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ano 42 edição 382 CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB | De 29 de maio a 4 de junho onça Procura-se fugitiva ENCONTRO E A TEUS de ARTE special em Taguatinga Novo bairro de luxo de Brasília busca certificado ecológico, mas não cumpre normas de destinação dos resíduos das obras O ENTULHO DO NOROESTE

Campus 382

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Sétima edição de 2012. Dupla página denuncia entulhos espalhados pelo futuro bairro de luxo e "ecologicamente correto" Noroeste. Reunião de ateus que se mobilizam para disseminar a cultura da crença na descrença é a primeira reportagem. A busca pela misteriosa onça que apareceu no estacionamento do Superior Tribunal de Justiça chega à página 6 com os possíveis paradeiros da dita cuja. Por penúltimo, músicos, pintores e artistas com necessidades especiais e dos mais diversos dotes surgem em salas de aula de Taguatinga. O jornal só é concluído com um perfil da Quadra 50, no Gama, considerada perigosa por todo mundo (menos pelos próprios moradores).

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ano

42 edição

382CAMPUSJornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB | De 29 de maio a 4 de junho

onçaProcura-se

fugitiva

ENCONTRO E ATEUSde

ARTEspecial

em Taguatinga

Novo bairro de luxo de Brasília busca certifi cado ecológico, mas não cumpre normas de destinação dos resíduos das obras

O ENTULHO DO NOROESTE

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CAMPUS | Brasília, de 29 de maio a 4 de junho de 20122

Editora-chefe Paloma SuertegaraySecretária de Redação Nathale Martins Diretora de Arte Marina Dutra Projeto Grá� co Carolina Pereira, Ellen Rocha,Luisa Bravo, Mariana Capelo, Patrick Cassimiroe � iago LimaJornalista José Luiz Silva Professores Sergio de Sá e Solano NascimentoISSN 2237-1850Brasília/DF - Campus Darcy Ribeiro Faculdade de Comunicação - ICC Ala NorteCEP 70.910-900 Telefones 61 3107.6498/6501E-mail [email protected]á� ca Plano PilotoTiragem 4 mil exemplares

por | PALOMA SUERTEGARAY

por | PEDRO AUGUSTO CORREIA

O famoso rapper Emicida foi detido em Belo Horizonte há poucos dias, durante seu show. Di-zem que antes de começar a música “Dedo na Ferida” – que fala sobre casos de desocupação –, Emicida mandou o público levantar o dedo do meio contra a polícia e os políticos, que não res-peitam a população. Uso “dizem” porque o músico não assinou o Boletim de Ocorrência (BO) para con� rmar as falas.

O major Gilmar Luciano Santos, chefe da Sala de Imprensa da Polícia Militar de Minas Gerais, disse que incitar as pessoas a fazerem gestos obs-cenos é crime. Me pergunto qual será esse concei-to de obscenidade. Certamente, frases como “você quer o meu c* ou você quer minha b*****”, po-pulares nos bailes funk, são muito mais decentes que mostrar o dedo do meio. Ou será que gestos obscenos só são crimes dependendo de quem é o alvo?

Me chamem de conservador por não ser um grande apreciador de Valesca Popozuda (e que a moça não leve para o lado pessoal). Pelo menos não sou eu quem tenta botar o Emicida atrás das grades por conta de um dedo polêmico, já que a bagunça corre solta desde que o É o Tchan ensi-nou a descer na boquinha da garrafa – ou muito antes disso. Posso ser moralista, mas penso ter mais moral que Gilmar para apontar o dedo (no caso, o indicador) na cara de alguém.

colunista � ctício criado para ironizar situações cotidianas

ACESSE O CAMPUS ONLINEWWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE

OpiniãoTudo começou no Canadá, com um policial: em

uma palestra ministrada para estudantes universitárias de Toronto, em 2011, ele disse que as alunas deveriam evitar se vestir como “vadias” para não serem vítimas de estupro. Saias curtas, nem pensar.

O policial não sabia, então, o impacto internacional que teriam suas palavras. Com o propósito de protestar pelo direito das mulheres de se vestir, andar e agir de forma livre, as canadenses organizaram a “Slutwalk” – em português, Marcha das Vadias – em maio do ano passado. As reivindicações das moças ecoaram dentro de outros países com cultura machista.

Em junho de 2011, a Marcha das Vadias des� lava pelo centro de Brasília, com quase mil pessoas. Mu-lheres de todas as idades se reuniram para lutar pelo direito de exercerem sua sexualidade e suas liberdades sociais, sem serem vítimas de violências. Saias curtas, sim. Isso não justi� ca o estupro ou o preconceito.

As mudanças defendidas, no entanto, ainda cami-

nham a passo lento. De acordo com Mapa da Violência contra a Mulher de 2012, divulgado pelo Ministério da Justiça, em um grupo de 87 países o Brasil � cou em 7º lugar em número de agressões contra as mulhe-res, com 4,4 homicídios para cada 100 mil habitantes. Outra pesquisa, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geogra� a e Estatística (IBGE) e publicada semana passada, apontou que os homens ganhavam, em média, 24,1% a mais que as mulheres. Em 2010, essa diferença subiu para 25%.

São mais razões para legitimar a Marcha das Vadias, que se fortaleceu este ano e fez sucesso com a campa-nha de � yers na internet. Tomara que outras lutas se somem à marcha: a das mulheres negras, das transe-xuais, das pobres e ricas, das jovens e das mais expe-rientes. Tomara que neste ano, homens e mais homens se somem ao protesto. Tomara que gente do mundo inteiro perceba que é uma causa que vai muito além do feminismo.

