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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 421 (ano VII) (18/08/2015) ISSN - - BRASÍLIA ‐ 2015 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 421 · No caso brasileiro, esse conceito atravessa gerações e constituições como cultura deformada de dominação. O povo só é bom para

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 421

(ano VII)

(18/08/2015)

 

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BRASÍLIA ‐ 2015 

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ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional.

Coordenador do Direito Internacional (AM/DF): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

18/08/2015 Afonso Soares de Oliveira Sobrinho 

» Impeachment ou princípio democrático?

ARTIGOS  

18/08/2015 Jaques Bushatsky » Os Shopping Centers na Lei nº. 8245/91 18/08/2015 Francisco Renato Silva Collyer 

» Liberdade em Rousseau: Nascemos livres, mas vivemos presos na sociedade? 

18/08/2015 Vanessa de Castro Rosa 

» A base de cálculo da pensão alimentícia segundo a jurisprudência brasileira 

18/08/2015 Tauã Lima Verdan Rangel 

» Ponderações à Política Nacional de Cultura Viva: Breves Comentários à Lei nº 

13.018/2014 

18/08/2015 Ana Maria Felix dos Santos 

» Apelação com crime de embriaguez ao volante 

18/08/2015 Lorena Carneiro Vaz de Carvalho Albuquerque 

» A antecipação de tutela e a inversão do ônus da prova nos contratos bancários 

 

MONOGRAFIA 

18/08/2015 Elinoyara Penha de Araújo » Análise da imputabilidade do psicopata sob o prisma da legislação penal brasileira e possíveis medidas alternativas impostas  

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IMPEACHMENT OU PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO?

AFONSO  SOARES  DE  OLIVEIRA  SOBRINHO: Advogado, Membro  da  ABRAFI, membro  do  IBDH. Doutor em Direito ‐ FADISP.

RESUMO: O impeachment [1] é processo político-jurídico. É político

quando representa os anseios da população como um todo, o sentimento

nacional do povo. Não apenas de setores descontentes com as eleições e a

gestão. A legitimidade do processo, portanto, reside no desejo do povo, na

soberania popular. É jurídico por se tratar de interpretação sistemática

calcada em valores [2] e princípios [3]. Nesse diapasão, entendemos não

haver elementos político-jurídicos, à luz da norma jurídica e da soberania

do povo, que justifiquem o impedimento no presente. Do ponto de vista

valorativo normativo, há que se atentar para o princípio democrático em

consonância com a regra da proporcionalidade e razoabilidade como

critério hermenêutico que afasta o impedimento como corolário do Estado

Democrático. Do contrário, cairíamos em um erro, uma armadilha, que

serviria de base para o aumento da instabilidade do País. A incredibilidade

institucional se agravaria, ao ponto do caos social e negação da própria

democracia.

Palavras-chave: Impeachment; Soberania Popular; Legitimidade;

Crime de Responsabilidade.

ABSTRACT: The impeachment is a political and legal process. It is

political when it represents the wishes of the population as a whole, national

feelings of the people. Not only sectors unhappy with the election and

management. The legitimacy of the process, therefore, lies in the will of the

people, popular sovereignty. It is legal for it is systematic interpretation

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grounded in values [2] and principles [3]. In this vein, we understand that

there is no political and legal elements in the light of the rule of law and the

sovereignty of the people to justify the impediment in the present. The

normative evaluative point of view it is necessary to pay attention to the

democratic principle in line with the rule of proportionality and

reasonableness as a hermeneutical criterion that separates the impediment

as a corollary of a democratic state. Otherwise we would fall in an error

trap that would serve as a basis for increasing instability of the country. The

institutional incredibility to worsen, to the point of social chaos and the

denial of democracy itself.

Keywords: Impeachment; Popular sovereignty; Legitimacy; Crime

Responsibility.

1. INTRODUÇÃO

Os “panelaços” se tornaram rotina nos pronunciamentos presidenciais

e a crise ganha contornos dramáticos. Há uma articulação patrocinada - de

um lado, por adeptos da Presidenta que depositaram nela seu voto de

confiança para mais um mandato, que se iniciou há cerca de sete meses; e,

de outra parte, por descontentes com o processo eleitoral e seus

desdobramentos, apostando no impeachment ou renúncia como saída

rápida para a crise política instalada com contornos econômicos para o País

e para o povo. Há algo comovente em todo esse processo: a participação

popular como exercício da democracia. O cidadão se manifesta contra os

altos impostos e o mau uso do dinheiro público diante de tantos escândalos

de corrupção nos noticiários. Mas quais são as causas da crise institucional?

Nesse sentido, observamos algo mais complexo que o simples governo

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atual: por exemplo, a necessidade de conciliação entre legalidade e

igualdade de todos perante a lei, para que alguns não sejam mais iguais que

outros, no sentido de obter vantagens decorrentes da representação política,

enquanto a maioria luta pela efetivação dos direitos básicos.

É relevante a liberdade de manifestação na luta por justiça para todos

com respeito ao princípio da legalidade [4] que se concilie com a igualdade

de oportunidades.

A crise, embora veiculada pela grande mídia insistentemente como

sendo da Presidenta, vai além e diz respeito às próprias instituições nas três

esferas de poderes. Objetiva-se direcioná-la a um governo e partido, quando

a prática patrimonialista está enraizada no próprio modelo de

representação. E, enquanto se direciona a crise, o país afunda em

desmandos por amplos poderes da República.

Já em junho de 2013, quando das manifestações pelos direitos sociais

- por mobilidade urbana, saúde e educação de qualidade, e pelo passe livre

- se anunciava que o povo estava descontente com os rumos da política

representativa. Nesse sentido, aqui se observa que a crise de legitimidade

das instituições está além de governos de direita, centro ou esquerda.

O que ocorreu foi um fenômeno midiático de capitanear toda essa crise

para um partido e o governo federal, como na atualidade. Assim, encobre-

se a causa das mazelas em amplos setores que estão em todos os poderes e

que se espalham por estados e municípios. Essa desmistificação é

primordial, pois nosso objetivo aqui não é alimentar o ódio e o preconceito

contra partidos, mas observar que pela lógica de trocar “seis por meia-

dúzia” não se muda os rumos da crise das instituições, especialmente

calcada numa cultura patrimonialista e de cordialidade que vem desde a

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República Velha (com o coronelismo e o voto de cabresto que perpetuaram

as desigualdades sociais que temos hoje de norte a sul). Ao mesmo tempo

a Nova República, após o período ditatorial vive uma democracia, mas não

foi capaz de romper com a velha política do toma lá da cá nem com os

conchavos que resultam em eleições bilionárias financiadas por empresas

amplamente beneficiadas nos escândalos de corrupção pelo país. O

“mensalão” e agora o “petrolão” revelam essa realidade. Em poucas

palavras, os representantes institucionais não representam o povo, mas seus

interesses, a priori.

As manifestações de junho de 2013, em grande medida, não foram

atendidas e o processo de manifestações atual perdeu o foco por apostar na

crise de um partido. A partir de então, não se priorizou uma mudança por

um novo pacto político para o País. E aqui não se tira o mérito daqueles que

lutam e se manifestam nas ruas por mudanças na política. Mas, é preciso

pensar a política como espaço de diálogo e inclusão com vistas à

emancipação humana. Não apenas falar em nome do povo, mas respeitar as

suas decisões como sinal de amadurecimento democrático.

2. A NECESSIDADE DO RESPEITO À SOBERANIA POPULAR

Como acentua Comparato (1997), o conceito de povo como ente

titular da soberania política aparece a partir do século XVIII. E, desde o

advento da Declaração da Virgínia redigida por Thomas Jefferson, foi

atribuído ao povo o papel preeminente na constitucionalização do país,

atribuindo-lhe o desejo de romper com os laços políticos ingleses, ocasião

em que é proposta a promulgação da Carta Constitucional pela autoridade

do povo (COMPARATO, 1997).

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Retomando as ideias acerca do discurso liberal do povo, ainda de

acordo com o pensamento de Comparato (1997), é possível perceber a

manipulação do conceito de povo a partir da dominação de classe e etnia,

quando da deliberação acerca da legislatura da Câmara dos Representantes,

ainda em 12 de junho de 1787. É interessante notar o argumento utilizado

no discurso do representante da Carolina do Sul, o Sr. Charles Pinckney,

para quem o povo norte-americano poderia ser classificado em três classes,

e assim afirmou:

‘Estas três classes’, concluiu, ‘embora distintas

quanto às suas atividades, são individualmente iguais

na escala política, podendo ser facilmente provado

que elas têm um só interesse’. Sintomaticamente,

nenhuma referência foi feita, nessa ocasião, à

numerosa escravaria que povoava os Estados do sul.

O assunto só veio à baila em 11 de julho, quando se

cuidou de fixar o número de representantes de cada

Estado na Câmara Federal. Como o critério adotado

foi o da população de cada Estado, os sulistas, bem

entendido, quiseram que os escravos contassem como

membros do “povo” representado. Ou seja, que eles

servissem como massa de manobra política, além de

instrumentos materiais de produção [...].

(COMPARATO, 1997, p. 215).

Identificamos também na Declaração francesa o reconhecimento do

povo na constituição do Estado. Há, no entanto, que se reconhecer uma

apropriação do discurso pela burguesia com o intuito de estabelecer a

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vontade da maioria (conceito rousseauniano), mas na prática a sua vontade,

e não a do povo efetivamente. Conforme assegurado na Constituição da

Nação em seu art. 3º, “O princípio de toda soberania reside essencialmente

na nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que

dela não emane expressamente” (COMPARATO, 1997, p. 216).

No caso brasileiro, esse conceito atravessa gerações e constituições

como cultura deformada de dominação. O povo só é bom para a classe

dominante quando escolhe alguém que não o represente. E só serve para o

voto quando vota bem aos interesses dos endinheirados. Portanto, tem sido

negado o direito à cidadania ao povo, embora o seu poder deliberativo tenha

um valor imensurável como cultura popular, expresso nas urnas e nas mais

diferentes formas de manifestação.

Müller (2013), em sua obra Quem é povo, nos ensina quatro modos

de utilização do conceito de povo e sua relação com o cerne da democracia

- a legitimidade: povo icônico que significa manipulação; povo como

práxis que se relaciona com a instância deliberativa formada no poder

constituinte originário; povo ativo e povo-destinatário (prestação de

direitos fundamentais pelo Estado, equidade por parte do Estado). Assim,

povo ativo, povo como instância legitimante e povo-destinatário seriam a

forma de favorecer a democracia institucional e social. Para o autor, na

exclusão do povo ativo, o povo como instância de atribuição e o povo-

destinatário degeneram em povo-ícone. Nesse sentido, a exclusão significa

deslegitimação. Assim, identificamos a interpretação da norma jurídica

constitucional como fomentadora da garantia dos direitos fundamentais

quando reconhece o povo como titular de soberania, diversamente de

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quando se abandona o povo a si mesmo, não legitima sua vontade e se

aproxima de povo como ícone.

Entendemos que o critério de aferição do poder do povo reside na

legitimidade dos poderes e na legitimação para participar das deliberações

na democracia. Identifica-se em todo esse processo de entendimento de

povo que, para além da dogmática da nação, aplica-se a cidadania material.

Assim, as Constituições, no sentido material, visam a atender aos direitos

fundamentais do cidadão tendo como mote da universalidade a dignidade

da pessoa humana.

Muller nos ensina sobre o mito do povo apropriado ao longo das

Constituições do Ocidente:

Por que as constituições falam do povo? O termo

‘democracia’ não deriva apenas etimologicamente de

‘povo’. Estados democráticos chamam-se governos

‘do povo’ [‘Voks’ herrschaften]; eles se justificam

afirmando que em última instância o povo estaria

‘governando’ [‘herrscht’]. Todas as razões do

exercício democrático do poder e da violência, todas

as razões da crítica da democracia dependem desse

ponto de partida. (MÜLLER, 2013, p. 45).

A ideia central colocada por Müller para o entendimento de povo,

tem como referencial a titularidade da representação a partir de ideia de

legitimidade das instituições e de representantes que, pelo discurso falam

em nome da vontade do povo, e que, na prática, nem sempre agiriam em

seu benefício.

[...] O povo participante

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Se o povo – comunidade determinada – atribui-se

o supremo poder na democracia, nem todo o povo

participa do exercício do poder. O povo governante é

o que tem a prerrogativa do exercício do poder. O

povo governante é o que tem a prerrogativa da

participação política, na linguagem técnica, goza de

cidadania. (FERREIRA FILHO, 2015, p. 63, grifo do

autor).

No entanto, na prática, os representantes eleitos pelo povo, nem

sempre agiriam em seu benefício. Embora se reconheça juridicamente a

representação política como um dos princípios sobre o qual se sustenta a

democracia. Manoel Gonçalves Ferreira Filho em suas considerações

acerca da conformação da democracia aponta os seguintes princípios

jurídicos:

A democracia contemporânea, do ângulo

jurídico, pode ser resumida nalguns princípios. Ou

seja: 1) ela tem o povo como fonte de todo o poder –

princípio da soberania popular; 2) todavia, o povo

não exerce o poder, mas o faz por meio de

representantes – princípio representativo – embora,

excepcionalmente o exerça; 3) tal poder é, ademais,

limitado por freios e contrapesos e, sobretudo, pelo

reconhecimento de direitos fundamentais em favor

dos seres humanos – princípio da limitação do

poder. (FERREIRA FILHO, 2015, p. 63, grifo do

autor).

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Quando falamos em legitimação, estamos tratando de questões

constitucionais que têm eficácia sobre todo o ordenamento jurídico, ou seja,

todas as instâncias e atores sociais: os poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário em suas decisões todos os dias, e a distância da realidade social.

Nesse sentido não podemos ignorar a força do povo por meio do princípio

da democracia que se expressa na soberania popular e na cidadania.

[...] A soberania popular

Este princípio põe, como instância superior no

Estado, o povo. Disto, há uma decorrência negativa- a

evidente rejeição de qualquer outra titularidade; e

uma, positiva: o povo como fonte de todo o poder,

senão como exercente do poder. (FERREIRA FILHO,

2015, p. 63)

A cidadania possui duas dimensões básicas

distintas: uma, a cidadania ‘ativa’, que compreende o

direito de votar e de atuar na vida política (daí o

qualitativo); outra, a cidadania ‘passiva’, a

elegibilidade (o direito de receber votos, daí o

adjetivo). (FERREIRA FILHO, 2015, p. 63, grifo do

autor).

Reconhece-se a necessidade da cidadania como práxis mediante luta

e materialização de direitos, inclusive pela participação democrática do

povo e que apresenta três condições à defesa da democracia:

[...] direitos humanos eficazes; uma política

social empenhada na compensação de desigualdades

[...] forma estatal de inclusão possa assentar em uma

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sociedade inclusiva; e formas de Estado de Direito em

que a resistência e a atividade se expresse legalmente

(MÜLLER, 2013, p. 120-121).

O risco do povo como ícone permite o abandono do povo a si mesmo,

o que possibilita a prática de atos extremados que saem da legitimidade da

violência estatal para as práticas de violência ilegítimas mediante

aniquilamento, extinção, expulsão, e mesmo limpeza étnica mediante a

manipulação brutal da população (MÜLLER, 2013).

No caso brasileiro, entendemos que há um déficit democrático

expresso na atualidade numa crise das instituições e em formas sociais de

discurso segregador, como em São Paulo nas manifestações em junho de

2013. Nesse sentido, quando o povo tenta expressar sua indignação a

grande mídia passa a fomentar na opinião pública práticas de violência por

grupos isolados, com vistas à desqualificação dos movimentos sociais.

Assim, pelo discurso, ao invés de fomentar a igualdade, levam ao inverso:

o ódio, o medo. Seria como o exercício democrático visando a expressar o

individualismo em vez do bem público. Criam-se assim estereótipos que

alimentam divisões e o esvaziamento do papel mobilizador das massas. E

o poder público muitas vezes reflete a violência policial ao invés de dar

proteção à sociedade.

Quando os valores que permeiam os direitos humanos fundamentais

passam pela dignidade da pessoa humana, não se mensuram pessoas por

um preço. Como se vê na concepção kantiana, o homem é um fim em si

mesmo e cabe ao Estado assegurar a dignidade a todos, indistintamente.

Nesse sentido é preciso resgatar a força democrática-participativo expressa

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no povo não apenas como governante, mas no povo como cidadão pela

horizontalização político-jurídica do Estado.

[...] o povo governante

Ainda hoje, apesar da difusão do modelo

‘participativo’, o povo exerce a soberania escolhendo

os governantes. Estes é que exercitam concretamente

o poder, tomando as decisões obrigatórias para todos

em nome do povo soberano. [...]

A democracia contemporânea, portanto, embora

admitindo a participação direta do povo na tomada de

determinadas decisões, continua a ser,

substancialmente, uma democracia indireta, de índole

participativa. Realmente, a participação direta é

eventual e esporádica, por consequência excepcional.

(FERREIRA FILHO, 2015, p. 64, grifo do autor)

A cidadania ativa precisa ser exercida abrindo-se o Estado ao diálogo

com a sociedade e ampliando-se os instrumentos de democracia

participativa. Já não basta mais o exercício do voto, e de ser votado como

práticas cidadãs no século XXI é preciso que se ampliem as possibilidades

do cidadão como consciência coletiva.

A doutrina democrática entende que todo

‘nacional’ tem o direito à cidadania sem distinção de

raça, sexo, cor, ideologia etc. Aceita, todavia, sem

hesitação ser a participação política suscetível de

graduação em razão da idade (presunção de

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experiência e prudência), afora a condição elementar

de sanidade mental, tanto quanto o direito de votar

como quanto a elegibilidade. Isto faz com que,

sempre, o povo governante seja menos numeroso que

o povo, comunidade específica de determinado

Estado. A exigência de qualificação especial, como

não ser analfabeto, tende a ser eliminada, em nome da

universalização da participação [...] (FERREIRA

FILHO, 2015, p. 63-4)

Vale ressaltar que do ponto de vista jurídico é preciso o

aperfeiçoamento institucional a partir das diretrizes expressas nos

princípios constitucionais, e pelo exercício político-jurídico tornar

palpáveis os instrumentos de cidadania ao povo; bem como sua ampliação

mediante o referendo, plebiscito, projeto de lei de iniciativa popular, ação

popular, recall, audiências públicas, orçamento participativo, com vistas ao

acesso à Justiça. Inclusive pelas manifestações pacíficas como prática

cotidiana da população exigindo uma reforma ampla do Estado quanto ao

protagonismo da população na gestão pública.

3. A CRISE DE LEGITIMIDADE DOS PODERES E O

IMPEDIMENTO À LUZ DOS PRINCÍPIOS E LEGISLAÇÃO

ORDINÁRIA

A crise ronda os poderes pelo País adentro, desde a famigerada lista

de políticos investigados por supostos atos de corrupção, até os empresários

ligados às empreiteiras. Ao mesmo tempo, se apontam culpados e se discute

a extensão da responsabilidade por atos de improbidade administrativa ao

longo de décadas de governos de direita, centro e esquerda. Indaga-se até

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onde se vai a culpa daqueles que prometem “maravilhas” em períodos

eleitorais e, acabada a eleição, demagogicamente buscam culpar até mesmo

os santos pela crise. Não reconhecem a mentira política como um mal que

aflige nossa democracia. Ao mesmo tempo, descontentes ávidos por

mudança para manter seu poder econômico querem trocar “seis por meia-

dúzia” num fulminante impeachment e, como se fosse possível, passando

pela soberania popular num passe de mágica, se colocaria no trono o seu

candidato preferido, mas nem sempre próximo do desejo da maioria. Ou

seja, primeiro se retira quem não se deseja, depois se volta ao velho “Pão e

Circo” dos domingões e do futebol.

Diga-se que o impedimento precisa se revelar como um sentimento

nacional, expresso no desejo do povo em seu conjunto, não apenas por

setores sociais descontentes com as eleições de 2014. Nesse sentido,

destaca-se a grande mídia que em nome do pragmatismo apoiou um golpe

em 1964, a mesma que em junho de 2013, quando o povo saiu às ruas,

apoiou a repressão na Cidade de São Paulo contra manifestantes (ainda que

à custa da violência contra jornalistas que trabalhando em nome da

liberdade foram vítimas de balas de borracha da polícia paulistana). Essa

mesma grande mídia e setores conservadores hoje falam no protagonismo

das manifestações de outrora quando saem na defesa do impedimento pela

manipulação da “expressão da vontade popular”.

No entanto, vivemos numa democracia e isso implica valores,

princípios, regras. Democracia é o governo do povo, pelo povo e para o

povo. Na democracia, convivemos com as maiorias e o respeito às

minorias.

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Faz-se relevante, inicialmente, o entendimento da democracia. Nesse

diapasão, José Afonso da Silva esclarece que “[...] a democracia é o regime

de garantia geral para a realização dos direitos fundamentais do homem”.

(SILVA, 2001, p. 136, grifo do autor).

A expressão da democracia é a soberania popular, expressa direta ou

indiretamente pelo povo.

A democracia, na verdade, repousa sobre dois

princípios fundamentais ou primários, que lhe dão a

essência conceitual: (a) o da soberania popular,

segundo a qual o povo é a única fonte do poder, que

se exprime pela regra de que todo o poder emana do

povo; (b) a participação, direta ou indireta, do povo

no poder, para que este seja efetiva expressão da

vontade popular, nos casos em que a participação é

indireta, surge um princípio derivado ou secundário:

o da representação. [...]. A igualdade é o valor

fundamental da democracia, não a igualdade formal,

mas a substancial. (SILVA, 2001, p. 135-136, grifo do

autor).

É no pós-Segunda Guerra Mundial que se vislumbra a legitimidade

do Direito e sua efetividade expressa pela democracia deliberativa como

desdobramento da soberania popular. Portanto, pautado na submissão do

Estado à Constituição e sua força normativa. Nesse sentido, destaca-se

[...] a concepção axiológica dos direitos

fundamentais, além de prover o influxo de novas

tendências no tocante à interpretação desses direitos,

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providencia para que antigos conceitos, a exemplo de

direito fundamental, hermenêutica, liberdade,

proporcionalidade, soberania, e outros tantos,

beneficiem-se de novas ponderações. (JACINTHO,

2006, p. 241).

Em última análise, identificamos na concepção neoconstitucionalista

a cultura associada à democracia deliberativa e sua legitimidade, que resulta

na norma com força efetiva. É relevante atentar no critério interpretativo da

norma jurídica para a nova hermenêutica.

Chama-se “Nova Hermenêutica da Constituição” a teoria que rompe

com a concepção legalista e passa a ideia de concretude normativa (método

voltado ao problema no caso concreto):

A nova hermenêutica que é a própria teoria

material da Constituição, absorvendo os seus

conteúdos axiológicos, funda uma nova técnica de

interpretar, em tudo antagônica ao formalismo

dedutivista reinante até então. [...] o jurista alemão

Theodor Viehweg, que bebendo na fonte da antiga

retórica, construiu um método de resolução do

problema, a partir de um amplo processo de

argumentação, ente vários intérpretes constitucionais

denominado de método tópico-problemático. Esse

processo de argumentação se utiliza da topoi. [...] No

campo do Direito Constitucional, usa como ponto de

partida:

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Caráter prático da interpretação constitucional,

dado que, como toda a interpretação procura resolver

os problemas concretos;

Caráter aberto, fragmentário ou indeterminado da

lei constitucional;

Preferência pela discussão do problema, em face

de sua gramática de semântica aberta. (JACINTHO,

2006, p. 225-228).

Retoma-se a ideia do Estado Democrático de Direito voltado sempre

para a legitimação do poder político fundado na soberania popular e no seu

exercício. O povo como titular do poder, expresso na supremacia da

constituição aberta, plural.

O princípio democrático (re) descoberto no seio

do Estado de Direito Social, serviu então para indicar

que o perfil do Estado era um que buscava na

participação popular na formulação da vontade

política estatal, a sua fonte legitimadora,

especialmente na geração de instâncias garantidoras

dos direitos fundamentais ao tempo em que limitava o

poder estatal. (JACINTHO, 2006, p. 190-191).

A ideia de democracia deliberativa em uma concepção ética

dialógica precisa ir além da cidadania restrita ao voto e à eleição. À medida

que haja transparência nas contas públicas, poderemos ter poderes mais

sólidos e eficientes. Portanto, toda manifestação é válida, e deve ser

respeitada com vistas às mudanças nos rumos do País.

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Identifica-se a democracia deliberativa (expressa pela soberania

popular) a partir da Constituição Federal de 1988, no art. 1º, entre os

princípios fundamentais da República (constituída em Estado Democrático

de Direito) como princípio integrador da cidadania, da dignidade da pessoa

humana e do pluralismo político. Essa integração é confirmada no

parágrafo único segundo o qual “todo poder emana do povo que o exerce

diretamente e por meio de seus representantes” (SILVA, 2001; BRASIL,

1988).

O art. 14, nos incisos I, II e III, apresenta o plebiscito, o referendo e

a iniciativa popular como princípios participativos do cidadão, o que chama

de democracia participativa.

A democracia pluralista, enquanto conjunto de instâncias e

instituições, apresenta-se nos princípios do art. 1º, caput e incisos II, III e

V (princípio democrático, cidadania, dignidade da pessoa humana,

pluralismo político) e do art. 1º, parágrafo único (democracia direta e

representativa), bem como é consagrada no art. 3º, I (mediante uma

sociedade constituída de forma livre, justa, fraterna e solidária) (SILVA,

2001).

José Afonso da Silva (2001, p. 147) destaca o princípio pluralista

como princípio fundamental na constituição de 1988 e na democracia

pluralista:

[...] pluralismo social, político (art. 1º);

pluralismo partidário (art. 17), pluralismo econômico

[...] (art. 170), pluralismo de ideias e de instituições de

ensino (art. 206, III), pluralismo cultural [...] (arts. 215

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e 216) e pluralismo de meios de informação (art. 220,

caput, e §5º).

A cultura democrática participativa se traduz numa realidade como

força expressa na própria Constituição por meio dos princípios

constitucionais. E, pela ética dialógica do Direito, em seu pluralismo

direciona os princípios do plano abstrato para o plano concreto e, portanto,

prático-jurídico, efetivando-a. Enquanto realidade concreta traduzida na

própria democracia deliberativo-participativa (seja pelas instituições, pelos

institutos ou pelo cidadão), assume o Direito a partir de bens culturais

estruturados na dialética social. E, assim, atinge-se o ápice da democracia

deliberativa, a política na pólis, como instrumento emancipador (da vida

boa) mediante o exercício pelo próprio cidadão como parte do poder

soberano do Estado.

Assim, a interpretação principiológica deve levar em conta a

democracia deliberativa, participativa e pluralista supracitada, em

consonância com a regra da proporcionalidade [5] e da razoabilidade [6]

com vistas à harmonização do sistema. Como os princípios expressos no

art. 37, caput da Constituição Federal - moralidade administrativa,

legalidade, impessoalidade, eficiência - e os demais da legislação

infraconstitucional que, a nosso entender, não ensejam o impedimento por

não haver qualquer ação ou omissão na gestão pública que chegue ao ponto

da quebra de confiança e da transparência pública, nem mesmo da ilicitude

na conduta da Presidenta. Há, na verdade, uma prática de atos por gestões,

ao longo do tempo, que acabam por reiterar práticas de governabilidade

calcada na velha política de ajustes fiscais, e o que vale para um governo

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acaba se perpetuando no tempo para todos. Portanto, a raiz da crise diz

respeito ao modelo representativo calcado no presidencialismo de coalizão.

Observado o critério da proporcionalidade, a responsabilidade pelas

“pedaladas fiscais” dentro de um governo e mandato específico - à luz da

regra da proporcionalidade com suas máximas de adequação, necessidade

e proporcionalidade em sentido estrito - permite uma harmonia

principiológica. É desta harmonia que decorre não ser razoável um governo

legitimamente eleito responder por atos pretéritos no tempo e espaço

determinados, qual seja o mandato anterior que se findou em 2014, ainda

que haja reeleição, como bem expresso no art. 86, §4º da Magna Carta de

1988: “O Presidente da República na vigência de seu mandato, não pode

responder por atos estranhos ao exercício de suas funções”. O que se

verifica no caso em tela é uma presunção de legitimidade dos atos

administrativos discricionários confirmados pela própria expressão da

soberania popular nas urnas.

Observa-se pelo critério da proporcionalidade uma interpretação de

legitimidade quanto aos efeitos de atos anteriores que se tiveram sua

finalidade exaurida ao final do mandato. E que um novo mandato conferido

pelas urnas (soberania popular) necessita ser revestido da segurança

jurídica necessária ao seu bom desempenho e não ao agravamento da

instabilidade institucional. Há que se ater, além da adequação entre o meio

e o fim da norma, à necessidade e exigibilidade. Assim, a um governo

reeleito legitimamente há que se conferir a segurança jurídica necessária ao

efetivo exercício. Afasta-se assim o critério de crime de responsabilidade

por ato praticado em mandato anterior quanto aos atos político-

administrativos. Haja vista a colisão de princípios, a prevalência da

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soberania popular das urnas confere ao mandatário a confiança na gestão.

Pois, sob o ponto de vista de sopesamento, o princípio democrático

sobressai amplamente como fundamento do próprio Estado Democrático.

Também assim é razoável a partir do fim legítimo da democracia,

que é o respeito à soberania popular, que se supere o debate em torno de se

a reeleição ensejaria responsabilidade por mandato anterior. Ora, se a

mandatária foi reconduzida ao posto por eleição majoritária, é razoável que

sua legitimidade quanto ao exercício do mandato novo não enseja

responsabilidade do mandato passado, pois este se findou. E que, assim

como foi reeleita, o eleitorado poderia ter optado por outro candidato, mas

não o fez por opção e foi assim respeitada a regra democrática da

alternância no poder.

O gestor revestido de mandato eletivo tem presunção juris tantum

quanto aos seus atos discricionário. É razoável assim sua harmonização

com a melhor interpretação do princípio democrático. Tanto que a atual

Presidenta foi reconduzida legitimamente nas urnas para um novo mandato,

do inverso as urnas revelariam o descontentamento com sua gestão.

Harmoniza-se, portanto com o princípio democrático deliberativo,

participativo e pluralista com a regra da proporcionalidade e da

razoabilidade. Vale destacar como critério interpretativo valorativo

principiológico a máxima de que o povo tem o governo que assim deseja.

Devendo ser a vontade soberana respeitada. Haja vista pelo critério da

razoabilidade não há um ambiente político enquanto sentimento nacional

que colocasse em dúvida não a governabilidade, mas o desejo de

impedimento presidencial. O que não é a hipóteses de processo político

deliberativo participativo do povo nas ruas que ensejasse o impedimento,

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nem dos seus representantes eleitos no Congresso. O que há é um

movimento oposicionista que insiste nesta tese e setores que se manifestam

descontentes desde o resultado da eleição de 2014 por não ter seu candidato

vitorioso, potencializadas em manifestações contra o partido situacionista.

Do ponto de vista infraconstitucional a lei 1079/50 dispõe sobre as

hipóteses de crime de responsabilidade:

Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do

Presidente da República que atentarem contra a

Constituição Federal, e, especialmente, contra:

[...] V - A probidade na administração;

Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a

probidade na administração:

[...] não tornar efetiva a responsabilidade dos seus

subordinados, quando manifesta em delitos funcionais

ou na prática de atos contrários à Constituição;

[...] proceder de modo incompatível com a

dignidade, a honra e o decôro do cargo. (BRASIL, Lei

1.079, 1950).

A administração pública é regida pelos princípios do art. 37, caput

da Magna Carta, entre os quais a impessoalidade, a publicidade, legalidade,

moralidade e eficiência:

§4º Os atos de improbidade administrativa

importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda

da função pública, a indisponibilidade dos bens e o

ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas

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em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (BRASIL,

Constituição Federal, 1988).

Mas vejamos mais a fundo o instituto do impeachment e seus

desdobramentos a partir dos artigos: 51, inciso I; 85, I a VII e parágrafo

único; 86, § 4º e 102, I, b, todos da Constituição Federal de 1988:

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos

Deputados:

I. autorizar, por dois terços de seus membros, a

instauração de processo contra o Presidente e o Vice-

Presidente da República e os Ministros de Estado.

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos

do Presidente da República que atentem contra a

Constituição Federal e, especialmente, contra:

I. a existência da União;

II. o livre exercício do Poder Legislativo, do

Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes

constitucionais das unidades da Federação;

III. o exercício dos direitos políticos, individuais

e sociais;

IV. a segurança interna do país;

V. a probidade na administração;

VI. a lei orçamentária;

VII. o cumprimento das leis e das decisões

judiciais.

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§ único. Esses crimes serão definidos em lei

especial, que estabelecerá as normas de processo e

julgamento.

