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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 472 (ano VII) (30/10/2015) ISSN - - BRASÍLIA ‐ 2015 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 472 · Orientação de Monografia. ... fora da competência territorial do juiz que expediu a prisão, ... nada se falou sobre o instituto da

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 472

(ano VII)

(30/10/2015)

 

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ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional.

Coordenador do Direito Internacional (AM/DF): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

BoletimConteudoJurıdico

Publicação

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

30/10/2015 Valdinei Cordeiro Coimbra 

» Mandado de Prisão com Difusão Vermelha (red notice)

ARTIGOS 

30/10/2015 Marcos Ribeiro de Morais 

 » Efeitos precarizantes do assédio moral no ambiente de trabalho 

30/10/2015 Leandro Romeo Peccequillo Freire 

 

» Responsabilidade objetiva em contratos de edição e tradução 

30/10/2015 Tauã Lima Verdan Rangel 

 

» Ponderações ao Controle Social dos Serviços Públicos de Saneamento Básico 

30/10/2015 João Marcos Rodrigues de Oliveira 

 

» Intervencionismo estatal: novo perfil do Estado 

MONOGRAFIA

30/10/2015 Adriano Geraldo dos Santos 

 » Análise da eficácia das medidas protetivas de urgência nos termos da Lei 11.340/06 ‐ Lei Maria da 

Penha, face à fiança policial 

 

 

 

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MANDADO DE PRISÃO COM DIFUSÃO VERMELHA (RED NOTICE)

VALDINEI  CORDEIRO  COIMBRA:  Advogado.  Mestre  em 

Direito Penal  Internacional pela Universidade de Granada  ‐ 

Espanha.  Professor  Universitário  de  Direito  Penal  e 

Orientação  de  Monografia.  Delegado  de  Polícia  da  PCDF 

(aposentado). Especialista em Direito Penal e Processo Penal 

pelo  ICAT/UDF.  Pós‐graduado  em Gestão  Policial  Judiciária 

pela ACP/PCDF‐FORTIUM. Consultor Colaborador da INOWA 

(JGM  Consultoria).  Coordenador  da  Polícia  Legislativa  da 

Câmara  Legislativa  do  Distrito  Federal  (COPOL/CLDF).  Já 

exerceu os cargos de Chefe de Gabinete da Administração do 

Varjão‐DF.  Chefe  da  Assessoria  para  Assuntos  Especiais  da 

PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão ‐ DF; 

Presidente  da  CPD/CGP/PCDF.  Assessor  Institucional  da 

PCDF.  Secretário  Executivo  da  PCDF.  Diretor  da 

DRCCP/CGP/PCDF. Diretor‐adjunto da Divisão de Sequestros. 

Chefe‐adjunto  da  1ª  Delegacia  de  Polícia.  Assessor  do 

Departamento  de  Polícia  Especializada  ‐  DPE/PCDF.  Chefe‐

adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de 

Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar 

do DF. 

No Brasil, salvo as hipóteses de flagrante delito, somente um juiz pode decretar uma ordem de prisão. Até recentemente, uma prisão decretada por um juiz de uma unidade da federação, para ser cumprida em outra, exigia-se que o mandado fosse deprecado no juízo onde o procurado fosse localizado, o que as vezes, acabava gerando a soltura do detido, considerando a demora nos trâmites entre a expedição e o cumprimento de uma carta precatória. Isso somente foi amenizado com a alteração do CPP, pela Lei n. 12.403/2011, que acrescentou o art. 289-A, que determina que o juiz competente que expedir uma ordem de prisão (preventiva ou condenatória) deverá providenciar o imediato registro do mandado no banco de mandados de prisão a ser mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.

O Mandado uma vez registrado no banco de mandados do CNJ passa a ter a sua validade presumida, em todo o Brasil, além de contar com ampla publicidade (difusão), facilitando, assim, o seu cumprimento em outra unidade da federação. Neste sentido, o

 

 

 

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procurado pode ser preso por qualquer agente policial, ainda que fora da competência territorial do juiz que expediu a prisão, mas somente se o mandado estiver registrado no CNJ. Do contrário, deverá a autoridade policial do local em que se deu o cumprimento da prisão fazer diligências cartorárias para verificar a autenticidade do Mandado de prisão, bem como comunicar o juiz que a decretou, o qual, deverá providenciar o registro do mandado no banco do CNJ. Feito isso, a prisão será comunicada imediatamente ao juiz do local em que foi cumprida, que, por sua vez, providenciará a certidão extraída do registro no CNJ (via internet) e informará ao juízo que decretou a medida.

O preso será informado dos seus direitos constitucionais, nos termos dos incisos LXIII do art. 5º da CFRB, e, caso não informe o nome do seu advogado, deverá a autoridade responsável comunicar à Defensoria Pública local.

Assim, entendemos que o lançamento do mandado de prisão no banco de mandados do CNJ tem como efeito a difusão no território nacional da respectiva ordem judicial, autorizando a prisão do procurado por qualquer agente público, ampliando a jurisdição de um juiz local, no tocante aquela ordem judicial expedida.

Mas até aqui, nada se falou sobre o instituto da "difusão vermelha" (red notice), objeto do título do presente paper.

Pois bem.

A chamada "difusão vermelha" (red notice), nada mais é do que a notícia da existência de um alerta na Interpol, devidamente expedido pelas autoridades judiciais de um país-membro daquele organismo internacional, com vistas à extradição de pessoas procuradas pela justiça criminal.

A difusão vermelha, acaba gerando um efeito mundial ao mandado de prisão expedido por um juiz de primeira ou segunda instância. No entanto, a finalidade precípua é desburocratizar o trâmite policial para o seu cumprimento.

 

 

 

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No Brasil encontra regulação na instrução normativa n. 01 de fevereiro de 2010 do CNJ, que dispõe sobre a indicação da condição de possível foragido ou estadia no exterior quando da expedição de mandado de prisão em face de pessoa condenada, com sentença de pronúncia ou com prisão preventiva decretada no país.

Referida instrução normativa foi criada tendo por base a adesão oficial do Brasil ao sistema da Interpol desde 1986 para difusão de informações relacionadas, sendo que o Departamento de Polícia Federal - DPF é o órgão brasileiro encarregado de centralizar as informações e a ligação com a Interpol para difusão entre os países membros em diferentes graus de gravidade.

A instrução normativa em referência indica no seu art. 1º que: "

Art. 1º Os magistrados estaduais, federais, do eleitoral ou militares, juízes de primeiro grau, desembargadores ou juízes de segundo grau e ministros de tribunal superior, ao expedirem ordem de prisão por mandado ou qualquer outra modalidade de instrumento judicial com esse efeito, tendo ciência própria ou por suspeita, referência, indicação ou declaração de qualquer interessado ou agente público, que a pessoa a ser presa está fora do país, vai sair dele ou pode se encontrar no exterior, nele indicarão expressamente essa circunstância".

A medida referida deve ser adotada nos mandados de prisão definitiva, de sentença de pronúncia ou de prisão preventiva, o qual será imediatamente encaminhado, por cópia, ao Superintendente Regional da Polícia Federal do respectivo estado, com vista à "Difusão Vermelha" para o seu cumprimento em qualquer país que tenha acordo internacional sobre o tema.

O problema da difusão vermelha é quando a ordem de prisão vem de outro país, uma vez que, nem sempre a prisão decretada em outro país é de natureza jurisdicional. É possível que a prisão

 

 

 

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tenha sido decretada por uma autoridade administrativa, exigindo-se para o seu cumprimento, ser submetida ao crivo do Poder Judiciário, pois em tese, contraria a Constituição brasileira que, salvo a prisão em flagrante, somente admite prisão por ordem judicial.

Além disso, apesar da boa intenção de dar celeridade no cumprimento de prisão de pessoas condenadas, cautelas são necessárias quando do cumprimento de prisão, veiculada pelo Sistema de Difusão Vermelha, devendo o Delegado da Polícia Federal apresentar o preso a um juiz federal, sob pena de constituir autoridade coatora, conforme já manifestou o STF:

EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM EM HABEAS CORPUS PREVENTIVO. CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA AMEAÇA DE ATO DE DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL. 1. A competência do Supremo Tribunal Federal para julgar habeas corpus é determinada constitucionalmente em razão do Paciente ou da Autoridade Coatora (art. 102, inc. I, alínea i, da Constituição da República). 2. Questão de ordem resolvida no sentido de reconhecer a incompetência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar o habeas corpus n. 119056-DF, determinando a remessa dos autos a uma das Varas Federais da Seção Judiciária do Distrito Federal. (STF, HC 119056, 2013)

O cumprimento do mandado de prisão por via da difusão vermelha, por si só não autoriza a apresentação do preso à autoridade estrangeira. Tudo deve ser feito nos termos da Lei n. 6.815/80 que trata do estatuto do estrangeiro. Neste sentido, segue julgado do STF:

EMENTA: PRISÃO PREVENTIVA PARA FINS DE EXTRADIÇÃO. NACIONAL LIBANÊS NATURALIZADO BRASILEIRO.

 

 

 

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EXTRADITANDO EXPULSO DO PARAGUAI. TRÁFICO DE DROGAS. EXTRADITANDO PRESO EM FACE DE OUTRO MANDADO DE PRISÃO: DIFUSÃO VERMELHA. AUSÊNCIA DE CÓPIAS DE TEXTOS LEGAIS, COMO EXIGE A LEI N. 6.815/80. OMISSÃO DO ESTADO-REQUERENTE EM FORMULAR O PEDIDO DE EXTRADIÇÃO E DE COMPLEMENTAR A INSTRUÇÃO DO PEDIDO. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA INDEFERIDO. CONVERSÃO DO FEITO EM DILIGÊNCIA E DEFINIÇÃO DE PRAZO IMPRORROGÁVEL DE SESSENTA DIAS PARA CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS. 1. A República do Líbano não apresentou os documentos que completariam pedido de extradição, com promessa de reciprocidade, nem complementou a instrução nos termos da Lei n. 6.815/80, a despeito de ter sido fixado prazo peremptório, mais de uma vez, para que viesse esta documentação para a competente instrução do feito. 2. As peculiaridades da presente prisão preventiva para extradição, que não se limitam ao simples exame dos aspectos formais e à mera apreciação dos fins comuns a que se destina a maioria das extradições submetidas a este Supremo Tribunal, aliada à complexidade da causa, consubstanciada, dentre outros motivos, pela dificuldade da tradução do idioma árabe, ultrapassam os tradicionalmente inerentes às extradições de nacionais libaneses e constituem razões suficientes para a manutenção da prisão do Extraditando, não se podendo falar, portanto, em excesso de prazo da prisão. 3. Também em razão das singularidades do caso em pauta, é de ser concedido novo e improrrogável prazo para o atendimento das diligências requeridas pelo Ministério Público Federal, cabendo ao Estado requerente valer-se do mesmo para o

 

 

 

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aperfeiçoamento de seus deveres, na espécie, se entender mantido o seu interesse na extradição, sob pena de se ter o indeferimento do pedido formulado. 3. Questão de ordem que se resolve no sentido da conversão do feito em diligência e a definição do prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, contados da publicação desta decisão plenária, para o atendimento das exigências. (STF, PPE 623, 2010)

O Supremo Tribunal Federal já concedeu ordem de Habeas Corpus preventivo em desfavor de mandado de prisão expedido por autoridade judiciária estrangeira, em desfavor de pessoa residente no Brasil, em virtude da falta de pedido de extradição, conforme se verifica abaixo:

EMENTA: - Habeas Corpus preventivo. 2. Mandado de prisão expedido por magistrado canadense contra pessoa residente no Brasil, para cuja execução foi solicitada a cooperação da INTERPOL - Brasil. Inexistência de pedido de extradição. 3. Competência do STF - Art. 102, I, g, da Constituição Federal. 4. Em face do mandado de prisão contra a paciente expedido por magistrado canadense, sob a acusação de haver cometido o ilícito criminal previsto no art. 282, a, do Código Penal do Canadá, e solicitada à INTERPOL sua execução, fica caracterizada situação de ameaça à liberdade de ir e vir. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, concedido, para assegurar à paciente salvo conduto em todo o território nacional. Em se tratando de pessoa residente no Brasil, não há de sofrer constrangimento em sua liberdade de locomoção, em virtude de mandado de prisão expedido por justiça estrangeira, o qual, por si só, não pode lograr qualquer eficácia no país. 6. Comunicação da decisão do STF ao Ministério da Justiça e ao Departamento de Polícia Federal, Divisão da Interpol, para que, diante da ameaça

 

 

 

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efetiva à liberdade, se adotem providências indispensáveis, em ordem a que a paciente, com residência em Florianópolis, não sofra restrições em sua liberdade de locomoção e permaneça no país enquanto lhe aprouver. 7. Habeas corpus não conhecido, no ponto em que se pede a cessação imediata da veiculação dos nomes e fotografias da paciente e de seus filhos menores no portal eletrônico da Organização Internacional de Polícia Criminal (O.I.P.C.) - Interpol, porque fora do alcance e controle da jurisdição nacional, tendo sido a inclusão das difusões vermelha e amarelas, relativas à paciente e seus filhos, respectivamente, solicitadas pela IP/Ottawa à IPSC, em Lyon, França. (STF, HC 80923, 2001)

Assim, a difusão vermelha (red notice), nada mais é do que o compartilhamento de informações pela Interpol com vista à cooperação entre as polícias dos países membros. Sendo que no Brasil, os mandados devem ser devidamente cadastrado no CNJ e em seguida, encaminhado à Polícia Federal que se incumbirá de promover no sistema da Interpol, noticiando-se a ordem de prisão de determinada pessoa a todos os países membros visando a sua localização e captura. Assim, se a pessoa contra quem o mandado de prisão foi emitido ingressar em qualquer dos países que integram a Interpol, um alerta é automaticamente emitido para o país que expediu a ordem, por isso a expressão "Difusão Vermelha". A partir daí, cada país tem legislação própria quanto aos trâmites do pedido de extradição.

Para finalizar este paper, é importante mencionar que a Interpol se utiliza de vários mecanismos de cooperação entre as policias dos países membros, dentre eles as chamadas "difusões", que foram classificadas em cores, tais como: a) Difusão Vermelha: busca o cumprimento de uma ordem de prisão para fins de extradição; b) Difusão Azul: busca informações sobre pessoas que cometeram crimes; c) Difusão Amarela: busca pessoas desaparecidas ou perdidas, em razão de fato criminoso ou em caráter humanitário; d) Difusão Branca: busca a localização de

 

 

 

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objetos de alto valor roubados, incluindo obras de arte; e) Difusão Preta: busca a identificação de cadáveres.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Instrução Normativa n. 01 de 10 de fevereiro de 2010. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8592:redencao-e-maracanau-sao-campeoes-em-acordos-no-primeiro-dia-de-conciliacao-no-ceara&catid=1:notas&Itemid=169. Acesso em 10 jun. 2014.

BRASIL, Presidência da República Federativa. Código de Processo Penal - CPP - Decreto-Lei nº 3.689, 3.10.1941. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 ago. 2008. Disponivel em: . Acesso em: 10 jun. 2014.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Banco Nacional de Mandados de Prisão - BNMP - Resolução 137. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/sistemas/sistema-carcerario-e-execucao-penal/banco-nacional-de-mandados-de-prisao-bnmp. Acesso em: 10 jun. 2014.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 119056 QO, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 11-12-2013 PUBLIC 12-12-2013. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000223125&base=baseAcordaos. Acesso em 10 jun. 2014.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. PPE 623 QO, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/2010, DJe-164 DIVULG 02-09-2010 PUBLIC 03-09-2010 EMENT VOL-02413-01 PP-00131 LEXSTF v. 32, n. 382, 2010, p. 226-247. Disponível em:http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000168172&base=baseAcordaos. Acesso em: 10 jun. 2014.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 80923, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em

 

 

 

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15/08/2001, DJ 21-06-2002 PP-00097 EMENT VOL-02074-02 PP-00410. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000099057&base=baseAcordaos. Acesso em: 10 jun. 2014.

 

 

 

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EFEITOS PRECARIZANTES DO ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

MARCOS RIBEIRO DE MORAIS: Auditor-Fiscal do Trabalho. Lotado da Superintendência (SRTE) em Palmas-TO. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

RESUMO: Na busca por redução de custos e estímulo à competitividade, notadamente após a crise financeira mundial iniciada no ano de 2008, a atual organização e gestão do trabalho apresenta forte tendência de supervalorizar a produção e o lucro em detrimento dos direitos básicos e da própria dignidade do trabalhador. Nesse sentido, torna-se comum a ocorrência de assédio moral, manifestado em diversas modalidades, no seio das empresas, o que contribui de forma inexorável à degradação do meio ambiente de trabalho, causando prejuízos ao trabalhador assediado, aos colegas de trabalho e, em última análise, a própria atividade empresarial. Assim, é fundamental a adoção de práticas preventivas e de meios de combate a essa conduta aviltante aos direitos fundamentais dos trabalhadores, com espeque nas normas internacionais, constitucionais e infraconstitucionais, bem como com base no princípio da dignidade da pessoa humana.

PALAVRAS-CHAVE: Assédio moral. Meio ambiente de trabalho. Dignidade da pessoa humana.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O ambiente de trabalho e sua proteção no direito brasileiro e nas normas internacionais 3. Do assédio moral no ambiente de trabalho 3.1 Requisitos caracterizadores do assédio moral. 4. Efeitos precarizantes do assédio moral no ambiente laboral 5. Práticas preventivas e meios de combate ao assédio moral. Considerações finais. Referências bibliográficas.

 

 

 

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1. INTRODUÇÃO

A atual organização e gestão do trabalho é influenciada diretamente pela altíssima competitividade do mercado, de forma que há uma forte tendência de supervalorizar a produção e o lucro em detrimento dos direitos básicos e da própria dignidade do trabalhador.

Na busca por redução de custos e estímulo à competitividade, notadamente após a crise financeira mundial iniciada no ano de 2008, são estabelecidas condições de trabalho prejudiciais à saúde psíquica do trabalhador, caracterizadas por exigir do mesmo dedicação intensa aos interesses da empresa, forçando-o ao atingimento de metas cada vez maiores (muitas inalcançáveis), sob pena de perda do posto de trabalho, criando quase sempre um ambiente de trabalho hostil e que acarreta, por vezes, a exposição dos obreiros a um certo terror psicológico, denominado pelos estudiosos do tema de assédio moral.

Além disso, com o desenvolvimento do capitalismo e o surgimento do mundo globalizado, surge na sociedade de massas o que Theodor Adorno e Max Horkheimer (2002), sociólogos da Escola de Frankfurt, chamam de “Indústria Cultural”, que atua criando padrões de beleza, comportamentos e consumo, tendo os diversos meios de comunicação papel central na massificação dos sujeitos. Em decorrência disso, no seio das empresas, os obreiros que não se enquadram nesses padrões predeterminados, inexoravelmente sofrem assédio moral horizontal, manifestado por meio de brincadeiras desarrazoadas, apelidos e isolamento por parte dos colegas de trabalho.

Assim, o fenômeno do assédio moral tornou-se comumente presente no seio das empresas, dos mais variados ramos econômicos, manifestando-se de diversas formas ou modalidades,

 

 

 

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sendo certo que todas elas contribuem para a degradação do meio ambiente do trabalho, conforme será demonstrado.

Assim, é necessário fazer, mesmo que de forma perfunctória, uma explanação inicial sobre o conceito de meio ambiente laboral, bem como sobre a proteção que a este é dada pelo ordenamento jurídico interno e internacional. Ademais, será demonstrado que as condutas assediantes afrontam diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 3º, III, Constituição Federal).

Ato contínuo, serão identificados o conceito de assédio moral, os requisitos caracterizadores e as modalidades possíveis de sua ocorrência.

Serão analisados os efeitos precarizantes que decorrem do assédio moral no ambiente de trabalho, e os consequentes danos à saúde física e psíquica do assediado. Em sede de conclusão, será feita a fundamental e necessária abordagem das práticas preventivas e meios de combate a essa conduta aviltante aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

2. O AMBIENTE DE TRABALHO E SUA PROTEÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO E NAS NORMAS INTERNACIONAIS

O assédio moral é um dos principais males que assola o mercado de trabalho nos dias hodiernos, bem como é um dos meios de degradação do meio ambiente de trabalho.

O ambiente de trabalho é espécie do qual o meio ambiente é gênero. Pode-se conceituar o meio ambiente de trabalho, nos dizeres de Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2013, p.53), como o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas à sua saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de

 

 

 

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agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem.

A Constituição Federal de 1988 elevou o meio ambiente à categoria de direitos fundamentais ao resguardá-lo em vários dispositivos constitucionais. Em seu artigo 225, caput, a Constituição Federal estendeu a todos o direito ao meio ambiente equilibrado e que é essencial a qualidade de vida das pessoas, sendo dever do Poder Público e de toda a sociedade proteger o meio ambiente e preservá-lo não só para essa geração, mas para as futuras também. Portanto, há uma tutela direta ao meio ambiente, inclusive ao meio ambiente de trabalho, tendo em vista que o meio ambiente de trabalho é o local onde o homem passa a maior ou grande parte da sua vida produtiva, e essa tutela tem por escopo salvaguardar a dignidade e o bem estar dos trabalhadores para que estes tenham maior qualidade de vida.

Além disso, dispõe a Constituição Federal em seu artigo 200, inciso VIII, que compete ao sistema único de saúde colaborar na proteção do meio ambiente, dentre os quais está compreendido o meio ambiente de trabalho, fazendo com que este receba tutela imediata.

Ainda nesse sentido, a Carta Magna, em seu artigo 1º, inciso IV, enuncia como fundamento da República Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, corroborando o entendimento de que o trabalho, inclusive o meio ambiente em que este se desenvolve, deve ser protegido e preservado, pois se trata de uma das bases que fundamentam a nossa ordem jurídica.

Ademais, é imprescindível destacar que todos esses dispositivos mencionados têm como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana que se encontra igualmente no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e é na verdade um super-princípio, regente de todo o ordenamento jurídico, que revela a

 

 

 

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singularidade de cada ser humano. Portanto, a dignidade abrange tanto a pessoa do trabalhador, como o ambiente em que ele desenvolve as suas atividades, devendo receber proteção nesses dois aspectos.

Cabe ressaltar que há previsão expressa na Constituição no que se refere aos adicionais de insalubridade e periculosidade, conforme o artigo 7º, inciso XXII, CF/88 que reza sobre a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, inciso XXII, da CF/88). Dentre essas normas que tratam sobre a saúde, higiene e segurança do trabalho tem-se a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Apesar de a CLT possuir dispositivos que protegem o trabalhador contra condutas nocivas do empregador, tais como o assédio moral, esta não possibilita a perfeita adequação de todas as hipóteses de manifestação do assédio moral e, de igual modo, não estabelece expressamente uma efetiva responsabilização para o assediador. Não obstante, pautado no princípio protetivo que é característico do ramo laboral, bem como por meio da utilização subsidiária, por força do art. 8º da norma consolidada, dos arts. 186, 187 e 932, III, do Código Civil, é plenamente possível a responsabilização civil do empregador em face da ocorrência de condutas assediantes.

Existem ainda normas internacionais, principalmente as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que instituem normas e mecanismos de compromisso dos países signatários para fins de proteção do meio ambiente de trabalho.

De acordo com Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2012, p.1054), o Tratado de Versailles, de 1919, ao criar a Organização Internacional do Trabalho, incluiu na sua competência a proteção contra os acidentes de trabalho e as doenças profissionais, cujos riscos devem ser eliminados, neutralizados ou reduzidos por

 

 

 

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medidas apropriadas da engenharia de segurança e da medicina do trabalho.

A título de exemplo, dentre outras, pode-se citar as seguintes convenções da OIT que tratam da proteção do meio ambiente de trabalho:

- Convenção 12, de 1921, sobre acidentes do trabalho na agricultura;

- Convenção 17, de 1925, referente à indenização por acidente de trabalho;

- Convenção 18, de 1925, referente à indenização por enfermidades profissionais;

- Convenção 155, de 1981, referente à segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho;

- Convenção 161, de 1985, referente a serviços de saúde no trabalho.

- Convenção 167, de 1988, sobre segurança e saúde na construção.

Assim, percebe-se que a proteção ao meio ambiente de trabalho saudável, tem sido preocupação não só do constituinte e do legislador infraconstitucional, mas também do direito internacional. Nesse sentido, o assédio moral, como mecanismo de degradação do meio ambiente de trabalho, deve ser combatido utilizando-se de todos os instrumentos normativos disponíveis.

3. DO ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

 

 

 

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O assédio moral ainda é de certo modo um fenômeno desconhecido por boa parte da sociedade, dos empregadores e até mesmo dos operadores do direito. Pode-se dizer que o assédio moral, em muitos casos, mostra-se presente de forma velada no contexto diário do ambiente empresarial, o que o torna de difícil visualização aos leigos em relação a esse universo temático. Inicialmente, para que seja possível identificá-lo, faz-se necessário apresentar a sua devida conceituação.

Segundo a doutrina de Marie-France Hirigoyen (2011, p.65), referência sobre o tema e citada por diversos autores, o assédio moral pode ser conceituado como “qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”.

Observa-se na doutrina e na jurisprudência uma certa variação em termos etimológicos para o assédio, na maioria das vezes toma-se por base estudos no campo da psicologia e outros doutrinários multidisciplinares, com o fito de se chegar a um conceito jurídico para o assédio moral.

Assim, há várias expressões estrangerias para se referir ao fenômeno do assédio moral. O termo usado para a prática de assédio moral na língua inglesa é bullying, termo que tem sido muito utilizado pelos meios de comunicação pátrios ultimamente para se referir aos casos de assédio moral no ambiente escolar.

Por outro lado, a expressão consagrada e usada na Alemanha, Itália e França é “mobbing”. Essa expressão é utilizada para caracterizar o comportamento agressivo de uma bando de animais em relação a outro animal intruso que eles pretendem excluir. Quando se leva esse termo mobbing para o ambiente de trabalho, o que ocorreu por influência do italiano Horald Ege, a

 

 

 

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expressão significa todos os atos e comportamentos de superiores hierárquicos ou de colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes as condições físicas, psíquicas e morais do obreiro assediado.

Sônia Mascaro Nascimento (2011), utiliza a expressãoBossing como sinônimo para o assédio moral vertical descendente, que é o praticado por um superior hierárquico em relação a um de seus empregados subordinados.

Há ainda quem utilize a expressão Straining, mais relacionada ao abuso de prerrogativas diretivas por parte do empregador, que se manifesta pela exigência de metas de produtividade e padrões de desempenho exacerbados. É o que a doutrina especializada tem chamado de “gestão por estresse”, que na verdade seria uma versão qualificada de assédio moral organizacional.

Apesar de o fenômeno do assédio moral não possuir uma única expressão e conceito, existe uma percepção clara e definida de que o trabalhador assediado é atingido na sua dignidade humana, por causa das perseguições que sofre das mais diversas formas, de forma sistemática e reiterada, culminando a sua autoestima, fazendo-o se sentir deslocado e humilhado no próprio ambiente de trabalho.

Além disso, o assédio moral tem como característica ser uma violência um tanto sutil, e, portanto, não evidente, de difícil percepção, mas que tem grande potencial de prejudicar a vida do trabalhador em todos os aspectos por ser altamente devastador. Por isso é que a prática de forma reiterada e sistemática de, por exemplo, agressões verbais, agressões físicas, gestos, entre outros, acabam por compor a agressão.

 

 

 

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Não se tem como determinar os motivos que levam à prática desse terror psicológico, podendo ser por motivos pessoais, quando o assediador se sente ameaçado pela competência e capacidade da sua vítima ou até mesmo patológicos. Ademais, pode ocorrer também por motivos discriminatórios ou com o intuito de acuar os empregados com expressiva força de influência no meio dos outros empregados, seja por sua atuação sindical ou como membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho (CIPA).

De acordo com o desembargador do TRT do Estado do Espírito Santo (22ª Região), Cláudio Armando Couce de Menezes (2003), as formas de manifestação do assédio moral variam conforme os diferentes meios sociais e atividades profissionais. No setor de produção, a violência é expressa de maneira mais clara, podendo ser verbal ou física. Enquanto que, em um nível sociocultural mais elevado as agressões são mais ‘sofisticadas’, sutis, perversas e muito mais difíceis de serem caracterizadas.

3.1. REQUISITOS CARACTERIZADORES DO ASSÉDIO MORAL

Conforme leciona Maria Aparecida Alkimin (2013, p.41), para que se caracterize o assédio moral é imprescindível a presença dos seguintes elementos: conduta degradante, reiteração e sistematização da conduta, e a nítida finalidade excludente.

No caso da conduta degradante não é possível delimitar as ações que possam tipificar a conduta do assédio moral, tendo em vista que este pode se manifestar através de uma gama interminável de atitudes, como por exemplo, palavras, atos e gestos que sejam capazes de atingir à integridade físico-psíquica do assediado. Portanto, para que uma conduta (ação ou omissão) seja considerada como instrumento para a prática do assédio moral, é necessário que esta venha degradar o clima no ambiente de trabalho e venha causar danos de níveis emocionais e até físicos,

 

 

 

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atingindo a saúde como um todo do empregado. Condutas essas consideradas insuportáveis pelo que se entende por “homem médio”, ou seja, o indivíduo comum.

Outro requisito é a reiteração de conduta. Para que a conduta degradante se caracterize como assédio moral, não se pode apresentar como um fato isolado, decorrentes de alguma indisposição pontual ou de um mal-entendido. É importante ressaltar que, em pese haver uma certa divergência doutrinária, em regra, uma única agressão pontual não pode ser considerada ou confundida com o assédio moral, diferente do que ocorre com o assédio sexual, tipificado no art. 216-A do Código Penal, e que pode ser caracterizado por qualquer constrangimento de cunho libidinoso, mesmo que por um único ato atentatório.

Destarte, via de regra, o assédio moral se consubstancia através de atos reiterados e sistemáticos. Nesse sentido, alguns doutrinadores, defendem que para se dar a caracterização do assédio moral, o ataque deve ocorrer pelo menos uma vez por semana e numa frequência de seis meses de duração, tempo necessário, na visão desse autor, para a manifestação dos sintomas do assédio moral, seja na saúde ou no ambiente de trabalho. Com a devida vênia, acredita-se que não se pode criar um fórmula estanque ou mesmo matemática para fins de verificação desse fenômeno, o que há são elementos comuns, balizas que auxiliaram na configuração que deverá sempre analisar os aspectos peculiares do caso concreto. Portanto, defende-se que cada caso deve ser analisado de forma individualizada e com suas peculiaridades. Dessa forma, entende-se que o que realmente é relevante é a repetição da conduta capaz de degradar o ambiente de trabalho onde a vítima está inserida.

Outro elemento apontado pela doutrina como caracterizador do assédio moral é a finalidade excludente da vítima. Isso porque, é inerente à ideia de assédio moral a desqualificação, exclusão, o

 

 

 

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prejuízo causado ao assediado. Uma outra característica ainda citada por alguns autores, como Sônia Mascaro Nascimento (2011, p. 138), é o dano psíquico-emocional. Defende essa autora a apresentação do laudo médico para a comprovação do dano sofrido, com o fim de se obter a indenização por assédio moral. Não obstante, entende-se que o dano psíquico-emocional é uma das consequências decorrentes da lesão sofrida, podendo ocorrer ou não, já que isso depende da resistência de cada pessoa, e não um pressuposto para compor mais uma característica do assédio moral.

Por todo o exposto, percebe-se que o direito que é violado pelo assédio moral não é possível de ser delimitado e mensurado, não sendo também possível a exigência da comprovação da lesão e dos danos sofridos, cabendo somente a comprovação da ocorrência dos fatos.

Nesse sentido, tem se manifestado parte da jurisprudência, inclusive dos Tribunais Superiores. Vejam-se alguns julgados:

DANO MORAL - PROVA. Não se exige a prova efetiva do dano produzido ao psiquismo da vítima ou à sua honra subjetiva, dada a dificuldade de se constatar abalos dessa ordem. Todavia, os fatos potencialmente lesivos à esfera moral do indivíduo, ou seja, aqueles invocados como suporte do dano e da indenização consequente, de cuja mera ocorrência possibilitam, com grande segurança, concluir pela existência de dano moral (como a morte, o assédio moral, a lesão incapacitante, a ofensa grave etc.), estes devem ser provados robustamente. (Acórdão n.º: 20070131567 Processo TRT/SP n. 02220200406502004, Recurso Ordinário -65 VT de São Paulo).