Ombudsman*Fazer jornalismo nem sempre se trata de dados e documen-

tos. Algumas vezes, o repórter só precisa ir atrás do assunto que todos sempre quiseram saber, mas não sabiam a quem pergun-tar. O dilúvio começou na Arca de Noé faz esse papel ao contar a história de como as operações da Polícia Federal são nomeadas.

Estudantes dizem não é um exemplo de como o Campus pode fazer diferente. A repórter se arrisca ao tratar de um tema tão polêmico e complexo como as cotas raciais e consegue dar voz às mais diferentes faces da questão, como nenhuma repor-tagem da mídia convencional conseguiu fazer. A� nal, o mundo não é uma folha de papel, onde um lado é a verdade e o outro, a mentira. Ainda assim, vale ressaltar que poderia ter sido feita uma visita ao Departamento de Estatística da UnB.

Nesta edição, a coluna Fala, Rovérsio escorrega novamente. O espaço foi rede� nido com a frase “colunista � ctício criado para ironizar situações cotidianas”, o que fez com que o leitor esperasse por uma crítica bem-humorada, que não veio. Qual a diferença entre o Fala, Rovérsio e a coluna de opinião?

Em Não minta para ele, um tema interessante se perde pela forma como é conduzido pelo repórter. Uma pessoa não inicia-da no assunto terminará a leitura sem entender qual o intuito do experimento realizado pelo pesquisador.

O leitor terá di� culdades para chegar até o � nal de Os avós da ginga. Isso porque o Campus insiste em publicar reporta-gens que poderiam ser resolvidas em, no máximo, dois pará-grafos. A consequência é um texto repetitivo que faz com que o interesse pela leitura se perca facilmente.

A última página, entretanto, é um presente para o leitor. Com criatividade na escolha da personagem e sensibilidade na construção do texto, o repórter arrebatou, até mesmo, o mal -humorado ombudsman.

* Termo sueco que signi� ca “prove-dor de justiça”, o ombudsman

discute a produção dos jornalistas a partir da perspectiva do leitor

Memória“Por sua simplicidade, o sistema

(de moradias ecológicas) permite adaptações e inovações adequando--se a diferentes situações geográ� cas e culturais.” Essa declaração estam-pou as páginas do Campus na 2ª quinzena de setembro de 1990. A frase foi dita pelo então presidente da Fundação de Desenvolvimento das Aplicações de Madeira no Brasil (DAM) para uma matéria do Cam-pus sobre sustentabilidade na cons-trução civil. Na época, Cristovam Buarque, que era reitor da Universi-dade de Brasília (UnB), assinou um acordo de cooperação para que toda

a tecnologia sustentável desenvolvida pelo DAM fosse repassada aos alu-nos de Arquitetura e Urbanismo. No centro do projeto, estava o trabalho com materiais locais, principalmente para alcançar orçamentos mais enxu-tos. No Distrito Federal, a madeira nativa associada à taipa viabilizou a criação de habitações sustentáveis e substituiu as técnicas e materiais industrializados, com maior custo e maior uso da construção civil.

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Os ateus saem do armário

Você tem religião?”“Não.”“Mas acredita em Deus, né?” A professora de história Glória Silva está

cansada de diálogos como esse, principalmente por rece-ber olhares de espanto toda vez que revela não acreditar em nenhuma divindade. Por conta disso, há pouco mais de um ano ela reúne em sua casa em Vicente Pires um grupo de jovens adultos, com idade entre os 20 e 35 anos, que depois de encontrarem na internet um espaço de dis-cussão livre e isento de preconceito decidiram se reunir pessoalmente.

A última reunião ocorreu às 9h da manhã de um sába-do frio, o dia 19 deste mês. Um café da manhã reforçado esperava por todos. “Este aqui é meu � lho. Ele ainda não é ateu, mas está se convertendo”, brincava a an� triã, apre-sentando um rapaz que espiava a movimentação de sos-laio. Os convidados chegavam abraçando afetuosamente a professora. Naquela manhã, poucos apareceram. “É o horário”, lamentava Glória. Até a véspera, o evento criado no Facebook tinha a con� rmação de 33 pessoas. Apenas 11 compareceram. Eram os ateus mais � éis do grupo.

Aquela era a sexta reunião e tinha por objetivo dis-cutir, entre outras coisas, a respeito do futuro do grupo. “Não queremos criar uma religião. Só queremos conver-sar. Os ateus são minoria, por isso têm as ideias sufocadas. Aqui podemos expô-las sem ofender ninguém”, esclarece Douglas Barbosa (23), um dos organizadores. Conversar, aliás, é o que eles fazem. Discutem sobre política, econo-mia e também religiões – a maioria já passou por alguma. Entre eles existe, inclusive, um ex-pastor. Antônio Sousa (42) esteve à frente de uma igreja evangélica de Goiânia por três anos, até começar a ter dúvidas. Com a voz man-sa, de quem inspira respeito, todos param para escutá- lo. “Eu não me decidi ateu, eu me descobri”, confessa o ex-pastor, no círculo improvisado. “Somos uma minoria muito rejeitada. Os encontros são uma terapia.”

Os jovens ateus pregam tolerância total. O grupo está aberto a qualquer pessoa que queira desabafar sobre as di� culdades de ser ateu em um país que, embora tenha um Estado laico, é predominantemente religioso. Segun-do o último censo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geogra� a Estatística (IBGE), de 2002, apenas 6,7% da população se declara sem religião. Os ateus são um grupo ainda menor.