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente

da República, por 2/3 da Câmara dos Deputados, será

ele submetido a julgamento perante o STF, nas

infrações penais comuns, ou perante o Senado

Federal, nos crimes de responsabilidade;

§ 4º - O Presidente da República, na vigência de

seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos

estranhos ao exercício de suas funções.

Art. 102. Compete ao STF, precipuamente, a

guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da

República, o vice-presidente, os membros do

Congresso Nacional, seus próprios ministros e o

procurador-geral da República. (BRASIL,

Constituição Federal, 1988)

Assim, uma vez admitidos os crimes praticados à luz da Lei 8.429/92

por agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do

mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta,

indireta ou fundacional conforme previsão dos art. 1º, 2º, 3º, 9º, 10 e 11 da

lei especial supracitada, estaria o Presidente sujeito a abertura, processo e

julgamento de Impeachment pela violação às normas e regras norteadoras

do exercício da função. No entanto, não configura materialidade para o

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impeachment a responsabilidade por atos praticados anteriormente ao

exercício do mandato. No Estado Democrático, exige-se respeito à

soberania popular em consonância com a regra da proporcionalidade

razoabilidade e o princípio democrático.

Há que se reconhecer que a crise de legitimidade que assola as

instituições passa pelo modelo presidencialista de coalizão, pelo

financiamento privado de campanha e tem sua origem nos estados e

municípios que se nutrem da velha política do “toma lá da cá”, enquanto o

povo morre à míngua nos hospitais sucateados. Nesse sentido, como

discernir hoje quem é beneficiário de campanhas milionárias de quem é

“santo” para depois de eleito não agradar seus padrinhos e apadrinhados?

Só a Justiça pode ajudar a desvendar esse mistério. Mas certamente não são

poucos os beneficiários; é aguardar o listão do Ministério Público Federal

e as investigações para que quem for “santo” atire a primeira pedra.

A atual crise de legitimidade institucional se revela próxima da

“cordialidade constitucional” como cultura patrimonialista, personalista e

clientelista que rege as relações público-privadas nos negócios

(HOLANDA, 1995). Assim, moralidade e eficiência se tornaram palavras

utópicas na história republicana e na vida política brasileira. E, como já

mencionado na introdução, a crise dos poderes vai além de governos e diz

respeito ao próprio pacto político institucional.

Desde a Grécia antiga, Aristóteles reconhece que a educação deve

ser um dos principais objetivos de cuidado do legislador, pois os Estados

que a desprezam se prejudicam grandemente; e vai além – entende que o

que é comum a todos deve ser apreendido em comum. Certamente há que

se entender a educação pública como caminho para a vida boa na pólis, no

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sentido de que todo indivíduo é membro da cidade e de que o cuidado que

se põe a cada parte deve harmonizar-se com o cuidado que cabe ao todo.

Portanto, o direito a ser feliz mediante o acesso às oportunidades é do

interesse de todos (ARISTÓTELES, 1995). Nesse sentido, entenderíamos

o status de cidadão como um status concedido àqueles que possuem iguais

condições, incluídos aí o respeito a direitos e obrigações como membros

integrais da comunidade. (MARSHALL, 1967). Contraditoriamente à

prioridade educacional, observa-se que as classes dominantes e governos

não vislumbram em suas ações a busca por educação de qualidade

(remuneram mal seus professores e ainda os criticam quando fazem greve;

não oferecem infraestrutura física, tecnológica e de trabalho docente) que

permita a mudança de políticos impopulares pelas urnas. Como podem

então eles mesmos culparem o povo pelas suas escolhas? É preciso aceitar

as regras democráticas e a sabedoria popular quanto a suas opções políticas

diante da realidade social na qual se insere.

CONCLUSÃO

Prima facie, há que se levar em conta a democracia deliberativo-

participativa e pluralista que reside na soberania do povo e na participação

direta (manifestação, iniciativa legislativa popular, referendo, plebiscito)

ou indireta do povo (representação, inclusive por eleição direta). No

entanto, atente-se para o fato de que o poder político exercido pelo povo

está acima do governante ou da representação política. A força normativa

da Constituição se estrutura numa dialética que confere grau forte de

legitimidade à norma efetiva pela democracia deliberativo-participativa

associada a valores e princípios.

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O processo de impedimento como saída única para a democracia

revela-se em mero moralismo dos que querem o poder pelo poder. Os

mesmos que desejam impedir para poder mandar são os velhos novos atores

políticos: os apadrinhados, netos e bisnetos da República Velha e Nova

República. Apoiados pela mesma grande mídia que outrora, por

pragmatismo, optou pela ditadura civil-militar e hoje grita pelo

impeachment de um governo eleito pelo povo. A saída para a crise é o

aperfeiçoamento da horizontalização da política. Abrir o poder ao povo

pela ampliação dos mecanismos de democracia deliberativo-participativa,

nas ruas, nas urnas, no referendo, no plebiscito, no recall, no orçamento

participativo, na ação popular e mesmo no parlamentarismo mediante uma

reforma política em que seja ouvida a sociedade como um todo, inclusive

pela audiência pública. E também pelo voto e pela mudança dos velhos

representantes e novos apadrinhados, ou seja, acabar com a lógica do “ou

se vota no pai, no parente ou agregado”.

Contraditoriamente ao desejo das ruas, há um imobilismo nos

poderes constituídos em manter o status quo, preservando os grandes

partidos e um poder centralizado nas mãos das velhas raposas da política,

que se consideram os representantes do povo e conhecedores da vontade

popular.

O campo da moralidade pública deve ser a pauta não apenas do

Executivo, mas de todos os poderes constituídos com vistas à preservação

da coisa pública, passando do campo legal ao ético-jurídico, à luz dos

princípios constitucionais.

Não se vê por parte dos poderes representativos um projeto de País

em sintonia com uma sociedade igualitária, solidária, com justiça social. O

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papel da polícia e da justiça precisa ir além do “mais do mesmo” que, após

apurar e prender, logo se volta à velha rotina de estabelecer uma relação de

poder que continua ignorando o povo como partícipe do Estado.

Portanto, a questão da crise de legitimidade da representação e das

instituições é que está no centro do problema político atual. Em síntese, as

instituições não representam o povo. É preciso um novo pacto político que

mude os rumos da República à luz de uma reforma político-administrativa

e eleitoral, que passa pela própria representação e pelo presidencialismo de

coalizão, abrindo-se espaços à democracia deliberativo-participativa por

meio dos institutos do recall, parlamentarismo, plebiscito, referendo,

projetos de iniciativa popular, audiências públicas (ouvir e atender os

amplos setores da sociedade), de modo a remodelar a estrutura de Estado,

reduzir o custo da política representativa e dos três poderes (Executivo,

Legislativo e Judiciário), permitir maior aproximação e controle dos gastos

pelo cidadão (restabelecer a transparência e a confiança) e efetivar direitos

fundamentais com vistas ao acesso à Justiça. Finalizando, o Impeachment

não é vontade do povo, mas daqueles que se intitulam seus representantes.

Haja vista como enunciado no início do artigo, o impeachment é processo

político-jurídico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução

Virgílio Afonso da Silva. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

ARISTÓTELES. A política. Tradução de Nestor Silveira Chaves. São

Paulo: Edipro, 1995.

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BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional

contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo

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SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª

ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

NOTAS:

[1] “[...] segundo seus matizes semânticos, corresponde

a: desacreditamento, descredenciamento, despojamento, apeamento etc, e

na acp. Jur impedimento, destituição [...]”. (HOUAISS, 2001, p. 1578,

grifo do autor).

[2] “Quanto aos valores stricto sensu, em que pese o preâmbulo

constitucional mencionar expressamente ‘valores supremos’, considerar-

se-ão quase com o mesmo sentido de princípios, com a única diferença de

que os últimos, conquanto encarnações de valores e ‘justificadores’ do

sistema, têm a forma mais concentrada de diretrizes, que falta àqueles, ao

menos em grau ou intensidade”. (FREITAS, 2010, p. 58-60).

[3] “Por princípios fundamentais entendem-se, por ora, os critérios ou

as diretrizes basilares do sistema jurídico, que se traduzem como

disposições hierarquicamente superiores, do ponto de vista axiológico, às

normas estritas (regras) a despeito da aparência de mais genéricos e

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indeterminados. São linhas mestras de acordo com as quais guiar-se-á o

intérprete quando se defrontar com as antinomias jurídicas.

Impõe-se, ainda, esclarecimento do que sejam regras (normas estritas)

e valores, diferenciando-se estes e aquelas dos princípios. Esclareça-se,

outra vez, que não se opera a distinção apenas pela ‘fundamentalidade’ do

princípio, mas a partir do reconhecimento de uma diferença substancial de

grau hierárquico (distinção mais de grau hierárquico do que de ‘essência’).

A própria Constituição cuida de estabelecer princípios fundamentais

(embora de conteúdo não determinado previamente de modo cabal), entre

os quais avultando o da dignidade humana e o da inviolabilidade dos

direitos à liberdade, à igualdade e à vida (aí abarcando todos os direitos

fundamentais de defesa, de participação e os prestacionais positivos).

Então, devem as normas estritas ou regras ser entendidas como

preceitos menos amplos e axiologicamente inferiores aos princípios.

Existem justamente para harmonizar e dar concretude aos princípios

fundamentais, não para debilitá-los ou deles subtrair a nuclear eficácia

direta e imediata. Tais regras, por isso, nunca devem ser aplicadas

mecanicamente ou de modo passivo, mesmo porque a compreensão das

regras implica, em todos os casos, uma simultânea aplicação dos princípios

em conexão com as várias frações do ordenamento.” (FREITAS, 2010, p.

58-60).

[4] Nesse sentido vale destacar o propósito da defesa da igualdade de

todos perante a lei na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, caput), ou seja,

a lei como expressão da soberania popular, fruto da herança das revoluções

burguesas, garante nos termos do art. 5º, inciso II: “Ninguém será obrigado

a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Portanto

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cabe ao Estado agir conciliando o conjunto dos direitos e garantias

individuais e sociais. Nesse diapasão destacam-se os valores e princípios

como norteadores do intérprete: “Exsurge, de fato, como fórmula derivada

do princípio superior da hierarquização, que a unidade dialética e a

complementabilidade do sistema são indispensáveis à garantia de todos os

valores, impedindo a erupção de decisionismos subjetivistas maculados

pela irracionalidade arbitrária. O ‘metacritério’ da hierarquização

axiológica, inclusiva e exclusivamente, veda a incoerência e a

incompletabilidade, do modo concomitante. [...] uma interpretação

sistemática do Direito realiza sempre uma hierarquização axiológica, de

sorte a preponderar, inclusiva e exclusivamente, ora a norma superior,

ora, em caso de antinomia pendente, o princípio superior. Recorre-se, em

todas as hipóteses, expressa ou ocultamente, ao princípio da interpretação

axiológica”. (FREITAS, 2010, p. 283-286, grifo do autor).

[5] “Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da

proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três

máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio

menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do

sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos

princípios, ou seja, que a proporcionalidade é dedutível dessa natureza”.

(ALEXY, 2011, p. 116-153).

[6] “Ao produzir normas jurídicas, o Estado atuará em face de

circunstâncias concretas, e se destinará a realização de determinados fins a

serem, atingidos pelo emprego de dados meios. Assim, são fatores

invariavelmente presentes em toda ação relevante para a criação do direito:

os motivos (circunstâncias de fato), os fins e os meios. Além disso, hão de

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se levar em conta os valores fundamentais da organização estatal, explícitos

ou implícitos, como a ordem, a segurança, a paz, a solidariedade; em última

análise, a justiça. A razoabilidade é, precisamente, a adequação de sentido

que deve haver entre tais elementos” (BARROSO, 2013, p. 281, grifo do

autor).

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OS SHOPPING CENTERS NA LEI Nº. 8245/91

JAQUES BUSHATSKY: Advogado, diretor da Mesa de Debates de Direito Imobiliário (MDDI), sócio correspondente para São Paulo da Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI).

A Lei nº. 8245/41 refere-se aos “shopping centers”, dispondo

no artigo 54 que “nas relações entre os lojistas e os empreendedores do

shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos

contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas

nesta Lei”. São previstas proibições ao empreendedor, é exigido que as

despesas sejam previstas em orçamento, antes de cobradas do locatário;

este tem assegurado o direito de exigir a comprovação das despesas

rateadas.

Duas constatações pelo menos, saltam da leitura do dispositivo

legal: primeiro, surge a referência ao “shopping center”, sem que se

encontre qualquer definição legal do que seja um “shopping center”;

segundo, define como de locação o contrato celebrado com os lojistas,

deixando de tratar mais detalhadamente da questão, mesmo que em seguida

estabeleça algumas regras, de caráter secundário, a serem seguidas e mais,

permita ”condições livremente pactuadas”.

I

A rigor, qual seria a diferença entre um edifício comercial e

um “shopping center”?

Se o legislador perdeu a oportunidade de disciplinar a

questão, sobre ela já se debruçaram jurisconsultos e doutrinadores, até

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porque nos últimos anos, popularizou-se o termo “shopping center”,

fazendo-o abranger desde os “shopping centers” propriamente ditos, até

modestas concentrações com algumas unidades comerciais.

Há quem insira na definição de “shopping center”, a menção

a estacionamento, à estética diferenciada do prédio, ao arrojo arquitetônico,

à presença de grandes e famosas lojas (âncoras) e assim por diante.

Nenhuma das definições assim encaminhadas, no entanto, abrange a

generalidade dos “shopping center”, nem tampouco expressa efetivamente

o que é um “shopping center”.

Exemplificativamente, nada impede considerar-se “shopping

center” um conjunto arquitetônico feio, nada o obriga a contar com vagas

para estacionamento; nenhuma razão vincula sua existência à presença de

uma loja “âncora” ou de instalações para lazer.

A pesquisa do conceito exato poderia talvez ser solucionada

pela análise do termo “shopping center” (1): “Shopping” é forma gerúndia

de “To Shop”, verbo com significado mais amplo e sutil que “to buy”,

embora ambos refiram-se à realização de aquisições, a “comprar”,

“Center” significa “Centro”.

Então, teríamos uma expressão inglesa definindo um centro

onde mais do que se “fazer compras” (to buy), se “fica fazendo compras”

(Shopping).

Assim entendida, fica a denominação fazendo às vezes,

parece, da definição. Só parece: embora, exatamente por ser a expressão

mais abrangente e consagrada mundialmente, seja o termo “Shopping

Center” o que denomina, distingue tais centros, há de se convir que pudesse

igualmente denominar uma prosaica feira, onde se compra, se cruza com

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um ou outro conhecido, se saboreia pastéis só encontráveis em feiras livres,

se estaciona o carro razoavelmente próximo e assim por diante.

Poder-se-ia prosseguir com tentativas de definições calçadas

em tudo quanto “se vê” num “Shopping Center”: presença de lojas

“famosas”? Existem “Shopping Centers” sem elas; local da moda? Não!

Composto de lojas idênticas em tamanho e aparência? Lógico que não!

Estudiosos da arquitetura procuram também a definição.

Tânia M.O. de Souza e Zied V. Sabbagh (2) apontam a criação de condições

ideais de consumo ou usufruto do local. Assim,

“A atmosfera interior de shopping centers

processa psicologicamente uma “infantilização” de

seu usuário, criando condições ideais, como no útero

materno, para o pleno usufruir do local. É uma

comparação interessante, porque a atmosfera de um

shopping center procura, de fato, amortecer os

choques externos. Nesse ambiente fechado as pessoas

se esquecem das intempéries, se está quente, ou se há

chuva lá fora. O caos visual do centro de uma

metrópole é transformado em projeto perfeito de

comunicação visual e organização espacial. Lá as

pessoas são induzidas pela informação a circular, o

ambiente direciona e propicia o movimento. O barulho

infernal do transito é trocado por uma musica neutra

de fundo que suaviza o espaço. A iluminação seduz e é

um fator de segurança. A própria espacialidade, as

ruas internas, as praças, as fontes, nos remetem ao

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conhecido, ao fechado ou, como diz Guattari, ao útero

materno”.

Nenhuma dessas conceituações parece servir para fins de

análise jurídica, pois não tocam o primordial num empreendimento dessa

natureza, preferem os aspectos “físicos” (obra, presença desta ou daquela

loja, existência de um ou outro item de lazer), aos verdadeiros elementos

identificadores dos “Shopping Centers”.

Realmente, o que distingue um “Shopping Center” é, acredita-

se, a reunião de comercio e serviços, planejados de modo a estimulá-los em

nível superior àquele em que estariam, se apartados do empreendimento,

sendo permitida e desejada a perene reorganização dessa reunião, de

maneira a procurar-se atingir continuamente, novos estágios de estímulo ao

rendimento comercial, concretizados num mesmo local.

Significa que é “Shopping Center”, aquele que for organizado

segundo técnicas mercadológicas que analisem desde a quantidade e

disposição física das lojas e serviços, até a composição dessa reunião

(quem, como e onde, quanto a cada comerciante ou prestador de serviços).

Esta é a primeira parte do conceito.

A segunda parte, que igualmente concretiza-se como condição

necessária, suficiente se acompanhada da primeira, é a referente à

formatação jurídica, que permita (pois tudo deve estar expressamente

contratado, e nada obviamente poderá escapar aos limites e exigências -

mesmo que porventura arcaicas - da Lei), que admita o funcionamento

perfeito da reunião peculiar de lojistas e prestadores de serviços, sob uma

coordenação atenta e capaz.

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Em resumo, é “Shopping Center” menos um acoplamento

físico de comerciantes e mais, isto sim, uma reunião metódica e

sofisticadamente organizada de capitais, ânimos e intenções de progresso

econômico. Dessa reunião diferenciada e organizada com técnicas sempre

inovadoras, regida e mantida com contratos atípicos e inseridos numa

estrutura jurídica especialíssima, é que resultaram os “Shopping Centers”.

II

Firmado razoavelmente o conceito de “Shopping Center”,

pode ser enfrentada a questão dizente ao relacionamento jurídico dos

lojistas com os proprietários. Os debates sobre a natureza desta relação

jurídica sempre foram intensos, alinhando-se em defesa de cada uma das

teorias, verdadeiras constelações de juristas.

Existiria um contrato de locação, um contrato de locação

atípico ou um “contrato atípico”? A robustez doutrinária de cada uma das

linhas de pensamento e a complexidade do tema motivaram o espanto de

muitos, quando se defrontaram com a previsão repentinamente imposta no

artigo 54 da lei do inquilinato.

Entendem existir um contrato de locação, os professores

Washington de Barros Monteiro (que enfatiza: “esse contrato é

desenganadamente, o de locação, embora com algumas peculiaridades que,

todavia, não chegam a descaracterizá-lo”.) (3) e Caio Mario da Silva Pereira

(para quem, “... se trata de um vero e próprio contrato de locação”) (4).

Por outro lado, o Prof. Ives Gandra da Silva Martins (5)

entende existir nos contratos, “... sempre uma dupla natureza, que os faz,

de um lado, idênticos ao de uma singela locação do espaço físico em

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contrato de locação comercial, mas que os torna, de outro lado, um contrato

atípico, sem nenhuma vinculação com a lei de luvas...” (sic)

A terceira posição foi inaugurada, até onde se pode pesquisar,

por Orlando Gomes (6), para quem o contrato firmado entre os lojistas e os

“Shopping Centers” é um contrato atípico e não de locação. O respeitado

civilista resumiu os aspectos basilares desse contrato, e é importante te-los

em mente:

“Traços da autonomia desse contrato

relativamente ao de locação podem, afinal, ser

sumariados, projetados de ângulos diversos, todos

próprios ou discrepantes, tais como os seguintes 1) a

forma de remuneração do uso e gozo das unidades

destinadas à exploração comercial; 2) o reajustamento

trimestral do “soi disant” aluguel mínimo; 3) a

fiscalização da contabilidade das lojas pelos

concedestes do seu uso para o fim de verificar a

exatidão do chamado “aluguel percentual”, bem como

a sua incidência para a cobrança da diferença no caso

de seu valor ser superior ao do aluguel mínimo; 4) a

fixação uniforme e antecipada do critério a ser

observado para determinar a majoração do “aluguel”

mínimo no tempo da renovação do contrato; 5) a

incompatibilidade entre o critério de arbitramento do

aluguel nas verdadeiras locações para fins comerciais,

aplicado nas renovatórias, e o denominado “aluguel”

percentual; 6) o cunho mercantil desse “aluguel”

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como suporte da lucratividade do empreendimento; 7)

a desvinculação entre a atividade comercial e o uso

efetivo da loja para o efeito de remuneração deste,

exigível antes de ser iniciada aquela; 8) a vigência de

proibição e práticas ligadas ao uso da loja, derivadas

da circunstancia de se integrarem num sistema; 9) a

proibição de cessão da posição contratual, nula ou

impugnável na locação, mas admitida no contrato com

o “Shopping Center”, por entender com a sua

organização e funcionamento; 10) a ingerência de

terceiro no exercício do direito do titular do uso da

loja, como sucede com o intrometimento da associação

a que é obrigado a se filiar, criando-se um vinculo tão

apertado que a sua exclusão é admitida como a causa

de rescisão do contrato; 11) a cooperação do

concedente (o “Shopping Center”) nas promoções

para ativação das vendas e sua participação em

campanha publicitárias; 12) a convergência de

interesses no contrato; 13) a imutabilidade orgânica

do gênero de atividade do lojista - e tantos outros,

significativos da diferença entre o contrato estudado e

a locação”.

Essa posição mereceu forte aceitação jurisprudencial, como

exemplificam os acórdãos proferidos nos apelos nº. 5/36, julgado em 1989

pelo TACRJ e nº. 3744 julgado em 1990 TJMA, ambos encontráveis neste

livro.

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Esta rápida lembrança dos acalorados debates focados na

natureza do contrato justifica a leitura cautelosa do disposto na Lei nº.

8245/91. De fato, o legislador rotulou a avença como “contrato de locação”,

mas opiniões seriíssimas divergem dessa conceituação e como visto, esses

pareceres tiveram força suficiente para embasar uma corrente

jurisprudencial de peso.

III

Feitas essas ressalvas, e com a certeza de que esses

fundamentados debates ainda modificarão o entendimento legal, anota-se

que momentaneamente afastada a formulação teórica que necessariamente

deveria anteceder os dispositivos (em outras palavras, defrontam-se os

estudiosos, após a edição da lei inquilinária, com a curiosa situação de tratar

das conseqüências, sem ver aperfeiçoados os estudos das causas) tem-se

que o relacionamento entre lojistas e “Shopping Centers” findou por

merecer uma série de proteções características das locações comerciais.

É possível a renovação judicial do contrato de locação, sendo

proibido ao proprietário recusá-la argumentando intenção de utilizar, ele

próprio, o imóvel. É o que prevê o § 2º do artigo 52 da lei 8245/91, vedando,

portanto ao proprietário do shopping, um direito concedido e qualquer

outro locador comercial.

A lei do inquilinato consagrou o direito de livre disposição

contratual, sem embargo de poderem vir a ser reputadas nulas aquelas

cláusulas que se mostrarem ilegais ou injustas em sua formação ou

execução. Assim, nada impede que o princípio da autonomia da vontade,

declarado no “caput” do artigo 54, tenha por parâmetro limitador a exata

apreciação das condições efetivas do contrato . Ainda hoje, por exemplo,

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não há como negar que o contrato é de adesão e que o lojista encontra-se

sempre numa posição inferior à do shopping, não tendo sido derrubados

ainda alguns tabus como o da imprescindibilidade do aluguel porcentual

(facilmente substituível mediante singelas equações financeiras, e

inexistentes em muitos “Shopping Centers” no exterior) ou mesmo

esclarecidas as responsabilidades quanto aos fundos de promoção (se o que

justifica o alto aluguel é o oferecimento de características especiais de

concentração e organização das lojas, mas se quem paga por isso é o lojista,

não estaria ele pagando duas vezes?)

Em proteção ao locatário, a lei proibiu ao locador cobrar o

custo das obras de reformas ou de acréscimos relativos à “estrutura integral

do imóvel” (sic, art. 22, § único “a”); as pinturas das fachadas, empenas,

poços de aeração e iluminação e das esquadrias externas (art. 22 § único

“b”); as indenizações trabalhistas e previdenciárias relativas à dispensa de

empregados, efetivadas antes do inicio da locação (art. 22 § único, “d”).

Se a idéia era “proteger” os locatários, faltou muito. Por

exemplo, poderia a lei esclarecer que não se lhes cobraria as indenizações

trabalhistas referentes a período anterior a locação, mesmo que a dispensa

ocorresse após a contratação. Poderia igualmente, vedar o repasse aos

locatários, do custo administrativo do shopping (afinal, não é o

empreendedor remunerado com gordos alugueres exatamente por prestar

esses serviços?), cobrando-lhes apenas os de manutenção e zeladoria. A

propósito, exemplifique-se com um contra senso: o locatário está livre de

pagar a pintura das esquadrias externas, mas pagará a substituição total

delas (pois não há como qualificar tal obra como interessante à “estrutura

integral do prédio”).

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O artigo 54 prevê ainda que (§ 1º alínea “b”) o empreendedor

não poderá cobrar do locatário “as despesas com obras ou substituições de

equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo

da data do habite-se e obras de paisagismo nas partes de uso comum”.

Finalmente, foi estipulado no § 2º do citado artigo 54 que

“as despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento,

salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstrada,

podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir

a comprovação das mesmas”.

Encerram-se neste ponto as previsões legais a respeito do

relacionamento entre lojistas e “Shopping Centers”. Parece rigoroso

concluir que a normatização do contrato em “Shopping Centers”, do modo

como foi feita, frusrou, nota-se em análise primeira, todos os interessados:

aos empreendedores de “Shopping Centers”, certamente interessaria mais

caracterizar o pacto como atípico, livre das amarras legais características

dos contratos de locação, sempre abalados por periódicas e historicamente

novas leis emergenciais; aos lojistas, melhor seria completar o elenco de

proteções legais, talvez simplesmente lhes assegurando os direitos dos

locatários comerciais.

IV

Exatamente pela brevidade das disposições legais a respeito,

obriga-se o analista dos aspectos jurídicos dos “shopping centers” a buscar

outras fontes, e a primordial, é a jurisprudência.

Merecem atenção, por outro lado, os aspectos genéricos,

decorrentes da lei de locações, também obviamente presentes nos contratos

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de locação (e, mais relevante, em sua operação) pactuados quanto a

shopping centers.

As cláusulas reputadas nulas pela jurisprudência costumam

ensejar longuíssimas e torturantes discussões. No estreito limite deste

estudo, lembra-se pesquisa (7), na qual se apurou que foram declaradas

nulas, pelos tribunais, cláusulas que: a) deixavam a renovação da locação

comercial sob exclusivo arbítrio do Locador; b) exigiam multa por não

desocupação de escritório de estabelecimento de ensino, retirando a

proteção a este outorgada; c) vedavam a purgação da mora; d) estipulavam

o vencimento antecipado da dívida de aluguéis; e) equiparavam alteração

social da locatária a cessão ou sublocação; f) declaravam renunciado o

direito do inquilino à preferência na aquisição do imóvel; g) impediam a

cessão em locação comercial; h) previam a perda da caução pelo inquilino;

i) estipulavam o aluguel em moeda estrangeira.

Em cada caso concreto, relembre-se, é submetida ao Poder

Judiciário a validade da cláusula contratual; sua nulidade não atinge todo o

pacto que é, por este procedimento, reposto em condições legais, extirpado

das disposições repelidas pelo Direito.

V

Regida pela Lei n. 8245/91, qualquer locação em “shopping

center“ exige atenção, aos seus aspectos ordinários: a renovação

compulsória judicial somente se verifica nas condições previstas no Art.

51; a cobrança de luvas admite-se apenas na primeira locação, e assim por

diante.

A fixação judicial do aluguel tem relevo especial nas locações

em “shoppings”, dada sua sucessiva renovação (na maioria dos casos), seja

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em ação renovatória de locação, seja em revisional de aluguel. Neste tópico,

cumpre anotar ao menos dois pontos cruciais: aluguel provisório, no curso

de ação judicial, só se fixa diante de “elementos hábeis” (Art.72 parágrafo

4 da Lei de Locações) ; perícia não é o único elemento informativo da

sentença que fixará o novo locativo.

Se realmente têm boa força probante quanto à fixação

provisória, não têm os laudos, inobstante seu rigor técnico, o condão de

retratarem fiel e exatamente o mercado. Talvez tal se verifique até pela

ausência, nas equações utilizadas, de variáveis que efetivamente

representem as mutações do mercado. Insofismável que os elementos

considerados nos laudos periciais são via de regra, falseados já na origem:

consideram-se preços pedidos ( por corretores ou em anúncios), mas

ignoram-se preços de fechamento; escrituras, não é de hoje, celebram-se

com valores fictícios; aí, de pronto, duas jamais superadas dificuldades com

que defrontam-se os peritos.

Daí a necessidade (ainda não por todos, infelizmente,

enxergada) de ser formada a convicção judicial com outros elementos

probantes, não apenas com a conclusão do parecerista técnico. A lei o

permite (Art. 436 do código processual civil) e o bom senso o exige: a

sentença não é singela homologação de trabalhos periciais (a pensar-se

contrariamente, mais econômico seria invocar apenas o trabalho do perito,

prescindível o do juiz) e sim, há de consistir resultado de consistente

elaboração lógica, na qual se confrontem todas as provas, com as máximas

da experiência e dos fatos notórios (independentes de prova). O juiz,

portanto, para alçar-se à condição de melhor intérprete dos fatos e com o

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escopo de dar término a litígios, não se baliza unicamente pela prova

pericial.

Nas questões de fixação judicial de aluguel em “shopping

centers” merecem realce os dados informativos quanto ao exato estado do

“shopping”. Explica-se: em muitos casos,o prédio é novo e está bem

situado, o que levaria o valor locativo para o alto. Mas, é empreendimento

pessimamente administrado, as despesas condominiais são altas, a verba de

propaganda é gasta sem critério, evidências que retiram as vantagens do

empreendimento, findando por transformar um “shopping” numa rejeitada

galeria comercial. Na hipótese ( que dificilmente aparecerá nos laudos

periciais usualmente apresentados, adstritos que ficam aos valores pedidos

por metro quadrado) é evidente que o juiz deverá atentar a informações

outras que não aquelas descritas por equações frias no laudo pericial.

VI

Como os operadores do direito enxergam esses empreendimentos?

Nem sempre com absoluta liberdade conceitual, observa-se na

jurisprudência.

Um tópico que ensejou - e ainda enseja- candente controvérsia

é o do aluguel percentual. É curioso observar que em tempos de comércio

aquecido, costumam pugnar os lojistas pela nulidade da fixação percentual,

exigindo apenas a cobrança do aluguel mínimo; em tempos de vacas

magras, o movimento é inverso, pois o aluguel “mínimo” assume

proporções absurdas em face dos minguados faturamentos. No sentido

inverso, é lógico, estão sempre os proprietários.

Por sua vez, os julgadores divergem, diametralmente:

encontram-se acórdãos reputando justa a fixação percentual, ao lado de

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outros que a qualificam como nada menos que emblemática do capitalismo

“selvagem”.

No entretempo, sabem os auditores contábeis que em cada

ramo, o dispêndio com aluguel há de obedecer a certos limites sendo

imprescindível, sob o prisma jurídico e empresarial, compará-los aos

percentuais estipulados por “shoppings”. De qualquer modo, a análise é, a

par de necessária, urgente: a desproporção dos dispêndios leva,

evidentemente, qualquer comércio à insolvência. Os acórdãos fixam-se,

majoritariamente, na visão contratualista, afastando-se das implicações

econômicas.

Outra questão recorrente refere-se à responsabilidade por

eventos nas garagens, tratada em diversos acórdãos e consistindo tema que

ainda não se pacificou na jurisprudência.

Mais um tema que ainda motiva demandas é o da fiscalização

do faturamento, pelo “shopping”: é válida a cláusula que prevê esse

procedimento? Inobstante a insurgência de muitos, os tribunais brasileiros

costumam acolher a disposição contratual, permitindo a verificação de

livros e a permanência de fiscal no estabelecimento comercial. Trata-se de

entendimento coerente com a aceitação do aluguel percentual: como

entender este, em sua plenitude, sem outorgar meio para apurar-se o acerto

do cálculo?

Os tribunais também já decidiram acerca dos horários

especiais de funcionamento, quando fixados por legislação municipal ou

nas hipóteses em que se diferenciam os horários de somente algumas das

lojas do “shopping”.

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Estes, dada a quantidade de ações judiciais que ensejam, os

temas que sofrem maior divergência interpretativa em “shopping centers”.

