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B. Geoci. Petrobras, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 423-431, maio/nov. 2007 | 423 Bacia do Recôncavo Olívio Barbosa da Silva 1 , José Maurício Caixeta 2 , Paulo da Silva Milhomem 3 , Marilia Dietzsch Kosin 1 Palavras-chave: Bacia do Recôncavo l Estratigrafia l carta estratigráfica Keywords: Recôncavo Basin l Stratigraphy l stratigraphic chart 1 Unidade de Negócio de Exploração e Produção da Bahia/Exploração/Avaliação de Blocos e Interpretação Geológica e Geofísica e-mail: [email protected] 2 E&P Exploração/Interpretação e Avaliação das Bacias da Costa Leste/Interpretação 3 Unidade de Negócio de Exploração e Produção da Bahia/Exploração/Sedimentologia e Estratigrafia introdução A Bacia do Recôncavo localiza-se no Estado da Bahia, Nordeste do Brasil, ocupando uma área de aproximadamente 11.500 km 2 . Seus limites são re- presentados pelo Alto de Aporá, a norte e noroeste; pelo sistema de falhas da Barra, a sul; pela Falha de Maragogipe, a oeste; e pelo sistema de falhas de Salvador, a leste. A configuração estrutural da bacia relaciona-se aos esforços distensionais que resultaram na fragmen- tação do Supercontinente Gondwana durante o Eocretáceo, promovendo a abertura do Oceano Atlân- tico. Sua arquitetura básica é a de um meio-gráben, com falha de borda a leste e orientação geral NE-SW. O mergulho regional das camadas para leste é condi- cionado por falhamentos normais planares com dire- ção preferencial N30°E. Zonas de transferência com orientação N40°W acomodaram taxas de extensão va- riáveis entre diferentes compartimentos da bacia ao longo de sua evolução. Segundo Abrahão e Warme (1990), o campo de tensões responsável pelo rifteamento teria atuado entre o Mesojurássico e o Eocretáceo. histórico As primeiras referências sobre a seção sedimentar preservada na Bacia do Recôncavo da- tam da primeira metade do século XIX, sendo atri- buídas a Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Phyllip von Martius, que descreveram unidades aflorantes na orla da Baía de Todos os Santos. Tam-

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B. Geoci. Petrobras, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 423-431, maio/nov. 2007 | 423

Bacia do Recôncavo

Olívio Barbosa da Silva1, José Maurício Caixeta2, Paulo da Silva Milhomem3,

Marilia Dietzsch Kosin1

Palavras-chave: Bacia do Recôncavo l Estratigrafia l carta estratigráfica

Keywords: Recôncavo Basin l Stratigraphy l stratigraphic chart

1 Unidade de Negócio de Exploração e Produção da Bahia/Exploração/Avaliação de Blocos e Interpretação Geológica e Geofísica

e-mail: [email protected] E&P Exploração/Interpretação e Avaliação das Bacias da Costa Leste/Interpretação

3 Unidade de Negócio de Exploração e Produção da Bahia/Exploração/Sedimentologia e Estratigrafia

introdução

A Bacia do Recôncavo localiza-se no Estadoda Bahia, Nordeste do Brasil, ocupando uma área deaproximadamente 11.500 km2. Seus limites são re-presentados pelo Alto de Aporá, a norte e noroeste;pelo sistema de falhas da Barra, a sul; pela Falha deMaragogipe, a oeste; e pelo sistema de falhas deSalvador, a leste.

A configuração estrutural da bacia relaciona-seaos esforços distensionais que resultaram na fragmen-tação do Supercontinente Gondwana durante oEocretáceo, promovendo a abertura do Oceano Atlân-tico. Sua arquitetura básica é a de um meio-gráben,com falha de borda a leste e orientação geral NE-SW.O mergulho regional das camadas para leste é condi-cionado por falhamentos normais planares com dire-

ção preferencial N30°E. Zonas de transferência comorientação N40°W acomodaram taxas de extensão va-riáveis entre diferentes compartimentos da bacia aolongo de sua evolução. Segundo Abrahão e Warme(1990), o campo de tensões responsável pelo rifteamentoteria atuado entre o Mesojurássico e o Eocretáceo.

histórico

As primeiras referências sobre a seçãosedimentar preservada na Bacia do Recôncavo da-tam da primeira metade do século XIX, sendo atri-buídas a Johann Baptist von Spix e Carl FriedrichPhyllip von Martius, que descreveram unidadesaflorantes na orla da Baía de Todos os Santos. Tam-

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bém no século XIX iniciaram-se os estudos de seuregistro fossilífero. Já naquela época indicava-se umaafinidade com estratos wealdenianos e uma prová-vel idade neocomiana.

