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SEBENTA BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR I BERNARDO MANUEL DE SOUSA PINTO FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

BioCel I FMUP [Sebenta] Bernardo Sousa Pinto

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SEBENTA

BIOLOGIA CELULAR E

MOLECULAR I

BERNARDO MANUEL DE SOUSA PINTO

FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

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Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Sebenta de Biologia Celular e Molecular I

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Índice Metodologia do estudo da célula……………………………………….…………………………..………3

Microscopia……………………………………………………………………...…………..……3

Isolamento e cultura celular ………….…………………………………………………….……..7

DNA e DNA-binding proteins……………………………...………….…………………………….……11

Replicação do DNA……………………….…………………………….……………………...…………15

Reparação e recombinação do DNA………………………...…………….………………………………19

Transcrição do DNA…………………………………………………….…………………...……………24

Transcrição: Síntese do mRNA………………………..……………………...…………………24

Transcrição: Síntese do rRNA e tRNA…….………...……………...………………….………..29

Núcleo celular…………………………………………………………….…………….…………………32

Genoma humano e doenças associadas ao DNA…………………….……………………………………37

Técnicas de biologia molecular……………………………………...….……………………...…………41

Síntese e degradação de proteínas……………………..……………….……………………….…………45

Controlo da expressão génica e especialização celular…………….…...…………………………………51

Membranas biológicas…………………………………………………………………...………..………55

Transporte transmembranar ………….………………………………………………………..…………..58

Tradução eléctrica de estímulos: Membrana neuronal………….…………………………..……….……63

Modelos experimentais de controlo da expressão génica……………………….………………...………67

Citosqueleto……………………….………………………...…………….………………………………72

Actina………………………………………..…………………………………...………………72

Microtúbulos e filamentos intermediários...………………..…………………………..………..78

Atlas de Microscopia…………….………………………...…………….………………………..………82

Tipos de células……………………………..…………………………………...………………82

Núcleo...………………..………………………………………………...…….…….…………..91

Estão incluídos nesta sebenta, resumos das aulas de Biologia Celular e Molecular I da Faculdade de

Medicina da Universidade do Porto, bem como um atlas com as imagens de microscopia observadas.

Desde já agradeço a quem me ajudou na elaboração da sebenta, através da correcção de eventuais erros

inicialmente presentes, ou através de ideias e sugestões.

Bom trabalho e votos de sucesso nos exames,

Bernardo M. Sousa Pinto

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Microscopia

O microscópio permite, não só, ampliar aquilo que vemos, mas também, ver mais pontos como pontos

distintos, pois permite uma resolução maior que uma simples lupa. Existem dois grandes tipos de

microscópio: O microscópio de luz, onde é possível ver até às células, e o microscópio electrónico, que

teoricamente daria para ver até aos átomos.

Limite de resolução

O limite de resolução de um microscópio é a distância mínima entre dois pontos de um objecto, em que

estes são passíveis de ser observados como pontos distintos, exprimindo-se em subunidades do metro.

O limite de resolução do microscópio óptico é calculado pela fórmula

, sendo , o valor do

comprimento de onda da luz utilizada e o produto expresso no denominador muitas vezes indicado pelo

fornecedor.

O limite de resolução mínimo do microscópio óptico, por causa da radiação é de 200 nm, ou seja, não se

conseguem observar estruturas que distam menos de 200 nm, que é a distância mais ou menos que

existe entre os organelos. O microscópio electrónico tem um limite de resolução teórico de 0,1 nm, mas

na prática, o limite de resolução é raramente menor que 1 nm.

Preparações para microscopia

Para elaborar preparações definitivas para microscópio óptico, em primeiro lugar, devemos parar os

processos metabólicos das células, matando-as e conservando a sua estrutura – fixação. De seguida,

corta-se o tecido endurecido (frequentemente em parafina) em fatias finas (entre 5 e 6 μm de

espessura), pois só assim podem ser atravessadas por um feixe de luz. Finalmente, coloca-se este no

suporte de vidro.

Como as células são incolores, nomeadamente as animais, absorvem/reflectem muito poucas radiações

visíveis, devendo-se por isso fazer colorações, utilizando-se corantes citológicos, básicos (ou acidófilos),

para corar estruturas ácidas, como o núcleo (devido à grande quantidade de ácidos nucleicos), ou

corantes citológicos ácidos (ou basófilos), para corar estruturas básicas (geralmente têm maior afinidade

com o citoplasma). Como as colorações podem induzir alterações morfológicas nas células, há por vezes

a necessidade de observar células vivas e não coradas. Para isto, utilizam-se frequentemente,

microscópios de contraste de fase.

Já em microscopia electrónica, os cortes têm de ser ultra-finos (80 a 100 nm), sendo estes colocados

numa grelha metálica e fixados numa cera muito dura.

Coloração de Gram

As células procarióticas não têm núcleo, nem organelos membranares individualizados. As bactérias são

indivíduos procariontes, que se classificam de acordo com o modo como coram, quando submetidas à

técnica de Gram. Sendo assim, as bactérias Gram-positivas coram a roxo e as bactérias Gram-negativas

coram a encarnado/magenta.

Estas diferenças em termos de coloração prendem-se com a presença ou ausência de peptidoglicano

nas paredes bacterianas. As Gram-positivas possuem uma grande quantidade de peptidoglicano que

funciona como uma “esponja muito grossa e permeável”, enquanto as Gram-negativas possuem uma

quantidade muito reduzida de peptidoglicano.

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Microscopia de contraste de fase

A microscopia de contraste de

fase permite acompanhar

culturas de células vivas, pois

neste método não é necessária

a coloração histológica das

células. As imagens são nos

dadas, pois, por um contraste,

que faz parecer que estas

apresentam relevo. Isto

acontece porque as radiações

que atravessam organelos mais

“densos” e “espessos”, como o

núcleo sofrem um

retardamento, enquanto as que

atravessam regiões de menor

resistência, ficam em fase.

Dessa forma, essas diferenças

de fase de radiação, nos diferentes locais da célula, vão ser convertidas pelos microscópios de contraste

de fase, num contraste, onde estruturas mais “densas” são menos brilhante e as menos “densas” são

mais. Este método é útil para observar células individuais, ou finas camadas de células, mas não tecidos

espessos.

O contraste de interferência diferencial (ou contraste de interferência diferencial de Nomarski) é uma

variante da microscopia de contraste de fase, pois converte diferenças de fase também num contraste,

mas os objectos, nas imagens, parecem ter uma sombra, algo que resulta de uma diferença no índice de

refracção deste, relativamente ao meio. Isto é particularmente útil para a observação de objectos

espessos e pequenos detalhes.

Microscopia de fluorescência

Através de microscopia de fluorescência, é possível detectar os fluorocromos, moléculas fluorescentes.

Um composto diz-se fluorescente, caso absorva luz a um dado comprimento de onda de excitação e, por

consequência, emita luz, num maior comprimento de onda específico. São por isso detectadas duas

radiações – uma associada à excitação dos electrões e outra à emissão de energia por parte destes.

Por isso, neste tipo de microscopia utiliza-se um filtro que deixa passar apenas as radiações que excitam

os fluorocromos. Graças a outro filtro, vemos também somente as radiações luminosas emitidas pelos

fluorocromos. O resto aparece a negro.

Dado existirem muito poucas moléculas naturalmente fluorescentes, somos forçados a recorrer a

técnicas de imunocitoquímica – utilizamos, pois, anticorpos com fluorocromos, pois os anticorpos são

muito específicos para determinados antigénios. Podemos classificar as técnicas de imunocitoquímica

em directas, se recorrerem somente a um anticorpo marcado para cada molécula, o que acontece

muito raramente; ou indirectas, se recorrerem a um anticorpo primário, ao qual se ligam vários

anticorpos secundários marcados (sendo que os dois anticorpos têm de ser produzidos em animais

diferentes – só assim os anticorpos secundários reconhecem o anticorpo primário como um antigénio!).

Podem igualmente ser usadas enzimas com marcação fluorescente.

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Dado o contraste nas imagens de fluorescência ser tão grande, é possível ver estruturas menores que

200 nm, a menos que distem menos que 200 nm!

As imagens de microscopia de fluorescência podem apresentar um fundo (noise), algo que é superado

com recurso a radiação laser muito intensa, em microscópios mais sofisticados. A microscopia confocal

e de deconvolução permitem observações de estruturas tri-dimensionais sem aberrações de imagem. A

microscopia de Apo-Tome permite um aumento de nitidez nas imagens obtidas por microscopia de

fluorescência.

GFP – Green Fluorescent Protein

Esta proteína permite-nos ver, com recurso a técnicas de fluorescência, células vivas, ou proteínas (por

vezes criam-se proteínas híbridas, com um segmento de GFP, que não altera o funcionamento natural

destas e permite observar o seu “caminho natural”).

FRET – Förster resonance energy transfer

Esta é uma técnica de microscopia de fluorescência, que permite observar a interacção directa entre

duas moléculas muito próximas (nomeadamente reacções de transferência de energia), do seguinte

modo:

FRAP – Fluorescence recovery after photobleaching

Esta técnica é útil para observação de cinética molecular, pois faz-se um branqueamento de todas as

moléculas fluorescentes numa área restrita e depois vai-se acompanhando as migrações moleculares, ou

seja, a sua “recuperação”.

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TIRF - Total internal reflection fluorescence microscope

Permite excitar os electrões que estão mais à superfície na lâmina, permitindo ver só moléculas

individuais específicas.

Microscopia electrónica de transmissão

Este tipo de microscopia

electrónica utiliza um feixe de

electrões, emitidos por um

filamento de tungsténio, após ter

sido criada uma grande diferença

de potencial, o que mata células

eventualmente vivas. Como as

células são muito permeáveis à

passagem de electrões e os

metais pesados não, cria-se uma

fixação à base de elementos

densos, como o ósmio, ou o

acetato de uranilo…levando à

génese de um contraste.

Em microscopia electrónica

aplicam-se também técnicas de

imunocitoquímica,

nomeadamente

imunocitoquímica ultra-estrutural, onde, recorrendo a anticorpos marcados com metais pesados (p.e.

esferas de ouro), conseguimos detectar determinadas estruturas.

Microscopia crioelectrónica

Consiste na congelação muito rápida de material biológico em azoto líquido, algo essencialmente útil

para a identificação de vírus. Pode preceder o processo de sombreamento metálico, algo que é

extremamente útil para revelar o interior de biomembranas.

Sombreamento metálico

Consiste na colocação de um metal pesado no material biológico, obtendo-se uma réplica da superfície

que se consegue ver a microscópio electrónico – à espécie de um molde.

Microscopia electrónica de varrimento

Quando observamos estruturas em microscopia electrónica de varrimento, fazemos incidir electrões em

ângulos diferentes, relativamente aos do microscópio electrónico de transmissão. Obtemos assim uma

imagem da superfície do material biológico (que não é atravessado pelos electrões), embora o limite de

resolução neste tipo de microscópio seja menor.

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Isolamento e cultura celular

Isolamento de células

Microdissecção por laser

Este processo permite recortar regiões da célula, muito selectivamente, submetendo-as a radiação

laser, após estas terem sido cobertas por um polímero.

Citometria de fluxo

A citometria de fluxo permite a separação de células, através de diferença de cargas. Algumas células

são marcadas por fluorescência, sendo que as marcadas, recebem uma determinada carga e as que não

têm recebem outra. É feita posteriormente uma triagem com base nas cargas das células.

Cultura de células in vivo:

A cultura de células in vivo é muito importante em termos científicos, sendo aceite em termos éticos e

poupando recursos financeiros. Estas células são cultivadas em meio de cultura líquido, asséptico,

suplementado com aminoácidos, vitaminas e soro animal, estando todos os factores controlados. Para

além disso, estas células mantêm as características das originais. Contudo, existe a possibilidade da

contaminação destas culturas com microrganismos.

As células que retiramos podem se dividir num número limitado de vezes (normalmente podem

efectuar até 40 divisões), morrendo posteriormente. Contudo, algumas células normais de roedores e

células tumorais têm capacidade de se dividir indefinidamente – linhas de células imortais – um

exemplo de células imortais, são as células da linha HeLa, a primeira linha celular, que foi isolada a

partir de um cancro do colo do útero.

Células imortais cultivadas in vivo são utilizadas na criação de células híbridas. As células híbridas

resultam da cultura de duas células com conteúdo genético não muito diferente. Para se criarem células

híbridas, recorre-se ao polietilenoglicol, formando-se depois um heterocaryon, porque as membranas

das células tornam-se muito permeáveis. Formam-se depois, por mitose, células com informação

genética de ambos os tipos de células. As células híbridas são utilizadas, por exemplo, para a produção

de anticorpos monoclonais, por parte de hibridomas, células resultantes da fusão de linfócitos B com

células tumorais, o que lhes confere imortalidade. As células híbridas têm ainda aplicações na

investigação e no diagnóstico de patologias.

Isolamento de organelos:

Os organelos são isolados, de forma a permitir um melhor conhecimento da sua constituição, algo

essencial, por exemplo, para a produção de fármacos. Para proceder à obtenção de organelos isolados,

em primeiro lugar, a membrana citoplasmática das células é rompida, através de um método mecânico

– o homogeneizador. De seguida, procede-se a uma centrifugação, onde se aplica uma grande força

centrífuga, maior que a da gravidade, de modo a obter um sedimento, constituído pelas estruturas mais

densas e um sobrenadante, constituído pelas restantes. O núcleo será o primeiro organelo a constituir o

sedimento, dada a sua elevada densidade. Contudo, é necessária a separação dos sobrenadantes, algo

que se faz recorrendo-se a uma centrifugação diferencial, a forças cada vez maiores.

Como as fracções obtidas nunca são 100% puras, utilizamos um gradiente, onde a base tem maior

concentração de soluto (p.e. de sacarose) que o topo. Obtém-se aí uma coluna com bandas, o que

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permite a purificação de sedimentos, quer constituídos por diferentes organelos, quer constituídos

somente por núcleos. Um controlo adicional da pureza é feito, recorrendo ao microscópio electrónico.

Este processo pode ser utilizado para a obtenção de macromoléculas específicas isoladas. Neste caso, a

ultracentrifugação é realizada à conta de forças muito superiores e tempo muito longa, estando sempre

associada a um gradiente muito concentrado em soluto. As macromoléculas, “deslocam-se” ao longo do

gradiente até encontrarem uma zona, cuja densidade seja igual às suas, estabilizando aí. Todavia, esta

não é a técnica de excelência para a separação de moléculas como o DNA e o RNA.

Separação de proteínas:

SDS-PAGE

Para separar proteínas, recorremos à electroforese, um processo que permite separar moléculas com

carga eléctrica, quando se encontram em solução, através da aplicação de corrente eléctrica, estando a

migração das moléculas dependente da sua carga, forma e massa.

No DNA, a migração está apenas dependente da massa (associada ao número de pares de bases), visto

as moléculas de DNA terem carga negativa (devido à presença do anião fosfato) e forma similar, mas nas

proteínas tal não acontece. Neste grupo de moléculas verifica-se variedade na carga e forma, o que leva

a que tenhamos de realizar alguns processos, de modo a eliminar essas “variáveis” e a podermos

separar as proteínas somente pela sua massa.

Para eliminarmos a “variável carga”, aplicamos SDS (dodecilsulfato de sódio), que confere carga

negativa a todas as proteínas (estas ficam todas com a mesma carga). Isto leva também, a que haja

repulsões entre as proteínas, algo que ajuda à sua desnaturação e linearização. Posteriormente, aplica-

se DTT – ditiotreitol – e β-mercaptoetanol – agentes que quebram as pontes dissulfureto, contribuindo

para a perda de tridimensionalidade das proteínas.

Aplica-se uma carga eléctrica às proteínas, então em gel de poliacriloenil, que migram do cátodo (-), até

ao ânodo (+), sendo que quanto maiores, menor a sua mobilidade. Para visualizarmos as bandas

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obtidas, estas são coradas com nitrato de prata e azul de Coomassie e comparar os valores obtidos com

valores-padrão.

Focagem Isoelectrónica

Esta é uma forma de electroforese, na qual as proteínas são separadas de acordo com o seu ponto

isoelectrónico – o valor do pH do meio, para o qual a proteína fica globalmente neutra. Sabe-se que ao

ser aplicada electroforese em proteínas neutras, estas não migram, por isso numa tina onde existe um

gradiente de pH, fornecemos corrente a proteínas carregadas, sendo que estas migram até ao local

onde é atingido o seu ponto isoelectrónico.

Electroforese bidimensional

As proteínas são separadas com base nos seus pontos isoelectrónicos, por focagem isoelectrónica e

depois, por SDS-PAGE, pela sua massa molecular.

Western-blotting

O método de Western-blotting consiste na transferência das proteínas separadas por electroforese

bidimensional para uma membrana. Aplica-se coloração de Ponceau’s e depois aplicam-se os anticorpos

marcados com enzimas ou fluorescência para identificar as proteínas de interesse (imunoblotting).

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Separação e hibridação de ácidos nucleicos:

No DNA, a migração por electroforese é feita em gel de acrilamida e agarose e está apenas dependente

da massa (associada ao número de pares de bases), visto as moléculas de DNA terem carga negativa

(devido à presença do anião fosfato) e forma similar. Dadas as dimensões da molécula de DNA, por

vezes é necessário cindi-la, com recurso a enzimas de restrição. A visualização das bandas de DNA é

possível graças ao SYBR green (antigamente recorria-se ao brometo de etídio, contudo, este é

cancerígena).

É possível a hibridação de ácidos nucleicos, podendo-se obter cadeias de DNA/DNA, RNA/RNA e

DNA/RNA. Para isso, aumenta-se inicialmente a temperatura das moléculas “originais”, o que leva à

quebra das pontes de hidrogénio e desnaturação destas. De seguida, obtêm-se moléculas híbridas,

graças à diminuição de temperatura.

Southern-blotting

O método de Southern-blotting é análogo ao de Western-blotting. Esta técnica é capaz de detectar um

fragmento de restrição específico, com uma enzima de restrição. Quando uma mistura de DNA

complexa é submetida a electroforese é notável a presença de vários fragmentos diferentes com

aproximadamente a mesma massa, não sendo detectável, cada um, como uma banda particular. Dessa

forma, o southern-blotting recorre à hibirdação para identificar um fragmento de DNA particular – os

fragmentos de restrição são transferidos para uma membrana, que é deixada a incubar em condições de

hibridação com uma sonda específica de DNA marcada radioactiva. Após se dar a hibridação dos dois

fragmentos, identificamos a sua localização, por autoradiografia.

Nothern-blotting

O método de Northern-blotting permite determinar a localização da expressão de um gene particular,

sendo análoga para RNA que é separado por electroforese e induzido em hibirdação com uma sonda de

DNA marcada radioactivamente. Este método necessita da extracção de mRNA de uma célula ou

conjunto de células, dessa forma, para manter a informação posicional da célula, em estudos mais

precisos, é necessário realizar hibridização in situ.

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DNA e DNA binding proteins

Molécula de DNA

A molécula de DNA apresenta como unidades básicas os nucleotídeos, compostos por uma base

azotada, uma desoxirribose e um grupo fosfato. Ao conjunto da base azotada, mais a dexosirribose dá-

se o nome de nucleosídeo. Quanto às bases, existem as pirimídicas, que são a timina e a citosina e que

apenas apresentam um anel azotado, e as púricas, que apresentam dois anéis azotados, sendo por isso

a adenina e a guanina.

O grupo fosfato estabelece duas ligações éster com a desoxirribose, dizemos por isso que se

estabelecem ligações fosfodiéster na molécula de DNA. Uma das ligações é estabelecida no 5º carbono

da desoxirribose, enquanto a outra é no 3º carbono de uma desoxirribose diferente. Dessa forma, a

sequência de nucleotídeos é sempre lida de 5’ para 3’.

A cadeia de DNA é formada por dois polímeros lineares com tendência a formar uma dupla hélice,

estabelecendo-se pontes de hidrogénio entre as bases azotadas, de ambas as cadeias, que se dispõe

antiparalelamente. Relativamente ao emparelhamento de bases, podemos afirmar que estas formam

sempre pares de Watson e Crick, ou seja a adenina emparelha sempre com a timina, através de duas

pontes de hidrogénio e a guanina com a citosina, por 3 pontes de hidrogénio. De referir que na molécula

de DNA distinguimos dois “sulcos”, um maior e outro menor, sendo que em cada volta, encontramos um

sulco de cada. Já as pontes de hidrogénio estabelecem um “efeito velcro”, pois são muito frágeis

individualmente, mas, no seu conjunto, constituem uma junção muito forte.

Relativamente aos tipos de DNA, quanto ao seu arranjo em dupla hélice, podemos considerar o BDNA, o

ZDNA e o ADNA. O BDNA corresponde à

maior parte do DNA existente nas células.

Regista-se nele uma rotação para a direita

e existem 10,1 bases por volta completa

(que tem 3,6 nm). Já o ADNA apenas

existe em laboratório e em condições de

desidratação extrema, sendo por isso,

semelhante à estrutura do BDNA, mas

mais compacto. Por último, o ZDNA

apresenta uma rotação para a esquerda e,

embora por vezes se encontre nas células,

não se sabe qual a sua função.

Desnaturação da molécula de DNA

A molécula de DNA é muito estável, todavia, a separação das duas cadeias é possível, através do

aumento de temperatura (dado a elevação térmica aumentar a cinética dos electrões). A esta separação

dá-se o nome de desnaturação do DNA, sendo este processo reversível. Valores extremos do pH

também levam à quebra das pontes de hidrogénio, isto porque as cadeias passam a repelir-se, quer pelo

facto das bases ficarem protonadas (em meio ácido), ou com carga negativa (em meio básico). Também

a diminuição da concentração de iões é um factor que contribui para a desnaturação da molécula de

DNA.

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As quebras de ligações nas moléculas de DNA são

passíveis de ser monitorizadas, através da

espectrofotometria. De facto, as cadeias simples

absorvem uma quantidade muito maior de

radiação UV de comprimento de onda 260 nm. A

temperatura para a qual se dá um aumento

muito brusco da absorção de radiação de 260 nm

é designada por melting-point (também

designado por “temperature of melting”, ou Tm).