VII

O texto da lei ainda permite (como visto) muito debate. Mas

talvez a solução não se encontre na edição de nova legislação: por sua

própria natureza, os “shopping centers” são empreendimentos quase

diariamente modificados, não apenas em sua estrutura física, mas também

nos conceitos econômico-financeiros que os regem e, por via reflexa, em

sua estrutura jurídica.Esta evidência parece aconselhar deva permanecer

intocada a lei, mas deva ser observada com maior atenção, pelos intérpretes

,a exata realidade, o verdadeiro manejo operacional desses

empreendimentos, para daí sim, aplicar-se a solução mais justa a cada

litígio.

***

Nota e Bibliografia referida

(*) artigo selecionado e publicado originalmente no Boletim do Direito

Imobiliário n.12, de abril de 1993 em São Paulo.

(1) Alexandre Agra Belamonte - Natureza Jurídica dos Shopping

Centers – RJ: Ed. Lumen Juris, 1989, p. 6.

(2) Tania M.O. Souza e Zied U. Sabbagh - “Shopping Centers”,

Campinas, FAV/PUCCAMP, 1985, p. 57 “in” “Shopping Centers” Wilson

Ribeiro dos Santos Jr. Ed.Unesp, 1992, pág. 64.

(3) Washington de Barros Monteiro - “Shopping Centers” “in”

“Shopping Centers, Aspectos Jurídicos”, SP: Revista dos Tribunais, 1984,

p. 166;

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(4) Caio Mario da Silva Pereira – “Shopping Centers” - Organização

Econômica e Disciplina Jurídica “in” “Shopping Centers”, Aspectos

Juridicos, SP: Ed. Revista dos Tribunais, 1984, p. 77 e segs.

(5) Ives Gandra da Silva Martins - “A natureza jurídica das locações

comerciais dos “Shopping Centers”, não publicado, citado em “Shopping

Centers” - questões jurídicas, SP, Ed. Saraiva, p. 43; 1991.

(6) Orlando Gomes - Traços do perfil jurídico de um “Shopping

Centers”, “in” SP: Revista dos Tribunais, nº. 576/9;

(7) Jaques Bushatsky - “Nulidade de Cláusula em Contrato de

Locação” “in” SP: Revista dos Tribunais, fev/1997, vol. 736.

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LIBERDADE EM ROUSSEAU: NASCEMOS LIVRES, MAS VIVEMOS PRESOS NA SOCIEDADE?

FRANCISCO RENATO SILVA COLLYER: Graduado em Direito pela PUC Minas. Especialista em Direito Público (com capacitação para o ensino superior), Política e Sociedade, Direito Ambiental e Educação Ambiental. Mestrando em Constitucionalismo e Democracia pela FDSM. Graduando em Ciências Sociais e História pela Universidade de Franca. Possui cursos de formação complementar em Ciência Política, Direitos Humanos, Sociologia Contemporânea, Filosofia, Argumentação Jurídica, Formação Docente para Professores de Direito, Direito Municipal e Urbanístico, Ações Constitucionais, Legislação Ambiental e Gestão Ambiental.

Resumo: O presente estudo pretende analisar a questão da liberdade

do indivíduo inserido na coletividade e a questão da vontade geral segundo

o filósofo Jean-Jacques Rousseau, bem como a heteronomia da lei como

forma de controle social.

Palavras-Chave: Liberdade, Estado Democrático, Poder, Rousseau.

Você já parou para pensar (e constatar) que tudo que está à sua volta

foi, de certa forma, imposto a você? Ao nascer, ninguém lhe perguntou se

você concordava ou não com o modo com que a sociedade dirige seus

negócios, suas relações políticas ou mesmo elabora suas leis. Ao nascer,

você foi bombardeado com obrigações, com um mundo já previamente

pronto e seu nascimento de nada influenciaria o ritmo dessa sociedade.

Você teve que aceitar o fato de que mesmo tendo alguns poucos dias de

vida e não concordando com o regime político vigente (levando-se em

consideração que, enquanto bebê, você já pudesse ter essa consciência), ele

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não mudaria só porque era sua vontade. Mesmo que chorasse com toda a

força de seus pulmões as coisas continuariam como estavam.

Isso também acontece com a tecnologia. Não sabemos como funciona

nosso celular ou tablet. Na verdade, para a maioria das pessoas não importa

como um mecanismo pode se comunicar a uma rede mundial de

informações sem nem mesmo precisar de fios. Não queremos saber dos

detalhes, mas nos achamos verdadeiros homens das cavernas quando não

encontramos sinal para o celular ou quando a internet está lenta devido a

algum problema técnico ou mesmo por causa do mal tempo, já que a

umidade e as descargas elétricas presentes na atmosfera podem distorcer o

sinal, que é transmitido por ondas.

Já nascemos em um mundo pronto e até você ganhar certo grau de

determinação e consciência pouca coisa poderá ser mudada através de suas

atitudes, ainda que em um espaço limitado de abrangência, restrito ao seu

convívio social. As mudanças ocorrem sim, mas o que a história da

humanidade nos mostra é que os movimentos revolucionários são frutos de

anos de lutas e revoluções, galgadas por pessoas que possuíam o mesmo

ideal, que não desistiram devido ao fato do mundo já estar pronto quando

nasceram. Esses homens queriam mudar as coisas, alterar o que, até então,

parecia ser o certo a ser feito (e não poderia ser alterado), mas que, muitas

vezes, favorecia o interesse de uma pequena parcela de pessoas, em

detrimento da condição de vida de uma grande parcela de indivíduos, que

viviam na miserabilidade.

Sobre o fato das leis já existirem quando nascemos e que elas são

colocadas a nós de forma obrigatória, a isso dá-se o nome de

“heteronomia”. É uma característica da lei, que impõe ao destinatário o seu

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cumprimento, independentemente da vontade do indivíduo. Pouco importa

se você concorda ou não com o fato de uma prática ser considerada crime

ou se acha injusto pagar tributo para o governo. Se não obedecer a lei (no

primeiro caso, o deixar de fazer, e, no segundo, o dever de efetuar o

pagamento) você sofrerá as penalidades cabíveis.

A heteronomia funciona como um processo de interiorização do dever

da lei. Inicialmente, os indivíduos obedecem à lei por medo do castigo, por

não quererem sofrer as penalidades. Depois de certo tempo, esses

indivíduos passam a perceber que o cumprimento da lei trará benefícios

para a coletividade. Nesse sentido, a vontade individual dá lugar ao que é

bom para todos. Passa-se de um estado egoísta para uma consciência

baseada nos princípios e valores morais que justificam a aplicação da lei e

sua devida aceitação pelas pessoas.

Assim, mesmo que, inicialmente, o cumprimento da lei cause

estranheza, o segundo patamar, o da aceitação, reflete que, ainda que um

indivíduo ache injusto pagar imposto ao governo, este passa a refletir que

se ninguém pagasse imposto não seria possível o Estado por em prática as

políticas públicas necessárias para a melhoria da qualidade de vida da

coletividade.

Agora, a reflexão e o questionamento se esses impostos são abusivos

e/ou não estão tento a destinação correta é uma correta linha de pensamento,

que passa a assimilar o teor da lei, que não é o de beneficiar um seleto grupo

de pessoas (como políticos e empresários corruptos ou a elite da sociedade),

mas que o fim último da lei é a segurança jurídica, que inclui o conceito de

qualidade de vida para todos os cidadãos.

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Será que podemos relacionar a heteronomia a um tipo de prisão ou

cerceamento de vontade?

Para Jean-Jacques Rousseau, importante filósofo, escritor, teórico

político e compositor suíço, notável influenciador dos ideais iluministas, o

homem se encontra preso. É dele a frase: “o homem nasce livre, e, em toda

parte, encontra-se acorrentado”.

Mas a qual homem Rousseau estava se referindo? Ele se referia ao

homem do século XVIII. A questão da heteronomia pode ser abordada aqui

em função de a sociedade daquela época ter aceitado um fato que causa

horror e repúdio em nossos dias: homens que nasceram livres sendo

escravizados por outros homens. Não somente uma escravidão pela etnia

(como ainda ocorria na época), mas pelo trabalho e pelas regras impostas

pela própria sociedade.

Rousseau teve vários de seus livros banidos pela Igreja Católica por

apresentarem conceitos religiosos pouco convencionais para a época, como

a ideia de que a verdadeira religião vinha do coração e que as cerimônias e

liturgias não eram importantes. Mas foram as ideias políticas que lhe

trouxeram maiores problemas e perseguições.

A ideia de que o homem é livre ao nascer, mas se encontra preso na

sociedade, presente na sua obra “O contrato social”, publicado em 1762,

questiona a causa dos indivíduos viverem sob o julgo da sociedade ao

abandonarem o “estado de natureza”, onde se encontravam livres e iguais.

Não é difícil entender o porquê das ideias de Rousseau terem tido

grande reverberação nos movimentos revolucionários. Rousseau se tornou

um grande inspirador do movimento iluminista francês, que desejava

quebrar as correntes que a classe rica havia imposto à população pobre.

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Pessoas morriam de fome enquanto a classe rica gozava de uma vida de

luxo as custas do trabalho dos pobres.

É pouco provável que Rousseau, que faleceu quase uma década antes

da Revolução Francesa vir à tona, concordasse com as atrocidades que

foram praticadas pelos líderes do movimento. Na verdade, para o filósofo

suíço, o homem é naturalmente bom e, provavelmente, viveríamos em um

certo grau de reciprocidade amigável se vivêssemos em uma floresta à base

de nossos próprios recursos. É o que ele chama de “estado de natureza”,

bastando sermos realocamos para um ambiente como as cidades para que

tudo comece a dar errado.

Fora do estado de natureza, o homem busca, a todo custo, dominar os

outros e ser o centro da atenção dos demais indivíduos. Por viver em

sociedade, sentimentos como ganância e inveja e o desejo de manipular os

outros invadem o ser humano. Na natureza, os homens seriam fortes,

saudáveis e livres, mas a civilização corrompe o homem.

Em sua obra, Rousseau desejou encontrar uma solução para que as

pessoas vivessem juntas e fossem livres da mesma forma que seriam na

natureza, ao passo que também obedeceriam às leis impostas pelo Estado.

Impossível ou não e ainda que a ideia de liberdade não comungue com as

regras da sociedade, que são como verdadeiras correntes que impedem os

homens de fazerem o que bem intenderem, Rousseau apontou uma saída: a

vontade geral.

Assim como a heteronomia parte de um pensamento e um querer

egoísta e evolui para a assimilação do bem maior (para o que seja melhor

para a coletividade), a vontade geral propõe que os indivíduos devem abrir

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mão de muitas liberdades individuais em prol da comunidade. Nesse

sentido, deve haver leis que restrinjam o comportamento das pessoas.

Para Rousseau, as ideias de liberdade e obediência às leis estatais se

complementavam. Quando os indivíduos agrupam-se em sociedade,

acabam por formar um tipo de pessoa, em que cada cidadão faz parte de um

todo bem maior em relação à individualidade de cada um. Para o filósofo,

as pessoas seriam livres na sociedade quando estivessem sob o julgo de leis

que, verdadeiramente, refletissem a vontade geral, a vontade deste corpo

formado pelos cidadãos, e não a leis que beneficiassem somente a uma

parcela da coletividade.

Nesse contexto, o legislador teria a função de criar um sistema que

permitisse que os indivíduos se mantivessem livres de acordo com a

vontade geral, ao invés de buscarem suas próprias realizações as custas da

perda da liberdade de outros. A verdadeira liberdade, para Rousseau, seria

viver em um grupo de cidadãos que procuram agir de acordo com o

interesse da coletividade, em que os desejos pessoais convergissem para o

que fosse melhor para todos e que as leis evitassem que pessoas agissem de

forma egoísta.

E para os que não desejassem seguir o “contrato”? Eles seriam

forçados a isso! Seriam forçados a serem livres! Parece contraditório, mas

para Rousseau não era. O indivíduo é forçado a ser livre quando é livre de

sua própria vontade mesquinha e egoísta, quando é levado a pensar no que

é melhor para todos, pois, já que vivemos em sociedade, se cada um pensar

somente em si o resultado será o extermínio das relações e instituições

sociais tal como as conhecemos.

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Assim, semelhante à ideia de heteronomia, a ideia de vontade geral

pressupõe a assimilação de que os homens, para viverem em sociedade,

devem aceitar as regras que lhe são impostas. Em contrapartida, essas leis

devem refletir o anseio do Estado em praticar o que é melhor para todos.

Quando as leis representam ou favorecem a um grupo restrito de pessoas, é

aceitável que a própria sociedade, como um único corpo, admita

movimentos revolucionários que objetivam resgatar o ideal de bem comum

e segurança jurídica para todos, tal qual anticorpos combatem um corpo

estranho presente no organismo que deseja alterar o estado normal de

funcionamento do corpo humano.

Referências

BOBBIO, Noberto. Teoria Geral da Política: A Filosofia Política e

as Lições dos Clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo : Malheiros, 2007.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13a. ed. São Paulo: Ática,

2008.

CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. 3a. ed. São Paulo: Ática,

2007.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo, Martins

Fontes, 1989.

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A BASE DE CÁLCULO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA 

 

VANESSA  DE  CASTRO  ROSA:  Advogada  e  Professora  universitária. 

Bacharela  em  Direito  pela  UNESP.  Mestra  em  Direitos  Humanos 

Fundamentais.  Bacharela  em  Filosofia.  Especialista  em  Direito 

Ambiental.  Especialista  em Direito  Processual  Civil.  Especialista  em 

Direito Penal.  

 

Resumo: O presente  trabalho  tem como escopo estudar a base de 

cálculo do pensionamento de alimentos destinados aos filhos menores ou 

incapazes, à  luz do direito de família. Percebe‐se uma grande variedade 

de  posicionamentos  que  prolongam  o  litígio,  por  não  haver  consenso 

entre as partes, nem entendimento pacificado na jurisprudência, embora 

se esteja caminhando neste sentido. A análise da jurisprudência se mostra 

imprescindível  tendo  em  vista  que  tem  contribuído  significativamente 

para o desenvolvimento do tema, especialmente, permitindo a penhora 

do FGTS para pagamento de dívida alimentar. 

Sumário.  Introdução. 1. Conceito e características. 2. Critério 

de  valoração e  fixação. 3. Natureza  jurídica das principais  verbas 

trabalhistas.  4.  Base  de  cálculo  dos  alimentos.  Conclusão. 

Referências Bibliográficas.  

 

Introdução 

O  direito  a  alimentos  é  uma  garantia  de  sobrevivência  de 

quem  deles  depende,  assim,  é  um  direito  personalíssimo, 

fundamental e atrelado à dignidade da pessoa humana, portanto, 

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inequívoca  sua  importância,  a  merecer  a  tutela  do  direito  e  do 

Judiciário. 

É  certo  que  os  problemas  de  família  são  tormentosos  e, 

muitas vezes, de difícil  resolução,  todavia,  sempre é melhor uma 

solução  consensual,  que  não  rompa  os  vínculos  familiares  e  que 

tenha maior chance de ser cumprida, sem ensejar a necessidade de 

processos judiciais para forçar o cumprimento. 

Porém,  quando  não  se  é  possível  se  determinar  de modo 

amigável o valor necessário para a pensão alimentícia, o Judiciário 

é chamado para resolver a questão, momento em que o juiz tentará 

conhecer a vida financeira das pessoas e suas necessidades, pelos 

meios de prova utilizados, o que é uma tarefa árdua para o juiz e 

para as partes. 

O Código Civil  e  a  Lei  Especial  –  Lei  5478/68 – buscam  regular  a 

matéria  referente  aos  alimentos  no  âmbito  familiar,  sendo  o  primeiro 

diploma mais amplo que o segundo. 

Na tarefa de buscar um valor que resolva o conflito entre as partes, 

o juiz se pauta no binômio necessidade‐possibilidade, ou, na versão mais 

enfática  consubstanciada,  no  trinômio  necessidade‐possibilidade‐

proporcionalidade e no auxílio da jurisprudência dos Tribunais Superiores. 

Todavia,  o  terreno  é  eivado  de  controvérsias  acerca  da  base  de 

cálculo dos  alimentos,  ou  seja,  sobre quais  valores da  remuneração do 

alimentante  deverá  incidir  a  porcentagem  fixada  a  título  de  pensão 

alimentícia.  

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Não é despiciendo registrar que as partes podem convencionar as 

incidências  que  farão  parte  dos  alimentos,  desde  que  o  interesse  da 

pessoa incapaz (alimentando) não seja prejudicado, ocasião em que o juiz 

pode (e deve) intervir em proteção do incapaz. 

. Conceito e características 

Nelson  Rosenvald  e  Cristiano  Chaves  Farias[1]  definem  os 

alimentos  como  tudo  o  que  se  afigurar  necessário  para  a 

manutenção da pessoa humana, compreendidos os mais diferentes 

valores  necessários  para  uma  vida  digna,  este  conceito  parte  da 

clássica  doutrina  de  Orlando  Gomes:  “alimentos  são  prestações 

para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê‐las 

por si”.  

Os  dois  conceitos  se  complementam,  pois  o  primeiro 

explicita a abrangência e o segundo evidencia o destinatário. 

Os  alimentos  englobam  as  despesas  ordinárias,  tais  como, 

alimentação,  habitação,  vestuário,  educação,  saúde  e 

extraordinárias,  por  exemplo,  remédio,  material  escolar,  etc. 

Podem  ser  pagos  in  natura  ou em dinheiro  (pensão alimentícia), 

conforme art. 1701 do Código Civil. 

Segundo  doutrina  e  jurisprudência  os  alimentos  são: 

personalíssimos, irrenunciáveis, atuais, imprescritíveis e divisíveis, 

ou seja, valores destinados a garantir a sobrevivência da pessoa que 

os recebe (personalíssimo), portanto, não podem ser renunciados. 

Além de ser uma necessidade premente e imediata, por isto 

o caráter atual e sem prazo para ser exercido, são suficientes para 

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embasar o pedido a prova do parentesco  familiar,  a necessidade 

fática  e  o  preenchimento  dos  requisitos  legais  para  serem 

requeridos  a  qualquer momento  e  podem  ser  rateados  entre  os 

devedores de acordo com as possibilidades de cada um e entre os 

alimentandos. 

Vale registrar que a necessidade do filho menor é presumida 

por lei diante de sua incapacidade e do dever dos pais de cuidar dos 

filhos menores. 

. Critério de valoração e fixação 

Obviamente, não há um valor definido em lei, mas sim um 

critério  para  a  quantificação  dos  alimentos  se  pauta  no  binômio 

necessidade‐possibilidade,  ou,  no  trinômio  necessidade‐

possibilidade‐proporcionalidade, conforme o disposto no art. 1694, 

§1º, do Código Civil, ou seja, a necessidade do alimentando (credor) 

e a possibilidade do alimentante (devedor), de forma a se buscar 

um valor justo que não onere demasiadamente o devedor e garanta 

o necessário ao credor (proporcionalidade).  

Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais: 

Direito  de  família.  Alimentos.  Trinômio 

possibilidade  do  alimentante,  necessidade  do 

alimentado e proporcionalidade. O critério  jurídico 

para se fixar o montante que deve ser pago a título 

de pensão alimentícia é a conjugação proporcional e 

razoável da possibilidade econômica do requerido e 

da  necessidade  do  requerente,  nos  termos  do  que 

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prescreve  o  artigo  1.694  do  Código  Civil  de  2002. 

Neste  diapasão,  demonstrada  a  necessidade  da 

requerente  e  a  capacidade  dos  obrigados,  hão  de 

serem fixados os alimentos proporcionalmente. (TJ‐

MG  102310811456180011  MG  1.0231.08.114561‐

8/001(1), Relator: MARIA ELZA, Data de Julgamento: 

24/09/2009,  Data  de  Publicação:  08/10/2009) 

(negritei) 

O espaço de conformação para o aplicador da lei é extenso, 

sendo  certo  que  será  guiado,  especialmente,  pelas  provas 

carreadas aos autos, bem como pela jurisprudência, que tem fixado 

a  baliza  de  30%  (trinta  por  cento)  ou  1/3  (um  terço)  dos 

rendimentos  líquidos  do  alimentante  e/ou  com  base  no  salário 

mínimo federal ou estadual. 

Neste sentido: 

DECIDE  o  Tribunal  de  Justiça  do  Estado  do 

Paraná, por sua Oitava Câmara Cível, à unanimidade 

de votos, dar provimento parcial ao apelo, para fixar 

o valor da pensão alimentícia, definitivamente, em 

% (trinta por cento) dos rendimentos líquidos do 

alimentante (bruto menos descontos obrigatórios), 

inclusive  o  º  Salário,  nos  termos  da 

fundamentação,  ficando  mantidos  os  demais 

parâmetros  da decisão  recorrida.  (TJ‐PR  ‐  Apelação 

Cível 1465736) (negritei)  

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Ementa: Ação de investigação de paternidade e 

alimentos  ‐  Irresignação  que  se  restringe  ao  valor 

arbitrado  a  título  de  pensão  alimentícia  arbitrada 

em  /   dos  rendimentos  líquidos  do  réu,  desde  a 

citação  ‐  Binômio  necessidade/  possibilidade  bem 

observado  ‐  Ação  julgada  procedente  ‐  Sentença 

confirmada ‐ Recurso não provido. (TJ – SP ‐ Apelação 

Com  Revisão:  CR  5534754000  ‐  Publicação: 

25/02/2009) (negritei)  

Importante deixar claro que os valores 30% ou 1/3 dos rendimentos 

líquidos do alimentante são apenas uma baliza para o operador do direito, 

sendo que será determinante para a fixação do valor da pensão, a prova 

da situação financeira do alimentante e da necessidade do alimentando a 

ser elaborada nos autos, de forma que outro valor pode ser fixado, para 

melhor atender ao caso concreto. 

Vale  registrar  que  a  jurisprudência  admite  a  fixação  da  pensão 

alimentícia  sobre  o  salário  mínimo,  o  que  é  de  bom  alvitre  para  as 

situações  em  que  o  devedor  não  trabalha  com  carteira  assinada,  nem 

disponha  de  qualquer  elemento  de  prova  que  comprove  seus 

rendimentos, como, por exemplo, a situação do trabalhador autônomo. 

Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal: 

Ementa: Agravo regimental agravo de

instrumento. Constitucional. Pensão alimentícia.

Fixação em salários mínimos. Possibilidade.

Precedentes. O Supremo Tribunal Federal firmou

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entendimento no sentido de que, em se tratando de

pensão alimentícia, é possível sua fixação em

salários mínimos. Precedentes: RE 629.668, Rel.

Min. Dias Toffoli, o RE 166.586, Rel. Min. Marco

Aurélio, o RE 603.496-AgR, Rel. Min. Ayres Britto,

AI 567.424 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, e ARE

727.009 AgR, Relª. Minª. Cármen Lúcia. Agravo

regimental a que se nega provimento. (STF - AI

751934 AgR / MG, Julgamento: 12/11/2013) (negritei)

Ação  de  alimentos.  Fixação  de  pensão 

alimentícia com base em salario mínimo. Alegação de 

maltrato  ao  artigo  7º,  inciso  IV,  da  constituição 

federal.  A  fixação  de  pensão  alimentícia  tem  por 

finalidade  garantir  aos  beneficiários  as  mesmas 

necessidades básicas asseguradas aos trabalhadores 

em geral pelo texto constitucional. De considerar‐se 

afastada, por  isso,  relativamente a essa hipótese, a 

proibição da vinculação ao  salário mínimo, prevista 

no  inciso  IV  do  artigo  7.  da  Carta  Federal.  Recurso 

Extraordinário não conhecido. (STF ‐ RE   / PR 

– PARANA ‐ Julgamento:  / / ) 

Além  do  trabalhador  autônomo,  a  fixação  da  pensão  alimentícia 

sobre  o  salário  mínimo  também  é  recomendável  para  os  casos  de 

desemprego, pois o dever alimentar subsiste nesta hipótese. 

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Apelação cível ‐ ação de alimentos ‐ pretensão de 

fixação em percentual sobre salário mínimo em caso 

de  desemprego  ‐  razoabilidade  ‐  sentença 

parcialmente  reformada.  Tem‐se  por  razoável  a 

pretensão do alimentante de fixação da obrigação 

alimentar  sobre  salário  mínimo  para  o  caso  de 

desemprego, o que lhe possibilitará cumprir o dever 

legal de sustentar o filho, bem como evitar futuras 

demandas  judiciais  entre  as  partes.  (TJ‐MG  ‐  AC: 

10400120001088001  MG,  Relator:  Edgard  Penna 

Amorim, Data de Julgamento: 14/04/0015, Câmaras 

Cíveis  /  8ª  CÂMARA  CÍVEL,  Data  de  Publicação: 

28/04/2015) (negritei) 

Contudo, é sabida a dificuldade de se provar o valor percebido pelo 

trabalhador autônomo, o que possibilita fraude e prejuízos irreparáveis ao 

alimentando que necessita dos alimentos para a sua sobrevivência. Deste 

modo, para evitar tal dano, a doutrina e jurisprudência tem permitido a 

fixação dos alimentos com base na teoria da aparência, isto é, a partir dos 

sinais exteriores de riqueza ostentados pelo alimentante. 

Nesta linha, a jurisprudência: 

Direito de família. Separação judicial. Alimentos 

à  filha  menor.  Profissional  autônomo.  Condição 

econômica  do  alimentante.  Fixação  do  quantum. 

Teoria  da  aparência.  Aplicação.  O  profissional 

autônomo tem o dever de provar sua  incapacidade 

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financeira  de  pagar  pensão  alimentícia  para  filho 

menor, fixada em 75% do salário mínimo. Inexistindo 

prova segura acerca dos ganhos do alimentante, há 

de prevalecer a lógica do valor arbitrado, lastreada 

em sinais exteriores que demonstram a capacidade 

do  alimentante.  Recurso  conhecido  e  não  provido. 

(TJDF  ‐  apelação  cível:  apl  115711220088070003 

DF0011571‐12.2008.807.0003  ‐  julgamento: 

14/04/2010) (negritei)  

Ação de alimentos - filho menor adolescente - pai

empresário - teoria da aparência - alimentos

provisórios arbitrados - manutenção - binômio

necessidade-possibilidade. A fixação da prestação

alimentícia deve considerar o binômio

necessidade/possibilidade; pode, contudo, o

julgador utilizar-se da teoria da aparência para

arbitrar a pensão alimentar. (TJ-MG – numeração

única 2046928-93.2005.8.13.0702 – Data do

julgamento: 05/05/2009) (negritei)

É  de  boa  praxe,  fixar  na  sentença  o  valor  da  pensão  alimentícia 

tanto  para  as  hipóteses  de  emprego  formal  e  de  emprego  informal  ou 

desemprego,  a  fim de efetivamente  resolver  a  lide  e  evitar  que a  cada 

alteração  na  situação  laboral  do  alimentante  as  partes  tenham  que 

recorrer, novamente, ao Judiciário para especificar o valor da pensão. 

Assim, tem seguindo os julgados: 

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Apelação  cível.  Ação  de  oferecimento  de 

alimentos. Sentença que fixou os alimentos em  % 

dos  rendimentos  líquidos  (rendimentos  brutos, 

subtraídos  unicamente  os  descontos  legais 

obrigatórios)  do  autor,  incidindo  o  referido 

percentual  sobre  férias,  gratificação  natalina  e 

demais  verbas  de  natureza  salarial,  devendo  o 

pagamento  ser  feito  mediante  desconto  incidente 

sobre  o  contracheque  do  autor,  bem  como  o 

pagamento, in natura, dos gastos com a mensalidade 

escolar  e  o  plano  de  saúde  do  alimentado.  Na 

hipótese  de  ausência  de  vínculo  de  emprego, 

determinou que o requerente pagará ao requerido 

o equivalente a  % do  salário mínimo, quando o 

pagamento deverá ser feito no  .º dia útil de cada 

mês.  Inconformismo  do  autor,  que  não  merece 

prosperar.  1‐Alimentos  devidos  por  força  do  art. 

1.694  do  Código  Civil  ‐  fixação  em  patamar 

compatível  com  os  elementos  dos  autos  e  com  a 

necessidade do menor. 2‐A obrigação alimentar dos 

pais resulta do outrora chamado "pátrio poder", ora 

poder  familiar,  devendo  ser  pautada  no  binômio 

necessidade‐possibilidade, conforme o previsto no § 

1º,  do  artigo  1694  do  Código  Civil,  podendo  o 

montante  ser  modificado,  uma  vez  que  estes  dois 

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elementos  são  variáveis.  3‐Da  análise  dos 

documentos  acostados  aos  autos,  o  apelante  não 

comprovou  a  existência  de  gastos  ou  de  qualquer 

outra dificuldade relevante, capaz de causar prejuízo 

para o seu sustendo, traduzindo a ausência do direito 

a  redução  do  valor  da  obrigação  de  alimentar.  4‐

Pleito de  redução que deve ser  rejeitado. Sentença 

que se mantém. Desprovimento do recurso. (TJ‐RJ ‐ 

APL:  00056682620118190045  RJ  0005668‐

26.2011.8.19.0045,  Relator:  DES.  ROBERTO 

GUIMARAES,  Data  de  Julgamento:  26/02/2014, 

DÉCIMA  PRIMEIRA  CAMARA  CIVEL,  Data  de 

Publicação: 15/04/2014 19:21) (negritei) 

Importante registrar que a situação de desemprego superveniente 

do alimentante não é motivo apto, por si só, para elidir a pensão, razão 

pela qual a sentença que fixa os alimentos já deve prever tal hipótese, a 

fim de não ensejar dúvida, nem prejudicar o recebimento dos alimentos 

pelos  filhos  menores.  Contudo,  se  não  houver  tal  previsão,  deverá  o 

alimentante  continuar  a  pagar  a  pensão  com  base  na  sua  última 

remuneração, conforme já assentou entendimento o Superior Tribunal de 

Justiça. 

Processo civil - Recurso Especial - violação ao

art. 586, § 1º, do CPC - falta de prequestionamento -

Súmula 356/STF - Ação de execução de alimentos -

Pensão fixada em percentual incidente sobre a

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remuneração do executado - Desemprego

superveniente - Extinção da ação - Impossibilidade -

Liquidez do título executivo judicial.

1 - Não enseja interposição de recurso especial

matéria (art. 586, § 1º, do CPC) não ventilada no v.

julgado atacado. Incidência da Súmula 356/STF.

2 - Esta Corte de Uniformização já decidiu no

sentido de que a rescisão do contrato de trabalho do

devedor de alimentos não retira a liquidez do título

executivo judicial que fixa a pensão alimentícia em

percentual incidente sobre a remuneração mensal do

executado. Ocorrendo alteração na situação

econômica do alimentante, tal fato será motivo de

defesa ou de ação revisional, mas não de extinção da

ação de execução. O cálculo do valor devido deve se

basear na última remuneração efetivamente

percebida.

3 - Precedente (REsp nº

330.011/DF).

4 - Recurso parcialmente conhecido e, nesta

parte, provido para determinar o processamento da

ação de execução de alimentos. (STJ - REsp

726752/SP – Julgamento: 14/06/2005) (negritei)

Dependendo  do  caso  concreto,  também  se  revela  de  boa 

prática a fixação de um piso no valor da pensão alimentícia, quando 

se suspeita de possível ocultação de bens e rendas, ou, evitar fraude 

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futura  no  registro  do  valor  do  salário  na  carteira  de  trabalho  do 

alimentante. 

Casos em que a pensão pode ser  fixada num determinado 

valor  porcentual  ou  fracional,  com  a  cláusula  “desde  que  não 

inferior  a  uma  porcentagem  do  salário mínimo”  ou  outra  que  a 

equivalha. Neste sentido: 

Ementa:  AÇÃO  DE  ALIMENTOS  ‐  Pedido 

formulado  por  filhos  menores  ‐  Pai  que  exerce 

atividade  profissional  de  médico  ‐  Rendimentos 

provenientes  de  dois  empregos  ‐  Sentença  que 

arbitra a pensão mensal em  % dos rendimentos 

líquidos,  desde  que  não  inferior  a  seis  salários 

mínimos ‐ Hipótese em que há suspeita de omissão 

de dados e de rendimentos ‐ Obediência ao binômio 

necessidade/possibilidade  ‐  Apelação  desprovida 

Honorários  Advocatícios  ‐  Sucumbência  parcial  e 

recíproca  ‐  Benefício  obtido  pelos  alimentantes 

correspondente  a  aproximadamente  a  metade  da 

pretensão ‐ Recurso não acolhido. (TJ‐SP ‐ 0128015‐

80.2006.8.26.0000  –  Data  do  julgamento: 

30/11/2010) (negritei) 

. Natureza jurídica das principais verbas trabalhistas 

Segundo Maurício Godinho Delgado[2], salário é o conjunto 

de  parcelas  contraprestativas  pagas  pelo  empregador  ao 

empregado  em  função  do  contrato  de  trabalho.  Tem  natureza 

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alimentar, é crédito superprivilegiado e possui caráter forfetário (o 

salário não se afeta com o risco do empreendimento). 