 

 

 

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Do Tribunal Superior do Trabalho (TST) transcreve-se:

DANO MORAL DEMONSTRAÇÃO. DOENÇA PROFISSIONAL. CARACTERIZAÇÃO. I - O dano moral prescinde de prova da sua ocorrência, em virtude de ele consistir em ofensa a valores humanos, bastando a demonstração do ato em função do qual a parte diz tê-lo sofrido. II - Por isso mesmo é que em se tratando de infortúnio do trabalho há de se provar que ele, o infortúnio, tenha ocorrido por dolo ou culpa do empregador, cabendo ao Judiciário se posicionar se o dano dele decorrente se enquadra ou não no conceito de dano moral. III - É certo que o inciso X do artigo 5º da Constituição elege como bens invioláveis, sujeitos à indenização reparatória, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. IV - Encontra-se aí subentendida, no entanto a preservação da dignidade da pessoa humana, em virtude de ela ter sido erigida em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a teor do artigo 1º, inciso III da Constituição. V -Significa dizer que a norma do inciso X do artigo 5º da Carta Magna deve merecer interpretação mais elástica a fim de se incluir entre os bens ali protegidos não só a honra e a imagem no seu sentido mais estrito, mas também seqüelas psicológicas oriundas de ato ilícito, em razão de elas, ao fim e ao cabo, terem repercussões negativas no ambiente social. VI - Constatado ter o recorrido adquirido hérnia de disco em conseqüência das condições agressivas do trabalho executado, em função da qual se extrai

 

 

 

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notório abalo psicológico e cabrunhamento emocional, tanto quanto irrefutável depressão por conta do confinamento das possibilidades de inserção no mercado de trabalho, impõe-se a conclusão de achar-se constitucionalmente caracterizado o dano moral (grifei). (Recurso conhecido e desprovido. TST. 4ª Turma. RR n.449/2004-561-04-00.9, Rel. Ministro Barros Levenhagen, DJ 19.12.2006.)

Do Superior Tribunal de Justiça (STJ) destaca-se as seguintes ementas:

Como se trata de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Por outras palavras, o dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado, decorre da gravidade do ilícito em si, sendo desnecessária sua efetiva demonstração, ou seja, como já sublinhado: o dano moral existe in reipsa. Afirma Ruggiero: “Para o dano ser indenizável, 'basta a perturbação feita pelo ato ilícito nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos, nos afetos de uma pessoa, para produzir uma diminuição no gozo do respectivo direito. (STJ. 1ª Turma. Resp n. 608.918, Rel.: Ministro José Delgado, DJ 21.06.2004).

Para a indenização por dano moral motivada por doença profissional, bastante a prova do fato, do qual decorre, no caso, a óbvia repercussão psicológica sobre a trabalhadora que se vê atingida e frustrada em face da sua

 

 

 

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incapacidade para continuar exercendo a atividade laboral para a qual se preparou e concretamente desempenhavaintegrada à classe produtiva de seu país. (grifei). (STJ 4ª Turma. Resp n. 329.094/MG, Rel.: Ministro Aldir Passarinho Junior, RSTJ, v. 15, n.163, p.388, DJ 17.06.2002).

Vistos os requisitos caracterizadores do assédio moral, é necessário tecer breves comentários sobre as modalidades dessa condutas.

Comumente divide-se o assédio moral em assédio vertical (ascendente ou descendente) ou assédio horizontal. O assédio vertical descendente é aquele praticado por um superior hierárquico contra um de seus subalternos. Já o assédio vertical ascendente, como o próprio nome já diz, é o praticado por um subordinado hierarquicamente inferior contra o seu chefe. Essa modalidade, na prática, é rara ocorrência, mas se mostra possível, sobretudo envolvendo chefias imediatas mais modestas. Por sua vez, o assédio moral horizontal é aquele praticado por colegas de profissão do mesmo nível hierárquico. Essa modalidade é corriqueiramente encontrada no seios das empresas e demanda uma postura proativa por parte dos empregadores para inibí-la, principalmente por meio de campanhas de conscientização e implementação de códigos de ética e boas práticas empresariais.

4. EFEITOS PRECARIZANTES DO ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE LABORAL

As consequências geradas pelo assédio moral não afetam tão somente o empregado, seja no aspecto pessoal ou profissional, mas também afetam o empregador, trazendo prejuízos financeiros, em razão da queda da produtividade, do alto índice de absenteísmo e pagamento de indenizações, além dos prejuízos que afetam a

 

 

 

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coletividade, já que o Estado também acaba arcando com o tratamento de saúde do assediado, o seguro desemprego e até mesmo a aposentadoria precoce.

Em razão desse tipo de conduta ilícita, que diuturnamente ocorre no seio das empresas e acarreta seríssimos prejuízos aos cofres da Previdência Social, é que a Advocacia Geral da União tem proposto ações regressivas, como informa Frederico Amado (2014, p.272/274), com base no artigo 120, da Lei 8.213/91, contra os empregadores para que sejam ressarcidas as despesas com benefícios previdenciários no caso de acidentes e eventos equiparados que ocorram por culpa do empregador, como ocorre com as doenças incapacitantes provocadas pelo assédio moral, que são consideradas doenças do trabalho e equiparadas a acidente de trabalho.

Os artigos 120 e 121, da lei 8.213/91, dispõem que nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis. Ressalte-se assim, que o pagamento das prestações previdenciárias por acidente de trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem.

A fadiga, a baixa autoestima e o estresse decorrentes do assédio moral, geram prejuízos no desempenho das funções da vítima, já que a mesma se encontra lesionada em sua estrutura físico psíquica não sendo possível, portanto, desempenhar suas atividades com êxito. De acordo com Maria Aparecida Alkimin (2013, p.83), por causa da insatisfação que é gerada no ambiente de trabalho, alguns assediados fazem a opção de romper o vínculo empregatício. Por outro lado, outros suportam os danos para permanecerem no emprego, haja vista o temor de ficarem desempregados.

 

 

 

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É interessante destacar que as vítimas que preferem suportar as agressões em silêncio, tendem a se dedicarem com mais intensidade às atividades desempenhadas na empresa, ficando dessa maneira, mais vulneráveis a adquirir uma doença psicossomática, chamada síndrome de burnout, que brota do desgaste mental e físico, por causa da grande carga de trabalho.

Logicamente que a empresa tende a perder na produtividade e, consequentemente nos lucros, já que o funcionário necessitará de afastamentos constantes para tratamento de saúde, pois a vítima de assédio moral não consegue ter tranquilidade e equilíbrio para desempenhar bem as suas atividades dentro da empresa. Além disso, a empresa precisará substituir o empregado assediado que se encontra afastado, o que gera aumento de despesas, tendo em vista que, além dos encargos trabalhistas, o novo funcionário precisará de qualificação e preparação.

A ocorrência do assédio moral conduz a um ambiente de trabalho hostil, em que não há respeito entre os colegas de trabalho, e isso atinge não só o trabalhador assediado, que sem dúvidas é o prejudicado direto, mas também os demais obreiros (prejuízo indireto).

Conforme Alkimin (2013, p.83), o assédio moral é um dos maiores fatores do stress profissional que, por sua vez, pode evoluir para desencadear diversos danos psíquicos no trabalhador como melancolia, depressão, e até mesmo danos à saúde física, como problemas nos sistemas nervoso, digestivo e circulatório, enxaquecas, cefaléias, distúrbios de sono, entre outros que podem trazer consequências traumáticas e até mesmo uma desestabilização permanente.

Nesse sentido, acompanhando as notícias postadas diariamente no site do Tribunal Superior do Trabalho (TST), pode-se encontrar diversas matérias sobre condenações de empresas

 

 

 

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em razão da constatação de prática do assédio moral em suas diversas facetas. A título de exemplo, colaciona-se interessante notícia veiculada no dia 08/05/2015 sobre a condenação do Banco Itaú Unibanco a pagar uma indenização por danos morais em razão de uma ex-gerente ter adquirido a síndrome de burnout,transtorno psicológico comentado linhas atrás, e em muitos casos, intimamente relacionado ao assédio moral:

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) aumentou para R$ 60 mil o valor da indenização a ser pago a uma ex-gerente operacional do Banco Itaú Unibanco S.A que foi diagnosticada e afastada pelo INSS com a síndrome de burnout, transtorno psicológico provocado por esgotamento profissional decorrente de estresse e depressão prolongados. Para o ministro José Roberto Freire Pimenta, relator do processo,a patologia representa prejuízo moral de difícil reversão, mesmo com tratamento psiquiátrico adequado.

Depois de mais de 26 anos prestando serviços ao Banco Banestado S.A e posteriormente ao sucessor Itaú Unibanco S.A., a trabalhadora passou a apresentar humor depressivo, distanciamento dos colegas e desinteresse gradual pelo trabalho. Na reclamação trabalhista, afirmou que, ao invés de adotar políticas preventivas, o banco impunha metas de trabalho progressivas e crescentes, estipulava prazos curtos e insuficientes para a realização de várias atividades simultâneas e cobrava outras medidas que fizeram com que,

 

 

 

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ao longo dos anos, seu trabalho se tornasse "altamente estressante" e nocivo à saúde. (...)

Com base no laudo pericial que constatou o nexo causal do transtorno com a prestação de serviços e em depoimentos testemunhais, a sentença da Vara do Trabalho de União da Vitória (PR) reconheceu a culpa exclusiva do Itaú e o condenou ao pagamento de R$ 30 mil de indenização. O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, ao analisar recurso empresarial, reduziu o valor para R$ 10 mil.

No TST, o ministro José Roberto Freire Pimenta entendeu que o valor arbitrado não atendeu à gravidade do distúrbio psicológico da trabalhadora. "É um longo período de afastamento do trabalho, com a concessão de benefício acidentário pelo INSS e o consumo de medicamentos antidepressivos, além de dois laudos periciais reconhecendo que a incapacidade laboral é total, a doença é crônica e não há certeza sobre a possibilidade de cura," destacou.

Ao aumentar a indenização para R$ 60 mil, ele explicou que a reparação deve ser imposta levando-se em consideração a gravidade do ato lesivo praticado, o porte econômico do empregador, a gravidade da doença e a necessidade de induzir a empresa a não repetir a conduta ilícita. A decisão foi por maioria, vencido o ministro Renato Lacerda Paiva, que votou pelo restabelecimento do valor fixado em sentença. (grifos nossos).

 

 

 

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Ademais, percebe-se que são muitos os efeitos precarizantes causados pelo assédio moral, tais como sentimentos gerados no assediado de indignidade, inutilidade e desqualificação, atingindo, dessa forma, diretamente a auto estima do empregado. Ainda faz com que o trabalho seja visto e encarado por parte do trabalhador não mais como uma fonte de satisfação e dignidade.

A baixa auto estima pessoal e profissional tende a se agravar quando a vítima estiver em uma situação de desemprego, já que o dano sofrido na sua saúde mental e física conduz ao trauma, que, por sua vez, leva à insegurança e perda da autoconfiança, prejudicando a vítima do assédio moral numa nova colocação no mercado de trabalho.

Por isso mesmo, os tribunais trabalhistas tem combatido e condenado as empresas que cometem tal ilícito, com sentido bastante elucidativo sobre tema apresenta-se o julgado abaixo:

ASSÉDIO MORAL - CONTRATO DE INAÇÃO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por conseqüência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer

 

 

 

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trabalho, fonte de dignidade do empregado." (TRT - 17ª Região - RO 1315.2000.00.17.00.1 - Ac. 2276/2001 - Rel. Juíza Sônia das Dores Dionízio - 20/08/02, na Revista LTr 66-10/1237).

Cabe ressaltar que essas consequências do assédio moral também abalam o convívio familiar e social do trabalhador. Portanto, o assédio moral atenta contra a própria dignidade da pessoa humana, super-princípio do ordenamento jurídico, reconhecido em diversos documentos internacionais, em constituições e nas leis infraconstitucionais, bem como na jurisprudência dos tribunais pátrios.

A dignidade da pessoa humana constitui-se em um valor (no sentido axiológico) e um princípio (em termos deontológicos). Em termos de abrangência conceitual representa as condições mínimas para que os indivíduos tenham uma existência digna e implica na garantia de fruição de um complexo de direitos fundamentais. Só através da garantia desses direitos ou condições mínimas é que o ser humano pode desenvolver suas potencialidades. Nenhum outro interesse econômico ou individual escuso pode ser admitido como forma de ferir a dignidade do trabalhador, pois como dizia o filósofo Kant, “tudo tem um preço ou uma dignidade: aquilo que tem preço é substituível, já aquilo que não admite preço, possui uma dignidade”.

Por último, reafirmando todas as constatações expostas, percebe-se que o assédio moral é um problema que afeta não apenas o assediado, mas também a própria empresa, prejudicando o seu meio ambiente laboral e, consequentemente, toda a cadeia produtiva. Assim, é imprescindível a adoção de práticas preventivas e mecanismos de combate contra todas as formas de assédio moral.

 

 

 

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5. PRÁTICAS PREVENTIVAS E MEIOS DE COMBATE AO ASSÉDIO MORAL

A Prevenção do assédio moral é de suma importância para dar maior visibilidade social a esse fenômeno precarizante da saúde do obreiro no meio ambiente de trabalho.

As formas de prevenir o assédio moral podem ser adotadas no âmbito das empresas através da capacitação dos trabalhadores por meio de palestra de conscientização e criação de códigos de ética e de boas condutas.

Ademais, é de fundamental importância, principalmente para identificação dos efeitos deletérios do assédio, a atuação compromissada dos médicos do trabalho e demais integrantes do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), para as empresas que o possuem (consoante Norma Regulamentadora- NR n. 04), bem como com o auxílio da Comissão Interna de Prevenção à Acidentes (CIPA), regulada pela NR-05, e pelas instituições representativas dos trabalhadores, notadamente os sindicatos representativos da categoria e das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE).

A CIPA é uma comissão paritária que atua por meio de seus representantes, inclusive contando os representantes do empregados com estabilidade provisória por expressa previsão constitucional (artigo 10º, II, “a” dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias-ADCT) e legal (art. 165 da CLT), na verificação das condições e riscos presentes nos ambientes de trabalho, podendo solicitar a adoção de medidas que previnam acidentes semelhantes. Ressalte-se que a atuação da CIPA coordenada com os profissionais do SESMT e, se possível, com o próprio empregador é fundamental para um ambiente laboral saudável.

 

 

 

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Além disso, o setor de recursos humanos também tem um papel fundamental no sentido de esclarecer os gestores e empregados sobre ocorrências de casos de assédio moral, e adotando uma postura de intermediador de conflitos.

No âmbito externo às empresas há várias formas de prevenção do assédio moral, podendo-se destacar o papel dos Auditores-Fiscais do Trabalho, vinculados às Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego dos respectivos estados da federação e que atuam na fiscalização das empresas, e o papel dos sindicatos representativos da classe.

No que se refere às Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE), as mesmas têm o importante dever (art. 156 da CLT) de fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, sendo que, caso os auditores-fiscais verifiquem que o ambiente de trabalho está sendo degradado, os mesmos têm a competência legal para impor as penalidades competentes, evitando-se que estas se repitam.

Há de ressaltar, outrossim, a relevância da participação dos sindicatos na prevenção ao assédio moral. Conforme ressalta Sônia Mascaro Nascimento (2011, p.114), os sindicatos representativos da classe tem o relevante poder de incluir cláusulas em acordos coletivos, verdadeiros instrumentos normativos dotados de força e reconhecimento constitucional para negociar melhores condições de trabalho. No mesmo sentido afirma Amauri Mascaro Nascimento (2000, p.86):

As convenções coletivas de trabalho desempenham papel impulsionador da lei, uma vez que diversos direitos trabalhistas nascem daquelas e depois passam para esta”. (...) Permitem ajuste de detalhes inadequados para a lei. Como forma consensual, são dotadas de

 

 

 

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maior eficácia e simplificação. Ainda, as convenções coletivas de trabalho são dotadas de efeito normativo e obrigacional sobre as entidades signatárias.

Destarte, é plenamente possível e recomendável que as convenções e acordos coletivos de trabalhado contenham cláusulas proibitivas e com previsão de responsabilização para os praticantes de condutas assediantes e também contenham regras a respeito de medidas preventivas.

Ademais, de acordo com informações fornecidas por Sônia Mascaro Nascimento (2011, p.114), no plano internacional a prevenção do assédio moral no ambiente de trabalho tem sido objeto de estudos e trabalhos. Nesse sentido, em pesquisa conjunta realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a respeito de assédio moral dentre os profissionais de saúde, constatou-se que na maioria dos países estudados, não havia políticas no local de trabalho para prevenir e punir o assédio moral.

No âmbito da legislação interna, diferente do que ocorre com o assédio sexual, que é tipificado como crime no art. 216-A do Código Penal, a situação não é diferente da constatada pela OIT e pela OMS. Isso porque a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não possui dispositivos específicos voltados à proteção preventiva de fenômenos de caráter psicológico como o assédio moral. Fato que ocorre em razão do diploma consolidado data da década 40, época em que a principal preocupação do legislador se dirigia à proteção de um rol mínimo de direitos essencialmente ligados ao salário e à integridade física do empregado, e não a sua integridade mental. Percebe-se que nesse campo há a necessidade de uma evolução legislativa para acompanhar os novos fatos sociais.

 

 

 

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Ainda em termos de instituições essenciais ao combate do fenômeno assediante, não se deve deixar de ressaltar a relevada importância do Ministério Público do Trabalho (MPT) no combate ao fenômeno do assédio moral. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF). Percebe-se portanto, que o “parquet laboral”, na nova ordem constitucional, foi alçado à condição defensor e efetivador dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Ademais, pelo seu escopo constitucional, tem vocação impar para atuar no combate ao fenômeno do assédio moral de forma não limitada ao caso particular de um determinado empregado, mas na defesa de direitos individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos. Isso significar dizer que por meio de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) ou por meio de uma única ação civil pública o Ministério Público do Trabalho, ramo do Ministério Público da União com atribuições para atuação em questões relacionadas ao meio ambiente de trabalho e perante à Justiça do Trabalho, pode obter, para além da tutela ressarcitória, uma tutela inibitória, manifestada por meio de obrigação de fazer ou não fazer, para que as empresas ou empregadores que se utilizam de meios assediantes sejam compelidas a adequar a sua conduta de forma definitiva.

Assim, uma vez que o assédio moral ofende os direitos da personalidade do trabalhador, direitos estes que se caracterizam por serem inerentes a pessoa humana, tais com a integridade física e moral, a vida privada, a honra, todos tutelados pelo art. 5º da Constituição Federal como direitos fundamentais, tais condutas demandam atuação incisiva por parte do MPT.

Os direitos fundamentais são dotados de eficácia plena e aplicabilidade imediata (art. 5°, §1°,CF), e aplicam-se não só na

 

 

 

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relação particular-Estado, mas também nas relações privadas. Isso decorre da dimensão objetiva de direitos fundamentais, já que, ao eleger os valores fundamentais da sociedade brasileira, o constituinte não fez distinção quanto a sua aplicação. Ao contrário, em razão de sua forte essencialidade, deve ter sua amplitude potencializada. Trata-se da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também chamada de Drittwirkung, no direito alemão.

Portanto, a violação desses direitos da personalidade do trabalhador assediado, que juntamente com outros direitos fundamentais constituem, nos dizeres do Ministro do TST Maurício Godinho Delgado (2015, p.1487), o “patamar civilizatório mínimo”, gera direito à indenização por danos morais individuais e coletivos, nos termos do art. 5°, incisos V e X da Constituição Federal.

Em que pese a questão do dano moral individual ser afeta ao direito civil, enquadrando-se o assédio moral no conceito de ato ilícito previsto no art. 186 do Código Civil, aplicável ao direito do trabalho por força do art. 8º da CLT, este decorre de uma relação de trabalho, restando hialino que a competência para processar e julgar tais demandas é da Justiça do Trabalho.

Não por outra razão, em 2009 o Supremo Tribunal Federal publicou a Súmula-Vinculante n. 22, que dispõe:

A JUSTIÇA DO TRABALHO É COMPETENTE PARA PROCESSAR E JULGAR AS AÇÕES DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO PROPOSTAS POR EMPREGADO CONTRA EMPREGADOR, INCLUSIVE AQUELAS QUE AINDA NÃO POSSUÍAM SENTENÇA DE MÉRITO EM PRIMEIRO GRAU QUANDO DA

 

 

 

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PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04.

Portanto, não há dúvidas quanto à competência material da justiça laboral para o julgamento de pedidos de dano moral decorrentes da relação de trabalho.

Por fim, ressalte-se ainda que sob o ângulo das relações de emprego, todas as condutas caracterizadoras do assédio moral podem configurar grave violação do empregador às obrigações legais e contratuais, legitimando a rescisão indireta do contrato de trabalho por justa causa ou falta grave do empregador, na esteira do art. 483 da CLT.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O assédio moral, mais do que uma questão meramente individual, deve ser encarado como um problema social grave, que afeta a dignidade do trabalhador assediado, sua vida social, profissional e até mesmo familiar.

No decorrer do presente artigo ficou demonstrado que com a moderna organização do trabalho, o fenômeno do assédio moral tornou-se comum no seio das empresas, dos mais variados ramos econômicos, manifestando-se de diversas formas ou modalidades e contribuindo para a degradação do meio ambiente do trabalho.

Assim, em consonância com o super-princípio da dignidade da pessoa humana, erigido pela nova ordem constitucional como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal), o assédio moral deve ser encarado como um atentando à dignidade do trabalhador, pois atinge os direitos da personalidade do obreiro e por isso deve ser combatido pelas empresas, através de um trabalho coordenado entre todos os obreiros e seu corpo profissional especializado (notadamente os

 

 

 

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membros da CIPA e do SESMT), pelos sindicatos, pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social (antigo Ministério do Trabalho e Emprego- MTE) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

Por fim, registre-se que, apesar de o assédio moral ser um assunto bastante abordado ultimamente, ainda há um vasto campo temático a ser explorado. Espera-se que, de alguma forma, o presente artigo contribua para a disseminação do estudo desse fenômeno precarizante do meio ambiente de trabalho, a sua correta identificação e, sobretudo, adoção de meios de prevenção e de combate.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2013.

AMADO, Frederico. Direito Previdenciário: coleção sinopses para concursos. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do trabalho, 14. Ed. LTR, São Paulo: 2015.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 14 ª Ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva 2013.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 6 ª Ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2012.

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Tradução de Maria Helena Kühner. 13. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Assédio Moral e seus efeitos jurídicos. Juris Síntese, nº 41 - MAI/JUN de 2003. Disponível em:http://oposicaopetroleira.webnode.com.br/products/assedio-moral-e-seus efeitos-juridicos-claudio-armando-couce-de-menezes/> acesso em 19 out. 2015.

NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio Moral. 2. ed. São Paulo: Ed. Saraiva 2011.

 

 

 

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NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho, 26 ed. São Paulo: Ltr, 2000.

 

 

 

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RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM CONTRATOS DE EDIÇÃO E TRADUÇÃO

LEANDRO ROMEO PECCEQUILLO FREIRE: Bacharel em Ciências Sociais pela USP (2008). Bacharelando em Direito pelo Mackenzie (formatura em 12/2015)

SUMÁRIO: Parte I Introdução. Capítulo I - Editoração e Tradução perspectiva legal. Capítulo II - Os Contratos de Editoração e suas especificidades. Capítulo III - A responsabilidade Civil nos Contratos de Editoração e Tradução. CONCLUSÃO – Contratos de Edição e Tradução e Responsabilidade Civil. Bibliografia.

Capítulo I - Contratos de Edição e Tradução sob a perspectiva da Responsabilidade Civil

Introdução

O presente trabalho visa trazer à tona questões relativas aos contratos e responsabilidade civil, em especial no que tange aos Contratos de Edição e Tradução. Em suma pretende-se verificar os principais institutos que abrangem a temática proposta, bem como as aplicações práticas das controvérsias que necessitam da tutela jurisdicional do Estado.

Nesta índole, verificar-se-á quais os fundamentos e especificidades do tipo de Contrato de Edição e Tradução, verificando as peculiaridades em legislação extravagante que regulamenta o tema, qual seja a lei de Direitos Autorais Lei 9.619/98; bem como sua cominação legal.

A seguir, discorreremos sobre Contratos inserida no contexto da legislação pertinente do Código Civil, e verificando o enquadramento legal do tema, sob a édige da Responsabilidade Civil em especial a de caráter Contratual.

 

 

 

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Por fim analisaremos o encaixe da temática dentro do programa do curso de Responsabilidade Civil, Apresentando, por conseguinte, breve conclusão.

No intuito de aprofundar o tema sob uma perspectiva prática, analisaremos um Acórdão, escolhidos entre outros 10 Acórdãos sobre o tema. Tal procedimento visa ampliar o debate acerca das questões comumente encontradas nas relações negociais que abrangem o tema e analisar como se dá a interpretação jurisprudencial a esse respeito.

No mais, em pesquisa quanto as discussões nas jornadas de Direito Civil , não se encontra qualquer enunciado que se relacione ao tema proposto, de modo que não discorreremos neste sentido.

Parte I -Editoração e Tradução perspectiva legal.

Os contratos relativos a serviços de Editoração e Tradução estão sob a égide da proteção de obras e direitos autorais exposta na Lei 9.610-98, a denominada Lei de Proteção a Propriedade Intelectual, que procura proteger o verdadeiro autor do uso e proveito de sua obra sem a devida autorização para tanto e regulamenta o tema.

Verifica-se, em Edmir Neto Araújo que o Direito Autoral possui natureza jurídica própria, pois insere-se na dicotomia entre direitos reais e pessoais, de modo a gerar grande discussão doutrinária a respeito. Assim, define Araújo que “Na verdade o direito autoral é tudo isso e ao mesmo tempo nada disso exclusivamente, justificando a tendência da autal doutrina em classifica-lo como um direito sui generis (pg 16)”.

Já vemos na definição de Carlos Alberto Bittar, que acentua que “ as relações regidas por esse direito nascem com a criação da obra, exsurgindo do próprio ato criador, direitos respeitantes a sua face pessoal (...) e de outro lado, a comunicação com o público, os direitos patrimoniais.”(pg 8).

 

 

 

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Assim, perante direito de características próprias, destacam-se certas peculiaridade que são fundamentais para nosso estudo, como a dualidade do objeto, a perenidade e inalienabilidade, as limitações de cunho patrimonial, a exclusividade do autor por prazo estabelecido em lei e a limitabilidade dos negócios jurídicos que podem ser celebrados.

Neste sentido, havendo direitos e limitações, fundamental será analisar os fundamentos estabelecidos em lei de modo que a compreensão do objeto em analise possa ser aplicada ao caso prático.

Porém antes de adentrar às entranhas legislativas necessário será distinguir princípio fundamental da pessoalidade da obra. A originalidade é requisito básico que permeia a relação, pois dá unicidade ao conteúdo protegido, pois é eivada de contornos próprios. Tal principio pode ser usado tanto nas obras intelectuais, como na propriedade industrial.

Já no que tange a legislação pátria verifica-se na Lei 9.610-98 a definição de seu objeto e das partes que compõe as relações jurídicas, de modo a enquadra-lo juridicamente como objeto de contrato. Encontramos definição legal no art. 5º em seu parágrafo I e X da referida lei:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I - publicação - o oferecimento de obra literária, artística ou científica ao conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de qualquer outro titular de direito de autor, por qualquer forma ou processo;

[...] X - editor - a pessoa física ou jurídica à qual

se atribui o direito exclusivo de reprodução da obra e o dever de divulgá-la, nos limites previstos no contrato de edição;

A obra que será objeto de Contrato de Tradução ou Editoração pode ser expressa por diferentes meios (livro, publicações em revistas, internet,

 

 

 

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blogs, paginas especializadas), pois a produção artística possui diversas formas de expressão.

Ocorre que a exteriorização da obra, se dá, geralmente através da figura do Editor, que como podemos ver, tem função específica conferida pela legislação, e ao mesmo tempo possui limites dados em contrato próprio.

Assim, verificamos que o direito autoral relacionado à edição e distribuição pertence a órbita dos direitos patrimoniais, dos direitos reais. A sua distribuição e divulgação são tratadas como objeto, consoante com o patrimônio do seu autor.

Nesta índole, caracteriza Bittar entre “os direitos patrimoniais são: o cunho real ou patrimonial (da relação direta com a obra); o caráter de bem móvel (art. 3º), exatamente para disposição pelos meios possíveis; a alienabilidade, para permitir seu ingresso no comércio jurídico (art. 29 e 49); a temporalidade , ou seja a limitação no tempo(arts. 41 e segs. e 96); a penhorabilidade e a prescritibilidade, ou seja a perda da ação por inércia no lapso de tempo legal (...)”

Vale, portanto ressaltar os limites estabelecidos em lei que caracterizam esse objeto impar no direito Brasileiro.

No que tange a patrimoniedade temos o art. 29 30 e 31 como segue:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; (...)

X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

 

 

 

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Art. 30. No exercício do direito de reprodução, o titular dos direitos autorais poderá colocar à disposição do público a obra, na forma, local e pelo tempo que desejar, a título oneroso ou gratuito.

§ 1º O direito de exclusividade de reprodução não será aplicável quando ela for temporária e apenas tiver o propósito de tornar a obra, fonograma ou interpretação perceptível em meio eletrônico ou quando for de natureza transitória e incidental, desde que ocorra no curso do uso devidamente autorizado da obra, pelo titular.

§ 2º Em qualquer modalidade de reprodução, a quantidade de exemplares será informada e controlada, cabendo a quem reproduzir a obra a responsabilidade de manter os registros que permitam, ao autor, a fiscalização do aproveitamento econômico da exploração.

Art. 31. As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais.

O direito dessa forma posivtivado demonstra a sua inserção como direitos reais com característica próprias, sendo que o autor, é o detentor das possibilidade de veiculação de sua obra que deve estar devidamente registrado em contrato.

Por outro lado, em perspectiva quanto a obra, percebemos que esta está inserida dentro dos direitos pessoais, pois como expressão artística é tratada como extensão da personalidade.

 

 

 

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Portanto, percebemos, até aqui que o objeto a ser considerado, insere-se dentro da perspectiva dúbia dos contratos, por ter essa dubiedade intrínseca em sua natureza possui tratamento especial pela legislação própria.

Parte II - Os Contratos de Editoração e suas especificidades.

Estabelece-se, para divulgação de obras diversos tipos de contratos, podemos citar a doação, o de prestação de serviços e o de empreitada (mais comum no caso de contratos de editoração).

A doação também é bastante comum, e tem como características a não onerosidade e disposição dos frutos oriundos da obra à aquele que recebeu o título em doação.

Os contratos de prestação de serviço strictu sensu são conceituados segundo Orlando Gomes é “o contrato mediante o qual uma pessoa se obriga a prestar serviço a outra eventualmente, em troca de determinada remuneração, executando-os com independência técnica e sem subordinação hierárquica” (pg339 e 340).

Já a empreitada está disposta no Código Civil nos art. 1237 e 1247. Esta tem como característica o produto, e por isso é a mais comum. O próprio Orlando Gomes assim, conceitua: “Na empreitada, uma das partes obriga-se a executar, por si só, ou com auxílio de outros, determinada obra, ou prestar serviço e a oura a pagar o preço respectivo”(pg 340).

Contudo, contrato de edição encontra morada especial na Lei 9.610-98 no Titulo IV Capitulo I. Deste depreende-se:

Capítulo I - Da Edição

Art. 53. Mediante contrato de edição, o editor, obrigando-se a reproduzir e a divulgar a obra literária, artística ou científica, fica autorizado, em caráter de exclusividade, a publicá-la e a explorá-la pelo prazo e nas condições pactuadas com o autor.

 

 

 

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Parágrafo único. Em cada exemplar da obra o editor mencionará:

I - o título da obra e seu autor; II - no caso de tradução, o título original e o

nome do tradutor; III - o ano de publicação; IV - o seu nome ou marca que o identifique. Art. 54. Pelo mesmo contrato pode o autor

obrigar-se à feitura de obra literária, artística ou científica em cuja publicação e divulgação se empenha o editor.

Diferentemente dos outros contratos citados, o art, 53 dá liberdade artística e criativa, e estando a obra pronta ou prestes a terminar, oferece ao editor que na forma do contrato estabelece seus limites.

