Benhabin_Subjetividade Feminina

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    AFINAL, O QUE UMA MULHER?

    SIMONE DE BEAUVOIR E A QUESTO DO SUJEITO

    NA TEORIA CRTICA FEMINISTAIngrid Cyfer*

    * Agradeo Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp)

    pela concesso da Bolsa de Pesquisa no Exterior(BPE) que financiou a pesquisada qual resultou este artigo.

    A recepo de O segundo sexode Simone de Beauvoir foi eainda bastante controversa. Apesar disso, Beauvoir decla-rou que, de todos os seus livros, O segundo sexo foi o que

    lhe trouxe maiores satisfaes e que jamais deixou de cor-roborar as ideias fundamentais dessa obra (Beauvoir, 2009[1963], p. 217). Essas ideias, como se sabe, constituramum dos principais marcos tericos do feminismo, mas, secomparado a seu auge nas dcadas de 1960 e 1970, pode-sedizer que perdeu espao no debate terico.

    Na Frana, o declnio da importncia de Beauvoir paraa teoria feminista costuma ser atribudo ascenso do ps-

    -estruturalismo e influncia que essa corrente teve no femi-nismo. Nesse contexto, a maior parte da produo acadmi-ca sobre Beauvoir migra para os Estados Unidos, a ponto de,como observa Toril Moi (1990, p. 25), na dcada de 1980,dez dos treze livros sobre Beauvoir terem sido publicadosnaquele pas. No entanto, foi somente aps a sua morte, em

    DOI: http://dx.doi.org/

    10.1590/0102-64452015009400003

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    1986, e a publicao de seus escritos privados, que a contri-buio filosfica de Beauvoir seria realmente reconhecidamesmo nos Estados Unidos. Esse renascimento dos estu-

    dos de Beauvoir, porm, ser muito rapidamente ofuscadopelo forte apelo que o ps-estruturalismo francs passaria aexercer na reflexo feminista norte-americana na dcada de1990, em particular aps a publicao de Problemas de gnero,de Judith Butler (2003 [1990]).

    O livro de Butler tornou-se uma referncia terica cen-tral para o feminismo em todo o mundo, tendo gerado mui-tos debates, dos quais um dos mais importantes, do ponto

    de vista da teoria poltica, corresponde discusso entreButler e Seyla Benhabib. As autoras divergem fundamen-talmente em relao concepo de sujeito e suas implica-es na ao poltica. Benhabib identifica-se com a vertenteda teoria crtica, para a qual possvel e necessrio man-ter a teoria comprometida com uma concepo normativade igualdade; enquanto Butler equipara discursos igualit-

    rios a discursos de poder, mesmo quando so formuladose mobilizados por movimentos sociais como o feminismo.Nessa discusso, Judith Butler levanta importantes

    questes tericas e polticas que a teoria feminista passou aenfrentar de modo mais contundente. No entanto, o modocomo Butler sustenta teoricamente sua crtica ao sujei-to abstrato compromete a ideia de ao poltica capaz detransformar ou mesmo ultrapassar assimetrias sociais. Por

    isso, nesse embate, Benhabib parece estar correta em assi-nalar que, para criticar a essencializao do sujeito do femi-nismo e sua ilusria universalidade, no necessrio (nemtampouco desejvel) abdicar da justificao de concepesde igualdade de gnero normativas1.

    1 Discuto essa questo em minha tese de doutorado A tenso entre o feminismo mo-derno e ps-moderno na crtica excluso no feminismo(FFLCH-USP, 2009) e no texto

    que apresentei na Critical Theory Roundtable,de 2014, emDartmouth College, Thetension between inclusion and exclusion in Judith Butlers work; disponvel em

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    na tentativa de defender essa ideia que Benhabib irformular sua prpria concepo de sujeito,o self narrativo,com a qual procura explicitar o modo como concilia a con-

    textualizao do sujeito e sua capacidade de transformar ocontexto. No entanto, conforme salienta Amy Allen (2007,pp. 169-70), Benhabib no completamente bem-sucedidanessa tarefa porque prope uma concepo de ncleo doselfneutro em relao ao gnero. Esse, por assim dizer, dfi-cit de contextualizao parece estar relacionado ao fato deBenhabib no ter explorado a relao entre corpo e subje-tividade com a profundidade necessria para sustentar que,

    assim como no h um ncleo do selfanterior ao contextohistrico, tampouco h um ncleo do selfsem gnero.

    O principal argumento deste artigo o de que o con-ceito de mulher que Beauvoir prope em O segundo sexooferece a relao entre corpo e subjetividade que falta aBenhabib, complementando sua concepo de subjetivi-dade de modo a dar conta dos projetos tericos e polti-

    cos que motivam a reflexo de Benhabib sobre o sujeitodo feminismo. Em outras palavras, o objetivo integrar areflexo sobre a subjetividade da mulher em Beauvoir aoprograma de Benhabib de encontrar respostas para duasquestes fundamentais: (1) como possvel contextualizaro sujeito sem reduzi-lo a mero efeito do contexto, despro-

    vido de intencionalidade? e (2) como conciliar a crtica aosujeito universal sem comprometer a possibilidade de justi-

    ficar princpios morais e polticos igualitrios? (Benhabib,1999, p. 338).

    Nas duas primeiras sees do artigo, apresento breve-mente o debate terico sobre a articulao entre subjeti-

    vidade e ao poltica em Butler e Benhabib, para entoapontar a contribuio de Beauvoir nessa discusso.

    (ltimo acesso em: 13 fev. 2015).

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    que Butler denuncia as excluses engendradas pelo sujeitouniversal, mesmo em movimentos que reivindicam para si opapel de crticos do sistema de poder vigente, como o femi-

    nismo. Seu principal argumento, portanto, o de que osujeito que representa as demandas das mulheres tambmum produto das relaes de poder que pretende combater(Butler, 2007 [1990], p. 18).

    Seguindo Foucault, Butler (2003, p. 18) sustenta que asnoes jurdicas de poder que definem proibies, o incor-reto e a excluso no regulam a vida poltica apenas emtermos negativos. Elas tambm produzem o padro correto,

    os critrios de incluso e inteligibilidade. Assim, os sujeitosno so apenas oprimidos ou regulados por essas normas,eles so tambm seu produto.

    Nessa perspectiva, a crtica feminista s relaes depoder opressoras v-se, portanto, enredada em um para-doxo, uma vez que a mulher universal representada pelofeminismo produto das mesmas relaes de poder que

    pretende combater. Por isso, o feminismo deve, segundoButler, evitar a estratgia poltica de buscar a causa abran-gente da dominao da mulher, bem como a de definir osujeito universal subordinado a essa dominao, pois des-se modo legitima domnios de excluso dentro do prpriofeminismo (Butler, 2003, p. 19).

    Em substituio a essa estratgia, Butler prope comotarefa primordial do feminismo trazer tona o processo de

    produo da mulher universal pelas estruturas de poder,revelando as excluses que delas decorrem e que so porelas encobertas. Isso o que Butler (2003, pp. 21-23) deno-mina genealogia feminista da categoria das mulheres.

    Em Problemas de gnero, portanto, Butler (2007, p. 9)no est engajada em encontrar uma identidade sexualgenuna ou autntica que a represso impede de ver2. Ao

    2 Todas as tradues de citaes foram feitas pela autora para este artigo.

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    contrrio, seu objetivo investigar as prticas, discursos einstituies que geram identidades, mas que designam estasltimas como sua causa e origem. A tarefa da genealogia

    feminista consistir, em suma, em desvelar o processo deproduo das identidades de gnero, alternando o centra-mento e o descentramento nas normas que as constituem,uma vez que essa alternncia que abala sua normalizaoe as excluses que delas decorrem.

    A principal norma na produo das identidades degnero em Butler a obrigatoriedade da heterossexualida-de ou, nos termos dela, a heteronormatividade.A heterosse-

    xualidade no , porm, uma forma de viver a sexualidadecircunscrita intimidade. Ela deve ser atestada publica-mente pelo enquadramento em padres comportamentaisque aludem heterossexualidade. Assim, ser reconhecidosocialmente como homem ou mulher ser uma condioalcanada pela manifestao pblica de comportamentosassociados masculinidade e feminilidade. por isso

    que Butler afirma que o gnero performativo, ou seja, pro-duzido por modos de agir identificveis como masculinose femininos. Assim, a alegada existncia de uma essnciafeminina ou masculina seria um produto dessa performan-ce, e no o contrrio. a repetio reiterada desses com-portamentos que criaria a iluso de que sua origem estem uma essncia natural que precede e transcende a vidasocial, ou seja, as identidades de gnero so produzidas

    pelas regras de feminilidade e masculinidade que o com-portamento de homens e mulheres supostamente apenasrepresenta (Butler, 1993, p. 12).