É uma espécie do gênero remuneração, já que esta engloba 

todas as contraprestações recebidas pelo empregado, inclusive as 

gorjetas,  ao  passo  que  o  salário  é  prestado  somente  pelo 

empregador. 

De acordo com José Cairo Júnior[3],  

Além  do  salário  stricto  sensu,  também 

denominado de salário‐base, compõem o salário do 

empregado  os  complementos  salariais  ou  sobre‐

salários,  quais  sejam,  os  prêmios,  gratificações, 

adicionais,  abonos  e  todas  as  parcelas  pagas  em 

razão do trabalho, deste modo, tais verbas integram 

a  composição  salarial  do empregado para  todos os 

efeitos legais, formando toda uma estrutura salarial. 

Seguindo o entendimento deste autor, formam o complexo 

salarial:  o  salário‐base,  adicionais  (noturno,  insalubridade, 

periculosidade,  hora  extra,  transferência),  prêmios,  gratificações 

(tempo de serviço e natalina) e abonos. 

Os  adicionais  possuem  natureza  compensatória,  salvo  o 

adicional  por  tempo  de  serviço,  que  mais  se  aproxima  de  uma 

gratificação. 

As gratificações, geralmente, não têm base legal, ou seja, são 

liberalidades  do  empregador  ou  convencionadas  em  acordo 

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coletivo  ou  sentença  normativa,  não  são  compensatórias  e  se 

regulares integram o salário, como o 13º salário. 

As  gorjetas,  conforme  a  súmula  354  do  TST,  integram  a 

remuneração do trabalhador e não servem de base de cálculo para 

as  parcelas  de  aviso‐prévio,  adicional  noturno,  horas  extras  e 

repouso semanal remunerado. 

O abono, na visão de Jose Cairo[4] 

[...]  constitui,  ordinariamente,  uma  verba  de 

caráter salarial decorrente de um ato de liberalidade 

do  empregador,  que  faz  o  pagamento  de  um  plus 

salarial  para o  trabalho do empregado,  geralmente 

em  parcela  única,  sem  que  exista  um  motivo 

determinante específico para tal acréscimo. 

Mister registrar que o abono pecuniário de férias, conforme 

art. 143 da CLT, não possui natureza salarial. 

Também não possui natureza salarial: multa de 40% do FGTS, 

abono do PIS ou PASEP,  indenização por  tempo de  serviço,  vale‐

transporte, participação nos lucros, salário‐família, ajuda de custo, 

reembolsos, férias indenizadas ou aviso prévio indenizado, ações da 

empresa em caráter de stock option plan  (aquisição de ações da 

empresa  como  forma de  incentivo  e  estímulo  à  permanência  do 

trabalhador na empresa). 

. Base de cálculo dos alimentos 

O  direito  de  família  vige  sob  o  princípio  da  autonomia 

privada, embora temperado com normas de ordem pública, o que 

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não  retira  a  predominância  daquele,  que  bem  foi  definido  por 

Francisco dos Santos Amaral Neto[5]: 

[...] a autonomia privada é o poder jurídico dos

particulares de regularem, pelo exercício de sua

própria vontade, as relações de que participam,

estabelecendo o seu conteúdo e a respectiva disciplina

jurídica. Por muitos considerado como sinônimo de

autonomia da vontade, com ela, a meu ver, não se

confunde, pois a expressão "autonomia da vontade"

tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto

"autonomia privada" significa o poder particular de

criar relações jurídicas de que se participa. Assim, é o

poder que nós, particulares, temos, de regular

juridicamente as nossas relações, dando-lhes

conteúdo e eficácia juridicamente reconhecidos.

A autonomia privada é um dos princípios

fundamentais do sistema de Direito Privado, em um

reconhecimento da existência de um âmbito particular

de atuação do sujeito, com eficácia normativa.

Destarte,  devem  as  partes  ‐  alimentante  e  representante 

legal dos alimentandos ‐ sempre que possível, convencionarem um 

justo  valor  da  pensão  alimentícia  e  a  base  de  cálculo,  pois  sem 

sombra de dúvida será a melhor solução, por ser consensual, o que 

diminui a duração e o volume de processos no Judiciário, além de 

preservar os laços familiares, sem as mágoas decorrentes do litígio 

judicial. 

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Contudo,  caso  seja  impossível  a  resolução  amigável, 

indicando as verbas que comporão a base de cálculo da pensão, o 

juiz buscará  fixa‐las  à  luz da  jurisprudência e  com base na prova 

contida nos autos do processo. 

A  pensão  alimentícia,  em  regra,  é  calculada  sobre  os 

rendimentos  líquidos  do  alimentante,  ou  seja,  o  valor  bruto  dos 

rendimentos subtraídos os descontos legais obrigatórios, tais como 

imposto de renda, contribuição previdenciária e sindical. Conforme 

demonstra a decisão abaixo: 

DESCONTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA EM FOLHA. 

Definição  de  'descontos  legais'  INSS,  IR  e 

contribuição  sindical.  Empregadora  que  não 

considerou  o  IR  Correção  que  se  impõe  Cálculos 

equivocados  e  que  foram  adotados  pela  sentença 

Reforma necessária Danos morais inexistentes Apelo 

da ré provido em parte, desprovido o do autor. (TJ‐

SP,  APL  00041696920088260157,  Relator:  Percival 

Nogueira,  Data  de  Julgamento:  11/04/2013,  6ª 

Câmara de Direito Privado) (negritei) 

A  questão  das  incidências  dos  alimentos  gera  divergência, 

ante a diversidade de entendimentos sobre a própria incidência e 

sobre  a  natureza  de  algumas  verbas  trabalhistas,  todavia, 

predomina  entendimento  de  que  o  desconto  dos  alimentos  não 

pode incidir sobre as verbas indenizatórias e as eventuais. 

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Recurso  Especial.  Alimentos.  Auxílio‐Acidente. 

Auxílio‐Cesta‐Alimentação  E  Vale‐Alimentação. 

Verbas  Indenizatórias.  Exclusão Da Base De Cálculo 

Da  Pensão  Alimentícia.  Precedentes.  Negativa  De 

Prestação  Jurisdicional.  Art.  535  Do  Cpc.  Não 

Ocorrência.  Percentual  Incidente  Sobre  A 

Remuneração.  Revisão.  Impossibilidade.  Súmula Nº 

7/STJ. 1. Os alimentos  incidem sobre verbas pagas 

em  caráter  habitual,  aquelas  incluídas 

permanentemente  no  salário  do  empregado.  A 

verba alimentar incide, portanto, sobre vencimentos, 

salários ou proventos, valores auferidos pelo devedor 

no desempenho de sua função ou de suas atividades 

empregatícias,  decorrentes  dos  rendimentos 

ordinários do devedor. 2. As parcelas denominadas 

auxílio‐acidente,  cesta‐alimentação  e  vale‐

alimentação, que tem natureza indenizatória, estão 

excluídas  do  desconto  para  fins  de  pensão 

alimentícia porquanto verbas transitórias. 3. Não há 

falar  em  negativa  de  prestação  jurisdicional  se  o 

tribunal  de  origem  motiva  adequadamente  sua 

decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação 

do  direito  que  entende  cabível  à  hipótese,  apenas 

não  no  sentido  pretendido  pela  parte.  4.  Rever  as 

conclusões que conduziram à fixação do percentual 

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do  desconto  incidente  no  salário  do  alimentante 

demandaria o reexame de matéria fático‐probatória, 

o  que  é  inviável  em  sede  de  recurso  especial,  nos 

termos  da  Súmula  nº  7  do  Superior  Tribunal  de 

Justiça.  5.  Recurso  especial  parcialmente  provido. 

(STJ  ‐  REsp:  1159408  PB  2009/0197588‐1,  Relator: 

Ministro  RICARDO  VILLAS  BÔAS  CUEVA,  Data  de 

Julgamento:  07/11/2013,  T3  ‐  TERCEIRA  TURMA, 

Data de Publicação: DJe 25/11/2013) (negritei) 

De igual modo, o coeficiente de correção cambial: 

CIVIL.  RECURSO  ESPECIAL.  SERVIDOR  PÚBLICO. 

MISSÃO NO EXTERIOR. COEFICIENTE DE CORREÇÃO 

CAMBIAL.  VERBA  TRANSITÓRIA  E  INDENIZATÓRIA. 

ALIMENTOS.  NÃO  INCIDÊNCIA.  1.  A  parcela 

denominada "coeficiente de correção cambial" não 

integra a base de cálculo de alimentos, cujo valor foi 

estabelecido  levando  em  consideração  as 

necessidades  dos  alimentandos  e  as  possibilidades 

do alimentante no Brasil.  Isso em razão do caráter 

transitório  e  indenizatório  dessa  verba,  conforme 

reconhecido  na  instância  ordinária,  percebida  pelo 

servidor  público  apenas  no  período  em  que 

desempenhou missão no exterior, época em que os 

alimentandos permaneceram residindo no território 

nacional.  2.  Recurso  especial  a  que  se  nega 

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provimento. (STJ ‐ REsp: 1017035 RJ 2007/0300306‐

0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de 

Julgamento: 17/11/2011, T4 ‐ QUARTA TURMA, Data 

de Publicação: DJe 01/02/2012) (negritei) 

O  valor  da  pensão  alimentícia  é  descontado  do  salário  do 

alimentando,  portanto,  em  regra,  somente  deve  incidir  sobre  as 

verbas  de  natureza  salarial,  sendo  que  o  STJ  decidiu  que  há 

desconto de pensão sobre o décimo terceiro salário e sobre o terço 

constitucional  de  férias,  no  julgamento  do  recurso  repetitivo, 

conforme julgados abaixo: 

DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS.

DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO. TERÇO

CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. INCIDÊNCIA.

JULGAMENTO SOB A TÉCNICA DO ART. 543-C

DO CPC.

1. Consolidação da jurisprudência desta Corte

no sentido da incidência da pensão alimentícia

sobre o décimo terceiro salário e o terço

constitucional de férias, também conhecidos,

respectivamente, por gratificação natalina e

gratificação de férias.

2. Julgamento do especial como representativo da

controvérsia, na forma do art. 543-C do CPC e da

Resolução 08/2008 do STJ - Procedimento de

Julgamento de Recursos Repetitivos.

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3. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1106654

/ RJ, Recurso Repetitivo tema 192) (negritei)

Agravo regimental. Recurso especial. Direito de 

família. Alimentos. Base de cálculo. Remuneração do 

alimentante.  Inclusão  da  gratificação  natalina  e  do 

terço de férias. Possibilidade. Inexistência de ressalva 

em cláusula expressa. 

1.  A  Segunda  Seção  desta  Corte  Superior 

consagrou o entendimento, em recurso repetitivo, 

de  que  o  º  salário  (gratificação  natalina)  e  o 

adicional de férias (terço constitucional) integram a 

base  de  cálculo  da  pensão  alimentícia,  desde  que 

não haja pactuação em sentido inverso. É que tais 

estipêndios  integram  a  remuneração  do  genitor, 

sendo abarcados pelo conceito de "renda líquida". 

2. Agravo regimental a que se nega provimento. 

(STJ ‐ AgRg no REsp 1152681 MG 2009/0157427‐0 ‐ 

Publicação: DJe 01/09/2010) (negritei)  

Durante  muito  tempo  a  jurisprudência  entendeu  que  as 

horas  extras não deviam  ingressar na base de  calculo da pensão 

alimentícia,  devido  ao  seu  caráter  eventual,  contudo,  o  Superior 

Tribunal  de  Justiça,  através  de  sua  quarta  turma,  decidiu  que 

independentemente  da  habitualidade,  as  horas  extras  devem 

compor a base de cálculo da pensão alimentícia. 

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Direito de Família. Alimentos. Base de Cálculo.

Percentual Fixado sobre os Rendimentos líquidos do

devedor. Horas Extras. Incidência.

1. O valor recebido pelo alimentante a título de

horas extras, mesmo que não habituais, embora

não ostente caráter salarial para efeitos de

apuração de outros benefícios trabalhistas, é verba

de natureza remuneratória e integra a base de

cálculo para a incidência dos alimentos fixados em

percentual sobre os rendimentos líquidos do

devedor.

2. Recurso não provido. (STJ - REsp 1098585 /

SP - QUARTA TURMA, Data: 25/06/2013) (negritei)

Na  jurisprudência,  há  divergência  sobre  a  incidência  dos 

alimentos sobre o adicional noturno: 

Ementa:  ALIMENTOS  ‐  Possibilidade  de 

incidência  sobre horas  extras,  adicional  noturno e 

férias.  Todavia,  descabimento  sobre  o  terço 

constitucional  de  férias.  Sentença  de  procedência. 

Recurso provido em parte para, por maioria de votos, 

para  excluir  a  incidência  dos  alimentos  ao  terço 

constitucional  de  férias.  (TJ‐SP  ‐  0004884‐

56.2008.8.26.0337  ‐  Data  do  julgamento: 

22/09/2010) (negritei) 

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Ementa: *02714506* Voto n.° 11.900 Revisional de

alimentos.  Fixação  da  pensão  em  meio  salário

mínimo  se  apresenta  adequada  às  circunstâncias

fáticas. Salário base do alimentante não é expressivo.

Horas  extras  e  adicional  noturno  não  integram  a

base  de  cálculo  para  efeitos  de  alimentos,  pois

configuram  verbas  personalíssimas.  Binômio

necessidade/possibilidade  observado.  Apelo

desprovido.  (TJ‐SP  ‐  0336143‐03.2009.8.26.0000  ‐

Data do julgamento: 26/11/2009) (negritei) 

Todavia, a fim de buscar uma solução razoável sobre a incidência

do  adicional  noturno,  parece  acertada  o  posicionamento  e  a

fundamentação  do  eminente  Desembargador  Rui  Portanova  sobre  o

tema,  de  modo  que  as  incidências  devem  vir  expressas,  pois  vige  o

principio da autonomia privada, e na ausência de menção, não há razão

para se excluir os adicionais noturno e de insalubridade, por não ser um

benefício próprio do alimentante. 

Ementa:  Apelação.  Revisional  de  alimentos.  13º

Salário  e  adicional  de  férias.  Adicional  de

insalubridade  e  noturno.  Participação  nos  lucros.  A

incidência de pensão alimentícia sobre o 13º salário

e adicional de férias deve vir expressa no termo onde

acordados  ou  fixados  os  alimentos.  Na  omissão,

entende‐se como não  incidente sobre estas verbas.

Por outro lado, não há razão para excluir da base de

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cálculo dos alimentos os adicionais de insalubridade

e noturno, bem como a participação nos  lucros da

empresa. Tais parcelas fazem parte da remuneração

do alimentante e não constituem um plus em seu

benefício próprio. Agravo parcialmente provido. Em 

monocrática.  (Agravo  de  Instrumento  Nº

70018672063,  Oitava  Câmara  Cível,  Tribunal  de

Justiça  do  RS,  Relator:  Rui  Portanova,  Julgado  em

15/02/2007) (negritei) 

Em relação à participação nos lucros, também há divergência 

jurisprudencial sobre sua incidência para definição dos alimentos, 

porém, há julgados no STJ que admitem a incidência. Vale conferir: 

Civil.  Família.  Ação  revisional  de  alimentos. 

Sentença.  Pensão  alimentícia  fixada  em  um  salário 

mínimo. Alteração do valor dos alimentos para 15% 

dos  rendimentos  do  alimentante.  Manutenção  do 

percentual.  Binômio  necessidade‐possibilidade  (cc, 

art. 1.694, § 1º). Pedido de exclusão de incidência dos 

alimentos sobre participação nos lucros da empresa. 

Possibilidade.  Verba  de  caráter  eventual  não 

integrante do salário. Recurso parcialmente provido. 

O  critério  de  fixação  dos  alimentos  provisionais, 

provisórios  ou  definitivos  está  previsto  no  artigo 

1.694, § 1º, do Código Civil, cuja ordem é para que se 

observem  as  necessidades  dos  reclamantes  e  os 

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recursos  econômico‐financeiros  do  reclamado, 

visando a uma mais justa fixação da verba alimentar, 

devendo  o  juiz  estar  atento  para  não  fixá‐la  em 

quantia  irrisória,  inadequada  ao  suprimento  das 

necessidades  vitais  do  alimentando,  nem  em  valor 

apto a  levar o  alimentante à  insolvência. A pensão 

alimentícia não pode incidir sobre participação nos 

lucros da empresa, por constituir verba de caráter 

eventual,  decorrente  do  exclusivo  esforço  pessoal 

do alimentante. (TJ‐SC ‐ AC: 554786 SC 2007.055478‐

6,  Relator:  Luiz  Carlos  Freyesleben,  Data  de 

Julgamento: 19/05/2011, Segunda Câmara de Direito 

Civil,  Data  de  Publicação:  Apelação  Cível  n.  ,  de 

Joinville) (negritei) 

Em sentido contrário, o STJ julgou: 

Embargos  de  declaração  em  agravo  de 

instrumento  –  expediente  manejado  com  nítido  e 

exclusivo  intuito  infringencial  –  recebimento  do 

reclamo  como  agravo  regimental  ‐  pensão 

alimentícia  –  alimentante  beneficiário  de 

gratificação  a  título  de  participação  nos  lucros  de 

sociedade  empresária  ‐  evidente  caráter 

remuneratório da verba ‐ correta incidência na base 

de  cálculo  da  pensão  alimentícia  ‐  recurso  não 

provido. (STJ ‐ EDcl no Ag: 1214097 RJ 2009/0092121‐

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9,  Relator:  Ministro  MARCO  BUZZI,  Data  de 

Julgamento: 08/11/2011, T4 ‐ QUARTA TURMA, Data 

de Publicação: DJe 21/11/2011) (negritei) 

No  tocante  ao  Fundo  de  Garantia  por  Tempo  de  Serviço 

(FGTS), o STJ fixou entendimento de que é possível a sua inclusão 

na base de cálculo da pensão alimentícia, guiando a jurisprudência 

dos Tribunais de Justiça neste sentido: 

Apelação cível. Família. Homologação de acordo 

extrajudicial.  Alvará  para  pagamento  da  pensão 

alimentícia em atraso. Saque do FGTS. Considerando 

a natureza alimentar da dívida, tanto no âmbito do 

STJ,  quanto  no  âmbito  desta  Corte,  encontra‐se 

assentado  o  entendimento  de  que  é  possível  a 

movimentação  de  conta  vinculada  de  trabalhador 

no  FGTS,  além  das  hipóteses  arroladas  nas 

disposições do art.   da Lei nº  . / , também 

para  fins  de  garantia  e  satisfação  de  dívida  de 

alimentos.  Recurso  Provido.  (TJ‐RS  ‐  AC: 

70065629495  RS  ,  Relator:  Liselena  Schifino  Robles 

Ribeiro,  Data  de  Julgamento:  16/07/2015,  Sétima 

Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do 

dia 21/07/2015) (negritei) 

Tem  sido  comum  o  saque  do  FGTS  para  o  pagamento  de 

dívida alimentar em processo de execução, após o esgotamento de 

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outras  possibilidades  executivas,  conforme  mostra  o  seguinte 

julgado: 

Mandado de segurança. Execução de alimentos. 

Bens não localizados. Verba depositada a título de PIS 

(programa  de  integração  social).  Penhora. 

Possibilidade.  Princípios  constitucionais  superiores. 

Dignidade  da  pessoa  humana.  Proporcionalidade. 

Absoluta  prioridade  da  criança  e  do  adolescente. 

Precedentes.  Ordem  denegada.  A  penhora  de 

recursos do Programa de Integração Social  ‐ PIS (e 

do FGTS), em regra, não é admitida. Entretanto, no 

caso  de  inadimplemento  de  pensão  alimentícia, 

quando esgotadas as possibilidades de satisfação da 

dívida, pode ser realizada. A prestação de alimentos 

possui  tamanha  prioridade  em  nosso  sistema 

constitucional que é a única hipótese de restrição da 

liberdade de ordem civil, por meio da prisão. Se até 

mesmo  a  liberdade  é  tolhida,  não  há  patrimônio 

intangível.  (TJ‐SC  ‐ MS:  272636  SC  2011.027263‐6, 

Relator:  Victor  Ferreira,  Data  de  Julgamento: 

04/08/2011, Quarta Câmara de Direito Civil, Data de 

Publicação: Mandado de Segurança n.  ,  de Garuva) 

(negritei) 

Ademais, entende o STJ que a competência para autorizar o 

saque é da Justiça Estadual (e não da Justiça Federal), embora haja 

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julgado  em  sentido  contrário,  a  jurisprudência  dos  Estados  tem 

seguido esta linha conforme aduz o presente julgado: 

Competência.  FGTS.  Pensão  alimentícia  devida 

pelo titular da conta ‐ Alvará de levantamento. I ‐ É 

da  competência da  justiça estadual  expedir  alvará 

de  levantamento  de  valores  relativos  ao  FGTS, 

devidos  pelo  titular  da  conta  em  decorrência  de 

pensão alimentícia estipulada por decisão judicial. II 

‐ Conflito de que se conhece, a fim de declarar‐se a 

competência da justiça estadual. (STJ ‐ CC: 19283 BA 

1997/0010083‐9,  Relator:  Ministro  ANTÔNIO  DE 

PÁDUA RIBEIRO, Data de Julgamento: 28/05/1997, S1 

‐  PRIMEIRA  SEÇÃO,  Data  de  Publicação:  DJ 

23/06/1997 p. 29035) (negritei) 

Na mesma esteira, se estende o entendimento ao PIS: 

Processual civil. Recurso ordinário em mandado 

de segurança. Alvará de levantamento de valores de 

conta  vinculada  ao PIS.  Titularidade de devedor  de 

pensão  alimentícia.  Ausência  de  teratologia  e 

ilegalidade. Recurso desprovido. 1. A jurisprudência 

do Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à 

possibilidade  de  a  Justiça  estadual  autorizar  o 

levantamento  de  valores  de  conta  vinculada  ao 

FGTS para o pagamento de obrigação alimentar do 

titular, daí decorrendo, por  imperativo  lógico, que 

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também o é para expedir alvará de levantamento de 

conta  vinculada  ao  PIS  2.  Recurso  ordinário 

desprovido.  (STJ  ‐  RMS:  36105  SP 2011/0232202‐3, 

Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data 

de Julgamento: 14/05/2013, T3 ‐ TERCEIRA TURMA, 

Data de Publicação: DJe 24/05/2013) (negritei) 

Por  fim,  não  integram  a  base  de  cálculo  da  pensão 

alimentícia  as  verbas  indenizatórias,  tais  como,  ajuda  de  custo, 

diárias, auxílio‐acidente, cesta‐alimentação e vale‐alimentação, etc. 

Nesse sentido, definiu o STJ: 

Recurso  especial.  Alimentos.  Auxílio‐acidente. 

Auxílio‐cesta‐alimentação  e  vale‐alimentação. 

Verbas  indenizatórias. Exclusão da base de cálculo 

da  pensão  alimentícia.  Precedentes.  Negativa  de 

prestação  jurisdicional.  Art.  535  do  cpc.  Não 

ocorrência.  Percentual  incidente  sobre  a 

remuneração.  Revisão.  Impossibilidade.  Súmula  nº 

7/STJ.  1.  Os  alimentos  incidem  sobre  verbas  pagas 

em  caráter  habitual,  aquelas  incluídas 

permanentemente no salário do empregado. A verba 

alimentar  incide,  portanto,  sobre  vencimentos, 

salários ou proventos, valores auferidos pelo devedor 

no desempenho de sua função ou de suas atividades 

empregatícias,  decorrentes  dos  rendimentos 

ordinários do devedor.  . As parcelas denominadas 

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auxílio‐acidente,  cesta‐alimentação  e  vale‐

alimentação, que tem natureza indenizatória, estão 

excluídas  do  desconto  para  fins  de  pensão 

alimentícia porquanto verbas transitórias. 3. Não há 

falar  em  negativa  de  prestação  jurisdicional  se  o 

tribunal  de  origem  motiva  adequadamente  sua 

decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação 

do  direito  que  entende  cabível  à  hipótese,  apenas 

não  no  sentido  pretendido  pela  parte.  4.  Rever  as 

conclusões que conduziram à fixação do percentual 

do  desconto  incidente  no  salário  do  alimentante 

demandaria o reexame de matéria fático‐probatória, 

o  que  é  inviável  em  sede  de  recurso  especial,  nos 

termos  da  Súmula  nº  7  do  Superior  Tribunal  de 

Justiça.  5.  Recurso  especial  parcialmente  provido. 

(STJ  ‐  REsp:  1159408  PB  2009/0197588‐1,  Relator: 

Ministro  RICARDO  VILLAS  BÔAS  CUEVA,  Data  de 

Julgamento:  07/11/2013,  T3  ‐  TERCEIRA  TURMA, 

Data de Publicação: DJe 25/11/2013) (negritei) 

Nesta  linha,  as  férias  indenizadas  também não  integram a 

base de cálculo da pensão alimentícia, conforme julgado abaixo: 

Ementa:  APELAÇÃO  CÍVEL  ‐  Revisional  de 

Alimentos ‐ Pedido de redução da verba alimentar ‐ 

Alegação do apelante de aumento de suas despesas 

com  a  constituição  de  nova  família  ‐  Pretensão  de 

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não  incidência  da  verba  alimentar  sobre  as  horas 

extras, visto que não previstas no acordo entabulado 

entre  as  partes‐  Pretensão  de  afastamento  da 

incidência  da  pensão  sobre  13°  salário  e  férias 

gozadas‐  Acolhimento  parcial  ‐  Não  demonstrada 

mudança  na  situação  financeira  do  apelante  que 

justifique  a  pretendida  redução  dos  alimentos  ‐ 

Incidência dos alimentos  sobre o 13º  salário, horas 

extras  habituais  e  1/3  pago  sobre  as  férias  ‐  Não 

incidência sobre horas extras não habituais e férias 

indenizadas ‐ Recurso parcialmente provido. (TJ‐SP ‐ 

0299533‐36.2009.8.26.0000  ‐  Data  do  julgamento: 

03/08/2010) (negritei) 

Conclusão 

Os alimentos constituem direito humano fundamental, por 

se tratar de condição indispensável para o desenvolvimento sadio 

e completo das crianças e adolescentes e para manutenção da vida 

daquele que não consegue prover a própria subsistência. Assim, são 

os  pais  responsáveis  pelos  alimentos  aos  filhos  menores  e 

incapazes,  sendo  presumida  a  necessidade  de  alimentos  para  as 

crianças e adolescentes. 

Os alimentos podem ser pagos in natura ou mediante pensão 

alimentícia,  sendo  que  as  partes,  em  observância  a  autonomia 

privada, podem convencionar o valor da pensão e as condições de 

pagamento,  hipótese  que  tem  se mostrado melhor,  por  resolver 

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amigavelmente,  preservando‐se  os  vínculos  familiares,  e  sem  o 

desgaste de um processo judicial. 

Contudo,  quando  as  partes  não  conseguem  entabular  um 

acordo sobre a pensão, deve‐se recorrer ao juiz que o fará à luz do 

Código  Civil  e  da  Lei  5478/68,  munindo‐se  do  auxílio  da 

jurisprudência. 

A  lei  impõe  que  os  alimentos  sejam  fixados  segundo  o 

binômio necessidade‐possibilidade, modernamente, tem se falado 

no trinômio necessidade‐possibilidade‐proporcionalidade. Como se 

percebe,  são  balizas  amplas,  ficando  a  cargo  da  jurisprudência  a 

especificação das verbas que devem compor a base de cálculo da 

pensão alimentícia, diante da falta de acordo entre as partes. 

Entretanto, é possível encontrar muita divergência sobre a 

composição da base de cálculo da pensão alimentícia. Apenas, há 

certo  consenso de que a pensão deve  incidir  sobre  as  verbas de 

natureza salarial, com exclusão das verbas indenizatórias, restando, 

ainda, um pouco de dúvidas sobre as verbas eventuais. 

A jurisprudência também destaca a boa prática de se fixar os 

alimentos tanto nas hipóteses de trabalho forma, quanto no caso 

de desemprego ou trabalho informal, a fim de se evitar que a cada 

alteração na situação laboral do devedor, as partes tenham que se 

socorrer do Poder Judiciário. 

Assim, em caso de emprego formal os alimentos devem ser 

fixados  em  porcentagem  dos  rendimentos  líquidos  (valor  bruto 

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menos  os  descontos  legais),  e  em  caso  de  emprego  informal  ou 

desemprego os alimentos são fixados sobre o salário mínimo. 

O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento sobre 

a incidência da pensão alimentícia sobre o décimo terceiro salário 

e sobre o terço constitucional de férias. Também, modernamente, 

admitiu a penhora do FGTS para pagamento de dívida alimentar. 

Ainda, há um longo caminho para se pacificar quais verbas 

compõem  a  base  de  cálculo  da  pensão  alimentícia.  Logo,  é 

importante sempre consultar as fontes legislativas e doutrinárias do 

direito do trabalho, para identificar a natureza de cada verba, a fim 

de verificar se está compreendida no salário ou se é indenizatória, 

embora, nem sempre a jurisprudência siga fielmente esta linha de 

raciocínio.  

Deste  modo,  é  sempre  recomendável  buscar  a  resolução 

amigável, pois na impossibilidade do consenso abrir‐se‐á um longo 

caminho para se discutir e definir a  justa composição da base de 

cálculo da pensão alimentícia. 

Referências Bibliográficas: 

AMARAL  NETO,  Francisco  dos  Santos.  Autonomia  privada. 

Portal  do  Conselho  da  Justiça  Federal.  Disponível 

em:<http://daleth.cjf.jus.br/revista/numero9/artigo5.htm>. 

Acesso em: 13 ago 2015. 

CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito do trabalho: direito individual 

e direito coletivo do trabalho. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2009. 

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FARIAS,  Cristiano  Chaves  de;  ROSENVALD,  Nelson.  Direito  das 

famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 

Notas:  

[1] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito

das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 587-588.

[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 4.

ed. São Paulo: Ltr, 2005, p. 681 apud CAIRO JÚNIOR, José. Curso de

direito do trabalho: direito individual e direito coletivo do trabalho. 4.

ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 308.

[3] CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito do trabalho: direito

individual e direito coletivo do trabalho. 4. ed. Salvador: Juspodivm,

2009, p. 327.

[4] CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito do trabalho: direito

individual e direito coletivo do trabalho. 4. ed. Salvador: Juspodivm,

2009, p. 342.

[5] AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Autonomia privada.

Portal do Conselho da Justiça Federal. Disponível

em:<http://daleth.cjf.jus.br/revista/numero9/artigo5.htm>. Acesso em: 13

ago 2015.

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PONDERAÇÕES À POLÍTICA NACIONAL DE CULTURA VIVA: BREVES COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.018/2014

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: O objetivo do presente está assentado na análise da Política

Nacional de Cultura Viva, introduzida no ordenamento jurídico por meio

da Lei nº 13.018/2014. Cuida salientar que o meio ambiente cultural é

constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico,

espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características

de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura

identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e

clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e

toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura

brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos

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colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio

ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é

algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e

imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos

distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de

patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e

imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por

sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu

excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela Jurídica. Cultura Viva.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção

teórica do Direito Ambiental; 2 Comentários à concepção de Meio

Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 4 Ponderações à Política Nacional de Cultura Viva: Breves

Comentários à Lei nº 13.018/2014.

1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica do

Direito Ambiental

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado

em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um

conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as

robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada

nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua

estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso

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salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em

preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-

se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a

aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante

pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o

brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade,

está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza

solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência,

já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e

institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total

descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio,

cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada,

afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que

o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”),

bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da

coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço

axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando

se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos

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anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto

proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento

de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é

contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força,

o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que

apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a

aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a

concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via

de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais

da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta

doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do

valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir

de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o

ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta

tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço

normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,

flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do

conteúdo das leis, diante das situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda

mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que

derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação

ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de

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novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um

manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa

técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito

que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse

dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as

peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências

biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina,

alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais

envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos

fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos

conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de

permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas,

primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a

figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um

elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira

dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de

solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação

com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio

ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado

com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e

solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da

Carta Política de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como

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os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º -

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I -

construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6].

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos

direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar

a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica

fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como

ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento

do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos

de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que

materializam poderes de titularidade coletiva

atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos

os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o

princípio da solidariedade e constituem, por isso

mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta

geração (como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no processo de

expansão e reconhecimento dos direitos humanos,

qualificados estes, enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de

uma natureza essencialmente inexaurível[7].

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Quadra anotar que os direitos alocados sob a rubrica de direito

de terceira dimensão encontram como assento primordial a visão da

espécie humana na condição de coletividade, superando, via de

consequência, a tradicional visão que está pautada no ser humano em sua

individualidade. Assim, a preocupação identificada está alicerçada em

direitos que são coletivos, cujas influências afetam a todos, de maneira

indiscriminada. Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo,

num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos

de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira

dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, positivado na Constituição de 1988, emerge com um claro e

tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização

dos direitos fundamentais.