Já o art 56, coloca que o contrato, sem disposto contrário, limita-se a uma edição, e também sem disposição contraria há um padrão de 3 mil exemplares, como segue:

Art. 56. Entende-se que o contrato versa apenas sobre uma edição, se não houver cláusula expressa em contrário.

Parágrafo único. No silêncio do contrato, considera-se que cada edição se constitui de três mil exemplares.

Brilhantemente Araújo (ano) analisa os detalhes de tal contrato quanto as obrigações recíprocas de autor e editor que possui trato legal

Para ao autor cabe: receber remuneração; direito de exame da escrituração do editor; emendar ou alterar as edições posteriores; não dispor da obra enquanto durar os exemplares; obter prestação de contas e entregar a obra.

 

 

 

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Já estão no rol de direitos e deveres do editor: reproduzir, publicar e explorar com exclusividade; decidir sobre o s caracteres básicos, fixar preço; modificar quando autorizado pelo autor; prestar contas e informações; fazer valer sua exclusividade; alterar obras quando das reedições.

Vemos que os direito e deveres inerentes destes contratos são de tal forma abrangentes que a responsabilidade civil dele inerente pode ser considerada pela órbita dos arts. 53 e seguintes da Lei 9.610-98, bem como pelo Código Civil.

Assim, podemos verificar o enquadramento legal deste tipo de relação, sob a perspectiva do instituto da Responsabilidade Civil, a fim de que, com isso, possamos analisar a jurisprudência a respeito.

Parte III - A Responsabilidade Civil.

As características da legislação que regulamenta o negócio jurídico relativo aos Direitos Autorais, são extraordinárias na medida em que a natureza do bem a ser tutelado possui um duplo sentido analítico. De um lado percebe-se caraterísticas de direitos reais, e por outro, de direitos pessoais.

Neste sentido discorre Venosa sobre a referida responsabilidade onde “quem transgride um dever de conduta, com o sem negócio jurídico, pode ser obrigado a ressarcir o dano. O dever violado será ponto de partida, não importando se dentro ou fora de uma relação contratual.” (pg 22).

O autor indica, portanto que preexistem bases da Responsabilidade Civil que se perpetuam em ambas as obrigações, e estão dividas nas famosa bases do ato ilícito, dano, nexo causal, e culpa.

Por consequência, temos no âmbito da responsabilidade civil, existem disposições distintas para cada caso. Os direitos oriundos de contratos estão positivados nos arts. 389 e 475 do Código Civil. Já os

 

 

 

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inerentes a subjetividade e pessoalidade encontram-se no art. 927 e 186 do mesmo diploma legal.

No âmbito do patrimônio lesado temos a ocorrência do dano material que consiste na lesão concreta que atinge interesses relativos a um patrimônio, acarretando sua perda total ou parcial.

Logo, a quantificação do dano material faz-se pela diferença entre o patrimônio que a vitima disporia se não tivesse sofrido a lesão e o que passou a dispor após tê-la sofrido.

A indenização a ser paga em dinheiro deve ser monetariamente atualizada segundo índices oficiais, sobre ela incidindo juros em caso de mora.

O dano causado gera o dever de sua anulação através da dever de indenizar. No âmbito da moral, é o próprio sujeito quem determina a sua obrigatoriedade da sua conduta; já no Direito patrimonial, o dever de conduta decorre da lei, que no caso do contrato, este fará lei entre as partes.

Tão precioso é este instituto de fazer com que um ato ilícito seja devidamente reparado de modo a restabelecer as relações como eram anteriormente ao fato, que temos previsão constitucional no art. 5º, V e X da Constituição Federal que discorre sobre o dano moral.

Venosa, novamente, com maestria ensina (pg 332) que: “Neste sentido, a indenização por dano

exclusivamente moral não possui o acanhado aspecto de repara unicamente o pretium doloris, mas busca restaurar a dignidade do ofendido. Por isso, não há que se dizer que a indenização por dano moral é o preço que se paga pela dor sofrida. É claro que é isso e muito mais.”

 

 

 

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Assim, o dano moral causado difere-se do material, pois sua quantificação é extremamente subjetiva enquanto no dano material a quantidade salta aos olhos.

Por fim, devemos considerar para efeitos deste estudo que a ilicitude, por vezes está tipificada no código penal, também, se devidamente comprovada através do cumprimento do processo legal gera o dever de indenizar através de efeitos civis.

Temos portanto, um arcabouço teórico que possibilita a compreensão dos Contratos de Editoração e Tradução no que tange a Responsabilidade Civil. O ato ilícito, sendo quebra de regras contratuais, sendo a fruição indevida dos direitos autorais, ou o desrespeito a regras estabelecidas em lei específica para o negócio jurídico, ou até mesmo a ocorrência de ilícitos penais positivados no Código Penal, podem ser objeto de responsabilização civil.

CONCLUSÃO – Contratos de Edição e Tradução e Responsabilidade Civil

A Lei 9.610-98 busca a proteção de criadores, inventores e todo o gênero de obras literárias, bem como sua responsabilização quando da observância de regras de conduta contratuais que possibilitam o exercício do seu direito patrimonial de receber benéficos sobre sua obra.

Verifica-se portanto que existem cláusulas dispostas em lei com características de indisponibilidades entre os contratantes. Esse fato se deve ao respeito à ordem social inerente a todo o conjunto legislativo.

As partes portanto que desejarem o rompimento de tal preceito em detrimento do direito alheio pode ter seu objetivo simplesmente não alcançado pela declaração de nulidade da cláusula contratual ilegalmente estabeleceu lei entre as partes.

 

 

 

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Temos neste caso uma afronta ao direito patrimonial do integrante da relação jurídica. E ante tal ilegalidade há previsão legal de anulabilidade da cláusula, bem como a reorganização contratual que restabelece o status quo, interferindo na relação privada e impedindo o dano.

Tanto a natureza patrimonial do conteúdo da obra a ser editada, pois esta pode gerar lucro e rendimentos, quanto a natureza da contrato e das regras de observância obrigatório , estão dentro das bases dos direitos reais, e por ele são regidos.

Mas não é só.

O que se verifica nas entranhas da obra referida, não se consigna apenas em direito patrimonial e real, pois além e anterior a isso, existem os direitos pessoais que permeiam a obra traduzida ou editada.

Em grande medida o resultado da labuta do autor faz parte do rol de sua subjetividade, pois reflete a expressão de sua personalidade. Tal fato, por si só enseja, dependendo do ilícito cometido o dano moral.

As palavras escritas, se mal vinculadas, ou se aproveitadas de modo desonroso pelo editor ou tradutor, ferem aquele que as escreveu, maculam sua imagem e desonram, causando sofrimento ao autor. Estabelece-se, neste caso a possibilidade de ressarcimento do dano moral causado.

Assim, na perspectiva atual da cada vez mais abrangente dentro do Direito Civil, onde cada vez mais se tutelam os acontecimentos da vida e a moralidade é cada vez mais entendida como objeto de indenização, percebe-se que o Contrato de Editoração e Tradução induz á perspectiva de responsabilização tanto no âmbito contratual e extracontratual. Assim, essa diretriz normativa dos tempos modernos, encontra neste tipo de contrato uma morada especial pela natureza do bem tutelado.

BIBLIOGRAFIA:

 

 

 

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ARAÚJO, Edmir Neto. Proteção judicial do direito de autor. Editora LTr. São Paulo, 1999.

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor, Editora Forense Universitária. Rio de Janeiro 2001

VENOSA, Silvio Savio, Direito Civil – Responsabilidade Civil. Décima Primeira Edição. Editora Atlas 2011

GOMES, Orlando 2010 Contratos

 

 

 

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PONDERAÇÕES AO CONTROLE SOCIAL DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO BÁSICO

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados.

 

 

 

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Palavras-chaves: Meio Ambiente Artificial. Saneamento Básico. Controle Social.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: A construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial: Introdução à Ambiência do Homem Contemporâneo; 4 As CidadesSustentáveis como Paradigma perseguido pelo Estatuto dasCidades: A Ambiência Urbana Contemporânea e seus matizescomo o Meio Ambiente Artificial; 5 O Direito ao SaneamentoAmbiental: O Gerenciamento de Resíduos Sólidos e aManutenção Meio Ambiente Artificial Ecologicamente Equilibrado; 6 Breve Painel à Política Federal de Saneamento Básico: Comentários ao Decreto nº 7.217/2010; 7 Ponderações ao Controle Social dos Serviços Públicos de Saneamento Básico.

1 Ponderações Introdutórias: A construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora

 

 

 

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sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

Cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.

 

 

 

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Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.

 

 

 

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Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária” [6].

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando coloca em destaque que:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o

 

 

 

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direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível[7].

Ora, é conveniente anotar que os direitos inseridos sob a rubrica terceira dimensão assenta seus feixes principiológicos na promoção e difusão da solidariedade. Ao lado disso, não é possível olvidar que tal sedimento ideológico volta-se para a espécie humana na condição de coletividade, superando a tradicional ótica que privilegia o aspecto individual do ser humano. Ademais, segundo o magistério de Paulo Bonavides, “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais.

2 Comentários à concepção de Meio Ambiente

Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de

 

 

 

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elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10].

Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/, salientou, com bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal[12].

É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão,

 

 

 

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insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:

A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (...) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade[15].

 

 

 

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O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma. Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. O direito à integridade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo

 

 

 

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aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies). Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresarias nem manter dependência de motivações de âmago essencialmente econômico, notadamente quando estiver presente a atividade econômica, considerada as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do desenvolvimento sustentável, além de estar impregnando de aspecto essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora em compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do justo equilíbrio entre os reclamos da economia e os da ecologia, porém, a invocação desse preceito, quando

 

 

 

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materializada situação de conflito entre valores constitucionais e proeminentes, a uma condição inafastável, cuja observância não reste comprometida nem esvaziada do aspecto essencial de um dos mais relevantes direitos fundamentais, qual seja: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial: Introdução à Ambiência do Homem Contemporâneo

O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto, como tão bem salienta Fiorillo[16]. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. É possível ilustrar as ponderações estruturadas utilizando o paradigmático entendimento jurisprudencial que direciona no sentido que:

Ementa: Administrativo. Conflito negativo de competência. Ação civil pública. Propaganda eleitoral. Degradação do meio ambiente. Ausência de matéria eleitoral. Competência da Justiça Estadual. [...] 4. A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela ao meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nesta época, bem como não constitui

 

 

 

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aspecto inerente ao processo eleitoral. 5. A ação civil pública ajuizada imputa conduta tipificada no art. 65 da Lei 9.605/98 em face do dano impingido ao meio ambiente, no caso especificamente, artificial, formado pelas edificações, equipamentos urbanos públicos e comunitários e todos os assentamentos de reflexos urbanísticos, conforme escólio do Professor José Afonso da Silva. Não visa delimitar condutas regradas pelo direito eleitoral; visa tão somente a tutela a meio ambiente almejando assegurar a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da Constituição Federal. 6. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Maceió - AL, ora suscitado. (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ CC 113.433/AL/ Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima/ Julgado em 24.08.2011/ Publicado no DJe em 19.12.2011).

Ementa: Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Praças, jardins e parques públicos. Direito à cidade sustentável. Art. 2º, incisos I e IV, d Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Doação de bem imóvel municipal de uso comum à União para construção de agência do INSS. Desafetação. Competência. Inaplicabilidade da súmula 150/STJ. Exegese de normas locais (Lei Orgânica do Município de Esteio/RS). [...] 2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e

 

 

 

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construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os "indesejáveis", sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta - bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento -, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável, que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes

 

 

 

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e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). [...] 8. Recurso Especial não provido. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 15.04.2010/ Publicado no DJe em 08.03.2012)

O domínio em apreço é caracterizado por ser fruto da interferência humana, logo, “aquele meio-ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem, é um meio-ambiente artificial”[17]. Como robusto instrumento legislativo de tutela do meio ambiente artificial, pode-se citar a Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[18], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conhecido como “Estatuto da Cidade”, estabelece os regramentos e princípios influenciadores da implementação da política urbana. Nesta esteira, cuida trazer à colação o entendimento firmado por Fiorillo, em especial quando destaca que o diploma legislativo em apreço “deu relevância particular, no âmbito do planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art. 4º, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo” [19].

Com efeito, um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182 da Constituição Federal[20], são as funções sociais da cidade, que se realizam quando se consegue propiciar ao cidadão qualidade de vida, com concretização dos direitos fundamentais, e em consonância com o que disciplina o artigo 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E as funções sociais da cidade se concretizam quando o Poder Público consegue dispensar ao cidadão o direito à habitação, à livre circulação, ao lazer e ao trabalho. Ora, “dado ao conteúdo pertinente ao meio ambiente artificial, este em muito relaciona-se à dinâmica das cidades. Desse

 

 

 

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modo, não há como desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida”[21], tal como o direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida.

Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Carta de 1988. Neste sentido, colacionar se faz premente o entendimento jurisprudencial que:

Ementa: Apelação Cível. Direito Público. Município de Caxias do Sul. Planejamento Urbanístico. Estatuto da Cidade. Plano Diretor. Código de Posturas Municipal. Construção de Passeio Público. Meio Ambiente Artificial. O passeio público deve estar em conformidade com a legislação municipal, sobretudo com o Código de Posturas do Município e o Plano Diretor. Tal faz parte da política de desenvolvimento municipal, com o adequado planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, nos exatos termos em que disciplina a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. A prova pericial carreada aos autos demonstra a total viabilidade de adequação do passeio público de fronte à residência dos autores, não se podendo admitir que eventual prejuízo causado aos demais réus, moradores vizinhos, que utilizam a área para acesso à sua residência, venha a ser motivo para a não regularização da área, de acordo com o planejamento municipal em termos de

 

 

 

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desenvolvimento urbano. Eventual desgaste entre os autores e seus vizinhos deverá ser resolvido em demanda própria que não esta. Se os vizinhos dos demandantes utilizam o passeio público em frente à residência dos autores como entrada de suas casas, terão que deixar de fazê-lo e também se adequarem ao que disciplina a lei. O que não pode é o Município ser proibido de fiscalizar e de fazer cumprir com legislação que é, ou deveria ser, aplicável a todos. Recurso Provido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70038560991/ Relator: Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal/ Julgado em 11.05.2011). Ementa: Administrativo. Poluição Visual. Propaganda em meio aberto (frontlights, moving signs, outdoors). Ilegalidade. 1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2.

 

 

 

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Apelações das rés desprovidas e apelação do município provida em parte. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70011527215/ Relator: Desembargador Araken de Assis/ Julgado em 30.11.2005).

Assim, é plenamente possível traçar um íntimo liame entre o conceito de cidade e os próprios paradigmas integrantes do meio-ambiente artificial. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Deste modo, temas como a poluição sonora ou mesmo visual se revelam dotados de grande relevância, eis que afetam ao complexo equilíbrio existentes no meio-ambiente urbano, prejudicando, direta ou indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população, tal como a criar condições adversas às atividades dotadas de cunho social e econômico ou mesmo afetando as condições estéticas ou sanitárias em que são estabelecidas.

4 As Cidades Sustentáveis como Paradigma perseguido pelo Estatuto das Cidades: A Ambiência Urbana Contemporânea e seus matizes como o Meio Ambiente Artificial

Agasalhado nas ponderações articuladas alhures, é verificável que o Estatuto das Cidades, na condição de lei que ambiciona o equilíbrio ambiental na órbita das cidades, estabeleceu a garantia do direito a cidades sustentáveis, colocando-a como diretriz geral entalhada na redação do artigo2º, inciso I, da Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[22], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Desta feita, “os direitos enumerados no art. 2º, I, do Estatuto da Cidade, garantidos também pela Lei n. 10.257/2001,têm caráter metaindividual, sendo tutelados não só pelo próprio Estatuto da Cidade como particularmente pelas Leis n. 7.347/85 e8.078/90”[23].

 

 

 

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Nesta seara, a garantia do direito a cidades sustentáveis significa, por extensão, importante diretriz destinada a nortear a política do desenvolvimento urbano em proveito da dignidade da pessoa humana e seus destinatários, compreendendo-se os brasileiros e os estrangeiros residentes no território nacional, a ser executada pelo Poder Público municipal, dentro da denominada tutela dos direitos materiais metaindividuais. Decorre de tal ideário a necessidade de estabelecer-se o conteúdo de cada um dos direitos que edificam a garantia do direito a cidades sustentáveis, no viés de adotar posição clara diante da defesa em decorrência de episódica lesão ou ameaça a esse rol de importantes componentes constituintes do meio ambiente artificial. Há que se destacar que se trata, com efeito, de diretriz geral vinculada aos objetivos da política urbana estabelecida como patamar de direitos metaindividuais destinados a brasileiros e estrangeiros residentes no território nacional, apartir de uma perspectiva de tutela do meio ambiente artificial, objetivando realizar os objetivos contidos na Lei Nº. 10.257, de 10de Julho de 2001[24], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

Com clareza solar, é perceptível que apenas por meio dos instrumentos da política urbana, estabelecida no Estatuto das Cidades, que será possível a concreção da gama de direitos agasalhados em seu âmago, afigurando, neste aspecto, proeminente a gestão orçamentária participativa alçada ao status de importante instituto econômico orientado a viabilizar recursos financeiros para que cada cidade possa estruturar seu desenvolvimento pautado na sustentabilidade em face não apenas de suas necessidades, mas também de suas possibilidades. Estabelecido em decorrência da estruturação do direito ambiental constitucional, como bem afiança Fiorillo, “a garantia do direitos a cidades sustentáveis em nada se vincula com superados conceitos de direito administrativo que teimam em compreender as cidades como ‘abstrações’ única e exclusivamente formais adaptadas ao ‘princípio da legalidade’”[25].

Desta feita, harmonizando-se com os alicerces estruturantes do Estado Democrático do Direito, é possível colocarem destaque que a diretriz geral

 

 

 

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que consagra a garantia do direito a cidades sustentáveis propiciará a todos os brasileiros e estrangeiros residentes em território nacional uma tutela mais adequada do equilíbrio ambiental. Com efeito, trata-se de paradigma jurídica impregnado de aspectos de solidariedade, bem como de valores provenientes do meio ambiente ecologicamente equilibrado, içado à condição de princípio fundamental que viabiliza a materialização da dignidade da pessoa humana. Ao lado disso, denota-se que o Estatuto das Cidades, na condição de diploma inspirado pelos valores consagrados pela nova ordem inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de1988, objetiva a materialização de uma nova realidade na qual seja possível conjugar a urbanização com o meio ambiente, de modo a obter núcleos urbanos sustentáveis e sensíveis aos elementos primordiais para se alcançar a materialização do superprincípio da dignidade da pessoa humana.

5 O Direito ao Saneamento Básico: O Gerenciamento de Resíduos Sólidos e a Manutenção Meio Ambiente Artificial Ecologicamente Equilibrado

É fato que o estabelecimento de uma legislação nacional de resíduos sólidos encontra arrimo na premissa alargada propiciada pelo princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual incide, inclusive, em sua materialização artificial, ou seja, no ambiente humanamente edificado e modificado. Nesta linha, a gestão dos resíduos sólidos, assim como dos rejeitos passa a ter subsistema próprio que imprescindivelmente reclama interpretação em face do direito ao saneamento ambiental como garantia de bem-estar assegurado aos habitantes das cidades, consagrado expressamente na Constituição Federal. De outro ângulo, a legislação de regência dos resíduos sólidos deve ser estruturada em uma política concreta de desenvolvimento urbano por parte dos municípios, buscando a promoção da dignidade da população urbana. “Assim, as regras jurídicas que se aplicam aos resíduos sólidos continuaram a ter gênese constitucional em face da tutela jurídica do meio ambiente artificial”[26].

 

 

 

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Em harmonia com o ideário edificado pelo Texto Constitucional, alçando o meio ambiente ecologicamente equilibrado à condição de elemento de promoção da sadia qualidade de vida e, por extensão, a dignidade da pessoa humana, é denotável que a Política Nacional de Saneamento Básico está condicionada aos princípios constitucionais do direito ambiental e do direito municipal e urbanístico brasileiro. Nesta linha, a tábua principiológica constitucional sujeita, também, as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos, tal como aquelas que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos, observando-se, imperiosamente, as disposições aplicáveis ao direito criminal ambiental, detentor de arcabouço jurídico próprio.

No mais, cuida pontuar que a lei proíbe, ainda, de forma explícita, o lançamento de resíduos sólidos ou rejeitos a céu aberto, isto é: os denominados “lixões”, como também a fixação de habitações temporárias ou permanentes nas áreas de disposição final de resíduos ou de rejeitos, indicando, de forma clara, a vedação de importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos. Ao lado das ponderações vertidas, cuida reconhecer que o gerenciamento de resíduos sólidos e rejeitos, na sistemática contemporânea, sobretudo buscando instituir, em consonância com a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado e a promoção do bem-estar dos habitantes das cidades, o estabelecimento de condições fundamentais de existência e preservação da saúde, sobretudo o direito ao saneamento ambiental, conferindo dignidade, maiormente as populações periféricas atingidas pela ausência de planejamento urbano, despidas dos direitos essenciais de existência.

6 Breve Painel à Política Federal de Saneamento Básico: Comentários ao Decreto nº 7.217/2010

Em um primeiro momento, a Política Federal de Saneamento Básico é o conjunto de planos, programas, projetos e ações promovidos por órgãos e entidades federais, isoladamente

 

 

 

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ou em cooperação com outros entes da Federação, ou com particulares, com os objetivos de: (i) contribuir para o desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades regionais, a geração de emprego e de renda e a inclusão social; (ii) priorizar a implantação e a ampliação dos serviços e ações de saneamento básico nas áreas ocupadas por populações de baixa renda; (iii) proporcionar condições adequadas de salubridade ambiental às populações rurais e de pequenos núcleos urbanos isolados; (iv) proporcionar condições adequadas de salubridade ambiental aos povos indígenas e outras populações tradicionais, com soluções compatíveis com suas características socioculturais; (v) assegurar que a aplicação dos recursos financeiros administrados pelo Poder Público se dê segundo critérios de promoção da salubridade ambiental, de maximização da relação benefício-custo e de maior retorno social; (vi) incentivar a adoção de mecanismos de planejamento, regulação e fiscalização da prestação dos serviços de saneamento básico; (vii) promover alternativas de gestão que viabilizem a autossustentação econômico-financeira dos serviços de saneamento básico, com ênfase na cooperação federativa; (viii) promover o desenvolvimento institucional do saneamento básico, estabelecendo meios para a unidade e articulação das ações dos diferentes agentes, bem como do desenvolvimento de sua organização, capacidade técnica, gerencial, financeira e de recursos humanos, contempladas as especificidades locais; (ix) fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico, a adoção de tecnologias apropriadas e a difusão dos conhecimentos gerados de interesse para o saneamento básico; e (x) minimizar os impactos ambientais relacionados à implantação e desenvolvimento das ações, obras e serviços de saneamento básico e assegurar que sejam executadas de acordo com as normas relativas à proteção do meio ambiente, ao uso e ocupação do solo e à saúde.

São diretrizes da Política Federal de Saneamento Básico: (i) prioridade para as ações que promovam a equidade social e

 

 

 

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territorial no acesso ao saneamento básico; (ii) aplicação dos recursos financeiros por ela administrados, de modo a promover o desenvolvimento sustentável, a eficiência e a eficácia; (iii) estímulo ao estabelecimento de adequada regulação dos serviços; (iv) utilização de indicadores epidemiológicos e de desenvolvimento social no planejamento, implementação e avaliação das suas ações de saneamento básico; (v) melhoria da qualidade de vida e das condições ambientais e de saúde pública; (vi) colaboração para o desenvolvimento urbano e regional; (vii) garantia de meios adequados para o atendimento da população rural dispersa, inclusive mediante a utilização de soluções compatíveis com suas características econômicas e sociais peculiares; (viii) fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico, à adoção de tecnologias apropriadas e à difusão dos conhecimentos gerados; (ix) adoção de critérios objetivos de elegibilidade e prioridade, levando em consideração fatores como nível de renda e cobertura, grau de urbanização, concentração populacional, disponibilidade hídrica, riscos sanitários, epidemiológicos e ambientais; (x) adoção da bacia hidrográfica como unidade de referência para o planejamento de suas ações; e (xi) estímulo à implantação de infraestruturas e serviços comuns a Municípios, mediante mecanismos de cooperação entre entes federados. As políticas e ações da União de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate e erradicação da pobreza, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida devem considerar a necessária articulação com o saneamento básico, inclusive no que se refere ao financiamento.

A alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União serão feitos em conformidade com os planos de saneamento básico e condicionados: (i) à observância do disposto nos arts. 9º, e seus incisos, 48 e 49 da Lei nº 11.445, de 2007; (ii) ao alcance de índices

 

 

 

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mínimos de: a) desempenho do prestador na gestão técnica, econômica e financeira dos serviços; e b) eficiência e eficácia dos serviços, ao longo da vida útil do empreendimento; (iii) à adequada operação e manutenção dos empreendimentos anteriormente financiados com recursos mencionados no caput do artigo 55 do Decreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010[27], que regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências; e (iv) à implementação eficaz de programa de redução de perdas de águas no sistema de abastecimento de água, sem prejuízo do acesso aos serviços pela população de baixa renda, quando os recursos forem dirigidos a sistemas de captação de água.

O atendimento ao disposto no caput do artigo 55 do Decreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010[28], que regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências, e seus incisos é condição para qualquer entidade de direito público ou privado: (i) receber transferências voluntárias da União destinadas a ações de saneamento básico; (ii) celebrar contrato, convênio ou outro instrumento congênere vinculado a ações de saneamento básico com órgãos ou entidades federais; e (iii) acessar, para aplicação em ações de saneamento básico, recursos de fundos direta ou indiretamente sob o controle, gestão ou operação da União, em especial os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. A exigência prevista na alínea “a” do inciso II do caput do artigo supramencionado não se aplica à destinação de recursos para programas de desenvolvimento institucional do operador de serviços públicos de saneamento básico. Os índices mínimos de desempenho do prestador previstos na alínea “a” do inciso II do caput do artigo supramencionado , bem como os utilizados para aferição da adequada operação e manutenção de empreendimentos previstos no inciso III do caput do artigo

 

 

 

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supramencionado deverão considerar aspectos característicos das regiões respectivas.

Os recursos não onerosos da União, para subvenção de ações de saneamento básico promovidas pelos demais entes da Federação serão sempre transferidos para os Municípios, para o Distrito Federal, para os Estados ou para os consórcios públicos de que referidos entes participem. O disposto no caput do artigo 56 do Decreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010[29], que regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências, não prejudicará que a União aplique recursos orçamentários em programas ou ações federais com o objetivo de prestar ou oferecer serviços de assistência técnica a outros entes da Federação. É vedada a aplicação de recursos orçamentários da União na administração, operação e manutenção de serviços públicos de saneamento básico não administrados por órgão ou entidade federal, salvo por prazo determinado em situações de iminente risco à saúde pública e ao meio ambiente. Na aplicação de recursos não onerosos da União, será dada prioridade às ações e empreendimentos que visem o atendimento de usuários ou Municípios que não tenham capacidade de pagamento compatível com a autossustentação econômico-financeira dos serviços e às ações voltadas para a promoção das condições adequadas de salubridade ambiental aos povos indígenas e a outras populações tradicionais. Para efeitos do § 3o do artigo 56 do Decreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010[30], que regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências, a verificação da compatibilidade da capacidade de pagamento dos Municípios com a autossustentação econômico-financeira dos serviços será realizada mediante aplicação dos critérios estabelecidos no PNSB.

7 Ponderações ao Controle Social dos Serviços Públicos de Saneamento Básico

 

 

 

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Em alinho com o Decreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010[31], que regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências, o controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá ser instituído mediante adoção, entre outros, dos seguintes mecanismos: (i) debates e audiências públicas; (ii) consultas públicas; (iii) conferências das cidades; ou (iv) participação de órgãos colegiados de caráter consultivo na formulação da política de saneamento básico, bem como no seu planejamento e avaliação. As audiências públicas mencionadas no inciso I do caput do artigo 34 devem se realizar de modo a possibilitar o acesso da população, podendo ser realizadas de forma regionalizada. As consultas públicas devem ser promovidas de forma a possibilitar que qualquer do povo, independentemente de interesse, ofereça críticas e sugestões a propostas do Poder Público, devendo tais consultas ser adequadamente respondidas.

Nos órgãos colegiados mencionados no inciso IV do caputdo artigo 34, é assegurada a participação de representantes: (i) dos titulares dos serviços; (ii) de órgãos governamentais relacionados ao setor de saneamento básico; (iii) dos prestadores de serviços públicos de saneamento básico; (iv) dos usuários de serviços de saneamento básico; e (v) de entidades técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionadas ao setor de saneamento básico. As funções e competências dos órgãos colegiados a que se refere o inciso IV do caput do artigo 34 doDecreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010[32], que regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências,poderão ser exercidas por outro órgão colegiado já existente, com as devidas adaptações da legislação. É assegurado aos órgãos colegiados de controle social o acesso a quaisquer documentos e informações produzidos por órgãos ou entidades de regulação ou de fiscalização, bem como a possibilidade de solicitar a elaboração de estudos com o objetivo de subsidiar a tomada de

 

 

 

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decisões.Após 31 de dezembro de 2014, será vedado o acesso aos recursos federais ou aos geridos ou administrados por órgão ou entidade da União, quando destinados a serviços de saneamento básico, àqueles titulares de serviços públicos de saneamento básico que não instituírem, por meio de legislação específica, o controle social realizado por órgão colegiado, nos termos do inciso IV do caput do artigo 34.

Os Estados e a União poderão adotar os instrumentos de controle social previstos no art. 34. A delegação do exercício de competências não prejudicará o controle social sobre as atividades delegadas ou a elas conexas. No caso da União, o controle social a que se refere o caput do artigo 35 será exercido nos termos da Medida Provisória no 2.220, de 4 de setembro de 2001, alterada pela Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003. São assegurados aos usuários de serviços públicos de saneamento básico, nos termos das normas legais, regulamentares e contratuais: (i) conhecimento dos seus direitos e deveres e das penalidades a que podem estar sujeitos; e (ii) acesso: a) a informações sobre os serviços prestados; b) ao manual de prestação do serviço e de atendimento ao usuário, elaborado pelo prestador e aprovado pela respectiva entidade de regulação; e c) ao relatório periódico sobre a qualidade da prestação dos serviços. O documento de cobrança relativo à remuneração pela prestação de serviços de saneamento básico ao usuário final deverá: (i) explicitar itens e custos dos serviços definidos pela entidade de regulação, de forma a permitir o seu controle direto pelo usuário final; e (ii) conter informações mensais sobre a qualidade da água entregue aos consumidores, em cumprimento ao inciso I do art. 5o do Anexo do Decreto no 5.440, de 4 de maio de 2005.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.

 

 

 

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

___________. Decreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

___________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

___________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2015.

___________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

___________. Tribunal Regional Federal da Primeira Região.Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

___________. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

 

 

 

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FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

NOTAS:

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

 

 

 

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Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[3] VERDAN, 2009, s.p.

[4] BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[5] MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[7] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

 

 

 

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Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

[9] BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[10] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.

[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 77.

[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08 mar. 2012. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[13] THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116.

[14] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015: “Art. 225. Todos têm direito ao meio

 

 

 

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ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

[15] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[16] FIORILLO, 2012, p. 79.

[17] BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[18] BRASIL. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2015..

[19] FIORILLO, 2012, p. 467.

 

 

 

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[20] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2015..

[21] FIORILLO, 2012, p. 549.

[22] BRASIL. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2015.

[23] FIORILLO, 2012, p. 564.

[24] BRASIL. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2015.

[25] FIORILLO, 2012, p. 580.

[26] FIORILLO, 2012, p. 384.

[27] BRASIL. Decreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[28] BRASIL. Decreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[29] Ibid.

[30] BRASIL. Decreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

[31] Ibid.

 

 

 

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[32] BRASIL. Decreto nº. 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 24 ago. 2015.

 

 

 

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INTERVENCIONISMO ESTATAL: NOVO PERFIL DO ESTADO

JOÃO MARCOS RODRIGUES DE OLIVEIRA: Acadêmico do curso de Direito da Universidade Regional do Cariri (URCA) - CE.