Naquele sábado, os novatos eram dois adolescentes de 16 anos, estudantes do ensino médio. “Vocês estão confortáveis?”, perguntou em determinado momento a professora Glória Silva. Eles acenaram timidamente. Um deles, Bruno Gonçalvez, revela a gravidade do precon-ceito na escola pública em que estuda. “Já disseram que iam me matar, que eu estava virando um monstro. Nem levei a sério.”

reportagem | FABIANE GUIMARÃESdiagramação | CAROLINA PEREIRAedição| LAÍSA QUEIROZ

O grupo de ateus de Brasília foi o segundo do país a extrapolar a esfera da internet, atrás apenas de Curitiba. Em fevereiro deste ano, aconteceu o primeiro encontro nacional, que reuniu cerca de duas mil pessoas de 22 uni-dades federativas. Para o diretor da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), Daniel Sottomaior, a so-cialização é uma forma de estimular mais ateus a “saírem do armário”, mas não contribui muito para a causa do ponto de vista prático. “Esses encontros não geram re-sultados para o ativismo”, opina Sottomaior. O grupo de Brasília se deu conta disso e já começou um processo para formalizar a iniciativa. Agora, seus integrantes querem virar associação registrada em cartório. “O nosso princi-pal objetivo é difundir e naturalizar o ateísmo”, explica Priscila Nascimento (22), organizadora e uma das três mulheres que compareceram ao encontro do sábado. “É nosso papel fazer com que outros ateus tenham coragem de se expor.”

Nem todos os descrentes, no entanto, sentem a neces-sidade de se conhecer. É o caso de Sérgio Fernandes (20), estudante de Física, ateu desde a adolescência, que ouviu falar dos encontros, mas não apreciou a ideia. “Quem não acredita em nada, não tem o que discutir”, critica. “Qual o sentido de juntar pessoas para a� rmar uma descrença?”. Para a professora Glória Silva, a resposta é bem simples: “Queremos mostrar que existimos e não somos monstros. Somos seres humanos, trabalhadores, cumprimos a lei e temos direitos. À medida que nos organizamos, podemos ter voz.”

ELLEN ROCHA

ELLEN ROCHA

Títulos cientí� cos e livros sagrados fazem parte do acervo da pequena bibli-oteca direcionada para ateus que a professora Glória Silva organiza em sua casa

Ceia pagã: o grupo de ateus se reúne com frequência e por isso todos viraram amigos. São jovens, estudiosos e gostam de discutir religiões.+

Comportamento

Encontros periódicos na casa de uma professora de Vicente Pires servem para discutir o ateísmo e diminuir a solidão de uma minoria discriminada

CONHECIMENTOApós acolher em sua casa os amigos ateus, a professo-

ra Glória Silva percebeu um traço em comum em todos eles: o gosto pela leitura. Surgiu então a ideia de orga-nizar uma pequena biblioteca ateísta. Ela já conseguiu cerca de 100 livros, entre compras e doações. Autores como Carl Sagan, Stephen Hawking e Charles Darwin estão empilhados em uma sala improvisada. A biblioteca também tem – por que não? - três Bíblias: uma católica, outra evangélica e um exemplar mórmon. “Essa comprei para ajudar uma moça”, comenta a professora, mostrando a edição católica. “Tenho até Nostradamus. Agora quero o Alcorão.”

Carlos Alcântara (31), um erudito professor de histó-ria que acompanha o grupo desde o primeiro encontro, contribuiu com vários exemplares de � lósofos e antro-pólogos. Ele é capaz de recitar de cor títulos dos livros sagrados de quase todas as religiões ocidentais e orientais. “Já fui católico, evangélico e depois migrei para o budis-mo”, conta. “O ateísmo é uma concepção � losó� ca, um processo.” Amém!

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Sustentabilidade

O lixo do bairro reportagem | ISABELA MAIA E ISABELLA TONHÁdiagramação | MARINA DUTRAedição | MARIANA CAPELO ecológicoCom as primeiras obras previstas para serem entre-

gues ainda este ano, o novo setor Noroeste foi cria-do com a promessa de ser um bairro ecológico e busca o selo de sustentabilidade, que garantiria ao

empreendimento reconhecimento internacional. No en-tanto, o novo bairro ainda não conseguiu gerenciar a alta produção de resíduos sólidos da construção, descumpre exigências de destinação de lixo e está longe de garantir os requisitos mínimos para ter o selo almejado. Levanta-mento feito pelo Campus com as 15 principais empresas de remoção de entulho indica que o Noroeste despeja no Aterro do Jóquei, também chamado de “lixão da Es-trutural”, uma média diária de 400m³ de resíduos. Essa quantidade é su� ciente para encher uma piscina olím-pica em uma semana ou o prédio inteiro do Ministério do Meio Ambiente, que tem 10 andares, em seis meses.  

A licença para o início da instalação do Noroeste, da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), foi con-cedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) em 2008, mediante cumpri-mento de vários aspectos de proteção ambiental, como adoção de sistemas de reutilização de água e economia de energia, recuperação de áreas desmatadas durante as obras e implantação de coleta seletiva do lixo produzi-do pelas empreiteiras. Dentro das exigências necessárias

para que o Noroeste receba certi� cado de sustentabili-dade, o controle dos resíduos sólidos gerados pelas obras é uma das primeiras preocupações. Segundo o Plano de Gestão Ambiental de Implantação (PGAI) do Setor No-roeste, divulgado pela Terracap em 2009, as construções do bairro devem providenciar o transporte de entulho e lixo em caçambas e carrocerias cobertas por lonas, prio-rizar a reutilização do entulho na própria obra ou através de reciclagem, separar os resíduos entre orgânicos e re-cicláveis, além de encaminhar os itens recicláveis (como papel, papelão, vidro e plástico) para locais apropriados.

