Barbosa Lima Sobrinho II - Entrevista.pdf

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  • FUNDAO GETULIO VARGAS

    CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAO DE HISTRIA CONTEMPORNEA DO BRASIL (CPDOC)

    Proibida a publicao no todo ou em parte; permitida a citao. Permitida a cpia xerox. A citao deve ser textual, com indicao de fonte conforme abaixo.

    LIMA SOBRINHO, Alexandre Jos Barbosa. Barbosa Lima Sobrinho II (depoimento, 1987). Rio de Janeiro, CPDOC/CENTRO DA MEMRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL, 2002. 32 p. dat.

    Esta entrevista foi realizada na vigncia de convnio entre CPDOC/FGV e CENTRO DA MEMRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. obrigatrio o crdito s instituies mencionadas.

    BARBOSA LIMA SOBRINHO II (depoimento, 1987)

    Rio de Janeiro 2002

  • Barbosa Lima Sobrinho II

    Ficha Tcnica

    tipo de entrevista: temtica entrevistador(es): Elisa Maria de Oliveira Mller; Plnio de Abreu Ramos levantamento de dados: Elisa Maria de Oliveira Mller; Plnio de Abreu Ramos pesquisa e elaborao do roteiro: Elisa Maria de Oliveira Mller; Plnio de Abreu Ramos sumrio: Elisa Maria de Oliveira Mller conferncia da transcrio: Elisa Maria de Oliveira Mller; Plnio de Abreu Ramos copidesque: Lenice Arajo de Oliveira tcnico de gravao: Clodomir Oliveira Gomes local: Rio de Janeiro - RJ - Brasil data: 24/07/1987 a 14/08/1987 durao: 2h fitas cassete: 02 pginas: 32 Entrevista realizada no contexto do projeto "Memria do setor de energia eltrica: fase pr-operacional da Eletrobrs (1953 a 1962)", na vigncia do convnio entre o CPDOC/FGV e o Centro de Memria da Eletricidade no Brasil (1987-1988), tendo como principal resultado a publicao "Programa de histria oral da Memria da Eletricidade: catlogo de depoimentos" (Rio de Janeiro, Centro de Memria da Eletricidade no Brasil,1990). A escolha do entrevistado justificou-se pelo fato de ter tido destacada atuao como parlamentar no processo de criao da Eletrobrs. temas: Barbosa Lima Sobrinho, Cdigo de guas, Empresas Privadas, Empresas Pblicas, Energia Eltrica, Light Servios de Eletricidade

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    Sumrio

    1 Entrevista: 24.07.1987

    CPI sobre os contratos da Light; carreira poltica do entrevistado; Alfredo Valado e o Anteprojeto do Cdigo de guas de 1907; clusula-ouro; Light; Amrico de Oliveira e a questo tarifria; a Electric Bond and Share Company EBASCO; Eduardo Guinle; comentrios sobre os efeitos do Cdigo de guas sobre a oferta de energia eltrica do pas; as empresas de eletricidade municipais; Companhia Hidreltrica do So Francisco CHESF; o envolvimento de Eugenio Gudin com a Bond and Share; Centrais Eltricas de Minas Gerais CEMIG; a Comisso Estadual de Energia Eltrica CEEE; a Semana de Debates de Energia eltrica promovida pelo Instituto de Engenharia de So Paulo (1956); Fundo Federal de Eletrificao FFE; usina do Salto; o racionamento de energia eltrica na dcada de 1950; as origens da convico nacionalista do entrevistado: as experincias do Instituto do Acar e do lcool IAA e do Instituto de Resseguros do Brasil - IRB; a ao do entrevistado na Procuradoria do Estado da Guanabara.

    2 Entrevista: 14.08.1987

    O clima poltico por ocasio da encampao da Companhia de Energia Eltrica Rio-Grandense; CHESF; The Pernambuco Tramways & Power Co. Ltda.; Light; ao na Procuradoria da Prefeitura da Guanabara, Antonio Gallotti; American and Foreign Power Company AMFORP; o envolvimento de Roberto Campos com a venda da Light; Jnio Quadros e os vetos ao projeto original da Eletrobrs; Eletrobrs; Frente Parlamentar Nacionalista; Lei de Remessa de Lucros; FFE; Semana da Debates de Energia Eltrica, Instituto de Engenharia, So Paulo, 1956; Lucas Lopes e a criao da CEMIG; Marcondes Ferraz e a construo da usina de Paulo Afonso, BRASCAN; Eduardo Guinle.

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    1 Entrevista: 24.07.1987

    E.M. Dr. Barbosa, eu gostaria de comear a nossa entrevista trabalhando com o seguinte tema: nos anos de 1964 e 48 o senhor foi deputado federal. Nessa poca, precisamente em agosto de 46, o general Juarez Tvora prope uma CPI Cmara para discutir a Light; e uma das principais questes dessa CPI era em relao ao no cumprimento por parte da Light do Cdigo de guas. O senhor tem alguma lembrana sobre esse evento?

    B.S. No...

    E.M. O senhor chegou a tomar conhecimento desta CPI?

    B.S. No. Nessa ocasio, alis, eu estava envolvido em outras questes. Porque a vida da gente se distribui realmente por etapas, determinados assuntos, em certos momentos, envolvem a gente totalmente. Eu estava, como representante de Pernambuco, envolvido na questo da candidatura que tinham levantado ao governo do estado, de modo que, durante este perodo, eu no tinha um contato maior com os problemas da Light. E tive, depois de eleito governador, que passar todo o ano de 47 no Tribunal Eleitoral, discutindo temas eleitorais. Tinha at um volume meu, Questes de direito eleitoral, que era exatamente o debate em torno do diploma que eu tinha conquistado em Pernambuco. Porque a Lei eleitoral tinha um defeito: permitia que as nulidades de pleno direito pudessem ser alegadas a qualquer momento. De modo que, depois de verificado o resultado do pleito, numa sesso em que determinado partido tinha perdido o pleito, ele tinha possibilidade de procurar nas atas se havia algum defe ito para impugnar aquela ata, deduzi- la exatamente da votao do competidor.

    E.M. Na realidade o nosso interesse seria discutir a sua opinio sobre o Cdigo de guas. Porque a ns chama ateno o fato de que o primeiro projeto do Cdigo de guas como lemos no seu prefcio do livro do dr. Catulo Branco foi feito ainda em 1907 por Alfredo Valado. E o senhor chama ateno ao fato de que esse projeto s teria recebido um corpo final em 1934. Ento, na sua viso o que aconteceu com esse projeto, na realidade, quais foram as foras que inviabilizaram o projeto do Cdigo de guas?

    B.S.- Eu conheci Alfredo Valado e tenho as obras dele. Alfredo Valado um homem de uma honradez extraordinria e um homem muito bem informado sobre esses problemas. Como havia tambm essa hora um grupo do Anhaia Melo de So Paulo, que foi um dos inspiradores desse movimento em torno da defesa dos interesses do Brasil. Eu, alis, no prefcio do livro do Catulo, eu aludo exatamente a esses antecedentes e a presena dessas grandes figuras que orientaram, a partir da propriamente, o direito do Brasil, no ? O Valado foi um dos outros autores, dentro dessa orientao, com o Anhaia Melo tambm de So Paulo.

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    Eu acho que o Cdigo de guas que ele elaborou um documento que honra o Brasil a qualquer momento. O Brasil poder se orgulhar de ter um Cdigo de guas elaborado com tanta inteligncia como foi o Cdigo de guas do Brasil. Em grande parte, eles se orientaram tambm pelo direito americano, porque as public utilities dos Estados Unidos tinham uma disciplina severa, e eles procuraram se valer dessa disciplina severa, que procurava controlar no s os investimentos, como tambm a remunerao dos investimentos; porque no justo tambm que um investimento determinado tivesse uma compensao muito maior do que aquela que era devida dentro das regras comerciais normais. o tal custo do servio, custo histrico. Todas essas questes entraram em debate nessa ocasio.

    Depois se levantou contra o Cdigo de guas uma campanha tenaz, severssima, uma campanha de interessados, uma campanha da Light..., mas com argumentos falsos. Tambm isso eu demonstro naquele prefcio, do Catulo Branco, porque eu mostro que, no Cdigo de guas, nunca houve em relao Light aplicao de custo histrico. E ela se queixava do custo histrico que no levava em conta no s os investimentos, como a prpria inflao que alterava o valor esses investimentos, sobretudo atravs da taxa do cmbio, no ? E isso era falso, o que de fato alterou a aplicao foi a Lei Osvaldo Aranha sobre o valor dos investimentos estrangeiros, porque ela no permitia mais pagamento em ouro e havia, antes do contrato da Light, um dispositivo pelo qual as tarifas eram baseadas numa relao cambial que favoreceu sempre Light. De modo que foi isso que alterou e tirou uma parte dos lucros, mas no tirou todos, porque durante todo o tempo a Light tinha grupos de presso que faziam com que suas tarifas fossem sempre alteradas de acordo com a depreciao que se verificava na prpria moeda. Este o outro ponto que eles tambm procuravam sonegar, mas no era verdade as tarifas foram sempre alteradas.

    P.R. Esse decreto de 1933, no ?

    B.S. Eu no tenho a data exata..., mas est no prefcio...

    P.R. Parece que de setembro de 33.

    B.S. ?...

    P.R. Em que o governo proibia que as remessas fossem feitas atravs do padro cambial ouro, no era isso?

    B.S. Sobretudo, no permitia que houvesse uma tarifa baseada numa relao de cmbio. Tinham que mudar inteiramente, no podiam mais se evoluir de acordo com a... Mas a Light substituiu esse prejuzo aparente com o fato de ter tido aumento consecutivos, muitos deles baseados na prpria relao de cmbio.

    P.R. E esse decreto nessa poca trouxe algum confronto entre o governo e algum pas estrangeiro, ou a Light criou problemas internos?

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    B.S. Nesse ponto eu... no sei...

    P.R. No, no ?

    B.S. Porque eu comeo apenas o texto do decreto do Osvaldo Aranha. No sei... Seria interessante, se se pudesse levar tambm este debate para os que acompanhavam o caso no Ministrio da Fazenda. Eu no sei se existe algum, porque muita gente no Brasil no se interessa por estes problemas, no.

    P.R. Ns observamos aqui, por exemplo, que durante a Repblica Velha, quer dizer at 1930, havia uma disperso da legislao. Toda tentativa feita pelo governo federal no sentido de harmonizar, de uniformizar a poltica de explorao da indstria energtica, era paralisada no Congresso ou era inviabilizada por um processo qualquer. O senhor acredita que havia da parte das empresas estrangeiras interesse em negociar prioritariamente com estados em vez de com a Unio?

    B.S. - O problema foi o Amrico de Oliveira. Eu acho que ele deve estar na relao dos que devem dar depoimento sobre esta matria. Porque tanto no Observador Econmico, como numa revista que econmica tambm... e, se eu no me engano, na revista de guas e Energia, tem trabalhos dele, elucidando muito bem este problema e acompanhando de perto. Eu me baseei, alis, muito nele, nas concluses a que cheguei. Porque os depoimentos dele eram os mais dignos e os mais exatos possveis, verificados, de um homem que estava realmente dentro do problema.

    P.R. - No parece, por exemplo, que a uniformizao da poltica energtica tenha sido invalidada pela rigidez federalista da Constituio de 91?