RESUMO: O presente trabalho possui como objetivo elucidar o fenômeno da intervenção estatal, abordando, de maneira breve, o aspecto histórico mundial, e, de maneira pormenorizada, o intervencionismo no Brasil, destacando, assim, nas Cartas Constitucionais brasileiras, artigos e dispositivos legais que revelem a atuação do Estado na seara econômica, bem como enfatizando o sistema ideológico adotado. Ademais, com o escopo de entender de maneira mais clara a intervenção do Estado sob a forma de regulador e fiscalizador das atividades desestatizadas, fez-se a análise do acontecido com a CHESF - Companhia Hidroelétrica do São Francisco, em 2011, situação na qual foi possível observar que o Estado assumiu uma forma mais condizente com neoliberalismo.

Palavras-chave: Intervenção estatal; CHESF; Neoliberalismo.

INTRODUÇÃO

O intervencionismo estatal é corolário do neoliberalismo, surgiu, pois, no pós-Primeira Guerra, na Carta de Weimar (1919), na Alemanha. Também se observou tal movimento na Constituição mexicana. Foi, porém, nos Estados Unidos, quando da crise de 1929 que a intervenção se consolidou como atributo do neoliberalismo.

No Brasil, é possível a observação do intervencionismo na Constituição de 1934, apesar de a anterior ressaltar algum assunto econômico, porém sob a perspectiva liberal de Smith. É interessante ressaltar que com a Constituição de 1988 se consolidou de fato o intervencionismo nos moldes neoliberal, com a criação das agências reguladoras. Dessa maneira, torna-se de grande valor analisar os dispositivos constitucionais que ressaltam e legitimam tal modelo, que é o molde adotado por uma gama de países.

Optamos pela pesquisa bibliográfica com o fito de fundamentar os levantamentos que se seguem, bem como para sintetizar e esclarecer os aspectos que nos pareceram de maior dificuldade de entendimento, também utilizamos de notícias para evidenciar o acontecido com a CHESF.

 

 

 

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1 BREVE HISTÓRICO DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO MUNDIAL

Como muitos ressaltam, as guerras, apesar de toda a barbárie e destruição que provocam, promovem um verdadeiro desenvolvimento e/ou revolução em todos os campos do conhecimento. Como não poderia ser diferente, o fenômeno da intervenção do Estado na Economia[1] cuida do pós-Primeira Guerra Mundial (que iniciara em 1914), ou seja, é relativamente, recente. Em 1918, em face de um cenário bastante frágil e delicado, devemos aqui, para entendera gênese da intervenção, destacar a Alemanha, que em tal período encontrava-se [praticamente] derrotada. Vez que surge a primeira República Alemã, também conhecida como República de Weimar.

Tal república foi “legitimada” pela Constituição de Weimar, de 31 de julho de 1919, (também conhecida como “Constituição Econômica”, pois explicitava artigos de matéria econômica em seu texto normativo), essa sim, foi uma das primeiras a tratar de temas econômicos (além disso, tratou de temas trabalhistas, previdenciários, enaltecendo a seara de proteção ao trabalhador), o que ocasiona uma verdadeira quebra do paradigma liberal, visto que, segundo a ótica liberal, o Estado não deveria interferir no domínio econômico. No entanto, talvez por a Alemanha encontrar-se na situação que estava, tornou-se necessário que o Estado intervisse na economia para favorecer a reconstrução, bem como, reativar a economia. Tal Constituição também promoveu uma mudança no molde como se enxergava a seara dos direitos individuais, como salienta Bagnoli:

É justamente em sua segunda parte que a Constituição de Weimar apresenta sua inovação e contribuição ao mundo jurídico, pois não mais se limita a ser um instrumento de defesa aos direitos e garantias do indivíduo contra o Estado, campos que o Estado não podia invadir, nos moldes liberais até então comuns às Cartas Constitucionais. (2005, p. 6).

Apesar desse grande marco implantado pela Carta de Weimar, insta observar que a sua grande contribuição foi a influência que deixou, vez que boa parte das constituições posteriores adotaram seu “modelo econômico”.

 

 

 

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Posterior a esse momento, é oportuno ressaltar a Grande Depressão de 1929, nos Estados Unidos, que, no seu desfecho, promoveu a intervenção estatal. Aqui, cabe-nos destacar a atuação, sobretudo, de Keynes, pois foi ele quem forneceu subsídio para que o então presidente implantasse o plano que ficou conhecido como “New Deal”. Também é nos Estados Unidos que surgem as primeiras legislações antitrustes, objetivando inibir a atuação dos cartéis. Nesse sentido, ressalta Figueiredo:

Teve como exemplificação maior nos Estados Unidos da América, inicialmente com a legislação antitruste e, posteriormente, com o New Deal, concebido, planejado e executado por Franklin Delano Roosevelt. O New Deal foi o nome dado a um conjunto de ações governamentais implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob a gestão do Presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana, e assistir os prejudicados pela Grande Depressão. Embora não fosse propriamente um projeto uniforme de reformas políticas, econômicas e sociais, as ações implementadas por Franklin D. Roosevelt em resposta à Grande Depressão lançaram as bases do Estado Intervencionista Econômico de forte e nítida inspiração keynesiana, legando o poder sindical nos Estados Unidos a um novo patamar de relevância. (2014, versão digital, grifo nosso).

Ademais, somente após a Segunda Guerra Mundial foi possível a consolidação do intervencionismo estatal na seara econômica. Nesse período, boa parte das Constituições, ainda influenciada pela a de Weimar, passaram a tratar de matéria econômica nos seus textos. Insta observar que, com o processo de globalização em curso, tornava-se cada vez mais necessário que o Estado usasse de seu aparato jurídico para controlar a atividade de empresas e grupos econômicos, promove assim a “juridicização” da

 

 

 

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seara econômica. Dessa forma, Américo Luís Martins da Silva apud Bagnoli (2005, p. 17) destaca:

Assim, após a Segunda Guerra Mundial, surgiram realidades que exigiam do Estado a dedicação a direção da economia; esta nova função do Estado reclamou a criação de um novo instrumento mais adequado: quer no bloco socialista, quer no bloco ocidental, surgiu um conjunto de normas que tem por finalidade conduzir, regrar, disciplinar, o fenômeno econômico[...]

2 O INTERVENCIONISMO NO BRASIL

Após esse breve apontamento histórico do intervencionismo estatal de forma geral, cumpre-nos ressaltar o aparecimento, nas Constituições brasileiras, de matérias econômicas. Sendo as Cartas um reflexo da ideologia e do momento histórico da época. Assim, a Constituição Imperial de 1824 é influenciada pela ideologia liberal, nos pilares de Smith, dessa maneira, o Estado deveria abster-se de tratar de temas econômicos (BAGNOLI, 2005, p. 37). Confirmando o exposto, reproduz-se o artigo 179 da Carta de 1824: “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte”. (CONSTITUIÇÃO 1824, art. 179, grifo nosso).

Ademais, a Constituição posterior, de 1891, conhecida por instaurar o regime republicano federativo, apenas reiterou a matéria econômica da anterior. Já a Constituição de 1934,

Ao contrário das duas primeiras constituições nacionais, a de 1934 já demonstra ideologia desenvolvimentista. É de se ponderar que o contexto jurídico era outro, principalmente, em razão da legislação que passou a regular alguns aspectos da atividade econômica, o que motivou a inclusão, pela primeira vez, do título: “Da Ordem Econômica e Social” (em seu Título IV, arts. 115 a 140) (MASSO, 2013, p. 51, grifos do autor)

 

 

 

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Diante do supracitado, percebemos que a Carta de 1934 é o reflexo das Constituições do México (1917) e de Weimar (1919), não só pelo fato de tratar da “Ordem Econômica”, mas, também, por ressaltar os direitos trabalhistas e sociais no âmbito econômico, sendo, pois, o marco do intervencionismo (em moldes próximos do que temos hoje) estatal no Brasil, vale enfatizar que tal constituição recebeu a denominação de “Constituição Econômica”, justamente por ter sido a primeira a tratar da ordem econômica. É também ela que instaura o Estado de Bem-Estar Social, rompendo com o Estado Libera.

No entanto, é a Constituição de 1937 que, explicitamente, enfatiza que o Estado intervirá na atividade econômica, nesse sentido, o artigo 135 da mesma diz:

Art. 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta. (CONSTITUIÇÃO 1937, grifo nosso).

Como objetivamos tratar do intervencionismo, é oportuno destacar que, como a Carta de 1937 permitiu a intervenção estatal, foram criados dispositivos que regulavam a atividade econômica, como “o Decreto-lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, o primeiro diploma legal brasileiro destinado a reprimir práticas atentatórias à livre concorrência”. (BAGNOLI, 2005, p. 43). Depreende-se que o foco da intervenção ainda destinava-se somente à regulação da participação das empresas, deixando de lado a “defesa do consumidor”, que só mais tarde será tratada juridicamente.

Entrementes, com a Constituição de 1946, que promoveu a redemocratização, vez que o Brasil, antes, estava sob regime

 

 

 

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militar, foi possível estabelecer regras disciplinadoras da atividade econômica que se encontravam submetidas ao cunho social (Estado de Bem-Estar Social). Foi nessa perspectiva que foi possível instituir a função social, a qual as empresas [e outros agentes e institutos privados] estavam submetidas[os], desse modo foi possível congregar as duas facetas, econômica e social, assegurando assim um desenvolvimento econômico, sem desprezar o desenvolvimento social (apesar que nem sempre desenvolvimento econômico implica desenvolvimento social). Destarte, é oportuno destacar o que nos diz João Bosco Leopoldino da Fonseca apud Masso (2013, p. 55):

O alicerce daquela Constituição é todo ele neoliberal. Esta expressão vem significar que, aceitos os princípios básicos do liberalismo político e econômico, são eles amoldados pelas novas conquistas sociais e informados pela nova postura do Estado perante o fenômeno econômico.

Por conseguinte, em 1967 é promulgada outra Constituição, essa servia, principalmente, para legitimar os atos dos militares que estavam no poder, dessa maneira, o intervencionismo perdeu um pouco seu foco, nesse aspecto, acentua Figueiredo (2014, versão digital) que “A Constituição de 24 de janeiro de 1967 manteve uma certa linha intervencionista, sem, contudo, definir um sistema econômico a ser adotado pelo Estado, ficando hesitante entre o intervencionismo e o liberalismo”. Visto que os militares, sob influência norte-americana, consequentemente defendiam o capitalismo, enalteciam o nacionalismo e a segurança, deixaram a iniciativa privada “livre” (pois o intervencionismo não ocorria de forma latente) para prover o desenvolvimento do país. Diante disso, é mister observar o § 8º do artigo 157:

[...]Art. 157 - §8º São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de

 

 

 

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competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais. (CONSTITUIÇÃO 1967, grifo nosso)

Outrossim, ainda sob o regime militar, foi promulgada, em 1969, a Emenda Constitucional nº1 que, por ter modificado bastante a Constituição, é tratada como uma nova Carta, no entanto, na liça econômica, promoveu as seguintes alterações, no dizer de Bagnoli (2005, p. 49):

Admitiu greve, exceto no serviço público e atividades essenciais, e delimitou a competência do setor privado e do estatal na organização e exploração da atividade econômica, assegurando ao Estado sua atuação ou intervenção no domínio econômico. [Destacou-se].

Depreende-se de tal mudança que o Estado promoveu um monopólio legal para si, principalmente na área petrolífera, pois assegurou constitucionalmente a exploração de determinadas atividades. Tendo em vista que a Petrobras foi criada em 1953, para monopolizar o petróleo brasileiro, e nessa época já monopolizava o petróleo, tendo sido apenas “juridicizada” essa ação.

Passado esse período mais conturbado de ditaduras, em 1988 é promulgada a nossa Constituição atual. Essa conseguiu explicitar bem o intervencionismo do Estado no domínio econômico, assim como, a ideologia adotada pelo Estado; assim como as anteriores, destacou uma parte no “Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira”, para tratar da atuação do estado em face do fenômeno econômico. Vale ressaltar que o rol de artigos de tal título é delineado de outros princípios elucidados em outros artigos.

É de tal forma que, no artigo 1º (que lista os fundamentos da República), no seu inciso IV dispõe que:

Art. 1º A república Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV – os valores sociais do

 

 

 

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trabalho e da livre iniciativa; (CONSTITUIÇÃO 1988).

Pode-se inferir da leitura de tal dispositivo que o Estado dar uma ênfase na atividade econômica, ao explicitar a livre iniciativa como fundamento da república; vale ressaltar que, ao dispor dos valores sociais do trabalho junto com essa última, prima pelo equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e as condições de trabalho. É notável também que ele compartilha da ideologia liberalista, porém, há de se observar que não mais no modelo de Smith, visto que o Estado intervirá.

É notável a carga ideológica liberalista e neoliberalista no texto Constitucional, por exemplo, no texto do artigo 5º e seus incisos há várias proposições que nos remete a tais, a saber: nocaput do artigo é possível observar que é assegurado o direito à igualdade, à propriedade etc, esses são alguns dos pilares das economias de mercado. Por outro lado, também é explícito que o Estado intervirá na seara econômica, pois nos incisos do referido artigo percebe-se alguns dispositivos, porquanto: a função social da propriedade (forma do Estado limitar o uso abusivo da propriedade), a defesa do consumidor (esse, sendo corolário do princípio da igualdade e da livre concorrência, o Estado protege o consumidor do poder abusivo dos capitalistas, bem como lhe assegura a escolha dos produtos conforme sua vontade). São esses princípios, garantias e direitos que formaram boa dos princípios da Ordem Econômica.

Faz-se oportuno transcrever o artigo 170 da Carta de 1988 e tecer alguns comentários: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando os seguintes princípios: ” (CONSTITUIÇÃO 1988). Depreende-se de tal dispositivo que, ao condicionar a ordem econômica aos “ditames da justiça social” e a “valorização do trabalho”, o legislador quis proteger, bem como, assegurar os direitos trabalhistas e, também, asseverar a igualdade na participação da atividade econômica. Desse modo, informa-nos Bagnoli:

A valorização do trabalho humano e a livre iniciativa revelam que a Constituição de 1988 prevê uma sociedade brasileira capitalista

 

 

 

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moderna, na qual a conciliação e composição dos titulares de capital e de trabalho é uma necessidade a ser viabilizada pelo Estado. (2005, p.58, grifo nosso).

Insta observar o posicionamento de Masso (2013, p. 64, grifos do autor) acerca da “justiça social”: “Conclui-se, pois, que o ditame da justiça social refere-se à participação ampla nos resultados da atividade econômica que deve garantir, inclusive, um nível de vida que proporcione o melhor acesso possível aos bens produzidos”.

Entrementes, é mister observar e fazer alguns comentários a respeito dos princípios da ordem econômica, visto que são ele que fornecem os subsídios para que a intervenção do Estado seja legitimada; deixar-se-á de comentar a despeito da “função social”, pois já foi ressaltado no trabalho. Assim, comecemos pela “soberania nacional”[2], essa como sendo um dos elementos essenciais para que seja possível a concepção de Estado, da mesma forma torna-se um pilar para que o Estado seja soberano em adotar a política econômica que melhor lhe aprouver, porém, de outro modo, acentua Masso (2013, p. 66) que “A possibilidade de soberania econômica na atualidade é inatingível, a liberdade de escolha dos caminhos a serem trilhados, mesmo nos países de maior independência econômica, é impossível.”

A afirmação do autor é condizente com o cenário econômico atual, em que há um verdadeiro monopólio dos conglomerados capitalistas e, consequentemente, uma grande influência nas decisões. Outrossim, a soberania econômica plena torna-se subjugada em decorrência do processo de globalização, que interliga os mercados mundiais, dessa maneira, não se pode falar em soberania efetiva, mas apenas em um certo grau de liberdade nas decisões de cunho econômico, visto que um mercado estrangeiro pode interferir.

O próximo princípio a ser ressaltado trata-se da “propriedade privada”[3], que é um dos pilares do sistema capitalista (ou economia de mercado ou liberalismo). No dizer de Figueiredo, a propriedade privada

É um direito real, exercido por um determinado titular em face de um determinado bem, que lhe assegura direito de uso (utilização

 

 

 

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do bem como melhor lhe aprouver), de fruição (auferir lucro com o bem), de disposição (possibilidade de livre alienação da coisa de acordo com seu livre-arbítrio) e de sequela (direito de persecução do bem, onde quer que ele esteja). (2014, versão digital).

Vale ressaltar que tal princípio encontra-se mitigado pelo princípio da “função social da propriedade”[4], dessa maneira, a propriedade não mais encontra-se com o valor supremo que possuía no viés liberal, assim, não se pode utilizar a propriedade como bem quiser.

Por conseguinte, o princípio da “livre concorrência”[5]encontrasse elencado nos incisos do artigo 170, esse, além de traduzir a ideologia que o Estado adotou (economia de mercado), vem para equacionar a forma de participação dos diferentes agentes econômicos (é por causa dele que a pequena empresa tem privilégios sobre as maiores, para garantir a livre concorrência), note-se que tal princípio não pode mais ser concebido nos moldes de Smith, do liberalismo clássico. Nesse sentido, Bagnoli ressalta que,

A garantia da competição leal, isenta de práticas anticoncorrenciais e de utilização abusiva do poder econômico, é assegurada pelo Estado, por meio de agências reguladoras e de órgãos de defesa da concorrência, como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). (2005, p. 61)

Prosseguindo, o seguinte princípio que convém destacarmos é o da “defesa do consumidor”[6]. Tal princípio possui legislação específica, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), no entanto, há de ser observar que a defesa do consumidor também se encontra dissolvida na “livre concorrência”, pois essa assegura a liberdade do consumidor escolher o bem que lhe aprouver. Masso (2013, p. 71) destaca muito bem a necessidade de se ter esse direito ao reconhecer que o consumidor é hipossuficiente diante da atuação dos agentes econômicos e, por ser o alvo final do processe produtivo, portanto, alvo dos mais diversos artifícios do marketing, merece proteção e é justamente o objetivo de tal princípio, promover

 

 

 

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a proteção equilibrando a relação jurídica (consumidor-agente econômico).

Ademais, temos o princípio da “defesa do meio ambiente”[7]que, em seu texto na Constituição, permite o tratamento diferenciado dos agentes a depender dos danos causados ao meio ambiente. É justificável esse princípio pelo fato da atividade econômica implicar em degradação dos recursos naturais, assim, deve-se assegurar o desenvolvimento econômico concomitante a preservação ambiental, principalmente com o conceito atual de desenvolvimento sustentável, que enaltece bastante esse princípio.

Procedendo, há o princípio da “redução das desigualdades regionais e sociais”[8], esse deve ser entendido de forma combinada com a ideia de desenvolvimento econômico, dessa maneira, o objetivo de tal princípio é conciliar, bem como subordinar, o desenvolvimento na seara econômica de modo que seja possível reduzir as desigualdades. André Ramos Tavaresapud Masso (2013, p.73) assevera que esse princípio “impõe que o desenvolvimento econômico e as estruturas normativas (liberais) criadas para fundamentar o crescimento econômico devam estar voltadas também à redução das desigualdades em todas as regiões do país[...]”. Ademais, é oportuno transcrever as sábias palavras de Figueiredo sobre tal princípio:

Consiste no compartilhamento equânime, em todas as regiões do país, do desenvolvimento social advindo da exploração de atividade econômica. Fundamenta-se no princípio geral de direito do solidarismo que consubstancia todo o intervencionismo social, bem como num conceito de justiça distributiva, visto sob uma perspectiva macro, no qual o desenvolvimento da Nação deve ser por todos compartilhado, adotando-se políticas efetivas de repartição de rendas e receitas, com o fito de favorecer as regiões e as classes sociais que se encontram em desnível e em posição de hipossuficiência em relação às demais. (2014, versão digital).

 

 

 

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Outro princípio é o da “busca pelo pleno emprego”[9], observa-se que ele é requisitado como um fim da atividade econômica, ou seja, se o processo produtivo estiver ocorrendo sob todos os requisitos, o pleno emprego será alcançado, é nessa perspectiva que Masso (2013, p. 74) desta que “O pleno emprego, na verdade, é uma das consequências da economia em pleno e eficiente desenvolvimento”.

O próximo princípio, “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte”[10], é corolário da “livre concorrência”, pois visa assegurar a concorrência justa entre as empresas menores e maiores, tendo em vista que há um grade monopólio das transnacionais e multinacionais, o que acaba por inibir a participação das outras no mercado, então, cabe ao Estado interferir no mercado para garantir e incentivar a entrada e permanência dessas empresas no mercado[11].

3 ESTADO REGULADOR: NOVO PERFIL

O Estado Regulador é corolário do neoliberalismo, pois, tal figura surge em meio ao rompimento da ideia de Estado Liberal, assim, o Estado fomenta a iniciativa privada a produzir e fornecer os serviços que eram peculiares ao Estado, no entanto usa de órgãos para regular a atuação dessas empresas no mercado. Ressalta Figueiredo que

A regulação econômica sistemática tornou-se uma questão concreta no Brasil com as privatizações levadas a cabo pelo governo brasileiro na década de 1990, que concedeu à iniciativa privada diversos “monopólios naturais”, ou “quase monopólios” que antes se encontravam sob a égide das empresas estatais. (2014, versão digital).

Tais órgãos são conhecidos como Agências Reguladoras[12] (ANATEL – Agência Nacional de Telefonia; ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica; ANCINE – Agência Nacional do Cinema; ANAC – Agência Nacional de Aviação

 

 

 

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Civil; ANTAQ – Agência Nacional de Transporte Aquaviários; ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres; ANP – Agência Nacional de Petróleo; ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária; ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar e ANA – Agência Nacional de Águas.). A criação de tais agências encontra sua legitimação no texto do artigo 21 da Constituição de 1988:

Art. 21. Compete à União: [...]XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão reguladore outros aspectos institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços deradiodifusão sonora, e de sons e imagens;b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético doscursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres.[13][Destacou-se]

Nesse novo modelo, o Estado deixa de monopolizar alguns setores, participando apenas de maneira indireta e direta e fomentando as empresas a fornecerem e atuares nos setores que eram, antes, de incumbência do Estado. É nesse sentido que o artigo 173 da Carta Magna ressalta:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade

 

 

 

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econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (CONSTITUIÇÃO 1988).

Consoante a esse novo perfil, salienta Figueiredo: Adotando uma postura característica de Estado Regulador, a Constituição da República veda expressamente ao Estado brasileiro a exploração direta da atividade econômica. Fácil verificar que houve, por parte do legislador constituinte, um abandono gradual do modelo intervencionista que vinha adotando a partir da Carta Política de 1934. (2014, versão digital).

Vale enfatizar que a participação indireta do Estado, que ocorre por meio dos entes administrativos, sobretudo as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista (também chamadas de entidade estatais empresariais). Outrossim, é de tal maneira que o Estado se abstém da intervenção brusca que, ao explorar a atividade econômica de forma indireta, submete as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista às normas que regem a iniciativa privada, com o fito de assegurar a livre concorrência, bem como “não interferir” no mercado. Confirmando tais afirmações, convém transcrevermos os dispositivos constitucionais que as legitima:

Art. 173, §1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: [...]II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; [...]§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. [...]§ 4º - lei

 

 

 

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reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

Fica mais claro a concepção do Estado Regulador nesse momento da história brasileira ao citarmos o artigo 174 da Constituição o qual explicita que o Estado é o “agente normativo e regulador” e assevera que o planejamento que for adotado é “determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”, dessa maneira, além de evidenciar o novo perfil estatal, assevera a participação equânime do setor público e do setor privado.

4 O CASO DA CHESF

A CHESF é uma sociedade anônima de capital aberto (subsidiária da eletrobras) prestadora de serviços elétricos que abrange a região Nordeste, por ser prestadora de serviço público, e ser de capital misto, encontra-se sob a regulação da ANELL – Agência Nacional de Energia Elétrica. Como se sabe, o fornecimento de energia elétrica foi desestatizado, sendo prestado, pois, por empresas da iniciativa privada e, nesse caso, por uma Sociedade de Economia Mista. Assim, o Estado atua como regulador (“Novo Perfil”) da prestação desse serviço.

É interessante notarmos que, apesar da CHESF ser uma Sociedade de Economia Mista, portanto ente da administração indireta sendo, pois, uma empresa estatal, a mesma foi multada pela ANELL. A multa aplicada é legitimada, no nosso entendimento, pelo fato de a empresa ser de capital misto, logo, há investimentos privados em ações na mesma, e, por isso, é possível a aplicação da multa, além desse fato, insta observar, como já ressaltado antes, que, em consonância com o princípio da livre concorrência, às sociedades de economia mista são aplicadas as normas de direito privado, sendo outro fato que legitima a aplicação da multa. Outrossim, acreditamos que, por tratar-se de uma concessionária de serviço público, e um dos princípios do serviço público é a continuidade do serviço, ela o descumpriu; ademais, é mister observar que há a defesa do consumidor em jogo, pois somos nós que pagamos pelo serviço, logo, não poderíamos sofrer danos[14] pela incompetência dos outros.

 

 

 

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A CHESF foi multada em R$ 32,3 milhões pela ANELL, em decorrência do blecaute ocorrido em 4 de fevereiro de 2011 que atingiu 8 estados do Nordeste[15]. Assim, a agência reguladora, cumprindo sua função de fiscalizadora, fez uma vistoria nas instalações da subsidiária e constatou que ela não havia cumprido com os procedimentos de rede instituídos pela ANELL.

Foi oportuno destacar esse exemplo pois observamos os dois vieses da intervenção do Estado no domínio econômico: primeiro como explorador de atividade econômica, sob a forma de empresa estatal (esta que é de capital misto, no entanto o capital majoritário é do Estado), nesta mesma perspectiva, podemos nos remeter ao fato político-econômico que foi a desestatização, pois, enquanto antes o fornecimento de energia elétrica era somente de monopólio estatal, abriu-se a possibilidade da iniciativa privada participar desse serviço, e foi na concessionária que o Estado possibilitou isso; o segundo viés diz respeito ao “novo perfil do Estado”, o regulador, em que, no uso de sua agência reguladora, a ANELL, fiscalizou e multou a concessionária de serviços elétricos por inobservância dos planos de rede instituído pela mesma. Tal exemplo chega até a ser um pouco paradoxal, pois como poderia o Estado multar a si mesmo? No entanto, há de se observar, como já foi exposto, que a concessionária possui capital privado investido, além de submeter-se às leis privadas, desse modo, é possível que o Estado a multe, no nosso entendimento. Entrementes, é válido destacar o entendimento de Figueiredo acerca das agências reguladoras que também justifica a multa:

Por sua vez, compete às Agências Reguladoras, enquanto entidades integrantes da Administração Pública Indireta, exercerem a atividade de regulação de forma independente e apolítica ao Governo Central, como veremos adiante, em capítulo posterior. (2014, versão digital, grifo nosso.).

CONCLUSÃO

Ao término do trabalho, pode-se depreender que o fenômeno de intervenção do Estado no domínio econômico é relativamente recente, sendo observado, em linhas gerais, por volta do século XX em diante, na Constituição Mexicana (1917) e de Weimar (1919).

 

 

 

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Trata-se de um fenômeno multifacetário, visto que o Estado, no passar do tempo, assumiu e incorporou várias formas de intervenção e participação na atividade econômica, destacando-se, no Brasil, as formas de intervenção por meio de leis [e princípios], atuação das agências reguladoras, é aqui que o Estado assume um novo perfil e adota uma postural mais neoliberal, e, também, quando participa sob a forma de empresas estatais, que se equiparam a empresas privadas.

Tais formas de participação puderam ser observadas, na prática, na análise do caso da CHESF, em que pese atuação do Estado na forma de empresa estatal e, posteriormente (ou ao mesmo tempo, visto que a atividade de regulação é ininterrupta), regulando e fiscalizando a prestação do serviço, como incumbiu o artigo 174 da Constituição Federal de 1988.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGNOLI, Vicente. Direito econômico. São Paulo: Atlas, 2005.

BRASIL. Constituição de 1824. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 11 maio 2015.

_____. Constituição de 1891. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso em: 11 maio 2015.

_____. Constituição de 1934. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 12 maio 2015.

_____. Constituição de 1937. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso em: 12 maio 2015.

_____. Constituição de 1946. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>. Acesso em: 12 maio 2015.

 

 

 

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_____. Constituição de 1967. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm>. Acesso em: 13 maio 2015.

_____. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 13 maio 2015.

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2014.

MASSO, Fabiano Del. Direito econômico esquematizado. São Paulo: Gen/Editora Método, 2013, versão digital.

NOTAS:

[1] Vale ressaltar que coincide com o intervencionismo estatal o surgimento da ideia de Direito Econômico.

[2] Art. 170, inciso I da Constituição Federal de 1988.

[3] Art. 170, inciso II da Constituição Federal de 1988.

[4] Art. 170, inciso III da Constituição Federal de 1988.

[5] Art. 170, inciso IV da Constituição Federal de 1988.

[6] Art. 170, inciso V da Constituição Federal de 1988.

[7] Art. 170, inciso VI da Constituição Federal de 1988.

[8] Art. 170, inciso VII da Constituição Federal de 1988.

[9] Art. 170, inciso VIII da Constituição Federal de 1988.

[10] Art. 170, inciso IX da Constituição Federal de 1988.

[11] Cf. Art. 179 da Constituição Federal de 1988.

 

 

 

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[12] Agências Reguladoras, na verdade, são autarquias (ente administrativo) submetidas a um regime especial.

[13] Se bem observarmos, algumas das alíneas do inciso XII corresponde a um setor cuja agência reguladora foi criada para disciplinar a exploração econômica.

[14] Fala-se em danos porque muitas pessoas que possuem atividades que necessitam da energia elétrica para funcionar tiveram prejuízos, como é o caso de quem cria peixes e precisa da energia para oxigenar a água, ou quem tem galpões aviários que precisam da energia para aquecer as aves etc.

[15] G1. Economia e negócios. Aneel multa Chesf em R$ 32,3 milhões por apagão no Nordeste. Disponível em: < http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2012/06/aneel-multa-chesf-em-r-323-milhoes-por-apagao-no-nordeste.html>. Acesso em: 13 maio 2015.

FACULDADE DE DIREITO PROFESSOR DAMÁSIO

DE JESUS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM

DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL

ADRIANO GERALDO DOS SANTOS

Análise da eficácia das medidas protetivas de urgência nos

termos da lei 11.340/06 – lei Maria da Penha, face à fiança policial.

Arapiraca/AL, 2014

WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

Adriano Geraldo dos Santos

Análise da Eficácia das Medidas Protetivas de Urgência nos termos da

Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha, face à fiança policial.

Monografia apresentada como pré-requisito

para obtenção de título acadêmico em pós-

graduação em direito, sob a orientação do

professor Eduardo Alves Lima Chama.

Orientador: Eduardo Alves Lima Chama.

Arapiraca/AL, 2014

WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

SANTOS, Adriano Geraldo.

Lei 11.340/06 e CPP/Adriano Geraldo dos Santos. – São Paulo. A. G.

S. 2014. 53 p.

Monografia apresentada à Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus, como

exigência parcial para obtenção do título de especialista em Legislação

Extravagante: Lei nº 11.340/06, sob a orientação do professor Eduardo Alves

Lima Chama.

1. Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha. Eficácia das medidas

protetivas e vedação dafiança policial.

WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

Adriano Geraldo dos Santos

Análise da Eficácia das Medidas Protetivas de Urgência nos

termos da Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha, face à fiança policial.

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção de título acadêmico de pós-graduação em direito, sob orientação do Professor Eduardo Alves de Lima Chama.

Banca Examinadora

Prof(a). Dr(a). _________________________

Nome da Instituição de origem

Banca Examinadora

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Prof(a). Dr(a). _________________________

Nome da Instituição de origem

Aprovação: ___________________________

_______________ / ___ / ______ / 2014

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Dedico a Deus pelo amor e orientação divina, a minha família pelo carinho, dedicação e

motivação que me fizeram chegar até aqui. Ao meu filho Guilerme que me concedeu a

responsabilidade de ser pai e poder contribuir para sua formação, repassando valores

adquiridos em outrora que o apoiarão em suas escolhas.

AGRADECIMENTOS

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Ao meu Senhor Deus pela inspiração e força que me tem concedido nessa caminhada em busca

de meus objetivos.

A minha família que sempre com carinho me proporcionaram incentivos, ensinando a seguir e

defender valores do bem, verdade e honestidade e por todo amor a mim dedicado pensando no

meu bem estar e na minha felicidade.

Ao meu orientador, professor Eduardo Alves Lima Chama, pela atenção dedicada a minha

pesquisa.