Viana et al. (1971) apresentaram uma exce-lente resenha sobre o histórico dos trabalhos volta-dos ao estudo da bacia, particularmente sob o enfoquede sua estratigrafia. Estes autores diferenciaram umafase inicial como de pioneirismo geológico e de cu-nho acadêmico, na qual pouco se acrescentou ànomenclatura estratigráfica. A procura por hidrocar-bonetos e sua posterior descoberta foramdeterminantes para uma mudança de concepção,com a realização de trabalhos voltados à subdivisãodo registro sedimentar em unidades estratigráficascom nomenclatura e hierarquia melhor estabelecidas.Nesta etapa, destaca-se a atividade inicial da Divi-são de Geologia e Mineralogia do DepartamentoNacional de Produção Mineral (DNPM) e, sobretu-do, do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), duran-te a década de 1940.

Com a criação da Petrobras e a intensificaçãodos estudos de superfície, integrados aos dados de sub-superfície e com a utilização mais sistemática dapaleontologia, a evolução do conhecimento estratigrá-fico teve novo impulso. O ápice dessa fase consiste naproposta de Viana et al. (1971), cuja grande contribui-ção foi a de sistematizar e organizar o conhecimentogeológico até então acumulado, estabelecendo colu-nas litoestratigráfica, bioestratigráfica e cronoestratigrá-fica independentes, e resgatando os princípios que de-finem cada tipo de unidade, como estabelecido noCódigo Americano de Nomenclatura Estratigráfica.

A Carta Estratigráfica do Recôncavo-Tucanomanteve-se única até o início da década de 1990,quando Caixeta et al. (1994) apresentaram uma pro-posta diferenciada para a Bacia do Recôncavo. Nes-te trabalho, foram incorporadas algumas modifica-ções na coluna litoestratigráfica, tendo por base ostrabalhos de Netto e Oliveira (1985) e Aguiar e Mato(1990). As unidades bioestratigráficas e cronoestrati-gráficas permaneceram, no entanto, essencialmen-te as mesmas. Sua grande contribuição foi a de pro-mover uma melhor caracterização das relações late-rais e cronológicas entre as diferentes unidades, dandomaior clareza à história de preenchimento da bacia.Em seu trabalho, Caixeta et al. (1994) incorporaramas principais descontinuidades do registro sedimentar,que subsidiaram a definição de seqüências deposici-onais de terceira ordem.

O presente trabalho reproduz, em grande par-te, a proposta de Caixeta et al. (1994). São aqui

introduzidas modificações referentes à amplitudeestratigráfica de algumas unidades, bem como me-lhor definidos os limites de suas seqüências depo-sicionais. A abordagem adotada tem como foco areconstituição do preenchimento sedimentar dabacia a partir da caracterização de suas seqüên-cias estratigráficas.

embasamento

O embasamento da Bacia do Recôncavo érepresentado predominantemente por gnaissesgranulíticos arqueanos pertencentes ao BlocoSerrinha, a oeste e norte; aos cinturões Itabuna-Sal-vador-Curaçá, a oeste-sudoeste; e Salvador-Esplanada, a leste-nordeste. Ao norte, ocorrem ain-da rochas metassedimentares de idadeneoproterozóica, relacionadas ao Grupo Estância.