    B.S. - Eu creio que ela era invalidada sobretudo por esse grupo de presso da Light, que conseguia nos ministrios sempre concesses que iludissem os termos rigorosos do prprio Cdigo de guas.

    P.R. - Porque, na verdade, cada estado tinha uma orientao especial, uma conduta especfica com relao a essa poltica, no ? J lemos, em vrios trabalhos, que por volta de 1928, 1929, o Antnio Carlos vendeu para a Bond and Share a Companhia de Fora e Luz de Belo Horizonte para poder conseguir dinheiro para financiar a Revoluo de 30. A impresso que se tem que as companhias estrangeiras tinham mais facilidade em negociar parceladamente com os estados...

    B.S. - ...

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    P.R. - E obter concesses, do que ter que enfrentar uma concesso... ter que enfrentar um poder nico, que seria o governo federal.

    B.S. - . De fato, parece at que foi em Belo Horizonte que se verificou que determinada turbina que tinha vindo de Cuba foi adquirida como se fosse nova na Bond and Share...[Risos] na Bond and Share de l. Esses eram fatos que se verificavam tambm normalmente, ningum controlava. No culpo os engenheiros porque os engenheiros tambm tinham um problema, eles tinham medo de tomar uma atitude que as autoridades superiores combatessem.

    P.R. - Exatamente.

    B.S. - De modo que a fiscalizao falhava pela base, pela falta de apoio na estrutura superior. A que falhava tudo, e...

    E.M. - Dr. Barbosa, eu gostaria de indagar sobre algumas observaes que o senho r j fez h algum tempo. Primeiro, eu gostaria que o senhor deixasse registro de quem foi o senhor Anhaia Melo e qual foi a importncia dele, no sentido de elucidar algumas questes relativas ao setor de energia eltrica. Est bem? E, depois, os grupos que o senhor falou que havia, grupos de interesse, que ajudavam a Light a no cumprir o Cdigo de guas, ou a encontrar formas de burlar o Cdigo. Eu queria que o senhor repassasse esses dois pontos, antes de prosseguirmos.

    B.S. - O Anhaia Melo foi uma figura realmente fundamental com os trabalhos dele. No sei se conhece os trabalhos dele? Eu tenho, alis, livros publicados por ele e fundados quase todos exatamente nisso: procurando transportar para o Brasil as regras fundamentais das public utilities americanas. Os trabalhos dele so uma coisa curiosa por mostrar como os Estados Unidos se defendiam atravs de comisses especiais que controlavam propriamente as atividades destas public utilities; o que no Brasil no existia, porque a fiscalizao no funcionava. Mas l, eles eram rigorosos, tinham um poder enorme no mbito da escrita das prprias empresas, sobretudo para verificar os investimentos. Porque, no raro, eles se encontravam com investimentos majorados, superfaturados, isso nos livros americanos que tratam da matria. Na ocasio, eu estava ao corrente exatamente dessa bibliografia americana, eles acentuavam muito porque o nmero era considerado superfaturamento realmente, e a margem que eles conseguiam atravs desta falsificao dos preos das mercadorias, que funcionavam nos investimentos deles prprios. Porque esse superfaturamento servia para a fixao da tarifa; tambm a, eles tinham o escrpulo de verificar rigorosamente os investimentos, eles queriam ajustar as tarifas a serem apenas uma compensao justa para os investimentos realizados, o que no Brasil nunca se fez.

    E.M. - Agora, dr. Barbosa, no seu prefcio o senhor diz que se o Cdigo de guas no tivesse uma vigncia para as grandes empresas estrangeiras, para a Light e a AMFORP, ele teria prejudicado algumas empresas nacionais. Isso verdade?

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    B.S. - Bom, na fundao da prpria Light, a Light teve que competir com um grupo da famlia Guinle, Eduardo Guinle, por isso que eu insisto muito, tambm, em que no inqurito a respeito disso no se deixe de incluir o artigo que o Eduardo Guinle publicou no Jornal do Comrcio com esse ttulo: "Os negcios da China da Light". um artigo admirvel, em que ele trata de vrios desses problemas, desses aspectos, e no difcil de encontrar esse artigo, porque...

    E.M. - Saiu em um Caderno de Opinio tambm.

    B.S. - Porque est no Caderno de Opinio e sobretudo est num livro publicado pela Procuradoria Geral por iniciativa do Jos Gis - que foi um dos procuradores da prefeitura -, num livro que se intitula Abusos do poder econmico. Ele transcreve esse artigo publicado pelo Eduardo Guinle, ele d realmente esses antecedentes e mostra que j naquela ocasio houve grupos de presso forando a entrega das concesses a uma companhia que depois os transferiu Light.

    P.R. - O senhor disse tambm, no prefcio livro do Catulo, que antes da vigncia do Cdigo de guas, o crescimento anual da rede de produo energtica do Brasil variava na ordem de 28 mil quilowatts por ano, e que depois da entrada em vigor do cdigo, ela teve uma expanso de quase 400%, quer dizer, passou a ser 129 mil quilowatts por ano. O senhor v uma interferncia direta da poltica do Cdigo como fator de propulso dessa expanso?

    B.S. - , no s, como tambm a exigncia da prpria populao, porque a utilizao da eletricidade foi crescendo, de modo que a presso continuou a se fazer de maneira mais viva para uma produo maior de energia eltrica.

    P.R. - Mas isso interferindo inclusive nas pequenas concessionrias das prefeituras municipais, por exemplo?

    B.S. - Tambm interferindo nas pequenas concessionrias, porque todos os municpios tinham no seu programa esta idia: instalar energia eltrica para ter iluminao atravs da eletricidade. Porque era um benefcio de tal ordem para as populaes locais, que houve um clamor muito maior para a produo de energia. E medida que se ia expandindo o conhecimento do uso das aplicaes da energia eltrica, essa questo crescia, avultava cada vez mais. De modo que isso no deixou de ser realmente um empenho muito grande, como posteriormente houve um empenho para o aumento da produo de eletricidade para atender s indstrias. Tambm a, depois, comearam a surgir indstrias que exigiam a produo de energia eltrica, para evitar exatame nte que um capital qualquer que se destinasse indstria tivesse que se acrescentar ainda despesa necessria para se ter um motor prprio. Eu encontrei Pernambuco, por exemplo, j nessa situao, porque a empresa de energia eltrica de l era deficiente, e as fbricas de l tinham um setor de produo de energia eltrica. O Othon, por exemplo, na fabricao de tecidos tinha sua instalao prpria. Eu acho que tambm a Paulista tinha tambm sua instalao prpria. De modo que era uma coisa que onerava

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    muito e exigia que houvesse um capital muito maior para se poder ter os dois destinos. Quer dizer, de uma indstria determinada acrescentava a mais a produo de energia eltrica.

    E.M. - J que o senhor fez a referncia situao energtica de Pernambuco, eu gostaria de fazer uma indagao: se, no caso, o Cdigo de guas era ou no a razo da crise energtica? O senhor est colocando que medida que o processo industrializante brasileiro ia se fazendo presente, esse processo e a mudana do padro de industrializao iam gerando uma necessidade maior de consumo de energia eltrica pela prpria mudana do padro de industrializao, onde vo ser introduzidos, pouco a pouco, os bens de consumo durveis; enfim, a demanda da urbanizao vai se fazendo maior e naturalmente o consumo de energia eltrica vai ficar acima da oferta. As empresas estrangeiras, conforme o senhor colocou em seus trabalhos, no investiam e diziam que no podiam investir porque no podiam reajustar as tarifas condizentes com o volume de investimentos que teriam que fazer. Ento, na realidade, existia uma crise energtica que se revelava no cotidiano das cidades, atravs da prtica do racionamento. Eu gostaria de ouvi- lo em relao a isso, para dar uma concluso se o Cdigo de guas era ou no o principal responsvel pela crise energtica. E de que forma um no-investimento das empresas repercutia no cotidiano das cidades e no cotidiano da vida industrial brasileira?

    B.S. - Bem, quando eu fui candidato, e na campanha de 47, ns j tnhamos esse problema em Pernambuco. Pernambuco vivia em racionamento, sobretudo para indstrias, e era uma dificuldade muito grande obter energia eltrica para qualquer nova operao; praticamente no se obtinha. Mas como estvamos empenhados no programa da Paulo Afonso, e o Apolnio Sales era meu companheiro de luta, inclusive candidato a senador na chapa em que eu era candidato a presidente1, ns fizemos vrios comcios exatamente instituindo na instalao de Paulo Afonso, que no era aceita geralmente, nem aplaudida geralmente...

    E.M. - Eu imagino.

    B.S. - Como todos sabem, havia vrias correntes, inclusive o Eugnio Gudin, que se batia contra Paulo Afonso, porque ele dizia que era uma obra suprflua, porque, instalada, Paulo Afonso ia produzir um volume de energia eltrica que no teria consumidores. Era uma tese que ele sustentava, que ns combatamos, veementemente, insistindo junto ao governo federal. De modo que no era conveniente, na ocasio, nem mesmo lutar para que houvesse novos investimentos de outras fontes de energia eltrica, porque isso enfraqueceria o combate que se estava fazendo a favor da instalao de Paulo Afonso. Ns realizamos comcios inteiros l, mostrando o que seria Paulo Afonso, para Pernambuco e para o Nordeste em geral. E a est a prova: aquela energia que se reduzia a poucas centenas de quilowatts foi consumida rapidamente. Hoje a fbrica, a usina produz talvez quatro ou cinco vezes mais do que produzia antigamente, e o consumo no atende a todas as necessidades. Uma coisa curiosa que surgiu com a

    1 O depoente no foi candidato a presidente. Foi candidato a governador de Pernambuco nas eleies de 19 de janeiro de 1947.

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    energia eltrica que quando ela se instala como se se multiplicassem as necessidades de energia eltrica. Basta falar nela e os pleitos se manifestam logo de uma maneira enrgica, no ? E ns fizemos a campanha toda nesse sentido, de apoio a Paulo Afonso para enfrentar as resistncias que havia nos economistas em geral, economistas influentes como era o Eugnio Gudin. Eugnio Gudin, inclusive, um homem que sempre viveu s custas da Bond and Share. Ele foi um dos diretores da Bond and Share, de modo que a idia dele...

    E.M. - Da Great Western tambm?

    B.S. - Tambm. Da Great Western tambm. Primeiro ele foi da Great Western, depois ele passou para Bond and Share e na Great Western teve, alis, um episdio com ele que eu achei muito interessante: porque ele gostava de ter uma parte tambm de esporte e conseguiu que um vago da Great Western fosse instalado na praia de Olinda para servir de banheiro. Por que naquela poca ningum saa de casa vestido para tomar banho, tinha um banheiro na praia, em que se mudava a roupa [risos]; era uma coisa curiosa. Ele tinha esse vago que ele instalou na praia do Farol em Olinda, e... veio, muito tempo depois, a censurar os postos da Eletrobrs na praia de Botafogo por serem antiestticos.2 [risos] E quando comparvamos a esttica dos postos de l com a esttica do vago da Great Western, dvamos at risada de ver como evolura, no ? [risos]

    P.R. - Quando a CHESF, a Companhia Hidreltrica do Vale do So Francisco, estava sendo planejada, evidentemente que ela contou com a oposio decidida da Bond and Share porque ela ia operar na regio controlada pela Bond and Share. Mas qual foi, por exemplo, a posio adotada de um modo geral pela indstria de Pernambuco? Porque nessa poca o senhor era governador.

