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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 783 (Ano IX) (18/01/2017) ISSN - - BRASÍLIA 2017 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 783 · » A função social da propriedade ... aquela escuridão no coração que o separa do rebanho. E aquela vida dupla, aquela vida dupla

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 783

(Ano IX)

(18/01/2017)

 

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BRASÍLIA ‐ 2017 

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 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. SHN. Q. 02. Bl. F, Ed. Executive Office Tower. Sala 1308. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

18/01/2017 Carlos Eduardo Rios do Amaral 

» Para onde caminha o Brasil?

ARTIGOS  

18/01/2017 Rafael de Oliveira Taveira » Presidencialismo de coalizão: releitura sociopolítica a partir do instituto das medidas 

provisórias 

18/01/2017 Paulo Sergio Oliveira de Carvalho Filho 

» Imposto de renda e sua incidência (ou não) nas indenizações por danos materiais e 

morais 

18/01/2017 Vinícius Oliveira Gomes Lima 

» O uso da videoconferência no interrogatório do réu preso como uma medida rápida e 

viável da diminuição da superlotação dos presídios brasileiros 

18/01/2017 Ricardo Costa de Lima 

» Conjugação de leis penais: processo de integração de normas em benefício do réu ou 

criação inconstitucional de uma "lex tertia". 

18/01/2017 Tauã Lima Verdan Rangel 

» Apontamentos ao Inventário da Oferta Turística: Breves Comentários aos 

Instrumentos fixados pela Lei nº 11.771/2008 

18/01/2017 Camila da Silveira Jales 

» Da desnecessidade da outorga conjugal para a alienação do patrimônio empresarial 

18/01/2017 Lesimônia Soares Costa 

» A função social da propriedade 

 

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PARA ONDE CAMINHA O BRASIL?

CARLOS  EDUARDO  RIOS  DO  AMARAL:  Defensor Público do Estado do Espírito Santo. 

Dois de janeiro de 2017, oitenta presos são encontrados brutalmente assassinados dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus. O episódio foi o segundo no Brasil em número de mortos, perdendo apenas para o Massacre do Carandiru, em 1992.

Do Vaticano, o Papa Francisco manifestou sua dor pela tragédia ocorrida na Penitenciária de Manaus. Para o Santo Padre as instituições prisionais brasileiras devem ser locais de reabilitação e reintegração social e as condições de vida dos detidos devem ser dignas de seres humanos.

Jesus Cristo pregando no Templo de Jerusalém para a multidão que o ouvia, sob o olhar atento de escribas, fariseus e sacerdotes, respondendo como será a salvação para o Reino dos Céus no final dos tempos, nos ensinou:

“Estive na prisão, e foste me ver. Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos na prisão, e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mateus, 25).

Noutra oportunidade, Jesus esclareceu que sua missão era salvar o que tinha se perdido:

“Que vos parece? Se algum homem tiver cem ovelhas, e uma delas se desgarrar, não irá pelos montes, deixando as noventa e nove, em busca da que se desgarrou? E, se porventura achá-la, em verdade vos digo que maior prazer tem por aquela do que pelas noventa e nove que se não desgarraram” (Mateus 18).

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Muitas vezes incompreendido por alguns que assistiam e ouviam seus atos e ensinamentos, repreendeu o Nazareno aos fariseus, enquanto comia entre publicanos e pecadores:

“Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes. Eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento” (Mateus 9).

Para o Papa Francisco todos temos algo de ovelha perdida. Certa vez disse o Sumo Pontífice:

“A ovelha perdida não se perdeu porque não tinha uma bússola. Conhecia bem o caminho. Se perdeu porque o coração estava doente, cego por uma dissociação interior e foge para ficar longe do Senhor, para saciar aquela escuridão interior que a levava à vida dupla: estar no rebanho e fugir para a escuridão. O Senhor conhece estas coisas e vai a sua procura. A figura que melhor me faz entender o comportamento do Senhor com a ovelha perdida é o comportamento do Senhor com Judas.

A mais perfeita ovelha perdida no Evangelho é Judas: um homem que sempre, sempre tinha algo de amargo no coração, algo a criticar nos outros, sempre separado. Não sabia da doçura da gratuidade de viver com todos os outros. E sempre, esta ovelha não estava satisfeita – Judas não era um homem satisfeito! – fugia. Fugia porque era ladrão, ia para aquele outro lado, ele. Outros são luxuriosos, outros... Mas sempre escapam porque têm aquela escuridão no coração que o separa do rebanho. E aquela vida dupla, aquela vida dupla de tantos cristãos, e também, com dor, podemos dizer, sacerdotes, bispos... E Judas era bispo, era um dos primeiros bispos, eh? A ovelha perdida. Pobre! Pobre este irmão Judas como o chamava padre Mazzolati, naquele sermão tão bonito. ‘Irmão Judas, o que acontece no teu coração?’. Nós devemos entender as ovelhas perdidas. Também nós temos sempre algo, pequeno ou nem tanto, das ovelhas perdidas”.

Atualmente o Brasil tem o quarto maior número de presos do mundo, são 622.202 encarcerados. São 622.202 ovelhas perdidas que nos devem revelar o verdadeiro significado de ser cristão, 622.202 doentes que necessitam de cura, de arrependimento de um passado vacilante.

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Os valores cristãos não se dissociam do Estado Democrático de Direito, muito menos o contrário. A dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a construção de uma sociedade justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais, o bem de todos sem discriminação, a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos que constituem fundamentos e objetivos da República brasileira assentam suas raízes no ideal cristão primitivo.

O Direito não precede a caridade, a bondade e a compaixão. A ciência do Direito procura auxiliar o ser humano e as Nações a encontrarem um modo de convivência social fraterno e pacífico. O Direito positivado não revoga o direito natural da pessoa humana à busca da felicidade e da paz.

Estado laico não é um Estado sem Deus, sem passado, sem escrúpulos. O laicismo não revoga o caminhar cristão, o laicismo não se presta à promoção gratuita do ódio pelo ódio. O laicismo pode ser resumido na parábola do Bom Samaritano: a compaixão que deve ser aplicada a todas as pessoas, indistintamente, sem obstáculos.

O massacre de presos nas penitenciárias brasileiras no início deste novo Ano de 2017 revela que nosso País vem abandonando suas ovelhas, desprezando seus doentes. Mais que um descumprimento de determinado preceito legal, a carnificina em nossos presídios atinge os próprios fundamentos e objetivos do Estado Brasileiro, derivados de preceitos cristãos intransigíveis.

Para onde caminha o Brasil?

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PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO: RELEITURA SOCIOPOLÍTICA A PARTIR DO INSTITUTO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS

RAFAEL DE OLIVEIRA TAVEIRA:Procurador da Fazenda Nacional, pós graduando em Direito Público.

Resumo: o presente trabalho realiza uma análise do instrumento legislativo das medidas provisórias, situando-as na sistemática do presidencialismo de coalizão e analisando seus efeitos e características. Para esse fim, a referida pesquisa enquadra-se, enquanto pesquisa teórica de cunho bibliográfico e de caráter explicativo, através de revisão literária. Ao final, conclui que as medidas provisórias são instrumentos indutores da coalizão, além de constituírem uma forma de participação do Poder Legislativo no planejamento e execução de políticas públicas. Sumário: 1. Introdução. 2. Presidencialismo de coalizão e medidas provisórias. 3. Conclusão. 4. Referências bibliográficas.

Introdução

A Constituição Federal de 1988, de forte caráter programático, atribuiu maiores poderes normativos ao Executivo diante da necessidade de efetivação dos direitos sociais nela previstos. O Presidente da República foi dotado de competência para editar as chamadas medidas provisórias, ato normativo com força de lei, editado em caso de relevância e urgência, de submissão imediata ao crivo do Congresso Nacional, conforme previsto no art. 62 da Constituição Federal.

A instituição da medida provisória não somente se deu pela tradição brasileira em atribuir ao Executivo prerrogativas legislativas, mas também a fim de possibilitar ao Executivo atender, de forma célere, às necessidades de uma sociedade complexa, configurando “um instrumento normativo ágil de tomada de decisões” (DAMOUS; DINO, 2005, p. 151).

Uma vez concebida para regular situações extraordinárias - de urgência e relevância -, cumpre analisar o papel desempenhado por este

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instrumento legislativo na sistemática de governo denominada presidencialismo de coalizão, presente de forma mais intensa, no Brasil, a partir da redemocratização.

1. Presidencialismo de coalizão e medidas provisórias

Pode-se definir presidencialismo de coalizão[1] como o sistema presidencial de governo no qual a governabilidade se dá pela formação de coalizão parlamentar mais abrangente que o partido do Presidente, servindo de apoio às políticas públicas governamentais, o que se reflete na distribuição de pastas ministeriais e no exercício do poder de agenda legislativa pelo Executivo. (SAMPAIO, 2007. 127). Por governabilidade, entende-se que é a “capacidade de um sistema político de produzir políticas públicas que resolvam os problemas da sociedade, ou, dizendo de outra forma, de converter o potencial político de um dado conjunto de instituições e práticas políticas em capacidade de definir, implementar e sustentar políticas.” (CASTRO SANTOS, 1997, p. 344).

Como bases institucionais do presidencialismo de coalizão, isto é, o conjunto de possibilidades disponíveis ao Presidente para buscar a coalizão com o Congresso Nacional, tem-se que a primeira seria o poder de livre nomeação de ministros, de modo a refletir no conjunto de assessoramento da Presidência o apoio obtido junto ao Legislativo; a segunda seria a concentração dos trabalhos parlamentares na pessoa de seus líderes, o que fortalece o arranjo partidário como forma de refletir, no Governo, os interesses representados pelos ministros aliados. Como última base e, especialmente relevante a este estudo, tem-se os poderes legislativos do Presidente da República como conformadores da agenda política[2]. (SAMPAIO, 2006, 134).

Nesse sentido, a agenda política é o conjunto de compromissos e o momento nos quais estes são assumidos e cumpridos por determinado Governo. Já o poder de agenda, para a ciência política, é “a capacidade de determinar não somente quais propostas serão consideradas pelo Congresso Nacional, mas também quando o serão”, o que indica que os poderes legislativos do Presidente são determinantes para influenciarem o processo político, ao interferirem diretamente no processo legislativo e na atuação parlamentar.

Com efeito, a prerrogativa do Executivo de poder influenciar o processo legislativo, além de ser uma forma indutora de coalizão como

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assinalado acima, guarda relação com a concretização da eficiência democrática. Eficiência democrática, nas lições de Matthew Shugart e John Carey, é “a capacidade do processo eletivo em servir como um meio para que os eleitores possam identificar e escolher entre os candidatos disponíveis para o Governo.”[3] (SHUGART; CAREY, 1992, p. 7-8, tradução livre).

Isto significa que, em uma democracia eficiente, as eleições devem possibilitar um processo de escolha por parte dos eleitores que, ao identificar claramente os projetos apresentados, se escolhido, possa este projeto de fato ser efetivamente implementado (ABRAMOVAY, 2010, p. 44). Neste caso, a implantação do projeto governamental se dá com a aprovação de políticas públicas junto ao Congresso Nacional, o que induz o Executivo a buscar a cooperação do Parlamento.

[...] não isentam o Executivo da necessidade de apoio do Legislativo para governar, pois este é o locus onde se dá a palavra final sobre as propostas legislativas. O Executivo precisa negociar com o Legislativo para ter sua agenda aprovada. E essa aprovação implica a possibilidade de ajustes na proposta. Quando submetida ao processo legislativo, a proposta do Executivo está sujeita a mudanças e aprimoramentos. O grau de contribuição varia conforme as regras e os procedimentos, bem como com a aglutinação com os interesses da coalizão majoritária. Aliás, esse passa a ser o eixo da relação entre o Executivo e o Legislativo: como formar maiorias e lidar com elas no Congresso. (SILVEIRA E SILVA; DE ARAÚJO, 2010, p. 3).

De fato, o que se percebe é que no sistema presidencialista brasileiro, o Executivo deve dividir seu papel de protagonista na condução do Governo com o Congresso Nacional com vistas a manutenção da governabilidade e eficiência democrática. E esta cooperação somente é possível tendo em vista as bases institucionais do presidencialismo de coalizão acima mencionadas.

Antes de haver um cenário de disputa por espaço político, ensejando a paralisia decisória, comumente apontada como ponto negativo do sistema presidencialista, a engenharia constitucional do presidencialismo de coalizão induz à cooperação tanto na formulação subjetiva do Governo com

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a formação do gabinete ministerial, quanto na sua manutenção, haja vista a busca da governabilidade pelo Executivo a partir da base de apoio sediada no Congresso Nacional. (SAMPAIO, 2007, p. 122). Frise-se, ainda, que a influência do Executivo no momento de discussão e tomada de decisões no âmbito do Congresso, ou seja, na agenda política, em muito afasta esta paralisia.

[...] pode-se dizer viável o clima de cooperação que gere entrega de função legislativa ao Presidente, [...]. Tal hipótese é mais provável do que o clima conflituoso que se espera em sistema de governo com separação de poderes aparentemente geradora de inércia governativa. Ainda que o Presidente seja apoiado por base parlamentar minoritária, é dotado de instrumentos que lhe permitem buscar maior sustentação. Ademais, mesmo que queira ele isolar-se, o Congresso, de seu turno, tem como forçá-lo a ceder, o que se dá a partir da coesão partidária em torno das lideranças, bem como da própria voz da maioria. [...]. (SAMPAIO, 2006, p. 126).

Delineado o ambiente indutivo à cooperação no qual se dá a relação entre o Executivo e o Legislativo no presidencialismo brasileiro, cumpre dirigir o estudo ao instituto das medidas provisórias inseridas neste contexto. Como dito, os poderes legislativos do Executivo servem de indutores à coalizão, uma vez que influem no poder de agenda do Congresso.

No caso das medidas provisórias, o poder de conformar a agenda é ainda maior, dado que desde a sua edição já modifica o status quo então existente. Dessa forma, a reação do Congresso diante de tal instrumento “é determinada não por uma análise anterior de seus pontos positivos e negativos, [...] mas por uma apreciação de seu mundo real e efeitos em tempo real, desde seu implemento por decreto.” Ou seja, a decisão dos parlamentares não é feita “com base na sabedoria de implementação de política em primeiro lugar, mas com base nos custos e benefícios de seu afastamento, uma vez já em vigor.”[4] (SAMPAIO, 2007, p. 170). Ademais, se não houver deliberação do Congresso em 45 dias da publicação da medida provisória, na redação do § 6º do art. 62, da Constituição Federal[5], há o trancamento de pauta para deliberações

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legislativas[6] da Casa na qual estiver tramitando, compelindo os parlamentares ao debate.

Como se sabe, o art 62 da Constituição brasileira prevê a possibilidade de o presidente editar medidas provisórias em casos de relevância e urgência. Trata-se de importante arma nas mãos do Executivo porque a edição de uma medida provisória implica a imediata alteração do status quo. Ao analisá-la, o Congresso não opta entre o status quo anterior (SQ) e aquele a ser produzido pela promulgação da medida (SQmp), mas sim entre SQmp e uma situação em que a MP é rejeitada após ter vigorado e surtido efeito (MPrej). Digamos que para a maioria dos legisladores a seguinte relação de preferências seja verdadeira: SQ >SQmp >MPrej, onde o símbolo > significa “é preferido a”. Logo, a maioria aprova a MP. Se fosse introduzida como um projeto de lei ordinária, a MP seria rejeitada. Por surtir efeito no ato de sua edição, o recurso à edição de MPs é uma arma poderosa nas mãos do Executivo. Os congressistas podem ser induzidos a cooperar. (FIGUEREIDO; LIMONGI, 2001, p. 26).

As medidas provisórias ainda são entendidas como mecanismo de monitoramento de impacto de decisões governamentais, incluindo, por sua vez, o Poder Legislativo no debate quanto ao planejamento e execução de determinada política pública. Inseridas na coalizão governamental, externada na forma de gabinete extenso com apoio das lideranças, as medidas provisórias servem “à adequação, pelo Parlamento, da vontade do Executivo a um denominador comum que congregue a própria vontade parlamentar.” (SAMPAIO, 2007, p. 171). Nesse sentido:

[...] o intervalo entre a emissão de uma MP pelo Executivo e sua votação pelo Congresso é justamente o período que tem o último para escutar possíveis alarmes de incêndio acionados pelos grupos sociais afetados pela MP (...) trata-se de um mecanismo de monitoramento eficiente e de baixo custo, convenientemente à disposição de um Congresso notoriamente despreparado, do ponto de vista técnico, para avaliar o impacto de decisões governamentais.

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(AMORIM NETO; TAFNER, 2002 apud SAMPAIO, 2007, p. 171).[7]

Dessa forma, conquanto seja do Presidente a iniciativa de implementação de determinada política, por meio de medida provisória, esta permite ao Legislativo a participação direta na formulação de políticas públicas da agenda governamental, inclusive quanto à sua impressão do impacto de tomada de determinada decisão. (SAMPAIO, 2007, p. 171).

Por exemplo, frise-se que a Constituição Federal dispõe, na alínea a, VI, do art. 84, a possibilidade de adoção de decreto autônomo para dispor sobre a “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”, conferindo ao Presidente maior liberdade na adoção de medidas de caráter administrativo, permanecendo, no entanto, a necessidade de lei formal para criação de tais órgãos. Nesse sentido, destaca Gustavo Henrique Taglialegna, o caso da MP n. 103, de janeiro de 2003, convertida na Lei n. 10.683, que dispõe sobre a organização da Presidência e dos Ministérios, a qual, desde sua edição, passou por treze alterações, sendo onze delas por meio de medidas provisórias. (2008, p. 7).

Como visto, as medidas provisórias servem de mecanismo indutor à coalizão de que dispõe o Presidente para buscar a cooperação do Legislativo na implementação de políticas públicas, possibilitando a este último, inclusive, a participação nos debates quanto ao implemento de matérias de cunho fortemente administrativo.

Nesse sentido, dentro do ambiente de cooperação que envolve o presidencialismo de coalizão brasileiro, o uso das medidas provisórias tem sido instrumento largamente utilizado pelo Presidente para execução de políticas públicas, representando bem a maneira de como se dá a relação entre os poderes. De fato, na concepção de parte da doutrina política, há um processo sistemático de delegação da função legislativa[8].

Em estudo comparativo sobre o poder de emitir decretos com força de lei, Carey e Shugart (1995a) sugerem interpretação diversa [9]das relações Executivo – Legislativo geradas por esse tipo de instituto. Em lugar de abdicação, argumentam, o mais adequado seria falar em “delegação” de autoridade. Sendo esse o caso, o Legislativo delegaria poderes legislativos ao Executivo visando superar problemas

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de ação coletiva, coordenação e instabilidade das decisões aos quais estaria particularmente sujeito. A delegação visaria, assim, a garantir mais estabilidade às decisões e maior eficiência aos resultados de políticas. Ou seja, a delegação de poderes ao Executivo não impediria o Legislativo de alcançar os objetivos por ele desejados. Além disso, como argumentam os autores, seria talvez a única maneira de alcançar tais resultados. (FIGUEREIDO; LIMONGI, 2001, p. 126).

Com efeito, afirmam Figueiredo e Limongi que a existência de poderes legislativos extraordinários delegados ao Executivo traz vantagens comparativas no desempenho de suas tarefas a ambos os poderes.

Vista como uma forma de delegação [...], a existência dos poderes legislativos extraordinários do Executivo pode ser benéfica para ambas as partes. No caso, tanto o poder Legislativo, que deixa de exercer funções legislativas ou as exerce em menor grau, quanto ao Executivo que assume essas novas funções, ganhariam com esse arranjo institucional. Assim, a relação Executivo-Legislativo deixa de ser vista necessariamente como um jogo de soma zero. Dito de maneira positiva, poderes legislativos excepcionais nas mãos do Executivo podem propiciar ganhos para o Legislativo e resultar em cooperação entre os dois poderes. (2001, p. 126).

Assim, além da possibilidade de participar do governo, influenciando políticas na agenda governamental, Sampaio destaca mais uma importante razão para explicar os motivos pelos quais o Congresso, neste entendimento, ente delegante, procede à delegação. Em estudo realizado por D.Roderick Kiewiet e Mathew D. McCubbins, o fator da informação é ressaltado. Os professores norte-americanos afirmam que a burocracia executiva, concentrada em um órgão singular, detém meios mais eficazes de coleta e ordenação de dados para fins de formulação de políticas públicas do que o corpo coletivo do Congresso. Dessa forma, “a ideia de que a lentidão do coletivo o faz fraco para implemento de políticas públicas acaba por ter seu instrumental depositado em mãos do individual.”(SAMPAIO, 2007, p. 188-189).

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Compartilhando da mesma ideia, Carey e Shugart afirmam que “severos problemas de negociação encarados por legisladores, quando do implemento de políticas públicas”[10] (CAREY; SHUGART, 1998, p. 16, tradução livre) determinam sua tendência à delegação.

[...] quanto maior for a dificuldade para os legisladores construírem e manterem coalizões, maior será a utilização da via alternativa de implemento de políticas por atribuição de poder de decreto ao executivo e sua utilização. Disciplina partidária, número de câmaras, disponibilidade de informações estratégicas e lentidão de tomada de decisões, pelo parlamento, são questões aqui consideradas. (SAMPAIO, 2007, p. 189).