    A concepo de gnero performativo de Butler remetea uma concepo de crtica tambm performativa. Se noh um espao fora do poder, a crtica s identidades degnero ser tambm produzida nesse contexto. No entanto,a performance crtica ser aquela que, em vez de confirmaras regras de feminilidade e masculinidade, as ir proble-

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    matizar (trouble), ou seja, so performances que desestabi-lizam a coerncia entre comportamento, orientao sexuale identidade de gnero. Esse o movimento de centrar-se

    e descentrar-se nas normas, a que Butler se refere quandodefine a genealogia feminista.A possibilidade dessa dinmica que traz tona a ins-

    tabilidade das definies est sempre presente porquea performance integra um modelo lingustico de ao,segundo o qual a repetio e a inovao, a necessidade ea contingncia so articuladas na possibilidade de ressig-nificao. O exemplo que menciona para ilustrar a cr-

    tica como performance o da drag queen. A dragpertur-ba a coerncia do sujeito mulher ou homem porqueconfunde comportamentos associados ao masculino e aofeminino em uma mesma performance. Quando um cor-po biologicamente identificado como masculino cumpreas normas sociais da feminilidade, a expectativa de coern-cia entre a dimenso prescritiva da identidade de gnero

    e sua realizao frustrada. Essa uma performance queabala a certeza de que a feminilidade um atributo natu-ral de corpos anatomicamente femininos (Butler, 2003, p.195). Essa desestabilizao a ressignificao dos padresde masculinidade e feminilidade que a drag queenexpressacom sua performance. Ou seja, a dragatua de modo a con-ferir ao feminino e ao masculino um significado divergen-te dos padres de gnero hegemnicos, mas esse novo sig-

    nificado no produzido por uma crtica externa de umagente dotado da inteno de question-los, mas sim poruma crtica que se apropria dos esteretipos de gnero emum contexto em que seu significado original subvertido(Butler, 2007, p. xxiv).

    A ressignificao, em sntese, pe em dvida aquiloque normalmente assumido automaticamente como real,como natural. Essa problematizao no em si mesmauma revoluo poltica, mas, como diz a autora, nenhuma

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    revoluo poltica possvel sem uma mudana radical emnossa noo sobre o que possvel e o que real (Butler,2007, p. xxiv).

    No entanto, para algumas importantes interlocuto-ras de Butler, sua concepo de sujeito implica uma con-cepo de crtica to modesta que no possvel nem aomenos sonhar com uma revoluo poltica que emancipeas mulheres de sua opresso. Na leitura de Seyla Benhabib,com o objetivo de situar o sujeito do feminismo, Butler oteria privado de seu potencial emancipatrio. Isso porque,ao assumir como necessria a relao entre normatividade e

    excluso, Butler teria sido obrigada a reduzir a crtica femi-nista mera descrio das condies de validade da ao edo conhecimento em determinados contextos, comprome-tendo sua funo de justific-las (Benhabib, 1992, pp. 216-17). O ponto central de Benhabib, portanto, o de queas investigaes sobre validade supem critrios normativosque, para Butler, nada mais so do que discursos de poder,

    e, sem um critrio normativo, no seria possvel qualificara discriminao de gnero, ou as excluses dentro do pr-prio feminismo, como algo a ser combatido.

    Nesse mesmo sentido, Nancy Fraser afirma que, emButler, a concepo de espao social necessariamente assi-mtrico, que herda de Foucault, funciona em seu argumen-to para desqualificar a dimenso normativa da teoria femi-nista como mais um discurso de poder. Mas, segundo Fraser,

    a rejeio de Butler a concepes normativas de igualdadeencobre uma concepo de incluso intuitiva que no teo-ricamente justificada nem tampouco discutida.

    Estou absolutamente convencida de que o que quer queButler diga que est fazendo em Problemas de gneroouem qualquer outro lugar, seu trabalho absolutamentesaturado por todos os tipos de demandas normativas. Ela,como Foucault, resistiu ideia de explicar o que aquelas

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    demandas so e de refletir sobre a perspectiva normativaque est por trs delas, rejeitando a ideia que deveriajustificar essa perspectiva. Isso parece problemtico para

    mim. Penso que uma crtica responsvel requer, em algumponto, que voc explicite a base normativa de sua crtica etente defend-la de uma perspectiva normativa justificada,dado o fato de que voc no pode assumir que isso sejacompartilhado por todos (Fraser, 2011, p. 205).

    Seyla Benhabib e Nancy Fraser apontam, portanto, paraas implicaes da crtica ao sujeito do feminismo em Judith

    Butler e a prpria possibilidade de o movimento vislumbrare lutar por uma concepo de igualdade de gnero. Noespao social assimtrico em que os sujeitos so produzidos,no h lugar para qualquer concepo de igualdade norma-tiva que justifique critrios que identifiquem as desigualda-des a serem contestadas pelo feminismo. No entanto, Frasere Benhabib tampouco consideram o recuo ao sujeito pr-

    -social mais promissor para a crtica feminista pelas razesque Butler muito bem diagnosticou em Problemas de gnero.Assim, o dilema terico que o sujeito em Butler apresenta o de situar o sujeito em seu contexto, sem com isso invalidara ideia de que a crtica ao contexto requer uma concepode igualdade normativa. A fim de encontrar uma sada paraesse dilema, Benhabib formula sua prpria concepo desujeito: o self narrativo3.

    3 Nancy Fraser enfrenta esse mesmo dilema, mas o faz de modo distinto. Em vezde formular outra concepo de sujeito, Fraser incorpora o sujeito de Butler, pro-duzido por relaes de poder, pois, em sua viso, Butler oferece ferramentas teri-cas para a realizao do diagnstico da desigualdade que faltariam a Benhabib. Noentanto, Fraser afirma tambm que Butler no teria avanado na reflexo sobreconcepes de igualdade de gnero porque teria se recusado a justificar a normativi-dade implcita em sua crtica excluso. Por isso, Fraser considera que entre Butlere Benhabib h uma falsa anttese. O projeto de Nancy Fraser de combinar o diag-nstico da desigualdade de Butler com o prognstico da igualdade de Benhabib foi

    objeto de minha tese de doutorado, defendida em 2009 (ver nota de rodap 1 desteartigo). Nesse trabalho, minha concluso foi a de que no possvel introduzir uma

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    Seyla Benhabib: oself narrativoDe acordo com Seyla Benhabib, uma das principais tarefasda teoria feminista contempornea encontrar respostas

    para a seguinte pergunta: como podemos ser constitudospor discursos sem sermos determinados por eles?A resposta de Benhabib j est sugerida em seus textos

    mais antigos, como em Critique, norm and utopia(de 1986),em Situating the self(de 1992) e em The reluctant modernismof Hannah Arendt (de 1996). No entanto, a elaborao deum concepo de subjetividade s foi explicitamente arti-culada depois e a partir de seu debate com Judith Butler

    em um artigo intitulado Sexual difference and collectiveidentities: the new global constellation (Benhabib, 1999).

    O debate com Judith Butler uma etapa importanteda formulao do conceito de self narrativo4de Benhabib,porque Butler quem tematiza a relao entre sujeito dofeminismo e ao poltica, explicitando o problema daexcluso inerente universalizao do sujeito. Alm dis-

    so, a radicalidade da crtica de Butler ao sujeito introduzna agenda da teoria feminista reflexes sobre o risco de secolocar em xeque a prpria possibilidade de ao poltica.

    Assim, foi sobretudo tentando encontrar respostas para asprovocaes tericas e polticas em Problemas de gnero, que

    concepo de igualdade normativa no diagnstico de Butler. Isso se d porque taldiagnstico est assentado no modo como ela concebe o espao social, um espao

    em que todo discurso normativo um discurso de poder que estabelece e legitimadesigualdades. Tendo essa concluso como ponto de partida, assumo a necessida-de de buscar outra concepo de sujeito, distinta tanto do sujeito abstrato comodo sujeito produzido pelo poder, cujas implicaes polticas sejam compatveiscom a formulao de critrios normativos que distingam incluso de excluso,e igualdades de desigualdades de gnero dentro e fora do movimento feminista.4 Benhabib afirma que, em seu modelo narrativo, no h distino entre selfeidentidade. A diferena atribuda a esses conceitos deve-se ao que ela chama depreconceito ps-moderno com a identidade, que presume que ela seja necessa-riamente uniforme e estvel, enquanto o selfseria fragmentado e provisrio. Noentanto, o objetivo de Benhabib justamente contestar esse preconceito, susten-

    tando que identidades sociais, como a mulher, no so necessariamente uma reifi-cao de uma essncia universal feminina (Benhabib, 1999, p. 353).