Apesar de a assessoria de Comunicação da Terracap a� rmar que os materiais são separados e destinados para cooperativas localizadas no Aterro do Jóquei, a repor-tagem do Campus visitou as obras do setor Noroeste e constatou que algumas exigências não são cumpridas. O transporte do entulho em caçambas cobertas e a separa-ção do material que pode ser reciclado dos resíduos da construção não são observados em todas as obras. Em al-guns canteiros, o entulho é acondicionado em sacos plás-ticos, juntamente com papéis, garrafas plásticas e papelão.

Segundo parecer técnico realizado por uma parceria do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) com o Ibama neste ano, a Terracap não tem cumprido sua obrigação de destinar a terra escavada dos terrenos para o Aterro do Jóquei. A resolução 307/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) classi� ca a terra resultante da escavação do terreno como resíduo sólido da construção civil. Portanto, o destino adequado seria ou o Aterro do Jóquei, ou outras obras, onde essa terra pode-ria ser reutilizada. O relatório a� rma, porém, que os “so-los provenientes” das escavações estariam sendo despeja-dos em áreas circundantes ao Parque Nacional de Brasília e à Área de Proteção Ambiental do Planalto Central.

Juliana Alves, bióloga do Parque Nacional, infor-mou que até o momento o ICMBio aplicou três autos de infração à Terracap. “O desenvolvimento das obras sem a aprovação de áreas de bota-fora (locais onde de-vem ser colocados os resíduos das escavações) é uma situação que perdura. Até o momento, os responsáveis não foram penalizados. Enquanto isso, a sociedade não será poupada dos danos ao meio ambiente, decorrentes principalmente do impacto nos cursos d’água, como as-soreamento do Lago Paranoá, Córrego Acampamen-to e Ribeirão Bananal”, explicou a bióloga por e-mail.

Todos os dias, 7,5 mil toneladas de lixo são produ-zidas no Distrito Federal. Por determinação do Sis-tema de Limpeza Urbana (SLU) do DF, só existe um destino certo para todo esse lixo: o Aterro do Jóquei. A área de 196 hectares recebe, somente da constru-ção civil do DF, 5 mil toneladas de resíduos diaria-mente, o que representa quase 70% de todo o lixo.

“Esses resíduos nos preocupam, e chegamos a elabo-

rar uma cartilha para as empresas, mas ela não tem força de lei”, diz Marcontoni Montezuma, presidente da Co-missão de Meio Ambiente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) do DF. Segundo o chefe da Assessoria de Planejamento e Projetos Especiais do SLU, Edmundo Gadelha, falta pouco para que o aterro da Estrutural deixe de comportar os resíduos da constru-ção. “O espaço que é destinado para esse tipo de lixo no aterro está praticamente esgotado”, conta Gadelha. Para resolver o problema, o Governo do Distrito Federal de-verá abrir licitação a partir do mês de julho para que oito Áreas de Transbordo e Triagem de Resíduos da Constru-ção Civil (ATTR) sejam construídas. A triagem do lixo, que hoje não é feita pelas construtoras, será promovida em cada ATTR. O chefe de Planejamento explica que o material que pode ser reciclado, como plástico e papel, se-guirá para o Aterro do Jóquei, onde � cará à disposição dos catadores. O que for considerado realmente entulho da construção civil, como concreto e alvenaria, poderá � car na ATTR ou ser aproveitado no auxílio do aterro de lixo.

Para a professora de Arquitetura da UnB Raquel Naves, que pesquisa o lixo da construção civil, a fal-ta de um plano de gestão de resíduos sólidos das obras no DF faz com que parte desse lixo acabe indo para

O Aterro do Jóquei recebe, diariamente, cerca de 600 containeres de entulho da construção civil

Apesar do Plano de Gestão Ambiental de Implantação do Noroeste determinar que o entulho das construções deve ser separado do lixo reciclável, nem todas as obras cumprem a exigência

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Sustentabilidade

Entulho produzido pelas obras do Noroeste deveria ter destinação sustentável, mas o setor não segue normas de gerenciamento de resíduos ecológico

áreas clandestinas. “Existem resíduos da construção que são inertes, como o concreto, e podem afetar a es-trutura de drenagem e saneamento básico. Já restos de tintas, solventes e óleos, por exemplo, são materiais que poluem o meio ambiente”, diz a pesquisadora.

NEM TODO ENTULHO É LIXOOs resíduos gerados pela construção civil são um

problema constante no Brasil e estima-se que o setor seja responsável por mais de 50% de todo o lixo pro-duzido no país. Em cidades com mais de 1 milhão de habitantes, esse número chega a 60%. Mas nem todo o lixo gerado pela construção precisa ter como desti-nação � nal o aterro. Pelo menos é o que propõem pes-quisas realizadas em duas das maiores universidades brasileiras. Com suas capacidades próximas ao esgota-mento em várias regiões do país, a utilização de ater-ros sanitários para resíduos da construção civil se mos-tra insu� ciente e ine� caz para o controle de tanto lixo.

De acordo com estudos desenvolvidos pelo Progra-ma de Pós-Graduação em Geotecnia da Universida-de de Brasília, o resto de materiais da construção civil é mais e� caz que a brita na cobertura de estradas não pavimentadas. Além disso, os resíduos são mais bara-

tos e sustentáveis, já que a reutilização faz com que não seja necessária a exploração de um recurso da natureza, como acontece com a brita, material mais utilizado para esse tipo de pavimentação. A autora da pesquisa, Ivon-ne Alejandra Gutiérrez Góngora, conta que a motiva-ção para a realização do estudo surgiu da necessidade de retirar dos ambientes a poluição visual que a gran-de quantidade das pilhas de entulho acaba gerando.

