Cadenza Improvisação

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Cadenza Improvisação

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  • IMPROVISAO NA MSICA CONTEMPORNEA DE CONCERTO: PARMETROS PARA A EXECUO DA CADENZA

    DA PEATHE DAYS FLY BY DE FREDERIC RZEWSKI

    DIOGO DE HARO

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS

    INSTITUTO DE ARTES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA

    IMPROVISAO NA MSICA CONTEMPORNEA DE CONCERTO:

    PARMETROS PARA A EXECUO DA CADENZA DA PEATHE DAYS FLY BY DE FREDERIC RZEWSKI

    DIOGO DE HARO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Msica da Universidade

    Federal do Rio Grande do Sul com requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em

    Msica

    Orientadora: Prof. Dra Cristina Capparelli Gerllin

    Porto Alegre

    2006

  • Para Martinho de Haro, In memoriam,

  • minha Orientadora Cristina Caparelli Gerlling , pelo entusiasmo constante,

    Professora Catarina Domenici, pela orientao no incio desta pesquisa,

    Ao Professor Ney Fialkow, pela dedicao durante as aulas de piano.

    minha me pelos socorros de ltima hora,

    Letcia pelos carinhos de sempre,

    Ao meu pai

    todos os meus amigos que contriburam para a realizao desta pesquisa

    Luis Costa, Rogrio Vasconcelos, Cesar Funck, Luciana Noda, Januibe Tejera

    Aos membros da banca pela aceitao do convite,

    Capes,

    Meus sinceros agradecimentos.

  • Hermes Trismegisto e o fogo criador que une as polaridades

    D. Stolcius von Stolcenberg, Viridarium chymicum, Frankfort, 1624

  • RESUMO

    A presente pesquisa apresenta uma proposta de treinamento para a improvisao de uma cadenza na pea The Days Fly By de Frederick Rzewski. A improvisao um aspecto que se manifesta de vrias maneiras no trabalho e na trajetria deste compositor, sendo ele prprio pianista reconhecido por seus improvisos de cadenzas em concertos tradicionais. Seu processo de composio est intimamente relacionado ao da improvisao. comum em suas composies a incluso de uma seo em aberto para ser improvisada pelo intrprete. Utilizo os conceitos de referente, base de conhecimento de Jeff Pressing e ponto de partida de Bruno Nettl associados a um modelo de aprendizagem da improvisao proposto por Barry J. Kenny & Martin Gellrich. Esta pesquisa apresenta proposta de exerccios de improvisao fundamentados nos elementos detectados em uma anlise da pea. Palavras chave: Improvisao, cadenza, anlise, treinamento.

  • ABSTRACT This research presents a training proposal for the improvisation of a cadenza in Frederich Rzewski!s"the Days Fly By". Improvisation is an aspect that, in several forms, appears in the work and trajectory of this composer. Himself a pianist, he is well known for his improvisations of cadenzas in traditional concerts. He has been a jazz musician and his process of composition is intimately related to the improvisation. It is usual to find in his compositions the inclusion of an open section to be improvised by the performer. I utilize Jeff Pressing!s concepts of referent, knowledge base and Bruno Netti!s point of departure associated to a training model of improvisation proposed by Barry J. Kenny and Martin Gellich. This research presents a proposal for exercises of improvisation grounded in revealed elements on an analysis of the piece.

  • SUMRIO

    Introduo...............................................................................................01

    1.Referencial Terico..............................................................................11

    2.Anlise do Referente: The Days Fly By............................................18

    2.1 Idia Fixa ..........................................................................................21

    2.2 Ambiente Harmnico.........................................................................28

    2.3 Oscilao...........................................................................................47

    3 Estabelecimento do Ponto de Partida................................................52

    4 Exerccios para Improvisao............................................................57

    Consideraes Finais..............................................................................78

    Referncias Bibliogrficas.......................................................................81

    Anexos....................................................................................................84

  • INTRODUO

    A trajetria do compositor norte-americano Frederic Rzewski est

    associada de diversas maneiras prtica da improvisao. Paralelamente

    carreira de compositor, Rzewski tambm atua como instrumentista executando

    obras do repertrio pianstico tradicional e de vanguarda. Suas interpretaes da

    msica clssica so constantemente acrescidas de improvisaes. Alm de

    preferir realizar a sua prpria cadenza para o 4 Concerto para Piano e Orquestra

    de Beethoven, Rzewski ainda adiciona passagens improvisadas parte do solista

    (TERRY, 1979, p.20).

    Nascido em Massachusets em 1938, Frederic Rzewski estudou msica

    com Charles Mackey, Walter Piston, Roger Sessions e Milton Babbit nas

    Universidade de Harvard e Princeton. Em 1960, transfere-se para Roma como

    bolsista da Fullbright para estudar com Luigi Dallapiccola (TERRY, 1979, p.21). A

    partir de 1959, Rzewski passou a levar suas peas para os encontros que

    mantinha esporadicamente com Elliott Carter, para obter os comentrios do

    compositor. Mais tarde, Rzewski foi convidado por Carter para aperfeioar seus

    estudos em Berlim apoiado pela Ford Foudation Program de 1963 a 1965.

    Rzewski ainda atuou como instrutor de composio no The Royal Conservatory of

    Music em Lige, em 1977 e na Yale University. J nas suas primeiras atuaes na

    Europa, na dcada de sessenta , destacou-se como intrprete da obra pianstica

    de vanguarda. Seu repertrio inclua peas de John Cage e David Tudor, alm de

  • 2

    estrias de peas de Karlheiz Stockhausen, causando sensao na primeira

    execuo do Klavierstck X (BURGE, 1990, p.228; KOSMAN, 1993, p34).

    Em 1966, Rzewski fundou com Alvin Curran e Richard Teitlbaum o

    Musica Eletrnica Viva (MEV), com o qual explorou a msica eletrnica executada

    ao vivo e a improvisao em grupo (KOSMAN, 1993, p.34). Ao longo de sua

    existncia, o Msica Eletrnica Viva (MEV) contou com a participao de vrios

    msicos de jazz como Anthony Braxton e Karl Hans Berger.

    Berger, fundando o Creative Music Studio (CMS), convidou Rzewski e

    seus colegas do MEV para ministrarem cursos voltados tanto para estudantes de

    msica de concerto quanto para estudantes de jazz (TERRY, 1979, p20). A

    atuao de Rzewski no CMS foi de grande importncia para o estreitamento das

    relaes entre jazzistas como Carla Bley, Jack DeJohnette e Sam Rivers e

    intrpretes da msica de vanguarda como Ursula Oppens, Rolf Scholte , Harvey

    Sollberguer e o Schoenberg String Quartet (TERRY, 1979, p20).

    O jazz um dos ingredientes que, segundo David Burge, fundido ao

    neoclassicismo, musica serial, msica aleatria, ao rock, e aos idiomas

    populares da Amrica, compem o que Rzewski chamou de realismo humanista

    (BURGE, 1990, p. 228,232.).

    A figura de Rzewski como compositor-pianista-improvisador virtuoso

    remete tradio representada no sculo XIX por Lizst e Chopin e, mais tarde,

  • 3

    por Rachmaninof e Busoni, entre outros. O prprio Rzewski ressalta a importncia

    de lembrarmos que os compositores at Brahms eram conhecidos tanto pelas

    obras que deixaram escritas quanto pelas qualidades improvisatrias que exibiam

    em recitais solo. A improvisao solo de Beethoven era a atrao principal em

    seus recitais. Era um acontecimento que se dava ao fim do recital constituindo em

    seu ponto culminante (RZEWSKI, apud BECKMAN, 1996, p.39).

    O processo de composio de Rzewski est estreitamente relacionado ao

    processo improvisatrio. Citando a frase de Stravinski, composio apenas

    uma improvisao com uma caneta, Rzewski diz buscar um estado mental em

    que possa escrever diretamente na partitura as idias musicais na forma como lhe

    ocorrem na mente (KOSMANN, 1993, p36). Trata-se da busca de um estado

    fluido de conscincia, atravs da supresso momentnea dos mecanismos de

    censura da mente, semelhante ao descrito por instrumentistas durante uma

    improvisao. Em uma palestra intitulada Inner Voices, proferida na Hochschule

    der Kunst em Berlim, Rzewski descreve seu processo composicional enfatizando

    a influncia de procedimentos improvisatrios na sua escrita.

    ...Como escrever improvisao? A improvisao o resgate de um acidente, um processo mgico no qual o involuntrio percebido como parte de um projeto. O improvisador justifica uma nota errada sucedendo-a imediatamente por outra. As duas notas erradas juntas, repentinamente formam um novo mundo onde os erros do passado so reconciliados. A mesma tcnica pode ser aplicada escrita. A escrita no meramente uma questo de notao ou registro. Ela principalmente um processo mental em que os dados so transferidos, ou no, da memria de curto prazo para a memria de longo prazo. Esse processo est muito alm do meu controle consciente; mas eu posso me utilizar de tcnicas improvisatrias para revelar momentaneamente aquilo que, de outra forma, poderia ter sido imediatamente esquecido. A realidade que eu quero descrever, a realidade em que eu vivo, uma constante

  • 4

    sucesso de interrupes. De que modo eu posso expressar musicalmente essa realidade? Eu posso me utilizar de uma variedade de sistemas mecnicos para simul-la mas todos eles envolvem um afastamento das experincias internas para algo externo. O resultado no ser nunca uma descrio acurada do mundo interior, mas apenas uma simulao mecnica. O que eu preciso para esse tipo de composio, no um sistema que me dite o que devo escrever, e sim um mtodo que me permita escrever o que eu ouo, (Rzewski, 1994, p.409,410)

    Desta forma, a improvisao constitui um importante elemento, a chave

    para o entendimento das composies de Rzewski (TERRY, 1979, p.20). Outra

    caracterstica muito comum no trabalho de Rzewski a insero de sees de

    improvisao em suas peas para piano solo. Em 1960, Rzewski compem Study.