    B.S. - L, todos defendiam necessariamente a instalao da usina de Paulo Afonso, e embora tivesse havido um episdio curioso, porque quando eu estava discutindo o problema com o Apolnio, e debatendo e manifestando o interesse crescente que ns tnhamos pela instalao de Paulo Afonso, o meu competidor, que alis era muito meu amigo...

    P.R. - Neto Campelo.

    B.S. - Neto Campelo... Ele tinha sado do meu partido, no qual alis ele havia sido includo na comisso diretora por meu esforo pessoal, mas, sabe o que so interesses polticos, ele foi desviado e passou ento a ser exatamente o candidato oposto minha candidatura. E nessa ocasio ele me criticava, porque ele achava que esse assunto da Great Western3 era um assunto federal, de modo que o governo do estado no tinha a maior interveno no caso, como se essa interveno do pleito, da propaganda, do esforo, no fosse tambm uma cooperao til e necessria...

    2 Os postos so da Petrobrs, no da Eletrobrs. 3 O entrevistado na verdade refere-se a Paulo Afonso.

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    P.R. - Paulo Afonso, no ?

    B.S. - Paulo Afonso. Ento nessa ocasio ele dizia que achava que como governador do estado, e dentro do programa dele, ele iria resolver os problemas que estivessem na esfera do prprio estado. Sabe? Ele disse: "O trivial". Eu, alis, tive a oportunidade, quando jornalistas me procuraram, de dizer: "Bom, se a alada do governo do estado fosse resolver realmente a soluo do trivial, bastava uma cozinheira". [risos]

    P.R. - Essa questo da construo da hidreltrica do So Francisco uma coisa muito interessante, porque no CPDOC temos uma entrevista gravada do Manuel Novais, onde ele atribui a construo da usina interferncia dele. Mais recentemente, dentro de um projeto da Petrobrs - igual a este que estamos fazendo aqui com relao Eletrobrs o Drault Ernani diz que teve grande participao nisso o embaixador americano Adolfo Berle, que era favorvel construo da usina. A mim parece que isso no tem muita relao, dr. Barbosa. O senhor est a par, mais ou menos, da forma como se desenvolveu junto ao governo federal a viabilidade da construo da usina de Paulo Afonso?

    B.S. - Eu sempre acreditei que teve uma grande influncia nisso do Apolnio Sales. O Apolnio Sales foi ministro da Agricultura nesse tempo, trabalhou muito junto do Dutra, ele tinha uma verdadeira fascinao pela realizao de Paulo Afonso. E eu acho que um ministro de Estado teria um acesso considervel junto ao Getlio, outra coisa que se pode atribuir em grande parte interferncia do Getlio...

    P.R. - Alis, o decreto foi assinado no dia da deposio dele, 29 de outubro de 45.

    B.S. - Pois . Mas para ver como, de fato, ele estava tambm empenhado e rendido a esta coisa. Agora depois dessa fase a poltica de Pernambuco e a poltica daqueles outros estados se fizeram sentir, no sentido de conseguir realmente a realizao da usina de Paulo Afonso. De modo que possvel que o embaixador americano - e ele talvez tivesse uma viso maior do que o Gudin nesse caso[risos], no ? tambm tivesse cooperado. Nesse ponto eu no tenho informao. Agora, ele era um homem inteligente, o Berle.

    [FINAL DA FITA 1-A]

    B.S. - Agora, as foras polticas agiram sempre no sentido de defender a construo de Paulo Afonso.

    E.M. - Mas, dr. Barbosa, em relao a essas foras polticas eu gostaria de colocar a seguinte questo: se havia uma crise de energia eltrica e se o senhor disse que essa crise tambm era ditada pelo aumento da demanda dos setores industriais, e uma vez

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    que Rio e So Paulo nessa poca tinham um desenvolvimento industrial que ia frente do Nordeste, ento como que foi essa questo? Na realidade a primeira empresa energtica do governo federal surge no Nordeste, e eu fao a seguinte pergunta: ser que a Light e a AMFORP teriam deixado uma construo exatamente na regio Sudeste, ser que teria condio, viabilidade poltica, de acontecer isso?

    B.S. - Nessa ocasio houve um florescimento de pedidos de instalaes no Brasil e o poder pblico passou a intervir. A CEMIG em Minas Gerais uma demonstrao disso, com vrias usinas que ela procurou promover. O Rio Grande do Sul tinha tomado a frente de tudo isso, com um programa admirvel do No de Freitas; comeou no tempo de Vlter Jobim, mas o Brizola teve depois uma interveno decisiva nessa fase de... exatamente de desenvolvimento de energia eltrica no Rio Grande do Sul. Quer dizer, todos sent iam que no podiam cruzar os braos espera do socorro estrangeiro, porque o socorro estrangeiro ficava sempre numa demanda de tarifas, muitas vezes tarifas excessivas, tarifas que no eram recomendadas nem pelos prprios investimentos realizados. De modo que o Brasil acordou em vrios locais para a realizao de obras dessa natureza e a Light tanto no recuou que ela fez um esforo...

    Ns, outro dia, at conversamos sobre isso na Semana de Energia Eltrica, que se realizou em So Paulo, que foi um pleito da Light e tambm um pouco da Bond and Share, para que a receita do Fundo de Eletrificao se destinasse tambm s empresas estrangeiras. Eles fizeram um esforo grande, tanto que retardaram a criao da ELETROBRS. Uma coisa curiosa... A ELETROBRS tinha sido projetada e apresentada pelo Getlio, na prpria mensagem de 54, as duas foram juntas para o Poder Legislativo. Entretanto o... Poder Legislativo decidiu imediatamente a criao da taxa de eletrificao e ps de lado a criao da ELETROBRS. Tanto que a ELETROBRS s veio a ser criada j no tempo do Jnio, sete anos depois. E foi instalada pelo Joo Goulart. Bem, agora esse perodo todo foi consumido pelo esforo dessas companhias estrangeiras que queriam exatamente ver se a receita do Fundo de Eletrificao se destinava s companhias estrangeiras que j estavam frente do setor de eletricidade. Tanto que... era uma coisa curiosa que, naquele tempo, havia quem exaltasse muito a cooperao da Light, conta-se at que o prprio Castelo Branco - num momento em que recebia um americano que vinha a representando aquele desarmamento moral -, ele teria recebido o americano e o americano estava entusiasmado com o progresso industrial de So Paulo e ele disse: "O senhor sabe, ns devemos tudo isso Light ". [risos] Sabia disso?

    P.R. - Sabia.

    B.S. - Eu procurei apurar depois essa confisso, no sei se os jornais da poca tinham registrado, mas no encontrei, no sei como a gente podia chegar verificao disso, mas me parece que uma realidade, "devia-se tudo Light". A Light que exatamente... O Catulo Branco apresentava como sendo o contrrio disso, no ? Uma resistncia ao progresso industrial do Brasil.

    P.R. - O senhor no acha, dr. Barbosa, que h uma certa ambivalncia da parte do governo Dutra, porque ao mesmo tempo em que ele incentivava a criao da hidreltrica

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    do Vale do So Francisco no Nordeste, atendendo a uma necessidade que era realmente vital ele no tomava nenhuma iniciativa no sentido de aumentar o potencial energtico do Vale do Paraba, que entrava numa fase j aguda de racionamento, afetando exatamente a produo industrial de uma regio estratgica, que o eixo Rio-So Paulo.

    B.S. - Talvez houvesse alguma irresoluo, mas tambm havia um trabalho exatamente no sentido contrrio criao dessa usina. Alis, a no prefcio, eu aludo questo daquela usina daqui do Paraba e saliento a ao do Carlos Lacerda, que teve uma ao muito brilhante na defesa daquelas empresas quando ele teve oportunidade de dizer a esses advogados da Light que era uma coisa de mo dupla, no ? Eles defendiam s um lado do problema, mas no viam o outro, que era a necessidade realmente da criao da energia eltrica. Eu Cheguei at a escrever numa revista, no sei se na Civilizao Brasileira, um trabalho sobre essa usina do Vale do Paraba. Mas no sei nem se tenho guardado esse trabalho, mas eu estudei um pouco isso e me pareceu que foi realmente um ponto da demonstrao de como essas foras estranhas interferiam no processo de desenvolvimento brasileiro.

    P.R. - Essa usina do Vale do Paraba no uma que a Light, para custe-la, havia solicitado um, emprstimo de noventa milhes de dlares?...

    B.S. - A usina de Salto, no ?

    P.R. - A usina de Salto, esta foi anterior, foi no tempo do Estado novo ainda, no foi? Para fornecer energia Central do Brasil, foi isso?

    B.S. - Para fornecer energia Central do Brasil, e eles se opunham a essa usina, no sei com que argumento. Eu analiso isso nesse artigo.

    P.R. - , porque a Light queria fornecer.

    B.S. - Engraado que quando se veio depois a voltar a esse assunto, se verificou que o custo total da usina tinha sido... pouca coisa diante do pagamento de energia eltrica Light.

    P.R. - Perfeito.

    B.S. - Quer dizer o pagamento da energia da Light excedia de muito o total dos investimentos necessrios construo dessa usina. Para ver que insensatez que havia exatamente nessa resistncia.

    P.R. - Exato. Mas no tempo do governo Dutra, por volta de 48, quando estava se acentuando o problema do racionamento aqui na regio Centro-Sul, a Light parece que

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    foi coagida pelo governo federal a construir a usina de Peixotos, e ela alegava que para construir a usina de Peixotos, ela precisava de um emprstimo externo, que naquela poca era de noventa milhes de dlares, e que esse emprstimo s seria concedido com o aval do governo federal. E o governo federal estava disposto a dar, ou deu, no lembro bem, mas eu sei que houve uma... revolta no Congresso muito grande, o fato foi muito denunciado; eu no sei se o senhor est lembrado desse fato?

    B.S. - Mas acabaram dando o emprstimo.

    P.R. - Acabaram dando, no ?

    B.S. - Acabaram dando o aval tambm. E a apesar das emendas que se apresentaram, no sei se do Hermes de Lima ou de outros, porque eles queriam que esse emprstimo se transformasse em aes do governo federal dentro da Light. Porque, afinal de contas, era um emprstimo que vinha do estrangeiro com o aval do governo federal, o governo federal tinha que aumentar a tarifa para o pagamento desse emprstimo e por que no transform-lo desde logo em aes da Light? Foi um verdadeiro crime que se fez, dando aval a um emprstimo que ia aumentar o capital da Light e consequentemente criar para o governo do Brasil... apesar do aval, o direito de indenizar, atravs da tarifa, esse emprstimo que se obtinha para a Light. Foi uma das coisas, realmente, menos defensveis do governo brasileiro, foi a concesso desse aval sem nenhuma compensao.

    P.R. - Mas convertendo em aes do governo federal, na verdade, ento, o governo federal que ia pagar esse emprstimo.

    B.S. - Ia pagar, ... Ia pagar o emprstimo atravs das tarifas tambm. Quer dizer, o povo do Brasil que ia pagar. Para ver quantos crimes se cometeram margem dessa explorao da Light.

    E.M. - Dr. Barbosa, que lembrana o senhor tem de quando foi instaurada em 52, na Cmara, uma CPI sobre o racionamento, e do fato de que o Vargas em 53 teria sustado essa ao do racionamento? O senhor tem alguma lembrana dessa poca?