2 Comentários à concepção de Meio Ambiente

Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-

doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de

agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências,

salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições,

leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga

e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover

uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que

o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos,

provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais

e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

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apresentados por José Afonso da Silva, considera-se meio-ambiente como

“a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que

propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”[10].

Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da

acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se

assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete

das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível

colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical

relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de

imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao

apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou,

com bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de cada

indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição,

é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós

sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente

geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes

nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com

o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da

Constituição, tecnicamente, que não pode haver

desenvolvimento senão com o meio ambiente

ecologicamente equilibrado. A geminação do

conceito me parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal[12].

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É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio

ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato

decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores

foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais

premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão,

insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao

meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o

advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as

normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas

constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à

proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o

caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo

a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da

ramificação ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo

artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de

direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o

emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou

estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação

e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui,

extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado,

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apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:

A preocupação com o meio ambiente - que hoje

transcende o plano das presentes gerações, para

também atuar em favor das gerações futuras (...) tem

constituído, por isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas, que,

ultrapassando a província meramente doméstica do

direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se

no plano das declarações internacionais, que refletem,

em sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse direito

fundamental que assiste a toda a Humanidade[15].

O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da

Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente

geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os

recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a

premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à

liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima

de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito

transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que

o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de

que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser

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imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas

instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se

impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações,

incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em

si mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga mones, sendo,

portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou

jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia

mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste

a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a

poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade,

pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de

titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido,

não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais

amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225

da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está

vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das

reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se,

ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o

meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-

se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se

tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o

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sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas

as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que

impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os

elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva

de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no

sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente

permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente,

trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando

progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo,

que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação.

Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios

Quadra salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor

histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero,

turístico, científico, refletindo as características de uma determinada

sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente

influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre

homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua

atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura

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brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos

colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do

patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência

da própria sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto

complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato,

fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de

referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores

da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis,

existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua

vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17].

Quadra anotar que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural

compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza;

preciosidades do passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural

em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata.

Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto

classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim,

é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos,

as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de

ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os

exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam,

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são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em

comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado

pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N°

115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural.

Destruição de dunas em sítios arqueológicos.

Responsabilidade civil. Indenização. O autor da

destruição de dunas que encobriam sítios

arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos

causados ao meio ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural

(jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase

Vieira). Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp

115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/

Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da

Justiça em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato,

chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado

no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma

maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais,

os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada

identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o

entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região,

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quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou

entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial

e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio

cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção,

abstratamente o meio-ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é

constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu

ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e

dos acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui

o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio

cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos

bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta

Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio

cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o

entendimento firmado por Celso Fiorillo[22], que os bens que constituem

o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história

de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus

valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a

cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade.

Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja

artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural

que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em

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decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se

encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada

pela atenção à diversidade e à criatividade humana.

4 Ponderações à Política Nacional de Cultura Viva: Breves

Comentários à Lei nº 13.018/2014

Em consonância com a Política Nacional de Cultura Viva, a

legislação em comento tem como base a parceria da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios com a sociedade civil no campo da

cultura, com o objetivo de ampliar o acesso da população brasileira às

condições de exercício dos direitos culturais. São objetivos da Política

Nacional de Cultura Viva: (i) garantir o pleno exercício dos direitos

culturais aos cidadãos brasileiros, dispondo-lhes os meios e insumos

necessários para produzir, registrar, gerir e difundir iniciativas culturais; (ii)

estimular o protagonismo social na elaboração e na gestão das políticas

públicas da cultura; (iii) promover uma gestão pública compartilhada e

participativa, amparada em mecanismos democráticos de diálogo com a

sociedade civil; (iv) consolidar os princípios da participação social nas

políticas culturais; (v) garantir o respeito à cultura como direito de

cidadania e à diversidade cultural como expressão simbólica e como

atividade econômica; (vi) estimular iniciativas culturais já existentes, por

meio de apoio e fomento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios; (vii) promover o acesso aos meios de fruição, produção e

difusão cultural; (viii) potencializar iniciativas culturais, visando à

construção de novos valores de cooperação e solidariedade, e ampliar

instrumentos de educação com educação; (ix) estimular a exploração, o uso

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e a apropriação dos códigos, linguagens artísticas e espaços públicos e

privados disponibilizados para a ação cultural.

A Política Nacional de Cultura Viva tem como beneficiária a

sociedade e prioritariamente os povos, grupos, comunidades e populações

em situação de vulnerabilidade social e com reduzido acesso aos meios de

produção, registro, fruição e difusão cultural, que requeiram maior

reconhecimento de seus direitos humanos, sociais e culturais ou no caso em

que estiver caracterizada ameaça a sua identidade cultural. A Política

Nacional de Cultura Viva compreende os seguintes instrumentos: (i) pontos

de cultura: entidades jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, grupos

ou coletivos sem constituição jurídica, de natureza ou finalidade cultural,

que desenvolvam e articulem atividades culturais em suas

comunidades; (ii) pontões de cultura: entidades com constituição jurídica,

de natureza/finalidade cultural e/ou educativa, que desenvolvam,

acompanhem e articulem atividades culturais, em parceria com as redes

regionais, identitárias e temáticas de pontos de cultura e outras redes

temáticas, que se destinam à mobilização, à troca de experiências, ao

desenvolvimento de ações conjuntas com governos locais e à articulação

entre os diferentes pontos de cultura que poderão se agrupar em nível

estadual e/ou regional ou por áreas temáticas de interesse comum, visando

à capacitação, ao mapeamento e a ações conjuntas; (iii) Cadastro Nacional

de Pontos e Pontões de Cultura: integrado pelos grupos, coletivos e pessoas

jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que desenvolvam ações

culturais e que possuam certificação simplificada concedida pelo

Ministério da Cultura.

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Os pontos e pontões de cultura constituem elos entre a sociedade

e o Estado, com o objetivo de desenvolver ações culturais sustentadas pelos

princípios da autonomia, do protagonismo e da capacitação social das

comunidades locais. As entidades juridicamente constituídas serão

beneficiárias de premiação de iniciativas culturais ou de modalidade

específica de transferência de recursos prevista nos arts. 8o e 9o da Lei em

comento. Os pontos e pontões de cultura poderão estabelecer parceria e

intercâmbio com as escolas e instituições da rede de educação básica, do

ensino fundamental, médio e superior, do ensino técnico e com entidades

de pesquisa e extensão. A certificação simplificada prevista no inciso III do

artigo 4º da PNCV deverá considerar a identificação das entidades e seu

histórico nas áreas de cultura, educação e cidadania, conforme

regulamentação do Ministério da Cultura. Para recebimento de recursos

públicos, os pontos e pontões de cultura serão selecionados por edital

público.

Visando ao desenvolvimento de políticas públicas integradas e à

promoção da interculturalidade, são ações estruturantes da Política

Nacional de Cultura Viva: (i) intercâmbio e residências artístico-

culturais; (ii) cultura, comunicação e mídia livre; (iii) cultura e

educação; (iv) cultura e saúde; (v) conhecimentos tradicionais; (vi) cultura

digital; (vii) cultura e direitos humanos; (viii) economia criativa e

solidária; (ix) livro, leitura e literatura; (x) memória e patrimônio

cultural; (xi) cultura e meio ambiente; (xii) cultura e juventude; (xiii)

cultura, infância e adolescência; (xiv) agente cultura viva; (xv) cultura

circense; (xvi) outras ações que vierem a ser definidas em regulamentação

pelo órgão gestor da Política Nacional de Cultura Viva. Para fins da Política

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Nacional de Cultura Viva, consideram-se objetivos dos pontos de

cultura: a) potencializar iniciativas culturais já desenvolvidas por

comunidades, grupos e redes de colaboração; b) promover, ampliar e

garantir a criação e a produção artística e cultural; c) incentivar a

preservação da cultura brasileira; d) estimular a exploração de espaços

públicos e privados que possam ser disponibilizados para a ação cultural; e)

aumentar a visibilidade das diversas iniciativas culturais; f) promover a

diversidade cultural brasileira, garantindo diálogos interculturais; g)

garantir acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural; h)

assegurar a inclusão cultural da população idosa; i) contribuir para o

fortalecimento da autonomia social das comunidades; j) promover o

intercâmbio entre diferentes segmentos da comunidade; k) estimular a

articulação das redes sociais e culturais e dessas com a educação; l) adotar

princípios de gestão compartilhada entre atores culturais não

governamentais e o Estado; m) fomentar as economias solidária e

criativa; n) proteger o patrimônio cultural material e imaterial; o) apoiar e

incentivar manifestações culturais populares.

Para fins da Política Nacional de Cultura Viva, consideram-se

objetivos dos pontões de cultura: a) promover a articulação entre os pontos

de cultura; b) formar redes de capacitação e de mobilização; c) desenvolver

programação integrada entre pontos de cultura por região; d) desenvolver,

acompanhar e articular atividades culturais em parceria com as redes

temáticas de cidadania e de diversidade cultural e/ou com os pontos de

cultura; e) atuar em regiões com pouca densidade de pontos de cultura para

reconhecimento do trabalho desenvolvido pelos grupos e instituições

locais; f) realizar, de forma participativa, levantamento de informações

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sobre equipamentos, produtos e serviços culturais locais, para dinamizar

atuação integrada com os circuitos culturais que os pontos de cultura

mobilizam. Para fins da Política Nacional de Cultura Viva, serão

reconhecidos como pontos e pontões de cultura os grupos e entidades que

priorizem: (i) promoção de cidadania e de uma cultura de paz por

intermédio de ações culturais nas comunidades locais; (ii) valorização da

diversidade cultural e regional brasileira; (iii) democratização das ações e

bens culturais; (iv) fortalecimento de experiências culturais desenvolvidas

por agentes e movimentos socioculturais que dialoguem com a comunidade

local; (v) reconhecimento dos saberes, dos fazeres, dos cultivos e dos

modos de vida das populações indígenas e das comunidades rurais,

tradicionais, quilombolas e itinerantes; (vi) valorização da infância,

adolescência e juventude por meio da cultura; (vii) incorporação dos jovens

ao mundo do trabalho cultural; (viii) inclusão cultural da população idosa

por meio da promoção do acesso desse grupo às manifestações de cultura,

da oferta de oportunidades para a sua participação ativa nas diversas formas

de manifestação artística e do estímulo ao convívio social em ambientes

culturais; (ix) capacitação e formação continuada dos trabalhadores da

cultura; (x) promoção de programas de capacitação e qualificação do acesso

às tecnologias da informação para a produção e difusão culturais; (xi)

fomento à criação de estruturas locais e assessorias técnicas para

capacitação, planejamento e gestão dos pontos de cultura.

O reconhecimento dos grupos, coletivos e núcleos sociais

comunitários como pontos de cultura para efeitos desta Lei será efetuado

após seleção pública, prévia e amplamente divulgada, executada por meio

de edital da União, de Estado, de Município ou do Distrito Federal. Para

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realizar a avaliação e a seleção dos inscritos nos editais, será composta

comissão julgadora paritária com membros do Poder Executivo e da

sociedade civil, a ser designada pelo órgão competente do Ministério da

Cultura, no caso da União. Os pontos e pontões de cultura selecionados

terão projetos aprovados por, no mínimo, 12 (doze) meses e, no máximo, 3

(três) anos, renováveis mediante avaliação pelo órgão gestor das metas e

resultados, e as normas concernentes à prestação de contas que serão

definidas em regulamento pelo órgão executor da Política Nacional de

Cultura Viva e que terão relação com o plano de trabalho de cada

entidade. É vedada a habilitação como pontos e pontões de cultura de

pessoas físicas, instituições com fins lucrativos, fundações e institutos

criados ou mantidos por empresas, grupos de empresas ou serviços sociais,

exceto para a hipótese prevista no § 2o do art. 4o. A Política Nacional de

Cultura Viva é de responsabilidade do Ministério da Cultura, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios integrantes do Sistema Nacional de

Cultura. Nos casos de inexistência dos fundos de cultura estaduais e

municipais, o repasse será efetivado por estrutura definida pelo órgão

gestor de cultura em cada esfera de governo. O Ministério da Cultura

disporá sobre os critérios gerais de distribuição e destinação dos recursos,

com atenção especial aos custos diferenciados das regiões do País, e os

procedimentos operacionais para elaboração e divulgação das prestações de

contas, que serão simplificadas e essencialmente fundamentadas nos

resultados previstos nos editais. Poderão ser beneficiadas entidades

integrantes do Cadastro Nacional de Pontos e Pontões de Cultura, nos

termos dos planos de trabalho por elas apresentados, que se enquadrem nos

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critérios gerais de distribuição e destinação dos recursos de que trata o §

2o do artigo 8º da Política Nacional de Cultura Viva.

A União, por meio do Ministério da Cultura e dos entes

federados parceiros, é autorizada a transferir de forma direta os recursos às

entidades culturais integrantes do Cadastro Nacional de Pontos e Pontões

de Cultura, com a finalidade de prestar apoio financeiro à execução das

ações da Política Nacional de Cultura Viva. A transferência dos recursos

de que trata o caput do artigo 9º da Política Nacional de Cultura Viva ficará

condicionada ao cumprimento de Termo de Compromisso Cultural, que

deverá conter a identificação e a delimitação das ações a serem financiadas,

as metas, o cronograma de execução físico-financeira e a previsão de início

e término da execução das ações ou das fases programadas. No caso da

transferência de recursos de que trata o caput, os recursos financeiros serão

liberados mediante depósito em contas correntes específicas abertas e

mantidas exclusivamente para este fim. Sem prejuízo da fiscalização de

competência dos órgãos de controle interno e externo, o Ministério da

Cultura regulamentará as regras de cumprimento do Termo de

Compromisso Cultural de que trata este artigo e de prestação de contas

simplificada conforme estabelecido no § 2o do art. 8o da Política Nacional

de Cultura Viva.

Referência:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São

Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa

do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

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__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza

a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

__________. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Disponível

em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência

ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-

ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968. Disponível em:

<http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito

Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen

Juris, 2011.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental

Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed. São

Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas

Gerais. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio

de Janeiro: Editora Impetus, 2004.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Sul. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 22 jul.

2015.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito

Constitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e

Proteção do Ambiente. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo

Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador:

Editora JusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito

Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível

em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito

Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível

em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 22 jul. 2015, s.p.

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[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de

Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço

Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978.

Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço

Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput,

inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos

Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização.

Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição

conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se

configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às

atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal

Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ag. 2009.

Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

[3] VERDAN, 2009, s.p.

[4] BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência

ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-

ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em:

<http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

[5] MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio

de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

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[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

[7] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta

de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre

aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma

Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos

de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente

- Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa

qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira

geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da

solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) -

Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural -

Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada -

Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que

institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro

Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual.

São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

[9] BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

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formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

[10] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.

[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental

Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p.

77.

[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto Chico

Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da Associação

Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe de Âmbito

Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da Constituição. Não emissão

de parecer pela Comissão Mista Parlamentar. Inconstitucionalidade dos

artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002

do Congresso Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade

(Art. 27 da Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08 mar.

2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

[13] THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo

Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador:

Editora JusPodivm, 2012, p. 116.

[14] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 jul. 2015: “Art. 225. Todos

têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

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comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações”.

[15] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre

aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma

Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos

de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente

- Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa

qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira

geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da

solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) -

Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural -

Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada -

Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que

institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro

Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

[16] BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos bens

culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia

Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006. Disponível em:

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<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 22 jul. 2015, p. 15-

16.

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed.

São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

[18] BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Acórdão

proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito da

propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome. Anulação de

marca. Uso compartilhado de signo mercadológico (ÔMEGA). I –

Expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado,

reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo.

Palavras dotadas dessas características podem inspirar o registro de marcas,

pelas peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a marca

que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega), utilizado pelo povo

helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos povos eslavos no alfabeto

cirílico, utilizado no Império Bizantino desde o século X d.C. O propósito

de sua adoção é, inegavelmente, o de fazer uso da familiaridade do

consumidor com o vocábulo de uso corrente desde a Antiguidade. III – Se

uma marca fraca alcançou alto renome, a ela só se pode assegurar proteção

limitada, despida do jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do

mesmo signo merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro ou,

ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação parcialmente

provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da relação processual,

fazendo constar o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI como

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réu, mantida a improcedência do pedido de invalidação do registro da

marca mista OMEGA (nº 818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de

cozinha), formulado por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma

Especializada. Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

[19] BROLLO, 2006, p. 33.

[20] BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 jul. 2015.

[21] BROLLO, 2006, p. 33.

[22] FIORILLO, 2012, p. 80.

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APELAÇÃO COM CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE 

 

ANA  MARIA  FELIX  DOS  SANTOS: Bacharelando em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais‐ AGES. 

 

RESUMO:  O  presente  trabalho  tem  como  base  buscar  dados  e 

estudos sobre o recurso de apelação no crime previsto pelo Artigo 306 do 

Código de Trânsito Brasileiro (1997) que foi recentemente alterado pela 

Lei 12760/2014, chamada de Lei Seca. Esta alteração veio a atender a um 

clamor social de uma maior segurança no trânsito, tendo em vista que as 

estatísticas  de  acidentes  de  trânsito  demonstravam  uma  escalada 

crescente. A finalidade da Lei Seca é reduzir o número de acidentes que 

tenham  como  causa  a  embriaguez  ao  volante,  uma  vez  que  o  álcool  é 

responsável por muitos desastres no trânsito que ceifam vidas humanas, 

causam  mutilações  de  membros  e  outros  tipos  de  lesões  graves  nas 

pessoas. 

PALAVRAS‐CHAVE: Embriaguez; Lei 12.760/2012; Recurso; crime.  

 

INTRODUÇÃO 

O consumo de bebidas alcoólicas tornou-se hábito pela

sociedade há milhares de anos. Desde os primórdios da história o álcool faz

parte do cotidiano, principalmente em reuniões festivas.

Infelizmente, a falta de bom senso da população que consome

álcool em proporções maiores chegou a uma mistura extremamente

perigosa: álcool e direção. Esta mistura é responsável pela maioria dos

acidentes de trânsito, o que reclamou o surgimento de diplomas legais para

prevenir acidentes e punir quem dirige embriagado.

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Este artigo versa exatamente sobre a embriaguez ao volante e seu

recursos cabível legal, mormente no que se refere à interpretação da

lei 12.760/2012, que alterou o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro,

para conduzi-la a sua real finalidade: punir quem oferece risco à segurança

viária.

Para isso serão tratados aqui os efeitos químicos do álcool no

corpo humano e as implicações na direção de veículo automotor, visando

demonstrar as características apresentadas pelo ébrio e a potencialização do

risco à segurança viária e à população, quando quem ao volante estar

embriagado.

Será exposto, outrossim, o atual cenário legislativo da

embriaguez ao volante, que encontra respaldo no Código de Trânsito

Brasileiro, objetivando explanar seus elementos e destrinchá-los conforme

os princípios constitucionais.

Por fim, após realizadas as colocações acerca do crime de perigo

e dos princípios constitucionais envolvidos, será solucionada a questão e

provida a embriaguez ao volante como crime de perigo concreto.

2. O CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

A redação promovida pela destacada Lei Federal nº 12.760/2012 

ao delito do artigo 306, caput, do CTB, assim dispõe: 

“Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada 

em razão da  influência de álcool ou de outra substância psicoativa que 

determine dependência:  

Penas ‐ detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou 

proibição  de  se  obter  a  permissão  ou  a  habilitação  para  dirigir  veículo 

automotor”.  

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Sujeitos 

O  sujeito  ativo  pode  ser  qualquer  pessoa,  ainda  que  não  seja 

motorista  habilitado.  Já  como  sujeito  passivo  figura  a  coletividade  em 

primeiro plano (crime vago) e, de modo secundário, a pessoa física que 

eventualmente seja exposta a risco pela conduta. 

Tipo penal objetivo 

O verbo nuclear do tipo conduzir significa dirigir, ou seja, ter sob 

seu controle direto os aparelhos de velocidade e direção. 

Além disso, pode configurar culpa exclusiva da vítima na hipótese 

de acidente no qual a parte lesionada ou morta se encontrava embriagada 

e provoque o evento (por exemplo no caso de ciclista sob efeito de álcool 

que adentra abruptamente na  via pública  com veículos em movimento 

acarretando o seu atropelamento). 

Para  a  caracterização  do  delito  basta  que  a  capacidade 

psicomotora  do  sujeito  esteja  alterada,  ou  seja,  encontre‐se  fora  da 

normalidade,  e  que  tal  circunstância  seja  decorrente  do  consumo  de 

álcool  ou  de  outra  substância  psicoativa  que  determine  dependência, 

física ou psíquica (MARCÃO, 2013 p. 125). 

Salienta‐se que a substância psicoativa pode ser lícita ou ilícita e, 

portanto,  não  compreende  apenas  as  drogas  proscritas,  elencadas  na 

Portaria nº 344, de 12 de maio de 1998, da Anvisa (Agência Nacional de 

Vigilância Sanitária) e que preenchem as normas penais em branco da Lei 

Antidrogas  (Lei  Federal  nº  11.343/2006),  podendo  abranger 

medicamentos cujo uso seja controlado. 

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Em linhas gerais, sob o prisma da medicina  legal, a avaliação do 

estado  de  alteração  psicomotora  apresentado  pelos motoristas  poderá 

ser classificada em três tipos básicos: 

a)  Sóbrio:  conceito  amplo  e  abrangente  que  define  o  indivíduo 

abstêmio ou que não tenha ingerido álcool, nas últimas horas (bafômetro 

e alcoolemia igual a zero). 

b)  Apenas  alcoolizado:  indivíduo  ingeriu  álcool,  mas  não 

apresenta  sinais  clínicos  que  indiquem  essa  ingestão  e  que  não 

comprometem  sua  capacidade  psicomotora  (seu  comportamento,  suas 

reações, seu raciocínio etc.). 

c)  Embriagado:  motorista  ingeriu  álcool  ou  outra  substância 

psicoativa e apresenta sinais e/ou sintomas (efeitos) de alterações típicas 

ou evidentes da influência da substância e que afetam a sua capacidade 

psicomotora  (comportamento,  postura,  atitudes  etc.),  com  intensidade 

proporcional à quantidade ingerida (POÇO, 2013 p.63). 

.  . MATERIALIDADE E COMPROVAÇÃO DO DELITO 

Como  se  observa,  aferidos  os  níveis  etílicos  legais,  haverá 

importante indício que, agregado a qualquer outro elemento, mormente 

às provas testemunhais denotando os sinais  indicativos de alteração da 

capacidade psicomotora ou o exame clinico conclusivo no mesmo sentido, 

assegurarão  lastro  probatório  mínimo  para  a  autuação  e  prisão  em 

flagrante delito ou para o  indiciamento no curso do  inquérito na etapa 

policial,  assim  como  para  a  regular  persecução  com  vistas  à 

responsabilização criminal em juízo. 

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Avançando, o parágrafo segundo do artigo 306, do CTB, admite a 

utilização  de  quaisquer  meios  de  prova  lícitos,  elencando  aqueles 

tradicionalmente empregados para a verificação da embriaguez como o 

exame  clínico,  os  registros  em  vídeos  e  as  provas  testemunhais.  Prevê 

também  o  direito  do  investigado  de  pleitear  contraprova,  ou  seja,  de 

solicitar uma segunda verificação ou ofertar outros elementos com vistas 

a infirmar aqueles a ele desfavoráveis já obtidos. 

Nesse  panorama,  a  autoridade  policial  deve  se  ater  aos  fatos  e 

seus  elementos  e  não  isoladamente  à  pessoa  do  investigado,  numa 

conjectura do direito penal do fato desde a fase investigativa. O delegado 

de  polícia  não  figura  como  parte  na  perquirição  criminal,  ele  busca  a 

verdade atingível dos fatos apurados e, somente por via de consequência, 

esclarecer a autoria delitiva (BARROS FILHO, 2012 p.58). 

No que  tange à  alteração psicomotora decorrente da  influência 

por  outra  substância  psicoativa  que  determine  dependência,  com mais 

razão torna‐se aconselhável a requisição de exames ao Instituto Médico 

Legal, mormente o exame clínico agregado à avaliação neurológica pelo 

médico legista, sem prejuízo dos exames laboratoriais se houver coleta de 

materiais  como  sangue,  urina  ou  saliva  para  a  constatação  do  uso  de 

drogas pelo motorista investigado. 

.  .   PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO 

Ressalta‐se que a avaliação técnico‐jurídica para a lavratura ou não 

de um auto de prisão em flagrante delito e respectiva classificação típica, 

ultimada  em  sede  de  cognição  urgente  e  sumaríssima,  consiste  em 

prerrogativa e incumbência exclusiva da autoridade policial. É dever legal 

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do  delegado  de  polícia  examinar  se  há,  no  caso  concreto,  além  das 

destacadas  hipóteses  legais  flagranciais,  a  “fundada  suspeita”  contra  o 

investigado  conduzido  (e  não  mera  conjectura  desprovida  de  indícios 

vigorosos), em estrita observância ao artigo 304, § 1º, do CPP, devendo 

decidir fundamentadamente seguindo a sua convicção jurídica, expondo 

os motivos  fáticos  e  legais,  com  independência  funcional  (LESSA,  2012, 

p.8). 

. RECURSO CABÍVEL EM CRIME EMBRIGUEZ NO VOLANTE 

Ementa: Apelação Criminal. Delitos dos arts. 306 do código de

trânsito brasileiro e 330 do código penal. Recurso exclusivo da defesa.

Pretendida absolvição por ausência de provas. Necessidade.

A prova produzida pela acusação na fase investigativa, de forma

unilateral e despida do devido contraditório, não possui o condão de extrair

a certeza necessária para se levar a frente um decreto condenatório,

sobejamente quando não ratificada perante a autoridade judiciária e

completamente desprovida de outros elementos probantes aptos a formar

um juízo seguro de convicção a respeito dos fatos. Apelo provido. (SANTA

CATARINA, 2009 p. 25)

O Ministério Público do Distrito Federal, por interposição do

referido membro, possui o entendimento que o motorista preso nessas

condições pode ser processado e penalizado na seara penal, desde que se

proceda o exame clínico firmado por perito médico da polícia judiciária, o

qual aponte, com segurança, o estado de embriaguez. Assevera ainda que a

hermenêutica contrária a isso ensejaria algo inédito na história do Direito

Penal, uma vez que o poder punitivo do Estado somente alcançaria o

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infrator se o mesmo aquiescesse em contribuir para o conjunto probante de

sua própria condenação.

CONCLUSÃO 

Há de se acentuar que o legislador brasileiro, como maioria das

vezes, no afã de solucionar questões envolvendo fatos criminosos que

trazem grande repercussão no meio social, sem um maior aprofundamento

jurídico que a criação ou modificação de uma lei pode causar, acaba por

acarretar decisões judiciais conflitantes, o que gera insegurança jurídica.

O certo é que, embora as discussões sobre o tema ainda

continuem a ser objeto de análise dos Tribunais Superiores, a norma do art.

306 do Código de Trânsito Brasileiro exige, para a comprovação do nível

de álcool no sangue ou nos pulmões, a produção de prova técnica a ser

realizada tanto pelo exame sanguíneo quanto pelo teste do bafômetro, isso

sem falar na possibilidade pouco aceitável entre os juristas da admissão de

outros meios de provas aptos a demonstrar a embriaguez do condutor.

De mais a mais, conclui-se, por hora, que é inexigível a coleta de

material sanguíneo do condutor de veículo automotor a fim de ser

submetido a análise técnica ou científica para comprovação da quantidade

de álcool no sangue, quando este já tiver se submetido ao teste de

alcoolemia em aparelho de ar alveolar pulmonar, pois, embora sejam

exames distintos, são equivalentes entre si.

REFERÊNCIAS 

BARROS FILHO, Mário Leite de. A metamorfose da polícia judiciária 

brasileira  sob  a  óptica  da  evolução  dos  direitos  e  garantias 

fundamentais. Teresina, jun. 2012.  

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SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Crime de trânsito. Embriaguez 

ao volante. Art. 306 da lei n. 9.503/97. 08.2009a. Apelação Criminal n. 

2008.070499‐9 Relator: Des. Túlio Pinheiro. Disponível em Acesso em 26 

outubro. 2014. 

LESSA, Marcelo de Lima. A independência funcional do delegado de 

polícia paulista. São Paulo: Adpesp ‐ Associação dos Delegados de Polícia 

do Estado de São Paulo, 2012. 

MARCÃO,  Renato.  O  art.  306  do  Código  de  Trânsito  Brasileiro 

conforme  a  Lei  nº  12.760/2012.  Jus  Navigandi,  Teresina,  jan.  2013 

Disponível  em:  <http://jus.com.br/revista/texto/23403>.  Acesso  em:  27 

de outubro. 2014. 

POÇO,  Arnaldo  Tadeu.  Constatação  legal  de  embriaguez 

(considerações  sobre  os  meios  de  prova  admitidos  na  nova  lei).  São 

Paulo: 2013. 

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A  ANTECIPAÇÃO  DE  TUTELA  E  A  INVERSÃO  DO  ÔNUS  DA  PROVA  NOS  CONTRATOS 

BANCÁRIOS 

LORENA  CARNEIRO  VAZ  DE  CARVALHO  ALBUQUERQUE: Advogada,  inscrita  na  OAB/GO.  Bacharel  em  Direito  pela PUC/GO. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIDERP. 

 

INTRODUÇÃO   

A tutela antecipatória do direito subjetivo material deve 

existir porque se alguém tem o direito de obter exatamente aquilo que 

tem o direito, o processo há de fornecer‐lhe meios para que o seu direito 

ocorra  logo  de  imediato.  O  meio  processual,  qual  seja,  a  Tutela 

Antecipatória,  torna  possível  a  pronta  realização  do  direito  se  afirma 

possuir.  

O artigo 273 do CPC assim disciplina: 

“O  juiz  poderá,  a  requerimento  da  parte, 

antecipar,  total  ou  parcialmente,  os  efeitos  da 

tutela  pretendida  no  pedido  inicial,  desde  que, 

existindo  prova  inequívoca,  se  convença  da 

verossimilhança da alegação e: 

I ‐ haja fundado receio de dano irreparável ou 

de difícil reparação;  

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II  ‐  fique caracterizado o abuso de direito de 

defesa ou o manifesto  propósito  protelatório  do 

réu.”    

São  claras  as  consequências  negativas  e  os  danos  de 

difícil  reparação  que  aquele  que  pleiteia  a  antecipação  dos  efeitos  da 

tutela  poderá  continuar  a  sofrer,  caso  o  fato  que  enseje  esse 

requerimento  perdure  até  o  trânsito  em  julgado  da  sentença 

condenatória, ferindo assim suas garantias Constitucionais. 

  “A  técnica  engendrada  pelo  novo  art.  273 

consiste em oferecer rapidamente a quem veio ao 

processo  pedir  determinada  solução  para  a 

situação  que  descreve,  precisamente  aquela 

solução que veio ao processo pedir. Não se trata 

de  obter  medida  que  impeça  o  perecimento  do 

direito, ou que assegure ao titular a possibilidade 

de  exercê‐lo  no  futuro. A medida  antecipatória 

conceder‐lhe‐á  o  exercício  do  próprio  direito 

afirmado  pelo  autor.  Na  prática,  a  decisão  com 

que  o  juiz  concede  a  tutela  antecipada  terá,  no 

máximo,  o  mesmo  conteúdo  do  dispositivo  da 

sentença  que  concede  a  definitiva  e  a  sua 

concessão  equivale,  mutatis  mutandis,  à 

procedência da demanda inicial ‐ com a diferença 

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fundamental  representada  pela 

provisoriedade[1].” Negritamos.  

PALAVRAS CHAVES: Antecipação de tutela. Requisitos. 

Contratos bancários. Inversão do ônus da prova.  

DESENVOLVIMENTO: 

  A  doutrina  mais  conceituada  indica  ser  o  melhor 

caminho  o  de  o  Juízo  interferir  prontamente  no  processo  quando  as 

condições  vividas  entre  as  partes  importam  em  eminente  prejuízo  a 

qualquer  uma  delas,  e  assim,  referenda  Humberto  Theodoro  Júnior  in 

Código de Processo Civil Anotado, “verbis”: 

“Novidade em nosso direito, a antecipação da 

tutela  introduziu,  no  CPC,  os  princípios  da 

verossimilhança, da prova inequívoca e do perigo 

de  irreversibilidade.  (a  nova  redação do  art.  273 

decorre da Lei n° 8.952, de 13.12.94). 

