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281 R R A A C C I I A A L L I I Z Z A A N N D D O O  A A S S  D D I I F F E E R R E E N N Ç Ç A A S S  R R E E G G I I O O N N A A I I S S : : S S Ã Ã O O  P P A A U U L L O O  X X  B B R R A A S S I I L L , ,  1 1 9 9 3 3 2 2 . . 1 1 Barbara Weinstein Department of History University of Maryland – College Park. Os paulistas formaram dentro da raça e da Pátria uma clamorosa aberração. São Paulo era grande demai s para o Brasil... O Brasil não chega bem a ser uma civilização, é uma precariedade, em grande parte de carácter equatorial, [enquan to] São Paulo é uma civilização européa cristã, com a mentalidade, o clima, a internaci- onalidade, os recursos duma civilização européa cristã. 2 A narrativa padrão da história pós-colonial brasileira retrata a consolida- ção do Estado centralizado sob o domínio de Getúlio Vargas nos anos 30 como tendo efetivamente suprimido as robustas identidades regionais, as quais eram um traço saliente da política e da cultura brasilei ra durante o primeiro século de independência. De acordo com essa crônica da formação do Estado-nação, sob a nova ordem pós-federalista, as oligarquias políticas regionais subordina- ram-se à hegemonia do estado central e as elites econômicas locais gradual- mente articularam seus interesses visando um projeto para a integração econô- mica nacional 3 . Brasileiros de todas as regiões e de todas as classes sociais adotaram a “democracia racial” como um discurso hegemônico da identidade nacional, em lugar da ideologia do “branqueamento” que dominou o pensamen- to racial durante a República Velha (1889-1930). O conceito de democracia racial, como definido pelo seu principal arquiteto intelectual, Gilberto Freyre, imaginou uma nação baseada numa fusão harmoniosa entre culturas européias, africanas e indígenas, perfazendo uma única nacionalidade que, a despeito do papel “principal” desempenhado pelos brasileiros descendentes de europeus, rejeitou a discriminação racial e valorizou as tradições culturais não européi- as 4 . Em resumo, o regime Vargas não apenas operou para a centralização da política e da economia, mas também promoveu uma identidade nacional homo- gênea que transcendeu às variações regionais e aos costumes. Em décadas recentes, houve uma enxurrada de livros e artigos rejei- tando o conceito de “democracia racial” como um mito que obscurece a contínua discriminaç ão sofrida pelas pessoas de cor no Brasil, ou como um discurso oficial que tem sido o maior obstáculo para os movimentos em fa- vor da igualdade racial e da justiça social. 5  Tais estudos têm sido muito

Barbara Weinstein - Racializando as diferenças regionais

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    RACIALIZANDO AS DIFERENAS REGIONAIS:

    SO PAULO X BRASIL, 1932.

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    Barbara WeinsteinDepartment of History

    University of Maryland College Park.

    Os paulistas formaram dentro da raa e da Ptria uma clamorosaaberrao. So Paulo era grande demais para o Brasil... O Brasilno chega bem a ser uma civilizao, uma precariedade, emgrande parte de carcter equatorial, [enquanto] So Paulo umacivilizao europa crist, com a mentalidade, o clima, a internaci-onalidade, os recursos duma civilizao europa crist.2

    A narrativa padro da histria ps-colonial brasileira retrata a consolida-o do Estado centralizado sob o domnio de Getlio Vargas nos anos 30 comotendo efetivamente suprimido as robustas identidades regionais, as quais eramum trao saliente da poltica e da cultura brasileira durante o primeiro sculo deindependncia. De acordo com essa crnica da formao do Estado-nao,sob a nova ordem ps-federalista, as oligarquias polticas regionais subordina-ram-se hegemonia do estado central e as elites econmicas locais gradual-mente articularam seus interesses visando um projeto para a integrao econ-mica nacional3. Brasileiros de todas as regies e de todas as classes sociaisadotaram a democracia racial como um discurso hegemnico da identidadenacional, em lugar da ideologia do branqueamento que dominou o pensamen-to racial durante a Repblica Velha (1889-1930). O conceito de democraciaracial, como definido pelo seu principal arquiteto intelectual, Gilberto Freyre,imaginou uma nao baseada numa fuso harmoniosa entre culturas europias,africanas e indgenas, perfazendo uma nica nacionalidade que, a despeito dopapel principal desempenhado pelos brasileiros descendentes de europeus,rejeitou a discriminao racial e valorizou as tradies culturais no europi-as4. Em resumo, o regime Vargas no apenas operou para a centralizao dapoltica e da economia, mas tambm promoveu uma identidade nacional homo-gnea que transcendeu s variaes regionais e aos costumes.

    Em dcadas recentes, houve uma enxurrada de livros e artigos rejei-tando o conceito de democracia racial como um mito que obscurece acontnua discriminao sofrida pelas pessoas de cor no Brasil, ou como umdiscurso oficial que tem sido o maior obstculo para os movimentos em fa-vor da igualdade racial e da justia social.5 Tais estudos tm sido muito

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    valiosos para as lutas polticas contemporneas no Brasil mas, freqente-mente, tm como defeito ocultar a falcia funcionalista que trata a demo-cracia racial como um conceito que emerge com o nico propsito de obs-curecer a discriminao racial e absolver as elites de qualquer culpa peladesigualdade racial.6 Com certeza, esse aspecto do discurso ajuda a expli-car sua longa popularidade entre os segmentos mais poderosos da socieda-de brasileira, mas dificilmente explica como e porque a democracia racialemergiu como um elemento imperativo de identidade nacional (com um ape-lo que foi muito alm de elites voltadas para seus prprios interesses), emprimeiro lugar, e no considera as circunstncias histricas (e discursosraciais contraditrios) que produziram o trabalho de Freyre e possibilitaramo florescimento de suas idias.7

    Novamente, h muito tempo supe-se que a noo de democracia raci-al, quaisquer que sejam seus defeitos e limitaes, superou e deslocou o dis-curso racial, e serviu para homogeneizar ainda mais a identidade nacional. Nesteensaio, contudo, argumentarei que continuou existindo uma pluralidade de dis-cursos sobre raa e seu lugar na identidade nacional brasileira, e que essesdiscursos estavam intimamente conectados com identidades regionais que per-sistiram alm dos anos Vargas. Crucial para a continuidade do desenvolvimen-to da identidade regional (mas ao mesmo tempo nacional) foi a construo dadiferena racial com base em origens regionais, com imagens de modernidadee progresso econmico, tradio e atraso, as quais foram estreitamente inter-conectadas com representaes de raa. De fato, em uma nao racialmentedemocrtica em que a discusso explcita sobre raa era cada vez mais desa-provada, a identidade regional poderia convenientemente substituir as noesde escurecimento e embranquecimento. Mais especificamente, sustentoque a identidade regional no Estado de So Paulo, identidade paulista, passoua ser associada, na cultura brasileira, no apenas indstria, modernidade eao progresso econmico, mas tambm ao embranquecimento e a uma narrativaparticular na histria brasileira que marginalizou o papel dos afro-brasileiros naconstruo da nao. Alm disso, essa identidade continua a informar os deba-tes sobre cidadania e incluso poltica no sculo XXI.

    H muitas maneiras diferentes de explorar a relao entre raa e regiona-lismo no Brasil, mas nenhum momento parece ser mais adequado a esse propsi-to do que o perodo de 1931/1932, o qual assistiu a uma escalada de tenso entreSo Paulo e o recm instalado regime Vargas, culminando numa guerra civil, comdurao de trs meses, entre um governo do estado insurgente e as foras fede-rais.8 A Revoluo Constitucionalista de 1932 foi um momento crucial para seconsiderar o que significava ser paulista, como isso se relacionava com o ser

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    brasileiro, e quais as implicaes para as demais identidades regionais. Embora aderrota de So Paulo soasse como a morte para as mquinas polticas com basesregionais da Repblica Velha, sua posio duradoura como centro econmicodominante no Brasil permitiu que uma construo particular e racializada da iden-tidade paulista sobrevivesse e florecesse depois que as foras Constitucionalis-tas depuseram suas armas.

    No caso de So Paulo, a variedade do regionalismo em questo umaverso que emerge junto com a prpria disseminao desigual da modernidade edo desenvolvimento capitalista, um processo que particularmente conspcuo noBrasil.9 A base discursiva para o regionalismo nessa verso a agressiva afirma-o da distino regional como o equivalente da superioridade, geralmente acom-panhada pela reivindicao de que a regio em questo desproporcionalmenteresponsvel pela grandeza e sustentao da nao.10 Tais movimentos podemexpressar seus ressentimentos e demandas em termos fiscais ou polticos, massua crtica do status quo geralmente se assenta sobre a demanda implcita deque a prosperidade da regio (e por extenso, da nao) uma conseqncia dosatributos culturais superiores da sua populao, um argumento que pode, facil-mente, conduzir a ideologias racistas. Diferentemente dos discursos regionaismais familiares que posicionaram sua causa como um movimento dos excludosou dos oprimidos,11 os escritores, intelectuais e polticos que construram a iden-tidade de So Paulo dentro da nao brasileira, tipicamente, viam a sua regiocomo culturalmente e economicamente superior, como a vanguarda do progressoe da civilizao, enquanto o resto da nao aparecia como o Outro, numa rela-o cultural remanescente daquela entre colonizador e colonizado12.