Não se olvida que a delegação deva ser acompanhada de mecanismos institucionais de controle da atuação do ente delegado[11], no caso, o Poder Executivo, haja vista a perda de poder inerente a esta. Ocorre que “o corpo coletivo, ao delegar ao individual, atende a necessidades próprias, pagando um preço por isso [...]. Perde-se poder momentaneamente, devendo-se criar uma série de mecanismos de mitigação de tal perda.” (SAMPAIO, 2007, 190). Essa ideia está associada diretamente à sistemática de checks and balances de controle recíproco entre os poderes.

Ambas as partes devem ter ganhos com a delegação havida, mantendo-se sempre, em mãos do delegante, poder de veto. Nesse sentido, repita-se mais uma vez que, sem interesse do Congresso Nacional, não há política que se mantenha apenas por implemento de medida provisória. O controle é diário, além disso. É feito por ministérios, estrategicamente compostos, antes da edição de medida provisória, negociando-se o seu conteúdo, bem como após a sua edição, por exemplo, por mecanismos de alarme de incêndio. Assim se tensão há, não é entre os Poderes enquanto órgãos constituídos, mas entre eles como pólos de uma relação de delegação. (SAMPAIO, 2007, p. 191).

Com efeito, este controle é comprovado por meio da constatação de ampla e incisiva participação do Legislativo no processo de tramitação das medidas provisórias. Pedro Abramovay, após analisar detalhadamente o processo legislativo das medidas provisórias, concluiu que “existe uma real

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participação do Legislativo neste processo, participação que se dá expressamente na quase totalidade dos casos.” (ABRAMOVAY, 2010, p. 87).

Não se pode afirmar que as MPs representem uma usurpação do poder de legislar por parte do Executivo. [...] O Congresso não apenas se manifesta como altera e rejeita MPs enviadas pelo Executivo, demonstrando que o controle exercido pelo Parlamento é extremamente ativo. [...] Essas conclusões demonstram que as medidas provisórias são instrumentos que permitem ao Executivo a implementação das políticas públicas para as quais foram eleitos, mas passando por um controle intenso pelo Parlamento, que não é mero espectador do processo legislativo, mas protagonista, ao lado do Executivo, na elaboração dessas normas. (ABRAMOVAY, 2010, p. 87).

Demonstra Abramovay que, após a aprovação da Emenda Constitucional n. 32 no ano de 2001[12], até o final de 2008, foram editadas 432 medidas provisórias, sendo que 88% foram convertidas em lei e 7% foram expressamente rejeitadas pelo Congresso. Tal dado demonstra que em 95% dos casos o Congresso se manifestou expressamente sobre a matéria, seja rejeitando ou aprovando as medidas provisórias[13]. Quanto à qualidade desta participação, verifica-se que 68% foram alteradas em uma das Casas do Congresso, revelando que existe um debate ativo dentro do Congresso. (2010, p. 76-77).

Nesse sentido, ambos os poderes dividem a agenda governamental, de forma cooperativa, manifestando-se o Congresso na maior parte dos processos de tramitação das medidas provisórias, sendo que “o Parlamento governa e Executivo legisla, ambos através de medida provisória.” (SAMPAIO, 2007, p. 195).

Conclusão

Em um sistema de governo no qual a governabilidade se dá pela formação de coalizão parlamentar mais abrangente que o partido do Presidente - a qual serve de apoio às políticas públicas governamentais -, os poderes legislativos atribuídos ao Executivo servem de instrumento para busca da coalizão, uma vez que conformam a agenda política, isto é, influenciam no conjunto de compromissos e no momento nos quais estes serão assumidos e cumpridos pelo Estado.

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De fato, para implementação de projeto governamental, o Executivo deve buscar a aprovação e coordenação junto ao Legislativo, o que induz à cooperação. Viu-se, nesse contexto, portanto, que as medidas provisórias constituem forte instrumento indutor à coalizão, uma vez que, a partir de sua publicação, modificam imediatamente a situação jurídica vigente, incitando o debate e a reação do Congresso Nacional.

É possível constatar ainda um histórico fenômeno político de delegação de poderes legiferantes ao Executivo como forma de superar problemas de coordenação e implementação de políticas públicas, bem como de inserir o Legislativo no processo de discussão, abrindo possibilidades de atuação e benefícios a ambos os poderes - o que de fato ocorre no país, uma vez que pôde ser constatada ampla participação do Legislativo no processo decisório das medidas provisórias.

Referências bibliográficas

ABRAMOVAY, Pedro Vieira. A separação dos Poderes e as medidas provisórias em um Estado Democrático de Direito. 2010. 97 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2010. Disponível em: . Acesso em: 24/10/2013.

AMORIM NETO, Octavio; TAFNER, Paulo. Governos de Coalizão e Mecanismos de Alarme de Incêndio no Controle Legislativo das Medidas provisórias. São Paulo: Revista de Ciências Sociais, v. 45, 2002.

CASTRO SANTOS, Maria Helena de. Governabilidade, Governança e Democracia: Criação de Capacidade Governativa e Relações Executivo-Legislativo no Brasil Pós-Constituinte. São Paulo: Revista de Ciências Sociais, v. 40, 1997, p. 335-376.

DAMOUS, Wadih; DINO, Flávio. Medidas provisórias no Brasil: origem, evolução e novo regime constitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.

FIGUEREIDO, Argelina Cheibub; LIMONGI, Fernando. Executivo e legislativo na nova ordem constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.

RAMOS, José Saulo Perreira. Parecer SR-92. Brasília: Controladoria-Geral da União, 1989, 27 p.

SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007.

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SILVEIRA E SILVA, Rafael; DE ARAÚJO, Suely Mara Vaz Guimarães. Apropriação da agenda do Legislativo: como aferir esse fenômeno. Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado. 2010. Disponível: . Acesso em: 28/11/2013.

SHUGART, Matthew; CAREY, John. Presidents and Assemblies: Constitutional Design and Electoral Dynamics, Cambrigde: University Press, 1992.

NOTAS:

[1] A origem da expressão presidencialismo de coalizão foi formulada por Sérgio Henrique Abranches, durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Da constatação da diversidade socioeconômica presente no país, o que tornava a arena política atulhada de pluralismo de valores, este constatou que a governabilidade somente seria possível por meio de grandes coalizões que ampliassem a representatividade no âmbito do Governo. Cf. ABRANCHES, Sérgio Henrique. Presidencialismo de coalizão: o Dilema Institucional Brasileiro. São Paulo: Revista de Ciências Sociais, v. 31, 1988, p. 5-33.

[2] Incluem-se nestes poderes legislativos, no arranjo constitucional brasileiro, além das medidas provisórias, a iniciativa legislativa, o pedido de urgência e o veto. Exclui-se da presente análise a hipótese das leis delegadas, porquanto estas em nada influem no poder de agenda presidencial na forma trabalhada neste estudo.

[3] “[...] ability of elections to serve as a mean for voters to identify and choose among the competing government options available to them.”

[4] Há casos nos quais a medida provisória pode ser utilizada para impor a vontade do Executivo, levando-se em conta a sua produção de efeitos imediatos, por exemplo: “Obviamente que isso serve de indução à coalizão. Por vezes o Presidente pode utilizar-se de medida provisória apenas para impor sua vontade e, assim, obter momentânea e efêmera eficácia em pontos simples de sua política governamental. É o caso em que a coalizão obtida é pontual, decorrente de edição de medida provisória sem maior diálogo com o Parlamento. O bloqueio dos cruzados é exemplo que sempre se vê nesse sentido, efetivado por medida provisória editada pelo então Presidente Fernando Collor de Mello. Sem que dispusesse de maioria congressual para sustentar tal medida provisória, o então presidente se

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valeu do fato de que, ao rejeitá-la, eventualmente, o Congresso daria azo à fluidez monetária que, por certo, levaria de volta à hiperinflação e ao colapso do sistema financeiro, ante a quebra de confiança da população na tranquilidade que o ato de depósito bancário oferecia até aquele momento. Em outras palavras, embora o Congresso não quisesse dar apoio a tal medida presidencial, a sua eficácia imediata forçou a própria aprovação, já que revogá-la poderia ser desastroso.” ( SAMPAIO, 2007, p. 170).

[5] Art. 62. [...] § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

[6] Em sede liminar, o Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal indeferiu pedido formulado por um grupo de parlamentares no MS n. 27931, de 2009, impetrado contra ato do então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, que, em resposta à Questão de Ordem n. 411-09, entendeu que o sobrestamento das deliberações legislativas previsto somente se aplicaria aos projetos de lei ordinária – espécie a qual as medidas provisórias se convertem se aprovadas - e não a todas as espécies legislativas.

[7] AMORIM NETO, Octavio; TAFNER, Paulo. Governos de Coalizão e Mecanismos de Alarme de Incêndio no Controle Legislativo das Medidas provisórias. São Paulo: Revista de Ciências Sociais, v. 45, 2002, pp. 5-38.

Frise-se que não se está a falar da forma de delegação legislativa prevista no art. 68 da Constituição Federal, referente às leis delegadas, e sim de fenômeno político mais abrangente, observado em desenvolvimento em diversos sistemas constitucionais no mundo todo, no qual se constata a protagonização do Executivo no âmbito legislativo decorrente dos diálogos constitucionais entre Legislativo e Executivo em cada Estado, consideradas as peculiaridades das formas de governo e suas características. (SAMPAIO, 2007, p. 127).

[8] Frise-se que não se está a falar da forma de delegação legislativa prevista no art. 68 da Constituição Federal, referente às leis delegadas, e sim de fenômeno político mais abrangente, observado em desenvolvimento em diversos sistemas constitucionais no mundo todo, no qual se constata a

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protagonização do Executivo no âmbito legislativo decorrente dos diálogos constitucionais entre Legislativo e Executivo em cada Estado, consideradas as peculiaridades das formas de governo e suas características. (SAMPAIO, 2007, p. 127).

[9] Conforme explica Figueiredo e Limongi (2001), interpretação diversa se refere a avaliação de parte dos analistas e políticos de que o Legislativo haveria abdicado da função legislativa, seja pela aceitação de sua inevitabilidade, seja pelo reconhecimento de sua incapacidade de responder prontamente e adequadamente a problemas complexos da atualidade, bem como pela ideia de que própria natureza da legislação de urgência impossibilitaria a imposição de limites ao Executivo. Nosso entendimento é que há de fato delegação e não abdicação. Abdicar implica perda de prerrogativa irreversível, ausência de controle, interesse e principalmente influência, o que vem sendo refutado por todo o exposto no presente trabalho.

[10] “[...] the severity of bargaining problems faced by legislators when making policy [...].

[11] Sampaio (2007) destaca alguns: “Em sistemas presidenciais com apoio majoritário no congresso, o decreto e faz regra. Como mecanismos de controle da atuação executiva, mencionam-se também a existência ou não de veto, o grau de facilidade de emenda constitucional (o que permite ao legislativo, na mesma proporção, retirar o poder de decreto das mãos do executivo, se for ele contrário aos interesses do parlamento) e, ainda, a existência de um judiciário independente em termos políticos, que serve de garantia em caso de necessidade de a ele se recorrer.” (p. 190).

[12] A EC n. 32 alterou substancialmente o processo de tramitação das medidas provisórias, impondo inclusive limites materiais para sua edição, assim como impossibilidade de reedição sucessiva.

[13] Para fins de atualização, em consulta ao site do Planalto em 20 de outubro deste ano, pode-se verificar que de 2009 até o final de 2012, foram editadas 144 medidas provisórias, tendo o Congresso se manifestado em 86% destas, o que corrobora com o exposto quanto a expressiva participação do Congresso no que tange ao trâmite das medidas provisórias

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IMPOSTO DE RENDA E SUA INCIDÊNCIA (OU NÃO) NAS INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAIS

PAULO SERGIO OLIVEIRA DE CARVALHO FILHO: Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado da Paraíba - FESMIP.

RESUMO:  O  presente  trabalho  trata  de  um  dos  principais  tributos 

federais,  o  Imposto  de  Renda.  Inicialmente,  serão  abordadas  as  suas 

principais características, assim como o seu fato gerador, base de cálculo 

e contribuintes. Após, demonstrar‐se‐á, na visão do Superior Tribunal de 

Justiça,  o  porquê  da  tributação  dos  lucros  cessantes,  ao  passo  da  não 

incidência do referido imposto sobre os danos emergentes e morais. 

1. Introdução

O Imposto de Renda é um tributo federal que incide nas rendas obtidas pelo contribuinte. Possui característica eminentemente fiscal e é o maior arrecadador entre os impostos federais.

O presente  trabalho  tem por  finalidade discutir acerca da  referida 

exação  à  luz  das  normas  e  princípios  da  Constituição  Federal,  Código 

Tributário Nacional e demais instrumentos normativos, traçando as suas 

principais características. Após, será analisado a sua incidência nos danos 

materiais e morais à luz do ordenamento jurídico e da jurisprudência do 

Superior Tribunal de Justiça.

2. Noções Gerais sobre tributos

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Antes de adentrarmos especificamente no assunto, para uma melhor 

compreensão do Imposto de Renda, mister se faz expor brevemente sobre 

a definição legal de tributo, suas espécies e características.

O conceito de tributo vem expresso no art. 3º do Código Tributário 

Nacional: 

“Art.  3º  Tributo  é  toda  prestação  pecuniária 

compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa 

exprimir,  que  não  constitua  sanção  de  ato  ilícito, 

instituída  em  lei  e  cobrada  mediante  atividade 

administrativa plenamente vinculada.” 

Quanto à classificação dos tributos em espécies, existem diversas 

correntes  que  divergem  sobre  o  tema.  Assim,  como  ensina  Ricardo 

Alexandre[1]  segundo  a  primeira  teoria,  a  bipartida,  são  espécies 

tributárias apenas os  impostos e as  taxas, de acordo com a segunda, a 

tripartida, são espécies as taxas, impostos e contribuições de melhoria, já 

a  terceira,  a  pentapartida,  acrescenta  os  empréstimos  compulsórios  e 

contribuições especiais previstas nos arts. 149 e 149 – A da Constituição 

Federal. Existe ainda, mais de pouca utilização, a teoria tetrapartida. 

Adotaremos para basear  este  estudo  a  teoria  tripartida, que  está 

prevista no art. 5º do Código Tributário Nacional, considerando assim os 

empréstimos  compulsórios  e  as  contribuições  especiais  como  taxas ou 

impostos, a depender do caso.   

“Art.  5º  Os  tributos  são  impostos,  taxas  e 

contribuições de melhoria.” 

Primeiramente,  em  relação  aos  impostos,  para  que  possam  ser 

criados,  a  Constituição  Federal  enumera  de  maneira  privativa  a 

competência  para  cada  ente  federado,  ou  seja,  no  art.  156  estão  os 

impostos  de  competência  municipal,  no  art.  155  os  de  competência 

Estadual e nos arts. 153 e 154, I e III, os de competência da União, dentre 

eles o Imposto de Renda. 

Segundo o art. 16 do Código Tributário Nacional, imposto é definido 

como  o  tributo  cuja  obrigação  tem  por  fato  gerador  uma  situação 

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independente  de  qualquer  atividade  estatal  específica  relativa  ao 

contribuinte. 

Os  impostos  são  por  definição  tributos  não  vinculados  –  Sua 

cobrança não se vincula a uma atividade estatal especificamente voltada 

ao contribuinte ‐  que incidem sobre  manifestações de riqueza do sujeito 

passivo,  sustentando‐se  na  ideia  da  solidariedade  social,  possuindo 

caráter  eminentemente  contributivo.  Além  de  serem  tributos  não 

vinculados, são tributos de arrecadação não vinculada, o que quer dizer 

que  suas  receitas  prestam  ao  financiamento  de  atividades  gerais  do 

Estado,  remunerando  os  serviços  universais,  não  gozando  de 

referibilidade. 

Em relação às taxas e às contribuições de melhoria, pode‐se dizer que 

são  tributos  de  natureza  vinculada,  ou  seja,  o  contribuinte  necessita 

receber uma prestação em contrapartida ao pagamento da exação, bem 

como a sua arrecadação também é vinculada, gozando de referibilidade, 

como se verá adiante. 

As taxas são divididas em dois grupos, as taxas de polícia – aquelas 

que tem por  fato gerador o exercício regular do poder de polícia  ‐ e as 

taxas  de  serviço,  que  são  aquelas  que  ocorrem  mediante  a 

disponibilização  de  serviços  públicos  que  se  caracterizam  pela 

divisibilidade e especificidade. 

O  conceito  de  taxa  encontra‐se  no  art.  145,  II,  da  Constituição 

Federal, bem como no art. 77 do Código Tributário Nacional: 

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição ”.

“ Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos

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Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.”

Por  fim,  a  contribuição  de  melhoria  é  um  tributo  vinculado,  de 

arrecadação vinculada – referibilidade – que possui como fato gerador o 

acréscimo  pecuniário  à  propriedade  do  contribuinte  decorrente  da 

realização de obras públicas, para que esta possa ser realizada pelo poder 

público. Melhoria deve ser visto como sinônimo de valorização. É o que se 

infere do art. 145, III, da Constituição Federal.

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

Diante desse rápido intróito, esmiuçar‐se‐á o Imposto de Renda, uma 

vez que já é sabido as suas características gerais, bem como que a União 

é o ente federado competente para instituí‐lo.

3. Imposto de Renda

3.1 Características Gerais

O  Imposto  de  Renda  é  o  maior  arrecadador  entre  os  impostos 

federais, possuindo caráter eminentemente fiscal. Atende expressamente 

ao previsto no art. 145, parágrafo 1º da Constituição Federal, prevendo a 

incidência  progressiva,  acarretando  a  redistribuição  de  renda,  pois,  na 

grande maioria das vezes são os que menos pagam os que mais utilizam 

dos serviços disponibilizados pelo Estado.

Segundo o art. 43 do Código Tributário Nacional, O Imposto de Renda 

incide  sobre  a  renda  e  proventos.  Por  renda,  o  CTN  entende  como  o 

produto  do  capital,  do  trabalho  ou  da  combinação  de  ambos.  Já  por 

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proventos, utiliza um critério exclusivo, classificando como todos aqueles 

não previstos no conceito de renda. 

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)”

3.2 Princípios aplicáveis

Antes de analisar os princípios constitucionais expressos no art. 153, 

I,  parágrafo  2º,  é  de  suma  importância  mencionar  os  Princípios  da 

Isonomia e da Capacidade contributiva.

O  princípio  da  isonomia  possui  uma  acepção  horizontal  e  outra 

vertical.  A  horizontal  refere‐se  às  pessoas  que  encontram‐se  em  uma 

mesma situação, devendo ser tratadas de uma mesma forma. Já a vertical 

faz  referência  às  pessoas  que  se  encontram  em  situações  distintas  e, 

graças a  isto, devem  ser  tratadas no grau que  se diferenciam. É o que 

leciona Dirley da Cunha Júnior: 

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“O direito à igualdade é o direito que todos têm de ser tratados igualmente na medida em que se igualem e desigualmente na medida em que se desigualem, quer perante a ordem jurídica (igualdade formal), quer perante a oportunidade de acesso aos bens da vida (igualdade material), pois todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.[2]

O  Princípio  da  Capacidade  Contritbutiva,  nos  termos  do  art.  145, 

parágrafo 1º da Constituição Federal, estabelece que, ao criar impostos, o 

legislador deve levar em conta, sempre que possível, a situação particular 

de  cada  contribuinte,  permitindo  com  isso  que  seja  realizada  a  justiça 

tributária ao não exigir imposto acima do suportável.

“Art. 145. § 1º - Sempre que possível, os impostos

terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

Nesse norte, a constituição Federal no art. 153 estabelece que o Imposto de Renda obedeça aos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade. Pelo princípio da universalidade, todas as pessoas – físicas e jurídicas – que auferirem rendas ou proventos deverão ser tributadas, ofendendo a este princípio as isenções específicas e casuísticas. O princípio da universalidade determina a tributação de todas as rendas e proventos, devendo o campo de incidência deste imposto o mais amplo possível. Já pelo princípio da Progressividade entende-se que as alíquotas sejam graduadas segundo a capacidade econômica do Contribuinte.

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Por fim, faz-se mister mencionar que o Imposto de Renda, conforme expressa previsão constitucional, não está sujeito ao princípio da noventena, podendo a sua majoração gerar efeitos a partir do primeiro dia útil do exercício subsequente.

Ao estudar os princípios referentes a determinado instituto, percebe-se a ampla visão que se adquire deste, facilitando a sua compreensão mais a fundo.

3.3 Fato Gerador, Base de cálculo e contribuintes:

O já referido art. 43 do Código Tributário Nacional afirma ter o Imposto de Renda como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica. São várias as controvérsias acerca dos termos “disponibilidade econômica ou jurídica”.

Para grande parcela da doutrina, disponibilidade econômica seria a percepção da renda em dinheiro, ao passo que a jurídica seria o nascimento do direito à percepção de renda. Já Kiyoshi Harada discorda desse entendimento, afirmando ser a disponibilidade econômica “o acréscimo patrimonial decorrente de uma situação de fato, ocorrendo no instante em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza esse efeito, enquanto a disponibilidade jurídica consiste no direito de usar, por qualquer forma, da renda e dos proventos definitivamente constituídos nos termos do direito aplicável”.

Assim, adotando a linha do doutrinador, a disponibilidade econômica decorre de fato irrelevante ao direito, como os ganhos obtidos com jogos ou até mesmo atividades ilícitas, enquanto a disponibilidade jurídica significa a possibilidade de utilizar a renda ou os proventos de qualquer natureza que tenham sido obtidos em consonância com o direto, como ocorre no recebimento de vencimentos, honorários e lucros de investimentos financeiros.