Conforme Delgado et al. (2003), os gnaissesgranulíticos são constituídos por suítes ígneas TTG(tonal í t ico-trondhjemít ico-granodior í t icas )migmatizadas, de idade mesoarqueana a neo-arqueana (3.200-2.900 Ma), intrudidas por granitos,granodioritos e sienitos paleoproterozóicos (2.100-1.900 Ma). Estas rochas associam-se a seqüênciassupracrustais depositadas em bacias rifte e em am-bientes plataformais de margem passiva, compreen-dendo quartzitos, paragnaisses aluminosos, rochascalciossilicáticas, formações ferríferas, gnaissesmanganesíferos e grafitosos e gonditos. São aindadescritas rochas máficas (anfibolitos) interpretadascomo remanescentes de crosta oceânica. Estes ter-renos estiveram submetidos a múltiplos eventosdeformacionais e de metamorfismo desde oArqueano até o Proterozóico, quando ocorreu a es-tabilização do Cráton do São Francisco.

Rochas metassedimentares de baixo grau com-põem o Grupo Estância, estando relacionadas a umabacia neoproterozóica (750-650 Ma) que se desen-volveu na borda nordeste do Cráton do São Francis-co, sob um regime extensional a flexural-termal. Seusdepósitos acumularam-se em uma plataforma rasamista e caracterizam, da base para o topo, as for-mações Juetê, Acauã e Lagarto. A Formação Juetêé representada por siliciclásticos de origem litorânea(conglomerados, arenitos médios a grossosretrabalhados por ondas e pelitos). Rochassedimentares carbonáticas (dolomitos estromatolíticose oolíticos, calcarenitos e calcilutitos) com intercala-

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ções de pelitos e níveis de intraclastos constituem aFormação Acauã. Arenitos com clastos carbonáticosintercalados a pelitos definem a Formação Lagarto.Considera-se que a deposição dessas duas últimasunidades esteja associada a um ciclo provavelmentetransgressivo. Deformação e metamorfismo sãoincipientes na Bacia Estância devido à sua posiçãomarginal em relação à tectônica compressiva queestruturou a Faixa de Dobramentos Sergipana.

SuperseqüênciaPaleozóica

Seqüência Permiana

O Eratema Paleozóico é representado pelosmembros Pedrão e Cazumba da Formação Afligidos.Depositadas sob paleoclima árido e em contexto debacia intracratônica, as associações faciológicas quecaracterizam estas unidades ilustram uma tendênciageral regressiva, com transição de uma sedimenta-ção marinha rasa, marginal, a bacias evaporíticas iso-ladas, ambientes de sabkha continental e, por fim,sistemas lacustres (Aguiar e Mato, 1990). Arenitoscom feições de retrabalhamento por onda, laminitosalgais e evaporitos, principalmente anidrita, caracte-rizam o Membro Pedrão. No Membro Cazumba, pre-dominam pelitos e lamitos vermelhos lacustres, comnódulos de anidrita na base da seção.

Dados palinológicos atribuem uma idadepermiana ao Membro Pedrão, que se correlacionacom o Membro Ingá da Formação Santa Brígida (Sub-bacia do Tucano Norte) e com as formações Aracaré(Bacia de Sergipe-Alagoas) e Pedra de Fogo (Baciado Parnaíba). A idade do Membro Cazumba é objetode discussão, contribuindo para tanto a pobreza doregistro fossilífero. Aguiar e Mato (1990) admitem umapossível extensão dessa unidade ao Triássico, tam-bém com base no resultado de análises palinológicas.Ainda segundo estes autores, seu contato com oMembro Boipeba (Formação Aliança) é discordantena maior parte do Recôncavo, mas consideradotransicional no sudoeste da bacia, o que reforça oproblema de posicionamento cronoestratigráfico dointervalo. Adota-se, aqui, a interpretação de Caixetaet al. (1994), que restringem ao Permiano a deposi-ção da Formação Afligidos.

SeqüênciasSedimentares

As seqüências sedimentares relacionadas aopreenchimento da Bacia do Recôncavo, propriamen-te dito, compreendem os depósitos acumulados du-rante o processo extensional juro-cretáceo e caracte-rizam cinco seqüências deposicionais, relacionadasaos estágios pré-rifte, rifte e pós-rifte. Sua espessuramáxima, superior a 6.500 m, é verificada no Baixode Camaçari (Aragão, 1994).