    B.S. - No tenho informao. Porque, como eu digo, durante o curso da vida a gente tem fases em que se dedica inteiramente a um problema, a depois solicitado por outro problema a que precisa tambm se entregar de maneira total. E eu estava nessa fase... tinha deixado de ser deputado, eu estava integrado na Procuradoria da prefeitura e interessado em todos os problemas, e esse da Light foi um dos problemas, mas eu tinha uma atividade... Houve ocasio l que eu acompanhava cem processos na Procuradoria. A, alis, vem uma das minhas explicaes para o Brasil. Eu comecei a negar que houvesse sinecuras, no h sinecuras no Brasil, o que h so sinecuristas. [risos] Eu raciocinava isso, se puser uma pessoa com conscincia de trabalho e hbito de trabalho, no lugar em que parea que no h realmente maior ocupao, ele descobre meio de

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    tornar aquilo numa fbrica de trabalho. Agora se se puser um sinecurista no lugar mais trabalhoso do Brasil, ele converte em sinecura.[risos] Isso no lhe parece que uma teoria aplicvel ao Brasil? [risos]

    P.R. - O senhor exerceu a Procuradoria de 1951 a 58, no ?

    B.S. - A 58.

    P.R. - No perodo do governo do Getlio, mas antes tambm o senhor j tinha sido procurador?

    B.S. - No. No tinha sido procurador.

    P.R. - Ah, no. Quer dizer naquele perodo de 37... Ah, bom, o senhor era deputado, depois o senhor foi para o IAA.

    B.S. - Eu fui para o IAA at 45, quando...

    P.R. - Quando se candidatou a deputado.

    B.S. - Em 46 eu fui eleito deputado e fiz ento o relatrio. Eu tenho um relatrio da atividade do Instituto que... tambm foi uma fase em que eu me envolvi e me deixei envolver pelos problemas da indstria aucareira. E o Estatuto da Lavoura Canavieira um estatuto precursor. Porque, inclusive, ns criamos a justia agrria, a primeira justia agrria criada no Brasil foi no Estatuto da Lavoura Canavieira. Uma justia agrria que consiste nisso: os dissdios entre os usineiros, fornecedores e plantadores de cana, so entregues a uma comisso formada de um representante de usineiros. Sistema trabalhista: um representante dos usineiros, um representante dos plantadores ou fornecedores de cana e um elemento do governo que d opinio. Mas, sobretudo, o essencial a que a organizao da prova feita pelo prprio Instituto, porque a grande dificuldade para o pequeno produtor que ele no tem recursos para organizar a prova, de modo que, quando vai ser julgado o pleito dele, sempre, o grande proprietrio supera o pequeno proprietrio, porque tem advogados vontade, organiza uma prova excelente e consegue as decises mais favorveis em todos os tribunais. Como se est vendo nesta questo dos posseiros e tudo mais.

    P.R. - exato.

    B.S. - Isso continua. Agora no Instituto ns modificamos, e embora houvesse recursos para a justia comum, a prova era organizada de tal maneira, que as decises dadas eram aceitas pelos dois lados, porque eles sabiam que se fossem para a justia comum, a justia comum corroborava a prova organizada pelo Instituto; e a muitas dessas

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    decises foram a favor dos pequenos proprietrios. A fiquei envolvido por esses assuntos e no tendo tempo para cuidar de outras coisas.

    P.R. - O senhor j falou em vrios artigos a respeito do seu aprendizado nacionalista. O aprendizado nacionalista do senhor foi durante o tempo da Procuradoria, exatamente em funo desse problema da energia eltrica?

    B.S. - . Antes eu j tinha tido um aprendizado; quando fui relator do processo que criava o Instituto de Resseguros. E eu fiz um trabalho longo, tenho talvez umas setenta, oitenta pginas daqueles anais da Cmara, que r dizer, uma verdadeira monografia, estudando o assunto e chegando at a concluso favorvel nacionalizao dos seguros. De modo que foi o meu primeiro trabalho. Agora, depois, envolvido nesses problemas do acar, eu me afastei um pouco, at que depois voltei a essa questo, j na Procuradoria, da presena da Light, dos pleitos que a Light apresentava. E ento, a, a minha convico nacionalista se fortaleceu, porque eu no cheguei a entrar diretamente na questo do petrleo, eu acompanhei de longe a questo do petrleo, mas acompanhei de uma maneira que tambm no deixou de ser til campanha, porque em Pernambuco no se perseguiu ningum, no se prendeu ningum pelo fato de defender o monoplio do petrleo. E eu tinha, no governo do estado, dois secretrios fazendo comcios a favor do monoplio do petrleo, que era o Miguel Arrais e o Barros Barreto. Lus Antnio Barros Barreto. [risos] De modo que isso era at uma prova de que o governo estava muito mais para l do que para c, no ? [risos]

    P.R. - Nesse perodo da Procuradoria, o problema principal em que o senhor se envolveu, nesse caso de energia eltrica, foi aquele processo da reavaliao dos ativos, no foi? O processo principal no qual o senhor se envolveu em relao Light, foi naquela fase da tentativa de reavaliao dos ativos, no foi?

    B.S. - No. Foi mais na questo da...

    P.R. - Bens... devoluo dos bens?

    E.M. - Bens reversveis.

    B.S. - Na questo da reversibilidade.

    P.R. - Ah... sim.

    B.S. - Que eu chamei depois, at em artigo: "A clusula maldita"; porque foi uma clusula que nunca se aplicou. Figurava nos contratos e com uma circunstncia curiosa: figurava nos contratos a pedido dos prprios concessionrios. Eu fiz demonstrao disso nesse parecer que apresentei ao Instituto: que fora a prpria Light, nos contratos iniciais,

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    que propusera a reversibilidade como meio de conseguir a concesso. Agora, depois, apesar de tudo isso, na hora de se aplicar desaparece a clusula; clusula maldita, no ?

    P.R. - Mas nesse perodo, tambm, no houve uma tentativa de reavaliao dos ativos?

    B.S. - Houve uma tentativa, que foi objeto tambm de discusso na Cmara. Eu votei a favor de uma emenda do Srgio Magalhes que se destinava exatamente a hostilizar essa reavaliao dos ativos nas prprias concessionrias. Quem chefiou essa campanha foi o Srgio Magalhes , talvez fosse interessante tambm ouvir o Srgio Magalhes nesse setor, porque ele teve uma atuao muito interessante. Est no programa de vocs ouvir o Srgio ou no?

    E.M. - A princpio no, mas a gente aceita a sugesto.

    P.R. - Ele est previsto para o projeto da Petrobrs.

    B.S. - Mas eu vou ver se descubro tambm esse estudo que eu fiz... Tenho a impresso que saiu publicado naquela revista Civilizao Brasileira. Mas tanta coisas que eu tenho escrito na... vida; s de lbuns de artigos, eu tenho vinte lbuns grandes de artigos.

    E.M. - Dr. Barbosa, voltando um pouco sua atuao enquanto procurador-geral do...

    B.S. - Eu nunca fui procurador-geral, nem nunca aspirei a ser um procurador-geral. [risos] Porque o Procurador-geral um elemento poltico do governo e exatamente com meu afastamento da vida poltica, eu no queria ser procurador-geral porque, de certa maneira, haveria uma responsabilidade poltica.

    E.M. - Ento o senhor enquanto procurador, o senhor se debateu sempre contra a Light, para que a Light pudesse inclusive fazer valer os deveres dela na concesso. Eu me lembro que o senhor fez meno, em algum artigo que o senhor redigiu, acerca do pssimo estado de conservao dos transportes no Rio, e que parece que a Light no queria fazer a conservao dos bondes eltricos. Como que foi isso? O senhor lembra?

    B.S. - Eu defendi tambm os bondes... porque achava que tinha oportunidade at de dar parecer, no tempo do Carlos Lacerda. Esse parecer est l tambm na Procuradoria, no sei se eu tenho cpias em casa... Eu tenho, alis, uns volumes de pareceres tambm dados na Procuradoria; o caso que eu teria de folhear para saber. [risos]

    E.M. - O senhor tambm faz meno e diz que a Light usava os recursos de tarifas para comprar bens de capital ou fazer investimentos e que o contrato de concesso no

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    admitia essa hiptese. O senhor poderia me explicar um pouquinho melhor como que era isso?

    B.S. - Isso... Eu no estou bem lembrado do fato no. Mas eu sempre me bati por esse aspecto porque, alis, de acordo com as public utilities americanas, o capital tem que ser investigado diretamente para verificar o montante real dele, porque s justo fixar a tarifa diante de um capital realmente apurado, no de um capital alegado, tem que ser um capital apurado pelo prprio poder concedente, porque atravs dele que se vai fixar a tarifa correspondente. Isso nunca se fez... como no se fez inclusive nas indenizaes, porque era um absurdo, depois, quando se faziam essas apuraes do valor da concesso somava-se tudo: parafuso, tudo... O prprio Joo Goulart dizia: "At o ltimo parafuso". Quando no se tratava de nada disso no ? Tinha que se ver o que resultara propriamente de investimentos de capital da Light, porque era uma coisa voc observar realmente o conjunto de propriedade da Light e verificar, depois, que investimentos ela teria realizado para a realizao desse capital, desses investimentos. Aquilo no havia coincidnc ia, muita coisa era comprada com a renda da prpria companhia, quer dizer, muitas vezes com uma supertarifa; tanto que a natureza de supertarifas estava verificadas, porque ela no abandonava a remessa de dividendos. Quer dizer, remetia o dinheiro e ainda tinha saldos para fazer esses investimentos. Ento, esses investimentos eram feitos pelo povo e no pela Light. Era a concluso a que eu chegasse talvez, no ? Quer dizer, era uma supertarifa, no se justificava de maneira nenhuma, no havia base nenhuma para voc conceder direito a uma tarifa para compensao do capital da Light e outra sobretarifa para ela fazer investimentos. Esses investimentos eram do povo e no da Light, no verdade?

    P.R. - Claro.

    B.S. - Foi sempre a tese que eu defendi tambm na prefeitura, porque me parecia um absurdo que se tornou corrente... Quando eles faziam tambm a verificao dos bens da Light, eles somavam tudo sem levar em conta realmente essa origem: se resultara de investimentos novos ou se fora aplicao de um capital investido pela prpria Light, capital novo que ela trouxera concesso. Nunca se fez nenhum exame nesse sentido. Eu achava, alis, que a frmula mais real - voc veja o que o Brasil - para chegar ao domnio da desapropriao dela, no seria a indenizao propriamente dos bens; seria a posse das aes compradas nas bolsas em que elas estivessem presentes. Mas o Carvalho Pinto tomou essa orientao em So Paulo com as estradas de ferro, e a Justia de So Paulo ps abaixo, e o Estado est pagando somas terrveis para cobrir esse capital terico que nunca chegou a ser aplicado. Porque... uma das crticas que eu fazia era achar que as faculdades de direito tm um currculo falso, porque s ensinam regras jurdicas, no ensinam economia dos contratos. A parte de economia devia ser estendida exatamente aos cursos jurdicos para que eles, quando aprendessem as regras jurdicas, elas no estivessem longe tambm da anlise da economia dos contratos, porque a economia dos contratos que elucida muito mais, s vezes, do que propriamente uma regra jurdica aplicada a esmo sem uma base total na relao econmica.

    E.M. - Dr. Barbosa, e a Light chegou a tomar conhecimento sobre o parecer tcnico que o senhor elaborou?