Na Universidade de São Paulo (USP), o doutor em Arquitetura e Urbanismo Javier Pablos analisou em sua tese a possibilidade de reutilizar a areia residual das construções para produzir tijolos, que seriam usados novamente nas obras. Através da adição de argila e um tipo especí� co de cimento, os resíduos são estabiliza-dos e transformados em um composto que pode virar tijolos maciços para serem utilizados em construções de alvenaria. Além disso, a pesquisa propõe um design diferente nos tijolos, que consegue reduzir a quanti-

Se fosse possível empilhar as caçambas que chegam diariamente do Noroeste ao Aterro do Jóquei, a pilha teria a altura de um prédio de 30 andares. Chegam aproximadamente 80 containers por dia.

dade de argamassa necessária para o assentamento.Já a tese de doutorado do pesquisador Paulo Lasso,

também da USP, propôs que os resíduos fossem uti-lizados para corrigir a acidez dos solos arenosos, tipo de solo comum no Distrito Federal. A alta acidez des-se terreno diminui a fertilidade, pois a quantidade de nutrientes é reduzida e a absorção de água também é comprometida. Para tornar o solo fértil novamente, é necessário fazer a correção da acidez. Segundo a pes-quisa feita por Lasso, os resíduos de construção civil e demolição (RDC) podem ser moídos e transformados em RDC reciclado, e depois disso serem utilizados na melhoria de solos próprios para a jardinagem, plantio em vasos e preparação de covas de culturas permanentes.

Apesar do Plano de Gestão Ambiental de Implantação do Noroeste determinar que o entulho das construções deve ser separado do lixo reciclável, nem todas as obras cumprem a exigência

LAURA VERIDIANA

MARIANA CAPELO

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CAMPUS | Brasília, de 29 de maio a 4 de junho de 20126

aCadê Paradeiro da suçuarana, vista próxima ao STJ em abril, continua um mistério. As reservas de cerrado do DF são possíveis destinosreportagem | MAÍRA NUNESdiagramação | CAROLINA PEREIRAedição | LAÍSA QUEIROZ

Meio-ambiente

O segurança do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Pedro Bamberg monitorava as câmeras por volta do meio-dia de 17 de abril deste ano, quando foi informado de que havia um elemen-

to suspeito rondando o estacionamento. Possuía médio porte e caminhava sobre quatro patas, pela parte de fora da cerca, próximo aos carros e a alguns funcionários. “As imagens mostravam um animal grande, bem maior que um gato”, lembra Bamberg. Entretanto, permanecia a dúvida sobre qual era o bicho. Acionado, o pessoal da Polícia Militar Ambiental (PMA) e do Zoológico de Brasília – que chegou depois de o animal se afastar, mas viu as imagens –, a� rmou se tratar de uma suçuarana, também chamada de puma ou onça parda.

Não foi o primeiro caso de aparecimento de onça na capital. Em janeiro, um � lhote de suçuarana foi encon-trado atrás de sacos de trigo, em uma fazenda a 40 km de Planaltina de Goiás. E há dois anos, uma onça inva-diu uma residência no Lago Sul. O que deixou muitos brasilienses curiosos nesta visita de um felino ao STJ foi o fato de não o terem encontrado. A� nal, para onde a onça pode ter ido?

Com o alerta, foi mobilizada uma equipe composta por 10 pessoas, entre veterinários, biólogos e tratadores do zoológico, além de viaturas da polícia, cachorros fare-jadores e até um helicóptero. O sargento Isac Marcio Longuinho e o cabo Klebio Veloso do Santos, da seção operacional da PMA, explicam que, quando a polícia é acionada para a captura de animais silvestres, primeiro é feita uma varredura baseada no cálculo de tempo e espaço por onde o animal pode ter caminhado desde o momento em que foi visto pela última vez.

Logo começaram as buscas pelo animal, que devia estar escondido por perto. Apenas rastros foram encontrados, mas o aconteci-mento repercutiu na cidade. Durante a semana do episódio, as brincadeiras contaminaram o tribunal e o receio de uma nova visita podia ser percebido: o estacionamento onde a suçuarana foi vista � cou mais vazio que os outros três da instituição.

Segundo o biólogo e diretor da curadoria de mamíferos do Zoológico de Brasília, Tiago Carpi, a probabilidade de a onça estar na cidade é quase nula. “Com a movimentação que os centros urbanos pos-suem, já teria havido relato.”

Para Carpi, que integrou a equipe de busca à suçuarana, conforme o grupo ia atrás do felino, a onça se afastava. O biólogo a� rma que o faro e a audição dos animais selvagens são muito melhores que os dos humanos. Existem espécies que conseguem farejar uma presa a 1 km de distância. “Ainda mais se ela usar desodorante e perfume”, brinca. “As pessoas que caçam esse tipo de animal procuram acuar o bicho em cima de uma árvore, mas em Brasília as árvores são baixas e os campos, muito abertos”, conta Carpi, explicando a di� culdade de captura.

A onça é um predador típico do cerrado e tem o

hábito de caminhar grandes distâncias. Apesar de ter dado o

ar de sua graça pelo STJ, o mais provável é que tenha utilizado o Lago Paranoá como acesso e esteja agora transitando entre as reser-vas pelos corredores ecológicos. Mais difícil é que queira encarar

novamente o ambiente hostil da cidade grande.