Superseqüência Pré-Rifte

Seqüência J20-K05

A Seqüência J20-K05 reúne depósitos relacio-nados ao estágio inicial de flexura da crosta, em res-posta aos esforços distensionais que originaram o sis-tema de riftes do Eocretáceo. Esta sedimentação pré-rifte engloba três grandes ciclos flúvio-eólicos, repre-sentados, da base para o topo, pelo Membro Boipebada Formação Aliança e pelas formações Sergi e ÁguaGrande. Transgressões lacustres de caráter regionalseparam esses ciclos e são expressas pela sedimenta-ção dominantemente pelítica que caracteriza o Mem-bro Capianga (Formação Aliança) e a FormaçãoItaparica. Uma parte do registro, correspondente àsformações Aliança e Sergi (Andar Dom João), tem sidorelacionada ao Neojurássico. As formações Itaparicae Água Grande (Andar Rio da Serra inferior) são deidade eocretácea (Eoberriasiano), como o indicam asanálises micropaleontológicas.

Superseqüência Rifte

O limite entre os estágios pré-rifte e rifte temsido objeto de discussão (Magnavita, 1996; Da Silva,1996). Segundo Ghignone (1979), a configuraçãoatual da Bacia do Recôncavo já se esboçava ao tem-po de deposição da Formação Itaparica e mais no-

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tadamente da Formação Água Grande, sugerindo umincipiente controle tectônico. Da Silva (1993, 1996)atribui esta última unidade à fase rifte. Em sua con-cepção, a discordância erosiva que a separa da For-mação Itaparica, na porção setentrional da bacia e naSub-bacia do Tucano Sul, estaria relacionada a umrejuvenescimento de relevo, com basculamento parasul, testemunhando uma mudança de regime tectôni-co. Caixeta et al. (1994) e Magnavita (1996), dentreoutros autores, relacionam o início do rifteamento àtransgressão regional que sobrepõe os pelitos lacustresdo Membro Tauá à fácies eólicas presentes no topoda Formação Água Grande. Esta transgressão estariarelacionada não apenas a uma provável umidificaçãoclimática, mas também a um incremento nas taxasde subsidência, com ruptura da crosta ainda sob ativi-dade tectônica moderada. Outra concepção conside-ra que o primeiro aparecimento de conglomeradossintectônicos registre o início do estágio rifte. A inter-pretação aqui adotada segue a proposta de Caixetaet al. (1994) e Magnavita (1996), posicionando-se olimite entre as fases pré-rifte e rifte na base do Mem-bro Tauá. A deposição de conglomerados sintectônicos(Formação Salvador) tem início apenas no Mesorrioda Serra inicial (Berriasiano), estendendo-se até o Ji-quiá (Neobarremiano/Eoaptiano). Esta defasagementre o primeiro registro dos conglomerados de bordae o início do estágio rifte é considerada compatívelcom o tempo necessário para o soerguimento das om-breiras do rifte e sua posterior erosão para constitui-ção de leques aluviais e fandeltas (Magnavita, 1996).

A seção rifte abrange três seqüências. As discor-dâncias que as limitam estão bem definidas a oeste,no segmento flexural da bacia, naturalmente mais su-jeito aos efeitos de variações do nível de base relacio-nadas à atividade tectônica e/ou controle climático. Nosdepocentros, seus limites são dados por concordânciasrelativas, expressando a continuidade da sedimenta-ção nesses sítios. As associações de fácies que as ca-racterizam reproduzem um padrão de empilhamentoestratigráfico semelhante ao proposto por Lambiase(1990) para bacias rifte progressivamente assoreadas apartir de um estágio inicial de lago profundo.

Seqüências K10 e K20

As seqüências K10 e K20 abrangem grandeparte do Andar Rio da Serra, compreendendo rochassedimentares relacionáveis às formações Candeias(membros Tauá e Gomo) e Maracangalha. As litofácies