    Ao elaborar esse discurso da superioridade regional, os paulistas usarampercepes racializadas sobre modernidade e civilizao, compartilhadas pelaselites em toda a sociedade brasileira. As dcadas ps-emancipao coincidi-ram com o apogeu do racismo cientfico e mostraram uma preocupao consi-dervel, entre uma ampla e variada gama de intelectuais e homens de estado,em promover sua nao como moderna e honorvel por meio do processo deembranquecimento13. Mas tais noes ganharam um fluxo particular em SoPaulo, onde o rpido crescimento da renda do Estado, advinda do boom docaf, permitiu que o governo subsidiasse uma massiva imigrao europia epromovesse condies favorveis industrializao. Essa mesma poltica con-signou os ex-escravos, cuja labuta pesada havia tornado possvel a prosperida-de do estado, a uma crescente posio de marginalidade na sociedade paulistae na sua vida econmica, e difamou a capacidade dos brasileiros de outrasregies.14 A despeito do declnio do prestgio do racismo biolgico ou cientficonos anos 20, certas caractersticas imutveis continuariam a ser atribudas

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    aos brasileiros de acordo com suas regies de origem, tanto a cultura popularquanto a da elite. Mesmo como discursos de civilizao a modernidade e oprogresso substituram preocupaes com a mistura racial e a degenerao noes de diferena baseadas na raa (amplamente construdas), longe de des-vanecer, floresceram em novos contextos discursivos.

    DESIGUALDADE REGIONAL E A LUTA PELA HEGEMONIA POLTICA.

    Os historiadores, tradicionalmente, concordam que o regionalismo e onacionalismo representam tendncias antitticas, mas a Repblica Velha (1889-1930) do Brasil providenciou um exemplo histrico convincente de um pero-do que testemunhou ambos, o ressurgimento do regionalismo e a emergnciado nacionalismo. Prasenjit Duara, escrevendo sobre a passagem do sculo naChina, afirmou que o regionalismo e o nacionalismo floresceram juntos; masele estava interessado principalmente em regies que lutavam para manteruma identidade autnoma contra as ameaas da marginalizao ou homoge-neizao representadas pelas foras centralizadoras dominantes.15 No casode So Paulo, estamos discutindo sobre elites regionais que exerceram umconsidervel domnio poltico no nvel federal uma dominao que eles pro-curaram, energicamente, naturalizar por meio de estratgias discursivas enarrativas, especialmente quando a ascenso de Vargas ameaou abalar aconfigurao do poder j estabelecida.

    Todavia, os polticos paulistas (e a sua formidvel guarda armada: a For-a Pblica) no responderam imediatamente, com alarme, chegada de Var-gas ao poder em 1930. Devido ao crescente sentimento nacionalista, intensi-ficao da crtica ao sistema republicano, e s vrias crises dos anos 20 (inclu-indo as revoltas militares e a quebra da bolsa), os paulistas responderam Revoluo de 1930 de Vargas, oscilando entre a neutralidade cautelosa e oapoio entusistico.16 Em contrapartida, eles esperavam que Vargas reafirmas-se a posio especial de So Paulo dentro da federao brasileira, com a indi-cao de um civil paulista como interventor, e a rpida convocao de umaAssemblia Constituinte. Ao invs disso, Vargas nomeou um tenente nordesti-no, Joo Alberto Lins de Barros, como interventor, e designou Miguel Costa,um tenente ainda mais radical, como chefe da polcia do estado. Essas indica-es imediatamente provocaram manifestaes de descontentamento entre aelite poltica paulista, porm o partidarismo entre as lideranas polticas regio-nais impediu as primeiras tentativas de desafio ao regime Vargas. Crescente-mente estimulada pela humilhao de So Paulo sob a ditadura, no incio de1932, as duas maiores faces polticas do estado se uniram contra Vargas e o

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    movimento comeou a assumir contornos e dimenses, incluindo protestos demassa em favor do retorno da ordem constitucional. Na esperana de evitarum confronto direto, Vargas indicou um civil paulista, Pedro de Toledo, comointerventor, mas falhou ao no demitir o amplamente rejeitado Miguel Costa eno permitir que Toledo constitusse um secretariado paulista. Os Constituci-onalistas paulistas (assim nomeados devido sua demanda pela assembliaconstituinte) responderam com a tomada do governo do estado em 23 de maio,embora no fosse, ainda, uma ampla revolta armada. Enquanto isso, oficiaismilitares descontentes (anti-tenentistas) apoiaram So Paulo, assim como fez aFora Pblica do estado. Isso desembocou, em 9 de julho, na declarao deguerra contra o governo central. Nos 83 dias que se seguiram, tropas leais aoestado, um punhado de soldados do exrcito regular, bem como um grande n-mero de voluntrios paulistas mal treinados e mal equipados, engajaram-se emuma luta assimtrica contra as tropas federais. No incio de outubro, oficiais daFora Pblica, percebendo a situao como desesperadora, negociaram umcessar-fogo com o governo central, colocando fim ao conflito.17

    A interpretao oficial (getulista) da revolta considerou a Revoluo de1932 como uma simples ao restauracionista ou de retaguarda por parte daoligarquia paulista para recuperar o poder e os privilgios perdidos com a ascen-so de Vargas (cujo regime representava a inevitvel marcha da nao em dire-o centralizao e unificao)18. Em geral, os historiadores tm reproduzidoessa verso oficial, mesmo que isso no corresponda s evidncias empricasbsicas em muitos aspectos. Por exemplo, dentre os incitadores centrais da re-volta estavam membros do Partido Democrtico que fra intensamente crticoda mquina estatal e apoiador decisivo de Vargas quando ele assumiu o poderpela primeira vez19 Alm disso, longe de posicionar-se como a fortaleza da tradi-o contra a mar de mudana radical, os paulistas baseavam suas exigncias deliderana nacional na modernidade de So Paulo, comparada ao restante do Bra-sil. Era, precisamente, o alegado atraso das regies pr-Vargas que as lideran-as paulistas publicamente desprezavam.

    Finalmente, a noo de que a Revoluo era uma ao de retaguardaengendrada pela oligarquia paulista tampouco explica a forte continuidadedo entusiasmo regionalista no curso da Campanha Constitucionalista, nem omassivo apoio popular ao movimento em vrios momentos do conflito. Es-tou assumindo tambm, em sintonia com a nova histria poltica, que alinguagem e a ao poltica fornecem um significado particular ao movi-mento em contraste com uma antiga abordagem Marxista que procuravadescobrir os verdadeiros interesses de classe ou setoriais subjacentes aoconflito poltico. Assim, houve faces da elite que obtiveram vantagens

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    econmicas promovendo a rebelio, mas isso dificilmente explica por queou, mais importante, como ocorreu a revolta, ou o significado que teve paraos seus participantes20.

    Como se poderia imaginar, a Campanha Constitucionalista e a Revoluode 1932 produziram uma profuso de textos, polmicas, poesias, cartazes, m-sicas e artefatos por meio dos quais os paulistas procuraram delinear e clarifi-car sua identidade regional (mas ao mesmo tempo nacional) e justificar suaspretenses de domnio nacional. O conflito regional contra o governo centralforneceu as condies para o crescimento de representaes e discursos sobrea identidade regional. Mas as narrativas e imagens da superioridade paulistano apareceram abertamente na arena poltica com o incio da Campanha Cons-titucionalista assim como no desapareceram quando a revolta sofreu sua der-rota. Ao invs disso, os lderes e os apoiadores do movimento puderam usufruirpor quase seis dcadas de discursos, ensaios e iconografias para propagar suaspretenses de grandeza regional.21

    As bases materiais para essas pretenses foram minuciosamente dis-cutidas na historiografia brasileira e sero apenas brevemente apresentadasaqui. Na dcada de 1870, com a alta dos preos do caf, o maior centro deexportao de produtos, e de mo-de-obra escrava, deslocou-se para a pro-vncia de So Paulo que, durante a dcada final do Imprio (1879-1889), fezuma transio, passando de uma economia atrasada, com uma capital ador-mecida, para a mais rica provncia do Brasil, atravessada por ferrovias e prs-peras plantaes, tornando-se o centro urbano com o crescimento mais rpi-do da Amrica Latina. Durante os anos de 1890, centenas de milhares deimigrantes europeus afluram para So Paulo para substituir os escravos eman-cipados nas fazendas de caf e, nas dcadas iniciais do sculo XX, So Paulohavia iniciado a transio para tornar-se uma economia industrial.22 De fato,por volta de 1930, So Paulo aspirava ao ttulo de mais importante centromanufatureiro da Amrica Latina23. Alm disso, So Paulo no estava longede equiparar-se ao Rio de Janeiro como centro da cultura erudita. Os anos 20viram o retumbante aparecimento dos modernistas paulistas uma audaciosavariedade de escritores de vanguarda e artistas que proclamaram sua regiocom a apoteose da modernidade brasileira, ao mesmo tempo que lanavamquestionamentos crticos sobre a vida urbana contempornea24. luz dessesmltiplos desenvolvimentos, requeria-se pouco trabalho ideolgico para osintelectuais paulistas retratarem sua provncia nativa como favorecida pelodestino. Nos anos 20, as elites por todo o Brasil reconheceram, rancorosa-mente, que So Paulo detinha as economias industrial e agrria mais prspe-ras da nao, bem como suas tendncias culturais mais inovadoras25.