Em fim, aos colegas pela amizade e me assessoram nas dúvidas quando precisei e por todos

que me incentivaram a defender a presente pesquisa.

RESUMO

Após décadas reivindicando o fim da violência doméstica as mulheres conseguiram reprimir a

discriminação de gênero no âmbito da entidade familiar,sob o amparo da Lei 11.340/06,

denominada Lei Maria da Penha. Todavia, essa lei gerou algumas controvérsias quanto a sua

constitucionalidade, principalmente por tratar homem e mulher de forma diferenciada diante do

mesmo caso. E também por abranger pessoas independentemente de sua orientação sexual. Mas

superados esse entrevero a lei promissora não conseguiu baixar os índices de violência de

maneira satisfatória. Ocasião que para alguns resumia-se na ineficácia da lei e de seus institutos

de proteção e assistência a mulher. Diante dessa problemática, o presente trabalho visa

investigar e identificar o problema, estudando as razões de criação da lei, bem como a polemica

da vedação da fiança policial e aplicação das medidas protetivas. Em vista disso, para atingir

os fins constitucionais pretendidos na lei, propõe-se uma reanalise na interpretação para

aplicação da lei, bem como de seus institutos.

Palavras chaves: vedação da fiança policial, eficácia das medidas protetivas e violência contra

as mulheres.

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ABSTRACT

After decades claiming the end of domestic violence women managed to overcome gender

discrimination within the family unit that has long stereotyped womanhood , under the terms

of Law 11.340/06 , named Maria da Penha Law . However , this law has generated some

controversies as to its constitutionality , mainly because men and women differently on the

same case . And also cover people regardless of their sexual orientation . But to overcome this

melee promising law was unable to download the rates of violence satisfactorily. For some time

that summed up the ineffectiveness of the law and their institutes to protect and assist the

woman . Faced with this problem , this paper aims to investigate and identify the problem ,

studying the reasons for the creation of the law , as well as the controversy seal of police bail

and implementation of protective measures . In view of this, to meet constitutional purposes

intended by law to propose a reanalysis interpretation for law enforcement .

Keywords : sealing of police bail , effectiveness of protective measures and violence against

women

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11

SEÇÃO 1 ASPECTO HISTÓRICO SOBRE A CRIAÇÃO DA LEI MARIA

DA PENHA .......................................................................................................................... 12

1.1 Violência de Gênero contra a Mulher ................................................................................. 12

1.2 A luta das mulheres brasileiras contra a violência doméstica ............................................. 15

1.3 A influência dos tratados internacionais contra a violência domésticas e Familiares ........ 20

1.4 Dados estatísticos sobre violência contra a mulher dentro da entidade familiar ................ 22

1.4.1 Dados comparativos sobre violência doméstica antes e após a vigência da Lei Maria da

Penha ........................................................................................................................................ 25

1.5 O projeto de Lei nº 8006/13 ............................................................................................... 26

1.6 Aspectos legais da Lei Maria da Penha .............................................................................. 28

1.6.1 Finalidade da Lei 11.340/06 ............................................................................................ 28

1.6.2 Configuração e forma de Violência Doméstica e Familiar ............................................. 29

1.6.3 Âmbito de abrangência .................................................................................................... 30

1.6.3.1 Familiar ......................................................................................................................... 30

1.6.3.2 Doméstico .................................................................................................................... 31

1.6.3.3 Intimo de afeto .............................................................................................................. 31

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SEÇÃO 2 EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS E FIANÇA

POLICIAL ........................................................................................................................... 31

2.1 Das Medidas Protetivas .................................................................................................... 32

2.1.1 Medidas que obrigam o agressor ..................................................................................... 34

2.1.1.1 Suspensão da posse ou restrição do porte de armas ..................................................... 34

2.1.1.2 Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência ................................................ 35

2.1.1.3 Distanciamento do agressor .......................................................................................... 35

2.1.1.4 Restrição ou suspensão de visitas aos filhos menores .................................................. 36

2.1.1.5 Prestação de alimentos provisórios ou provisionais ..................................................... 36

2.1.2 Medidas dirigidas a ofendida ........................................................................................... 37

2.1.2.1 Encaminhamento da ofendida e dependentes a local seguro ........................................ 37

2.1.2.2 Recondução da vítima e dependentes ........................................................................... 38

2.1.2.4 Afastamento da ofendida do lar conjugal ..................................................................... 38

2.1.2.5 Separação de corpos ..................................................................................................... 39

2.1.3 Das medidas patrimoniais ................................................................................................ 39

2.1.3.1 Restrição de bens .......................................................................................................... 39

2.1.3.2 Suspensão das procurações ........................................................................................... 39

2.1.3.4 Prestação de caução provisório..................................................................................... 40

2.1.4 Da prisão preventiva ........................................................................................................ 41

SEÇÃO 3 JUSTIFICATIVA DAS MEDIDAS PROTETIVAS E DA

VEDAÇÃO DA FIANÇA POLICIAL PERANTE A CONSTITUIÇÃO ....... 43

3.1 Constitucionalidade das medidas protetivas ....................................................................... 47

3.2 Constitucionalidade da vedação da fiança policial ............................................................. 53

SEÇÃO 4 DISCRICIONARIEDADE E FUNGIBILIDADE NA

APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS .................................................... 56

4.1 Discricionariedade na concessão das medidas protetivas ................................................... 56

4.2 Fungibilidade na aplicação das medidas protetivas ............................................................ 56

5 CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 58

6 REFERÊNCIA ........................................................................................ NOTA DE RODAPÉ

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por principal objetivo o estudo dos institutos das medidas protetivas de urgência disciplinadas pela lei Maria da Penha, bem como a vedação da concessão da fiança pela autoridade policial nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, tendo como suporte além de leis infraconstitucionais a constituição federal. Nesse contexto,serão analisados alguns aspectos do projeto de Lei 6008/13.

Serão apresentadosdados referentesà violência doméstica contra a mulher, frisando uma pequena redução quando comparado a incidência dessa violência antes e depois da Lei Maria da Penha. Situação que, para alguns, expressa a ineficácia das medidas protetivas. Nesse passo, para atingir os fins pretendidos pela Lei e pela Constituição, ou seja, proteger efetivamente a mulher em situação de violência doméstica, o trabalho objetiva justificar constitucionalmente a vedação da fiança policial, considerando-a ser um dos fatores que enfraquece ou anula a prevenção e repressão da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Também será analisado o conceito e formas de violência doméstica e familiar, bem como a finalidade da Lei para entender o porquê do tratamento legal diferenciado entre homem e mulher diante dos casos de violência doméstica e familiar, ressaltando a luta dos movimentos feministas que criaram conceito de discriminação de gênero, base de aplicação da Lei 11.340/06.

O estudo foi dividido em 3 (três) partes. Sendo que a primeira trata da análise da evolução histórica das condições da mulher dentro do ambiente doméstico e familiar, das lutas feministas para pôr fim essa desigualdade, do projeto de Lei 6008/13, do conceito e formas que essa violência se manifesta, bem como dados estatísticossobre ela, apontando uma redução sutil.

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11

A segundaseção evidencia os tipos e aplicabilidade das medidas protetivas que obrigam o agressor, dirigidas a ofendidas e patrimoniais. Ainda observando quando da prisão em flagrante do agressor a concessão da fiança pelo delegado nos termos da Lei Maria da Penha, da Constituição e do Código Processo Penal.

A terceira seção, por ultimo, versa sobre a constitucionalidade das medidas protetivas e da vedação da fiança pelo delegado quando da prisão em flagrante do agressor. Nesse ponto, repousa o objetivo da pesquisa que é contribuir para eficácia/efetividade da Lei Maria da Penha e de seus institutos. Desse modo, como a prisão preventiva é cabível aos crimes de violência doméstica, fica a cargo do juiz quando do recebimento do flagrante soltar ou não o acusado mediante fiança ou medida protetiva.

O estudo do trabalho encerra-se com a conclusão onde serão pontuados assuntos em evidência, procurando esclarecer a importância do tema e motivar o leitor a dá continuidade aos estudos sobre a aplicação da lei Maria da Penha.

1. ASPECTO HISTÓRICO SOBRE A CRIAÇÃO DA LEI MARIA

DA PENHA

Para compreender o que motivou a criação da lei Maria da Penha faz-se imprescindível

abordar e conceituar o que seria violência de gênero.

Assim, este capítulo objetivará a demonstrar a violência de gênero e as lutas das

mulheres brasileiras em busca de que se criassem mecanismos eficazes ao estancamento dessa

violência, principalmente, as razões que fomentaram a edição da Lei 11.340/06 –Lei Maria da

Penha.

1.2 Violência de Gênero contra a mulher

Culturalmente a sociedadepromovera diferenças entre o homem e a mulher que por

muito tempo constituiu-se na subordinação dela a ele. A mulher era vista como o sexo frágil da

relação conjugal, destinada a viver sob o domínio do marido, sendo controlada em suas atitudes.

Assim, se legitimou ao longo dos anos a ideia de que o homem pode dispor sobre a mulher.

Nesse passo Dias explica que “o fundamento é cultural e decorre da desigualdade no exercício

do poder que leva a uma relação de dominante e dominado”1.

1DIAS, Maria Berenice. A lei maria da penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. - 2. ed. rev., atual. eampl., - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 19.

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12

Para Sueli Bulhões ainda persiste na sociedade uma cultura machista em que o homem

manda na mulher a qual é ensinada compreendê-lo:

Existe na sociedade uma cultura machista, onde o homem manda na mulher, ela é vista como um objeto. Ou seja, ainda temos uma cultura da dominação do macho. Quando essa cultura machista é associada a problemas como drogas, alcoolismo, estresse, desemprego e outros fatores o homem descarrega na mulher toda agressividade.2

Como visto acima, essa diferença hierárquica entre os sexosdecorre dos atributos

socialmente definidos para cada sexo. Desde criança o homem é ensinado a ser forte, dominador

e que cabe a ele afazeres mais pesados de maior esforço físico, relevantes ao sustento da família

e a mulher por ser frágil lhe era atribuídos trabalhos mais leves, geralmente vinculados aos

cuidados domésticos. O homem era visto como chefe da família a quem todos os integrantes

dela deviam-lhe obediência.Desse modo afirma Dias que “a superioridade e a honra masculina

eram defendidas a “ferro e fogo” e essa postura acabava sendo referendada pelo Estado3.

Acrescente-se que a discriminação de gênero se destaca tanto no setor econômico

como no âmbito jurídico, mesmo havendo direitos feministas abstratamente previstos, a mulher

não conseguia desfrutar de igualdade de condições perante o homem, consoante citado adiante:

A mulher sempre foi se não escrava do homem, ao menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o mundo em igualdade de condições; e ainda hoje, embora sua condição esteja evoluindo, a mulher arca com um pesado handicap. Em quase nenhum país seu estatuto legal é idêntico ao do homem, e muitas vezes este último prejudica consideravelmente. Mesmo quando os direitos lhe são abstratamente reconhecidos, um longo hábito impede que encontrem nos costumes sua expressão concreta. Economicamente, homens e mulheres constituem como que duas castas; em igualdade de condições, os primeiros têm situações mais vantajosas, salários mais altos, maiores possibilidades de êxito que suas concorrentes recém-chegadas. Ocupam, na indústria, na política, etc., maior número de lugares e postos mais importantes. Além dos poderes concretos que possuem, revestem-se de um prestígio cuja tradição a educação da criança mantém: o presente envolve o passado, e no passado toda a história foi feita pelos homens. No momento em que as mulheres começam a tomar parte do mundo, esse mundo ainda é dos homens. Eles bem o sabem, elas mal duvidam.4

Assim, em certo momento da história, tanto o estado como a sociedade contribuíram,

senão fomentaram a legitimação da violência doméstica contra a mulher em defesa da honra

em prol da virilidade masculina. Fato que até 2005 o adultério era considerado crime quando

praticado pela mulher. E em diversos casos os agressores acusados de homicídioem face do

2 BULHÕES, Sueli. Marias: Causas e consequências da violência doméstica. Disponível em <http://ongmarias.blogspot.com.br/2009/10/causas-e-consequencias-da-violencia.html>. Acessado em 07 de fevereiro de 2014. 3 Dias, 2010, p. 19 4Beavouir, Simone de.Passeidireito. -segundo sexo- Disponível em: <http://www.passeidireto. com/arquivo/1004638/segundo-sexo--simone-de-beavouir/3>. Acessado em 12 de fevereiro de 2014.

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13

cônjuge foram inocentados pelo tribunal do júri – julgamento popular-, que reconhecia ter o

acusado agido em legitima defesa da honra.Essa cultura machista ainda resiste no meio social,

mas não é acolhida pelo ordenamento jurídico, consoante julgado de 2008 do tribunal de justiça

de Espirito Santo(TJES):

EMENTA:

Apelação Criminal Júri - Absolvição - Decisão manifestamente contrária a prova dos autos - LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA - Ocorrência - Recurso provido.

1) O acusado que, se sentindo ofendido em sua honra subjetiva, de forma deliberada e inconseqüente, desferiu três tiros na vítima. A tese sustentada pela Defesa, de legítima defesa da honra, não é acolhida pelo nosso ordenamento.

2) Verificando-se que a decisão absolutória escolhida pelos Jurados não encontra qualquer sustentáculo no conjunto probatório, considera-se a mesma, manifestamente contrária à prova dos autos, devendo o réu por conseguinte, ser novamente submetido o julgamento pelo Tribunal Popular.

3) Recurso conhecido e provido para anular o julgamento e submeter os apelados a novo confronto perante o Tribunal Popular do Júri. (grifou-se)5.

Observa-se comoo passado tende a influenciar no presente de forma que os valores

associados a cada sexo constituem respaldo para que o cônjuge varãodecida sobre a vida e

liberdade da mulher, machismo que se arrasta passando de geração a geração. No entanto,

apesar de ser, em alguns casos, suscitada pelo autor e reconhecida pelojúri,não se tem mais

admitido a tese da legitima defesa da honra, pois entende-se por desonrado quem trai e não o

traído.

Ementa: JÚRI - HOMICÍDIO - LEGÍTIMADEFESA DA HONRA - TESE REJEITADA - CONDENAÇÃO - DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO. A honra é atributo pessoal, que não se transfere a pessoa diversa, nem mesmo ao marido; no adultério, desonrado é o cônjuge adúltero e não o traído. No estágio atual da civilização é inadmissível homicídio por legítimadefesa da honra, a pretexto de infidelidade do cônjuge.6

A vista disso, hoje em dia tem-se afirmado o direito de igualdade constitucional

substancial entre homens e mulheres, sendo inconstitucional dar tratamento desigual a situações

iguais uma vez que a honra da mulher e a do homem tem o mesmo valor perante a lei. Nesse

ponto Pignatari e Fernandes afirmam que:

5BRASIL. Tribunal de Justiça do Espirito Santo. Apelação criminal n° APR 6069000120 ES 006069000120. Recorrente: Ministério Público do Espirito Santo. Relator: Desembargadorrelator Adalto Dias Tristão. Disponível em: <http://tj-es.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6993617/apelacao-criminal-apr-6069000120-es-006069000120-tjes>. Acessado em 06 de Março de 2014. 6 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal nº APR 875332 SC 1988.087533-2. Recorrido: Ministério Público de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=homicidio+e+legitima+defesa+da+honra+&p=2>. Acessado em 27 de fevereiro de 2014.

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14

A legítima defesa da honra não é mais aceita pelos tribunais, sendo inconstitucional devido ao artigo 5º, I da Constituição Federal. Este prevê a igualdade entre os sexos. Assim, a honra do homem tem o mesmo valor da honra da mulher. Além disso, a honra do marido não pode ser manchada por atitudes da esposa, ou vice-versa, já que a honra é um atributo pessoal: a atitude de um indivíduo não pode contaminar ou atingir a honra do outro.7

Analisando o assunto,Ricardo Westin e Cintia Sassedizem que a discriminação de

gênero tem raízes sóciojurídico ehistóricocultural não estando diretamente associada a

problemas psicológicos ou outros fatores externos, como álcool, desemprego, ciúmes sendo

estes apenas o estopim para a deflagração da violência doméstica. Comentam que no Brasil na

época colonial a legislação admitia expressamente que o marido matasse a esposa se a

presenciasse cometendo adultério. Anos mais tarde, no período da republica,a legislação

condicionava a prática de alguns atos da mulher a outorga uxória do homem:

A vida do Brasil colonial era regida pelas Ordenações Filipinas,(...). Com todas as letras, as Ordenações Filipinas asseguravam ao marido o direito de matar a mulher caso a apanhasse em adultério. Também podia matá-la por meramente suspeitar de traição — bastava um boato.

No Brasil República, as leis continuaram reproduzindo a ideia de que o homem era superior à mulher. O Código Civil de 1916 dava às mulheres casadas o status de “incapazes”. Elas só podiam assinar contratos ou trabalhar fora de casa se tivessem a autorização expressa do marido. 8

Todavia, à medida que sobrevieram mudanças nessa forma de organização familiar foi

tornando perceptível socialmente o problema da violência doméstica e familiar contra a mulher,

notadamente com a independência financeira e de certa liberdade da mulher em participar nas

decisões sobre o rumo da entidade familiar, bem como em virtude do acesso ao meio político e

a órgãos públicos de proteção e acolhimento jurídico-social.

1.3A luta das mulheres brasileiras contra a violência doméstica e familiar

A violência doméstica e familiar contra a mulher tem se transformado numa questão

de política pública a nível internacional. Enquanto casada com Marco AntonioHeredia Viveiro

Maria da Penha Maia Fernandes sofrera diversas agressões e ameaças e como muitas vítimas

não o denunciava com medo de sofrer maiores represálias.Por duas ocasiões Herediatentou

contra a vida dela, inicialmente deixando-a paraplégica mediante disparo de arma de fogo e em

7 PIGNATARI, Nínive Daniela Guimarães; FERNANDES, Barbara Rossi. CRIME PASSIONAL E PRECONCEITO DE GÊNERO NA SOCIEDADE BRASILEIRA. Disponível em: http://www.linhasjuridicas.com.br/artigo.php?op=ver&id_artigo=110. Acessado em 03 de março de 2014. 8 SENADO, Jornal. Na época do Brasil colonial, lei permitia que marido assassinasse a própria mulher. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/especiais/2013/07/04/na-epoca-do-brasil-colonial-lei-permitia-que-marido-assassinasse-a-propria-mulher>. Acessado em 03 de março de 2014.

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15

outra ocasião enquanto Maria da Penha tomava banho o agressor tentou lhe eletrocutar.9Diante

disso ela sai de casa e resolve denunciar a justiça seu ex-marido pelos crimes cometidos.

Depois um longo processo e diante da morosidade da justiça brasileira em julgar e

condenar Marco AntonioHeredia, Maria da Penha, após 15 anos de processo sem decisão

definitiva, leva o caso ao conhecimento da corte interamericana de direitos humanos (CIDH)

da Organização das Nações Unidas (OEA), ocasião que conhecida a denuncia esta corte

responsabilizou e recomendou ao Brasilresolver o caso Maria da Penha e a promoção de

mecanismo que prevenisse e coibisse a violência doméstica e familiar no país.10A decisão da

corte foi fundamental para que o Brasil condenasse o agressor e criasse a lei 11.340/06 – Lei

Maria da Penha.

Discorrendo sobre a violência doméstica Tania Pinafi, aponta como marco inicial da

luta das mulheres pelo fim da discriminação de gênero o ano de 1975 em que os movimentos

feministas publicitaram a violência doméstica, revelando ao público a face violenta da entidade

familiar. Época em que esses movimentos incentivavam as mulheres a denunciar seus

agressores tentando conscientizar à sociedade da gravidade da discriminaçãojurídica e social

contra elas.Com efeito, esse tratamento discriminatório configurava um atraso na qualidade de

vida das mulheres e as deixava em desigualdade no exercício de direitos e do poder em relação

aos homens, consoante o descrito:

No Brasil, a denúncia dessa violência específica iniciou-se em um contexto mais amplo de violações de direitos humanos cometidas pela ditadura militar cujo período mais duro coincidiu com o resurgimento do movimento feminista no cenário nacional - 1975. Ao propor que o privado é político o movimento feminista trazia para o campo público a violência praticada na privacidade da família, estimulando, igualmente, as mulheres a denunciar também a violência sexual, considerada pela lei penal um crime de ação privada. (...).

No bojo da luta por igualdade de direitos, o movimento feminista pôs em evidência os preconceitos e as discriminações contra as mulheres nas leis, nos costumes, nas práticas sociais e suas conseqüências para a população feminina - dificuldade no acesso ao mercado de trabalho, baixa remuneração no emprego, impedimentos de ascensão profissional, ausência de representatividade nas esferas de poder do Estado e da sociedade, dentre outras.11

9 Dias, p. 15 e 16. 10AFFONSO, Beatriz; PENHA, Maria da: PANDJIARJIAN, Valeria. O caso Maria da Penha. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0707200808.htm.>. Acessado em: 13 de março de 2014. 11 PINAFI, Tania. Violência contra a mulher: políticas públicas e medidas protetivas na contemporaneidade. Disponível em: <http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao21/materia03/>. Acessado em: 20 de fevereiro de 2014.

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16

Nesse contexto, comenta a autora que no inicio dos anos 80, os movimentos feministas

contrapondo os conceitos machistas “mulher gosta de apanhar” ou “pancada de amor não dói”

levaram as ruas slogan “quem ama não mata” e o “silêncio é cumplice da violência” no intuito

de conscientizar a sociedade das agressões covardes perpetradas por parceiros íntimos e a não

absolver homicida de mulher em razão da legitima defesa da honra.

A política sexista reinante até então, deixava impunes muitos assassinatos de mulheres sob o argumento de legítima defesa da honra. Como exemplo, temos em 1976, o brutal assassinato de Ângela Maria Fernandes Diniz pelo seu ex-marido, Raul Fernando do Amaral Street (Doca) que não se conformou com o rompimento da relação e acabou por descarregar um revólver contra o rosto e crânio de Ângela. Sendo levado a julgamento foi absolvido com o argumento de haver matado em ‘legítima defesa da honra’. A grande repercussão dada à morte de Ângela Diniz na mídia, acarretou numa movimentação de mulheres em torno do lema: ‘quem ama não mata.12

Pois, era prática comum naquela época o tribunal do júri absolver sob tal argumento,

consoante julgado do Tribunal de Santa Catarina:

(...), em novembro de 1989, (...). O denunciado agiu motivado por ciúmes, e atingiu a vítima (sua amásia) quando ela estava sentada no vaso sanitário, não lhe oportunizando qualquer defesa. (...). Submetido a julgamento pelo Tribunal Popular, foi o acusado condenado àpena de 01 (um) ano de detenção por infração ao art. 121, § 3o., do CP, por tero Conselho de Sentença acatado a tese defensiva da legítima defesa da honra,reconhecendo, todavia, o excesso culposo.13 (grifo nosso)

A partir de então começa-se permear na sociedade novos hábitos feministas com o

objetivo de desconstruir o conservadorismo e promover mudanças jurídica e social para pôr fim

preconceitos e discriminação de gêneros. Assim, extrai-se da lição de Barsted que os

movimentos feministas defendiam a participação de mulheres nas três esferas de poder político,

bem como através de dados quantitativo e qualitativo demonstraram a necessidade de discutir

e estudar o problema da violência doméstica junto ao Estado e sociedade de modo a ser dada

atenção a problemática por meio de politicas públicas de prevenção e repressão e não só com

políticas de tratamento a vitimas e punições de agressores.

Pinaficomenta que diante desse esforço ”resultou, na década de 1980, no surgimento

dos Conselhos nacional, estaduais e municipais da mulher, de delegacias especializadas, de

abrigos e centros de orientação jurídica e de apoio psicossocial”.14

12 PINAFI, loc. cit. 13BARSTED, Leila Linhares. violência contra a mulher. Disponível em: <http://mulher.ibict.br/violencia/conceito.htm>. Acessado em 12 de março de 2014. 14 PINAFI, loc. cit.

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17

Desse modo, as reivindicações feministas foram decisivas para a implementação de

uma nova política estatal de fomento a criação de programas e órgãos estruturados e

especificamente destinados a promover e efetivar isonomia no exercício de direitos e obrigações

entre homens e mulheres consagrados na constituição de 1988.

De acordo com Dias, a primeira delegacia da mulher foi instaurada em São Paulo em

1985 para pronto atendimento as mulheres vítimas de violência doméstica. As delegacias

integradas por mulheres facilitavam às vítimas a denunciares seus agressores. De igual

importância foi a criação dos conselhos estaduais, municipais e o conselho nacional que

promoveram junto aos governantes a implementação de políticas públicas, bem como

foidesenvolvido a nível nacional campanhas educativas visando conscientizar a população e

coibir tratamento discriminatório contra a mulher.15

.Após anos de reivindicações as mulheres elevaram a status constitucionais direitos

fundamentais como a igualdade entre homens e mulheres – art. 5º, I; proteção ao mercado de

trabalho - art. 5º, XX e criação de meios que coíba a violência doméstica – art. 226, §8º. Em

2005 ocorre a descriminalização do adultério mais um avanço jurídico sinalizando rompimento

de uma cultura machista.

Além disso, outros direitos surgiram em todos os entes federativos como casas de

abrigos, assistência jurídica gratuita pelas defensorias públicas.Dentre outras conquistas

podemos citar algumas mencionadas no site de observação de gênero do governo brasileiro:

I - Implementação da Rede de Atendimento à Mulher: atualmente composta de 415 Delegacias de Mulheres, 121 Centros de Referência, 66 Casas-Abrigo, 15 Defensorias Públicas e 61 Juizados Especializados ou Varas Criminais Adaptadas de Violência contra a Mulher;

II - Criação e fortalecimento de coordenadorias e secretarias governamentais de políticas para as mulheres: com o objetivo de fortalecer a implementação dos Planos Estaduais e Municipais de Políticas para as Mulheres, existem hoje, no país, em 19 estados e 191 municípios;

III - Criação e fortalecimento dos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Mulher: reconhecendo a importância da interação entre Estado e sociedade civil, existem hoje, no país, mais de 200Conselhos Municipais e 25 Conselhos Estaduais;

IV - Elaboração e institucionalização da Lei Maria da Penha (Nº. 11340/06) que objetiva conferir cumprimento às obrigações contraídas pelo Brasil quando da ratificação da Convenção de Belém do Pará (1994) e define a natureza desse crime; prevê a obrigação de o Estado atuar preventivamente em relação à violência contra a mulher reconhecendo as distintas vulnerabilidades existentes; facilita o acesso das

15 DIAS, loc. cit., p. 29.

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vítimas à justiça e às necessárias medidas protetivas de urgência e estabelece iniciativas inéditas para enfrentamento da violência;

V - Lançamento do Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres, composto por quatro eixos: Consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e Implementação da Lei Maria da Penha; Promoção os Direitos Sexuais e Reprodutivos e enfrentamento à Feminização da Aids; Combate à Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres; Promoção dos Direitos Humanos das Mulheres em Situação de Prisão.

VI - Lançamento da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, que atende anualmente mais de 200 mil mulheres de todo país, 24 horas por dia, todos os dias da semana, inclusive domingos e feriados;

VII - Implementação de programas na área de trabalho para geração de emprego e renda e combate às discriminações;

VIII - Implementação do Pacto pela Redução da Mortalidade Materna;

IX - Implementação de programas na área de educação destinados à combater a discriminação e os estereótipos de gênero, raça/etnia e orientação sexual e ampliar a produção de conhecimento nessa área (realização de prêmios e apoio a núcleos de pesquisa nas universidades).16

Observa-se a realização de diversas ações positivas envolvendo a sociedade e o Estado

no interesse de fortalecer a proteção contra discriminação e violência contra a mulher. Nota-se

certo interesse na política e em vários setores da economia buscando ofertar igualdade de

condições as classes menos favorecidas, inclusive, das mulheres.

Nesse contexto, Dias aduz que a lei 10.455/02 inseriu o paragrafo único no art. 69 da

lei 9099/95 prevendo uma medida cautelar de natureza penal, permitindo ao juiz promover o

afastamento do agressor do lar conjugal no caso de violência doméstica. Em 2004, a lei

10.886/04 introduziu o paragrafo 9º no art. 129 do código penal, acrescentando um subtipo à

lesão corporal leve, decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de três para

seis meses.17

Todavia, a autora explica que apesar das inovações legislativa visarem proteger as

vítimas da discriminação de gênero e desestimular agressores não foram suficientes para inibir

a prática de violência doméstica contra as mulheres uma vez que as penalidades previstas eram

no máximo em restritivas de direitos e em alguns casos a responsabilização penal do agressor

dependia de representação da vítima.18

16 Brasil, Secretaria Especial de Política Para as Mulheres. As mulheres e os direitos humanos. Disponível em: http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu /publicacoes/outros-artigos-e-publicacoes/. Acessado em: 03 de março de 2014. 17 DIAS, 2010, p. 28. 18 DIAS, 2010, P. 29.

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19

Diante do exposto, é perceptívela importância dos movimentos feministas na

ascendência e reconhecimento de seus direitos humanos,principalmente por se fazerem

representar nas três esferas do poder político; executivo, legislativo e judiciário, participando

efetivamente nos processos decisórios, assim, influenciando no manejo de politicas públicas e

medidas de proteção às mesmas. Além da descriminalização do adultério, igualdade entre

homens e mulheres assegurada tanto na constituição como em legislações específicas a

sociedade, em regra, não tem admitido a tese da legitima defesa da honra nem pelo tribunal do

júri e nem pelos operadores do direito. Assim, hoje resta evidente que a discriminação de gênero

é inaceitável pela sociedade.

1.4 Influência dos tratados internacionais contra a violência doméstica

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, foi o primeiro instrumento

internacional que explicitou, em seu bojo, a igualdade de direitos entre homens e mulheres19. A

Organização das Nações Unidas (ONU) diante da vitimização das mulheres continuou a

defendê-las elaborando instrumentos internacionais que fossem acolhidos pelos Estados

membros no intento de adequarem suas legislações internas no que coubesse para assegurar as

mulheres, direitos e mecanismos que facilitasse a implementação e concretização de direitos de

igualdade entre homens e mulheres em todos os setores, principalmente no âmbito doméstico e

familiar. Assim, destaca o art. 1º e 2º da declaração de eliminação de discriminação contra a

mulher de 1967:

Artigo 1º A discriminação contra a mulher, porque nega ou limita sua igualdade de direitos com o homem, é fundamentalmente injusta e constitui uma ofensa à dignidade humana.

Artigo 2º Deverão ser tomadas todas as medidas apropriadas para abolir leis, costumes, regras e práticas existentes que constituam discriminação contra a mulher,(...).

Artigo 3º Deverão ser tomadas todas as medidas apropriadas para educar a opinião pública e dirigir as aspirações nacionais para a erradicação do preconceito e abolição dos costumes e de todas as outras práticas que estejam baseadas na idéia de inferioridade da mulher20.

19 BRASIL, Jornal do. Disponível em: http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=31892. Acessado em: 14 de março de 2014. 20Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher. Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/1967%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20a%20Elimina%C3%A7%C3

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20

Assim, observa-se uma preocupação em âmbito internacional para coibir a prática de

violência contra mulher. Pois, desde 1945 com a carta da ONU e 1948 com a Declaração dos

Direitos Humanos foi consagrado o principio da igualdade entre homens e mulheres21. Ademais

a Organização das Nações Unidas aprovou, em 1979, a Convenção para a Eliminação de Todas

as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), conhecida como a Lei Internacional

dos Direitos da Mulher. Essa Convenção visou à promoção dos direitos da mulher na busca da

igualdade de gênero, bem como, a repressão de quaisquer discriminações. Em 1983,

contemplou na Convenção de Viena que os direitos inerentes às mulheres são inalienáveis e

indivisíveis, devendo ser prioridade em todos os países.

