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As Bases Neurais da Emoo Uma Reviso desde o Sculo XIX Atualidade

As Bases Neurais da Emoo Uma Reviso desde o Sculo XIX Atualidade

Ana Cristina Troncoso

H muito tempo a humanidade se preocupa com as bases biolgicas das emoes. Apesar de estarmos longe de um quadro bem definido, cada vez mais as neurocincias obtm dados indicando o envolvimento de determinadas estruturas cerebrais na gnese das emoes (LeDoux, 1994). O considervel conhecimento da organizao neural e da fisiologia do crebro alcanado na atualidade tem permitido aos investigadores um maior aprofundamento neste misterioso e intrincado terreno. O estudo da base neural das emoes, alm de colaborar para a compreenso e tratamento dos distrbios emocionais, nos oferece a possibilidade de comprovar cada vez mais a participao do crebro em aspectos antes considerados como desvinculados da atividade cerebral. No final do sculo XIX, comearam a surgir estudos mais aprofundados e sistemticos dos processos cerebrais envolvidos nas emoes. At ento a nfase era dada aos processos de raciocnio, pensamento e intelecto, ou seja, aos aspectos perceptivos e cognitivos do comportamento. Pesquisadores como William James (1884), Walter Cannon e Philip Bard (1929), James Papez (1937) e Paul MacLean (1949), com base em dados da clnica ou pesquisa com animais, comearam a elaborar teorias apontando determinadas estruturas cerebrais como participantes dos processos emocionais. Estas teorias buscaram traar conexes entre diversas reas do crebro delineando sistemas neurais capazes de gerar e controlar as respostas emocionais.

William James

Uma das teorias de grande impacto relativa s emoes foi elaborada por William James, em 1884. Para James a emoo era constituda por uma seqncia de acontecimentos que tm incio com a ocorrncia de um estmulo e termina com a ocorrncia de uma experincia emocional consciente. Na teoria de James ficou famosa a pergunta: Fugimos porque sentimos medo ou sentimos medo porque fugimos? James acreditava que a resposta fugimos porque sentimos medo estava errada e defendia o contrrio, sentimos medo porque fugimos. Segundo ele so as reaes fisiolgicas que provocam sentimentos. Por exemplo, durante a ao de fuga a presso sangunea aumenta, o nmero dos batimentos cardacos dispara, as pupilas dilatam-se, os msculos sofrem contraes. As respostas fisiolgicas retornam ao crebro na forma de sensao fsica e o padro nico de feedback sensorial confere a cada emoo uma qualidade singular. O medo produz uma sensao diferente, por exemplo, da alegria, porque possui caractersticas fisiolgicas diferentes. Na teoria de feedback de James as emoes so mediadas por reas sensoriais e motoras do crtex. As reas sensoriais so necessrias para a deteco imediata de estmulos e em seguida, para "sentir" o feedback das respostas produzidas pelas reas motoras.

Em pesquisas posteriores realizadas por Cannon e Bard (1929) verificou-se que, aps a remoo de todo crtex cerebral de gatos, os animais continuavam a exibir sinais caractersticos de excitao emocional. Quando provocados, exibiam as garras, rosnavam, arqueavam o dorso e mordiam qualquer objeto em sua proximidade. Alm disso, exibiam sinais de excitao autonmica, como ereo dos plos, dilatao das pupilas, elevao da presso sangnea e dos batimentos cardacos. Mostrou-se assim que a teoria de James no estava correta, pois a ablao cortical no produzia efeitos sobre as reaes emocionais. No entanto, o comportamento emocional dos animais descorticados no se mostrava inteiramente normal. Esses animais pareciam incapazes de controlar a prpria raiva, o que sugeria serem as reas corticais importantes no controle das reaes emocionais impedindo as mesmas em situaes imprprias (Head, 1921 apud LeDoux, 1998).

Vias cerebrais da emoo segundo William James. Um estmulo externo percebido pelas reas sensoriais do crtex. Por meio do crtex motor a fuga produzida e controlada. As sensaes produzidas pela fuga so retransmitidas ao crtex sensorial, onde so percebidas. A percepo das sensaes somticas, associada s reaes emocionais, o que d a qualidade prpria das emoes. 1-4: seqncia das informaes sensoriais desde a percepo do estmulo at a execuo da resposta. (redesenhado de LeDoux, 1998).