    No se trata ainda de uma pea com seo improvisada, mas pode-se dizer que

    ela toda consiste em uma improvisao guiada. A pea combina elementos que

    sugerem tanto a forma de rond como de variaes. Na partitura esto notadas

    apenas alturas e dinmicas, cabendo ao intrprete improvisar o ritmo (LEWIS,

    1992, p.31).

    No place to go But Around, pea para piano escrita em 1974, est

    estruturada na forma tema com variaes. Seguindo a stima variao, no auge

    da atividade rtmica, a improvisao introduzida. O compositor determina uma

    srie de alturas que devem servir de material para a improvisao, alm da

    indicao de que o intrprete deve introduzir na sua improvisao melodias

    conhecidas que se encaixem no material escalar dado (LEWIS, 1992, p.44).

  • 5

    The People United Will Never Be Defeated, um conjunto de 36

    variaes sobre a cano revolucionria chilena El Pueblo Unido Jamas Sera

    Vencido de Srgio Ortega. A ltima variao, que consiste em um sumrio de

    todas as variaes anteriores, seguida da sugesto para uma cadenza

    improvisada que deve durar em torno de cinco minutos (LEWIS, 1992, p.51). Um

    outro aspecto do elemento improvisao nessa pea, diz respeito ao plano

    estrutural em seis partes que a originou. The People United Will Never Be

    Defeated, foi concebida a partir de Second Structure, um texto em prosa que,

    contendo diretrizes para a realizao de uma improvisao coletiva em seis

    sees, foi idealizado para ser executado pelo MEV em 1972. Apesar de

    insatisfeito com o resultado de Second Structure, Rzewski aproveitou seu plano

    estrutural para a composio de The People United Will Never Be Defeated.

    Hyenas, a segunda pea do ciclo Squares, solicita a improvisao de

    uma cadenza. A cadenza de Hyenas, segundo Rzewski, tem a funo de

    perturbar o plano formal rigorosamente quadrado como sugere o ttulo do ciclo

    que estruturou a pea. A fim de prestar um tributo obra pictrica Hommage to

    The Squares (1949) do pintor norte americano Josef Albers, Rzewski idealizou o

    ciclo de quatro peas, cada qual com forma e a mesma durao semelhantes.

    Cada uma das peas apresenta uma estrutura tambm quadrada, de acordo com

    Rzewski, uma grade simtrica de 8x8 compassos. De acordo com Ronald Edwin

    Lewis, a idia de perturbar a forma, ou de interromper um padro claramente

    estabelecido com as inseres de cadenzas improvisadas pelo intrprete passou

  • 6

    a ser um aspecto reincidente em algumas obras subseqentes do compositor

    (LEWIS, 1992 P.62).

    Duas das North American Ballads tambm possuem seo de

    improvisao. Which Side Are You On ? est estruturada em um esquema de

    pergunta e resposta que divide a pea em duas sees. A primeira escrita e a

    segunda totalmente improvisada. A outra pea, Down By The Riverside (Study

    War No More), em forma de variaes, apresenta uma seo de improvisao

    antes da ltima seo.

    A pea The Days Fly By, foco do presente trabalho, foi composta no

    vero de 1998 para The Carnegie Hall Millennium Piano Book, uma coletnea de

    peas para piano encomendadas a vrios compositores contemporneos. As

    encomendas foram feitas pela Carnegie Hall Corporation, com o propsito de

    oferecer um catlogo de peas para piano do final do sculo XX tecnicamente

    acessveis a jovens estudantes de piano, seguindo a tradio do Mikrokosmos de

    Bla Bartk e do das Seis Pequenas Peas Para Piano, Opus 19 de Schoenberg.

    O projeto contou com a colaborao da pianista Ursula Oppens que gravou e

    escreveu comentrios sobre as peas. The Carnegie Hall Millennium Piano Book

    teve seu lanamento no Weill Recital Hall em Nova York em 2 de maro de 2000.

    The Days Fly By uma pea curta para piano ao mesmo tempo em que

    parte de uma obra maior intitulada The Road, uma novela para piano com

    cinco horas de durao (RZEWSKI, 2000). Como em outras peas deste mesmo

  • 7

    ciclo, The Days Fly By apresenta intervenes, cada uma com a durao de dois

    compassos, explorando sons de percusses no mvel do instrumento. A primeira

    dessas intervenes se d aps os seis primeiros compassos, e as subsequentes

    ocorrem a cada doze compassos. Indicaes do tipo tap on piano cover1 e slap

    under keyboard2 com a indicao do ritmo caracterizam esses interldios.

    Contribuem ainda para o enriquecimento sonoro dessas intervenes, diferentes

    indicaes de pedal de sustentao e de pedal tonal, que tm como finalidade a

    manipulao das ressonncias geradas pelas percusses em diferentes partes do

    piano, ou o prolongamento de uma nota pedal que permanece soando

    simultaneamente s sees percutidas. O final do 96 compasso traz a indicao

    Cadenza, ad lib, oferecendo ao intrprete a opo de executar uma cadenza.

    Para executar uma cadenza, o intrprete pode optar entre trs

    modalidades prticas diferentes. A escrita e execuo de uma cadenza, a

    execuo de uma cadenza escrita por um terceiro, ou a improvisao de uma

    cadenza. O principal objeto do presente trabalho a problemtica gerada pela

    terceira escolha, a de improvisar a cadenza.

    A improvisao de uma cadenza representa uma prtica desconhecida

    da maioria dos pianistas concertistas e estudantes contemporneos. Atualmente a

    improvisao no considerada um foco essencial no treinamento do pianista

    recitalista. Se compararmos com a prtica dos organistas, para quem a

    1 Batida leve na tampa do piano. 2 Batida violenta embaixo do teclado.

  • 8

    improvisao desempenha um papel importante, ou mesmo com a prtica dos

    pianistas de jazz, o treinamento de pianistas clssicos no contempla o

    desenvolvimento dessa habilidade. At mesmo os mais aclamados intrpretes

    da msica nova sentem-se desnorteados quando encaram a improvisao

    (BECKMAN, 1996, p39-40).

    Para exemplificar a afirmao de Beckman, a pianista Ursula Oppens

    preferiu no improvisar a cadenza de The People United Will Never Be Defeted

    na estria da pea. A intrprete concordou que a improvisao uma prtica

    desaparecida na msica de concerto. Quando comecei a trabalhar na msica de

    Frederic, tive a revelao de que uma pessoa que nunca havia improvisado antes

    poderia mesmo comear a faz-lo agora. A pianista foi pedir auxlio a seus

    colegas msicos jazzistas para que lhe mostrassem algumas maneiras de treinar

    a improvisao. Eu no tinha a menor idia de como praticar algo que no estava

    escrito. Agora, isso uma coisa que eu deveria saber. Isso me faz perceber que

    eu me desenvolvi em uma tradio mal-representada porque a improvisao era

    parte da tradio clssica at cinco minutos atrs. (OPPENS apud KOSMAN,

    1993, p.37)

    De fato, a improvisao sempre foi prtica corrente entre os msicos de

    um passado no muito distante. A capacidade de improvisar cadenzas era parte

    indispensvel do conjunto de habilidades do virtuoso do sculo XVIII. Em uma

    situao normal nenhum solista poderia dar-se ao luxo de omitir a cadenza

  • 9

    quando a fermata aparecia em um contexto conhecido (BADURA-SKODA &

    DRABKIN, 2000, p. 785).

    A improvisao foi parte integrante do treinamento de Clara Wiek desde a

    sua infncia. Os primeiros exerccios aplicados por seu pai e professor, Friederick

    Wieck, j previam a improvisao sobre progresses harmnicas em todas as

    tonalidades. Seu treino de improvisao se estendeu com o estudo do Sistematic

    Introduction to Improvisation on Pianoforte, Op. 200 de Czerny. Da seu

    reconhecimento, como habilidosa improvisadora de preldios, com os quais

    introduzia as peas principais de seu recital (GOERTZEN, 1998). Entretanto, a

    improvisao perdeu seu lugar de destaque no elenco de habilidades

    indispensveis ao msico de concerto.

    O presente trabalho tem como objetivo propor, a partir do referencial

    terico, uma forma de organizar o processo de aquisio de habilidades

    improvisatrias, visando a improvisao de uma cadenza na pea The Days Fly

    By.

    O primeiro captulo, Referencial Terico apresenta os conceitos com os

    quais trabalharei: o referente como estrutura perceptiva geradora de expectativas

    musicais (PRESSING, 1998), o ponto de partida que, extrado do referente,

    fundamentar uma improvisao contextualizada, (NETL, 1998), e a base de

    conhecimento, como sendo toda a gama de habilidades e conhecimentos que o

    improvisador dispe para uma execuo musical. (PRESSING, 1998). Tendo

  • 10

    fundamentado estes conceitos, apresento um modelo de aprendizagem proposto

    por Kenny & Gellrich (2002), fundamentado em quatro estgios, que objetiva o

    enriquecimento da base de conhecimento com a internalizao de elementos

    musicais detectados em anlises musicais.

    O segundo captulo, Anlise do Referente apresenta uma anlise da

    pea The Days Fly By, considerado como o referente da minha improvisao. A

    partir da anlise, o terceiro captulo Estabelecimento do Ponto de Partida

    anuncia critrios para o estabelecimento do ponto de partida. A seleo dos

    elementos para o ponto de partida, ser utilizada no quarto captulo, na criao de

    exerccios destinados a internalizao destes elementos.

  • 11

    1. REFERENCIAL TERICO

    Segundo Jeff Pressing, mesmo a modalidade mais espontnea de

    improvisao envolve o uso de um referente. O referente um conjunto

    predeterminado de estruturas emocionais, perceptivas e cognitivas que guiam

    uma improvisao e auxiliam na produo de materiais musicais. Para

    exemplificar, no caso do jazz, o referente ser o tema, geralmente uma cano de

    contorno meldico e rtmico saliente sobre um plano harmnico caracterstico

    sobre o qual o jazzista improvisa suas variaes.