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    Benhabib enfrentou diretamente o desafio de articular umaconcepo de subjetividade cuja contextualizao no com-prometa o potencial crtico do feminismo.

    Benhabib reconhece que, aps os debates iniciais comButler, suas divergncias mostraram-se menores do que apa-rentavam ser nas primeiras discusses. Em obras posterioresa Problemas de gnero, como Bodies that matter: on the discursi-ve limits of sex(de 1993)eExcitable speech: a politics of the

    performative(de 1997), Butler esclarece melhor sua concep-o de ressignificao, em relao qual Benhabib no fazqualquer objeo. A divergncia terica que persiste entre

    as autoras, porm, relevante e pode ser sintetizada naseguinte questo: pode haver ressignificao e resistnciasem comunicao? (Benhabib, 1999, p. 340). A resposta deButler afirmativa, e a de Benhabib, negativa.

    Para Butler, a ressignificao produto da relao dosujeito com o discurso. A perspectiva dos participantes daperformance, seja a que confirma a norma como a que a

    ressignifica, no relevante, de modo que no h comodiferenciar performances irrefletidas de atitudes delibera-das que buscam determinado resultado poltico. Por isso,Benhabib (1999, pp. 340-41) sustenta que Butler sacrificoua intencionalidade da ao poltica e da subverso junta-mente com o sujeito5.

    A impossibilidade de articular a intencionalidade dosujeito com a ressignificao fica bastante clara no exemplo

    da drag queen, uma vez que, como foi dito, sua performanceno resulta de uma disposio deliberada de ressignificar anorma. A ressignificao resulta da expresso de sua perfor-mance que desestabiliza os padres hegemnicos, a despei-to da inteno do sujeito engajado na performance.

    5 Susan Bordo viu na forma lingustica de compreender a significao cultural asso-ciada celebrao da subverso como sintoma de volutarismo e no determinismo.

    Para Bordo, Butler sugere que a resistncia opresso de gnero deriva simples-mente da decisode parodiar as normas de gnero (Bordo, 1993, pp. 293-94).

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    A perda da intencionalidade uma consequncianecessria, conforme aponta Benhabib, da desconfianade Butler em relao a todo discurso normativo, inclusive a

    qualquer concepo de igualdade. Por isso, no h para osujeito performativo de Butler a possibilidade de questionarvalores e de conceber arranjos sociais e polticos mais igua-litrios, uma vez que, para isso, Butler teria de conceber aressignificao como uma ao poltica voltada no apenaspara os discursos de poder, mas tambm para outros sujei-tos, em relaes de comunicao6.

    Esse exatamente o projeto de Benhabib. Sua ideia

    fundamental a de que ns somos constitudos por hist-rias das quais somos ao mesmo tempo autores e ouvintes;ns nascemos em uma teia de relaes e histrias huma-nas, metfora que toma emprestada de Hannah Arendt(2000, pp. 194-200) para designar o feixe de conexes invi-sveis entre os seres humanos que constituem o horizon-tede suas interaes. Horizonte que, por sua vez, corres-

    ponde, em seu sentido fenomenolgico, s referncias quetomamos como certas quando estamos no mundo. Assim,as redes de relaes humanas e as histrias que emergemdessas relaes constituem o pano de fundo no qual a vidahumana se desenvolver (Benhabib, 2003, p. 112)7.

    6 Em seu trabalho mais recente, Butler introduz a relao com o Outro no processode formao da subjetividade. Mas ela o faz distanciando-se do quadro terico

    que embasou sua tese em Problemas de gnero. Nessa mudana, Butler se aproximade E. Levinas, a fim de complementar a relao do sujeito com o poder com umaconcepo de intersubjetividade capaz de embasar uma tica da no violncia.

    Ver,especialmente, Levinas (2011 [1961]) e Butler (2004 e 2005).7 O conceito de teia de relaes humanas que Seyla Benhabib mobiliza paraformular seu conceito de self narrativofoi elaborado por Hannah Arendt em A con-dio humana.Benhabib, porm, apropria-se desse conceito a propsito de sua dis-cusso sobre a contextualizao do sujeito, tendo em vista o problema do sujeitodo feminismo. Por isso, seu foco est nas narrativas de gnero nas redes de inter-locuo (webs of interlocution, na expresso de Benhabib), uma questo que no foiabordada por Arendt. Trata-se, portanto, como diz Benhabib, de uma apropriao

    do conceito de Arendt que pretende lev-lo para alm da prpria Arendt, mas quereivindica ser consistente com o pensamento da autora (Benhabib, 2003, p. 214).

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    Benhabib insiste, porm, que esses horizontes noso o componente determinante da subjetividade. Embo-ra estejamos imersos nas redes que forjam esse horizonte,

    nossa identidade ser constituda de acordo com asatitudesque tomamos em relao a ele (Benhabib, 1999, p. 346).O sujeito, portanto, no se define por um ncleo coeren-te e estvel de significados que j est pronto antes de nas-cermos, mas sim pela capacidade de atribuirmos significadonossa histria de vida, nossa capacidade de narrar. Mas essacapacidade sempre exercida no contato intersubjetivo emum contexto em que j h vrios significados socialmente

    validados (Benhabib, 1999, p. 346).As identidades de gnero, dessa perspectiva, correspon-

    dem tambm a narrativas, geralmente s primeiras narrativasem que nos vemos envolvidos, e, por isso, costumam ser oponto de partida para a construo das demais macronar-rativas. Essas primeiras narrativas, porm, no equivalem essncia humana, no formam um ncleo imutvel, uma vez

    que a capacidade de narrao no presume ou se relacionaao assunto da histria que contada; ela se refere somenteao processo formal de narrao (Benhabib, 1999, p. 344).

    Benhabib, portanto, no corrobora o sujeito pr-sociale reificado, alvo das crticas de Butler. Afinal, o selfnarrativo uma criao conjunta de todos os participantes da rededa qual fazemos parte. E essa criao ser sempre precriae provisria porque nossa narrativa ser sempre revisada.

    Nem mesmo nossas lembranas passadas so estveis, poiselas somente podem ser revividas atravs de narrativas dopresente (Benhabib, 1999, p. 346).

    O self narrativo, em suma, constitui-se na prpria ao,entendida como um processo comunicativo que perduradurante toda a existncia. Nesse processo, somos narra-dores de nossa prpria histria, mas isso no nos d totaldomnio sobre quem somos ou seremos, pois ns nosomos os nicos autores dessas narrativas, as quais so cons-

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    trudas em relaes intersubjetivas em que nossos interlo-cutores interpretam nossa fala e tentam conciliar nossa his-tria de vida com a narrao de sua prpria histria. Isso

    significa que ningum livre para inventar a si mesmo,pois nossas narrativas afetam e condicionam as das demaispessoas e vice-versa.

    Segundo Benhabib, sua concepo de sujeito distingue--se da de Butler no porque a de Butler seja contextualizadae a sua abstrata, como acredita Butler, mas sim em razo daforma como concebem o contexto. Em Butler, ele neces-sariamente assimtrico, tecido unicamente por relaes

    de poder, enquanto em Benhabib as redes de relaciona-mento envolvem assimetrias e diferenas, bem como sime-trias e igualdades (Benhabib, 2003 [1996], p. 112). So teiasde comunicao cuja dinmica marcada pelapluralidade,entendida aqui no sentido arendtiano, ou seja, como con-dio da ao humana pelo fato de sermos todos os mes-mos, isto , humanos, sem que ningum seja exatamente

    igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venhaa existir (Arendt, 2000, p. 16).Assim, as relaes intersubjetivas nas redes de comuni-

    cao em Benhabib comportam ao mesmo tempo a singu-laridade e a igualdade entre os seres humanos. Por isso, suaconcepo de subjetividade distingue-se da homogeneiza-o e reificao da identidade, que anularia a condio dapluralidade, sem com isso reduzir todo discurso normativo

    a discurso de poder, como faz Butler. Afinal, o espao socialdo qual esses discursos emergem, embora sejam atravessa-dos por assimetrias e diferenas, so tambm permeadospela igualdade que permite a comunicao entre os sereshumanos (Benhabib, 1999, pp. 112, 343).