Walter Cannon

Cannon e Bard, em 1929, realizaram um detalhado estudo utilizando leses cerebrais com o objetivo de definir quais reas do crebro eram necessrias para a expresso da raiva. Produziram leses cada vez maiores, iniciando pelo crtex at estruturas mais caudais. Os resultados mais importantes surgiram da observao dos animais com leso que ia alm do hipotlamo. Na ausncia do hipotlamo, os animais expressavam fragmentos de atividade emocional, e respondiam apenas a estmulos muito dolorosos e intensos. Exibiam as respostas emocionais de maneira desconexa, no ocorrendo todas ao mesmo tempo. Tais descobertas sugeriram a Bard e Cannon que o hipotlamo era o centro emocional do crebro.

Acreditava-se que aps passarem pelo tlamo, as informaes sensoriais eram retransmitidas ao crtex e ao hipotlamo simultaneamente. Dessa forma, o hipotlamo deveria ter acesso a informaes sensoriais praticamente ao mesmo tempo que o crtex. Uma vez que estes sinais eram recebidos pelo hipotlamo, o organismo era estimulado a produzir as respostas autonmicas e comportamentais tpicas das reaes emocionais. Para Cannon e Bard isto explicava porque a retirada do crtex no impedia a expresso das emoes e porque a teoria cortical de James no estava correta - as reaes emocionais seriam controladas pelo hipotlamo e no pelo crtex motor e as sensaes poderiam ativar o hipotlamo diretamente, sem passarem pelo crtex sensorial.

Cannon e Bard no negavam a participao do crtex na emoo. O crtex ativado por eferncias do hipotlamo seria responsvel pelos sentimentos, na ausncia do crtex a reao emocional produzida, porm no acompanhada pelo sentimento consciente.

As vias cerebrais da emoo segundo Cannon e Bard. Os estmulos externos, processados pelo tlamo so enviados ao crtex cerebral (via 2b) e ao hipotlamo (via 2a). O hipotlamo, por sua vez, envia mensagens aos msculos e rgos do corpo (via 3a) e ao crtex (via 3b). A interao das mensagens no crtex para assimilao do estmulo (via 2b) e de seu significado emocional (via 3b) resulta na experincia consciente da emoo (sentimentos). As reaes somticas e emocionais acontecem paralelamente (redesenhado de LeDoux, 1998).

James Papez

James Papez, em 1937, props uma das teorias mais abrangentes sobre os circuitos das emoes no crebro. Papez, observando as conseqncias de danos no crtex medial humano e pesquisando o papel do hipotlamo no controle das reaes emocionais em animais, elaborou uma teoria associando a experincia subjetiva das emoes ativao de um circuito de conexes entre o hipotlamo e o crtex medial.

Papez, como Cannon e Bard, tambm ressaltou a importncia do hipotlamo na recepo de mensagens sensoriais dos estmulos emocionais provenientes do tlamo no controle das reaes fsicas durante as reaes emocionais e na regulao da experincia emocional pelas fibras que ascendem ao crtex. Papez porm, props uma rede neural mais detalhada que a de Cannon e dedicou-se tambm ao esclarecimento de como a experincia emocional subjetiva advm do crebro. Sua teoria enfoca a idia de que as mensagens sensoriais provindas do corpo dividem-se no tlamo em dois fluxos: o fluxo de pensamentos e o fluxo de sentimentos. O fluxo de pensamentos consiste das informaes sensoriais atravs das vias talmicas at as regies do neocrtex. Atravs deste fluxo as sensaes so transformadas em percepes, pensamentos e lembranas. O fluxo de sentimentos tambm inclua a transmisso sensorial para o tlamo, mas nessa etapa as informaes so transmitidas ao hipotlamo, possibilitando a gerao das reaes corporais caractersticas das emoes. Atravs de uma via ligando o hipotlamo ao tlamo anterior a informao segue tambm at o crtex cingulado e da para o hipocampo onde so ativados processos de memria. Na seqncia, atravs do hipocampo, a informao retransmitida ao hipotlamo, o que permite que os pensamentos localizados no crtex cerebral controlem as reaes emocionais.

Circuito de Papez. Papez props uma srie de conexes do hipotlamo com o tlamo anterior, crtex cingulado e hipocampo. As experincias emocionais ocorrem quando o crtex cingulado integra sinais do crtex sensorial e do hipotlamo. Mensagens do crtex cingulado para o hipocampo e depois para o hipotlamo permitem que os pensamentos localizados no crtex cerebral controlem as reaes emocionais (redesenhado de LeDoux, 1998). ANEXAR FIGURA CIRCUITO DE PAPEZ

LEGENDA: Estruturas do Circuito de Papez. Estruturas apontadas por Papez como responsveis pelas sensaes emocionais e pelas reaes somticas durante as experincias emocionais. As principais estruturas do circuito de Papez so o tlamo, crtex sensorial, hipotlamo, crtex cingulado e hipocampo (reproduzido de Bear et al., 2001).

