO ................................... 76

4.5.1 Relação entre o Titular e a Administradora Emitente do Cartão de Crédito .............. 77

4.5.2 Obrigações da Administradora de Cartões, Direitos e Deveres ................................. 79

4.5.3 Obrigações entre a Administradora e o Fornecedor dos Bens e Serviços .................. 80

4.5.4 Obrigações do Emissor ............................................................................................... 82

4.5.5 Obrigações do Titular e o Fornecedor dos Bens e Serviços ....................................... 83

4.6 CARTÕES DE CRÉDITO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ........ 84

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4.6.1 Vida a Crédito: Consumo, Prazer e Dívidas............................................................... 86

5 RESPONSABILIDADE CIVIL DAS ADMINISTRADORAS DE

CRÉDITO ................................................................................................................. 89

5.1 RESPONSABILIDADE CIVIL: FUNDAMENTOS, NATUREZA

JURÍDICA E DIREITO ESTRANGEIRO ................................................................ 90

5.1.1 Legislação Específica do Instituto .............................................................................. 97

5.1.2 Divergências sobre a Natureza do Instituto: Conselho Monetário Nacional,

Banco Central e Superior Tribunal de Justiça ............................................................ 99

5.2 DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DAS BANDEIRAS PELA

RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................................... 101

5.3 RESPONSABILIDADE DERIVADA DE CULPA E

RESPONSABILIDADE OBJETIVA (TEORIA DO RISCO) ................................. 102

5.4 RESPONSABILIDADE DERIVADA DO ABUSO DE DIREITO ........................ 104

5.4.1 Aspectos Operacionais: Responsabilidade Decorrente de Negligência:

Furto, Perda, Roubo, Extravio, Clonagem, Emissão sem Anuência do Titular ....... 105

5.4.2 Aspectos Financeiros: Responsabilidade Civil Decorrente de Atos Ilícitos:

Cláusula-Mandato, Cláusula-Preço, Limitação de Juros, Multas e Encargos

Moratórios ................................................................................................................ 110

6 CONCLUSÃO ............................................................... Erro! Indicador não definido.

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 116

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1 INTRODUÇÃO

O cartão de crédito é uma das formas mais populares de transação de valores

utilizados na economia. Já foi objeto de desejo e ostentação de riqueza entre os consumidores,

entretanto, tomou conta do cotidiano das pessoas que se utilizam do sistema financeiro,

fazendo com que esta modalidade de crédito se torne imprescindível no dia-a-dia,

principalmente nas transações diárias para aquisição de bens e serviços, funcionando como

elemento facilitador entre as partes e gerando um aspecto inovador nas relações de consumo.

A importância deste instituto ocorre em razão do desenvolvimento de novas formas de

consumo no meio capitalista, que em uma economia contemporânea inevitavelmente se

submetem ao aspecto econômico, fazendo com que a necessidade da sociedade se alinhe aos

níveis de desenvolvimento industrial, sempre elevado e de forma cíclica, pelos avanços

científicos, tecnológicos e pelo consumo acentuado de bens e serviços.

A escolha do tema para a pesquisa ocorreu devido à relação contratual estabelecida

entre as operadoras de cartão de crédito e os adquirentes do serviço neste novo cenário

mundial, onde a globalização e suas mudanças irreversíveis influenciam as estruturas

políticas, econômicas e sociais, alterando valores, princípios e responsabilidades no âmbito

negocial.

O presente estudo objetiva, no âmbito contratual, analisar os aspectos dessa operação

financeira no mercado de consumo, feitos pelo uso do instrumento de cartão de crédito, que

atualmente substituiu os demais meios de moeda.

Dadas essas premissas, o problema que se cumpre esclarecer é, sendo cartão de crédito

um contrato cativo de longa duração, quais serão as consequências pela ruptura negocial, no

âmbito civil e consumerista.

As hipóteses partem do pressuposto de que o cartão de crédito é uma evolução

derivada de uma necessidade mercadológica quanto às formas de transações até então

existentes; que não existe uma bilateralidade neste contrato, mas sim uma relação tripartite

(consumidor, credenciados e administradora), baseado na nova principiologia contratual; que

existe em sua essência uma alta carga de adesividade não favorável ao consumidor que,

cumulada com uma translucidez negocial, favorece situações de endividamento; que pela

complexidade do instituto, as administradoras aproveitam para lucrar, face à vulnerabilidade

do sistema legislativo que trata do assunto.

Por questões didáticas, esta pesquisa foi dividida em quatro capítulos. O primeiro

capítulo da pesquisa apresenta os avanços tecnológicos na área de consumo com o advento do

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cartão de crédito, fazendo uma correlação dessas contemporaneidades com o ordenamento

jurídico e a nova ordem contratual.

No segundo capítulo, inicia-se com a abordagem da relação negocial no ambiente

contratual e os fatores correlato a este negócio, vindo a seguir os princípios formadores do

instituto e sua inclusão no ordenamento jurídico.

O terceiro capítulo trata da historicidade do instrumento, seu conceito, função

econômica e relações jurídicas de operadoras, credenciados e consumidores; apresenta um rol

de direitos e obrigações, demonstrando sua correlação com situações de endividamento

resultante de sua dinâmica contratual.

O quarto capítulo trata da responsabilidade civil, a quem cabe a responsabilidade pelos

danos, sejam estes morais, patrimoniais, ou qualquer outro, nas esferas civil e consumerista,

causados pelas operações com o cartão de crédito.

Metodologicamente, utilizou-se a pesquisa bibliográfica doutrinária e jurisprudencial.

Para a abordagem do tema foi utilizado o método indutivo e dialético, processo mental

pelo qual, partindo de dados particulares, infere-se uma verdade geral ou universal, não

contidas nas partes examinadoras. Indutivo, porque se buscou uma conclusão para o tema em

si, com base na análise das premissas postas durante o trabalho; e dialético, porque foram

utilizadas comparações com outras instituições existentes, confrontando-as e utilizando-as

como esteio para o resultado.

A realização de qualquer trabalho no campo da ciência do direito deve proporcionar

um resultado prático, demonstrando sua contribuição para a evolução do direito, que, como

ciência prática e efetiva, produz efeitos na sociedade e também define os limites no plano

normativo para a vida harmônica das pessoas.

Justifica-se também o tema proposto diante das novas tendências do direito

contemporâneo, levando o interesse de intérpretes de diversas áreas de atuação da dogmática

jurídica, uma vez que será arguida questão de grande importância na consecução e

manutenção do direito das partes, influenciando principalmente na intenção real da

manifestação da vontade e seus efeitos na esfera jurídica.

Diante da presente pesquisa, será demonstrado que o cartão de crédito simboliza as

peculiaridades da vida moderna, econômica e social, do modelo capitalista contemporâneo,

trazendo a celeridade e modernização dos meios de comunicação de maneira definitiva e

dinâmica, como um meio absolutamente prático e ágil, tendo em vista as peculiaridades de

sua forma de uso e a segurança em relação aos meios tradicionais de transação bancária.

Para tanto, o cartão de crédito sedimentou-se entre os costumes sociais e sua utilização

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não mais denota inovação tecnológica, mas tão somente uma atitude cotidiana; neste sentido,

é que se torna indispensável que se analisem todas as nuances e distorções que a sua

utilização pode causar.

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2 SOCIEDADE, CARTÃO DE CRÉDITO E PÓS MODERNIDADE

Para uma análise da relação negocial no contexto econômico, se faz necessária uma

contextualização das novas atribuições comerciais originárias dos avanços tecnológicos que

alavancaram o volume de contratos transacionados no âmbito comercial. No fenômeno da

globalização e dos novos padrões de consumo impostos em nossa sociedade, o uso dos cartões

de crédito formatou a relação contratual no âmbito jurídico, fornecendo agilidade e

credibilidade à sistemática capitalista.

A sociedade pelos avanços científicos e tecnológicos, encontra-se em um ritmo de

desenvolvimento industrial elevado, necessitando em contrapartida de um consumo constante

e acentuado dos bens e serviços disponibilizados. Daí, o interesse dos empresários em ampliar

o mercado consumidor, através de um acentuado investimento de capital com oferta de

créditos abundantes, servindo como ferramenta de estímulo (ao consumo) e gerenciador de

capital na economia de mercado.

Este enfrentamento do capital, qual seja, de aumentar a produção e exponencialmente

o mercado consumidor, deu origem a novas e profundas transformações no âmbito social;

uma nova dinâmica mercadológica impôs às relações sociais um horizonte de

superficialidades e efemérides, estabelecendo um novo patamar de valores no seio da

coletividade para abarcar o aumento de produção e de consumo.

As revoluções tecnológicas mudaram de forma significativa os comportamentos do

mercado e as expectativas dos clientes. É perceptível, pela maior disponibilização da

informação através da massiva utilização dos meios de comunicação (televisão, rádio, jornais,

revistas, internet), o crescimento de produtos diversificados e inteligentes, razão de um maior

acesso à personalização em massa, criados pelo marketing agressivo puramente

mercadológico.

O Estado, através de políticas governamentais (monetária, fiscal e comercial),

movimenta-se na busca de uma elevação gradual do desenvolvimento econômico com

aumento substancial da produção e consumo. Para tanto, aproveita-se dos efeitos

globalizatórios nos mercados e no capital, não fugindo da regulação destes mercados e das

condutas dos agentes, como a defesa de direitos dos consumidores (v.g. Código de Defesa do

Consumidor, Agências Reguladoras, Associações de Consumidores), notadamente a parte

hipossuficiente da relação contratual. Tais políticas norteiam o comportamento que o

consumidor irá desenvolver nas relações econômicas e de consumo, estendendo seus efeitos

no âmbito jurídico.

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O instituto do cartão de crédito,criado nos Estados Unidos em meados do Século XX,

introduzido posteriormente no Brasil, serve atualmente como alavanca e garantia do acesso da

população menos favorecida aos bens de consumo, de maneira rápida e sem burocracia,

todavia com um custo econômico elevado devido às taxas atualmente praticadas no mercado

financeiro.

Com base nas informações da Associação Brasileira das Empresas de Cartão de

Crédito e Serviços (ABECS)1, o cartão de crédito gradativamente vem substituindo outros

institutos utilizados como moeda de troca (dinheiro, cheque, notas promissórias) nas

transações de bens e serviços no país, favorecendo as relações negociais entre as partes.

Aspectos como segurança, comodidade e praticidade para os usuários dos cartões de crédito

para compras e na realização de pagamentos das faturas de crédito, como o rápido e seguro

retorno do capital pelos estabelecimentos comerciais fornecidos pelas Administradoras de

Cartões, serviram para esta mudança de comportamento.

Pode-se citar como exemplo disso que, no ano de 2003, o crescimento de transações

movimentadas com os cartões foi quase quatro vezes maior do que a evolução no mesmo

período em comparação com a utilização do cheque especial. Foi fechado com 47,5 milhões

de número de cartões, 1.285 milhões de número de transações, movimentando R$87,74

bilhões em valor de transações.2

No Brasil, as várias bandeiras que administram os cartões de crédito investem

pesadamente em propaganda, promoções e tecnologia, para aumento de sua carteira de

clientes, ainda defasada em relação aos países desenvolvidos, como será abordado

posteriormente. A implantação de novos tipos de cartão de crédito com maior limite de

armazenagem de informações, atrelado a uma política de parceiros comerciais, de atração e

fidelização de clientes, e com maior diversidade em tipos de equipamentos de captura de

transação para o uso dos estabelecimentos, atua na difusão e solidificação do instituto no

âmbito comercial.

2.1 AVANÇOS TECNOLÓGICOS

A sociedade, em sua plenitude e no contexto de uma realidade social e econômica, é

constituída por pessoas vinculadas por laços de afetividade, confiança e interesses comuns.

1 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE CARTÃO DE CRÉDITO E SERVIÇOS – ABECS. Indicadores do mercado de cartões e empresa. Disponível em: <http://www.abecs.com.br/>. Acesso em: 30 nov. 2011. 2 Idem, Ibid.

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Neste ínterim, as inovações tecnológicas influenciam no cotidiano da coletividade e

trazem profundas mudanças sociais e comportamentais, pela massiva propaganda dos novos

produtos ofertados. Isto amplia substancialmente o leque de oportunidades em todos os

setores da economia, transformando a sociedade nos seus vetores político, econômico e social,

e fornecendo assim novos contornos jurídicos às relações negociais. Maria Stela Gregori

explana sobre a evolução tecnológica no contexto social:

Os avanços obtidos pela Revolução Industrial e, principalmente pelo desenvolvimento tecnológico e cientifico, e o consequente crescimento econômico promoveram profundas alterações na sociedade contemporânea. Tais avanços permitiram o transporte mais rápido de pessoas e produtos, informações e comunicação instantânea, a globalização, a democratização do acesso aos produtos e serviços. Surgiu um novo modelo de produção: fabricação de produtos e oferta de serviços série, de forma padronizada, uniforme em alta escala, a custo reduzidos. Com o crescimento econômico ocorre um grande crescimento populacional e, também, a acentuada urbanização do mundo, que por sua vez tem íntima relação com o boom da Sociedade de Consumo. Na década de 90 assistimos a globalização dos mercados, o desenvolvimento de novas tecnologias de informação, que introduziu novas dimensões de espaço e tempo. [...] A sociedade de consumo nasce após as demandas da Revolução Industrial, mas vai se desenvolver com as características básicas atuais, propriamente, após a Segunda Guerra Mundial e se consolidará somente a partir da década de 70, predominantemente sob o regime capitalista.3

Na precisa observação de Caio Mário da Silva Pereira, todos estão vinculados neste

processo, no contexto de que: “[...] a sociedade vê como o todo, e os indivíduos são as

respectivas parcelas; o todo não existe sem as partes, mas tem a sua própria maneira de ser e

agir e estão envolvidos no mesmo processo dentro do contexto político, econômico ou social e

suas transformações.”4

A figura marcante no tocante às inovações surgidas, faz com que o Estado deixe de

interferir na realização da ordem econômica, passando a colocar em prática novos atos para

atender aos anseios de uma coletividade, identificando instrumentos de conciliação dos

interesses às necessidades de um mercado globalizado que obriga a constantes ajustamentos

frente às novas transformações.

Diante do exposto, abre-se um prognóstico de discussões sob as égides de

pensamentos afins a respeito dos instrumentos utilizados para o giro econômico dentro do

3 GREGORI, Maria Stella. O novo paradigma para um capitalismo de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 75, p. 247-257, 2010, p.248. 4 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Reforma do direito civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.); FACHIN, Luis Edson (Org.). Obrigações e contratos: estrutura e dogmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 1, p.53.

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mercado,instrumentos esses que atendam às necessidades de uma economia inovadora e

globalizada. Sobre essas mudanças, observa José Tadeu Neves Xavier:

Nos últimos tempos, a sociedade passou por sensíveis mudanças que alteraram profundamente a forma de manifestação do conhecimento dentro da economia globalizada, com projeção em todos os âmbitos sociais. O resultado dessa revolução ainda não pôde ser integralmente apreendido, pois a forma de uma época só se torna visível quando ela desaparece dando espaço para o surgimento de novos fenômenos.5

Podemos elencar, como fator determinante para o surgimento destes novos fenômenos,

o fornecimento de crédito, conforme descrito por Bolson:

Se em temos remotos – como quando os banqueiros venezianos negociavam no Rialto, emprestando dinheiro aos armadores para a descoberta de novas terra e rotas de navegação ou para objetivos menos vantajosos, como fazer corte a uma dama – o crédito constituía-se em fator determinante no êxito ou insucesso dos objetivos de alguns, o mesmo continua a ocorrer hoje. Séculos passaram e o crédito continua a ser um bem imaterial valioso, tendo somente mudado a maneira e a relativa facilidade de concedê-lo.6

Neste contexto, pode-se ter uma melhor compreensão do fenômeno da pós-

modernidade, pois se criam novos parâmetros, como o avanço tecnológico e a globalização,

que trazem grandes inovações e fazem com que o estilo de vida, hábitos e padrões de

comportamento sejam alterados, sendo acompanhados de uma nova ferramenta, que tem

importante papel no mercado econômico da sociedade, que é o instrumento denominado de

cartão de crédito.

No fenômeno consumerista, misto de cheque e dinheiro, enraizado na natureza social e

nas necessidades advindas do quotidiano, o cartão de crédito mostra-se de vital importância

nas transações diárias para a aquisição de bens e serviços, trazendo uma nova concepção de

contrato, contando com novos princípios que se diferem dos tradicionais.

Nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho:

[...] é também o mundo do globalismo e da arbitragem, da desestatização e da privatização da ordem liberal mundial da bolsa e do comércio, poderá ainda a ordem normativo-constitucional e dos seus respeitáveis valores da razão, e da pessoa e do progresso abarcar a desordem, a indeterminação, a

5 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.65. 6 BOLSON, Simone Hegele. O direito de arrependimento nos contratos de crédito ao consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 64, p. 166-202, out./dez. 2007, p.186.

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globalização e o diferencialismo, surgindo então novos mecanismos, novos meios de circulação de dinheiro dentro do mercado.7

A globalização e o desenvolvimento desenfreado da tecnologia, atrelados à uma

massiva propaganda sobre os benefícios de uma nova modalidade de dinheiro, de pagamento,

contribuíram para o surgimento do cartão de crédito, sendo este eficiente, prático e ágil, tendo

no presente momento sua presença em destaque no mercado econômico.

2.2 O ORDENAMENTO JURÍDICO E A ORDEM CONTRATUAL

No esteio das inovações advindas na economia em consequência das transformações

tecnológicas e industriais, as relações negociais e o trato jurídico foram se modificando,

visando estarem aptos à contemporaneidade das relações desenvolvidas no ambiente

contratual.

No segmento de cartões de crédito, com o processo de estabilização ocorrido pelo

Plano Real, o mercado expandiu-se, possibilitando liberdade de ação e dinamismo no trato

comercial, como explifica Arnaldo Rizzardo em sua obra:

[...] A sua função primordial está em ser um meio de expandir o crédito. Participa da dinâmica da vida comercial, confere ao titular liberdade de ação, permitindo-lhe usar de financiamento nas compras de bens e utilização de serviços. Enquanto na venda à prestação o comprador só pode adquirir mercadorias no estabelecimento que a promove, no sistema de cartão pode negociar em qualquer casa comercial vinculada ao sistema. Titular do cartão, devidamente selecionado pela empresa que levanta o se cadastro pessoal e lhe fixa o crédito, movimenta valores consistentes em bens e serviços, certos de que, comprando-os ou usando-os agora, poderá pagar mais tarde.8

Diante de tal quadro, é necessário que o ordenamento jurídico também avance no

sentido de dar maior proteção aos usuários de cartões, garantindo a segurança jurídica nas

transações realizadas nessa modalidade de crédito, tanto para os usuários como para os

fornecedores, tendo o Estado um importante papel na regulação dessas relações econômicas

sociais. Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira e Maria Arleth Pereira assim ensina sobre o

assunto:

7 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Civilização do direito constitucional ou constitucionalização do direito civil?: a eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídico-civil no contexto do direito pós-moderno. In: GRAU, Eros Roberto (Org.); GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p.114. 8 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.1389.

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19

A sociedade e a ordem contratual impulsionada pela explosão de informações e intensificação de comunicações em nível mundial contemplam a modificação do valor econômico e do poder do estado que fortalecem o consumo priorizando a estetização da realidade, sendo a economia contemporânea mera concepção de integração econômica, levando à necessidade da autonomia que se aloja na vida social, envolvendo elementos como política, cultura e trabalho, bem como os processos de produção e consumo.9

No âmbito social, observa-se, na esfera onde são firmadas as relações negociais, os

alicerces na manifestação de vontade, liberdade e igualdade das partes, formando um vínculo

jurídico a que se prendem, firmado pelo instrumento contratual, peça fundamental para a

circulação de riquezas de uma nação, figuras estas das mais importantes no direito civil, é o

instrumento que proporciona a justa medida dos interesses contrapostos, podendo-se afirmar

que o contrato é reflexo da matiz ideológica imposta à época e à conjuntura social em que é

celebrado.Assim observa Rogério Zuel Gomes em seu artigo:

Com efeito, o contrato é a principal forma de circulação de riquezas no Estado, daí ser necessário analisar, sob a ótica coletiva, a forma como este instrumento faz circular a riqueza no país. A partir desta constatação, passa-se a questionar o indivíduo-centrismo que influenciou o direito privado nos dois últimos séculos tendo no núcleo do direito a referência um sujeito de direito.[...]Neste mister, cumpre ao hermeneuta, referenciado por uma conexão axiológica entre a legislação de direito privado e os princípios contidos na Constituição da República, buscar soluções atentando para uma nova perspectiva do direito atual. Não se pode descurar das dificuldades surgidas da necessidade de concretização dos preceitos constitucionais, todavia tal dificuldade não deve servir como pretexto a impedir a concretização destes princípios.10

Com efeito, a interpretação do direito no novo milênio passa fundamentalmente pelo

conteúdo constitucional. Neste passo, a interpretação contratual há de ser filtrada por

princípios de curvatura constitucional, que funcionam como vetores hermenêuticos a guiar a

interpretação dos dispositivos legais aplicáveis ao instituto, conforme afirma Caio Mário da

Silva Pereira:

O fundamento e os efeitos do negócio jurídico assentem então na vontade, não uma vontade qualquer, mas aquela que atua em conformidade com os

9 SIQUEIRA, Holgonsi Soares Gonçalves; PEREIRA, Maria Arleth. O sentido da autonomia no processo de globalização. Revista Educação - Centro de Educação-Universidade Federal de Santa Maria-RS, Santa Maria, v. 22, n. 2, 1998. Disponível em: <http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/index.autonomia1.html>. Acesso em: 03 nov. 2011. 10 GOMES, Rogério Zuel. A nova ordem contratual: pós-modernidade, contratos de adesão, condições gerais de contratação, contratos relacionais e redes contratuais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 58, p. 180-222, abr./jun. 2006, p.185.

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preceitos ditados pela norma legal, e acrescenta a relevância do papel da vontade na etiologia do negócio jurídico que se procura identificar a sua própria idéia conceitual com a declaração da vontade, constituindo-se, dessa forma, a sua definição.11

Dos preceitos constitucionais que garantem a defesa dos interesses difusos e coletivos,

repassando uma função social aos efeitos contratuais, criou-se toda uma estrutura legal para

amparar a coletividade dos desmandos do capital na busca do lucro, fornecendo freios e

contrapesos às partes, resgatando princípios relevados em outras legislações patrimonialistas.

Nesse contexto, observa-se que a vontade é o pressuposoto do negócio jurídico, sendo

imprescindível que ela se exteriorize e se torne conhecida ao mundo exterior; vinculando-se,

dessa forma, à existência de um direito, podendo, por efeito, criar uma nova relação jurídica,

rompendo com o paradigma liberal-individualista-normativista, como ensinaJussara Suzi

Assis Borges Nasser Ferreira:

O instituto do negócio jurídico na pós-modernidade, considerando a crise do contrato, a ruptura do paradigma do modelo liberal-individualista-normativista, em relação à teoria crítica do direito, é significante de descobrir o significado do contrato na dimensão espaço temporal do instituto de conformidade com a metodologia constitucional. A análise do contexto negocial, influenciado pela constitucionalização do negócio jurídico, revela dois ambientes de realização de pactos, de acordo com as previsões das codificações ou de acordo com o estatuído pelo texto constitucional, considerando as dimensões individuais e pluriindividuais dos pactos, na medida em que são socializados nas expectativas de efeitos, igualmente de espectro social.12

No campo das relações negociais, essa visão do contrato acabou por ganhar um relevo

ainda maior, pois a troca econômica representa uma necessidade da vida em sociedade, que

não pode ser descartada, principalmente porque vem dar maior agilidade e comodidade às

relações negociais. Em uma perspectiva civil-constitucional do contrato, Pablo Stolze

Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho prelecionam que:

[...] o contrato, sendo a espécie mais importante do negócio jurídico, se afirma socialmente, se entendido como um instrumento de conciliação de interesses contrapostos, manjando com vistas à pacificação social e ao desenvolvimento econômico, não podendo considerar o contrato como um instrumento de opressão, mas, sim, de realização.13

11 SILVA, Caio Mario Pereira da. Instituições de direito civil. 5. ed. São Paulo: Forense, 1980. v. 1, p.413. 12 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Teoria crítica do negócio jurídico. Revista de Direito Privado da UEL, v. 2, n. 1, 2009. Disponível em: <www.uel.br/revistas/direitoprivado>. Acesso em: 12 nov. 2010, p.5. 13 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.39-41.

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As definições de negócio jurídico são amplas e variadas, tendo praticamente cada

jurista a sua; porém, a grande maioria refere-se à gênese do negócio jurídico, ou seja, à

vontade, definindo o negócio jurídico como a manifestação da vontade individual que resulta

em efeitos jurídicos.

Em tese, o negócio jurídico tem como finalidade, ou é admitido pela ordem jurídica,

ou, ainda, tem a sua estrutura voltada para a constituição de efeitos jurídicos. Neste sentido,

ensina Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira:

O giro metodológico reorganiza a unidade do sistema, considerando as generalidades legislativas e abstrações formais, tomando, por contraponto, a pluralidade sistêmica aberta, especificidades reais, e as mudanças sociais fundadas nas complexidades negociais. Tais movimentos provocam a reconstrução da teoria negocial, embasada na constitucionalização dos pactos, adoção de pautas axiológicas, consideradas as reais exigências do conteúdo sócio-jurídico e econômico.14

A teoria crítica do negócio jurídico propicia a recepção das pautas axiológicas

constitucionais, o giro hermenêutico, determinado pela metodologia constitucional, ampliando

a dimensão do instituto para o contexto pluri-individual e socializante.

A declaração de vontade, destinada a produzir seus efeitos legais, se processa quando

se atenta aos conteúdos. Normalmente, o elemento interno (vontade) e o elemento externo da

declaração negocial (declaração propriamente dita) coincidirão.

Pode, contudo, verificar-se, por causas diversas, uma divergência entre esses dois

elementos da declaração negocial. A normal relação de concordância entre a vontade e a

declaração (sentido objetivo) é afastada, por diferentes razões, em certos casos anômalos. À

relação normal de concordância substitui-se uma relação patológica. Existe aí um vício da

formulação da vontade.

Por sua vez, a divergência não intencional pode consistir, ainda conforme lembra

Octávio Manuel Gomes Alberto, em três situações:

• Erro-obstáculo ou na declaração: quando o declarante emite a declaração divergente da vontade, sem ter consciência dessa falta de coincidência;

• Na falta de consciência da declaração: o declarante emite uma declaração sem sequer ter consciência (a vontade) de fazer uma declaração negocial, podendo até faltar completamente a vontade de agir;

• Coação física ou violência absoluta: o declarante é transformado num autômato, sendo forçado a dizer ou escrever o que não quer, não através

14 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Teoria crítica do negócio jurídico. Revista de Direito Privado da UEL, v. 2, n. 1, 2009. Disponível em: <www.uel.br/revistas/direitoprivado>. Acesso em: 12 nov. 2010, p.14.

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de uma mera ameaça, mas pelo emprego de uma força física irresistível que o instrumentaliza e o leva a adotar o comportamento.15

Sendo assim, a categoria do negócio jurídico opera em um nível de acentuada

abstração e a sua formação pode implicar em atividades de complexidade muito variável. Em

concreto, um negócio pode formar-se por inteiro através de um simples assentimento ou, pelo

contrário, implicar em complexas atividades preparatórias.

Antônio Menezes de Cordeiro aduz que a interpretação do negócio jurídico visa a

determinar o seu sentido juridicamente relevante, criando estruturas jurídicas que preencham

lacunas contratuais além da declaração negocial:

Que o código civil português dispôs, de modo expresso, sobre a integração da declaração negocial, foi mais longe que seus congêneres que apenas tratam da interpretação, obrigam, desse modo, a doutrina a construir sozinha, os esquemas destinados a preencher eventuais lacunas contratuais.16

Da legislação alemã adveio a ideia do interprete ater-se à vontade real em detrimento

do sentido literal, seguindo os ditames da boa-fé. Assim anota Custódio da Piedade Ulbaldino

Miranda, verbis:

A integração dos negócios jurídicos, no Código Civil Alemão, contém dois dispositivos fundamentais em matéria de interpretação dos negócios jurídicos. No que se refere à interpretação de uma declaração de vontade, deve-se averiguar a vontade real, e não ater-se ao sentido literal da expressão, e também que os contratos devem ser interpretados como exige a boa fé.17

Outrossim, os princípios clássicos e pós-modernos acrescentam um nova base para a

interpretação valorativa dos negócios, saindo do viés patrimonialista para uma busca da

função social destas relações, tema a ser abordado no próximo capítulo.

2.2.1 A Pós-Modernidade e a Ciência Jurídica

Inicialmente vista apenas como uma nova fase do sistema econômico capitalista, a

15 ALBERTO, Octávio Manuel Gomes. A divergência entre a vontade e a declaração: formas possíveis de divergência. Disponível em: <http://octalberto.no.sapo.pt/a_divergencia_entre_a_vontade_e_a_ declacarcao.htm>. Acesso em: 06 fev. 2012. 16 CORDEIRO. Antonio Menezes. Tratado de direito civil português: parte geral. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2000. tomo 1, p.535, 561. 17 MIRANDA. Custódio da Piedade Ulbaldino. Interpretação e integração dos negócios jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p.124.

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globalização acabou por consagrar-se como um fenômeno de grandes proporções, atingindo a

vida em sociedade, no seu sentido mais amplo.

Como enfatiza José Eduardo Faria, “[...] tema corrente na agenda contemporânea, a

globalização é um fenômeno complexo e multifacetado, com profundas modificações nas

mais variadas áreas do conhecimento e nos mais diversos setores da vida social.”18

Com isso, os desafios recrudescem, longe de ser um fenômeno linear, monolítico e

inequívoco, a globalização não é tampouco automática e espontânea, advinda do resultado das

tecnologias de informação, de decisões políticas e econômicas, vindas das poderosas

economias mundiais, a exemplo da capacidade das empresas multinacionais, como assevera

Boaventura de Souza Santos:

Nesta visão, triunfalista, a globalização produziria um impacto uniforme em todas as regiões do mundo e em todas as atividades e que seus arquitetos, as empresas multinacionais, são infinitamente inovadores e têm capacidade organizativa suficiente para transformar a nova economia global em uma oportunidade sem precedentes.19

Do ponto de vista social e político, a globalização, que no viés capitalista é tida como

grande triunfo da racionalidade, da inovação, da liberdade potencializadora do progresso

infinito e da abundância, atinge um número cada vez menor de privilegiados.

Os efeitos danosos de um mercado globalizado no contexto social trouxeram a lume,

por parte do Estado, uma nova visão social, buscando preceitos principiológicos que atuam na

igualdade formal, mas objetivada em uma função social dos negócios, repassando para o

contexto econômico os ideais de isonomia social, além das fronteiras impostas pelo capital.