    No entanto, conforme assinala Amy Allen (2007),embora Benhabib tenha avanado muito na contextuali-zao do sujeito, a conexo entre identidade e dominaode gnero no self narrativoparece ter sido subestimada em

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    seu argumento. Isso porque o ncleo do self, a capacidade denarrar, descrita como uma capacidade neutra quanto aognero. O problema disso est em que se considerando

    [...] o quo difusamente nossa realidade cultural e social formada pela diferena e dominao de gnero, deve-seesperar que essas capacidades tambm sejam generificadas[gendered]. [] Apelar simplesmente para o processoestrutural de individuao e socializao de capacidadesformais do selfno leva adiante a disputa [entre Butlere Benhabib]. [] Os processos formais e estruturais

    so tambm articulados de um ponto de vista situado econtextualizado, e perfilado por relaes de poder de gnero.[] Benhabib est, sem dvida, correta em argumentarque o desafio da teoria crtica feminista responder questo: como podemos ser constitudos pelo discurso semsermos determinados por ele?. No entanto, pelo fato desua concepo obscurecer o papel que o gnero e o poder

    cumprem na constituio do self narrativo,ela subestima aprofundidade do problema (Allen, 2007, pp. 169-70).

    A consequncia poltica do selfneutro quanto ao gnero simplificar as relaes entre gnero e poder, o que permi-te a Benhabib chegar com certa facilidade a uma conclusootimista acerca da possibilidade de conciliar a contextuali-zao do sujeito com a intencionalidade na ao poltica.

    A fim de superar essa fragilidade no argumento deBenhabib, seria necessrio generificar (to gender) a pr-pria capacidade de narrar, pois, como foi dito, as diferenasde gnero a impactam tanto quanto o contedo da narra-tiva (Allen, 2007, p. 170). Mas, para enfrentar essa questo,seria preciso explorar a relao entre corpo e subjetividademais profundamente do que Benhabib o faz, uma vez quea materialidade corporal e sua relao com essncias natu-rais, metafsicas ou cientficas inerentes ao masculino ou ao

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    feminino esto invariavelmente presentes nos discursos dediferena e dominao de gnero.

    A limitao da corporificao (embodiment) do selfnar-

    rativo de Benhabib parece estar associada relao proble-mtica entre corpo e poltica em Hannah Arendt. Ao inspi-rar-se na concepo de selfde Arendt, Benhabib parece terherdado dela um selfcontextualizado, mas ainda assim nosuficientemente enraizado em seu corpo.

    Hannah Arendt no ignora o corpo, como fazem tantostericos polticos, mas o v como um fardo inescapvel, querepresenta uma ameaa pluralidade (Zerilli, 1995, p. 171; e

    Tambornino, 1999, p. 172). Em A condio humana, o corpodoanimal laboranso aprisiona no ciclo interminvel da natu-reza, a partir do qual nada de novo criado. O corpo nosimpe necessidades previsveis e escravizantes. Alm disso,no remete relao com o mundo. O corpo nos isola enos concentra na atividade de mant-lo em funcionamento(Arendt, 2000, pp. 90-92). , portanto, radicalmente dife-

    rente da poltica.A poltica est relacionada ao novo em Arendt justa-mente porque se realiza por meio de atos e vontades quepoderiam ser diferentes, que so imprevisveis. O corpo,conforme sua descrio, , ao contrrio, o lugar dos apetitese pulses que no nos deixam escolha. Mas no esse tipode desejo que move a ao. A poltica feita da vontade, eno da necessidade (Arendt, 1981, p. 35).

    No entanto, h tambm outra vertente na abordagemdo corpo em Arendt (2000, p. 297), em que sua relao comcondicionantes sociais tem maior destaque, como quan-do afirma que a modernidade alterou nossa relao como mundo, o funcionamento da vida e at mesmo o corpodos cidados. EmA vida do esprito, Arendt aprofunda essaideia aproximando-se do filsofo da carne, como chamaMerleau Ponty, para recuperar a ideia de boa ambiguida-de, ou seja, a condio de sermos simultaneamente sujeito

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    e objeto, perceptores e percebidos, corpo e mente (Arendt,2002, pp. 27 e ss.)8. No entanto, no conjunto de sua obraprevalece a ideia de que

    [...] pensamento e poltica [so definidos] em oposioao corpo. [Nas] formulaes em que enfatiza a fraqueza eimutablidade do corpo, essa pode ser uma posio vivel.No entanto, suas outras formulaes, que reconhecem aindisciplina do corpo e seu entrelaamento na sociedade,tornam sua desateno poltica com o corpo muito menosvivel (Tambornino, 1999, p. 185).

    Como se v, h tendncias contraditrias na formacomo Arendt aborda o corpo e sua relao com a sociedadee a poltica. Essas contradies, por sua vez, afetam direta-mente a consistncia de sua concepo de poltica. Esse

    justamente o tipo de incongruncia que Benhabib explorapara, em suas palavras, usar Arendt contra Arendt.

    No entanto, esse projeto de Benhabib parece mais fru-tfero quando busca encontrar a normatividade intrnsecano argumento de Arendt do que quando se trata de con-textualizar o corpo. Isso porque o corpo contextualizadoarendtiano tampouco sexuado. As diferenas sociais noincluem diferenas de gnero, pois estas no so relevantespoliticamente em nenhuma das concepes de corpo queprope (Kristeva, 1986, p. 191).

    Algumas tericas feministas consideram que isso noseja propriamente uma falha, mas sim uma inspirao paraa desconstruo do corpo biolgico. Linda Zerilli, porexemplo, afirma que:

    8 Agradeo a Seyla Benhabib por me indicar que a compatibilidade entre suaconcepo de self narrativoe a subjetividade corporificada de Beauvoir est sugeridana apropriao que Arendt faz de Merleau-Ponty em A vida do esprito. Conforme

    se ver na seo seguinte, Beauvoir recorre ao mesmo filsofo para articular corpoe mente, sujeito e objeto e liberdade e opresso.

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    Quando as feministas se apressam em corrigir acegueira de gnero em Arendt, elas tambm podemse comprometer com a reinscrio da diferena sexual,

    que muito frequentemente serve como uma tela queencobre a experincia de ter um corpo. Na leitura dognero com base na concepo no feminista de Arendtde cidade-estado, por exemplo, as feministas citam adiferena sexual como se elas tivessem um significadosimblico e histrico predeterminado. Mas elas tem?Se Judith Butler estiver certa quando diz que no hreferncia a um corpo que no seja ao mesmo tempo

    uma futura formao daquele corpo, as refernciasfeministas falta de corpos sexuados nas cidades-estadode Arendt so descritivas e, enquanto tal, performativas:feministas do forma ao prprio corpo que descreveme ento os materializam. Mas a crtica feminista, comoeu a entendo, deve desprender-se da ideia que o gneropossui em nosso imaginrio cultural e no nosso quadrointerpretativo. E a cegueira de Hannah Arendt emrelao ao gnero pode, na realidade, nos ajudar nessadifcil tarefa (Zerilli, 1995, p. 188; grifo no original).

    A apropriao feminista de Arendt que Zerilli propeest embasada na relao entre corpo e subjetividade talcomo proposta por Judith Butler. Para Benhabib, porm,essa interpretao no atraente em funo de suas impli-

    caes no conceito de autonomia e igualdade de gnero.Conforme comentado anteriormente, precisamente poressa razo que Benhabib busca em Arendt recursos tericospara formular uma concepo alternativa de self.

    Assim, ao formular seu conceito de selfa partir da con-cepo de intersubjetividade de Arendt, sem aderir leitu-ra feminista ps-moderna, Benhabib fica sem recursos paracorporificar e, sobretudo, para generificar (to gender) seuselfnarrativo.

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    O dilema que decorre dessa anlise parece sugerir queno h alternativas intermedirias que superem a polariza-o epistemolgica que o debate entre Butler e Benhabib

    representa. Nesse cenrio, a melhor estratgia para fugirdessa polarizao parece ser a combinao de alguns ele-mentos de cada um desses polos9.

    Mas, se no parece haver rota de fuga na tenso entrecontextualizao corporificada do sujeito e a justificao deconcepes de autonomia e igualdade de gnero, porquenesse debate o sujeito iluminista e o ps-moderno aparecemcomo as nicas opes no cardpio. Felizmente, porm, o

    menu mais variado.