associadas testemunham o contexto lacustre que pre-valecia no início da fase rifte, quando se definiu oarcabouço estrutural da bacia. A sucessão estratigrá-fica observada nos depocentros ilustra um incremen-to batimétrico inicial, resultante de uma umidificaçãoclimática associada à intensificação da atividadetectônica. Os folhelhos, calcilutitos e arenitosturbidíticos do Membro Gomo representam esta faseinicial de aprofundamento, de idade Mesorrio da Ser-ra (Eoberriasiano/Eovalanginiano), quando a Bacia doRecôncavo desenvolveu uma fisiografia caracterizadapor áreas plataformais relativamente estáveis edepocentros com elevadas taxas de subsidência(Aragão, 1994). Ao longo do Neo-Rio da Serra(Eovalangianiano/Eohauteriviano), a atenuação daatividade tectônica e o incremento no aportesedimentar resultaram na redução dos gradientes de-posicionais, com o progressivo assoreamento dosdepocentros. Neste processo, paleobatimetrias aindarelativamente elevadas mantiveram-se ao tempo dedeposição da Formação Maracangalha acomodandoum grande volume de depósitos relacionados a fluxosgravitacionais (membros Caruaçu e Pitanga). Estesdepósitos apresentam litofácies indicativas de proces-sos de ressedimentação de frentes deltaicas, constitu-indo, portanto, o equivalente distal dos sistemasdeltaicos que, posteriormente, progradariam ao lon-go da bacia, sob as condições de relativa quiescênciatectônica que caracterizam a base da Seqüência K30.A sobrecarga exercida pelos depósitos gravitacionaisde idade Mesorrio da Serra e Neo-Rio da Serra(Berriasiano/Valanginiano), aliada à fisiografia própriade um meio-gráben com blocos basculados em dire-ção à falha de borda, deu origem à argilocinese e aum novo estilo estrutural, representado porfalhamentos lístricos sindeposicionais. A estruturaçãoe distribuição de reservatórios da própria FormaçãoMaracangalha, bem como das formações Marfim ePojuca, mais jovens, relacionam-se intimamente aodesenvolvimento destas falhas lístricas.

Na borda flexural, discordâncias pontuam o re-gistro associado ao Andar Rio da Serra. O principal des-tes eventos erosivos resulta na omissão de grande par-te do Rio da Serra médio e da base do Rio da Serrasuperior (Neoberriasiano/Eovalanginiano), constitui olimite entre as Seqüências K10 e K20. Segundo DaSilva e Picarelli (1990), esta discordância teria origemem um provável rebaixamento do nível do lago, asso-ciado a uma mudança climática. Inversões de polari-dade observadas no compartimento sul da bacia(Cupertino e Bueno, 2005), em idade próxima ao topo

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do Mesorrio da Serra (Eovalanginiano), sugerem que ofator tectônico seja também relevante. Além de sub-metidas aos processos erosivos ocasionados pelo re-baixamento do nível de base, áreas plataformais teri-am estado sujeitas a bypass de sedimentos para osbaixos adjacentes, respondendo pela deposição con-temporânea de arenitos turbidíticos do Membro Gomo.

Durante o Neo-Rio da Serra (Valanginiano), atransgressão das plataformas, com deposição defolhelhos relacionados à Formação Maracangalha,marca a base da Seqüência K20. Para o topo, a ten-dência regressiva que então se estabelece está maisbem representada em direção aos baixos regionais,culminando, no Neo-Rio da Serra (Neovalanginiano/Eohauteriviano), com depósitos deltaicos (MembroCatu) relacionados à base da Seqüência K30. Estasucessão contínua não é observada em áreasplataformais, que ao tempo de deposição de grandeparte do Rio da Serra superior estiveram sujeitas aprocessos de erosão e/ou bypass, resultando nadiscordância que separa as seqüências K20 e K30.Sua origem é atribuída a um evento tectônico de ca-ráter regional, como indicado pela omissão de seçõescorrelatas nas bacias do Espírito Santo, Cumuruxatiba,Almada, Camamu, Tucano e Sergipe-Alagoas. Bueno(2001, 2004) relaciona este evento à propagaçãodiácrona do sistema de riftes da margem leste, atri-buindo a discordância impressa nessas bacias aotectonismo que promoveu contemporaneamente oencerramento da fase rifte (breakup) e implantaçãode crosta oceânica no segmento compreendido entreo norte da Bacia de Pelotas e o sul da Bacia de San-tos. No Recôncavo, a margem flexural teria adquiridoestabilidade tectônica aproximadamente a esta épo-ca (Cupertino e Bueno, 2005), marcando o encerra-mento da fase de expansão da bacia, em função dodeslocamento, para leste, dos esforços relacionadosà abertura do Atlântico Sul.