Em termos mais simples, o fato gerador do Imposto de Renda é auferir renda, ou seja, o acréscimo patrimonial obtido pelo indivíduo. Aqui, encontra-se o cerne do presente trabalho. A partir do conceito de acréscimo patrimonial – obtenção de renda – será discutida mais a frente a incidência do Imposto de Renda aos danos morais e materiais.

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No que tange aos contribuintes, sua definição se encontra no art. 45 do Código Tributário Nacional:

“Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.”

O atual regulamento da discutida exação ocorreu através do decreto nº 3000 de 1999, apresentando dois grupos de contribuintes, a tributação de pessoas físicas( Livro I, arts. 1º a 145) e a tributação das pessoas jurídicas ( livro II, arts 146 a 61).O decreto regulamenta ainda a tributação na fonte e sobre operações financeiras( Livro II, arts. 620 a 786).

A base de cálculo está prevista no art. 44 do Código Tributário Nacional:

Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.

No lucro real o contribuinte efetivamente calcula seu lucro, abatendo do faturamento as despesas autorizadas por lei. Vem definido no art. 247 do Regulamento do Imposta de Renda de 1999. Na sistemática do lucro presumido, o contribuinte aplica um percentual previsto em lei sobre o valor bruto de sua receita, presumindo-se ser o resultado o seu lucro. Já por lucro arbitrado, aplica-se subsidiariamente quando não é possível o cálculo do lucro real e o contribuinte não cumpre os requisitos para a tributação com base no lucro presumido, encontra-se detalhado no art. 530 do referido Regulamento.

O Imposto de Renda por ser uma das mais famosas declarações do Direito brasileiro, alguns, de forma descuidada, acabam afirmando ser um caso de lançamento por declaração, o que não é verdade, pois a formulação de declaração pelo sujeito passivo é mera obrigação acessória que auxilia no cálculo. O Imposto de Renda na verdade, apesar do possível engano, é uma das formas de lançamento que mais se encaixa no conceito de

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lançamento por homologação trazido pelo Código Tributário Nacional brasileiro.

Assim, caso haja imposto a pagar, o declarante deve antecipar o pagamento sem que a autoridade da administração faça prévio exame, tudo conforme o art. 150 do Código Tributário Nacional.

Após uma explanação geral acerca do Imposto de Renda, trazendo suas principais características, princípios aplicáveis, contribuintes, base de cálculo e fato gerador, passa-se à análise de sua possível incidência nas indenizações calcadas na responsabilidade extracontratual.

4. Responsabilidade extracontratual (aquiliana) e Imposto de Renda: danos morais e materiais.

Conforme ensina o professor Flávio Tartuce[3], a responsabilidade civil pode ser contratual ou extracontratual. A responsabilidade contratual surge com o descumprimento obrigacional, já a extracontratual, que nos interessa para o presente estudo, está fundada no ato ilícito e no abuso de direito, nos termos dos arts. 186 e 187 do código civil, respectivamente.

Para que haja responsabilidade civil, faz-se necessário os seguintes elementos: conduta humana, culpa genérica, nexo de causalidade e dano. Não existe responsabilidade sem a presença de dano. Existem várias modalidades de dano ou prejuízo, como os danos estéticos, sociais etc. Neste estudo, focar-se-á nos danos materias e morais.

Os danos materiais, tomando ainda como base o professor Flávio Tartuce e o art. 402 do código civil, são subdividos em danos emergentes e lucros cessantes.

“Danos emergentes ou danos positivos: o que efetivamente se perdeu. Como exemplo típico, pode ser citdo o estrago do automóvel, no caso de um acidente de trânsito(...).

Lucros cessantes ou danos negativos: o que razoavelmente se deixou de lucrar. No caso de acidente de trânsito, poderá pleitear lucros cessantes o taxista, que deixou de receber valores com tal evento, fazendo-se pelo

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sindicato da classe e o tempo de impossibilidade de trabalho (TJSP, apelação cível 1. 001.485-0/2, São Paulo, 35ª câmara de direito privado, Rel. Artur Marques, 28.08.2006, v.u., voto 11.954” [4]

“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”

Assim, danos emergentes são os prejuízos que o agente passivo efetivamente sofreu, ao passo que os lucros cessantes são aquilo que a vítima deixou de lucrar em decorrência do ato ilícito sofrido. Essa divisão é de suma importância para determinar a incidência ou não de imposto de renda.

Há de ser ter cuidado pois muitas decisões afirmam, de forma genérica, que não incide imposto de renda nas indenizações oriundas de danos materiais, pois limita-se a recompor o patrimônio material da vítima, conforme nota-se no julgado abaixo:

TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE RENDA - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - NATUREZA DA VERBA - ACRÉSCIMO PATRIMONIAL - NÃO-INCIDÊNCIA - PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL - PRECEDENTES DO STJ.

1. A indenização por danos materiais e morais não é fato gerador do imposto de renda, pois limita-se a recompor o patrimônio material e imaterial da vítima, atingido pelo ato ilícito praticado.

2. A negativa de incidência do imposto de renda não se faz por força de isenção, mas em decorrência da ausência de riqueza nova – oriunda dos frutos do capital, do trabalho ou da combinação de ambos – capaz de caracterizar acréscimo patrimonial.

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3. A indenização por danos morais e materiais não aumenta o patrimônio do lesado, apenas o repõe, pela via da substituição monetária, ao statu quo ante.

4. Quanto à violação do artigo 535 do CPC, esclareça-se que, em nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos legais apontados pelas partes. Exige-se, apenas, que a decisão seja fundamentada, conforme o convencimento do julgador.

5. No caso, o magistrado aplicou a legislação por ele considerada pertinente, fundamentando o seu entendimento e rejeitando as teses defendidas pelo ora recorrente, não havendo que se falar em deficiência na jurisdição prestada.

6. Recurso especial não provido. (STJ  ‐  REsp  1068456  PE  2008/0140779‐2, 

Relatora:  Ministra  Eliana  Calmon,  Data  de 

Julgamento:  18/06/2009,  T2  ‐  SEGUNDA  TURMA, 

Data de Publicação: DJe 01/07/2009)

Deve-se considerar a divisão dos danos materiais em danos emergentes e lucros cesssantes para que se possa determinar a incidência ou não da referida exação. No que tange aos danos emergentes, o entendimento continua o mesmo, isto é, não incidência do imposto de renda, uma vez que trata-se de recomposição de patrimônio que o agente passivo já possuía e veio a perder em decorrência do ato ilícito. Quanto aos lucros cessantes, entende o STJ que incide Imposto de Renda, visto que trata-se de valores que o agente passivo iria vir a adicionar ao seu patrimônio.

Nesse sentido, Márcio André Lopes Cavalcante, editor do site Dizer o Direito, traz exemplo bastante elucidativo do Ministro Herman Benjamin no EREsp 695.499/RJ que ratifica o dito acima:

"(...) pensemos na hipótese de um veículo colidir, 

culposamente, com um táxi, danificando‐o. O taxista 

pede a reparação do dano referente ao conserto do 

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automóvel (R$ 10.000,00) e mais R$ 5.000,00 a título 

de  lucros  cessantes,  pelo  tempo  que  ficou  sem 

possibilidade de trabalhar. Sobre o valor referente ao 

conserto  do  automóvel  não  incidirá  o  Imposto  de 

Renda,  por  se  tratar  de  mera  recomposição  do 

patrimônio.  Contudo,  o  tributo  incidirá  sobre  os 

valores recebidos em razão dos  lucros cessantes,  já 

que constituem verdadeiro acréscimo patrimonial.

Note‐se que, se o dano não  tivesse ocorrido, o 

Imposto  de  Renda  não  incidiria  sobre  o  valor  do 

automóvel de que o taxista já era proprietário (se o 

bem  já  existia,  não  há  que  se  falar  em  acréscimo 

patrimonial);  mas  seria  devido  o  tributo  sobre  a 

renda obtida pelo taxista em razão de seu trabalho 

diário  (o  que  foi  indenizado  a  título  de  lucros 

cessantes). 

(...) 

Concluo, assim, que para verificar‐se a incidência 

de  Imposto  de  Renda  sobre  determinada  verba 

indenizatória  é  fundamental  perquirir  a  existência, 

ou não, de acréscimo patrimonial. O simples fato de 

a verba poder ser classificada como “indenizatória” 

não  a  retira do  âmbito de  incidência do  Imposto." 

(EREsp 695.499/RJ).”[5] 

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão corroborando o entendimento aqui exposto, afirmando que os valores recebidos a título de pensionamento por redução da capacidade laborativa decorrente de dano físico causado por terceiro (art. 950 do código civil) são tributáveis através de imposto de renda, pois tratam-se de lucros cessantes:

PROCESSUAL  CIVIL  E  TRIBUTÁRIO.  RECURSO 

ESPECIAL.  OFENSA  AO  ART.  535  DO  CPC. 

FUNDAMENTAÇÃO  DEFICIENTE.  SÚMULA  284/STF. 

VERBA RECEBIDA EM DECORRÊNCIA DE ATO ILÍCITO 

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PRATICADO  POR  TERCEIRO. NATUREZA DE  LUCROS 

CESSANTES. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA.

1.  A  alegada  ofensa  ao  art.  535  do  Código  de 

Processo Civil foi apresentada de forma genérica pela 

recorrente, tendo em vista que não demonstrou, de 

maneira clara e específica, a ocorrência de omissão 

no  julgado, atraindo, assim, o enunciado da Súmula 

284 da Suprema Corte. 

2.  Os  valores  percebidos  a  título  de 

pensionamento  por  redução  da  capacidade 

laborativa  decorrente  de  dano  físico  causado  por 

terceiro,  em  cumprimento  de  decisão  judicial,  são 

tributáveis pelo imposto de renda e sujeitam a fonte 

pagadora  à  retenção  do  imposto  por  ocasião  do 

pagamento. 

3. Recurso especial conhecido em parte e, nessa 

extensão, provido. 

(STJ  ‐  REsp  1464786  /  RS  Recurso  Especial 

2014/0163559‐7,  Relator:  Ministro  OG  Fernandes, 

Data  de  Julgamento:  25/08/2015,  T2  ‐  SEGUNDA 

TURMA, Data de Publicação: DJe 09/09/2015)  

Visto de forma detalhada a problemática dos danos materiais, analisa-se agora os danos morais. Segundo o professor Pablo Stolze, o dano moral pode ser conceituado como “prejuízo ou lesão de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, como é o caso dos direitos da personalidade, a saber, o direito à vida, à integridade física (direito ao corpo, vivo ou morto, e à voz), à integridade psíquica (liberdade de pensamento, criações intelectuais, privacidade e segredo) e à integridade moral (honra, imagem e identidade), havendo quem entenda, como o culto PAULO LUIZ NETTO LÔBO, que “não há outras hipóteses de danos morais além das violações aos direitos da personalidade”.[6]

Os danos morais, no que tange à tributação do imposto de renda, são simples de serem analisados, pois acompanham o

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mesmo raciocínio dos danos emergentes, uma vez que tratam de uma compensação e não de aumento de patrimônio, não sendo tributáveis por imposto de renda. O entendimento aqui é pacífico e sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça:

STJ. Súmula 498: Não incide imposto de

renda sobre a indenização por danos morais 5. Conclusão

Contudo, diante do exposto, tem-se o Imposto de Renda um tributo de caráter vinculado, progressivo, com contribuintes pessoas físicas e jurídicas, lançado por homologação.

Além de seus caracteres estruturais mencionados acima, tem-se como principais características da exação em questão o seu caráter progressivo de incidência, proporcionando a redistribuição de renda, medida de grande compatibilidade com os ditames pregados por nossa Carta Magna e o seu caráter arrecadatório, que possibilita o Estado redistribuir a renda no país, dando aplicação prática ao princípio constitucional da isonomia.

No que tange aos danos morais e materiais, concluiu-se, na mesma forma que o STJ, na medida em que os danos morais e emergentes não devem ser tributados pela exação, ao passo que os lucros cessantes, de forma contrária, devem ser tributados.

Referências: Alexandre, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 5ª

Edição. São Paulo: Método, 2014. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito civil: volume

III: responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. HARADA, Kyioshi. Direito Financeiro e Tributário. 15ª Edição.

São Paulo: Atlas, 2006. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2 ed.

Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.

NOTAS:

[1] Alexandre, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 5ª Edição. São Paulo: Método, 2014, p. 16-17.

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[2]  JÚNIOR,  Dirley  da  Cunha.  Curso  de  Direito  Constitucional. Salvador: JusPODIVM, 2010, p. 660.

[3] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 415 e 416.

[4] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 451.

[5] Disponível em:< http://www.dizerodireito.com.br/2015/10/incide-imposto-de-renda-sobre.html >Acesso em: 12.01.07

[6] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito civil: volume III: responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 44.

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O USO DA VIDEOCONFERÊNCIA NO INTERROGATÓRIO DO RÉU PRESO COMO UMA MEDIDA RÁPIDA E VIÁVEL DA DIMINUIÇÃO DA SUPERLOTAÇÃO DOS PRESÍDIOS BRASILEIROS

VINÍCIUS OLIVEIRA GOMES LIMA: ex-Delegado de Polícia Civil no Estado do Espírito Santo, Procurador da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito, Advogado, especialista em Ciências Criminais.

RESUMO: Trata o presente artigo de levantamento doutrinário e jurisprudencial do uso da videoconferência no interrogatório do réu preso, bem como demonstrar a viabilidade e os benefícios de sua aplicação na prática e como ajudaria em uma melhoria de todo o sistema prisional. É feita uma abordagem do uso da tecnologia no mundo moderno e avanços tecnológicos, diante das garantias constitucionais do réu preso, analisando sob a ótica do pacto de São José da Costa Rica, sua aplicabilidade no vigente ordenamento jurídico e seu grau de hierarquia, países que adotam a videoconferência e tratados e convenções que o Brasil é signatário que prevê o uso da audiência on-line.

Palavras-chave: Réu preso – presença física do juiz- audiência on-line – interrogatório- garantia constitucional- direito de defesa.

ABSTRACT: It deals with the present article of doctrinal and jurisprudential survey of the use of videoconference in the interrogation of the arrested detainee, as well as demonstrate the viability and benefits of its application in practice and how it would help in an improvement of the whole prison system. An approach is taken to the use of technology in the modern world and technological advances, given the constitutional guarantees of the arrested prisoner, analyzing from the perspective of the pact of San José de Costa Rica, its applicability in the current legal order and its hierarchy degree, countries that Adopt the videoconference and

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treaties and conventions that Brazil is a signatory that provides for the use of the online audience.

Keywords: Defendant inmate - physical presence of the judge - online hearing - interrogation - constitutional guarantee - right of defense.

SUMÁRIO: Introdução.1 Enfoque constitucional da videoconferência 1.1 Avanços tecnológicos no mundo moderno.1.2 Histórico da recusa à modernização do direto.1.3 Garantias constitucionais do acusado.1.4 Breves considerações sobre interrogatório.1.5 Necessidade da videoconferência. 1.6 Da excepcionalidade da medida.1.7 Abordagem legal e constitucional da lei. 2 O pacto internacional dos direitos civis e políticos e convenção americana sobre direitos humanos 2.1 Consideração sobre o pacto. 2.2 Visão analógica versus visão digital 2.3 Países que adotam a videoconferência. Conclusão.

Introdução

O presente trabalho tem como escopo apresentar a lei 11.900/2009 que trata do interrogatório do réu preso, videoconferência, suas implicações legais e constitucionais, que poderia muito contribuir com o inchaço carcerário, realizando interrogatórios mais céleres, colocando em liberdade provisória presos que estão encarcerados sem os requisitos processuais exigentes.

A aplicação da videoconferência ajudaria, até mesmo, em uma maior rapidez e eficiência no julgamento, uma vez que, não demoraria tanto tempo para se julgar uma causa de um réu preso de alta periculosidade que necessita ser marcada uma audiência de instrução e julgamento com vários meses de antecedência, visto o aparato policial, que precisa ser formado

Além disso o custo de transporte de preso para o Estado é altíssimo 

na casa de bilhões de reais por ano; valor que poderia estar sendo gasto 

em outras frentes de que o estado brasileiro tanto é carente.

 Enfoque constitucional da videoconferência   

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.  Avanço tecnológico no mundo moderno 

No mundo globalizado, com novas tecnologias sendo descobertas quase que diariamente com reflexo direto em nossas vidas, o que ocasiona um maior conforto, não é racional que usemos toda essa tecnologia somente fora do processo.

Assim juízes, advogados e promotores fazem uso constante dessa tecnologia, mas ao chegar na sala de audiência esquecem que ela existe e ficam restritos apenas a papeis e a canetas.

Hoje sabemos que o uso da vídeo-tecnologia está tão avançado que médicos realizam cirurgias em uma sala de um país da Europa enquanto o doente está em um hospital na Brasil.

Se tamanho ato de complexidade é realizado com grande sucesso, não se pode alegar que o juiz não sentiria as reações as emoções do acusado, pela videoconferência, já que, para uma cirurgia, se requer uma complexidade e um sensibilidade muito maior é realizada sem problema.

Outro ponto que se pode destacar são as reuniões por videoconferência que as empresas realizam que necessitam da mesma perspicácia e atenção para fecharem negócios.

Além de cursos inteiros que hoje são oferecidos a distância. Hoje um profissional é capaz de se formar em um curso de graduação de cinco anos pelo sistema da videoconferência, então esse curso não seria válido porque não houve um professor de corpo presente?

O mundo em que vivemos está em constante mudança e para nos adaptarmos a ela não podemos ficar parados no tempo estatelados, temos que nos render as inovações, ainda mais quando estas trazem melhoria, benfeitoria e segurança para nossas vidas e de toda população.

.  Histórico da recusa à modernização do direto.

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O direito é uma ciência viva, que regula as relações humanas, que se molda com o tempo. Cada civilização possui características próprias que se adéqua com os anos.

Apesar de o direito ser uma ciência viva, está sempre em mudança, para se adequar a sociedade, esta mudança ocorre de uma forma bem mais lenta do que os anseios da sociedade. O direito por ser uma ciência retórica não consegue acompanhar com a mesma rapidez as evoluções humanas.

Além dessa natural demora, por si só, o direito tem uma ligeira aversão sobre fatos novos que ocasionam grandes mudanças em sua estrutura.

Um exemplo bem perto de nós que podemos destacar é no Brasil, no começo do século XX onde as sentenças eram feitas a mão, e mais tarde com a introdução da maquina de escrever muitos juizes que prolatavam suas sentenças datilografadas eram consideras nulas.

O que hoje parece um absurdo na época era perfeitamente discutido. Dessa forma o que hoje se discute sobre o uso da videoconferência para interrogar réu preso, daqui a algumas décadas essa discussão pode parecer sem sentido.

.  Garantias constitucionais do acusado

O réu preso possui direito a todas as garantias constitucionais que o Estado Democrático de Direito o assegura. Esse rol de direitos constitucionais, bem como infraconstitucionais, constituem garantias a preservação das suas liberdades como cidadão enquanto se encontra preso. Entre eles podemos citar alguns encontrados na Constituição da Republica em seu artigo 5º.

O devido processo legal, o contraditório e ampla defesa (art 5°º, LIV e LV), este reproduz o artigo XI, nº 1, da declaração universal dos direitos do homem:

todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenho sido provada de

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acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas toas as garantias necessárias à sua defesa.

O devido processo legal traz uma ampla cobertura ao acusado, tanto na esfera da liberdade, responder o processo em liberdade, quanto ao direito de uma defesa técnica, como também, a publicidade do processo, a produção extensa de provas, e julgamento por um juiz de direito que detenha a competência nos termos da lei.

Nesse entendimento é o conceito de Alexandre de Morais de ampla defesa:

o asseguramento que á dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo, pois a todo ato produzido pela acusação, Caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor (MORAES, 2004, p.125)

O princípio da presunção de inocência estabelece que: “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal condenatória.” Assim para o individuo ser considerado culpado o Estado deve comprovar essa culpabilidade, uma vez que por força constitucional ele é considerado inocente antes do transito em julgado da sentença penal condenatória.

O Princípio do juiz natural prevê que ninguém será processado senão pela autoridade competente, este princípio

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também proíbe a criação de tribunal de exceção, assim a doutrina de Alexandre de Morais:

o referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a proibir-se não só a criação de tribunais ou juízos de exceção, mas também de respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e imparcialidade do órgão julgador.(MORAES, 2008,p.87)

.  Breves considerações sobre interrogatório

A videoconferência é uma medida para a realização do interrogatório do réu preso.

O interrogatório é um ato em que o juiz ouve o acusado acerca da imputação que lhe é feita. O interrogatório tem natureza mista, pois é meio de prova e também meio de defesa.

O interrogatório possui diversas características, dentre elas, as principais são: exclusividade do ato, apenas a figura do réu é interrogada, oralidade, não há preclusão do ato do interrogatório, pode fazê-lo em qualquer momento do processo, assim o acusado pode ser interrogado a qualquer instante e inclusive mais de uma vez, é bifásico: divide-se em duas partes, uma sobre a pessoa do acusado, e outra sobre os fatos.

Com o advento da lei 11.719/2008, o interrogatório passou a ser o último ato instrutório. A falta de interrogatório do réu presente é causa de nulidade absoluta consoante artigo 564,II, e, do Código de Processo Penal.