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    B.S. - Eu creio que sim, porque ela deve ter contestado, isso, alis, foi decidido em... Foi uma coisa meio misteriosa, porque essa questo dormiu no sei quantos meses, ou anos, no ? Numa Cmara do Tribunal de Relao, e no se decidia porque havia um juiz ntegro, que era um obstculo exatamente s solues que os dois outros j tinham concordado, no ? Ento, eles fizeram uma manobra para que esse juiz ntegro fosse convidado para o Tribunal Eleitoral. Ele de fato passou a figurar no Tribunal Eleitoral, ento eles completaram a comisso com um suplente qualquer e conseguiram ter unanimidade,... com o que eles invalidavam, depois, em recursos futuros ao prprio Supremo Tribunal. Essas coisas eram bem aplicadas. [risos] Agora, dois desses juizes que decidiram essa questo, tambm no tiveram nenhuma cerimnia, porque nesse mesmo ano foram fazer longas viagens ao estrangeiro.

    E.M. - E isso vazou para a imprensa, dr. Barbosa?

    B.S. - No. No vazou para a imprensa, nem eu gosto de citar o nome das pessoas, que at um deles at era meu amigo, mas eu no... essas coisas que a gente lamenta, a fraqueza da humanidade. [risos] Essas manobras de bastidores, no ?

    [FINAL DA FITA 1-B]

    2 Entrevista: 14.08.1987

    E.M. - Eu gostaria de recomear o nosso depoimento recolhendo impresses acerca de como foi o clima no momento da encampao da companhia AMFORP, no Rio Grande do Sul pelo governador Brizola.

    B.S. - Eu tenho alguns artigos a, at nos Estudos Nacionalistas, apoiando a ao do Brizola. No Rio Grande do Sul, alis, h que se destacar uma figura que foi a mais importante de todo esse processo, foi No de Freitas. No de Freitas era um engenheiro, um homem de uma integridade total e que, frente desse setor de eletricidade, projetou todo o aproveitamento que podia haver nos rios de l do Rio Grande do Sul. E ficou realmente com uma funo total neste domnio. At houve um episdio com ele que... abriram um crdito para ele num desses bancos internacionais, mas ele estava obrigado a comprar o material todo l nos Estados Unidos e, numa viagem que ele fez, encontrou em outros pases uma diferena to grande dos preos dos Estados Unidos para os preos pelos quais ele podia comprar aquele material, que ele abriu mo do crdito. [risos] A senhora v como era um homem de uma integridade total. Outro qualquer teria concordado em utilizar-se dessa coisa e pedir comisso.

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    E.M. - Nessa poca, na poca da encampao, como que reagiu a imprensa, quer dizer, como que houve a diviso entre os nacionalistas e os defensores da Light e da AMFORP, como que se dividiu a imprensa?

    B.S. - Todo esse orphon que h por a para a defesa do capital estrangeiro, todo ele se mobilizou e atacou o Brizola, no tenha dvida nenhuma. Tanto que eu tenho, ainda hoje, uma grande admirao pelo Brizola porque foi o nico brasileiro que enfrentou realmente a ITT. Enfrentou, naquela ocasio, corajosamente, deliberadamente, a ITT que defendia as companhias americanas, e com um argumento interessante, porque ele achava que os lucros excessivos obtidos por essas companhias, alm dos dividendos fixados no prprio contrato, eram lucros to altos, to grandes, que realmente no se tinha que indenizar coisa alguma a elas. Quando muito, se poderia at exigir que elas pagassem esse excesso de lucros. Esse foi um aspecto que nas concesses, nunca se observou rigorosamente, e pelas concesses elas tinham direito a uma determinada tarifa que cobrisse as despesas realizadas pela concesso. Agora, alm dessas... elas no tinham direito a nada, mas elas recebiam importncias muito maiores que isso, de modo que no exame de " escrita" feito a no Rio Grande do Sul com tcnicos os mais abalizados, os mais competentes... E a at quem lhe podia ajudar muito era o Cibilis Viana. Cibilis Viana figurou tambm nesse processo, ou nesse inqurito. Eles verificaram que os lucros eram excessivos, que no tinham que indenizar, pagar coisa alguma, at podiam tomar conta da empresa sem nenhuma compensao. E o Brizola ficou frente desse processo e encampou a responsabilidade do que seria um conflito internacional dado o prestgio da ITT.

    P.R. - A empresa do Rio Grande do Sul, posteriormente, em 1964, fez parte daquele grupo que foi negociado com a AMFORP, no isso?

    B.S. - Com a AMFORP, .

    P.R. - Agora nesse perodo ela ficou sub judice? O processo ficou sub judice, dr. Barbosa? Porque parece que a companhia recorreu ao Poder Judicirio.

    B.S. - Recorreu ao Poder Judicirio. Eu sei que recorreu ao Poder Judicirio. Agora no se bem das decises dadas na ocasio. Mas o Cibilis Viana, que eu tenho a impresso que figurou entre os contabilistas que estudaram realmente a contabilidade dessas empresas, ele poder dar um depoimento muito interessante.

    P.R. - Ah, o senhor no sabe se da apreciao judiciria houve algum resultado?

    B.S. - No sei.

    E.M. - O Correio do Povo fez uma denncia na poca, que em trs estados a AMFORP havia tido lucros excessivos: o Rio Grande do Sul, Pernambuco e Minas Gerais. O

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    senhor enquanto governador de Pernambuco se lembra de alguma coisa em relao a isso?

    B.S. - No, porque nessa ocasio a coisa estava... parada, no ? E sem maior interesse porque j se estava fazendo as obras do So Francisco que iam resolver definitivamente. De modo que a nossa atuao era apenas administrar o fim do contrato. Ainda faltava, parece, algum tempo para o contrato se concluir, pleitear a reverso gratuita como estava no contrato e esperar que viesse o So Francisco para fornecer energia eltrica, porque j no adiantava a gente impedir, propriamente, as empresas eltricas brasileiras. Alis, quando chegou o momento da reverso, eles conseguiram, com todos os casos que eu chamo de pr-reverso, uma clusula maldita. Conhecia-se o perodo da reverso, por isso nenhuma delas vencia... revertia gratuitamente, todas elas eram pagas por um preo excessivo. Essa a realidade do Brasil, fazia um contrato de reversibilidade para qu? Se, no momento em que deveria reverter, no revertia. O caso da Light aqui expressivo, porque faltavam dez ou doze anos para uma reverso gratuita e foi nessa hora exatamente que eles compraram a Light para agradar aos Estados Unidos. Porque achavam que... nesse caso entra a poltica dos Estados Unidos em cena, pleiteando os interesses dos Estados Unidos, e refora a ao do Gallotti e dos outros. E eles obtm um pagamento para uma coisa que reverteria gratuitamente.

    E. M. - Dr. Barbosa, o senhor, enquanto procurador da Prefeitura do Rio de Janeiro, se debateu muito contra os abusos do poder econmico da Light. O senhor se recorda de alguma vitria sua em relao ?...

    B.S. - No. Eu... eu no obtive nenhuma vitria nesses casos, apenas resultou do meu trabalho que fui pouco a pouco modificando a prpria... tendncia, a prpria idia, da consultoria da Procuradoria Geral. Porque a Procuradoria, at ento, achava que a Light tinha razo e foi a partir da minha ao na Procuradoria, que ento, depois disso, a Light passou a no ter tanta razo, como tinha anteriormente. De modo que... nessas coisas que temos que pensar, na funo do semeador. O semeador til tambm porque [risos], se ele no semear, no se consegue...

    E.M. - o mais importante.

    B.S. - E eu tinha pacincia o bastante para saber que estava enfrentando um poder acima das minhas foras, nunca tive esperanas exageradas nesse caso. Sabia que estava defendendo porque era o cumprimento de meu dever. Mas esperana vital eu no podia ter, porque eu sabia da engrenagem toda... Nesse caso, por exemplo, do recurso fundamental, tinha havido aquele episdio - no sei se contei a vocs - que quem deveria julgar isso era uma Cmara determinada que tinha trs desembargadores, essa Cmara ps uma pedra em cima do processo, porque um dos elementos era um homem inflexvel, de uma probidade acima de todas as suspeitas. Ento eles foram trabalhando indiretamente para substitu- lo, porque os outros dois j estavam falados e concordaram, no ? [risos] De modo que, quando conseguiram que esse juiz incorruptvel fosse desviado para o Tribunal Eleitoral, com o afastamento dele para o Tribunal Eleitoral, abria-se uma vaga na Cmara, e chamava-se o interino para a Cmara. Este interino da

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    Cmara completava a unanimidade. A unanimidade para eles era importante porque havendo unanimidade aqui, no cabiam recursos ao Supremo Tribunal; a unanimidade fazia depender apenas de uma nova ao, sem xito, porque o Tribunal, naturalmente, consideraria que no era o caso... que tinha havido unanimidade. dessas coisas que... a justia que tambm fecha o caminho.

    P.R. - Dr. Barbosa, o senhor fala num dos artigos desse livro que na Cmara foi constituda uma Comisso Parlamentar de Inqurito, por iniciativa do deputado Coutinho Cavalcanti, que era do PTB de So Paulo, a fim de fazer uma investigao nos negcios da Light; e que essa CPI foi abafada pela UDN e pelo PSD, chegaram a tomar alguns depoimentos e depois a CPI se dissolveu assim automaticamente.

    B.S. - Na verdade, a Comisso foi constituda e foi nomeado presidente um general que era l do Paran, no me lembro agora o nome dele.

    P.R. - Humberto Molinaro?

    B.S. - No, no era... Era um outro general, no me lembro agora o nome dele.

    P.R. - Iber Bastos?

    B.S. - No. Sei que era um general do Exrcito. [risos] E o relator era o Bilac Pinto, que tinha escrito um livro notvel sobre as comisses fiscalizadoras das concesses nos Estados Unidos - chamavam-se public utilities - e que depois desse livro nunca mais se meteu nesse assunto, deixou, desinteressou-se do assunto. E a Comisso tomou alguns depoimentos, depoimentos que no foram publicados no Dirio Oficial do Congresso, e eu no sei se...

    E.M. - Esses depoimentos no foram publicados?

    B.S. - Eu devo ter alguns desses depoimentos. Mas meu arquivo anda to desorganizado e to abandonado, que no sei se teria facilidade de encontrar. Mas, se eu encontrar, eu ponho disposio de vocs.

    E.M. - Mas eles no foram publicados porque houve presso?

    B.S. - Eu no sei por que. Naturalmente possvel que a Light tivesse preferido que isso fosse clandestino, que quanto mais clandestino melhor para a Light. E o fato que a fora deles existia de fato... Eu nunca me iludi com o Gallotti e com o poder do Gallotti. E o Gallotti era apenas um representante desse conjunto todo nesse livro a, ele tambm se refere s foras que amparavam a Light em todos os momentos. Era um poder... eu citei j o Joo Mangabeira, no ? O Joo Mangabeira dizia que os caminhos do poder

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    passavam pelos escritrios da Light. Isso era a coisa mais exata que podia haver. De modo que, vencer a Light... Ela dispunha at de presidente da Repblica, como pde dispor de Epitcio Pessoa. Tinha os maiores advogados do Brasil, enquanto que, do outro lado, os sujeitos ficavam numa atitude de herticos, e podia-se at incorrer numa semana de So Bartolomeu. [risos] Eu sabia disso e no primeiro parecer que eu dei, por exemplo, o procurador-geral, que era o Oscar Saraiva, no aceitou. Eu j mostrava a questo da reversibilidade mutilada atravs dos bens imobilirios da Light.