Seqüência K30

A porção inferior da Seqüência K30 registra aexpansão dos sistemas deltaicos ao longo da bacia,com progressivo recuo, para sul, dos sítios deposicio-nais eminentemente lacustres, representados pela For-mação Maracangalha. A seção basal, relacionada aoMembro Catu da Formação Marfim, depositou-se emonlap sobre as áreas plataformais antes sujeitas à ero-são e/ou bypass. Apenas ao final do Neo-Rio da Serra(Eohauteriviano), os arenitos deltaicos dessa unidade

recobriram tais áreas, sobrepondo-se discordantemen-te a sedimentos lacustres da porção basal do Andar Rioda Serra superior (Valanginiano). A fisiografia da baciaassumiu, então, a geometria de rampa que caracterizao Andar Aratu (Da Silva, 1993), onde ciclos deltaico-lacustres sucessivos (Formação Pojuca) evidenciam umcontexto de reduzido gradiente deposicional e baixastaxas de subsidência. Pelitos e carbonatos lacustres re-lacionados ao afogamento recorrente do sistema deltaicopossuem expressão comumente regional, constituindoimportantes marcos estratigráficos.

No início do Mesoaratu (Neo-Hauteriviano), areativação da Falha de Paranaguá (Bueno, 1987),associada a um provável rebaixamento do nível debase, sob controle climático (Caixeta et al. 1991 apud

Amorim, 1992), deu origem ao Cânion de Taquipe.A esta época, e ao longo do Neoaratu, ainda preva-leciam os sistemas deltaicos relacionados à Forma-ção Pojuca. A porção meridional da bacia (Baixo deCamaçari) e o Cânion de Taquipe constituíam, noentanto, sítios preferenciais para a deposição lacustre(formações Maracangalha e Taquipe, respectivamen-te), com fluxos gravitacionais associados.

Para o topo, o predomínio de fácies fluviais(Formação São Sebastião) testemunha a fase finalde assoreamento do rifte, que durante o Jiquiá este-ve submetido a um novo ciclo tectônico, com a cria-ção e a reativação de falhamentos (Aragão, 1994).As maiores taxas de subsidência são compensadas,no entanto, por elevadas taxas de aporte sedimentar,resultando em uma sucessão estratigráfica de cará-ter agradacional, com preservação de espessas se-ções fluviais. Conglomerados sintectônicos (Forma-ção Salvador) ocorrem ao longo do intervalo, esten-dendo-se ao Andar Jiquiá. A representação adotadapara a borda leste, na carta estratigráfica doRecôncavo, não contempla esta amplitude estratigrá-fica por retratar a extremidade sul da bacia, ondegrande parte da seqüência encontra-se erodida.

Superseqüência Pós-Rifte

Seqüência K50

A Seqüência K50 é representada pelos clásticosgrossos (conglomerados e arenitos), folhelhos ecalcários pertencentes à Formação Marizal, de idadeNeo-alagoas (Neo-aptiano). Sua deposição relacio-

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na-se a sistemas aluviais desenvolvidos já no contex-to de uma subsidência termal, pós-rifte, como indi-cado pela subhorizontalidade dos estratos, que sesobrepõem discordantemente a seções estruturadas,relacionadas à fase rifte (Da Silva, 1993).

Seqüências doNeógeno

Seqüências N20 e N50

Não há registro de depósitos neocretáceos naBacia do Recôncavo. O Neógeno ocorre subordina-damente, estando representado pela Formação Sabiáe pelo Grupo Barreiras, que identificam as Seqüênci-as N20 e N50, respectivamente. A Formação Sabiácaracteriza-se por folhelhos cinza esverdeados ecalcários impuros, cuja deposição relaciona-se a umatransgressão marinha de idade miocênica (Petri,1972). Sistemas de leques aluviais pliocênicos carac-terizam o Grupo Barreiras.

Seqüência N60

A Seqüência N60 engloba os sedimentospleistocênicos a holocênicos de praias e aluviões (SPA)que compõem a fisiografia atual da Bacia doRecôncavo e que recobrem igualmente oembasamento cristalino da borda Leste da bacia.

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