    O referente pode contribuir de diversas formas para o bom resultado de

    uma improvisao. Como o referente ser a principal fonte geradora de materiais

    musicais para uma determinada improvisao, o msico no ter a necessidade

    de dispensar uma parte significativa de sua ateno para a criao de novos

    materiais no momento da improvisao. Alm do mais, como o improvisador pode

    dispor do referente muito antes da realizao da improvisao, uma anlise prvia

    do mesmo pode auxiliar na obteno de uma paleta de recursos eficazes, que

    podero ser ensaiados, de modo a diminuir o leque de possibilidades para

    decises que precisam ser tomadas no decorrer da improvisao. Algumas

    variaes podem tambm ser pr-compostas oferecendo material de apoio no

    caso de uma falta momentnea de inventividade no decorrer da execuo.

    O referente ainda desempenha um importante papel no que tange a

    interao msico-espectador, no sentido de que a apresentao do referente gera

  • 12

    uma srie de expectativas musicais que o msico poder confirmar, prolongar, ou

    frustrar, sendo essas escolhas a chave para a gerao de emoes musicais

    (PRESSING, 1998 p.52).

    O conjunto de expectativas geradas pelo referente pressupe o

    estabelecimento de um contexto musical e toda a improvisao delimitada em um

    contexto especfico precisa da definio de um ponto de partida (NETTL, 1998,

    p13). Os elementos musicais inventariados a partir do referente que so utilizados

    para variaes em uma improvisao, fornecem o ponto de partida. Ao

    fundamentar uma adequada improvisao, condicionada ao contexto musical

    estabelecido pelo referente, o ponto de partida fornecer o material que dever ser

    incorporado base de conhecimento do improvisador.

    Segundo Pressing, um processo essencial para a obteno de

    habilidades improvisatrias consiste na construo, manuteno e enriquecimento

    da base de conhecimento. A base de conhecimento inclui repertrio, materiais e

    excertos musicais, estratgias perceptivas, rotinas de soluo de problemas,

    memria hierrquica de estruturas e esquemas, programas motores

    generalizados; enfim, toda a bagagem de conhecimento conceitual e motrico

    adquirido pelo msico e a teia de ligaes entre esses conhecimentos que sero

    acessados no momento da improvisao (PRESSING, 1998, p.53).

    Para a internalizao dos elementos do ponto de partida na base de

    conhecimento, ser utilizado o modelo de aprendizado sugerido por Barry J.

  • 13

    Kenny & Martin Gellrich. Este modelo est exposto no artigo Improvisation contido

    no livro The Science and Psychology of Music Performance (2002), organizado por

    Richard Parncutt e Gary Mc Pherson.

    Segundo os autores, o maior desafio na improvisao musical a

    coordenao simultnea de vrios aspectos, motores e musicais, exigidos no

    momento da execuo. Entre esses aspectos, poderamos citar: harmonia,

    melodia, forma, expresso musical, coordenao de ambas as mos e ritmos

    (KENNY & GELLRICH, 2002, p. 130). Entretanto, muitos improvisadores

    entrevistados em uma pesquisa realizada por Pashler & Johnston, declararam ter

    a monitorao consciente de apenas um desses aspectos de cada vez. O foco de

    ateno se alterna entre os diversos aspectos envolvidos na improvisao, de

    modo que cada um deles tem seu instante de monitoramento. A cada frao de

    segundo o foco mental salta de um aspecto para outro de modo que aqueles que

    no esto sendo monitorados no momento, devem permanecer operando

    automaticamente. dessa forma fragmentada que os improvisadores tm o

    controle da improvisao (PASHLER & JOHNSTON, apud KENNY & GELLRICH,

    2002).

    Partindo dessa limitao do controle consciente dos aspectos envolvidos

    na improvisao, Kenny & Gellrich apresentam um modelo de aprendizado

    fundamentado na necessidade de separar vrias modalidades de treinamento,

    cada qual visando o treino de um aspecto isolado entre os vrios envolvidos no

    momento da improvisao. Essas modalidades de treinamento devem ser

  • 14

    realizadas paralelamente, conforme afirma o autor: Somente aps ter adquirido a

    habilidade de controle consciente de cada aspecto separadamente, os

    improvisadores podem manipular todos os aspectos simultnea e

    inconscientemente (GELLRICH, 1995, apud KENNY & GELLRICH, 2002, p. 129).

    Recorrendo a uma analogia entre a msica e a lingstica, o autor explica os dois

    estgios bsicos no processo de aquisio da tcnica de improvisao. Em um

    primeiro estgio, o estudante aprende as palavras e as regras gramaticais. No

    segundo, ele pode explorar vrias maneiras de encadeamentos possveis dessas

    palavras. Frases, perodos e idias maiores so construdos com base nas regras

    gramaticais aprendidas (2002, p. 130).

    Em termos musicais, o primeiro estgio consiste na aquisio e

    internalizao de fragmentos meldicos, progresses harmnicas, modulaes,

    encadeamentos, contrapontos, e o segundo estgio prev o estabelecimento de

    relaes entre os elementos aprendidos para a construo de idias maiores

    como melodias, frases e perodos. A combinao desses dois estgios do

    aprendizado em improvisao , segundo Kenny & Gellrich, a chave para a

    formao da base de conhecimento do improvisador.

    Pressing enfatiza que, para que haja uma improvisao fluente e

    expressiva, o msico deve desenvolver a capacidade de estabelecer uma grande

    quantidade de relaes entre os elementos contidos na base de conhecimento.

    Um improvisador pouco experiente capaz de aplicar as tcnicas que conhece

    somente ao contexto no qual elas foram geradas. A aplicao superficial de tais

  • 15

    materiais, sem o conhecimento das estruturas geradoras dos mesmos, implica em

    um estreitamento da possibilidade de generalizao desses materiais, o que

    implica em uma deficincia de encadeamento entre os mesmos. Um jazzista

    principiante, por exemplo, tem a capacidade de executar um determinado riff

    apenas em certas tonalidades (PRESSING, 1998, p.53). J um improvisador

    habilidoso conhece mais profundamente os materiais de que dispem podendo

    avali-los de vrias perspectivas e aplic-los em contextos mais variados. Para

    exemplificar, um msico que queira adquirir habilidade na improvisao jazzstica,

    deve praticar acordes em todas as inverses e distribuies possveis; frases e

    motivos devem ser treinados em todas as tonalidades e inverses, com variaes

    rtmicas, variaes de desenho e de andamento (PRESSING, 1998, p.53). Alm

    de consistir em um reforo cinestsico, este tipo de treino amplia a quantidade de

    possibilidades de encadeamentos e combinaes dos padres recm-aprendidos

    com outros elementos j internalizados na base de conhecimento (KENNY &

    GELLRICH, 2002, p. 130).

    No terceiro estgio do trabalho, Kenny & Gellrich propem a prtica de

    exerccios que estimulem a criatividade, o arrojo e, o mais importante, a resposta

    ao ambiente improvisatrio, onde a recuperao de erros ocorre regularmente

    (KENNY & GELRICH, 2002, p130).

    Como se trata de um esforo criativo que ocorre no momento da

    execuo, a improvisao muitas vezes envolve a necessidade ou de camuflar, ou

    de atribuir um sentido musical ao erro. Os erros declaram a tendncia oculta mais

  • 16

    difundida em toda atividade improvisatria o arriscar-se. Para muitos

    improvisadores o arriscar-se proporciona um estado auto-induzido de incerteza em

    que repeties e respostas pr-estabelecidas tornam-se virtualmente impossveis

    (KENNY & GELLRICH, 2002, p.120). Esta fase do treinamento tem como objetivo

    a transcendncia da aplicao dos padres internalizados na base de

    conhecimento, visando o desenvolvimento da capacidade do improvisador de

    responder prontamente s situaes no previsveis que se apresentem ao longo

    de uma improvisao. Citado por Kenny & Gellrich, Sudnow relatou sua trajetria

    para a aquisio da habilidade improvisatria, onde em determinado momento

    percebeu o carter frentico e ineficaz com o qual acessava sua base de

    conhecimento no momento da improvisao. Cada acorde da cano usada como

    referente disparava um plano estratgico pr-engatilhado que frustrava o plano do

    prximo acorde. Sudnow resolveu, ento, proceder por outro vis, deixando que

    suas mos e ouvidos guiassem intuitivamente as respostas musicais sem pensar

    em aplicao de frmulas pr-aprendidas. Sudnow percebeu que sua

    improvisao adquiriu uma expressividade e uma capacidade de comunicao

    muito maior que antes. Apesar da metodologia de Sudnow estar sujeita crtica,

    as suas descobertas chamam a ateno para um processo psicolgico importante

    no auxlio da automatizao da base de conhecimento. Nesse estgio a

    descoberta de resolues que integrem o erro ao contexto musical estabelecido

    pelo referente fornece mais uma possibilidade para o crescente enriquecimento da

    base de conhecimento.

  • 17

    No quarto e ltimo estgio previsto na metodologia de Kenny & Gelrrich,

    as combinaes entre os elementos da base de conhecimento acontece mediante

    a improvisao associativa. Neste estgio, o estmulo dos impulsos criativos de

    uma improvisao provm de recursos artsticos extra musicais, tais como dana,

    teatro, cinema, artes plsticas e poesia, entre outras formas de expresso, ou

    imagens que possam contribuir para o enriquecimento das possibilidades

    associativas entre os elementos da base de conhecimento.