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    Uma vez que o regionalismo paulista seria, algum tempo depois, compa-rado com o separatismo por muitos dos seus opositores, importante notar quea j mencionada concepo da superioridade paulista era, de certa forma, ooposto do separatismo concebendo a nao brasileira como um todo, comSo Paulo26. Ao mesmo tempo, a construo paulista da identidade nacionalBrasileira, que virtualmente atribua toda ao histrica e todo o progresso na-cional modernidade de So Paulo, no era mais inclusiva do que um programaseparatista. Isso no era apenas uma identidade regional (mas ao mesmo tem-po nacional), mas uma maneira de relegar a maioria das outras regies do Bra-sil ao status de pr-modernas ou de Outras insuficientemente civilizadas27.Desse modo, mesmo um auto-proclamado anti-racista e nacionalista como An-tnio Baptista Pereira declarou que So Paulo estaria sempre na vanguardada marcha brasileira para a modernidade, e que sua regio era o Apstolo dosPovos... So Paulo que carrega o fardo das longas cruzadas, para ensinar aoBrasil o significado da brasilidade, para mostrar ao Brasil o caminho para serum Brasil-Maior.28 Como Tnia de Luca pertinentemente ressalva, os paulis-tas falavam da grandeza da nao em termos inteiramente regionais.29 Du-rante a revoluo de 1932, um slogan popular: Tudo por So Paulo! Tudo peloBrasil! habilmente evidenciava essas inclinaes.

    Tanto o domnio poltico de So Paulo durante a Repblica Velha quantoseu dramtico crescimento econmico nesses anos contriburam para a meton-mica imagem de So Paulo como o Brasil que deu certo. Mas nem o poderpoltico nem o sucesso econmico podem ser tratados como bases bvias para aformao da identidade, pois em si mesmos e por si mesmos, eles no fornecemas bases materiais para a construo da identidade regional com amplo apelopopular. De fato, comparada com outros regionalismos, a identidade paulista relativamente dbil no domnio cultural, em parte porque um regionalismo inspira-do pelo rpido progresso econmico e pelo anseio da modernidade dificilmentepode jactar-se de ricas fontes do folclore e tradies, inventadas ou no.30 SoPaulo parece ser, no conjunto, extraordinariamente pobre nos aspectos perfor-mativos do regionalismo que Pierre Bourdieu menciona como cruciais para ocultivo das lealdades regionais.31 Com uma exceo: os intelectuais paulistas,principalmente os historiadores, aos quais pode ser creditada a bem sucedidaconstruo de um mito de origem fundamental que posicionou So Paulo noapenas como crucial para a formao da nao brasileira, mas tambm comoqualificativamente diferente do resto da nao. Nessa narrativa histrica, o Bra-sil, alm das fronteiras de So Paulo, aparece como fundamentalmente atrasado,sobrecarregado pelo legado colonial do declnio do domnio portugus, pela mo-narquia obscura e pela Plantation. Em contraste, o idiossincrtico passado colo-

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    nial de So Paulo supostamente explicaria a singular disposio regional, e suareceptividade, para a modernidade. O mito fundamental para essa representaocultural foi a saga dos bandeirantes.

    Brevemente, as bandeiras eram grupos de homens que tinham suas basesem So Paulo, de onde organizavam expedies de longa distncia para exploraro interior brasileiro durante o sculo XVII e incio do XVIII, principalmente nabusca de metais preciosos e escravos indgenas. Na Lenda Negra, escrita pe-los missionrios espanhis, o bandeirante tem um carter cruel e moralmenteinaceitvel, mas nas mos dos publicistas paulistas no incio do sculo XX, ele resgatado como um empreendedor proto-capitalista. Em contraste com o parasi-trio, decadente e tradicional plantador de acar do nordeste colonial, o bandei-rante um empreendedor e um aventureiro. Alm disso, foram os bandeiran-tes, cuja intrepidez permitiu explorar os mais remotos recantos do interior brasi-leiro, que garantiram as fronteiras da futura nao brasileira, estabelecendo, as-sim, sua inatacvel pretenso de grandeza da mesma.32

    O que essas rotineiras litanias auto-congratulatrias do excepcionalismode So Paulo suprimiram foi o crucial interregno da Plantation. Inclusive,podem-se ler relatos populares ou acadmicos sobre a histria de So Paulo eno perceber o fato de que a regio, por vrias dcadas, na segunda metade dosculo XIX, foi a mais importante do Brasil no que se refere a uma economiade plantation escrava. Quando se admitiu isso, esse fato inconveniente tor-nou-se um trunfo, juntamente com a alegao de que os fazendeiros paulistasapresentavam uma disposio progressista que os tornou relutantes em confiarnos escravos e vidos por adotar novas tecnologias. Os fazendeiros paulistasno eram tpicos escravocratas e, ademais, desempenharam um papel crucialna abolio da escravido e na modernizao da agricultura.33 Quanto m-cula da escravido na populao de So Paulo, o folclorista Dalmo Belfort deMattos consolou seus leitores com a afirmao de que a populao de corapenas breve e temporariamente tornou-se uma maioria durante a primeira fasedo boom do caf. Isso passou logo. A mortalidade e a mistura gradualmenteeliminaram o excesso de Africanos.34

    O sucesso da saga bandeirante e seu papel na construo da identidaderegional dificilmente podem ser exagerados. Virtualmente cada poesia ou pol-mica do perodo da Campanha Constitucionalista faz uma referncia aos ante-passados bandeirantes dos paulistas. Retratos de Ferno Dias, Domingos JorgeVelho e outros histricos bandeirantes adornavam as notas bancrias emitidaspelo curto governo revolucionrio, e os bandeirantes pairavam como figura defundo nos cartazes de recrutamento lanados pelas milcias voluntrias. Noincio dos anos 30, o povo bandeirante tornou-se um sinnimo amplamente

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    aceito para o povo paulista. Em resumo, os bandeirologistas haviam criadouma bem sucedida etnicidade imaginria, baseada numa grandiosa narrativeof discent, para usar uma expresso bastante adequada de Prasenjit Duara.35

    O DISCURSO DA SUPERIORIDADE PAULISTA E A REVOLUO DE 1932.

    O restante deste artigo focar principalmente na Campanha Constitucio-nalista de 1932 e na guerra civil. Durante esse episdio histrico, lderes regio-nais forjaram defesas particularmente calorosas da superioridade de So Paulo eretratos depreciativos inslitos de brasileiros de outras regies, tornando explci-tas constataes que talvez permaneam implcitas em tempos normais. Utili-zando liberalmente as teorias do Darwinismo Social acerca da adequao dediferentes raas para o progresso e a modernidade, bem como as teorias histri-cas aparentemente contraditrias acerca dos estgios da civilizao, jornalistas eintelectuais paulistas celebraram as virtudes cvicas da populao regional, queeles atribuam ao seu carter mais civilizado. Discurso aps discurso, ensaioaps ensaio, os paulistas exaltavam a fibra cvica e moral do povo bandeirante, ocarter culto e civilizado do povo paulista, e a direta associao entre o estgiode civilizao da regio e a sua obedincia s regras da lei.

    Mas e o restante do Brasil? Como o discurso regionalista paulista cons-truiu seu Outro dentro da nao brasileira? Isso variou, de maneira tpica, deacordo com os propsitos polticos dos grupos e dos indivduos, ainda que certassuposies informassem o discurso poltico atravs do espectro de faces pol-ticas. O grupo de paulistas que abertamente advogava o separatismo em 1932no hesitou em construir cada uma das outras regies do Brasil como amplamen-te inferior ao estado de So Paulo, e nos termos mais depreciativos. Por outrolado, muitos lderes constitucionalistas mantiveram esperanas de receber apoiodas faces anti-Vargas no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paran e Rio Grandedo Sul, e tiveram que retratar essas regies de maneira mais favorvel; talvezelas fossem inferiores a So Paulo, mas a tendncia entre os moderados eraenfatizar que eles compartilhavam o respeito s regras da lei e manuteno daordem.36 Ento, o que causava uma indignao comum? O norte/nordeste doBrasil, que eram consistentemente retratados como regies atrasadas, ocupadas,principalmente, por povos primitivos e degenerados.