Em 1994, a Organização dos Estados Americanos (OEA) instituiu a Convenção

Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a mulher (convenção de

Belém do Pará) a qual preconiza a violência doméstica como violação de direitos humanos e

fundamentais e definiu-a como uma violência física, psicológica ou sexual, baseada no gênero,

que ocorra tanto na esfera pública, como na privada. No mesmo ano, no Cairo, foi proclamada

pela ONU a Declaração e Plataforma de Ação de Conferência de Desenvolvimento que tratou

da necessidade de assegurar a defesa dos direitos reprodutivos das mulheres. Nessa linha,

descreve objetivamente o repudio a discriminação contra a mulher em todas suas formas de

manifestações:

Artigo 3 Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada. Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagradas em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. (...).Artigo 5 Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, e contará com total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os Estados Partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos.22

No ano de 1995, a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre

a Mulher (Beijing) (ONU) – visou institucionalizar políticas igualitárias de gêneros, alertar

feminização da pobreza e exclusão da mulher da esfera do poder. Esse instrumento jurídico

%A3o%20da%20Discrimina%C3%A7%C3%A3o%20contra%20as%20Mulheres.pdf>. acessado em: 10 de março de 2014. 21 Disponível em: <http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=31892>. Acessado em: 14 de março de 2014. 22 BRASIL, Senado. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=1220 09>. Acessado em: 15 de fevereiro de 2014.

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21

reafirma a igualdade entre homens e mulheres e para isso defende a necessidade de incluir a

mulher no processo decisório tanto na família como em todos os setores sociais:

13. O empoderamento da mulher e sua total participação, em base de igualdade, em todos os campos sociais, incluindo a participação no processo decisório e o acesso ao poder, são fundamentais para a realização da igualdade, do desenvolvimento e da paz.

15. A igualdade de direitos, de oportunidades e de acesso aos recursos, a divisão eqüitativa das responsabilidades familiares e a parceria harmoniosa entre mulheres e homens são fundamentais ao seu bem-estar e ao de suas famílias, bem como para a consolidação da democracia.

16. A erradicação da pobreza deve ser baseada em um crescimento econômico sustentável, no desenvolvimento social, na proteção ambiental e na justiça social, e requer a participação da mulher no processo de desenvolvimento econômico e social, oportunidades iguais e a plena participação, em condições de igualdade, de mulheres e homens, como agentes e beneficiários de um desenvolvimento sustentável orientado para o indivíduo.23 (grifou-se).

Em 1999, o Protocolo Facultativo CEDAW (ONU) – traz a possibilidade de a mulher

buscar a justiça internacional quando a justiça interna for falha ou omissão na proteção de seus

direitos humanos. Conforme se extrai dos artigos infra:

Artigo 2.º As participações poderão ser apresentadas por e em nome de indivíduos ou grupos de indivíduos, sob a jurisdição de um Estado Parte, que afirmem ser vítimas de violação de qualquer um dos direitos estabelecidos na Convenção por esse Estado Parte”.“Artigo 4.º 1 - O Comitê só apreciará uma participação após se ter assegurado de que todos os meios processuais na ordem interna foram esgotados, salvo se o meio processual previsto ultrapassar os prazos razoáveis ou seja improvável que conduza a uma reparação efetiva do requerente.24

Outro importante documento jurídico internacional contra práticas discriminatórias

que inferiorizam a mulher data de 2001 que é a Declaração e Programa de Ação da III

Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância

Correlata (ONU) – neste documento foi reconhecida múltiplas formas de discriminação que

inferiorizam as condições de vida da mulher.

Diante de tudo acima explanado, nota-se os referidos documentos foram incorporados

ao ordenamento jurídico brasileiro gerando comprometimento de que fossem criado meios de

combate a violência de gênero sob pena do país ser responsabilizado. Conseguinte, contra a

violência no âmbito doméstico, a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial

sobre a Mulher (Beijing) e o protocolo adicional a corte internacional de justiça responsabilizou

23VIOTTI, Maria Luiza Ribeiro. Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher. Disponível em: <http://www.unfpa.org.br/Arquivos/declaracao_beijing.pdf>. Acessado em: 10 de março de 2014. 24Direitos da Mulher; Protocolo Opcional à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. Disponível em:<http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/mulher/prot_formas_discriminacao.pdf>. acessado em: 04 de março de 2014.

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22

o Brasil por omissão em julgar e condenar o agressor de Maria da Penha, bem como

recomendou a criação de uma lei especificamente destina a proteger as mulheres dessa espécie

de violência. Em razão disso foi criada a lei 11.340/06.

1.5 Dados estatísticos sobre violência contra a mulher dentro da entidade

familiar

Divulgado no dia 13 de julho de 2013 pelaComissão Parlamentar Mista de Inquérito

do Congresso Nacional, presidida pela deputada Jô Moraes, o resultado de uma investigação

sobre a violência doméstica e familiar no Brasil a qual apurou denuncias de omissão do poder

público na aplicação dos institutos previstos em lei para proteger a mulher em situação de

violência doméstica e familiar. A comissão frisou, dentre outros, o caso de Elisa Samudio e de

Maria Islaine de Moraes 25.

Segundo a Comissão, apesar de Elisa Samudio ter registrado na Delegacia da Mulher

de Jacarepaguáter sofrido diversas agressões e ameaças pelo goleiro Bruno, teve o pedido de

proteção negado pelo 3º juizado de violência doméstica do Rio por considerar que ela não

mantinha relações afetivas com ele. Já no caso de Maria Islaine foi morta por diversos disparos

de arma de fogo deflagrados por seu ex-marido, após ter registrado 08 boletim de ocorrência

em desfavor dele e de informar às autoridades que ele não cumprindo a medida protetiva de não

se aproximar dela. Diante do problema, a comissão apontou a negligência e o desinteresse das

autoridades como fator preponderante a não aplicação correta e eficaz26 dos instrumentos legais

de proteção a mulher, aduzindo que é obrigação do Estado se preparar devidamente para

proteger qualquer cidadão ameaçado de sua existência27.

Dados do banco mundial e do banco interamericano de desenvolvimento informam

que a cada cinco mulheres que falta ao trabalho duas sofre violência doméstica. Por causa dessa

violência a cada cinco anos ela perde um ano de vida saudável, quando não é morte ou

25 Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Relatório nº 04 de 2013-CN. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=133656&>. Acessado em: 23 de março de 2014.

26 MONTEIRO; TIBOLA, Carla e Rafaela Caroline Luto. (In)eficácia das medidas protetivas de urgência da Lei nº 11.340/2006. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/25018/ in-eficacia-das-medidas-protetivas-de-urgencia-da-lei-no-11-340-2006/2>. Acessado em 08 de janeiro de 2014.

27Ibid, cit. loc.

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23

incapacitada. Conclui que a despesa com violência doméstica varia entre 1,6 a 2% do PIB do

país28.

Em consonância com a informação acima o instituto Perseu Abramo constatou em sua

pesquisa que duas a cada cinco mulheres já sofreram violência doméstica e que cinco mulheres

são espancadas a cada minuto no país. O Data Senado concluiu que os lugares onde a violência

tem maior incidência é no trabalho e na própria casa.

Dados oriundos da Organização Mundial de Saúde – OMS, onde 30% das mulheres

foram forçadas nas primeiras relações sexuais; 52% são alvos de assédio sexual; e 69% já foram

agredidas ou violentadas por amigos ou parentes próximos, além dos homicídios cometidos por

companheiro ou ex-companheiro alegando legitima defesa da honra. Aponta ainda o Brasil

como campeão de violência doméstica contra mulheres29.

A sociedade mundial de vítimologia apontou o Brasil como o país com mais alto nível

(23%) de violência domestica contra as mulheres. Sendo que apenas 10% das dessas

ocorrências são levadas pela ofendida a registro policial. As agressões atribuídas aos cônjuges,

ex-cônjuges, companheiros ou ex-companheiros correspondem a 67%. Em relatório elaborado

pela Anistia Internacional, uma em cada três, de um bilhão de mulheres já sofreram algum tipo

de violência praticada por pessoas com vinculo afetivo as mesmas30. Segundo o Instituto

Patrícia Galvão/ IBOPE, 51% da população brasileira conhece uma mulher que já foi ou está

sendo agredida por cônjuge ou companheiro.

A lei Maria da penha entrou em vigor, em 2006, para combater a violência doméstica

e familiar contra a mulher, todavia, estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(IPEA) mostram que não houve relevante redução a esses casos de agressão, principalmente os

casos em que resultaram em morte da mulher: feminicídio – morte em razão do gênero31.

O IPEA fez um estudo comparativo de homicídios de mulheres ocorridos no âmbito

da unidade doméstica e familiar antes e depois da entrada em vigor da lei 11.340/06. Constatou-

se uma taxa de mortalidade 5,28por 100 mil mulheres de 2001 a 2006 e de 5,22 de 2007 a 2011.

28 Ibid. cit. loc 29 DIAS, 2010, p. 20 30 DIAS, 2010, p. 20 31D`AGOSTINO, Rosanne. Lei Maria da Penha não reduziu morte de mulheres por violência, diz Ipea: Instituto divulgou dados inéditos sobre violência contra a mulher no país. Crimes são geralmente praticados por parceiros ou ex-parceiros, diz estudo. Disponível em: .<http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/09/lei-maria-da-penha-nao-reduziu-morte-de-mulheres-por-violencia-diz-ipea.html>.Acessado em 05 de janeiro de 2014.

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24

Nesse período houve uma pequena redução em 2007, nos anos seguintes a taxa de mortalidade

voltou a crescer. Verificando desde 2009 a morte de uma mulher a cada hora e meia32.

Consoante aponta o instituto o perfil das vítimas está entre as mulheres mais jovens,

sendo 31% na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Dos óbitos foi registrado que

54% entre mulheres de 20 a 39 anos, e a maior parte (31%) se deu em via pública, 29% em

domicilio e 25% nos estabelecimentos de saúde. Nesse contexto, 61% das mulheres eram

negras, 87% da região nordeste, 83% da região norte e 68% da região centro-oeste. Ainda foi

observado que 48% das vítimas entre 15 ou mais anos de idade apresentavam baixa escolaridade

com apenas oito anos de estudos33.

Observa que houve maior concentração doshomicídios nas regiões apresentadas,

havendo expressividade em alguns estados. Nos estados, as maiores taxas estão no Espírito

Santo (11,24), Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). As taxas

mais baixas estão no Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28) e São Paulo (3,74). Dentre os meios ou

instrumentos da causa mortes constatou-se que 50% dos feminicídios foram ocasionados

mediante o uso de arma de fogo, 34% por instrumento perfurante, contundente ou cortante, 6%

por enforcamento ou sufocação e o restante envolveram outros tipos de crueldade física ou

mental como maus-tratos, abusos sexuais, agressões psicológicas34.

Logo, essa situação demonstra que os mecanismos protetivos da Lei Maria da Penha

não estão tendo sua eficácia observada de maneira satisfatória, talvez, em razão de falha na

aplicação dos mecanismos ou na identificação e controle e inibição dessa violência que em

muito é previsível.

1.5.1 Quadro comparativo sobre violência doméstica antes e após a lei Maria da Penha

Segundo essa pesquisa a maioria das mulheres foram vitimadas por seus próprios

maridos ou ex-maridos, companheiros ou ex-companheiros. Assim, um ponto que merece

atenção é que na violência doméstica além da vitima e agressor dividirem o mesmo espaço de

convívio o estopim do conflito está vinculado a questões corriqueiras de administração e

organização da relação interpessoal do casal, como, entre outros, o modo de educar os filhos,

ciúme, álcool somados ao sentimento de dominação do homem, consoante ilustrado abaixo35.

32 Ibid. cit. loc. 33 Ibid. cit. loc. 34 Ibid. cit. loc. 35D`AGOSTINO, Rosanne. Lei Maria da Penha não reduziu morte de mulheres por violência, diz Ipea: Instituto divulgou dados inéditos sobre violência contra a mulher no país.

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25

Diante do exposto, nota-se que no geral houve uma breve redução entre os números

de violência perpetrados após a vigência da lei Maria da penha. No entanto, durante a vigência,

em determinadas regiões e estados do país o índice de violência doméstica e familiar continua

elevado36 representando ineficácia dos instrumentos protetivos da Lei, entre eles as medidas

protetivas.

1.6 O Projeto de Lei 4559/04

Como resultado de anos de reivindicações pelo fim da discriminação de gênero no

âmbito da entidade familiar, especificamente contra a violência doméstica e familiar contra a

mulher tem-se a criação do projeto de Lei nº 4.559/04 – PL 4.559/04, o qual culminou na Lei

11.340/06 após regular tramitação legislativa e sanção presidencial, como se mostra adiante nas

palavras de Cortês e Matos:

2004 - Em 25 de novembro do mesmo ano, por ocasião do Dia Internacional pelo Fim da Violência contra as Mulheres, o Executivo encaminha o Projeto de Lei ao Congresso Nacional, que recebe, na Câmara dos Deputados, o número PL 4.559/2004”.

2005 - Discussão do Projeto na Câmara dos Deputados com realização de audiências públicas em vários estados e aprovação na Comissão de Seguridade Social e Família

Crimes são geralmente praticados por parceiros ou ex-parceiros, diz estudo. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/09/lei-maria-da-penha-nao-reduziu-morte-de-mulheres-por-violencia-diz-ipea.html>.>. Acessado em: 23 de março de 2014.

36RODRIGUES, Fernando. Lei Maria da Penha está difundida, mas percentual de vítimas não cai.<http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2013/03/26/lei-maria-da-penha-esta-difundida-mas-percentual-de-vitimas-nao-cai/>. Acessado em 04 de fev de 2014.

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26

(CSSF), na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Recebe apoio e empenho da Bancada Feminina do Congresso Nacional, de parlamentares sensíveis à causa e das Deputadas relatoras Jandira Feghali (na CSSF); Yeda Crussius (na CFT) e Iriny Lopes (na CCJC).

2006 - Os fóruns de mulheres de todo Brasil, seguindo iniciativa do Estado de Pernambuco, realizam, em março, as Vigílias pelo Fim da Violência contra as Mulheres, para denunciar a violência e os homicídios de mulheres e pedir a aprovação do PL 4.559/2004.

O Projeto é aprovado no Plenário da Câmara e vai para o Senado, onde recebe o número PLC 37/2006. É discutido e aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), tendo como relatora a Senadora Lúcia Vânia. Em seguida é encaminhado para o Plenário do Senado, onde também é aprovado, seguindo para sanção presidencial.

Em todas as instâncias o projeto foi aprovado por unanimidade e sua tramitação no Congresso Nacional durou 20 meses. No dia 7 de agosto, em cerimônia no Palácio do Planalto, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina a Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, que entrou em vigor no dia 22 de setembro. Com isso, escreveu um novo capítulo na luta pelo fim da violência contra as mulheres.37 (grifou-se).

O surgimento da Lei 11.340/06 é fruto de mobilizações de diversos segmentos sociais,

principalmente das lutas feministas, que promoveram a conscientização da sociedade sobre a

problemática da violência doméstica, assim como de órgãos e entidades nacional e

internacional.

Nesse contexto, comenta Marcelo Di Rezende Bernardesqueo projeto Lei nº 4.559/04

representou uma mudança de paradigma na ordem jurídica e social brasileira, com efeito,

respectivamente, a proteção legal e o repudio social contra violência doméstica e familiar contra

a mulher a ser combatida por meio de diversas ações integradas tanto por órgãos públicos como

também por organizações não-governamental:

Este Projeto de Lei prevê também diversas ações integradas dos órgãos públicos e não-governamentais para a prevenção da violência contra a mulher, como, a promoção de estudos e pesquisas sobre gênero e raça/etnia em relação às causas, conseqüências e freqüência desse tipo de violência; o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família para coibir os papéis estereotipados que legitimem a violência doméstica; e a implementação de centros de atendimento integral e multidisciplinar para as mulheres vítimas.38

Demais disso, onde vige a democracia num estado de direito é de reconhecer a

relevância dos diversos movimentos sociais na reivindicação de atenção do poder público à

solução de problemas como o de violência doméstica e familiar que acomete mulheres em

37CORTÊS, Iares Ramalho; MATOS, MyllenaCalasans de. Lei maria da penha: do papel para a vida. Brasília: centro feminino de estudos e assessoria, 2009. Disponível em: <http://br.boell.org/downloads/le imariadapenhadopapelparaavida_2edicao.pdf>. Acessado em 16 de março de 2014. 38 BERNADES, Marcelo Di Rezende. As mulheres contra-atacam. Disponível em: <http://www.direitonet. com.br/artigos/exibir/2585/Projeto-de-Lei-de-no-4559-04-As-mulheres-contra-atacam>. Acessado em: 06 de março de 2014.

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27

situação de vulnerabilidade, a exemplo do caso Maria da Penha que na maioria das vezes é

perpetrada pelo marido. .

Assim, os movimentos feministas foram de suma importância na busca de meios

jurídicos que lhes dessem proteção e que coibisse a violência doméstica e familiar contra a

mulher no âmbito da entidade familiar. O que resultou na formulação do referido projeto de lei

que foi transformado na Lei 11.340/06 destinada a proteger a mulher da violência doméstica e

familiar.

1.7 Aspectos legais da lei 11.340/06 – Maria da Penha

1.7.1 Finalidade

Decorre do art. 1º que essa lei foi criada para coibir e prevenir a violência doméstica e

familiar contra a mulher nos termos da constituição e de tratados internacionais aderidos pelo

Brasil:

Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8.º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil;(...)39.

Reforça os artigos 3º e 4º que ela deve ser interpretada e aplicada considerando além

das condições peculiares da mulher sob essa violência os fins sociais a que ela se destina, ou

seja, proteger e assistir a mulher promovendo-a condições dignas de subsistência e igualdade

com o homem no gozo e no exercício de direitos dentro da entidade familiar, bem como na

sociedade.

Art. 3.º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Art. 4.º Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar40.

Então, verifica-se que a lei Maria da Penha guarda compatibilidade vertical de

constitucionalidade e convencionalidade e tem a finalidade tem promover o exercício e gozo

de direitos de forma isonômica entre homens e mulheres, principalmente no âmbito da família,

39BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília, DF, 7 ago. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acessado em: 16 de março de 2014. 40 BRASIL, 2006, loc. cit.

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28

doméstico e relações intimas de afeto41. Ademais no intento de preservar a permanência da

entidade familiar a lei também busca tratamento para o agressor, consoante o art. 35. Caput,

inciso V. ”art. 35, caput - a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar

e promover, no limite das respectivas competências: inciso V - centros de educação e de

reabilitação para os agressores”.42

1.7.2 Configuração e Forma de violência doméstica e familiar

Conforme reza do art. 5º da lei 11.340/06, Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher é definida como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,

lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, perpetrada nas

relações domésticas, familiares ou nas relações íntimas de afeto. Independente de coabitação

ou orientação sexual.

Já o art.7º preleciona que essa violência pode ser, entre outras: física - abarcaria

qualquer atitude que traga danos a integridade física ou a saúde corporal da vitima, desde um

simples hematoma a lesões gravíssimas; psicológica - qualquer conduta que diminua a auto-

estima ou prejudique a autodeterminação, mediante ameaça ou qualquer outro meio que force

ou exponha a vitima a situações de constrangimento; sexual - qualquer atitude que submeta a

vítima a presenciar ou praticar atividade sexual contra a vontade dela, sob qualquer tipo de

intimidação ou qualquer mecanismo ou artifício; patrimonial- qualquer ato que prive ou

danifique bens da vítima ou de serventia da mesma; e moral: qualquer conduta atentadora ou

violadora à honra da vítima; calunia, injuria ou difamação.

Portanto, o art. 7º prever um rol exemplificativo não afastando outras formas de

violência doméstica e familiar contra a mulher.

Diante o exposto, para que determinada conduta em qualquer das formas acima seja

considerada violência doméstica ela deve ser praticada com base na discriminação de gênero,

ou seja, subjugando, objetalizando ou controlando a mulher. Dias comenta que:

O desejo do varão é submeter a mulher a vontade dele. Tem a necessidade de controlá-la. Assim, busca destruir sua auto-estima. [...] procura isolá-la do mundo exterior, afastando-a da família. Proíbe amizades. Muitas vezes a

41LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14. Ed. rev. Atual e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2013.

42 BRASIL, 2006, loc. cit.

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29

impede de trabalhar, [...]. Com isso a mulher se distancia de quem poderia pedir apoio e fazer parar a escalada da violência.43

Assim, nota-se que ocorre a violência porque a mulher ficaem situação de

vulnerabilidade, ou seja, indefesaperante o agressor seja no âmbito da família, doméstico ou

nas relações intimas de afeto.

1.7.3 Âmbito de abrangência

Como leciona Dias o campo de abrangência da lei está diretamente ligado ao vinculo

que a vitima tem ou tenha tido com o agressor.

É obrigatório que a ação ou omissão ocorra na unidade doméstica ou familiar ou em razão de qualquer relação intima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação. (...)não há necessidade de vitima e agressor conviverem sob o mesmo tetopara a configuração da violência como doméstica ou familiar. Basta que agressor e agredida mantenham, ou já tenha mantido um vinculo de natureza familiar.44

Veja que o vinculo pode ser familiar, doméstico ou decorrer de alguma relação de

intima de afeto, mas nos dois primeiros casos não se exige que a vitima e agressor convivam

sob o mesmo teto, basta que tenham ou tenha tido um vinculo familiar, como no caso de cônjuge

ou ex-cônjuge.

1.7.3.1 Familiar

A Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, em seu artigo 5º, II, define unidade familiar a

comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços

naturais, por afinidade ou por vontade expressa. Assim, o conceito de família vai além da

comunidade formada entre homem e mulher e filhos, mas engloba diversos tipos de união por

pessoas, inclusive do mesmo sexo, para a vida em comum. Sobre o assunto Dias afirma que

O conceito corresponde ao formato atual dos vínculos afetivos. Fala em indivíduos, e não em um homem e uma mulher. Também não se limita a reconhecer como família a união constituída pelo casamento. (...) a Constituição Federalao conceituar família, de forma exemplificada, refere-se ao casamento, à união estável e à família monoparental, sem, no entanto, deixar ao desabrigo outros modelos familiares (...)45.

Existe tal vinculo quando a vítima tem parentesco natural, legal ou por vontade

expressa com o agressor, ou seja, considera-se família o vinculo advindo de parentesco em linha

reta ou colateral, por força de lei ou pela manifestação expressa da vontade como no caso da

união estável ou homoafetiva.

43 DIAS, 2010, p. 22. 44 DIAS, 2010, p. 52. 45Ibid, p. 60 e 61

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1.7.3.2 Doméstico

Os envolvidos podem ou não ser parentes, mas o que importa é se convivem no mesmo

espaço comum, como no caso do lar conjugal, repúblicas de estudantes e outros. Nesse aspecto

definiu o legislador consoante o art. 5º, I, pelo o qual âmbito doméstico é o espaço de convívio

permanente de pessoas, com ou sem vinculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas.

Dias, citando Marcelo e Rogério, bem como Damasio aduz que:

A expressão unidade doméstica deve ser entendida no sentido de que a conduta foi praticada em razão dessa unidade da qual a vítima faz parte. A tendência é reconhecer que nesse contexto estão incluídas as empregadas domésticas. A diarista que trabalha duas ou três vezes por semana não estaria protegida pela lei em razão de sua pouca permanência no local de trabalho46.

Então é importante saber que a violência foi praticada em razão desse vinculo, ou seja,

o pressuposto da violência foi a condição de os envolvidos conviverem no mesmo espaço

comum, como exemplo a empregada doméstica, estudantes em repúblicas.

1.7.3.3 Relação íntima de afeto

O art. 5º, III, protege qualquer relação intima de afeto, na qual o agressor conviva ou

tenha convivido coma ofendida, independentemente de coabitação. O paragrafo único desse

artigo menciona que as relações pessoais englobada pela Lei independe de orientação sexual.

Nesse ponto Dias salienta que:

“A definição de família como relação intima de afeto corresponde ao mais atual conceito de família, que há muito vem sendo cunhado pelo Instituto Brasileiro de Direito de família – IBDFAM. (...). Até mesmo os vínculos que refogem ao conceito de família e de entidade familiar não deixam de ser marcados pela violência. É o que ocorre com namorados e noivos, por exemplo”47.

Observa-se se entre a ofendida e seu agressor existe alguma relação de intimidade,

como são os namorados ou ex-namorados, concubina e outros semelhantes.

Sobre o assunto a jurisprudência afirma que:

STJ, 5ª Turma, HC 172634 (06/03/2012): A Lei Maria da Penha aplica-se no caso de crime praticado contra cunhada, bastando que estejam presentes as hipóteses previstas no art. 5º. STJ, 5ª Turma, HC 175816, j. 20/06/2013: É do juizado especial criminal — e não do juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher — a competência para processar e julgar ação penal referente a suposto crime de ameaça (art. 147 do CP) praticado por nora contra sua sogra na hipótese em que não estejam presentes os requisitos cumulativos de relação íntima de afeto, motivação de

46 DIAS, 2010, p. 59. 47Ibid, p. 63.

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gênero e situação de vulnerabilidade. Isso porque, para a incidência da Lei 11.340/2006, exige-se a presença concomitante desses requisitos.48 (grifou-se).

No contexto das relações pessoais protegidas pela Lei, a jurisprudência tem entendido

como requisitos cumulativos para aplicação da lei 11.340/06 e consequentemente das medidas

protetivas quea conduta seja desferida com dolo e envolvendo o seguinte: a) Diferença de

gênero; b) âmbito doméstico, familiar ou de relação intima de afeto; c) Vulnerabilidade da

Vítima.

2. EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS E FIANÇA

POLICIAL

As medidas protetivas constituem uns dos meios mais assecuratórios contemplados

pela lei Maria da Penha para manutenção do respeito à integridade dos direitos humanos das

mulheres, com fins de prevenção e repressão a violência doméstica e familiar. Apesar de ser

utilizada quando já houve a lesão ou perigo de lesão ao bem tutelado, resguardam direitos e

detêm a continuidade da agressão, devido entre outros, a emergência na concessão da tutela

requerida pela ofendida ou pelo Ministério Público. Assim, o reconhecimento de sua

credibilidade pode ser demonstrada na procura das mulheres para valer-se dessas medidas.

A importância das medidas protetivas pode ser conferida ao analisar o número de vezes que ela foi utilizada desde que entrou em vigor a Lei Maria da Penha. Conforme dados coletados pelo CNJ, somente nas varas e juizados especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (são 52 Unidades distribuídas pelos estados), até julho de 2010, foram contabilizados 331.796 procedimentos que envolveram a matéria, sendo, dentre outros; 111 mil processos sentenciados, 9.715 prisões em flagrante e 1577 prisões preventivas.49

Apesar de se exigir os requisitos presentes nas cautelares: “fumus bonis iuris” e

“periculum in mora”, as medidas protetivas não se destinam resguardar exclusivamente o fim

do processo, mas proteger direitos da vitima em potencial ou efetiva até seja cessada a violência

ou ameaça da violência doméstica e familiar, independentemente da impetração da ação

principal.Nessa linha Cunha define que:

48 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. HABEAS CORPUS Nº 175.816 - RS (2010/0105875-8. Paciente: Tatiane Chaves Soares. Impetrado: Tribunal De Justiça Do Estado Do Rio Grande Do Sul. Relator: Ministro Março Aurélio Bellizze. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/ju risprudencia/23553475/habeas-corpus-hc-175816-rs-2010-0105875-8-stj/inteiro-teor-23553476>. Acessado em: 16 de março de 2014.

49BIACHINI, Alice. DICAS SOBRE A LEI MARIA DA PENA. Disponível em http://atualidadesdodireito.com.br/alicebianchini/2012/02/17/dez-dicas-sobre-a-lei-maria-da-penha-parte-1/. Acessado em 06 de fevereiro de 2014.

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São providências urgentes, com as quais se busca evitar que a decisão da causa, ao ser obtida, não mais satisfaça o direito da parte, [..]. como tal, deve preencher os dois pressupostos tradicionalmente apontados pela doutrina, para a concessão das medidas cautelares, consistentes no periculun in mora (perigo da demora) e fumus bonis júris (aparência do bom direito)50.

Por outro lado Alice Biachiniassevera que as medidas protetivas diferem das cautelares

porque aquelas por tratarem de assegurar direitos previstos na lei 11.340/06 em face da mulher

bastando que se comprove a violência em face da mulher. Já as cautelares se destinam a buscar

a tutela do processo ou a eficácia da justiça penal. Assim, observa-se na citação abaixo:

As medidas protetivas da Lei Maria da Penha possuem natureza jurídica distinta das medidas cautelares do CPP, enquanto aquelas objetivam garantir a eficácia dos direitos oriundos da Lei Maria da Penha, estas têm por propósito a tutela do processo e da eficácia da justiça criminal. [...]... as medidas protetivas diferem, em muito, das cautelares, convém lembrar que o art. 22 da lei Maria da Penha, que prevê a aplicação, pelo o juiz, das medidas protetivas de urgência, traz como exigência a simples constatação de violência doméstica e familiar contra a mulher, não fazendo alusão à necessidade da materialidade do delito e de indícios suficientes de sua autoria (como as medidas cautelares)51.

Em suma, sejam ou não as medidas protetivas assemelhadas as cautelares do código

processo penal o fim ultimo não se discute: proteger a mulher, prevenindo e reprimindo a

violência doméstica e familiar no âmbito doméstico, familiar e de relação intima afetiva, sempre

buscando dar eficácia a lei 11.340/06. De qualquer modo, frente à situação de urgência a tutela

deve ser concedida em caráter liminar para salvaguardar direitos e liberdades da vítima em

situação de violência doméstica e familiar.

Em regra, a aplicação das medidas protetivas se impõe gradativamente da mais branda

a mais severa conforme o necessário para a contenção do problema, podendo ser até decretada

a prisão preventiva do agressor em razão do descumprimento de outra medida imposta ou caso

seja imprescindível para a proteção da vítima52. Assim, se num caso concreto estiverem

presentes os requisitos da prisão preventiva nada impede que ela seja decretada de pronto.

Desse ensinamentoDias compartilha aduzindo que tais medidas visam proteger a

vítima e garantir, conseqüentemente, a segurança na entidade familiar e não exatamente o fim

do processo. Visto que, em regra, não ocorre a intempestividade da ação principal se não

impetrada em 30 dias.Salvo para algumas medidas (prestação de caução nas ações

50CUNHA, Rogério Sanches. Violência doméstica (Lei Maria da Penha): Lei 11.340/2006. Comentada artigo por artigo/Rogério Sanches Cunha, Ronaldo Batista Pinto – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. 51 BIANCHINI, Ibid. 52 \Artigo 20, Lei 11.340/06.

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33

indenizatórias) em que o juiz pode fixar prazo de vigência para que a vítima intente a ação

principal.

Decorrido 30 dias da efetivação da medida, de todo descabido que, pelo o fim da eficácia da decisão, tenha o agressor o direito de retornar ao lar. O mesmo se diga com referencia aos alimentos. Descabido, simplesmente, depois de 30 dias suspender sua vigência e deixar a vítima e os filhos sem meios de subsistir. Mesmo pacificado na jurisprudência que, em sede de direito familiar, a medida cautelar não perde a eficácia, se não intentada a ação no prazo legal, [...]”. Limitação temporal só cabe se for imposta expressamente pelo juiz. [...]. Fluído o prazo, a medida perde automaticamente a eficácia.53

O rol exemplificativo dessas medidas capituladas no Capítulo II, do art. 18 ao art. 24,

da lei 11.340/06 aplica-se isolada ou cumulativamente, podendo ser requeridas pelo Ministério

Público ou a pedido da ofendida, cabendo ao juiz concedê-las no prazo de 48 (quarenta e oito)

horas ou de imediato, independentemente de audiência, nesse caso, deve comunicar o

Ministério Público.

A essa concessão de imediato a parte não precisa está acompanhada de advogado, uma

exceção a exigência do art. 27. Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha ensina que a concessão,

de imediato, das medidas de urgência podem ser aplicadas de ofício, bem como pode a ofendida

solicitá-las diretamente ao magistrado.

As medidas consideradas de urgência, [...], podem ser concedidas de ofício, [...]. [...], a adoção de medidas imediatas de proteção à vítima, pode ela mesma se dirigir ao magistrado, postulando por seus direitos. [...], uma vez passada a situação de urgência, se torne a regra geral do art. 27, nomeando-se advogado para acompanhamento da mulher vitimada.54(grifou-se)

Nessa linha a jurisprudência interpretando o art. 19, § 1º da referida lei entende que as

medidas protetivas de urgência podem ser decretadas de oficio pelo juiz, dispensando a

anuência da parte, mas seja de oficio ou a pedido deve ser fundamentada.

Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DECRETAÇAO MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ACERVO PROBATÓRIO QUE CONFIRMA A NECESSIDADE DAS MEDIDAS ADOTADAS. – ARTIGO 19 , PARÁGRAFO 1º , DA LEI 11.340 /2006 – ORDEM DENEGADA. 1. As medidasprotetivasde urgência poderão ser concedidas inclusive de ofício pelo juiz e prescindem da audiência das partes, conforme a literalidade do artigo 19 , 1º, da Lei Maria da Penha; 2. Não há que se falar em constrangimento ilegal por parte do paciente quando as medidasprotetivas a ele impostas obedeceu aos critérios legais de admissibilidade, visando tão somente tutelar além da integridade física, a integridade psicológica, moral, patrimonial e sexual da vítima55; (...).

53 DIAS, 2010, p. 109. 54 CUNHA, 2010, p. 79 55BRASIL, Tribunal de Justiça do Piaui. Habeas Corpus HC 201100010041711 PI (TJ-PI). Relator Des. Rosimar Leite Carneiro. 2011. Acessado em: 2014.

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34

Ementa: ementa - CONSTITUCIONAL - PENAL - PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - LEI Nº 11.340 /06 - MEDIDASPROTETIVAS DE URGÊNCIA - DECRETAÇÃO DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE. 1. As medidasprotetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha podem ser decretadas de ofício56.(...).

Todavia, para Maria Berenice Dias, o juiz, nos termos do §3º do art. 19 da lei, deve

ser provocado, pois tais medidas estão condicionadas a vontade da vitima. Assim, diante do

requerimento da ofendia é que cabe ao juiz conceder de ofício outras medidas necessárias a

proteção e assistência da mesma57.

Assim sendo, a vitima pode dirigir-se diretamente ao juiz, como pode ir ao Ministério

público ou, o que é mais corriqueiro, ir a delegacia de polícia e representar pela

responsabilização do agressor, solicitando a medida protetiva adequada a situação. A autoridade

policial no prazo de 48 horas remeterá o expediente com o pedido e provas necessárias para que

o juiz conheça e decida sobre o pedido.

Pelo exposto restou claro como a vítima em situação de violência doméstica e familiar

deve proceder para solicitar o amparo das medidas protetivas e da proteção prevista na Lei

Maria da Penha. Ora, observa-se que do inicio da violência até ser analisada e deferida a medida

protetiva pelo juiz leva-se um tempo de no mínimo 48h o que fragiliza a eficácia ou efetividade

da medida a qual quando vier ser concedida pode não ser mais útil.

Outro ponto desfavorável é a concessão de fiança pela autoridade policial ao acusado

preso em flagrante por crime de violência doméstica e familiar58.

2.1 Das medidas que obrigam o agressor

Dispõe o art. 22 de lei que uma vez constata a violência contra a mulher essas medidas

podem ser aplicadas separadas ou cumulativamente e de imediato pelo juiz o qual pode valer-

se da requisição de força policial e da decretação da prisão preventiva, caso necessário.

56 BRASIL, Tribunal de Justiça do Maranhão. HABEAS CORPUS HC 211582007 MA (TJ-MA) .Relator(a):PAULO SÉRGIO VELTEN PEREIRA. 2008. Acessado em: 2014. 56 DIAS, 2010, p. 107. 57 BRASIL, lei 10.826/03. Disponível em: 58AMARAL. Carlos Eduardo Rios do. Mulher não precisa fazer BO para obter medida protetiva. Disponível em<http://www.conjur.com.br/2012-set-18/carlos-amaral-mulher-nao-bo-obter-medida-protetiva>. Acessado em 04 de fev de 2014.

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No intuito de proteger a ofendida e garantir a segurança na entidade familiar impõe ao

agressor efetivo ou potencial a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, restringindo-lhe direitos

e liberdades. Nesse sentido, o STJ decidiu recentemente que:

As medidas protetivas da Lei Maria da Penha, observados os requisitos para concessão de cada uma, podem ser pedidas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor59.

Por tanto, para proteção integral e efetiva da vítima e dependentes de agressões atuais,

iminentes ou futuras pode as medidas protetivas ser concedidas ainda que não haja

representação criminal. Assim, sentindo-se incomodada ou ameaça pelo agressor a vítima pode

requerer a medida adequada na esfera cível, independente de ação principal ou criminal.

2.1.1 Suspensão da posse ou restrição do porte de armas

Essa medida destina-se aos agressores que detêm a posse ou porte legal de arma de

fogo conforme a lei 10.826/03 - estatuto do desarmamento60 e por meio desse instrumento

ponha a vida da vítima em risco, aumentado a possibilidade de uma tragédia maior. Assim,

havendo a necessidade de desarmá-lo o órgão ou instituição responsável pela referida concessão

devem ser comunicados para que o superior imediato do agressor efetive a medida, sob pena de

prevaricação ou desobediência. O Ministério Público também deve ser comunicado da tutela

deferida.61

De caráter temporário durando enquanto persistir a ameaça ou perigo concreto de lesão

à ofendida. O uso de armas ainda que legalizadas pode ser limitado, restringindo-se, caso

necessário, ao local de trabalho, a exemplo de policiais. Órgãos competentes a ser informados

SINARM (sistema nacional da armas), policial federal, exército e corporações policiais,

conforme suas atribuições previstas na lei 10.826/03.62

Caso a posse ou porte seja ilegal serão adotadas, pela autoridade policial, conforme

seja, as medidas previstas nos artigos 12, 14 e 16, da lei 10.826/03.

59 CONSULTOR, Revista Jurídico. STJ admite aplicação da Lei Maria da Penha em Ação Cível. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-fev-12/stj-admite-aplicacao-preventiva-lei-maria-penha-acao-civel>. Acessado em: 27 de março de 2104. 60 DIAS, 2010, p. 111. 62 DIAS, 2010, p. 110 e 111.

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A suspensão desse direito se faz conveniente, consoante Rogério Sanches Cunha

citando pesquisa realizada pelo ISER, (2010, p. 87/88), devido às estatísticas indicarem que

44/4% das mulheres assassinadas foi mediante o uso de arma de fogo. Sendo que 53% delas

conheciam seu homicida e 37% tinham relação intima ou amorosa com os mesmos63.

2.1.2 Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência

Instituto que tanto pode ser equiparado ao da separação de corpos como as cautelares

inominadas, ambas previstas no código de processo civil (art.888, VI e art.798), aplicadas

quando houver fundado receio que uma parte cause á outra, lesão grave ou dano de difícil

reparação.

Para seguir o espírito da lei, se faz uso de legislação subsidiária onde não conflitar com

a lei específica. Assim, dada a urgência extraída das circunstâncias fáticas relacionadas à

violência doméstica e familiar, cabe ao juiz determinar, de imediato, a referida medida64.

2.1.3 Distanciamento do ofensor

A proibição de o agressor aproximar-se da vítima, familiares dela e testemunhas,

pessoalmente ou por qualquer meio de comunicação, têm o condão de protegê-los, bem como

assegurar a persecução criminal. Apesar de não previsto pelo legislador o juiz fixará um limite

mínimo de distância, inclusive, proibindo o agressor de freqüentar lugares freqüentados pelas

pessoas citadas, preservando, desse modo, a integridade física e psicológica delas65.

Tem o fim de proteger a ofendida distanciando dela seu algoz. Configura espécie de

separação de corpos e como as demais de natureza cível ou familiar é resultante de um crime

perpetrado no ambiente doméstico, familiar ou numa relação intima de afeto, assim, pode ser

requerida liminarmente perante o juízo criminal. Nesse rumo segue DIAS (2010, p. 112 e 113),

ao dizer “uma vez concedida à liminar, o expediente deve ser enviado à Vara Cível ou de

Família”.

Assim, evita-se que o agressor, via telefone ou qualquer outro meio, importune a

vítima e a prejudique em suas atividades habituais ou profissionais. Precisa ser cuidadosamente

dosada quando de sua aplicação, analisando-se o caso concreto, pois haverá situação em que

63 CUNHA, 2010, p. 87 E 88. 64Ibid, p. 99. 65Ibid, p. 90.

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agressor e vítima, familiares dela e testemunhas freqüentarão o mesmo lugar por força de

ocupação profissional.

2.1.4 Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores

A depender do comportamento agressivo e violento do ofensor colocando em risco a

segurança ou o desenvolvimento psicossocial dos dependentes, o juiz pode determinar que o

mesmo os veja na presença de terceiros ou que proíba seu acesso a eles, provisoriamente,

enquanto não cessar sua “periculosidade”.

Em que pese à lei referir-se a dependentes menores, explica que se deve empregar, a

esse dispositivo, interpretação extensiva alcançando os incapazes de um modo geral. Para tanto,

antes de decidir, a equipe multidisciplinar ou serviço similar deve ser consultados tendo em

vista o agressor, apesar do conflito com a mulher, ter um bom relacionamento com os

dependentes66.

2.1.5 Prestação de alimentos provisórios ou provisionais

São destinados a suprir a ofendida dos meios necessários a sua manutenção enquanto

não resolvido a lide, ou seja, não decidida à ação de alimentos que será possivelmente

impetrada. Observa-se que esse instituto apresenta duas finalidades; a de manter a subsistência

da vítima e, conseqüentemente, ainda que abstratamenteencorajar-lhe a denunciá-lo.

A concessão dessa medida aos filhos em decorrência da situação de violência

doméstica, frente ao caráter emergencial. Explica que a concessão a mulher é em relação à

violência suportada e aos filhos pelas dificuldades que ela terá para alimentá-los sozinha67.

O parágrafo 3º do artigo 22 trás mais uma previsão coercitiva no sentido de valer-se o

juiz, de oficio ou a requerimento, dos meios necessários a efetivação de suas decisões judiciais,

inclusive com requisição de força policial. Nesses termos, O § 4.º da lei remete ao art. 461, §§

5º e 6º, do CPC, os quais possibilitam ao juiz, dependendo da tutela específica, impor multa por

tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e

impedimento de atividade nociva68.

66 CUNHA, loc. cit. p. 91 67 CUNHA, loc. cit. p. 94. 68 Lei 11.340/06, art. 22, §§ 3º e 4º; CPC, art. 461, §§ 5º e 6º.

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2.2 Das medidas dirigidas à ofendida

Essas medidas estão previstas no art. 23 da Lei 11.340/06 o qual prescreve que o juiz

poderá, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas, aplicar as medidas previstas neste

artigo.De igual forma as demais medidas protetivas essas medidas apresentam-se como rol não

exaustivo, sendo possível, o juiz, socorrer-se de outras medidas quando necessário a proteção

da vítima e de sua prole. Uma vez recebido o pedido o juiz decidirá em 48 horas e no caso de

prisão do agressor a vítima será informada sobre a entrada e saída do agressor da prisão.

2.2.1 Encaminhamento da ofendida e de seus dependentes a programas oficial ou

comunitário

A lei em apreço possibilita a ofendida e seus dependentes o acolhimento em centros

de atendimento integral e multidisciplinar, programas oficias de atendimento e casas de abrigos,

entre outros, esboçados no artigo 35, locais para onde pode ser encaminhada a vítima e sua

prole69.

Ressalta-se que a concessão dessa medida pode ser determinada pelo juiz – art. 23, I,

ou pela autoridade policial – art. 11, III, quando do atendimento da ocorrência verificar risco

de vida deverá fornecer transporte à ofendida e seus dependentes a lugar seguro ou para

abrigo.No caso da medida ser solicitada na ocasião do registro da ocorrência perante a

autoridade policial esta deve encaminhar o pedido, em expediente apartado, ao juiz no prazo de

48 horas – art. 12, III.O Ministério Público no uso de suas atribuições administrativas pode

requisitar a autoridade policial ou determinar a efetivação dessa medida70.

Então, verifica-se que o objetivo da presente medida pode ser alcançado tanto na via

cível como na via criminal.

2.2.2 Recondução da vítima bem como seus dependentes

É assegurado à vítima e seus dependentes o direito de retorno ao lá caso o agressor a

tenha expulsado de casa ou por ter ela fugido para livrar-se dos maus tratos a ele atribuídos.

Para o exercício desse direito, caso o ofensor tenha permanecido no domicilio, é necessário o

juiz determinar o afastamento dele da residência. Resta claro que em situação de violência

doméstica e familiar é prioridade da ofendida e seus dependentes permanecerem do domicilio.

69Ibid, art. 35. 70Ibid, art. 23, I e art. 11, III.

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Maria Berenice Dias ao dizer que essa medida e a do afastamento do lar são de natureza

familiar cabendo à ofendida faculdade de requerê-la por duas vias; uma administrativa em

pedido formulado perante a autoridade policial, caso que não precisará de advogado e outra

perante o juízo cível por petição embasada no art. 282 do CPC, representada por procurador71.

2.2.3 Afastamento da ofendida do lar

Pode haver situação em que a ofendida entenda, por circunstancia tantas; seja porque

mora com o agressor na residência dos pais ou de familiares dele, seja conveniente sua saída

do domicílio conjugal, não configurando o abandono do lá previsto no CPC. Com isso, terá

resguardado todos os seus direitos inerentes a bens, guarda dos filhos e alimentos, art. 23, III72.

Além disso, a vítima, representada por advogado ou defensor publico, pode pedir junto

a vara criminal ou ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar, o afastamento dela ou do

agressor da lar conjugal com base no inciso VI do art. 888 do código processo civil: “O juiz

poderá ordenar ou autorizar, na pendência da ação principal ou antes de sua propositura: o

afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal73”.

2.2.4 Separação de corpos

Prevista no inciso IV do art. 23 essa medida pode decretada caso seja necessário para

proteger a vítima e por fim a violência entre o casal, sejam casados ou em união estável. A

vítima pode requerer por ocasião do registro da ocorrência perante a autoridade policial ou

diretamente no juízo competente. Acrescente-se que o “código civil admite tutela antecipada

na ação de dissolução de união estável, bem como prever o código processual civil, como

medida cautelar, o afastamento temporário, do lá, de um dos cônjuges”. Assim, pode ser

requerida ou na delegacia de polícia, sem formalidades ou perante o juízo competente nos

termos do CPC74.

2.3 Das medidas patrimoniais

Para proteger a propriedade de bens adquiridos durante a sociedade conjugal e bens

particulares da vítima, o juiz, pode impor, liminarmente, entre outras, medidas que restrinja ou

71 DIAS, loc. cit. p. 112. 72 LAGO, Luciano da Silva. Breves apontamentos acerca da aplicação das medidas protetivas de urgência no âmbito da Lei 11.340/06. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1972>. Acessado em: 16 de março de 2014. 73 CPC, 2002, art. 888, VI 74 DIAS, 2010, p. 112 e 113.

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suspenda o direito ou o acesso do agressor quanto à administração ou a disponibilidade sobre

os ditos bens. Lembra Maria Berenice Dias que essas medidas são de cunho familiar, fato que

pode ser requerida, acompanhada de advogado, mediante ação cautelar nos termos do art. 888,

I, do CPC, perante os JVDFMs ou juízo cível. Contudo, se solicitadas perante a autoridade

policial não precisa de procurador75.

2.3.1 Restituição de bens

Ocorre quando o agressor apodera-se indevidamente dos bens da ofendida, ocasião

que sendo identificados os bens subtraídos, estes serão, de imediato, determinado sua devolução

a vítima. Pode haver situação, como adverte CUNHA que dentre os bens do ofensor não se

vislumbre quais bens pertence ao patrimônio da ofendida, caso que seria pertinente o

arrolamento, nomeando-se ela como depositária fiel76.

2.3.2 Suspensão das procurações

Trata das autorizações que, porventura, a vítima tenha conferido para que o agressor

agisse em nome dela, como se fosse a própria. Esse mandato expressa uma relação de confiança

entre mandante e mandatário que acaba sendo quebrada com a situação de violência doméstica

e familiar praticada pelo mandatário a parte autorizadora. Nesse sentido expressa-se o

doutrinador Rogério Sanches Cunha;

Ao prever a suspensão da procuração, tratou o legislador, à evidência, do denominado mandato expresso e escrito. Ao lado desses, porém, há também o chamado “mandato tácito”, apontando a doutrina como exemplo de especial interesse [...], art. 1643 do código civil. [...] pode os cônjuges, independentemente de autorização um do outro: I – comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica; II – obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir77.

Extrai-se que “essas procurações sãos os instrumentos de mandatos disciplinado no

art. 653 e os mandatos judiciais no art. 692, ambos do código civil, para as quais não há previsão

de suspensão, mas de revogação”. Ademais, diz que ”para que ela surta efeito perante terceiros

de boa fé estes, além do mandatário, devem ser cientificados, art. 686, do CC”78.

De qualquer sorte agindo o agressor sob autorização expressa ou tacitamente da vítima

será obstado, provisoriamente, por ato do estado-juiz, de prosseguir com o exercício de tal

75 DIAS, loc. Cit. p. 112 76 CUNHA, 2010, loc. cit. p. 100 77 CUNHA, 2010, p. 104 78 CUNHA, 2010, Loc. Cit. p. 103

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41

direito, exceto se munido de autorização judicial. A concessão desse instituto deve ser oficiado

ao cartório competente.

Visa resguardar a não dilapidação do patrimônio comum do casal impedindo, de

imediato, que o suposto varão agressor compre, venda, loque, em fim, veda a prática de atos e

contratos referente a bens móveis, imóveis e semoventes, previsto no código civil. O varão

supostamente ofensor só poderá celebrar os atos e contratos provido de autorização judicial.

Esta precaução é para que a vítima não seja compelida ou ludibriada a concordar em negócios

dos bens móveis e semoventes ou exercer outorga uxória, no caso de bens imóveis.

2.3.3 Prestação de caução provisório

Se da prática da violência doméstica e familiar contra a vítima resultar danos materiais

ou perdas o juiz determinará ao agressor que faça depósito judicial como forma de caução (art.

330 do CPP) para garantir o reembolso à vítima dos prejuízos que lhe causou. Cunha comenta

que é medida preparatória da ação principal que servirá de garantia para a execução da decisão

sentencial que responsabilizou o ofensor a indenizá-la. Acrescenta que “tem como espécie a

fiança prevista código adjetivo penal, destinada a satisfazer o dano exdellito”79. Nesse ponto,

para garantir a integridade física da vítima, entendo ser possível fiança policial apenas para

danos materiais. Nos demais casos de lesão envolvendo a própria vítima fica a cargo do juiz a

concessão da fiança.

2.4 Da prisão preventiva

Preconiza o artigo 20 que em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução

criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento

do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial80. A Lei acrescentou o

inciso IV ao art. 313 ao código de processo penal mais uma hipótese de prisão preventiva para

garantir a execução das medidas protetivas de urgência quando o crime envolver violência

doméstica e familiar contra a mulher, estendendo a pessoas masculinas vulneráveis:criança,

idoso, deficiente. O juiz pode revoga-la ou novamente decretá-la, sobrevindo razões que

justifica o encarceramento do agressor81.

79 CUNHA, 2010, Loc. Cit. p. 105 80 PENHA, Lei Maria da. Art. 20, caput, Lei 11.340/06. 81 Código Processo Penal, art. 313, IV e paragrafo único.

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Rogério Sanches Cunha salienta que as medidas protetivas elencadas na lei em apreço

são todas de natureza extrapenal e por isso a prisão preventiva só tem cabimento se a outra

medida anteriormente imposta for desrespeitada para o cometimento de crime. Caso contrário,

se concedida pelo mero desrespeito à outra medida em execução, estaria legislando prisão civil

o que não é tarefa do julgador. Tal medida como as demais duram enquanto comprovada a

necessidade de proteger a vítima.

Nos termos do código processo penal a decretação da prisão preventiva leva em conta

as condições objetivas de admissibilidade, requisitos e fundamentos, que serão

obrigatoriamente observados e fundamentados na decisão judicial quando de sua aplicação.

Salienta Nestor Távora (2010) a possibilidade de aplicação de prisão preventiva deriva da

integralização do binômio fumus commissi delicti e peculumlibertatis previstos no art. 312 do

CPP. Assim, como medida cautelar reclama a necessidade de estarem presentes no delito em

apuração dois pressupostos que constitui a justa causa materializada no fumus commissi delicti:

a) Indícios suficientes de autoria – que haja vínculo de que tenha o investigado ou acusado

concorrido para a existência do crime ou cometido o delito e;

b) Prova da existência de um crime – demonstração da materialidade delitiva.

Ademais, os fundamentos estabelecidos, ainda, no art. 312 do CPP vislumbram existir

o periculum libertatis demonstrado de forma concreta. Não permite presunção abstrata82 de que

uma futura ação do agente interfira prejudicando de algum modo a persecução penal (aplicação

da lei penal e instrução criminal) e a ordem pública ou econômica:

c) Garantia da ordem pública ou econômica – é necessário que haja demonstração concreta,

comprovação do risco de que o infrator em liberdade continuará a delinquir, desrespeitando

outra medida protetiva anteriormente imposta, retirando a paz e a tranquilidade da entidade

familiar e da comunidade.

“As expressões usuais, porém evasivas, sem numa demonstração probatória, de que o individuo é um criminoso contumaz, possuidor de uma personalidade voltada para o crime etc., não se prestam, sem verificação, a autorizar o encarceramento”83.

Assim, no aspecto da violência doméstica e familiar nota-se a exigência de

comprovação de que o individuo solto continue frustrando a eficácia de outras medidas

82CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 8. Ed. Revista Atualizada. São Paulo: Saraiva. 2012. 83 TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. Ed. rev. atul. eampl. 2013. p. 581.

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protetivas praticando mais delitos ou ameaçando vítimas, testemunhas. Nestor comenta que de

acordo com a jurisprudência do STF se o agente já responder a inquérito ou processo configura

maus antecedentes que podem autorizam a prisão preventiva.

d) Persecução criminal: conveniência da instrução penal – evitar que o individuo inviabilize ou

atrapalhe a produção de provas, impedindo que se alcance a verdade material ou real;

e) Garantia de aplicação da lei penal – evita-se que o agente fuja deixando de ser

responsabilizado penalmente. A possibilidade de fuga deve ser comprovada, exemplo; se o

agente tirar passaporte.

Ao contrario das cautelares previstas no CPP as medidas protetivas não visam

assegurar processos, mas proteger direitos fundamentais, evitando ou reprimindo a violência

contra pessoas no âmbito das relações domésticas e familiares. Desse modo a prisão preventiva

como medida protetiva tem como objetivo a proteção da ofendida, de seus familiares, do seu

patrimônio e testemunhas, devendo ser aplicada sempre que as circunstancias exigirem, ou seja,

sempre que os direitos resguardados na lei forem ameaçados ou violados. Ademais, vale

ressaltar que as medidas protetivas não visam provar crimes, mas proteger pessoas84.

Pela disposição prevista no art. 313, III, CPP nos crimes envolvendo violência

doméstica e familiar a prisão preventiva pode ser decretada independentemente de a pena

máxima ultrapassar 04 anos, para garantir a execução de outras medidas protetivas. Lima afirma

que ela também pode aplicada de imediato se presentes os requisitos do art. 312, CPP:

Inobstante a citada finalidade expressa da prisão — “garantir a execução das medidas protetivas” —, a Lei 12403/11 não proíbe seu decreto na ausência de medida protetiva anterior, ou mesmo de seu eventual descumprimento.

De fato, a Lei 12.403/11 admite dois tipos de prisão preventiva: uma, para o caso de descumprimento das cautelares e a ser decretada em “último caso” (art. 282, § 4º, CPP), denominada pela doutrina “substitutiva” ou “subsidiária” (MENDONÇA, 2011); outra, como primeiro recurso (prisão preventiva “originária” ou “autônoma”), desde que não seja “cabível a sua substituição por outra medida cautelar” (art. 282, § 6º, CPP) ou estas “se revelarem inadequadas ou insuficientes” (art. 310, II, CPP)85.

Portanto, a regra é que a prisão preventiva só é cabível quando descumprida

injustificadamente alguma outra medida protetiva anteriormente aplicada. Mas ela pode ser

decretada de inicio, de imediato se as circunstancias autorizarem, ou seja, se presente os

84LIMA, Fausto Rodrigues de. Lei das Cautelares mudou aplicação da Maria da Penha. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-dez-20/fausto-lima-lei-medidas-cautelares-mudou-aplicacao-maria-penha>. Acessado em 21 de março de 2014. 85Ibid

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requisitos acima referidos, independentemente de oitiva prévia das partes ou do Ministério

Público.

2.5 Da concessão da fiança pela autoridade policial

A fiança nos termos do art. 330 do código de processo penal constitui-se como meio

de conseguir a liberdade provisória mediante uma garantia real (bens) ou fidejussória

(compromisso pessoal), ou seja, uma calção. Essa garantia pode ser paga em dinheiro em

espécie ou em bens86.

Pela regra trazida no art. 313 pela 12.403/11 a fiança não será concedida pela

autoridade policial, mas só pelo juiz quando diante de um ilícito houver a possibilidade de ser

efetivada a prisão preventiva. Nesse ponto dispõe o art. 324, IV, CP: “Não será igualmente

concedida fiança: quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva

(art.312)”. Nessa linha argumenta Lima que:

Ao determinar que o juiz pode converter o flagrante em preventiva, o legislador se refere a todos os crimes em que a lei autoriza, em tese, a prisão preventiva, inclusive os praticados em violência doméstica. Se o delegado conceder fiança, por exemplo, num crime de ameaça, impedirá a atuação jurisdicional87.

Como visto, mesmo para os crimes com pena máxima não superior a 04 anos que

envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher não é prudente que se conceda fiança

policial uma vez que o réu solto mediante o pagamento de pecúnia ponha em risco a integridade

e segurança da vítima que vai continuar ameaçada ou violada (art.19, §2º c/c art. 22, §3º). Com

efeito, estaria indiretamente atingindo efeitos semelhantes aos da lei 9099/95, obstando a

proteção imediata da vítima e o fim da lei 11.340/06 (art. 41).

Para Fausto Rodrigues de Lima e Jorge RomcyAuad Filho, bem como preconizado

noEnunciado n° 6 daComissão Permanente de Promotores da Violência Doméstica do Brasil

(COPEVID) a autoridade policial não pode arbitrar fiança quando se trata de crime envolvendo

violência doméstica e familiar.

Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente,

idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, é vedada a concessão de fiança pela

86 BRASIL, código de processo penal. Disponível em: <http://www.dji.com.br/codi gos/1941_dl_003689_cpp/cpp321a350.htm>. Acessado em: 20 de março de 2010. 87LIMA, Fausto Rodrigues de. Lei das Cautelares mudou aplicação da Maria da Penha. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-dez-20/fausto-lima-lei-medidas-cautelares-mudou-aplicacao-maria-penha>. Acessado em 21 de março de 2014.

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Autoridade Policial, considerando tratar-se de situação que autoriza a decretação da

prisão preventiva nos termos do artigo 313, III, CPP88.

Nesse sentido Pinto, apesar de divergir, explica que o presente entendimento

doutrinário ocorre em virtude de que:

A partir do advento da Lei n° 12.403/2011, que alterou substancialmente a disciplina da prisão preventiva e da liberdade provisória, esboça-se um entendimento no sentido de que, para os delitos a envolver violência doméstica, não poderia a autoridade policial arbitrar fiança, em ato que, por consequência, seria privativo de juiz de direito. (...). (...) reside no fato de que delitos perpetrados em contexto de violência doméstica admitem a decretação da prisão preventiva, nos termos do inc. III, do art. 313 do Código de Processo Penal, quando “o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência89. (grifou-se).

Ademais, vale lembrar, que as medidas protetivas elencadas na lei Maria da Penha

são de caráter político-criminal90 e que buscando atender o espírito da lei, visando a promoção

da igualdade e da dignidade dos ser humano obsta-se a concessão de certos direitos do réu

diante de situações específicas e da necessidade de proteger a mulher em situação de

vulnerabilidade, contra a agressão no âmbito das relações domésticas e familiares.

Nessas situações a ordem pública já estaria abalada uma vez que a vitima procura

registrar o fato perante a autoridade policial solicitando providência para responsabilização do

agressor e cessação da violência doméstica e familiar que não só lhe importuna, mas também

filhos e familiares. E como prova do alegado afirma Oliveira e Camacho apud Corrêa que:

A mulher que sofre continuamente maus-tratos não pode perambular por órgãos a fim de obter assistência na vã tentativa de por fim às agressões; ela precisa ser atendida por um grupo preparado, bem como protegida pelos encarregados no cumprimento da Lei. Os dados divulgados por pesquisas nacionais e internacionais surpreendem e descortinam o caráter sistêmico da violência doméstica, comprovando a necessidade de intervenção estatal veemente, como um meio de defesa e satisfação dos direitos e garantias fundamentais91. (..).

88 PINTO apud LIMA e FILHO. Fiança arbitrada pela autoridade policial e Lei Maria da Penha. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/23068/fianca-arbitrada-pela-autoridade-policial-e-a-lei-maria-da-penha. Acessado em: 20 de março de 2014. 89 PINTO, Ronaldo Batista. Fiança arbitrada pela autoridade policial e Lei Maria da Penha. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/23068/fianca-arbitrada-pela-autoridade-policial-e-a-lei-maria-da-penha. Acessado em: 20 de março de 2014. 90OLIVEIRA, Elisa Rezende; CAMACHO, Henrique. LEI MARIA DA PENHA E POLÍTICA CRIMINAL: Uma constante luta em prol da efetivação dos direitos humanos das mulheres. Disponível em: http://www2.marilia.unesp.br/revistas/ index.php/levs/article/viewFile/2239/1857. Acessado em 20 de março de 21014. 91OLIVEIRA, Elisa Rezende; CAMACHO, Henrique. LEI MARIA DA PENHA E POLÍTICA CRIMINAL: Uma constante luta em prol da efetivação dos direitos humanos das mulheres. Disponível em: http://www2.marilia.unesp.br/revistas/ index.php/levs/article/viewFile/2239/1857. Acessado em 20 de março de 21014.

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Assim, o flagrante deve ser mantido e submetido à análise judicial no prazo de 24

horas. E atender esse procedimento, segundo Lima: “não causa prejuízos aos acusados porque

sua prisão deve ser comunicada imediatamente ao juiz e ao promotor, bem como o auto de

flagrante deve ser remetido em 24 horas ao juiz e ao defensor público, conforme artigo 306,

caput, e seu parágrafo 1º, do CPP”.

Consoante o exposto, a fiança não pode obstar os fins pretendidos pela Lei 11.340/06,

mas funcionar como uma medida protetiva para salvaguardar e proteger a ofendida em situação

de violência doméstica familiar. Pois, a concessão da fiança policial ao agressor frustraria a

finalidade das medidas protetivas, bem como da lei tanto na repressão ao delito já praticado

como na prevenção de nova violência e proteção da vítima.

Seguindo o raciocínio de que a fiança não pode servir de instrumento que neutralize

os efeitos das medidas protetivas e consequentemente da Lei Maria da Penha que é afastar a

agressão sobre a vítima à comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) da violência contra

a mulher no Brasil elaborou o projeto de lei nº 6008/13 que veda a concessão da fiança pela

autoridade policial quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher.

Nesses crimes apenas o juiz, no prazo de 48 horas, poderá decidir sobre a fiança, podendo

converter a prisão em flagrante em preventiva, ainda que não haja sido concedidas ou

descumpridas outras medidas protetivas.

Ementa O Projeto de Lei 6008/13 altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, para disciplinar aspecto referente à prisão preventiva, ao prazo procedimental, à concessão ou manutenção de medidas protetivas de urgência, no caso desentença condenatória, e vedar a concessão de fiança pela autoridade policial nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher92.

A lei Maria da Penha (11.340/06) foi criada diante da necessidade de coibir e reprimir

a violência doméstica e familiar contra a mulher, no entanto, passado alguns as estatísticas

demonstram que uns de seus mecanismos as medidas protetivas não estão tendo efetividade,

pois muitas vezes o agressor, após ser ouvido na delegacia e prestar fiança, retornar ao lar

conjugal e continua a agredir a vitima.

O Projeto de Lei 6008/13, elaborado pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência Contra a Mulher no Brasil, que estabelece apenas o juiz poderá

92 Câmara do deputados, projeto de lei nº 6008/13. Art. 4º,§ único o art. 332 do dreto-lei 3668/41 , passa a vigorar com a seguinte redação: art. 332.. paragrafo único nos crime praticas com violência domestica e familiar contra a mulher e nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 horas disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=585622. Acessado em: 21 de março de 2014.

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decidir sobre o pagamento de fiança para o crime de violência doméstica e familiar contra a mulher. O magistrado terá 48 horas para decidir sobre o pedido. (...). (...) autoriza também o juiz a determinar a prisão preventiva do agressor mesmo que não tenham sido adotadas ainda medidas protetivas de urgência93.