    Simone de Beauvoir: a mulher como o segundo sexoEu disse como esse livro [O segundo sexo] foi concebido; quase

    fortuitamente, querendo falar de mim, percebi que precisavadescrever a condio das mulheres [] Tentei pr em ordem noquadro, primeira vista incoerente, que se ofereceu a mim: em

    todo caso, o homem se colocava como o Sujeito e considerava amulher como um objeto, o Outro. [] Um dos mal-entendidosque meu livro suscitou foi que se pensou que nele eu negava

    qualquer diferena entre homens e mulheres: ao contrrio, aoescrev-lo medi o que os separa; o que sustentei foi que essas

    dessemelhanas so de ordem cultural e no natural. Conteisistematicamente como elas se criam, da infncia velhice,

    examinei as possibilidade que este mundo oferece s mulheres, as

    que lhes so recusadas, seus limites, suas oportunidades e faltasde oportunidade, suas evases, suas realizaes.

    SIMONEDEBEAUVOIR

    Na passagem acima de sua biografia, escrita em 1963,Beauvoir (2009, pp. 210-11) sintetiza os dois problemas cen-trais de O segundo sexo. Um deles j est sugerido no prprio

    9 Nancy Fraser escolhe exatamente este ltimo caminho. Ver nota 3 deste artigo.

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    ttulo: a mulher o no sujeito, o Outro, o segundo. Ooutro problema diz respeito forma como justifica esse argu-mento. Ser o Outro no uma condio determinada pela

    natureza. a cultura que define a experincia da mulherdesse modo. Essas ideias, porm, nem sempre foram inter-pretadas dessa forma. Em parte porque a recepo de Osegundo sexoentre seus contemporneos foi marcada por hos-tilidades pessoais. Acusaram-na de ser neurtica, frustrada,uma deserdada, uma mulher-macho, uma invejosa, amargu-rada repleta de complexos de inferioridade com relao aoshomens, com relao s mulheres, roda pelo ressentimento

    (Beauvoir, 2009, p. 214). Essas reaes agressivas poderiamser explicadas com sua prpria tese sobre a condio femi-nina, pois as crticas ao livro desqualificaram a autora comoagente e intelectual (Moi, 1990, p. 23).

    No entanto, h ainda outros dois fatores relevantes quepodem ter conduzido a problemas de leitura e interpreta-o da obra. Um deles justamente o que, segundo Nancy

    Bauer (2001, pp. 173-74), corresponde ao ponto no qualreside a originalidade da obra: os dois registros em que foiescrita. Um deles refere-se ao ordinrio, ao cotidiano; e ooutro, ao filosfico. Uma das primeiras resenhas do livronos Estados Unidos, escrita por Elizabeth Hardwick (1953,p. 321), qualificou o livro como brilhantemente confusoexatamente por isso.

    Finalmente, a ltima e importante razo que pode ter

    justificado a minimizao da relevncia filosfica da obra o fato de a prpria Beauvoir no ter reivindicado para siqualquer originalidade nesse campo. Foi ela mesma que sedefiniu como uma discpula de Sartre; o que, ironicamen-te, talvez possa ser tambm explicado com sua tese em Osegundo sexo. Ela se considerava original no campo da litera-tura, mas na filosofia afirmava ter aderido completamentes ideias de Sartre em O ser e o nada e Crtica da razo dialtica(Kruks, 1995, p. 80). Essa declarao foi tomada como ver-

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    dade absoluta por muitos anos, e justificou boa parte dascrticas que as feministas na dcada de 1970 e 1980 dirigi-ram a Osegundo sexo.

    Entre as mais recorrentes est a de que Beauvoir teriaaderido ao sujeito abstrato e voluntarista que subsiste em Oser e o nada, o que comprometeria a anlise das estruturas depoder que oprimem as mulheres. A consequncia imediatadisso seria a de responsabilizar a mulher pela prpria opres-so, de qualificar sua subordinao como m-f em sentidosartreano, ou seja, escolha de renunciar ao nus da liber-dade para eximir-se da responsabilidade por suas aes.

    Outra crtica frequente refere-se aos modos como Beau-voir relaciona corpo e subjetividade, em particular nos cap-tulos sobre biologia e maternidade. Segundo algumas leitu-ras, Beauvoir trata o corpo como algo sujo e indesejado, queaprisiona a mulher em suas funes biolgicas, o que, emltima anlise, implicaria abraar o determinismo biolgicoque a mais clebre frase do livro, no se nasce mulher, torna-se

    mulher, parece desmentir (Pillardi, 1995, pp. 34-35).Tais crticas, quase em unssono, conferiram a Beauvoir,dentro do feminismo do final dos anos de 1970 e na dcadade 1980, o statusde uma figura a ser venerada como umamusa, a me da segunda onda feminista, uma pioneira aser respeitada, mas cujas ideias remeteriam a um feminismolongnquo e ultrapassado (Kruks, 1992, pp. 94-96).

    No entanto, apesar de declarar-se publicamente como

    discpula de Sartre, as divergncias filosficas com seu par-ceiro no eram propriamente secretas. Uma leitura atentade O segundo sexo j sinaliza que Beauvoir est mais alertapara o impacto que as assimetrias sociais produzem na liber-dade do que Sartre admitira estar, particularmente em O sere o nada10.

    10 A liberdade voluntarista em O ser e o nada ser atenuada medida que Sartre se

    engaja em desenvolver uma filosofia social, que somente seria articulada comple-tamente emDialtica da razo (de 1960). Esse projeto, como assinala Sonia Kruks,

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    Em sua biografia publicada na dcada de 1960, tambmaparecem divergncias filosficas importantes entre elesno que se refere liberdade. Nessa obra, Beauvoir mencio-

    na cartas trocadas com Sartre em 1940, em que discutiam apossibilidade de a opresso aniquilar a liberdade, de modoque no mais fizesse sentido falar em m-f do oprimido. Oexemplo com qual Beauvoir contesta Sartre o da mulherem um harm: que transcendncia possvel a uma mulhertrancada em um harm?, questiona ela. Vinte anos depois,Beauvoir continuou corroborando essa crtica ao voluntaris-mo de Sartre, mas admitiu que, quando discutiram em 1940,

    ela no estava pronta para abdicar do individualismo comque ambos estavam engajados naquela poca.

    Apesar de essas divergncias estarem explcita ou impli-citamente presentes na obra de Beauvoir, foi somente apsa sua morte, em 1986, que surgiu uma considervel descon-fiana em relao fuso filosfica declarada entre ela eSartre. Sylvie Le Bon de Beauvoir, a filha adotiva de Simo-

    ne, autorizou a publicao de dirios, cartas e outros escri-tos privados que revelaram, alm de seus relacionamentossexuais com mulheres, muito mais distanciamentos filosfi-cos de Sartre do que Beauvoir esteve disposta a admitir empblico (Kruks, 1992 pp. 95 e ss.; Simons, 1995, p. 4).

    Esse novo material ensejou o que se chama de renasci-mento dos estudos de Beauvoir da dcada de 1990. A meda segunda onda11, ao mesmo tempo respeitada e ultrapas-

    foi em grande medida influenciado pela crtica no explcita que Beauvoir dirigeao voluntarismo sartreano em seus ensaios Pyrrhus et Cinas(de 1944), tica daambiguidade(de 1947) e, especialmente, em O segundo sexo (de 1949). Assim, dizKruks, no que se refere ao tema da liberdade e da opresso, foi Beauvoir queminfluenciou o pensamento de Sartre (e no o inverso), embora nenhum dos doisestivesse disposto a admitir isso publicamente. Ver Kruks (1995, p. 82).11 Beauvoir rejeitou o posto de me da segunda onda. Em entrevista concedida tev francesa em 1975, ela afirma que a origem da segunda onda deve ser atribu-da aos protestos anti-Vietn e anti-coloniais nos Estados Unidos e na Frana. Seu

    livro, porm, afirmou, foi apropriado nesse contexto pelo movimento feminista,tendo contribudo para articular o discurso feminista da segunda onda, com o

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    sada, passou a ser reconhecida por um crescente nme-ro de filsofas e tericas feministas como uma pensadoraoriginal e atual, que oferece ferramentas tericas vigoro-

    sas para os debates feministas da chamada terceira onda.Esquematicamente, pode-se dizer que a originalidade filo-sfica encontrada em Beauvoir a partir dessa fase concen-tra-se em dois tpicos: a intersubjetividade do sujeito, e arelao inerente entre corpo e subjetividade. Aspectos estesque,entrelaados, constituem a subjetividade situada, concep-o que ela mobiliza em sua anlise da condio feminina.

    A intersubjetividade do sujeitoAs divergncias entre Sartre e Beauvoir acerca da relaoentre opresso e liberdade esto relacionadas ao modocomo cada um deles compreende a relao com o Outrono processo de constituio do sujeito.