    De fato, uma das mais marcantes caractersticas dos discursos paulistasdurante esse perodo a crescente identificao do regime Vargas com as regi-es empobrecidas e, em grande medida, no-brancas do norte e nordeste do Bra-sil a despeito do fato de Vargas e seus auxiliares mais prximos serem doextremo sul do Brasil. As bases para essa identificao variavam, mas muitos

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    escritores proeminentes alegavam que apenas povos que tinham alcanado oestgio industrial de civilizao sentiam necessidade das regras da lei; socieda-des agrrias e pastoris, como as do nordeste, teriam uma afinidade natural comregras arbitrrias e autoritrias.37 Ademais, as tropas federais que invadiramSo Paulo eram consistentemente descritas como tendo sido recrutadas entre oshabitantes semi-selvagens do nordeste atrasado. Por meio desse processo derepresentao, os paulistas elevaram o carter cultural e civilizado de sua prpriacampanha, ao mesmo tempo que as foras de Vargas eram situadas no campo doatraso, da incivilidade e dos elementos mais obscuros da sociedade brasileira.De acordo com Mrio de Andrade, durante a campanha de 1932 os paulistasjocosamente se referiam ao regime de Vargas como a ditanegra.38 Talvez,nenhum relato expresse esse processo de criao do outro melhor do que adescrio de Vivaldo Coaracy das foras de ocupao que entraram na cidadeaps a rendio do estado: Eram soldados dum tipo estranho, que pareciampertencer a outra raa, baixos, amarelos, de mas salientes e olhos oblquos.Muitos usavam os dentes limados em ponta. Todos traziam nos olhos escuros, demistura com o pasmo ante a cidade soberba, uma luz de desafio e provocao.39Outra contundente expresso de desprezo dos paulistas em relao aos invaso-res est no centro dos comentrios de Paulo Duarte, lder do Partido Democr-tico, para quem os nordestinos desempenham o mesmo papel daqueles negrosde Dakar, cartola cabea e os ps no cho, convictos duma alta posio decitoyen franais.40

    Alguns relatos contemporneos da guerra continham at mesmo estranhosecos da obra Os Sertes, de Euclides da Cunha, uma renomada crnica do con-flito de 1896 entre os membros de uma comunidade milenarista no serto daBahia e as tropas republicanas. Ela um exame decisivo do conflito entre doisBrasis: o civilizado e crescentemente europeizado do litoral, e o atrasado, raci-almente misto e embebido em religiosidade do interior. Durante a breve fase doconflito armado em 1932, os correspondentes de guerra paulistas e os combaten-tes relutavam em admitir que as foras Constitucionalistas estivessem em severadesvantagem tcnica, uma vez que isso poderia contradizer a noo de que SoPaulo estava longe de ser a regio tecnologicamente mais avanada e material-mente mais prspera do Brasil. Ao invs disso, eles preferiam colocar a culpanos milhares de nortistas que fanaticamente arremessavam seus corpos contraas tropas paulistas e esmagavam as foras constitucionalistas com sua superiori-dade numrica. O cenrio de soldados racionais e modernos competindo contrabrbaros irracionais est muito prximo da luta descrita na crnica de Euclidesda Cunha e nos seus relatos sobre Canudos, mas dessa vez foram as auto-pro-clamadas foras da civilizao que sofreram a derrota.41

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    BRANCURA, MODERNIDADE E A CONSTRUO DA IDENTIDA-DE PAULISTA.

    A seo a seguir irei oferecer exemplos especficos dos diferentes mo-dos pelos quais a identidade paulista era, explicita ou implicitamente, raci-alizada no contexto das lutas polticas regionais visando ao poder nacional.42Antes de comear essa discusso das idias racializadas da identidade pau-lista (e brasileira), contudo, devo tornar mais claro como entendo essa ques-to. No estou argumentando que os participantes da Revoluo Constitucio-nalista eram exclusivamente brancos e de classe mdia. As foras paulistasincluam uma Legio Negra de tamanho considervel, e muitos dos batalhesmunicipais, a se julgar pelas fotografias, incluam homens de cor. Ao invsdisso, estou argumentando no nvel de representao, no qual irei propor queo paulista , indubitavelmente, branco e de classe mdia. Como observou C.R. Cameron, cnsul geral dos Estados Unidos em So Paulo durante a rebe-lio de 1932: So Paulo [...] tem uma extraordinria moral engendrada pelosvinte meses de humilhao e pela convico de estar lutando pela sua posi-o poltica, pela cultura dos homens brancos e pelas riquezas, pelas vidase pelas casas dos seus cidados.43

    O ponto-chave que eu quero ressaltar no material que segue : a des-peito dos vrios graus de explicitao sobre diferenas raciais, todos oslderes da Revoluo Constitucionalista justificaram sua rebelio contra ogoverno federal com aluses superioridade de So Paulo uma posioque somente poderia ser sustentada com referncia a um entendimento ra-cializado sobre a evoluo da nao brasileira. Existiram, certamente, vari-aes na linguagem e na retrica, tanto quanto ajustes por razes de conve-nincia poltica, mas impressionante perceber a grande coincidncia deargumentos ternamente propostos por um membro importante do suposta-mente progressista Partido Democrtico, Paulo Duarte, e um seguidordeclaradamente racista do Partido Republicano Paulista, Alfredo Ellis Jr.,quando eles compararam os paulistas a outros brasileiros. Devo tambmenfatizar que os exemplos citados a seguir procedem quase inteiramente defontes da elite ou de intelectuais com acesso privilegiado imprensa e spublicaes. Entre as pessoas comuns, a viso sobre raa e identidaderegional nem sempre seguiu a de suas lideranas. Entretanto, eu gostaria deargumentar que aqueles que se engajaram na luta tiveram que adotar umcerto script sobre a superioridade paulista (e a inferioridade dos no pau-listas) que circunscreveria severamente as posies sobre raa, classe ougnero que poderiam ser expressas publicamente.44

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    O pequeno mas barulhento grupo de paulistas que abertamente defendiamo separatismo que ns podemos chamar de construtores da nao, por outrosmeios, pde, por razes bvias, empregar as imagens mais abertamente racis-tas. Previsivelmente, os separatistas expressaram sua hostilidade mais violenta-mente contra nortistas e nordestinos mais uma vez, a pobreza severa e a deca-dncia econmica (agora denominada atraso) da regio, bem como sua grandepopulao no-branca, proporcionavam os elementos perfeitos para a declara-o da vasta superioridade de So Paulo.45 Na sua curta existncia, o jornal OSeparatista freqentemente recorria a caricaturas degradantes e humor racistapara ridicularizar os brasileiros de origem nordestina (por exemplo, diziam, joco-samente, que os paulistas estavam planejando erguer um monumento para o san-guinrio bandido nordestino Lampio, em gratido pelo seu papel na reduo donmero de nordestinos).

    Mas, em momentos de grande desespero, os separatistas deixaram cairtotalmente o roto vu da cordialidade e recorreram mais explcita forma dedemagogia racial, como no manifesto lanado depois da derrota de outubro,alegando que era urgente a secesso, pois era melhor ser uma nao peque-na do que continuar a ser meros associados de uma terra invivel, dominadapor mestios que tm almas de escravos, e que esto a apenas um passo dis-tantes dos seus ancestrais, cujos corpos foram escravizados aqui e na fri-ca... O manifesto continua a descrever esses invasores rapaces como sim-ples associados duma patria inviavel, onde dominam mestios de alma escrava,muito prximo ainda de paes cujo corpo tambm foi escravo por sculosaquie em Africa... filhos da senzala e da misria, victimas de climas destruidores,encrostadas da ignorancia mais crassa, essa gente que j vae perdendo a for-ma humana, taes as desgenerescncias physicas que a assaltam E terminadenunciando os mestios de escravos, sordida esculdalha brasileira, geradanas senzalas, elles querem escravisar-te.46

    A despeito do uso explcito de imagens racistas, mesmo os separatis-tas no aderiram exclusivamente s clssicas noes do racismo cientfi-co. Eles tambm sustentaram amplamente perspectivas sobre os estgiosde civilizao, argumentando que o Amazonas ainda estava num estgio decaadores e coletores, o nordeste num estgio pastoril ou agrcola, enquan-to somente So Paulo havia entrado na era industrial, o que o diferencia-va do restante do Brasil.47 Mesmo o calunioso manifesto citado acima, comsuas referncias sobre os efeitos da escravido, do clima, das doenas emisrias, no se baseava completamente nos princpios convencionais dasdoutrinas do racismo biolgico para denegrir os brasileiros de outras regi-es.48 Livre da necessidade de conquistar o apoio de aliados de outras regi-

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    es, a pequena faco dos separatistas pde produzir a mais extrema ver-so do discurso racializado, mas eu sustentaria que havia uma considervelsobreposio, em ambas as direes, entre a retrica desse grupo e de ou-tras faces, ostensivamente mais moderadas, que apoiavam a Revoluode 1932. Mesmo aqueles paulistas que aparentemente rejeitavam as deter-minaes ideolgicas raciais, e preferiam as explicaes culturais e econ-micas para a diferena de So Paulo, freqentemente empregavam dis-cursos de civilizao e progresso de tal modo que implicitamente racializa-vam o conflito entre So Paulo e o governo central.49

    Muitos paulistas que defendiam a autonomia regional e uma dbil confede-rao de estados apenas o suficiente para impedir uma verdadeira secesso proferiam argumentos que formavam uma verso mais discreta do separatismo.Um dos mais proeminentes na faco dos autonomistas era Alfredo Ellis Jr., umconhecido historiador e poltico republicano. No seu Confederao ou Separa-o?, publicado no incio de 1932, Ellis enfatizava dois temas: a divergnciatnica das vrias regies do Brasil e o desenvolvimento extremamente desigualdas suas regies. Ambas as caractersticas, ele argumentava, tinham se tornadomais pronunciadas desde a abolio da escravido e da transio da Monarquia Repblica, quando a imigrao branqueou ainda mais So Paulo e esse estadoemergiu, de longe, como o mais rico da nao.

    Ellis, diferentemente dos seus colegas mais moderados no movimento, nuncaevitou a utilizao explcita de evidncias e argumentos racializados. Por exem-plo, embora reconhecesse que todas as regies brasileiras tinham misturas raci-ais, ele sustentava que So Paulo tinha 85% de brancos puros, enquanto aBahia tinha apenas 33%. Por isso, ele sustentava que tais divergncias raciaisse traduziam em laos nacionais dbeis.