O melting-point é mais elevado quando há mais

pares de bases guanina-citosina, do que quando

há mais pares de bases adenina-timina. Isto,

porque entre a guanina e a citosina estabelecem-se mais pontes de hidrogénio, que entre a adenina e a

timina.

Disposição do DNA na célula

O DNA não se dispõe aleatoriamente no núcleo das células

em interfase – ocupa os chamados territórios

cromossómicos, locais restritos ocupados de forma

ordenada pelo DNA, entre os quais existe o espaço

intercromossomal. O DNA encontra-se então no núcleo

associado a proteínas, o que constitui a cromatina. A

cromatina pode se encontrar sob uma forma muito

condensada (heterocromatina), ou pouco condensada

(eucromatina), estando essa última forma, geralmente

associada à transcrição activa.

Quando se encontra em solução hipotónica, o DNA

apresenta-se na forma de fibras de cromatina de 10 nm de

diâmetro, assemelhando-se a um colar de contas, sendo que cada conta é um nucleossoma – a unidade

básica de compactação de DNA nas células, constituído por 147 pares de bases ligados a um octâmero

(constituído por um conjunto de oito histonas, de quatro tipos diferentes).

As histonas apresentam resíduos de aminoácidos carregadas positivamente, sendo que após a tradução

destas é possível, que estas sofram alterações (código das histonas), que determinarão a sua função e

compactação. Uma histona importante é a H1, por permitir a formação de fibras de cromatina de 30 nm

de diâmetro, estas fibras iniciam a sua formação pela orientação de duas colunas de DNA para esquerda

e enroladas sobre si próprias, originando depois, no seu conjunto, uma dupla hélice com orientação

para a esquerda.

De entre as histonas é igualmente de destacar a acção da HP1, ao permitir uma maior condensação do

DNA, levando à génese de mais heterocromatina. Essa maior condensação está pois associada a

trimetilações, enquanto as acetilações estão sobretudo associadas a um impedimento da condensação

da cromatina.

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De referir, que este processo avança ciclicamente,

até aparecer um “elemento de fronteira”, que

impede o resto da proliferação da heterocromatina.

O processo da produção de heterocromatina pode

ser então descrito pelo esquema da direita.

De entre a heterocromatina, é igualmente

importante referir que existe heterocromatina que

está permanentemente condensada e que se

denomina heterocromatina construtiva, não sendo

praticamente transcrita.

Estrutura do cromossoma

O cromossoma apresenta DNA associado a proteína,

designando-se cada molécula de DNA presente no

cromossoma por cromatídea. As cromatídeas estão

unidas por um centrómero. A extremidade do

cromossoma é o telómero.

Existem proteínas que, não sendo histonas,

desempenham importantes funções na manutenção

da estrutura do cromossoma – loops de DNA

associados a um scaffold cromossómico de proteínas

não histónicas, formam umas “argolas” designadas por SMC - Structural maintenance of chromosome.

A condensina é entendida como largos complexos proteicos com uma função fundamental na estrutura

de um cromossoma.

O cariótipo é entendido como o diagrama organizado dos cromossomas metafásicos de uma espécie e

tem em conta, o número de cromossomas de uma determinada espécie, a sua forma e tamanho.

DNA binding proteins

AS DNA binding proteins são as proteínas que se ligam ao DNA (mais particularmente à sua periferia),

estas têm acesso às bases no interior da molécula de DNA, sem ser necessário desnaturá-la. Isso é

possível, especialmente, graças ao “sulco grande” da molécula de DNA, que permite a exposição das

bases nucleotídicas. As ligações estabelecidas entre o DNA e as proteínas são muito específicas,

formando à espécie de um efeito velcro.

Frequentemente, ligam-se ao DNA proteínas com estrutura secundária em α-hélice, mas as folhas

pragueadas β também conseguem reconhecer a dupla hélice de DNA, bem como ansas de aminoácidos

(como as da proteína p53, supressora tumoral).

A helix-turn-helix é um domínio comum de ligação ao DNA, sendo compostas por duas hélices e um

grupo turn, em ângulo fixo, sendo que uma hélice, a hélice de reconhecimento liga se à major groove do

DNA. O basic helix-loop-helix (bHLH) é uma variante, onde duas hélices estão conectadas por um loop.

Um caso particular de helix-turn-helix é o homeodomain e é observado nos repressores bacterianos.

O zinc finger é o motivo mais abundante de ligação nos animais. Tem um átomo de zinco a unir vários

resíduos de aminoácidos (entre 23 e 28), apresenta várias formas possível, mas geralmente, tem uma

hélice de reconhecimento.

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O leucin-zipper consiste em duas α-héllices de DNA, unidas por interacções hidrofóbicas, ao nível das

leucinas. Está associada à expressão de genes.

Os heterodímeros são resultado da junção entre o leucin-zipper e as hélice-ansa-hélice básicas, tendo

diferente especificidade de ligação ao DNA. Contudo, o número de combinações em cada célula é

limitado, dependendo sempre da sequência de aminoácidos de cada cadeia.

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Replicação de DNA

A replicação de DNA é o processo pelo qual se formam 2 moléculas de DNA exactamente, iguais à quais

lhe deu origem e entre si. É um processo semi-conservatvo feito por complementaridade de bases, algo

que foi comprovado numa experiência que utilizou isótopos de azoto num gradiente de Césio.

DNA Polimerase

A DNA Polimerase é a principal enzima a catalisar o processo de replicação DNA. Existem vários tipos de

DNA polimerase – nos procariotas, podemos referir as DNA Polimerases I, II e III (a DNA Polimerase III é

a principal, adicionando nucleotídeos e tendo capacidade de proof-reading, as restantes, sobretudo a II

intervêm somente no processo de reparação do DNA), enquanto nos eucariotas, são de salientar a DNA

polimerase α (também designada por DNA primase), a DNA polimerase β (que actua nos processos de

reparação de DNA) e as DNA polimerases δ/ε (com capacidade de adição de nucleotídeos e de proof-

reading. A DNA polimerase δ actua ao nível da cadeia leading, enquanto a ε actua ao nível da cadeia

lagging). A DNA Polimerase δ/ε é a enzima mais importante nas células eucarióticas, criando ligações

difosfoéster, de 5’ para 3’, quando as bases já estão emparelhadas, entre a molécula de DNA e um

desoxirribonucleosídeo trifosfato (levando à libertação de dois fosfatos). Esta enzima é similar a uma

mão fechada, com “dedos”, “polegar” e “palma”.

Esta enzima é incapaz de adicionar os desoxirribonucleotídeos a uma cadeia simples. Tem que existir,

por isso, na cadeia de DNA, um pouco de ligação dupla. Isto é algo que não acontece com a enzima DNA

primase.

Cadeia condutora (leading) e cadeia rápida (lagging)

Em microscopia electrónica é possível observar a replicação de DNA. As moléculas de DNA circular vão

sendo abertas, havendo crescimento bidireccional das cadeias, com formação das forquilhas de

replicação. A forquilha de replicação é a estrutura com forma de diapasão que se forma, aquando da

replicação do DNA. Nela distinguimos duas cadeias, a cadeia condutora, ou leading, e a cadeia lenta ou

lagging. A cadeia condutora é aquela onde o DNA é sintetizado de modo contínuo. A sua orientação 5’

para 3’ é de acordo com a direcção de síntese de DNA pela DNA polimerase. Por outro lado, na cadeia

lenta o DNA é sintetizado de modo descontínuo, alternando os fragmentos de Okazaki com primers de

RNA.

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Os fragmentos de Okazaki são as sequências de DNA, que se vão formando nas cadeias lentas e têm

cerca de 100-200 nucleotídeos nos eucariotas e 1000 a 2000 nos procariotas. Os primers de RNA são

pequenas regiões de ribonucleotídeos, com 3 a 10 nucleotídeos, acrescentados pela DNA primase (DNA

polimerase α), de forma a ser possível a síntese de DNA na cadeia lenta. Na cadeia leading também é

necessário um primer, para que se possa iniciar a replicação, dado que a DNA polimerase não pode

acrescentar nucleotídeos de novo.

A remoção dos primers é feita por acção da RNase H. Dado a presença de ribonucleotídeos nas cadeias

de DNA ser facilmente detectada nas células como algo anómalo e aberrante, estes são fácil e

rapidamente removidos. Os espaços livres são então preenchidos por desoxirribonucleotídeos

colocados pela DNA polimerase. A enzima DNA ligase, por seu turno, à conta de ATP, estabelece a

última ligação fosfodiéster.

Proteínas acessórias da DNA polimerase

A DNA helicase é essencial ao processo de replicação do DNA, pois permite a abertura da dupla hélice e,

por outro lado, o desenrolamento das cadeias simples, aquando da formação de uma nova cadeia dupla.

Esta proteína tem forma de anel, que progride, abrindo a cadeia de DNA.

Contudo, é necessário, que as cadeias simples, uma vez desenroladas, se mantenham simples. Esta é a

função da RPA – Replication Protein A, que simultaneamente mantém as cadeias simples acessíveis à

deposição de novos nucleótidos.

Já a PCNA - Proliferating Cell Nuclear Antigen – é uma proteína com três subunidades que permite que a

DNA polimerase esteja mais tempo ligada à molécula de DNA e não se separe desta. Isto porque a DNA

polimerase, por si só, tem pouca afinidade com a molécula de DNA. Nos procariotas, a sua homóloga é a

sliding-clamp protein.

O RFC – Replication Factor C - é um complexo que “trabalha em conjunto” com a DNA polimerase e que

se está constantemente a formar e a dissociar na cadeia lenta, visto dissociar-se do complexo que forma

com a DNA polimerase e com a PCNA e da própria molécula de DNA, quando se inicia a síntese de um

primer.

Nos procariontes, destaque ainda para a clamp-loading protein, que faz a hidrólise de ATP, permitindo

assim que ocorra a adição de desoxirribonucleotídeos.

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São igualmente necessários

mecanismos que evitem a

ocorrência de sobre-enrolamento

no DNA, função assegurada pelas

topoisomerases, que dão

pequenos cortes na molécula de

DNA, com esse intuito, e depois

restabelecem essas mesmas

ligações fosfodiéster, por elas

quebradas. Existem duas classes

de topoisomerases – a

topoisomerase I quebra a cadeia

simples de DNA e está muito

próxima da forquilha de abertura

e a topoisomerase II quebra a

cadeia dupla, assumindo um

papel fundamental para que

ocorra a separação dos

cromossomas e a “mudança de

lugar da cadeia de DNA”.

Ao conjunto formado entre a DNA

helicase a DNA primase dá-se o

nome de primossoma.

Verificação da replicação pela DNA polimerase

Apenas um em cada 109 nucleotídeos é incorporado incorrectamente durante a replicação de DNA.

Embora, ao ser realizada a polimerização de nucleotídeos, um em cada 105 nucleotídeos seja

incorporado erroneamente, o mecanismo de exonucleotytic proofreading, operado pela enzima DNA

polimerase, permite que apenas subsista um erro em cada 102 nucleotídeos e o processo de Strand

directed mismatched repair, leva a que também apenas subsista um erro em cada 102 nucleotídeos. A

acção combinada destes três mecanismos leva então a que apenas “passe” um erro em cada 109

nucleotídeos sintetizados.

O processo de proof-reading da DNA polimerase é possível graças à actividade de exonuclease desta

enzima. Este processo é possível de 3’ para 5’, sendo que a DNA polimerase reconhece os nucleotídeos

mal-emparelhados, pois esses não formam uma cadeia dupla correcta. A enzima em questão remove o

nucleotídeo errado e adiciona o correcto. Se a polimerização de nucleotídeos ocorresse, eventualmente,

de 3’ para 5’ nalguma das cadeias, ao se operar o processo de proof-reading, quando fosse detectado

um nucleotídeo errado e, posteriormente, removido, a cadeia ficaria incompleta e não poderia crescer

mais.

Origem e velocidade da replicação

Em E. coli, as origens de replicação são regiões do DNA ricas em pares A-T, que têm ligações mais fracas

(por apenas duas pontes de hidrogénio).

Nas células eucarióticas, a velocidade de replicação é 10 vezes mais lenta que nas procarióticas, devido à

presença de nucleossomas. Por isso, o genoma das células eucarióticas têm obrigatoriamente várias

origens de replicação, muito diferentes entre si às quais se ligam ORC – Origin Recognition Complex –

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proteínas com 6 subunidades cuja função é a de reconhecer as regiões de origem de replicação, ciclinas

e DNA-helicases. A um conjunto formado por entre 20 a 80 origens de replicação, dá-se o nome de

unidade de replicação.

É importante referir que o DNA não replica todo simultaneamente nas células eucarióticas, replicando

primeiro a cromatina menos condensada (eucromatina), contudo, todo o genoma é replicado.

Formação dos nucleossomas

Os tetrâmeros de histonas H3 e H4 nunca se separam durante a replicação, contrariamente às H2A e

H2B. A síntese dessas histonas é então feita imediatamente após a replicação de DNA. Como as

moléculas recém-formadas de DNA possuem então já histonas, as que se formam de novo, podem ser

depois modificadas de acordo com as que já estão ligadas ao DNA.

Replicação dos telómeros

A enzima telomerase assegura a replicação do DNA no telómero – extremidade cromossómica, que

apresenta no ser humano a sequência repetitiva GGGATT, pois este não é sintetizado na cadeia lenta,

pois, como é uma extremidade, seria aí impossível para a DNA polimerase sintetizar nucleotídeos.

Contudo, a maioria das células somáticas não exprimem a enzima telomerase, contrariamente às células

tumorais e embrionárias. Dessa forma, vão ficando com as extremidades cromossómicas cada vez mais

curtas, até ao ponto dos cromossomas se fundirem. Essa perda cromossómica leva à morte celular,

estando assim explicado, o motivo pelo qual as células somáticas normais apenas têm capacidade de

efectuar 40 replicações.

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DNA: Reparação e Recombinação

Danos no DNA

Cada célula humana sofre em média, por dia 104 a 10

6 eventos, físicos ou químicos, conducentes a

danos do DNA e, dessa forma, é essencial para a célula possuir mecanismos de reparação do DNA. A

célula não pode evitar que se dêem estes danos, visto que muitos são originados por produtos das

reacções metabólicas celulares, sendo a sua ocorrência normal.

De entre os danos que se registam no DNA, salientamos as reacções de hidrólise, de entre as quais,

despurinações – reacções de hidrólise, em que as bases púricas deixam de o ser – e as desaminações –

remoção de um grupo amina nas bases citosina, adenina e guanina. Também os danos oxidativos, onde

há perda de ligações oxidativas contribuem para lesões no DNA, bem como as alquilações, de onde se

salientam as metilações, onde grupos metilo se ligam a átomos de azoto.

Contudo, não são apenas agentes endógenos que contribuem para as lesões do DNA. A exposição a

certos agentes exógenos, como as radiações UV, que levam à formação de dímeros de timina ou

citosina, ou alguns produtos químicos, que levam por exemplo a metilações e etilações, propicia à

ocorrência de danos na molécula de DNA.

Cada cadeia de DNA apresenta uma cópia (um backup), devido ao facto de se encontrar ligada a uma

cadeia com bases complementares. Isto faz com que a molécula de DNA seja a molécula ideal para

armazenamento de informação genética. A presença de apenas quatro nucleotídeos diferentes facilita

igualmente, a reparação de erros.

Reparação directa do DNA

Existem mecanismos de reparação directa do DNA,

nomeadamente a reversão directa (direct reverse) de um dímero

de timina, formado aquando da exposição a radiação UV e que é

possível em bactérias e algumas células eucarióticas, sendo

levada a cabo por uma enzima. Algumas enzimas das células

humanas têm também a capacidade de cortar um grupo metilo

indevidamente ligado a um nucleotídeo.

Reparação por remoção e substituição de bases ou

de nucleotídeos

O processo de base-excision-repair (reparação por excisão de

uma base) é útil para quando ocorrem desaminações, um tipo de

mutação muito frequente. Dessa forma, quando devido a este

tipo de mutações, se geram nucleotídeos errados, a enzima DNA-

glicosilase quebra as ligações entre a base nucleotídica e a

desoxirribose, deixando o local apuriníco, ou apirimídico – temos

então um AP-site. Os AP-sites também se podem formar por

perda espontânea de uma base.

De seguida, a AP endonuclease corta a ligação fosfodiéster entre

dois nucleotídeos, no AP-site e a desoxirribosefosfodiesterase,

uma exonuclease, remove o que restava daquele nucleotídeo

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antigo. Isto permite finalmente que a DNA

polimerase e a DNA ligase possam repor o

nucleotídeo correcto.

Todavia, muitas mutações não podem ser

corrigidas simplesmente pela remoção de uma

base e um nucleotídeo mutado altera, inclusive, a

configuração local da molécula de DNA. Quando

temos dímeros de timina e de citosina, o processo

utilizado é a nucleotide excision repair, onde as

helicases removem uma grande quantidade de

nucleotídeos adjacentes ao dímero.

Posteriormente, reconstrói-se a região em falta,

com recurso à DNA polimerase e à DNA ligase.

Nas células dos mamíferos, estes danos do DNA

são reconhecidos pelas proteínas XPA – XPG

(sendo que algumas destas proteínas têm

também função de helicase e até endonuclease),

e mutações nestas levam à doença Xeroderma

pigmentosum, onde se registam frequentes

tumores cutâneos.

O processo de reparação do DNA associada à transcrição em células eucarióticas (transcription-coupled

repair) é importante na medida em que as mutações do DNA são reparadas mais rapidamente se

ocorrerem numa região transcricionalmente activa, pois as RNA polimerase que estão a fazer a

transcrição param se encontrarem um dano que lhes impeça de realizar a sua função. Essa paragem é

prontamente detectada pelas proteínas CSA e CSB que activam as proteínas XPA-XPG, que realizam um

processo que será depois similar ao anterior. Associado à deficiência na capacidade das células

repararem DNA que está sendo transcrito, temos o síndrome de Cockayne, cujos pacientes apresentam

desordens multi-sistémicas.

Reparação associada à replicação

Após ocorrer replicação de DNA, a enzima DNA

polimerase tem capacidade de proof-reading e detecta

emparelhamentos errados, substituindo-os por correctos.

Porém, por vezes escapam mismatches. Estes

mismatches são detectados e corrigidos pelo processo de

mismatch repair, que ocorre após a replicação do DNA.

A detecção de regiões onde ocorrem mal-

emparelhamentos é feita à conta de proteínas,

nomeadamente, nos procariotas, as proteínas Mut (Mut

S, Mut L e Mut H), que reconhecem nucleótidos

metilados. A Mut L, a Mut S, uma helicase e uma

exonuclease contribuem para a excisão do fragmento

onde se encontra o nucleótido mal-emparelhado.

Finalmente, a DNA polimerase e a DNA ligase colocam um

fragmento correcto, em substituição.

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Nos eucariotas, o mismatch repair é operado pelas proteínas MSH. O reconhecimento do mismatch é

levado a cabo pela MSH2 e MSH6, a excisão pela DNA helicase, pela DNA exonuclease, pela MLH1

endonuclease e pela PMS2. Finalmente, a regeneração da cadeia fragmentada é levada a cabo pela DNA

polímerase e pela DNA ligase. Apesar disso, não se sabe muito bem como é que as MSH detectam quais

os nucleótidos que foram colocados erradamente. Mutações nas proteínas MSH leva a uma tendência

para os indivíduos desenvolverem cancro do colo do útero e colo-rectal.

Reparação error-prone

Quando nenhum dos

mecanismos enumerados

anteriormente funciona e

quando, aquando de uma

nova replicação, a DNA

polimerase encontra uma

situação aberrante (por

exemplo, um dímero de

timina), esta enzima pára a

sua actividade, pois não

sabe o que fazer. Passa

então a actuar uma nova

DNA polimerase – a DNA

polimerase error-prone –

que não tem capacidade

de proof-reading e inicia a

polimerização de nucleotídeos “à toa”, inserindo muitos por estimativa (e obviamente, muitos errados).

Contudo, isto evita que a célula morra, algo que aconteceria, caso não ocorresse replicação, de todo. A

cadeia nova que se forma, serve então como

molde para a remoção do erro que estava na

cadeia original. Este processo designa-se por

reparação por translesion DNA synthesis, ou

reparação error-prone.

Reparação por end-joining

O processo de reparação por end-joining ocorre,

quando se verificam quebras na dupla cadeia de

DNA. Ocorre então o reconhecimento dessas

extremidades por parte das proteínas Ku e por

acção destas e de outras proteínas, ocorre

remoção de nucleotídeos próximos das

extremidades e, depois, junção destas. Isto, claro,

leva a perda de informação genética.

Recombinação homóloga do DNA

Já o processo de recombinação homóloga do DNA

ocorre entre regiões homólogas de cromossomas

muito similares, aquando de um fragmento num

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dos cromossomas. Ocorre então remoção da

região em torno das extremidades do

fragmento, por acção de uma exonuclease e

forma-se posteriormente um heteroduplex,

após uma strand invasion, operada pelo

cromossoma homólogo. O heteroduplex

formado permite que a cadeia com a região

fragmentada, por complementaridade de

bases, relativamente ao cromossoma

homólogo, possa “preencher” a região em

falta.

As proteínas RecA (nos procariontes) e Rad51

(nos mamíferos) são essenciais para a

formação do heteroduplex, pois catalisam a

ligação de uma cadeia simples de DNA a uma

dupla. A proteína Rad52 favorece a ligação da

Rad51 à cadeia simples de DNA. As regiões de

heteroduplex podem migrar da cadeia dupla,

espalhando-se por branch migration. Isto

pode ocorrer sem acção de enzimas (e então

ocorre bidireccionalmente) ou,

unidireccionalmente, com acção de enzimas

(com função de helicase). Neste processo não

ocorre perda de nucleotídeos.

A recombinação molecular genética homóloga

que ocorre na meiose é muito similar à reparação por recombinação. A Spo11 e a Mre11 vão começar

por provocar falhas na molécula de DNA de um cromossoma, estimulando-a à invasão do cromossoma

vizinho, promovendo-se assim a recombinação genética homóloga, através das junções de Holliday

(uma junção móvel entre quatro cadeias de DNA).