Assim, o pedido de medida protetiva poderá ser apreciado juntamente com o auto de

prisão em flagrante nas primeiras 24 horas da prisão do agressor, conforme art. 310 do CPP c/c

a Lei Maria da Penha. Desse modo, o agressor poderá ser posto em liberdade condicionada ao

cumprimento de alguma medida protetiva ou permanecer preso preventivamente.

3. JUSTIFICATIVA DAS MEDIDAS PROTETIVAS NA ORDEM

CONSTITUCIONAL E VEDAÇÃO DA FIANÇA POLICIAL.

3.1Constitucionalidade das medidas protetivas

O tratamento igualitário entre o homem e a mulher no exercício de direitos e

obrigações crivado no dispositivo constitucional (art. 226, CF) e tratados supralegais de direitos

93 Câmara dos Deputados. Projeto proíbe pagamento de fiança na delegacia em casos de violência doméstica. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/461293-PROJETO-PROIBE-PAGAMENTO-DE-FIANCA-NA-DELEGACIA-EM-CASOS-DE-VIOLENCIA-DOMESTICA.html. Acessado em: 21 de março de 2014.

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humanosserviram de fundamentos para a lei 11.340/06 a qual se apresenta como um meio de

se efetivar a igualdade real entre ambos os sexos. Assim, a Lei Maria da Penha encontra-se de

acordo à constituição e os tratados sobreditos, observando a dupla compatibilidade vertical94.

O exercício do poder familiar deve ser exercido igualmente por ambos os sexos, no

entanto, se um deles em razão de discriminação de gêneros, em tese, a mulher, sofrer limitação

ou impedimento no exercício desse direitoé cabível, jurídica e socialmente, ser tratada de

maneira especial pelo Estado. Com isso, a Lei visa permitir o respeito no âmbito dessas relações

equilibrando as diferenças e limitações entre eles, no intuito de garantir a inviolabilidade da

liberdade da mulher.

Nesse sentido, Cunha diz que o art. 226, §5º, CF/88, afasta tal discriminação,

“equiparando ambos os sexos em direitos e obrigações, garantindo aos dois sexos, no § 8º, do

mesmo artigo, proteção no caso de violência domestica95”. Confirma seu raciocínio citando

voto do Ministro Sálvio de Figueiredo, do STJ, RSTJ 129/364.

[...], diz que o juiz não pode quedar-se surdo as exigências do real e da vida. O direito é uma norma viva, destinado a reger homens – seres que se movem, agem, mudam, se modificam. O fim da lei não deve ser a imobilização ou a cristalização da viva, e sim manter contato intimo com esta, seguida em sua evolução e adaptar-se a ela96. [...].

O tratamento diferenciado entre o homem e mulher trazido pela lei Maria da Penha,

como já mencionado, teve como fonte além das estatísticas, o artigo 226, § 8.º, da constituição

federal, bem como os supras legais tratados e convenções sobre direitos humanos - Convenção

Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a mulher (convenção de

Belém do Pará), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra

as Mulheres (convenção da mulher ou CEDAW) e o Pacto São José da Costa Rica97.

Tem se chamado de nova pirâmide jurídica, formada após o julgamento do RE 466.343-1. Pelos fundamentos nele constantes, diferenciam-se dois tipos de tratados: os que se equiparam às emendas à CF e os chamados supra legais (acima das leis ordinárias)98, [...].

94 CF, art. 226, §8º -O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. E Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW). 95 CF, art. 226, §5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 96 CUNHA, 2010, p.27 97 DIAS, 2010, p. 16 98Ibid, p. 36

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A alusão de inconstitucionalidade ao art. 33 da e 41 da lei 11.340/06 por afastar a

aplicação, respectivamente,dos artigos 125, §1º (institutos despenalizadores) e 98, I e 5º, I,

(matéria de organização judiciária) da CF, não assiste razão. Todos esses dispositivos,

consoante a doutrina e jurisprudênciamajoritária,se revestem de constitucionalidade uma vez

que são medidas afirmativas temporárias compensatórias que objetivam sanar um problema de

discriminação histórico em razão do gênero e proporcionar igualdade material entre homem e

mulher no âmbito da entidade familiar.

O sistema geral de proteção tem por endereçado toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade. Por sua vez, o sistema especial de proteção realça o processo de especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto de forma concreta e especifica, ou certas violações de direitos exigem um resposta diferenciada. Helena Homena Lopes de Farias e Mônica de Melo citados por CUNHA99. Recurso em sentido estrito. [...]. Tal inconstitucionalidade, no entanto, não autorizam a conclusão de afastamento da lei do ordenamento jurídico, [...], porque o art. 5.º, II, c/c art. 21, I e art. 226,§8.º, todos da constituição federal, compatibilizam-se e harmonizam-se, proporcionando aplicação indistinta da lei em comento tanto para as mulheres como para homens em situação de risco ou de violência decorrentes da relação familiar100. [...] (TJMG, ACrim. 1.0672.07.249317-0, j.06.11.2007, rel. Des. JudimarBiber).

Nesses termos, Cunha defende que o homem em situação de vulnerabilidade também

pode ser potencial vítima de violência doméstica sustentando sua opinião no § 9º, do artigo 129,

do código penal tendo em vista a alteração inserida no mesmo por força da lei 11.340/06 a qual

não especifica o sexo quando de sua aplicação às causas de violência doméstica e familiar.

Salienta que a lei veda a aplicação, em favor do homem, de medidas protetivas e assistenciais.

§ 9º - Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo um agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade101.

[...]. O homem também pode sê-lo, conforme se depreende da redação do § 9.º, do art. 129, do CP, quando não restringiu o sujeito passivo, abrangendo ambos os sexos. O que a lei em comento limita são as medidas de assistência e proteção, estas sim aplicáveis somente a ofendida102 (vítima mulher).

Nesse contexto, o“§ 11 diz que “na hipótese do § 9.º deste artigo, a pena será

aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência”. Cite-

seainda a agravante delineada na alínea “f” (com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de

relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na

forma da lei específica), inciso II, do art. 61, todos do código penal e na possibilidade de prisão

99 CUNHA, 2010, p. 23 100 DIAS, 2010, p. 81 101 VADE MECUM, SARAIVA, 2013, p. 525 102 CUNHA, 2010, p. 20

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preventiva prevista no código de processo penal no art. 313, IV, quando a vitima for criança,

enferma, idosa, deficiente, em situação de violência doméstica.

Todavia, quanto ao sujeito passivo e ativo, de acordo a doutrina e a jurisprudência

majoritária,na aplicação das medidas protetivas bem como da lei como um todo, não se observa

o gênero do agressor que tanto pode ser homem como mulher, mas tão somente se a vítima é

do gênero feminino. Assim, pode integrar o rol de sujeito passivo a avó, a neta, a mãe, a filha,

a sogra, a esposa, a amante, a namorada, empregada doméstica, a irmã, a tia, a companheira de

quarto em república e as pessoas social e juridicamente identificadas como sendo sexo

feminino.

Para ser considerada violência doméstica, o sujeito ativo pode tanto pode ser homem como outra mulher. Basta estar caracterizado o vinculo de relação doméstica, de relação familiar ou de afetividade, [...]”103.

“Conflito negativo de jurisdição. Lei Maria da penha. Lesão corporal. Agressões entre sogra e nora, causando lesões recíprocas. Violência doméstica. A conduta típica precisa ser perpetrada contra a mulher, sendo, inclusive, necessário que seja em razão do gênero. Lei 11.340/06, art. 5.º. CP, art. 29, § 9.º. [...]104. (TJRJ, 6.ª C. Crim., CJ 220/09, j. 14.04.2009, rel. dês. Guaraci de Campos Viana). (grifou-se).

Os agressores tanto pode ser homem como mulher. Em todo o caso deve atentar-se

para que se configure violência doméstica e familiar que a agressão ocorra em razão da relação

de convivência ou ex-convivência, de hospitalidade ou de afetividade e por motivação de

gênero. Nesse entendimento Tribunais de Justiça vem manifestando-se em suas decisões.

Penal. Violência doméstica e familiar. Lesão corporal. [...]. A lei 11.340/06 exige uma qualidade de sujeito passivo do crime de violência doméstica: ser mulher.Porém, não só a esposa, a companheira ou a amante encontra-se sob o manto da norma protetiva, entendendo-se à filha, à neta, à avó ou qualquer outra parente, mesmo que por afinidade, que mantenha vinculo familiar com o agressor. [...]. (TJMG, 4.ª C.Crim., Acrim. 1.0384.08.066118-2/001, j. 25.03.2009, rel. Des. Julio Cesar Guttierrez).“[...]. 3. O namoro é uma relação íntima de afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão do namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em razão dele, caracteriza violência doméstica. [...]. 5. A lei Maria da Penha é um exemplo de implementação para a tutela do gênero feminino, justificando-se pela situação de vulnerabilidade e de hipossuficiência em que se encontre às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. [...]105. (STJ, 6.ª T., HC 92.875/RS, j. 17.11.2008, rel. Min. Jane Silva, 30.10.2008). (grifou-se).

Quanto ao fato de a lei 11.340/06 tutelar também a relação de pessoas

independentemente de orientação sexual a doutrina afirma as pessoas que se reconheçam

103 DIAS, 2010, p. 54 104Ibid, p. 55 105Ibid, p. 56

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socialmente como lésbicas, transexuais, travestis e transgênerostambém podem ser sujeitos

passivo do crime.

Ao ser afirmado que a mulher está sob o abrigo da lei, sem distinguir sua orientação sexual, encontra-se assegurada proteção tanto às lésbicas, como às travestis, às transexuais e os transgêneros do sexo feminino que mantenha relação íntima de afeto em ambiente familiar ou doméstico. A lei busca a preservação da dignidade da pessoa humana, fazendo valer o gênero alegado pessoa vitimada106. (grifou-se).

Sobre a questão os tribunais aduzem ser sujeito passivo o homem que tenha feito,

cirurgicamente, mudança de sexo passando a ter órgãos reprodutores femininos e que se

identifiquem socialmente, mediante alteração registro civil, como do sexo feminino.

[...]. Agressão praticada pelo companheiro contra pessoa civilmente identificada como sendo do sexo masculino. Vítima submetida à cirurgia de adequação do sexo por ser hermafrodita. Adoção do sexo feminino. Presença de órgãos reprodutores femininos que lhe confere a condição de mulher. Retificação do registro civil já requerida judicialmente. Possibilidade de aplicação, no caso concreto, da lei 11.340/06. [...]107. (TJSC, 3.ª T. C.Crim., CJ 2009.006461-6, j. 14.08.2009, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco)108.

Portanto, são fartos os argumentos de que as medidas protetivas obedecem aos ditames

constitucionais, justamente por possibilitar que homem e mulher tenham e exerçam os mesmos

direitos e deveres no âmbito da entidade familiar.

No entanto, para que as medidas protetivas cumpram sua razão de existir, seja eficaz

devem efetivamente atender e proteger a mulher da violência doméstica e familiar (art. 4º). Para

isso a Lei Maria da Penha alterou dispositivos do código penal aumentando a pena e tornando

de ação pública incondicionada o crime de lesão leve109. Pela mesma razão a Lei 12.403/11

acrescentou a possibilidade de prisão preventiva quando o crime envolver violência doméstica

contra a mulher (art. 313, III, CPP), em consonância com o art. 20 da LMP o qual aduz que a

preventiva pode ser decretada pelo juiz quantas vezes for necessário se justificável. Com efeito,

todos os crimes punidos com pena máxima de até 04 anos estão sujeitos à prisão preventiva, de

acordo o art. 313, III, CPP, restando insubsistente a fiança policial110.

Nesse rumo, Lima comenta que:

(...) o juiz deve converter o flagrante em preventiva, o legislador se refere a todos os crimes em que a lei autoriza a prisão preventiva, em tese, inclusive os praticados em

106Ibid, p. 44 107 DIAS, 2010, p. 58 108Ibid 109 Art. 129, §9º, CP

110 LIMA, Fausto Rodrigues de. Fiança policial e violência doméstica: incompatibilidade após a lei. <http://www.conamp.org.br/Lists/artigos/Disp Form.aspx?ID=159>. Acessado em 07 de fevereiro de 2014.

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52

violência doméstica, de forma que, se o delegado conceder fiança, por exemplo, num crime de ameaça, estará impedindo o livre exercício jurisdicional. (...) o legislador conferiu ao juiz o poder exclusivo de decidir sobre a manutenção da prisão na violência doméstica contra a mulher e o homem-vulnerável111.

Diante disso, não pode ser concedida fiança policial quando presente os requisitos que

admitem a prisão preventiva nos termos do art. 324, IV, CPP, análise a ser feita pelo juiz,

conforme art. 311 do CPP. Pois, caso a fiança seja arbitrada pela autoridade policial impediria

a aferição jurisdicional sobre a conversão da prisão em flagrante em preventiva, disposta no art.

310 do CPP. Além disso, a vitima continuaria desprotegida, desatendida uma vez que mal

cessada a violência permaneceria vulnerável e aflita dividindo o mesmo espaço junto com seu

agressor, caracterizando ineficácia da Lei.

Não se duvida que diante de uma violência doméstica é salutar que vítima e agressor

sejam afastados temporariamente um do outro até ela esteja em segurança.Mas isso só é

possível com a aplicação de imediato de alguma medida, seja o afastamento do agressor ou da

vitima do lar conjugal ou encaminhamento da ofendida e seus dependentes a casa de abrigo.

Sobre esse ponto Rena Lima diz que:

As medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, como a proibição de se aproximar da vítima, restrição do direito de visita, pretação de alimentos provisionais, entre outros, só são concedidas pelo juiz, em até 5 dias (na verdade, as vezes chegam da demorar meses para serem concedidas…). A medida de urgência de encaminhar a vítima e seus filhos para abrigos, nesse caso, depende não só da existência de abrigos específicos, como da disponibilidade de pessoal – policiais – e equipamento – veículos. Absurdo? Não, pura realidade112.

É justamente nesse ponto que essa pesquisa visa esclarecerum dos problemas sobre a

aplicabilidade das medidas protetivas. Pois, o pedido da vítima será apreciado pelo juiz em até

48h (art. 18). Tempo que em muito é suficiente para que a vítima seja abatida por seu algoz,

como demonstrado adiante casos em que vítimas são executadas logo após seu agressor preso

em flagrante ser liberado mediante o pagamento de fiança concedida pela autoridade policial.

Caso 1: 1. 08/2007: o investigado C.R.S.L. discutiu violentamente com a companheira L.S.C. numa igreja na cidade de Samambaia/DF. O Pastor, sentindo que “o marido estava disposto a matar a mulher, as filhas e quem mais pudesse e depois se matar”, pediu que a vítima aguardasse, para “tentar mudar o comportamento agressivo e ameaçador” dele;

111 LIMA, Fausto Rodrigues de. Fiança policial, violência doméstica e a Lei nº 12.403/2011. Disponível em:http://www.adepolalagoas.com.br/artigo/fianca-policial-violencia-domestica-e-lei-n%C2%BA-124032011.html. Acessado em: 22 de março de 2014. 112 LIMA, Renata. Dilemas – decisão do STF sobre a Lei Maria da Penha e a autonomia da vítima. Disponível em: <http://blogueirasfeministas.com/2012/02/decisao-do-stf-sobre-a-lei-maria-da-penha/>. Acessado em: 22 de março de 2014.

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2. 29/09/2007: o acusado foi preso em flagrante por ameaçar com uma faca sua companheira, dizendo “se sair de casa e me deixar eu te mato”. A vítima declarou que estava há muito tentando a separação, mas tinha medo de ser morta; 3. 29/09/2007: no mesmo dia da prisão, o acusado foi solto, mediante o pagamento de fiança arbitrada pelo Delegado, no valor de R$ 150,00; a vítima foge para Goiânia e se refugia na casa dos pais; 4. 07/10/2007: acusado invade a residência de seus sogros e golpeia a vítima com várias facadas. O pai dela tenta interferir, mas é empurrado pelo acusado. Caído, o pai assiste ao assassinato da filha. Caso 2:07/03/2007: a vítima registrou ocorrência por ameaça praticada por seu ex-companheiro, porém, ao invés de prendê-lo em flagrante, a autoridade policial de Cuiabá/MT o manteve solto; 2. 09/03/2007: a Vara do Juizado de Violência Doméstica teve conhecimento do caso; 3. 07/2007: o acusado matou a vítima com 75 facadas. Caso 3: 1. 11/6/2011: socou a face da vítima, que caiu, e arrastou-a lesionando costas, braços e face. Antecedentes: a) 1/12/02: lesionada nos braços e cabeça; b) 9/7/05: golpeou-a todo corpo, inclusive face, com facão. 2. 11/6/2011: fiança policial de R$ 1.500,00 3. 6/7/2011: matou vítima a facadas. Filhos de 9 e 6 anos encontrados ao lado corpo da mãe.113

Em todos os casos acima não houve eficácia da Lei, pois o acusado foi posto em

liberdade pela autoridade policial mediante o pagamento de fiança114, não permitindo que o juiz

e o Ministério Público se manifestassem sobre a presença ou não dos requisitos da prisão

preventiva ou sobre a possibilidade de afastar o agressor do lar ou mantê-lo distante da vítima.

Logo a fiança policial tem protagonizado em certa medida a ineficácia dos institutos protetores

previstos na Lei Maria da Penha.

Por tanto, no caso de prisão em flagrante há duas atitudes que a autoridade policial

pode adotar para que a integridade da vítima seja preservada: Não aplicar a fiança (deixando-a

para que o judiciário decidanos termos do art. 310 do CPP)ou se aplicá-la de

imediatoencaminhar a ofendida à casa de abrigo. O dilema é que para uns a Lei Maria da Penha

não veda a concessão da fiança ao indiciado pela autoridade policial e nem sempre existem

abrigos ou policiais disponíveis a efetivar o encaminhamento da vítima.

3.2 Constitucionalidade da Vedação da fiança policial

Há mandado expresso na Constituição Federal para que lei ordinária discipline o

instituto da fiança, consoante se depreende do art. 5º, LXVI -“ninguém será levado à prisão ou

113 LIMA, Fausto Rodrigues de. Fiança policial, violência doméstica e a Lei nº 12.403/2011. Disponível em:http://www.adepolalagoas.com.br/artigo/fianca-policial-violencia-domestica-e-lei-n%C2%BA-124032011.html. Acessado em: 22 de março de 2014.

114AMARAL. Carlos Eduardo Rios do. DELEGADO DE POLÍCIA PODE ARBITRAR FIANÇA NA LEI MARIA DA PENHA. Disponível em <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=11071>. Acessado em 07 de fevereiro de 2014.

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nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”115. Assim, explica

Lima que com a LMP e a Lei 12.403/11 a vedação da fiança pela autoridade policial, insere-se

no contexto constitucional116.

Para compreender a constitucionalidade da vedação da fiança policial o estudo tem

como ponto de partida o art. 20, caput e seu paragrafo único da Lei Maria da Penha (LMP):

Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (grifou-se).

E também entender a finalidade (art. 1º) para a criação da Lei teve como fundamento

a constituição federal (art. 226, §8º, CF/88). Insere-se nesses dispositivos que a família tem

especial proteção do Estado o qual deve assisti-la na pessoa de cada um dos que a integram,

criando mecanismo para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar no âmbito da

entidade familiar.Nessa linha, comenta Azevedo que:

A Lei Maria da Penha foi criada com intuito de frear a Violência Domestica no Brasil que se apresentava em índices assustadores, em interpretação não podemos trata-la como uma lei comum, trata-se de lei especifica e rigorosa traz em seu artigo 20 a possibilidade de tanto no Inquérito policial quanto na Instrução Criminal, seja decretada pelo juiz a prisão preventiva do agressor, fazendo-o de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da própria Autoridade Policial117.

No intento de assegurar essa finalidade a Lei Maria da Penha alterou o código penal118

qualificando (art. 129, § 9º), majorando (art. 129, §11) e agravando (art. 61, II, f) o crime e no

processo penal119 faz uso da prisão preventiva (art. 313, III) para garantir a efetividade das

115 BRASIL, constituição de federal, art. 5º, LXVI. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acessado em: 23 de março de 2014. 116 LIMA, Fausto Rodrigues de. Fiança policial, violência doméstica e a Lei nº 12.403/2011. Disponível em:http://www.adepolalagoas.com.br/artigo/fianca-policial-violencia-domestica-e-lei-n%C2%BA-124032011.html. Acessado em: 22 de março de 2014. 117AZEVEDO, Menezes. A LEI MARIA DA PENHA E SUAS DISCUSSÕES. Disponível em:<http://menezesazevedo.blogspot.com.br/2012/11/a-lei-maria-da-penha-e-suas-discussoes. html>. Acessado em: 23 de março de 2014. 118 CP, art. 129, 9º - Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; pena: 03 meses a 03 anos; §11 - Na hipótese do § 9.º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência; art. 61, II, f - com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica. 119 CPP, art. 313 não será, igualmente, concedida fiança, III - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312 - A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da

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medidas protetivas. A depender do contexto, Cebrian e Gonçalves afirmam que “é plenamente

possível a decretação da prisão em crimes afiançáveis, desde que as circunstâncias de execução

do delito indiquem a necessidade de custódia do infrator e que presentes as condições de

admissibilidade do art. 313 do CPP”120.

Além disso, no CPP o art. 324, IV c/c 312 proíbem a concessão de fiança quando

previsto os requisitos da prisão preventiva quais sejam: assegura a ordem pública, econômica;

a aplicação de lei penal e a instrução criminal. Ademais, apenas o juiz é a autoridade competente

para homologar a prisão em flagrante e analisar a presença ou ausência dos requisitos objetivos

(natureza do crime) e subjetivos (antecedentes do autor) da prisão preventiva, nos termo do art.

310, CPP121.Nesse sentido, argumenta o autor que:

(...) a lei Maria da Penha aniquila qualquer possibilidade da Autoridade Policial conceder liberdade mediante fiança, pois como acima mencionamos está capitulado no artigo 20 a possibilidade da decretação da prisão preventiva em qualquer fase do Inquérito ou na Instrução Criminal, deixando claro as circunstancias autorizadoras da prisão preventiva, impeditivo para deliberação da Autoridade Policial uma vez que a análise das circunstancias autorizadoras da prisão preventiva são seguramente de competência do Juiz122.

A LMP não tratou expressamente da fiança, mas ao prever que a prisão preventiva é

cabível aos crimes por ela tutelados (art. 20), não excetuando a inaplicabilidade para os delitos

cuja pena máxima não ultrapasse 04 anos (art. 322, CPP), e ao afastar a incidência da lei

9099/95 (art. 41) que permitia o acusado, após ouvido pela autoridade policial, ser solto

mediante o compromisso de comparecimento em juízo, bem como a alteração introduzida no

art. 313, III, c/c art. 324, IV, ambos do CPP, indiretamente foi vedada a concessão de fiança

pelo delegado de polícia nos crimes envolvendo violência doméstica, independentemente da

pena máxima prevista.

Nesse sentido Jorge RomcyAuad Filho citado por Lima aduz que:

Permitir o arbitramento de fiança pela autoridade policial, no caso em que é possível a decretação de prisão preventiva, além de causar desvirtuamento do ordenamento

ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria). 120 CEBRIAN, Alexandre; GONÇALVES, Victor. Direito Processual Penal Esquematizado. -São Paulo: Saraiva. 2012. p. 382. 121 CP, art. 310 - Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. 122 AZEVEDO, cit. loc.

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jurídico, ainda acarretará perplexidade em posicionamentos contraditórios, bem como usurpação da função jurisdicional do juiz123.

Assim sendo, consoante os casos de violência doméstica apresentados em que a

liberdade do indiciado compromete a segurança da vítima a concessão ou não da fiança deve

ser analisada pelo juiz por ocasião do recebimento do auto de prisão em flagrante que lhe será

encaminhado em até 24 de sua efetivação. Desse modo o agressor continuaria preso ao menos

por 24 horas até que o juiz, ouvindo o Ministério Público e a equipe multidisciplinar adotasse

a medida mais adequada à situação.

Nesse interim, Lima afirma que o indiciado não sairia prejudicado uma que o juiz

imediatamente nas primeiras 24h de sua prisão decidiria sobre a liberdade provisória.

(...), a fiança policial ainda seria útil para livrar imediatamente os acusados da prisão. Ora, a comunicação da prisão em flagrante deve ser feita IMEDIATAMENTE ao juiz e ao promotor de justiça (art. 5º, LXII, da Constituição Federal e art. 10, da Lei Complementar nº 75/93). A Lei nº 11.449/07 avançou e determinou a comunicaçãotambém à Defensoria Pública, em 24 horas. (...),conforme art. 306, caput, e seu § 1º, do CPP124.

Por tanto, resta evidente a possibilidade do juiz analisar de imediato o auto de prisão

em flagrante após ser lavrado pela autoridade policial e decidir diante do caso concreto qual a

medida protetiva mais pertinente a reprimir a violência e proteger a vitima de novos ataques

por parte do agressor. Assim, nas primeiras 24h da prisão em flagrante, não sendo o caso de

prisão preventiva, o juiz pode determinar a liberdade provisória do infrator condicionada ao

afastamento dele do lar conjugal, distanciamento da ofendida, dentre outras diversa da prisão,

inclusive combinadas com tratamento psicológico.

123 LIMA, Fausto Rodrigues de. Fiança policial, violência doméstica e a Lei nº 12.403/2011. Disponível em:http://www.adepolalagoas.com.br/artigo/fianca-policial-violencia-domestica-e-lei-n%C2%BA-124032011.html. Acessado em: 22 de março de 2014. 124Ibid

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4. DISCRICIONARIEDADE E FUNGIBILIDADE NA

APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS

4.1 concessão e substituição das medidas de oficio ou por requerimento

As medidas protetivas podem ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério

Público ou a pedido da ofendida (art. 19, caput)125. O juiz pode concedê-las de imediato,

independente de ouvir as partes, apenas comunica o Ministério Público do feito(art. 19, §1º)126.

125Art. 19, caput. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. 126 Art. 19, § 1.º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

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Essas medidas poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente e a qualquer tempo

serem substituídas por outras de maior eficácia, sempre que os direitos da mulher previstos na

lei forem ameaçados ou violados (art. 19,§2º)127. Nesse aspecto Pires entende que:

As medidas protetivas serão aplicadas isolada ou cumulativamente sempre que os direitos reconhecidos pela Lei 11.340/06 forem ameaçados ou violados, ou ainda substituídas (fungibilidade das medidas), sem mais nada exigir ou mencionar (art. 19, § 2º). Outrossim, se o juiz entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, também concederá as medidas protetivas pertinentes (art. 19, § 3º)128.

Assim, tanto podem ser reanalisadas como novas podem ser concedidas haja vista a

proteção da vitima, de seus dependentes e de seu patrimônio (art. 19,§3º)129. Quanto a prisão

preventiva prevista na lei como medida protetiva de ultima ratio pode ser representada pela

autoridade policial, bem como decretada e revogada de oficio pelo juiz quantas vezes os

motivos sobrevierem (art. 20)130.

É certo que as medidas protetivas só podem ser concedidas pela autoridade judiciária,

mas como são de urgência obedecem a processamento sumaríssimo diferindo das cautelares,

exigindo apenas a verossimilhança das alegações da vitima e constatação de qualquer tipo de

violência doméstica, familiar ou intima de afeto. Imbuídas de celeridade e visando a segurança

da vítima são concedidas em até 48 horas e ainda, não excluem outras, por ventura, mais

adequadas prevista na legislação extravagante. Pires citando Bianchini expõe que:

(...) constatada quaisquer daquelas formas de violência contra a mulher especificadas no art. 7º da Lei (logo, independentemente da existência de prova de crime, de juízo positivo de tipicidade jurídico-penal ou ainda do oferecimento ou não de representação nos casos de ação penal pública condicionada), o juiz poderá aplicar quaisquer das medidas protetivas previstas expressamente na Lei, sem prejuízo de outras previstas na legislação extravagante, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem (art. 22, § 1º.131

127 Art. 19, § 2.º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, epoderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados. 128 PIRES, AmomAlbernar. A opção legislativa pela política criminal extrapenal e a natureza jurídica das medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23868/a-opcao-legislativa-pela-politica-criminal-extrapenal-e-a-natureza-juridica-das-medidas-protetivas-da-lei-maria-da-penha/3>. Acessado em 27 de março de 2014. 129 Art. 19, § 3.º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público. 130 Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. 131 PIRES, AmomAlbernar. A opção legislativa pela política criminal extrapenal e a natureza jurídica das medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23868/a-opcao-

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Por este caráter flexível as medidas se adequam a cada situação, independente de

processo criminal, pois em diversos casos a vitima se mostra insatisfeita com a medida

concedida podendo ir diretamente ao juiz com base no art. 27 da Lei solicitar outra medida mais

pertinente.

5. CONCLUSÃO

A lei 11.340/06 aportou trazendo direitos e garantias em prol das mulheres,

assegurando coibira violência de gênero, a discriminação em razão das atribuições definidas

socialmente para cada sexo no sei da família. Esses mecanismos destinam-se a proteção e

amparo as mulheres em situação de violência doméstica encorajando-as a denunciar seus

agressores.

Nesse contexto, as medidas protetivas seguindo os mandamentos do art. 226 da CF/88

e do art. 4º e 20 da lei 11.340/06 e art. 313, III e art. 324, IV, ambos do CPPvisam proteger a

mulher e a paz no ambiente da entidade familiar. Pois, nela homens e mulheres devem exercer,

em igualdade, direitos e obrigações. Diante disso a lei trás dispositivos de cunho repressivo,

preventivo, restritivo e protecionista que se justifica social e juridicamente no intuito de que a

mulher não seja tratada com menosprezo ou tenham sua autodeterminação obstaculizada em

razão de machismo ou de sentimento dominante do homem. Sendo por essa razão indicado um

legislativa-pela-politica-criminal-extrapenal-e-a-natureza-juridica-das-medidas-protetivas-da-lei-maria-da-penha/3>. Acessado em 27 de março de 2014.

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tratamento rígido aos agressores, preponderando a incolumidade da vítima em detrimento da

liberdade dele.

Embora haja aparato legal para coibir e reprimir a violência doméstica contra a mulher

ficou demonstrado que as medidas protetivas prevista da Lei Maria da Penha não tem feito com

que essaviolência alcance redução satisfatória, aliás, em algumas regiões do país tem

aumentado o números de vítimas. Em diversas classes sociais a violência persiste de forma

silenciosa como mostraram as estatísticas, situação que precisa ser combatida em respeito a

dignidade humana das mulheres.

Como alternativa foi levantada a hipótese de que a ineficácia das medidas protetivas

poderia está ligada direta ou indiretamente a maneira como estavam sendo identificado e

interpretado o problema a ponto de ensejar a aplicação correta ou incorreta dos mecanismos de

proteção. Assim, foi demonstrado casos reais em que o agravamento da violência, ou seja, de

uma ameaça ou lesão para homicídio se deu por não ter sido o agressor submetido de imediato

a uma medida que o impedisse de voltar a ofender a vítima.

O estudo identificou que a concessão da fiança policial enfraquece senão anula o

pronto atendimento estatal a vítima de violência doméstica, deixando-a a mercê do agressor o

qual, depois de ouvido da delegacia, é posto em liberdadepermanecendo a mulher em situação

de iminente risco dentro do próprio lar.Com isso, o presente estudo concluiu pela vedação da

fiança policial, sendo recomendado que ao receber o auto de prisão em flagrante nas 24hda

prisão do agressor o juiz decida pela liberdade dele com mais propriedade sobre as nuances do

caso, ouvindo o Ministério Público e a equipe multidisciplinar, aplicando medida diversada

prisão adequada ou o mantendo preso se constatado a necessidade.

É evidente que a Lei Maira da Penha é especial e trata de situação especifica cumprindo

mandado constitucional, dessa forma assegura-se a constitucionalidade da não concessão da

fiança pelo delegado de polícia uma vez que aos crimes de violência doméstica é cabível a

prisão preventiva a qual se constitui de requisitos objetivos e subjetivos que só podem ser

analisados pelo juiz por ocasião do recebimento do auto de prisão em flagrante. Consta ainda,

na presente obra, decisão recente do STJ entendendo que as medidas protetivas são autônomas

e podem ser concedidas em questões eminentemente civil.

Por todo o exposto, a eficácia das medidas protetivas e assistenciais depende da

interpretação de como aplicar seus institutos para atingir os fins constitucionais pretendidos

pela Lei Maria da Penha.

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