A igualdade, expressada no tratamento massificado, passou a ser a tônica do convívio

em sociedade. Entretanto, a globalização é ambivalente, uma vez que ela tanto divide como

une, e divide enquanto une, pois as causas das divisas são idênticas às que promovem a

uniformidade do globo.20

O processo globalizante, em especial no plano econômico, resultou como fruto do

capitalismo desenfreado, que tomou conta dos valores da modernidade, levando às últimas

consequências os ideais do modelo liberal, fazendo-se necessário reinventar novos valores,

porém, sem mudanças profundas, firmando-se ao neoliberalismo.

18 FARIA, José Eduardo. Direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p.7. 19 SANTOS, Boaventura de Souza. Os processos da globalização. In: ______ (Org.). A globalização e as ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p.51. 20 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.76.

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24

A liberdade continua exercendo o seu papel na espinha dorsal do sistema econômico-

social, mas precisa passar a ser vigiada, para que o sistema não venha a apresentar falhas que

denotem a sua originária fragilidade.

Essa crise de identidade, constatada após o assentamento da poeira da euforia

ocasionada pela globalização, fez com que a humanidade experimentasse uma espécie de

frustração com relação aos valores vazios, que recebeu de braços abertos.

Desta frustação com a deterioração dos valores floresce o conceito pós-moderno, que

advém do desenvolvimento da economia livre para uma economia dirigida com base em

valores e princípios constitucionais.

Rogério Zuel Gomes21 explica que a sociedade evolui no sentido da travessia de uma

economia livre para uma economia dirigida. A questão envolvendo o conceito de pós-

modernidade, ou do paradigma da pós-modernidade, tem ocupado relevante espaço dentro de

todos os ramos da ciência. Ao Estado compete a função de traçar normas e impor limites à

atividade econômica na busca de uma utilização social ao capital empregado na esfera

produtiva.

A atualidade contemporânea, no que tange a intervenção do Estado, tem por fim traçar

as normas e limites inerentes à atividade econômica. Quando, porém,o próprio Estado, que

toma em si o desempenho de tais atividades, surgem problemas de outra natureza que afetam

o interesse geral e põem em crise sob o instrumento designados de contratos. Sobre o

conceito pós-moderno, assim destaca Cláudia Lima Marques:

A pós-modernidade revela o fenômeno das relações virtuais, desmaterializadas, cada vez mais fluídas e instáveis, a sociedade de informação, a globalização niveladora de culturas, a riqueza especulativa e o renascimento da identidade. Estas características podem acrescentar ainda o desprestígio do Estado, a valoração da imagem acima do conteúdo onde o efêmero parece derrotar o essencial fazendo prevalecer a aparência sobre a técnica, a prática e a eficiência.22

Sendo assim, a sensação de impotência, especialmente diante da dinamicidade da

sociedade denominada pós-moderna, deixa os cientistas, em especial aqueles envolvidos com

as ciências sociais, angustiados, ao mesmo tempo em que fomenta a produção teórica na

identificação do problema e na busca de alternativas que mitiguem os efeitos deste.

21 GOMES, Rogério Zuel. A nova ordem contratual: pós-modernidade, contratos de adesão, condições gerais de contratação, contratos relacionais e redes contratuais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 58, p. 180-222, abr./jun. 2006, p.186. 22 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.158.

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25

O mercado não poderá manter em suas mãos o futuro da sociedade. A aceitação do

mercado como princípio diretivo da ordem jurídica é uma ideia inadmissível. Não o mercado,

mas a pessoa é o valor de vértice do sistema jurídico. Como expressão de uma lógica

econômica e patrimonial, o mercado deve ficar em posição subordinada e funcionalizada ao

respeito pela dignidade da pessoa humana e pelas situações não patrimoniais. José Tadeu

Neves Xavier salienta:

Concomitante à mudança de técnica produtiva, o mercado que circunda essa produção passa a ganhar outro perfil. Ao lado da tradicional economia de produção de bens, ganham espaço e, com o mesmo fôlego, as prestações de serviços, criando novos paradigmas no convívio social, em especial quanto aos contratos, que passam a ser mais duradouros e de trato sucessivo. Como garantia de sucesso dessa nova técnica, passa a ser considerada a existência de um mercado segmentado, que permite uma falsa modelação dos contratos a cada indivíduo, de acordo com o grupo a que pertença.23

Essa nova fase do pensamento humano, por muitos chamada de “pós-modernidade”,

acaba por se concretizar como uma etapa irreversível da humanidade, trazendo mudanças de

rumo ao pensamento social que só encontram precedentes nas trocas de Eras experimentadas

na evolução histórica da sociedade.

Nas ponderações de Cláudia Lima Marques, os tempos pós-modernos são um desafio

para o Direito na medida em que se abrem “[...] tempos de ceticismo quanto à capacidade da

ciência do Direito de dar respostas adequadas e gerais aos problemas que perturbam a

sociedade atual e se modificam com uma velocidade assustadora.”24

O ponto de encontro entre a cultura pós-moderna e o Direito são os valores que têm

em comum, estando composta por quatro fenômenos, a saber: o pluralismo, a comunicação, a

narratividade e o retorno aos sentimentos, tendo este o papel primordial dos direitos humanos,

orientados pela dignidade da pessoa humana.

A narrativa pós-moderna, reflete a aptidão dos ordenamentos jurídicos de criarem uma

nova forma de comunicação, por meio do sistema normativo, com o superamento do método

tradicional de estabelecer condutas específicas.

As normas narrativas trazem valores, estabelecendo orientações. Forma-se um Direito

líquido, fluido, apto à flexibilização, e capaz de ocupar, suavemente, todo o Direito

23 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.80 24 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.168.

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disponível.No plano constitucional, a lição sobre a ampliação desta nova tabula de valores

abarcando todas as esferas políticas, econômicas e sociais, é fornecida por José Tadeu Neves

Xavier:

No plano constitucional, o constitucionalismo social mostra-se pluralista, comprometido com uma plêiade de valores até então afastados dos textos das Cartas Constitucionais tradicionais. A axiologia constitucional não se preocupa apenas com a preservação da estrutura estatal e com as garantias individuais. Novos direitos são reconhecidos nos textos constitucionais, com a consagração de ideais políticos, econômicos e sociais. A Constituição amplia-se e abre espaço para a proteção do cidadão, do eleitor, do consumidor, do agente de produção, do trabalhador, dente outras facetas do sujeito moderno. Ao mesmo tempo, são abertos flancos para as tutelas coletivas, como a do meio ambiente, do sistema econômico e previdenciário, entre outros.25

No âmbito das relações privadas, agora impulsionado pela oxigenação propiciada pela

nova legislação, o direito pátrio passa a consolidar novos valores, de maneira abrangente e

dúctil, de forma a proporcionar uma efetiva mudança em dogmas tradicionais, que passam a

ser dotados de um claro comprometimento que os coloca dentro de um modelo instrumental, a

serviço de valores sociais.

Assim, encontram-se as noções de função social da propriedade, da empresa e dos

contratos, além da absorção de novos modelos parentais, marcados de forma indelével pela

tolerância à diversidade. Para Cláudia Lima Marques26, tais mudanças são devidas, por certo,

às alterações no estilo de vida social.

Estas manifestações da crise do Direito, na realidade, representam nítidas formas de

manifestação do enfrentamento deste com a nova realidade imposta pelo fenômeno da

globalização, hábil a derrubar as fronteiras tradicionais, quer sejam reais ou simbólicas.

Sintetizando as principais mudanças experimentadas pelo Direito pós-moderno, em

comparação ao modelo jurídico da modernidade, Maria Celina Bodinde Moraes27 aponta que

o mundo da segurança do século XVIII deu lugar ao mundo de insegurança e incerteza.

Inerentes à sociedade de massa, os problemas advindos, de inúmeros matizes,

transformaram-se no atual desafio das ciências. A lógica racional, com seus critérios de

25 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.91. 26 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.168. 27 MORAES, Maria Celina Bodin de. Constituição e direito civil: tendências. Revista dos Tribunais, v. 89, n. 779, set. 2000, p.89.

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validade absoluta e universal, é posta em dúvida. Tais dúvidas transitam sob o fio condutor do

relativismo, tendo em vista a hipercomplexidade das fontes de direito, seja no plano material

como no formal, como destaca Antonio Junqueira de Azevedo:

O paradigma da pós-modernidade, especialmente em função da sua hipercomplexidade, revela a multiplicidade de fontes do direito, na defesa de inúmeros grupos sociais (característica material), e a vasta quantidade de leis, decretos, códigos deontológicos, etc. (característica formal).28

O Estado liberal, voltado para a política econômica, causa inúmeras transformações no

mundo jurídico, constituindo, desta forma, uma disciplina da ação estatal sobre as estruturas

do sistema econômico, representando um estímulo constante ao aperfeiçoamento das

instituições jurídicas em função de seus objetivos concretos.

Para Fabio Konder Comparato:

A economia, mais do que qualquer outra atividade tradicionalmente civil, transformou-se sob a ação do novo fenômeno bélico, demonstrando que a guerra não se ganha somente nas frentes de combate, mas também e, sobretudo, nos campos, nas usinas, nas fábricas e nos laboratórios, [...] daí o surgimento de uma regulamentação abundante, estrita e minuciosa das atividades econômicas, que transpõe, pouco a pouco, o panorama clássico do direito patrimonial, abolindo princípios, deformando institutos e confundindo fronteiras.29

Em suma, com o processo globalizante da economia e a prevalência do capital sobre

os anseios sociais, adveio pelo Estado uma nova dinâmica fenomenológica nas relações

jurídicas contratuais, com o conceito ético da autonomia e da liberdade contratual substituída

por conceitos éticos de responsabilidade e solidariedade, tendo como consequênciaa

relativização da tutela da liberdade contratual pelos ideais de proteção Estatal à dignidade da

pessoa humana.

2.2.2 O Novo Sistema Contratual

A complexidade que marca a sociedade pós-moderna se faz refletir também na forma

da abordagem das figuras jurídicas de maior destaque, que se mostram receptivas às

influências desse modelo de pensamento. José Tadeu Neves Xavier acentua:

28 COMPARATO, Fabio Konder. Contratos. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.); FACHIN, Luis Edson (Org.). Obrigações e contratos: estrutura e dogmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 6, p.55-56. 29 Idem, Ibid., p.73.

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No campo da teoria dos contratos, a situação não é diversa. A conceitualização do contrato no ambiente no ambiente pós-moderno não pode mais ser obtida de forma unidimensional, exigindo do observador uma visão multifocal, que, ao mesmo tempo, possa ver as várias faces da figura negocial que, de forma articulada, irá compor o seu todo, superando as diferenças, contradições e ambiguidades.30

Com efeito, o contrato é a principal forma de circulação de riquezas no Estado, daí ser

necessário analisar, sob a ótica coletiva, a forma como este instrumento faz circular a riqueza

no país. No caso dos cartões de crédito, estes substituíram a necessidade de transporte físico

da moeda e é garantidor das operações comerciais, conforme caracteriza Arnaldo Rizzardo:

Sem dúvida, os inconvenientes e os riscos inerentes ao transporte físico da moeda de um local para o outro constituíram uma das causas que deram aos cartões de crédito. Este instrumento de contrato representa um meio de segurança na condução de dinheiro, uma garantia nos casos de premente necessidade e um fator de crédito, na sua acepção lata [...] democratizando o uso do crédito, a curto ou médio prazo, evitando o desembolso imediato do dinheiro, por parte do adquirente, para o pagamento dos bens ou serviços.31

Portanto, o pensamento pós-moderno exige do contrato a coexistência de um plano

interno de comunicação entre as partes em sintonia com os planos externos de ordem

institucional e social. Dessa forma, o vínculo pessoal, estabelecido entre os contratantes,

ganha novas tonalidades que lhe são atribuídas pela inserção de um determinado campo de

atuação.Neste passo, observa Luiz Edson Fachin sobre as nuances advindas neste renovado

saber:

O direito civil deve, com efeito, ser concebido como ‘serviço da vida’ a partir de sua raiz antropocêntrica, não para repor em cena o individualismo do século XVIII, nem para retomar a biografia do sujeito jurídico, mas sim para se afastar do tecnicismo e do neutralismo. Não sucumbir, enfim, ao saber virtual.32

Reafirma Cláudia Lima Marques o valor do contrato como principal instrumento para

circulação de riquezas, todavia com a responsabilidade social atuando como fonte de

realização dos ideais constitucionais:

30 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.129. 31 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.1389. 32 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 18.

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Hoje, o contrato é somente instrumento de circulação das riquezas da sociedade; hoje, é também instrumento de proteção dos direitos fundamentais, realização dos paradigmas de qualidade, de segurança, de adequação dos serviços e produtos no mercado.33

Neste mister, cumpre ao hermeneuta, referenciado por uma conexão axiológica entre a

legislação de direito privado e os princípios contidos na Constituição da República, buscar

soluções atentando para uma nova perspectiva do direito atual. Não se pode descurar das

dificuldades surgidas da necessidade de concretização dos preceitos constitucionais.

Todavia, tal dificuldade não deve servir como pretexto a impedir a concretização

destes princípios.A complexidade crescente nas relações sociais, criadas pela explosão

demográfica, pelo aumento da participação ativa da população no mercado econômico, o

consumo desenfreado com a correspondente ebulição da produção em série, propiciaram a

busca de soluções que se manifestassem de forma mais abrangente.

Cláudia Lima Marques afirma que:

Com o efeito da pós-modernidade, a interpretação do direito do novo milênio passa, fundamentalmente, pelo conteúdo constitucional. Neste passo, a interpretação do contrato é de ser filtrada por princípios de estatura constitucional que funcionarão como vetores hermenêuticos a guiar a interpretação dos dispositivos legais aplicáveis ao instituto.34

No atual sistema contratual brasileiro, embora existam vários modelos de contratos

representativos da pós-modernidade, o exemplo mais emblemático da pós-modernidade é

encontrado na autotutela coletiva, por meio de convenções coletivas de consumo, firmadas

entre associações representativas dos interesses envolvidos.

É preciso assim, cada vez mais, buscar a harmonização entre as partes contratantes e

interessadas na efetivação de uma negociação que traga segurança jurídica e bem estar

econômico e social às pessoas, sendo que a mão forte e imparcial do Estado deve estar

presente nessas relações, garantindo o sucesso dos interesses coletivos de consumo.

Em síntese conclusiva do presente capítulo, pode-se constatar a importância da

existência de uma normatização jurídica capaz de apaziguar os interesses das partes

contratantes, normas essas que sempre devem espelhar a evolução dos tempos e adequar a

modernidade da evolução tecnológica-econômica-social da humanidade, garantindo o

equilíbrio que deve prevalecer entre as relações econômicas.

33 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.180. 34 Idem, Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.165.

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30

Como resultante do avanço tecnológico no trânsito de dinheiro e crédito nas relações

negociais, constata-se que o instituto de cartão de crédito é o resultado direto do processo de

mudança imposta pelos novos vetores comerciais do capitalismo, fornecendo agilidade,

praticidade e segurança para o enorme fluxo de consumo existente.

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31

3 PROCESSO NEGOCIAL: RELAÇÃO CONTRATUAL

O processo negocial e a relação contratual dentro da sociedade têm presença marcante

nas relações comerciais, encontrando-se presentes antes do surgimento de uma legislação

específica e do aparecimento da moeda.

A relação obrigacional atual não é diferente: busca a satisfação de interesses dos

contratantes; para tanto, serão estudados alguns pontos importantes e imprescindíveis para a

compreensão da presente pesquisa, como o conceito de negócio jurídico, contratos e a

abordagem dos principais princípios contratuais inerentes ao instituto de cartões de crédito.

Importante vislumbrar que a presente investigação, ao anunciar a relação negocial

existente e seus sujeitos, demonstra o embate de ideias para a formulação de um instrumento

contratual equilibrado e socialmente funcional para o mercado, que visa a ampliação da

dinâmica negocial de modo responsável, prevalecendo a vontade dos contratantes em

detrimento dos seus interesses individuais.

3.1 NEGÓCIO JURÍDICO: CARTÃO DE CRÉDITO

A compreensão do conceito de negócio jurídico e a produção de seus efeitos são

imprescindíveis para a compreensão do tema exposto, pois os negócios jurídicos realizados

entre as instituições financeiras e os consumidores se formalizam meramente por uma simples

aceitação, decorrente de um acordo de vontades.

O negócio jurídico, ato presente dentro de um acordo de vontades, tem por fim a

aquisição, transmissão e a extinção de direitos, é a sucessão de atos jurídicos coordenados

entre si, que pode decorrer do consensualismo das partes, ou da aceitação posterior à extinção

do sujeito do direito e do ato jurídico praticado.

A relação obrigacional adquirida com o negócio jurídico objetiva fins de caráter

econômico e social consonantes com os ditames constitucionais, albergando direitos e deveres

jurídicos entre as partes.

Francisco Amaral entende que: “[...] o negócio jurídico constrói-se no século XIX,

com princípios e normas referentes aos requisitos do ato, positivando o interesse dos sujeitos,

pactuados através da formalização de um contrato.”35

Desta forma, entende-se que o negócio jurídico é um acordo de vontades que tem por

fim a aquisição, transmissão e a extinção de direitos decorrerentes do consensualismo das

35 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.499.

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partes, ou da aceitação posterior ao ato jurídico praticado.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pampolha Filho entendem que é imprescindível para

o entendimento da existência de um negócio jurídico que tenha ocorrido uma declaração de

vontade, e é preciso analisá-lo sob três planos:

a- Existência: um negócio jurídico não surge do nada, exigindo-se, para que seja considerado como tal, o atendimento a certos requisitos mínimos;

b- Validade: o fato de um negócio jurídico ser considerado existente não quer dizer que ele seja considerado perfeito, ou seja, com aptidão legal para produzir efeitos;

c- Eficácia: ainda que um negócio jurídico existente seja considerado valido, ou seja, perfeito para o sistema que o concebeu, isto não importa em produção imediata de efeitos, pois estes podem estar limitados por elementos acidentais da declaração.36

Os planos citados, portanto, servem como pilar para análise de um instrumento

contratual, uma vez que permitem a dissecação de seus elementos de constituição, analisando

os pressupostos de validade e os fatores que eventualmente inferem na sua eficácia jurídica.

Todavia, se o negócio jurídico enquanto manifestação humana destina-se a produzir

efeitos tutelados por lei, é fruto de um processo cognitivo que se inicia pela formação da

declaração da vontades, pois, sem querer humano não há negócio jurídico, e, não havendo

negócio jurídico, não há que se falar em contrato.

Segundo Orlando Gomes:

O negócio jurídico é a mencionada declaração de vontade dirigida aprovocação de determinados efeitos jurídicos, a ação da vontade que se dirige de acordo com a lei, a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica.37

Nesta linha de raciocínio, entende-se que o negócio jurídico é um acordo de vontades

que tem por fim a aquisição, a transmissão e a extinção de direitos; é a sucessão de atos

jurídicos coordenados entre si, que pode decorrer do consensualismo das partes, ou da

aceitação posterior à extinção do sujeito do direito e do ato jurídico praticado formalizado por

um instrumento contratual.

36 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.54. 37 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.280.

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3.2 CONTRATOS

O instrumento contratual é um dos fenômenos mais antigos no cotidiano das pessoas,

pois, na sociedade atual, o cidadão ingressa em relações negociais, consciente ou

inconscientemente, para a satisfação de suas necessidades e desejos, para utilizar os bens e

serviços que necessita, sendo o contrato um fenômeno onipresente, principalmente no que

tange às ofertas trazidas pelo mercado de consumo.

Entretanto, a relação contratual no âmbito dos cartões de crédito trata de um negócio

jurídico, na modalidade de relação jurídica, onde o instrumento é a principal categoria, mais

precisamente o vínculo constítuido entre duas partes em função de um objeto a ser transmitido

total ou parcialmente, mediante a operação realizada, já esta se insere na categoria dos fatos

jurídicos e dos acontecimentos suscetíveis de regulamentação pelo direito.

Outro contraponto é a importância dos contratos oriundos dessa relaçao negocial, pois

implica na prática permanente de valores, através da ponderação útil, necessária e concreta

para a realização do Direito.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho trazem a relação do conceito e da

historicidade no que se refere aos contratos:

O surgimento do fenômeno contratual se dá dentro de cada sociedade, juridicamente producente, a cada escola doutrinária, desde os canonistas, passando pelos positivistas e jusnaturalistas, todas contribuíram a seu modo para o aperfeiçoamento do conceito jurídico de contrato, mas sem dúvida, contribuição inegável seria dada pelo movimento iluminista francês, o qual, segundo uma escancarada vocação antropocêntrica, firmara a vontade racional do homem como o centro do universo, determinando assim uma superforça valorativa do contrato levada às últimas consequências pela consagração fervorosa da pacta sun servanda.38

Contudo, os contratos são acordos de vontades entre duas pessoas em igualdade de

condições, livres para contratar perante o direito e a sociedade, passando a assumir todas as

obrigações convencionadas segundo a vontade dos contraentes.

Caio Mario da Silva Pereira trata contrato como:

Um negócio jurídico bilateral, exige o consentimento, pressupõe de outro lado a conformidade com a ordem legal, sendo ato negocial de acordo entre vontades com a finalidade de resguardar, adquirir, tranferir, conservar ou modificar ou extinguir direitos.39

38 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.39-41 39 SILVA, Caio Mario Pereira da. Instituições de direito civil. 5. ed. São Paulo: Forense, 1980. v. 1, p.45.

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Conforme entendimento clássico, o contrato é uma espécie de negócio jurídico. Nesta

perspectiva, seria um meio concedido pelo ordenamento jurídico para a produção de efeitos

jurídicos, concedido mediante concessão das partes para a satisfação de seus interesses

jurídicos; possui inúmeras finalidades, sendo considerado um dos principais instrumentos de

circulação de riquezas.

O sistema de cartões de crédito, compreendido por Waldo Fazzio Júnior, repousa

sobre três pilares contratuais, todos direcionados à credibilidade, celeridade e segurança de

seu funcionamento:

a- contrato de prestação de serviços de emissão, administração e utilização, estipulado por uma instuiuição financeira emissora/administradora com adesão do usuário ou titular, perfazendo uma relação de consumo;

b- contrato de aquisição de bens/ou serviços, pelo titular junto a estabelecimento fornecedor, mediado pelo uso do cartão de crédito, também compreendido entre as relações de consumo;

c- contrato de prestação de serviços de entidades credenciadas com o estabelecimento fornecedor que adere ao sistema, para que possa aceitar cartões como instrumentos de suas transações com os titulares consumidores.40

Parafraseando Fazzio Junior, os três pilares elencados demonstram a praticidade do

uso do instrumento cartão de crédito na prática, a relação do consumidor com a instituição

financeira e com a empresa credenciada para o recebimento desta modalidade de moeda.

Luiz Edson Fachin disciplina que:

O contrato desenvolve uma expressão de autonomia da pessoa no espaço de uma certa liberdade. Essa é a concepção que se propôs a superar o dogma da vontade na concretização de personalismo ético. A questão está no limite contundente dessa configuração jurídica, que se reconhece incompleta e imperfeita. Os contratos pressupõem 'vontades' e, por isso mesmo, pressupõem a existência de alguém que manifeste essa vontade; daí ser imprescindível a relação de sujeito: o sujeito em si mesmo não é suficiente, sendo necessário colocá-lo em relação com o outro, donde surge a relação jurídica. Essa ideia vai vincular sobre o que recaem poderes e deveres, portanto, nesse sentido, emerge também a noção de objeto, que passa a ser, do mesmo modo que as demais, uma expressão dos pilares que compõem a base do Direito Privado.41

Pode-se afirmar que o contrato é o mais comum dos negócios jurídicos de dualidades e

se constitui com a validade e eficácia, sendo aplicado em um instrumento natural, posto à

disposição das partes para constituição, modificação ou desfalização da relação negocial

40 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Cartão de credito, cheque e direito do consumidor. São Paulo: Atlas. 2011, p.13. 41 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.140-142.

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jurídica envolvida entre as partes.

Ruy Rosado de Aguiar Junior registra o seguinte:

[...] aplaudo o Projeto no que representa de inovador na visão geral do contrato como um ato que deve atingir finalidade social, regulado pelos princípios da boa fé, da moralidade, da lealdade, dos bons costumes, da ordem pública. Para o juiz civil forneceu os instrumentos necessários para a realização da justiça material. Aplaudo-o também no que tem de apuro técnico. Apenas observo que, nesse propósito de atender àqueles princípios gerais antes enunciados, ao elaborar as normas de conduta, deixou de lhes dar plena aplicação ou lhes deu em extensão aquém da possível e desejada. De qualquer forma, na Teoria Geral do Direito e na matéria obrigacional, constitui um avanço do qual não podemos mais retroceder.42

O contrato surge por força das necessidades atuais, dentro do próprio direito privado,

trazendo novas figuras contratuais que se diferenciam daquela postura básica, ideológica,

anteriormente adotada. Antes, só restava ao contratado o direito de dizer sim ou não, sem

nenhuma possibilidade de negociar condições.

No entanto, com as modernas tendências advindas da codificação do Código Civil de

2002 (CC), que conjuga os contratos para o ordenamento jurídico brasileiro, traz um acordo

voluntário de ambas as partes interessadas na relação, tendo respaldo na escolha, na forma de

nortear a contratação, na sua liberdade em firmar um instrumento, procurando meios para

atender melhor os interesses dos contratantes.

Na concepção pós-moderna, a massificação das relações contratuais enseja a balança

econômica do contrato, convertendo-se em um negócio jurídico, documentado expressamente

entre duas partes, tendo a bilateralidade negocial, onde uma opta por aderir ou não à vontade

da outra.

Luis Edson Fachin43 entende que um dos pilares básicos para a noção de contrato se

resume primeiramente em um conjunto de princípios e regras que se compõemà luz do

conceito de relação jurídica, a teoria desse sistema, codificada sob o nome de parte geral e

interpretada pelo negócio jurídico.

Por isso, houve a necessidade de repensar a tendência individualista e egoísta que

tomava conta dos negócios e, na busca do equilíbrio das partes, o estado avançou doutrinária e

jurisprudencialmente sobre a função social do contrato civil, focalizando a justiça social com

o intuito de abordar de forma clara e objetiva os problemas enfrentados.

42 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Projeto do código civil: as obrigações e os contratos. Revista CJF, Brasília, n. 9, dez. 1999. Disponível em: <www.cjf.gov.br/revista/numero9/artigo6.htm.>. Acesso em: 16 nov. 2011. 43 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.141.

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Ricardo Luis Lorenzetti :

El contrato fue concebido com um comienzo a través del consentimento y um fin, por efecto de alguna coisa de extinción: su estúdio se parecióentonces a uma fotografia estática. Hoy em dia se comienzan com contractossociales, tratativas, ofertas, consentimento, ejecución extensa, deberesposcontractuales, todo enla que resulta difícil separar etapas, laduracion de lãs relaciones jurídicas es um fenômeno difundido em laactualidade.44

Neste sentido, o contrato é tratado como um acordo de vontades, derivado de uma

relação negocial celebrada entre duas pessoas, sendo uma espécie dentro do negócio jurídico,

necessitando da existência de duas pessoas.

Cumpre investigar qual seria a natureza jurídica do contrato. Indiscutivelmente, se

traduz na declaração de vontade, emitida em obediência aos seus pressupostos de existência,

validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico,

pretendidos pelo agente.

Pablo Stolze Gangliano e Rodolfo Planpona Filho45 asseveram que, como o contrato é

uma espécie do gênero do negócio jurídico, é forçoso convir que algum aspecto o

particulariza dos outros negócios jurídicos.

O contrato, sem dúvida, é um das mais importantes categorias dentre os negócios

jurídicos, como de comum acordo com as vontades, pois possui por finalidade a constituição,

modificação ou extinção de direitos, trazendo um conjunto de obrigações a serem cumpridas

pelas partes.

Na declaração constituída a partir da declaração unilateral, vincula-se a pessoa pela

sua pura e simples manifestação de expressão da vontade, como ocorre, por exemplo, com a

emissão de título de crédito, quando não se faz necessária a vontade da outra parte para que

sobrevenha a eficácia da declaração, vinculando-se o declarante ao seu conteúdo.

A negociação contratual entre as partes na esfera das administradoras de cartões temse

valido de técnicas precisas para atingir a grande massa de consumidores, num crescimento

exponencial de suas atividades.

É notório utilizar meios pouco convencionais para se tirar vantagem de um

consumidor, sem prestar-lhe as devidas informações ou ao menos garantir-lhe o conhecimento

44 LORENZETTI, Ricardo Luis. Esquema de uma teoria sistêmica del contrato. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.); FACHIN, Luis Edson (Org.). Obrigações e contratos: estrutura e dogmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 1, p.494. 45 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.53

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do que foi estipulado na relação negocial, posteriormente prevista nas condições tácitas de um

contrato.

Entende-se que o contrato é uma ferramenta indispensável no que tange as relações

negociais auferidas, passando a vislumbrá-lo de acordo com a realidade e as necessidades

exigidas dentro do contexto social, tendo a vontade pessoal uma fonte de obrigação, a partir

de sua declaração livre e séria, que pode ser uma declaração unilateral, vinculada ao

declarante desde a manifestação, ou uma declaração bilateral, gerando efeitos jurídicos a

partir da convergência ou do acordo de vontades sobre a esfera de cada declarante.

Ademais, fica evidente a importância de uma relação contratual demonstrada na figura

do titular de cartões de crédito e das operadoras prestadoras de serviços, neste caso, mediante

a formailização de um contrato de adesão pautados pela inobservância dos princípios

norteadores do direito, que será analisado no contexto a seguir.

3.3 PRINCIPIOLOGIA

O presente capítulo trata da análise dos princípios relevantes para o enfrentamento do

estudo, considerando apenas os informativos que norteiam a pesquisa e que se encontram

inseridos no contexto jurídico e social, correlatos com a relação contratual junto às operadoras

de cartões de crédito.

Os princípios constitucionais se inserem na Constituição Federal de 1988 (CF), como

garantias fundamentais. Nesse contexto, precisam ser bem compreendidos para que tenham

eficácia quanto à sua aplicabilidade e possam alcançar sua importância no ordenamento

jurídico.

José Joaquim Gomes Canotilho ressalta que: “[...] os princípios constitucionais

explicam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte.”46

Os princípios apresentados no presente estudo são: o princípio da dignidade humana, o

princípio da autonomia da vontade, ou consensualismo, o princípio da função social, o

princípio da boa-fé, o princípio da boa-fé objetiva, e o princípio da força obrigatória do

contrato.

Entende-se que os princípios relacionados aos contratos de cartão de crédito

desempenham importante função na formação dos contratos, servindo tanto de base à

liberdade de contratar, como trazendo a segurança jurídica necessária às negociações.