Isto permite o processo

designado por crossing-

over, que ocorre em cerca

de 10% das moléculas de

DNA, bem como o processo

de conversão genética.

Enquanto no processo de

crossing-over ocorre uma

troca de segmentos entre

cromossomas, no processo

de conversão genética um

cromossoma transfere uma

pequena porção para outro (sem que haja perda de informação genética para o cromossoma dador). A

recombinação pode ser prevenida, caso não haja homologia entre as sequências de nucleotídeos,

através de um mecanismo de mismatch repair.

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Recombinação não-homóloga do DNA

A recombinação não-homóloga de DNA não implica homologia de sequências específicas de DNA.

Participam neste processo, recombinases que funcionam de modo similar às topo-isomerases. As

recombinases reconhecem dadas sequências de DNA, cortam-nas e recombinam-nas com sequências

não-homólogas. Este processo de “site specific recombination” é muito importante para a formação dos

anticorpos e daí, 25000 genes originarem cerca de 1011

anticorpos diferentes. Este processo de RV(D)J

Recombination é possível graças à presença das proteínas RAG 1 e RAG 2, expressas especificamente

nos linfócitos.

Esta diversidade tal de anticorpos é essencial ao funcionamento do sistema imunitário dos vertebrados,

na medida em que permite que uma imensa quantidade de antigénios seja reconhecida.

Amplificação genética

Em algumas células como as tumorais ou de ovócito, alguns genes são replicados muitas vezes (muito

amplificados) antes de se dar a replicação completa do genoma total, num processo designado por

amplificação genética. Isto permite aumentar a influência que esse gene apresenta no fenótipo.

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Transcrição: Síntese do RNA mensageiro

A ribose é o monossacarídeo presente na molécula de RNA. Esta estrutura tem um grupo –HO, em vez

de um grupo –H, no carbono 2, como acontece com a desoxirribose. Isto torna o RNA muito mais

reactivo e leva a que este se encontre, quase sempre, sob a forma de cadeia simples (estrutura primária

do RNA). Apesar disso, o RNA pode assumir estruturas tri-dimensionais, que determinam diferentes

funções. De entre as estruturas secundárias formadas encontramos o hairpin e o stem loop e de entre

as terciárias, destaque para o pseudo-nó. A formação de estruturas tri-dimensionais do RNA é muito

importante, na medida em que permite a activação de reacções químicas, por parte do RNA. As

ribozimas são então RNA com actividade enzimática.

RNA polimerases e RNAs transcritos

A transcrição de DNA é entendida pela polimerização de RNA utilizando uma cadeia molde de DNA,

adicionando-se ribonucleotídeos por complementaridade de bases. O crescimento da cadeia de RNA

ocorre sempre de 5’ para 3’, sendo a reacção catalisada pelas RNA polimerases, sem necessidade da

adição prévia de primers. Existem três classes de RNA polimerases que codificam diferentes RNAs:

Estas enzimas distinguem-se também pela diferente sensibilidade a uma toxina, a α-amanitina, sendo

que a RNA polimerase II é mais sensível que a RNA polimerase III a RNA polimerase I é lhe insensível.

Todas as RNA polimerases são constituídas por várias subunidades, algumas delas homólogas com as da

DNA polimerase, sendo a estrutura dessas subunidades muito conservada durante a evolução. De entre

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as subunidades encontramos duas maiores do tipo β (as quais nos eucariotas, denominamos por RPB1 e

RPB2), duas do tipo α e uma do tipo ω. As RNA polimerases adicionam erradamente 1 em cada 10000

nucleotídeos. Contudo, estas enzimas possuem capacidade de proof-reading (não tão elevada como a

da DNA polimerase).

A RNA polimerase II apresenta, numa das suas subunidades grandes, uma cadeia carboxílica terminal (C

Terminal Domain), que é constituída por cadeias repetidas de sete aminoácidos, variando o número de

repetições entre 26 e 52 (são 52 nos vertebrados). Esta cadeia sofre hiperfosforilação durante a etapa

de iniciação da transcrição, sendo essencial no processo de transcrição, nomeadamente, em regiões

onde existe muita actividade nesse sentido.

Transcrição do DNA em mRNA

O processo de transcrição de DNA inicia-se ao nível do nucleotídeo +1. Todos os nucleótidos que se

encontram antes desse nucleótido, dizem que se encontram “a montante”, ou upstream, sendo

contados negativamente. Dos nucleótidos que se encontram depois, diz-se que estão a “jusante”, ou

downstream, contando-se positivamente. Este processo envolve genericamente três etapas – iniciação

(que concerne a abertura da cadeia de DNA, ficando desemparelhados 14 nucleotídeos), a fase de

alongamento e a terminação.

As sequências de consenso são sequências com cerca de 10 nucleotídeos, que são muito conservadas e

que se encontram próximas dos locais de início de transcrição. A estas sequências, da qual é exemplo a

TATA box, ligam-se factores proteicos, essenciais para que a RNA polimerase possa actuar. Alguns genes,

contudo, não necessitam de sequências de consenso dos promotores para serem transcritos,

apresentando estes, normalmente, baixa actividade transcriptiva. Existem ainda regiões do DNA que

funcionam como activadoras e de aumento da actividade transcriptiva – são os Promotor-proximal

elements, que se encontram 100 a 200 bp upstream do local +1 e os enhancers, a mais de 200 bp do

local +1 (quer upstream, quer downstream). O complexo mediador é o responsável por “fazer a ponte”

entre a RNA polimerase II e as regiões activadoras.

A TBP liga-se à TATA box, seguindo-se o TFIID (o maior transcription factor destes aqui presentes) e o

TFIIB (TF significa transcription factor). Liga-se então a RNA polimerase II e, simultaneamente, o TFIIF.

Por último, liga-se o TFIIE e o TFIIH, ficando assim formado o complexo de iniciação. O TFIIH tem função

de helicase, permitindo a abertura da cadeia de DNA e de síntese, ligando grupos fosforilados à cadeia

carboxílica terminal (a ordem de ligação dos factores de transcrição é dada pela mnemónica, “Deus

Bom, Fé Em altura”, representando-se a altura por h como na física).

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Assim que se dá a fosforilação da CTD e adição do primeiro

ribonucleotídeo, desmonta-se o complexo de iniciação e

inicia-se a fase de alongamento. Nas células eucarióticas, a

velocidade de adição de ribonucleotídeos é muito

reduzida, nomeadamente devido ao super-enrolamento

verificado no DNA, a jusante da RNA polimerase e que é

gerado pela própria enzima (que paradoxalmente facilita o

desenrolamento do DNA à volta das histonas nos

nucleossomas). Contudo, o recurso a topo-isomerases

para desenrolar a cadeia é por vezes necessário.

No pré-mRNA formado existem sequências de

ribonucleotídeos que assinalam o início e o fim da

transcrição. O início é marcado pelo elemento upstream,

enquanto o fim é marcado pelo elemento downstream.

Processamento

Após a transcrição forma-se um pré-mRNA, ou seja um

mRNA que ainda não sofreu processamento e que ainda

não está pronto para ser traduzido. O processamento

conduz assim à formação de um mRNA maduro e envolve a

ocorrência de capping, clivagem, splicing e poli-adenilação.

O capping ocorre na extremidade 5’, que se liga a uma

guanosina, quando o mRNA começa a sair da RNA polimerase (através de uma ligação 5’-5’). Essa

guanosina é então metilada, originando-se 7-metilguanosina. O cap permite a protecção da

extremidade 5’ da degradação enzimática e que aquela molécula seja reconhecida como mRNA. Por

outro lado, o cap é um factor que contribui no transporte do mRNA para o citoplasma. De referir que o

capping ocorre concomitantemente à metilação da ribose do primeiro nucleotídeo.

Ao mRNA recém-formado ligam-se também proteínas (levando à formação de ribonucleoproteínas -

RNP), com o objectivo de prevenir a formação de estruturas tri-dimensionais e de reconhecimento de

sequências de nucleotídeos. Existem igualmente RNA-binding proteins, cujo objectivo é o de manter a

estabilidade do RNA.

Na clivagem (cleavage)

ocorre um corte na

molécula de pré-mRNA,

no sentido da região do

elemento downstream

(ou seja na extremidade

3’), algo que é catalisado

por endonucleases e que

requer a existência de

factores de estimulação

deste processo,

nomeadamente o CstF e o

CPSF.

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O processo de splicing, por sua vez, consiste na remoção dos intrões do pré-mRNA. Quando este é

muito longo e contém muitos intrões, o splicing é feito ainda aquando da transcrição. Contudo, quando

o pré-mRNA é pequeno, ocorre mais ou menos simultaneamente splicing e poli-adenilação. A poli-

adenilação é um processo que consiste na adição de uma cauda poli-A (sem que seja necessária a

adição de outras estruturas prévias), constituída por uma elevada quantidade de adeninas, à

extremidade 3’, por acção da enzima PAP (polyadenylate polymerase). A cauda poli-A impede a

degradação do mRNA, podendo-se ligar proteínas a esta estrutura – as poli-A binding proteins.

Para que ocorra splicing é necessária a intervenção de pequenos RNA, que reconhecem regiões de

intrões e promovem a sua eliminação da cadeia de mRNA. O mecanismo de splicing envolve então o

reconhecimento de três sequências de consenso do intrão – o local de splicing em 5’, o local de splicing

em 3’ e o branch point (sítio de ramificação, onde a extremidade 5’ se vai ligar) Dessa forma,

compreende-se que o emparelhamento entre o pré-mRNA e os pequenos RNA (nomeadamente os

pequenos RNA U1 e U2) seja essencial para que ocorra este processo. O primeiro pequeno RNA a ligar-

se é o U1, na extremidade 5’ de um intrão. Seguem-se as proteínas/factores de splicing BBP e U2AF e

posteriormente liga-se, no branch point, o pequeno RNA U2. Ligam-se depois os pequenos RNAs U4, U5

e U6, sendo formado um complexo ribo-proteico, ao qual se dá o nome de spliceossoma, que tem

aproximadamente a massa de um ribossoma. Após sucessivas ligações RNA-RNA, que envolvem gastos

de ATP, o intrão é eliminado da cadeia de RNA, sob a forma de lariat intron (intrão em forma de laço) e,

já sob a forma linear, degradado no interior do núcleo, por acção de enzimas.

De forma a não serem removidos os exões, durante o processo de splicing, ligam-se proteínas aos exões

– as proteínas SR. Os intrões, de maiores dimensões, formam complexos hnRNP (heterogeneous

nuclear riboproteins) e são posteriormente degradados. Estas ligações são fundamentais, de forma a

permitir que o spliceossoma distinga intrões de exões. Se um exão for removido indevidamente, podem

ser originadas patologias, da qual é exemplo a atrofia muscular espinhal.

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Nas células eucarióticas há outros mecanismos de splicing, que são, contudo mais raros, nomeadamente

o splicing do tipo U12, que ocorre com ligação do pequeno RNA U11 à extremidade 5’ do intrão e do

pequeno RNA U12 ao branch point. Já o trans-splicing consiste num mecanismo, em que dois exões

separados se ligam, ocorrendo concomitantemente remoção do fragmento de intrão que entre eles se

interpunha. Este processo ocorre com a intervenção de pequenos RNA e é característico do

Trypanosoma e dos nemátodos.

Em alguns protozoários existe self-splicing, onde o próprio RNA catalisa as reacções de splicing, sem que

haja intervenção de proteínas. No self-splicing, um cofactor de guanosina liga-se ao local de splicing em

5’ do intrão, que tem actividade enzimática (Grupo I); ou o próprio intrão apresenta uma adenosina que

“ataca” o local de splicing em 5’, catalisando a sua clivagem (Grupo II) e, consequentemente, a sua

própria remoção. O splicing alternativo ocorre em fragmentos que contenham muitos exões, podendo

ser removidos alguns, sem perda de função celular e, como tal, podem ocorrer inúmeras combinações

entre exões, o que contribui para um aumento da variabilidade genética. Analogamente ao splicing

alternativo, existe também cleavage alternativa.

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29

Transcrição do DNA: Síntese do tRNA e do rRNA

Numa célula em crescimento rápido, cerca de 80% do RNA é rRNA, sendo que quanto maior for a

actividade metabólica da célula, maior a percentagem de rRNA. O tRNA, por sua vez, conta cerca de 15%

da quantidade de RNA existente na célula e apenas 5% do RNA celular é mRNA.

Síntese do rRNA

A RNA polimerase I participa ao nível da síntese de rRNA, actuando unicamente ao nível dos nucléolos,

onde este processo ocorre. Um nucléolo é constituído por um componente fibrilar denso, um centro

fibirlar e um componente granular. O componente fibrilar

denso, que apresenta um aspecto mais escuro, quando

visualizado em microscopia electrónica, é o local onde

ocorre síntese activa de rRNA. Este migra para o

componente granular, o local do nucléolo, onde é visível a

presença de grânulos de cerca de 15 nm de diâmetero e

onde ocorre a maturação do rRNA, através da sua

clivagem. O centro fibrilar apresenta um aspecto mais

claro, onde está presente o DNA codificante de rRNA, que

não está transcricionalmente activo naquele momento.

Finalmente, completada a maturação, o rRNA migra para o

citoplasma.

No final da telofase, aparecem vários pequenos nucléolos, que depois se unem, aquando da replicação

do DNA e se separam outra vez, aquando da mitose. Como já foi referido, quanto maior forem as

dimensões e o número de nucléolos, maior a actividade metabólica da célula.

Os genes que codificam os nucléolos, no final

da telofase, são os NOR (organizadores

nucleolares), que não se encontram no

nucléolo (nesta estrutura apenas

encontramos genes que codificam para

rRNA), mas nos pares de cromossomas

13,14,15, 21 e 22.

A transcrição activa de rRNA pode ser

observada através das imagens de árvore de

Natal. A bactéria E. coli apresenta 7 cópias

para o gene que codifica rRNA, enquanto o

ser humano tem entre 200 e 250 cópias, não

sendo todas transcritas activamente, em

simultâneo. Este número muito elevado de

cópias, permite a produção de muitas cópias

de rRNA por intervalo de tempo. Estas cópias

dispõe-se numa sequência em tandem

array, constituída por sequências de

unidades de transcrição intervaladas com

DNA spacers, que não são transcritos. Nas

unidades de transcrição, existem ainda

partes que são transcritas, mas não são

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30

codificantes.

No DNA que codifica o pré-rRNA, existe um upstream

element (UCE), a entre 155 e 60 nucleotídeos a montante do

local de início da transcrição e um core element que se

encontra no local entre -40 e +5. Para a RNA polimerase I se

ligar aos promotores é necessário que se liguem primeiro

factores de transcrição, nomeadamente, o UBF (upstream

transcription factor), o Selectivity Factor 1 (SL-1, composto

pelos TAF) e o core factor (CF). O UBF tem como função o

reconhecimento do upstream element (sendo por isso um

upstream binding factor), ao qual se liga também o SL-1. O

core factor reconhece o core element. Uma das subunidades

do SL-1 é a TATA binding protein, apesar de no DNA em

questão não existir nenhum promotor com sequência

homóloga à TATA box.

Após ocorrer o processo de transcrição (que fica completo

aquando da clivagem da extremidade 3’ do DNA), forma-se

um transcripto primário com 45S (unidades de

sedimentação), que vai sofrer um processamento, que inclui

clivagem (é retirada a extremidade 5’ e as regiões não

funcionais) e modificações químicas nas bases (por exemplo, metilações nas riboses). Este transcrito

originará, então, por clivagem, uma cadeia de 28S, uma de 5.8S (unindo-se estas duas, que se formam a

partir de uma de 32 S, para originar o que será a subunidade grande do ribossoma, juntamente com

uma cadeia de 5S) e uma cadeia de 20S (que depois passará a 18S, originando a subunidade pequena do

ribossoma).

O pequeno RNA U3 é o responsável pela remoção da extremidade 5’, sendo que as restantes regiões

não-codificantes de RNA são clivadas e imediatamente degradadas por enzimas. Os snoRNAs (pequenos

RNAs nucleolares), que são pequenos RNAs que são transcritos

pela RNA polimerase II, pela RNA polimerase III e até por

intrões, participam no processo de processamento de RNA,

nomeadamente, por complementaridade de bases, permitem

a exposição das bases que devem ser metiladas ou sofrer

outras alterações. Os snoRPs box C+D posicionam uma enzima

que metilará bases do pré-rRNA (tendo, por isso, actividade de

metil-transferase), enquanto os snoRNPs box H + ACA

posicionam uma enzima que converte a uridina em pseudo-

uridina.

O RNA ribossomal 5S integra a subunidade grande do

ribossoma e é sintetizado pela RNA polimerase III. O complexo

de iniciação envolve a presença dos factores de transcrição

TFIIIA, TFIIIB e TFIIIC (TF significa transcription factor), sendo o

promotor associado a este processo a box c.

O ribossoma não é apenas constituído por rRNA,

apresentando também proteínas. O processamento do rRNA

ocorre simultaneamente à associação com proteínas, sendo

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que a subunidade pequena é “produzida”

mais depressa que a grande, pois

começa-se a ligar a proteínas ainda na

fase de transcrição. Já a subunidade

grande sofre a clivagem final no

citoplasma, após ter migrado, algo

importante, na medida em que, isto

impede que a síntese de proteínas ocorra

no núcleo. De referir que a subunidade

grande sofre também controlo de

qualidade (depois de actuarem helicases,

com o objectivo de fazer a clivagem de

eventuais snoRNAs que se ligaram ao

rRNA). O transporte desta subunidade é

também muito lento, visto que esta é do

tamanho do poro nuclear, tendo que se

desligar primeiro a maior parte das

estruturas que lhe estavam ligadas.

A RNA polimerase III tem como função a síntese do tRNA, que ocorre ao nível do nucleoplasma. Para se

formar o complexo de iniciação para a RNA polimerase III, ligam-se primeiro o TFIIIC (que se liga aos

promotores box A e box B) e o TFIIIB. Após a transcrição, o tRNA sintetizado sofre clivagens

(nomeadamente na extremidade 5’ e na extremidade 3’). Depois, é adicionada à extremidade 3’, uma

sequência CCA, essencial para a ligação dos aminoácidos, aquando do processo de tradução. Segue-se a

modificação de cerca de 10% dos nucleótidos do tRNA, podendo este ainda sofrer splicing. O splicing no

tRNA ocorre exclusivamente por acção de enzimas proteicas, nomeadamente endonucleases,

fosfotransferases e ligases. Os tRNA produzidos são exportados para o citoplasma, através do complexo

de poro nuclear por acção de uma exportina.

Aquando da síntese de snRNAs na presença da RNA-polimerase III, o promotor apresenta a TATA box,

estando ligados ao promotor o TFIIIB e o SNAP, aquando da presença do complexo de iniciação.

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Núcleo celular

O núcleo é um organelo extremamente dinâmico e que apresenta grandes dimensões,

comparativamente aos restantes organelos celulares (cerca de 6 μm, nas células dos mamíferos). A

presença deste organelo é um elemento-chave para fazer a distinção entre células eucarióticas e

procarióticas.

Observação e estudo do núcleo celular

O núcleo cora por acção de corantes básicos, devido à presença substancial de ácidos nucleicos.

Contudo, estes corantes não permitem distinguir o DNA e o RNA. Dessa forma, o método de Feulgen

emprega-se com o fim de evidenciar histologicamente somente o núcleo – ocorre remoção do RNA

existente nos núcleos, por acção do ácido clorídrico, dando-se a quebra entre as ligações ocorridas entre

as bases púricas e os grupos desoxirribose. Isto permite que haja reacção com o reagente de Schiff e que

o DNA apareça visível, de cor vermelha. Utilizando esta técnica, os nucléolos aparecem incolores, pois

são, sobretudo, compostos por RNA. A

observação do núcleo por imunofluorescência é

igualmente possível, sendo utilizado o DAPI, um

corante fluorescente, que se liga ao DNA, sendo

emitida, por consequência, uma cor azul.

O método da contrastação regressiva do EDTA

permite igualmente o estudo do núcleo celular –

entre a aplicação de acetato de uranilo e citrato

de chumbo, utiliza-se EDTA, um ácido que

permite a obtenção de um “negativo” do que

seriam as imagens de normal contraste, isto é, as

partes claras correspondem a locais de maior

presença de DNA e as partes mais escuras a

locais como fibirlas e grânulos. Os núcleos

celulares podem igualmente ser isolados e

purificados por ultracentrifugação, sendo os

primeiros organelos a sedimentar, devido à sua

massa.

Territórios cromossómicos e corpos nucleares

As moléculas de DNA, em interfase, não ocupa áreas aleatórias do

núcleo, designando-se essas áreas restritas ocupadas por cada

cromossoma por território cromossómico. Após cada ciclo celular, os

cromossomas continuam a ocupar aproximadamente os mesmos

territórios cromossómicos. Entre esses territórios, existem domínios

intercromossómicos, onde ocorrem reacções muito importantes.

No núcleo encontramos vários domínios, denominados corpos

nucleares (também designados por domínios nucleares), que não

são rodeados por membranas, mas que mesmo assim, apresentam

concentrações elevadas de proteínas específicas e RNAs, o que leva à

formação de estruturas quase esféricas. Os corpos nucleares mais

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proeminentes são os

nucléolos. Contudo, existem

muitos outros que têm vindo

a ser detectados devido a

técnicas de

imunofluorescência ou à

contrastação progressiva por

EDTA.

Os focos ou fábricas de

replicação são os locais onde

se origina a replicação

cromossómica, sendo que

estes só se observam durante

a fase S do ciclo celular. Já os domínios de transcrição podem ser observados recorrendo a técnicas de

imunofluorescência, quer no núcleo, quer nos nucléolos.

Os locais onde ocorre a síntese e amadurecimento dos rRNA são os nucléolos, locais onde é possível

distinguir um componente fibrilar denso, um centro fibrilar e um componente granular. Os nucléolos

são formados em torno de loci específicos – os NORs (regiões organizadoras de nucléolos).