    Ser puro lyrismo sentimental, se chamaram irmos, umdolico-louro do Rio Grande do Sul, um brachy-morenode S. Paulo, um dolico-moreno de Minas ou um platyce-phalo amongoilado do Sergipe, ou do Cear, ou um ne-gro de Pernambuco.50

    Nada do que foi acima mencionado especialmente surpreendente, vindoda bagagem intelectual de Ellis, dada sua trajetria como historiador que traba-lhou com o tema dos bandeirantes, ajudando a construir a lenda da raa degigantes do planalto paulista (alm do fato de ele ser um descendente devotadode um expatriado da Confederado do Brasil). Entretanto, muitos dos argumentosde Ellis nesses dois livros no so diretamente derivados de categorias raciais,mas ao invs disso, eles se apiam muito mais nas noes cannicas sobre a

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    superioridade cultural, cvica e econmica de So Paulo. De fato, a maior partedo livro citado consiste de argumentos econmicos em favor da autonomia pau-lista em face da manobra de centralizao de Vargas, com particular nfase,amplamente ilustrada por dezenas de tabelas, na massiva contribuio de SoPaulo ao tesouro federal. Assim, na medida em que seu argumento se desdobra,os elementos explicitamente racialistas se desvanecem, para ressurgir no con-texto da linguagem dos estgios da civilizao, um conceito o qual Ellis atribuiuma dimenso de implicaes culturais e polticas. Desse modo, em a NossaGuerra, Ellis afirma que os nortistas apiam a ditadura de Vargas porque seuestgio de desenvolvimento econmico e civilizacional torna um regime consti-tucional dispensvel: elles Estados pequenos, que esto em um grau de civiliza-o muito mais atrazado, em um desenvolvimento econmico muito menor, etc.,no tem as mesmas necessidades... [de So Paulo]51

    O poeta modernista Menotti Del Picchia, no seu A Revoluo Paulista,usou um refro similar. Uma figura proeminente entre os escritores modernistasde So Paulo durante os anos 1920, muitos dos quais apoiavam vidamente arevolta paulista, Menotti insistiu que o movimento de 1932 foi uma expresso darevoluo cultural que tivera incio com a Semana de Arte Moderna em 1922.52A despeito, ou talvez por causa das suas simpatias nacionalistas, Menotti defen-dia o federalismo e a autonomia regional, oferecendo como justificativa o fato dese encontram na base da heterogeneidade ethnica das populaces brasileiras,da sua formao histrica como povo e das diferenas de nvel economico eindustrial.53 Ele argumentava, na mesma senda de Ellis, que no h nao maisdesigual que a brasileira Consistentemente ligando o nvel de desenvolvimentoeconmico com a poltica cultural, Menotti argumentava que o estgio do pro-gresso econmico de So Paulo tornava seus habitantes especialmente temero-sos de que a ditadura pudesse causar distrbios na ordem e na indstria. Almdisso, entre os brasileiros, apenas os paulistas eram suficientemente cultos parase opor ditadura. Mais uma vez, fazendo eco a Ellis, ele afirma que muitas dasdemais regies do Brasil, sendo predominantemente rurais e pr-industriais, es-tavam perfeitamente de acordo com um regime ditatorial: o papel da lei s atrativo para sociedades, como as de So Paulo, que so cultas e policiadas.54

    Sobre esse mesmo tema, Vivaldo Coaracy argumentava que So Paulo,por conta do seu carter nico, baseado numa individualidade robusta e intrpi-da estava sozinho entre as regies do Brasil na denncia da ditadura:

    O que singularizou So Paulo dentro da Unio foi o determi-nismo econmico, [...] o esprito de iniciativa suscitada emreao a coao colonial, as tradies que se acumularam,toda essa trama que constitui a base viva da Histria [...]. So

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    Paulo tornou-se diferente. E porque seja diferente no podeser compreendido. por isto que So Paulo est s! 55

    Num outro momento, Coaracy, como Ellis, enfatizou a geografia da di-versidade racial brasileira como o fator principal para a evoluo nacionaldesigual.56. Em outras palavras, intelectuais e polticos paulistas no abando-naram necessariamente um discurso racista quando mudaram para a lingua-gem do estgio de civilizao.57 Mesmo Mrio de Andrade, hoje celebradocomo um dos mais crticos e criativos entre os escritores modernistas, comrespeito ao racismo, afirmava que So Paulo era maior que o Brasil, e ridi-cularizava as tropas federais que vieram matar paulistas comparando-as atribos indgenas primitivas.58

    Novamente, esse tipo de argumento e de linguagem no estava confi-nado aos escritos de um punhado de intelectuais paulistas. Virtualmente, emcada jornal dirio, em cada revista popular, em cada rdio, em folhetos epanfletos distribudos nas ruas, mesmo em cartas particulares e dirios, pode-se encontrar no apenas afirmaes da superioridade e grandeza de So Paulo,mas tambm declaraes sobre a inferioridade e barbrie dos brasileiros deoutras regies. Um excelente exemplo a seguinte descrio dos esforosdo governo Vargas em combater a Revoluo Constitucionalista do jornal OEstado de So Paulo:

    Despejando contra a mocidade de So Paulo, contra os estu-dantes, os mdicos, os advogados, os engenheiros, os com-merciantes, os fazendeiros, os homens de trabalho e os ho-mens de intelligencia uma jagunada colhida nos sertes, ar-rebanhada nas fronteiras e aliciada at fora do paiz. Contra umpovo civilizado lana levas de facinoras.59

    Do mesmo modo, uma manchete de A Gazeta informava aos cidados deSo Paulo que A Dictadura Lana Mo dos Jagunos Fanticos contra o Exr-cito Consciente da Liberadade 60

    Talvez, ainda mais reveladora seja uma narrativa de segunda-mo de umencontro atpico entre soldados paulistas e foras federias. Durante um impro-visado cessar-fogo, segundo o relato de um soldado paulista, ele e seus compa-nheiros se envolveram numa comovedora conversa com seus perseguidoresbrasileiros do Rio Grande do Sul, em que ambos os lados expressaram o seulamento de lutar contra irmos. Mas o idlio terminou quando um desvairadomulato nordestino intrometeu-se na conversa e comeou a ameaar os paulis-tas.61 Em outras palavras, a despeito da guerra, havia uma solidariedade natu-

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    ral entre brasileiros brancos e de classe-mdia de diferentes estados, mas amosca na sopa eram os no-brancos nordestinos, cujo atraso e ignorncia setransmutavam em hostilidade e inveja dos paulistas.

    Os paulistas, ansiosos por obter apoio de outras regies e combater asmentiras dos opositores acerca da ambio separatista de So Paulo, insistiamque o Constitucionalismo era um movimento de auto-sacrifcio formado no esp-rito da brasilidade, para redimir o Brasil de uma ditadura opressiva. Conse-qentemente, o revolucionrio Jornal das Trincheiras inicialmente retratavaa identidade paulista como transcendendo s fronteiras regionais; por conta darebelio, o significado do termo paulista ampliou-se, alargou-se, estendeu-se,para abranger em seu ambito muito mais do que a simples designao de umaccidente de nascimento, mais que isso, havia se tornado uma categoria queinclua todos aqueles que pensam com So. Paulo.62

    Essa mensagem de paulistanidade transcendente encontrou alguma resso-nncia entre grupos alm das fronteiras de So Paulo principalmente ambiciososprofissionais de classe mdia das faculdades de direito e medicina dos centrosurbanos do Brasil. Mas tornou-se difcil superar o peso do separatismo, precisa-mente porque mesmo aquelas faces do movimento paulista que expressavammaior devoo brasilidade no podiam estabelecer laos de solidariedade hori-zontal com o resto da nao.63 A despeito de alguns esforos, o Jornal das Trin-cheiras no podia sustentar essa posio: quando as derrotas se acumularam e aguerra estava para se decidir, o jornal recorreu a uma retrica inflamada, incluindoum artigo de pgina frontal que definia a guerra como a luta ente duas idias dife-rentes de civilizao, para no dizer ente civilizao e barbarismo.64

    RAA, IDENTIDADES REGIONAIS E DISCURSOS DE DEMOCRACIA.

    A limitada ressonncia do discurso constitucionalista alm das fronteiras doestado quase no surpreende dada sua nfase em como So Paulo era superior edistinto, comparado ao restante do Brasil, indicando o limite de um esforo manifes-tamente regionalista para re-imaginar a nao. Assim os paulistas podiam zombardos clamores anti-constitucionalistas que diziam que So Paulo estava tentando con-verter as outras regies do Brasil em suas colnias econmicas; mas havia, contudo,alguma coisa distintivamente colonial no modo como So Paulo posicionava o res-tante do Brasil e, especialmente as reas pobres do nordeste, retratadas como politi-camente imaturas, economicamente subdesenvolvidas e culturalmente atrasadas.