Paul MacLean

As pesquisas sobre a origem cerebral das emoes continuaram avanando. Paul MacLean (1949) reafirmou a importncia do hipotlamo na expresso emocional e do crtex na experincia emocional. Observando que a estimulao de regies rinenceflicas, como o crtex cingulado, a amgdala e o hipocampo, produziam reaes autonmicas, passou a chamar o rinencfalo de crebro visceral. Segundo MacLean, o crebro visceral o elo de ligao entre o neocrtex e o hipotlamo. O neocrtex detm o domnio das funes cognitivas e o crebro visceral comanda a organizao do comportamento afetivo em impulsos bsicos como a obteno de alimento, defesa e reproduo (MacLean, 1949).

Com o advento do neocrtex nos mamferos, a capacidade para formas superiores de funes psicolgicas, tais como o pensamento e o raciocnio, aflorou e alcanou seu auge no homem. Entretanto, mesmo no ser humano o crebro visceral permaneceu praticamente inalterado, continuando responsvel pelas funes bsicas (LeDoux, 1998).

Em 1952, aps a publicao da teoria do crebro visceral, MacLean introduziu a expresso sistema lmbico baseando-se na nomenclatura utilizada por Paul Broca (Broca denominou o crtex medial de crtex lmbico).

O sistema lmbico foi descrito como um circuito de estruturas corticais e subcorticais responsvel pela gnese e controle das emoes. MacLean retomou e ampliou a teoria de Papez adicionando a amgdala, o septo e o crtex pr-frontal, e integrou-a aos achados de Kluver e Bucy. Heinrich Kluver e Paul Bucy (1937) publicaram uma srie de trabalhos relatando os efeitos de leses nos lobos temporais de macacos. As alteraes emocionais em macacos eram evidenciadas pela diminuio do medo. Macacos selvagens normalmente evitam seres humanos, este tipo de comportamento no foi observado em macacos com lobotomia temporal bilateral, eles se aproximavam dos experimentadores e at permitiam serem acariciados. O mesmo comportamento desprovido de medo foi observado na presena de outros animais temidos pelos macacos. Mesmo aps o ataque de um inimigo natural como uma serpente, os macacos tentavam examin-la novamente. Esta visvel diminuio do medo provavelmente resultou da destruio da amgdala (Bear et al., 2002).

MacLean props que as estruturas do sistema lmbico funcionam de maneira integrada compondo um sistema mediador das funes viscerais e comportamentos emocionais. As emoes, segundo este autor, implicam a integrao de sensaes decorrentes de estmulos do meio ambiente com sensaes viscerais intrnsecas do corpo. Esta integrao dar-se-ia no crebro visceral, mais especificamente no hipocampo.

ANEXAR FIGURA SISTEMA LMBICO

LEGENDA: Sistema Lmbico. MacLean introduziu o termo sistema lmbico e ampliou a teoria de Papez, adicionando ao sistema emocional, a amgdala, o septo e o crtex pr-frontal.

O Sistema Lmbico

O sistema lmbico ainda hoje amplamente aceito como o sistema responsvel pela regulao dos processos emocionais. No h, porm, completo acordo entre os autores quanto s estruturas que deveriam fazer parte do mesmo. Uma das bases atuais da teoria do sistema lmbico considera que ele uma rede de estruturas que faz a interface entre o neocrtex e o hipotlamo, sendo este o responsvel pelo controle das reaes autonmicas caractersticas das emoes.

Joseph LeDoux

Enquanto alguns consideram a formao reticular como componente deste sistema, outros seguem o ponto de vista de MacLean (Machado, 1993), e outros, como Joseph LeDoux no aceitam a idia da existncia de um grande sistema cerebral emocional, responsvel pela gnese e controle das mais diversas emoes. Sabe-se que o hipocampo, estrutura central na gnese da emoo segundo Paul MacLean, tem uma participao menor nas funes emocionais e autonmicas que na cognio (LeDoux, 1998). Alteraes no hipocampo, corpos mamilares e outras regies do circuito de Papez, como o tlamo anterior, exercem efeitos relativamente insignificantes sobre as funes emocionais, mas produzem graves distrbios na memria. Alm disso, outras regies no includas no sistema lmbico, como algumas estruturas mesenceflicas, tm participao fundamental na gnese e regulao das reaes emocionais.