As fibrilas pericromatínicas estão sempre entre os domínios intercromossómicos, na periferia da

cromatina condensada. As fibrilas são enriquecidas em RNA e provavelmente são locais de splicing do

pré-mRNA e de poliadenilação.

Os grânulos pericromáticos são regiões cuja função ainda não é bem conhecida. Provavelmente,

participam na acumulação de transcritos primários de RNA pré-mensageiro, que não sofreram

amadurecimento (por exemplo, splicing), não tendo sido ainda degradados. Em microscopia electrónica,

estes grânulos são regiões escuras, rodeadas por uma auréola clara.

Os gânglios intercromatínicos são também designados por speckles, sendo pequenas estruturas de

difícil visualização, devido ao facto de não se encontrarem em regiões de ocorrência de splicing. Pensa-

se que estas estruturas estão relacionadas com o armazenamento de snRPs e proteínas envolvidas no

splicing de pré-mRNa, que são lançadas no nucleoplasma, quando é necessário.

Os corpos espiralados, também designados por corpos de Cajal são locais onde os pequenos RNAs são

produzidos, sofrem maturação e são reciclados. Acredita-se que o processamento das histonas do

mRNA também ocorre ao nível dos corpos de Cajal. Cada célula eucariótica tem entre 3 e 10 corpos de

Cajal e estes são identificados graças à presença de coilina, o seu principal componente. Esta proteína,

que permite a ligação do corpo de Cajal ao nucléolo, hibridiza com a GFP, permitindo a detecção dos

corpos de Cajal.

Os corpos nucleares PML (Promyelocytic Leukemia) apresentam essa designação (associada à leucemia),

pois neles está presente uma mutação em indivíduos que padecem de leucemia. Existem entre 10 e 30

corpos nucleares PML por núcleo, embora não haja certeza relativamente à sua função. Provavelmente,

estes corpos funcionam como locais para modificação de complexos proteicos envolvidos na reparação

de DNA e na indução de apoptose.

Os corpos nucleares simples e os corpos nucleares complexos têm ainda função desconhecida, embora

se saiba que surgem aquando de um estímulo hormonal.

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A matriz nuclear é entendida como um “citosqueleto do núcleo”. Desconhece-se se esta existe de facto,

ou se as observações que induzem a crer na existência desta estrutura não são mais que o resultado das

preparações agressivas (quer por método de Comerford, quer por método de Kaufmann) às quais o

núcleo é sujeito, quando se procura averiguar a existência da matriz.

Invólucro nuclear

O invólucro nuclear delimita o núcleo e é formado por

uma membrana externa (com ribossomas associados e

em continuidade com o retículo endoplasmático rugoso),

uma membrana interna, separada da externa pela

cisterna perinuclear. Profundamente, à membrana

interna encontramos a lâmina nuclear, que é fibrosa e de

difícil visualização e dissociação. A atravessar o invólucro

nuclear encontramos poros nucleares.

Relativamente às lâminas nucleares, sabe-se que estas

estruturas contribuem para a regulação da replicação do

DNA e da divisão celular, para a organização da

cromatina e como forma de ancorar os complexos de

poro nuclear. As lâminas nucleares, ao ligarem-se

firmemente à membrana interna, dão mais resistência ao

núcleo. Estas estruturas são compostas por laminas (as laminas A, B e C), cuja fosforilação leva à

desagregação do invólucro nuclear durante a profase. A desfosforilação das laminas leva à

reorganização do invólucro nuclear. Quando ocorrem mutações nas lâminas nucleares podem ocorrer

laminopatias, patologias que resultam muitas vezes em progerias (doenças do envelhecimento

acelerado) e distrofias musculares.

O complexo do poro nuclear é formado por nucleoporinas e está fortemente ligado à lâmina nuclear.

Estes complexos são estruturas de grande dimensão que apresentam simetria octogonal, formando uma

estrutura “em cesto”. Estes complexos são essenciais para o processo de transporte nuclear.

Os canais aquosos são constituídos também por nucleoporinas, dispostas num arranjo em malha,

podendo ser atravessados por pequenas moléculas ou iões, por difusão simples. Moléculas com massa

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molecular superior a 40 kDa podem atravessar os canais aquosos, mas esse transporte depende de um

rearranjo da malha das nucleoporinas, de modo a ser possível formar um espaço maior.

Importação e exportação de proteínas

A importação de proteínas do citoplasma é levada a cabo pelas importinas. Estas proteínas ligam-se a

proteínas ligadas a NLS (sequências de reconhecimento nuclear) no citoplasma, formando o complexo

de carga. O complexo, por sua vez, entra no nucleoplasma, juntamente com o Ran-GDP. No citoplasma,

o Ran-GDP é fosforilado (à conta de GTP, numa reacção que envolve o composto GEF - guanine

nucleotide exchange factor – como “agente intermediário”), originando Ran-GTP, que se liga à

importina, levando ao desligamento da proteína de carga. O complexo formado pelo Ran-GTP e pela

importina atravessa então o poro nuclear e no citoplasma, este desmembra-se, por desfosforilação do

Ran-GTP.

Já a exportação de proteínas do núcleo é feita à conta da formação de um complexo, no núcleo, que

envolve a ligação de uma exportina a uma proteína ligada a NES (Nuclear export sign) e a Ran-GTP. Este

complexo atravessa o poro nuclear e no citoplasma desmembra-se, devido à desfosforilação do Ran-

GTP. Posteriormente, a exportina que é libertada no decurso dessa reacção entra “sozinha” no núcleo.

As proteínas responsáveis pela importação e pela exportação de proteínas (importinas e exportinas) são

genericamente classificadas como carioferinas.

A exportação de tRNAs e subunidades ribossomais ocorre de forma similar, mas o tRNA liga-se

directamente à exportina-t, enquanto as subunidades do ribossoma ligam-se à exportina Crm1.

Importação e exportação de RNA

A exportação de mRNA do núcleo não depende de Ran-GTP, sendo controlada por fosforilação e

desfosforilação de proteínas. Os mRNAs são então transportados pelo complexo de poro nuclear através

do mRNA exporter, um heterodímero. A ligação entre o mRNA e o complexo é levada a cabo pelo Factor

de exportação nuclear 1 (NXF1) e ocorre à conta de uma desfosforilação. Ainda no núcleo, antes do

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mRNA atravessar o poro nuclear, algumas proteínas dissociam-se nos complexos formados, algo que

ocorre à conta de uma fosforilação do complexo Npl3 associado ao mRNA. Outras são exportadas

juntamente com o mRNA, dissociando-se no citoplasma (passando, depois, “livres” para o núcleo).

Os snRNA, por sua vez, são exportados do núcleo integrados num complexo proteico. Estes complexos

atravessam o poro nuclear e dissociam-se no citoplasma. A entrada nos snRNAs para o núcleo é feita por

via de complexos proteicos com várias binding proteins – os snRNPs.

As hnRNPs (heterogeneous nuclear ribonucleoproteins) são complexos formados com pré-mRNA e

proteínas, como forma de indicar que o mRNA ainda não foi processado e que, como tal, ainda não está

preparado para ser transportado. Dessa forma, a exportação de RNAs funciona como um sistema de

controlo dos RNAs transcriptos. Os mRNA são transportados apenas após splicing completo e os tRNA

após modificações nas bases nucleotídicas.

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Genoma humano e doenças associadas ao DNA

O cariótipo de um organismo é definido pelo seu número, tamanho e forma dos cromossomas. O

cariótipo humano é constituído por 23 pares de cromossomas, sendo cada cromossoma constituído por

um braço longo (q) e um braço curto (p). A identificação dos genes é feita em primeiro pelo número do

cromossoma onde se encontram, seguindo-se a letra correspondente ao braço e depois o locus.

Genoma e complexidade dos organismos

O genoma humano é constituído por cerca de 30 000 genes, tendo cada região codificante 1,4 kb e um

gene 30 kb. Cada gene contém oito exões (com 135 bp) e 7 intrões (2200 bp). A densidade genica é de

apenas 11,5 genes por cada mega par de bases. Isto mostra que o número de regiões não-codificantes

do nosso genoma é muito maior que o número de regiões codificantes.

Na verdade, a complexidade dos organismos está intimamente relacionada com a percentagem de

regiões não-codificantes no genoma, nomeadamente sequências repetidas, pois quanto maior for esta,

mais complexos são os organismos. De resto, a complexidade dos organismos não está relacionada com

o tamanho dos genomas nem com o número de genes/cromossomas que estes apresentam.

Constituição do genoma humano

Os genes são constituídos por exões (que constituem entre 3 a 5% do genoma humano) e intrões, sendo

os intrões regiões não-codificantes. Do genoma humano fazem ainda parte os pseudogenes – unidades

não-funcionais resultantes da duplicação de genes previamente existentes. Estas duplicações do DNA

ocorrem aquando da replicação de um gene original e vão adquirindo mutações ao longo do tempo,

sem que para isso comprometam o organismo. Isto é um importante factor evolutivo, na medida em

que o pseudogene vai adquirindo características próprias e, eventualmente, funcionalidade, o que está

na base do aparecimento de famílias proteicas.

O conceito de “um gene, uma proteína” está hoje completamente obsoleto, pois devido aos processos

de splicing alternativo, ou por locais alternativos de início (alternative transcription start sites) e fim da

transcrição (alternative transcription termination sites), um determinado gene origina mais que um

mRNA e, por consequência, mais que uma proteína. De referir que a mesma porção de DNA pode conter

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genes diferentes, sobrepostos e em orientação oposta. Por exemplo os intrões de um dado gene podem

conter os exões de outro gene garantido a não partilha de regiões exónicas.

Também existe RNA não

codificante (ncRNA), que não é

traduzido (não originando,

portanto, nenhuma proteína), mas

que desempenha funções

importantes na célula.

Sequências repetidas do genoma

No genoma humano existem sequências repetidas, que se podem classificar em sequências repetidas

em tandem e sequências intercaladas.

As sequências repetidas em tandem

são também denominadas por DNA

microsatélite e consistem em

repetições de um pequeno conjunto de

nucleótidos. Estas sequências

classificam-se como STR (short tandem

repeat), caso o número de repetições

seja inferior a 10, ou VNTR (variable

number of tandem repeat), caso o

número de repetições seja inferior a 50.

Estas repetições originam-se aquando

da replicação do DNA e, dado o seu grau elevado de variabilidade, são amplamente utilizadas em testes

de paternidade ou na investigação forense, em processos como o DNA fingerprint. As sequências

repetidas em tandem representam cerca de 10% do nosso genoma.

As sequências intercaladas são também

designadas por transposões e são

elementos móveis não-funcionais, que

constituem entre 30% a 45% do nosso

genoma. O processo pelo qual estes

elementos móveis são copiados e inseridos

em novos locais no genoma é denominado

de transposição.

Os DNA transposões são obtidos por cópia

de uma sequência de DNA e “colagem”

noutro sítio, enquanto os retrotransposões

formam-se através de uma cópia de RNA,

que através da enzima transcriptase

reversa é reconvertida em DNA, que se

insere noutro sítio. Os retrotransposões

podem ser de vários tipos, destacando-se

os SINEs (short interspersed repeated sequences), cujo número de bases é inferior a 500, e os LINEs

(long interspersed repeated sequences), que têm origem viral.

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Os transposões são importantes veículos em termos de evolução e diversidade genética, uma vez que a

transposição genética, ao ocorrer, “arrasta” consigo, por vezes, genes adjacentes, que ao mudarem de

posição adquirem novas funções. Contudo, o processo de transposição ocorre muito pouco

frequentemente na espécie humana, verificando-se sobretudo ao nível das células germinativas.

Calcula-se que uma transposição ocorra nos seres humanos uma vez, em cada oito indivíduos!

Mutações

Uma mutação é entendida como uma qualquer alteração na sequência de DNA. Estima-se que ocorra

uma taxa de três mutações por indivíduo em cada geração, sendo as suas causas diversas. Parte das

mutações são transmitidas hereditariamente, mas existem outras que estão associadas a danos no DNA

provocados por factores ambientais (como o tabaco), ou agentes químicos (como a radiação UV).

Também eventos genéticos como a recombinação ou a transposição podem levar à ocorrência de

mutações. De referir que o último nucleótido do codão é o menos importante e o que mais sofre

mutações.

Os polimorfismos são modificações do genoma humano, que são frequentes (a sua frequência na

população excede o 1%, algo que ocorre por exemplo ao nível da anemia falciforme, que representava

uma vantagem evolutiva nos países onde a malária é endémica, visto proteger os indivíduos contra essa

doença). Podem ser silenciosos ou manifestar-se, por exemplo, como uma patologia. Contudo, mesmo

os polimorfismos silenciosos podem se manifestar através de uma ligeira alteração ou subtilezas no

modo de funcionamento, por exemplo, de uma dada proteína.

As mutações podem ser classificadas como génicas (pontuais), se ocorrerem somente numa base ou

estruturais (cromossómicas), caso seja afectada uma grande porção do cromossoma. Relativamente às

mutações de bases, podemos citar a formação de dímeros de timina por acção da radiação UV, a

metilação de citosinas, que pode levar à formação de timinas e o facto das sequências repetidas em

tandem serem locais frequentes de inserção/delecção, levando à génese de mutações durante a

replicação.

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Em termos de mutações cromossómicas, podemos referir as delecções (perda de segmentos

cromossómicos), as translocações (modificação do cromossoma onde estava inserido determinado

segmento), as inversões (modificação do local de um dado segmento cromossómico, dentro do próprio

cromossoma) e as alterações do número de cópias dos cromossomas. Estas mutações estruturais estão

geralmente associadas a graves patologias.

Embora as mutações sejam frequentemente entendidas como algo negativo, a verdade é que estas são

o grande motor da evolução. Já aqui foi referido, a título de exemplo, o caso do aparecimento dos

pseudogenes. Também a mutação que leva à manifestação de anemia falciforme no fenótipo não é de

todo prejudicial – é uma alteração génica presente nas populações de origem africana, visto ser benéfica

na protecção contra a malária.

O OMIM é a base de dados que apresenta toda a informação conhecida sobre patologias genéticas.

Técnicas de Biologia Molecular

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Cerca de 40% do genoma humano ainda está por caracterizar, nomeadamente genes que

aparentemente não têm relações com patologias ou com funções básicas do organismo. O estudo do

genoma assenta em várias técnicas, que se têm vindo a revelar úteis em termos de avanços da

medicina. As técnicas de biologia molecular passam pela análise de ácidos nucleicos, pela análise de

proteínas e pela regulação da expressão génica.

PCR

O PCR (Polymerase Chain Reaction) é uma técnica que permite amplificar um fragmento de DNA

através da utilização de dois primers específicos que determinam o início e o fim da região a amplificar.

É igualmente necessária a Taq DNA polimerase - uma DNA polimerase que é obtida através da bactéria

Thermus aquaticus e que suporta elevadas temperaturas, pois este processo ocorre em condições

térmicas que para a maioria das enzimas são incapacitantes. Finalmente, são necessários

desoxirribonucleotídeos, que vão sendo acrescentados às cópias de DNA produzidas.

O PCR consiste em 30

ciclos de 3 passos cada

– a primeira etapa é a

desnaturação da dupla

cadeia de DNA (ou seja

separação das cadeias),

algo que ocorre a uma

temperatura situada

entre 90º e 100ºC. O

segundo passo prende-

se com a ligação dos

primers – esta ocorre a

temperaturas situadas

entre os 50º e 65ºC e

designa-se por

annealing. Finalmente,

o processo de

elongação ocorre a

72ºC, temperatura

óptima para a Taq DNA

polimerase, sendo

neste processo adicionados os restantes nucleótidos. De referir que apenas ao fim de três ciclos,

conseguimos ter cadeias duplas com os fragmentos a ser amplificados com as dimensões certas.

Actualmente, utiliza-se muito o PCR em tempo real (Quantitative Real Time PCR), pois este processo

permite acompanhar a reacção de amplificação ao longo do tempo, através da molécula de CYBR green,

que é fluorescente e se intercala na cadeia dupla de DNA. A quantidade de fluorescência apresentada é

assim proporcional à quantidade de DNA produzida.

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Sequenciação de DNA

O metódo de Sanger é actualmente o mais utilizado para levar a acabo a sequenciação de DNA, apesar

de apenas ser possível a sequenciação de uma cadeia de cada vez. Para que este processo ocorra é

necessário que um fragmento de DNA já tenha sido previamente amplificado.

Para que este método ocorra, a síntese de DNA ocorre in vitro, sendo os fragmentos colocados em locais

onde existam primers (para ser levada a cabo a iniciação), nucleótidos normais e nucleótidos stop.

Existem então quatro locais onde decorrerá a sequência, sendo que cada local apresenta um tipo de

nucleotídeo stop diferente (um deles apresenta guanina stop, o outro citosina stop…), contudo, em

todos eles apenas existe 1 nucleotídeo stop em cada 100 nucleotídeos. Os nucleotídeos stop, que são

na verdade dideoxirribonucleosídeos trifosfato (ddNTP), apresentam um grupo –H ligado ao terceiro

carbono, em vez de um grupo –OH. Isto significa que, após um ddNTP ter sido integrado numa cadeia de

DNA, mais nenhum nucleotídeo pode ser acrescentado a esta.

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Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Sebenta de Biologia Celular e Molecular I

43

Dessa forma, as reacções procedem de

forma muito simples – As DNA polimerases

vão integrando nucleótidos nos diferentes

fragmentos de DNA presentes. Quando

calha de integrar um nucleótido stop numa

cadeia de DNA, a polimerização nessa

cadeia pára, mas continua nas outras, até à

integração de nucleótidos stop nestas.

Depois, para analisar a sequência de DNA

procede-se à electroforese em gel de

agarose, havendo revelação por

autorradiografia ou à análise automática

por uma máquina sequenciadora.

DNA microarray

O DNA microarray, ou chip array, permite analisar em simultâneo a expressão diferencial de milhares

de genes em populares celulares diferentes, algo particularmente útil para o estudo de doenças

poligénicas, como o Alzheimer, a esquizofrenia, ou o cancro.

Para levar a cabo este processo, extrai-se o mRNA de indivíduos de dois grupos, sendo que através da

trasncriptase reversa procede-se à síntese do respectivo cDNA. O cDNA é depois marcado com cores

fluorescentes diferentes, para distinguir os grupos. Os cDNAs são depois misturados e hibridizados com

as cadeias presentes nos chips (onde encontramos todos os genes com uma localização conhecida em

diferentes spots). De seguida, procede-se à sobreposição dos scans obtidos nos chips, permitindo, pelas

cores registadas em cada spot compreender quais os genes expressos em ambos os grupos e em cada

um dos grupos.

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Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Sebenta de Biologia Celular e Molecular I

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Isto permite, a título de exemplo, classificar vários

tipos de cancro, nomeadamente que se traduzem

num fenótipo similar, de acordo com o seu perfil de

expressão genética. Isto é muito útil para a

administração de uma terapia personalizada, de

acordo com as características genéticas do indivíduo.

DNA recombinante em bactérias

O DNA recombinante permite a inserção e

propagação de DNA (por exemplo, um gene que

codifica uma proteína de interesse) em bactérias

(geralmente a E. coli) e requer para isso uma inserção

contendo o gene de interesse, um vector (um

plasmídeo, geralmente). Os plasmídeos são porções

de DNA circular, que não são essenciais para a

sobrevivência das bactérias e cuja replicação é

independente da do restante DNA bacteriano,

apresentando por isso uma origem de replicação.

Neste processo intervêm enzimas de restrição,

endonucleases que reconhecem sequências

específicas de 4 a 8 nucleótidos e que fazem a

clivagem dessas sequências palindrómicas (ou seja, que apresentam um eixo de simetria). Essa clivagem

origina extremidades “blunt” (ou seja, extremidades em que o corte é feito de forma abrupta,

orientado segundo uma linha recta), ou extremidades coesivas (extremidades em que o corte é feito

em “ziguezague”, formando uma espécie de encaixe) nos fragmentos de DNA. De referir que apenas são

utilizadas neste processo as enzimas que fragmentam o DNA, deixando extremidades coesivas.

O fragmento de DNA é então introduzido e integrado no plasmídeo, por acção da enzima DNA ligase (a

maior parte das vezes é utilizada a T4 DNA ligase). A entrada do plasmídeo para a bactéria, por sua vez,

é feita por choque térmico (transformação bacteriana por método químico), ou por um choque

eléctrico (transformação bacteriana por electroporação).

Para seleccionarmos quais os indivíduos que apresentam

a inserção, colocamos as bactérias num meio com um

antibiótico, visto que na inserção é sempre colocado

juntamente com o gene de interesse, um gene que

confere resistência a um antibiótico, já com o intuito de

fazer essa selecção. Obviamente, que as bactérias que

não apresentam a inserção morrem, aquando do

contacto com o antibiótico.

Finalmente, as bactérias sobreviventes são então

colocadas num meio de cultura, de forma a possibilitar a

síntese da proteína de interesse.

Actualmente, é possível realizar o processo de

transfecção – inserção de plasmídeos em células

eucarióticas e, inclusive, usar outros vectores que não

plasmídeos, tais como fagos lambda.

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Sebenta de Biologia Celular e Molecular I

45

Síntese e degradação proteica

Todos os componentes celulares têm um tempo de semi-vida, o qual é designado por turn-over e isto

inclui as proteínas, sendo que o seu turn-over é variável de acordo com a sua utilidade (proteínas mais

importantes, têm um período de semi-vida maior) e daí ser importante falar em síntese e degradação

proteica.

O dogma central da biologia celular assenta na ideia de que o DNA é transcrito em RNA, sendo a

informação contida no mRNA traduzida em proteínas. Contudo, é importante referir que para a síntese

proteica não intervém apenas o mRNA – o tRNA é também essencial, porque trazem aminoácidos para o

ribossoma, enquanto moléculas de rRNA estão contidas na “maquinaria” dos ribossomas.