.  Necessidade da videoconferência.

É notório que o sistema carcerário brasileiro há muito tempo não 

consegue  dar  vazão  a  demanda  prisional.  Os  presídios  são  estruturas 

falidas que colocam em risco a vida não só da população carcerária, mas 

como também dos cidadãos em sua volta. 

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Em setembro de 2014, o Grupo de Trabalho da ONU sobre Prisão 

Arbitrária  expôs  um  relatório  assinalando  a  superlotação  endêmica,  o 

acesso à justiça completamente comprometido e o encarceramento como 

regra e não exceção mesmo em casos de delitos leves e sem violência. 

O  “Mapa  das  Prisões”  da  organização  de  direitos  humanos 

Conectas,  apresenta  um  crescimento  de  317,9%  na  taxa  de 

encarceramento (número de presos por cada grupo de 100 mil habitantes) 

do país entre 1992 e 2013, passando de 74 para 300,96 enquanto a Rússia 

anotou queda de cerca de 4% no próprio período. 

Segundo  os  últimos  dados  disponibilizados  pelo  InfoPen  do 

Ministério da Justiça de junho de 2013, o Brasil contava com mais de 581 

mil pessoas privadas de  liberdade, 41% delas em prisão provisória. É a 

quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados 

Unidos, China e Rússia. O déficit de vagas supera 230 mil. 

Para se ter uma ideia no estado do Amazonas, onde recentemente 

no  complexo  Penitenciário  Anísio  Jobim,  foi  palco  da  segunda  maior 

chacina em presídios brasileiros, em que foram mortos 56 presos, mais de 

70% dos encarcerados são presos provisórios e em São Paulo 36% do total, 

segundo fonte extraída do Ministério da Justiça. 

Aliado a esse panorama soma‐se o custo para o Estado transportar 

e  garantir  a  segurança  do  réu  preso,  uma  vez  que  caso  ocorra  algum 

acidente  com  o  indivíduo  sobre  a  proteção  do  Estado  é  deste  a 

responsabilidade, é muito dispendioso para o Erário Público. 

Nos grandes centros urbanos a distância dos presídios aos fóruns é 

grande, gerando assim um risco potencial para toda a sociedade, como 

tentativa de fuga, execuções, atos que colocam em risco a vida de pessoas 

inocentes. 

De acordo com os dados fornecidos pela Secretaria de Segurança 

Pública  de  São  Paulo,  o  estado  de  São  Paulo  gastou mais  de  R$  29,3 

milhões em 84.173 escoltas de presos em 2015. No ano anterior, o gasto 

com  leva‐e‐traz de detentos pelas rodovias do estado para os fóruns foi 

ainda maior, de R$ 32,2 milhões. 

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São gastos R$ 1,4 bilhão com a escolta de presos em atendimento às imposições da Justiça. Em um ano, a segurança com réus presos superou em 14,5% o total de aplicações do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) realizadas nos últimos seis anos (R$ 1,2 bilhões)

Em nenhuns pais do mundo, quanto mais no Brasil, que é marcado por uma desigualdade social tão gritante não se pode desperdiçar uma receita na casa de bilhões de reais.

Esse dinheiro hoje investido de uma forma não muito racional poderia ser revertido para um bem muito maior a toda sociedade, como investimento em educação, saúde e moradia.

Investimentos estes que ao longo do tempo acabaria até por influenciar uma queda na criminalidade, uma vez que, para se diminuir a violência não se pode investir apenas em armas e viaturas, mas sim no social, pois o cidadão, sem assistência hoje acaba sendo levada para o caminho do crime.

Outro ponto que se faz necessário no uso da videoconferência é quanto a morosidade do sistema judiciário. E moroso trazer um preso de um presídio até a sala de audiências, tal ato gasta um tempo muito grande.

É notória a pratica de dentro das cadeias de motins, que impedem a saída de qualquer preso para audiências quando querem reivindicar algo. Aquele preso que teve a audiência marcada a meses acaba ficando prejudicado e só irá ter marcada uma nova audiência vários meses depois.

Isso em se tratando de presos se baixa periculosidade, pois se for um preso de alta periculosidade, então o tempo despendido é muito maior. Para o chefe de uma grande organização criminosa sair do presídio para o interrogatório com o juiz, é uma verdadeira operação de guerra que se monta.

Uma operação de guerra mesmo, são disponibilizados veículos blindados, aviões, helicópteros, viaturas, centenas de policias armados com armamento de guerra, ruas são interditadas, comboios são formados, pessoas impedidas de circular livremente;

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e no meio desse aparato policial todo estão circulando pessoas inocentes que a qualquer momento podem ser alvejados por balas perdidas.

Com a videoconferência os processos seriam realizados muito mais rápido ainda mais que agora a audiência no processo penal é única. A fila de processos existente no judiciário iria correr muito mais rápida. Os réus presos terão direito a verem seus processos julgados e não ficar esperando por anos um julgamento.

Com esse recurso tecnológico tão comum e recorrente no dia de hoje e ao mesmo tempo tão abandonado pelos profissionais de direito, poderia se dar uma maior eficiência ao poder judiciário e ao mesmo tempo uma maior segurança aos réus presos e aos cidadãos, com um custo infinitamente menor, o que levaria a uma melhor distribuição de recursos e aplicação em áreas estratégias para o desenvolvimento do país.

.  Excepcionalidade da medida

A lei 11.900/09 traz a videoconferência como uma medida excepcional.

A regra é que o interrogatório do acusado seja realizado em sala própria do estabelecimento prisional, onde o réu estiver recolhido, desde que garantida a segurança do juiz, membro do ministério publico, auxiliares da justiça e defensor.

O problema dessa regra é que não é possível assegurar a garantia dessas pessoas elencadas no parágrafo primeiro do artigo 185 do CPP. Como já foi expresso aqui, os presídios não trazem nenhuma segurança, nem mesmo para os internos, quanto mais para pessoas de foras.

Tais locais, não possuem também na maioria das vezes lugares apropriados para o interrogatório, o que geraria assim um certo custo para poder se construir um local seguro e confortável para a prática dos atos processuais.

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Registra-se que essa seria a melhor medida para acabar com o problema de deslocamento de presos e asseguraria a segurança das pessoas inocentes.

Todavia, o que é usado hoje nos fóruns é a regra que estabelece o parágrafo sétimo do referido artigo, em que:

Art. 185.será requisitada a presença do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1ºe2º deste artigo.

Ou seja, só seria levado o réu preso até o juiz, caso este não pudesse comparecer no estabelecimento onde cumpre penitenciário em que se encontra o interrogado, nem se pudesse realizar o ato pela videoconferência, só assim é que o réu preso seria levado até a presença do juiz.

Nota-se que o que é tido pela lei como exceção vira regra no sistema processual penal.

O uso da videoconferência está estabelecido no parágrafo segundo do mesmo artigo 185 do CPP, estabelecendo da seguinte forma:

Excepcionalmente, o juiz por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades.

Percebe-se pela leitura do parágrafo segundo o uso excepcional da medida, ou seja, o uso da videoconferência não se tornou nem irá se tornar regra, sua medida é de exceção.Apenas para casos especiais.

Veja-se que o juiz deve motivar fundamentadamente o porquê do uso da videoconferência, não podendo fazer uso a qualquer

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instante, mas só se existirem as razões dos incisos I, II, III e IV do respectivo artigo 185. Analisemos cada inciso:

I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento.

Nessa hipótese leva-se em consideração os presos que fazem parte de organizações criminosas.Tais presos tem um risco maior de conseguirem serem resgatados, dado a sua importância e estratégia na organização.

II- viabilizar a participação do réu no referido ato processual quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstancia pessoal.

Aqui não é necessariamente uma questão de segurança pública, mas do direito do réu presenciar o interrogatório. A lei assegura ao réu preso por motivo de doença ou outro qualquer que o impossibilite de estar presente no interrogatório de participar do mesmo por meio da videoconferência, garantido assim seu direito constitucional.

III- impedir a influencia do réu no animo de testemunha ou da vitima desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art.217.

Deve-se prestar bastante atenção a esse inciso. O réu que de alguma forma possa causar um temor na testemunha, a ponto que ela se sinta constrangida ou ameaçada, pode ter o seu interrogatório realizado por videoconferência. Todavia só assim será realizado se não for possível colher o depoimento da testemunha pelo uso da videoconferência.

Ou seja, primeiro tenta-se colher o depoimento da testemunha pela via digital, caso não seja possível se fará o interrogatório do réu preso pelo meio da videoconferência.

IV- responder à gravíssima questão de ordem pública.

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Esse inciso é genérico, desde que haja uma gravíssima questão de ordem pública. Como por exemplo, o interrogatório de um narcotraficante como o Fernandinho Beira Mar. Registra-se que em cada caso a decisão do juiz deve ser devidamente fundamentada. Segundo veiculado na imprensa há época, a escolta policial referida, com custo aproximado de R$ 30.000,00, “mobilizou 50 agentes federais, 12 carros, nove motos e um avião”, no que foi nominado pelo Senador Demóstenes Torres (PFL-GO) como “turismo do Fernandinho, Beira-Mar”

O parágrafo quarto do citado artigo assegura ao réu não apenas o direito de participar do interrogatório, mas também acompanhar a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento.

O parágrafo seguinte (§º5) assegura ao réu preso o direito a entrevista prévia e reservada com o seu defensor e o acesso a canais telefônicos reservados para a comunicação entre o advogado e a réu preso, este dentro do presídio e aquele na sala de audiência do fórum.

Percebe-se que o uso da videoconferência respeita e assegura todos os direitos constitucionais do réu preso, conforme será melhor demonstrado adiante.

.  Abordagem legal e constitucional.

Há alguns anos se discute sobre a legalidade da videoconferência. Muitos eram seus críticos, por faltar uma lei específica. Agora que entro em vigor a lei 11.900/09, trouxe a legalidade que necessitava para a implementação do uso da videoconferência.

Como forma de garantia aos direitos do réu e de respeito ao princípio do contraditório, o mesmo deverá ser intimado com antecedência de dez dias da decisão que determinar a realização do seu interrogatório por meio da videoconferência, conforme determina o parágrafo terceiro do artigo 185 do CPP.

Assim é pensamento de Eugenio Pacceli no sentido de que:

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não se pode vislumbrar inconstitucionalidade na Lei n. 11.900/2009. No entanto, o procedimento da videoconferência não deve ser banalizado nem transformado em regra. É extraordinário e deve ser precedido de decisão motivada do Juiz e, ainda, as partes devem ser intimadas com prazo mínimo de 10 dias de antecedência. (OLIVEIRA, 2009, p.360)

O argumento de que o interrogatório assim realizado impede o contato do juiz com o acusado, o que prejudicaria o exercício da ampla defesa não merecer ser acolhido. Da mesma forma do interrogatório realizado na sala de audiência ou no estabelecimento prisional, a utilização da videoconferência, também permite que o juiz tenha contato com todas as reações do réu preso, como se estivesse na presença física do acusado ou réu.

Ademais, não se pode cogitar qualquer afronta ao princípio da publicidade, que continua sendo atendido em sua totalidade, já que o interrogatório por videoconferência se dá em uma sala especial, de acesso público.

O réu tem direito de estar presente na audiência (STF, HC 86.634-SP),entretanto a presença se torna efetiva com a videoconferência, assegurado os direitos e garantias constitucionais do acusado, conforme entende Luiz Flavio Gomes (2009)

Um resumo de todas essas idéias concatenadas é o raciocínio do professor Luiz Flávio Gomes (2009)

O sonho do moderno processualista consiste em alcançar um modelo de processo penal eficiente com garantias: a videoconferência tem que acontecer em sala especial nos presídios, com acesso público, a presença de um funcionário judicial neste local se faz necessária, a comunicação direta e privada – linha telefônica exclusiva - entre o réu e o seu advogado é totalmente imprescindível etc. O fundamental, como se vê, não é o método,

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sim a forma (porque forma é garantia no processo penal). E todas essas formas goram garantidas pela Lei 11.900/2009.

Dessa forma desde que ressalvadas todas as garantias fundamentais do réu, não há como alegar nulidade no uso da videoconferência, porque não existe nulidade sem prejuízo (CPP, art. 563). De qualquer maneira, como vinha criticando o Supremo Tribunal Federal, faltava uma lei federal específica.

 Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto De San José 

Da Costa Rica)

.  Considerações sobre o Pacto 

O tratado de San José da Costa Rica foi acolhido pela resolução n. 

2.200‐A da Assembléia Geral das Nações Unidas, no ano 1966, o pacto 

possui amplitude e  validade em  vários países do mundo, entrando em 

vigor em no ano de 1976, quando uns  totais de  trinta e cinco países o 

adotaram. 

O Governo brasileiro  só  ratificou o Pacto quando  seus principais 

aspectos já se encontravam garantidos na atual Constituição Federal, em 

seu título II, denominado "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", haja 

vista que em nosso país perdurou por mais de duas décadas um regime de 

ditadura militar. 

O Congresso Brasileiro aprovou‐o através do Decreto‐Legislativo n. 

226,  de  12  de  dezembro  de  1991,  depositando  a  Carta  de  Adesão  na 

Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas em 24 de janeiro de 

1992, entrando em vigor em 24 de abril do mesmo ano. A partir dessa data 

o Brasil obrigou‐se pela aplicação e efetivação dos direitos fundamentais 

previstos no Pacto conforme. 

Mais  especificamente  seu  artigo  7º,  artigo  de  suma  importância 

para o presente estudo, uma vez que traz o direito do réu ser  levado a 

presença do juiz, motivo pelo qual decorre o centro da discussão sobre a 

possibilidade do uso da videoconferência. Assim traz o artigo: 

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Artigo 7º ‐ Direito à liberdade pessoal 

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Como garantia do réu preso encontra-se também amparo no o artigo 10 do referido Pacto:

Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana. Tal princípio encontra-se contido na Constituição Federal no artigo 5º, inciso XLIX.

Ao fazer a  leitura atenta do artigo percebe‐se que o réu deve ser 

conduzido,  sem  demora,  a  presença  de  um  juiz.  Esse  é  o  principal 

argumento das pessoas que são contra o uso da videoconferência.

Todavia  considerações devem  ser  feitas a  respeito. A  convenção 

americana de direitos humanos foi realizada em 1966. Naquela época é 

de  notório  conhecimento  que  a  tecnologia  ficava muito  longe  da  que 

existe hoje. Não se podia conceber aquela época um interrogatório com 

uma resolução digital praticamente perfeita. 

A idéia que a convenção queria trazer era o direito ao réu a ter um 

juiz presente para  julgar com humanidade seu caso, para o  julgamento 

não ser insensível. Entretanto na videoconferência esse contato acontece, 

o juiz pode falar escutar e ver o réu, bem como o réu preso também pode. 

Até porque o contato que o juiz tem com o réu, não passa de ouvir, 

falar e ver o réu. O magistrado, não abraça, cumprimenta o réu, não há 

nenhum contato físico entre os dois. 

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Percebe-se que o Pacto de San Jose da Costa Rica não é taxativo quanto ao interrogatório do acusado ser realizado, impreterivelmente, na presença física do juiz (art. 7º, itens 5 e 6) e tal condição não encontra amparo nas garantias mínimas do artigo 8º

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal 5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve

ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa.

Artigo 8º - Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na

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determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Dessa forma qual seria o empecilho existente na videoconferência?

Entretanto há quem ache que esse direito que o réu, possui, é de 

realmente estar na presença física do juiz. Há muitos julgados de tribunais 

que sustentam que o julgamento pela videoconferência o torna insensível 

e mecânico. 

É de suma importância ressaltar que o Pacto de San José da Costa 

Rica é um tratado sobre direito fundamental e conforme entendimento 

recente do Supremo Tribunal federal, levado a frente pelo ministro Gilmar 

Mendes, os tratados que versem sobre direitos humanos que não forem 

recepcionados com força de emenda constitucional, consoante artigo 5º, 

§3º da Constituição Federal, será dado status de norma supralegal. 

Assim  a  Convenção  Americana  sobre  direitos  humanos  é  uma 

norma supralegal, ou seja, é hierarquicamente superior a lei 11.900 que é 

norma ordinária. 

Como  já  dito  a  Convenção  Americana  sobre  Direitos  Humanos 

entrou  em  vigor  em  nosso  país  em  1992,  todavia  no  ano  de  2004  foi 

promulgada  a  Convenção  das  Nações  Unidas  em  desfavor  do  crime 

organizado transnacional, conhecida como: Convenção de Palermo. Esta 

convenção  tem um  importante dispositivo para afirmar a  legalidade da 

videoconferência. 

Na Convenção de Palermo, o art. 18, item 18 do anexo do Decreto 5.015/2004, que promulgou a referida Convenção, dispõe:

Se for possível e em conformidade com os princípios fundamentais do direito interno, quando uma pessoa que se encontre no território de um Estado Parte deva ser ouvida como testemunha ou como perito pelas autoridades judiciais de outro Estado Parte, o primeiro

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Estado Parte poderá, a pedido do outro, autorizar a sua audição por videoconferência, se não for possível ou desejável que a pessoa compareça no território do Estado Parte requerente. Os Estados Partes poderão acordar em que a audição seja conduzida por uma autoridade judicial do Estado Parte requerente e que a ela assista uma autoridade judicial do Estado Parte requerido.

Ou seja, o Brasil sendo signatário da Convença de Palermo, ele autoriza o uso da videoconferência. Já que em se tratando de organização criminosa o Estado deve buscar todos os recursos que possui para efetivar sua ação.

Há ainda uma discussão sob a Convenção de Palermo está também elevada a norma supralegal, todavia não seguimos esse pensamento, uma vez que a convenção traz em seu bojo, mais regras para o combate ao crime organizado internacional do que regras sob direitos humanos.

Há ainda o estatuto de Roma do Tribunal Pleno Internacional que permite a prolação de provas por meios eletrônicos (artigo 68, nº. 2 e artigo 69, nº. 2), na parte que versa sobre a proteção das vítimas e das testemunhas e sua participação no processo.

É o que se infere do artigo 69, nº. 2, que diz:[...] “de igual modo, o Tribunal poderá permitir que uma testemunha preste declarações oralmente ou por meio de gravação em vídeo ou áudio”.

Diante dos tratados e convenções acima relacionados, percebe-se uma mudança que segue a era digital do mundo moderno, assim, deve-se refletir sobre o momento da criação do Pacto de San José da Costa Rica, que ocorreu no ano de 1969, ou seja, será que após quarenta anos e tamanho avança tecnológico, não seria elaborado em seu corpo como uma das forma de interrogatório o uso da videoconferência?

.  Visão Analógica Versus Visão Digital

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O  doutrinador  Luiz  Flavio  Gomes  escreveu  um  artigo  muito 

interessante sobre o que era á época da Convenção Americana de Direitos 

Humanos e o que é hoje no século XXI esse contato pessoal com o juiz. 

Para o ilibado professor, que é adepto do uso da videoconferência, 

inclusive tendo realizado no ano de 1996 os seis primeiros interrogatórios 

on‐line do país e da América Latina, a presença física do  juiz à época da 

Convenção era analógica, uma vez que só podia ser física. Já hoje no século 

XXI, marcado pela enorme tecnologia acessível a praticamente qualquer 

pessoa, o dispositivo deve ser contextualizado, ou seja, deve ser visto com 

uma interpretação progressiva, chamada assim pelo professor Luiz Flavio 

Gomes de digital. 

A presença analógica seria a própria presença física do juiz, ele estar 

de corpo presente no interrogatório, percebe‐se que a própria expressão 

traz  uma  idéia  ultrapassada  antiga  já  que  vivemos  na  era  digital.  Já  a 

presença  digital  seria  a  presença  do  réu  no  interrogatório, mas  sem  a 

necessidade  presença  física,  o  réu  estaria  sim  presente  participando  e 

praticando todos os atos, mas devido aos avanços tecnológicos do século 

XXI, pode estar presente fisicamente em outro lugar. 

Corroborando com o explicado é a idéia do referido autor Luiz Flávio Gomes:

o argumento desfavorável mais repetido é o seguinte: com a videoconferência impede-se o contato físico do réu com o juiz. Na década de sessenta (do século XX) foram proclamados o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Eles falam em contato pessoal do acusado com o juiz. Esse contato "pessoal", naquela época (analógica) só podia ser físico. Hoje tais dispositivos devem ser interpretados progressivamente (ou seja: digitalmente, não analogicamente).

Mas os adeptos da ideologia da eqüidade (os chamados minimalistas ou progressistas)

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também estão atrapalhando o debate sereno e racional sobre o tema porque se prendem (analogicamente) ao método, não à essência ou à forma do ato. Desde que observadas todas as garantias constitucionais, internacionais e legais, não há como reconhecer a invalidade da videoconferência. Essa formalidade (respeito às garantias fundamentais) é o que mais importa. Não interessa tanto o método (tecnológico), sim a forma (circunstâncias do ato)

.  Países que adotam a videoconferência

Como se faz notório diversos países em todo mundo utilizam o instituto da videoconferência há muitos anos, conforme se pode ter uma noção através do artigo da internet de Juliana Fioreze (2007) que é autora do livro Videoconferência no Processo Penal Brasileiro da editora Juruá:

Nos E.U.A, tanto a legislação processual federal quanto a de muitos dos 50 Estados Federados permitem a videoconferência em depoimentos de testemunhas e em interrogatórios de acusados criminais, desde o ano de 1996.