LeDoux sustenta que as emoes possuem grande valor adaptativo para o indivduo. Porm, se diferentes emoes esto associadas a diferentes funes de sobrevivncia proteo contra o perigo, alimentao, reproduo, cuidados com a prole cada uma delas provavelmente requer diferentes sistemas cerebrais. Emoes diferentes possivelmente so mediadas por redes cerebrais distintas, mdulos diferentes, no havendo assim um nico sistema emocional no crebro, mas vrios. Neste sentido, h fortes indcios da existncia de um sistema cerebral responsvel pelo processamento de informaes aversivas e organizao das respostas comportamentais a situaes de perigo (Graeff, 1990; Brando et al, 1993; LeDoux, 1994; Brando et al., 1999). Graeff (1981), levantou a hiptese da existncia de um sistema antomo-funcional envolvido com o comando de comportamentos defensivos e a elaborao de estados motivacionais e emocionais aversivos e denominou-o de sistema cerebral aversivo. O sistema cerebral aversivo seria composto por estruturas como o hipotlamo dorsomedial, as camadas profundas do colculo superior, a amgdala e a matria cinzenta periaquedutal dorsal.

Neurobiologia do Comportamento Defensivo

Ao longo do processo evolutivo foram sendo selecionados circuitos e mecanismos cerebrais relacionados ao comportamento defensivo possibilitando aos organismos enfrentar as situaes de perigo da vida cotidiana. Talvez nem todas as formas de comportamento emocional possuam uma longa histria evolutiva como o medo. A culpa e a vergonha, por exemplo, podem ser emoes especificamente humanas. Entretanto, o comportamento humano de defesa exibe grandes semelhanas com o comportamento de defesa de outras espcies. Assim, estudando as reaes de medo em animais podemos entender o medo no ser humano.

Embora as espcies tenham suas prprias formas de reagir ao perigo, a similaridade dos padres de respostas a regra. Na verdade no so as formas de expresso do medo, mas sim os diferentes estmulos que ativam o sistema de defesa que diferenciam as reaes de medo em seres humanos e em outros animais. Cada animal capaz de detectar as situaes de perigo especficas para ele, mas o uso das estratgias de reaes fuga, imobilidade, agresso, submisso e os ajustes fisiolgicos gerais comum a todas as espcies.

Os sinais de perigo so de dois tipos: inatos e aprendidos. Os inatos dizem respeito quelas situaes que ao longo da evoluo filogentica foram selecionadas como fontes de ameaa sobrevivncia de uma espcie. Outros estmulos podem passar a sinalizar perigo atravs de processos de condicionamento clssico de medo, ou seja, de aprendizagem. Isto ocorre quando estmulos aparentemente inofensivos so associados a estmulos aversivos. Por exemplo, um animal passar a expressar medo diante de um som que tenha sido previamente associado com a apresentao de choques eltricos. Similarmente, uma pessoa pode tornar-se apreensiva e amedrontada na presena de outra pessoa ou algo que anteriormente lhe infligiu dor ou extremo desconforto.

Atravs da manipulao experimental de medos inatos e condicionados em animais de laboratrio e em seres humanos, a cincia vem promovendo avanos no entendimento da participao do crebro no sistema motivacional de medo. Um grande passo foi dado nestas ltimas dcadas com a identificao de estruturas neurais envolvidas especificamente no processamento de transmisso das informaes dos sinais de perigo, na organizao e expresso das reaes fisiolgicas e comportamentais a estes estmulos, bem como na conscincia da experincia emocional de medo.

Estmulos ambientais que desencadeiam medo representando fontes de perigo ou ameaa integridade do organismo, ativam um circuito altamente integrado de estruturas cerebrais comuns ao crebro de mamferos. Estimulaes eltricas e qumicas dessas estruturas induzem padres de comportamento defensivo, em modelos animais, bem como causam manifestaes comportamentais e subjetivas de medo e ansiedade em humanos (Graeff, 1994; LeDoux, 1998; Gray, 2000).

Circuitos Neurais do Medo

O conhecimento cientfico dos processos cerebrais envolvidos nas emoes teve sua origem com o estudo do sistema cerebral de defesa e sua emoo correlata: o medo. Como j relatado, William James foi o pioneiro nesta linha de pesquisa. O substrato neural das reaes aversivas provavelmente o mais conhecido dos sistemas emocionais tendo em vista a relativa facilidade de mensurar os estados de medo a partir da similaridade das reaes fisiolgicas e comportamentais entre humanos e os demais mamferos durante este estado emocional (LeDoux, 1998).