Estrutura do mRNA

O mRNA apresenta, na sua extremidade 5’, um cap (7-metilguanoisna, que é vital para o

reconhecimento e ligação do mRNA ao ribossoma, bem como para a protecção contra exonucleases) e

na sua extremidade 3’, uma cauda poli-A, que contém entre 150 a 200 nucleótidos de adenina e que

protege o mRNA da degradação. No mRNA está ainda contida uma região, a ORF (ou Open Reading

Frame), que contém o conjunto de informação que será traduzida, sendo a ORF ladeada pela 5’UTR e

pela 3’UTR, regiões que não serão traduzidas, mas que contêm informações sobre o turn-over do mRNA.

As regiões UTR (Untranslated Regions) contêm, portanto, informações relativamente à estabilidade do

mRNA, contribuindo para esta. De referir que o mRNA é sempre lido de 5’ para 3’ e a construção dos

polipeptídeos é sempre feita do terminal amina, para o terminal carboxilo.

Dada a redundância do código genético (um aminoácido pode ser “codificado” por vários codões), cada

aminoácido pode se ligar a vários tRNAs. Apesar disso, não existe ambiguidade no código genético, ou

seja, um codão não pode codificar vários aminoácidos. Existem ainda três codões stop (UGA, UAA e

UAG, decoráveis através da mnemónica “U Go Away, U Are Away, U Are Gone”), que não são

reconhecidos por nenhum aminoácido, e um codão de iniciação (AUG, o único codão que codifica a

metionina). Com excepção da metionina, o triptofano é o único aminoácido codificado também por um

só codão (UGG). De referir que o código genético utilizado pela mitocôndria varia ligeiramente.

Estrutura do tRNA

O tRNA tem uma estrutura em forma de trevo,

tendo quatro loops, um dos quais contém o

anticodão, sequência pela qual o tRNA se liga

ao mRNA. Na extremidade 3’ do tRNA

encontramos a sequência de ligação ao

aminoácido.

O número de moléculas de tRNA diferentes é

igual ao número de codões diferentes

existentes. Contudo, os tRNAs com anticodões

redundantes não existem na célula na mesma frequência, havendo preferência de codões em todos os

organismos.

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Quando temos uma molécula de

tRNA ligada a um aminoácido,

dizemos que temos um aminoacil-

tRNA. As aminoacil tRNA sintetases

catalisam a formação de aminoacil

tRNA. Em primeiro lugar, um

aminoácido específico liga-se ao seu

respectivo local de ligação,

concomitantemente ao ATP, que se

liga ao seu local próprio nesta

sintetase. O ATP é então

desfosforilado, originando AMP,

ocorrendo a esterificação dos

aminoácidos. Aquando da ligação do

tRNA ao seu local específico naquela enzima, o AMP “desliga-se da enzima” e o tRNA pode finalmente

ligar-se ao aminoácido em causa, formando-se assim um aminoacil-tRNA.

Ribossomas

O ribossomas são ribozimas, pois o RNA presente (rRNA) tem acção catalítica. Estas estruturas são

constituídas por duas subunidades – a subunidade grande apresenta 49 proteínas e um coeficiente de

sedimentação de 60 S, enquanto a subunidade pequena apresenta 33 proteínas e um coeficiente de

sedimentação de 40 S. Contudo, o coeficiente de sedimentação total do ribossoma é de 80 S e não de

100 S, porque a sedimentação num gradiente de densidade não depende apenas do tamanho da

estrutura, mas também da sua forma. De referir que a percentagem de RNA num ribossoma é maior que

a de proteínas, estimando-se que seja de 60%. Os rRNAs apresentam estruturas secundárias e terciárias,

sendo estas conservadas em todas as espécies.

Podemos considerar três locais nos ribossomas – o local A (ou aminoacil) é o local por onde entram os

aminoacil-tRNAs. Por outro lado, o local P (ou peptidil) é aquele em que se forma a cadeia peptídica. Por

último, o local E é o local exit, por onde sai o tRNA. De referir que o resíduo C-terminal permanece

ancorado no local P ao seu tRNA.

Nos procariontes, os ribossomas apresentam 70S (a subunidade grande apresenta 50S e a pequena

30S), sendo a percentagem de RNA cerca de 66%.

Tradução

A tradução comporta três etapas – a iniciação (fase mais importante, pois é aquela em que se registam o

mecanismos de controlo), o alongamento e a finalização.

Iniciação

Em primeiro lugar, a subunidade pequena do ribossoma, liga-se ao mRNA, no local de iniciação, que se

inicia com a sequência AUG. Depois liga-se o tRNA iniciador (com a metionina) a essa região, sendo a

metionina depois removida na maior parte das proteínas.

A tradução começa sempre no codão de iniciação AUG, sendo a sua identificação essencial para definir

que proteína se quer de facto produzir, dado que existem vários quadros de leitura (reading frames)

possíveis no RNA. Este codão é então encontrado pelo seu contexto – nos procariontes existe uma

sequência 8 bp upsteram (a montante) ao AUG inicial (a sequência de Shine-Dalgarno), que se vai

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emparelhar com uma sequência complementar, encontrando-se esta na extremidade 3’ de uma

unidade de 16S de rRNA. Nos eucariotas, temos em torno do codão AUG uma sequência Kozak muito

conservada, que é reconhecida por um scan feito pela subunidade pequena do ribossoma.

O tRNA de iniciação que se liga ao codão AUG sofre então fosforilação nos eucariontes e formilação nos

procariontes. Este tRNA é o único que se liga ao lugar P do ribossoma e as alterações referidas têm por

objectivo, permitir a ligação deste tRNA ao local P. De resto, todos os outros aminoacil tRNAs ligam-se

ao local A. Associados ao processo de iniciação, existem factores de iniciação (IFs para os procariontes e

eIFs para os eucariontes).

Nos procariontes, o IF1 liga-se ao local A para que nele não se ligue outro tRNA, o IF2 liga o aminoacil

tRNA de iniciação ao local P e o IF3 impede a ligação das duas subunidades e destabiliza a capacidade de

outros tRNA se ligarem ao local P. Forma-se então um complexo de pré-iniciação, em conjunto com a

subunidade pequena. O IF2-GTP é posteriormente hidrolizado, o que leva à ligação da subunidade

grande e à formação do ribossoma funcional.

Já nos eucariontes, o eIF1A e o eIF2 têm função similar aos IF1 e IF2, respectivamente. O eIF4 remove as

estruturas secundárias do mRNA e ao ligar-se às extremidades, permite formar um loop entre o cap e a

cauda poli-A. Caso o loop não possa ser formado, nomeadamente, devido à ausência de cap, ou a uma

pequena extensão da cauda, o mRNA é degradado nos Processing bodies (P-bodies), que existem no

citoplasma e são estruturas dinâmicas, aparecendo e desaparecendo. Depois deste controlo de

qualidade (etapa limitante da iniciação), o eIF3 e o eIF6 associam-se respectivamente às subunidades

pequena e grande, mantendo-as separadas. O aminoacil-tRNA liga-se então à subunidade pequena,

ajudado pelo eIF2-GTP, forma-se um complexo nesta subunidade. Após esta fase, os eIF4 ligam-se à

subunidade pequena e fazem um scan, de modo a encontrar a sequência de Kozak e o codão de

iniciação. Posto isto, dá-se a hidrólise do eIF5 e do eIF2, algo que leva à dissociação dos factores de

iniciação e à adição da subunidade grande. Forma-se então um ribossoma funcional de 80S e a tradução

prossegue para a fase de alongamento.

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Há, contudo, nos eucariontes quantidades muito pequena de mRNA que podem ser traduzidas de forma

similar à dos procariontes, sem existir scanning (sendo a tradução, por isso, independente do cap),

referimo-nos aos locais de iniciação internos (IRES), que existem no mRNA, aquando de stress ou

infecções virais.

Alongamento

O processo de alongamento é muito

similar nos eucariotas e nos

procariotas. Os aminoacil tRNAs vão

se ligar ao mRNA, através do local A

do ribossoma. Em termos de

factores de alongamento,

encontramos os EFs nos

procariontes e os eEFs nos

eucariontes.

Em primeiro lugar, o aminoacil tRNA

entra para o local A, ligando-se ao

mRNA, sendo a cadeia polipeptídica

entretanto formada transportada

para o aminoacil RNA, algo que

ocorre concomitantemente à

hidrólise do GTP. O tRNA que ficou

livre no local P (uncharged tRNA) é então expulso pelo local E, ficando o lugar que ocupava (lugar P),

preenchido pelo polipeptil tRNA, que se encontrava no local A, através de um processo designado por

translocação e que ocorre à custa da hidrólise de GTP.

Para serem formadas ligações peptídicas entre os diferentes aminoácidos intervém uma enzima – a

peptidil transferase, presente na subunidade grande do ribossoma. De referir que a cadeia nascente sai

sempre pelos aminoácidos iniciais (a metionina é a primeira estrutura a sair, saindo primeiro o grupo

amina).

Terminação

Os codões stop, não têm tRNA correspondente. Os RFs (Release Factors) são parecidos com o tRNA

estrutural, o que permite que estes factores entrem no local A do ribossoma, levando à separação do

complexo ribossómico (nos eucariotas temos o eRF1 para três codões STOP, enquanto para os

procariotas temos o RF1 para actuar nos codões UAG e UAA e o RF2 para actuar nos codões UGA e

UAA). O RF3 (nos eucariotas, eRF3) é uma proteína associada ao GTP, que através da hidrólise deste,

promove a quebra do complexo peptidil-tRNA. Por último, voltam-se a ligar, às subunidades

ribossomais, o eIF3 e o eIF6, de modo a manter as subunidades separadas.

Folding proteico

Associada à tradução, temos sempre chaperones, proteínas que facilitam o folding da proteína em

formação, mediando a sua estrutura correcta, algo que ocorre à conta de gastos energéticos. As HSP

(heat shock proteins) são proteínas com acção de folding proteico, cujos níveis estão aumentados em

situações de choques térmicos, de forma a responder ao aumento da desnaturação das proteínas.

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Optimização do processo de tradução

Dado o facto de a tradução ser um processo que envolve gastos energéticos, a verificação prévia do

mRNA é muito importante. Por outro lado, os procariontes acoplam a transcrição com a tradução,

enquanto nos eucariontes, como a

tradução é muito lenta, esta é

realizada em polirribossomas (os

polirribossomas são também

designados por polissomas e são uma

série de ribossomas que traduz uma

mesma cadeia de mRNA), ou

associada ao retículo endoplasmático

rugoso. A tradução por polissomas

permite aumentar a velocidade e taxa

de síntese proteica. Esta é também

aumentada pela reciclagem das

subunidades ribossomais.

Inibidores da síntese proteica

Existem vários inibidores da síntese proteica. A puromicina provoca a conclusão prematura da cadeia

pela entrada no local A e transferência para a cadeia peptidil. Existem ainda inibidores dos ribossomas

nos procariotas, nomeadamente o cloranfenicol, que liga a subunidade grande e inibe a actividade da

peptidil transferase e a estreptomicina, a gentamicina e Kanamicina, que inibem a síntese proteica

através da ligação ao rRNA da subunidade pequena provocando erros de tradução na leitura dos codões

por causa de alterações conformacionais no ribossoma. Em termos de inibidores da síntese proteica nos

eucariotas, encontramos a toxina diftérica, uma enzima produzida pela bactéria C. Diphteriae que utiliza

cataliticamente o NAD para inactivar o eEF2 e a cicloheximida, que inibe o elongamento da cadeia

(competidor inibitório da peptidil transferase).

Degradação proteica

Cerca de 30 % das proteínas recém

sintetizadas são rapidamente

degradadas devido a erros. Contudo,

todas as proteínas têm o seu turn-

over. A degradação proteica é feita

nos lisossomas, ou, mais

frequentemente, é mediada pelo

sistema ubiquitina-proteassoma,

degradando este sistema, as proteínas

que se encontram no citoplasma. A

ubiquitina é constituída por 76

aminoácidos, que é por vezes

denominada “kiss of death”, pois as

proteínas poli-ubiquitinadas são

degradadas no proteossoma.

Os proteassomas funcionam como

“trituradoras de papel” - as proteínas

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Sebenta de Biologia Celular e Molecular I

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entram por um complexo de 19S, saindo por outro, os aminoácidos livres. Como a acumulação de

proteínas é prejudicial para o organismo, pois leva a doenças neurodegenerativas, o proteossoma

desempenha um papel fulcral na célula. O proteossoma desempenha ainda funções importantes numa

variedade de processos celulares fundamentais tais como a regulação do ciclo, divisão, desenvolvimento

e diferenciação celular; apoptose; tráfego celular e modulação das respostas imunes e inflamatórias.

Existem patologias, em que devido a mutações, as proteínas não conseguem sair da membrana

biológica, acumulando-se no retículo endoplasmático rugoso, onde são degradas pelo proteossoma.

Dado serem proteínas necessárias para desempenhar funções biológicas vitais, torna-se aí importante,

atenuar a acção do proteossoma.

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Controlo da expressão génica e especialização celular

Todas as células de um dado organismo têm o mesmo DNA, que está contido no seu genoma, apesar de

células distintas produzirem diferentes proteínas e terem diferentes regiões do seu genoma activas.

Desse modo, compreende-se a importância do controlo da expressão génica, algo também constatado

através das nefastas consequências registadas aquando de alterações nessa regulação (que passam pelo

aparecimento de tumores, ou de patologias que surgem durante o desenvolvimento). A importância do

controlo da expressão genética é ainda mais importante ao nível dos procariotas, visto que estes

dependem deste processo para ir buscar ao meio aquilo que necessitam e, desse modo, sobreviver.

Existem cinco níveis de controlo da expressão

génica – ao nível da trasncrição, do

processamento de mRNA, do transporte de

RNA, da tradução e do controlo da

actividade proteica. Contudo, o nível de

controlo mais importante é o primeiro, pois

permite poupar recursos energéticos e tempo

(a célula evita, desde logo, a produção de

compostos desnecessários).

Para a célula determinar quais os genes que deve transcrever, existe um promotor, activadores,

sequências reguladoras e binding-proteins. Os repressores são moléculas que se ligam a determinadas

zonas do DNA e reprimem a transcrição genética. Já os activadores ligam-se a zonas do DNA, permitindo

a activação da transcrição.

Regulação génica nos procariotas

Nos procariotas a regulação da expressão génica é feita ao nível da transcrição. A transcrição é mediada

pelas interacções registadas entre o DNA e as proteínas e pela RNA polimerase, funcionando, por isso,

os mecanismos de regulação de expressão genético como “interruptores genéticos”. A título de

exemplo, podemos citar o operão da lactose, na E. coli.

Operão lac

Os genes incluídos no operão lac permitem a síntese de

enzimas que degradam a lactose, sendo uma forma de as

bactérias obterem glicose, aquando da sua falta. O operão

apresenta um promotor, um operador, genes lac e um

sítio para a CAP. Ao promotor liga-se a RNA polimerase, ao

operador, o repressor e à zona para a CAP, a CAP

(catabolite activator protein), uma proteína activadora

dependente de cAMP e que vai favorecer a transcrição.

Aquando de elevadas concentrações de glicose e baixas de

lactose, a bactéria não necessita de gastar energia a

produzir enzimas e a degradar a lactose. Dessa forma, um

repressor liga-se à zona do operador, impedindo a RNA

polimerase, juntamente com o factor σ70

de iniciar a

transcrição dos genes lac. O CAP também não se liga ao

seu sítio respectivo nesta situação.

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Sebenta de Biologia Celular e Molecular I

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Quando existem concentrações elevadas de glicose e de lactose, a bactéria realiza transcrição dos genes

lac em baixa quantidade. A transcrição é realizada porque a lactose liga-se ao repressor, impedindo-o de

se ligar ao operador (o que leva a que a RNA polimerase se ligue ao promotor e inicie a transcrição).

Contudo, a transcrição é feita em níveis reduzidos, porque o CAP não se liga à sua região, pois este não é

activado, devido às baixas concentrações de cAMP. Contudo, quando a concentração de glicose é baixa

e a concentração de lactose é elevada, ocorre a activação do CAP, pelo cAMP e a transcrição é feita a

níveis elevados (o que é compreensível dada a situação do meio).

Regulação à distância

A regulação génica nos procariotas também pode ocorrer à distância. A regulação da ligação σ54

-RNA

polimerase é levada a cabo pela NtrC (nitrogen regulatory protein C), que se liga a um enhancer. Os

dímeros fosforilados da NtrC encontram-se muito longe da região do promotor, mas através da

formação de uma “dobra” conseguem contactar com a σ54

-RNA polimerase.

Regulação génica nos eucariotas

Nos eucariotas o processo é mais complexo, devido à estrutura da cromatina (nomeadamente, a

heterocromatina) e as sequências activadoras têm um papel muito mais fulcral que as repressoras.

Existe também um número muito maior de sequências reguladoras. Nos eucariotas, por fim, os

elementos regulatórios tanto se podem encontrar muito próximos, como muito longe dos locais de

iniciação de transcrição.

Dentro do grupo de sequências

activadoras, destacam-se os

enhancers, regiões de DNA, às

quais se ligam proteínas, o que

leva a uma aumento exponencial

da taxa de transcrição (não

sendo, apesar disso, promotores).

Os factores de transcrição são activadores transcripcionais que se ligam ao DNA, nomeadamente aos

promotores e aos enhancers e que apresentam geralmente um domínio de ligação ao DNA (raramente

apresentam mais que um) e um ou vários domínios de activação. Estes factores interagem com a RNA

polimerase II. A Gal4 é um exemplo de um factor de transcrição na levedura.

Os repressores transcripcionais, por seu turno, apresentam uma estrutura similar aos activadores e a

ausência da actividade repressora pode ter consequências nefastas, por exemplo, a ausência de

repressão do gene EGR-1 no rim em desenvolvimento, leva ao desenvolvimento do tumor de Wilms.

As proteínas activadoras e repressoras interagem com co-activadores (que aumentam a expressão de

um gene e co-repressores (que diminuem a expressão de um gene). O complexo mediador, formado

por uma cauda, uma cabeça, uma região média e um módulo CDK, permite a interacção entre os

activadores e a RNA-polimerase, funcionando como um co-activador.

A combinação de várias proteínas activadoras e repressoras (ou seja, de várias proteínas reguladoras)

aumenta a variedade de controlo genético, nomeadamente através da formação de complexos. Dessa

forma, a célula não necessita de ter um número infindável de proteínas reguladoras. Nestes complexos,

podemos ter proteínas activadoras a participar em complexos de repressão, contudo, elas continuam a

ser activadoras, não passam a ser proteínas repressoras! O mesmo se passa com as proteínas

repressoras, que integram complexos de activação, continuam a ser proteínas repressoras. Os

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monómeros desses complexos são heterodímeros, num processo que se designa por combinação

heterodimérica dos factores de transcrição.

A cromatina também é modulada aquando da transcrição de

genes, pois a sua condensação implica a ausência de

transcrição, enquanto a sua descondensação está associada a

transcrição activa. Dessa forma, os repressores promovem a

deacetilação das histonas e metilação de algumas classes e a

sua, contribuindo assim para a formação de heterocromatina.

Por outro lado, os promotores promovem a acetilação das

histonas, bem como a metilação de algumas. A metilação é

uma forma de silenciamento de certos genes, nos vertebrados.

Quando esse padrão de metilação é estabelecido, cada local

metilado é passado para as células descendentes. Porém, na

verdade, para o gene estar completamente silenciado, segue-

se a ligação de proteínas até à região metilada e a ocorrência

de deacetilações. O processo de imprinting ocorre com

silenciamento de um alelo proveniente de um progenitor,

através de metilações e outras modificações histónicas. Nos

indivíduos do sexo feminino ocorre igualmente inactivação

aleatória de um cromossoma X, por condensação da sua

cromatina.

Mecanismos alternativos de controlo da expressão génica

Mecanismos pré-transcripcionais e transcripcionais

Um processo de controlo de expressão génica, ainda antes de ocorrer a transcrição, prende-se com a

inserção de genes móveis (transposões) no meio de um gene que codifica uma proteína, o que leva a

que se produza depois um mRNA ou uma proteína não funcional. As proteínas truncadas, por exemplo,

são proteínas incapazes de desempenhar determinadas funções, porque lhes faltam resíduos de

aminoácidos

Hormonas esteróides também podem assumir também uma função vital enquanto reguladores da

expressão génica, pois ligam-se a proteínas receptoras que formam um complexo, que por sua vez se

liga ao DNA, permitindo a sua transcrição. A ausência destas hormonas impede a ocorrência de

transcrição.

Mecanismos pós-transcripcionais

Após a transcrição, inúmeros processos podem ocorrer no sentido de controlar a expressão genética.

Contudo, estes processos são secundários, quando comparados com os de controlo ao nível da

transcrição.

Em primeiro lugar, a longevidade e estabilidade do mRNA pode ser alterada, havendo ligações para

impedir a sua degradação. Por exemplo, aquando da amamentação, a prolactina liga-se ao mRNA da

caseína, impedindo a sua digestão pela ribonuclease e permitindo a sua tradução em caseína, proteína

do leite. Isto não acontece, aquando da glândula mamária não-lactante.

O RNA editing consiste em alterações da sequência nucleotídica de mRNA, sendo estas feitas por

substituição (por exemplo, o gene APOB é transcrito e traduzido no fígado sem sofrer editing, contudo,

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no intestino, o seu mRNA o codão CAA sofre editing e origina UAA, um codão stop, de modo a evitar a

sua tradução) ou por inserção/delecção (como acontece com o gene de uma subunidade da oxidase do

citocromo c no Trypanosoma brucei).

O uso de RNA de interferência (RNAi, ou RNA interference) é um processo com bastantes aplicações na

investigação científica e no qual um pequeno fragmento de RNA se vai hibridizar com o mRNA,

formando uma cadeia dupla de RNA. Esta é reconhecida como anómalo pela célula e, por isso, vai ser de

imediato degradada, impedindo que o mRNA seja traduzido.

Também ao nível do processamento pode

ocorrer controlo da expressão génica. O

splicing é uma etapa do processamento, na

qual são removidos intrões e unem-se os

exões. Através do processo de splicing

alternativo, podemos combinar várias

sequências de exões e um fragmento genético

pode originar várias proteínas diferentes,

permitindo que com se origine um número de proteínas superior ao número de genes existentes. O

splicing alternativo permite então que um mesmo pré-mRNA origine, quer um activador, se for

integrado um exão que codifica uma região de activação, ou um repressor, se essa região não for

integrada.