    Essas atitudes ajudam a explicar um silncio inicial desconcertante no dis-curso constitucionalista. Podia-se esperar de um movimento que estava convo-cando o povo contra a ditadura um uso extensivo do termo democracia, uma

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    palavra que, mesmo no incio de 1930, era amplamente considerada a expressoanttese da ditadura. Mas houve notoriamente poucas referncias necessidadede democratizao nos escritos e discursos do movimento. Havia incontveisreferncias necessidade de uma constituio, para a restaurao da ordem edas regras da lei, mas, em geral, os paulistas silenciaram sobre o problema dademocracia. Nas raras ocasies em que o tema apareceu, era possivelmentepara ser questionado. Assim, temos a pouco usual afirmao de Vivaldo Coaracyque, em O Caso de So Paulo, escreveu:

    A diferena no ritmo evolutivo estabeleceu forosamente, umahierarquia entre os Estados brasileiros [...] A democracia procla-ma a igualdade civil entre os cidados e tende a conceder-lhes aigualdade poltica. Mas incapaz de criar a igualdade natural...65

    A partir dessa perspectiva, podemos compreender melhor o vcuo pol-tico que existia no Brasil durante o incio dos anos 30, no que diz respeito democracia, com Vargas apontando para um apelo autoritrio e populista emdireo s classes populares, e uma suposta classe mdia liberal paulista iden-tificada com a hierarquia e com uma noo no inclusiva de direitos polticos.Ironicamente, sob essas circunstncias, foi o ditador Vargas e seus aliados,no os liberais constitucionalistas de So Paulo, que estiveram mais dispos-tos a favorecer uma eventual transio para uma ampla democracia poltica.O regionalismo (mas ao mesmo tempo nacional) paulista, to identificado comas classes mdia e altas, brancas, de So Paulo, tinha pouca capacidade parasustentar uma mobilizao popular, tornando a democratizao um desafioimplcito ao domnio paulista. Tanto antes quanto durante a campanha consti-tucionalista, as elites paulistas se referiam aos habitantes das regies menosavanadas como um impedimento para a formao de uma cultura nacionalcoerente e progressiva. Mas eu argumentaria que foi precisamente a insis-tncia dos paulistas em uma hierarquia, (e no em uma diversidade) de iden-tidades regionais que forneceu o maior impedimento para uma cultura nacio-nal democrtica mais progressiva no incio dos anos 30.

    Essa estrutura hierarquia, alm disso, assentava-se sobre conceitos raci-alizados. Enquanto muitos dos expoentes e cronistas da Revoluo de 1932 norecorreram explicitamente a idias racistas na definio do carter regional,elementos-chave na construo da identidade paulista os tropos de civiliza-o e modernidade serviam facilmente para um discurso racializado sem pre-cisar fazer referncia explcita raa e cor. Em qualquer contexto, So Pauloera apresentado no apenas como o mais prspero, mas tambm como o maiscivilizado, o mais culto e o mais moderno. E esse modo de representao de-

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    pendia de um agudo contraste com outras regies do Brasil, especialmente onordeste, com sua grande e empobrecida populao no branca, representadacomo atrasada, inculta e semi-civilizada.

    Como Paul Gilroy argumentou, em The black Atlantic, que em um mun-do em que a modernidade est to rotineiramente associada cultura europia,ao embranquecimento, difcil desenvolver esse conceito em termos racial-mente neutros.66 Alguns estudiosos da ideologia racial tenderam a fazer umaaguda distino entre o racismo biolgico e o racismo cultural, em que o segun-do parece menos pernicioso que o verdadeiro racismo baseado na noo dediferenas biolgicas. Mas penso que esse episdio histrico especfico emSo Paulo mostra-nos, com exemplos abundantes, o considervel deslizamentode uma linguagem racista para a outra, e o modo pelo qual o discurso baseadoem processos histricos e inclinaes culturais pode ser ao mesmo tempo maisflexvel e mais durvel.67

    A pretenso paulista superioridade, claro, no ficaria sem resposta.Dada a considervel competio pelo poder nacional aberta pela Revoluo de30, o momento tornou-se auspicioso para a competio entre interesses regionaispela construo de uma identidade nacional que abertamente desafiava o exclu-sivismo racial dos paulistas. Novamente, sem ignorar as falhas e os defeitos danoo de democracia racial, necessrio reconhecer que, nesse contexto his-trico particular, o discurso da democracia racial imaginou uma verso muitomais inclusiva para a comunidade nacional brasileira do que o oferecido pelaintelectualidade paulista.68 Ele pode ter sido um discurso nacionalista que ocultoua discriminao racial e desencorajou a militncia em torno de identidades de cor,mas, em contraste com a perspectiva paulista de nao, no expungiu as etnici-dades no europias da histria do Brasil colonial ou do Brasil independente, nemtampouco imaginou uma nao em que o branqueamento era a nica garantia demodernidade e progresso.

    muito significativo que Gilberto Freyre, o homem que arquitetou o con-ceito de democracia racial, escrevesse no de um abstrato espao supra-regi-onal, mas do contexto imediato do regionalismo nordestino, e com o objetivoconsciente de reabilitar a cultura da sua regio de origem na nao brasileira.69Para Freyre, assim como para os intelectuais paulistas, imaginar a identidadenacional no significava rejeitar lealdades regionais, mais que isso, as identida-des regionais forneciam a matria-prima para a composio das identidadesnacionais. A diferena que o regionalismo de Freyre produziu uma viso denao que poderia ressoar tanto as aspiraes das elites quanto as aspiraespopulares, de uma maneira que a viso explicitamente racista, excludente ehierrquica dos paulistas no poderia.70

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    NOTAS

    1 Barbara Weinstein, Racializing Regional Difference: So Paulo vs. Brazil, 1932, in Nancy Appel-baum, Anne Macpherson and Karin Rosemblatt, eds., Race and Nation in Modern Latin America(Chapel Hill: Univ. of North Carolina Press, 2003), pp. 237-262. Traduo e reviso tcnica AdrianoLuiz Duarte e Rosane Silveira, respectivamente professores dos departamentos de histria e delngua e literatura estrangeira da Universidade Federal de Santa Catarina.2 Mrio de Andrade, Guerra de So Paulo (manuscrito indito) Coleo Mrio de Andrade, Caixa l,Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de So Paulo.3 Tipicamente, estudos de poltica regional terminam em 1937, com a declarao do Estado Novo deVargas, uma verso mais autoritria e centralizada do regime. Ver, por exemplo, Joseph L. Love, So Pauloin the Brazilian Federation, 1889-1937 (Stanford: Stanford U. Press, 1980), e John D. Wirth, Minas Geraisin the Brazilian Federation, 1889-1937 (Stanford: Stanford U. Press, 1977). Love corretamente argumen-ta que o federalismo e o regionalismo no so sinnimos, mas que o fato de os estudos polticos baseadosna regio no terem ido alm de 1937 certamente refora a noo de que Vargas efetivamente centra-lizou a poltica brasileira. Love A Repblica brasileira: federalismo e regionalismo (1889-1937) In: CarlosG. Mota, (ed.) Viagem Incompleta. So Paulo. Editora Senac, 2000, p. 121-160.4 Para um relato padro do impacto de Freyre na conceitualizao da identidade nacional brasileira ver:Bradford Burns, A History of Brazil, 3rd ed. New York: Columbia University Press, 1993, p. 329-331;ver tambm Peter Fry, Politics, Nationality, and the Meanings of Race in Brazil, Daedalus 129:2(primavera 2000), p. 86-90; sobre mestiagem e identidade brasileira, ver Renato Ortiz, CulturaBrasileira e Identidade Nacional. So Paulo: Brasiliense, 1985. Sobre a ideologia do branqueamentover Thomas Skidmore, Black into White: Race and Nationality in Brazilian Thought. New York: OxfordUniversity Press, 1974. A linha de separao entre o pensamento de Freyre e a idia de branquea-mento , muitas vezes, vaga. Cf. Skidmore, Black into White, p. 192. (N.T. Skidmore, Thomas E. Pretono branco: raa e nacionalidade no pensamento brasileiro. Trad. Raul de S Barbosa Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1976. Coleo estudos brasileiros; v. 9). O prprio Freyre argumentou que o Africanoestava desaparecendo da sociedade brasileira, mas como em discursos de mestiagem, sua nfaseestava no almalgamamento, no na marginalizao ou na diluio por meio da imigrao, e ele nopromovia ansiosamente a extino de todo africanismo da cultura brasileira. Gilberto Freyre, Brazil: AnInterpretation. New York: Alfred Knopf, 1945.5 Merece meno um importante ensaio de Emlia Viotti da Costa, The Myth of Racial Democracy: ALegacy of the Empire, in The Brazilian Empire: Myths and Histories Belmont, CA: Wadsworth, 1988,234-246, que historiciza o conceito de democracia racial. Uma crtica mais recente est em FrancesWinddance Twine, Racism in a Racial Democracy New Brunswick: Rutgers University Press, 1998.6 De acordo com Carlos Haselbang (citado in Twine, Racism in a Racial Democracy, p. 6) Freyre crioua mais formidvel arma ideolgica contra as atividades anti-racistas Foi essa a inteno de Freyre? Issoparece improvvel, dado o papel insignificante de ativistas anti-racistas no Brasil quando seu trabalhoapareceu nos anos 1930. Mas ele praticamente no se esforou para prevenir que seu trabalho fosseusado pelos apologistas do colonialismo portugus ou pelo autoritarismo brasileiro.7 Estamos comeando a ver uma mudana nas abordagens sobre democracia racial, com cada vezmenos denncia e cada vez mais abordagens nuanadas, incluindo trabalhos que enfatizam seusmltiplos usos discursivos (ao invs de caracteriz-los como um mito). Ver Howard Winant, Re-thinking Race in Brazil, Journal of Latin American Studies 24 (1992), p. 173-192. E Sueann Caulfield,Interracial Courtship in the Rio de Janeiro Courts, 1918-1940, Race and Nation in Modern LatinAmerica, ed. by N. Appelbaum, A. Macpherson, and K.A. Rosemblatt (Chapel Hill: Univ. of NorthCarolina Press, 2003), 163-186.8 A melhor histria resumida da Revoluo de 1932 Maria Helena Capelato. O Movimento de 1932:A Causa Paulista. So Paulo: Brasiliense, 1982.