Logo começaram as buscas pelo animal, que

Apenas rastros foram encontrados, mas o aconteci-mento repercutiu na cidade. Durante a semana do episódio, as brincadeiras contaminaram o tribunal e o receio de uma nova visita podia ser percebido: o estacionamento onde a suçuarana foi vista � cou mais

Segundo o biólogo e diretor da curadoria de mamíferos do Zoológico de Brasília, Tiago Carpi, a probabilidade de a onça estar na cidade é quase nula. “Com a movimentação que os centros urbanos pos-

Para Carpi, que integrou a equipe de busca à suçuarana, conforme o grupo ia atrás do felino, a onça se afastava. O biólogo a� rma que o faro e a audição dos animais selvagens são muito melhores que os dos humanos. Existem espécies que conseguem farejar uma presa a 1 km de distância. “Ainda mais se ela usar desodorante e perfume”, brinca. “As pessoas que caçam esse tipo de animal procuram acuar o bicho em cima

O STJ localiza-se na L4 Sul. Uma hipótese levantada sobre onde es-taria a onça é a reserva do Palácio do Jaburu, uma pequena área de cerrado

de proteção militar. “A onça pode ter ido para lá e estar bem pertinho. Dois km para um bicho desses não é nada”, a� rma o biólogo Tiago Carpi.

A região ao redor do STJ também possui muitas construções. Ao con-versar com um funcionário de obras, o

biólogo atentou para o fato de que os canos largos da rede poderiam

ter levado o animal até o Lago Paranoá. A partir de lá, a onça poderia ter seguido para uma

das reservas ambientais do DF.Apesar de muito devastado pela

ocupação urbana e por queimadas, o cerrado ainda possui grandes áreas de preservação permanente que garantem a sobrevivência de animais típicos da região, como a suçuarana.

A reserva do Jardim Botânico, um dos locais onde a onça pode ter procurado abrigo, tem ligação direta com o lago. Corresponde a 7% das áreas protegidas do DF e tem aproximadamente 4 mil hectares. Mas os passos do felino podem não ter seguido o caminho mais curto.

A Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de Geogra� a e Estatística (IBGE), 35 km ao sul

do centro de Brasília, faz fronteira com o Jardim Botânico e possui área de 1,3 mil hectares. A Fazenda

Água Limpa, da Universidade de Brasília, está situada a 28 km do campus da Asa Norte e possui 4,3 mil hectares, sendo quase a metade destinada à conservação e preservação.

O Parque Nacional de Brasília, mais conhecido como Água Mineral, está localizado a noroeste do DF e possui área de 300 km². Sua preservação garante a qualidade das águas da barragem de Santa Maria e dos córregos Torto e Bananal, que desaguam também no Lago Paranoá. Já a Estação

Ecológica de Águas Emendadas, com cerca de 10,5 mil hec-tares, corresponde a 17% das áreas protegidas do DF e localiza-

se em Planaltina, a 50 km do Plano Piloto.Atrás do Parque Nacional, ergue-se uma região montanhosa de vegetação de

cerrado. Carpi explica que essas áreas de topo de morros servem para a captação de água, que formam pequenos riachos nos vales, responsáveis por desenhar caminhos que funcionam como corredores ecológicos. São as vias utilizadas pelos animais para

transitar de uma reserva a outra, sem passar pela cidade. O biólogo conta que participou de dois trabalhos de identi� cação desses corredores do DF. “Realmente a gente encontra

vestígios de que animais passaram por ali.” O destino de todos os riachos formados nas reservas de cerrado do DF é o Lago Paranoá.

do zoológico, além de viaturas da polícia, cachorros fare-

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hábito de caminhar grandes distâncias. Apesar de ter dado o distâncias. Apesar de ter dado o

ar de sua graça pelo STJ, o mais provável é que tenha utilizado o Lago Paranoá como acesso e esteja agora transitando entre as reser-vas pelos corredores ecológicos. Mais difícil é que queira encarar Mais difícil é que queira encarar Mais difícil é que queira encarar

novamente o ambiente hostil da novamente o ambiente hostil da novamente o ambiente hostil da novamente o ambiente hostil da novamente o ambiente hostil da

a onça pode ter procurado abrigo, tem ligação direta com o lago. Corresponde a 7% das áreas protegidas do DF e tem aproximadamente 4 mil hectares. Mas os passos do felino podem não ter seguido o caminho mais curto.

do centro de Brasília, faz fronteira com o Jardim Botânico e possui área de 1,3 mil hectares. A Fazenda

Água Limpa, da Universidade de Brasília, está situada a 28 km Botânico e possui área de 1,3 mil hectares. A Fazenda

Água Limpa, da Universidade de Brasília, está situada a 28 km Botânico e possui área de 1,3 mil hectares. A Fazenda

do campus da Asa Norte e possui 4,3 mil hectares, sendo quase a metade destinada à conservação e preservação.

O Parque Nacional de Brasília, mais conhecido como Água O Parque Nacional de Brasília, mais conhecido como Água O Parque Nacional de Brasília, mais conhecido como Água O Parque Nacional de Brasília, mais conhecido como Água metade destinada à conservação e preservação.

O Parque Nacional de Brasília, mais conhecido como Água metade destinada à conservação e preservação.

Mineral, está localizado a noroeste do DF e possui área de Mineral, está localizado a noroeste do DF e possui área de Mineral, está localizado a noroeste do DF e possui área de Mineral, está localizado a noroeste do DF e possui área de Mineral, está localizado a noroeste do DF e possui área de Mineral, está localizado a noroeste do DF e possui área de Mineral, está localizado a noroeste do DF e possui área de 300 km². Sua preservação garante a qualidade das águas da 300 km². Sua preservação garante a qualidade das águas da 300 km². Sua preservação garante a qualidade das águas da 300 km². Sua preservação garante a qualidade das águas da 300 km². Sua preservação garante a qualidade das águas da 300 km². Sua preservação garante a qualidade das águas da barragem de Santa Maria e dos córregos Torto e Bananal, barragem de Santa Maria e dos córregos Torto e Bananal, que desaguam também no Lago Paranoá. Já a Estação

Ecológica de Águas Emendadas, com cerca de 10,5 mil hec-Ecológica de Águas Emendadas, com cerca de 10,5 mil hec-Ecológica de Águas Emendadas, com cerca de 10,5 mil hec-que desaguam também no Lago Paranoá. Já a Estação

Ecológica de Águas Emendadas, com cerca de 10,5 mil hec-que desaguam também no Lago Paranoá. Já a Estação

tares, corresponde a 17% das áreas protegidas do DF e localiza-tares, corresponde a 17% das áreas protegidas do DF e localiza-se em Planaltina, a 50 km do Plano Piloto.se em Planaltina, a 50 km do Plano Piloto.se em Planaltina, a 50 km do Plano Piloto.