46 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.1166.

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Tais princípios são parâmetros de inspiração da regulação legislativa, doutrinária e

jurisprudencial, dando-lhe uma dimensão constitucional, apontando-se a extrema importância

de averiguar os parâmetros que delineiam seu conteúdo.

Luiz Carlos Freghieri Guimarães compreende:

Os princípios constitucionais servem de guia parao intérprete interpretar as regras, isto é, indicam uma direção a seguir; vale dizer que são vetores que conduzem a melhor aplicação do direito objetivando a correta interpretação de suas regras, uma vez que têm o fio de orientar, condicionar e ser fonte de luz às interpretações das normas jurídicas.47

Na modernidade e principalmente na facilidade de acesso aos cartões de crédito, a

tendência hodierna é clara no sentido de que deve haver um regramento mais principiológico

para proteção das relações consumeristas, e, nesse contexto, é que surgem os princípios

constitucionais como forma célere e eficiente para guiar as soluções adequadas à proteção da

relação entre as partes envolvidas.

A aplicação dos princípios no âmbito contratual demonstra a importância que os

contratos atingiram para a sociedade, definindo a socialização do direito contratual na

modernidade.

Robert Alexy, caracteriza os princípios como “mandados de otimização que se

caracterizam porque podem ser cumpridos em diversos graus e porque a medida ordenada de

seu cumprimento não apenas depende das possibilidades fáticas, mas também das

possibilidades jurídicas.”48

Logo, primordial se torna a criação e desenvolvimento do instrumento contratual, que

vigora e orienta desde a sua criação até a sua extinção, fazendo com que os princípios que o

norteiam sejam aplicados de acordo com as situações concretas que permitem a prevalência

do equilíbrio entre os contratantes, tornando-se de fundamental importância diante da

primazia da dignidade humana, conforme preceito constitucional.

3.3.1 Princípio da Dignidade Humana

A dignidade da pessoa humana sempre foi postulada pelo homem na relação Estado-

47 GUIMARÃES, Luiz Carlos Forghieri. Direitos fundamentais e relações desiguais nos contratos bancários. São Paulo: Letras Jurídicas: 2009. 48 ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón prática. Revista Doxa - Cuadernos de Filosofía del Derecho, Alicante, n. 5, p. 139-151, 1988. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/portal/ DOXA/cuadernos.shtml>. Acesso em: 19 nov. 2011, p.143.

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Indivíduo. Tal pretensão, como mostra o constitucionalismo, serviu de base para o surgimento

da formação de Estados com uma constituição escrita a fim de se assegurar os direitos do

homem, o que culminou com o estabelecimento dos direitos fundamentais.

Esse princípio traduz uma diretriz inegável de solidarismo, imprescindível para a

implantação efetiva do Estado Democrático de Direito; por isso a Constituição Federal, em

seu artigo primeiro, III, dispõe que: “a República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III- a dignidade da pessoa humana”.49

Luiz Antônio Rizzato entende que:

A dignidade da pessoa humana constitui-se em uma conquista que o ser humano realizou no decorrer dos tempos, derivada de uma razão ético-jurídica contra a crueldade e as atrocidades praticadas pelos próprios humanos, uns contra os outros, em sua trajetória histórica.50

De modo geral, é a dignidade humana um atributo da pessoa, não podendo ser medida

por um único fator, pois nela intervém a combinação de aspectos morais, econômicos, sociais

e políticos, entre outros.

Como princípio fundamental do Estado Democrático brasileiro, a dignidade da pessoa

humana, juntamente com o direito à vida e à liberdade, são garantias individuais asseguradas

pela Constituição Federal e servem como fundamento e princípios informadores que

legitimam as manipulações sobre a vida humana, objeto desta pesquisa.

O princípio da dignidade da pessoa humana, não obstante a sua inclusão no texto

constitucional, é, tanto por sua origem quanto pela sua concretização, um instituto basilar do

direito privado.

Assevera Antônio Junqueira de Azevedo que: “[...] o uso da expressão dignidade da

pessoa humana pressupõe o imperativo categórico da intangibilidade da vida humana e da

origem em sequência hierárquica, deve ser tratado em toda interpretação, aplicação ou criação

de normas jurídicas.”51

Esse princípio traduz uma diretriz inegável de solidarismo, imprescindível para a

implantação efetiva do Estado Democrático de Direito, por isso a Constituição Federal, em

49 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011. 50 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 40. 51 AZEVEDO, Antonio Junqueira. A caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista Trimestral de Direito Civil, n. 9, p.3-24, jan./mar. 2002, p.03-24.

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seu artigo 1º, inciso III, foi enfática em ressaltar a importância da dignidade da pessoa

humana.

Gustavo Tepedino ensina que:

Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objeto fundamental da erradicação da pobreza e da marginalização, e da redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do §2.º do artigo 5.º, no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que não decorrentes dos princípios adotados pelo Texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.52

A dignidade humana constitui um valor unificado de todos os direitos fundamentais e

tem ainda função legitimatória do reconhecimento de direitos fundamentais implícitos.

O princípio em tese é base da própria existência do Estado Brasileiro e, ao mesmo

tempo, fim permanente de todas as suas atividades; é a criação e a manutenção das condições

para que as pessoas sejam respeitadas, resguardadas e tuteladas, em sua integridade física e

moral, assegurados o desenvolvimento e a possibilidade da plena concretização de suas

potencialidades e aptidões.

Não se pode deixar de citar o julgado da Primeira Turma Recursal dos Juizados

Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, quando o v. acórdão assim se expressou:

CIVIL. CDC. CARTÃO DE CRÉDITO. OPERAÇÃO FRAUDULENTA. INDEVIDAS COBRANÇAS E INCLUSÃO DO NOME EM REGISTROS CADASTRAIS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. FATO DE TERCEIRO NÃO CARACTERIZADO. VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA. DEVIDA REPARAÇÃO PELOS DANOS IMATERIAIS. MONTANTE FIXADO. OBSERVÂNCIA CRITÉRIOS RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. FINS PEDAGÓGICOS, PUNITIVOS E PREVENTIVOS ATENDIDOS. INEXISTÊNCIA DE OUTRAS RESTRIÇÕES. PERÍODO DE MANUTENÇÃO. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA FRENTE OPERAÇÃO COMBATIDA. SENTENÇA REFORMADA PARA SUPRIR O PLEITO EM QUESTÃO, MANTIDOS INCENSURÁVEIS DEMAIS COMANDOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível n. 2007.01.1. 071464-3, Juizado Especial Civil e Criminal DF).53

52 TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.25. 53 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível no Juizado Especial nº 20070110714643 DF, da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, relator Donizeti Aparecido, Brasília, 23 de setembro de 2008. Diário da Justiça da União, Brasília, p. 280, 02 dez. 2008. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2400218/apelacao-civel-no-juizado-especial-acj-20070110714643-df-tjdf>. Acesso em: 21 jul. 2012.

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41

A decisão supramencionada apreciou um caso de extrema violação da dignidade da

pessoa humana, quando o nome da pessoa foi negativado nos órgãos de restrições sem

qualquer conhecimento e sem ter cometido violação contratual.

Nesse caso, o julgador reconheceu o direito do lesado em ser indenizado

pecuniariamente pela violação do direito maior, que é a dignidade da pessoa humana, vez que

o fato de ter seu nome depreciado nos órgãos de proteção ao crédito, indevidamente, é mais

do que suficiente para ter reconhecida a presença do dano moral, figura indenizável.

Conclui-se que o princípio da dignidade da pessoa humana possui dimensão social e

jurídica importantíssima, pois garante o direito de se viver plenamente sem intervenções

ilegítimas do Estado ou do particular.

3.3.2 Princípio da Autonomia Privada da Vontade ou Consensualismo

O Princípio da Autonomia Privada, acompanhando essa evolução, consiste na

liberdade que cada indivíduo tem de contratar ou deixar de contratar. Cada um é livre para

declarar sua vontade de produzir efeitos jurídicos através de um contrato.

A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular o exercício de sua

própria vontade, definindo as relações que participam, estabelecendo-lhes o conteúdo de uma

relação negocial.

Não se pode falar em contrato sem autonomia da vontade. Este instituto, tratado como

liberdade de contratar, manifesta-se no plano pessoal, ou seja, na liberdade de escolher a

pessoa com a qual quer contratar dentro dos ditames da lei.

Roberto Senise Lisboa ressalta que:

Historicamente, o princípio do consensualismo, por si, sem observância da forma, não acarretava a exigibilidade da obrigação por meio de um actio, já que apenas o acordo entre as vontades que se revista de formalidades pertinentes que se designa como contrato.54

Desta forma, o contrato sem vontade não é contrato, ou seja, o indivíduo tem a

faculdade de contratar, se desejar contratar, de escolher o tipo de contrato que quiser, fixando

seu conteúdo e estipulando o que interessa para ambas as partes, destacando-se sempre a

expressão de liberdade individual.

Rizzato Nunes entende por este princípio que:

54 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.101.

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Os contratos são decididos unilateralmente e postos à disposição do consumidor, que só tem como alternativa, caso queira ou precise adquirir o produto ou o serviço oferecido, aderir às disposições pré-estipuladas. Daí não ter qualquer sentido falar em pacta sunt servanda. Esta pressupõe autonomia da vontade no contratar e no discutir o conteúdo das cláusulas contratuais.55

Na sua essência, a autonomia da vontade significa que o contrato é o acordo de

vontades livres e soberanas, não passível de modificações. Os contratantes podem escolher

em celebrar ou não o contrato e definir os seus contornos e características conferindo ao

titular do título o correspondente direito relativo.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em recente julgado sobre o tema, assim se

posicionou:

CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO - Ação de revisão de cláusulas contratuais com pedido de repetição de indébito - Administradora incorporada pelo Banco Real e depois pelo ABN AMRO Real S/A - Cláusula mandato para eventual captação de recursos no mercado financeiro - Encargos contratuais - Composto pelo custo do financiamento, pela remuneração de serviços de administração e pela remuneração de garantia - Confusão na cobrança de juros e encargos contratuais, sem qualquer distinção - Necessidade de demonstração pormenorizada de todos os fatores que compõem tais encargos mais os juros contratados – Não comprovação - Juros contratados - Não demonstração prévia - Inadmissibilidade - Cobrança de juros limitada a 12% ao ano de forma linear e sem capitalização - Aplicabilidade - Repetição de indébito em dobro - Impossibilidade - Dano moral - Inocorrência –Recurso provido em parte.56

No presente caso, trata-se de uma evidente relação consumerista, que se aplica ao

Código de Defesa do Consumidor (CDC). O contrato é de adesão e, como houve supressão do

princípio do consensualismo, violou-se também o princípio da boa-fé.

Em decorrência do princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto na Constituição

Federal (inciso XXXV do artigo 5º), é possível a intervenção do Poder Judiciário nos

contratos de consumo se foram estipuladas cláusulas desproporcionais, arbitrárias ou abusivas

para assegurar a igualdade, o equilíbrio e a proporção entre as prestações, evitando-se, assim,

que a vulnerabilidade do consumidor possibilite a obtenção de vantagem exagerada pelo

fornecedor, em detrimento dos legítimos interesses daquele.

55 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao código de defesa do consumidor: direito material (arts. 1º ao 54). São Paulo: Saraiva, 2000, p.541. 56 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n. 9185074-38. 2004.8.26.0000, da 16ª. Câmara de Direito Privado, relator Cândido Alem, 8 de fevereiro de 2011. Disponível em: <www.tjsp.gov.br>. Acesso em: 21 jul. 2012.

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O contrato deve ser interpretado a fim de proteger o usuário consumidor,

hipossuficiente na relação jurídica-contratual estabelecida com instituições financeiras. Não

pode o usuário do cartão de crédito prejudicar-se por cláusulas contratuais de adesão no que

tange às taxas de juros remuneratórios ou de correntes de eventual inadimplemento da

obrigação.

Em relação às cláusulas abusivas do contrato celebrado entre instituições financeiras e

consumidores, deve-se frisar que a proteção contra cláusulas abusivas é um dos mais

importantes instrumentos de defesa do consumidor, importância que se avulta em razão da

multiplicação dos contratos de adesão, concluídos com base nas cláusulas contratuais gerais.

Além dessa circunstância, a impossibilidade de o aderente discutir as bases do contrato

faz com que, no que respeita às relações de consumo, deva haver a necessária proteção contra

cláusulas abusivas, que se originam amiúde das cláusulas gerais do contrato.57

Conforme se depreende da análise da ementa e v. acórdão mencionado anteriormente,

os valores das taxas, dos encargos e dos juros cobrados, apesar de mencionados no

contrato,não foram previamente informados ao consumidor, usuário do cartão de crédito.

A Administradora deveria ter informado ao usuário-consumidor do cartão de crédito o

valor certo e determinado dos juros e dos encargos em homenagem ao direito de informação.

Nota-se, a partir do presente contrato de cartão de crédito, que não foi definida

expressa e previamente a taxa de juros que será cobrada, sendo certo que não se pode admitir

surpresa oriunda de juros flutuantes, em detrimento ao princípio da ‘pacta sunt servanda’.

As cláusulas abusivas e onerosas referentes aos juros podem ser declaradas nulas

conforme preceitos normativos previstos no Código de Defesa do Consumidor.

É imperiosa a ciência prévia e expressa do usuário-consumidor dos juros que devem

ser pagos.Não tendo sido estipulada a taxa de juros remuneratórios, deve permanecer a taxa

de juros de 12% ao ano, conforme reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça.

Ademais, porque paga espontaneamente a dívida, não cabe a pretendida repetição de

alegado indébito.Dispõe a segunda parte do artigo 1.093 do Código Civil o que segue: “Mas a

quitação vale, qualquer que seja a sua forma.” E o artigo 965: “Ao que voluntariamente pagou

o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro.”

As quitações feitas através de depósitos, bem como a novação, o foram

espontaneamente. Nem se cogitou alegar tivessem sido feitas com defeito dos atos jurídicos.

Ademais, o consumidor que reclamou não se mostrou incauto e nãoafeito a negócios. Agiu

57 NERY JUNIOR, Nelson. Código de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.548.

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espontaneamente e sem erro.

A devolução em dobro também se pode deferir ao reclamo quando nãohá

demonstração inequívoca de má-fé da instituição financeira. Da mesma forma, também não

ocorreu dano moral indenizável (incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal), pois a

mera cobrança de dívida não enseja dano moral; o que se proíbe é que essa cobrança seja feita

de modo vexatório, abusivo ou constrangedor (artigo 42, ‘caput’, do Código de Defesa do

Consumidor).

Assim, tendo-se em vista que não foram prévia e expressamente indicados no contrato

os índices de juros que seriam cobrados, sua fixação deve obedecer ao percentual de 12% ao

ano, juros estes que devem ser cobrados de forma linear, excluindo-se qualquer forma de

capitalização.

Este princípio ganhou um impulso para que as partes, desde logo, pudessem vir a

pleitear judicialmente o cumprimento da obrigação contraída.

Gilissen assevera que, com este princípio, consagrou-se: “[...] o ‘pacta sunt servanda’,

princípio basilar do direito natural. Esse princípio ficou conhecido como a era do

individualismo jurídico, época em que o interesse individual prevalecia.”58

Nancy de Paula Salles ressalta que: “[...] o princípio da autonomia consiste na

prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que se

submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral ou não o

contradigam.”59

Conforme tal entendimento, conclui-se que as pessoas têm a liberdade de contratar, ou

não. Se deliberarem contratar, podem estabelecer normas superiores de ordem pública e bons

costumes, o que melhor lhes aprouver.

Essa autonomia de vontade aqui referida é vista no plano da bilateralidade do contrato,

pode ser expressa pelo denominado consensualismo, peça fundamental no negócio jurídico.

Verifica-se também que a limitação da manifestação de vontade dos contratantes, imposta por

normas de ordem pública, dirigismo contratual, tornou-se necessária para que a liberdade

volitiva, sem contenção, não se convertesse em abuso.60

A autonomia da vontade assegura às partes total liberdade para concluir os seus

58 GILISSSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1982. 59 SALLES, Nancy de Paula.Caráter normativo do negócio jurídico. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.); FACHIN, Luis Edson (Org.). Obrigações e contratos: estrutura e dogmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 1, p.1334. 60 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.70-72.

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contratos. Funda-se na vontade livre, sob dois aspectos: o prisma da liberdade propriamente

dita de contratar ou não, estabelecendo-se o conteúdo do contrato e a pessoa com quem

contratar; e o da liberdade de escolha das partes quanto à modalidade contratual a ser adotada,

denominada também de poder de autodeterminação da pessoa de autorregular seus interesses.

O ordenamento jurídico confere às pessoas esse poder de provocar efeitos jurídicos

por meio da prática dos negócios jurídicos em cujo universo inserem-se os contratos. Desse

modo, por sua vontade, os contratantes criam relações jurídicas concretas, admitidas e

reguladas, in abstrato, na lei, prevendo efeitos em função dos quais estabelecem

voluntariamente cláusulas a que subordinam o seu próprio comportamento.

A liberdade contratual implica escolher entre contratar ou não contratar, com quem

contratar e como contratar, na possibilidade de determinar o conteúdo e as cláusulas do

contrato.

Para Claudia de Lima Marques:

A ideia de autonomia de vontade está estreitamente ligada à ideia de uma vontade livre, dirigida pelo próprio indivíduo sem influências externas imperativas. A liberdade contratual significa, então, a liberdade de contratar ou de se abster de contratar, liberdade de escolher o seu parceiro contratual, de fixar o conteúdo e os limites das obrigações que quer assumir, liberdade de poder exprimir a sua vontade na forma que desejar, contando sempre com a proteção do direito.61

Nesse contexto, vê-se que a importância da liberdade da vontade de contratar dos

indivíduos é um direito inalienável e irrenunciável, e, uma vez violado esse princípio da

vontade livre, o negócio contratual fica marcado por nulidades, perdendo a sua validade.

A ideia de liberdade contratual implica em escolher entre contratar e não contratar,

com quem contratar e como contratar, e suas limitações por preceitos de ordem pública. Três

modalidades distintas podem ser didaticamente compreendidas da seguinte forma, conforme

ensina Pablo Stolze Gangliano e Rodolfo Pamplona Filho:

[...] a própria liberdade de contratar: em regra ninguém pode ser forçado a celebrar um negócio jurídico, pois essa importaria em um vício de consentimento a macular a validade da avença. Numa evidente flexibilização de tal regra o que já mostra que nenhum principio pode ser encarado seriamente como uma verdade absoluta para toda e qualquer situação, mas sim somente como uma verdade socialmente aceita.62

61 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.45. 62 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.73.

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A autonomia da vontade possui duplo propósito, sendo o primeiro na formação do

contrato, em que o contratante possui a faculdade de optar ou não se adere ao contrato; e o

segundo se dá no desenvolvimento a aplicabilidade dessa conduta, ou seja, sua eficácia, onde

o resultado discutido em questão é gerado sempre na dimensão de vínculo criada entre as

partes.

Desta forma, nota-se que este princípio constituiu prioridade para atingir o equilíbrio

da relação contratual e da igualdade real que se almeja para ambas as partes.

Justifica-se tal delimitação, ainda, como meio idôneo para a proteção dos interesses de

terceiros determinados ou indeterminados, que, porventura, vierem a sofrer os efeitos do

contrato ajustado pelas partes; sendo assim, visa o aperfeiçoamento da tentativa de conceder o

equilíbrio as relações contratuais.

3.3.3 Princípio da Função Social

Este princípio é de ordem pública e se trata de uma norma geral do ordenamento

jurídico. A partir dele o contrato deve ser visualizado e interpretado de acordo com o contexto

social em que se insere, sendo este não a razão, mas sim o limite contratual.

Na realidade, o Código Civil não funcionaliza o contrato, mas a liberdade contratual,

pondo em nível de condicionante o exercício da liberdade de contratar, ao que o Código

denomina de razão e limites da função social.

O Artigo 421 do Código Civil traz expresso que: “A liberdade de contratar será

exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”63

Com a evolução histórica e consequente alteração do panorama das sociedades, o

Estado passou a adotar uma postura cabalmente intervencionista, principalmente na seara das

relações econômicas.

Por conta de tal fenômeno, a função social do contrato moldou-se com contornos mais

específicos, haja vista integrar uma doutrina maior, intitulada doutrina da função social.

A partir do momento em que o Estado passou a adotar uma postura mais

intervencionista, abandonando o ultrapassado papel de mero expectador da ambiência

econômica, a função social do contrato ganhou contornos mais específicos.

José Carlos Fortes entende que a função social do contrato se dá:

63 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011.

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[...] no fundamentado, na existência da dignidade da pessoa humana, este princípio surgiu pela primeira vez com São Tomás de Aquino, quando este por sua vez, afirmou que os bens apropriados individualmente teriam um destino comum, que o homem deveria respeitar. No entanto, este ideal somente ganhou força muito posteriormente a isso, mais precisamente no século XIX, graças às profundas mudanças que ocorreram tanto no meio econômico, quanto no social, em virtude da revolução industrial. Nos dias de hoje, compreendemos que os contratos não partem somente da pura e simples autonomia de vontades; este já não vigora mais livremente como em outros tempos encontrando fortes e expressos limites.64

Dessa forma, podemos compreender que é por meio deste princípio que o contrato

passa a não ser mais entendido como uma relação jurídica existente apenas para sanar os

interesses exclusivos das partes a quem o contrato se vincula, mas sim ligando estes

instrumentos aos aspectos sociais imperativos de ordem do cenário contemporâneo, que têm

por força influenciar e alterar as relações jurídicas entre as aprtes quando estas desrespeitarem

o interesse maior, o social.

O acordo de vontades ainda possui importância fundamental para a celebração deste

ato jurídico, sendo inclusive o elemento subjetivo essencial ao contrato, já que este somente

se origina perante a declaração de vontades.

A liberdade individual e de iniciativa pessoal continua sendo a razão existencial dos

contratos; contudo, diante do Estado Democrático de Direito e sua visão mais humanista das

relações jurídicas, nos foi imposta, por parte do Estado, certa intervenção, pela qual a simples

autonomia não possui mais a mesma plenitude de outrora.

A função social assevera-se em dois níveis: um dele é intrínseco, no qual o contrato é

visto como relação jurídica entre as partes negociais, impondo-se respeito à lealdade negocial

e à boa-fé objetiva, buscando-se uma equivalência material entre os contratantes; e o

extrínseco, o contrato em face da coletividade, ou seja, visto sob o aspecto de seu impacto de

eficácia na sociedade em que fora celebrado. De fato, é perfeitamente adequada a

sistematização e o trato ideológico da função social do contrato.

José Reinaldo de Lima Lopes afirma que a autonomia da vontade:

[...] é uma marca registrada da Teoria Contratual do século XIX, gera ou é gerada por uma concepção de direito como expressão de faculdades

64 FORTES, José Carlos. Princípios fundamentais na formação dos contratos. Artigos Fastjob, 19 out. 2006. Disponível em: <http://www.fastjob.com.br/consultoria/artigos_visualizar_ok_todos.asp?cd_artigo=466>. Acesso em: 25 fev. 2011.

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individuais, entre elas a vontade de um soberano e a noção do poder como capacidade de imposição da própria vontade, vontade que obriga.65

Desta forma, considera-se que o Princípio da Função Social do Contrato foi inserido

na legislação civil como uma cláusula geral.

Assim, pode-se compreender que, através da função social, o contrato está inserido em

um contexto social que pode até modificar este pacto, que não é mais entendido como uma

relação jurídica que serve restritamente para satisfazer interesse relativo às partes.

Miguel Reale registra que:

Um dos motivos determinantes desse mandamento resulta da Constituição de 1988, a qual, nos incisos XXII e XXIII do Art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade que “atenderá a sua função social”. Ora, a realização da função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade. Essa colocação das avenças em um plano transindividual tem levado alguns intérpretes a temer que, com isso, haja uma diminuição de garantia para os que firmam contratos baseados na convicção de que os direitos e deveres neles ajustados serão respeitados por ambas as partes.66

A função contratual colabora para o desenvolvimento do ser humano, porém, sob o

aspecto funcional, não pode ser elencada como um direito da personalidade, mas sendo o

contrato um instrumento para auxiliar e promover a concretude dos direitos da personalidade,

denominado também como um princípio geral de ordem pública, pela qual o contrato deve ser

necessariamente visualizado e interpretado de acordo com o contexto da sociedade.

Nossos Tribunais assim têm-se posicionado a respeito do tema:

APELAÇAO CÍVEL. REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. APLICAÇAO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CLÁUSULAS ABUSIVAS. TEORIA SOCIAL DO CONTRATO. RELATIVIZAÇÃO DO PACTA SUNT SERVANDA E DO ATO JURÍDICO PERFEITO. PERCENTUAL DOS JUROS APLICADO. APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. POSSIBILIDADE DA REVISÃO DOS CONTRATOS. O código consumerista é aplicável às administradoras de cartões de crédito, consideradas instituições financeiras, por força do que preconiza as Súmulas 283 e 297 do STJ. A observância aos princípios da

65 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.400. 66 REALE, Miguel. A função social do contrato. 2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/ artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 28 fev. 2011.

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função social do contrato e do equilíbrio contratual, mitiga a aplicação do dogma pacta sunt servanda aos contratos regidos por normas de direito público. TAXA DE JUROS. A taxa de juros aplicada deve ser medida de acordo com a taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil. Correta a sentença monocrática. CAPITALIZAÇAO MENSAL DE JUROS. Afastada, nos termos da Súmula 121 do STF.67

Esse acórdão demonstra a importância da função social dos contratos porque nem

sempre o que as partes mutuamente acordaram tornam-se imutáveis, principalmente quando é

verificado que houve um desequilíbrio contratual e que não foram preservados os princípios

norteadores da contratação licita, amparados pelos ditames legais vigentes.

Também demonstra que, quando há desequilíbrio dos encargos impostos por uma das

partes, é possível a revisão daquilo que foi contratado através do princípio jurisprudencial da

relativização do pactuado.

A função social não é a razão que motiva a realização de um contrato, mas sim

restringe a liberdade contratual, na medida em que o contrato deve ser realizado nos limites e

em consonância com sua função social, e não em razão desta.

Em síntese, a transformação da teoria geral dos contratos resultou no surgimento de

novos preceitos, visando equilíbrio e harmonia na relação contratual, por meio da observância

de princípios como a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, norteados na dignidade

da pessoa humana e no intervencionismo estatal.

O presente estudo analisa a função social dos contratos, com enfoque nos direitos da

personalidade, abordando natureza jurídica e fundamentos, suas principais características e a

eventual restrição ao princípio da liberdade contratual, estes que se encontram presentes nas

relações contratuais oriundas de cartão de crédito.

3.3.4 Princípio da Boa-Fé

A boa-fé é vista, inicialmente, como um elemento linguístico e sua representação

jurídica foi obra do direito romano. Pode-se dizer que este princípio traduz-se como uma

convicção interior que o sujeito possui acerca da justiça de seu direito, ou seja, pela sua boa-fé

objetiva.

Roberto Senise Lisboa emprega a boa-fé dando-lhe três sentidos:

67 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe. Apelação Cível n. 2011204357 SE, da 2ª Câmara Cível do Tribunal da Justiça do Estado do Sergipe, relator Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima, 18 de abril de 2011. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18798290/apelacao-civel-ac-2011204357-se-tjse>. Acesso em: 21 jul. 2012.

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A- A fides-sacra, prevista na lei das XII Tábuas, quando o patrão defraudasse a fides do cliente. Trata-se da boa-fé ligada às conotações religiosas e morais;

B- A fides-fato, desprovida de conotações religiosas e morais, associada à noção de garantia. É o resultado da abstração do trabalho filológico;

C- A fides-ética, pois a garantia expressa pela fides passou a residir na qualidade de uma pessoa e no sentido de dever.68

O sentido da boa-fé evolui para a noção do poder, como a posição jurídica do patrão e

a promessa. Nesse período, a submissão da pessoa não era um ato contratual, mas a

consequência da fides-poder. Diferente da fides-promessa, que foi a exteriorização formal da

sujeição, a fides-poder era o ato promissório de garantia e sujeição, a partir do formalismo

exterior da promessa. Possuía eficácia obrigacional que estabelecia a responsabilidade pessoal

do devedor por meio de sua venda como escravo, além de sua eventual morte. A boa-fé

tornou-se um conceito diluído e repentinamente usado para traduzir as mais diferentes

situações jurídicas, abrangendo todas as figuras jurídicas existentes.

Jussara Suzy Assis Borges Nasser Ferreira destaca que:

A teoria negocial contemporânea limita vontades individuais e plurais, interesses particulares e coletivos, presentes nas contratações privadas e de massa, assegurando a dignidade das partes. A igualdade formal é desmistificada, reconhecida como produto de ficção do formalismo positivista. A desconstrução promove a visibilidade da igualdade material, real entre as partes, vital ao equilíbrio negocial e justiça dos pactos. A pós-modernidade resgata as cláusulas gerais da boa fé e da função social do contrato para efetivá-las na base do negocio jurídico contemporâneo.69

O direito privado, regulado pelo Código Civil e por outros estatutos legais, dentre os

quais se destaca o Código de Defesa do Consumidor, não pode permanecer alheio ao

conteúdo constitucional; por isso, acreditamos que princípios de direito privado, tais como o

da função social do contrato e o da boa-fé objetiva, haverão de auxiliar o hermeneuta na

construção de uma teoria contratual afinada com as práticas contratuais contemporâneas.

Alinne Arquette Leite Novais, cita que: “[...] a boa-fé objetiva é o principio normativo

que se exprime por meio de cláusulas gerais, cuja importância crescente traduz a superação do

positivismo científico e legalista, com o seu modelo de sistema fechado.”70

Conforme o entendimento de Ricardo Luis Lorenzetti:

68 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.96. 69 FERREIRA, Jussara Suzy Assis Borges Nasser. Teoria crítica do negócio jurídico. Revista de Direito Privado da UEL, v. 2, n. 1, 2009. Disponível em: <www.uel.br/revistas/direitoprivado>. Acesso em: 12 nov. 2010, p.14. 70 NOVAIS, Allinne Arquette Leite. O principio da boa fé e a execução contratual. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.); FACHIN, Luis Edson (Org.). Obrigações e contratos: estrutura e dogmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 3, p.564.