O Código Criminal e o Código de Processo Penal do Canadá foram emendados em 1998 para permitir a utilização de videoconferência na seara penal.

A Índia e o Reino Unido utilizam experiências desta ordem desde o ano de 2003. Na Europa, podemos destacar, sobretudo, Espanha, França, Itália, Holanda e Portugal, países estes que possuem previsão expressa em seus respectivos Códigos de Direito Penal e de Processo Penal quanto à utilização da videoconferência para inquirição de testemunhas e interrogatórios de réus.

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Cingapura, país do sudeste asiático e Timor Leste também já fizeram interrogatórios virtuais, em 2003 e em 1999, respectivamente. Na América Latina, sabe-se que o Chile também já previu, nos arts. 289 a 308 do CPP, a videoconferência no procedimento criminal oral.

Em todos estes países, a utilização da videoconferência mostrou-se extremamente favorável, proporcionando agilidade na realização das audiências (e, conseqüentemente, no julgamento dos processos), bem como, uma sensível redução nos gastos governamentais.

Logo, pode-se perceber que é uma tendência mundial a aplicação da videoconferência, onde se busca uma justiça célere que respeite os direitos individuais do indivíduo preso, com a efetivação de uma tutela jurisdicional que busque celeridade em suas decisões com a proteção não só do individual, mas de todo coletivo.

Negar tal uso, significa confirmar um estado que apresenta um sistema penitenciário falido, que não consegue garantir minimamente os direitos básicos do cidadão preso provisório, como ter uma audiência em tempo hábil, para que um juiz de direito analise se os pressupostos da prisão ainda existem, ou se aquele réu preso faz jus ao benefício da liberdade provisória.

Conclusão

Pode-se perceber que muitos são aqueles que são contra o uso da videoconferência, todavia não apresentam argumentos concretos, apenas o jargão que viola a ampla defesa. Todavia não conseguem demonstrar porque ocorreria a violação da ampla defesa. É claro que existem argumentos desfavoráveis de peso, como o uso da videoconferência acabar se tornando uma regra no sistema processual, por se mais cômoda ao magistrado, já como é feito hoje, em que o réu é levado até a presença do juiz.

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Agora, desde que assegurados todas as garantias constitucionais e legais, e ao usar a medida em caráter excepcional, não há porque falar em nulidade do ato.Só ocorre nulidade quando existe um prejuízo efetivo. Se todas as garantias foram asseguras não há que se falar em prejuízo, tão menos em nulidade.

Em pleno século XXI, no ano de 2017, com uma enorme tecnologia que está presente em nosso redor todo o tempo, não há como falar, em prejuízo pelo simples fato da audiência ser transmitida on-line; atos muito mais complexos são realizados pelo uso da videoconferência, como por exemplo, exames e operações médicas. Além disso o custo de transporte de preso para o Estado é altíssimo na casa de bilhões de reais por ano.Valor que poderia estar sendo gasto em educação, saúde e moradia.

A lei deve se adequar aos anseios da sociedade. Assim quando a Convenção de Direitos Humanos Americano foi criada em 1966, não se tinha nem de perto a tecnologia que se dispõe hoje. Naquela época a presença do réu frente ao juiz era realmente indispensável, haja vista que não existia outro meio que não fosse esse. Já hoje existe outro meio de igual perfeição que atende a todos os anseios, mas muitos ficam apegados a técnica legislativa que foi escrita na década de 60, no século XX.

Tanto é assim que hoje os tratados e convenções que estão sendo escritos o uso da videoconferência está aparecendo de forma constante e de uso normal, como a Convenção de Palermo da qual o país faz parte desde o ano de 2004.

Todavia não se pode deixar de ressaltar aqui que a videoconferência deve ser usada em casos excepcionais, onde todos os direitos e garantias individuais devam ser respeitas em sua plenitude, não podendo restar nenhum prejuízo ao réu, pois caso haja, haverá nulidade do ato, e em nada adiantará a tecnologia utilizada.

Referências:

MORAES Alexandre, Direito Constitucional, 15. ed.,São Paulo, Atlas, 2004.

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MORAES Alexandre, Direito Constitucional, 23. ed., São Paulo, Atlas, 2008.

OLIVEIRA Eugênio Pacelli . Curso De Processo Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2.009.

FILHO Tourinho da Costa, Manual De Processo Penal, 12 ed.Rio de Janeiro, Saraiva 2009.

RANGEL Paulo, Direito Processual Penal, 16 ed. Rio de Janeiro Lumen Juris 2009

http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090109173

54886&mode=print). Acessado em 26/12/2016.

http://www.forumseguranca.org.br/artigos/a-videoconferencia-ou-interrogatorio-on-line. Acessado em 25/12/2016.

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12227. Acessado em 03/01/2017.

http://www.adpf.org.br/modules/news/article.php?storyid=38804. Acessado em 05.01.2017.

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1007. Acessado em 05/01/2017.

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=98384. Acessado em 09/01/2017.

http://www.jurua.com.br/entrevistas3.asp?id=39. Acessado em 07/01/2107.

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CONJUGAÇÃO DE LEIS PENAIS: PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DE NORMAS EM BENEFÍCIO DO RÉU OU CRIAÇÃO INCONSTITUCIONAL DE UMA "LEX TERTIA".

RICARDO COSTA DE LIMA: Especialista em Direito Penal pela Faculdade Damásio de Jesus. Aprovado no Concurso de Delegado Civil de Pernambuco. Advogado

RESUMO: O presente artigo trata do tema da conjugação de leis penais, que é alvo de discussões há décadas e ainda hoje os tribunais e estudiosos se dividem quanto a sua admissibilidade. O problema reside no fato de não existir uma previsão legal, ao contrário do nosso Código Penal Militar e Códigos Penais de outros países, o Código Penal Brasileiro de 1940, que ainda é o vigente nos dias atuais, não traz qualquer previsão a esse respeito. Fica a cargo daqueles que estudam o direito e dos magistrados a tarefa de analisar de acordo com os princípios e regras e decidir pela sua constitucionalidade. Ocorre que, em breve, poderá se completar um século de discussões sem uma posição concreta, resultando em pessoas sendo beneficiadas pela cumulação de leis, e outras não, ambas tendo praticado o mesmo delito. Há claramente uma grande insegurança jurídica. Além disso, mais problemas relacionados à sucessão de leis tratando do mesmo tema podem surgir e são também discutidos, e da mesma forma, nem todos estão pacificados, merecendo atenção, pois podem de forma idônea à conjugação de leis, beneficiar ou prejudicar agente.

Palavras-chave: Extra-atividade. Conjugação de leis. Lex Tertia. Retroatividade benéfica.

INTRODUÇÃO

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As leis estão em constante processo de alteração para se moldarem aos novos problemas e necessidades da sociedade, o que há cinquenta anos recebia um determinado tratamento, hoje pode não mais ser crime, ou merecer uma sanção ainda maior. Porém, não se pode admitir que o agente que cometa um crime venha a ser punido mais severamente, se no momento da prática da conduta criminosa a lei vigente era outra mais branda, o que configuraria abuso estatal e não ofereceria segurança jurídica aos indivíduos que ficariam a mercê da arbitrariedade dos que detém o poder.

Esse trabalho consiste em apresentar de que forma a lei penal pode se movimentar no tempo para beneficiar o réu, mas nunca lhe prejudicando e que problemas isso acarreta. É perfeitamente possível, que as duas leis, revogada e revogadora, tragam ao mesmo tempo, pontos que interessem ao agente e outros pontos que não, diante desse quadro, surge uma alternativa que pode de fato trazer o máximo beneficio possível ao réu, e que obedeceria à risca o princípio constitucional da extra-atividade da lei quando melhor, que é a fusão delas, o magistrado cumularia o que cada uma trouxer de mais benéfico para só depois tomar sua decisão.

É possível que uma lei revogada seja aplicada em parte, e uma lei nova em outra parte, ao mesmo tempo, para beneficiar o réu? Ou fazendo isso o juiz assume o papel de legislador e cria uma lei que nunca existiu?

Serão analisadas então ambas as opiniões do grupo de estudiosos que concordam e daqueles que discordam, além do que foi julgado nos últimos anos pelos tribunais brasileiros.

Também será contraposto as mais recentes alterações legislativas e jurisprudenciais sobre o tema, quais sejam, a edição do Novo Código Penal que por sua vez aparenta ser favorável à cumulação de leis penais, em contrapartida a recente Súmula 511 do STJ que expressamente não a permite, todavia, o faz de forma incompleta pois traz a vedação para um único caso que são as Leis de Drogas, ao invés de uma vedação total deixando claro a posição deste tribunal.

1. CONJUGAÇÃO DE LEIS PENAIS: O termo combinação de leis é sinônimo de conjugação ou cumulação de leis, assim como de lex tertia ou terceira lei mas estes dois últimos são parciais, adotados pela corrente

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contrária a essa possibilidade, porém todos consistem no mesmo fenômeno que é buscando atender o princípio da extra-atividade benéfica, o magistrado extrair de duas leis, uma revogada e outra vigente, dispositivos que interessem ao agente e cumulá-los.

Que a lei pode-se movimentar no tempo em benefício do agente não resta duvidas, mas aqui duas leis, tratando do mesmo fato, uma sendo ultra-ativa e outra retroativa ao mesmo tempo, cada uma no que melhor for para o agente, é o que gera discussões e embates doutrinários. Clebber Masson:

A discussão reside na possibilidade ou não de o juiz, na determinação da lei penal mais branda, acolher os preceitos favoráveis da primitiva e, ao mesmo tempo, os da posterior, combinando-os para utilizá-los no caso concreto, de modo a extrair o máximo benefício resultante da aplicação conjunta dos aspectos mais interessantes ao réu. O cerne da discussão reside em definir se cabe ou não ao Poder Judiciário a formação de uma lex tertia, ou seja, de uma lei híbrida. [1]

O único exemplo prático que temos hoje na legislação pátria é o caso das leis nº 6.368/76 e nº 11.343/06, em que a pena mínima era de 3 (três) anos para o tráfico de drogas previsto no art. 12 da lei antiga, e com nova lei, que entrou em vigor em 2006, passou a ser previsto no art. 33, com pena mínima de 5 anos. No entanto, no mesmo art. 33, no § 4º, consta uma causa especial de redução da pena:

“os delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas e nem integre organização criminosa”.

Discute-se se o magistrado tem o poder de extrair partes de cada uma e cumulá-las.

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Diante desse quadro, um indivíduo que comete o crime de tráfico de drogas em 2005, por exemplo, e é condenado no mesmo ano a 3 anos de prisão, se admitida a cumulação de leis penais, poderia em 2006, quando vigente a nova lei, ter sua pena reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), chegando a apenas 1 ano e 8 meses de prisão na melhor das possibilidades.

O Código Penal não aborda esse tema, restou à doutrina e aos tribunais apontar a melhor solução. Não há posição dominante, tendo inclusive a sexta turma do Superior Tribunal de Justiça julgado contra e a favor no mesmo mês. Já o Código Penal Militar prevê, expressamente, em seu art. 2º, § 2º, que não é admitida a cumulação, mas isso só com relação aos crimes militares, previstos no próprio.

Temos, dessa forma, duas grandes correntes de respeitáveis doutrinadores, uma a favor que defende ser possível, em obediência ao princípio constitucional da extra-atividade benéfica; e outra, desfavorável, que advoga pela inconstitucionalidade desse tipo de raciocínio, por estar o juiz assumindo o papel de legislador e criando uma terceira lei.

1.2. CORRENTE DESFAVORÁVEL

Essa corrente é tida como a mais tradicional, pois era a posição predominante defendida por Nelson Hungria, e outros doutrinadores mais antigos como Anibal Bruno e Heleno Cláudio Fragoso. O argumento principal é que não se aceita, pois estaria o juiz criando uma terceira lei, que nunca existiu. Hungria:

[...] cumpre advertir que não podem ser entrosados os dispositivos mais favoráveis da lex nova com a lei antiga, pois de outro modo, estaria o juiz arvorado em legislador, formando uma terceira lei, dissonante no seu hibridismo, de qualquer das leis em jogo. Trata-se de um princípio relevante para a doutrina: não pode haver aplicação combinada de duas leis. Há casos em que é intuitiva a maior benignidade da lei nova (abolitio criminis, mera redução simultânea do minimum e maximum da pena

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cominados in abstracto, exclusão de responsabilidade, simples abreviação de prazo prescricional, etc.) Outros, há, porém, em que a verificação do minus de rigor somente poderá ser reconhecido após o exame do complexo de dispositivos (especiais e gerais) da lei nova, em confronto com os da lei anterior. Tem-se de apurar o resultado da aplicação hipotética dos critérios do novo sistema jurídico e cortejá-lo com o alcançado ou alcançável, no mesmo caso, dentro do sistema antigo. As duas leis devem ser consideradas incindíveis em si mesmas e distintamente, em relação ao caso de quo agitur. [2]

Nucci também compartilha da mesma opinião, que se o magistrado extrai apenas preceitos benéficos de uma e outra, está assumindo papel de legislador:

Realmente, se houvesse permissão para combinação de leis coloca-se-ia em risco a própria legalidade, pois o magistrado estaria criando norma inexistente, por mais que se queria dizer tratar-se de mera integração de leis. Ora, a referida integração não passa do processo de criador de uma outra lei, diferente das que lhe serviam de fonte. E, quando se diz no art. 2º, parágrafo único, do CP, autoriza a aplicação da lei posterior benéfica que “de qualquer modo favorecer o agente” não esta legitimando o magistrado a recortar pedaços da norma e aplicá-la em formação de uma outra totalmente inédita. Quer dizer simplesmente que uma lei penal mais benéfica, em qualquer ponto que seja, merece retroagir para favorecer o réu. A previsão do mencionado parágrafo único é uma cautela positiva, para que não se deixe de aplicar a lei penal benéfica sob a assertiva de que não se cuida da pena propriamente dita ou da descrição da conduta típica. Há detalhes secundários que podem ser alterados na lei penal, merecedores de aplicação

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imediata. Exemplificando: se uma nova lei permite o sursis sem cumprimento de qualquer condição, embora não diga respeito ao tipo penal incriminador e ainda que o condenado esteja em liberdade, é um modo de favorecê-lo, logo, deve ser aplicada, eliminando-se as condições anteriormente fixadas. [3]

Peluso citando a criação de Taipa de Carvalho, doutrinador português, aduz que esse posicionamento é resultado do método de ponderação unitária (ou global), em que a lei deve ser levada em consideração como um todo, um bloco indivisível, que não fica a mercê do juiz escolher entre dispositivos de uma e outra, mas somente uma delas por completo.

Nos tribunais brasileiros, o STJ ao longo dos anos divergiu, não existindo uma corrente predominante, mas sim, vários julgamentos a favor e contra, é o que se observa no Habeas Corpus 111306 favorável e Habeas Corpus 220589 e 179915, ambos contra.

Porém no ano passado foi editada a Súmula 501 em que o STJ finalmente firma sua posição contra:

“É cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis”.

Já o Supremo Tribunal Federal, apesar de divergir, historicamente foi adepto da teoria da ponderação unitária, como se observa no Habeas Corpus 94687, porém nos últimos anos passou a admitir a conjugação de leis no Habeas Corpus 95435 e outros julgados, mas, retornou à antiga corrente, sob o fundamento de afronta aos princípios da reserva legal e da separação dos Poderes, nos Habeas Corpus 103833 e 104193. Só em 2011 o assunto foi submetido ao pleno, e após caloroso debate, houve empate na votação em 5 a 5, sendo então admitida a conjugação em favor do réu já que no Regimento Interno, nos casos de empate, deverá se optar pela decisão que mais beneficie o agente.

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Contudo, em 2013, no Recurso Extraordinário 600817 ao Supremo Tribunal Federal, o ministro relator Ricardo Lewandowski, negou a conjugação de leis sob o argumento de que “embora a retroação da lei penal para favorecer o réu seja uma garantia constitucional, a Lei Magna não autorizou que partes de diversas leis sejam aplicas separadamente em seu benefício”. Sendo essa a última decisão a respeito do tema pelo tribunal.

1.2 CORRENTE FAVORÁVEL

A segunda corrente doutrinária, advoga pela possibilidade da cumulação de leis, conjugando apenas os aspectos benéficos da lei nova e da lei antiga, dentre seus defensores: Alberto Silva Franco, José Frederico Marques, Álvaro da Costa, Juarez Cirino dos Santos, Júlio Fabbrini Mirabete, René Ariel Dotti, Paulo Queiroz, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Luiz Regis Prado, Cezar Roberto Bittercourt, Rogerio Greco, etc.

Essa corrente defende que dizer que o juiz está alvoraçando-se no papel de legislador é um argumento sem consistência, pois estaria apenas se movimentando dentro dos quadros legais para criar uma integração legítima que visa apenas obedecer a princípios constitucionais. O material é fornecido pelo legislador, o juiz nada novo cria, apenas aplica ao caso concreto o que já foi criado.

Mirabete também defensor, aduz: Apesar das críticas que não é permitido ao

legislador aplicação de uma “terceira lei” (formada por duas partes), essa orientação figura-se mais aceitável, considerando-se que o sentido da Constituição é que se aplique sempre a norma mais favorável. Se lhe é afeto escolher o “todo” para que o réu tenha tratamento penal mais favorável e benigno, nada há que lhe obste selecionar parte de um todo e parte de outro, para cumprir uma regra constitucional que deve sobrepairar a pruridos da Lógica Formal. [4]

Tem-se aqui um posicionamento decorrente da aplicação do método de ponderação diferenciada (ou discriminada) criação também de Taipa de Carvalho, onde os aspectos de cada lei são autônomos, devendo-se

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comparar cada um deles entre sí, e não a lei toda como um bloco único, sendo assim o juiz estaria apenas integrando as normas. Da mesma opinião compartilha Damásio:

[...] objeta-se que o juiz não está criando uma nova lei, mas movimentando-se dentro do campo legal em sua missão de integração legítima. Se ele pode escolher uma ou outra lei para obedecer ao mandamento constitucional de aplicação da lex mitior, nada o impede de efetuar a combinação delas, com o que estaria mais profundamente seguindo o preceito da Carta Magna. Não obstante ser mais comum a tese da impossibilidade da combinação, há razões ponderáveis no sentido de que se apliquem as disposições mais favoráveis das duas leis, pelo menos em casos especiais. Se o juiz pode aplicar o “todo” de uma ou de outra lei para favorecer o sujeito, não vemos por que não possa escolher parte de uma e de outra para o mesmo fim, aplicando-se o preceito constitucional. Este não estaria sendo obedecido se o juiz deixasse de aplicar a parcela benéfica da lei nova, porque impossível a combinação de leis. [5]

Luiz Flavio Gomes fundamenta ainda, de forma isolada, que se é admitida a conjugação de leis vigentes, como ocorre na Lei dos Crimes Hediondos e Lei de Drogas para prejudicar o réu, então seria admissível a conjugação para beneficiar, mesmo que entre lei revogada e revogadora.

Além do crime de tráfico de drogas, já houve divergência quando da entrada em vigor da Lei 9.271/96, em que era previsto a suspensão da prescrição e suspensão do processo (normas de direito penal processual material) ao réu que citado por edital não comparecesse, advogando parte da doutrina por cumular as leis de modo que só fosse aplicado aos julgamentos em andamento a suspensão do processo, devendo a prescrição correr normalmente. Delmanto:

A doutrina tradicional, em sua maior parte, não admite a combinação de normas para favorecer o agente, acreditando que dessa integração resultaria

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uma terceira lei. Quanto ao novo art. 366 do CPP, com redação dada pela Lei n 9.271/96, que institui a suspensão do processo e da prescrição para o acusado que, citado por edital, não comparecer nem constituir advogado, a jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido da irretroatividade por inteiro do referido dispositivo (vide jurisprudência abaixo sob o mesmo título). Com a devida vênia, entendemos que a combinação de leis para beneficiar o agente é possível, devendo, no caso do art. 366 do CPP, ser aplicada retroativamente a suspensão do processo; quanto á suspensão da prescrição, ela é inviável, por força do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa. Estando o juiz obrigado a aplicar a lei que mais favoreça, de qualquer modo, o agente, e podendo escolher entre uma norma e outra não há razão para impedir-se a combinação das duas, como forma de integração necessária à obrigatória aplicação da lei mais favorável. [6]

Por fim, Peluso (2013), também partidário dessa corrente, defende que a retroatividade é regra constitucional material de direito fundamental, devendo-se aplicar a qualquer caso de forma absoluta, só podendo ser contestada quando houver outro princípio constitucional que fundamente, trata-se de um procedimento hermenêutico constitucional que deve buscar sempre a máxima eficácia dos direitos fundamentais. Para o referido doutrinar há necessária visão absoluta do princípio, de modo que sempre que sua aplicação for possível sem contrariar outro princípio, deverá ser aplicado.

CONCLUSÃO: A doutrina e tribunais discutem se o juiz estaria ou não assumindo o papel de legislador e deixa de lado outros aspectos, que não são levados em consideração, podendo resultar em grande insegurança jurídica e politica, que é o caso da lex tertia e as leis intermediarias e a vinculação do poder legislativo à antigas leis.

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No Brasil, o único exemplo prático discutido atualmente sobre a cumulação de leis é o caso do trafico de drogas, onde se cumulado o que interessa ao agente, pode-se chegar a uma pena de um ano e oito meses de prisão. Entretanto fica a pergunta, será mesmo que o poder legislativo, a quem incumbe criar as leis, desejou que o traficante fosse punido apenas com um ano e oito meses?