    Sartre sintetiza essa relao na clebre frase da perso-nagem Garcin: o inferno so os outros. A frase dita na pea

    Entre quatro paredes, ambientada no inferno. ali que as trspersonagens, Garcin, Estelle e Ins, se conhecem e intera-gem. Todos acreditam ter boas razes para estar no infer-no. Mas, para surpresa geral, no encontram o diabo ouqualquer outro torturador que os aguardaria para lhes fazerpagar por seus pecados. O inferno , sem dvida, torturan-te, mas so eles prprios os torturadores uns dos outros. Oinferno consiste justamente na impossibilidade de escapar

    dessas relaes de hostilidade. Em alguns momentos, a din-mica da interao entre os personagens torna-se mais amis-tosa, aproxima-se da cooperao, mas ela inevitavelmentetermina degenerando-se em algum tipo de polarizao: sejade dois contra um ou de todos contra todos (Bauer, 2001,

    qual ela somente viria a se aliar mais de vinte anos aps a primeira edio de O

    segundo sexo. Ver entrevista Pourquoi je suis feministe?.Disponvel em: ; ltimo acesso em: 14 abr. 2015.

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    pp. 119 e ss.).O inferno so os outros sintetiza em uma frase a ideia

    central de Sartre acerca do encontro humano: a impossibili-

    dade do reconhecimento mtuo, uma ideia filosoficamentearticulada na seo O olhar de O ser e o nada.Nessa obra,Sartre apresenta a cena do reconhecimento propondo queimaginemos que

    [...] por cimes, curiosidade ou vcio, eu tenha chegadoao ponto de grudar meu ouvido em uma porta ou olharpelo buraco de uma fechadura. Estou sozinho e ao nvel

    da conscincia no ttica [de] mim. Significa, em primeirolugar, que no h um eua habitar minha conscincia.Nada, portanto, a que possa relacionar meus atos a fim dequalific-los. Esses atos no so de modo algum conhecidos;eu sou meus atos, e, apenas por isso, eles carregam em sisua total justificao. [...] Significa que, detrs desta porta,uma cena se apresenta como para ser vista, uma conversa

    como para ser ouvida. A porta, a fechadura, so ao mesmotempo instrumentos e obstculos: mostram como paramanusear com cuidado; a fechadura revela-se como paraolhar de perto e meio de vis etc. Assim sendo, fao o quetenho de fazer; nenhum ponto de vista transcendente vemconferir a meus atos um carter de algo dado sobre o qualfosse possvel exercer-se um juzo: minha conscincia adereaos meus atos, ela os meus atos, os quais so comandados

    somente pelos fins a alcanar e os instrumentos a empregar.[...]

    Eis que ouo passos no corredor: algum me olha.Que significa isso? Fui de sbito atingido em meuser e surgem modificaes essenciais em minhasestruturas-modificaes que posso captar e determinarconceitualmente por meio do cogito reflexivo (Sartre,

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    2011, p. 334).

    A conscincia no reflexiva que espia pelo buraco da

    fechadura no pensa sobre qualquer implicao de seus atos.Mas, quando percebe-se captada pelo olhar do Outro, sofremodificaes estruturais. O que olhado um ego para oOutro, um ego reificado. O olhar do outro produz umamudana ontolgica no self, que registrada como vergo-nha ou orgulho, e esses sentimentos revelam a mim no ape-nas que eu sou um objeto fixo da percepo do Outro, mastambm que o Outro me percebe como apenas isso. E a

    necessidade de aliviar a minha vergonha, provando que eusou mais do que apenas um ser reificado que motiva minharelao subsequente com o Outro, ou seja, que motiva a lutade vida e de morte de Hegel (cf. Bauer, 2001, p. 109).

    Para escapar da condio de objeto aprisionado peloolhar do Outro, preciso reivindicar ser um sujeito. O modode faz-lo olhar de volta ao Outro, de modo a reduzi-lo a

    um objeto em meu mundo. Ao capturar o Outro com meuolhar, eu recupero a mim mesmo, uma vez que no poderiaser objeto para um objeto. Assim, tornar o Outro objeto paramim o modo de tornar-me sujeito. preciso deixar de serum objeto para tornar-se sujeito; e isso, para Sartre, somente possvel tornando o Outro objeto. Assim, na dialtica deSartre, apenas um sujeito sobrevive. Mas isso significa, ento,que no h espao para identificar-se com a liberdade do

    Outro, que no h espao para a intersubjetividade?Para Sartre, esse o ideal do amor. Mas esse ideal

    mera fantasia. O amor est condenado ao fracasso porqueexige que o Outro destine sua liberdade escolha de amar.Mas ao despender a liberdade nisso, deixa de ser um sujeitoe, desse modo, no ser mais capaz de amar. S o sujeito capaz de amar, mas, ao escolher amar, converte-se em objeto, oque torna o amor impossvel. A sada desse impasse supe apossibilidade de nos constituirmos simultaneamente como

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    sujeito e objeto. Mas em Sartre isso invivel, pois o olhardo outro me torna um objeto e faz do Outro um sujeito; emeu olhar de volta inverte os papis. Disso decorre que, em

    Sartre, reconhecer outra pessoa o mesmo que reific-la(cf. Bauer, 2001, pp. 121 e ss.).Em Simone de Beauvoir, a cena do encontro com o

    Outro apresentada de modo distinto, o que traz impor-tantes consequncias epistemolgicas e ontolgicas parasua reflexo sobre liberdade, opresso, reconhecimento esobre a condio feminina. Essas diferenas j se anuncia-

    vam nos trabalhos filosficos anteriores a O segundo sexo, mas

    foi somente nesta ltima obra que sua prpria leitura da dia-ltica do senhor e do escravo foi completamente articulada.

    Em relao ao conceito de liberdade, Beauvoir (1940,1947) sugere em Pyrrhus et Cinas e emtica da ambiguidadeque existem situaes em que a opresso no deixa espaopara a ao, de modo que no resistir reificao, no seengajar na luta de vida e morte, no ser, para Beauvoir,

    necessariamente m-f (Kruks, 1995, p. 83). Em O segun-do sexo,Beauvoir ainda mais enftica em relao ao pesoque confere s constries e assimetrias sociais. Enquantoem O ser e o nada, Sartre apresenta uma ideia de liberda-de indestrutvel, a ponto de afirmar, em meio SegundaGuerra Mundial, que o judeus continuavam livres porquelhes restavam escolhas acerca das atitudes a tomar diante deseus perseguidores, Beauvoir acentua o papel que o poder

    exerce na formao da subjetividade. Esse um dos pontosque a aproxima mais de Merleau-Ponty do que de Sartre,uma vez que no primeiro em quem Beauvoir se inspirapara desafiar a ideia de que as situaes sociais modificam aprpria liberdade, e no apenas a sua exterioridade.

    A nfase na assimetria entre duas subjetividades a con-duz a uma descrio da cena do reconhecimento bastantediferente da de Sartre. Em Osegundo sexo, o encontro com oOutro no se assemelha a uma troca (ou revide) de olhares.

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    um encontro mediado por instituies, como a do casa-mento, por exemplo. Quando essas instituies privilegiamuma das partes de modo significativo, a sua vantagem pode

    fixar a outra parte na posio de objeto (cf. Kruks, 1995, p. 84;Bauer, 2001, p. 216). Desse modo, a prpria liberdade seriamodificada estruturalmente.

    A caracterstica principal dessa cena alterada a ausn-cia de reciprocidade. Ou seja, um cenrio em que o queest em questo no apenas a alteridade, mas a subordina-o, a reificao que no recproca.

    Em Sartre, conforme j foi comentado, o reconheci-

    mento mtuo no possvel, uma vez que, para afirmar--me como sujeito, preciso negar essa condio ao Outro,e vice-versa. No entanto, ambas as liberdades so ontolo-gicamente iguais no que se refere capacidade de reagir reificao e revidar o olhar. Mas o que Beauvoir diz arespeito da mulher precisamente o oposto. Ao susten-tar que a mulher o Segundo, ela afirma que a mulher

    no apenas o Outro; o outro desigual (cf. Kruks, 1995,p. 85; 1992, pp. 100 e ss.). Trata-se de uma desigualdadesocialmente construda, uma construo social situada naconcretude do corpo feminino.

    Corpo e subjetividadeMuitas interpretaes feministas dessa abordagem do cor-po biolgico em Beauvoir veem traos de essencialismo em

    suas reflexes. Outras leituras atentam para o argumentode Beauvoir de que as caractersticas biolgicas somente soinferiorizadas em razo de significados que as normas sociaislhes atribuem, e no em razo de sua constituio fsica porsi mesma. Essa ltima viso, por sua vez, parece sugerir quea relao entre corpo e sociedade em Beauvoir muito pr-xima conhecida distino entre sexo e gnero que Rubinproporia em meados da dcada de 1970. No entanto, ambasas interpretaes perdem de vista o rigor do conceito de

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    situaoque entrelaa profundamente corpo e subjetividade(Moi, 2001 [1999], pp. 59 e ss.). A materialidade biolgica docorpo um elemento importante da subjetividade, mas no a

    antecede nem tampouco define um destino. O corpo umasituao, nossa tomada de posse do mundo e um esboo denossos projetos (Beauvoir, 1980, v. 1, p. 54).