Os  incisos  I  e  II  cuidam  das  condições  de 

concessão da medida, que não se confunde nem 

prejudica as tutelas cautelares, previstas nos arts. 

796  a  889  do  CPC,  verossimilhança,  em  esforço 

propedêutico,  que  se  quadre  com  o  espírito  do 

legislador,  é  a  aparência de  verdade,  o  razoável, 

alcançando,  em  interpretação  lato  sensu,  o 

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próprio  “fumus  boni  iuris”  e,  principalmente,  o 

“periculum in mora”. 

Prova inequívoca é aquela clara, evidente, que 

apresenta  grau  de  convencimento  tal  que  a  seu 

respeito  não  se  possa  levantar  dúvida  razoável, 

equivalendo, em última análise, à verossimilhança 

da  alegação,  mormente  no  tocante  ao  direito 

subjetivo  que  a  parte  queira  preservar”  (obra 

citada, p. 124, Ed. Forense, RJ, 1996, 2ª ed.). 

Para que o pleito de antecipação dos efeitos da tutela 

seja  deferido  pelo  magistrado,  os  requisitos  caracterizadores  o 

mencionado instituto devem estar presentes, de acordo com o artigo 273, 

do Código de Processo Civil, uma vez que pode o juiz, a requerimento da 

parte  poderá  antecipar,  total  ou  parcialmente,  os  efeitos  da  tutela 

pretendida no pedido  inicial, desde que, existindo prova  inequívoca,  se 

convença da verossimilhança da alegação (...), sendo, portanto, possível 

antecipação  de  tutela,  a  fim  de  se  evitar  danos  ainda  maiores  e 

irreparáveis, para que a vítima Requerente continue a  levar sua vida de 

maneira normal. 

É levado em consideração, na concessão da antecipação 

da tutela pleiteada o valor do bem jurídico envolvido, qual seja a honra 

subjetiva, a vida privada, a intimidade e a privacidade do Requerente, a 

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fim de que fique caracterizado sem sombra de dúvidas para o magistrado, 

que tal concessão não causará prejuízo algum à parte Requerida. 

Inexistindo risco, vez o não comprometimento de forma 

alguma  da  decisão  da  causa  e  o  valor  a  ser  restituído,  associado  ás 

condições  financeiras/poder  econômico  financeiro  da  parte  requerida, 

necessário  se  faz  a  concessão  do  pleito  de  antecipação  dos  efeitos  da 

tutela, até a resolução total da lide, bem como a posterior fixação do valor 

do dano moral a ser cumulativamente requerido. 

E  já não  tem onde  residir na atualidade,  as eventuais 

dúvidas  outrora  registradas  sobre  a  cumulatividade  das  condições 

previstas nos incisos I e II, do artigo 273 DO CPC, inexistindo a necessidade 

de cumular‐se as condições para o deferimento da tutela, eis que a própria 

norma já assim explica com a conjunção “ou”. 

Ensina sabidamente Geraldo Beire Simões, ao comentar 

o art. 273, com redação conferida pela Lei n° 8.942/94, em “A Antecipação 

da  Tutela  do  Art.  273  do  CPC  nas  Ações  Locatícias”,  ADCOAS,  1.995,  o 

seguinte, “verbis”:    

“(...)  cabe,  a  nós  advogados manejarmos  tal 

instituto sempre que possível, e que os julgadores 

não  se  atemorizem em adotá‐lo  quando  cabível, 

em benefício do jurisdicionado, praticando, assim, 

nós  e  eles,  a  autêntica  justiça  e  a  realização  da 

efetividade real do processo.”  

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Finalizando, vale a transcrição dos seguintes arestos:  

“ . TUTELA ANTECIPADA. QUANDO CABE.  . 

CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. REVISÃO 

DO  CONTRATO.  PROTESTO.  SUSPENSÃO 

REGISTRO  CREDITÓRIO  NEGATIVO.  TUTELA 

ANTECIPADA.  .  SERASA.  ESTABELECIMENTO 

BANCÁRIO.  INTERPRETAÇÃO.  –  Antecipação  de 

tutela. Art do CPC. discussão da dívida. Suspensão 

de  informações  negativas.  a  provisoriedade  e 

inerente  a  tutela  antecipada,  que  se  funda  em 

cognição  sumaria,  que  não  prevalecera  ao 

reconhecimento  de  realidades  antes  não 

conhecidas com a instrução. Com esta, poderá, em 

qualquer  tempo  ser  revogada  ou  modificada  a 

antecipação.  as matérias  propostas  em  juízo  são 

discutíveis, tendo decisões favoráveis nesta corte 

a  tese  dos  devedores,  o  que  já  e  motivo  para 

antecipação parcial de  tutela por  fundado receio 

ou dano irreparável. o débito esta sendo discutido 

em juízo. conhecidos os efeitos da negativação do 

devedor  em  órgãos  de  que  se  valem  os 

comerciantes  e  instituições  financeiras  para 

buscar  informações  sobre os  pretendentes  a  um 

credito,  justifica‐se  a  concessão  da  liminar 

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pleiteada.  agravo  provido.  (TARS  –  AGI 

. .   –  ª  CCiv.  –  Rel.  Juiz  João  Carlos 

Branco Cardoso – J.  . . )”. 

TUTELA ANTECIPADA ‐ Central de restrições ‐ 

Negativação  junto  às  instituições  financeiras  ‐ 

Coação  indevida  ‐  Liminar mantida.  Estando em 

discussão  a  legitimidade  do  crédito,  correta  a 

decisão  que  manda  sustar  a  negativação  do 

devedor  junto à "Central de Restrições" e que o 

impede,  na  prática,  a  qualquer  operação 

bancária.  Precedentes  da  Câmara  a  respeito  do 

CADIN. Aplicação do artigo   do CDC (TARS ‐  ª 

Câm.; AI nº  . . ; Rel. Juiz Moacir Leopoldi 

Haeser; j.  . . ) RJ  / . (grifamos). 

TUTELA  ANTECIPADA.  SPC.  SERASA. 

CONTRATOS DE DÍVIDA SUB JUDICE. Estando sub 

judice a matéria relacionada com os contratos e 

títulos  da  dívida,  cabe  deferir  o  pedido  de 

sustação  dos  efeitos  dos  registros  e  protestos 

feitos  contra  os  devedores  com  base  naqueles 

contratos.  Recurso  conhecido  e  provido.  RESP 

/RJ  ‐ DJ:  / /   ‐ PG:   ‐  LEXSTJ 

VOL.:    ‐  PG:    ‐  RSTJ  VOL.:    ‐ 

PG:  – Relator Min. RUY ROSADO DE AGUIAR 

‐ Órgão Julgador ‐ quarta turma. v.u.. (grifamos). 

AGRAVO  REGIMENTAL.  RECURSO  ESPECIAL 

NÃO  ADMITIDO.  TUTELA  ANTECIPADA. 

INSCRIÇÃO  DOS  DEVEDORES  NO  SERASA.  . 

Estando em discussão o débito, inviável se mostra 

a  inscrição do devedor nos Serviços de Proteção 

ao Crédito, mormente porque não demonstrado 

o  dano  ao  credor.  Precedentes.  .  Agravo 

regimental  improvido. STJ  ‐ AGA  /RS; DJ: 

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/ /   ‐  PG:    ‐  Relator Min.  CARLOS 

ALBERTO  MENEZES  DIREITO  ‐  Órgão  Julgador  ‐ 

TERCEIRA TURMA. v.u.. (grifamos). 

“(...) Não há  violação ao  artigo 535,  do CPC, 

quando o  Tribunal a  quo  enfrenta  a  questão  em 

debate  satisfatoriamente...  Vale  relembrar  que o 

julgador,  para  fundamentar  suas  decisões,  não 

está  adstrito  à  utilização  dos  argumentos  ou 

dispositivos legais trazidos pelas partes, visando à 

defesa  da  teoria  que  apresentaram,  podendo, 

apenas,  decidir  a  controvérsia  observando  as 

questões  relevantes  e  imprescindíveis  à  sua 

resolução"  (AGREsp 501 182/SP, Primeira Turma, 

Rei. Min. Francisco Falcão, j  . 17 06 2003, v.u., DJ 

09.09.2003,  p.  236).  No  mesmo  sentido  a 

jurisprudência  inserta  na  RJTJESP  115/207.  No 

caso,  os  dispositivos  legais  invocados  nos 

embargos  não  têm  relação  direta  com  o motivo 

determinante  de  manutenção  da  decisão 

agravada. Com efeito, pela só suspeita de possível 

clonagem do  cartão magnético que  foi  utilizado 

por terceiro para firmar o empréstimo no banco 

eletrônico,  fica  clara  a  impossibilidade  de 

cobrança das respectivas prestações da conta da 

autora. Daí a conclusão suficiente e adequada do 

julgado de que, enquanto "não apurada a efetiva 

contratação  pela  própria  autora  não  há 

elementos jurídicos que sustentem o pacta sund 

servanda  sobre  o  qual  se  funda  a  defesa  do 

recorrente"  (fls  ). Nessas  condições, o  recurso 

dá ares de conduta procrastinatória ou má‐técnica 

jurídica do seu subscritor”. 

No concernente á  inversão do ônus da prova, cumpre 

fazermos algumas considerações: nos contratos bancários, aplicam‐se o 

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que dispõe no CDC, até mesmo porque a hipossuficiência se dá em relação 

ao  poder  econômico,  como  afirma  a  Professora  Doutora  Cláudia  Lima 

Marques,  “[...]  a  Constituição  ordena  a  proteção  do  consumidor, 

presumido agente mais vulnerável do mercado, através da lei”.   

Assim, o consumidor ante a inversão do ônus da prova, 

é  legalmente  tratado  como  hipossuficiente  em  relação  ás  instituições 

bancárias e estabelecimentos comerciais, uma vez que essa inversão ser 

impositiva  sob  a  ótica  do  art.6º,  VIII  do  CDC  e  da  Súmula  297  do  STJ, 

cabendo á parte adversa, provar e comprovar os fatos alegados contra si 

na exordial, para que restabeleça o controle da legalidade das disposições 

contratuais. 

Nesse sentido tem‐se entendido os seguintes tribunais: 

“CONTRATO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DO CDC ‐ 

SÚMULA   do STJ. . Nos contratos bancários, há 

incidência  do  Código  de  Defesa  do  Consumidor 

(súmula  297  do  STJ),  inclusive  para  controle  da 

legalidade das disposições contratuais. CONTRATO 

BANCÁRIO.  CONTRATO  DE  DESCONTO  DE 

DUPLICATAS.  CAPITALIZAÇÃO  DE  JUROS 

ILEGALIDADE  QUANDO  NÃO  PREVISTA  NO 

CONTRATO E NÃO AUTORIZADA EM LEI ESPECIAL ‐ 

SÚMULA 93 DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 121 

DO  STF.  COMISSÃO  DE  PERMANÊNCIA  ‐ 

LEGALIDADE ‐ LIMITAÇÃO À TAXA DO CONTRATO ‐ 

NÃO  CUMULAÇÃO  COM  OUTRAS  VERBAS 

MORATÓRIAS. A comissão de permanência é legal, 

desde  que  limitada  à  taxa  do  contrato  e  não 

cumulada com outras verbas moratórias (juros de 

mora,  correção  monetária  e  multa).  Sentença 

parcialmente  reformada.  Recurso  parcialmente 

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provido.  (TJSP  ‐  Tribunal de  Justiça de  São Paulo 

acórdão registrado sob n° 02181976, Apelação n°. 

7.062.842‐1, da Comarca de Campinas, em que são 

Apelantes  Urvaz  Indústria  Metalúrgica  Ltda.  e 

Outros,  sendo  Apelado  Banco  Sudameris  Brasil 

S.A., de 29 de agosto de 2008) (grifamos)”. 

“Declaratória. Revisão contratual c.c. exibição 

de  documentos.  Perícia  contábil.  Honorários. 

Incidência do Código de Defesa do Consumidor. 

Inversão  do  ônus  da  prova.  Necessidade  de 

apresentação dos contratos e extratos bancários 

aludidos.  Agravo  de  instrumento. 

Hipossuficiência caracterizada. Art.  °, VIII, CDC. 

Ônus  do  banco.  Decisão  mantida.  Negado 

seguimento  ao  recurso.  Agravo  Regimental. 

Decisão  mantida.  Recurso  improvido.  TJSP  ‐ 

Agravo Regimental: AGR 7264608101 SP, Relator 

Virgilio  de  Oliveira  Júnior,  Julgamento: 

27/08/2008,  Órgão  Julgador:  14ª  Câmara  de 

Direito Privado, Publicação: 22/09/2008”. 

“AGRAVO  DE  INSTRUMENTO.  AÇÃO 

REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. INVERSÃO 

DO  ÔNUS  DA  PROVA.  DETERMINAÇÃO  JUDICIAL 

PARA QUE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA ANTECIPE 

OS  CUSTOS  RELATIVOS  À  PERÍCIA.  EFEITO 

SUSPENSIVO  CONCEDIDO.  AGRAVO  PROVIDO.  2. 

Significa  dizer  que  a  sua  concessão  depende  de 

circunstâncias concretas que serão apuradas pelo 

Juízo  no  contexto  da  "facilitação  da  defesa  dos 

direitos do consumidor", sendo, pois, nitidamente 

posta a seu favor. 3.Destarte, a inversão do ônus 

da  prova  não  se  confunde  com  o  encargo  de 

pagamento dos honorários periciais, que continua 

regrado de acordo com o artigo 33 do Código de 

Processo Civil. Vale dizer: o réu não está obrigado 

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a antecipar os honorários do perito, mas, se não o 

fizer,  presumir‐se‐ão  verdadeiros  os  fatos 

afirmados pelo autor. Precedentes do STJ. TJPR ‐ 

Agravo de Instrumento: AI 2351217 PR Agravo de 

Instrumento ‐ 0235121‐7, Relator Lauri Caetano da 

Silva,  Julgamento:  02/10/2003,  Órgão  Julgador: 

Decima  Câmara  Cível  (extinto  TA),  Publicação: 

10/10/2003 DJ: 6473”. 

CONCLUSÃO: 

Em  suma,  na  medida  em  que  se  tem,  como 

preocupação central do CDC, a busca pelo equilíbrio contratual, boa‐fé, a 

paridade  das  partes,  a  vedação  à  onerosidade  excessiva,  revela‐se 

evidente sua aplicação aos contratos bancários, especialmente para dar 

ensejo à anulação de contratos desleais, abusivos e ilegais, impedindo o 

locupletamento  ilícito  das  instituições  bancárias  e  estabelecimentos 

comerciais em detrimento da afronta aos direitos legalmente assegurados 

e devidos aos consumidores. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:  

[1] Candido Rangel Dinamarco – A Reforma do Código de Processo

Civil, Ed. Melhoramentos, 2002 – São Paulo.

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FACULDADE PITÁGORAS – UNIDADE DIVINÓPOLIS

Elinoyara Penha de Araújo

ANÁLISE DA IMPUTABILIDADE DO PSICOPATA SOB O PRISMA DA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA E POSSÍVEIS MEDIDAS ALTERNATIVAS

IMPOSTAS

Divinópolis

2015

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ELINOYARA PENHA DE ARAÚJO

ANÁLISE DA IMPUTABILIDADE DO PSICOPATA SOB O PRISMA DA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA E POSSÍVEIS MEDIDAS ALTERNATIVAS

IMPOSTAS

Monografia elaborada como requisito de conclusão

de curso de bacharelado em Direito na Faculdade

Pitágoras Unidade Divinópolis do professor Paulo

Junio Pereira Vaz e co-orientador Vitor Dorneli

Rodrigues.

Divinópolis

2015

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Monografia elaborada por Elinoyara Penha de Araújo, intitulada “Análise

Da Imputabilidade Do Psicopata Sob O Prisma Da Legislação Penal Brasileira E

Possíveis Medidas Alternativas Impostas”, como requisito de conclusão de curso de

bacharelado em Direito junto à Faculdade Pitágoras Unidade Divinópolis.

Professor orientador: Paulo Junio Pereira Vaz

Professor co-orientador: Vítor Dorneli Rodrigues

Examinador 1

Examinador 2

Conceito: ___________________

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AGRADECIMENTOS

A minha gratidão a Deus e aqueles por ele enviados nas mais diversas

formas. Agradeço especialmente aos meus pais, José Maurício e Maildes pelo

auxílio e compreensão de sempre e ainda reforçado nos momentos dedicados a vida

acadêmica e a elaboração deste trabalho.

Os meus sinceros agradecimentos a todos os meus amigos e aos mestres

que conheci no decorrer do meu curso de Direito. Aos meus orientadores Paulo

Junio Pereira Vaz e Vítor Dorneli pelos ensinamentos e dedicação no auxílio para a

concretização deste trabalho.

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Dedico este trabalho aos meus pais, José Maurício e

Maildes. Sem o auxílio deles, não seria possível

alcançar essa realização.

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Leve na sua memória para o resto de sua vida as

coisas boas que surgiram no meio das dificuldades.

Elas serão uma prova de sua capacidade em vencer

as provas e lhe darão confiança na presença divina,

que nos auxilia em qualquer situação, em qualquer

tempo, diante de qualquer obstáculo.

Chico Xavier

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RESUMO

Este estudo decorre da necessidade de esclarecimento do perfil demonstrado pela

psicopatia, tendo em conta também o empirismo para que sejam alcançadas novas

propostas estabelecidas por métodos práticos. Para entender as medidas que

devem ser tomadas com os psicopatas, busca-se a compreensão de culpabilidade e

imputabilidade. Para tanto, pesquisou-se sobre as diversas classificações de

psicopatia, através pesquisa teórico bibliográfico, posto que utiliza artigos científicos

e livros na sua elaboração e ainda pesquisa qualitativa, utilizando análise de

conteúdo com aplicação de questionário a especialistas como psiquiatra e

psicólogos.É também uma pesquisa que se refere à legislação constitucional e penal

brasileira principalmente. Essas buscas têm por objetivo responder sobre como

tratar da conceituação da psicopatia, analisando o tratamento penal conferido a esta

classe de transtorno de personalidade quando há prática de crime e ainda sugerir

medidas eficazes para prevenir que os psicopatas pratiquem crimes ou reincidam na

prática delituosa. O método utilizado foi o dedutivo, já que parte da concepção geral

da psicopatia e a eficácia do atual tratamento do ordenamento penal brasileiro, para

sugestões de medidas alternativas direcionadas apenas aos psicopatas como

garantia de solução do impasse principalmente de reincidência de homicídios e

estupros. Portanto, nota-se que é necessária a criação de novas formas de

tratamento da psicopatia na política criminal brasileira e ainda, monitoramento e

divulgação de informações que possibilitem a prevenção de golpes dados por

psicopatas de grau leve e moderado.

PALAVRAS-CHAVE: Psicopatia. Ordenamento Penal Brasileiro. Política Criminal

Brasileira.

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ABSTRACT

This study arises from the need to clarify the profile demonstrated by

psychopathology, bearing in mind the empiricism in order to achieve new proposals

established throughout practical methods. To understand what measures should be

taken with psychopaths, it is sought the understanding of guilty and liability.

Therefore, it was researched about the various psychopathology ratings through

bibliographic theoretical research, since it uses scientific articles and books in its

preparation and also qualitative research, using content analysis using a

questionnaire answered by psychiatrists and psychologists. It is also a research that

mainly relates to the Brazilian constitutional and criminal law. These searches intend

to answer how to treat the concept of psychopathology, analyzing the penal

treatment given to this personality disorder class when there is a committed crime

and even suggest effective measures to prevent psychopaths committing or

relapsing in criminal practice. The deductive method was used, since part of the

overall concept of psychopathology and the effectiveness of current treatment by the

criminal justice system, as a suggestion for alternative measures directed only to

psychopaths as granted solution mainly for repeated killings and rapes. Therefore, it

is noted that it is necessary to create new ways of psychopathology treatment in the

Brazilian criminal policy and even more, to monitor and publicize information that

allows the prevention of strokes given by mild to moderate psychopaths.

KEYWORDS: Psychopathy. Brazilian penal system. Brazilian Criminal Policy

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LISTA DE ABREVIATURAS ME – Monitoramento eletrônico

PCL - Psychopathy checklist

PET - Tomografia por emissão de pósitrons

TPAS - Transtorno de Personalidade Anti-social

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Principais subdivisões do encéfalo humano...............................................19

Figura 2: O equipamento de Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET)...............20

Figura 3: Imagens PET do cérebro de uma pessoa normal (esquerda), um assassino

com história de privação na infância (centro) e um assassino sem história de

privação (direita).........................................................................................................21

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Itens que sobrepõem e itens que não sobrepõem.................................40

Quadro 2: Pergunta 1: Quais os procedimentos oriundos da psicologia/psiquiatria,

conhecidos por você, são necessários para caracterizar o perfil de um

psicopata?..................................................................................................................47

Quadro 3: Pergunta 2: Há uma escala de avaliação para diagnosticar o psicopata?

Qual? Justifique..........................................................................................................48

Quadro 4: Pergunta 3: Psicopatia é uma doença ou um distúrbio?..........................48

Quadro 5: Pergunta 4: Dê o seu conceito de psicopatia...........................................49

Quadro 6: Pergunta 5: O psicopata criminoso pode ser ressocializado? Você

conhece casos concretos a esse respeito?................................................................50

Quadro 7: Pergunta 6: O psicopata é imputável, semi-imputável ou

inimputável?...............................................................................................................50

Quadro 8: Pergunta 7: A personalidade caracterizada como psicopata, tem

capacidade de administrar conflitos?.........................................................................51

Quadro 9: Pergunta 8: Há possibilidade de amenizar ou tratar o comportamento

agressivo de psicopatas criminosos, a partir de conhecimento dos motivadores

extrínsecos que possuem?.........................................................................................51

Quadro 10: Pergunta 9: O que se entende por motivadores intrínsecos e extrínsecos

que se relacionam com a psicopatia?........................................................................52

Quadro 11: Pergunta 10: Qual seria a melhor forma de tratamento para um

psicopata criminoso?..................................................................................................52

Quadro 12: Pergunta 11: Quais medidas devem ser aplicadas para lidar com um

psicopata condenado a regime fechado, quando sua presença já se dá num

presídio?.....................................................................................................................53

Quadro 13: Pergunta 12: É possível tratar um psicopata com terapia

medicamentosa, a fim de evitar que volte a cometer crimes com características de

autoria de psicopata sexual?......................................................................................53

Quadro 14: Pergunta 13: A psicoterapia deve ser utilizada nos presídios para

monitorar e tratar o psicopata

condenado?................................................................................................................54

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Quadro 15: Pergunta 14: A tornozeleira eletrônica deve ser utilizada em todos os

psicopatas que já cumpriram a pena em regime fechado por matar

alguém?......................................................................................................................54

Quadro 16: Pergunta 15: Você acredita que seja possível realizar uma análise

psicológica do criminoso que mata alguém, durante todo o período de procedimento

judicial para diferenciar criminosos comuns de criminosos psicopatas?...................55

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13

2 PSICOPATIA ......................................................................................................... 15

2.1 Conceito e aspectos históricos ....................................................... 15

2.2 O cérebro dos psicopatas................................................................ 18

2.3 Classificação ..................................................................................... 22

3 PSICOPATIA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .......................................... 27

4 PSICOPATIA NA POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA ........................................ 30

4.1 As características atuais da psicologia e psiquiatria no âmbito

forense brasileiro ................................................................................... 32

5 CLASSIFICAÇÃO DOS PSICOPATAS ENQUANTO IMPUTÁVEIS ..................... 34

6 POSSÍVEIS MEDIDAS ALTERNATIVAS ............................................................. 36

6.1 Lei específica para os psicopatas ................................................... 38

6.2 Escala de Hare .................................................................................. 38

6.3 Monitoramento eletrônico................................................................ 42

7 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 44

7.1 Tipo de pequisa ................................................................................ 44

7.2 Pesquisa quanto à natureza ............................................................ 45

7.3 Análise de Conteúdo ........................................................................ 45

8 ANÁLISE DE CONTEÚDO E BREVE DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ........... 47

9 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 56

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 58

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1 INTRODUÇÃO

No século XIX, o doente mental era tratado como alguém que possuía o

demônio, sendo lançado ao fogo, punição conhecida na época da inquisição (NETO,

2011). Neste período, não existia se quer a noção de personalidade psicopata.

Atualmente, considerável porcentagem da sociedade associa as práticas criminosas

e monstruosas com a denominação de psicopatia. Quanto ao campo jurídico, este

assunto é ainda tratado como matéria de conhecimento restrito.

Sabe-se que a palavra psicopatia significa doença da mente. A

característica marcante de psicopatia é a total ausência de empatia pelo próximo

(SILVA, 2008.p.35). Entretanto, em termos médicos psiquiátricos, não se encaixa na

visão tradicional das doenças mentais. Considerando a relevância do conhecimento

sobre a mente criminosa e a sua discussão no direito penal brasileiro, este estudo

tem como propósito, apresentar uma análise sobre o psicopata e as suas

características de criminoso, relacionando algumas premissas já existentes, por

meio do método dedutivo, de modo a sugerir medidas alternativas a serem impostas

àqueles que por terem transtorno de personalidade, causam danos criminosos às

suas vítimas. Busca-se aprofundar sobre o assunto para esclarecer se há eficácia

nas medidas previstas no ordenamento penal brasileiro em face daqueles que

cometem crimes e são classificados como psicopatas.

Para este estudo, é possível utilizar a teoria do individualismo marxista.

Tal tese remete a um pilar no qual fica favorecida a análise dos psicopatas, vez que

se passa a investigar como agem os indivíduos desta classe, considerando que

também é possível reconhecer uma direção geral para qual toma a classe como um

todo.

A análise desta monografia decorre da necessidade de esclarecimento do

perfil demonstrado pela psicopatia, tendo em conta também o empirismo para que

sejam alcançadas novas propostas estabelecidas por métodos práticos. Destarte,

pode-se buscar a possibilidade de amenizar o desequilíbrio social no âmbito desse

transtorno de personalidade, tendo como relevância o princípio da igualdade

expresso no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

Para entender as medidas que devem ser tomadas com os psicopatas,

busca-se a compreensão de culpabilidade e imputabilidade. A culpabilidade é um

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juízo de reprovação no qual o sujeito apenas pode ser responsabilizado quando

poderia ter agido em conformidade com a norma penal. Sendo assim, a

imputabilidade se dá quando o indivíduo tem capacidade de compreender a ilicitude

de sua conduta e de agir conforme esse entendimento (VAZ, 2012). Sob essa visão,

o psicopata é imputável por ser dotado de raciocínios frios e calculistas e por saber

com perfeição que está praticando o mal, tendo total consciência do caráter

criminoso das ações. Não é possível eliminar a culpabilidade que é apresentada no

artigo 26, e compreendendo assim no artigo 32 do código penal brasileiro, conforme

o conteúdo fixado em pena. Ocorre que, se apenado aquele que tem psicopatia, não

ocorre uma reeducação, posto que as pessoas que estão compreendidas nesse tipo

de transtorno de personalidade, não se arrependem de terem cometido crimes e

voltam a praticar atos violentos.

Para que se realize a análise da imputabilidade do psicopata sob o prisma

da legislação penal brasileira e possíveis medidas alternativas impostas, busca-se

atingir o objetivo de tratar da conceituação da psicopatia, analisando o tratamento

penal conferido a esta classe de transtorno de personalidade quando há prática de

crime e ainda sugerir medidas eficazes para prevenir que os psicopatas pratiquem

crimes ou reincidam nas práticas delituosas.

Trata-se de uma pesquisa teórico bibliográfico, posto que utiliza artigos

científicos e livros na sua elaboração, e ainda qualitativa, visto que faz-se a análise

de conteúdo de questionários aplicados a psiquiatras e psicólogos. Portanto, o

presente estudo utiliza o método dedutivo, já que parte da concepção geral da

psicopatia e a eficácia do atual tratamento do ordenamento penal brasileiro, para

sugestões de medidas alternativas direcionadas apenas aos psicopatas como

garantia de solução do impasse principalmente de reincidência de homicídios e

estupros.

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2 PSICOPATIA

Os sinais da psicopatia costumam se apresentar desde a infância, e tais

comportamentos quando ocorrem antes dos dezoito anos de idade, são

denominados transtorno de conduta. Aparecem mentiras recorrentes, trapaças,

roubos, vandalismo. Não é simples usar uma definição adequada observando a

personalidade humana. A dificuldade também se dá ao depararmos com indivíduos

que matam por prazer, e a princípio, sem motivo algum.

2.1 Conceito e aspectos históricos

Sabe-se que a psicopatia é um tema pouco tratado na literatura e de

interesse ainda escasso. Muitos profissionais da área da saúde, entendem que este

transtorno é permanente, e não acreditam em um atendimento especializado.

Priorizam portanto, os casos nos quais há encarceramento (NUNES et al., 2011).

Quando se direciona atenção ao assunto psicopatia, no ordenamento

jurídico brasileiro e ainda, os diversos conceitos designados a essa classe, surgem

questionamentos pertinentes para elaboração de novas medidas como propostas de

redução da criminalidade, redução de reincidência e ainda de traumas diversos para

sociedade. Muitas são as perguntas ao tratarmos sobre a psicopatia no Brasil: Os

atuais índices de assassinatos em série refletem em resultados menores

decorrentes de um melhor tratamento direcionado aos psicopatas para proteger a

sociedade? A sociedade tem conhecimento para diferenciar os psicopatas dos

demais criminosos? O sistema prisional brasileiro atual apresenta quais

características físicas e de profissionais especializados para lidar com essa

situação?Compreender as diversas classificações de psicopatia pode proporcionar

uma nova forma de utilizar recursos terapêuticos com a finalidade de evitar a

reincidência de crimes? E ainda, quais seriam as possibilidades de monitoramento

dos psicopatas que já cumpriram o regime fechado, com a finalidade de evitar que

cometa novos crimes?

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Discorrer sobre psicopatia com êxito, é possível através da psicologia e

psiquiatria para explicar sobre o comportamento do psicopata, ainda relacionadas a

essas duas ciências, sobre anatomia, fisiologia para compreensão ampla e além do

tratamento terapêutico como uma das prováveis propostas, portanto, mencionando

também sobre o uso de medicamentos.

Conhecer as características dos psicopatas é uma forma de lidar com

eles, e é importante já que ainda é um assunto dificultoso tanto para vítimas quanto

para o sistema penal brasileiro. Por não serem considerados inimputáveis, mas

também de impossível arrependimento para aprendizagem com êxito na ausência

de práticas criminosas, os psicopatas necessitam ser estudados de maneira

especial. Ao se discutir novas medidas para lidar com a mente psicopata, têm-se

maior referência para a resolução desse impasse.

O conceito de personalidade, do latim personalis, é o somatório de

propriedades diversas que podem mudar, sendo elas intelectuais, afetivas, físicas,

resultando a cada pessoa sua individualidade e a sua semelhança aos demais.

Portanto, personalidade é o mesmo que arranjo físico, psicológico, social e cultural

do sujeito. Pode também ser assimilada como a forma costumeira de convenção

efetuada pelo organismo entre os quesitos individuais e os do ambiente (ARAÚJO,

2011.p.2).

Sobre o conceito de psicopatia, discorre Silva:

A palavra psicopata literalmente significa doença da mente (do grego, psyche=mente; e pathos=doença). No entanto, em termos médicos-psiquiátricos, a psicopatia não se encaixa na visão tradicional das doenças mentais. Esses indivíduos não são considerados loucos, nem apresentam qualquer tipo de desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou pânico, por exemplo) (SILVA, 2008.p.37).

Verifica-se que se entrelaçam a personalidade psicopata com a sua

formação desde a existência do indivíduo e o decorrer da sua formação por

elementos extrínsecos. Porém, os psicopatas não têm sido considerados portadores

de mentes doentes, mas sim dotados de um raciocínio frio e calculista, somado a

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uma total incapacidade de lidar com as outras pessoas como seres providos de

pensamentos e sentimentos.

Trindade et. al (2009), corrobora com Silva (2008) quando conceitua

psicopatia:

A psicopatia não é um transtorno mental como a esquizofrenia ou a depressão, mas um transtorno de personalidade devido a forma devastadora de comportamento destes indivíduos perante a sociedade, nos levam a crer que os psicopatas são os mais severos predadores da espécie humana, não obstante, constroem uma verdadeira carreira de crimes que se iniciam na infância até atingirem a vida adulta, desenvolvendo maior grau de perversidade a cada crime cometido.

O mesmo autor considera que não se deve misturar o perfil do psicopata

com o Transtorno de Personalidade Anti-social (TPAS), posto que segundo a escala

de Hare, os psicopatas preenchem os critérios para o Transtorno de Personalidade

Anti-Social, entretanto, nem todos os sujeitos com Transtorno de Personalidade Anti-

social possuem os critérios para psicopatia.