    E.M. - Mas ele no aceitou em que termos? Por que no foi aceito o parecer?

    B.S. - No foi aceito por que o... naturalmente que o procurador deve ter ouvido o prefeito, o prefeito deve ter ouvido o presidente da Repblica... [risos]

    E.M. - Est explicado. [risos]

    B.S. - E todos eles concordaram que no convinha... A coisa passava sempre assim.

    E.M. - Mas... dr. Barbosa, uma coisa chama a ateno: se fala muito contra a Light e se fala, na minha opinio e na opinio dos pesquisadores em geral, um pouco menos da AMFORP. Nesse sentido eu lhe pergunto: ser que o relacionamento da AMFORP de com os governadores era melhor? Por que ser que a AMFORP de certa forma foi um pouco menos atacada do que a Light? Seria s a razo de natureza puramente econmica?

    B.S. - No. Provavelmente, foi, tambm, porque a AMFORP tinha menor nmero de concesses. A Light era muito mais poderosa porque tinha o Rio de Janeiro e So Paulo, bastava essa constatao para verificar. Enquanto que a AMFORP se contentava em ter aqui os maiores advogados em sua defesa, que era o Eugnio Gudin. O Eugnio Gudin era presidente.

    P.R. - Quem?

    B.S. - Eugnio Gudin era o presidente das Empresas Eltricas Brasileiras, da vm at suas manifestaes [risos], porque ainda agora eu o vi combater a construo da Siderrgica Nacional, porque achava que o Brasil no devia ter atividade industrial, o Brasil devia produzir apenas alimentos para exportar, quer dizer, voltar situao colonial que o Rui condenava, no ?

    E.M. - O senhor tambm fala, nos Estudos Nacionalistas, que um dos maiores defensores da AMFORP, o Roberto Campos - enquanto todo o Brasil dizia que a AMFORP j havia tido lucros excessivos no Brasil - ele parece que defendia com veemncia a compra da AMFORP num negcio bastante vantajoso, que o senhor diz

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    que foi da cifra de duzentos milhes de dlares. Quais seriam os argumentos do Roberto Campos? Como que ele conseguia mostrar que ele estava certo e os outros estavam errados?

    B.S. - A eles se tornavam nacionalistas. Era nacionalizar as empresas estrangeiras; [risos] e com isso eles pagavam um preo excessivo, tanto AMFORP como s outras, como prpria Light, porque isso era uma das concluses que eu cheguei: eles faziam um timo negcio na entrada e faziam um melhor negcio na sada. [risos] De qualquer modo, era um lucro permanente, no ? Porque j na hora de sair eles conseguiam preos fabulosos! O Sebastio Nery contou, na compra da Light, contou de uma expanso que o Antnio Gallotti j com algumas doses de usque, teria feito l. Falando em dezenas de milhes de dlares obtidos nessa ltima operao da Light. O Santiago... tem at um artigo publicado por ele, com essa revelao. Ele estava numa mesa de restaurante em que estava tambm o Antnio Gallotti, e ele ouviu as expanses do Antnio Gallotti. Era um negcio fabuloso! Nessas coisas interessante, no ? o caso de verificar o inventrio do Antnio Gallotti. [risos]

    Quando o Getlio morreu, fizeram o inventrio do Getlio, e o juiz que presidiu esse inventrio verificou que era um inventrio modesto. Mas depois coube-lhe fazer o inventrio de um dos maiores adversrios do Getlio e era um inventrio fabulosos, de um homem que tambm tinha comeado pobre.

    P.R. - Quem era o adversrio, dr. Barbosa?

    B.S. - Esse eu no me lembro o nome dele. [risos]

    P.R. - Dr. Barbosa, ns descobrimos aqui que em 1961, quando Jnio Quadros vetou alguns dos dispositivos do projeto original da Eletrobrs - parece que seis ou sete dispositivos - o senhor solicitou um requerimento de informaes, a fim de que ele esclarecesse melhor as razes do veto; no houve isso? O senhor apresentou na Cmara um requerimento de informaes pedindo ao Jnio que ele esclarecesse melhor as razes do veto dele?

    B.S. - , eu acho que... toda a imprensa formulou essa coisa. Porque "foras ocultas" realmente uma coisa que precisa ser explicada. Ele, alis, nunca disse quais foram essas foras ocultas. Eu tenho a impresso, alis, de que no foram foras ocultas, foi um plano do prprio Jnio, plano preconcebido. Porque o Jnio Quadros muito ardiloso, voc sabe que maquina os planos mais fabulosos, mais esquisitos. Ele fez questo da candidatura do Joo Goulart; a chapa Jan-Jan foi uma chapa defendida tremendamente pelo Jnio Quadros, que no poupava uma atitude de absoluta indiferena pela presena do Milton Campos, que era o candidato a vice-presidncia dele. Quem assistia aos comcios ficava espantado de ver como ele no dava importncia ao Milton Campos, de modo que ele no tinha nenhum interesse pelo Milton no; ele tinha interesse pelo Joo Goulart. E Severino Arruda, que era deputado nessa ocasio, me contou que aderiu candidatura do Jnio e foi pedir a propaganda que ele ia levar para o estado do Cear, e pediu a propaganda do Milton Campos. O Jnio disse: "No, voc vai levar a

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    propaganda do Jan-Jan". De modo que interessava ao Jnio, porque ele j estava com o plano: afastava o Joo Goulart naquele momento, renunciaria numa ocasio que achasse oportuna e a a classe militar ficaria diante desse problema: "Quem que vai tomar posse?" Ento eu achava que, com a ameaa de que a posse seria de Joo Goulart, a classe militar caminharia para a soluo que ele oferecesse: a soluo seria um regime ditatorial. Eu sempre acreditei nessa verso.

    P.R. - Claro, porque se fosse o Milton Campos no haveria problema.

    B.S. - No haveria problema nenhum. Se fosse o Milton Campos, o Milton Campos assumia e no haveria problema nenhum. De modo que eu sempre acreditei nessa verso, tambm nunca acreditei que houvesse foras ocultas, porque as foras ocultas estavam dentro da cabea do Jnio.

    P.R - Agora no projeto da Eletrobrs, o senhor apresentou o requerimento, no foi, dr. Barbosa? Sobre as razes do veto dele. Ele vetou parece que sete dispositivos da lei do projeto...

    B.S. - Eu no me lembro...

    P.R. - aquele que se referia ao ingresso da Eletrobrs na fabricao de equipamentos eltricos.

    B.S. - porque a mensagem do Getlio elaborada pelo Jesus Soares Pereira - expressa nisso: ele queria no s a Eletrobrs, como queria tambm a indstria de todos os instrumentos, de todo equipamento de que a Eletrobrs iria precisar... Posso ter apresentado o requerimento, mas no tenho idia precisa, de modo que eu no gostaria de afirmar.

    E.M. - , tenho certeza de que o senhor apresentou, mas acho que devemos passar para um segundo ponto, que acho que relativamente extenso: a questo da Frente Parlamentar Nacionalista. O que ela representou? Qual era o seu programa? Qual a viso da Frente sobre a questo da energia eltrica? Quem a integrava?

    B.S. - A Frente Parlamentar Nacionalista tinha um programa essencial, que era defender todas as coisas em que houvesse interesse do Brasil. E havia uma corrente forte l, com deputados muito bons, atuantes, e chegou a prestar servios considerveis, porque foi essa Frente Parlamentar Nacionalista que tornou vitoriosa a Lei de Remessa de Lucros. Na Lei de Remessa de Lucros houve um trabalho considervel de todos os deputados, que eram favorveis a isso, junto a seus companheiros. Celso Brant, por exemplo, que ficava permanentemente l em Braslia, foi um dos melhores na propaganda da defesa da Lei de Remessa de Lucros, como outros deputados tambm fizeram este trabalho de persuaso junto a cada elemento. Porque as lideranas partidrias foram contrrias.

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    E.M. - Em relao energia eltrica, a Frente Nacionalista pedia a estatizao explicitamente da Light, pedia a estatizao da Light e da AMFORP?

    B.S. - No sei se chegaram a falar nessa questo. Mas na Lei de Remessa de Lucros, eles defenderam a reduo realmente da remessa de lucros para o estrangeiro. Eu me recordo, naquela ocasio, de quando chegou o momento at de... finalmente justificar a Lei de Remessa de Lucros, eu, que representava um pequeno partido, fui at escolhido pelos partidos que compunham a Frente Nacionalista, para falar em nome, exatamente, dos defensores da Lei de Remessa de Lucros .4 E eu tive oportunidade de perguntar quele deputado do Rio Grande do Sul, que foi quem defendeu a Lei, quais eram os pases que tinham prosperado apoiados no capital estrangeiro, que ele me apontasse algum... Porque dos pases que se tinham desenvolvido, nenhum deles tinha se apoiado no capital estrangeiro. O capital estrangeiro oprime, como ns verificamos no Brasil, ele ajuda de tal maneira, que, no fim, ns no temos poupana para aplicar no desenvolvimento do Brasil, porque o pagamento da dvida absorve todas as poupanas que deviam ser empregadas no desenvolvimento do Brasil.

    O Japo, alis, foi um exemplo disso. Alis, desses trabalhos e desses estudos resultou um livro que publiquei depois: Japo, o capital se faz em casa. Foi um livro que publiquei, em que estudei profundamente o desenvolvimento econmico do Japo. Tenho em casa ainda hoje, na minha biblioteca, mais de cem volumes [risos] sobre esse assunto. E no estudo do desenvolvimento econmico do Japo, eu encontrei o Japo resistindo ao capital estrangeiro e procurando desenvolver com recursos prprios a sua industrializao e at a sua agricultura. No h desenvolvimento maior no mundo que o do Japo. Nenhum pas conseguiu superar o desenvolvimento do Japo, dentro do prazo em que ele realizou; porque os Estados Unidos vinham, afinal de contas, desde que eles se tornaram nao independente, vinham trabalhando no sentido do desenvolvimento do pas, desde Alexandre Hamilton, no ? J no fim do sculo XVIII... Ao passo que o Japo no, o Japo praticamente comeou o desenvolvimento em 1860 com a chegada dos navios americanos, que foram impor um tratado de comrcio ao Japo. Agora, o Japo tinha diante de si o exemplo da China. A China amarrada ao capital estrangeiro e humilhada de tal maneira, e to dependente do capital estrangeiro, que chegava situao de os estrangeiros terem l uma sociedade reservada realmente aos estrangeiros, em que eles punham l na porta um anncio: estava proibida a entrada ali aos cachorros e aos chineses. Isso na China. O Japo evitou isso, mas evitou desta maneira: a quantidade de capital estrangeiro foi muito limitada, muito restrita; enquanto que a taxa de poupana deles foi a maior taxa de poupana j conseguida no financiamento de um programa de desenvolvimento econmico. Esta a orientao que o Brasil infelizmente no toma. Agora para isso eu escrevi esse livro, que foi editado pelo Gasparian na Paz e Terra, est esgotadssimo. [risos] Mas a demonstrao de que eu tenho sido um lutador em muitas frentes.

    E.M. Ns temos certeza! [risos]

    4 Na ocasio a que o depoente se refere, discutia-se na Cmara a Lei de Remessa de Lucros. A Frente Parlamentar Nacionalista defendia uma maior restrio na remessa de dividendos efetuada pelas empresas estrangeiras, enquanto que os partidos conservadores sustentavam um posio de uma liberao mais ampla, sob a justificativa de atrair mais investimentos do exterior.