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La economia delbienstar y su política intervencionista provocaron uma reaccion importantíssima em lãs ultimas três décadas delsiglo XX. Se afirmó que habia demasiadas regulaciones, exceso de intervencion, y que ello era ineficiente, habia que retornar al liberalismo com sus banderastradicionales, libertad e iniciativa privada, com ello iniciou-se um amplio processo de desregulacion, desmontando todo l ocreado por intervencionismo. El modelo teórico era o seguinte, se posutlóel retorno a la autonomia privada irrestricta para que cada individuo tuvieracontrol sobre sua vida.71

A função social dos contratos ganha fôlego especial, proporcionado pela sua

normatização no artigo 421 do Código Civil, determinando que a liberdade de contratar será

exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

De outro lado, e até como forma de complementação da noção de função social, em

uma espécie de justaposição simbiótica, José Tadeu Neves Xavier aponta para o princípio da

“[...] boa-fé objetiva, que trata de princípio-valor, derivado do ativismo jurisprudencial que,

nas últimas décadas, acabou por consolidar-se no nosso sistema contratual, ganhando um

lugar cativo neste ambiente jurídico.”72 (grifo do autor).

Cláudia Lima Marques entende que: “[...] a nova concepção do contrato é no sentido

de potencializar o caráter social deste instrumento jurídico, para o qual não só o momento de

manifestação da vontade surta efeito no contrato celebrado.”73

A incidência do princípio da boa-fé específico no sistema contratual de cartão de

crédito é vista como um limitador da autonomia da vontade, porém, um dogma construído a

partir da ideia de que os indivíduos podem decidir sobre a própria vida, autorregulamentando

suas relações privadas no contexto social, tendo como fundamento o modelo de um sujeito

responsável que desenvolva em suas relações intersubjetivas a lealdade, fazendo com que se

torne justa e ponderável a negociação estipulada entre as partes.

A incidência do princípio da boa-fé, agora positivado de forma inescusável no Código

de Defesa do Consumidor, tem o papel de evitar a excessiva transferência de riscos gerada

pela normatização da administradora de cartões quando, em um primeiro momento, surgem

novos deveres e direitos ao titular, e em um segundo momento, a nulidade das cláusulas

contratuais construídas em desacordo com a comutatividade do contrato.

Esses novos deveres impostos pelo principio da boa-fé é que darão a unidade

71 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de las contratos. Buenos Aires: Generak-Rubinzal-Culzoni, [20--], p.27. 72 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.169. 73 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

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necessária àquele instituto jurídico, fornecendo os subsídios normativos suficientes para a

resolução de problemas.

Os postulados da função social dos contratos e da boa-fé devem atuar como

amálgamas sistematizadoras da principiologia das relações negociais, garantindo a unidade na

diferença e evitando que a tópica inseparável da realidade negocial venha a se tornar elemento

de difusão e desacerto dos postulados que dão sustento à teoria dos contratos.

Jungidos aos diversos princípios que dão vida à reprodução jurídica da realidade

negocial e servindo como o seu fio condutor, os onipresentes postulados da função social e da

boa-fé lhes proporcionarão a efetividade que há muito acalenta o ideário da doutrina

contratual. Nesse sentido se mostra a jurisprudência mais recente:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIO JURÍDICO BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE CHEQUE ESPECIAL, EMPRÉSTIMO E CARTÃO DE CRÉDITO. Princípio da boa-fé. O ajuizamento de ação revisional não implica quebra do princípio da boa-fé, pois o acesso ao Judiciário não pode ser negado à pessoa que, crendo estar sendo tolhida em seus direitos, busca, por meio da ação, o respeito e a aplicação deles. Outrossim, admitir a ação de revisão apenas mediante o adimplemento contratual seria impor condição ao direito de acesso à Justiça, previsto pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Juros remuneratórios. Cheque especial. Não havendo demonstração acerca das taxas pactuadas, é imperativa a limitação à taxa média bancária, apurada e publicada pelo Banco Central, para cada espécie de contratação. Empréstimos. Constatada a abusividade das taxas pactuadas, devem ser limitadas à taxa média bancária, apurada e publicada pelo Banco Central para crédito pessoal, na data de cada contratação. Cartão de crédito. Mantidos os juros contratados, face à ausência de abusividade da taxa pactuada. Capitalização mensal. Cheque especial e empréstimos. Vedação. Contratos não trazidos aos autos. Impossibilidade de verificar a expressa pactuação, nos termos dos artigos 46 e 54, §3º, CDC. Cartão de crédito. Impossibilidade. Ausência de cláusula expressa. Afronta ao direito de informação. Comissão de permanência. Cheque especial e empréstimo. Afastamento do encargo. Contratos não trazidos aos autos. Impossibilidade de verificar a expressa pactuação, nos termos dos artigos 46 e 54, §3º, CDC. Cartão de crédito. Impossibilidade de cobrança. Ausência de cláusula expressa. Afronta ao direito de informação. Correção monetária. Em inexistindo pactuação expressa sobre o índice de correção monetária, deve ser adotado o IGPM. Compensação e repetição de indébito. Pagamento indevido. Devolução de modo simples, sob pena de enriquecimento injustificado do credor. Prequestionamento. O julgador não está adstrito a enfrentar todos os dispositivos constitucionais/legais invocados pelas partes, desde que expresse seu convencimento acerca da matéria em decisão devidamente fundamentada. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.74

74 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70040998411 RS, da 2ª Câmara Especial Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, relator Lúcia de Fátima Cerveira, 29 de jun. de 2011. Diário da Justiça, 8 jul. 2011. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 20045879/apelacao-civel-ac-70040998411-rs-tjrs>. Acesso em: 21 jul. 2012.

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Claramente se percebe que toda violação existente nas diversas espécies de

contratação com as instituições financeiras não estão imunes ao crivo do judiciário, este que

tem autonomia e competência para revisionar todo e qualquer abuso de direito cometido nos

contratos financeiros, resguardando os direitos do consumidor frente à abusividade cometida

pela outra parte.

Afinal, não se pode exigir a regularidade do adimplemento de qualquer contrato para

poder exercer o direito consagrado da busca da manifestação judicial a respeito do tema,

direito esse consagrado constitucionalmente.

3.3.4.1 Princípio da Boa-Fé Objetiva

A boa-fé objetiva consiste em uma imprescindível regra de comportamento,

umbilicalmente ligada à eticidade que se espera que seja observada em nossa ordem social, se

dando nas relações jurídicas onde deve obrigatoriamente haver entre as partes lealdade e

respeito. A boa-fé objetiva é a norma reguladora desses direitos, normatiza os fatos

mantendo-os com eficácia negocial

Entende Max Kaser que: “[...] a noção de boa fé bona fides, ao que consta, foi cunhada

primeiramente no Direito Romano, embora a conotação que lhe foi dada pelos juristas

alemães, receptores da cultura romanista, não fosse exatamente a mesma.”75

No corpo constitucional, o princípio foi implicitamente reconhecido a partir do artigo

3º da Constituição Federal, que diz: “constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária.”76

Seguindo o dispositivo consumerista, todos os princípios específicos das relações de

consumo, no caso em questão a boa-fé, são meios de atingir o idealizado em nossa

Constituição:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os

75 KASER, Max. Direito privado romano: (romisches privatrcht). Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999. p.154. 76 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011.

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princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.77

Sobre o tema, também é relevante a contribuição de Karl Larenz, apud Marcio Melo

Casado:

El princípio de la ‘buena fe’ significa que cada uno debe guardar ‘fidelidad’ a la palabra dada y no defraudar la confianza o abusar de ella, ya que esta forma la base indispensable de todas las relaciones humanas; supone el conducirse como cabía esperar de cuantos con pensamiento honrado intervienen en el tráfico como contratantes o participando en él en virtud de outros vínculos jurídicos. Se trata, por lo tanto, de um módulo ‘necesitado de concreción’ que únicamente nos indica la dirección en que hemos de buscar la contestación a la cuestión de cuál sea la conducta exigible en determinadas circunstancias. No nos da una regla apta para ser simplemente ‘aplicada’ a cada caso particular y para leer en la solución del caso cuando concurran determinados presupuestos.78

Assim, este princípio tem que ser sólido no sentido literal da palavra em benefício de

uma relação contratual segura, na qual as partes irão agir de forma recíproca, respeitando a

lealdade e a ética.

Deste modo, a atuação da boa-fé é dirigida a repercutir na esfera jurídica alheia,

atingindo interesses de terceiros, o que demonstra seu caráter social, tendo por fundamento o

respeito à dignidade da pessoa humana e a função social do contrato.

Pontifica Judith Martins Costa que:

Já no Direito Alemão, a noção de boa fé traduzia-se na fórmula TreuundGlauben (lealdade e confiança), regra objetiva, que deveria ser observada nas relações jurídicas em geral. A fórmula treuundglauben demarca o universo da boa-fé obrigacional proveniente da cultura germânica, traduzindo conotações totalmente diversas daquelas que a marcaram no direito romano. Ao invés de denotar a ideia de fidelidade ao pactuado, como uma das acepções de fides romanas, a cultura germânica inseriu, na fórmula, novas ideias de lealdade e crença, as quais se reportam a qualidades ou estados humanos objetivados.79

Não é de surpreender que o desenvolvimento teórico e dogmático deste instituto tenha-

77 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011. 78 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, t. 1, p. 142-143. In: CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.51. 79 COSTA, Judith Martins. A Boa Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 200, p.124.

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se dado entre os germânicos, ressurgindo no direito contemporâneo, não apenas como real

intenção das partes em contratar, de tal sorte que passou a ser vislumbrado como a norma de

conduta a ser seguida pelos contraentes, durante a execução do negócio jurídico, até a sua

conclusão.

A mais célere das clausulas gerais é exatamente a da boa-fé objetiva nos contratos. O

homem de boa-fé tanto diz o que acredita, mesmo que seja enganado, assim como acredita no

que diz. É por isso que a boa-fé é uma fé, no duplo sentido do termo, ou seja, é uma crença ao

mesmo tempo em que é uma fidelidade, é a crença fiel, e fidelidade no que se crê, é também o

que se chama de sinceridade, ou veracidade, ou franqueza; é o contrário da mentira, da

hipocrisia, da duplicidade, em suma, de todas as formas privadas ou públicas, da má-fé. Esta é

a interessante visão da boa-fé pela sua angulação subjetiva, enquanto princípio informador de

validade e eficácia contratual.

A principiologia deve orientar-se pelo viés objetivo do conceito da boa-fé, pois visa

garantir a estabilidade e a segurança dos negócios jurídicos, tutelando a justa expectativa do

contraente que acredita e espera que a outra parte haja em conformidade com o avençado,

cumprindo as obrigações assumidas.

O princípio da boa-fé evoluiu de forma exacerbada, passou a importar o aspecto moral

da obrigação contratual, impondo-se à parte uma conduta leal e proba para o cumprimento das

obrigações no tempo, modo e local convencionados, assumindo um conteúdo de juramento de

honra como forma de reforçar a responsabilidade pessoal do indivíduo, garantindo a

manutenção e cumprimento da palavra dada.

A boa-fé encontra respaldo no artigo 422 do Código Civil que prevê: “os contratantes

são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os

princípios de probidade e boa-fé.”80

Nota-se que o legislador tratou a observância dos princípios de probidade e boa-fé

como verdadeira obrigação dos contraentes, incidindo em todo andamento do contrato, isto é,

nas fases pré e pós-contratuais.

Esta ligação ao voluntarismo e ao individualismo que informa o nosso Código Civil é

insuficiente perante as novas exigências criadas pela sociedade moderna. Para além da análise

de uma possível má-fé subjetiva no agir, investigação eivada de dificuldades e incertezas, faz-

se necessária a consideração de um patamar geral de atuação, atribuível ao homem médio,

que pode ser resumido no seguinte questionamento: de que maneira agiria o bônus pater

80 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011.

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familiae, ao deparar-se com a situação em apreço, ou quais seriam as suas expectativas e as

suas atitudes, tendo em vista a valoração jurídica, histórica e cultural do seu tempo e de sua

comunidade? A resposta encontra-se na definição da boa-fé objetiva.

Pablo e Rodolfo destacam as funções da boa-fé, sendo a primeira, como função

interpretativa e de colmatação; a segunda, como função criadora de deveres jurídicos ou de

proteção; e por fim a terceira, como função delimitadora do exercício do direito subjetivo.81

Com tamanha importância, seriedade e completude, a aplicação dos princípios

contratuais inseridos com base na Constituição será primordial para nortear a fundamentação

e interpretação desses princípios, em atendimento ao processo de constitucionalização que o

Direito Civil enfrenta como consequência do paradigma deste Estado Democrático de Direito.

As relações negociais sempre foram marcadas por conflitos de interesses e, para

superá-los, foi necessária a criação de normas legais que pudessem apaziguar as desavenças e,

por fim, a controvérsia instalada.

Essas normas legais, além de serem de lentas evoluções, eram codificadas e

apresentavam-se em formas fechadas de interpretações, onde prevalecia a norma existente

sobre o caso concreto. Somente elas disciplinavam os meios e formas de conduzir os

conflitos, sem qualquer possibilidade de liberdade de aplicação de um novo pensamento.

O Direito Contratual moderno não se pauta mais no formalismo que vigorava no

Direito Romano até o século passado, em que as partes para contratar deveriam obedecer

todas as exigências formais, sob pena de nulidade.

Ficou para trás também a principiologia tradicional, balizada por valores liberais, que

valorizavam em demasia o indivíduo e a igualdade formal, igualdade essa que apenas supõe

que as partes estejam em condições iguais no contrato, o que não mais é condizente com o

modelo atual de contratar, que valoriza o que interessa para a sociedade.

E a jurisprudência assim se posiciona sobre o tema:

EMENTA: CÍVEL - DECISÃO MONOCRÁTICA INDENIZATÓRIA - CARTÃO DE CRÉDITO - FALTA DE REGISTRO DE PONTOS - IMPOSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO DE PASSAGEM PELO PROGRAMA DE MILHAGEM VÁRIAS TENTATIVAS DE SOLUÇÃO RECLAMOS DO CONSUMIDOR IGNORADOS - INCIDÊNCIA DO CDC VÍCIO DO SERVIÇO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - DESCASO E DESRESPEITO COM O CONSUMIDOR - DANO MORAL CONFIGURADO - QUANTUM INDENIZATÓRIO (R$ 3.000,00) DE ACORDO COM AS PECULIARIDADES DO CASO

81 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.15.

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CONCRETO - MATÉRIA JÁ DECIDIDA PELO COLEGIADO - NEGADO SEGUIMENTO (ART. 557, CAPUT, CPC) - AGRAVO INTERNO - JURISPRUDÊNCIA ASSENTADA SOBRE A MATÉRIA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO: Acordam os integrantes da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado do Paraná, à unanimidade, em conhecer e negar provimento ao agravo interno.82

Em síntese, o princípio da boa-fé nos contratos de cartão de crédito tem papel

fundamental, pois se baseia em novos direitos e deveres que significam que as partes

envolvidas na relação devem agir de forma íntegra em direção à finalidade que é o

adimplemento das prestações estipulas em comum acordo.

Portanto, os contratos devem ser regidos pelo princípio da boa-fé, demonstrando de

forma clara e objetiva o conteúdo estipulado para sua adesão, fornecendo a ambas as partes

deveres e obrigações.

3.3.5 Princípio da Força Obrigatória do Contrato

Este princípio de força obrigatória é denominado de pacta sun servanda, traduzido por

natural congência de emanar do contrato, a fim de que se lhe possa reconhecer a utilidade

econômica e social. De nada valeria aos contraentes se não existisse a força obrigatória; seria

apenas um protocolo de intenções sem validade jurídica.

Roberto Senise Lisboa discorre:

Que o conceito deste princípio cabe aos contratantes o cumprimento do conteúdo completo pelo negócio jurídico, importando em autêntica restrição a liberdade, que se tornou delimitada para os contraentes a partir do momento, em que dotados de vontade autônoma, vieram a consensualmente formar um contrato, caso cada uma das partes venha frustrar os interesses contratuais, tendo os contraentes, a partir da formação do vínculo, a segurança de que os termos da avença. serão respeitados reciprocamente, sob a pena de resolução de negócio.83

O princípio da força obrigatória dos contratos é um dos princípios fundamentais das

relações contratuais, que recebem, desde os tempos antigos, denominações diversas, tais

como: Pacta Sunt Servanda, princípio da força obrigatória ou vinculante dos contratos em

82 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Agravo Interno nº 2011.0011409-1/1, do 7º Juizado Especial Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, Paraná, relator Horácio Ribas Teixeira, Curitiba, 27 de outubro de 2011. Diário da Justiça do Estado do Paraná, p. 21, 3 nov. 2011. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/31952718/djpr-03-11-2011-pg-21>. Acesso em: 21 jul. 2012. 83 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123.

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relação aos contratantes.

Segundo Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona:

O princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes, celebrado que seja, com a observância de todos os pressupostos e requisitos necessários a sua validade, deve ser executado pelas partes como se as cláusulas fossem preceitos legais imperativos.84

No entanto, em regra, os contratos fazem lei entre as partes e essa manifestação

acontece a partir do momento em que o contrato, uma vez celebrado, necessariamente deverá,

além de preencher todos os seus requisitos de validade e eficácia, as partes de comum acordo,

estipular e aceitar o acordo negociado, tornando-se o instrumento fielmente cumprido sob

pena de sanções ora estabelecidas.

O Professor César Fiúza entende que:

Uma vez celebrados pelas partes, na expressão de sua vontade livre e autônoma, os contratos não podem mais ser modificados, a não ser por mútuo acordo. Devem ser cumpridos como se fossem lei. Costuma-se traduzir esse princípio em latim por “pacta sunt servanda”. Evidentemente, só se aplica este princípio aos contratos realizados de acordo com a Lei. Os contratos, bem como as cláusulas contrárias ao Direito reputam-se ilegítimos, saindo da esfera do princípio da obrigatoriedade contratual. Modernamente, a obrigatoriedade contratual encontra seus fundamentos na Teoria Preceptiva, segundo a qual as obrigações oriundas dos contratos obrigam, não apenas porque as partes as assumiram, mas porque interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente gerada, por suas consequências econômicas e sociais.85 (grifo do autor).

Este princípio reflete a força que tem o contrato na vinculação das partes que são

obrigadas ao cumprimento do pacto. Embora o princípio da autonomia da vontade estabeleça

que ninguém é obrigado a contratar, uma vez, entretanto, efetivado o acordo de vontades e

sendo o contrato válido e eficaz, as partes são obrigadas a cumpri-lo.

Anivaldo João da Silva Cardoso entende que:

O princípio acima também é chamado de Princípio da Intangibilidade dos contratos, representa a força vinculante das convenções. Intangível é aquilo que não se pode tocar, não se pode alterar. Daí porque também é

84 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.74 85 FIUZA, César. Para uma releitura da principiologia contratual. Disponível em: <http://www.fmd.pucminas.br/ Virtuajus/ano2_2/Para%20uma%20releitura%20da%20principiologia%20contratual.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2011.

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denominado de Princípio da Força Vinculante dos Contratos. Esse princípio é denominado classicamente de pacta sunt servanda, traduz a natural cogência que deve emanar do contrato, a fim de que se lhe possa reconhecer utilidade econômica e social. De nada valeria o negócio, se o acordo firmado entre os contratantes não tivesse força obrigatória.86

A suavização do princípio da obrigatoriedade, no entanto, não significa o seu

desaparecimento; o que não se tolera mais é a obrigatoriedade quando as partes se encontram

em patamares diversos e dessa disparidade ocorra proveito injustificado.

Desta forma, a obrigatoriedade acaba por acarretar a confiança das partes na

estabilidade do ajuste, o que proporciona credibilidade à futura satisfação dos interesses que

se pretende alcançar.

Conclui-se que, com este princípio, uma vez o contrato celebrado pelas partes, na

expressão de sua vontade livre e autônoma, não pode mais ser modificado, a não ser por

mútuo acordo, devendo ser cumprido como se fosse lei.

Costuma-se traduzir esse princípio em latim por “pacta sunt servanda”.

Evidentemente, só se aplica este princípio aos contratos realizados de acordo com a Lei. Os

contratos, bem como as cláusulas contrárias ao Direito, reputam-se ilegítimos, saindo da

esfera do princípio da obrigatoriedade contratual.

Por fim, modernamente, a obrigatoriedade contratual encontra seus fundamentos nas

obrigações oriundas dos contratos que obrigam a cumprir o acordo celebrado e não apenas

porque as partes as assumiram.

Interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente gerada, por suas

consequências econômicas e sociais, evitando que conflitos sejam desencadeados.

O entendimento jurisprudencial é demonstrado nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. CARTÃO DE CRÉDITO. RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MANUTENÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. EXCLUSÃO. ADMITIDA, ENTRETANTO, A INCIDÊNCIA DA NORMA DO ART. 354 DO CÓDIGO CIVIL. NECESSIDADE DE CÁLCULOS PARALELOS DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E DO VALOR PRINCIPAL DEVIDOS, A FIM DE IMPEDIR A CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA, JUROS MORATÓRIOS E MULTA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. JUROS. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO. LIMITAÇÃO EM 12% (DOZE POR CENTO) AO ANO. TR. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO.

86 CARDOSO, Anivaldo João da Silva. Teoria geral dos contratos. El Archivo de Robert.com, 2007. Disponível em: <http://www.robertexto.com/archivo2/geral_dos_contratos.htm>. Acessado em: 09 mar. 2011.

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SUBSTITUIÇÃO PELO INPC. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO EM PARTE E PARCIALMENTE PROVIDO.87

O acórdão transmite a certeza de que há uma força vinculante aos termos pactuados

contratualmente, principalmente quando o contrato é regido sob as normas legais vigentes,

que não infringem a lei. É uma forma de fazer cumprir aquilo que foi pactuado mutuamente e

de livre manifestação de vontade das partes.

Se assim não fosse, haveria insegurança jurídica nas relações contratuais que colocaria

em cheque o cumprimento dos pactos contratuais. Bastasse a vontade de uma das partes em

descumprir uma avença, sem qualquer consequência, o que o direito não admite, porque é

diretamente de interesse social a inexistência de conflitos econômicos e sociais, para que haja

uma convivência harmônica e livre pela sociedade.

O presente capítulo demonstra a importância da relação negocial oriunda aos cartões

de crédito,traz os princípios formadores do instituto, demonstrando sua aplicabilidade no

ordenamento jurídico e informações as partes envolvidas, garantindo a prestação do serviço

ofertado, propicia satisfação e ajustando as relações comerciais dentro de padrões éticos,

justos e racionais.

87 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível n. 4767591 PR 0476759-1, da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, relator Francisco Eduardo Gonzaga de Oliveira, Curitiba, 9 de julho de 2008. Diário da Justiça, n. 7674. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 6163177/apelacao-civel-ac-4767591-pr-0476759-1-tjpr>. Acesso em: 21 jul. 2012.

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4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITO DO CARTÃO DE CRÉDITO

Para se proceder à análise descritiva da evolução histórica da presente pesquisa,

obviamente é necessário fazer uma breve retrospectiva sobre a evolução histórica dos cartões

de crédito, apontando os argumentos pertinentes ao tema e, partindo desse contexto, construir

de forma consistente e esclarecedora o papel dessa ferramenta na sociedade e no sistema

econômico.

Este instituto está intimamente ligado à evolução social e tecnológicas das sociedades,

observando-se os fatores motivacionais detentores do poder de dissimular esse instituto dentro

do contexto contratual.

Hodiernamente, sob este prisma, o cartão de crédito é um instrumento indispensável à

modernidade em termos de viabilização dos negócios, pois fornece subsídios para compras,

vendas de mercadorias, serviços e operações financeiras, com praticidade, comodidade e

segurança.

4.1 HISTÓRICO

É possível afirmar que não há comprovação documental consistente para corroborar a

assertiva de que os cartões de crédito tenham surgido em fins do século XIX, sendo este

instrumento caracterizado por um processo de fidelização e identificação, acompanhado e

amparado pelas instituições sociais, políticas, jurídicas.

A novela Loking Backward (1888), cuja tradução seria olhando para trás e cujo título

em português ficou sendo O ano 2000, de autoria de Edward Bellamy, demonstrou a primeira

visão do cartão de crédito.

No decorrer de uma discussão entre dois personagens centrais da novela acima citada,

surge a primeira denominação do cartão de crédito. Fausto Pereira Lacerda Filho88 explica

que cada cidadão recebe, anualmente, uma parcela correspondente à sua participação no

produto interno bruto da nação, que lhe é creditada em livros de contabilidade pública, no

início de cada exercício, recebendo, ao mesmo tempo, um cartão de crédito.

A partir do entendimento acima exposto, o cartão de crédito passa de ficção a

realidade, e nasce, então, a ideia talentosa e inteligente de criar um documento de

identificação e crédito, que, comprovada a idoneidade do portador, garantisse,

simultaneamente, a sua solvabilidade, demonstrada com uma totalidade de crédito, dessa

88 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Cartão de credito, cheque e direito do consumidor. São Paulo: Atlas. 2011, p.42.

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forma atendendo às necessidades da realidade econômica moderna e iniciando as

operacionalizações de forma eletrônica.

Neste momento, desenvolve-se uma nova economia, tendo como fundamental

participante o instrumento de cartão de crédito, que, a partir de então, teve um crescimento

acentuado que perdura até os dias atuais, devido às tecnologias presentes no mercado. Waldo

Fazzio Junior assevera que:

O cartão de crédito nasceu com a índole de identificação, com efeito, sua instituição remota ao começo do século XX, com os chamados, cartões de credenciamentos, (ratailcards) emitidos por alguns hotéis europeus, para identificar e conferir tratamento diferenciado a seus clientes. Estes recebiam um cartão que tanto servia para identificá-los em futuras hospedagens, bem como para lhes assegurar o privilégio de pendurar seus débitos, protraindo sua solução para estadias futuras.89

Entende-se que a complexidade do cartão de crédito e seu cenário se tratam da prática

comercial no âmbito da formação sócio-econômica, que até neste momento permaneciam sem

afinidade exclusiva de espécie contratual, tratando-se, de fato, de um complexo contratual

interativo composto de diversas sub modalidades contratuais, envolvendo a intermediação

financeira e o início da relação que irá em um breve momento caracterizar uma relação

firmada. Esta se dará de forma trilateral, a saber, através da operadora de cartão de crédito, do

consumidor e do estabelecimento comercial credenciado.

A literatura também aponta que os primeiros cartões de crédito surgiram em 1920,

quando a Esso e a Texaco, distribuidoras de combustíveis, ofereceram aos seus clientes um

cartão que permitia que o pagamento dos bens adquiridos e dos serviços utilizados fosse

diferido em época posterior à da aquisição.

Porém, pela falta de repercussão comercial desse tipo de cartão e de sua aparência

desconhecida, conforme demonstra ilustração abaixo, sua circulação se torna restrita aos

estabelecimentos e aquisições de bens pré-determinados. O atual molde foi delineado em

meados de 1950 e 1951, em Nova York.90

89 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Cartão de credito, cheque e direito do consumidor. São Paulo: Atlas. 2011, p.23. 90 HISTÓRIA e características dos cartões de crédito: breve história dos cartões de crédito. Monitor de Fraudes. Disponível em: <http://www.fraudes.org/showpage1.asp?pg=106>. Acesso em: 18 nov. 2011.

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FIGURA 1: Primeira versão do cartão Diners, em 1950

FONTE: HISTÓRIA... (2011, p. 01).

Em 1950, o marco teórico se concretiza quando três executivos financeiros americanos

saem para jantar; porém, percebem que estão sem dinheiro ou talão de cheques somente no

ato do pagamento. Após breve discussão, fica acordado que pagarão a conta em outro dia, por

meio da assinatura na nota de despesas.91

Começa a partir desta fase o desenvolvimento do instituto cartão de crédito e os

benefícios ofertados ao titular através das operadoras financeiras de cartões.

A partir de então, o instituto já prossegue de forma desenfreada. Cria-se o primeiro

cartão de crédito denominado Diners Club Card, conforme demonstração ilustrativa, que foi

distribuído a um grupo seleto de 200 indivíduos, em sua maioria amigos dos idealizadores.

FIGURA 2: Um restaurante muda os meios de pagamento

FONTE: Camilo (2011, p. 01).

A finalidade do Diners Club Card era custear somente despesas de hotéis e

restaurantes para seus sócios, através do pagamento à vista para esses estabelecimentos

fornecendo, assim, um período maior para quitação da dívida.

Nesse período, o cartão de crédito tornou-se moeda de pagamento em 27 restaurantes;

em 1954, o cartão de crédito já estava sendo usando por mais de 42 mil pessoas em 330

restaurantes e hotéis; sendo que, em 1952, ganhara validade internacional, utilizando a

91 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE CARTÕES DE CRÉDITO E SERVIÇOS – ABECS. Histórico. Disponível em: <http://www.abecs.org.br>. Acessado em: 30 set. 2011.

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nomenclatura de American Express Company, conforme ilustração em destaque. Em meados

de 1960, chegara ao número aproximado de aceitação em mais de 50 países.92

FIGURA 3: Cartão de Crédito American Express Company

FONTE: HISTÓRIA... (2011, p. 01).

Diante disso, surge a necessidade de se criarem novos instrumentos, com novas

finalidades de crédito, facilitando a utilização de uma nova moeda, atendendo às necessidades

do consumidor e proporcionando comodidade, celeridade e segurança. Edgar Lacerda

Teixeira comenta sobre a chegada dos cartões de crédito ao Brasil:

Iniciou-se primeiramente com a troca, denominada por escambo, posteriormente a mercadoria da época que se denominava pela produção de gados, chá, sal, tabaco, etc., e finalmente a moeda propriamente dita e adotada como intermediária das trocas e denominador comum de valores econômicos[...] substituindo instrumento cheque ou papel pelo plástico denominado cartão de crédito.93

A partir deste momento, a ferramenta foi tomando seu espaço dentro do mercado e seu

crescimento foi se tornando de forma desenfreada, se instalando dentro das instituições

financeiras e na vida dos consumidores.

FIGURA 4: BankAmericard precursor do cartão Visa FONTE: Camilo (2011, p. 01).

92 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Sousa. Cartão de crédito: questões controvertidas. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 15 93 TEIXEIRA. Edgard Lacerda. Os cartões de crédito bancário. São Paulo: Revista de Direito Mercantil. 2009. p.8.

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A Associação Brasileira de Cartões de Crédito (ABCS) traz informações de que o

primeiro cartão de crédito surgiu em 1956, pelas mãos do empresário Habus Tauber, que

havia adquirido, nos Estados Unidos, a franquia do Diners.94 Conforme o autor Fausto Pereira

de Lacerda:

O Brasil foi o primeiro a introduzir o sistema de cartão de crédito na América do Sul. Esse fato ocorreu por volta dos anos 50, quando o Diner’s Club se associou à família Klabin para implantar o seu sistema. Durante muito tempo, o cartão Diner’s reinou absoluto no mercado brasileiro. Com a saída da família Klabin da sociedade formada com Diner’s, o cartão Diner’s perdeu a aura de cartão de elite. Posteriormente, formou-se uma nova sociedade com a entrada do Banco Sul Brasileiro S/A. Mais tarde, o cartão Diner’s teve seu título negociado com a Credicard, associada ao gigante Mastercard, que já explorava um cartão com seu nome.95

O instrumento cartão de crédito pode ser considerado um produto da vida moderna,

devendo-se sublinhar a forma como se radicou, granjeando uma inquestionável popularidade,

sedimentando-se no cotidiano, vindo a substituir a utilização do dinheiro na maioria das

transações comerciais, sendo comum na atualidade e hoje sendo de uso comum na carteira das

pessoas, na qual, em geral, se encontram vários cartões e pouco dinheiro.