Existem ainda mecanismos de repressão da tradução do mRNA, em que as proteínas não são

traduzidas, ou não sofrem alterações pós-traduções, que lhes seriam vitais para assumirem as suas

funções.

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Membranas biológicas

As membranas biológicas são estruturas com uma espessura que varia entre 5 e 9 nanómetros e que

separam o conteúdo de organelos, ou da própria célula, do meio exterior, permitindo delimitar essas

estruturas. O núcleo e as mitocôndrias têm uma dupla membrana e o lúmen do retículo endoplasmático

rugoso é separado do citosol também por uma membrana biológica.

As membranas biológicas, cuja principal função é a de isolamento, são formadas por uma dupla camada

fosfolipídica e por proteínas que se podem ancorar à membrana ou atravessá-la.

Dupla camada fosfolipídica

Os fosfolípidos são constituídos por cabeças polares e hidrofílicas, constituídas por colina, serina ou

etanolamina, fosfato e glicerol e por caudas hidrofóbicas, constituídas por ácidos gordos, sendo por isso

designadas por moléculas anfipáticas.

As moléculas polares são hidrofílicas, visto que nelas ocorre distribuição de cargas e, por isso, quando

entram em contacto com a água, as cargas positivas interagem com o oxigénio e as cargas negativas

com o hidrogénio (a água é, ela própria, uma molécula polar).

Já nas moléculas apolares, como não ocorre distribuição das cargas eléctricas, não existe um dipólo.

Dessa forma, essas moléculas não interagem com as moléculas de água, que preferem interagir umas

com as outras. Diz-se que são moléculas hidrofóbicas.

Dessa forma, os lípidos, quando colocados em água podem-se arranjar formando micelas, no caso de

terem uma estrutura “em cunha”, sendo que as partes hidrofílicas ficam em contacto com a água, ou

bicamadas, como no caso dos fosfolípidos. Contudo, a bicamada fosfolipídica é obrigada a fechar, por

acção de forças hidrofóbicas, formando uma estrutura esférica.

Fosfolípidos das membranas

Existem quatro fosfolípidos integrantes das membranas biológicas. São eles a fosfatidiletanolamina, a

fosfatidilserina, a fosfatidilcolina e a esfingomielina.

A fosfatidiletanolamina é um fosfolípido existente no folheto interno da bicamada, sendo formada por

etanolamina, fosfato, glicerol e dois ácidos gordos. A etanolamina tem uma carga positiva e o fosfato

tem uma carga negativa, o que leva a que a carga geral da fosfatidiletanolamina seja nula.

A fosfatidilserina é um fosfolípido existente no folheto interno da bicamada, sendo formada por serina,

fosfato, glicerol e dois ácidos gordos. A serina tem uma carga positiva e uma negativa e o fosfato tem

uma carga negativa, o que leva a que a fosfatidilserina tenha carga negativa. Isto revela-se uma

característica essencial em termos de sinalização.

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A fosfatidilcolina é um fosfolípido existente no folheto externo da bicamada, sendo formada por colina,

fosfato, glicerol e dois ácidos gordos. A colina tem uma carga positiva e o fosfato tem uma carga

negativa, o que leva a que a carga geral da fosfatidilcolina seja nula.

A esfingomielina é um fosfolípido existente no folheto externo da bicamada, sendo formada por colina,

fosfato, esfingosina e dois ácidos gordos. A colina tem uma carga positiva e o fosfato tem uma carga

negativa, o que leva a que a carga geral da esfingomielina seja nula. A esfingomielina é o único

esfingolípido constituinte das membranas biológicas. Todos os restantes são fosfoglicerídeos.

Existe ainda um quinto fosfolípido constituinte da membrana, embora presente em baixas

concentrações – o fosfatidilnositol. Este encontra-se no folheto interno da bicamada, sendo formado

por inositol, fosfato, glicerol e dois ácidos gordos. É uma molécula com uma carga negativa, o que lhe

confere propriedades de sinalização.

Formação de membranas biológicas

Os fosfolípidos constituintes das membranas

biológicas são formados no folheto interno do

retículo endoplasmático rugoso, ocorrendo a adição

de fosfolípidos com o contributo da enzima

scramblase, uma enzima não específica, que

permite que o número de fosfolípidos fique igual em

ambos os folhetos. A “membrana” produzida no

retículo é então exportada por exocitose. Contudo,

esta ainda não é assimétrica, ou seja ainda não há

uma distribuição dos diferentes tipos de fosfolípidos

pelos respectivos folhetos. Essa distribuição é levada

a cabo pela enzima flippase, uma enzima específica

que permite também os movimentos de flip-flop nas

membranas.

Movimentos ocorridos ao nível das membranas biológicas

A membrana biológica é uma estrutura fluida – os fosfolípidos realizam fácil e espontaneamente

movimentos laterais e de rotação. Contudo, a mudança de camada pelos fosfolípidos (movimentos de

flip-flop) não se realiza dessa maneira fácil e espontânea, mas sim à conta da flippase e da scramblase.

Isto leva a que esses movimentos ocorram

muito menos frequentemente que os

restantes.

Existem factores, contudo, que contribuem

para variações na fluidez da membrana. Um

deles prende-se com a saturação das cadeias

fosfolipídicas – cadeias insaturadas levam à

formação de membranas mais fluidas,

enquanto cadeias saturadas levam à formação

de membranas mais rígidas. Isto acontece,

porque quando as cadeias de fosfolípidos

estão insaturadas, formam uma “dobra”, à qual se dá o nome de kink. Isto faz com que quando temos

várias cadeias insaturadas, haja um maior espaço entre os fosfolípidos e a espessura da membrana seja

menor. Este mecanismo descrito é utilizado por bactérias para efeitos de termorregulação.

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Também a presença de colesterol influencia a fluidez das membranas. O colesterol é um esteróide que

preenche os espaços entre os fosfolípidos. O seu anel esteróide torna o rígido, levando a que a

mobilidade dos fosfolípidos fique reduzida, bem como a permeabilidade da membrana. Contudo, o

colesterol pode actuar também no sentido de prevenir a cristalização da membrana.

Por fim, o tamanho das cadeias de ácidos gordos tem forte influência na fluidez das membranas –

cadeias maiores resultam em menor fluidez e cadeias menores resultam em maior fluidez.

Sinalização celular por acção dos fosfolípidos

Os fosfolípidos com carga negativa têm um importante papel em termos de sinalização celular. Por

exemplo, quando a célula vai entrar em apoptose, a acção da flippase diminui e a da scramblase

aumenta. Isto leva a que a fosfatidilserina migre para o folheto externo da membrana celular, onde é

reconhecida por macrófagos, levando à apoptose da célula.

O fosfatidilinositol, por seu turno, é importante para a activação da cínase do fosfatidilinositol (PI 3

kinase) ou fosfolipase C, sendo um mensageiro intracelular de importância considerável.

Glicolípidos

Os glicolípidos estão presentes no folheto externo das membranas biológicas. Têm associados

oligossacarídeos a lípidos e como funções a protecção celular e intervir na interacção inter-celular.

Proteínas membranares

As membranas biológicas têm-lhes associadas diversas proteínas membranares. Estas podem ser

integrais, caso atravessem a membrana ou lhe estejam ancoradas, por uma ligação muito forte (por

exemplo, covalente), ou periféricas, caso a ligação que tenham à membrana não seja muito forte. As

proteínas membranares são muitas vezes receptores, transportadores ou canais iónicos, embora

também possam desempenhar função enzimática, ou de tradução de sinais.

As proteínas transmembranares são moléculas anfipáticas, contactando as

regiões hidrofílicas (que são constituídas por aminoácidos hidorfílicos) com

o meio aquoso e as regiões hidrofóbicas (que são constituídas por

aminoácidos hidrofóbicos) com as regiões hidrofóbicas das membranas.

Essas proteínas podem atravessar uma vez a membrana sob a forma de uma

hélice α, que tem entre 20 a 30 aminoácidos hidrofóbicos (a glicoforina A é

uma proteína dos eritrócitos que só atravessa a membrana uma vez e tem

estrutura em hélice α) , ou várias vezes, sob a forma de sucessivas hélices α

(a título de exemplo, é possível citar a bacteriorodopsina, que atravessa a

membrana sete vezes, sendo uma “bomba” transportadora de protões). As

folhas β também podem atravessar a membrana biológica, formando

estruturas tipo canal (como exemplo, temos as porinas, proteínas com

várias passagens transmembranares, que são canais presentes na

membrana plasmática externa da E.coli). Já as proteínas ancoradas podem

se ligar à membrana por “pontes” de oligossacarídeos.

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Transporte transmembranar

As membranas biológicas podem ser atravessadas por moléculas por difusão simples ou por processos,

nos quais intervêm proteínas mediadoras, nomeadamente a difusão facilitada e o transporte activo.

Tipo de transporte Moléculas transportadas Via de transmissão A favor do gradiente

Selectivo

Difusão simples Gases, moléculas hidrofóbicas e pequenas moléculas polares

Dissolução na membrana transportadora

Difusão facilitada Grandes moléculas polares e moléculas com carga

Canais iónicos e transportadores passivos

Transporte activo Solutos contra o gradiente de concentração

Transportadores activos (bombas)

Difusão simples

O processo de difusão simples não

requer a presença de qualquer

proteína. É, portanto, um processo

não-mediado em que gases,

moléculas apolares e pequenas

moléculas polares (tais como água e

etanol, embora a probabilidade de

estas moléculas atravessarem a

membrana biológica seja menor)

atravessam a membrana por

dissolução na bicamada fosfolipídica,

algo que ocorre sem dispêndio

energético, visto que este processo ocorre a favor do gradiente de concentração. De referir que, dadas

as características deste processo, este é considerado não selectivo.

Transportadores e canais iónicos

Os canais iónicos são proteínas incorporadas na membrana, que abrem um caminho aquoso nesta. O

contacto com a bicamada fosfolipídica é feito através de aminoácidos hidrofóbicos, enquanto, a zona de

abertura está revestida por aminoácidos hidrofílicos. Estes canais nem sempre estão abertos e

participam em processos de difusão facilitada.

Os transportadores proteicos, por seu turno, nunca abrem por completo – Abrem-se de um lado,

permitindo a ligação do soluto e, fechando-se nesse lado, abrem-se no outro, permitindo a saída de

soluto. A sua presença nas membranas biológicas também obriga a que apresentem aminoácidos

hidrofóbicos, para contactar com a bicamada fosfolipídica, e hidrofílicos, para contactar com a região

aquosa. Os transportadores proteicos podem participar no processo de difusão facilitada, sendo aí

denominados por transportadores passivos, e no processo de transporte activo, sendo aí denominados

por bombas. Ambos os tipos de transportadores estão sujeitos a alterações conformacionais.

Em termos de rapidez, podemos afirmar que os canais iónicos são 100 000 vezes mais rápidos que os

transportadores.

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Difusão facilitada

O processo de difusão facilitada permite a passagem de moléculas polares a favor do gradiente

electroquímico (o processo de difusão simples ocorre unicamente a favor do gradiente químico, uma

vez que as moléculas que atravessam esta membrana por este processo são apolares) e, como tal, sem

dispêndio energético. Este é um processo selectivo, que é mediado por proteínas (transportadores e

canais iónicos).

Transporte activo

O processo de transporte activo permite a passagem de solutos contra o gradiente de concentração,

algo que ocorre à conta do consumo de energia, sendo um processo selectivo. Esta energia pode partir

da hidrólise do ATP, bem como da acoplação de um processo de transporte a favor do gradiente

electroquímico ao processo de transporte contra o gradiente. Algumas bactérias utilizam também a luz

para permitir a passagem de solutos contra o gradiente de concentração.

Relativamente aos tipos de

transportadores, temos uniportes, se

apenas transportarem um soluto numa

única direcção; simportes, se

transportarem dois solutos numa

mesma direcção e antiportes se

transportarem quase simultaneamente

dois solutos em direcções diferentes.

Aquando da entrada de glicose nos

enterócitos, verificamos que estão envolvidos os três tipos de transportadores – como a glicose existe

em maior concentração no interior do enterócito, que no lúmen intestinal, esta entra para o enterócito

por via de um simporte, visto que o processo de entrada desta ose está acoplada à entrada de Na+. A

saída da glicose do enterócito é feita por difusão facilitada, através de um uniporte, pois a concentração

de glicose é maior dentro do enterócito que no fluido extracelular. Finalmente, é possível manter o

gradiente de sódio, através da bomba de sódio e potássio, que é um antiporte.

O funcionamento do simporte da glicose explica-se pelo princípio da cooperatividade (que ocorre

quando uma molécula facilita a passagem de outra) – 2 Na+ ligam-se em primeiro lugar ao

transportador, o que aumenta a

afinidade deste para a glicose,

permitindo a sua entrada e ligação

ao receptor. Depois, os 2 Na+

saem do transportador, o que

diminui a afinidade do

transportador à glicose e permite

a sua saída.

Relativamente à bomba de sódio

e potássio, esta tem uma grande

afinidade para o Na+, de tal modo

a que este se liga a este

transportador. A bomba é então

fosforilada, por via da hidrólise do

ATP, o que altera a conformidade do transportador, diminuindo a sua afinidade para o Na+, que se

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desliga deste. Por consequência, a afinidade ao K+ aumenta, permitindo o seu transporte por processos

similares. De referir que este transportador bombeia para fora da célula 3 Na+, entrando 2 K

+. Também o

transporte de Ca2+

(que tem de ser mantido a concentrações baixíssimas) e H+ é feito à conta do

gradiente de Na+.

Tipos de canais iónicos

Comum a todos os canais iónicos é a presença de filtros selectivos para iões, nomeadamente o Na+, o

K+, o Ca

2+ e o Cl

-, sendo que alguns são activados por um estímulo específico e outros se encontram

permanentemente num estado “intermitente” (alternando entre aberto e fechado).

Os canais iónicos de fuga são canais de K+, que não são activados por nenhum estímulo específico,

estando a sua função relacionada com a génese do potencial de repouso (-70 mV) na membrana,

através da saída dos iões K+ do meio intracelular.

Existem ainda canais iónicos activados por voltagem, cujo funcionamento se baseia em alterações da

polarização da membrana. Os canais de Na+

são essenciais para gerar o potencial de acção e são

activados por despolarização da membrana, mais propriamente por um potencial de -50 mV. Já os

canais de K+ delayed-rectifier são activados novamente por despolarização da membrana, mas desta

vez, por um potencial de -20 mV, permitindo a saída do K+ das células e a repolarização (regresso ao

potencial de repouso).

Os canais iónicos activados por transmissor podem ser de dois tipos – canais iónicos activados por

transmissor (extracelulares), ou canais iónicos activados por ligandos intracelulares. Os primeiros

envolvem a ligação de moléculas extracelulares ao transportador, permitindo a sua abertura. A título de

exemplo, podemos citar o estímulo feito pelo glutamato aos canais de Na+ e K

+ e que será essencial para

se realizar a sinapse, pois permite alterar o potencial de repouso do neurónio pós-sináptico. Também o

GABA (ácido γ-aminobutírico) pode se ligar a canais de Cl-, funcionando como um potencial inibitório

pós-sináptico.

Relativamente aos canais iónicos activados por ligandos intracelulares, o mecanismo é idêntico. A

ligação de moléculas ou iões intracelulares ao receptor permite a sua activação. O Ca2+

intra-celular, por

exemplo, pode-se ligar a canais de K+

Ca, permitindo a regulação do disparo neuronal.

Os canais iónicos activados por estímulo mecânico são canais de catiões, cuja função é a transformação

do estímulo mecânico em resposta eléctrica.

As junções de hiato, também designadas por canais gap-junction, são canais de pequenos iões que

existem no epitélio, no endotélio e em células cardíacas. Estas permitem fazer junções entre

membranas, permitindo a comunicação e sincronização celular. Não são estimuladas, mas podem ser

Canal Estímulo Tipo de canal Função

Canal iónico de fuga Não apresenta Canal de K+ Génese do potencial de repouso

Canal iónico activado por voltagem

Despolarização (-50 mV) Canal de Na+ Despolarização no potencial de acção

Despolarização (-20 mV) Canal de K+ Repolarização no potencial de acção

Canal iónico activado por transmissor

Transmissor extracelular

Canais de iões vários

Funções ao nível da transmissão do impulso nervoso

Ligando intracelular

Canal iónico activado por estímulo mecânico

Mecânico/ pressão Canal de catiões

Transformação do estímulo mecânico em resposta eléctrica

Junções de hiato Não apresenta (só modulação)

Canal de iões pequenos

Ligação intercelular e sincronziação da actividade celular

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moduladas, isto é, quando a célula entra num estado indesejado (por exemplo, a sua concentração de

Ca2+

aumenta muito), o transportador “fecha”.

Canal de Na+ dependente de voltagem

Este canal é importante na génese de

um potencial de acção, sendo que o

potencial de -50 mV contribui para a

sua activação. O seu estado activado

é estado aberto, permitindo a

entrada de Na+ na célula. Contudo,

1ms depois, este transportador fecha,

pois na região voltada para o citosol,

liga-se uma bola de inactivação, que

forma à espécie de um “tampão”. Quando ocorre repolarização da membrana, o canal volta à sua

conformação inicial.

O canal de Na+ é constituído por quatro subunidades que se repetem, sendo que cada repetição é

constituída por seis segmentos transmembranares, sendo que a sensibilidade a alterações de polaridade

da membrana é feita por um sensor de voltagem presente no segmento 4. Entre o quinto e o sexto

segmento existe um fortíssimo

loop, correspondente ao poro do

canal, sendo por isso formado

por aminoácidos hidrofílicos.

Funcionamento dos canais de Na+ e K+

O Na+ apenas atravessa o canal de Na

+, se estiver ligado a uma molécula de água. Caso contrário, o K

+,

como tinha carga igual ao Na+ também poderia atravessar esse canal. A entrada de K

+ associado a uma

molécula de água é

impossível, porque as

dimensões da abertura do

canal são menores que as

da H2O + K+. O K

+ também

não atravessa sozinho o

canal iónico, porque a

energia necessária para o

K+ se dissociar da

molécula de água não

compensa a energia

ganha associada à

passagem do

transportador.

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Por outro lado, o K+ para atravessar o seu canal iónico, realiza sozinho essa passagem, dissociado da

molécula de H2O. De seguida, o K+ liga-se a oxigénios de grupos carbonilo existentes no canal,

atravessando-o. Já o Na+ não consegue atravessar o canal, visto que, dissociado da molécula de água é

demasiado pequeno e não se consegue ligar aos oxigénios dos grupos carbonilo (e dessa forma a

energia necessária para dissociar o Na+ à molécula de água não compensa a energia associada à

passagem do canal). O Na+ também não consegue atravessar o canal iónico associado a uma molécula

de água dado as dimensões serem superiores às da abertura do canal.

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Tradução eléctrica de estímulos: Membrana Neuronal

O elemento básico do sistema nervoso central é o neurónio, uma célula especializada na recepção,

condução e transmissão de sinais. Os neurónios podem ser de vários tipos – motoneurónios (neurónios

longos com um axónio mielínico e muitas dendrites), interneurónios (neurónios de menor comprimento

e sem o axónio mielínico) e neurónios sensoriais. Comum a todos os tipos de neurónios supracitados é a

presença de um axónio, de um corpo, de dendrites e de botões sinápticos, permitindo estas duas

últimas componentes, a transmissão de um estímulo nervoso para outro neurónio, através de uma

sinapse.

A membrana neuronal, para além da bicamada lipídica, apresenta vários tipos de canais iónicos,

nomeadamente bombas de sódio e potássio, canais de fuga de K+, canais activados por glutamato

(transmissor excitatório), canais de Na+

dependentes de voltagem e canais de K+ delayed-rectifier.

Potencial de repouso – caracterização e génese

Os valores de potencial de acção e potencial de repouso (-70 mV) não são atribuídos arbitrariamente,

mas calculados através da equação de Nernst, que é dada pela fórmula

, sendo F a constante

de Faraday, T, a temperatura, [X]E, a concentração extracelular de um dado ião e [X]I, a concentração

intracelular de um dado ião. Considerando que T = 36ºC, temos que

. Dessa forma, podemos

calcular o potencial de potássio (VK), que nos pode dar uma aproximação ao valor de potencial de

repouso:

Ora, sabemos que VR (valor de repouso) não é igual a VK, como seria de esperar, mas assume o valor de

-70 mV. Isto porque a membrana é também permeável a outras cargas. Como [Na+]E + [K

+]E = 150 mM e

[Na+]I + [K

+]I = 150 mM, fazendo as contas temos que o valor de equilíbrio para o total das cargas de

sódio e potássio é de 0 mV.

A partir do valor de -70 mV, dizemos que ocorre despolarização, se o valor de VR se torna cada vez

menos negativo ou mais positivo (e portanto diminui a polarização da membrana), ou hiperpolarização,

quando o seu valor se torna cada vez mais negativo, (ou seja, aumenta a polarização da membrana). De

referir que o potencial da membrana nunca chega a ser zero, porque o número de iões envolvidos,

aquando de um estímulo, nunca é suficiente para tal.

No fluido extracelular, a concentração de Na+ é de 145 mM fora da célula e a de K

+ é de 5 mM. Ora, se

não existisse a bomba de sódio e potássio, a concentração destes iões seria igual quer no exterior, quer

no interior nas células. Dessa forma, o sódio é expulso da célula e o potássio entra para esta, pela

bomba de sódio e potássio.

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Contudo, a bomba de sódio e potássio não é suficiente para gerar um potencial de membrana. O

potencial de repouso (polarização da membrana) é gerado ainda pelos canais de fuga, através dos quais

o K+ sai a favor do gradiente de concentração (arrastando consigo uma carga positiva para fora da

célula), atingindo-se o equilíbrio quando o gradiente electroquímico é zero (ou seja, quando o gradiente

químico é igual ao gradiente eléctrico, isto é, o número de iões que sai a favor do gradiente químico é

igual ao número de cargas que entra por potencial eléctrico).