Como considera os psicopatas como aqueles que por não terem

consciência moral e empatia, causam sofrimento, sem habilidade para amar, ter

vínculos afetivos e sentimentos nobres. Silva (2008.p.68) apresenta a escala de

Hare ou PLC (Psychopathy checklist), como uma forma mais detalhada, embora

complexa, dos diversos aspectos da personalidade psicopática, desde ligados aos

sentimentos e relacionamentos interpessoais, até o estilo de vida dos psicopatas e

seus comportamentos transgressores.

Alguns autores, como Araújo (2011), no decorrer do seu estudo,

apresenta vários tipos de psicopatas: hipertímicos, deprimidos, medrosos, fanáticos,

vaidosos, lábeis de humos, explosivos, frios, albúlicos e astênicos. Resta no entanto,

relacionar coerentemente tais características com a classificação básica. O grau leve

é identificado naqueles que aplicam trapaças, golpes e pequenos roubos. Estes

geralmente não cometem homicídios, sendo esta última prática como marcante no

grau severo.

Sabe-se que os primeiros registros sobre comportamento violento com

ausência de insanidade, foram feitos por Pinel, no seu trabalho denominado “manie

sans delire” (Loucura sem delírio), no qual tinha o objetivo de diagnosticar pessoas

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violentas, sem controle de impulsividade, porém com normal funcionamento

intelectual. Estudos semelhantes foram realizados por Pritchard em 1985, também

por Berrois, Henderson e Kahn. Estes últimos descreveram a psicopatia como

predominantemente agressiva, impulsiva e sexual (SILVA, 2010.p.3).

Foi através dos estudos de Hervey Clekley, em 1941, que foi possível

diferenciar a psicopatia dos demais transtornos mentais, posto que apresentou

detalhes e características (SILVA, 2010.p.3).

Para o psiquiatra Hare, o que impulsionou a discussão sobre o

diagnóstico da psicopatia foi a Segunda Guerra mundial, conforme segue abaixo:

[...]pois surgiu a necessidade, por parte do exército, de identificar, diagnosticar e tratar indivíduos perigosos que pudessem ameaçar a estrutura militar, também, face as revelações das atrocidades nazistas cometidas, onde, na época, levantou-se o questionamento quanto ao comportamento perverso de pessoas aparentemente normais, contra outros seres humanos (SILVA, apud TRINDADE, 2009).

Robert Hare identificou os critérios que atualmente são universalmente

aceitos para diagnosticar os portadores de psicopatia:

[...]essa escala não serve apenas para medir graus de psicopatia. Serve para avaliar a personalidade da pessoa. Quanto mais alta a pontuação, mais problemática ela pode ser. Por isso, é usada em pesquisas clínicas e forenses para avaliar o risco que um determinado indivíduo representa para a sociedade (SILVA, 2010.p.4).

Como podem ser identificados em escalas, podem também serem

classificados de maneiras diversas, de acordo com mais estudos obtidos na

literatura.

2.2 O cérebro dos psicopatas

Conforme o estudo de Sabbatini (1998), nas últimas duas décadas, tem-

se comprovado que assassinos e criminosos muito violentos têm evidências

precoces de doença cerebral.

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Este autor considerou uma pesquisa realizada por Pamela Y. Blake,

Jonathan H. Pincus e Cary Buckner - Neurologic abnormalities in murderers, que

mostrou que 20 de 31 assassinos confessos e sentenciados possuíam diagnósticos

neurológicos específicos. Mais de 64% dos criminosos foram diagnosticados com

anormalidades no lobo frontal.

Também Reis (2010), considerou que os psicopatas têm uma fisiologia

cerebral anormal. Em indivíduos com traços de psicopatia descobriu uma fixação

sem travões, que decorre do excesso de dopamina no cérebro.

Importantes pesquisas realizadas nas décadas de 40 e 50, forneceram

dados suficientes aos pesquisadores remetendo a conclusão de que a gênese de

muitas personalidades anti-sociais se encontra no lobo frontal. E que também há

diversos exemplos de pessoas que adquiriram personalidades psicopáticas devido a

lesões patológicas do cérebro por tumores (SABBATINI, 1998).

A figura abaixo mostra as principais subdivisões do encéfalo humano.

Sendo elas: as áreas frontais incluem o lobo frontal (a área é denominada área pré-

frontal), o córtex motor (responsável pelo control6 voluntário do movimento

muscular) e o córtex sensorial (que recebe a informação sensorial vinda

principalmente do tato, vibração, dor e sensores de temperatura).

Figura 1: Principais subdivisões do encéfalo humano.

Fonte: Disponível em: http://mapadocrime.com.sapo.pt/cerebro%20psicopata.html

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O funcionamento do cérebro do psicopata pode ser pesquisado através

de tomografia utilizando de um equipamento denominado tomografia por emissão de

pósitrons (PET). Conforme discorreu Sabbatini (1998):

Felizmente, temos agora uma maneira mais direta de visualizar a função cerebral, e que tem conduzido a uma notável explosão em nosso conhecimento sobre o funcionamento interno do cérebro do psicopata nos últimos dois ou três anos: a tomografia PET. O equipamento de Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) obtém imagens seccionais do cérebro vivo, usando cores para representar o grau de atividade. Usando o PET, o pesquisador médico americano Adrian Raine e colegas estudaram assassinos, com resultados surpreendentes. Eles encontraram que 41 assassinos tinham um nível muito diminuído do funcionamento cerebral no córtex pré-frontal em relação às pessoas normais, indicando um déficit relacionado à violência. Em outras palavras, mesmo quando nenhuma alteração patológica visível era apresentada, o dano frontal era aparente, através de uma atividade anormalmente baixa do cérebro naquela área. "O dano nesta região cerebral", notou Raine, "pode resultar em impulsividade, perda do auto-controle, imaturidade, emocionalidade alterada, e incapacidade para modificar o comportamento, o que pode facilitar atos agressivos". Outras anormalidades observadas pelo estudo de PET do cérebro de assassinos incluiu um metabolismo neural reduzido no giro parietal superior, giro angular esquerdo, corpo caloso, e assimetrias anormais de atividade na amígdala, tálamo, e lobo temporal medial. É provável que estes efeitos sejam relacionados à violência e criminalidade; pois algumas destas estruturas fazendo parte do chamado sistema límbico, que processa emoções e comportamento emocional.

O equipamento utilizado para tomografia está ilustrado abaixo:

Figura 2: O equipamento de Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET).

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Fonte: Disponível em: http://mapadocrime.com.sapo.pt/cerebro%20psicopata.html

Outra análise importante apresentada no mesmo estudo, é que o

pesquisador Dr. Raine relacionou as imagens cerebrais de PET com as histórias

pessoais dos assassinos, para se certificar se tinham sido submetidos, quando eram

crianças, a algum trauma psíquico; abuso físico ou sexual, abandono ou pobreza.

Entre os assassinos, 12 haviam sofrido abuso significativo ou recebido maus tratos

na infância. Já os assassinos vindos de ambientes perturbadores tinham déficits

muito maiores (14 % em média) na área órbito-frontal (zona central representada em

cada uma das três imagens) do cérebro do que pessoas normais ou assassinos

vindos de ambientes normais e saudáveis. Pode-se verificar nas imagens a seguir:

Figura 3: Imagens PET do cérebro de uma pessoa normal (esquerda), um

assassino com história de privação na infância (centro) e um assassino sem história

de privação (direita).

Fonte: Disponível em: http://mapadocrime.com.sapo.pt/cerebro%20psicopata.html

Nas imagens acima, as áreas em vermelho e amarelo mostram uma

atividade metabólica mais alta, já e em preto e azul, uma atividade metabólica mais

baixa. Assim, o cérebro de um psicopata (direita) tem uma atividade muito baixa em

muitas áreas.

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2.3 Classificação

Sousa et.al. (2010) mencionaram no seu artigo sobre psicopatia, os graus

que ao longo do tempo foram designados para este assunto. Também Ana Beatriz

Barbosa Silva (2008), em sua obra “Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado”,

dissertou sobre os seguintes graus:

Grau leve: também tratado como psicopata comunitário, são os psicopatas

mais comuns, com tendência de mostrarem poucos critérios e raramente

matam. Porém, são os mais difíceis de serem diagnosticados pois podem

passar despercebidos no ambiente social, motivo pelo qual são chamados de

psicopata comunitário. Quase sempre, possuem inteligência média ou acima

da média, entretanto são frios, racionais, mentirosos, não se importam com os

sentimentos alheios e são os psicopatas ditos dissimulados. Escondem estas

características de modo que pouquíssimas pessoas consigam perceber,

sendo ainda muito manipuladores. Estes podem ser um falso amigo,

oportunista que vive se fazendo de vítima, trapaceiros, parasitas sociais,

políticos, empresários e religiosos. Essa classe de psicopatas raramente vão

para a cadeia, porém, quando comentem algum ato ilícito, vão para a prisão e

são tidos como presos de bom comportamento. São considerados

comportados, não se envolvem em confusões e dissimulam uma aparência

de inocentes, de modo que os outros presos e seguranças não se convencem

de que aquela pessoa tão calma seja capaz de cometer alguma atrocidade.

Por esses motivos, são os que mais facilmente conseguem enganar a todos,

fazendo com que diminuam o tempo de pena na cadeia.

Psicopata de grau moderado a grave: são denominados também como

psicopatas antissociais, a maioria apresenta as mesmas características de

psicopatia leve, porém, apresentam condutas que os colocam contra à

sociedade em geral fazendo com que sejam mais facilmente inseridos no

meio carcerário. Existem em menor número, mas, uma vez que satisfazem

quase ou todos os critérios para a personalidade antissocial, são mais

facilmente vulneráveis a delitos graves e chocantes. Costumam ser

agressivos, impulsivos, frios, sádicos, mentirosos, não possuem empatia e

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são mais facilmente associados a psicopatas autores de grandes golpes ou

assassinos e serial killers, passam também desapercebidos com frequência.

Os de grau moderado não raramente, estão infiltrados no meio das drogas,

álcool, jogo compulsivo, direção imprudente, vadiagem e promiscuidade e

vandalismo, além de grandes golpes e graves estelionatos.

Psicopatia grave: são os assassinos sádicos, estes, obtêm prazer,

principalmente sexual, quanto assistem o sofrimento de outra pessoa. São

indivíduos problemáticos em demasia, sob o ângulo emocional. Em contraste

a essas características, de modo semelhante ao psicopata comunitário,

podem apresentar-se como uma pessoa normal perante na sociedade.

Escondem-se facilmente, maquiando uma personalidade sombria que às

vezes torna-se visível para familiares, visto que é um ambiente que abriga

inúmeras discussões. São totalmente frios, sem remorso e ausentes de

sentimentos carinhosos para com outros seres humanos, esses indivíduos

não conseguem conter por muito tempo seus impulsos sádicos. Mesmo que

saibam com perfeição que seu comportamento é inapto e totalmente

repudiado pela sociedade, persistem em suas assustadoras práticas. É

comum nessas pessoas, um histórico de doenças neuropsiquiátricas como

depressão, déficit de atenção, transtornos de ansiedade ou outros distúrbios

de personalidade, além de um persistente sentimento de vazio existencial e

tédio. Em decorrência disso buscam muitas vezes inconstantes e novos

estímulos. Ficam entediados com muita facilidade e procuram algo novo e

diferente para fazerem. A sua dificuldade está em terminar o que começam.

Quando crianças, geralmente sofreram algum tipo de trauma significante o

que pode ser considerado agravante da psicopatia. Em muitos casos, foram

crianças mais reservadas ou introvertidas, mas que, por vezes, apresentavam

traços de transtorno de conduta.

Ligadas a essas classificações, existem outras com características ainda

mais peculiares, conforme abordou Silva (2012.p.7):

Psicopatas Amorais: são indivíduos insensíveis, anti-sociais ou perversos, destituídos de compaixão, de vergonha, de sentimentos de honra e conceitos éticos; não sentem simpatia pelas pessoas de seu grupo social e tem conduta lesiva ao bem-estar e a ordem

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estabelecida. Os seus crimes ocupam todos os registros, roubo, furto, estelionato, fraude, homicídio – tudo revestido de insensibilidade diante do fato, ou até de vaidade. Esses psicopatas são absolutamente infensos ao pudor e a opinião pública, e seu delito resulta da excessiva intensidade dos seus instintos e de nenhuma inibição, pois carecem de consciência moral. É inútil qualquer tentativa de reeducação ou regeneração, pois não existe na sua personalidade o móvel ético sobre que se possa influir. Psicopatas Astênicos: são indivíduos sensitivos e assustadiços, que fogem ao menor incidente, que desmaiam ao ver sangue, de extrema labilidade emocional e incapazes de inibição, como também são dominados pelo sentimento de incapacidade e inferioridade, seres insatisfeitos. Não traz perigo algum a sociedade. Psicopatas Explosivos: são indivíduos irritáveis e coléricos, reagem com reações primitivas e por atos impulsivos. Ante os estímulos afetivos explodem com total brutalidade e injustiça, e em regra não guardam lembrança do fato, dada a turvação da consciência no momento da ação. Muitos desses explosivos revelam-se como tais somente durante a embriaguez. Esses psicopatas chegam frequentemente aos delitos de sangue imotivados ou insuficientemente motivados, cometem agressões pessoais, resistência às autoridades, praticam estragos materiais, maltratam animais. Psicopatas Fanáticos: são as pessoas que se caracterizam pela extremada importância que concedem a certas ideologias, sejam ligadas a determinados sistemas religiosos, filosóficos ou políticos. Jamais tem uma atitude neutra ante um tema, uma vez participem de uma discussão exaltam-se e extremam-se nas contendas, às vezes de maneira dramática, em torno de assuntos estranhos ou insignificantes. Psicopatas Hipertínicos: caracterizam-se pelo humor alegre e vivo, e certa atividade; há os mais ou menos equilibrados, mas inquietos, os irritáveis, rabujentos, egocêntricos, discutidores. Por vezes vivem amigavelmente, aparentam placidez e felicidade, e subitamente explodem em fúria desproporcionada com o estímulo, e entram em discussões e agressões. Alguns se mostram permanentemente irritáveis, outros manifestam pronta inclinação e disposição para ciúmes para com a pessoa do sexo oposto. Psicopatas Ostentativos: correspondem, na descrição de Schneider aos mentirosos mórbidos e defraudadores. São indivíduos vaidosos, que procuram aparentar mais do que aquilo que na realidade são. É a mitomania. Esses psicopatas ostentadores aliam a mentira e a farsa à fraude. São pessoas de humor alegre, de maneiras afáveis e otimistas, sorridentes e solicitas, mostram certo brilho intelectual, fazem relações e amizades facilmente, adquirem conhecimentos superficiais sobre arte, literatura e tecnologia, e de tudo usam para convencer suas vítimas. Do ponto de vista psicológico, tem ambição de adulto e imaginação de criança, e em certa medida incapazes de exercício da responsabilidade civil e penal. Psicopatas Sexuais: são perversões ou aberrações sexuais primitivas, caracterizadas pela intensidade do instinto como pelo desvio deste em sua natureza e finalidade.

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Desde já, nota-se que há correlação entre as variáveis características dos

psicopatas, sendo assim, é preciso investigar a presença dessas correlações, o nível

de julgamento moral, e o grau de frieza emocional. Ideia com a qual corrobora

Barros (2011.p.36). Para este autor, o julgamento moral é flexível, e há dilemas de

pontos de vista, resultando em incoerência quando se realiza julgamentos

direcionados às diversas classes de psicopatas e suas infrações, quando percebidas

pela sociedade.

Quanto se visualiza as diversas classificações de psicopatia, podem ser

verificadas várias semelhanças com comportamentos de doenças mentais,

questiona-se a hipótese de tratamento deste transtorno de personalidade.

Vê-se o levantamento de várias discussões no decorrer de pesquisas

bibliográficas a respeito da recuperação dos psicopatas. Entretanto, não se encontra

nenhuma comprovação efetiva e precisa que remeta a tratamento psiquiátrico ou

psicológico. O fato é que psicopatas não estabelecem vínculos emocionais para que

ocorra uma terapia efetiva que os beneficiem.

Também levantando a hipótese de terapia na psicologia forense, depara-

se com a mesma barreira, que é a incapacidade do psicopata de apresentar

resultados positivos pela incapacidade de formar vínculos.

Nota-se que, apenas é possível vislumbrar que uma equipe de

profissionais especializados, em suas pesquisas, consigam levantar estratégias

suficientes para abranger o comportamento na psicopatia, apontando para manejo e

reinserção destes indivíduos no meio social.

Não se deve deixar de dar importância que, embora sejam tratados por

classificações conceituais diversificadas, o comportamento é o mesmo para

psicopatas e sociopatas e possíveis outras denominações apresentadas na

literatura.

Outro fator que merece atenção é a influência do meio que resulta em

comportamentos agressivos e violentos. Até que se chegue a uma classificação

específica dentro do conceito de psicopatia, questiona-se o motivo de tais práticas

que destoam da normalidade. Podem então serem chamados de fatores extrínsecos

(MILHOMEM, 2011).

Porém, por existirem menores criminosos, questiona-se também se

existem fatores intrínsecos. Ou seja, cabe analisar o tipo de influência sob a ótica da

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violência demonstrada por crianças. É ainda obscura a hipótese de alguém já nascer

com características de psicopatia.

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3 PSICOPATIA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Para que se possa chegar ao conceito de dignidade da pessoa humana, é

importante que sejam realizadas as análises presentes no texto de Andrade (2008):

Um indivíduo, pelo só fato de integrar o gênero humano, já é detentor de dignidade. Esta é qualidade ou atributo inerente a todos os homens, decorrente da própria condição humana, que o torna credor de igual consideração e respeito por parte de seus semelhantes. Constitui a dignidade um valor universal, não obstante as diversidades sócio-culturais dos povos. A despeito de todas as suas diferenças físicas, intelectuais, psicológicas, as pessoas são detentoras de igual dignidade. Embora diferentes em sua individualidade, apresentam, pela sua humana condição, as mesmas necessidades e faculdades vitais. A dignidade é composta por um conjunto de direitos existenciais compartilhados por todos os homens, em igual proporção. Partindo dessa premissa, contesta-se aqui toda e qualquer ideia de que a dignidade humana encontre seu fundamento na autonomia da vontade. A titularidade dos direitos existenciais, porque decorre da própria condição humana, independe até da capacidade da pessoa de se relacionar, expressar, comunicar, criar, sentir.

A consagração da dignidade da pessoa humana na carta magna,

conforme Novelino (2012.p.380), tem como consequência o reconhecimento de que

a pessoa não é simplesmente um objeto reflexo da ordem jurídica. Devendo

constituir uma relação entre o indivíduo e o Estado com a presunção a favor do ser

humano e de sua personalidade.

A análise do que atualmente chama-se de dignidade da pessoa humana

no Brasil, decorre de alguns pontos históricos abordados por Nunes (2009):

Dignidade é um conceito que aos poucos foi criando-se, sendo moldado com o decorrer da história da humanidade, e chega ao século XXI com muito significado, como um valor supremo, construído pela razão jurídica.É fato que, quando o homem pensa em Dignidade da Pessoa Humana, vem à mente apenas pessoas que “mereçam” essa dignidade, que, na concepção de muitos, são apenas pessoas que “praticam o bem”. O ser humano tende apenas a olhar em seu redor, e achar que as pessoas merecedoras dessa garantia são, além de si próprios, seus amigos, familiares, vizinhos, conhecidos [...] No entanto esquecem-se do objetivo principal: o próprio ser humano, que, conforme o art.

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5º da Constituição Federal é o indivíduo com direitos e deveres, igual em todas as proporções, não devendo ser tratado com indiferenças. Já datado de Séculos passados, é nato dos homens o sentimento de julgamento e vingança, onde várias atrocidades aconteceram, por motivos fúteis, porém, esse relativismo histórico queremos afastar, pois serve de justificativa para àqueles que desde o início queriam praticar maldades. Citando um exemplo bem conhecido por todos, oriundo da Mitologia Bíblica, o julgamento entre Jesus Cristo e Barrabás. Um foi preso por pregar o evangelho, e o outro era homicida. A população escolheu soltar o segundo, pois para a maioria, Jesus Cristo não era “aceitável”. Se trouxermos este exemplo para os dias atuais, poderemos verificar inúmeros casos, não semelhantes pela obviedade, mas por conter o mesmo peso de indiferenças.

Há a presunção de que, tendo toda pessoa a dignidade garantida pela

Constituição Federal Brasileira, não é possível retirar o criminoso como não detentor

desse direito. Logo, o psicopata tem a garantia da dignidade da pessoa humana a

seu favor, posto é que direito inerente ao ser humano.

Como este estudo busca novas formas de lidar com o psicopata para que

haja controle evitando ameaças à sociedade desde a descoberta do crime até a

prevenção de reincidência, verifica-se a relevância e a necessidade de mensurar até

que ponto é o criminoso tratado em conformidade com o princípio da dignidade da

pessoa humana, é de extrema relevância.

Ocorre que a dificuldade encontra-se em tratar sobre psicopatia,

protegendo a coletividade, porém sem ferir a dignidade da pessoa humana no

tratamento com o criminoso psicopata.

No decorrer da leitura de todas as fontes neste trabalho utilizadas, nota-

se que esta inquietação pode ser amenizada, desde que novas propostas coerentes

com a Carta Magna, sejam minuciosamente consideradas em relação ao condenado

com psicopatia. Porém não tão simples de se alcançar, posto que demanda

aprovação e por consequência, espera de tempo e adequação das novidades.

A interrupção de carreira de crimes se defronta e ganha facilmente

abertura devido à fragilidade do Estado no que se refere ao sistema prisional, e

ainda, a um contexto social econômico e psicológico no qual estão inseridos os

criminosos. A questão da dignidade da pessoa humana vai muito além da forma de

tratar aquele que já é condenado, já que o que motiva a prática de crimes vem de

anos de possíveis deficiências de fatores externos quanto à qualidade do ambiente

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em que vivem, pela ausência de melhores condições de vida. Ou seja, quanto aos

outros direitos e garantias fundamentais, se não estão ao alcance das classes

desfavorecidas economicamente, a tendência do aumento de criminalidade

associada a transtornos mentais inevitavelmente existirá.

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4 PSICOPATIA NA POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA

No âmbito do direito penal brasileiro há uma orientação de um sistema de

políticas criminais, seguindo os preceitos do Estado Democrático de Direito. Logo,

lhe é conferido, um caráter estritamente instrumental. Ou seja, as normas e ações

penais sempre expressam um dado modelo de política criminal - liberais ou

conservadores. Considera-se que refletir sobre o direito penal é considerar um

modelo de política normatizado que, em razão das múltiplas possibilidades de

interpretação no contexto sócio cultural, jamais será um modelo estático, mas

dinâmico sempre, em permanente transformação (GUINDANI, 2009).

A implementação de um modelo penal é papel do Estado, entretanto há

insatisfação na sua aplicabilidade, pois, não há uma resposta que corresponda aos

anseios da sociedade. Ainda busca-se êxito em segurança pública e o bem estar

social, mantendo, sobretudo, a integridade dos preceitos constitucionais,

garantidores da ordem democrática (RAAD, 2006).

A meta ainda não alcançada está enlaçada em respeito às possibilidades

de se encontrar um modelo penal realmente eficaz na prevenção e na repressão à

criminalidade, de modo a não desrespeitar direitos e garantias individuais dos

cidadãos. Deve-se considerar a degradante desigualdade econômica vivida pela

sociedade brasileira e o aumento desenfreado nos índices de violência nas grandes

cidades (RAAD, 2006).

O princípio da individualização da pena, que tem por finalidade fazer com

que prevaleça o interesse de reeducação e ressocialização do condenado,

considerando ainda o artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988, deparam-

se com o impasse quando se questiona qual a solução e a pena que devem sofrer

os psicopatas homicidas (SOUZA et al, 2010.p.2).

Quanto à imputabilidade, que é a capacidade de querer e entender do

indivíduo, sendo estes os que sofrem a pena (VAZ, 2012). Este perfil está

relacionado às características mentais do psicopata.

Ainda sobre o conceito de imputabilidade Vaz (2012.p.2) menciona: “A

imputabilidade deve ser aferida quanto ao momento em que o agente pratica o fato

ilícito, ou seja, deve-se verificar se, ao tempo da ação ou omissão, tinha ele a

capacidade de entendimento ou determinação”.

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Porém, quando os psicopatas cumprem a pena, mostra-se o sistema

prisional uma fragilidade, pois voltam às ruas automaticamente e logo voltam a

praticar crimes (DILLIUS e HARTMANN, 2011). Entretanto, não há no Brasil a prisão

perpétua, e nem a castração química que poderiam evitar a exposição dos

psicopatas como ameaça para a sociedade. Sofrem portanto os presos comuns no

caos prisional brasileiro, sendo ainda mais um problema a ser solucionado com

urgência por meio da humanização no caso específico dos psicopatas. A solução

parece transitar ente as práticas inconstitucionais e os tratamentos não

ambulatoriais já que não são inimputáveis. Todas estas observações se justificam

pelo comportamento do psicopata, os dispositivos constitucionais e infra

constitucionais no âmbito penal.

A complexidade da resolução deste impasse está diretamente relacionada

à inaptidão para compreender a punição e a inteligência acima da média dos

psicopatas. Psicopatas são verdadeiros líderes em presídios e tem grande

capacidade para influenciar pessoas (BUDÓ et. al. 2013).

Sobre os psicopatas e suas práticas e influências, considerou Emílio

(2013.p.11):

A quantidade de atos violentos e agressivos cometidos por psicopatas, tanto dentro quanto fora da prisão, supera em mais de duas vezes o número dos demais criminosos, não sendo esta conduta, em nenhum momento, fruto de um sofrimento emocional profundo ou de fatores precipitantes incompreensíveis que normalmente impulsionam indivíduos comuns a cometerem crimes. [...]os psicopatas culpam suas vítimas por terem sido tolas e impotentes ou então afirmam que elas tiveram o destino que mereceram, minimizando, assim, as consequências danosas de suas ações ou simplesmente demonstrando total indiferença.

Na execução penal analisa-se a necessidade de uma prestação

jurisdicional que exerça autonomia ao lidar com qualquer tipo de criminoso em sua

relação.

Porém, não é possível deixar de voltar-se para o princípio da dignidade da

pessoa humana, cujo valor é inestimável e deve ser reconhecido a todas as

pessoas. Não importando o local onde se encontrem, já que a dignidade nasce com

a pessoa e é seu patrimônio indisponível e inviolável (SILVA, 2010).

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Nesse contexto faz-se necessário, considerar em qual categoria em que

se enquadram os psicopatas. Ou seja, se devem ser regidos pelo sistema atual

chamado Vicariante, sendo aquele que consiste em estabelecer pena ou medida de

segurança, conforme artigo 98 do Código penal.

4.1 As características atuais da psicologia e psiquiatria no âmbito forense

brasileiro

A personalidade psicopática é sem dúvida um dos maiores problemas

enfrentados pelos psiquiatras em psiquiatria forense. Ocorre a análise por meio de

exame pericial composto por exames diretos e indiretos, história pessoal e familiar,

exame clínico, psicopatológico, avaliação psicológica, discussões e conclusões.

Sendo que no exame clínico e psicopatológico, verifica-se: comportamento,

discurso, humor, ideias delirantes, alucinações e ilusões, traços de personalidade,

orientação auto e alopsíquica, memória, concentração e atenção, inteligência e

pensamento, conhecimentos gerais (CAROLO, 2005).

Neste mesmo estudo salienta-se que, a psiquiatria forense exerce sua

competência quando há pedido de juízes, advogados das famílias ou até mesmo da

parte visada.

Estas informações remetem a critérios e possibilidades de lidar com o

psicopata criminoso, sendo ele preso provisório ou preso definitivo. E surge o

questionamento sobre a ausência de dispositivos legais para que sejam sempre

analisados os condenados ou até mesmo aqueles que ainda estão respondendo a

um procedimento judicial. O fato é que nem sempre existiram pedidos de juízes

advogados de familiares ou até mesmo do próprio demandado para que se realize

uma análise do seu perfil psicológico (BARROCA, 2012).

A psicologia jurídica carece de maior aplicabilidade para o sucesso na

identificação do criminoso psicopata bem como de acompanhamento tanto de

condenados a pena restritiva de liberdade psicopatas ou não. Não há clareza sobre

a identificação de psicopatas associados a crimes específicos. E por isso, fica

facilitado o aumento de crimes dentro das próprias penitenciárias e rebeliões

lideradas por psicopatas.

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Desta forma, é possível corroborar com o estudo de Barroca (2012),

quando afirma que a psicopatia ainda se encontra invisível na justiça brasileira. Faz-

se necessária uma delimitação criminalística de atuação severa neste ramo. A Lei

de Execução Penal, 7.210/84 não oferece recursos para que práticas efetivas diante

do assunto psicopatia aconteçam. No Brasil, a psiquiatria é pouco procurada, sendo

que esta classe com suas devidas especializações, poderia utilizar de métodos

eficazes para facilitar a identificação de psicopatas, traçando um sistema de

tratamento especial especificamente para estes criminosos.

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5 CLASSIFICAÇÃO DOS PSICOPATAS ENQUANTO IMPUTÁVEIS

Silva (2008) afirma que os psicopatas cometem crimes ou práticas de má

fé em níveis menores, com total consciência do que fazem. Desta forma, não podem

ser considerados doentes. Sendo inimputáveis aqueles que têm doença mental

exemplificada pela esquizofrenia e semi-imputáveis os portadores de transtornos

menores, resta ao psicopata a classificação de imputável. E ainda que receba a

classificação de semi-imputável, merece o tratamento de imputável quanto à

aplicação das penas, em decorrência do grau de atrocidade no cometimento de

crimes de homicídio.

Resta designar aos psicopatas a classificação de imputáveis, posto que

agem com culpa e merecem tratamento específico porque não são reeducáveis pela

mera condenação e cumprimento de penas proporcionais aos delitos cometidos.

Ainda assim, para conclusão destas afirmativas, verifica-se o conceito de

classes de criminosos quanto à aplicabilidade de pena, de acordo com Silva (2010)

para semi-imputável:

O agente tem alguma consciência da ilicitude de sua conduta, mas sua culpabilidade é diminuída em razão de suas condições pessoais, não tem a plenitude da capacidade intelectiva e volitiva, não tem supressão completa do juízo ético, e são em regra mais perigosos que os insanos. São esses os Semi-imputáveis ou de Imputabilidade diminuída.

Já sobre imputabilidade, deve-se ater:

Ser imputável é ter capacidade para praticar crime, ou, na definição da lei, ser inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato que praticou ou de se determinar de acordo com esse entendimento. Não existe crime sem lei. ‘Matar alguém em legítima defesa não é crime’. O crime é, assim, uma montagem da lei penal, na verdade só existe no mundo da lei. São vários os parâmetros considerados pela lei penal para dizer o que é crime. Um deles é o querer (dolo direto) ou assumir o risco, que é o mesmo que aceitar, admitir ou concordar (dolo indireto).¹

1 1 Disponível em: http://oab-mg.jusbrasil.com.br/noticias/2162016/artigo-malucos-sao-imputaveis-publicado-na-edicao-de-23-04-do-jornal-o-tempo

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A mera análise de conceitos associada à classificação de psicopatia,

mostra que podem os psicopatas serem considerados como imputáveis.

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6 POSSÍVEIS MEDIDAS ALTERNATIVAS

A prática da punição de quem infringe as leis de um povo, tem um

histórico de transformações. As mudanças têm direta relação com a realidade

política e econômica, já que através de um regramento jurídico, os movimentos

deste sistema, carecem de investimento para a sua melhoria e adequação a

realidade e necessidade. Vê-se isso no contexto social, sendo papel do Direito,

acompanhar as mudanças que a sociedade precisa.

Não raramente, surgem discussões em decorrência da própria

criminalidade no Brasil, sobre o sistema penitenciário. Há inúmeras dificuldades

atualmente que são apontadas pelo descaso de autoridades competentes no

cuidado deste assunto (BUDÓ et. al, 2013).

Os portadores da psicopatia, sendo tratados como criminosos comuns

pela inexistência assídua de reconhecimento destes dentro dos presídios, agravam

ainda mais a questão da segurança também nas penitenciárias, estendendo o perigo

para fora delas. Ocorre que são indivíduos sem remorsos, que sentem prazer em

fazer o outro sofrer. Por terem relacionamentos destrutivos, em qualquer ambiente

ou com qualquer pessoa com quem se relacionem, e diante de sua conduta

predatória, estes indivíduos se transformam no maior inimigo do ser humano.