FIGURA 5: Cartão precursor do MasterCard

FONTE: Camilo (2011, p. 01).

A partir deste momento, observa-se que este instrumento se torna um dos personagens

mais significativos para a modificação de um consumo promissor na sociedade

contemporânea, viabilizando o aumento das operações comerciais e a procura por diversos

produtos ofertados no mercado.

94 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE CARTÕES DE CRÉDITO E SERVIÇOS – ABECS. Histórico. Disponível em: <http://www.abecs.org.br>. Acessado em: 30 set. 2011. 95 LACERDA FILHO, Fausto Pereira de. Cartões de crédito. Curitiba: Juruá, 1990, p.40.

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4.2 CONCEITO

Para conceituar o cartão de crédito, é preciso reunir uma significação semântica

comum, de forma sintética, tendo um conjunto de codificações que sejam necessárias e

suficientes. Não basta considerar alguns elementos, mas é necessário estabelecer um

parâmetro central, ou seja, o núcleo do elemento a ser conceituado.

Nelson Abrão96 traz a ideia de que os cartões de crédito são relações jurídicas que se

estabelecem em modalidades de créditos existentes no mercado.

Na sociedade moderna, em que vivemos hoje, o cartão de crédito é uma forma de

democratização de crédito em curto e médio prazo, que evita os riscos e incômodos do

transporte de dinheiro, bem como propicia a compra de bens e serviços a prazo. É

caracterizado como um advento da vida moderna.

Vilson Rodrigues Alves traz o conceito de cartões de crédito:

É expressão sugestiva do instrumento físico com que se dão operações de crédito aberto pelos estabelecimentos emissores a favor do usuário-consumidor, que, preenchendo os requisitos estabelecidos, pode exercer o consumo com pagamento diferido.97

Pode-se afirmar que o cartão de crédito é um documento comprobatório de que seu

titular goza de um crédito determinado perante certa instituição financeira, com um limite

estabelecido, o qual o credencia a efetuar compras de bens e serviços a prazo e saques de

dinheiro a título de mútuo, que posteriormente são cobrados em forma de fatura mensal ou

débito em conta corrente. Para Celso Marcelo de Oliveira, o cartão de crédito define-se em:

Um documento pessoal e intransmissível, emitido por uma entidade bancária, por uma instituição financeira ou administradora de cartões de crédito ou outro estabelecimento comercial a favor de um determinado titular cuja posse confere a este a possibilidade de adquirir bens ou serviços junto a estabelecimentos comerciais previamente definidos sem necessidade de pagamento imediato.98

Ou seja, é uma modalidade do dinheiro que permite ao seu titular realizar as despesas

que lhe aprouver até o montante de crédito concedido pela empresa que o promove e que se

compromete perante terceiros a realizar aqueles pagamentos. Gerson Luiz Carlos Branco cita:

96 ABRÃO. Nelson. Direito bancário. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.147. 97 ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1999, p.379. 98 OLIVEIRA. Celso Marcelo de. Cartão de Crédito de acordo com o novo código civil. Campinas: LZN, 2003, p.52.

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[...] que uma das primeiras tentativas de sistematização foi conceituar o cartão como título de crédito, sendo um documento para realizar determinada operação, uma posição que centra a questão sobre o cartão como instrumento e não como relação jurídica, havendo uma obrigação do emitente em relação ao titular e a terceiros, pela faculdade de o portador vincular no pagamento a administradora perante o fornecedor associado e pela possibilidade de aquela obter a restituição do titulo.99

Diante dos conceitos acima expostos, não se pode deixar de mencionar o formato deste

objeto: um cartão de plástico brilhante, colorido e retangular, padronizado, com tarja

magnética e identificação do usuário, sendo emitido por uma administradora ou instituição

financeira ao usuário do cartão.

Fran Martins trabalha com a ideia de sistema, afirmando que o cartão de crédito é “o

conjunto de todas as relações jurídicas, compõe o que chama de uma sistemática de

obrigações e não é especifico de título de crédito.”100

Desta forma, o cartão de crédito não pode ter sua natureza jurídica baseada em um

título de crédito, pois não possui dois dos requisitos essenciais à sua configuração, quais

sejam: a abstração e a autonomia, uma vez que não há circulação do documento.

Ademais, o cartão de crédito não representa um crédito pré-definido, pois, apesar de

haver um limite de crédito concedido previamente ao titular quando da aquisição do cartão

pela entidade emissora, não existe a obrigação de pagar enquanto o cartão não for utilizado e

no montante em que ele for utilizado. Fausto Pereira Lacerda Filho, define-o como:

Um contrato plurilateral, acentuando que há uma composição ou coordenação dessas mesmas partes no objeto de atingir a finalidade própria e comum do instituto, afirma ainda que, a pluralidade não pode, por outro lado, ser entendida apenas do ponto de vista contratual, subjetivo entre as partes, mas também do ponto de vista objetivo, de interesses distintos, porém convergentes e coordenados, o que determina que o contrato necessariamente deva ser múltiplo, configurando-se em si um sistema operativo, constituído por diversas relações jurídicas, cuja unidade se alcança e se consuma na finalidade comum do instituto.101

O autor acima se preocupa em construir um conceito mais próximo dos aspectos

econômicos e funcionais do sistema, sustenta que o instituto de cartão de crédito deverá ser

entendido como um negócio jurídico complexo, conformado em uma unidade de relações

jurídicas originalmente diversas entre os seus intervenientes, onde cada qual possui uma

99 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1988, p.40. 100 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.67. 101 OLIVEIRA. Celso Marcelo de. Cartão de Crédito de acordo com o novo código civil. Campinas: LZN, 2003, p.55.

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regulamentação e uma natureza jurídica própria, independente e autônoma.

A relação negocial se operacionaliza quando se inicia o contato da administradora ou

instituição financeira, fornecendo o direito de uso do cartão ao usuário do cartão. Dessa

forma, há então um fluxograma de ações, no qual o consumidor apresenta o cartão para

efetuar pagamentos a um estabelecimento cadastrado; o estabelecimento, então, emite um

documento de venda, através de leitora magnética ou por notas de venda, e envia o documento

para a administradora, recebendo o valor da transação; cabe à administradora enviar a fatura

do cartão ao usuário para quitação do débito, “à vista ou rotativo.”102

O sistema operacional do cartão de crédito esta relacionado a três sujeitos, onde as

relações jurídicas se convergem: o consumidor (usuário do cartão), a administradora do

cartão, o lojista do estabelecimento e, no caso de cartões bancários, os bancos ou financeiras

que sustentam as operações.

Dessa forma, há diversas tentativas para contextualizar a natureza jurídica do sistema

contratual do cartão de crédito, já que o mesmo exige que se enquadrem todas as relações

jurídicas, de forma unitária e com um único objetivo comum. Nesse sentido, discorre Maria

Helena Diniz:

Não se trata de título de crédito, por ser desprovido de caracteres de abstração e livre circulação e por não ter um valor por si mesmo. Seria um documento de identificação e não título de crédito, por ser incompleto e insuficiente, apesar de incorporar um direito do consumidor. Constituiria um mero instrumento de identificação, que permite a utilização do serviço e a aquisição dos bens. Daí ser nominativo, pessoal e intransferível.103

Desta forma, o cartão de crédito constitui um negócio jurídico, posto que se trata de

instituto formado por uma série de relações de caracteres diversos, que participam de tipos

contratuais distintos e que convergem coordenadamente a uma finalidade ou objeto comum,

que se resume entre prestar serviços de oferecimento de crédito feitos pelas operadoras de

crédito e a utilização feita pelo detentor do crédito.

Alcio Manoel de Sousa Figueiredo aponta diversas denominações contratuais cabíveis

ao tema:

Contrato plurilateral, eis que conta com a intervenção de partes distintas, com obrigações diversas, porém com interesses e finalidade em comum. É contrato atípico, pois não se encontra regulamentado pelo legislador,

102 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Sousa. Cartão de crédito: questões controvertidas. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 20 103 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 1993. v. 3, p.78

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regendo-se pelos costumes, pela doutrina, pela jurisprudência e pelas cláusulas contratuais fixadas em contrato. É contrato de crédito, uma vez que coloca à disposição do titular crédito representado em moeda corrente. É contrato de adesão, pois o titular aceita em bloco as cláusulas contratuais formuladas nos contratos previamente formalizados pela administradora de cartões de crédito. É contrato de consumo, eis que a administradora de cartões de crédito é uma fornecedora e prestadora de serviços e os titulares dos cartões de créditos são destinatários finais. É contrato de prestações de serviços, pois a relação em apreço nada mais é do que um ajuste para a cobrança do preço ou do serviço. É contrato de garantia, haja vista que a administradora, na qualidade de avalista, garante o pagamento.104

Oportuno se torna dizer que a parte da doutrina inclina-se a qualificar o cartão como

uma delegação de pagamento, busca entender o aspecto passivo de melhor forma, parte buscar

o melhor ângulo ativo do sistema, a partir do entendimento de que o elemento preponderante

no cartão é uma cessão de crédito, a administradora substitui o titular no pagamento do débito

ao fornecedor, e, posteriormente, faz a cobrança ao titular do cartão. Em outras palavras

Gerson Luiz Carlos Branco ressalta:

Apesar de ser distintos os contratos particulares entre as três partes, é um contrato de cessão que os une, algumas cláusulas regulamentares garantem a ligação entre os contratos, resultando na possibilidade do direito de exceção do titular em face das administradoras, todavia outras cláusulas, opostamente, têm como objeto a renúncia do titular do direito de se opor a administradora as exceções derivadas da relação mercantil, rompendo a unidade funcional do cartão de crédito no momento do reembolso das despesas.105

O efeito de substituição de posições pela cessão é a administradora assumir a posição

do titular como se este fosse; assim, se ela ficar insolvente, não deverá o fornecedor procurar

o titular, mas sim a administradora do cartão. Para Rosana Grinberg:

O cartão de crédito é um negócio jurídico novo, complexo, atípico e não legislado, por isso, diante da ausência de normatização específica, a questão deve ser interpretada pelos princípios gerais do direito, da teoria geral dos contratos e das obrigações e, mais recentemente, pelos princípios gerais sistematizados na lei especial que tutela os direitos dos consumidores.106

Observa-se que o cartão de crédito designa-se, sendo a um documento de identificação

que representa uma relação contratual triangular, firmada entre a entidade emissora, o titular e

104 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Sousa. Cartão de crédito: questões controvertidas. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 24 105 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1988, p.45. 106 GRINBERG, Rosana. O Ministério Público e a questão dos Cartões de Crédito. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados, n. 109, p. 47-67, 2008, p.50.

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estabelecimentos, sendo os fornecedores ou prestadores de serviço credenciados.

Em síntese, este instrumento é de grande relevância na economia contemporânea, pois

substitui o papel moeda na aquisição de bens e serviços, sendo possível acelerar as operações

financeiras, obter créditos e adquirir bens e serviços sem maiores complicações, incentiva a

circulação de moeda e impulsiona o comércio e o desenvolvimento econômico; além disso,

não exige provisão de fundos, o financiamento é facilitado e dispensa a necessidade de prévia

habilitação do cliente perante uma instituição financeira antes de cada compra.

4.3 FUNÇÃO ECONÔMICA

O cartão de crédito incide na flexibilização do comércio, sendo reconhecido como um

elemento incentivador de consumo, além de ser de extrema importância para a dinamização

da economia com incremento contínuo e constante no consumo de massa.

De todas as denominações vigentes e correlatas ao cartão de crédito, o mesmo não

passa de um “facilitador na efetivação de um pagamento,”107 pois o consumidor paga o preço

da mercadoria à vista, haja vista a Portaria nº 02 da Superintendência Nacional de

Abastecimento (SUNAB), bem como do inciso XX, do art. 13 do Decreto nº 2.181/97, que

traz a substituição do cartão de crédito pelo dinheiro.

Dessa forma, o consumidor, ao aderir um cartão de crédito, tem a possibilidade de

fazer a compra e posteriormente pagar o valor efetivo na apresentação da fatura, obtendo a

vantagem do fornecedor não poder praticar valores diferentes dos à vista ou tendo o valor da

fatura descontado em sua conta corrente na data de vencimento.

Uma série de itens benéficos e positivos é ofertada tanto para o consumidor como para

o fornecedor, haja vista que o valor do pagamento e do recebimento é sempre à vista e há

também um barateamento dos custos internos e a simplificação da burocracia bancária,

fazendo com que as bases econômicas do cartão de crédito tenham um aumento desenfreado

do desenvolvimento da produção, do crédito e do consumo.

O instituto do cartão de crédito permite ao comerciante e aos empresários de um modo

em geral uma ampliação do mercado consumidor; constitui fato inconteste a súbita ampliação

do faturamento das empresas, a partir do momento em que se filiaram ao sistema de cartões

de crédito.

107 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE CARTÃO DE CRÉDITO E SERVIÇOS – ABECS. Indicadores do mercado de cartões e empresa. Disponível em: <http://www.abecs.com.br/>. Acesso em: 30 nov. 2011.

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O cartão incrementa o volume de vendas e permite uma redução de custos

operacionais por parte das empresas associadas, que passam a prescindir de departamentos de

créditos próprios. Já sobre a função de crédito, Lacerda Filho discorre:

O instituto atribui ao usuário do cartão, de modo direto e imediato, um crédito, que pode limitado ou ilimitado, para a aquisição de bens e serviços em todos os estabelecimentos associados ao sistema, que funciona automaticamente dentro das condições contratualmente fixadas. A função creditícia, por outro lado, se manifesta de maneira dupla. O usuário, efetivamente, desfruta de um crédito aberto em seu benefício, nos estabelecimentos associados, por meio do qual adquire a mercadoria ou o serviço pelo preço equivalente ao do pagamento à vista, diferindo-o, em termos reais, para um momento posterior, que coincide, mais ou menos, a trinta dias após a consumação da compra. O empresário ou comerciante, por sua vez, pode mobilizar os seus estoques e ampliar a prestação de seus serviços sem depender na manutenção de um sistema de crediário próprio ou um departamento de controle e cobrança, inclusive com informações cadastrais.108

Nota-se que, além de liberar os comerciantes da necessidade de fazer a triagem e as

avaliações para a concessão de crédito, diminuindo-lhes sensivelmente os custos, o cartão de

crédito lhes retira, também, os riscos inerentes à falta de pagamento das mercadorias vendidas

ou dos serviços prestados, na medida em que é a operadora dos cartões que assume,

contratualmente, a responsabilidade pela referida liquidação.

No momento de efetivação da compra ou da prestação do serviço, o empresário, dessa

forma, encontra-se respaldado pela assunção da dívida por parte da operadora do sistema de

cartão, que garante, de modo genérico e amplo, o pagamento da operação realizada em prol

do usuário do cartão.

E, por fim, tem-se a função de meio de pagamento que o instituto do cartão

desempenha para seu usuário, já que a aquisição dos bens ou serviços realizada por esse

sistema implica, para ele, comprador, no cumprimento da obrigação de pagar ou contra

prestar frente ao vendedor ou fornecedor. O pagamento efetivo, a partir da utilização do

cartão, passa a configurar obrigação da empresa operadora ou eminente, poupando-se ao

usuário o trabalho e o risco de portar grandes somas em moeda sonante.

Pode-se dizer que o cartão assemelha-se ao cheque, distinguindo-se deste pelo fato de

deslocar o pólo de responsabilidade pelo efetivo pagamento dos bens ou serviços para a órbita

da operadora ou administradora do sistema.

No contexto jurídico-econômico atual, este instrumento de crédito deixa de ser apenas

108 LACERDA FILHO, Fausto Pereira de. Cartões de crédito. Curitiba: Juruá, 1990, p.42.

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uma autonomia privada para se transformar numa estrutura de conteúdo complexo e híbrido,

com disposições voluntárias e compulsórias, na composição de interesses em comum; reflete-

se o antagonismo social entre os contratantes, representando a atuação da liberdade do

indivíduo de acordo com o contrato promovido ao principal propulsor da economia no que

tange as relações interpessoais, na maneira em que todas são reguladas por contratos verbais

ou escritas; desta forma, a função econômica do contrato está sediada, segundo a recente

corrente doutrinária, na sua própria causa, que no caso de cartão de crédito é a concessão de

crédito.

Sendo assim, para o contrato enquanto fato econômico é de extrema relevância que a

sua disciplina jurídica constitua a subordinação do regime a que se subordina e se refere à

economia dentro da sociedade, restando ao Direito do Consumidor, no que tange o cartão de

crédito, tutelar a validade do contrato no todo ou em parte, resguardando o interesse do

particular, ao não ser prejudicado, do emissor, que tem sua própria existência na relação

contratual, e chegando-se ao objeto principal que é a circulação de riquezas.

4.4 MODALIDADES: DÉBITO, CRÉDITO OU MÚLTIPLO E TIPOS DE BANDEIRA

O instituto cartão de crédito com suas inovações trouxe o aprimoramento dos

procedimentos operacionais que comandam as transações bancárias, alimentado por

frequências notáveis e inovações tecnológicas que determinam a eclosão de produtos que se

prestam até mesmo para tornar obsoleto o uso de senha e introduzir esquemas deflagrados por

assinatura digital, chip ou leitura ótica.

Desta forma, nos negócios, as transações podem ser operacionalizadas mesmo à

distância, que é o caso das compras feitas pela internet, modalidade esta denominada de

comércio eletrônico, que tem cartão de crédito como ferramenta nessa transação.

As principais vantagens de uso dos cartões de crédito em relação a outros

instrumentos de pagamento são a celeridade operacional, a redução de custos e a relativização

das margens de segurança. Sem embargo de elevar a propensão de seus titulares ao consumo

nem sempre consciente, em contraposição às oportunidades de poupança, são exitosos

indutores da expansão dos negócios no mercado de varejo. Observa Maria Helena Diniz:

A utilização de cartões de crédito veio auxiliar a realização de operações comerciais, como a compra e venda e a prestação de serviços, por representar um meio seguro de condução da moeda, uma garantia nos casos de necessidade e um fator de crédito, simplificando muito as transações, facilitando a aquisição de bens ou serviços por parte de seu titular,

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democratizando o uso do crédito, a curto ou médio prazo, evitando o imediato desembolso de dinheiro por permitir a utilização de financiamento.109

No que tange à celeridade na conclusão dos negócios e ao incremento da participação

dos bancos como implementadores de crédito, foi elevada a posição do cartão de crédito como

o instrumento de pagamento mais utilizado no mercado de consumo, intermediando as

relações de compra, venda e de prestação de serviços.

Simplificando os complexos processos de concessão de crédito e uso dos instrumentos

de pagamento e, portanto, implementando a aquisição de bens e serviços, os cartões de

pagamento e crédito são, hoje, praticamente indispensáveis no quotidiano das operações

econômicas, sobretudo no varejo, com efeito, quando focalizamos seus aspectos positivos.

Os cartões ensejam aos consumidores realizar operações mercantis diretas, evitando

transtornos de abertura de créditos, de comprovação de rendas outras tantas, proporcionando-

lhe disponibilidade de recursos, tendo apenas como custo uma taxa de anuidade, quase sempre

dispensada pelo banco emissor. Desta forma, o cartão de crédito revela-se o menos oneroso

para todos, ou seja, afirma a sua positividade na relação custo-benefício.

Outro aspecto interessantíssimo diz respeito à segurança que sustenta todo o sistema

de cartões de pagamento e crédito. Há uma certa unanimidade no sentido de que os cartões de

pagamento conferem maior segurança as relações de consumo, tanto para o titular quanto para

os empresários fornecedores e prestadores de serviços, reduzindo riscos decorrentes da

utilização do papel moeda e de falsificação de cheques.

O instrumento cartão de crédito objeto do presente estudo é analisado nas modalidades

de crédito, débito ou múltiplo, sendo de uso nacional ou internacional, optando o emissor pela

maneira que melhor favorecer a suas relações financeiras.

A operadora irá analisar o cadastro do adquirente, estabelecendo-lhe a concessão e um

limite de valor pré-fixado, de acordo com seu rendimento mensal.

A modalidade de crédito oferece ao titular a possibilidade de efetuar suas compras, de

adquirir produtos e não dispor da quantia paga no momento da compra, mas sim ter a opção

de ganhar alguns dias para liquidar o valor devido, tendo sua forma de cobrança em faturas

encaminhadas via correio a serem pagas na data de vencimento estipulada entre as partes.

No que tange à modalidade de crédito, a financeira fará uma análise da situação

financeira, com dados baseados no banco de origem. Após aprovação, é concedido um valor

109 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3, p.95-96.

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de limite para utilização do cartão e o pagamento será pela forma de boleto mensal, sendo esta

modalidade a mais usada, conforme pesquisa feita pela ABECS.110

O nobre Carlos Barutel Manaut111 classifica a modalidade de crédito como um

complexo instrumento de pagamento nascido nas necessidades da sociedade de consumo

atual, desenvolvido em todas as nações industrializadas, difundido e utilizado em

praticamente todo o comércio credenciado.

A perspectiva da administradora da oferta de crédito sem custo, a possibilidade de

compras parceladas, a retribuição da fidelidade, bem como a disponibilidade de uma linha de

crédito rotativo, dificultam a substituição de cartões de crédito por cartões de débito. Não

menos importante é a questão do acesso, na medida em que o cartão de débito está disponível

para o cliente bancário que tem uma conta corrente, ao passo que o cartão de crédito e o valor

do crédito contratado requerem análise de risco por parte da emissora, o que, obviamente,

contribui para restringir o número de titulares na modalidade crédito.

Já no que trata a modalidade de débito, pode ser de uso tanto nacional quanto

internacional. Além de habilitação para uso permanente, habilita o titular a diversas

praticidades, sem contar a modalidade de segurança que lhe confere, reduzindo os riscos

decorrentes do papel moeda e de falsificação de cheques.

O pagamento por bens e serviços nesta modalidade ocorre por intermédio de débito,

ou seja, junto ao banco emissor do cartão; portanto, se trata de um documento ligado à conta

corrente e de depósito à ordem, de modo que, quando utilizada aquela conta, é debitado o

valor correspondente de suas despesas, isto é, tem saldo disponível no momento da utilização.

Seu uso é semelhante ao cheque, na medida em que também significa uma ordem de débito

sobre os fundos disponíveis na conta do titular. Entende Waldo Fazzio Junior que:

O cartão de débito de uso nacional ou internacional, além da habilitação pertinente ao cartão de crédito, habilita ao titular e adicionais a solicitar saldo e extrato, realizar transferências bancárias, movimentar conta poupança e investimento, efetuar saques em dinheiro disponível em conta-corrente, inclusive limites de crédito disponíveis e ainda realizar essas operações, em bancos conveniados e nos caixas automáticos das redes afiliadas.112

É necessário ter em mente que o uso do cartão na função de débito está sujeito à

110 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE CARTÃO DE CRÉDITO E SERVIÇOS – ABECS. Indicadores do mercado de cartões e empresa. Disponível em: <http://www.abecs.com.br/>. Acesso em: 30 nov. 2011. 111 MANAUT, Carlos Barutel. Lãs Tarjetas de pago y crédito. Barcelona: Boch. 1997, p.7. 112 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Cartão de credito, cheque e direito do consumidor. São Paulo: Atlas. 2011, p. 37.

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cobrança de uma tarifa mensal de manutenção do cartão. O valor é previsto na tabela de

tarifas disponíveis nas agências dos bancos, na internet e nas centrais de atendimentos das

operadoras.

E, por fim, o cartão múltiplo, tendo dupla finalidade, utilizado tanto na modalidade de

débito quanto de crédito, sendo que nesta modalidade o titular obrigatoriamente deve se

correntista da rede bancária, podendo optar pela que melhor lhe convier e atender às suas

necessidades.

Importante ressaltar que, em troca de um cartão de crédito, sendo de qualquer

modalidade, o adquirente obrigatoriamente paga uma anuidade pela utilização do instrumento.

Nelson Abrão, afirma que:

[...] em troca da retribuição anual que lhe paga o titular, o emissor lhe fornece o cartão, mantém à sua disposição um serviço de caixa, a fim de pagar as despesas tidas com o uso do cartão, eventualmente pode habilitá-lo a saques em dinheiro em suas agências, além de credenciá-lo à aquisição de bens e serviços junto a fornecedores determinados.113

Observa-se que a taxa de anuidade é cobrada pela inclusão e permanência do titular no

sistema de cartão de crédito, esta normalmente preestabelecida no contrato de adesão e

correspondente à retribuição dada à administradora pelo pagamento das despesas efetuadas

pelo titular, e por outros benefícios concedidos pelo sistema.

Diante de toda praticidade, os cartões de crédito vêm sendo utilizados por

praticamente toda a população do mundo. O interessante é que poucos sabem as

peculiaridades que envolvem tal instituto.

Importante ressaltar que, por trás de um cartão de uma operadora responsável existe

uma bandeira responsável, que nos dias atuais se denomina como Visa, Mastercard, Aura,

American Express, Elo, Hipercard, Dinnersclub e BNDS,114 que se diferenciam pelo fator de

anuidades, tarifas e juros.

Em definição legal, a bandeira é quem patenteia uma empresa a fornecer liberação

para que estabelecimentos utilizem o sistema de pagamentos de seu cartão de crédito, ou seja,

é a marca identificadora do cartão. Também é a bandeira que define as regras do cartão e a

rede de liberação.

113 ABRÃO. Nelson. Direito bancário. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.32. 114 PRINCIPAIS operadoras e bandeiras de cartões de crédito. Educação financeira. Disponível em: <http://www.educacao.cc/financeira/principais-operadoras-e-bandeiras-de-cartoes-de-credito/>. Acesso em: 08 mar. 2012. .

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76

As bandeiras possuem um acquirer,115 que é um órgão financeiro responsável pela

união, gerenciamento e também pelo relacionamento entre os estabelecimentos comerciais

que possuem autorização para a utilização de determinadas bandeiras.

Neste viés, considera-se bandeira como sendo a “marca” do cartão; é a representação

da empresa que fornece a licença para que os estabelecimentos comerciais utilizem o sistema

de pagamentos do seu cartão de crédito.

No que tange à concentração de bandeiras mais utilizadas na estrutura de mercado do

Brasil, replica aquela observada em outros países, sendo a utilização das bandeiras Visa,

Mastercard e American Express116 que juntas respondem por mais de 90% do volume e do

valor de transações.

Conclui-se que a bandeira atua como uma espécie de franqueadora da marca,

independente da modalidade de crédito utilizada, sendo também responsável por estabelecer

normas, fornecer infraestrutura básica e realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento

para o aperfeiçoamento do sistema, utilizando-se do marketing para aumentar em números

seus usuários.

4.5 RELAÇÕES CORRELATAS AO CARTÃO DE CRÉDITO

O contrato de cartão de crédito envolve uma relação jurídica, já que coexistem três

contratos distintos, “mas interdependentes e simultâneos, entre o banco emissor e o titular,

entre o emissor e o fornecedor, e entre o titular do cartão e o fornecedor de produtos.”117

É necessário estabelecer primeiramente a relação jurídica que se forma e também a

correspondente estrutura do negócio jurídico a fim de outorgar tratamento apropriado ao

instituto e inseri-lo adequadamente no ordenamento jurídico, atentando-se para a existência de

um complexo de disposições legais que o reconhecem como um fato, capaz de gerar efeitos e

consequências no mundo jurídico, observando a expressão clara e precisa da vontade do

agente no que se relaciona com as obrigações firmadas.

Desta forma, remete-se à análise da situação de cada uma das pessoas envolvidas na

115 PRINCIPAIS operadoras e bandeiras de cartões de crédito. Educação financeira. Disponível em: <http://www.educacao.cc/financeira/principais-operadoras-e-bandeiras-de-cartoes-de-credito/>. Acesso em: 08 mar. 2012. 116 FREITAS, Paulo Springer de. Mercado de cartões de crédito no Brasil: problemas de regulação e oportunidades de aperfeiçoamento da legislação. Textos para Discussão, Brasília, n. 37, dez. 2007. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD37-PauloSpringer.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2011. 117 OLIVEIRA. Celso Marcelo de. Cartão de Crédito de acordo com o novo código civil. Campinas: LZN, 2003, p.60.

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relação negocial de cartão de crédito com ênfase nos pressupostos jurídicos, especialmente no

momento em que o torna capaz de gerir direitos e deveres.

4.5.1 Relação entre o Titular e a Administradora Emitente do Cartão de Crédito

O titular pode ser uma pessoa natural ou jurídica. No caso de pessoa jurídica, por ser o

cartão um típico instrumento para aquisição de bens e consumo, a sua emissão é feita em

favor dessa pessoa jurídica, mas nominalmente a um individuo em especial.

A empresa administradora é um intermediário, de quem depende toda existência do

sistema, que realiza o empreendimento, seleciona os titulares do cartão, credencia sociedades

mercantis, comerciantes, prestadores de serviços, que serão os fornecedores do bem,

dominando economicamente todas as posições; além disso, sustenta normativamente o

sistema, estabelecendo as regras de funcionamento do cartão tanto para os fornecedores como

para os titulares, fixando os deveres contratuais e as possibilidades de negociação através de

condições gerais dos negócios e de instrumentos de adesão. Gerson Luis Cardoso Branco

ressalta:

A relação estabelecida entre o titular e a administradora constitui um contrato atípico, em que há uma abertura de crédito em favor do titular, o estabelecimento de uma prestação de serviços de caixa pela administradora, um mandato outorgado pelo titular para o financiamento e seu credenciamento no sistema, pelo que recebe um cartão de identificação, com o qual poderá utilizar-se dos benefícios estabelecidos contratualmente. [...] Os custos para o titular são o pagamento de taxa anual para despesas administrativas, em alguns casos, uma taxa para que a administradora seja fiadora perante a instituição financeira e juros aos bancos no caso de financiamento, este contrato é celebrado por adesão, submetido a condições gerais, estandartizado, com uma variação somente entre os titulares que têm acesso a diversas modalidades de cartões.118

Sendo assim, a relação jurídica entre o titular e a administradora de cartão de crédito

consiste na obrigação contratual gerada entre ambos, que obriga a administradora, de acordo

com o contrato, a garantir e pagar os débitos efetuados pelo titular; dessa forma, a

administradora adquire o direito de ser reembolsada por esse pagamento, e, se aplicável,

acrescido de juros ou moras quando houver atraso no pagamento.