Potencial de acção

A presença de canais de Na+ e K

+ activados por glutamato são essenciais para se dar a estimulação

sináptica, ou seja, para a génese de um potencial pós-sináptico excitatório (EPSP), que vai despoletar a

despolarização da membrana. Quando se atinge -50 mV, ou seja, quando a entrada de Na+ para a célula

excede a saída de K+, diz-se que é atingido o limiar do potencial de acção.

Quando se atinge o limiar do potencial da acção, são activados os canais de Na+

dependentes de

voltagem. Estes canais existem quase em exclusivo no axónio, pois nos restantes locais do neurónio, a

densidade deste tipo de canais é muito baixa. A activação dos canais de Na+

dependentes de voltagem,

leva a que os iões de Na+ entrem no meio intracelular, permitindo à membrana atingir o potencial de

equilíbrio para o Na+ (o que significa que a quantidade destes canais no axónio é muito grande). Ao fim

de 1 ms, os canais de Na+ são inactivados pelas bolas de inactivação, impedindo a passagem de mais

iões Na+.

Segue-se o processo de repolarização. Se apenas tivéssemos canais de fuga de K+, a repolarização

demoraria centenas de milissegundos, daí a existência de canais de K+ dependentes de voltagem. Estes

canais demoram 1 ms a abrir (e daí também serem chamados de “delayed-rectifier”), por isso a sua

activação ocorre, quando a polarização da membrana atinge os -20 mV. Dessa forma, os canais K+

dependentes de voltagem apenas abrem, quando os de Na+ fecham. A densidade dos canais de K

+

dependentes de voltagem é muito elevada e permitem, juntamente com os canais de fuga, que a

polarização da membrana

chegue ao valor de

equilíbrio para o potássio.

Contudo, no final, vão ser

esses mesmos canais de

fuga, que vão levar ao

regresso da membrana ao

valor do potencial do

repouso (-70 mV). É

importante mencionar que

a quantidade de iões que

atravessa os canais é

reduzida e que, portanto, as

concentrações de sódio e

potássio, quer no interior da

célula, quer no meio

extracelular, praticamente

não sofrem alterações. Isto

constitui uma vantagem, na

medida em que os gastos de

energia sob a forma de ATP

necessários para a bomba

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de sódio e potássio restabelecer as concentrações “normais” de sódio e potássio são, deste modo,

muito reduzidos.

De referir que o potencial de acção inicia-se no cone axonal (zona mais proximal do axónio, em que este

contacta com o corpo do neurónio), visto que é lá que a densidade dos canais de Na+ activados por

voltagem é maior. Depois, a propagação do potencial de acção é feita num sentido unidireccional, pois

concomitantemente aos circuitos eléctricos associados à transmissão do potencial de acção, ocorrem

pequenas despolarizações da membrana nos canais adjacentes ao canal de Na+ em que está a haver

passagem de iões (ou seja, que está aberto e activado). O canal que está imediatamente depois é então

activado e o que está imediatamente antes não é afectado, porque já está inactivado (daí a importância

dos canais de Na+ activados por voltagem ficarem inactivos após 1 ms).

A bainha de mielina funciona como um isolante e baixa a capacidade da membrana do axónio, porque a

torna mais espessa. Os nódulos (ou nós) de Ranvier interrompem a bainha de Mielina e permitem uma

propagação saltatória do potencial de acção, pois neles estão presentes canais de Na+ activados por

voltagem em elevadas concentrações.

Sinapse química

O processo de sinapse química permite que o estímulo

propagado num neurónio, designado por pré -sináptico,

continue a ser propagado num outro neurónio, designado

por pós sináptico. Durante a sinapse ocorre a libertação de

neurotransmissores na fenda sináptica, estando estes

transmissores inicialmente envoltos por vesículas sinápticas,

que depois se fundem com a membrana do neurónio pré-

sináptico. Este processo ocorre devido à entrada de Ca2+

na

membrana pré-sináptica, através de canais de Ca2+

dependentes de voltagem, pois o Ca2+

permite a fusão das

vesículas sinápticas com a membrana pré-sináptica.

O transmissor libertado vai então activar o transmissor dos

canais iónicos na membrana pós sináptica, sendo depois

removido da fenda sináptica pelos processos de reuptake

(reentrada do neurotransmissor para o neurónio pré-

sináptico, algo que permite a “reciclagem” dos neurotransmissores) e de difusão para o meio.

Potencial pós-sináptico inibitório

O potencial pós-sináptico não é sempre excitatório (EPSP), este também pode ser inibitório (IPSP) e,

nesse caso, o potencial é activado por GABA (ácido aminobútrico gama) ou por glicina, sendo abertos

os canais destas substâncias, que são canais de cloro. Isto leva à entrada de cloro na célula, que, dado

ser um anião, vai levar a que ocorra uma hiperpolarização da membrana. Podem ser transmitidos

simultaneamente, um potencial inibitório e um excitatório, levando à anulação dos efeitos.

Somatório dos potenciais pós-sinápticos

Dizemos que temos sinapses iguais, quando no local em que se gera EPSP, o potencial pós-sináptico é

igual. Contudo, isto não significa que num mesmo local essas duas sinapses não tenham potenciais pós-

sinápticos diferentes. Considerando que ocorreram sinapses iguais, mas que uma ocorreu mais proximal

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(ou seja, que ocorreu mais próxima

do corpo do neurónio),

relativamente a outra, temos que,

no local do cone axonal (ou noutro

qualquer ponto do axónio) a

sinapse distal vai chegar com um

potencial pós-sináptico menor que

a proximal. Daí ser feito os

somatórios espacial e temporal dos potenciais pós sinápticos, para um determinado local, sendo que o

somatório temporal tem em conta o tempo de atraso da sinapse distal.

A intensidade de um potencial pós-

sináptico pode ser traduzida em

frequência, dessa forma, quanto mais

intenso este for, maior a frequência

associada a este potencial. Esta relação

e entendida como o output do

neurónio. O patch clamp é uma técnica

que permite estudar estímulos

nervosos, nomeadamente o que se

passa ao nível dos canais iónicos,

registando-os sob a forma de gráfico e

permitindo analisar as diferenças entre

os valores teóricos calculados e os

valores que ocorrem de facto.

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Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Sebenta de Biologia Celular e Molecular I

67

Modelos experimentais de controlo da expressão genética

Ao nível da expressão genética podemos ter situações em que verificamos que houve uma perda de

função e outras em que se regista um ganho de função. Entende-se por perda de função (loss of

function – LOF), uma mutação que resulta numa função proteica reduzida ou abolida e esta pode

ocorrer por via da ablação do gene que para esta codifica, pela indução da degradação do mRNA ou pela

própria inactivação da proteína. Já o processo de ganho de função (gain of function – GOF), que ocorre

muito mais raramente, ocorre uma mutação que confere uma actividade anormal numa proteína,

podendo esta ocorrer por via da expressão ectópica de uma proteína (ou seja, em locais onde esta não é

normalmente expressa).

Em laboratório interessa induzir losses of function e gains of function, de forma a estudar as funções dos

genes, nomeadamente o seu papel em termos de patologias, e para isso recorre-se ao DNA

recombinante para introduzir ou suprimir um gene, ao RNA de interferência para silenciar o mRNA

produzido e a sequestração por anticorpos ou por proteínas recombinantes para actuação em

proteínas. Estes testes podem-se realizar in vitro, caso sejam levados a cabo em células em cultura, ou in

vivo, caso sejam realizados em modelos animais, cujos mais comuns se encontram no quadro em baixo

(de notar as semelhanças embriológicas):

Técnica de electroporação

A técnica de electroporação consiste na introdução de DNA recombinante em células, através da

aplicação de um breve choque eléctrico de milhares de volts. Isto torna as células temporariamente

permeáveis ao DNA, permitindo realizar experiências LOF, nas quais introduzimos um RNA de

interferência que silencia um determinado mRNA, ou GOF, por sobrexpressão ectópica de uma proteína.

Em muitos tecidos, nomeadamente a espinal medula, procede-se à introdução do DNA recombinante de

um dos lados, ficando o outro intacto, como região de controlo.

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Animais geneticamente modificados

A modificação genética de animais é já uma realidade e tem múltiplas aplicações, nomeadamente no

campo da saúde.

Transgénicos

Animais transgénicos são animais cujo material genético foi alterado, através de técnicas de engenharia

genética. Para produzir um animal transgénico deve-se produzir um vector (nomeadamente um

plasmídeo), contendo o gene de interesse e um gene que permita que a produção da proteína

codificada pelo gene de interesse ocorra num tecido particular (quando se utilizam cabras ou ovelhas,

por exemplo, é útil que a produção dessa proteína ocorra ao nível do leite). O vector é então introduzido

em zigotos, que, por sua vez, são colocados no útero de um indivíduo do sexo feminino (a foster

mother). Os indivíduos que se desenvolvem a partir dos zigotos são transgénicos e produzem a proteína

codificada pelo gene de interesse.

Os ratinhos são animais, cujo genoma é frequentemente modificado. Vamos tomar o exemplo dos

ratinhos fluorescentes – estes exprimem a GFP e o DNA que codifica para esta é colocado por

microinjecção num dos pronúcleos

(um núcleo de um dos gâmetas,

depois do espermatozóide ter

entrado no óvulo, mas antes de

ambos os núcleos gaméticos se

juntarem). Depois, os zigotos que

sobrevivem à manipulação (entre 10

e 30%) são transferidos para uma

foster mother, sendo que entre 10 e

30% da descendência tem o DNA

integrado no seu genoma (esta

ocorre de forma aleatória), ou seja,

neste caso, exprime a GFP. Os

indivíduos que exprimem o gene em

questão são então cruzados, de

forma a originar descendência que

também o exprima.

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69

Ratinhos KO

A produção de ratinhos knockout permite a produção

de indivíduos que apresentam genes que estão

inactivos no organismo. Esta faz-se à conta de gene

targeting, uma técnica na qual é levada a cabo a

introdução de genes mutados (genes com uma

determinada inserção no meio) numa célula-tronco

embrionária por electroporação (num processo, cuja

eficiência ronda os 5%). Estes passam a integrar o

conteúdo cromossómico das células-tronco, através de

recombinação homóloga, ocorrendo isto uma vez em

cada 105 células estaminais transfectadas. As células

embrionárias contendo a mutação knockout são então

introduzidas no embrião de um ratinho, sendo os

descendentes gerados, quimeras (uma quimera é um

animal que tem duas ou mais populações diferentes de

células geneticamente distintas).

As quimeras são então cruzadas com indivíduos wild-

type (“normais”), levando à formação de descendência

normal e heterozigóticos para o gene knockout. Os

indivíduos heterozigóticos são então cruzados, levando

à produção de indivíduos knockout, wild-type e

heterozigóticos. De referir que, os indivíduos

heterozigóticos são mantidos, pois os ratinhos

knockout não têm grande viabilidade reprodutiva,

contrariamente aos heterozigóticos.

A produção de indivíduos knockout é essencial para o estudo de patologias, como o piebaldismo,

malformações originadas pela deficiência no gene KIT.

Sistema Cre-Lox

O sistema Cre-Lox permite a produção de indivíduos transgénicos modificados, ou seja, que exprimem

um dado gene em apenas determinados tecidos. Dessa forma, utilizamos um indivíduo com o promotor

de um tipo específico de uma célula e com o gene que codifica a enzima Cre-recombinase (abreviada

como Cre), que é posto a cruzar com outro que apresenta o gene de interesse ladeado por dois loci Lox

P (sequências de nucleótidos, iguais de ambos os lados que flanqueiam o exão em questão).

A descendência apresenta células onde se manifesta o gene de interesse (aquelas onde está presente a

proteína Cre e que correspondem às células-alvo do promotor) e células normais, onde não está

presente a proteína Cre.

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RNA de interferência

O RNA de interferência (RNAi) é um processo que consiste na indução da formação de regiões de cadeia

dupla de mRNA que são degradadas pela célula. Este pode ser levado a cabo através dos MicroRNAs e

do siRNA. Estes permitem então o silenciamento da expressão de alguns genes, algo que pode ser útil

no tratamento contra o cancro. Para além disso, o uso de siRNA em linhagens celulares é eficiente e

facilmente controlável e exequível.

MicroRNAs

Os microRNAs desempenham importantes funções nos genes humanos – estimando-se que cerca de

30% destes são controlados por miRNAs (conhecem-se actualmente mais de 400 genes humanos

regulados por miRNAs). Para além disso, 80% dos miRNAs são específicos para determinados tecidos.

Os micro-RNAs apresentam em média 22 ribonucleotídeos e são transcritos a partir de genes próprios

ou de intrões, através da RNA polimerase II ou III. Uma vez no citosol, os miRNAs ligam-se a mRNAs alvo,

formando regiões de cadeia dupla, que são degradadas, ou cuja tradução é silenciada.

In vitro é possível a síntese de small hairpin RNAs, que mimetizam os micro-RNAs endógenos.

siRNA

Para levar a cabo o mecanismo de siRNA, começa-se por se introduzir na célula uma longa cadeia de

dsRNA (double-stranded RNA - RNA em cadeia dupla). Esta é clivada em siRNAs (short interfering RNA)

pela enzima dicer, apresentando cada siRNA cerca de 20 nucleotídeos. Alternativamente, é possível a

síntese de siRNAs fora da célula e posterior introdução desta estrutura no meio intracelular.

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A proteína Ago (Argonaute) procede então à clivagem de

uma das cadeias de cada siRNA, algo feito com gastos de

ATP. Isto activa o RISC (RNA-inducing silencing complex) e

permite a ligação do siRNA ao mRNA alvo, formando uma

estrutura de cadeia dupla, que é logo degradada.

O RNA antisense funciona de um modo similar ao siRNA,

contudo, é introduzida uma cadeia simples de RNA,

complementar a uma cadeia de mRNA, à qual ela se vai

ligar, impedindo assim que ocorra tradução.

Desafios para a medicina

Apesar das vantagens do uso de partículas recombinantes,

existe ainda um grande obstáculo à sua aplicação em

grande escala, no tratamento de doenças, em medicina e

que se prende com o como fazer as partículas

recombinantes chegar aos tecidos onde estas devem

actuar.

Não podemos aplicar choques eléctricos e introduzi-las por electroporação, nem criar linhas de seres

humanos transgénicos. Os meios de administração mais viáveis prendem-se então com a utilização de

vírus, com o conteúdo genético em causa, ou lipossomas.

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Citosqueleto - Actina

Citosqueleto

O citosqueleto permite a organização espacial das células, bem como a sua interacção mecânica com o

ambiente. Este é um sistema de filamentos, de tal forma dinâmico, que permite também que a célula

tenha uma certa mobilidade.

Dessa forma, são funções do citosqueleto:

Organização espacial da célula

Movimentar os cromossomas na mitose

“Condução” de organelos e do “tráfego” intracelular

Suporte da membrana citoplasmática

Permite mobilidade, nomeadamente que células como os espermatozóides nadem, ou células

como os leucócitos se desloquem sobre superfícies.

Permite a contracção nas células musculares

Estas variadas funções dependem da presença de três famílias de moléculas proteicas que constituem

os filamentos que formam o citosqueleto, nomeadamente a actina, os filamentos intermediários e os

microtúbulos. Apesar do nome citosqueleto, sugerir algo rígido, a verdade é que o citosqueleto não é

estático e está em permanentes modificações.

Actina

A actina é uma das proteínas constituintes do citosqueleto. Representa cerca de 10%

das proteínas totais das células musculares (percentagem em termos de massa) e

entre 1% e 5% das células não-musculares.

As subunidades individuais de microfilamentos de actina são denominadas de G-

actina (actina globular), que se organizam em polímeros filamentosos, denominados

de F-actina (actina filamentosa). As moléculas de G-actina apresentam uma fenda de

ligação ao ATP e um ião Mg2+

. A F-actina apresenta uma estrutura em dupla hélice,

sendo que cada monómero de G-actina contacta com outros quatro. Estes

microfilamentos medem aproximadamente 7nm de diâmetro e apresentam uma

sequência igual de 36 em 36 nm.

Os microfilamentos apresentam polaridade, manifestando-se essa polaridade em

termos estruturais, funcionais e de alongamento. O pólo positivo encontra-se na

extremidade barbed (“em ponta de seta”) e o pólo negativo corresponde à

extremidade pointed (estes nomes de extremidades aplicam-se sobretudo a quando

a actina se encontra associada à miosina). Na extremidade pointed, a fenda de

ligação ao ATP da molécula de actina está em contacto com o citosol, enquanto na extremidade barbed,

a fenda ligação ao ATP da molécula de actina está ligada a outro monómero.

A formação de filamentos a partir de unidades de G-actina faz-se por três fazes distintas – nucleação,

alongamento e estado estacionário. A fase de nucleação prende-se com a formação de um núcleo, um

oligómero formado por uma quantidade reduzida de monómeros de G-actina. Esta é a etapa mais lenta

do processo de formação de filamentos e também a etapa limitante, devido à instabilidade desses

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Sebenta de Biologia Celular e Molecular I

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mesmos oligómeros formados. A lentidão do processo de nucleação é vantajosa para a célula, na

medida em que lhe permite determinar em que local serão formados os novos filamentos. A

polimerização de filamentos é feita apenas se existir uma determinada concentração mínima de actina

na célula. Esta concentração é designada por critical concentration (CC) e difere nas duas extremidades.

Uma vez ultrapassada esta fase de nucleação, segue-se a fase de alongamento, na qual os monómeros

são rapidamente associados às extremidades. No final, encontramos um estado estacionário, em que a

quantidade de monómeros adicionados equivale à de monómeros que se dissociam do filamento.

A polaridade influencia também a polimerização de filamentos. A adição de G-actina aos filamentos

ocorre preferencialmente no pólo positivo e a sua remoção ocorre preferencialmente no pólo negativo.

Este processo denomina-se por treadmilling e a sua ocorrência está dependente da concentração

citosólica de subunidades de G-actina. Dessa forma:

Para valores de concentrações de ATP-G-actina entre os valores de Cc+ (concentração crítica na

extremidade positiva) e Cc- (concentração crítica na extremidade negativa), ocorre adição de G-

actina no pólo positivo e remoção no pólo negativo.

Para valores de concentrações de ATP-G-actina superiores aos valores de Cc+ e Cc

-, ocorre

adição de G-actina em ambos os pólos

Para valores de concentrações de ATP-G-actina inferiores aos valores de Cc+ e Cc

-, ocorre

remoção de G-actina em ambos os pólos.

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Sebenta de Biologia Celular e Molecular I

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Proteínas de ligação à actina (actin-binding proteins)

Os microfilamentos podem sofrer capping, através do acrescento de CapZ no pólo positivo ou de

tropomodulina no pólo negativo. O capping dos microfilamentos no pólo positivo impede o seu

crescimento nesse pólo e o capping no pólo negativo estabiliza o filamento.

Para que ocorra nucleação dos microfilamentos, deve haver ligação da G-actina à formina. A ligação

desta proteína à extremidade positiva impede a ligação da CapZ, permitindo o crescimento do

filamento. A actividade das forminas é regulada pela via de sinalização da Rho-cinase.

As actin related proteins (ARP 2/3) permitem a nucleação e o crescimento no pólo positivo. Contudo,

como a sua capacidade de nucleação é baixa, este complexo precisa de filamentos formados e da

proteína WASp. Esta última altera a conformação do complexo proteico em causa, permitindo a ligação

de um filamento de actina (mais próximo do pólo positivo) ao filamento principal, existindo entre eles

um ângulo de 70º. Isto leva a uma estrutura ramificada da actina.

Cerca de metade da actina total na célula é ATP-G-

actina e a ADP-actina e a ATP-actina são convertíveis. A

profilina liga-se à ADP-G-actina, catalisando a

conversão desta em ATP-G-actina (por troca de ADP por

ATP), ligando-se depois esta última ao pólo positivo do

filamento de actina.

Já a cofilina liga-se à F-actina na região da extremidade

negativa. Essa ligação destabiliza o filamento,

precipitando a quebra deste nesta extremidade. Isto

gera subunidades ADP-actina ligadas a cofilina e mais

extremidades negativas livres.

A timosina-β4, por sua vez, liga-se à ATP-G-actina,

inibindo a adição desta a qualquer uma das

extremidades. Esta proteína está presente em grande

quantidade nas plaquetas, que apresentam grandes quantidades de actina.

De referir que é este dinamismo na polimerização da actina que torna possível movimentos

intracelulares e emissão de prolongamentos citoplasmáticos.

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Organização dos filamentos de actina

Os filamentos de actina podem apresentar uma organização em rede ou em feixe, podendo este último

tipo de organização ser em feixe contráctil, caso os filamentos se disponham em direcções opostas, ou

em feixe paralelo, caso os filamentos se disponham paralelamente.

Os feixes contrácteis estão relacionados com a ligação da actina à α-actinina, permitindo que a miosina

II se interponha no feixe. Este tipo de feixes está muito presente nas células musculares. Já os feixes

paralelos estão associados à ligação da fimbrina e a

sua disposição, com poucos espaços entre os

filamentos, impede que a miosina II se interponha no

feixe. Este tipo de feixes existe nos filopodia,

projecções citoplasmáticas presentes em células

migrantes e em microvilosidades. Já associada a uma

organização em rede, encontramos a proteína

filamina.

No que concerne a proteínas de ligação (cross-

linking), destaque ainda para a espectrina, que

permite fazer arranjos hexagonais, essenciais para a

manutenção da membrana citoplasmática (algo que é

mediado pelas anquirinas) e cujas mutações resultam

em anemia esferocítica - fragilidade da membrana do

eritrócito. Por último, a distrofina permite ligar o

citosqueleto de uma fibra muscular até à membrana

citoplasmática. A sua ausência caracteriza-se por

distrofias musculares.

Sistema actina-miosina

As miosinas são uma super-família proteica, cuja função é a de conversão de ATP em energia mecânica.

Existem cerca de 20 classes diferentes de miosinas, sendo que estas proteínas, com excepção da de

classe VI (que participa na endocitose) movimentam-se sempre do pólo negativo para o pólo positivo da

actina. Mutações nas miosinas podem causar cegueira e surdez.