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    9 Ver Barbara Weinstein Brazilian Regionalism Latin American Research Review 17:2 (Sum-mer 1982), p. 262-76; Ruben George Oliven. A Parte e o Todo: A Diversidade Cultural noBrasil-Nao. Petrpolis: Vozes, 1992, cap. 2; Vera Alice Cardoso Silva. O Enfoque Metodol-gico e a Concepo Histrica, In: Marcos A. da Silva. coord. Repblica em Migalhas So Paulo:Marco Zero, 1990, p. 42-47.10 Para o caso comparvel do norte da Itlia, ver: Antonio Gramsci. Selections from the Prison Note-books. New York: International Publishers, 1971, p. 70-1, 94.11 Ver, por exemplo, Pierre Vallieres White Niggers of America: The Precocious Autobiography of aQuebec Terrorist New York: Monthly Review Press, 1971. Sobre o regionalismo no contexto daEuropa, ver Celia Applegate A Europe of Regions: Reflections on the Historiography of Sub-NationalPlaces in Modern Times American Historical Review 104:4 (Oct. 1999), 1157-1182.12 Sobre o regionalismo antioquenho, ver Nancy Appelbaum Whitening the Region: Caucano Medi-ation and Antioqueo Colonization in Nineteenth-Century Colombia The Hispanic American Histo-rical Review 79:4, November 1999.13 Thomas Skidmore, Black into White, cap. 2-3.14 George Reid Andrews. Blacks and Whites in So Paulo, Brazil, 1888-1988. Madison: University ofWisconsin Press, 1991, cap. 3. (N.T. George Reid Andrews. Negros e Brancos em So Paulo, 1888-1988. Trad. Magda Lopes. Bauru. Edusc, 1998.) Andrews menciona que o entusiasmo pela imigra-o declina nos anos 20, na medida em que se intensificaram o do nacionalismo e a averso pelaagitao anarquista. Acompanhando esse declnio do entusiasmo havia uma campanha de valoriza-o do trabalhador nacional, o qual continuou sendo construdo em termos altamente racializadose freqentemente aviltantes.15 Prasenjit Duara. Rescuing History from the Nation. Chicago: University of Chicago Press, 1995, p.177-204.16 Maria Lgia Coelho Prado. A Democracia Ilustrada: O Partido Democrtico de So Paulo, 1926-1934. So Paulo: Editora tica, 1986, p. 97-114.17 Love, Joseph. So Paulo in the Brazilian Federation. p. 119-12118 O relato de Burns, A History of Brazil, p. 352, um exemplo dessa interpretao sobre arevolta: O significado da revolta era claramente discernvel no seu limitado apelo geogrfico epopular... Mas do que qualquer coisa, a rebelio parecia ser a ltima ao da oligarquia paulistaque desejava restaurar o seu passado de privilgios e poder, e o governo a tratou como tal. Asforas federais convergiram para a capital de So Paulo, e depois de trs meses de cerco e lutadesordenada, a revolta entrou em colapso.19 Prado, Maria Lgia. A Democracia Ilustrada, p. 97-99.20 Sobre os industriais que apoiaram o levante contra Vargas, ver Barbara Weinstein, For Social Peace inBrazil Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1996, p. 62-66. (N.T. Weinstein, Brbara. (re)fundao da classe trabalhadora no Brasil, 1920-1964. Trad. Luciano Machado. So Paulo. Cortez, 2000.)21 J na dcada de 1880 o chauvinismo paulista tinha produzido um pequeno, mas influente movimentoseparatista. Ver Cssia Chrispiniano Adduci. A Ptria Paulista: O Separatismo como Resposta CriseFinal do Imprio Brasileiro. Tese de mestrado, So Paulo, PUC, 1998.22 Novamente, a literatura sobre o tema vasta. Alguns dos melhores trabalhos so Emilia Viotti daCosta. Da Senzala Colnia So Paulo. Cincias Humanas, 1982 [1966]; Warren Dean, TheIndustrialization of So Paulo, 1880-1945. Austin: University of Texas Press, 1969; (N.T. WarrenDean. A industrializao de So Paulo, 1880-1945. Traduo de Octvio Mendes Cajado. DifusoEuropia do Livro/Edusp, 1971) Wilson Cano, Razes da Concentrao Industrial em So Paulo.So Paulo. Difel, 1977.23 Destacando a percepo da trajetria singular de So Paulo estava a estagnao ou o declnio deregies como Minas Gerais, o interior do Rio de Janeiro e o nordeste. A difuso dos mtodos estats-ticos e de registro de dados tambm criaram um contexto representativo dentro do qual se pderapida e dramaticamente visualizar a superioridade de So Paulo sobre outras regies. Ver: AlfredoEllis Jnior, Confederao ou Separao? So Paulo. Paulista, 1934; T. de Souza Lobo. Brasil Confede-

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    rado. So Paulo. Escolas Corao do Jesus, 1933.24 Nicolau Sevcenko. Orfeu esttico na Metrpole: So Paulo, Sociedade e Cultura nos Frementes Anos20. So Paulo. Companhia das Letras, 1992.25 Para uma discusso particularmente persuasiva sobre essa tendncia, ver Tnia Regina de Luca, ARevista do Brasil: Diagnstico para N(ao). So Paulo. Editora UNESP, 1999, p. 108. Nicolau Sevcenkoafirma que o carioca Euclides da Cunha, na virada do sculo, deu como estabelecidos fatos vlidos eestimulantes, a hegemonia inglesa sobre o mundo e a paulista sobre o Brasil... Literatura como Misso.So Paulo. Brasiliense, 1983, p. 124.26 De Luca, Tnia Regina. A Revista do Brasil, p. 78.27 Em outras palavras, essas regies estariam sempre mais distantes em sentido histrico (e,portanto, seriam inferiores) em relao a So Paulo. Para uma discusso provocativa do que elachama a idia imperial do tempo linear e o tempo do panptico ver Anne McClintock, ImperialLeather: Race, Gender and Sexuality in the Colonial Contest. New York and London: Routledge,1995, p. 9-11; 36-42.28 Baptista Pereira. Pelo Brasil Maior. So Paulo,1934, [s.n.] p. 347.29 De Luca, Tnia Regina A Revista do Brasil, cap. 1.30 Por exemplo, como parte das celebraes do quarto centenrio em 1954, a cidade de So Pauloorganizou o que uma revista carioca chamou A maior procisso folclrica jamais realizada na AmricaLatina, mas quase todas as apresentaes foram importadas de outras regies do Brasil. De fato, deacordo com a revista, a maior parte dessa apresentao variada constituiu uma completa novidadepara os paulistas. O Mundo Ilustrado 84, Setembro. 8, 1954, p. 25.31 Pierre Bourdieu. Identity and Representation: Elements for a Critical Reflection on the Idea ofRegion, Language and Symbolic Power. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1991, p. 221-3.[N.T. Identidade e representao: elementos para a crtica da reflexo sobre a idia de regio. In: Opoder simblico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 1998.]32 Para exemplos da construo do mito bandeirante, ver: Paulo Prado, Paulstica: Histria de SoPaulo. So Paulo: [s.n.],1925, e Alfredo Ellis Jnior, Raa de Gigantes. So Paulo. Novssima, 1926. Omelhor estudo histrico sobre a construo do mito bandeirante : Ktia Maria Abud. SangueIntimorato e as Nobilssimas Tradies: A Construo de um Smbolo Paulista - O Bandeirante. Tesede doutorado, USP, 1985.33 Discuto esse tema to persisitente na historiografia da escrivdo em: The Decline of the ProgressivePlanter and the Rise of Subaltern Agency: Shifting Narratives of Slave Emancipation in Brazil In:Reclaiming the Political in Latin American History: Essays from the North Durham: Duke UniversityPress, 2001. 81-101.34 Dalmo Belfort de Mattos, A influncia negra na alma paulista Paulistnia 3, Oct. 1939. [grifos meus].Ele tambm sustenta que a relao entre a So Paulo branca e no-branca no perodo colonial era de3 para 1, uma estatstica que parece pouco mais que um desejo racista.35 Prasenjit Duara, Historicizing National Identity, or Who Imagines What and When in Geoff Eley andRon Grigor Suny, eds. Becoming National. Oxford. Oxford University Press, 1996, p. 151-74. Duarainventou a palavra discent para expressar ambos: descendncia e dissenso. A frase fictive ethnicity[etnicidade imaginria] vem de Etienne Balibar, The Nation Form: History and Ideology, in Eley eSuny. ed., Becoming National. p. 132-49.36 Algumas importantes figuras paulistas, contudo, acharam difcil suprimir seu desprezo por outrasregies. Ver Paulo Duarte, Que Que H? So Paulo: n. p, 1931, p. 38-9.37 A Gazeta, 24 de agosto de 1932, p. 1.38 Mrio de Andrade, Guerra de So Paulo.39 Vivaldo Coaracy. A Sala da Capela. So Paulo. Livraria Jos Olympio, 1933, p. 14. As imagensevocadas aqui por Coaracy so um pastiche interessante: afiar os dentes era uma prtica associada aossertanejos descendentes de africanos, mas as outras caractersticas (olhos pequenos, amarelos, obl-quos) parecem remeter a um esteretipo depreciativo associado s tropas japonesas que, recente-mente, (1931-32) haviam ocupado a Manchria.