A partir de resultados de pesquisas de seu laboratrio e de outros pesquisadores deste campo de estudo, Joseph LeDoux elaborou um abrangente modelo do circuito neural envolvido na gnese e controle do medo. Este modelo leva em considerao as estruturas envolvidas desde a percepo do estmulo potencialmente perigoso s envolvidas nas reaes comportamentais e fisiolgicas tpicas deste estado emocional. Segundo LeDoux os estmulos ambientais que sinalizam perigo atingem o tlamo. A mensagem proveniente do tlamo atinge os ncleos laterais da amgdala, a porta de entrada desta estrutura. Aps detectar um estmulo potencialmente ameaador, a amgdala organiza uma srie de respostas fisiolgicas e comportamentais visando a defesa do organismo. Atravs de seu ncleo central, a porta de sada desta estrutura, dispara uma ordem de comando para duas outras estruturas cerebrais, o hipotlamo e a matria cinzenta periaquedutal. Enquanto cabe ao hipotlamo comandar as reaes autonmicas que acompanham as reaes de medo como aumento da presso arterial, batimentos cardacos, ereo dos plos, a matria cinzenta periaquedutal executa as reaes comportamentais tpicas de defesa, que se estendem desde uma inibio comportamental at padres de defesa e fuga (LeDoux, 1998).

Joseph LeDoux (1998) defende que o crebro detecta determinados sinais de perigo e organiza os padres de fuga/luta antes mesmo que tenhamos a conscincia plena do estmulo que causou medo. As reaes fisiolgicas e comportamentais exibidas ante um sinal potencialmente perigoso so coordenadas pela amgdala atravs de informaes provenientes diretamente do tlamo. Porm, alguns milsimos de segundo depois, o indivduo pode se dar conta de que no se tratava de um estmulo ameaador. Este tipo de anlise mais refinada feita pelas reas sensoriais do crtex cerebral atravs do seguinte trajeto: os impulsos nervosos que carregam as informaes de perigo chegam ao tlamo, passam pelo crtex cerebral e, de l, so repassados novamente para a amgdala. Por se tratar de um trajeto um pouco mais longo, essas informaes mais refinadas das reas sensoriais do crtex cerebral, informando no se tratar de uma situao de ameaa sobrevivncia do indivduo, levam mais tempo para atingir a amgdala do que aquelas provenientes diretamente do tlamo. De acordo com LeDoux, o balano entre essas duas informaes, uma genrica e extremamente rpida, e a outra mais refinada porm mais lenta, apresenta claras vantagens adaptativas para os animais diante de estmulos ambientais que representam fontes de perigo para sua integridade fsica. muito mais vantajoso reagir pronta e defensivamente a um galho de rvore que parea uma cobra que tomar a deciso de fuga ou luta alguns milsimos de segundo mais tarde enquanto a amgdala aguarda informaes mais refinadas de reas corticais. De uma maneira ou de outra, todas as informaes neurais dos estmulos que sinalizam perigo atingem a amgdala. A amgdala compe-se de aproximadamente 12 subncleos e nem todos tm participao no medo. Somente leses nos ncleos que fazem parte do circuito aversivo interrompem este estado emocional. Sem dvida, os ncleos central, lateral e basolateral tm participao fundamental neste circuito (LeDoux, 1998). Esta estrutura vem sendo considerada o cerne do sistema aversivo no crebro tanto no homem como nos demais mamferos. Humanos e outros animais perdem a capacidade de reagir aos sinais de perigo aps leses na amgdala.

Em pesquisas com humanos observou-se que pacientes com focos epilticos no lobo temporal em regies que compreendem a amgdala relatam sensao de medo quando esto em crise epiltica (LeDoux, 1998) alm de exibirem um aumento na agressividade social (Machado, 1991). Antnio Damsio (1996) realizou importantes estudos com uma paciente cuja leso se restringia apenas amgdala. Numa das pesquisas, em um teste especfico para detectar expresses faciais, ela foi incapaz de identificar corretamente as expresses de medo.