  • 18

    2. ANLISE DO REFERENTE : THE DAYS FLY BY

    A Anlise a seguir tem como objetivo investigar os elementos constitutivos

    do discurso musical e os princpios geradores da sintaxe musical da pea The

    Days Fly By. A partir desta anlise sero selecionados os materiais que definiro o

    ponto de partida para a improvisao de uma cadenza na pea. A anlise do

    referente objetiva diferentes aspectos organizados em trs partes: 1. Idia Fixa, 2.

    Ambiente harmnico, e 3. Oscilao.

    Na parte referente idia fixa, demonstro a ocorrncia sistemtica de um

    determinado motivo. Em uma anlise do ambiente harmnico da pea, demonstro

    que uma variedade considervel de agregados harmnicos tm em comum o

    trtono como principal clula geradora. Na parte da anlise que trata das texturas

    ocorrentes, chamo ateno ao princpio de oscilao contido no movimento de

    alternncia de mos e na alternncia em uma nica mo ou tremolo.

    O fato de The Days Fly By estar includa em um catlogo de obras

    tecnicamente acessveis a jovens estudantes, no pressupe uma

    desconsiderao do elevado nvel de dificuldade na execuo da pea. A pianista

    Ursula Oppens evoca o estilo da escrita pianstica prpria de compositores como

    Liszt e Chopin, ao considerar trechos que aparentam extrema dificuldade, mas

    que uma prtica razovel suficiente para se vencer o desafio. Entretanto

  • 19

    considera que alguns trechos so realmente difceis, tornando permissvel uma

    sutil queda no andamento. (OPPENS, 2000)

    Outro aspecto a ser ressaltado a variedade de densidades harmnicas

    e texturais. Alguns trechos so de considervel simplicidade, tal como a nfase

    sobre um simples tricorde ou mesmo sobre uma nica nota ou intervalo, durante

    dois compassos. Tal simplicidade contrasta com trechos em que, a cada tempo,

    ocorre o emprego do total cromtico.

    A pea est estruturada em um esquema formal simtrico, estando

    dividida em duas sees de 64 compassos, totalizando 128 compassos. Cada

    seo est dividida em quatro subsees de 16 compassos, nas quais pausas e

    diminuies da atividade rtmica determinam as finalizaes. A primeira de cada

    par de subsees iniciada sempre com uma idia de repetio de notas com

    mos alternadas.

    A stima subseo e a oitava subseo apresentam uma ambigidade em

    relao a delimitao entre elas. A indicao Tempo I no c. 111 aponta o comeo

    de nova subseo. Alm do mais a idia de repetio de notas com mos

    alternadas tambm uma caracterstica marcante de incio de subseo.

    Considerando este vis de interpretao constato a quebra de dois padres

    estabelecidos no decorrer da pea. A durao de 16 compassos de cada

    subseo foi subvertida, de forma que a subseo 7 finaliza com 14 compassos

    enquanto que a subseo 8 totaliza 18 compassos. A outra quebra se d pelo fato

  • 20

    de duas sees consecutivas comearem com a idia de notas repetidas com

    mos alternadas.

    Uma outra possibilidade de interpretao da quebra entre as subsees 7

    e 8 considera que os c.111 e 112 so a finalizao da stima subseo. Dessa

    maneira acorde do primeiro tempo do c.111 a concluso da idia iniciada no

    c.109, e a repetio do r, uma ressonncia do mesmo acorde. Por esse vis de

    interpretao, a ltima subseo inicia-se, no c.113, no havendo qualquer quebra

    dos padres estabelecidos. Sendo assim, a execuo de uma cadenza na pea

    uma escolha que abala o seu rgido esquema formal.

    A pea possui um carter improvisatrio (tocata) e desenvolve-se pela

    constante mudana de texturas a cada dois compassos. A diversidade de texturas

    e de elementos harmnicos tm sua coeso assegurada por trs fatores que

    sero analisados separadamente: manuteno de um ambiente harmnico; O

    princpio da oscilao presente nas texturas e nos padres motores; e o motivo

    que ser recorrente como uma idia fixa por toda a pea.

    A idia fixa constitui-se em um elemento distinto pelo qual inicio a minha

    anlise.

  • 21

    2. 1 IDIA FIXA

    Uma clula de presena marcante e um dos principais elementos de

    unidade da pea o motivo sobre tricordes da classe (026). Este motivo funciona

    como uma idia fixa durante praticamente toda a pea, ocorrendo em diferentes

    alturas, dinmicas e texturas. Saliento tambm a ocorrncia da variante intervalar

    (025), assumida pelo motivo.

    A apresentao do motivo principal se d nos dois primeiros compassos

    tal como demonstrado no exemplo 1.

    Entre as ocorrncias do motivo nesta apresentao inicial (c.1-2),

    identifico duas formas de contorno meldico. Tal como explicitado no exemplo

    anterior, denomino forma original ou f.o. o contorno da primeira ocorrncia

    indicada no retngulo da esquerda e forma invertida ou f.i. o contorno indicado

    fo fi

    Ex. 1, c. 1 e 2.

  • 22

    com o retngulo direito. Apesar das duas alturas em comum Sib e MI que

    delineam o trtono, advirto que, em ocorrncias posteriores, as classes de alturas

    so transpostas e no devero manter necessariamente, alturas em comum. Nos

    exemplos 2a E 2b, apresento uma reduo dos contornos f.o. e f.i.

    Ex. 2a.Motivo sobre (026) f.o.

    Ex. 2b.Motivo sobre (026) f.i.

    No c.15, ocorre a apresentao de uma idia rtmica marcante que ser

    relembrada repetidas vezes ao longo da pea, sempre associada ao motivo, ainda

    que nunca de maneira idntica (Ex. 3). Esta idia rtmica associada ao motivo

    receber como identificao a sigla m.r. de motivo rtmico. As ocorrncias de m.r.

    recebem quase sempre uma posio de destaque na pea, sendo estas

    sublinhadas por mudanas sbitas de dinmica ou de textura. Os exemplos 3, 4 e

    5 ilustram, respectivamente a apresentao do m.r. no c.15, bem como

    reincidncias em diferentes texturas. No c.17, um tremolo descontnuo na mo

    esquerda serve de acompanhamento do m.r.. No c.29, o m.r. ocorre em uma

    passagem marcada pelo paralelismo cordal.

  • 23

    No c.24 o motivo assume diversas configuraes como demonstrado no

    exemplo 6. No primeiro tempo o tricorde de (026) projetado a duas vozes pela

    mo esquerda. Nesta passagem, em ambas as vozes, o tricorde no assume

    nenhum dos dois contornos relacionados ao motivo. As ocorrncias meldicas do

    tricorde (026) em contornos distintos ao do motivo propriamente dito, denomino de

    tricorde motvico ou t.m. Destaco no mesmo compasso, a ocorrncia imitativa do

    m.r. em variantes intervalares e rtmicas. No segundo tempo, a mo esquerda

    projeta a duas vozes em paralelismo de quartas aumentadas, a variante intervalar

    (025) do motivo principal. No tempo seguinte, a linha mais aguda da mo direita

    Ex. 3 c.15 Ex. 4 c.17

    Ex. 5 c.29

  • 24

    responde com os intervalos originais de (026). No fim do compasso, a mo direita

    executa o m.r. no soprano.

    O motivo principal tambm ocorre em aumentao rtmica como

    evidenciado nos c.13 e 14. Como visto no exemplo 7, aps o tremolo em oitava,

    cada evento rtmico tem um acrscimo de uma semicolcheia em relao ao

    precedente.

    (026) t.m. (026) t.m.

    (025) m.r. f.o. (025) m.r. f.o.

    (026)m.r. f.i. (026) f.o.

    Ex. 6 c.24

  • 25

    Ex. 7 c.13,14

    No exemplo 8, o paralelismo das triades delineia o mesmo motivo sobre

    o tricorde (026) no c.39.

    f.o. t.m.

    motivo t.m. t.m.

    Ex.8 c.39

  • 26

    O exemplo 9 demonstra a ocorrncia do motivo na estrutura interna das

    figuraes arpejadas, bem como nas notas longas do baixo nos c.81-85.

    Ex.9 c.81-85

  • 27

    No exemplo 10 (c. 99), as notas agudas sobre a textura de tremolos

    interrompidos na mo direita tambm destacam o motivo.

    Ex.10 c.99

    Neste estgio da analise pude constatar como o motivo principal sobre o

    tricorde (026) constantemente reelaborado no decorrer da pea, como uma idia

    fixa que mesmo sofrendo as mais variadas transformaes, permanece com sua

    identidade assegurada.

  • 28

    2.2 AMBIENTE HARMNICO

    Nesta anlise, enfatizo a importncia do trtono como principal clula

    geradora dos materiais harmnicos da pea. Utilizo o termo clula geradora,

    conceito amplamente recorrente no vocabulrio analtico musical, ao propor que a

    pea apresenta uma organicidade prpria, sendo a classe intervalar (06)

    responsvel pelas principais classes de conjunto recorrentes na pea. No estou

    considerando a clula geradora como um motivo, como proposto por Schoenberg,

    (1991, p. 35), mas sim como uma entidade independente dos elementos rtmicos

    que, segundo o autor de Fundamentos da Composio Musical, compem a

    definio de um motivo.

    evidente que ao reduzir-se uma superfcie musical a um

    conjunto abstracto de elementos, deixou de se considerar certas caractersticas sonoras (ordem das notas, registro, dinmica, orquestrao, etc) que podero ser pertinentes para a coerncia da obra. No entanto, a representao dessa superfcie ou gesto musical sob a forma de uma entidade abstracta permitir tecer certas consideraes mais precisas sobre a sua estrutura e funcionalidade (OLIVEIRA,1998, p.43).

    Tambm demonstro na anlise, como os vetores intervalares de tais

    classes de conjuntos propiciam o surgimento de outros intervalos, tais como a

    quinta ou a segunda maior que, em novas combinaes, constroem novas classes

    de conjuntos.