Silva (2010), sobre os psicopatas e a prisão no Brasil, mencionou:

No Brasil não existe prisão especial para o psicopata, desta forma ele fica junto aos demais presos, criminosos comuns. Em sua estadia, finge um bom comportamento por saber que em virtude dessas ações a pena poderá ser reduzida, mas na verdade, ele é o indivíduo manipulador que lidera rebeliões e prejudica a reabilitação dos demais presos que acabam agindo de forma cruel para sobreviver.

Ainda sobre o sistema prisional brasileiro, Dullius e Hartmann (2011),

refletiram sobre as seguintes questões:

O Brasil convive com um abandono do sistema prisional, o que deveria ser um instrumento de ressocialização, muitas vezes, funciona como escola do crime, devido à forma como é tratado pelo estado e pela sociedade.

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Quanto ao papel do Estado, o mesmo não está cumprindo o estabelecido, em diversos diplomas legais, como a Lei de Execuções Penais, Constituição Federal, Código Penal, além das regras internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso. Anote-se, que a Lei de Execuções Penais, em seu art. 1º, estabelece que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado,”, além disso, a mesma norma prevê a classificação, assistência, educação e trabalho, aos apenados, o que visivelmente, não é cumprido na sua integralidade.

Considerando que a psiquiatria tem ainda controvérsias sobre a definição

clara de psicopatia, mas que considerável parcela concorda que ao praticar

maldades e delitos, os psicopatas têm perfeita consciência dos seus atos, é possível

uma compreensão de que podem ser considerados imputáveis.

O problema reflete no estudo de Abreu (2014), posto que o Código

Penal não disciplina sobre os psicopatas. Esta omissão também não afasta qualquer

interpretação acerca do assunto. E ainda, o legislador não ofereceu um critério para

se basear e possibilitar o reconhecimento da inimputabilidade e semi-imputabilidade.

Em contrapartida, a psiquiatria oferece instrumentos para analisar a psicopatia em

concordância com o que dita o Código Penal Brasileiro. Portanto , resta o

pensamento de que, se psicopatas não agem como criminosos comuns, não devem

ter tratamento igual. Ou seja, tratamento diferente para os diferentes, deve ser

designado.

Logo, na ausência de menção sobre portadores de psicopatia na

legislação penal brasileira, deixa uma lacuna para que se sugira uma lei específica

para psicopatas como uma alternativa para lidar com esta classe de criminosos.

Vale ressaltar, que a divulgação sobre o comportamento dos graus de psicopatia

que oferecem risco para a sociedade, deve ocorrer para que a mera ignorância da

população não favoreça para a prática de atos não só delituosos mas também

traumáticos. Um ato incomum deve ser evitado para que não seja motivação de uma

nova mente perturbada, sem equilíbrio que reflita também num bom convívio com os

demais, além de preservar a dignidade.

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6.1 Lei específica para os psicopatas

Os psicopatas que tendem a receber penas, em sua maioria, são aqueles

que comentem delitos graves, tais como homicídios. Estes têm as suas principais

características citadas por Santos (2012):

Teatralidade, mentiras sistemáticas;

Desconsideração pelos sentimentos alheios, frieza, sedução;

Habilidade para manipular pessoas e liderar grupos;

Egoísmo exacerbado, egocentrismo e incapacidade para amar;

Ausência de empatia, de sentimentos afetuosos, éticos e altruístas;

Responsabilização de terceiros por seus atos;

Inteligência acima da média;

Banalização do indivíduo;

Problemas na auto-estima;

Comportamento anti social inadequadamente motivado;

Impulsividade;

Insinceridade;

Amoralidade;

Intolerância a frustrações;

Incapacidade para aprender com punição ou com experiências.

Considerando os psicopatas como imputáveis, devem receber esta

classificação no decorrer do procedimento penal para que ao iniciar o cumprimento

da pena na comprovação do dolo, fique em área designada especial para essa

classe, nos presídios. Esta sugestão para o legislador, deve ser acatada como

competência do psicólogo forense. A identificação do psicopata pode se dar

aplicando a escala de Hare elaborada a seguir.

6.2 Escala de Hare

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A escala Psychopathy Checklist (PCL), é de autoria de Robert D. Hare. A

partir de uma pontuação, um sujeito pode ser considerado psicopata, tornando a

escala apta para utilização em contexto nacional. O PCL é o primeiro exame

padronizado exclusivo para o uso no sistema penal do Brasil, e tem a pretensão de

avaliar a personalidade do preso e prever a reincidência criminal, buscando separar

os bandidos comuns dos psicopatas (AMBIEL, 2006).

Um procedimento padronizado no Brasil seria um ótimo método já que,

considerando as rebeliões e seus líderes nos presídios brasileiros, nota-se que, se

são identificados alguns dos homicidas como psicopatas. Entretanto não há nada

que comprove que esta classe de criminosos recebe tratamento específico no

cumprimento da pena em regime fechado.

É inexistente a eficácia na identificação de psicoatas homicidas. Estes

não passam por uma avaliação psiquiátrica para que mostre sobre à forma de

atuação de suas mentes na prática dos crimes.

Como o caráter punitivo não é recepcionado na mente do psicopata, o

que o Estado pode fazer para resguardar a sociedade, ao tomar conhecimento e

puni-lo, é ter maior controle sobre os atos praticados a fim de evitar a reincidência de

crimes, sejam eles fora ou dentro dos presídios brasileiros.

O teste avalia basicamente em identificar as seguintes características:

Pessoa bem articulada, similar as características de bom marketing pessoal;

Ego Inflado;

Ótima capacidade de argumentação;

Vício em adrenalina;

Reação desproporcional diante de situações inesperadas;

Impulsividade;

Comportamento Antissocial;

Falta de Culpa;

Sentimentos Superficiais;

Falta de Empatia;

Irresponsabilidade;

Má conduta na infância

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O material restrito a psiquiatras, atribui a cada característica acima

descrita, uma pontuação e seu somatório pode ou não resultar no diagnóstico de

psicopatia.

Já o estudo de Oliveira 2012 explicou com maior exatidão, como se aplica

a escala de Hare. Segundo este estudo, O PCL-R, possui uma lista de 20 sintomas

e necessita de um julgamento clínico de um especialista para aplicar a pontuação.

Cada sintoma da lista é avaliado em uma escala de 3 pontos, variando de 0 a 2.

Quando se utiliza 0, há a indicação de ausência de um sintoma, 1 significa a

possível presença de um item, e 2 é utilizado para pontuar quando não há dúvidas

da presença do sintoma. Se o analisado marcar 30 pontos ou mais, é considerado

psicopata. Hare também realizou uma divisão na qual o chamado fator 1, possui 8

itens relacionados com o fator interpessoal/afetivos, posto que são correspondentes

a comportamento interpessoal e expressão emocional. Já o fator 2, tem relação com

o estilo de vida socialmente desviante/antissocial. Estes itens podem também ser

caracterizados como que sobrepõem e não sobrepõem. Tais fatores estão presentes

no quadro abaixo:

Quadro 1: Itens que sobrepõem e não sobrepõem

Itens que se sobrepõem Itens que não se sobrepõem

Lábia/charme superficial – fator 1 Ludibriador/manipulador – fator 1

Senso grandioso de autoestima – fator 1 Necessidade de estimulação – fator 2

Mentira patológica – fator 1 Estilo de vida parasita – fator 2

Ausência de remorso ou culpa – fator 1 Controle deficiente do comportamento –

fator 2

Afeto superficial – fator 1 Problemas comportamentais precoces –

fator 2

Crueldade/falta de empatia – fator 1 Muitas relações conjugais de curta

duração – fator 2

Falha em aceitar responsabilidade pelas

próprias ações – fator 1

Revogação da libertação condicional –

fator 2

Comportamento sexual promíscuo – Deliquência juvenil – fator 2

Falta de objetivos realistas de longo -

prazo – fator 2

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Impulsividade – fator 2

Irresponsabilidade – fator 2

Versatilidade criminal

Fonte: Oliveira, 2012. Disponível em: http://www.puc-

rio.br/pibic/relatorio_resumo2011/Relatorios/CSS/DIR/DIR_Alexandra%20Carvalho%

20Lopes%20de%20Oliveira.pdf.

Em 2010, o deputado federal Marcelo Itagiba apresentou um projeto de lei

que foi criado com a seguinte finalidade:

Alterar a Lei nº 7.210, de 1984, Lei de Execução Penal, para criar comissão técnica independente da administração prisional e a execução da pena do condenado psicopata, estabelecendo a realização de exame criminológico do condenado a pena privativa de liberdade, nas hipóteses que especifica.

Outra justificativa para aplicação da escala de Hare também é

apresentada no mesmo projeto:

...Assim, o que o PCL . R pretende diferenciar são os psicopatas dos não psicopatas, segundo a proposta de Hare. Um dos principais objetivos da escala é identificar os sujeitos com maior probabilidade de reincidência criminal, sendo assim, além de um instrumento diagnóstico importante para tomada de decisão acerca do trâmite do condenado no sistema penal, uma ferramenta para separar os que apresentam tal condição daqueles que não a apresentam, com vistas a não prejudicar a reabilitação dos chamados criminosos comuns. Se tais procedimentos fossem utilizados dentro dos presídios brasileiros, certamente os psicopatas ficariam presos por muito mais tempo e as taxas de reincidência de crimes violentos diminuiriam significativamente. Nos países onde a escala Hare (PCL) foi aplicada com essa finalidade, constatou-se uma redução de dois terços das taxas de reincidência nos crimes mais graves e violentos. Atitudes como essas acabam por reduzir a violência na sociedade como um todo.

Nesse contexto, verifica-se que há fundamentação suficiente para que

seja elaborada uma nova lei que trate somente dos criminosos diagnosticados como

psicopatas.

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6.3 Monitoramento eletrônico

Há mais uma situação relevante para tratar no que se refere a evitar que

exista reincidência de prática de crimes cometidos pelos psicopatas já condenados,

seja após o cumprimento da pena, ou no momento de já cumprimento de regime

fechado.

Sobre a tornozeleira eletrônica, Prudente (2014), considerou:

Diante da situação atual de intensa criminalidade e da superlotação carcerária, dos custos do encarceramento, bem como dos efeitos nefastos da pena de prisão e da corrupção que corrói o aparelho estatal, faz-se imperiosa a criação de novas possibilidades de cumprimento das penas. Considera-se que a pura e simples adoção de medidas repressivas tem se mostrado insuficiente para lidar com o fenômeno da criminalidade. Em virtude desse quadro, o chamado monitoramento eletrônico (ME) tem surgido como uma interessante alternativa ao encarceramento em diversos países do mundo. É dizer, o monitoramento eletrônico é uma alternativa tecnológica à prisão utilizada na fase de execução da pena, bem assim na fase processual e, inclusive, em alguns países, na fase pré-processual.

A previsão legal para o monitoramento existe e também foi mencionada

no estudo de Prudente (2014):

Depois de intensos debates, entrou em vigor a Lei n.º12258 de 15 de junho de 2010, que altera o Código Penal (Decreto-Lei n.º 2.848/1940) e a Lei de Execução Penal (Lei n.º 7.210/84) e prevê a possibilidade do uso de equipamentos de monitoramento eletrônico (vigilância indireta) de presos (por adesão voluntária). A lei permite a imposição da fiscalização, por meio da monitoração eletrônica, quando for autorizada saída temporária para aquele que estiver sob o regime semiaberto, ou quando a pena estiver sendo cumprida em prisão domiciliar, conforme o disposto nos incisos II e IV, do art. 146-B da Lei de Execução Penal. Desta forma, foi afastada a possibilidade de monitoração eletrônica no cumprimento dos regimes aberto e semiaberto, das penas restritivas de direitos, do livramento condicional e da suspensão condicional da pena.

Uma opção para o controle destes indivíduos seria o monitoramento

eletrônico. Isso se justifica, porque, como já se conhece as características do

psicopata, pode inibi-lo, ao saber que está desta forma monitorado, tenderá a

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cometer menos crimes aonde quer que esteja por já ser considerado suspeito em

potencial.

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7 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa foi realizada através de revisão da literatura, pesquisa em

livros e, principalmente, em artigos científicos e ainda, através da aplicação de

questionários direcionados a psicólogos e psiquiatras. O método utilizado foi o

dedutivo, sendo que tem por base a lei geral. Neste estudo, justifica a utilização

deste método já que parte da concepção geral da psicopatia e a eficácia do atual

tratamento do ordenamento penal brasileiro, para sugestões de medidas alternativas

direcionadas apenas aos psicopatas. Assim, é possível verificar a possibilidade de

redução de crimes de homicídio e estupros.

7.1 Tipo de pesquisa

Trata-se de uma pesquisa exploratória, conforme conceitua

Theodorson e Theodorson (PIOVESAN e TEMPORINI, 1995 apud THEODORSON e

THEODORSON, 1970):

Estudo exploratório: um estudo preliminar cujo principal objetivo é familiarizar-se com um fenômeno que é investigar, de modo que os grandes estudos possam ser projetados com maior compreensão e precisão. O estudo exploratório (pode usar qualquer uma das variedades de técnicas, normalmente com uma pequena amostra) permite ao investigador definir o seu problema de pesquisa e formular sua hipótese com mais precisão. Ele também permite escolher as técnicas mais adequadas para a investigação e para decidir sobre as questões que mais necessitam de atenção e investigação detalhada, e pode alertá-lo para potenciais dificuldades, sensibilidades, e as áreas de resistência.

Esta pesquisa, ao utilizar o estudo exploratório, busca precisão para

responder o tema problema apresentado, por meio da pequena amostra pesquisada

com as respostas obtidas por meio de entrevistas com psicólogos e psiquiatras.

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7.2 Pesquisa quanto à natureza

Neste estudo, o pesquisador atua como instrumento fundamental,

investigando o significado que alguns profissionais dão ao assunto psicopatia,

expondo sua preocupação científica com o modo que a legislação brasileira lida com

esta classe de criminosos. Portanto tem-se o ambiente natural como fonte de dados

direta para o pesquisador, caracterizando uma pesquisa qualitativa.

Para Minayo (2003, p. 16-18), a pesquisa qualitativa é o caminho do

pensamento a ser seguido. Ocupa um lugar central na teoria e trata-se basicamente

do conjunto de técnicas a ser adotado para construir uma realidade. A pesquisa é

assim, a atividade básica da ciência na sua construção da realidade. A pesquisa

qualitativa, no entanto, trata-se de uma atividade da ciência, que visa à construção

da realidade, mas que se preocupa com as ciências sociais em um nível de

realidade que não pode ser quantificado, trabalhando com o universo de crenças,

valores, significados e outros construtos profundos das relações que não podem ser

reduzidos à operacionalização de variáveis.

Optou-se pela abordagem qualitativa nesta pesquisa, já que proporciona

o investigador como instrumento chave. A análise dos dados foi realizada de forma a

não requerer o uso de técnicas e métodos estatísticos, a preocupação central girou

em torno de dar maior ênfase na interpretação e a atribuição dos resultados.

7.3 Análise de conteúdo

A análise de conteúdo, parte da pesquisa qualitativa específica aplicada a

este estudo. Analisa-se a frequência com que as respostas se dão especificamente

para cada pergunta, proporcionando a viabilidade de medidas alternativas para lidar

com o criminoso psicopata. Assim, as respostas do tema problema têm maior

chance de precisão.

A análise de conteúdo trabalha tradicionalmente com materiais textuais

escritos. Há dois tipos de textos: textos que são construídos no processo de

pesquisa, tais como transcrições de entrevista e protocolos de observação; textos

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que já foram produzidos para outra finalidade quaisquer, como jornais ou

memorandos de corporações. Na análise de conteúdo o ponto de partida é a

mensagem, mas deve ser considerado as condições contextuais de seus produtores

e assenta-se na concepção crítica e dinâmica da linguagem (PUGLISI; FRANCO,

2005, p. 13).

A análise de conteúdo é considerada uma técnica para o tratamento de

dados que visa identificar o que está sendo dito a respeito de determinado tema

(VERGARA, 2005, p. 15). Nesta investigação foram feitas análises das respostas

dadas pelos profissionais entrevistados e, ao mesmo tempo, teve a preocupação em

contextualizar, onde se considerou como um dos principais requisitos, para garantir

a relevância dos resultados coletados acerca do psicopata criminoso.

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8 ANÁLISE DE CONTEÚDO E BREVE DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Para responder se o atual tratamento direcionado aos criminosos

psicopatas no sistema penal brasileiro atual e ainda, sugerir novas medidas para

lidar com esses, foi realizada uma pesquisa exploratória para análise qualitativa,

através da aplicação de um questionário estruturado com quinze perguntas

direcionadas a psicólogos e psiquiatras. A amostra foi composta pela participação de

cinco especialistas, sendo um psiquiatra e quatro psicólogos. Deste modo, faz-se

uma investigação sobre a visão majoritária dos entrevistados, comparando-a com os

estudos já existentes realizados por outros autores e tem-se o resultado final com a

possibilidade de respostas novas para tratar especificamente dos psicopatas

brasileiros e seu melhor tratamento sob o prisma da legislação penal brasileira,

mesmo ainda de modo incipiente, por se tratar de uma temática complexa e não

muito explorada.

Seguem no quadro abaixo, as perguntas e respostas mais frequentes e a

interpretação dos conteúdos, com vistas a dialogá-los com a literatura vigente

abordada ao longo deste estudo.

Quadro 2: Pergunta 1: Quais os procedimentos oriundos da psicologia/psiquiatria, conhecidos por você, são necessários para caracterizar o perfil de um psicopata?

Especialista 1 O estudo do corte longitudinal (histórico

e acompanhamento ao longo da vida).

Especialista 2 Ainda não há um instrumento totalmente

confiável para o diagnóstico. A

observação atenta do comportamento do

examinando, técnicas projetivas, gráficas

e o Inventário de Psicopatia de Hare, o

PCL.

Especialista 3 Pode-se utilizar de testes psicológicos que indicam o perfil da personalidade, ou também pode ser utilizada a anamnese psicológica e ou psiquiátrica.

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Especialista 4 Quando caracterizado de forma diversa

dos diagnósticos diferenciais, pode-se

arriscar a hipótese de psicopatia.

Especialista 5 Por meio de entrevistas e testes.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Nos artigos e livros pesquisados, há uma predominância ao mencionar

sobre procedimentos para identificar o perfil de um psicopata, que é PCL de Hare.

Entretanto, nenhum desses estudos confirma como método oficial, embora

considere como uma boa ferramenta de identificação. Entre os estudos que

corroboram estão Silva (2008), Oliveira 2012, Nunes (2011), Miranda (2007), pelo

menos.

Quadro 3: Pergunta 2: Há uma escala de avaliação para diagnosticar o psicopata? Qual? Justifique.

Especialista 1 Não há uma escala oficial.

Especialista 2 A que considere que seja leve, grave ou

moderada.

Especialista 3 Desconhece.

Especialista 4 Escala de Hare.

Especialista 5 Não há teste reconhecido pelo Conselho

Federal de Psicologia.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Tanto o estudo de Barros (2011), Silva (2008) quanto o de Silva (2010)

utilizam como referência os graus leve, moderado e grave. Esses mesmos autores

mencionaram a escala de Hare como meio possível para verificar o grau de

psicopatia, bem como o de sua identificação.

Quadro 4: Pergunta 3: Psicopatia é uma doença ou um distúrbio? Especialista 1 Uma doença.

Especialista 2 Distúrbio de caráter.

Especialista 3 Conforme os manuais de classificação

(CID 10 e DSM 5), é um fenômeno

psiquiátrico chamado de transtorno. Mas

pode ser considerado um modo de

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funcionamento da personalidade.

Especialista 4 Não é um doente, nem louco. É um

desviante das normas da ética e da

moral.

Especialista 5 É um doente que passa por sofrimento

mental.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Silva (2008), embora médica com especialização em psiquiatria, não

considera a psicopatia como doença, mesmo com o estudo do significado da palavra

que remete a doença. Nenhum estudo utilizado nesta pesquisa considera o

psicopata como doente, tampouco como normal. O resultado dos estudos científico

equivale às respostas dos especialistas entrevistados.

Quadro 5: Pergunta 4: Dê o seu conceito de psicopatia. Especialista 1 É uma doença da mente.

Especialista 2 São indivíduos calculistas, dissimulados,

mentirosos, frios, sem escrúpulos,

sedutores e extremamente egoístas. São

os sem consciência.

Especialista 3 São indivíduos que não mantêm posição empática com os outros, normalmente são frios emocionalmente e distanciados da afetividade comum, podem ser manipuladores, calculistas e dissimulados, as variações vão desde simples estelionatários até pedófilos e ou serial killers.

Especialista 4 Psicopatia é quando o sujeito é contrário

às leis que regem o bom funcionamento

da sociedade, não têm ética, muito

menos moral, agem para satisfazer o

seu prazer.

Especialista 5 Sujeito de profunda solidão existencial

que precisa de apaziguamento pelo

prazer sádico.

Fonte: Resultados da pesquisa.

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O conceito de psicopatia, além do significado da palavra em sua

etimologia, é exatamente o mesmo para todos os autores pesquisados e

colaboradores deste trabalho de conclusão de curso.

Quadro 6: Pergunta 5: O psicopata criminoso pode ser ressocializado? Você conhece casos concretos a esse respeito?

Especialista 1 No meu ponto de vista não. Vide as

manchetes dos jornais.

Especialista 2 Não.

Especialista 3 Não. Eles tentem inexoravelmente a

reincidir.

Especialista 4 Não acredito na ressocialização de

casos assim e não conheço casos desse

tipo.

Especialista 5 Sim. Mas desconheço casos concretos.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Não foi encontrada nada que confirmasse a ressocialização do criminoso

psicopata. Mas a sugestão de acompanhamento nesta pesquisa pode ser

exemplificada pelo artigo de Barroca (2012) afirma que a psicopatia ainda se

encontra invisível na justiça brasileira.

Quadro 7: Pergunta 6: O psicopata é imputável, semi-imputável ou inimputável? Especialista 1 É inimputável completo, isto é deve se

aplicar a medida de segurança em manicômio judicial.

Especialista 2 Inimputável.

Especialista 3 Semi-imputável.

Especialista 4 Imputável.

Especialista 5 Inimputável.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Todos os conceitos e classificações vistos neste estudo remetem ao

pensamento de que o psicopata é imputável por ter consciência dos seus atos. Silva

(2010) conceituou o semi-imputável como aquele que tem capacidade intelectiva e

volitiva sem plenitude. Sendo o imputável aquele completamente capaz de entender

o caráter ilícito do fato. Entre os investigados há divergências sobre o assunto,

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existindo para eles hipóteses de inimputável, semi-imputável e imputável. Persiste a

dúvida sobre psicopatia ser ou não doença.

Quadro 8: Pergunta 7: A personalidade caracterizada como psicopata, tem capacidade de administrar conflitos?

Especialista 1 Não

Especialista 2 Não

Especialista 3 Sim, pois são frios e calculistas.

Especialista 4 Não

Especialista 5 Não. Tem habilidades comprometidas,

pois passa por grande sofrimento.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Mesmo sendo considerados por totalidade dos autores citados como frios

e calculistas, os estudiosos que colaboraram, não acreditam que sejam os

psicopatas capazes de administrar conflitos.

Quadro 9: Pergunta 8: Há possibilidade de amenizar ou tratar o comportamento agressivo de psicopatas criminosos, a partir de conhecimento dos motivadores extrínsecos que possuem?

Especialista 1 Não.

Especialista 2 Não.

Especialista 3 Não se sabe ainda.

Especialista 4 Sim, é possível amenizar.

Especialista 5 Sim, é possível amenizar.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Nenhum estudo presente nesta monografia afirma que é possível

amenizar o comportamento agressivo do psicopata, desde que se conheça a sua

origem. Entretanto, alguns colaboradores veem essa possibilidade. Neste sentido,

há que se aprofundar, no âmbito da psiquiatria e psicologia para a confirmação

desta hipótese, já que permanece obscura.

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Quadro 10: Pergunta 9: O que se entende por motivadores intrínsecos e extrínsecos que se relacionam com a psicopatia?

Especialista 1 Trata-se de uma doença mental que

independe dos motivadores quer sejam

intrínsecos ou extrínsecos.

Especialista 2 Trata-se de um “distúrbio do caráter” que

independe desses motivadores.

Especialista 3 Não se sabe ainda com relação à

psicopatia.

Especialista 4 Intrínsecos são aqueles que ligados ao

seu desejo. Extrínsecos são condições

que se apresentam e que o aguçam a

realizar satisfação.

Especialista 5 Não trata de fatores intrínsecos.

Extrínsecos são os ambientais e

subjetivos.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Oliveira (2012) traz a informação de que 50% de características genéticas

podem ser atribuídas a alguém e o restante dependendo da influência do meio no

qual vive, quem tem essa predisposição. Considerando o psicopata como doente,

cabe a premissa de Oliveira (2012), e há entre os colaboradores ideia igual. Mas

prevalece a tese, entre os demais autores, de que há certamente a influência de

fatores extrínsecos, como sendo os ambientais.

Quadro 11: Pergunta 10: Qual seria a melhor forma de tratamento para um psicopata criminoso?

Especialista 1 Tratamento psiquiátrico em manicômio

judiciário.

Especialista 2 Tratamento psiquiátrico e prisão.

Especialista 3 Acompanhamento psiquiátrico e psicológico.

Especialista 4 Tratamento não há - encarceramento é o

melhor tratamento para a saciedade.

Especialista 5 Tratamento psicológico.

Fonte: Resultados da pesquisa.

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Araújo (2011), bem como Silva (2008), apresentam o psicopata como

aquele que tem consciência da ilicitude dos atos que praticam, encaixando a classe

em imputáveis. Os mesmos estudos mostram que a denominação se refere à

doença, e se visualizada sob essa ótica, cabe à classificação de inimputáveis.

Quadro 12: Pergunta 11: Quais medidas devem ser aplicadas para lidar com um psicopata condenado a regime fechado, quando sua presença já se dá num presídio?

Especialista 1 Tomar todas as precauções de

segurança.

Especialista 2 Medidas de segurança.

Especialista 3 Ainda não se sabe.

Especialista 4 Estudar suas ações para saber como

lidar com ele.

Especialista 5 As mesmas aplicadas a qualquer pessoa

que já tenha sido condenada.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Este questionamento remete a pensar no psicopata com base também no

princípio da isonomia. Silva (2008), afirma que os psicopatas são verdadeiros líderes

dentro dos presídios, aumentando o índice de criminalidade mesmo no período de

cumprimento de pena em regime fechado. Considerando as respostas dos

colaboradores, verifica-se a necessidade de tratar os psicopatas de forma

diferenciada dos demais criminosos, bem como tratá-los como todos os

condenados.

Quadro 13: Pergunta 12: É possível tratar um psicopata com terapia medicamentosa, a fim de evitar que volte a cometer crimes com características de autoria de psicopata sexual?

Especialista 1 Não.

Especialista 2 Não.

Especialista 3 Não.

Especialista 4 Sim, desde que encarcerado e ainda que

se certifique que ele engoliu o remédio,

ou ainda medicação intravenosa.

Especialista 5 Sim em caso de surto agudo.

Fonte: Resultados da pesquisa.

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Não há estudo divulgado sobre esta abordagem até a elaboração desta

monografia. Deixando as observações dos especialistas como fonte para análise

dessa pergunta.

Quadro 14: Pergunta 13: A psicoterapia deve ser utilizada nos presídios para monitorar e tratar o psicopata condenado?

Especialista 1 Não.

Especialista 2 Não.

Especialista 3 Sim.

Especialista 4 Não com a finalidade de tratamento,

mais sim de pesquisa.

Especialista 5 Sim. Todas as pessoas precisam de um

suporte psicológico.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Sobre a psicoterapia nos presídios para monitorar os psicopatas, não há

previsão legal, nem o conhecimento de um estudo científico que auxilie com certeza.

Porém, o resultado aqui mostrado, confirma que deve todo ser humano, buscar

suporte psicológico. Já que todos sofrem mudanças e mudanças causam conflitos.

Quadro 15: Pergunta 14: A tornozeleira eletrônica deve ser utilizada em todos os psicopatas que já cumpriram a pena em regime fechado por matar alguém?

Especialista 1 Sim, mas apenas para a sua localização.

Especialista 2 Sim, porém apenas para a sua

localização.

Especialista 3 Sim, mas facilitaria apenas a sua localização.

Especialista 4 Sim.

Especialista 5 Sim, desde que todos os apenados

tenham o mesmo tratamento.

Fonte: Resultados da pesquisa.

O monitoramento eletrônico é bem visto com unanimidade pelos

entrevistados, embora como eficácia restrita. É também previsto na Lei de Execução

Penal.

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Quadro 16: Pergunta 15: Você acredita que seja possível realizar uma análise psicológica do criminoso que mata alguém, durante todo o período de procedimento judicial para diferenciar criminosos comuns de criminosos psicopatas?

Especialista 1 Sim.

Especialista 2 Sim.

Especialista 3 Sim.

Especialista 4 Sim.

Especialista 5 Sim.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Sobre a relevância do papel do perito judicial na área criminal, não há

dúvida nesta pesquisa e ainda tem amparo no estudo de Oliveira (2012). O que falta,

é retirar a limitação da atuação somente na diagnose de doença mental.

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9 CONCLUSÃO

O assunto psicopatia é ainda desconhecido para o Direito Penal

Brasileiro. Verifica-se que a mera associação desta denominação a um criminoso, já

enfrenta grandes dificuldades. Trata-se de assunto interdisciplinar, cujo êxito para

lidar nesse âmbito, depende da atuação de juristas, peritos, psicólogos e psiquiatras,

amparados por estudos científicos aprofundados.

Sobre o conceito de psicopatia, é um transtorno de personalidade,

caracterizado basicamente, pela ausência de empatia pelo próximo. Entretanto,

apenas essa observação não é o suficiente para se afirmar que alguém é psicopata.

Diversos fatores devem ser considerados nesta análise. A escala de Hare é um

método que pode ser utilizado tanto para a identificação quanto para a classificação

deste transtorno de personalidade.

Nos estudos citados nesta monografia, nota-se que concordam os autores

no que tange as características principais dos psicopatas. O psicopata que, de

acordo com a lei penal brasileira, comete crimes mais graves, age com truculência

associada a ótima capacidade racional, frieza, sem remorso e com total consciência

da ilicitude ou da gravidade dos atos praticados. São sedutores e envolvem quem os

cerca com muita facilidade. Porém, há um estudo que justifica o comportamento com

desvio de conduta do psicopata, considerando a existência de 50% de predisposição

genética e os demais 50% implicam em grande transtorno a depender da influência

do meio. Colocar o psicopata como quem passa por grande sofrimento mental, é

também uma informação que deve ser considerada, já que veio de um especialista

que contribui com a pesquisa.

Tem o psicopata a garantia da dignidade da pessoa humana, presente no

artigo 5º da Constituição Federal Brasileira, já que é direito inerente ao ser humano.

Porém, na atualidade, conforme as fontes científicas, só há análise aprofundada

sobre psicopatia no sistema judicial, quando determina o juiz, deferindo o pedido de

uma das partes. O acompanhamento psicológico e psiquiátrico dentro dos presídios

é de grande relevância, embora não há estudos mostrando que é bem aplicado na

prática. Mesmo porque não se cumpre na integralidade, sequer o suficiente para

existência de harmônica integração social, assistência, educação e trabalho aos

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apenados, conforme dispõe o artigo 1º da referida lei. Portanto, fica claro que o

psicopata recebe tratamento geral na lei brasileira sem qualquer menção específica.

Ao considerar a hipótese de inimputabilidade do psicopata, deve ser

considerada como barreira, a ausência de limitação do prazo de duração da medida

de segurança. Mas, o entendimento majoritário é de que o psicopata, cometendo

estelionato, estupro, homicídio ou qualquer outro ilícito penal, é imputável.

Entretanto, como não tem características de loucura, mas também não tem senso

moral e ético, merece um tratamento com algumas peculiaridades. Trata-se de uma

classe sui generis.

Uma lei específica para lidar com o psicopata também poderia facilitar a

forma de conferir o tratamento a este tipo de criminoso. A alteração da Lei de

Execução Penal, já ofereceria um norte para facilitar a atuação do Estado diante

dessa situação, se aproximando de um equilíbrio. As alterações na lei penal

brasileira poderiam proporcionar a identificação dos criminosos que são psicopatas,

bem com oferecer estrutura diferenciada para esse transtorno de personalidade no

cumprimento de pena em regime fechado, desde que enfrentada a problemática do

abandono do sistema prisional. Por fim, o uso do monitoramento eletrônico seria

válido para localização de psicopatas, se aproximando da finalidade da redução de

reincidência de crimes.

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REFERÊNCIAS

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ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. O princípio fundamental da dignidade humana e sua concretização judicial. 2008. Disponível em: http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=5005d7e7-eb21-4fbb-bc4d-12affde2dbbe&groupId=10136. Acesso em: 19. nov. 2014.

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