Aparentemente não. Admitindo-se a cumulação de leis, o poder judiciário não só assume o papel de legislativo, aplicando uma lei que nunca existiu, mas também fará com que no momento da criação de uma nova lei, a antiga seja observada obrigatoriamente, pois a depender da situação poderá um criminoso ter a pena muito reduzida ou até extinta, jamais podemos admitir que essa seria a vontade do legislador.

Assim, o judiciário estará limitando a liberdade de criação das leis: o poder legislativo criará uma lei não só de acordo com as necessidades e adequação da nova realidade, mas também de acordo com a revogada para que não beneficie quem não deva ser beneficiado. Parece uma afronta à divisão dos poderes.

Além disso, temos o caso das leis intermediárias, ou seja, admitindo-se a conjugação de leis, será ela constitucional e poderá ser aplicada em qualquer caso e até então falou-se apenas de duas leis, mas se tivermos leis intermediarias o juiz então poderá cumular entre três ou quatro leis, ou até mais, e o criminoso poderá ter sua pena drasticamente reduzida ou extinta, e essa não foi a vontade do legislador.

A cumulação de leis, entre todos os temas, é o que mais gera divergência e poderá ser declarado constitucional nos próximos anos, mesmo com a Súmula recente do STJ, pois os tribunais sempre divergiram e é matéria do STF decidir pela constitucionalidade. O que não se percebe é o quão arriscado é torná-lo constitucional, vários outros problemas surgiriam como a lei intermediária que poderia resultar na cumulação de 3 leis ou mais, e o Poder Judiciário usurpando a função de legislador.

Não se tem hoje outros casos além da Lei de Drogas, mas se eventualmente surgirem poderíamos imaginar situações em que dentro do ordenamento jurídico teríamos dezenas de hipóteses de “leis cumuladas”

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de modo que será preciso não analisar apenas a legislação vigente, mas também a já revogada e todas as possibilidades em que se poderia cumular leis, o que geraria grave insegurança jurídica e certamente uma afronta à Constituição.

REFERÊNCIAS:

[1] MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado - parte geral vol. 1 / Cleber Rogério Masson. 4ª ed. rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense : São Paulo : Método, 2011. Pg. 120

[2] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, volume I, tomo I: arts 1 a 10 /por/ Nelson Hungria /e/ Heleno Cláudio Fragoso. 5 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1976. Pg. 156

[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral : parte especial / Guilherme de Souza Nucci – 4 ed. rev. atual. e ampl. 3 tir. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008. Pg. 141

[4] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal / Julio Fabbrini Mirabete. 17. ed. São Paulo : Atlas, 2001. Pg. 98

[5] PELUSO, Vinicius de Toledo Piza. Retroatividade penal benéfica: uma visão constitucional / Vinicius de Toledo Piza. – São Paulo : Saraiva, 2013. Pg. 154

[6] DAMÁSIO, de Jesus. Direito Penal: parte geral / Damásio de Jesus. 1 vol. 21ª edição, revista e atualizada. 1998. Editora: Saraiva. Pg. 122

BITECOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1 / Cezar Roberto Bitencourt – 17ª ed. rev. amp. e atual. de acordo com a Lei n. 12.550 de 2011. – São Paulo: Saraiva, 2012.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral : (arts. 1º a 120) / Fernando Capez. — 15. ed. — São Paulo : Saraiva, 2011.

DELMANTO, Celso. Código penal comentado / Celso Delmanto... [et al]. — 6. ed. atual. e ampl. — Rio deJaneiro: Renovar, 2002.

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DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18. Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

ESTAFAM, André. Direito penal esquematizado: parte geral / André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves. São Paulo: Saraiva, 2012.

FRANCO, Alberto Silva. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. Parte Geral. 6. Ed. São Paulo: RT, 1997. Tomo I, v.1, p. 78.

GOMES, Luiz Flavio. Direito Penal: Parte Geral – 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v.1.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal / Rogério Greco. – 14. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012

MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal / José Frederico Marques. Campinas: Bookseller, 1997. v. 2.

NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de história do direito. 15ª ed., rev. e aum. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2007.

SANCHES, Rogério Cunha. Manual de Direito Penal Parte Geral. 3ª Edição, revista, ampliada e atualizada. Ed. Jus Podivm, 2015.

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APONTAMENTOS AO INVENTÁRIO DA OFERTA TURÍSTICA: BREVES COMENTÁRIOS AOS INSTRUMENTOS FIXADOS PELA LEI Nº 11.771/2008

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: O objetivo do presente está assentado na análise no inventário da oferta turística, introduzido no ordenamento jurídico por meio da Lei nº 11.771/2008. Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e

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imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Cultura. Tutela Jurídica. Inventário da Oferta Turística.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica do Direito Ambiental; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 Ponderações à Política Nacional de Turismo; 5 Apontamentos ao Inventário da Oferta Turística: Breves Comentários aos Instrumentos fixados pela Lei nº 11.771/2008.

1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica do Direito Ambiental

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o

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brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o

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ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como

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os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6].

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível[7].

Quadra anotar que os direitos alocados sob a rubrica de direito de terceira dimensão encontram como assento primordial a visão da espécie humana na condição de coletividade, superando, via de consequência, a tradicional visão que está pautada no ser humano em sua individualidade. Assim, a preocupação identificada está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas influências afetam a todos, de maneira indiscriminada. Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides, que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos

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de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais.

2 Comentários à concepção de Meio Ambiente

Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos apresentados por José Afonso da Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10].

Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição,

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é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal[12].

É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui,

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extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:

A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (...) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade[15].

O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou

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jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

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3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios

Quadra salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17]. Quadra anotar que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos,

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as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é

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constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo[22], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana.

4 Ponderações à Política Nacional de Turismo

De plano, a Política Nacional de Turismo é regida por um conjunto de leis e normas, voltadas ao planejamento e ordenamento do setor, e por diretrizes, metas e programas definidos no Plano Nacional do Turismo - PNT estabelecido pelo Governo Federal. A Política Nacional de Turismo obedecerá aos princípios constitucionais da livre iniciativa, da descentralização, da regionalização e do desenvolvimento econômico-social justo e sustentável, tendo os seguintes objetivos: (i) democratizar e propiciar o acesso ao turismo no País a todos os segmentos populacionais, contribuindo para a elevação do bem-estar geral;

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(ii) reduzir as disparidades sociais e econômicas de ordem regional, promovendo a inclusão social pelo crescimento da oferta de trabalho e melhor distribuição de renda; (iii) ampliar os fluxos turísticos, a permanência e o gasto médio dos turistas nacionais e estrangeiros no País, mediante a promoção e o apoio ao desenvolvimento do produto turístico brasileiro; (iv) estimular a criação, a consolidação e a difusão dos produtos e destinos turísticos brasileiros, com vistas em atrair turistas nacionais e estrangeiros, diversificando os fluxos entre as unidades da Federação e buscando beneficiar, especialmente, as regiões de menor nível de desenvolvimento econômico e social; (v) propiciar o suporte a programas estratégicos de captação e apoio à realização de feiras e exposições de negócios, viagens de incentivo, congressos e eventos nacionais e internacionais; (vi) promover, descentralizar e regionalizar o turismo, estimulando Estados, Distrito Federal e Municípios a planejar, em seus territórios, as atividades turísticas de forma sustentável e segura, inclusive entre si, com o envolvimento e a efetiva participação das comunidades receptoras nos benefícios advindos da atividade econômica; (vii) criar e implantar empreendimentos destinados às atividades de expressão cultural, de animação turística, entretenimento e lazer e de outros atrativos com capacidade de retenção e prolongamento do tempo de permanência dos turistas nas localidades; (viii) propiciar a prática de turismo sustentável nas áreas naturais, promovendo a atividade como veículo de educação e interpretação ambiental e incentivando a adoção de condutas e práticas de mínimo impacto compatíveis com a conservação do meio ambiente natural; (ix) preservar a identidade cultural das comunidades e populações tradicionais eventualmente afetadas pela atividade turística; (x) prevenir e combater as atividades turísticas relacionadas aos abusos de natureza sexual e outras que afetem a dignidade humana, respeitadas as competências dos diversos órgãos governamentais envolvidos.

Igualmente, são computados como objetivos: (xi) desenvolver, ordenar e promover os diversos segmentos turísticos; (xii) implementar o inventário do patrimônio turístico

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nacional, atualizando-o regularmente; (xiii) propiciar os recursos necessários para investimentos e aproveitamento do espaço turístico nacional de forma a permitir a ampliação, a diversificação, a modernização e a segurança dos equipamentos e serviços turísticos, adequando-os às preferências da demanda, e, também, às características ambientais e socioeconômicas regionais existentes; (xiv) aumentar e diversificar linhas de financiamentos para empreendimentos turísticos e para o desenvolvimento das pequenas e microempresas do setor pelos bancos e agências de desenvolvimento oficiais; (xv) contribuir para o alcance de política tributária justa e equânime, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, para as diversas entidades componentes da cadeia produtiva do turismo; (xvi) promover a integração do setor privado como agente complementar de financiamento em infra-estrutura e serviços públicos necessários ao desenvolvimento turístico; (xvii) propiciar a competitividade do setor por meio da melhoria da qualidade, eficiência e segurança na prestação dos serviços, da busca da originalidade e do aumento da produtividade dos agentes públicos e empreendedores turísticos privados; (xviii) estabelecer padrões e normas de qualidade, eficiência e segurança na prestação de serviços por parte dos operadores, empreendimentos e equipamentos turísticos; (xix) promover a formação, o aperfeiçoamento, a qualificação e a capacitação de recursos humanos para a área do turismo, bem como a implementação de políticas que viabilizem a colocação profissional no mercado de trabalho; e (xx) implementar a produção, a sistematização e o intercâmbio de dados estatísticos e informações relativas às atividades e aos empreendimentos turísticos instalados no País, integrando as universidades e os institutos de pesquisa públicos e privados na análise desses dados, na busca da melhoria da qualidade e credibilidade dos relatórios estatísticos sobre o setor turístico brasileiro. Quando se tratar de unidades de conservação, o turismo será desenvolvido em consonância com seus objetivos de criação e com o disposto no plano de manejo da unidade.

O Plano Nacional de Turismo - PNT será elaborado pelo Ministério do Turismo, ouvidos os segmentos públicos e privados

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interessados, inclusive o Conselho Nacional de Turismo, e aprovado pelo Presidente da República, com o intuito de promover: (i) a política de crédito para o setor, nela incluídos agentes financeiros, linhas de financiamento e custo financeiro; (ii) a boa imagem do produto turístico brasileiro no mercado nacional e internacional; (iii) a vinda de turistas estrangeiros e a movimentação de turistas no mercado interno; (iv) maior aporte de divisas ao balanço de pagamentos; (v) a incorporação de segmentos especiais de demanda ao mercado interno, em especial os idosos, os jovens e as pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, pelo incentivo a programas de descontos e facilitação de deslocamentos, hospedagem e fruição dos produtos turísticos em geral e campanhas institucionais de promoção; (vi) a proteção do meio ambiente, da biodiversidade e do patrimônio cultural de interesse turístico; (vii) a atenuação de passivos socioambientais eventualmente provocados pela atividade turística; (viii) o estímulo ao turismo responsável praticado em áreas naturais protegidas ou não; (ix) a orientação às ações do setor privado, fornecendo aos agentes econômicos subsídios para planejar e executar suas atividades; e (x) a informação da sociedade e do cidadão sobre a importância econômica e social do turismo. O PNT terá suas metas e programas revistos a cada 4 (quatro) anos, em consonância com o plano plurianual, ou quando necessário, observado o interesse público, tendo por objetivo ordenar as ações do setor público, orientando o esforço do Estado e a utilização dos recursos públicos para o desenvolvimento do turismo.

O Ministério do Turismo, em parceria com outros órgãos e entidades integrantes da administração pública, publicará, anualmente, relatórios, estatísticas e balanços, consolidando e divulgando dados e informações sobre: (i) movimento turístico receptivo e emissivo; (ii) atividades turísticas e seus efeitos sobre o balanço de pagamentos; e (iii) efeitos econômicos e sociais advindos da atividade turística. Em consonância com o artigo 8º da Política em comento, o Sistema Nacional de Turismo será composto pelos seguintes órgãos e entidades: I - Ministério do Turismo; II - EMBRATUR - Instituto Brasileiro de Turismo; III - Conselho

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Nacional de Turismo; e IV - Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Turismo. Poderão ainda integrar o Sistema: (i) os fóruns e conselhos estaduais de turismo; (ii) os órgãos estaduais de turismo; e (iii) as instâncias de governança macrorregionais, regionais e municipais. O Ministério do Turismo, Órgão Central do Sistema Nacional de Turismo, no âmbito de sua atuação, coordenará os programas de desenvolvimento do turismo, em interação com os demais integrantes. O Sistema Nacional de Turismo tem por objetivo promover o desenvolvimento das atividades turísticas, de forma sustentável, pela coordenação e integração das iniciativas oficiais com as do setor produtivo, de modo a: (i) atingir as metas do PNT; (ii) estimular a integração dos diversos segmentos do setor, atuando em regime de cooperação com os órgãos públicos, entidades de classe e associações representativas voltadas à atividade turística; (iii) promover a regionalização do turismo, mediante o incentivo à criação de organismos autônomos e de leis facilitadoras do desenvolvimento do setor, descentralizando a sua gestão; e (iv) promover a melhoria da qualidade dos serviços turísticos prestados no País.

Os órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional de Turismo, observadas as respectivas áreas de competência, deverão orientar-se, ainda, no sentido de: (i) definir os critérios que permitam caracterizar as atividades turísticas e dar homogeneidade à terminologia específica do setor; (ii) promover os levantamentos necessários ao inventário da oferta turística nacional e ao estudo de demanda turística, nacional e internacional, com vistas em estabelecer parâmetros que orientem a elaboração e execução do PNT; (iii) proceder a estudos e diligências voltados à quantificação, caracterização e regulamentação das ocupações e atividades, no âmbito gerencial e operacional, do setor turístico e à demanda e oferta de pessoal qualificado para o turismo; (iv) articular, perante os órgãos competentes, a promoção, o planejamento e a execução de obras de infraestrutura, tendo em vista o seu aproveitamento para finalidades turísticas; (v) promover o intercâmbio com entidades nacionais e internacionais vinculadas direta ou indiretamente ao turismo; (vi) propor o tombamento e a

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desapropriação por interesse social de bens móveis e imóveis, monumentos naturais, sítios ou paisagens cuja conservação seja de interesse público, dado seu valor cultural e de potencial turístico; (vii) propor aos órgãos ambientais competentes a criação de unidades de conservação, considerando áreas de grande beleza cênica e interesse turístico; e (viii) implantar sinalização turística de caráter informativo, educativo e, quando necessário, restritivo, utilizando linguagem visual padronizada nacionalmente, observados os indicadores de sinalização turística utilizados pela Organização Mundial de Turismo.

O poder público federal promoverá a racionalização e o desenvolvimento uniforme e orgânico da atividade turística, tanto na esfera pública como privada, mediante programas e projetos consoantes com a Política Nacional de Turismo e demais políticas públicas pertinentes, mantendo a devida conformidade com as metas fixadas no PNT. O Comitê Interministerial de Facilitação Turística, com a finalidade de compatibilizar a execução da Política Nacional de Turismo e a consecução das metas do PNT com as demais políticas públicas, de forma que os planos, programas e projetos das diversas áreas do Governo Federal venham a incentivar: (i) a política de crédito e financiamento ao setor; (ii) a adoção de instrumentos tributários de fomento à atividade turística mercantil, tanto no consumo como na produção; (iii) o incremento ao turismo pela promoção adequada de tarifas aeroportuárias, em especial a tarifa de embarque, preços de passagens, tarifas diferenciadas ou estimuladoras relativas ao transporte turístico; (iv) as condições para afretamento relativas ao transporte turístico; (v) a facilitação de exigências, condições e formalidades, estabelecidas para o ingresso, saída e permanência de turistas no País, e as respectivas medidas de controle adotadas nos portos, aeroportos e postos de fronteira, respeitadas as competências dos diversos órgãos governamentais envolvidos; (vi) o levantamento de informações quanto à procedência e nacionalidade dos turistas estrangeiros, faixa etária, motivo da viagem e permanência estimada no País; (vii) a metodologia e o cálculo da receita turística contabilizada no balanço de pagamentos das contas nacionais;

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(viii) a formação, a capacitação profissional, a qualificação, o treinamento e a reciclagem de mão-de-obra para o setor turístico e sua colocação no mercado de trabalho; (ix) o aproveitamento turístico de feiras, exposições de negócios, congressos e simpósios internacionais, apoiados logística, técnica ou financeiramente por órgãos governamentais, realizados em mercados potencialmente emissores de turistas para a divulgação do Brasil como destino turístico; (x) o fomento e a viabilização da promoção do turismo, visando à captação de turistas estrangeiros, solicitando inclusive o apoio da rede diplomática e consular do Brasil no exterior; (xi) o tratamento diferenciado, simplificado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte de turismo; (xii) a geração de empregos; (xiii) o estabelecimento de critérios de segurança na utilização de serviços e equipamentos turísticos; e (xiv) a formação de parcerias interdisciplinares com as entidades da administração pública federal, visando ao aproveitamento e ordenamento do patrimônio natural e cultural para fins turísticos. O Comitê Interministerial de Facilitação Turística, cuja composição, forma de atuação e atribuições serão definidas pelo Poder Executivo, será presidido pelo Ministro de Estado do Turismo.

O Ministério do Turismo poderá buscar, no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, apoio técnico e financeiro para as iniciativas, planos e projetos que visem ao fomento das empresas que exerçam atividade econômica relacionada à cadeia produtiva do turismo, com ênfase nas microempresas e empresas de pequeno porte.O Ministério do Turismo poderá buscar, no Ministério da Educação e no Ministério do Trabalho e Emprego, no âmbito de suas respectivas competências, apoio para estimular as unidades da Federação emissoras de turistas à implantação de férias escolares diferenciadas, buscando minorar os efeitos da sazonalidade turística, caracterizada pelas alta e baixa temporadas. O Ministério do Turismo, diretamente ou por intermédio do Instituto Brasileiro de Turismo - EMBRATUR, poderá utilizar, mediante delegação ou convênio, os serviços das representações diplomáticas, econômicas e culturais do Brasil no exterior para a execução de suas tarefas de captação de turistas, eventos e investidores internacionais para o País e de apoio à promoção e à divulgação de informações turísticas

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nacionais, com vistas na formação de uma rede de promoção internacional do produto turístico brasileiro, intercâmbio tecnológico com instituições estrangeiras e à prestação de assistência turística aos que dela necessitarem.

5 Apontamentos ao Inventário da Oferta Turística: Breves Comentários aos Instrumentos fixados pela Lei nº 11.771/2008

Diante das ponderações apresentadas, cuida reconhecer, de início, que o inventário de oferta turística substancializa instrumento peculiar da Política Nacional de Turismo, cujo escopo é servir de mecanismo para a estruturação do turismo sustentável e de qualidade nas regiões contempladas. A inventariação se presta para registrar, relacionar, contar e conhecer aquilo de que se dispõe e gerar, a partir disso, informação para refletir de que forma é possível alcançar determinada meta. Com efeito, em sede de turismo, o inventário consiste em levantar, identificar, registrar e divulgar os atrativos, os serviços e os equipamentos turísticos, tal como as estruturas de apoio ao turismo, às instâncias de gestão e outros itens e condições em gerais que permitem a atividade turística, com arrimo nas informações reunidas, a fim de planejar e gerenciar adequadamente o processo de desenvolvimento.

Assim, é perceptível que o escopo é dar conhecimento do que um município tem que seja passível de utilização para fins turísticos para alicerçar as ações de planejamento, gestão, promoção e incentivo à comercialização do turismo a partir do emprego de uma metodologia-padrão para inventariar a oferta turística do país, de modo a disponibilizar aos planejadores, gestores e visitantes informações confiáveis e atualizadas. Neste aspecto, a inventariação encontra justificativa na premissa que ela é utilizada para desenvolver as potencialidades turísticas de cada região, conjugando planejamento e confiabilidade nos dados reunidos, os quais subsidiarão análises e decisões acertadas. Os procedimentos permitem conhecer as características e a dimensão da oferta, o que vindica melhorias ou aperfeiçoamento, bem como as iniciativas a serem tomadas e que podem permitir aos municípios, regiões, estados e ao país o desenvolvimento de um turismo competitivo e sustentável. Desta sorte, de posse desses resultados, é possível o planejamento e o investimento com maior segurança, norteando os negócios e as políticas de turismo.

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Ao lado disso, cuida reconhecer que a confecção de tal inventário exige a mais ampla participação, sensível ao fato de que os aspectos técnicos, para os quais inventariantes e inventariados devem estar peculiarmente preparados, sejam os profissionais de turismo e de outras áreas, as comunidades receptoras, os representantes dos municípios e dos estados, assim como a iniciativa privada. Primeiramente, deve-se conhecer com profundidade os instrumentos elaborados e disponibilizados pelo Ministério do Turismo, além dos aspectos operacionais e das condições para a gestão do processo de inventariação em sintonia com a realidade de cada município. É preciso articulação para se trabalhar de forma integrada e regionalizada, além de muita sensibilidade ao dar início às ações de abordagem, mobilização e parceria, fato decisivo para o envolvimento e colaboração das comunidades, detentoras do verdadeiro conhecimento que faz o diferencial na questão identitária de cada destino turístico.