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    40 Paulo Duarte, Que Que H?, p. 257-8.41 No final de Os Sertes, o prprio Euclides da Cunha mostrou pouca certeza sobre a questo dequem eram as foras da civilizao, mas esse aspecto da sua obra-prima tende a ser esquecido. Algunsescritores paulistas em 1932 ecoaram a admirao ressentida de Euclides da Cunha pelo sertanejo,mas sempre descrevendo a coragem dos homens dessa terra atrasada como sendo a bravura irracionalde um homem semi-primitivo. Viva o Serto! Folha da Noite, 15 de setembro de 1932, p. 2. Algunsjornalistas de fato sustentaram que as tropas federais haviam sido recrutadas na regio de Canudos,bem como do Contestado, lugar de outra grande rebelio milenarista, i.e., o governo havia delibera-damente recrutado fanticos irracionais para combater So Paulo. A Gazeta, 7 de agosto de 1932, p.3; E 24 de agosto de 1932, p. 1.42 Num intrigante artigo sobre a depreciao da cidadania num universo relacional, Roberto da Mattaargumenta que nenhum brasileiro aspira a ser mero cidado, visto que isso implica igualdade destitudade tratamento privilegiado. The Quest for Citizenship in a Relational Universe In: John D. Wirth etal. State and Society in Brazil. Boulder, CO. Westview, 1987, p. 307-35. Seu argumento consideraapenas o comportamento individual estruturado por relaes de patronagem e clientela. Eu argumen-taria que essas so, simultaneamente, noes de hierarquia que situam certas coletividades dentro danao brasileira como mais privilegiadas que outras mais merecedoras da cidadania plena.43 C. R. Cameron para Walter C. Thurston [Charg, RJ], So Paulo Political Report no. 49, Aug. 9,1932, Record Group 59, Records of the Department of State Relating to the Internal Affairs of Brazil,1930-1939. nfase da autora. Sou grata a James Woodard por essa citao.44 Eu exploro os limites discursivos da emancipao da mulher durante essa campanha em: Inventinga Mulher Paulista: Politics and the Gendering of Brazilian Regional Identities in the 1932 So PauloRevolution, texto indito. Peter Wade assinala corretamente que as construes da brancura paulistapoderiam ser consideravelmente nuanadas pela ateno realidade da vida paulista, mas eu esco-lho focar no nvel da representao porque acredito que nele que os termos do debate estavampostos (embora no fixados), e que ningum escapou desses limites discursivos; concordando emmatar ou morrer pela causa paulista, os participantes tinham pouco espao para contestar essas repre-sentaes dominantes. Para uma discusso da civilizao como um tropo que estruturou tanto osdiscursos hegemnico quanto os de oposio, ver: Gail Bederman, Manliness and Civilization. Chica-go: University of Chicago Press, 1995.45 Duarte, Paulo. Que Que H? p. 257-8.46 Paulista, No te Desanimes, Arquivo do Estado de So Paulo (AESP), Coleo Rev. de 1932, Pasta357, Doc. 673.47 So Paulo, 1932. AESP, coleo fac-similar. Essa foi uma variao da conhecida imagem de So Paulocomo a locomotiva puxando um trem dilapidado com carros vazios.48 Para uma discusso sobre o modo como os discursos do racismo cultural e racismo cientfico infor-mam um ao outro, ver: Ann L. Stoler, Sexual Affronts and Racial Frontiers: European Identities and theCultural Politics of Exclusion in Colonial Southeast Asia, in Frederick Cooper and Ann L. Stoler, eds.,Tensions of Empire. Berkeley. University of California Press, 1997, p. 198-237.49 Pereira Baptista, Pelo Brasil Maior , p. 347.50 Alfredo Ellis, Confederao ou Separao?, p. 20.51 Alfredo Ellis, A Nossa Guerra. So Paulo. Editora Piratininga, 1933, p. 128.52 Menotti del Picchia. A Revoluo Paulista, 4th ed. (So Paulo: [s.n.], 1932, p. vii-viii.53 Ibid, p. x.54 Ibid, p. 26-7.55 Vivaldo Coaracy. O Caso de So Paulo. So Paulo: Editora Ferraz, 1932, p. 135. interessantemencionar que Coaracy no era natural do Estado de So Paulo.56 Ver o captulo: Os dois Brasis In: Coaracy. Vivaldo. Problemas Nacionaes. So Paulo: [s.n.], 1930.57 Eu concordo com Ann Stoler Sexual Affronts p. 214, para quem at mesmo no pice da influnciado racismo cultural, a ideologia racista tende a obscurecer os limites entre a cultura e a biologia. Vertambm Sidney Chalhoub, The Politics of Disease Control: Yellow Fever and Race in 19th-Century

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    Rio de Janeiro, Journal of Latin American Studies 23:3 (Oct. 1993), p. 441-63. (N.T. Uma versoampliada desse artigo encontra-se em Chalhoub, Sidney. Cidade Febril: cortios e epidemias na corteimperial. So Paulo. Cia. das letras, 1996, cap. II)58 Mrio de Andrade, Guerra de So Paulo, Op. Cit. Isso ainda mais surpreendente quando se sabeque o prprio Mrio de Andrade era de origem mestia.59 O Estado de So Paulo, 19 de julho de 1932.60 A Gazeta, 7 de agosto de 1932, p. 3.61 AESP, Col. Rev. de 1932, Pasta 378, Doc. 1587, p. 9-10. Cabe notar que a identidade racial dosnordestinos, na perspectiva dos paulistas, era bastante instvel. A depreciao racial tpica cabeachata poderia vagamente descrever a mistura entre portugueses, ndios e africanos, enquanto, emoutros contextos, os nortistas eram chamados de negros e mulatos.62 Paulistas, Jornal das Trincheiras 5, 28 de agosto de 1923, p. 1.63 Sobre a solidariedade horizontal como aspecto-chave para a identidade nacional, ver BenedictAnderson, Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. London:Verso, 1983, p. 7. [N.T. Anderson, Benedcit. Nao e conscincia nacional. Trad. Llio de Oliveira.So Paulo, tica, 1989.]64 Paulistas Jornal das Trincheiras 5, 28 de agosto de 1932, p. 1.65 Vivaldo Coaracy, O Caso de So Paulo, p. 18.66 Paul Gilroy, The Black Atlantic: Modernity and Double ConsciousnessCambridge, MA: HarvardUniversity Press, 1993, p. 2. [N.T. Gilroy, Paul O atlntico negro: modernidade e dupla conscinciaTrad. Cid Kinipel Moreira. Rio de Janeiro. Editora 34, 2001.]67 Sobre a maneira como a identidade cultural permite a fuso entre raa e nao, ver Gilroy OneNation Under a Groove, in: Eley and Suny, Becoming National, p. 357.68 Ibid. Para estar seguro, o prprio Vargas (preso em batalhas com interesses regionais em So Pauloe no Rio Grande do Sul) apresentou essa questo como ou este ou aquele, simbolizada pela queimaritual das bandeiras em 1937. Sobre Vargas e o regionalismo, ver seu Dirio, especialmente Vol. II,1937-1942. Rio de Janeiro. Siciliano/FGV, 1985, p. 9-101.69 Para uma discusso cuidadosa sobre a relao entre o regionalismo de Gilberto Freyre e suas idiassobre modernidade e identidade nacional, ver: Oliven, O nacional e o regional na construo daidentidade brasileira, in: A Parte e o Todo, p. 31-45. Sobre o esforo regionalista para branquear ohomem do nordeste, ver: Stanley E. Blake, The Invention of the Nordestino: Race, Region, andIdentity in Northeastern Brazil, 1889-1945. Ph.D. diss., SUNY at Stony Brook, 2001.70 Mais uma vez, no precisamos concetrar todas as nossas energias em desenterrar o mito dademocracia racial; podemos considerar o significado da circulao desse discurso, tanto ente as elitesquanto entre as classes populares. Para uma discusso estimulante sobre esses tpicos, ver: SueannCaulfield, In Defense of Honor: Sexual Morality, Modernity, and Nation in Early 20th-Century Brazil.Durham: Duke U. Press, 2000, cap. 5. Sobre o regionalismo de Freyre e a identidade nacional, verHermano Vianna, The Mystery of Samba: Popular Music and National Identity in Brazil. Chapel Hill:Univ. of North Carolina Press, 1999, 40-42. [N.T. Vianna, Hernano. O mistrio do samba. Rio deJaneiro: Jorge Zahar/UFRJ, 1995.]

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