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    B.S. Agora, o outro efeito dessa Frente Parlamentar Nacionalista foi fornecer revoluo vitoriosa em 64 os nomes para a cassao sistemtica dos deputados. [risos] E o Plnio sabe bem disso, no ?

    P.R. Sei. [risos]

    [FINAL DA FITA 2-A]

    E.M. Dr. Barbosa, mesmo saindo um pouquinho da nossa cronologia, eu gostaria de antecipar uma pergunta, porque estou com medo de esquecer. O senhor disse que agora est de novo se erguendo uma Frente Nacionalista. Se tivssemos que comparar as duas, qual a perspectiva dessa nova, face situao da antiga.

    B.S No sei. possvel que... no seja to atuante quanto a outra, porque est realmente intimidada com as conseqncias da outra. Mas, tem elementos capazes, atuantes, a comear pelo presidente, o Hlio Duque, Osvaldo Lima Filho e muitos outros, Cristina Tavares l de Pernambuco. Tem uma quantidade de elementos dos mais atuantes l, defendendo as causas nacionalistas. De modo que, pouco a pouco, a corrente vai se avolumando e vai chegar a tal ponto, que vai, talvez, provocar uma mobilizao das foras contrrias para um novo pronunciamento.

    E.M. - A antiga Frente Parlamentar Nacionalista tinha tambm uma representao da UDN?

    B.S. - Tinha representantes, tinha Rafael Correia de Oliveira, por exemplo, que no Dirio de Notcias aqui, os artigos dele eram artigos magistrais, com um vigor extraordinrio, ele era um grande panfletrio. E tinha outros, tambm, da UDN, tanto que o prprio Bilac Pinto apresentou um dos substitutivos para a constituio do monoplio estatal do petrleo. Verdade que no foi o primeiro substitutivo. O projeto do Getlio no chegava propriamente ao monoplio estatal, ele admitia o concurso do capital privado, mas o Eusbio Rocha, que era do PTB, apresentou um substitutivo exatamente para a constituio do monoplio estatal do petrleo. E a campanha tinha conquistado tanta gente em todo o Brasil, que a UDN tambm, procura de popularidade, apresentou um substitutivo, mas depois do substitutivo do Eusbio Rocha. Na verdade, o substitutivo do Eusbio Rocha no s anterior, como h uma circunstncia que ele poder confirmar. Ele apresentou o substitutivo depois de consultar o Getlio Vargas, dizendo que ia apresentar o substitutivo, e Getlio Vargas concordou com ele, o que me d a idia de que houve, por parte do Getlio, uma manobra sutil, que ele no apresentou o monoplio estatal exatamente para que...

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    P.R. - De udenistas na Frente Parlamentar, alm do Rafael, tinha o Gabriel Passos, o Seixas Dria...

    B.S. - O Gabriel Passos... o Seixas Dria...

    P.R. - Jos Sarney, tinha um l de Pernambuco da UDN, que eu no me lembro agora, era at um pouco ligado ao Cleofas...

    B.S. - Osaldo Lima, no? O prprio Agamenon tinha tendncias nacionalistas.

    P.R. - Ah, sim. Mas eu digo da UDN pernambucana. O Magalhes Melo, no?

    B.S. - O Magalhes Melo ainda no era deputado nesse tempo. O Magalhes Melo era tambm nacionalista, mas ele vinha das origens do PSD. O Gabriel Passos foi um elemento extraordinrio at na propaganda do nacionalismo. Eu tive a oportunidade de fazer com ele um viagem a um municpio de So Paulo, So Joo...

    P.R. - Da Boa Vista.

    B.S. - Da Boa Vista, que fica l perto de Poos de Caldas, naquela regio, que tinha frente um prefeito que era muito nacionalista. Porque a campanha nacionalista naquela vez se estendeu muito, graas ao jornal do Osvaldo Costa, porque o Semanrio abria espao. Onde se constitua um centro nacionalista em qualquer municpio, o Semanrio registrava, e a pessoa, com o desejo de ver seu nome tambm no jornal, tomava a frente do movimento nacionalista por todo o Brasil. J a campanha do "Petrleo nosso" tambm j tinha tido uma grande expanso nesse momento, de modo que com o Semanrio se completou. O Semanrio comeou exatamente pouco depois da campanha do "Petrleo nosso".

    P.R. - Com relao ao problema da energia eltrica especificamente, quem tratava muito do assunto dos integrantes da Frente era o Dagoberto Sales, que era muito especialista no assunto e tal, no ?

    B.S. - .

    P.R. - E a tnica dos discursos dele em geral, era no sentido de apressamento da votao do projeto da Eletrobrs, que estava na Cmara desde 1954, no isso? Em geral a tnica da Frente era nesse sentido, no ? Era de aprovao do projeto que o Getlio tinha enviado em 54, no ?

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    B.S. - ... que o projeto foi enviado em 54, mas s se ultimou em 61... aquela coisa que eu creio que j falei aqui. Pelo desejo de deixar que rendesse o imposto criado sobre o consumo de energia eltrica. Porque constitudo esse fundo financeiro, as empresas estrangeiras tinha o propsito de ver se esses recursos podiam ser aplicados atravs delas.

    P.R. - Pois , dr. Barbosa, isso um problema...

    B.S. - Foi aquela Semana de Energia Eltrica.

    P.R. - Esse problema realmente muito srio, porque o Fundo Federal de Eletrificao foi criado um pouco antes da Eletrobrs e entrou em vigor logo depois da morte do Getlio, mas j tinha sido aprovado e...

    B.S. - Foram aprovados... As mensagens chegaram ao mesmo tempo na Cmara. A mensagem da criao do Fundo e a mensagem da Eletrobrs...

    P.R. - Chegaram juntas Cmara. Agora, durante esse perodo de sete anos em que a Eletrobrs ficou congelada na Cmara, esse fundo passou a ser administrado pelo BNDE, e o que o BNDE fez com esse dinheiro durante esses sete anos?

    B.S. - No sei.

    P.R. - Porque segundo o dr. Vlter Tolentino lvares, que foi um dos primeiros diretores da Eletrobrs, falando conosco l em Belo Horizonte, no primeiro ms de funcionamento da Eletrobrs, no primeiro ms, ela no tinha dinheiro para pagar funcionrio. E eles iam cobrar do BNDE e o BNDE dava sempre uma desculpa. Quer dizer, o dinheiro do Fundo ficou gerido pelo BNDE durante sete anos, de 54 a 61... E o que se presume que esse dinheiro tenha sido repassado para as companhias estaduais, para companhias municipais e tambm para companhias estrangeiras.

    B.S. - possvel. Da a Semana da Energia Eltrica. Eu ignorava esse aspecto, eu no tinha prestado ateno a isso, pensei que os fundos estava se acumulando aplicao da Eletrobrs.

    P.R. - Ah, no. Enquanto a Eletrobrs estava congelada, o Fundo estava sendo cobrado nas contas de luz, no ? [risos]

    B.S. - Mas eu agradeo a informao. [risos] Vou pensar um pouco mais nisso. Voc diz que a Eletrobrs no tinha recursos para se instalar, no ?

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    P.R. - No. No primeiro ms no tinha dinheiro para pagar o funcionalismo.

    B.S. ... Ministrios do Brasil, no ? [risos]

    E.M. - Dr. Barbosa, em relao Segunda Semana de Debates do Clube de Engenharia em So Paulo - o senhor disse que tinha o volume e ns fomos pesquisar, fomos ler - , na realidade poderamos chegar concluso de que a Semana serviu para dizer que o projeto da Eletrobrs deveria ficar definitivamente engavetado, o senhor concorda com essa opinio?

    B.S. - Eu concordo. Eu acho que a semana se destinou a isso, a fazer com que o projeto fosse arquivado, porque isso ia favorecer as empresas estrangeiras e elas queriam montar, aqui no Brasil, um regime permanente. Porque a Eletrobrs teve exatamente essa finalidade de fazer com que as empresas estrangeiras chegassem ao fim e se retirassem.

    Como voc v tambm que como Cdigo de Telecomunicaes tambm acabamos com a Companhia Telefnica. [risos] Eles lucraram muito. a tal coisa, a sada deles sempre lucrativa: mas, de qualquer forma, se afastaram, e o Brasil, pde realmente construir um sistema telefnico hoje, que no pode sofrer paralelo com o que existia anteriormente. A, no Cdigo de Telecomunicaes, eu tambm tive a minha parcela. Ns constitumos uma comisso, que era o Fernando Santana, Nicolau Tuma, l de So Paulo, e eu. E convencemos o Amauri Kruel de que nosso projeto era o projeto que devia ser aprovado e conseguimos realmente. Ele mandou retirar uma informao que j ia ser mandada para o Senado, dando um parecer em sentido diferente, de modo que foi um... Ns levamos trs horas discutindo com ele.

    E.M. - Dr. Barbosa, voltando um pouquinho Semana, nos anais da Semana fica claro que pessoas ligadas CEMIG, John Cotrin, o prprio Mauro Thibau, que foi depois ministro, todos eles defendiam a CEMIG, mas iam de encontro Eletrobrs. Como que era isso?

    B.S. - No se compreende, era uma atitude contraditria, porque j estava provada a excelncia da presena do setor pblico nessas empresas, como estava provada tambm em So Francisco; e como ainda se admitia que o que se queria com a Semana era mudar, restaurar ou fazer reviver as presenas estrangeiras que j estavam no fim...

    E.M. - Quer dizer que a CEMIG podia; a Eletrobrs no?

    B.S. - . Esses elementos todos tinham combatido inclusive o prprio Marcondes Ferraz, que tinha trabalhado muito em Paulo Afonso, foi um dos elementos dessa Semana... Tanto que quando ele foi nomeado - no sei se est a nesses Estudos - mas eu escrevi no Jornal do Brasil recordando o caso dos Estados Unidos, em que naquela empresa do Tennessee, na lei respectiva, eles proibiam que fosse nomeado presidente da empresa quem no tivesse sido a favor da campanha. Eu recordava isso e seu

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    Marcondes Ferraz no poderia ser o presidente, mas foi, e essas coisas aqui no Brasil... tambm as convenes so fceis.

    P.R. - So duas coisas realmente impressionantes: porque o Lucas Lopes foi o criador da CEMIG e depois passou a ser contra toda interferncia do Estado no campo da energia eltrica? O Marcondes Ferraz foi o construtor da Paulo Afonso e tambm tinha a mesma posio do Lucas Lopes.

    B.S. - , mas... o Lucas Lopes, inclusive, concordou com aquele projeto que ele mandou para o Conselho das guas e Energia, com a deciso para ser adotada pelo Conselho da guas e Energia; e o Pio Borges, que era nesse tempo diretor do departamento, se recusou porque disse: "Esse projeto no devia vir pelo Ministrio da Fazenda, devia vir pelo Ministrio da Agricultura". Isso consta nesses depoimentos dados na Comisso da Light. Eu vou ver se encontro esse material para ajudar vocs. [risos] Porque eu acho que essas coisas todas so teis de se documentar.