Esse acordo contratual pactuado entre as partes provém de um contrato de adesão, que

fornece o direito do titular utilizar o cartão em compras em estabelecimentos filiados à

118 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1988, p.87.

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administradora emitente e efetuar o pagamento à própria administradora.

Sendo assim, as principais obrigações e direitos do titular de um cartão de crédito,

segundo Fran Martins, são:

É necessário que o titular pague ao emissor uma taxa que visa cobrir as despesas de emissão do cartão. Nada mais é que uma taxa para utilização dentro do sistema, variável entre as administradoras. A depender da administradora, há uma taxa de renovação, paga anualmente, que visa manter o crédito e a habilitação junto à administradora. Assinar o cartão no lugar indicado, responsabilizando-se pelos prejuízos decorrentes da falta de assinatura. No entanto, o método mais utilizado atualmente para identificação é a senha eletrônica. Comunicar imediatamente ao emissor a perda ou roubo do cartão, sob a pena de responder pelo uso abusivo do cartão por outrem. O cartão de crédito é de uso pessoal e intransferível, dessa forma, a responsabilidade da guarda do mesmo é do titular, o qual responderá pelos prejuízos caso haja negligência dessa responsabilidade.119

Contudo, estas relações jurídicas são vistas hoje de forma sistematizada. O conjunto de

todas essas relações jurídicas compõe o que se chama de sistema de cartões crédito, sendo que

este sistema compreende não apenas as pessoas que o integram, mas o emissor, titular do

cartão e fornecedor, bem como as relações jurídicas existentes entre essas pessoas e as

modalidades próprias da utilização dos cartões, gerando obrigações e contraindo direitos para

ambas as partes.

Essa regra vem sendo cada vez mais questionada e atenuada quanto à responsabilidade

do titular frente ao uso indevido do cartão por terceiros. Nesse sentido, a jurisprudência e

doutrina começaram a entender que cessaria a responsabilidade do usuário a partir da

comunicação da perda, extravia ou furto à administradora.

No entanto, há um consenso sobre o fato de averiguar não somente a responsabilidade

do titular do cartão, mas, também, as eventuais responsabilidades do emissor e do fornecedor.

É passível de responsabilidade exclusiva da administradora, quando essa é comunicada pelo

titular sobre o extravio ou furto do cartão de crédito e não realiza a comunicação ao setor

responsável ou retarda a informação. O fato de falsificação da assinatura do titular de maneira

grosseira também o isenta da responsabilidade, assim como a administradora, sendo o

responsável o fornecedor de serviços ou bens. Atualmente, por evolução por meio da

tecnologia e segurança, as administradoras de cartões de créditos utilizam de senhas

eletrônicas como meio comprobatório e legitimação do titular.

Em casos onde a assinatura do titular é implicada como fator de segurança, é válido

119 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.79.

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acrescentar que a administradora e também o fornecedor possuem papel importante. Haja

vista que, se a administradora fiscalizasse com mais rigor as contas de seus associados, que

são cobradas pelos fornecedores, havendo pagamento somente de contas onde as assinaturas

são legítimas, os fornecedores também agiriam com maior rigor quanto às vendas.

Essas contas referenciam despesas realizadas pelo titular, através do uso do cartão de

crédito, para aquisição de bens ou serviços. Nesse ato, não é vinculada qualquer obrigação do

titular efetuar qualquer pagamento diretamente ao fornecedor. O ato do titular assinar a nota

de venda ou a inserção de sua senha eletrônica equivale para a administradora como

reconhecimento da dívida.

Em contrapartida, dentre os direitos e obrigações do titular existe a possibilidade do

titular solicitar cartões adicionais para seus beneficiários, sob sua responsabilidade.

Entende-se que é direito do titular adquirir bens ou serviços nos estabelecimentos

filiados. Caso não haja aceitação, é possível acionar a administradora e informar o ocorrido,

sendo passível de indenização por dano moral, dado o constrangimento e a vergonha.

Embora o uso do cartão de crédito seja realizado pelos beneficiários do titular, a

responsabilidade continua sendo deste, pois é o único possuidor de contrato com a

administradora. Salienta-se ainda que as despesas são de responsabilidade do titular,

independentemente do número de beneficiários.

4.5.2 Obrigações da Administradora de Cartões, Direitos e Deveres

Por força dos interesses representados pelas administradoras de cartões, o

ordenamento jurídico lhes confere direitos, vantagens, prerrogativas, deveres e obrigações,

para a realização de seu objetivo único, a saber, a satisfação em obter êxito em um contrato

firmado, havendo harmonia entre as partes contraentes que são: pagar as despesas feitas por

meio do cartão, suspender o cartão, mesmo sem motivo plausível, e cancelar o cartão pelo

nãocumprimento da obrigação de pagar no prazo convencionado.

No que tange ao pagamento das despesas feitas por meio do cartão, é a essência do

Sistema do Cartão de Crédito que a administradora seja a responsável pelas dívidas efetuadas

pelo titular; dessa forma, a não citação dessa cláusula no contrato do titular não prejudica sua

relação com a administradora. Porém, em caso de necessidade dessa cláusula para qualquer

que seja o motivo, a menção de que essa obrigação está no contrato entre a administradora e o

fornecedor torna-se suficiente porque, como já citado, o contratos estão interligados. Gerson

Luiz Carlos Branco pondera:

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Os deveres da administradora perante o titular são a liquidação das despesas que o consumidor realiza, a entrega do cartão de identificação, lista dos fornecedores do sistema, informação atualizada destes, remessa periódica da liquidação dos gastos e fornecimento de meios necessários contra práticas desleais dos fornecedores, bem como manter atualizada a lista de cartões furtados e inutilizados, para evitar transtornos ao consumidor. Salienta-se que, em razão da confiança depositada pelo titular na administradora, incide o principio da boa-fé, pois todas essas atividades implicam um agir por outrem, notadamente na liquidação dos créditos e débitos, gerando o dever de prestar contas.120

Já no caso de suspensão de uso do cartão sem motivo plausível, basta à administradora

notificar o titular a suspensão, antecipadamente. Esse ato objetiva evitar que o titular tenha

seu cartão recusado em qualquer estabelecimento conveniado com a administradora, evitando,

assim, o constrangimento. A jurisprudência aconselha que o titular exija reparação pelo

constrangimento.

Na esfera de cancelamento, algumas vezes o titular quita o débito obtido através do

cartão de crédito, porém, por falha, a entidade arrecadadora (instituições financeiras) não

repassa o valor à administradora.

O resultado dessa falha, por vezes, acaba prejudicando o titular, que tem a restrição de

crédito e cancelamento do cartão.

Isso tem sido motivo de ações contra dano moral por parte do titular, sendo os

tribunais favoráveis a essas ações. Se, por negligência, a entidade arrecadadora não repassa os

valores devidos, não cabe ao titular arcar com tal fato e sim a própria administradora.

Cancela-se o cartão de crédito automaticamente após a solicitação do titular à administradora,

sendo esta a responsável pela notificação aos estabelecimentos filiados sobre o ocorrido.

Sendo assim, a administradora de cartões é quem controla economicamente todo o

sistema, pois compete a ela selecionar seus titulares, credenciar fornecedores e estabelecer as

regras contratuais entre as partes.

4.5.3 Obrigações entre a Administradora e o Fornecedor dos Bens e Serviços

Limita-se a um contrato previamente estabelecido entre eles e um valor ou montante,

valor esse garantido através de consulta à administradora no ato na compra do bem ou serviço

ao mesmo tempo em que o titular é identificado, eletronicamente, através do porte do seu

cartão via, geralmente, senha eletrônica. A administradora, portanto, se encarrega de efetuar o

120 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1988, p.95.

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pagamento em nome do titular. Esse contrato, dentre suas peculiaridades, visa,

resumidamente, a inclusão do fornecedor no hall de estabelecimentos conveniados ao sistema

de cartão de crédito.

Neste ato, o fornecedor recebe da empresa administradora uma máquina, chamada de

‘estação’ que interligada a rede “online”, expedirá comprovantes de venda e depósito

eletrônico. Neste caso, algumas empresas cobram um aluguel pela obtenção e utilização

destas máquinas.

Gerson Luiz Carlos Branco entende que:

Fornecedor é qualquer pessoa que preste serviços ou tenha produtos à venda e que esteja cadastrado, filiado ao sistema; é quem prestará os serviços ou mercadorias ao titular, tornando-se credor da administradora das importâncias equivalentes ao valor dos bens consumidos, pagos por meio do cartão de crédito.121

Diante do posto acima, entende-se que as obrigações do fornecedor são, atendendo ao

portador do cartão de crédito, não acrescer o preço das mercadorias ou dos serviços, quitar as

compras feitas pelos usuários, verificar a legitimidade do cartão e do seu uso, pagar uma

remuneração ao emissor, tendo essa premissa como primeira obrigação do fornecedor, tendo

também como obrigação de que modo será o preço praticado pelo fornecedor de bens ou

serviços, podendo variar sobre o objeto de compra, seja desconto ou acréscimo.

Destaca-se que é próprio do sistema de cartões de créditos que a administradora cobre

do fornecedor uma porcentagem sobre as vendas realizadas através do cartão de crédito. Por

esse motivo, há fornecedores que acrescem os preços com o fim de sanar essa diferença.

Devido à cláusula contratual onde a administradora garante a compra na condição à

vista, se o fornecedor se recusa a vender com o preço à vista no cartão de crédito, o titular

possui o direito de acionar a administradora para resolução do problema. Frente a isso no art.

84 caput e seu parágrafo §1º do Código de Defesa do Consumidor: a execução específica, e na

sua impossibilidade, a imposição da obrigação de indenizar. Alcio Manoel de Souza

demonstra:

No ato de vender mercadorias ou prestar serviços aos portadores de seus cartões, nas mesmas condições do consumidor que compra à vista. Por sua vez, deve a administradora pagar ao fornecedor os bens ou serviços pagos através dos cartões.122

121 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1998, p.95. 122 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de crédito questões controvertidas. Curitiba: Juruá, 2001, p.89.

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Por razão da sistemática do cartão de crédito, no ato da venda, quando o titular assina

a nota de venda, a dívida é automaticamente transferida para a administradora. Dessa forma, o

fornecedor obriga-se a dar a “quitação das despesas efetuadas pelo usuário.”

Essa legitimidade refere-se, principalmente, ao seu prazo de validade e às assinaturas

constantes no próprio cartão e na nota de venda.

Ao se comparar as assinaturas, nos casos aplicáveis, e as mesmas serem diferentes, o

cartão de crédito pode ser recusado; porém, se a assinatura tiver sido falsificada e, por

negligência, o fornecedor aceitá-la, o mesmo encontrar-se-á desprotegido perante o sistema.

Cabe ao fornecedor consultar se o cartão não foi cancelado ou suspenso.

Essa remuneração configura-se através da prestação de serviços, como o agenciamento

de clientes. Essa remuneração será descontada do valor total de vendas do fornecedor com o

cartão de crédito e o valor líquido será depositado na conta do fornecedor, sendo que a

remuneração é pré-fixada em contrato.

Conclui-se que a relação entre administradora de cartões de crédito e o fornecedor se

consuma com o contrato firmado entre eles, denominado de contrato de filiação, pelo qual a

operadora se obriga a pagar todas as despesas efetuadas pelo titular, tendo este contrato de

duração determinado, podendo ser renovado.

4.5.4 Obrigações do Emissor

Pagar as despesas do usuário, responder pelos riscos do nãopagamento, da insolvência,

falência ou concordata do comprador, comunicar ao fornecedor extravio ou cancelamento do

cartão.

Vincula-se a um contrato de prestação de serviços, tratando-se de um negócio típico

regulado pelas normas do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.

Marilia Benevides Santos123 demonstra em princípio que se trata de um contrato de

compra e venda ou prestação de serviços, figurando o titular do cartão como comprador-

credor, e o fornecedor como vendedor-credor.

Não se pode deixar de destacar a obrigação da administradora em quitar o débito

realizado pelo titular do cartão junto ao fornecedor, com exceção de vendas com

irregularidades. Sendo assim, devido ao contrato, o devedor principal é a administradora e não

o titular, haja vista que, na efetuação da venda (assinatura escrita ou eletrônica), a dívida é

123 SANTOS, Marilia Benevides. Cartão de crédito nos dias atuais. Rio de janeiro: Lumen Juris, 1997, p.77.

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transferida à administradora.

Para tanto, o emissor fica sub-rogado em todos os direitos do fornecedor para agir

contra o titular do cartão.

O fornecedor não tem prejuízo algum, caso o titular declare falência ou insolvência, já

que o credor é a administradora. Porém, no caso do fornecedor vender ao titular após a

declaração da falência ou insolvência, já que esse perde a capacidade contratar, a

administradora pode, justificadamente, não pagar. Sendo assim, o fornecedor pode “habilitar-

se na falência ou no processo de insolvência do titular do cartão.

Geralmente, quando o fornecedor aceita uma venda acima do limite permitido pela

administradora, a administradora isenta-se de responsabilidade, conforme o citado acima,

assim como quando o cartão foi utilizado por outra pessoa autorizada pelo titular ou quando o

fornecedor aceita cartões de créditos irregulares, como com validade excedida.

O contrato de filiação poderá extinguir-se por incapacidade de uma das partes ou pela

prática de atos, por parte do fornecedor, que prejudiquem o sistema, como, por exemplo, a

nãoaceitação do cartão específico.

4.5.5 Obrigações do Titular e o Fornecedor dos Bens e Serviços

A presente relação trata de um mero vínculo comercial, que existe por simples pacto

de compra e venda, sem gerar, no entanto, qualquer obrigação de pagamento, porque a

obrigação de pagar é assumida pela administradora do cartão. O titular não pode transferir a

posse do cartão a outras pessoas, deve responder pela guarda e conservação do cartão,

responsabilizando-se, no caso de perda ou extravio deste, pelo mau uso, assinar a nota de

venda que lhe é apresentada pelo fornecedor, e pagar diretamente ao fornecedor no caso de

transgressão de norma contratual.

O titular se baseia nas obrigações, criando-se desta forma normas e regras para a

funcionalidade do instrumento, como exibir o cartão de crédito para adquirir bens e serviços

junto ao fornecedor e a utilização do crédito apenas no limite fixado pela administradora,

sendo requisitos obrigatórios para que a venda se realize.

Ao ultrapassar o limite de crédito do titular, obtido no ato da emissão do cartão pela

administradora, a mesma não possui responsabilidade pelas dívidas adquiridas através do

cartão de crédito, sendo que esse fato somente é possível quando o fornecedor aceita o cartão

irregular.

O recebimento do fornecedor diretamente do titular é movido por ação por meio das

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notas de vendas que a administradora se isenta de pagar e as devolve ao fornecedor.

4.6 CARTÕES DE CRÉDITO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O modelo tradicional de contrato, que se denomina um acordo entre duas pessoas em

igualdade de condições, sendo este utilizado para os acordos celebrados entre o adquirente e

as operadoras de cartões de crédito pelo contrato denominado de adesão, é disciplinado no

artigo 54 da Lei 8078/90, denominado Código de Defesa do Consumidor.

Esse diploma legal traz em seu contexto cláusulas que, aprovadas pela autoridade

competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos e serviços, sem que

o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo, protege o

hipossuficiente na relação que se denominado como consumidor.

Consagra o princípio da exilegibilidade das cláusulas contratuais, objetivando levar o

consumidor ao conhecimento do conteúdo do contrato pela simples leitura, determinando

ainda que as cláusulas que limitam o direito do consumidor devam ser destacadas no corpo do

contrato e também que ocorra a aceitação deste por parte do adquirente, baseados no princípio

da boa-fé e no equilíbrio contratual.

Cláudia Lima Marques sustenta que o contrato de adesão “é aquele cujas cláusulas são

preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte

(fornecedor), isto é, sem que o outro pólo (consumidor) possa discutir ou modificar

substancialmente o conteúdo do contrato escrito.”124

Desse modo, como já elencado no segundo capítulo do presente trabalho, o contrato de

adesão se caracteriza pela desigualdade econômica, pela oferta ao público em geral, pelas

cláusulas pré-estabelecidas e sua elaboração unilateral, cuja aceitação se opera no momento

em que o consumidor adere ao esquema contratual.

O contrato pré-elaborado não passa de uma folha de papel, não produz qualquer efeito

jurídico; assim, o contrato de adesão se consuma através da aceitação formal de um esquema

contratual que, muitas vezes, o adquirente aceita sem mesmo ter a consciência do que lhe está

sendo proposto, tendo-o aceito apenas com o simples fato de recebimento ou pelo desbloqueio

do instrumento, ocasionando mais uma vez transtornos e prejuízos ao consumidor.

A questão hoje é pacífica na doutrina e na jurisprudência no sentido de que a atividade

bancária, financeira de crédito e securitária presta serviços ao consumidor (hipossuficiente) e

124 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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sua natureza encerra típica relação de consumo, que ocorre pela simples da entrega do

contrato em sua residência

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no REsp n.º 57974-0-RS, rel. Min. Ruy

Rosado de Aguiar, da 4ª Turma, assim decidiu:

O recorrente, como instituição bancária, está submetido às disposições do Código de Defesa do Consumidor, não porque seja fornecedor de um produto, mas porque presta um serviço consumido pelo cliente, que é o consumidor final desses serviços, e seus direitos devem ser igualmente protegidos como o de qualquer outro, especialmente porque nas relações bancárias que envolvem cartão de crédito há difusa utilização de contratos de massa e onde, com mais evidência, surge a desigualdade de forças e a vulnerabilidade do usuário.125

O Código de Defesa do Consumidor não permite contratações desproporcionais,

injustas e que venham a desequilibrar a relação contratual consumerista, acarretando em

qualquer das hipóteses a possibilidade de modificação ou revisão do contrato, mesmo não

sendo considerada relação de consumo.

Os contratos de adesão avençados nos Sistemas de Cartões de Crédito devem ser

interpretados considerando a garantia constitucional de que nenhuma lesão ou ameaça a

direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário.

O artigo 5º, XXXV, da CF, concomitantemente com o dispositivo no artigo 5º da Lei

de Introdução ao Código Civil, que indica ao juiz o critério do fim social e do bem comum,

assim como os princípios já citados, como o da boa-fé e da equidade, isto é, do equilíbrio

entre as prestações contratuais, com o CDC, o contrato nas relações existentes entre

consumidor e fornecedor, passou a ter um tratamento mais justo e equânime.

Nesse sentido, Rogério Ferraz Donnini diz que:

O CDC alterou a visão clássica do direito privado que está embasado no liberalismo do século passado. O CDC alterou sobremaneira os princípios da autonomia da vontade, da força obrigatória e da relatividade dos contratos, criando uma verdadeira revolução doutrinária, diante da modificação de verdadeiros dogmas do direito civil, arraigados no pensamento dos estudiosos do direito. Pode-se asseverar que com a criação do mecanismo de proteção ao consumidor ocorreu a maior transformação nas relações contratuais desde a revolução industrial, embora essa revolução ainda prossiga. O pensamento liberal de que o contrato, a declaração unilateral da vontade e do ato ilícito representam as únicas fontes das obrigações não mais

125 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao código de defesa do consumidor: direito material (arts. 1º ao 54). São Paulo: Saraiva, 2000, p.98.

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coincide com a concepção atual; desta forma, as partes podem acordar sobre determinados direitos e deveres.126

Neste prisma, observa-se a modificação de cláusulas contratuais em decorrência da

excessiva onerosidade exposta pelo Código de Defesa do Consumidor, em outras palavras, o

CDC prevê tanto a modificação quanto a revisão de cláusulas abusivas, sempre protegendo o

hipossuficiente na relação.

Em síntese, o Código de Defesa do Consumidor, ao inovar a visão clássica, liberal e

individualista do direito clássico na esfera do direito das obrigações, impõe limites ao dogma

da autonomia da vontade.

Diante disso, enumerou um rol meramente exemplificativo de cláusulas abusivas. Isto

quer dizer que, toda vez que se verificar a existência do desequilíbrio entre as partes ou

contrárias ao princípio da boa-fé objetiva, terá o consumidor respaldo na lei 8078/90, sendo a

única ferramenta de proteção jurídica declarada em diploma legal.

4.6.1 Vida a Crédito: Consumo, Prazer e Dívidas

No mundo consumerista atual, não há quem queira abrir mão da oferta de um cartão de

crédito; seria não estar apto à modernidade no que se refere à viabilização dos negócios, de

poder de compra e venda de mercadorias e estar apto a utilizar serviços e operações

financeiras, com praticidade e comodidade.

No entanto, a ferramenta designada como cartão de crédito, se não utilizada da

maneira correta, se torna uma armadilha financeira para os clientes.

Muitos consumidores são incentivados pelo simples fato de terem em mãos um

documento de fácil acesso a produtos e serviços. Pode ocorrer-lhes um endividamento em

virtude do uso inapropriado dos cartões de crédito, que lhes possibilitou o consumo

desenfreado.

Os motivos de endividamento se resumem nos juros e de taxas exorbitantes, criando

um acúmulo mês a mês, e se deparando o titular do cartão com um montante muitas vezes

acima de seu orçamento mensal.

Conforme pesquisa recente relizada pelo Serviço Central de Proteção ao Crédito

(SCPC),127 entre os inadimplentes no Brasil, 64,1% têm dívidas com cartão de crédito, e os

126 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil. São Paulo: Saraiva, 1999, p.53. 127 CARTÃO de crédito é principal causa de endividamento, diz pesquisa. Terra, Economia, 19 dez. 2011. Disponível em: <http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201112192223_TRR_80627476>. Acesso em: 27

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endividados têm em média 2,4 contas em atraso.

As causas de endividamento se resumem nos produtos ofertados pelo mercado

financeiro, incompatibilidade do limite de crédito, ocorrendo a falta de aderência em relação

ao rendimento salarial, entre outros.

Hodiernamente, a utilização dos cartões se tornou rotineira. Há usuários que

conseguem administrar com rigor os seus gastos e investimentos em conformidade com a

capacidade de pagamento. Todavia, há aqueles, menos cuidadosos, que se endividam,

sobretudo porque não conseguem liquidar todo o valor financiado mensalmente.

Como a utilização é facilitada, muitas vezes o usuário alcança o limite, postergando o

pagamento e, com isto, acumulam mais dispêndios financeiros com taxas elevadas quando

comparadas a outras operações.

Para o usuário que planeja as compras e pagamentos, o cartão de crédito é um ótimo

instrumento de controle financeiro, pois, oferece vantagens, tais como, dispensa

dinheiro e cheque na hora da compra, há prazos para pagamento da aquisição dos bens ou dos

serviços, em alguns casos não há a necessidade de pagamento de anuidade, as operações de

débito evitam filas e a emissão de papéis e os valores das compras podem ser parcelados.

Do total de famílias brasileiras que, no mês de maio, estavam endividadas, 74,8%

disseram estar devendo no cartão de crédito, motivo pelo qual essa modalidade de pagamento

foi apontada como a principal dívida das famílias no período pela Pesquisa de Endividamento

e Inadimplência do Consumidor, divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de

Bens, Serviços e Turismo (CNC).128

Importante se torna conhecer os dois lados deste instrumento denominado cartão de

crédito, sendo um lado, o de muitas pessoas que usam os cartões de crédito sabiamente,

pagando a fatura todo mês para que não haja juros, e o outro, o impacto multiplicador na vida

financeira dos juros devastadores cobrados sobre o saldo devedor dos cartões de crédito,

transformando o futuro financeiro do titular do cartão em uma hipoteca.

O presente capítulo abordou primeiramente o instituto cartão de crédito, tratando

desde sua evolução histórica, seu surgimento e sua evolução até os dias atuais.

Posteriormente, delimitou o conceito do instituto e sua atuação dentro do mercado de

jul. 2012. 128 CAMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS – CDL São Luís - MA. Cartão de crédito concentra 74,8% das dívidas de famílias, diz CNC. CDL São Luís. Disponível em: <http://www.cdlsaoluis.com.br/exibirNoticia. php?cat=2& idnoticia=45>. Acesso em: 29 jul. 2102.

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consumo, abordando sua função econômica nas relações capitalistas, que gera as relações de

consumo.

As modalidades ofertadas pelas instituições financeiras são: débito, múltiplo e também

linhas de crédito, acompanhadas de uma bandeira. O cartão tem como função principal

garantir ao adquirente praticidade,celeridade e segurança em suas compras, deixando ele de

utilizar papel moeda e cheques, optando somente pela utilização desta ferramenta. Os cartões

tornaram-se indispensáveis dentro do setor econômico,movimentando bilhões de reais no

mercado, tendo como consequência a satisfação das necessidades de consumo e a

sobrevivência do próprio modelo econômico brasileiro.

Com a utilização do cartão de crédito, o portador possui crédito disponível na hora e

prazo para liquidez deste valor, requisito importante e valorizado pelos consumidores que

decidem onde, como e o que comprar, criando uma relação de direitos e obrigações tanto por

parte das operadoras, dos consumidores e dos estabelecimentos comerciais conveniados.

Com a oferta de crédito simples e rápida, o consumidor é impulsionado a utilizar o

cartão de crédito. Diante do anseio em consumir bens e produtos e não atentando para o

instrumento contratual pactuado, o consumidor firma uma relação contratual sem ter

conhecimento do conteúdo imposto, se submetendo a obscuridades e imposições unilaterais.

Por fim, o respaldo legal trazido neste estudo trata do Código de Defesa do

Consumidor, que protege o hipossuficiente nas relações consumeristas, amparando o

consumidor e garantindo-lhe segurança nas relações contratuais.

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5 RESPONSABILIDADE CIVIL DAS ADMINISTRADORAS DE CRÉDI TO

Como já anteriormente comentado, o cartão de crédito não se reduz apenas a um

contrato, mas é um sistema contratual constituído de contratos conexos.129 Basicamente

representado por um triângulo (administradora - titular – fornecedor), teve seu raio de atuação

ampliado. Com a evolução da economia de mercado e fluxo de mercadorias, as inovações

tecnológicas e mercadológicas desenvolveram-se na mesma proporção, visando o aumento da

base de captação e volume de negócios, ocorrendo um desdobramento das funções

contratuais, número de contratos e pessoas adstritas às operações existentes no mercado,

como elencado por Flávio Maia Fernandes dos Santos:

Com o passar dos anos, a evolução do mercado e as inovações tecnológicas fizeram como o vértice que poderia ser ocupado por uma só pessoa, com as funções de administradora, emissão do cartão e credenciadora dos estabelecimentos, fosse desdobrado em vários outros, com cada função podendo ser desempenhada por pessoas diferentes, com contratos celebrados entre elas: (a) bandeira; (b) emissora (administradora não financeira ou instituição financeira); (c) instituição financeira para emprestar ao titular de cartão quando necessário para quitar fatura; (d) credenciadora de estabelecimentos fornecedores de bens/serviços; (e) prestação de serviços de rede (captura e processamento de operações e aluguel de terminais); (f) compensação e liquidação das obrigações financeiras com os estabelecimentos credenciados.130

Analisa o autor que, apesar da importância que o instrumento assumiu no mercado,

seu sistema contratual ainda não foi objeto de regulação específica na ordem legislativa

brasileira, sendo necessário recorrer a princípios gerais de direito, teoria geral de contratos e

princípios gerais que tutelam os direitos dos consumidores. Outra sistemática que favorece

abusos do direito é o vazio regulatório que o instituto recebe pelo Conselho Monetário

Nacional (CMN) e Banco Central do Brasil (BACEN), por não considerarem a administração

de cartão de crédito como atividade de sua competência.

Neste ínterim, analisaremos a dimensão da responsabilidade das administradoras

(instituições financeiras) pelas condutas e danos causados no trato como o consumidor final

no seu tripé conceitual, face complexidade do tema e a falta de enfrentamento por parte do

legislador no assunto.

129 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1998, p.02. 130 SANTOS, Flávio Maia Fernandes dos. As novas regras sobre cartão de crédito introduzidas pela res. CMN 3.919 de 25.11.2010. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 14, n. 51, p. 379-393, jan./mar. 2011, p.380.

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5.1 RESPONSABILIDADE CIVIL: FUNDAMENTOS, NATUREZA JURÍDICA E

DIREITO ESTRANGEIRO

O significado etimológico131 da palavra “responsabilidade” deriva do verbo

“ respondere” que, entre outras acepções, tem a de “dar o equivalente, satisfazer a, pagar”. O

verbo é formado de outro “spondere”, que se traduz por “obrigar-se a, responder por alguém,

dar garantia”, sendo prefixado pela partícula “re” que fornece uma condição de

reciprocidade, resposta.

Nos primórdios, o homem sempre se voltou contra o dano, não aceitando arcar com os

prejuízos frutos do acaso, da fatalidade. O conceito de responsabilidade era atrelado à

reposição do dano originário da culpa; tal culpa obrigava o devedor ao pagamento de pecúnia

ou membros do corpo como exemplifica IHERING, apud Jacinto A. G. Baia:

O lesado renunciava a exigir a pena do talião mediante o pagamento duma composição considerável; a sua sede de vingança ficava tão apaziguada quando o seu adversário era obrigado a ceder-lhe o que tinha de mais precioso no mundo, como quando lhe tivesse infligido algumas feridas graves. Não é mais espantoso o ver prosseguir contra a pessoa a satisfação duma lesão pecuniária do que ver a fortuna do adversário pagar a pena duma lesão pessoal. Em vez de dinheiro, os membros do corpo (in partes secare); em vez dos membros do corpo, o dinheiro.132

Com o desenvolvimento das relações sociais, e destas, o direito como formalizador das

complexidades da vida, no final do século XIX começaram a surgir ideários da

responsabilidade sem culpa, panorama originário da Revolução Industrial e do seu

desenvolvimento industrial, da análise da culpa pelos acidentes ocorridos nas máquinas e os

primeiros incidentes consumeristas, por exemplo.

No Brasil, o conceito legislativo da responsabilidade civil no âmbito contratual

colima-se com a adequação do nosso Código Civil de 1916 ao Código Francês, pelos artigos

1146 e 1155, sobre os efeitos da inexecução das obrigações, baseada no Direito Romano

Clássico e na Lei Aquilia, como anota José Rubens Costa:

No campo processual a lei Aquilia, à época clássica do Direito romano, dava ação na ocorrência de delitos entre pessoas não ligadas pelo vínculo contratual. Havia uma certa dificuldade ou mesmo impossibilidade, em caso de inexecução de contratos, de propiciar a ação , porque a lei Aquilia só se

131 BAIA, Jacinto Américo Guimarães. A evolução da responsabilidade civil e a reparação do dano nuclear. In: Estudos sobre a responsabilidade civil: cadernos de pós-graduação. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1977, p.11. 132 Idem, Ibid., p.13.