    No desenrolar da obra, os ndices de transposio T1 e T2 aplicados ao

    trtono adquirem importncia considervel na construo das classes de conjunto

  • 29

    referidas nesta anlise. Os intervalos de (06) combinados a T1 resultam nos

    conjuntos (0167), (012678) e (01236789) enquanto que a combinao dos

    mesmos intervalos a T2 geram as classes de conjunto (0268) e (02468t). Os

    exemplos 1 e 2 demonstram a construo de tais classes de conjuntos a partir da

    clula (06).

    Ex. 1: Sequncia de Trtonos T1

    Ex. 2

  • 30

    As sonoridades referentes aos conjuntos resultantes da combinao de

    trtonos a T2 so expostas logo nos dois primeiros compassos da pea. Os c.1 e

    2, configurados no exemplo 3, consistem na apresentao do conjunto (02468t).

    Nesta passagem, a classe de conjunto (02468t) est representada pelo hexacorde

    de tons inteiros sobre as alturas de nmeros pares que denomino de hexacorde X.

    Ao hexacorde de tons inteiros com notas de nmeros mpares denomino

    hexacorde Y3.

    Nesta apresentao, destaco dois subconjuntos do referido hexacorde

    que so recorrentes: o tetracorde de (0268), e o tricorde de (026). Sobre este

    ltimo em especial, apia-se o motivo principal.

    No c.15, chamo a ateno para a ocorrncia de uma seqncia de

    segmentos de (0268) formados pela sucesso meldica de intervalos de (06) em

    uma textura de dobramento de oitavas resultante do movimento de mos

    paralelas, distinguindo-se do trecho exemplificado anteriormente no exemplo 3

    3 Utilizo-me da nomenclatura estabelecida em Nogueira (1988).

    Ex. 3 c.1,2

  • 31

    (c.1 e 2) no qual os referidos tetracordes so subconjuntos de um mesmo

    hexacorde X. A passagem a seguir, alterna tetracordes que so subconjuntos de

    X e Y.

    No c. 51, (Ex. 5) o tetracorde de (0268) obtido de outra forma: cada mo

    toca um intervalo de (02) estando estes relacionados ao ndice de transposio

    T6.

    (0268) X (0268) Y (0268)X

    (0268)Y

    (02)

    (02)

    T6 = (0268)

    Ex. 4 c.15 e 16

    Ex. 5 c.51

  • 32

    O exemplo 6 demonstra a primeira ocorrncia de uma sonoridade

    relacionada com a combinao de trtonos a T1 nos c.3,4. As c.n. (classe de notas)

    2 e 6 pertencentes ao hexacorde X apresentado anteriormente (c1-2) recebem a

    introduo do F2, que consiste em uma altura pertencente ao hexacorde Y.

    Dessa forma vemos configurado o tricorde de (016).

    Este tricorde um subconjunto do tetracorde da classe (0167) que, por

    sua vez, apresentado nos c.5,6 (Ex. 7) em uma textura mais complexa. Nesta

    passagem apresenta-se uma seqncia de tetracordes da referida classe a T-2.

    (016)

    Ex. 6 c.3,4

  • 33

    Estes conjuntos so formados tanto pela combinao de intervalos de

    (06) a T1 como por intervalos de (05) a T6, como ilustrado na reduo dos dois

    primeiros tempos do c. 5 mostrada no exemplo 8.

    Analisando o material apresentado at o momento, evidencio a

    semelhana entre a seqncia de tetracordes de (0167) dos c.19,20 com a

    (0167) (0167) (0167) (0167) (0167)

    (0167) (0167)

    (0167)

    (06) T1 (06) (05) T6 (05)

    (0167) (0167)

    Ex. 7 c.5,6

    Ex. 8: construo de (0167) combinando (06) e (05)

  • 34

    passagem recm analisada anteriormente, c,5,6. Como demonstrado no exemplo

    9, a semelhana entre as texturas de arpejos de ambas passagens executadas

    com a alternncia de mos tambm notvel.

    Outra caracterstica que aproxima as duas passagens a forma como o

    compositor constri o total cromtico organizando-o em acordes de simetria

    inversvel ao redor de um eixo. O diagrama do exemplo 10 demonstra a presena

    do total cromtico nos trs primeiros tempos do c.5.

    (0167) (0167) (0167) (0176) (0167) (012678) Ex. 9

    Ex .10 simetria inversvel

  • 35

    Sib3

    Si4

    F4 L4 Mib5

    Mi5

    Sol5

    R5 Sol#5

    L5 D6

    R6 F#6 D#7 3st

    1st

    1st

    3st2st4st7st

    No pentagrama (vide exemplo 10, ) disponho as notas do acorde simtrico

    configurado nos tempos 1, 2 e 3. (c.5). As mesmas se encontram dispostas por

    ordem de altura. Nas elipses esto escritas novamente as alturas divididas em

    duas linhas. Na linha superior esto localizadas as notas da mo direita, enquanto

    que na linha inferior esto localizadas as notas da mo esquerda. As alturas Mi5 e

    o Sol5 compem o intervalo eixo formado de 3 semitons (3st). O Mib5 localiza-se

    a uma distncia intervalar de 1 semitom (1st) da altura mais prxima que compe o

    intervalo eixo, o Mi5. Esta distncia intervalar equivalente entre o Sol#5 e a nota

    mais prxima que compe o intervalo eixo, o Sol5. Por essa razo, ambas as

  • 36

    alturas Mib5 e Sol#5 esto inseridas na mesma volta elptica localizada a 1st de

    distancia das notas do intervalo eixo. As alturas R5 e L5 localizam-se na volta

    elptica imediatamente externa e, como indicado no grfico, localizam-se a um

    semitom de distncia das notas Mib5 e Sol#5. Desse modo, cada volta elptica

    contm a indicao da distncia intervalar em semitons (st) da elipse

    imediatamente mais interna.

    No c.19, o total cromtico construdo com os tempos 2, 3 e incio do 4. A

    simetria inversiva ocorre em cada uma das mos e por esse motivo, o diagrama

    no exemplo 11 demonstra dois conjuntos de elipses concntricas, sendo o acorde

    simtrico da mo direita representado pelo conjunto superior o e o conjunto inferior

    representa a mo esquerda. Convm salientar que, nesta passagem, o total

    cromtico formado pela combinao de dois hexacordes de (023457). Este

    hexacorde pode ser justificado pela combinao de dois tricordes de (024) a T3.

    importante lembrar que este tricorde consiste de um fragmento do hexacorde

    (02468t) ou escala de tons inteiros.

  • 37

    Mi5 F#5 Lb5 D#6 Mib6 (05) F6

    2st2st{468} {135}

    {134568}

    (024) (024)

    (023457)

    Si4 Sol5 L5 (03) D6 R6 Sib4*

    2st8st

    (024) (024)

    (023457)

    {e79} {02t}

    {0279te}

    O Sib4 localizado na mo esquerda marcado com asterisco (*) est

    anotado em uma posio ideal na elipse. Se Rzewski optasse pela inflexibilidade

    no principio da simetria, provavelmente teria escolhido o Sib6 ao invs do Sib4.

    Sendo assim o Sib4 uma nota que desestabiliza o plano simtrico da passagem,

  • 38

    mesmo constituindo em uma classe de nota coerente com a classe de conjunto

    configurada.

    Vrias ocorrncias de (026), (0268) e de (01236789) podem ser

    observadas no c.24 (Ex. 12)

    No primeiro tempo, como visto no exemplo 12, a mo esquerda projeta o

    tricorde de (026) enquanto a direita toca uma seqncia de acordes de (016) que

    resultam no octacorde (01236789). A reduo do exemplo 13 demonstra de modo

    mais claro a projeo do tricorde nas duas vozes da mo esquerda. Na reduo

    do exemplo 14 demonstro a ocorrncia do conjunto (01236789) da mo direita.

    Ex. 12 c. 24

  • 39

    No segundo e terceiro tempos deste mesmo compasso, a mo esquerda

    executa uma sucesso de dois tetracordes de (0268) que somados resultam no

    octacorde de (01236789). O encadeamento de conjuntos de (0268) que resulta no

    octacorde de (01236789) constitui uma caracterstica marcante da sintaxe da

    pea. O exemplo 15 demonstra esta ocorrncia a partir do segundo tempo da mo

    esquerda. A soma dos acordes do ltimo tempo da mo direita resulta no

    hexacorde de (02468t).

    (0268) T1 (0268)

    (01236789)

    Ex.13 reduo c.24 m.e.

    Ex. 14 reduo c.24 m.d.

    Ex.15.c.24 reduo m.e.

  • 40

    A combinao de trs intervalos de (06) a T1 resulta em um hexacorde de

    (012678). Este hexacorde apresenta-se em uma variedade considervel de

    texturas. Como indicado no exemplo 16, acorde de fechamento da primeira seo,

    (c. 16), um dos exemplos de ocorrncia do hexacorde de (012678). Essa classe

    de conjunto tambm finaliza a ltima seo da obra.

    No c.17 (Ex.17) o tetracorde de (0268) da mo direita, combinado com o

    intervalo de (06) no trmolo de acompanhamento da mo esquerda resultar em

    um hexacorde de (012678).

    (0268)

    (06)

    (012678)

    Ex. 16 fim do c.16

    Ex. 17

  • 41

    O exemplo 18 ilustra uma seqncia meldica de intervalos de (06) (c.31,

    m.d) que, somados, resultam no hexacorde de (012678).

    No segundo tempo do c.37 o compositor constri o total cromtico

    combinando dois hexacordes complementares de (012678).

    Outro elemento importante que contribui para caracterizar o ambiente

    harmnico da pea o conjunto (0134679t), ou a escala octatnica simtrica que

    alterna tom e semitom. A sua gnese se explica pelo agrupamento de quatro

    (012678) Ex.18: c.31 m.d

    Ex. 19 c.37

  • 42

    intervalos de (06) com ndices de transposio na ordem T1, T2, T1, como

    demonstrado no exemplo 20.