Leses dos ncleos lateral ou central da amgdala abolem o conjunto das reaes endcrinas, autonmicas e comportamentais de medo. Leses seletivas das estruturas cerebrais que recebem projees do ncleo central da amgdala, como a matria cinzenta periaquedutal e os ncleos lateral e paraventricular do hipotlamo, afetam somente aquele tipo de resposta ao perigo para o qual a estrutura especializada. Assim, leses no ncleo lateral do hipotlamo impedem a ativao das respostas neurais mediadas pelo sistema nervoso autnomo, como o aumento da presso arterial, enquanto leses na matria cinzenta periaquedutal abolem seletivamente a expresso das respostas comportamentais aos estmulos de perigo. Parece, portanto, que a funo da amgdala a de avaliar os estmulos provenientes do meio ambiente, sinalizando para a matria cinzenta periaquedutal e hipotlamo o grau de perigo ou ameaa que representam para o organismo.

Diante do perigo e alguns segundos depois das reaes fisiolgicas e comportamentais imediatas, outro processo fisiolgico entra em cena. Trata-se de uma resposta hormonal regulada pelo hipotlamo paraventricular e crtex da glndula supra-renal. Aps receber a informao do ncleo central da amgdala sobre um perigo real ou potencial, os neurnios do ncleo paraventricular do hipotlamo do incio a uma srie de reaes hormonais em cascata. Estes hormnios mobilizam vrias reaes fisiolgicas que incluem desde o aumento dos nveis de glicose no sangue, fornecendo fontes adicionais de energia para uma eventual resposta de luta ou fuga, at efeitos sobre os sistemas imunolgico e cicatricial a fim de restaurar eventuais danos fsicos ao organismo.

No estando mais na presena de sinais de perigo ou situaes de estresse, os nveis sistmicos dos hormnios esterides no organismo tendem a diminuir e voltar ao nvel basal. Esta regulao feita por intermdio de um sistema de retroalimentao negativa. Sabe-se hoje que o hipocampo alm de intimamente relacionado memria, tambm est envolvido nesta regulao. A ligao desses hormnios em receptores esterides do hipocampo faz com que esta estrutura dispare uma ordem de comando para que o hipotlamo paraventricular interrompa a liberao hormonal. Enquanto a amgdala reage aos estmulos de perigo e, atravs do comando do hipotlamo paraventricular, desencadeia o processo de liberao hormonal, o hipocampo atua no sentido oposto inibindo a liberao hormonal.

Estudos envolvendo tcnicas de estimulao eltrica ou qumica de outras estruturas cerebrais vm trazendo importantes contribuies para este campo. Brando (1988), aps verificar que microinjees de bloqueadores de receptores de GABA A, no colculo inferior induzem reaes defensivas sugeriu que alm de rel de informaes auditivas, o colculo inferior tambm faz parte do sistema cerebral aversivo. Os resultados com estimulao eltrica ou qumica do colculo inferior oferecem dados adicionais de sua participao no sistema cerebral aversivo. A estimulao desta estrutura promove comportamento de fuga e alteraes autonmicas similares s observadas em estado de medo (Melo et al., 1992; Brando et al. 1994, 1997, 1999; Cardoso et al., 1995; Troncoso et al., 1998, 2003). Leses no colculo inferior de ratos impedem totalmente a exibio de respostas condicionadas de medo (LeDoux, 1984). Estes resultados reforam a hiptese de participao desta estrutura no circuito cerebral do medo. Possivelmente antes de ser enviado ao tlamo, o estmulo emocional j sofra algum processamento no colculo inferior.

ANEXAR FIGURA CIRCUITOS NEURAIS DO MEDO

LEGENDA: Circuitos neurais do medo. As informaes sensoriais convergem para o ncleo lateral da amgdala e atravs do circuito intra-amigdaloide as informaes so transmitidas para o ncleo central, o qual ativa vrios sistemas efetores envolvidos na expresso das respostas emocionais. DMV: ncleo motor dorsal do vago; RPC: ncleo reticularis pontis caudalis; ponte RVL: ncleo ventrolateral dorsal da ponte; NA: ncleo ambguo; MCP: matria cinzenta periaquedutal. (Adaptado de Zigmond et al., 1999).

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sensao

Crtex Cerebral

Crtex Sensorial Crtex Motor

Estmulo Emocional

Resposta Somtica Corporal

1

2

3

4

2b

2a

3a

4

3b

sentimento

Crtex Cerebral

Estmulo Emocional

Resposta Somtica

S

Fsica

Tlamo

Hipotlamo

1

sentimento

Crtex Cingulado

Estmulo Emocional

Resposta Somtica Corporal

Tlamo

Hipotlamo

Crtex Sensorial

Hipocampo

Tlamo Anterior

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