    O enraizamento corporal em Beauvoir o elementocentral para compreender sua tese sobre a condio femi-nina. Ser o Segundo no apenas um efeito de constriesexternas das quais a mulher pode se libertar como se reti-rasse uma camada estranha sua subjetividade. Ser o segun-

    do sexo a condio de uma subjetividade corporificada.Mas o corpo comporta a ambiguidade de estar ao mesmotempo sujeito natureza e cultura. Por isso, diz Beauvoir,no enquanto corpo, mas enquanto corpo submetido atabus, a leis, que o sujeito toma conscincia de si mesmo ese realiza (Beauvoir, 1980, v. 1, p. 56). Mas o corpo subme-tido a tabus em Beauvoir no algo que o sujeito possua,

    o que o sujeito , como em Merleau-Ponty. Isso no signifi-ca que o sujeito seja um objeto fsico, mas, sim, que o cor-po tampouco o . Ele um n de significaes rivais quemoldam nossa perspectiva no mundo, mas que est tambmengajado em uma relao dialtica com seu contexto. Nos-sa experincia corporificada constituda nessa interao(Merleau-Ponty, 1999, pp. 207-10).

    Como se v, no h em Beauvoir a reduo da materia-

    lidade do corpo aos discursos que lhe atribuem significa-dos ou vice-versa. Trata-se de uma combinao dessas duasdimenses da subjetividade que se condicionam reciproca-mente e que somente adquirem significado nessa interao(Ward, 1995, p. 231). O corpo, portanto, corresponde consolidao histrica de nosso modo de viver no mundo edo mundo viver conosco (Moi, 2001, p. 68).

    Em Beauvoir (1980, v. 2, p. 395), porm, essa concep-o de subjetividade corporificada convive com a sua tese

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    sobre a alienao corporalda mulher, ou seja, a de que ser oSegundo implica ser apartada de seu corpo. Essa posioparece, ao menos primeira vista, contradizer a ideia de

    que o corpo uma situao. No entanto, essa contradio aparente porque Beauvoir jamais separa ontologicamentecorpo e mente. A ideia de que o corpo pode ser algo exte-rior mulher busca apenas destacar que o contexto culturale social reifica seu corpo a ponto de separ-lo do sujeito.Mas dessa separao no resulta uma mente expropriada deseu corpo, mas sim uma subjetividade deteriorada em seuconjunto (Arp, 1995, 168-69).

    Deteriorada, porm, no equivale a anulada. Seu dis-tanciamento do voluntarismo de Sartre de O ser e o nadanoa conduziu ao determinismo social. Embora considere queSartre exagere no uso que faz de seu conceito de m-f, elao incorpora em cores mais suaves.

    M-f, liberdade e opresso

    Entre as passagens mais criticadas de O segundo sexo porautoras feministas a seo intitulada narcisismo, espe-cialmente pelo modo como aborda a questo da cumplici-dade feminina com a sua opresso.

    Segundo ela, o narcisismo se apresenta mulher comoum modo razoavelmente acessvel de reunir-se ao seu corpo.Mas essa reunio no realiza a sntese entre corpo e subjetivi-dade, ao contrrio, uma integrao que se realiza s expen-

    sas desta ltima. No ao corpo vivido que a mulher se inte-gra fazendo de seu prprio corpo objeto de cultivo e idolatria; ao corpo passivo, ao corpo-coisa (Arp, 1995, p. 165). porisso que o narcisismo pode ser ao mesmo tempo conside-rado uma forma de reao e cumplicidade com a prpriaopresso. reao porque busca a integrao com o cor-po, e cumplicidade porque, ao incorporar-se como Outro,foge da liberdade e de seu nus, a responsabilidade.

    Algumas feministas viram nessa noo de cumplicidade

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    a adeso de Beauvoir a uma concepo de liberdade volun-tarista. Mas respostas a essa leitura podem ser encontradasem inmeras passagens de O segundo sexo, que assinalam a

    desigualdade e ausncia de reciprocidade entre o homeme a mulher, conforme comentado anteriormente. O pontoque Beauvoir pretende assinalar antes o de que as esco-lhas disponveis jovem mulher, que se percebe alienada deseu corpo, no so muitas; e, nesse contexto, o narcisismo uma das formas de reagir a ela; ainda que seja uma reaocarregada de ambiguidades e, na maior parte dos casos, decerta dose de m-f.

    Mas, se assim, parece que Beauvoir evitou a liberdadevoluntarista custa de uma restrio bastante excessiva daliberdade, que no parece deixar muitas rotas alternativaspara a ao individual. De fato, Beauvoir no tem esperan-a na capacidade de uma mulher individualmente vencer aopresso feminina. Embora seja simptica a iniciativas indi-

    viduais desse tipo, ela afirma que esto todas condenadas

    ao fracasso (Beauvoir, 1980, v. 2, p. 393). A mulher inde-pendente, que retrata no ltimo captulo do livro, no produto de um projeto individual, e sim do conjunto deinstituies e prticas culturais do mundo em que vive.

    Contra a opresso construda socialmente, a transfor-mao individual indispensvel, mas insuficiente. Isso por-que, como assinala Kruks (1995, p. 90), minha situaono estritamente minha, mas parte de uma situao mais

    geral que transcende a minha experincia imediata [...] Aliberdade , [portanto], uma relao de mo dupla, insepa-rvel de nossa insero no mundo. Por isso, para Beauvoir,a luta contra a opresso feminina pressupe mudanas nasleis, instituies, costumes, opinio pblica, nas condieseconmicas e profissionais das mulheres. E essas mudanasno podem ser alcanadas individualmente.

    por isso que, nos pargrafos finais de Osegundo sexo,Beauvoir exorta as mulheres ao coletiva, uma luta

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    que emancipar no apenas as mulheres, mas tambm oshomens. Isso porque, na dialtica de Beauvoir, a luta contra aopresso a luta pelo reconhecimento mtuo. Assim, como

    diz Bauer (2001, pp. 175, 233):

    A rejeio de Beauvoir da retratao sombria dasrelaes humanas transforma o encontro com o Outrono em uma condenao a uma luta interminvel como Outro, mas, sim, como uma oportunidade de captarduas importantes verdades: sobre ns mesmos, a de quesomos fundamentalmente ambguos, e sobre o Outro,

    especialmente a de que ele ou ela no apenas um espelho.

    O encontro com o Outro em Beauvoir em nada seassemelha ao inferno. Em sua interpretao da dialticado senhor e do escravo, a hostilidade em relao ao Outro apenas uma das formas possveis que o narcisismo podeassumir (Bauer, 2001, pp. 233-34). Essa precisamente a

    forma em que assume na relao entre homem e mulher nodiagnstico que apresenta em O segundo sexo. Mas essa no, para Beauvoir, a dinmica do reconhecimento genuno.

    O reconhecimento genuno exige que admitamosnossa prpria ambiguidade, a saber, a condio de sermossimultaneamente sujeito e objeto. Assim, a primeira lutano com o Outro, mas com ns mesmos, uma luta contrao medo de nossa liberdade, o medo de abrir mo de uma

    relao segura com o mundo. Assumir nossa ambiguidade,portanto, implica, colocarmo-nos em risco. Esse o primei-ro passo para nos fazermos sujeitos.

    No entanto, para isso preciso tambm reconhecer noOutro um sujeito, o que para Beauvoir significa reconhe-cer sua alteridade, admitir que o Outro no nos refletir.Trata-se, portanto, de um olhar para o Outro que no mero narcisismo, como em Sartre. Afinal, para reconhecero Outro como sujeito, preciso abdicar de tentar manipu-

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    lar ou controlar o julgamento que ter de mim. Ser pre-ciso expor-me ao seu livre julgamento. Trata-se, portanto,aqui tambm, de assumir riscos, em particular o risco de

    desapegar-se de uma autoimagem petrificada e segura, per-mitindo que o Outro nos diga quem somos (Bauer, 2001,pp. 204-05).