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aplicava aos fatos positivos e a inexecução contratual geralmente consiste na abstenção do devedor em cumprir positivamente o pactuado; deu-se pois, a ação nascida do contrato. Isso levou a uma distinção entre responsabilidade originada “exdelictu” e “excontratu”, mas somente quanto a seus efeitos.133

No contexto financeiro atual, inegável é a gama de conexões contratuais que se

efetivam quando da utilização do cartão de crédito. Estas conexões ou redes de negócios

ganham dimensão jurídica quando proporcionam surgimento de novas relações de consumo e

de demandas sociais, originárias de uma conduta agressiva de marketing e desinformação do

consumo sobre o produto adquirido, conforme denota Wilson do Prado:

A organização e a agressividade das administradoras, em parceria com o sistema bancário nacional, além da propaganda veiculada nos meios de comunicação, levam os consumidores a adquirir o cartão de crédito fundamentados na premissa de que o portador ou titular de um cartão eleva-se a uma categoria social privilegiada, cuja conduta resulta em implicações obrigacionais inerentes ao instituto. É necessário que no ato da adesão o cliente tenha informações precisas sobre o serviço oferecido e as funções decorrentes do seu uso, bem como dos deveres a ele impostos por ocasião da adesão. Mas, via de regra, os titulares de cartão não são suficientemente esclarecidos sobre a funcionalidade do sistema, bem como sobre implicações jurídicas pertinentes e, por vezes, não são informados sobre a sua multifuncionalidade.134

Antonio Carlos Efing esclarece que, no contexto das relações de consumo, os

questionamentos foram recepcionados pelo CDC através de um tratamento diferenciado para

regular e equilibrar estes contratos:

[...] todas as questões que dizem respeito a relações de consumo (ou relações jurídicas equiparadas às relações de consumo) receberam, com a edição do CDC, tratamento inovador, justamente por seu objetivo ser o de regulamentar a relação de consumo, criando mecanismos para que se torne equilibrada, evitando a prevalência de um sujeito em detrimento do outro, assumindo o papel de equalizador da situação vulnerável dos consumidores em relação ao formatado poderio dos fornecedores.135

Destarte, é concreto afirmar que o CDC agregou no contexto do código várias formas

de consumidor, não se contentando apenas com o art. 2º, mas ampliando seu raio de ação para

equiparar todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas,

133 COSTA, José Rubens Costa. Da responsabilidade civil contratual e delitual. In: Estudos sobre a responsabilidade civil: cadernos de pós-graduação. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1977, p.47-52. 134 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.131. 135 EFING, Antonio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. Curitiba:Juruá, 2001. v. 1, p.31.

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conforme anotado em seus artigos 17 e 29.

Assim, situações de controle de publicidade, regulação de cláusulas contratuais e

responsabilidade civil foram abarcadas em seu conteúdo legislativo, salienta Antonio Herman

Benjamim:

Em face da complexidade das matérias de que cuida, o Código não se contentou com um único conceito de consumidor. Há um geral (art. 2º, caput) e três outros por equiparação (arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29). Tal se dá porque alguns dos fenômenos de mercado regrados pelo Código poderiam, se tal fosse a opção do legislador, ser objeto de leis específicas, aliás, como é normal na Europa e Estados Unidos. Teríamos, então, uma lei de controle de publicidade, outra para a regulação das cláusulas contratuais abusivas, outra para a responsabilidade civil pelos acidentes de consumo, uma outra para os crimes de consumo e assim sucessivamente.136

Todas as mudanças neste corpo legislativo, como comentado, são reflexos das

características advindas de conceitos pós-modernos, mudanças essas já salientadas nos

capítulos anteriores. Daí a preocupação do Estado e do legislador pelo contexto proposto na

atividade econômica do art. 170 da Constituição Federal137 em trabalhar no equilíbrio dos

conteúdos contratuais massificados dentro da econômica de mercado, incluindo a

responsabilidade civil nessas relações altamente contratualizadas, com vistas ao incremento

da economia e desenvolvimento econômico da nação.

Na formação de redes contratuais que fornecem produtos e serviços ocorre uma

constante busca pela diluição dos riscos da atividade econômica desenvolvida que, pela

divisão de riscos e vicissitudes da negociação, acaba por desaguar em algum momento no

consumidor, parte hipossuficiente dessa relação em cadeia, causando danos e

consequentemente responsabilidades.

Andreza Cristina Baggio Torres, em sua obra, relata que tais redes estão

intrinsecamente vinculadas aos consumidores, havendo vinculação diretamente com um

componente da rede e indiretamente com os demais, surgindo o questionamento se ao

consumidor assiste ações de reparação de danos face os outros componentes da cadeia, razão

da rede de segurança que, por um lado dilui os riscos empresarias, mas, por outro, possibilita

o aumento exponencial dos abusos:

136 BENJAMIN, Antonio Herman. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p.147. 137 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IV - livre concorrência;V - defesa do consumidor; [...] VII - redução das desigualdades regionais e sociais.

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O fenômeno da responsabilidade dos integrantes do grupo de contratos deve ser analisado a partir dos consumidores em relação às novas formas de contratação na sociedade de massas, pois a imagem clássica da empresa vem sendo alternada, e a empresa moderna, ou pós-moderna, tende a organizar-se através de grupos ou redes de sociedades comerciais, a fim de fragmentar, diluir e delimitar os riscos empresariais, criando então verdadeiros mantos protetores favoráveis ao consumidor.138

É notório que uma conduta causadora de um descompasso e desequilíbrio a outrem,

por violação à tábua principiológica da boa-fé, justifica a busca pela reparação compensatória.

Nesta hipótese, concorre a necessidade de nexo causal da conduta nos termos do ensinamento

de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, verbis:

[...] a responsabilidade civil, vista genericamente, está na ocorrência de um nexo causal entre duas circunstâncias no mínimo: a) a conduta de alguém, que se afigurará como ofensiva; b) o aparecimento de um dano resultante da conduta.139

A legislação brasileira trata dos atos ilícitos e estabelece em seu artigo 186 do Código

Civil que “[...] aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar

direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Acrescenta o disposto no artigo seguinte as situações de abuso do direito como aquele ligado

ao titular “[...] de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos

pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Assim disposto, percebe-se que a combinação desses artigos com o art. 927 constitui

os elementos que compõem o dever de indenizar; elementos estes integrantes da conduta das

partes e liame integrativo da causalidade: voluntariedade, culpabilidade, violação de direito,

ação ou omissão.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A Lei 8078/90140, que trata das relações de consumo, serviu como parâmetro para o

138 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna: as redes contratuais na sociedade de consumo. 2005. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2005, p.108-109. 139 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade civil no código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p.39. 140 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos

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Código Civil, uma vez que evidenciou nos artigos 12 a 17 as responsabilidades do fornecedor

de produtos e serviços, pelo risco da consecução do negócio, como salienta Castro do

Nascimento:

[...] o Código de Defesa do Consumidor evidenciou, com a máxima clareza e indicando uma única exceção, que houve o afastamento da responsabilidade subjetiva.[...] Tanto no art. 12 como no art. 14, é dito que a responsabilidade nas relações de consumo se afigura independentemente da existência de culpa.141

Destes dispositivos, a natureza jurídica da responsabilidade civil das administradoras

de cartões de crédito no Brasil encontra respaldo e fundamentos na Teoria do Risco, qual seja,

da Responsabilidade Objetiva das empresas que gerenciam este produto no país:

A natureza jurídica da responsabilidade civil das administradoras encontra ressonância na obrigação de resultado oriunda de um sistema contratual que permite a prestação de serviços de emissão, gerenciamento de pagamento, fomento da atividade econômica e outras funções pertinentes ao instituto, cujo fundamento está assentado na teoria do risco, ou seja, na teoria da responsabilidade objetiva.142

Como no Brasil, a responsabilidade civil das administradoras de crédito não é assunto

pacificado em legislação e jurisprudência estrangeira. Na França,143 o conceito contratual de

decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. [...] § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. [...]. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011. 141 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade civil no código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p.47. 142 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.189. 143 Idem, Ibid., p.71-84.

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cartão de crédito utilizado é o de múltiplas funções, como o cartão múltiplo nacional. A

questão da responsabilidade civil é analisada nos tribunais no aspecto da culpa, caso a caso, e

através da teoria do risco do empreendimento, responsabilizando objetivamente a

administradora pelos prejuízos decorrentes.

Sua natureza jurídica, por ser de caráter complexo, possui uma peculiaridade de

inversão de posição a cada operação realizada, conforme anota Patrick GrayllChabrier, apud

Wilson do Prado:

A natureza jurídica do cartão de crédito na França define-se pelo sistema contratual de caráter complexo, porque, ao pagar o fornecedor de bens e serviços, assegura também ao usuário um duplo serviço, o de caixa e de domicilização, este último entendido como contabilização das despesas efetuadas pelo titular, reunidas numa fatura que lhe é entregue para pagamento numa determinada data do mês. Assume, assim, obrigações suplementares àquelas oriundas da abertura de crédito puro e simples, em que a obrigação tem elementos certos como o credor, devedor e objeto, o que não acontece nos cartões de crédito, em que o credor e devedor mudam de posição a cada operação realizada.144

A evolução como instituto jurídico praticamente não ocorre em razão da “[...]

irrevogabilidade da ordem de pagamento dada pelo cartão, prevista pelo artigo 22 da Lei nº

85-695, de 11 de julho de 1985”,145 repassando para a Corte Francesa o ônus pela resolução

dos conflitos e base para os fundamentos da responsabilidade civil. A tendência é na adoção

dos fundamentos da responsabilidade objetiva, uma vez que a administração, gerenciamento

do crédito, autorização para pagamentos de bens e serviços, originária do próprio emissor do

cartão, que outorga a concessão no momento da consulta eletrônica.

Na Itália,146 a questão dos cartões de crédito é classificada pela trilateralidade e

definida como serviços emitidos por empresas que exclusivamente oferecem serviços de

intermediação de pagamento. Conceitualmente, os cartões podem ser definidos por uma

função complexa da fattispécie, como ensina Wilson do Prado:

Assim, o conceito de cartão de crédito na Itália pode ser definido como uma função complexa da fattispecie, constituindo-se de vários contratos e fundamentado no fato de concentrar o pagamento mediante uma dúplice substituição por uma administradora, o que se exterioriza por meio da emissão de um documento, o qual recebe o nome de documento auto-

144 CHABRIER, Patric Grayll. Les cartes de crédit. Paris: Dalloz, 1968, p.254. In: PRADO, op. cit., p.83. 145 PRADO, op. cit., p.73. 146 Idem, Ibid., p.85-101.

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suficiente, documento não nominativo e não transferível, documento de identificação e documento de legitimação.147

Em sua natureza jurídica, o instituto na Itália é herança da letra de câmbio, pela

natureza das convenções que concorrem entre emitente e portador. Outorga a ideia de

delegação de valores com intuito de adimplemento em tempo futuro, sendo o ressarcimento

ao mercado efetuado pelos estabelecimentos bancários conveniados com a administradora. A

operação é muita parecida com o cheque bancário, utilizado como meio de substituição ao

pagamento em moeda:

O fenômeno apresenta-se pelas notáveis afinidades emergentes com características similares àquelas presentes na chamada convenção de cheques. Certamente esta aproximação do instituto, por muitos aspectos justificados e por numerosas analogias entre a convenção de emissão do cartão e do cheque, apresenta um indubitável interesse quando se deseja aprofundar o exame das características presentes nos tipos de convenções consideradas. Levando-se em conta que a emissão de cartão, na maioria pelos bancos, parece de fato ter em comum o aspecto de um serviço pelo qual se realiza uma rápida circulação monetária com base nos meios adotados, respectivamente, cartão de crédito e cheque bancário, conduzida no âmbito dos instrumentos de pagamento substitutivos da moeda legal.148

Como nos ordenamentos brasileiro e francês, o problema de carência legislativa se

perfaz também na legislação italiana. Neste caso, fundamenta-se na doutrina para construção

de uma disciplina jurídica que protege aquele que se utiliza do instituto contra os desmandos e

abusos do poder inerente às instituições.

A teoria mais utilizada na doutrina italiana é a apuração da culpa como fundamento,

na busca pela parte que estabeleceu a violação do direito da outra, produzindo o nexo de

causalidade, finalizando a culpa. Fundamentam-se na diligência do Emissor em promover

todos os atos que satisfaçam o Consumidor, e este, que cumpra com as obrigações e cuidados

no manuseio do cartão esperados pelo Emissor.

Todavia, de modo pragmático, a jurisprudência segue instruções oriundas do Direito

Comunitário. Em face da hipossuficiência dos consumidores, aplica-se a teoria da

responsabilidade objetiva, invertendo-se o ônus da prova.

Pode-se constatar que, apesar das divergências doutrinárias, a dinâmica jurisprudencial

é uníssona na adoção da responsabilidade objetiva como parâmetro dos julgados desses

147 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.87. 148 Idem, Ibid., p.87.

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países, os postulados protetivos aos consumidores, confirmando a aplicação do equilíbrio

econômico e função social dessa relação contratual em consonância com o dinamismo pós-

moderno da principiologia contratual atualmente praticada.

5.1.1 Legislação Específica do Instituto

Quanto à legislação específica dos Cartões de Crédito em terras brasileiras, como nos

outros países, é quase inexistente, limitando-se a poucas Resoluções, notadamente após

grandes embates entre órgãos de controles do conteúdo contratual. Ademais, pode-se notar

que os conteúdos se misturam entre uma Sistemática Financeira de análise dos casos e o

Códex Civilista.

Com isso, o legislador levou a regulação do instituto para o âmbito do judiciário,

campo que comumente os brasileiros não têm o hábito de utilizar e que, com a notória

conduta do brasileiro em honrar os compromissos assumidos, constitui uma barreira para o

desenvolvimento efetivo de controle do conteúdo contratual, como ensina Marcos Lyra:

As barreiras psicológicas constituem um fator de restrição do acesso à Justiça. São frutos da desconfiança das pessoas não habituadas a litigar em relação aos operadores do direito e do constrangimento que representa o ambiente formal do fórum. Estes aspectos (operadores do direito e ambiente do fórum) têm significado simbólico opressor que desestimula muitas vezes a defesa de direitos. [...] O princípio clássico do pacta sunt servanda tem, junto às pessoas, um caráter moral bastante arraigado, o que torna difícil a admissão por parte delas sobre a possibilidade de deixar de realizar um compromisso assumido em instrumento contratual (‘preto no branco’), principalmente quando este tem aparência de legalidade.149

Assim sendo, toda uma gama de abusos de direito ocorre com aqueles que se utilizam

do sistema, sendo relegado aos poucos clientes que utilizam do Poder Judiciário ver o

equilíbrio contratual.

Até 2010, pouquíssimas foram as intervenções legislativas nessa seara, esclarece João

Torres Albuquerque150, quase não existindo legislação específica, sendo que esta é composta

em grande maioria de Circulares e Resoluções, procurada desde o momento em que, no país,

começaram a ser usadas as normas do Sistema Financeiro: Lei 4.595/64, que trata da Reforma

do Sistema Financeiro;

149 LYRA, Marcos Mendes. Controle das cláusulas abusivas nos contratos de consumo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p.24-25. 150 ALBURQUERQUE, João Batista Torres. Prática processual bancária: contra banco. Leme: Edijur, 2008, p.537-649.

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a) Projeto de Lei do Senado nº 148/97, que institui a obrigatoriedade de as

empresas operadoras de cartões de crédito oferecerem uma versão de

cartão de crédito com foto digitalizada;

b) Circular nº 2.683/96 do Bacen, que esclarece sobre os prazos de

financiamento a seus usuários;

c) Circular nº 2.690/96 do Bacen, que dispõe sobre o financiamento do

saldo de suas faturas e revoga dispositivos das circulares que menciona;

d) Decreto nº 2.181/97, que dispõe sobre a organização do Sistema

Nacional de Defesa do Consumidor, o SNDC, estabelece normas gerais

de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei 8.078/90,

revoga o decreto 861/93 e dá outras providências;

e) Resolução 3517/07 do Banco Central, que dispõe sobre a divulgação do

Custo Efetivo Total de todos os encargos e despesas de crédito ofertados

a pessoas físicas.

Em abril de 2010, foi elaborado relatório sobre os Cartões de Crédito pelo Ministério

da Justiça através do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC - Sindec),

no qual foi conclusivo o aspecto de que o déficit de informação pela falta de padronização e

“profusão de tarifas” cobradas pelas Administradoras inviabiliza uma noção sobre o real valor

pago pelo consumidor, a exemplo da utilização do crédito rotativo, que incrementa uma

aplicação de elevada taxa de juros sobre o saldo devedor.

Sobre o relatório do DPDC, conclui Clarissa Lima, que essas situações enfrentadas

pelo usuário dos cartões é reflexo direito da carência de regulamentação e informação

deficiente:

A conclusão constante no relatório é de que as cobranças indevidas são apenas o reflexo, manifestação de problemas que ocorrem em etapas anteriores à celebração do contrato, relativas à carência de regulamentação e informação deficiente, pois o consumidor não compreende os termos e condições daquilo que contrata nem a extensão de suas obrigações. O consumidor muitas vezes desconhece que, efetuando somente o pagamento do valor mínimo da fatura, estará financiando o restante com elevados juros.151

Destes relatórios, advieram pelo Banco Central duas resoluções: a Resolução 3919/10,

que altera e consolida as normas sobre cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte

das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central

151 LIMA, Clarissa Costa de. O cartão de crédito e o risco de superendividamento: uma análise da recente regulamentação da indústria de crédito no Brasil e nos Estados Unidos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 21, v. 81, jan./mar. 2012, p.247.

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99

do Brasil e dá outras providências, e a Circular 3512/10, que dispôs sobre o pagamento do

valor mínimo da fatura de cartão de crédito, buscando uma diminuição e unificação dos

níveis de endividamento que os consumidores do instituto detinham sem um limite mínimo

estipulado pelo legislador neste quesito.

Pode-se verificar que a vacância legislativa sobre esse instituto facilitou a

disseminação do produto mercadológico “cartão de crédito” sem uma atuação dos poderes

Estatais no controle de conteúdo e das suas condutas; por outro lado, do consumidor,

acarretou um aumento do nível de endividamento, principalmente das classes menos

esclarecidas que, de repente, adquiriram algo que lhes possibilitaria a compra de uma gama de

produtos sem uma análise criteriosa do seu crédito.

5.1.2 Divergências sobre a Natureza do Instituto: Conselho Monetário Nacional, Banco

Central e Superior Tribunal de Justiça

Apesar do CMN e BACEN entenderem que as administradoras não fazem parte do rol

dos conglomerados financeiros por ele geridos, o Relatório sobre a Indústria de Cartões de

Pagamento,152 frutos de cooperação técnica entre o BACEN, Ministério da Fazenda e

Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, vem de modo conclusivo de

encontro a esta responsabilidade na regulação que administrativamente negam, levando a

indagação de Flavio Maia:

Dessa forma, em vez de exercer poder regulatório amplo sobre a atividade de cartão de crédito, o CMN, que, sem dúvida alguma, tem poder regulatório sobre as instituições financeiras, optou por regular uma parte das atividades que podem ser por estas exercidas. Resta a questão: partindo-se da premissa de que a autoridade monetária reconhece a atividade do cartão de crédito como fora de sua área de atuação, poderia ela regular essa atividade pelo simples fato de ser exercida por instituição financeira? O Bacen entende que sim: “Se a atividade de administração de cartões de crédito, quando realizada por instituições financeiras, pode interferir nos demais negócios de empresa bancária, resta claro que a regulamentação pelo Conselho Monetário Nacional mostra-se necessária” (Petição da Procuradoria-Geral do Bacen n. 11518/2008).153

Essa indefinição, por conta desse aspecto, contribui para a não utilização para fins de

revisão contratual da aplicação da taxa média de mercado, conforme disposto no REsp

152 BRASIL. Banco Central. Portal. Disponível em: <www.bcb.gov.br>. Acesso em: 08 jul. 2012. 153 SANTOS, Flávio Maia Fernandes dos. As novas regras sobre cartão de crédito introduzidas pela res. CMN 3.919 de 25.11.2010. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 14, n. 51, p. 379-393, jan./mar. 2011, p.382.

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1.061.530/RS, caso julgado no regime dos recursos repetitivos previsto no artigo 543-C do

CPC. Entende a Ministra Nancy Andrighi, relatora, que os valores das taxas praticadas devem

ser fornecidos pelas instituições financeiras, devendo ser disponibilizadas pelo Banco

Central154 em seu site.

Entretanto, analisando as informações do endereço eletrônico, o que se pode

visualizar é a INEXISTÊNCIA de qualquer parâmetro para aplicação desta metodologia pelo

Banco Central. Pelo entendimento diverso do STJ sobre as Administradoras de Crédito, o

órgão responsável pelo Sistema Financeiro “limou” tal situação da tabela de comparação de

taxas médias de mercado.

Já ocorreu o questionamento no Judiciário se, uma vez que a administradora não é

considerada instituição financeira pelo CMN e BACEN, ela deveria se submeter aos juros

legais estabelecidos. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça se posiciona no sentido de que as

Administradoras de Cartão de Crédito, por serem instituições financeiras, não sofreriam os

limites estabelecidos pela usura, continuando a celeuma em benefício das instituições,

conforme analisa Flavio Maia Fernandes dos Santos em seu artigo:

Quanto à possibilidade de cobrança de juros acima dos limites da usura, questionou-se muito na Justiça se a administradora, não sendo instituição financeira, poderia cobrar juros acima daqueles limites, faculdade apenas conferida às instituições financeiras de acordo com o entendimento da Súmula 596 do STF. O STJ, em vez de simplesmente reconhecer a legalidade da cobrança em virtude da intermediação de instituição financeira, foi muito além e afirmou, in verbis, na Súmula 283: “As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da lei da usura.” Como visto acima, este entendimento tem respaldo em parte da doutrina, mas não é o adotado pelas autoridades monetárias.155

Conclui-se, assim, que esta situação – ou estratégia – entre Administradora de Cartões

de Crédito, Sistema Financeiro e Banco Central do Brasil, somente desfavorece um lado da

relação, o consumidor do produto final, que necessita das taxas nos casos de financiamento,

sendo que uma grande massa se utiliza dessa sistemática para refinanciamento de dívidas dos

crediários fornecidos pelas bandeiras.

Sem uma regulação legislativa que aprove medidas protetoras a esse tipo de

consumidor, tal situação tende a se perpetuar, contribuindo para uma elevação exponencial

dos lucros dessas instituições.

154 BRASIL. Banco Central. Taxas. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?TXCREDMES>. Acesso em: 08 jul. 2012. 155 SANTOS, op. cit., p.382.

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5.2 DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DAS BANDEIRAS PELA RESPONSABILIDADE

CIVIL

No Brasil, apesar de o legislador ter avançado muito em relação a leis e órgãos de

controle dos conteúdos contratuais, traduzindo em uma melhora substancial na prestação de

serviços, e, na via judiciária,haver um crescente enquadramento constitucional da nova

principiologia contratual focada no equilíbrio econômico e boa-fé, cumulados com uma

socialização das funções contratuais, essa responsabilidade não se estende às “Bandeiras”,

razão pela qual não existe nas demandas jurídicas o nexo de relação jurídica bandeira-cliente:

Assim, fiel a critérios jurídico-processuais e observando o efetivo alcance e natureza dos contratos, Brasil afora a jurisprudência tem sido pródiga em reconhecer a ilegitimidade passiva das bandeiras quanto à demandas oriundas de relações jurídicas entre usuários de cartões de crédito e os bancos emissores, administradoras de cartões ou vendedores.156

Nesse sentido, colabora o seguinte arresto:

Cautelar de Exibição de Documento. Contrato de Cartão de Crédito. Ilegitimidade Passiva da Ré. A Empresa Visa do Brasil Empreendimentos Ltda., apenas concede licença para o uso da marca. Quem oferece serviço de Cartão de Crédito com a Bandeira da marca Visa, entre outras, são as Instituições Financeiras Administradoras de Cartão de Crédito. Logo, no caso em tela, a contratação se operou entre a autora e o Banco Citibank (emissora e administradora de crédito). Gratuidade processual deferida. Suspensão dos efeitos da condenação. Inteligência do art. 12 da Lei 1.060/1950. Recurso conhecido e provido parcialmente.157

O que as Bandeiras demonstram para pesquisa é o entendimento que sua

responsabilidade objetiva se perfaz em razão da natureza do nexo alcançado entre marketing e

consumo,158tendo em vista que tal estímulo, cumulado a uma facilidade ao crédito, gera várias

modalidades de abusos praticados pelos seus licenciados.

156 IBRAHIM, Marco Antonio. Cartão de crédito: ações propostas contra as empresas titulares das marcas (bandeiras): ilegitimidade passiva. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 12, n. 45, p. 337-343, jul./set. 2009. 157 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Apelação Cível n. 0397/2007, grupo II, da 2ª Câmara Cível, relator desembargador Cezário Siqueira Neto, 09 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4886981/apelacao-civel-ac-2007201311/inteiro-teor>. Acesso em: 05 jul. 2012. 158 “Porque a vida é agora” e “Certas coisas não tem preço, para outras existem Mastercard”.

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102

5.3 RESPONSABILIDADE DERIVADA DE CULPA E RESPONSABILIDADE

OBJETIVA (TEORIA DO RISCO)

A responsabilidade objetiva do fornecedor tem como norte fundamental a teoria do

risco do negócio, qual seja, que o empresário possui liberdade para explorar o mercado;

contudo, o risco desse empreendimento não pode ser delegado ao consumidor. Seu foco

independe da noção de culpa, alicerçando-se no ato ilícito como propulsor da teoria, sendo

assim, adentra um viés prático dentro da práxis comercial:

Sob o foco da teoria do risco, o que se tem em evidência é a configuração da responsabilidade civil independentemente da culpa, que é o cerne da construção da teoria objetiva com fundamento da responsabilidade civil. A teoria objetiva contrapõe a subjetiva no seu ponto fundamental, a culpa, que se alicerça no ato ilícito como mola propulsora. Deve-se, entretanto, extrair da teoria objetiva seus pressupostos para que a fundamentação sobre o instituto seja cientificamente aplicável e exerça influência na solução dos casos práticos que se instauram, principalmente nas relações jurídicas advindas da práxis comercial e, especialmente, da administração de cartão de crédito.159

A doutrina alemã forneceu os princípios inspiradores da Teoria do Risco, conforme

apresentou Aguiar Dias citado por Nelson Luiz Guedes Ferreira Pinto:

a) Princípio do interesse ativo: “Quem desenvolve em seu próprio interesse uma atividade qualquer deve sofrer as consequências dela provenientes”;

b) Principio da prevenção: “Não se admite a exoneração da pessoa a quem se atribui a responsabilidade, enquanto não provar que o fato, aparentemente imputável a si, é, na realidade, resultado de uma causa exterior e estranha à sua atividade e impossível de ser por ela afastado”;

c) Principio da equidade: “Se a pessoa que causa o dano é economicamente forte, alarga-se o campo em que se enquadra a responsabilidade, mormente se o lesado é pouco afortunado; na situação oposta, restringe-se e se exclui, até, a ação de indenização, desde que o autor do dano tenha agido sem malícia ou culpa grave”;

d) Princípio da repartição do dano: “Tem seu germe na ideia de BENTHAM, que propôs a indenização do dano pelo seguro ou, caso contrário, a reparação a cargo do Estado”;

e) Princípio do caráter perigoso do ato: “Baseia-se na concepção de que o homem cria para o seu próximo um perigo particular”.160

O artigo 14, § 1º, II, do CDC, legisla sobre o que pode ser risco no negócio:

159 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.178. 160 PINTO, Nelson Luiz Guedes Ferreira. A responsabilidade civil do estado por atos jurisdicionais. Estudos sobre a responsabilidade civil: cadernos de pós-graduação. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1977, p. 152.

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Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: [...] II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

Fica evidente que o consumidor, optando por mobilizar ou usufruir dos serviços da

instituição financeira, assumiu os riscos originários no caso de infortúnios casuísticos, não

podendo pretender transferi-los para o banco, quando se depara com fraudadores do sistema

financeiro, situação em que ambas as partes concorrem com o prejuízo.161

Logicamente, o banco deverá ressarcir o consumidor por prejuízos originários de uma

conduta fraudulenta, levando em conta a gravidade da culpa, e, provado que é vitima da

fraude, assim como a instituição financeira.

Em sentido oposto, havendo uma conduta negligente do consumidor no trato dos

serviços bancários, fica determinada a ausência de culpa da instituição financeira. Neste

sentido, a jurisprudência já se posicionou:

Responsabilidade civil. Cartão magnético. Negligência do titular do cartão. Saques efetivados por terceiro. Ausência de culpa do banco. Compete ao correntista a guarda do cartão magnético, impedindo a sua utilização por terceiros. Também é sua obrigação manter o sigilo da senha correspondente. Constatada a negligência quanto à guarda do cartão e sua utilização por estranhos, o correntista é o único responsável pelos saques efetivados mediante utilização da sua senha pessoal. Recurso improvido. Unânime.162

O Poder Judiciário, no momento do julgamento do caso concreto, tem o dever de

buscar a primazia da realidade, e não o texto literal dos conteúdos protetivos ao

consumidor,sob risco de alterar valores constitucionais em detrimento de “industrias” de

responsabilidade frente ao desenvolvimento econômico. O quesito hipossuficiência não pode

retirar a responsabilidade do consumidor de informar a instituição financeira sobre a

ocorrência de um problema com seu cartão, ou outras questões relacionadas à dinâmica do

contrato, devendo tal relação ser pautada pelo princípio da boa-fé, principalmente nos casos

de fraude.

161 SADDI, Jairo; BOTANI, Rodrigo. Dano moral e as instituições financeiras. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 10, n. 38, p. 60-66, out./dez. 2007, p.65. 162 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível 2002.06.1.007.451-0, 1. Turma Recursal do JEC, relator desembargador Maria de Fátima Rafael de Aguiar Ramos. Diário da Justiça da União, 03 dez. 2003, p. 91.

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104

O fundamento da responsabilidade civil das administradoras de cartão de crédito está pautado na teoria da responsabilidade objetiva, que tem sua gênese no abuso do direito como elemento indissociável capaz de gerar prejuízo e, consequentemente, sua reparação. Fundamentalmente, o abuso do direito necessita de elucidação a fim de cumprir o propósito da construção proposta, devendo, para tanto, tratar das noções fundamentais por meio do estudo de seu conceito, natureza, evolução, caracterização e sua disciplina legal.163

Nas situações de fraude ao sistema financeiro, a responsabilidade objetiva das

instituições, também prejudicadas, se completará, no caso de ausência de culpa exclusiva ou

concorrente do consumidor, pois o valor contratado para as operações financeiras, na maioria

dos casos, não abarca uma análise pericial por profissionais credenciados.

5.4 RESPONSABILIDADE DERIVADA DO ABUSO DE DIREITO

Neste novo olhar principiológico de que participam todos os agentes da economia

envolvidos no processo econômico e, neste universo, as questões que envolvam o contrato, o

abuso de direito uma vez auferido deve ser repreendido, sendo um fenômeno social das

relações e da responsabilidade objetiva.