Referência:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

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__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

__________. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em: g.jus.br>. Acesso em 26 dez. 2015.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

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THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

NOTAS:

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015, s.p.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

[3] VERDAN, 2009, s.p.

[4] BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

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[5] MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

[7] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna – Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

[9] BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

[10] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.

[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 77.

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[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08 mar. 2012. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

[13] THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116.

[14] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

[15] Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

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Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

[16] BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015, p. 15-16.

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

[18] BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome. Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico (ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas características podem inspirar o registro de marcas, pelas peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega), utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº 818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada. Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em 25.08.2007. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

[19] BROLLO, 2006, p. 33.

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[20] BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 26 dez. 2015.

[21] BROLLO, 2006, p. 33.

[22] FIORILLO, 2012, p. 80.

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DA DESNECESSIDADE DA OUTORGA CONJUGAL PARA A ALIENAÇÃO DO PATRIMÔNIO EMPRESARIAL

CAMILA DA SILVEIRA JALES: Advogada, Pós-Graduada em Direito Constitucional;

RESUMO: Busca-se com o presente trabalho obter meios concretos a fim de diferenciar o tratamento que existe acerca do entendimento entre o Direito Cível, no que diz respeito à necessidade de outorga conjugal para alienar imóveis pertencentes ao patrimônio conjugal, e o Direito Comercial, qual seja, a dispensa de tal autorização, como meio a preservar e garantir o princípio da preservação da empresa. Palavras-chave: Alienação dos bens do empresário. Desnecessidade da outorga conjugal ABSTRACT: The present work seeks to obtain concrete means to differentiate the treatment that exists about the understanding between the Civil Law, regarding the need of marital grant to alienate property belonging to the conjugal patrimony, and Commercial Law, which is , The exemption of such authorization, as a means to preserve and guarantee the principle of preservation of the company. Keywords: Alienation of the entrepreneur's assets. Unnecessary marital allowance.

1. INTRODUÇÃO

Com o advento do atual Código Civil houve a unificação (parcial) do direito privado, revogando expressamente a primeira parte do Código Comercial de 1850. Contudo, mantém-se o Direito Empresarial relevante autonomia com relação ao Direito Civil.

Inicialmente, convém destacar a percepção de que a pessoa natural e a pessoa jurídica surgiram com o direito. Dessa forma, a pessoa jurídica consiste na união ou não de indivíduos para um determinado fim. Ocorre que, para tal formação, o ordenamento jurídico solicita critérios que não se confundem com os necessários

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para criação da pessoa natural, estas são responsáveis por aquelas e essa responsabilidade pode ser limitada ou ilimitada.

Quanto ao significado de empresa, a legislação é omissa, restando tal definição a cargo da doutrina que a define como uma organização que se destina a circulação de mercadorias, bens ou serviços, sendo dirigidas por pessoas físicas (naturais) ou pessoas jurídicas. Desse modo, diferenciando-se consubstancialmente do conceito de empresário, este que é trazido expressamente no texto do artigo 966, caput, do Código Civil, consistindo naquele que de fato exerce profissionalmente atividade de caráter econômico, de forma organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, podendo tratar-se de pessoa física ou jurídica, desde que seja dotada de direitos e obrigações nos termos legais. Em suma, o empresário assumirá todos os riscos decorrentes da empresa e em decorrência desse fato, é a pessoa que está destinada a organizar a empresa e seu andamento.

Após tal análise introdutória, o foco do presente trabalho que dentre outros pontos de estudos a serem analisados ao decorrer da pesquisa, buscará obter meios concretos a fim de diferenciar o tratamento que existe acerca do entendimento entre o Direito Cível, no que diz respeito à necessidade de outorga conjugal para alienar imóveis pertencentes ao patrimônio conjugal, e o Direito Comercial, qual seja, a dispensa de tal autorização.

2. DA OUTORGA CONJUGAL E O DIREITO EMPRESARIAL

Inicialmente, é necessário compreender que o Direito de Família é um dos ramos mais ligados à própria vida, tendo em vista, conforme aduz Carlos Robertos Gonçalves (2008, p.1), que “as pessoas provêm de um organismo familiar.” E, sendo a família a base do estado, goza de uma proteção especial do mesmo (art. 226, caput, Constituição Federal de 1988).

Diante da grande proteção da família, existem inúmeros instrumentos de que o legislador se utiliza para proteger os filhos, os cônjuges, durante o casamento, bem como os casais que vivem em união estável. Pode-se citar, como medida apta a proteger os cônjuges, quando os mesmos estão inseridos em uma relação marital, a impossibilidade de alienar ou gravar de ônus real os bens

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imóveis, sem a autorização do outro, com a exceção do regime da separação absoluta (art. 1647, I, do Código Civil). Além disso, um cônjuge não poderá, sem anuência do outro, prestar fiança ou aval, bem como outras restrições do art. 1647, do Código Civil.

Ocorre que, as normas do Direito de Família exigem formalismo, indo de encontro ao Direito Empresarial. Desta forma, o legislador tentou conciliar os referidos ramos do direito, ao permitir que o cônjuge, que é empresário, possa alienar ou gravar de ônus real os bens que estão afetados ao exercício da atividade empresarial, sem a outorga conjugal (art. 978, do Código Civil). Embora, à primeira vista, o art. 978, do Código Civil, mostre-se como uma afronta aos postulados do Direito de Família, isso não ocorre, pois, como se verá, o legislador, ao dispensar a outorga conjugal, aplicou o princípio da preservação da empresa.

Frisa-se que o próprio Código Civil de 2002 traz um privilégio ao Direito Empresarial, em detrimento do próprio Direito de Família. Entretanto, acaba retroagindo, ao exigir a anuência do cônjuge para prestar aval, prejudicando um dos ramos do Direito Empresarial, que é o Direito Cambiário.

Desta forma, o presente trabalho, nesse momento, irá analisar o princípio da preservação da empresa, dentro das relações familiares, mostrando que o art. 978, do Código Civil de 2002, é uma exceção ao Direito de Família, mas cristaliza os ensinamentos do Direito Empresarial. Além disso, será abordada a própria contradição do legislador, quando exige a anuência do cônjuge, para prestar aval, ferindo uma das características da presente disciplina que é o informalismo e a agilidade das práticas comerciais.

2.1 Da outorga conjugal nas relações familiares

O casamento gera diversos efeitos patrimoniais, pois os cônjuges deverão seguir o regime de bens escolhido, bem como efeitos pessoais, pois, a partir do matrimônio, o casal assume o dever de fidelidade recíproca, bem como mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, devendo ter respeito e consideração na relação matrimonial (art. 1566, do Código Civil). Embora o casal assuma a direção da sociedade conjugal,

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figurando na condição de consortes e companheiros (art. 1565, caput, do Código Civil), o Código Civil de 2002 traz limitações ao poder de administração dos cônjuges, para praticarem certos atos de conteúdo patrimonial, necessitando da vênia conjugal, sob pena de o ato ser declarado nulo.

É necessário compreender, conforme esclarece Sílvio de Salvo Venosa (2006, p.145), que “a outorga conjugal é que confere legitimidade para o cônjuge praticar os atos previstos no art. 1647, do Código Civil”. Exceto no regime da separação absoluta (convencional ou obrigatório), devendo a mesma ser expressa, escrita, pois, o que o legislador quis proteger foi o patrimônio familiar. Desta forma, diante da ausência da vênia conjugal, o ato se tornará anulável, podendo o outro consorte, prejudicado, pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal (art. 1649, caput, do Código Civil). Ressalta-se ainda que, somente o que o cônjuge prejudicado poderá pleitear é a invalidade dos atos praticados sem sua outorga, ou sem o suprimento do juiz, conforme legisla o art. 1650, do Código Civil.

Desta forma, não resta dúvida que, os cônjuges, durante o matrimônio, gozam de uma autonomia relativa, pois o legislador quis limitar o poder de administração dos mesmos. Diante dos referidos comentários, antes de analisar as hipóteses do art. 1647, do Código Civil, que elenca as limitações dos cônjuges, é necessário entender que as mesmas não são aplicadas ao regime da separação absoluta (convencional ou obrigatória).

O cônjuge não poderá, sem a anuência do outro, alienar, onerosa ou gratuitamente, ou gravar de ônus real os bens imóveis (art. 1647, I, do Código Civil). Isso se dá porque os bens imóveis fornecem uma garantia para o núcleo familiar. Desta forma, caso o bem seja alienado, sem a outorga conjugal, esclarece Maria Helena Diniz (2011, p.226) que “a venda será anulável, não aplicando essa proibição para os bens móveis, que poderão ser alienados livremente” (art. 1651, do Código Civil).

Ressalta-se que, conforme se verá, a proibição do art. 1647, I, do Código Civil, não se aplica à venda de bens que estão destinados à atividade empresarial. Além disso, é necessária a outorga conjugal para pleitear,

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como autor ou réu, acerca de bens ou direitos imobiliários (art. 1647, II, do Código Civil e CPC art. 10, §1º, §2º). Nesse caso, para propor a ação, é necessária a anuência do cônjuge, através de uma procuração, e, conforme esclarece Maria Helena Diniz (2011, p.227), “caso o cônjuge seja demandado sobre bens e direitos imobiliários, é necessária a citação de ambos os consortes”.

O cônjuge também não poderá, sem a outorga conjugal, prestar fiança ou aval. Nesse caso (art. 1647, III, do Código Civil), visa-se evitar que os bens do casal sejam comprometidos, em razão de garantia concedida a terceiros. A fiança é uma garantia contratual, já o aval é uma garantia cambial, firmada com o fito de garantir o pagamento do título de crédito. Ressalta-se que, conforme se verá no presente trabalho, a exigência da anuência do cônjuge para prestar aval é muito criticada, pois dificulta as práticas comerciais, fugindo do dinamismo do Direito Empresarial. Conforme esclarece Carlos Roberto Gonçalves (2008, p.407), “o cônjuge prejudicado, que não concordou com a fiança ou o aval, poderá defender a sua meação, através de embargos de terceiro” (art. 1046, §3º, do Código de Processo Civil).

Por fim, o cônjuge necessita da outorga conjugal para fazer doação, não sendo a mesma remuneratória, de bens comuns (art. 1647, IV, do Código Civil), pois visa-se evitar atos de liberalidade em detrimento do patrimônio do casal. Já, se a doação for remuneratória, como a mesma funciona com uma contraprestação de serviços, não é necessária a anuência conjugal. Ultrapassados os referidos comentários, é necessário analisar, nesse momento, os atos que os cônjuges poderão, sem necessitar da outorga conjugal, realizar livremente.

O art. 1642, I, do Código Civil, determina que os cônjuges poderão praticar todos os atos de disposição e administração necessários para o desempenho de sua profissão. Conforme esclarece Maria Helena Diniz (2011, p.233), se a mulher for empresária, a mesma poderá requerer falência, contrair obrigações, não necessitando da vênia do seu marido. Ademais, o cônjuge possui liberdade para administrar os bens próprios (art. 1642, II, do Código Civil). Além disso, o cônjuge poderá desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados, sem a

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devida outorga conjugal (art. 1642, III, do Código Civil). O cônjuge prejudicado não necessita da outorga conjugal para demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com infração ao art. 1647, III e IV , do Código Civil.

Ressalta-se ainda que, o cônjuge poderá reivindicar os bens comuns, sejam eles móveis ou imóveis, que foram doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que prove que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, e o casal estiver separado de fato, por mais de 5 anos (art. 1642, V, do Código Civil). Por fim, o cônjuge poderá praticar todos os atos que não sejam expressamente vedados, como, por exemplo, dispor dos bens móveis que possuir, tendo em vista, que a vedação legal é para os bens imóveis (art. 1642, VI, do Código Civil).

Por fim, tem-se que o legislador quis restringir a autonomia do casal, na constância do casamento, com o intuito de proteger o patrimônio dos nubentes. Entretanto, conforme se verá, o cônjuge que é empresário, poderá alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis que são destinados a sua atividade empresarial. Em contrapartida, essa mesma liberdade não se aplica ao aval, que necessita da vênia do cônjuge, fugindo aos postulados da presente disciplina.

2.2 Sua dispensa para a alienação da empresa

No Código Civil de 1916, era aplicada às relações empresariais a mesma regra do Direito de Família, qual seja: a necessidade da outorga conjugal, para alienar os imóveis que integram o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real, qualquer que fosse o regime de bens. Entretanto, o Código Civil de 2002 trouxe como sustentáculo principal o princípio da preservação e função social da empresa, visando, cada vez mais, facilitar o exercício da atividade empresarial, bem como sua administração.

Diante disso, não seria razoável aplicar a regra do art. 1647, I, do Código Civil de 2002 ou os arts. 232 e 242 do Código Civil de 1916, qual seja a necessidade da outorga conjugal para alienar bens imóveis ou gravar de ônus real a atividade empresarial, pois iria dificultar o exercício de uma atividade econômica. Desta forma não resta dúvida que, fere o princípio do informalismo, bem como o da preservação e função social da empresa,

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condicionar a alienação e a oneração dos bens, que são destinados ao exercício da atividade empresarial, à outorga do cônjuge não empresário. Nesse sentido, Gladston Mamede (2010a, p. 110) destaca:

Com facilidade se percebe que tal norma, se aplicada ao Direito de Empresa, conduziria à necessidade que a empresa individual, sendo casado o empresário, fosse submetida a entreves em suas atividades, tornando-a uma instância do Direito de Família, designadamente da administração comum dos bens do casal.

Diante do empecilho que o art. 1647, I, do Código Civil, acarretaria ao ser aplicado ao Direito Empresarial, frisa-se também que, o Código Comercial, Lei nº 556, de Junho de 1850, não trazia nenhuma norma apta para facilitar o exercício da atividade empresarial, no tocante a alienação ou oneração dos bens afetados a atividade empresarial pelo o empresário casado. Desta forma, o Código Civil de 2002 trouxe, em seu corpo normativo, o art. 978, que possibilita ao empresário alienar ou gravar de ônus real, sem a outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, os imóveis que estão afetados ao exercício de sua atividade. Assim, antes de analisar os efeitos do art. 978, do Código Civil, bem como sua relação com o princípio da preservação da empresa, é necessário entender o campo de aplicação do referido dispositivo legal.

Sabe-se que o empresário individual é a pessoa física que exerce a atividade empresarial em nome próprio, embora faça o seu registro (art. 967, do Código Civil), adquirindo, nesse momento, um CNPJ, exigido pela Receita Federal, para facilitar a arrecadação de tributos. Mesmo assim, ele não deixará de ser pessoa física, não adquire, portanto, personalidade jurídica. Diferentemente da firma individual, as sociedades empresárias, ao realizarem o registro do seu ato constitutivo, irão adquirir uma personalidade jurídica (art. 985, do Código Civil), criando uma pessoa diferente da figura dos sócios.

Além do exposto, é necessário compreender que os sócios, conforme aduz Gladston Mamede (2010a, p.38), não são empresários, pois os mesmos possuem apenas quotas ou ações de uma sociedade empresária.

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Devido a isso, não poderão ser chamados propriamente de empresários, pois quem é empresária, é a sociedade. Já o empresário individual, que é a pessoa física, é considerado empresário, pois exerce a atividade empresarial em nome próprio, circulando produtos e prestando serviços. Diante dos referidos comentários, como o art. 978, do Código Civil, refere-se ao empresário, entende-se que esse dispositivo está se referindo ao empresário individual, pois apenas a pessoa física poderia contrair matrimônio. Não aplica-se às sociedades empresárias, pois as mesmas é que são empresariais e não os sócios, sendo inviável uma pessoa jurídica casar.

Ocorre que, existe quem discorde do referido entendimento. Como Gladston Mamede (2010a, p. 112), “que entende ser perfeitamente viável a aplicação do art. 978, do Código Civil, às sociedade empresárias, pois o cônjuge seria titular de quotas ou ações da pessoa jurídica, possuindo, portanto, o seu próprio patrimônio” Assim, como as sociedades possuem personalidade jurídica, haveria total distinção patrimonial dos bens da sociedade e dos sócios, diferentemente do empresário individual, cuja empresa é uma parte do seu patrimônio pessoal. Entretanto, esse entendimento não deve prosperar, conforme já exposto no presente trabalho, pois apenas o empresário individual, que é empresário, poderá casar, diferentemente dos sócios, que não são empresários, mas mero investidores, sendo empresária a sociedade.

Nesse momento, é necessário compreender como funciona a aplicação do art. 978, do Código Civil. O mencionado dispositivo aduz que, o empresário poderá alienar ou gravar de ônus real, sem a outorga conjugal, em qualquer regime de bens, os imóveis destinados à atividade empresarial. O referido dispositivo é objetivo ao indicar que, apenas os bens que o empresário afeta para sua atividade, estão livres da vênia do outro consorte. Significa que, o empresário individual, como pessoa física, poderá ter bens que não constem do patrimônio empresarial, estando livre para alienar apenas os imóveis que o mesmo adquirir no seu CNPJ, pois esses bens estão individualizados como patrimônio especial, não estando compreendidos dentro do patrimônio conjugal. Nesse sentido, Ricardo Fiúza (2008, p.973) ensina:

No que se refere às firmas individuais, que não adquirem personalidade jurídica própria, a norma em

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referência estabelece que, relativamente ao patrimônio imobiliário destinado pelo empresário para o exercício de sua atividade, tais bens poderão ser alienados ou gravados de ônus reais sem a necessidade de consentimento do respectivo cônjuge, uma vez que os bens imóveis diretamente afetados à atividade empresarial não estão compreendidos no patrimônio empresarial.

Infere-se, portanto, que o art. 978 é uma exceção ao art. 1647, I, do Código Civil, pois o legislador quis privilegiar o Direito Empresarial, em detrimento do Direito de Família. Se fosse aplicado o art. 1647, I, do Código Civil, as relações empresariais, tornar-se-iam burocráticas, indo contra o princípio do informalismo e celeridade que caracteriza a presente disciplina. Nesse sentido, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (2009, p.846) confirmam: “Se nessa qualidade estiverem registrados, ainda que imóveis, podem ser gravados de ônus real ou alienados sem outorga marital ou uxória. Trata-se de exceção à regra do CC 1647 I”.

É necessário compreender que, a diferença de tratamento entre o Direito Empresarial e o Direito de Família possui como principal fundamento o princípio da preservação da empresa, pois, conforme visto no presente trabalho, o referido mandamento visa a facilitar a atividade empresarial, preservando aquela que exerce a sua função social, porque gera mão de obra, circula produtos e prestação de serviços, dentre outros benefícios. Logo, o art. 978, do Código Civil, é outra inovação que surgiu consubstanciando o princípio da preservação da empresa, mostrando, também, que o Código Civil de 2002 realmente tem como base a teoria da empresa e a busca da perpetuação das atividades empresariais na sociedade.

O art. 978, do Código Civil, não poderá prejudicar a meação do cônjuge que não é empresário, pois o empresário individual só está autorizado a alienar, sem a outorga conjugal, os bens que estão direcionados para sua atividade empresarial. Conforme esclarece Gladston Mamede (2010a, p.110), “é necessário que esses bens estejam devidamente escriturados, pois é uma exigência do art. 967, III, do Código Civil, e art. 1179, devendo a empresa ter uma expressão contábil do seu patrimônio”,

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que irá se diferenciar do patrimônio pessoal do empresário individual. É muito importante que o empresário individual se registre na Junta Comercial e, posteriormente, faça o arquivamento de uma declaração patrimonial, especificando quais bens estão destinados à atividade empresarial, pois irá evitar fraudes contra o cônjuge que não é empresário.

Frisa-se também, conforme esclarece Mônica Gusmão (2011, p.52), que há a possibilidade de o empresário individual explorar a sua atividade em casa. Nesse caso, a outorga conjugal é exigida, pois a mesma só é dispensada, quando o bem imóvel estiver diretamente ligado à atividade empresarial, ou seja, à empresa. Logo, a dispensa da outorga conjugal jamais poderá prejudicar a meação do cônjuge que não é empresário. Nesse sentido, Mônica Gusmão (2011, p. 52) pondera: “Apesar disso, a meação do cônjuge que não é empresário deve ser preservada, pois a intenção da regra é facilitar o exercício e a preservação da empresa sem desguarnecer o cônjuge não empresário”. Ainda pensando na proteção do patrimônio do cônjuge que não é empresário, a I Jornada de Direito Comercial trouxe o seguinte enunciado 06:

O empresário individual regularmente inscrito é o destinatário da norma do art. 978 do Código Civil, que permite alienar ou gravar de ônus real o imóvel incorporado à empresa, desde que exista, se for o caso, prévio registro de autorização conjugal no Cartório de Imóveis, devendo tais requisitos constar do instrumento de alienação ou de instituição do ônus real, com a consequente averbação do ato à margem de sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.

O referido enunciado da I Jornada de Direito Comercial é incompatível com os postulados do Direito Empresarial, pois o Código Civil foi objetivo e claro, ao criar uma exceção ao Direito de Família, permitindo que o cônjuge aliene o bem ou grave de ônus real, sem a outorga conjugal. É certo que, o legislador não criou nenhum requisito a ser cumprido, apenas que o bem esteja afetado ao exercício da empresa. No caso do empresário individual, o mesmo deverá estar no seu CNPJ. Desta

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forma, não seria razoável aplicar o entendimento da I Jornada de Direito Comercial, qual seja: haver prévio registro de autorização conjugal no Registro de Imóveis para permitir a alienação dos bens da empresa.