    Os c.71 e 72 no exemplo 21 demonstra a ocorrncia descrita

    anteriormente.

    (06) T1 (06) T2 (06) T1 (06)

    (0134679t)

    (025) (025) (025) (025) (025) (025) (025) (025)

    (02368)

    Ex. 20: construo da escala octatonica ou conjunto (0134679t)

    Ex. 21 c.71,72 (023568)

  • 43

    O conjunto (0134679t) formado pela combinao de dois conjuntos:

    (023568) na mo direita e um conjunto de (02368) na mo esquerda que contm

    as duas notas restantes que completam o octacorde.

    importante observar nesta passagem, como o compositor distribui as

    notas do conjunto de (023568) da mo direta de modo a criar uma seqncia de

    tricordes de (025). Saliento que o (025) recorrente na pea como uma variao

    intervalar do motivo principal sobre o tricorde de (026).

    Neste momento da anlise, passo a considerar outras classes de

    conjuntos que, embora recorrentes na pea, ainda no haviam sido abordadas.

    Dada a importncia dessas classes de conjunto, procuro demonstrar sua

    congruncia com o ambiente harmnico estabelecido. No exemplo 7 demonstrei

    uma seqncia de tetracordes de (0167) dos compassos 5 e 6. No exemplo 22,

    demonstro novamente um fragmento do c.5, desta vez considerando a formao

    das ttracordes de (0258) e (0157).

  • 44

    Os tetracordes referidos so obtidos por duas possibilidades de

    combinaes de intervalos de (06) com intervalos de (05), como demonstrado no

    exemplo 23. A partir do tetracorde (0258) obtenho, como subconjunto, o tricorde

    (037) correspondente a triade maior e menor. O c.39 um trecho intensamente

    caracterizado pela sonoridade do tricorde (037), como pode ser observado no

    exemplo 24.

    (0157) (0258)

    (0258) (0157)

    (06) (05) (06) (05)

    (0157) (0258)

    Ex. 22: c.5

    Ex. 23: reduo m.d. c.5

  • 45

    Os acordes da mo direita no c.26 recorrem a algumas classes de

    conjuntos j identificadas nesta anlise. No exemplo 25, identifico as classes

    (016), (026), (0157), (0258), (0258), seguidas de sete tetracordes de uma nova

    classe, representada por (0147). Esta classe justifica-se no seu hibridismo de

    (037) com (016) como demonstrado no exemplo a seguir.

    No exemplo 26, demonstro a sobreposio de intervalos de (05) no c.29

    gerando a classe (012589). Esta classe permanece fiel ao ambiente harmnico

    tambm pelo fato de conter os subconjuntos (026) (0268) e (037).

    (016) (026) (0157) (0258) (0258) (0147) (0147) (0147) (0147) (0147) (0147) (0147)

    Ex. 24 c.39

    Ex. 25: c.26

  • 46

    Nesta anlise, procuro demonstrar como o compositor atinge toda uma

    riqueza de coloridos harmnicos partido da combinao de trtonos. Mesmo

    certos conjuntos, cujos vetores intervalares so desprovidos de trtono como o

    (023457) ou o (025), tambm so justificveis por conterem fragmentos ou

    combinaes de fragmentos de conjuntos maiores que so compostos pelo

    ajuntamento de trtonos.

    (012598)

    Ex. 26:c.29

  • 47

    2.3 OSCILAO

    Ao movimento de alternncia entre direes ou mos opostas denomino

    oscilao, princpio apresentado nesta anlise como fundamental na construo

    das texturas da pea. Incluo neste mesmo princpio, a alternncia das mos nas

    repeties de notas e na execuo de texturas complexas que podem ser

    constitudas de arpejos, notas duplas ou acordes. Sendo o tremolo um movimento

    de alternncia entre direes opostas de uma nica mo, considero-o relacionado

    com a idia de oscilao. Estes sero elementos que, constituindo o vocabulrio

    principal da pea, tambm vo receber destaque nesta anlise.

    Os dois trechos do exemplo a seguir possuem notvel semelhana no

    modo pelo qual o tremolo configurado. Em ambas as passagens, o tremolo sofre

    constantes interrupes em pausas de colcheia que conferem aos excertos um

    carter aflito e ofegante (Ex. 1 e 2).

    Ex. 1: c.3,4.

  • 48

    Um aspecto que apresenta-se constante, mas no exclusivamente

    associado ao tremolo, o padro rtmico de espaamento e contrao. Nos c.3,4

    apresentados no exemplo 1 a distncia entre as pausas de colcheia se expande

    progressivamente em 2, 4, 6, e 8 semicolcheias, e posteriormente volta a se

    contrair em 6, 4 e 2 semicolcheias. No c.17 demonstrado no exemplo 2, as pausas

    de semicolcheias distanciam-se progressivamente em 2, 3, 4, e 5 semicolcheias.

    No c.31 identifico na mo direita um derivado da idia do tremolo. Neste

    trecho a figurao tambm est submetida ao padro de expanso rtmica (Ex. 3).

    O c.13 inicia com um fragmento de tremolo em oitavas, e segue em uma

    linha com oitavas inteiras seguindo um padro de expanso rtmica (Ex. 4)

    Ex. 2: c.17

    Ex. 3: c.31

  • 49

    No c.115 observo um fragmento oscilante fundindo-se a uma configurao

    arpejada (Ex. 5).

    Como mencionado anteriormente, o elemento repetio de notas, na

    maioria das ocorrncias, pontua o incio de uma seo. A enftica associao

    desse elemento com anncio do inicio de uma seo se estabelece j nos dois

    primeiros compassos. As acentuaes em contratempo, as interrupes por

    pausas e as curtas indicaes de nuances, conferem ao trecho um carter de

    tenso e ansiedade (Ex. 6).

    Ex. 4: c. 13,14

    Ex. 5: c.115

  • 50

    O inicio da quinta seo (c 65 a 68), apresenta uma considervel nfase

    no elemento repetio de notas durante quatro compassos.

    O elemento alternncia das mos em texturas complexas tem sua

    apresentao no c.5,6; arpejos de colcheias com defasagem de semicolcheia

    entre as mos compem texturas contrastantes em vrias regies do teclado (Ex.

    7). No c.26, a mesma idia de alternncia realiza-se com acordes de notas duplas

    (Ex. 8).

    Ex. 6: c.1,2

    Ex. 7: c.56

  • 51

    As texturas analisadas demonstraram estar ligadas de alguma forma ao

    princpio da oscilao. Entretanto, enfatizo que a pea apresenta excees.

    Trechos que no apresentam qualquer relao com o princpio de oscilao

    podem ser exemplificados no paralelismo cordal dos c.29 e 30.

    Tendo analisado alguns elementos recorrentes ao longo da pea, no

    prximo captulo abordo questes pertinentes a escolha do material que

    constituir o ponto de partida para a improvisao.

    Ex. 8: c.26

    Ex. 9: c.29 e 30.

  • 52

    3 ESTABELECIMENTO DO PONTO DE PARTIDA

    O prximo estgio para o desenvolvimento das habilidades

    improvisatrias consiste no estabelecimento de um ponto de partida sobre o qual

    a improvisao da cadenza ser fundamentada. Segundo Bruno Nettl, a

    compreenso de um processo improvisatrio em msica como prtica

    estabelecida em uma cultura especfica (como por exemplo em um contexto

    musical especfico como a msica clssica, o jazz, ou a msica iraniana), envolve

    a definio de um ponto de partida ou modelo, a partir do qual o improvisador

    adquire o vocabulrio e as tcnicas necessrias para a improvisao. No jazz,

    este modelo poder ser, por exemplo, uma progresso harmnica de determinado

    tema a partir do qual o solista improvisar suas variaes. No caso de uma

    cadenza de concerto, motivos e temas do movimento ou da obra, combinados

    com gestos que demonstrem habilidades tcnicas, podem servir de modelo.

    (NETTL, 1998, p. 13).

    A seguir, apresento critrios para a seleo de elementos detectados na

    anlise e avaliados como pertinentes para constituir o ponto de partida para a

    improvisao de uma cadenza na pea The Days By. Saliento que o

    estabelecimento do ponto de partida, neste trabalho, no consistir apenas em um

    inventrio de excertos a serem internalizados e transpostos em vrias alturas.

    Mais importante que isso sero os princpios geradores desses trechos, que

    devero ser internalizados a ponto de tornar possvel a improvisao de

    reelaboraes destes materiais. Nessa instncia, cabe a advertncia de Pressing

  • 53

    a respeito da falta de habilidade dos principiantes devido a incapacidade de

    estabelecer ligaes entre materiais, em funo do entendimento superficial dos

    mesmos. (Pressing, p.53)

    Dada a escassez de literatura relacionada com a improvisao de

    cadenzas na musica contempornea, sigo as diretrizes propostas por alguns dos

    tericos que se voltaram para a elaborao de cadenzas instrumentais

    tradicionais, mais especificamente, cadenzas para concertos de Mozart. O tratado

    de Frederick Neumann Ornamentation and Improvisation in Mozart (1986)

    apresenta alguns parmetros, que podem ser teis para o estabelecimento do

    ponto de partida para uma cadenza em the Days Fly By. A princpio, a formulao

    de critrios para uma improvisao com base em um autor que parece se opor

    radicalmente a prtica da improvisao pode parecer inadequada ou at mesmo

    impertinente.

    Uma das crticas severas de Robert Levin ao tratado em questo que o

    autor no oferece quase nenhuma ajuda que estimule o intrprete a tentar

    encontrar solues pessoais. O principal aviso ao executante sobre improvisao

    :melhor no fazer, porque provavelmente far mal, (LEVIN, 1986, p.365)

    Ao que parece, a ansiedade de Neumann com a possibilidade de uma

    incongruncia formal ou estilstica na improvisao leva-o a crer que a habilidade

    improvisatria algo anacrnico e desaparecido na msica de concerto

    (NEUMANN,1986, p.258). Entretanto, o que me interessa nesse captulo so os

  • 54

    parmetros apontados pelo autor, cujos ajustes definem a forma e o estilo da

    cadenza, pois todo o intuito deste trabalho justamente o de adquirir habilidade

    para a improvisao de uma cadenza pertinente ao estilo da pea.