    E.M. - Acho importante recuperar essa memria, at do ponto de vista de reconstituirmos a histria no plano at dos argumentos, porque nos anais da Semana figura que, naquela poca - na dcada de 50, no prprio relatrio da Comisso Mista Brasil - Estados Unidos, muito tempo antes da Semana - , o Brasil no tinha disponibilidade de tecnologia e no tinha disponibilidade de pessoal. Ento um dos argumentos que foram utilizados na prpria Semana que o Brasil no tinha engenheiros em nmero suficiente para promover o desenvolvimento do setor eltrico no Brasil. Como que os nacionalista se defrontavam com esses argumentos? Como que eles respondiam?

    B.S. - Bom, nesse meu livro sobre o Japo, eu mostrava exatamente isso. Porque a tal coisa: s se consegue tcnica na ao, aquela coisa do Dewey, "aprender fazendo", no verdade? Aprender fazendo. No se faz, no se tem. Agora na Petrobrs, quando comeou a funcionar, quantos engenheiros, quantos gelogos havia? Hoje tem mais de seiscentos gelogos na Petrobrs. Para ver como de fato s em cidades que se vo criando os especialistas e esses vo aprimorando na prtica... Agora, tambm no caso da informtica: Ah, por que no temos tcnicos? Vamos ficar atrasados". Atrasados como? Qualquer empresa estrangeira que tenha descoberto uma nova tecnologia se apressa em vender a tecnologia. Pode-se comprar tecnologia, e a tecnologia vai se desenvolvendo atravs dos prprios elementos que esto dentro daquele setor, at o ponto de o Brasil se tornar realmente um criador de tecnologia, como tem demonstrado em todos os setores em que tem agido. Agora, se ns no temos coragem realmente de enfrentar essa situao, a nunca teremos. a tal coisa, a nunca se cria tcnicos. Voc no acha tambm?

    P.R. - Acho. Essa a particularidade que distingue o problema de energia eltrica do problema do petrleo. Porque no caso, por exemplo, da energia eltrica, o senhor verifica o seguinte: os quadros tcnicos que depois vieram ocupar posies de relevo na administrao da poltica brasileira de energia eltrica, eram todos eles vinculados ou Light ou AMFORP, eram formados por elas. Ento o senhor verifica que mesmo no

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    caso de Furnas, por exemplo, que era uma empresa estatal, quem que mandava l dentro? Era John Cotrim, era Benedito Dutra, no sei mais quem; na hora de fazer a CHESF, quem que vai ser procurado? Otvio Marcondes Ferraz. Quer dizer, ento havia um domnio dentro da poltica de energia eltrica do Brasil, um domnio de uma elite tcnica formada pelas companhias estrangeiras que atuavam aqui. Na Petrobrs deu-se exatamente o contrrio: logo que se instalou, ela formou os seus tcnicos dentro do esprito monopolista de empresa. O senhor agora, por exemplo, que tem lidado com o problema do relanamento da campanha do petrleo e tem tido contato com o pessoal tcnico inteiramente distinto daqueles quadros humanos primitivos da rea da energia eltrica.

    B.S. - Elementos competentes, dispostos a autonomia. Mas isto, a tal coisa: quem conseguiu desenvolver mais tecnologia que o Japo? Como? Quando era pouco mais que uma praia de pescadores, quando comeou seu programa de desenvolvimento econmico. Agora, como mandou tcnicos para toda parte. Isto uma coisa, tambm, que indispensvel. Ningum est hoje mais dentro desse problema do que o ministro da Cincia e Tecnologia, o Renato Archer, o programa dele mandar o maior nmero possvel de pessoas para fora, para trabalhar nessas fbricas, porque admitem isso, no fecham as portas a essa aprendizagem, desde que possa acarretar tambm alguma vantagem. E foi assim que o Japo fez, mandou uma quantidade enorme de pessoas para trabalhar fora: e quando no conseguia realmente mandar essas pessoas, comprava as mquinas e importava as pessoas, que viessem montar as mquinas e ajudar a fazer.

    A coisa que mais me surpreende, alis, nisso o caso da Unio Sovitica, , porque voc sabe que a Unio Sovitica, logo depois da vitria, precisava tremendamente de tratores, mas no tinha fbrica de tratores, tinha uma que apenas trabalhando muito, podia fazer dois ou trs tratores por ano, mas eles montaram uma fbrica de tratores. Tinham um trator antigo, eles desmontaram, estudaram tudo aquilo e hoje os tratores fabricados pela Unio Sovitica so desejados nos pases que tinham sua disposio os tratores americanos... Para ver que pensar que uma barreira... no um barreira; s uma barreira para os covardes, para quem quer encarar o problema, quer resolv- lo, no h barreira nenhuma. Agora, precisa confiar no pas, o que no existe, voc pega o Roberto Campos. O Roberto Campos um que vive a pregar exatamente a incapacidade do Brasil para tudo, no isso?

    P.R. - E os argumentos do Roberto Campos so os mesmos desde aquela poca.

    B.S. - So os mesmos desde aquela poca.

    P.R. - Mas ele obstinado.

    B.S. - obstinado.

    P.R. - No tem um ponto que faa uma concesso.

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    B.S. - , no faz mo. Ele inimigo de todos (risos). Por isso que no debate em So Paulo com o general Andrade Serpa... o General Andrade Serpa hoje um nacionalista convicto e com uma sinceridade total. O Roberto Campos j ali, quer dar um aparte, ele diz: "O senhor no pode dar aparte, que o senhor est a servio do estrangeiro". [risos] Diz assim na cara dele, e ele cala, ele no reage, no. Na Cmara agora, recentemente, ele falou: "Mas sou um patriota". No sei se a Cristina Tavares disse: "Americano". [risos] Tambm isto: ele se expe a essas coisas, no tem o que dizer!

    E.M. - Dr. Barbosa, eu gostaria tambm de saber alguma coisa em relao constituio de um empresa financeira da Light, a empresa Brascan Expanso Investimentos, que foi criada em 56. Como que foi isso? A Light saiu da energia e foi para...

    B.S. - Isso foi adotar o nacionalismo do Roberto Campos. Porque, no meu entender, se devia comprar tudo e mandar embora, mas eles puseram l uma clusula para justificar aquilo, dizendo que parte daquele dinheiro ficaria no Brasil sob a organizao da Brascan. A Brascan continuao da Light, no tem nenhuma outra justificao. Porque a tal coisa: uma empresa para construir lucros que vo para fora; quando ns precisamos de empresas que consigam lucros dentro do pas, que se apliquem dentro do pas. O capital nacional uma acumulao de lucros, mas de lucros obtidos por capitais brasileiros, porque o lucro obtido por um capital estrangeiro converso de capital fora do Brasil. Eles no querem se convencer disso, e evidente, no ?

    E.M. - , porque inclusive me parece que os lucros da Brascan, depois de 56, quando ela foi constituda, suplantaram em muito os lucros das empresas produtoras/geradoras de energia eltrica, e mesmo na distribuio. A rea de eletricidade ficou, em termos de rentabilidade, com uma rentabilidade inferior rentabilidade dos negcios financeiros da Light.

    B.S. - Este era um ponto que eu cheguei a me referir: a rentabilidade da Light estava limitada, no prprio contrato, a 8 ou 9%; a Brascan ilimitada. E eu assinalava um outro aspecto: ns estamos trocando a tecnologia da eletricidade pela tecnologia da fabricao de goiabada. [risos] Quando eles compraram a fbrica Peixe [risos], no verdade? Esse aspecto da tecnologia da goiabada est na parte final daquele meu prefcio do livro do Catulo Branco.

    P.R. - Ah, sei.

    B.S. - Alis, saiu um erro ali de reviso. Eu dizia que eles pensavam que o Brasil seria um conjunto de anjos, de querubins; onde eu dizia querubins, saiu quindins. [risos]

    E.M. - O senhor acha que se fizessem uma avaliao em termos de balano... os maiores abusos da Light foram cometidos, ento, com a Light atuando na rea de financeira. O senhor consideraria assim?

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    B.S. - No. Eles tinham um campo livre. H um caso - alis, acho que num artigo do Eduardo Guinle se fala nisso -, eles quiseram favorecer um dos diretores que tinha dado grandes benefcios l aos acionistas, ento criaram uma quantidade de aes ao par, porque as leis americanas admitiam isto - a criao de aes de valor ao par sem o mnimo investimento de capital. Podia-se pagar em aes, tanto que eles, muitas vezes, compram - e admitem isso -, no pagam em dinheiro, pagam em aes, mas aes que no representam nenhum ingresso de capital evidentemente; so aes gratuitas. Eles deram aqui, no sei se ao Mc Kinley um dos diretores deles que tinha uma grande criao de cavalos e tinha uma propriedade muito boa l em Terespolis eles deram uma quantidade grande de aes. Esse depoimento, alis, do Eduardo Guinle indispensvel e eu indiquei j a fonte onde vo encontrar o depoimento, naquele livro Abusos do poder econmico.

    E.M. - Da Revista de Direito, no ? Da Procuradoria do estado?

    B.S. - Saiu como um volume da revista, mas Abusos do poder econmico, saiu como um volume separado. E l, na Procuradoria, vocs encontram inclusive esse artigo do Eduardo Guinle. um artigo importante, porque exatamente eles tinham criado, montado uma usina aqui, Piabanha, por a, para fornecer energia no Rio de Janeiro e no puderam fazer. Como depois, na usina do Salto. (Eu at tinha no livro, est junto do livro, um artigo que publiquei na Revista Civilizao Brasileira, eu j tirei para dar a vocs, mas no encontrei no momento ali. Vou fazer um esforo ainda, para ver se acho.) O Sousa Costa se ops criao da usina do Salto, porque representava cento e tantos mil contos, e ele achava que isso era uma quantia exagerada. Mas com a passagem, com pouco tempo e com as despesas... Contratara, ento, o fornecimento de energia pela Light. Em pouco tempo o total das somas pagas Light correspondia ao valor da construo da usina do Salto, que eles tinham vetado... A eu acho que o papel do Sousa Costa muito suspeito nesse caso.

    P.R. - Dr. Barbosa, durante a Segunda Guerra Mundial, houve um desenvolvimento industrial no Brasil muito grande, principalmente aqui no eixo Rio-So Paulo. Terminada a guerra, comearam a aparecer os sintomas de racionamento de energia eltrica, comearam a se agravar a partir de 1946, 47, principalmente aqui nesta regio. O senhor calcula, por exemplo, que essa relutncia da Light em aumentar as suas linhas de transmisso, em aumentar a sua capacidade de gerao tinha tambm uma finalidade poltica de travar o desenvolvimento industrial da regio?

    B.S. - No... Eu falei ali que era suspeita a ao do Artur de Sousa Costa... no diria suspeita, mas um caso para investigar, no se compreenderia essa hostilidade to grande criao da usina do Salto. Mas qual era a tcnica da Light? Era exatamente desenvolver a necessidade daquela cousa, porque, a, aquilo era um lubrificante para ela tornar vitoriosas as suas aspiraes. Isto assim sistematicamente: no telefone, na energia eltrica...

    E.M. - No gs.

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    B.S. - Nos bondes. Sistematicamente voc observa essa atuao, que natural nas empresas estrangeiras; enquanto que uma empresa nacional... Ela pode e deseja antecipar os problemas na hora em que eles no existam, numa empresa dependente do capital privado eles procuram fazer exatamente que a necessidade seja do racionamento ou da privao, que seja o argumento com que eles tornem vitoriosas as suas aspiraes. Tcnica capitalista, perfeitamente compreensvel.

    [FINAL DO DEPOIMENTO]