    No reconhecimento genuno de Beauvoir, porm, oque o Outro diz sobre ns tampouco uma verdade petri-ficada, pois o que caracteriza o reconhecimento no ocontedo do que dito sobre ns, mas sim a disposio decontinuar a conversa (Bauer, 2001, p. 236). Assim, o que

    impulsiona a interao no a busca desesperada e fracas-sada pelo espelho, como acontece com as personagens de

    Entre quatro paredes. A conversa alimentada pelo risco depermitir ao Outro que exponha a ns mesmos as fantasiasque construmos a nosso respeito na tentativa de nos esqui-

    var de nossa ambiguidade.A continuidade da conversa supe investimento na lin-

    guagem e renncia a imagens cristalinas e estticas de nsmesmos e do Outro. Isso o que preciso para, nos ter-mos de Beauvoir, assumir a responsabilidade de construiro mundo em coautoria. Ser coautora , portanto, diferentede ser sujeito ou objeto absoluto. habitar ambas as condi-es simultaneamente, assumindo-se como um cruzamentoentre liberdade e reificao. Essa , enfim, a cena do reco-nhecimento em que Beauvoir situa a relao de reciproci-

    dade igualitria entre homens e mulheres.

    ***

    No primeiro momento do debate entre Benhabib e Butler,ambas identificaram-se como radicalmente opostas. Noentanto, o posterior desenvolvimento das discusses reve-lou que a oposio no to extrema quanto aparentava,especialmente no que se refere ao carter discursivo do

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    processo de formao do sujeito. Mas as diferenas que res-tam ainda so significativas. Enquanto em Butler, ao menosem seus primeiros trabalhos, a assimetria de poder no

    emprica nem tampouco normativamente ultrapassvel, emBenhabib a assimetria e a reciprocidade so articuladas emuma concepo de espao social mais complexa e compat-

    vel com concepes normativas de igualdade12.No entanto, se de um lado parece que Amy Allen est

    certa ao acusar Benhabib de reter elementos de abstraodo self, a formalidade da capacidade de narrar no est rela-cionada, ao menos no principalmente, sua desconexo

    com o discurso, conforme sustenta Allen, e sim falta deuma concepo de corpo que integre discurso, matria,poder e ao em uma mesma concepo de subjetividade.

    Ao buscar elementos para conciliar poder e ao emHannah Arendt, Benhabib no pde evitar minimizar opapel do corpo no processo de formao da subjetividade.O corpo como mero organismo que nos impe necessi-

    dades, ou o corpo socialmente condicionado, que podemambos ser encontrados na obra de Arendt, no abrem cami-nho para destacar o papel das relaes de gnero na consti-tuio do self. Isso talvez no tenha sido um problema parauma autora que jamais se identificou com o feminismo, mascertamente o para Seyla Benhabib.

    No entanto, as lacunas feministas em Arendt, herdadaspor Benhabib, podem ser facilmente preenchidas pela con-

    cepo de subjetividade de Simone de Beauvoir. Conformefoi comentado, o renascimento dos estudos de Beauvoir,a partir da dcada de 1990, lanou luz sobre sua origina-lidade filosfica, negligenciada por feministas da segunda

    12 Em seus trabalhos sobre tica da no violncia, como Precarious life (2004) eGiving an account of oneself (2005), Butler ultrapassa a equiparao entre discursosigualitrios e discursos de poder. No entanto, conforme comentado na nota 6, ela

    o faz aproximando-se de E. Levinas, mantendo, assim, diferenas acentuadas emrelao s posies tericas e polticas de Benhabib.

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    onda, pelas ps- estruturalistas da terceira onda, e at mes-mo pela prpria Beauvoir.

    Mesmo nesse contexto de ressurgimento da obra

    de Beauvoir, porm, a contribuio de sua concepo deintersubjetividade do sujeito e a relao entre corpo esubjetividade no recebeu a devida ateno no debate dateoria crtica feminista sobre o sujeito. A consequncia dissoparece ter sido consolidar a crena de que s temos duasalternativas: o sujeito moderno ou o ps-moderno. Ou tal-

    vez ainda uma terceira, qual seja, a de combinar elementosde ambos.

    No entanto, um caminho mais direto e preciso paradesfazer essa oposio pode estar sugerido no modo comopoder, igualdade, corpo e ao poltica esto combinadosna cena do reconhecimento de Beauvoir. De um lado, suaconcepo mais branda de m-f lhe permite introduzirmais poder nesse cenrio, sem reduzi-lo a isso; e, de outro,a dinmica de sua dialtica sugere a possibilidade normativa

    da igualdade. Essa igualdade contextualizada, estabelecidapor instituies e prticas culturais e sociais. construda,assim como a igualdade de Arendt, mas construda poragentes que tem um corpo que no apenas um lcus dedemandas da natureza, mas sim um corpo que ao mesmotempo faticidade e liberdade, um corpo poltico.

    O reconhecimento genuno requer que habitemosa nossa ambiguidade de sujeito e objeto; e nenhum dos

    aspectos dessa condio separvel do corpo. O corpo est,sem dvida, associado vulnerabilidade, ao risco. Mas issono se deve meramente fragilidade de sua matria, e simao fato de o corpo ser inseparvel da condio de sujeito e,portanto, do risco da ao.

    Portanto, em Simone Beauvoir, mais do que qualquercapacidade de narrar, a ao, em particular a ao coletiva,supe um sujeito que renuncia ao desejo narcisista de verno Outro um espelho, aceitando-se como coisa diante dele;

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    mas que, embora no transcenda essa condio, recuse am-f, assumindo tambm a responsabilidade de agir.

    Nenhuma dessas ideias choca-se com as formulaes de

    Seyla Benhabib. Ao contrrio, seu projeto de situar o self,deixando espao para ao e concepes normativas deigualdade de gnero, torna-se mais promissor e consisten-te com a incorporao da subjetividade corporificada deSimone de Beauvoir.

    Ingrid Cyfer professora de Teoria Poltica do Departamento de Cincias

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    Resumos / Abstracts

    AFINAL, O QUE UMA MULHER? SIMONE DE BEAUVOIR

    E A QUESTO DO SUJEITO NA TEORIA CRTICA FEMINISTAINGRID CYFER

    Resumo: Judith Butler, em sua reflexo sobre o sujeito dofeminismo, denuncia as excluses decorrentes e legitimadaspela mulher universal. Seyla Benhabib, por sua vez, formu-la outra concepo de sujeito, a partir do debate com Butler,buscando respostas capazes de preservar o que consideratotalmente comprometido no argumento de Butler: a pos-

    sibilidade de justificar uma concepo normativa de igual-dade de gnero e ao poltica. No entanto, Benhabib noparece ter sido totalmente bem-sucedida nessa formulao,porque o ncleo do selfem seu modelo neutro quanto aognero. em razo desse dficit de contextualizao emBenhabib que Simone de Beauvoir introduzida no debate.O principal argumento deste artigo o de que a concep-o de subjetividade que Beauvoir enuncia em O segundo sexo

    pode complementar a noo de sujeito de Benhabib comuma concepo mais contextualizada e corporificada do self,que seria compatvel tanto com a demanda de contextuali-zar o sujeito quanto com o compromisso terico e polticoda crtica feminista com a igualdade de gnero.

    Palavras-chave:Feminismo; Concepo de Self; Subjetividade;Judith Butler; Seyla Benhabib; Simone de Beauvoir; Igual-

    dade de Gnero.AFTER ALL WHATS A WOMAN?: SIMONE DE BEAUVOIR AND THE

    QUESTION OF THE SUBJECT IN FEMINIST CRITICAL THEORY

    Abstract:Judith Butler, in her reflection on the subject of feminism,

    denounced the exclusions that derive from the universal woman.

    On the other hand, Seyla Benhabib formulates another conception of

    the subject in order to find a way of contextualizing the subject while

    preserving what she considers fully committed in Butlers argument:

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    Resumos / Abstracts

    the possibility of justifying a normative conception of gender equality

    and political agency. However, it seems that Benhabib has not been

    completely successful in her formulation because the core of the self

    in her model is neutral regarding gender. In order to try to resolve thedeficit of contextualization in Benhabibs account of the subject,

    Simone de Beauvoirs conception on subjectivity is introduced into

    this debate. The main claim of this article is that the conception of

    subjectivity that Beauvoir sets in The Second Sex could complement

    Benhabibs conception of the subject with a more embodied self that

    would be compatible with both, the demand of contextualizing the

    subject and the theoretical and political commitments of feminist

    critique to gender equality.

    Keywords: Feminism; Conceptions of the Self; Subjectivity; Seyla

    Benhabib; Judith Butler; Simone de Beauvoir; Gender Equality.

    Recebido: 09/12/2014 Aprovado: 20/02/2015