É a própria teoria objetiva que qualifica o abuso do direito e, em decorrência do aspecto objetivo do ato, patenteia-se a sua anti-sociabilidade: se existe abuso, cabe repressão. É evidente que a intenção de prejudicar outrem prova de maneira irrefragável a existência de abuso do direito, uma vez verificado o dano efetivo.164

No país, a falta de um sistema formalizado de falência dos consumidores pessoas

físicas não possibilita verificar que os cartões de crédito tiveram um papel importante no

desenvolvimento da dívida dos consumidores. Todavia, em abril de 2010, o Ministério de

Justiça elaborou um relatório através do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor

(DPDC), através de seu sistema de informações no período de 01.01.2007 a 31.12.2009.

De posse desses dados, Clarissa Costa de Lima, em seu artigo,165 chega às seguintes

163 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.181. 164 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.182-183. 165 LIMA, Clarissa Costa de. O cartão de crédito e o risco de superendividamento: uma análise da recente regulamentação da indústria de crédito no Brasil e nos Estados Unidos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 21, v. 81, jan./mar. 2012, p.239.

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conclusões:

- Que o cartão de crédito respondeu por 12,09% do total das demandas levadas aos Procons do período; - Que representou 1/3 (33,92%) das demandas relativas ao setor financeiro; - Cobranças indevidas (44,71%) e Contrato (16,34%) correspondem a 61,05% das demandas registradas em cartão de crédito.

Para serem estudadas as condutas/cláusulas que oneram a grande massa de

consumidores, didaticamente convém a análise nos seus aspectos operacionais e nos aspectos

financeiros da operação que envolve este instituto com base no abuso do direito,

estabelecendo-se as responsabilidades dessas partes no contexto contratual.

5.4.1 Aspectos Operacionais: Responsabilidade Decorrente de Negligência: Furto, Perda,

Roubo, Extravio, Clonagem, Emissão sem Anuência do Titular

Não existe diferença interpretativa nas situações de perda, furto, roubo, extravio e

clonagem de cartões de crédito, diferenças estas somente utilizadas nas situações de uso

indevido do produto por terceiros, nestas hipóteses nos contratos de adesão com cláusulas de

transferência de riscos166, transferindo para o cliente, os riscos do empreendimento.

Gerson Luiz Branco analisa que tal cláusula fere os princípios da boa-fé e da

autonomia da vontade, como violenta a própria teoria contratual, por onerar o titular de uma

obrigação sem ter causa conexa.

O risco deve ser de quem tem o dever de identificar o titular, assim com a administradora deve ser responsável pelo fornecimento de informações e condições necessárias à identificação do titular. Da loja vendedora é risco de aceitar o cartão sem conferi-lo e sem exigir a comprovação devida, como a cautela recomenda, devendo, em tal hipótese, arcar com os prejuízos.167

O posicionamento dos agentes econômicos no contexto contratual atual nestes casos

reflete nada mais do que o risco ou “teoria do risco do empreendimento”, como salienta

Rosélia Pereira de Moraes:

Este posicionamento reflete a teoria do risco do empreendimento, pela qual o empreendedor responde pelos riscos gerados por seus atos.

166 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de crédito questões controvertidas. Curitiba: Juruá, 2001, p.100. 167 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1998, p.152.

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Independentemente de culpa, a administradora deverá, neste caso, sofrer os riscos decorrentes de sua operação. Além disso, o ônus de provar a culpa exclusiva do consumidor, para se exonerar da responsabilidade civil, deve ser transferida para a entidade emissora ou para o fornecedor.168

O CDC faculta, em seu art. 51,169 que o MP interfira na nulidade de cláusulas

consideradas abusivas ou desfavoráveis ao consumidor. A situação abusiva começa a ser

revista pelos órgãos de controle dos conteúdos contratuais a despeito de recente Ação Civil

Pública proposta pelo Ministério Público em Minas Gerais:

Agravo de Instrumento: Ação Civil Pública. Cartão de crédito. Seguro de proteção perda e roubo. Ilegitimidade passiva do banco. Inocorrência – Litisconsórcio passivo necessário – Inocorrência – Antecipação de tutela – Limites territoriais da coisa julgada – Art. 16 da LACP – Proporcionalidade e razoabilidade na interpretação – Incoerência e falta de lógica na aplicação literal. [...] Não se trata de discutir a desoneração do dever do consumidor de realizar a comunicação à instituição financeira sobre perda, o roubo, o furto, o extravio ou situações afins, mas sim da transferência da responsabilidade da instituição financeira de arcar com os riscos advindos do contrato de utilização de cartão de crédito por meio de cláusula de seguro de proteção contra furto e roubo. [...], consubstanciados na transferência da responsabilidade da instituição financeira ao consumidor, bem como no valor arcada (sic) pelo consumidor inerente ao serviço. 170

Foi muito feliz o aparte proferido pelo Desembargador, analisando a relação contratual

e rebatendo os argumentos aduzidos pela instituição financeira:

Data vênia, este argumento não merece prosperar. Entendo que não se configura nem uma coisa nem outra. A ação foi proposta contra a empresa que tem atuação perante o consumidor e que o submete a aceitação de um serviço que se discute a abusividade. Talvez eventual “solidariedade” configure melhor a hipótese de denunciação da lide para o polo passivo, já que o serviço pretende o tempo todo segurar apenas a atividade bancária e não a relação de consumo ou o consumidor.171

168 MORAES, Rosélia Pereira. Cartão de crédito e alguns aspectos polêmicos. 81 f. (Monografia) Centro de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade Luterana do Brasil, Gravataí, 2004, p.61.

169 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio. 170 BRASIL – TJMG. AgIn 1.0024.10.028735-8/001 – Comarca de Belo Horizonte – Agravante: Unicard Banco Multiplo S/A – Agravado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – 10ª. Câm. Civ. do TJMG. Relator: Des. Alberto Aluízio Pacheco de Andrade. DJ 03.05.2011. in Jurisprudência Geral Anotada. Ano 100. Vol. 914. Dezembro/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.894-910.

171BRASIL – TJMG. AgIn 1.0024.10.028735-8/001 – Comarca de Belo Horizonte – Agravante: Unicard Banco Multiplo S/A – Agravado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – 10ª. Câm. Civ. do TJMG. Relator: Des. Alberto Aluízio Pacheco de Andrade. DJ 03.05.2011. in Jurisprudência Geral Anotada. Ano 100. Vol. 914.Dezembro/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.897.

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Outro aspecto que chama atenção é o envio dos cartões de crédito sem autorização dos

clientes. Esta falha ou falta de conexão do CMN com o mercado encontra-se na regulação da

Responsabilidade das Administradoras pelo BACEN no caput do art. 10 da CMN 3919/10,

que assim estabelece sobre o envio de cartões de crédito: “Art. 10. As instituições

mencionadas no art. 1º que emitam cartão de crédito ficam obrigadas a ofertar às pessoas

naturais cartão de crédito básico, nacional e/ou internacional.”

Analisando o dispositivo, em simplória interpretação, visualiza-se uma

incompatibilidade com os pressupostos da atividade financeira, em vista da falta de análise de

crédito, ferindo a técnica bancária já cristalizada nas normas do BACEN. Como anota Flavio

Maia:

Por fim, mas de maior importância, uma indiscriminada obrigação de contratar com pretendentes a titulares de cartão de crédito, sem uma adequada análise de crédito de cada um deles, feriria a boa técnica bancária, princípio básico que rege a atuação das instituições financeiras e que está cristalizado em inúmeros dispositivos do CMN e BACEN.172

Desta maneira, a obrigatoriedade de fornecer cartões à pessoas naturais atende a

necessidade de emitir papel-moeda pelo Banco Central; todavia, abre precedentes aos

problemas de negligência no fornecimento do dinheiro-cartão aos consumidores.

O envio de Cartão sem Prévia Autorização do Titular, nos termos do artigo 39, III, do

CDC, constitui prática abusiva. Não se pode enviar ao consumidor, sem solicitação prévia,

qualquer produto ou fornecer-lhe qualquer serviço. Conforme têm reconhecido nossos

Tribunais, a responsabilidade nesta hipótese é objetiva, de tal forma que se inverte o ônus da

prova, cabendo ao réu provar que sua prática não causou dano ao cliente. Nada obstante, tal

prática ilegal e abusiva, até pouco tempo, foi bastante executada. Todavia, a flagrante

ilegalidade exigiu da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça ação mais

enérgica com aplicação de sanções mais severas. Se não bastasse o bom senso indicar que tal

prática por si só seja abusiva e, em face disso, deva ser punida a infratora, impressionam os

casos, que não são poucos, de indenização por dano moral de Administradoras que, além do

envio ilegal do cartão, encaminham o nome do destinatário do cartão ao SPC e até ao

SERASA, pelo não pagamento das anuidades.

O dever de informar assegura ao consumidor o direito de informação verdadeira e

clara, este, substanciado, acompanhado com a boa-fé, objetivando garantir a igualdade entre o

172 SANTOS, Flávio Maia Fernandes dos. As novas regras sobre cartão de crédito introduzidas pela res. CMN 3.919 de 25.11.2010. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 14, n. 51, p. 379-

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titular (consumidor) e a administradora (fornecedora) de cartões de crédito, bem como

assegurar informação precisa acerca dos objetos dos contratos e da publicidade não enganosa,

com carga vinculante que garanta ao aderente ao sistema a informação exata sobre as

condições gerais estabelecidas no instrumento.

O ilustre professor Gerson Luiz Branco aponta as principais informações a serem

prestadas pelas administradoras de cartões de crédito ao titular (consumidor):

Na conclusão do contrato entre administradora e titular, devem-se calcular o custo anual, com as taxas reais cobradas, as consequências para o descumprimento ou mora no pagamento dos extratos, os deveres de uso do cartão, o conteúdo do contrato em geral,sua duração, renovação, validade, abrangência territorial, a responsabilidade no caso de extravio, perda e uso por terceiros, a participação da instituição financeira, os juros e as formas de extinção da relação contratual.173

Como consequência ao direito a informação, o Estado intervém na relação contratual

para garantir aos consumidores seus direitos básicos. Esta intervenção poderá ser

administrativa pelos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ou

pelo Poder Judiciário, podendo o Juiz modificar, revisar as cláusulas contratuais, além de

determinar o cumprimento da oferta e publicidade, da reparação dos danos, alterar valores e

rescindir o contrato.

Tratando-se da relação de consumo, os contratos avençados entre consumidores e

agentes financeiros deverão ser interpretados à luz dos dispositivos constitucionais,

concomitantemente com a aplicação subsidiária do Código do Consumidor, abandonando os

conceitos do direito civil e firmando-se especificadamente na Lei 8079/90.

Entre esses problemas, o envio sem a anuência do titular corrobora de forma positiva

para o aumento do endividamento do consumidor ou sua negativação, em vista da prática

reiterada de se enviarem cartões à pessoas cadastradas em seu banco de dados, sem que haja

pedido efetuado pelos destinatários ou conferência dos dados do receptor, situações que

podem colocar um cartão de crédito em poder de terceiros, ocasionando inúmeros transtornos

ao cliente-titular, conforme o exemplo citado por Waldírio Bulgarelli:

393, jan./mar. 2011, p.386. 173 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1988, p.87.

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Pode-se assim imaginar a situação daquele que, bom cliente do banco, recebe, como presente, um cartão de crédito, e assim o formulário impresso que o acompanha. Mal sabe ele que desse pretenso obséquio resultará, preliminarmente, que terá que pagar uma taxa de manutenção pelo cartão, anualmente; que se entrega totalmente em mão da empresa emissora, que na qualidade de sua procuradora poderá sacar notas promissórias a favor do grupo bancário e contra o próprio titular.174

Nestes casos, as administradoras entendem que, com o recebimento e assinatura do

cartão, ocorre a aceitação tácita do destinatário. Tal situação não é compatível com doutrina e

jurisprudência, uma vez que podem ocorrer situações de extravio, podem os cartões ser

utilizados por terceiro, acarretando responsabilidade à Administradora, como diz a ementa de

julgado pelo Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. REMESSA A CLIENTE DE CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO . DEVOLUÇÃO. EXTRAVIO. UTILIZAÇÃO POR TERCEIROS . INSCRIÇÃO RESTRITA EM ÓRGÃOS CADASTRAIS DE CRÉDITO. DANO MORAL. LEGITIMIDADE PASSIVA E RESPONSABILIDADE DO BANCO PELO ILÍCITO. INFRIGÊNCIA DO ART. 39, III, DO CDC. LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIRMADA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA NÃO CONFIGURADA. JUROS DE MORA. CONDENAÇÃO EM SENTENÇA. PRECLUSÃO. CPC, ART. 530. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO. I. O banco é parte legitimada passivamente e comete ato ilícito, previsto no art. 39, inciso III, da Lei n. 8.078/90, quando, fornecendo ao cliente cartão de crédito por ele não solicitado, dá-se ulterior extravio e indevida utilização por terceiros, gerando inadimplência fictícia e inscrição do nome do consumidor em cadastros restritivos de crédito, causadora de dano moral indenizável.175 (grifo nosso).

A utilização dos cartões de débito e crédito é situação que a dinâmica das relações

contratuais impõe ao consumidor de produtos, razão da diminuição do trânsito de dinheiro,

em vista da insegurança, ou pela necessidade de romper com conceitos estáticos inerentes às

negociações existentes até seu advento. Assim preconizou Nelson Abrão, na década de 90:

A pulverização dos cartões, como uma onda massificadora, está a exigir maior cautela, quer do usuário, quer do empresário que aceita sua penetração, na modalidade de pagamento, uma vez que é preciso romper o conceito estático e buscar o dinâmico, compatível com as operações que se sucedem no moderno Direito dos Negócios.176

174 BULGARELLI, Waldírio. Contratos mercantis. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 670. 175 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 514.358/MG, 4ª. Turma. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. Diário da Justiça, 16 mar. 2004. p. 172. 176 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009,

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Finalizando, a jurisprudência já solidificou a responsabilidade civil para aspectos

operacionais na dinâmica utilizada pelos cartões de crédito, como nos casos abaixo

mencionados:

a) Cartão de Crédito Extraviado:

Indenização. Responsabilidade Civil. Dano moral. Cartão de Crédito. Extravio. Comunicação quando do recebimento da fatura. Quantia faturada somando quase o dobro do limite do crédito. Assinatura falsa constante do documento de compra. Art. 51 do CDC. Aplicação. Cancelamento das Comunicações Restritivas do Crédito. Ação procedente.177

b) Cartão de Crédito Furtado:

Responsabilidade Civil. Cartão de credito furtado. Compras efetuadas antes da comunicação do furto. Fato do serviço. Riscos do empreendimento. Falta de cautela do estabelecimento vendedor. Inexistência de culpa exclusiva do titular do cartão. Responsabilidade da empresa exploradora do negócio.178

c) Cartão de Crédito Clonado

Cartão de crédito. Reparação de danos. Utilização de cartão clonado. Os cartões de crédito são oferecidos ao público por intermédio da administradora, que, como emitente do veículo de pagamento utilizado perante o estabelecimento vendedor, se responsabiliza pela apresentação do cartão “clonado”, eis que a venda somente se concretiza após prévia consulta de higidez do cartão exibido perante a administradora, sendo, portanto, parte legítima para figurar no polo passivo da ação indenizatória, visando a reparação dos prejuízos advindos de tal conduta.179

A responsabilidade civil decorrente de furto, perda, roubo ou extravio e clonagem

tornou-se de grande relevância no ordenamento jurídico, pois existem grandes discussões

sobre o assunto devido ao notório aumento da criminalidade; isto contribuiu para que a

discussão acerca da responsabilidade civil se tornasse mais exacerbada, sobretudo no tocante

à validade da limitação contratual imposta pelas administradoras relativamente à sua

responsabilidade pelas despesas incorridas por terceiros até a comunicação do fato pelo

consumidor.

5.4.2 Aspectos Financeiros: Responsabilidade Civil Decorrente de Atos Ilícitos: Cláusula-

p.201. 177 BRASIL. TJSP. 8ª C. Dir. Privado – Rel. Ricardo Brancato. J. 24.08.98. – JTJ-LEX 210/99. 178 BRASIL. TJPR. Ap. 6.255/96. 2ª C. Rel Sergio Cavalieri Filho.

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Mandato, Cláusula-Preço, Limitação de Juros, Multas e Encargos Moratórios

A utilização da cláusula-mandato nos contratos de adesão das Administradoras de

Cartão de Crédito, parafraseando Alcio Manoel de Souza Figueiredo,180 consiste na outorga

de poderes pelo proprietário do cartão de crédito à Administradora para gerenciar os débitos

resultantes do não pagamento da fatura, perante qualquer instituição financeira, habilitada

para, em nome do titular do cartão, negociar, acertar condições, contratar custos e encargos da

dívida cobrada, para efetivação do financiamento para cobrir os valores do saldo devedor do

cartão.

Moema Augusta Soares de Castro demonstra o modus operanti da cláusula-mandato

no contexto contratual:

[...] a cláusula inserta em contrato, em meio a outras, de forma disfarçada e na face oposta a que é lançada a assinatura do mandante, não induz e nem configura a constituição do mandato, eis que não está revestida dos requisitos de mútua confiança entre mandante e mandatário, pressuposto indispensável para a validade de tal avença. Porém, mesmo se considerada existente tal cláusula, nulo seria o mandato por manifestação leonina, por conferir poderes ilimitados e incontroláveis ao mandatário.181

Em uma análise sobre a nulidade das cláusulas contratuais, face à impossibilidade de

representação do consumidor em assuntos creditícios, no caso da cláusula-mandato, assim

salienta Flavio Maia Fernandes dos Santos, em seu artigo:

No que tange à legalidade da cláusula-mandato, a questão foi posta em face do inc. VIII do art. 51 do CDC,182 que prevê serem nulas as cláusulas contratuais que “imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor.” Depois de inúmeras discussões, firmou-se o entendimento de que o representante, no caso a administradora, agiria

179 BRASIL, TJSP. 1ª TACSP –AI 991.883-8. 6ª Cam. Rel. OscarlinoMoeller. j. 20.02.2001. – RT 791/262. 180 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de crédito questões controvertidas. Curitiba: Juruá, 2001, p.83-84. 181 CASTRO, Moema Augusta Soares de. Cartão de crédito: a monética, o cartão de crédito e o documento eletrônico. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.115. 182 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

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em benefício do titular do cartão e, destarte, a cláusula-mandato não seria nula.183

Sendo assim, no entendimento do autor, a cláusula-mandato não seria considerada

abusiva, em vista do aspecto de trazer um “benefício” ao consumidor pelo gerenciamento de

dívida pelo cliente. A esse respeito, ensina Eduardo Salomão Neto:

A administradora não se obriga, entretanto, a empenhar necessariamente seus próprios fundos para tanto, porque pode se valer de empréstimos obtidos junto a instituições financeiras, o que no máximo garante. Mais importante, ainda, tais empréstimos não são contraídos em seu próprio nome, mas no nome do usuário, que para tanto constitui a administradora do cartão sua mandatária.184

Verifica-se que a abusividade do instituto, conforme preconiza o art. 51 do CDC, está

na falta de prévia informação, ao consumidor, na contratação do crédito, somente sendo

informado posteriormente das taxas de juros contratadas, ferindo assim o artigo 52 do Códex

Consumerista.185 Neste sentido, segue o entendimento do STJ:

Processo civil. Recurso especial. Ação de prestação de contas. Contrato de cartão de crédito. Credito rotativo. Empréstimo bancário. Cláusula-mandato. Repasse dos encargos ao titular do cartão de crédito. Exigência de prestação de contas contra a Administradora. Possibilidade. - A administradora de cartões de crédito está sujeita a prestar contas ao titular do cartão, a fim de demonstrar, de forma discriminada, os encargos, as condições e a origem do empréstimo bancário tomado por meio de cláusula–mandato pactuada em contrato de cartão de crédito. Recurso especial a que se dá provimento.186

A utilização da cláusula-preço é inerente aos contratos de consumos e necessária nos

contratos que administram o cartão de crédito. Ela é conceituada como a remuneração pelo

investimento de capital pela Administradora do Cartão, servindo de parâmetro para aquisição

de produtos, como define Paulo R. Roque Khouri:

Por meio dela é que o capitalista aufere uma maior ou menor vantagem

183 SANTOS, Flávio Maia Fernandes dos. As novas regras sobre cartão de crédito introduzidas pela res. CMN 3.919 de 25.11.2010. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 14, n. 51, p. 379-393, jan./mar. 2011, p.382. 184 SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito bancário. São Paulo: Atlas, 2005, p. 301-302. 185 Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;III - acréscimos legalmente previstos;IV - número e periodicidade das prestações;V - soma total a pagar, com e sem financiamento. 186 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp2001/0192381-7, DJe10.03.2003. p. 188.

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econômica na contratação, o chamado lucro; na outra ponta, o consumidor, na concorrência de mercado vai buscar no preço maior ou menor, o critério fundamental para decidir quanto à aquisição ou não do bem ou serviço.187

Cláusula-preço é o informativo das taxas que serão praticadas pela Administradora no

próximo período, qual seja: o valor da anuidade, o valor correspondente aos produtos e

serviços adquiridos com o cartão e, no caso de inadimplência, a somatória da multa contratual

moratória, mais o valor dos juros.188

A parte abusiva – ou perniciosa – da cláusula é a possibilidade do pagamento ser feito

entre a sua totalidade e um valor mínimo, antes estipulado pela administradora e atualmente

pela Circular 3512/10, repassando o parcelamento para o período seguinte. Todavia, a falta de

informação acaba por desencadear um efeito cascata na conta do consumidor, acarretando

uma situação de endividamento, que invariavelmente deságua em futura restrição ao crédito.

É prática comum entre as emissoras, no entendimento de Alcio Manoel de Souza

Figueiredo,189 o oferecimento de pagamento parcelado dos produtos e serviços no cartão. Tal

parcelamento se dá pelo pagamento mínimo correspondente a vinte por cento do valor da

fatura, e o saldo remanescente cobrado na fatura do mês seguinte. Isto constitui oferta das

emissoras de cartão de crédito, não podendo em nenhuma hipótese ser confundido com o

inadimplemento do consumidor.

Quando tratamos dos limites impostos pela usura e os limites de juros praticados pelas

Administradoras de Cartões de Crédito, do ponto de vista constitucional, a norma do § 3º,art.

192 da CF, que limitava a taxa de juros reais a 12% a.a., encontra-se revogada pela EC

40/2003, ressaltando-se que a Súmula Vinculante 7estabelece que, mesmo antes de revogada,

sua aplicabilidade era condicionada à edição de lei complementar, in verbis: “Súmula

Vinculante 7: a norma do § 3º do 192 da CF/1988, revogada pela EC 40/2003, que limitava a

taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de Lei

Complementar.”

Os Tribunais Superiores demonstram que as taxas de juros praticadas pelas entidades

que compõem o Sistema Financeiro Nacional sejam abusivas, expressando tal entendimento

através do Verbete do Enunciado 296 das Súmulas do STJ:

187 KHOURI, Paulo R. Roque. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.130. 188 CASTRO, Moema Augusta Soares de. Cartão de crédito: a monética, o cartão de crédito e o documento eletrônico. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.69. 189 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Administradora de cartão de crédito: instituição financeira?. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.104.

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Súmula Nº 296 - Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.

Este entendimento, apesar de se encontrar pacificado nos Tribunais, continua sendo

rebatido em razão de que os índices do Banco Central são fornecidos pelos próprios

componentes do sistema que, de modo cartelizado, aumentam a taxa média praticada, como é

o caso dos cartões de crédito, como expresso no voto vencido do Ministro Ruy Rosado, já em

2003:

No Brasil, adotou-se a política de que os juros são livremente pactuados. Na medida que nenhum limite é estabelecido na lei ou pelas agências públicas incumbidas de regular e fiscalizar o mercado, é possível que existam abusos. Pergunto, então, pode o juiz interferir nessa relação, para eliminar o abuso?190

Mesmo assim, a jurisprudência dominante trabalha somente com hipóteses de abusos

que destoam da taxa média de mercado:

Contrato bancário – Taxa de Juros – Limitação – Abusividade – Não ocorrência – Capitalização – Cabimento – Comissão de Permanência – Cobrança – Admissibilidade – Cadastro de inadimplentes – Inscrição – Possibilidade. I – Embora incidente o diploma consumerista nos contratos bancários, os juros pactuados em limite superior a 12% ao ano não são considerados abusivos, exceto quando comprovado que discrepantes em relação à taxa de mercado, após vencida a obrigação.191

Sem uma intervenção estatal na via legislativa com vistas a adequar essa “taxa de

mercado”, a utilização de taxas de juros não compatíveis com o atual estágio de nossa

economia continuará beneficiando somente um lado dessa relação.

No caso do cartão de crédito, por se tratar de um negócio jurídico novo, complexo,

atípico e não legislado, as teorias tradicionais não respondem a questões que fogem das regras

convencionais, bastando citar as controvérsias a respeito dos produtos e serviços disciplinados

em legislação especial consumerista.

É justamente pelo fato de não ter sido regulamentada a matéria que ainda existem

tantas discussões sobre o tema; entretanto, tem-se verificado que, na medida do crescimento

190 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.REsp nº 271.214-RS. 3ª.Turma. Rel. Min. Ruy Rosado.Julgado em 28 jun. 2007. Diário da Justiça da União, Brasília, 04 ago. 2003. 191BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 979176/RS. 3ª. Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti. J. 01.04.2008.

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da utilização do cartão como forma de pagamento aceita pelo comércio, o entendimento dos

tribunais está sendo pacificado e uniformizado em relação a algumas questões num primeiro

momento polêmicas.

Não há legislação específica sobre a matéria restando a aplicação das cláusulas gerais

do Código Civil, Código do Consumidor e demais normas de ampla aplicabilidade.

Em síntese, o presente capítulo tratou da responsabilidade civil das administradoras de

cartões de crédito, demonstrando a evolução da economia e as funções contratuais

relacionadas ao instituto, dando ênfase ao direito comparado, definindo a responsabilidade

civil e a sua aplicabilidade em outros países.

O estudo demonstra a responsabilidade do fornecedor de bens e produtos e a natureza

jurídica à luz da responsabilidade civil frente às administradoras, tendo o respaldo na Teoria

do Risco.

No Brasil, a responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito não é

assunto pacífico entre os doutrinadores. Na legislação e jurisprudência, encontra-se

embasamento nas resoluções no Conselho Monetário Nacional, Banco Central, Sistema

Financeiro Nacional e STJ.

No que se refere ao consumidor, considerado o hipossuficiente na relação contratual,

entende-se que é lesionado desde o momento que recebe o contrato de adesão em sua

residência, ofertando-lhe o instrumento cartão de crédito, além de se submeter a cláusulas

onerosas e abusivas.

Quanto às taxas de juros aplicadas, posiciona-se o Judiciário dizendo que a

administradora de cartão de crédito não é considerada com instituição financeira pelo CMN e

BACEN; portanto, deveria se submeter a juros legais. Todavia, o STJ se posiciona no sentido

contrário, permitindo que a aplicação de juros diferenciais no que tange os contratos de

cartões de crédito, possibilitando o abuso do direito.

Diante disto, conclui-se que não há legislação específica que corrobore com o tema em

questão. Para a solução de litígios, procura-se respaldo nas legislações,resoluções e no Código

de Defesa do Consumidor, buscando favorecer o adquirente, o consumidor

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CONCLUSÃO

Pode-se visualizar no corpo do trabalho apresentado que o instituto do cartão de

crédito é fruto de uma evolução do sistema financeiro em adequar a modernidade da evolução

tecnológica-econômica-social da humanidade, garantindo o equilíbrio que deve prevalecer

entre as relações econômicas.

No primeiro capítulo foi abordado o avanço tecnológico no trânsito de dinheiro e

crédito nas relações negociais, constata-se que o instituto de cartão de crédito é o resultado

direto do processo de mudança imposta pelos novos vetores comerciais do capitalismo,

fornecendo agilidade, praticidade e segurança para o enorme fluxo de consumo existente.

O segundo capítulo demonstrou a relação negocial oriunda do presente estudo, sendo

uma relação tripartite entre adquirente, operadoras de cartões de crédito e estabelecimento

comercial credenciado, proporcionando harmonia, garantindo segurança e informações às

partes envolvidas no que se refere à prestação do serviço ofertado, propiciando a satisfação e

ajuste às relações comerciais dentro de padrões éticos, justos e racionais.

O terceiro capítulo possibilitou concluir da imprescindibilidade do cartão dentro da

economia como substituto virtual ao papel moeda, para os clientes que se utilizam deste

instrumento.

Chegou-se a entendimento que, com a oferta de crédito simples e rápido, o

consumidor é impulsionado a utilizar o cartão de crédito. Diante do anseio em consumir bens

e produtos e não antenado para o instrumento contratual pactuado altamente adesivo, o

consumidor firma uma relação contratual sem ter conhecimento do conteúdo imposto, se

submetendo a obscuridades e imposições unilaterais, favorecendo inúmeras situações de

endividamento em toda cadeia consumidora.

Todavia, em busca da satisfação das necessidades de consumo e do mercado que

oferece um universo de produtos, o portador não possui informações precisas sobre as

responsabilidades e riscos da utilização sem critério deste instituto, criando uma relação de

direitos e obrigações tanto por parte das operadoras, dos consumidores e estabelecimentos

comerciais conveniados.

O quarto capítulo apresentou a responsabilidade civil das administradoras de cartões

de crédito, fazendo a correlação com o direito comparado, demonstrando que não se trata de

um assunto pacífico entre os doutrinadores. Não existe legislação específica que regule os

contratos deste instituto, forçando a jurisprudência a se embasar resoluções do CMN e Banco

Central, órgãos parciais ao Sistema Financeiro Nacional.

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O consumidor, hipossuficiente nesta modalidade de relação contratual por seu caráter

altamente adesivo, é lesionado desde o momento que recebe o contrato em sua residência,

submetendo-se a cláusulas onerosas e abusivas em todo período contratual, através de modo

de operacionalização que por falta de informação é responsável por situações de

inadimplência e endividamento.

A falta de controle do conteúdo contratual por uma legislação protetiva específica ao

instituto ou por um órgão de controle das administradoras, contribui para a indefinição do

Judiciário em questões chave entre consumidores e instituições qual seja as taxas de juros

praticadas e a relação administradora-instituição financeira, o que favorece o abuso do direito

e a alta lucratividade do setor.

Buscou-se, através do trabalho apresentado, demonstrara importância do instituto

cartão de crédito dentro do contexto mercadológico-contratual, como fenômeno de fomento às

relações de consumo com forte repercussão nos sistemas econômico, financeiro, jurídico e

social.

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