    Neumann define a cadenza como uma fantasia livre de durao

    indefinida.

    A cadenza pode consistir de figuraes puramente ornamentais e

    usualmente virtuossticas, sem nenhuma relao orgnica com o movimento, mas comumente combinar esta passagem com citaes e elaboraes de um ou mais temas do movimento.(NEUMANN, 1986, p.257)

    Neste trecho o autor cita dois parmetros pertinentes ao meu objetivo:

    citao de temas e virtuosismo. O primeiro que discuto a citao de temas.

    Na anlise exposta anteriormente, no foram detectadas estruturas

    definidas como temas, no sentido mozartiano. Entretanto, considero que o motivo

    apresentado como uma idia fixa na anlise no captulo anterior, pode ser

    amplamente utilizado na cadenza, e mostrado sob uma nova luz mediante

    desenvolvimento meldico (...) ou breves digresses

    harmnicas(NEUMANN,1986, p.259). Advirto, entretanto, para o perigo da

    redundncia que pode ser engendrada pela mera citao literal de uma idia que

    to amplamente desenvolvida ao longo da pea. Lembro aqui que as

    ocorrncias desse motivo jamais se deram duas vezes de maneira idntica. Desta

    forma, a constante transformao da idia fixa deve ser um princpio atuante

    durante as reelaboraes dos motivo, ao longo da cadenza.

  • 55

    Uma outra caracterstica importante do conceito clssico da cadenza, a

    questo da demonstrao de habilidades tcnicas do instrumentista em

    passagens ornamentais virtuossticas. Entretanto devo observar um dos aspectos

    criticados por Neumann nas cadenzas para concertos de Mozart elaboradas por

    Hummel e Hofmann: as figuraes sobrecarregadas que so tecnicamente

    incompatveis com o corpo principal da obra (p.259).

    Na anlise apresentada no captulo anterior, detectei o movimento

    oscilatrio como um princpio bsico gerador que afeta diretamente as texturas.

    Desta forma, considero o princpio motor de alternncia das mos bem como as

    figuraes derivadas das idias relacionadas tanto ao trmolo quanto as

    oscilaes, como norteadores das tcnicas e texturas utilizadas na cadenza. Por

    sua vez, os movimentos cordais paralelos oferecem um significativo instrumento

    de gerao de contrastes.

    Por fim, saliento que as classes de conjunto que definem a ambincia

    harmnica da cadenza gravitam em torno daquelas obtidas pela combinao de

    trtonos nos diversos ndices de transposio. Outros conjuntos recorrentes na

    pea podero tambm ser abordados na cadenza como (037) (025) (0147) (0258).

    Estes conjuntos sero combinados de modo a se obter um maior nmero de

    subconjuntos pertinentes a ambientao harmnica.

  • 56

    Assim como nas cadenzas do repertrio tradicional, a construo de uma

    improvisao visa uma unificao definitiva, funcionando como um segundo

    desenvolvimento que mostra alguns dos temas sob uma nova luz atravs das

    elaboraes e da inventividade do executante. No caso de The Days Fly By,

    acredito que a cadenza intensifica a tenso dramtica que encontra sua resoluo

    na coda.

  • 57

    4 EXERCCIOS PARA IMPROVISAO

    Com base nos elementos que compem o ponto de partida para a

    improvisao da cadenza em The Days Fly By, o captulo presente oferece

    propostas de exerccios. Os exerccios apresentados e discutidos visam a

    internalizao destes elementos. Deve-se levar em conta que as propostas

    apresentadas no seguem frmulas destinadas resoluo de determinadas

    dificuldades mecnicas da execuo instrumental, como os exerccios de Czerny,

    Hanon ou Brahms. A maioria dos exerccios apresentados neste trabalho so

    improvisaes direcionadas a serem remodeladas de maneira criativa pelo

    executante. Os exerccios de carter mais esttico so preliminares, e tem como

    intuito o reconhecimento tctil, visual e auditivo das classes de conjunto

    selecionadas.

    Os exerccios a seguir propem vrias possibilidades de formao de

    conjuntos de (0268). A primeira proposta exemplificada a seguir um exerccio

    preliminar que objetiva a visualizao, execuo e audio das ttrades da classe

    (0268). Cada uma das mos executa um intervalo harmnico de (06) relacionados

    pelo indice de transposio T2.

  • 58

    Lembro que para cada intervalo de (06) existem duas possibilidades de

    formao da ttrade (0268). Partindo de um intervalo piv de (06) obtenho a

    ttrade (0268) adicionando outro intervalo de (06) tanto a T2 quanto a T-2.

    Deste modo, uma outra proposta consiste em determinar as duas

    possibilidades de formao do conjunto (0268) partindo de um intervalo (06) piv,

    como mostrado no exemplo precedente.

    Os conjuntos da classe (0268) tal como o exemplificado anteriormente,

    podem ser executados em vrios ndices de transposio e em todos os registros

    do instrumento.

    (06) T-2 (06) T2 (06)

    intervalo piv

  • 59

    Ultrapassada a etapa de reconhecimento dos tetracordes de (0268)

    formados pela combinao de trtonos, realizo uma pequena improvisao para

    cada tetracorde, explorando os vrios registros do piano. Ressalto, neste exerccio

    a importncia da manuteno da pulsao em semnimas pontuadas. O exemplo a

    seguir mostra uma improvisao sobre um nico tetracorde de (0268).

    A prxima proposta tambm trabalha o reconhecimento do tetracorde

    (0268) pela combinao de intervalos de (06). Desta vez o treino est voltado

    realizao meldica dos intervalos.

  • 60

    Da mesma forma procuro encontrar as vrias transposies possveis do

    tetracorde sem levar em conta a relao entre tranposies. Em seguida, realizo

    uma improvisao explorando vrias possibilidades de registros, de cada

    tetracorde da classe (0268). O exemplo a seguir demonstra uma improvisao que

    explora um nico tetracorde em vrios registros, levando em conta a execuo

    meldica do intervalo (06).

    Aps o treino separado do tetracorde de (0268) formado por intervalos

    meldicos e harmnicos de (06), realizo uma improvisao onde combino as duas

    formas de execuo dos intervalos.

  • 61

    Proponho agora a explorao das possibilidades de tetracordes da classe

    (0268) resultantes da combinao de intervalos de (02) a T6. Tal como ilustra o

    exemplo a seguir, o intervalo de (02) obtido com nonas maiores, stimas

    menores e segundas maiores.

    Conforme as maneiras desenvolvidas para manipular um tetracorde de

    (0268), o exemplo a seguir demonstra uma improvisao que combina intervalos

    harmnicos e meldicos, em vrios registros do instrumento.

  • 62

    Nos exerccios propostos a seguir combino dois tetracordes de (0268)

    para obter o octacorde de (01236789). Nos exemplos seguintes, os conjuntos de

    (0268) so formados por intervalos meldicos e harmnicos de (06) e formam

    octacordes de (01236789).

    No exemplo seguinte tetracordes de (0268) so formados pela

    combinao de (02). Estes tetracordes esto combinados de modo que obtenho

    os octacordes de (01236789).

  • 63

    A seguir demonstro uma improvisao onde combino intervalos de (02) e

    (06) a fim de obter o conjunto (01236789).

    No exemplo a seguir ilustro uma outra improvisao onde obtenho o

    octacorde de (01236789) partindo da combinao de conjuntos de (0268). Desta

    vez combinei esta idia com a execuo do m.r. sobre o tricorde (025).

  • 64

    Tendo apresentado a reproduo de algumas possibilidades de texturas

    relacionadas aos tetracordes da classe (0268) passarei explorao dos

    tetracordes da classe (0167).

    No exemplo anterior, o conjunto (0167) formado pela combinao de

    dois intervalos de (06) a T1. Este conjunto e os demais pertencentes mesma

    classe podem ser visualizados, executados e ouvidos ao piano em vrios

    registros. Lembro que para cada intervalo de (06) existem duas possibilidades de

    composio do conjunto (0167). Desta forma podemos expandir este exerccio de

    modo a tocar os dois conjuntos de (0167) partindo de um mesmo intervalo piv, tal

    como aplicado ao conjunto de (0268)

    intervalo piv.

    (0167) (06)(0167)

  • 65

    No exemplo seguinte, ilustro uma possibilidade de improvisar uma

    sucesso de tetracordes de (0167) a T2. Os dois primeiros tetracordes

    combinados formam o octacorde (01236789). A combinao com o terceiro

    tetracorde de (0167) resulta no total cromtico.

    No exemplo a seguir a mesma classe de conjunto formada pela juno

    de intervalos de (05) a T6. Cada intervalo de (05) apresenta uma nica

    possibilidade de formao do (0167).

    Com base nos exerccios anteriores, os exemplos a seguir mostram duas

    improvisaes onde a sucesso de (0167) a T2 formam o total cromtico. Nestes

  • 66

    trechos, alterno as possibilidades de obteno dos tetracordes de (0167) pela

    combinao de (05) e (06).

    Nos exemplos a seguir exploro algumas possibilidades do octacorde de

    (0134679t). No exemplo seguinte realizo todas as doze possibilidades de tricordes

    de (025) contidas em um conjunto de (0134679t). Para cada tempo, o tricorde da

    mo esquerda est relacionada a T6 com o tricorde da mo direita. Deste modo

    acredito manter uma pertinncia com o ambiente harmnico da pea.