Assim, se o legislador quisesse aplicar as relações empresariais a necessidade da outorga conjugal para alienar os bens imóveis ou gravar de ônus real, não teria criado o art. 978, do Código Civil. Logo, não resta dúvida de que, o entendimento da I Jornada de Direito Comercial deve ser feito como uma forma alternativa de dar mais proteção ao cônjuge que não é empresário e, não, como um requisito a ser cumprido. Assim, caso o empresário individual queira, se for o caso, registrar a autorização do seu cônjuge no Cartório de Imóveis, isso irá ajudar a preservar ainda mais a meação do seu consorte, entretanto, é algo facultativo, pois em nenhum momento, o legislador criou essa exigência.

Ressalta-se que, no caso do empresário de fato, que não possui registro e, por consequência, CNPJ, como não há a formação de um patrimônio especial, que esteja afetado à atividade empresarial, ocorre uma verdadeira confusão entre bens pessoais e os destinados a sua atividade. Nesse caso, o enunciado 06 da I Jornada de Direito Comercial é perfeitamente aplicável, pois, quando o empresário é irregular, torna-se muito fácil fraudar a meação do seu cônjuge, porque não existe uma distinção patrimonial, o que não acontece com o empresário, individual registrado.

Portanto, tem-se que o art. 978, do Código Civil, é uma clara aplicação do princípio da preservação da empresa, pois visa a facilitar a administração de uma atividade empresarial, evitando a burocracia do Direito de Família. Em que pese, no primeiro momento, haver a possibilidade de prejudicar a meação do cônjuge que não é empresário, isso não ocorrerá, pois os bens que o empresário individual vier a alienar ou gravar de ônus real, sem a outorga conjugal, são apenas o que ele adquiriu no seu CNPJ.

No caso do empresário de fato, a situação fica complicada, pois o mesmo não tem CNPJ. Nesse caso, a I Jornada de Direito Comercial trouxe uma boa solução para preservar a meação do cônjuge. Lembra que, no caso do empresário individual registrado, o entendimento da I Jornada de Direito Comercial, qual seja, exigir a autorização conjugal no registro do imóvel

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que será objeto de alienação, não deve ser entendido como um requisito, mas como uma forma de garantir uma maior proteção ao patrimônio familiar.

Por fim, tem-se que não há um conflito normativo entre o Direito Empresarial e o Direito de Família. No caso concreto, é necessário analisar se o bem estar inserido no patrimônio da família. Nesse caso, não é possível alienar ou gravar de ônus real, exceto no regime da separação absoluta de bens, sem a outorga conjugal. Repetindo: se o bem é destinado ao exercício da atividade empresarial, o mesmo poderá ser alienado sem autorização do consorte.

2.3 Sua necessidade para a validade do aval

O Direito Empresarial possui como ramos o Direito das Empresas, o Direito Cambiário e o Direito Falimentar. No tocante ao Direito Cambiário, tem-se a figura do aval, que é uma declaração cambiária decorrente de uma manifestação unilateral, pela qual a pessoa, seja ela física ou jurídica, assume a condição cambiária autônoma de garantir, no vencimento, o pagamento do título de crédito nas condições nele estabelecidas. Nesse sentido, André Luiz Santa Cruz Ramos (2010, p. 290) expõe: “Outro instituto importante do regime jurídico cambial é o aval, ato através do qual um terceiro (o avalista) se responsabiliza pelo pagamento constante do título”.

O aval está previsto no art. 897, caput, do Código Civil, bem como no art. 30, da Lei Uniforme de Genebra (Decreto n.57.663, de 24 de janeiro de 1996). O avalista é aquele que garante o pagamento do título pelo avalizado, é o garantidor. O aval poderá ser em preto, quando ocorre a identificação do avalizado, ou poderá ser em branco, quando não se identifica o avalizado. Além disso, o aval poderá ser parcial, conforme o art. 30, do Decreto n.57.663, de 24 de janeiro de 1996.

Ressalta-se ainda que, o aval possui um instituto muito similar do Direito Civil, qual seja, a fiança. Entretanto, o aval só pode ser dado em título de crédito, já a fiança é uma garantia contratual. O aval possui como maior característica a sua autonomia, pois mesmo em caso de morte ou incapacidade do avalizado, o avalista continua respondendo. Em

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contrapartida, a fiança é uma obrigação acessória, que segue a obrigação principal. Outra diferença entre o aval e a fiança é que, no aval, não existe o chamado benefício de ordem, razão pela qual, conforme esclarece André Luiz Santa Cruz Ramos (2010, p.292), “o avalista poderá ser acionado juntamente com o avalizado”. Entretanto, na fiança, o fiador somente será acionado após o afiançado.

Ultrapassados os referidos comentários, é necessário compreender que o Código Civil de 2002 inovou, ao exigir a autorização do cônjuge, exceto no regime da separação absoluta, a prestação do aval (art. 1647, III, do Código Civil). É certo que essa exigência do Código Civil de 2002 visa a evitar o comprometimento dos bens do casal, em razão de garantia concedida em relação a débito de terceiros. Ocorre que, quando o Código Civil determina que o cônjuge não poderá avalizar títulos de crédito, sem a anuência do consorte, conforme esclarece Carlos Roberto Gonçalves (2008, p.208), “acaba comprometendo o dinamismo das relações comerciais, pois a livre circulação é uma característica inerente dos títulos de crédito”.

É certo que o título de crédito, seja ele um cheque, duplicata, letra de câmbio ou até mesmo uma nota promissória, nasceu para circular ao portador ou nominativo. Desta forma, não é razoável exigir a outorga conjugal para prestar o aval, pois fere os princípios da rapidez e segurança dos títulos de crédito. Diante da referida exigência, não resta dúvida que o Código Civil de 2002 retroagiu, agindo de forma controversa, pois, no tocante ao Direito das Empresas, o Código Civil de 2002 permitiu que o empresário aliene ou grave de ônus real os bens imóveis afetados à atividade empresarial, sem a outorga conjugal. Entretanto, no tocante ao Direito Cambiário, que também é um ramo do Direito Empresarial, o legislador privilegiou o Direito de Família em detrimento da presente disciplina.

Diante do grande retrocesso do Código Civil de 2002, em relação ao Direito Cambiário, a I Jornada de Direito Civil aprovou o Enunciado 114: “O aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o inciso III, do art. 1647, apenas caracteriza a oponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu”. Esse entendimento da I Jornada de Direito Civil merece prosperar, porque, conforme já tratado, se o cônjuge prestar o aval,

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sem a outorga conjugal, o ato é anulável pelo cônjuge prejudicado (art. 1649, caput, do Código Civil). Entretanto, conforme o enunciado 114, o negócio jurídico terá validade, apenas não poderá ser oposto ao consorte que não assentiu, pois bem se sabe, apenas as dívidas do art. 1643, do Código Civil, obrigam solidariamente ambos os cônjuges.

Além do referido entendimento, o enunciado 132, da I Jornada de Direito Civil, trouxe uma crítica, ressaltando a necessidade de suprimir o aval do art. 1647, III, do Código Civil de 2002, pois condicionar a validade do aval, à outorga conjugal, é ferir os princípios da celeridade e circulação dos títulos de créditos. Nesse sentido, o referido enunciado da I Jornada de Direito Civil mostra:

Preposição sobre o art. 1647,III, do novo CC: outorga conjugal em aval. Suprimir as expressões “ou aval” do inciso III do art.1647 do novo CC. Justificativa: Exigir anuência do cônjuge para a outorga do aval é afrontar a Lei Uniforme de Genebra e descaracterizar o instituto. Ademais, a celeridade indispensável para a circulação dos títulos de crédito é incompatível com essa exigência, pois não se pode esperar que, na celebração de um negócio corriqueiro, lastreado em cambial ou duplicata, seja necessário, para a obtenção de um aval, ir à busca do cônjuge e da certidão de seu casamento, determinadora do respectivo regime de bens.

Ressalta-se que, ao exigir a outorga conjugal, para a validade do aval, dificultará a transmissão do título. Insta salientar, conforme esclarece Maria Helena Diniz (2011, p.229), ao analisar o entendimento de Iacomini, que, no caso, será gerado um novo aval, aumentando os riscos para o credor, que, para garantir o seu crédito irá buscar alternativas, como elevação da taxa de juros. Frisa-se que o projeto de Lei nº 7.312/2002 pretende excluir do inciso III, o aval, pois conforme aduz Maria Helena Diniz (2011, p.229), “o referido projeto entende que não é necessário o consenso do cônjuge para o aval ser prestado”.

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Portanto, o Código Civil de 2002 evoluiu, ao permitir que o cônjuge aliene ou grave de ônus real, em qualquer regime de bens, os imóveis destinados a sua atividade empresarial (art. 978, do Código Civil). Entretanto, retroagiu, ao condicionar a validade do aval a outorga conjugal, ferindo os postulados do Direito Cambiário, tendo em vista que, esse ramo do Direito Empresarial tem como principal característica a celeridade e a livre circulação do título de crédito.

3. CONCLUSÃO

Tem-se que o artigo 978, do Código Civil de 2002, é uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro, visando a facilitar a administração da empresa, fugindo do caráter burocrático do Direito de Família. Desta forma, o legislador privilegiou o Direito Empresarial em detrimento do Direito de Família, evitando condicionar o exercício de uma atividade, à deliberação conjugal. É certo que, o próprio Código Civil de 2002 retroagiu, ao condicionar a validade do aval à anuência conjugal, ferindo diversos princípios. Entretanto, pode-se concluir que o artigo 978, do Código Civil de 2002, já é um grande avanço.

Desta forma, acredita-se que, essa diferença de tratamento existente entre o Direito de Família e o Direito Empresarial, no que diz respeito à outorga conjugal, para alienar ou gravar de ônus real os imóveis que pertencem ao núcleo conjugal, é devido ao princípio da preservação das atividades empresariais. É certo que, é necessário salvaguardar os interesses da coletividade, porque se uma empresa deixar de prestar os seus serviços, toda a sociedade sofrerá.

Todavia, apesar de o artigo 978, do Código Civil, ser uma vantagem para o empresário, pois facilita a administração da sua empresa, o referido dispositivo merece ser analisado com cautela. No que tange ao seu campo de incidência, o artigo 978, do Código Civil, só é aplicado ao empresário individual, porque o mesmo é pessoa física, diferentemente, das sociedades empresárias. Frisa-se que, na sociedade entre cônjuges, os nubentes poderão

4. BIBLIOGRAFIA

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A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

LESIMÔNIA SOARES COSTA: Bacharelanda na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Paripiranga - AGES.

RESUMO: O presente artigo tem a função de redimensionar o significado de Direito Agrário e Urbanístico enfatizando os princípios especialmente o da função social da propriedade que visa o bem comum da sociedade rural com o intuito de aumentar os bens e produções por intermédio de leis e normas, as quais tem como objeto, a atividade agrária. Tal realidade diz respeito ao fato de observar assentamentos no nordeste da Bahia e centro sul de Sergipe.

PALAVRAS-CHAVE: propriedade; função; rural; social; assentamentos.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho é uma pesquisa do Direito Processual e propõe elucidar os signos da exclusão, processo, solução e hermenêutica priorizando a dignidade humana sob a égide da legislação no encontro da “paz social”, pois, quando nossos direitos são violados encontramos a salvaguarda na estrutura do Estado, porém há um grande problema na legiferação, proporção das leis e acesso à justiça. Na antiguidade, o sincretismo suscitou na fusão de leis onde o processo apenas era meio de conduzir o Direito e após o absolutismo, o processo constitucional se arrastou com as leis ditadas pelo juiz-imperador e foi no século XVIII que o povo, cansado das manobras e abusos, reivindicou o “Estado de Direito”, fazendo brotar o Estado contemporâneo, poder público Justo e Direito objetivo, porém, Direito Justo não é aquele estabelecido por presidentes ou monarcas, a justiça é distinta do Direito.

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Na visão contemporânea, as liberdades públicas são o núcleo dos direitos fundamentais se agregando nos direitos econômicos, sociais e da solidariedade e, com isso, o Direito Justo não pode está na mão do homem, o legislador humano apenas declara a lei, mas nunca a legifera porque tal empreitada pertence a sociedade aberta dos intérpretes. Tal sociedade é aquela que se deixa invadir por ideias e debates, além de ter a interpretação dos juízes como relevante, mas não como a única, o povo deve participar do processo legislativo como pontifica a obra Hermenêutica Constitucional de Peter Haberle.

Nesse diapasão, as liberdades públicas são poderes íntegros, reconhecidos e protegidos pela ordem jurídica e as garantias são direitos fundamentais em sentido restrito e visam prevenir violação de um direito a recorrer ao judiciário, de impor habeas corpus, mandato de segurança. É fundamental, “o direito de recorrer ao judiciário” e deve ser assegurado pelo Estado uma vez que o cidadão se propõe a solucionar um conflito por meio de mediação, arbitragem, autocomposição e conciliação endo ou extraprocessual. A proteção dos direitos fundamentais é confiada ao judiciário que retifica as falhas do administrador e a lei de freios e contrapesos fiscaliza a função típica e atípica de cada poder, pois o poder legislativo viola nos direitos fundamentais ao cometer excessos e o poder executivo, administrador público tem papel de vilão nos direitos fundamentais e abusos são comumente vistos, atualmente pelo “Mensalão”, Senado e daí, o sistema recorre ao judiciário para corrigir as violações.

2. GARANTIAS DA PROPRIEDADE NO ESTADO DEMOCRÁTICO

Apesar do constitucionalismo assegurar direitos e garantias fundamentais, uma gama de processo chega aos tribunais porque a nossa Teoria de interpretação Constitucional é lenta, antiga, fechada, formal, dos juízes e questões materiais sequer chegam à Corte. Porém, para ser eficaz, o juiz Constitucional não pode interpretar sozinho, todas as forças pluralistas são potencialmente intérpretes ou partícipes da Democracia. O “processo constitucional” faz com que o controle de constitucionalidade, garanta o respeito à legitimidade dos órgãos que compõem a Constituição, verificando a conformidade das normas jurídicas com o texto

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constitucional. Por isso, Joaquim Barbosa, relator, presidente do Supremo Tribunal Federal desvendou réus do processo do mensalão, condenando-os na ação penal nº 470 peloo esquema na compra de votos dos parlamentares e corrupção do governo Luís Inácio Lula da Silva de onde ressurge, mais vez, infinidade de processos, ressaltando-se, os interesses privados sobre os públicos, indignidade à população eleitora e ainda vulnerável.

Nesse ínterim, o povo precisa de auxílio do judiciário, urlando pelo direito à justiça e igualdade contra todo tipo de discriminação. Assim sendo, desde a pré-história, essa luta pela sobrevivência foi vivida por deficientes, coisificados associando-os à heresia, castigos e obsessão por parte do Clero. Segundo Maciel (2011) na antiguidade existia a prática de eliminação de pessoas com deficiência num mercado especial onde comprava-se: homens sem braços e sem pernas, anões, gigantes, hermafroditas. Sob esse prisma, as cegas eram abandonadas em prostíbulos e anões em circos para entretenimento dos expectadores. Desse modo, exclusão existe e sempre existirá. Á propósito, isso vem desmistificar cotas dos pobres, indígenas, faixas etárias, homoafetivos, coxos, corcundas, cegos, deficientes mental e físico. Consoante Maciel (2011) enfermos eram abandonados e crianças deformadas eram mortas por ordem do juiz de Esparta, pois, todo deficiente era castigo de Deus por problemas espirituais ou de ascendência. As leis romanas e XII tábuas não eram favoráveis ao deficiente e pais podiam matar seus filhos por imersão ou assassiná-los. Mas, foi na fase autonomista que surgiu o Estado Democrático de Direito para reconhecer esses direitos considerados sociais do deficiente para daí, garantir seu lugar no mercado de trabalho.

De forma casuística, isso foi um legado para o processo, o reconhecimento dos direitos sociais e de segunda geração para o trabalhador, dando aí, início a fase conceitual. Hoje, a CLT enumera uma série de “processos trabalhistas” reivindicando assim, a vida laboral e digna ao trabalhador. A solenidade é que dá força as convenções, por isso o rito, sacramento era fielmente cumprido na antiguidade e os acordos tinham natureza e rigor tácitos. Na lei das XII tábuas palavras pronunciadas entoavam cerimônias e pactos. No direito romano, os atos jurídicos tinham o caráter sacramental. De acordo com Rousseau e Thomas Hobbes, o homem em seu estado de natureza é ilegal e imoral, pois para os

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contratualistas, a essência humana não é séria e precisa de ordem. Em 1762, o ato moderno e precursor de Jean Jackes Rousseau continua até nossos dias e o contrato oferece à sociedade, segurança ao patrimônio e defesa dos próprios interesses sem necessitar de processos.

“O contrato é, antes de tudo, um fenômeno econômico e não uma criação do Direito” (JUNIOR, 2004, p. 97). Com o desenrolar do tempo, o contrato, contractus tomou tipologias diferentes e hoje é instrumento de extrema importância da função social e para o Direito evitando o uso nas cláusulas abusivas e um crescente número de processos nos tribunais. O contrato deve refletir os fundamentos do Estado Democrático de Direito, limitando-se ao dirigismo que só assegura no cumprimento das obrigações (ROBOREDO, 2011). O código civil vem assegurar direitos sem mascarar inadimplentes e a hermenêutica é instaurada no “processo civil” e o juiz se dirige às exigências do bem comum, respeitando a lei, costumes e a constituição, observa a boa fé objetiva, as cláusulas preestabelecidas, pois o contrato cumprido realiza sua função social, daí o juiz dá a sentença. Poucos institutos resistiram ao tempo, mas o contrato nasceu da realidade econômica, desenvolveu-se, sobreviveu e proporcionou riquezas à sociedade.

3. GLOBALIZAÇÃO FRENTE AOS PROBLEMAS DA PROPRIEDADE

“A verdade na globalização neoliberal, aumentou, onde o número de delitos são praticados contra a propriedade, ou seja, patrimônio das pessoas” (SANTANA, 2008, P. 24). Por isso, isso afeta os problemas econômicos gerando a pobreza, crimes, violência, desigualdade e, na sequência, a prisão por tortura. O primeiro estágio da tortura veio com os gregos e romanos que empregavam a crucificação, fogo e fome para a confissão dos delitos através de tortura. No segundo estágio, a Santa Inquisição com seus crimes inquisitoriais e pedofilias, institucionalizou a tortura para punir hereges depois que foi publicizada, a obra de Beccaria, “dei delliti e dellePenne”. Nesse sentido, nessa fase, a tortura perdeu seu poder mesmo hoje empregada nos presídios. Atualmente, nas redes sociais e da internet denuncia-se, a violência de grupos skinhands, homofóbicos, arianos que, ao matar consideram as pessoas como umas excluídas. Já, na

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fase contemporânea e instrumental, os criminosos pobres morrem nos cárceres depois de acometidos por torturas de autoridades pelo exercício irregular do Direito e uso arbitrário das funções visto em episódios “Candelária e Carandiru”.

Presidiários pobres não tem como pagar suas custas judiciais e suas chances de reivindicar diminuem. Faz-se mister, apoio e assistência jurídica gratuita, pois, o Direito de recorrer à justiça é fundamental de todos (CAPELLETTI, 1988). Com a desestruturação familiar não só adultos como crianças ingressam no mundo do crime e a desigualdade social é o grande vilão da criminalidade em últimas décadas. Por isso, na decorrência do processo de modernização do século XIX, o inchaço populacional povoou os grandes centros gerando, a marginalidade e os homicídios. De acordo com Edilson Santana (2008 apud Beccaria 2004), a desigualdade social cresce e presos pagam penas maiores e desproporcionais aos seus crimes. Consoante Santana (2008), Beccaria delatou o sistema penal italiano onde as torturas chefiadas pelo poder público, abusava das penas, da pena capital, com falsas acusações, impunidade, crime-lesa majestade, delito de súditos e penas comandada pela igreja por um Deus misericordioso que lavava as mãos de sangue, revelando as falhas do sistema carcerário. Desse modo, no Brasil aplica-se a lei da tortura n° 9.455/97 onde o silêncio e a impunidade imperam até hoje (SANTANA, 2008). Assim, as leis penais são comparadas no tempo revelando em épocas diferentes os mesmos conflitos nas leis que continuam, ineficazes com processos lentos.

4. CONCLUSÃO

Na situação atual, o processo precisa de reforma e exige-se um estudo crítico em todo aparelho judicial porque uma Constituição bem elaborada leva a sério suas leis e princípios, disponíveis para todos e de forma igualitária, pois o mesmo que pratica hoje um crime foi antes, integrante da sociedade que agora, rejeita-o e exclui-o, pois Deus perdoa, mas a sociedade jamais esquece uma transgressão. Então, os direitos fundamentais devem ser potencializados e mudanças urgentes devem ser feitas no acesso à justiça tais como: desenvolver planos de convênio de assistência jurídica, modernizar procedimentos, métodos alternativos para

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as causas, procedimentos especiais para pequenas causas, mudanças nos métodos de prestação de serviços, tribunais especiais para consumidores, tribunais de vizinhança entre outros sendo que a operacionalização de reformas aponta perigos no common law e civil Law. O grande problema do acesso â justiça está na diferença pecuniária entre os litigantes e a lei que se mantém alheia aos problemas civis que mais precisam de atenção.

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