Atrás do Parque Nacional, ergue-se uma região montanhosa de vegetação de Atrás do Parque Nacional, ergue-se uma região montanhosa de vegetação de Atrás do Parque Nacional, ergue-se uma região montanhosa de vegetação de Atrás do Parque Nacional, ergue-se uma região montanhosa de vegetação de

momento em que foi visto pela última vez.

típico do cerrado e tem o hábito de caminhar grandes

distâncias. Apesar de ter dado o ar de sua graça pelo STJ, o mais

provável é que tenha utilizado o Lago Paranoá como acesso e esteja agora transitando entre as reser-vas pelos corredores ecológicos. Mais difícil é que queira encarar

novamente o ambiente hostil da cidade grande.

onça?

ILUSTRAÇÕES: MARIANA CAPELO

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CAMPUS | Brasília, de 29 de maio a 4 de junho de 2012 7

pazes de cuidar de um � lho. Assim como Luciana, Marina, que ainda estuda no

CEE 1, pretende trabalhar com pintura e se tornar uma grande pro� ssional na área. Marina tem Síndrome de Down. Feliz da vida, conta que gosta de fazer muitas

Nas salas de aula de uma escola de Taguatinga, alunos es-peciais são estimulados em ofi cinas criativas. A iniciativa já produziu pin-tores, músi-cos e sonhos

Inclusão

L uciana Fonseca (39) nasceu com paralisia cerebral, descoberta quando ela tinha quase um ano de ida-de. A mãe, Elcione Fonseca, cuidava dela em casa, pois os médicos diziam que não deveria ter muitas

expectativas com a menina. Elcione não desistiu. Aos 3 anos de idade, Luciana começou a caminhar, aos 7 entrou no CEE1 Tag (Centro de Ensino Especial 1 de Taguatinga), onde permaneceu até os 37 anos. Lá, Lu-ciana foi alfabetizada e se tornou pintora. Ela é um dos exemplos de artistas formados na instituição.

Hoje, com 39 anos, tudo que desenha Luciana joga no quadro. Suas pinturas têm estilo livre, rústico, com bastante cor, e são inspiradas em temas mais leves, como família, ou polêmicos, como homossexualidade e racis-mo. Ela pinta e vende seus quadros em exposições e sob encomenda. Seu trabalho é divulgado em cidades como São Paulo e Salvador e até em Portugal, onde uma prima reside. Ela esteve no Brasil, se encantou com os quadros e os expôs em seu restaurante em Portugal. É com a aju-da da própria família que os trabalhos de Luciana são divulgados e reconhecidos.

Segundo a mãe, que criou a � lha para torná-la in-dependente, as únicas di� culdades que Luciana enfrenta são o preconceito e as condições precárias que a socieda-de tem de lidar com pessoas especiais. Luciana já traba-lhou como gari, se casou e teve uma � lha. O ex-marido, Márcio Glayton, é paraplégico. O casal se conheceu no CEE, onde Glayton aprendeu a tocar trombone e montou com colegas a banda Toque Especial. A banda deixou a escola, tornou-se bastante conhecida e hoje se apresenta em média três vezes por semana. Isabela Fon-seca, � lha de Luciana e Márcio, diz que tem orgulho da mãe. Tímida, se emociona ao falar dela. “Quando crescer, quero ajudá-la”. Luciana mora com o segundo marido, e Isabela vive com a avó materna, que tem sua guarda. Segundo o conselho tutelar, Luciana e Márcio são inca-

reportagem | PAULINA DANIELdiagramação | LAÍS DO VALLEedição| MARIANA CAPELO

coisas na escola, como capoeira, natação e crochê. Ela também faz parte da banda da escola, “Eu adoro estar aqui,com as minhas tias (professoras)“, a� rma Marina.

O CEE Tag 1, fundado em 1973, atende mais de 200 pessoas, de crianças de 4 anos de idade a adultos cinquentões. Alunos com até 21 anos têm prioridade, e além disso a escola acolhe alunos com problemas como De� ciências Multiplas- DMU, De� ciência Intelectual – DI e Transtorno Global de Aprendizagem – TGD. Na escola, são oferecidas o� cinas pedagógicas, nas quais os alunos têm oportunidade de participar do EJA (Educa-ção de Jovens e Adultos), e o� cinas pro� ssionalizantes. A escola também adotou programas interdiciplinares, como o� cina de argila, laboratório de informática, coral e banda, educação ambiental, dança, teatro e capoeira adaptada. Segundo Sidnéia da Costa Veloso, coorde-nadora pedagógica do CEE 1 Tag, a di� culdade que os professores têm é a de alfabetizar os alunos, pois os pais são ansiosos e querem logo ver os � lhos lendo e escre-vendo.