  • 67

    A seguir, proponho uma srie de exerccios partindo do motivo sobre o

    tricorde (026). Os dois primeiros exemplos representam uma improvisao sobre

    o motivo sobre o tricorde (026) em f.o. (forma original), associado a uma textura

    de notas repetidas com mos alternadas. As vrias transposies esto

    encadeadas por notas comuns. Assim, a juno dos conjuntos executados no

    primeiro e segundo tempos forma o hexacorde (02468t). Sendo assim, o terceiro

    tempo reitera o contedo meldico do primeiro a uma oitava abaixo. Estes

    exerccios podem ser realizados em diversos ndices de transposio.

    Os exemplos seguintes representam a possibilidade de realizao do

    mesmo exerccio, partindo de f.i. (forma invertida).

  • 68

    Uma possibilidade de expanso do exerccio anterior consiste na insero

    de um conjunto de (016). Os intervalos de (01) e (05) contidos no tricorde (016)

    possibilitam o trnsito entre os hexacordes complementares de tons inteiros

    (02468t). Os exemplos a seguir combinam as duas formas do motivo: f.o. e f.i..

  • 69

    As possibilidades de encadeamentos de conjuntos (026) apresentada nos

    exerccios anteriores podem ser aplicadas em exerccios que combinem outras

    texturas como nos exemplos abaixo.

  • 70

    O exemplo a seguir ilustra um trecho de improvisao no qual trcordes de

    (037) so encadeadas de modo a projetar em trs vozes e em movimento paralelo

    o t.m. (tricorde motvico) (026).

    A seguir passo a explorar possibilidades do m.r. associadas tanto ao

    tricorde de (026) quanto ao de (025). Adiante, executo uma seqncia de tricordes

    de (027) que projetam o tricorde (026) a trs vozes em cada mo. A relao T6

    entre os tricordes de (027) de cada mo proporciona um elevado nmero de

    incidncias do intervalo de (06) na funo intervalar. Desta forma, mantenho a

    pertinncia com a linguagem harmnica da pea. Neste exemplo, conto tambm

    com a possibilidade de repet-lo em vrios ndices de transposio.

  • 71

    No exerccio a seguir, o m.r. est associado ainda ao paralelismo de

    tricordes de (027) na mo direita. Entretanto, a mo esquerda delineia um

    contorno do motivo (026), com ritmo alternado com a mo direita, criando desta

    forma uma textura oscilante. Na mo direita o m.r. conclui com um acorde de

    (0147)

    Partindo desta mesma textura oscilante composta pela alternncia de

    acordes com intervalos de (05), o exemplo a seguir demonstra a utilizao da

    classe de conjunto (0147) no delineamento do motivo sobre o tricorde (026). A

    combinao do primeiro tetracorde da classe (0147) da mo direita, com o

  • 72

    intervalo de (05) da mo esquerda do respectivo tempo, formam o hexacorde de

    (023569). Este hexacorde contm como subconjuntos os tricordes de (026) (025),

    sendo o mesmo um subconjunto do octacorde (0134679t). Assim mantenho a

    pertinncia com o ambiente harmnico da pea.

    Nesta improvisao associo diversos recursos elaborados durante o

    estudo dos exerccios anteriores. Em uma figurao ascendente, derivada da idia

    do tremolo, inicio uma seqncia de conjuntos da classe (026). Os conjuntos esto

    combinados de forma a se obter o hexacorde (012678). A partir da terceira

    semicolcheia do segundo tempo, obtenho uma ttrade de (0167) em uma

    figurao arpejada. A partir do terceiro tempo, a execuo do m.r. sobre o tricorde

    (025), est combinada com ocorrncias de conjuntos de (026), (025), (0268) e

    (0258). Individualmente, a mo esquerda executa o motivo sobre o tricorde (026)

    na f.o.

  • 73

    No exemplo a seguir algumas classes de conjuntos e texturas abordadas

    nos exerccios anteriores so sequenciadas. Executo o hexacorde Y formado por

    um tricorde de (026) e um tetracorde (0268). A seguir exploro vrias possibilidades

    de conjuntos de (025) contidos em um octacorde de (0134679t). No terceiro

    compasso exploro varias possibilidades de encadeamentos de tricordes de (026) e

    tetracordes de (0268).

    Na improvisao a seguir a idia do tremolo desenvolvida, culminando

    na execuo do m.r.

  • 74

    No exemplo a seguir associo a idia do tremolo ao m.r., de forma a obter

    o octacorde (01236789). Com a mo esquerda, executo um tetracorde de ((0268)

    em uma figurao derivada do tremolo. A mo direita executa uma variante do

    m.r. sobre o tricorde (026), que associado a outro tricorde de (026), configura o

    tetracorde de (0268).

  • 75

    No exemplo a seguir, obtenho o hexacorde de (012678) mediante a

    associao do m.r. idia do tremolo. A configurao assemelha-se encontrada

    no compasso 17. A mo esquerda obtm o intervalo de (06) mediante a

    alternncia de tremolos em oitavas a T6.

    O exerccio a seguir demonstra uma outra possibilidade de encadear

    (016) com (026). A mo direita toca dois conjuntos de (026) a partir de notas

  • 76

    comuns e a mo esquerda contm dois conjuntos de (016). A combinao das

    duas mos tambm gera outras possibilidades de leituras destes conjuntos. O

    exerccio seguinte pode ser repetido ciclicamente, ou pode explorar outras regies

    mediante o encadeamento do conjunto (025).

    Os exemplos apresentados neste captulo so amostras de como se pode

    proceder para a internalizao dos elementos do ponto de partida. As

    possibilidades prticas no esto esgotadas e podem ser ampliadas no sentido de

    aumentar as possibilidades de combinaes entre elementos texturais e

  • 77

    harmnicos. Considero tambm que o prprio ponto de partida pode ser ampliado

    mediante novas constataes de elementos cuja importncia poder vir a ser

    detectada em posteriores desdobramentos analticos.

  • 78

    CONSIDERAES FINAIS.

    Alm da aquisio da habilidade para a improvisao de uma cadenza

    coerente com a sintaxe musical da pea The Days Fly By, os elementos que foram

    apreendidos com a prtica proposta neste trabalho entraram em contato e

    fundiram-se s outras estruturas j existentes em minha base de conhecimento.

    Assim, as novas estruturas resultantes desta fuso tm enriquecido

    substancialmente as minhas improvisaes posteriores aplicao prtica deste

    trabalho.

    Percebo tambm que os procedimentos realizados nesse trabalho

    aplicado a uma msica que no prioriza relaes tonais, afetou diretamente a

    minha estrutura de pensamento sobre improvisao. Acredito que este tipo de

    treinamento j faa parte da prtica comum da maioria dos jazzistas. Entretanto

    esta prtica aplicada no sentido de se reproduzir uma ambincia harmnica

    especfica, calcada em procedimentos ps tonais, tem sido ainda muito pouco

    discutida. Para este propsito a teoria dos conjuntos revelou-se uma til

    ferramenta para organizao do material harmnico e meldico.

    Considero ainda a importncia dos dois ltimos estgios previstos pela

    metodologia de Kenny & Gellrich no sentido de se obter uma maior fluncia na

    disposio dos elementos internalizados nos estgios anteriores. O terceiro

    estgio se refere a treinamentos envolvendo situaes de risco, e o quarto estgio

    consiste em rotinas de treinamentos que incorporem a improvisao associativa.

  • 79

    Penso que o terceiro estgio de carter eminentemente prtico e que

    dificilmente poderia ser descrito de modo detalhado como os dois estgios

    anteriores. Uma possvel sugesto de treinamento se relacionaria com a

    metodologia de Sudnow, no sentido de permitir-se propositalmente perda

    momentnea do controle, deixando que as mos guiem intuitivamente o caminho

    da improvisao. Desta forma, o executante estar mais propenso ao surgimento

    de elementos no previstos nos estgios anteriores. No momento preciso do

    surgimento do elemento imprevisto, importante a retomada do controle, no

    sentido encontrar a reintegrao do elemento insidiador ao contexto musical pr-

    estabelecido.

    No estgio referente improvisao associativa, titulo da obra The Days

    fly By, pode ser um ponto de partida considerando seu elevado poder sugestivo

    (Os Dias Voam). Ao evocar a idia da fluncia do tempo, e do fluxo

    vertiginosamente veloz das transformaes da nossa civilizao, o ttulo contribui

    para o entendimento do carter da pea.

    A fluncia do tempo tambm o tpico central na filosofia de Herclito4.

    Ao conceber o prprio absoluto como processo, como eterno devir, e no como

    4 Herclito de Efeso (ca 540-470 A.C.) Por muitos considerados o mais eminente pensador pr-socrtico, por formular com vigor o problema da unidade permanente do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e transitrias. (KUHNEN, Remberto Francisco, apud SOUZA, 1999, P.81)

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    ser, Herclito anuncia o tempo como primeiro ser corpreo, primeiro ser sensvel,

    a essncia verdadeira.

    Na medida em que Herclito no parou na expresso lgica do devir, mas deu a seu princpio a forma de um ente, deduz-se disso que primeiro tinha que oferecer-se a forma do tempo; pois precisamente, no sensvel, no que se pode ver, o tempo o primeiro que se oferece como devir; a primeira forma do devir. (HEGEL, apud. SOUZA, 1999, p.106)

    Assim tomo a liberdade de concluir, utilizando um fragmento clebre de

    Herclito, que em The Days Fly By tudo flui, nada persiste, nem permanece o

    mesmo, enfatizando a constante transformao dos elementos do decorrer da

    pea, a desintegrao e formao de novos conjuntos, e as reelaboraes de

    diferentes seqncias de elementos e texturas.

    Por fim, acredito que a improvisao de cadenzas em The Days fly By,

    contribui ainda para uma renovao da pea como um todo a cada execuo. A

    improvisao mais uma maneira de garantir que nunca se oua a mesma pea

    duas vezes: o rio corre e toca-se outra gua.

  • 81

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    ANEXOS