De entre as proteínas motoras encontramos as miosinas de classes I, II e V. A miosina de classe I, ao

ligar-se à actina relaciona-se com a endocitose e com a associação de actina à membrana.

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A miosina de classe V está associada ao transporte de organelos. Esta

classe miosina desloca-se “passo a passo” sobre a molécula de actina, ou

seja, uma das cadeias pesadas da miosina fica fixa à actina, enquanto a

outra avança 72 nm em direcção ao pólo positivo.

Interacções entre a actina e a miosina da classe II

Os músculos esqueléticos são compostos por fibras musculares, células multinucleadas, que

apresentam várias miofibrilas dispostas em feixe. Estas são constituídas por unidades básicas, os

sarcómeros, complexos multiproteicos, situados entre dois discos Z e onde encontramos feixes de

miosina de classe II intercalados com filamentos de actina. O facto de um feixe de miosina deslocar-se

por dois filamentos de actina permite que, aquando da contracção muscular, ocorra uma aproximação

dos filamentos de actina.

A miosina de classe II apresenta uma cabeça (head), um pescoço (neck - com duas cadeias leves, uma

essencial e uma regulatória) e cadeias pesadas. Os feixes de miosina presentes num sarcómero

apresentam um total de 325 nm de comprimento.

A miosina de classe II forma complexos bipolares, através

da interacção de domínios presentes na cauda e

dispostos antiparalelamente. O seu movimento é feito

com gasto de ATP – quando esta molécula se liga à

cabeça da miosina, esta separa-se da actina,

movimentando-se. Quando ocorre a desfosforilação do

ATP em ADP+Pi, ela liga-se de novo à actina. Este

movimento necessita também da presença de cálcio, que

se liga à troponina. Esta ligação modula a actividade da

tropomiosina, impedindo-a de obstruir os locais de

ligação à miosina, na actina. Isto permite então que a miosina se ligue à actina e que se dê a contracção

muscular.

O cap Z e a tropomodulina são estabilizadores do sarcómero, na medida em que, ocorrendo um capping

nos filamentos de actina, em ambas as extremidades, não ocorre crescimento nem regressão do

tamanho dos filamentos em causa. A nebulina e a titina funcionam como estabilizadores adicionais do

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Sebenta de Biologia Celular e Molecular I

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sarcómero – a nebulina estende-se ao longo do

filamento de actina desde o disco Z até à

tropomodulina, onde se liga. Esta molécula

determina o comprimento dos filamentos de actina

presentes no sarcómero. A titina é outra grande

proteína ligada por um lado ao disco Z e, por outro,

à molécula contralateral. Esta é uma molécula

elástica que previne um alongamento excessivo e

que segura os filamentos de miosina.

As fibras contrácteis actina/miosina II também

funcionam em células não-musculares,

nomeadamente ao nível da citocinese, formando o anel contráctil regulado por fosforilação e que

permite a divisão das duas células e ao nível da migração celular.

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Citosqueleto – Microtúbulos e filamentos intermediários

Microtúbulos

Os microtúbulos são polímeros de dímeros de

αβ-tubulina, que se dispõe numa mesma linha,

numa estrutura de 8 nm. Este polímero dispõe-se

sob a forma de túbulos ocos com um diâmetro de

25 nm. Tal como os filamentos de actina, os

microtúbulos apresentam polaridade, sendo que

na extremidade negativa estão expostas subunidades de α-tubulina e na positiva, subunidades de β-

tubulina.

A polimerização dos microtúbulos

ocorre de modo similar ao da dos

filamentos de actina, compreendendo

uma fase de nucleação, em que a

adição de dímeros de αβ-tubulina é

mais lenta, uma de alongamento e

uma última de estado estacionário,

ocorrendo a adição de monómeros

preferencialmente na extremidade

positiva dos microtúbulos. A

temperatura revela-se como um

factor que influencia a polimerização

dos microtúbulos, pois a

temperaturas inferiores a 4º C ocorre

despolimerização destes.

Tal como acontece ao nível da polimerização de actina, também aqui se verifica a ocorrência de

treadmilling, ou seja, a concentrações de tubulina intermédias entre Cc+ e Cc

- (as que existem no citosol)

ocorre preferencialmente adição de monómeros no pólo positivo e remoção no pólo negativo. De

referir que, na célula a polimerização dos microtúbulos é favorecida à despolimerização.

Intrinsecamente associada à polimerização de microtúbulos temos o conceito de instabilidade dinâmica

ao nível da extremidade positiva. Acontece que estes se vão formando, estando presente GTP nas

subunidades β-tubulina. Quando o GTP é convertido a GDP, a conformação das subunidades é alterada,

levando a que o polímero passe

a apresentar ligações mais

fracas. Ora, isto leva a que o

proteofilamento se curve e a

que ocorra o desmembramento

de dímeros de αβ-tubulina do

microtúbulo, que entra numa

situação de catástrofe.

Contudo, um microtúbulo que

entrou em catástrofe pode

recuperar as suas dimensões,

entrando num processo de

resgate.

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A colquicina, vimblastina e colcemid impedem a polimerização dos microtúbulos. O taxol (que se extrai

da árvore Teixo do Pacífico) provoca a polimerização rígida. Todas estas substâncias têm aplicação

terapêutica como quimiostáticos.

MTOC

Os microtúbulos são organizados nos

MTOCs - Microtubule organizing centers.

Esta estrutura, da qual os microtúbulos

emergem com as extremidades positivas

voltadas perifericamente, apresenta duas

funções principais – a organização dos

flagelos e cílios nos eucariontes e do fuso

acromático que separa os cromossomas

durante os processos de divisão celular

(mitose e meiose). É também nos MTOCs que ocorre a nucleação dos microtúbulos. Entre os tipos de

MTOCs, destaque para o centrossoma e para os corpúsculos basais (associados com os cílios e certas

junções intercelulares de células epiteliais). Encontramos também MTOCs na região do cone axonal do

neurónio.

A γ-tubulina forma complexos anelares (γ-TuRCs) que facilitam a nucleação dos microtúbulos. Esta

proteína é por isso encontrada sobretudo nos centrossomas. Os centrossomas são organelos que

funcionam como reguladores da progressão do ciclo celular, permitindo o movimento cromossómico,

durante a divisão celular. Estes são compostos por dois centríolos dispostos perpendicularmente,

rodeados por uma massa amorfa de proteína (o material pericentriolar). Visto num corte transversal um

centríolo apresenta nove tripletos de microtúbulos.

Dentro dos cílios e dos flagelos, o citosqueleto de microtúbulos é denominado de axonema. O axonema

dos cílios apresenta tipicamente um anel externo com nove pares de microtúbulos e, centralmente, um

par de microtúbulos. A mobilidade do cílio ocorre à conta da dineína axonemal. Os corpúsculos basais

encontram-se na base dos cílios ou flagelos e são os locais que permitem o crescimento dos microtúbulo

no axonema. Estas estruturas derivam dos centríolos apresentando uma estrutura similar de nove

tripletos de microtúbulos.

Proteínas associadas aos microtúbulos

É possível a ligação de proteínas aos microtúbulos (Microtubule-associated proteins - MAPs). A proteína

Tau é uma MAP, na qual mutações podem levar à desintegração de microtúbulos neuronais nos doentes

de Alzheimer. Já a proteína TIP EB1 associa-se exclusivamente às extremidades positivas dos

microtúbulos, estabilizando-os. A cinesina-13 é uma proteína que desagrega os microtúbulos, a partir de

ambas as suas extremidades, através da sua ligação aos dímeros αβ-tubulina, algo que ocorre com

consumo de ATP, enquanto a estatmina desagrega os microtúbulos ligando-se a dois dímeros de αβ-

tubulina.

As dineínas e as cinesinas são as duas grandes classes de proteínas motoras dos microtúbulos. Existem

14 classes de cinesinas e estas em termos gerais e estruturais apresentam uma cauda, onde está

presente a cadeia leve, um stalk (à espécie de um corpo em dupla hélice) e uma cabeça, ligada ao stalk

por uma região de linker. Esta classe proteica movimenta-se no sentido da extremidade positiva do

microtúbulo. As cinesinas-1 e 2 permitem o transporte dos organelos, aos quais se ligam pela cauda (a

cabeça liga-se ao microtúbulo). A cinesina-5 é bipolar e permite o deslizamento de dois microtúbulos,

enquanto a cinesina-13 promove a destruição dos microtúbulos. O movimento das cinesinas é feito

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Sebenta de Biologia Celular e Molecular I

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“passo a passo” e com consumo de ATP, que ao ligar-se à cabeça motora “da frente” promove o avanço

da cabeça motora “de trás”, que ao ligar-se aos microtúbulos libertam ADP, permitindo uma posterior

ligação de ATP.

Já as dineínas movimentam-se no sentido da extremidade negativa do microtúbulo, também “passo a

passo” e com consumo de ATP. A sua estrutura apresenta um domínio de ligação ao microtúbulo, um

stalk, uma cabeça com um domínio ATPase e um tronco

com o domínio de ligação à dinactina. A dinactina é uma

proteína que se liga à dineína e à cinesina II, permitindo a

ligação da dineína aos organelos e, consequentemente, o

seu transporte.

Compreendemos que são os microtúbulos, bem como as

proteínas motoras com eles relacionadas, os responsáveis

pela organização do citoplasma, pela manutenção do

correcto posicionamento dos seus organelos e pelo

transporte não só de organelos, como também de

vesículas.

Filamentos intermediários

Os filamentos intermediários são estruturas exclusivas das células animais que, apesar de

bioquimicamente heterogéneos têm como características comuns o facto de não apresentarem

polaridade, de não polimerizarem nem despolimerizarem, de poderem estar presentes no núcleo

(contrariamente à actina e aos microtúbulos) e de apresentarem grande resistência mecânica. Os

filamentos intermediários são codificados por 70 genes humanos diferentes, existindo cinco classes

destes que se encontram sintetizadas na tabela da página seguinte:

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As unidades básicas dos filamentos intermediários são dímeros. Estes, em todas as classes, apresentam

um domínio em α-hélice, constituído por 310 aminoácidos, um terminal amina (correspondente à

cabeça) e um terminal carboxilo (correspondente à cauda). Os dímeros associam-se em direcções

opostas, formando tetrâmeros simétricos (razão pelas quais os filamentos intermediários não têm

polaridade). Os tetrâmeros associam-se formando protofilamentos e quatro protofilamentos formam

uma protofibrilha. Quatro

protofibrilhas, por sua vez,

associam-se formando um

filamento de 10 nm. Dessa

forma, um filamento

intermédio apresenta 16

protofilamentos.

As percursoras da formação de todos os filamentos intermediários são as laminas nucleares, em cujas

mutações, verificamos a presença de progerias como a de de Hutchison-Gilford ou distrofias musculares

como a de Emery-Dreifuss.

Os neurofilamentos estão presentes nas células neuronais, sendo constituídos por três proteínas – a NF-

L, a NF-M e a NF-H. Já a queartina está presente na constituição do cabelo, pele e unhas e daí que a

epidermólise bulhosa seja causada por mutações na queratina K14. Esta patologia manifesta-se através

da formação de filamentos intermediários muito frágeis.

No citosqueleto há uma constante interacção entre os vários tipos de filamentos. A título de exemplo,

os fibroblastos encontramos filamentos de plectinas, ligando os microtúbulos a filamentos

intermediários. Também, os melanossomas são transportados ao longo de microtúbulos e no cortex

celular, ligam-se a miosina V, deslocando-se sobre os microfilamentos de actina.

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Atlas de Microscopia de Biologia Celular e Molecular

Tipos de células

A. Células procarióticas

ML - Bactérias Gram-positivas (Staphylococcus)

Observam-se numerosas células coradas de roxo, esféricas (cocos), isoladas ou em cacho.

ML - Bactérias Gram-negativas (Escherichia coli)

As células estão agora coradas de vermelho e são alongadas, em bastonete (bacilos).

Coloração de Gram: roxo de metilo a 0,5% + lugol, diferenciação pelo álcool-acetona e passagem pela

fucsina ácida. As bactérias Gram positivas manterão a cor do roxo de metilo; as Gram negativas perdê-

la-ão na diferenciação pelo álcool-acetona ficando apenas coradas pela fucsina (vermelho).

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ME- Bactéria Gram positiva - Bacillus subtilis

Vêem-se 4 bacilos resultantes de duas divisões sucessivas. Entre as duas células centrais, a parede

celular é completa, o que não sucede entre as células, ainda não totalmente individualizadas, das

extremidades. Observa-se o nucleóide que possui DNA filamentoso disperso e os ribossomas. A parede

celular é densa, homogénea e não estratificada. Contém peptídeoglicanos (mureína), substância em

grande parte responsável pela Gram-positividade da bactéria.

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ME - Gram-negativo. E. coli

Além das estruturas descritas na imagem anterior, notar a membrana citoplasmática e a parede celular

formada por: camada densa, delgada, contendo mureína e uma segunda membrana (membrana externa

da parede) análoga à citoplasmática.

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ME - Bactéria fotossintética. Rhodospirillium rubrum, Gram-negativo

No citoplasma em redor do nucleóide claro, numerosas vesículas, os cromatóforos, em cuja membrana

limitante existe o sistema fotossintético. Trata-se de uma célula autotrófica, capaz de sintetizar

compostos orgânicos quartenários a partir do C, H, O e N da atmosfera e da água.

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ME - Cianófita

Apresenta estrutura semelhante às bactérias Gram- mas, além disso, no citoplasma vêem-se sistemas de

membranas sobrepostas, funcionalmente semelhantes ao grana das plantas superiores, derivados de

invaginações da membrana citoplasmática. Estes organismos são incluídos nos procariontes por não

terem núcleo individualizado ou mitocôndrias, mas executam a fotossíntese como as plantas superiores,

produzindo inclusive hexoses.

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B. Células eucarióticas

ML - Levedura (Saccharomyces cerevisiae) Wright

Nesta preparação observam-se várias células, com contornos bem definidos, devido à presença de

parede celular. No seu interior existem vacúolos em número distinto, e por vezes, é possível distinguir o

núcleo.

ML - Observação de folhas vivas de Elodea em montagem aquosa

Notam-se fiadas de células rectangulares limitadas por parede celular acastanhada. No interior da célula

observa-se o núcleo ovóide, pouco distinto, e os plastos periféricos, ovalares e verdes, que se deslocam

lentamente quando iluminados.

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ME - Corte de folha jovem de alface

Característicos de uma célula vegetal são: a parede celular distinta da membrana citoplasmática, os

vacúolos (pequenos numa célula jovem) os plastos (antes de termos cloroplastos totalmente formados,

designamos estas estruturas por plastos) cujos tilacóides os permitem distinguir das mitocôndrias e a

riqueza em ribosomas livres. Notar núcleo, com regiões de heterocromatina e eucromatina, nucléolo e

invólucro nuclear, que apresenta duas membranas, uma externa e uma interna.

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ME - Corte de folha desenvolvida de beterraba

Nesta folha, quase todos os vacúolos confluíram num único enorme. Em quase todos os plastos há

massas densas de amido.

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ME- Célula de fígado de rato

Nesta célula hepática observam-se o retículo endoplásmico rugoso (RER), ao qual estão associados

ribossomas, mitocôndrias, lisossomas (que apresentam forma aproximadamente circular, sendo muito

electronodensos e tendo granulações várias, sendo, por isso, muito heterogéneos entre si) e

perixossomas, cuja função passa pela eliminação de radicais livres, resultantes de reacções celulares e

pela oxidação de lipídeos. Os peroxissomas apresentam um aspecto liso, sendo menores que os

lisossomas e tendo uma membrana mais recortada. São ainda visíveis depósitos de glicogénio, visto esta

ser uma célula hepática. Estes depósitos apresentam-se como massas escuras, podendo ser constituídas

por “pintas” agregadas (partículas alfa), ou dispersas (partículas beta). A membrana citoplasmática não

é visível no campo, mas entre o núcleo e o citoplasma vê-se o invólucro nuclear com as suas duas

membranas e complexos de poro nuclear (interrupções do invólucro).

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Núcleo

A – Morfologia do núcleo em interfase em microscopia de luz

ML - Fígado do rato. H + E

No interior dos núcleos observa-se uma

trama irregular de filamentos e grânulos

arroxeados (basófilos). Destacam-se um

ou dois grânulos maiores, que são os

nucléolos. Os restantes elementos

corados representam a cromatina

condensada ou heterocromatina estando

a eucromatina dispersa no núcleo. Pela

coloração não é possível distinguir o

nucléolo (RNA) da cromatina (DNA) dado

que ambos são basófilos.

Corpo cavernoso humano – Microscopia de fluorescência

Marcação de núcleos celulares com 4',6-diamidino-2-fenilindol (DAPI), que se liga fortemente ao DNA e

emite uma radiação azul visível em microscopia de fluorescência. É largamente utilizado para corar

núcleos celulares e cromossomas em microscopia de fluorescência.

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B - ME - Cromatina expandida de um núcleo em interfase

Cromatina organizada sob a forma de nucleosomas na fibra de 10 nm, a expandir-se de um núcleo em

interfase após extracção do invólucro com detergente e tratamento com tampão hipotónico.

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C- Invólucro nuclear

Pâncreas de rato – Detecção das laminas A+C por imunocitoquímica + hematoxilina

Cortes de pâncreas de rato foram

incubados com anticorpo primário

produzido na cabra anti-laminas A+C, a

que se seguiu um secundário de ratinho

anti - cabra e um complexo de

estreptavidina-peroxídase que foi

evidenciado com DAB. Em muitos

núcleos observa-se uma circunferência

castanha a delimitar os núcleos,

correspondente à lâmina nuclear

fibrosa que integra o invólucro nuclear.

ME - Núcleo de célula do córtex supra-renal do rato

Observa-se o invólucro nuclear constituído por duas membranas perinucleares separadas por uma

cisterna. Estas são contínuas nos complexos de poro nuclear (cabeça de seta). No interior do núcleo (N)

observa-se um nucléolo (nu) e cromatina condensada - heterocromatina (hc) junto ao nucléolo e na

periferia, e cromatina dispersa - eucromatina (ec) em toda a área do nucleoplasma com organização

granular não compacta. No nucléolo distingue-se, o componente granular (3), os centros fibrilares (1)

rodeados por componente fibrilar denso (2). Observar os grânulos pericromatínicos (setas) com

diâmetro aproximado de 40 nm, e halo envolvente com 25 nm de espessura (setas).Este material foi

tratado para autorradiografia, observando-se alguns grãos de prata (círculos).

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ME - Matriz nuclear do hepatócito do rato

As matrizes nucleares foram obtidas a partir de núcleos isolados, extraídas com nucleases, detergentes

e tampões salinos. No invólucro nuclear residual, observam-se os complexos de poro nuclear (seta),

lâmina nuclear (L) e restos de membranas do invólucro (i). Observa-se grânulos intercromatínicos

(cabeça de seta). Os nucléolos apresentam-se muito compactados devido à acção química do processo

de extracção. A cromatina foi totalmente removida pela DNaseI que se utilizou.

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D - Nucléolo

Ver lâmina “Núcleo de célula do córtex supra-renal do rato”

Após a administração de 4-APP (4-aminopirazolopirimidina), o nucléolo fragmenta-se evidenciando

melhor algumas das suas estruturas: centro fibrilar (1), componente fibrilar (2), e componente granular

(3). Não se observa a cromatina condensada associada ao nucléolo. Este aspecto é devido à acção da

droga.

E - Núcleos em replicação de DNA

Supra-renal de rato. Detecção por imunocitoquímica do PCNA (Proliferating Cell

Nuclear Antigen). + hematoxilina

Cortes de glândula supra-renal de rato

foram incubados com anticorpo

primário, anti-PCNA, depois com um

secundário de cabra anti-ratinho e um

complexo de estreptavidina-peroxídase

que foi evidenciado com DAB.

Observam-se numerosos núcleos com

tonalidade castanha escura,

demonstrando a replicação do DNA, em

contraste com a coloração azul dos

restantes.

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Focos de replicação do núcleo

Observação por microscopia de fluorescência dos focos de replicação no núcleo celular em interfase de

células humanas em cultura, onde é evidente co-localização (amarelo-figura da direita) do PCNA (Red

fluorescent protein RFP-vermelho) e da DNApolimerase (green flourescent protein GFP - verde). De

modo a exprimir as duas proteínas fluorescentes, transfectaram-se as células com plasmídeos contendo

o cDNA do PCNA, e DNApolimerase em fusão com cDNA codificantes para as RFP e GFP,

respectivamente.

F - Transcrição e splicing do mRNA

Domínios de transcrição e speckles

Observação por imunofluorescência da localização da histona H3 hiperacetilada (vermelho) no núcleo

em interfase de fibroblastos humanos. O DNA está corado de azul pelo DAPI (figura A). Evidência de que

a hiperacetilação da histona H3 (vermelho) co-localiza com os focos de transcrição (figura B), onde

ocorre incorporação de bromo-uridina BrU (verde) na síntese de RNA. Na figura C observa-se os speckles

que correspondem aos grânulos intercromatínicos evidentes em TEM, e que acumulam pequenas RNP

que efectuam o splicing dos mRNAs. A sua distribuição assemelha-se à dos focos de transcrição dos

mRNAs.

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ME - Núcleos isolados a partir de células do córtex suprarrenal

A fracção de núcleos foi obtida por ultracentrifugação (90.000g). Observam-se os vários componentes

de núcleo - heterocromatina (hc), eucromatina (ec), nucléolo compactado (nu) e grânulos

intercromatínicos (speckles) em grupos, com diâmetro de 20 - 25 nm (cabeça de seta).

Corpos de Cajal

Identificação da proteína coilina por imunofluorescência, e de pequenos RNAs por hibridação in situ nos

corpos de Cajal em células HeLa (branco-resultante da sobreposição de vários fluorocromos), O DNA

está corado com DAPI azul. No painel da direita observa-se uma grande ampliação de um corpo de Cajal

após imunocitoquímica ultra-estrutural da proteína coilina, detectada com um anticorpo primário anti-

coilina, e um secundário conjugado com partículas de ouro coloidal de 5 nm (setas).