Marcelo Donizete, professor da banda, dá aula na escola há mais de 15 anos. “Assim como na pintura, na banda e coral os alunos também pensam em seguir adiante, formarem bandas e até mesmo se tornarem pro-� ssionais”. Os alunos e o professor se apresentam em escolas públicas, na Universidade de Brasília e em or-gãos públicos. A di� culdade que os alunos têm na fala, ou mesmo na coordenação motora, não atrapalha. “Tra-balhar com alunos especiais sempre vai ser difícil, mas eu priorizo o interesse que o aluno tem por participar”, a� rma Donizete. “Até quem tem di� culdade na fala se expressa melhor no coral.”

ELLEN ROCHA

PAULINA D

ANIEL

Nas segundas, quartas e sextas, o professor Donizete tem um encontro com quase 15 alunos da banda

Luciana presenteia seus familiares com quadros e recebe encomendas de outras pessoas

Celeiro de artistasespeciais

onça?

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CAMPUS | Brasília, de 29 de maio a 4 de junho de 20128

Aos 77 anos, sentado na frente de casa, o per-nambucano Antônio Nogueira, lavador de carros, observa quem passa na rua. “Quando cheguei aqui, em 1961, só tinha cerrado e um

barraco”, descreve. Ele foi o segundo morador da invasão que originou a quadra 50, no setor Leste do Gama, uma área fora da delimitação da cidade, ocupada por gente sem-teto que ganhou inicialmente o nome de Vila do Itamaracá. O governo tentou tirar os invasores, que re-sistiram, e a quadra foi incorporada à cidade em 1971. Incorporada, mas não aceita. No passado, o lugar foi re-jeitado pelo governo e pela população por ser invasão. Hoje continua renegado por causa da pobreza e da cri-minalidade.

“O que dizem quando descobrem que vivo aqui é: ‘Deus que me livre de morar na 50!’”, conta a garçonete Daiana Chaves, de 30 anos. A fama de pior e mais vio-lenta quadra do Gama não impede, porém, que muitos amem o lugar. “Aqui é bom demais, não saio por nada”, diz o pedreiro piauiense Valdeci Oliveira, de 55 anos, que se mudou para lá aos 15. “Se a gente gosta de morar aqui? Se fosse ruim eu já tinha avoado”, conta o sorriden-te aposentado Horácio Lima. Ele e a esposa, Rita Lima, vieram do Ceará tentar a vida no Gama há 40 anos. Os “maloqueiros” não incomodam. “Aqui tem um punhado, mas nos respeitam”, explica Rita. Os moradores conhe-cem o casal pelo nome porque, além de vizinhos, são clientes. No mesmo lote da casa, Lima (79 anos) e Rita (70 anos) fundaram o primeiro comércio da Quadra 50, a Mercearia Tia Rita. Uma das poucas opções de loja, já que, dos 453 lotes, apenas dez têm � ns comerciais.

O ritmo na quadra 50 se diferencia por horários: dias

reportagem | ANA PAULA LISBOAdiagramação | CAROLINA PEREIRAedição| LAÍSA QUEIROZ

per� l:Quadra50

Cores e sombras no Gamaalegres e noites violentas. O dia é colorido - as mulhe-res estendem roupas lavadas em varais nas calçadas, os vizinhos papeiam, e as crianças brincam com bolas, pi-pas e bicicletas. A fofoca acontece de porta em porta. A auxiliar de serviços gerais Rosana Paula de Carvalho, de 24 anos, já foi vítima dos boatos: “Quando tinha 13 anos, escreveram no muro que eu era sapatão por andar muito com amigas”. Os julgamentos costumam ser de tom conservador. Daiana Chaves, por exemplo, ganhou fama de mulher vulgar só por ter se divorciado.

Como em cidade do interior do passado, as mo-ças são “proibidas” de se apaixonar por gente de fora. Casos de assassinatos e brigas estão na memória dos habitantes. Segundo moradores, uma adolescente co-meçou a namorar um rapaz de outra quadra e levou uma surra feia no começo deste ano. A quadra 50 funciona como uma comunidade fechada e novos moradores têm que ser aceitos. Ou eles pagam “pedá-gio” por causa de ameaças ou têm que ser próximos de alguém (um bandido) in� uente.

A noite é sombria e barulhenta, especialmente nos � ns de semana - há trá� co e uso de drogas, brigas de gangues e tiroteios, mesmo a poucos metros de um posto da Polícia Militar. A dona de casa Lucirene Pereira, de 40 anos, cresceu na quadra 50 e tem cinco � lhos, dos quais três viraram usuários de crack. “Eles � caram viciados em pedra, inclusive o caçula de 11 anos.” Lucirene avalia que não há exemplos positivos ali: as crianças têm contato com drogas muito cedo e entram no mundo do crime para bancar o vício.

“Perigo tem em todo canto”, opina Giuvan Santos sobre a violência na 50. Daiana Chaves acha mais ar-riscado andar em outras quadras do Gama. “Aqui o pessoal me conhece, tenho proteção. Os bandidos pro-tegem os moradores. A 50 não é violenta, é só não procurar confusão.” A maioria dos moradores não acha a quadra 50 perigosa, num claro sinal de que a popula-ção amenizou o conceito de insegurança – justamente o que é enfatizado como típico da área por quem mora em outras partes do Gama. Quem é de fora generaliza e só vê a noite, a violência. Quem é de dentro, muitas vezes só quer enxergar o dia, a boa convivência na vi-zinhança.

“Nem os malandros da 50 são problema”Tia Rita

LAURA VERIDIANA

LAURA VERIDIANA

LAURA VERIDIANA

Antônio Nogueira foi o segundo morador da invasão que originou a quadra 50. “Quando morrer, eu saio daqui”.

Rosana Paula de Carvalho, Daiana Chaves e sua � lha Gabriela olham para área onde já aconteceram assassinatos e brigas de gangues.