Avritzer Gomes Reconhecimento Raca

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    O debate sobre reconhecimento no interior da teoria poltica des-pertou uma produtiva polmica sobre os elementos privados epblicos desta categoria (Fraser e Honneth, 2003). De um lado, si-tuam-se aqueles que defendem os elementos privados de um processode reconhecimento do self. Axel Honneth prope uma teoria do reco-nhecimento enquanto uma estrutura de aceitao doself por outros in-divduos,localizandonaesferaprivada,pormeiodoamoredaamiza-de, o elemento fundamental do processo de reconhecimento da dife-rena (Honneth,1996, 2003; Feres Jnior, 2002, 2006). De outro lado, si-tuam-se aqueles que percebem o reconhecimento como umstatus legalque pode ser modificado. Nancy Fraser aborda a dimenso poltica doprocesso de reconhecimento como a aceitao do self por meio de uma

    concepo de justia que exerce o papel de reparao em relao s in- justias passadas (Fraser, 1997, 2003; Avritzer, 2007). A polmicaHonnethversus Fraser se desenvolve h alguns anos e representa maisdoqueumameradesavenaterica.Elaabrediferentespossibilidadesde se pensar a des/igualdade de status1 em pases como o Brasil.

    Embora as teorizaes de ambos os autores tenham sido formuladaspara a realidade do Norte Global, nos parece que elas podem auxiliarna compreenso de algumas especificidades do caso brasileiro no quese referes relaes raciais. Com o revigoramentodasociedade civil no

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    DADOS Revista de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, vol. 56, no 1, 2013, pp. 39 a 68.

    Poltica de Reconhecimento, Raa e Democrno Brasil

    Leonardo Avritzer1

    Lilian C. B. Gomes21Professor titular do Departamento de Cincia Poltica da Universidade Federal de MinasGerais (UFMG). E-mail: [email protected] no Departamento de Cincia Poltica da Universidade Federal de MinasGerais (UFMG), com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e

    Tecnolgico (CNPq). E-mail: [email protected]

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    Brasil na segunda metade dosculo XX e a organizao domovimentonegro (Avritzer, 2009), h uma desnaturalizao do modo como essasrelaes raciais se construiriam, atravs da desconstruo do mito da

    democraciaracial.Nessemomentoocorreoquestionamentodahierar-quizaodestatus que seestabeleceu noBrasil, naqual o brancoapare-cenotopodapirmide.Tambm,passaaexistirumapreocupaocomo estabelecimento de um estatuto legal no mbito pblico e ou estatal2comaintroduo,naConstituiode1988,deartigosvoltadosparadi-reitos de vis racial e, posteriormente, com a aprovao do Estatuto daIgualdade Racial (2010). Para esse momento de estabelecimento de pa-rmetros legais e pblicos, nos parece que as preocupaes de NancyFraser auxiliam na compreenso do caso brasileiro. Contudo, o fortetrnsito que marcou as relaes entre os diferentes grupos raciais fazcom que, para a efetivao da igualdade destatus , seja necessrio tam- bm refletir sobre as questes do self , a experincia do racismo viven-ciadonocorpoenapsique,desde os primeiros anos da infncia (Caval-leiro, 2010), o que cria a necessidade de mudanas no padro das rela-es que se estabelecem no mbito social e privado. Assim, o desafio garantir que esse reconhecimento, atravs do estatuto legal no mbitopblico, tenha impacto nas relaes do mbito social e privado contri- buindo para que se chegue ao momento da estima social, na qual aigualdade e dignidade se constituam em elementos da estrutura dereconhecimento (Honneth, 2003).

    O artigo pretende indicar que as abordagens de Fraser e Honneth po-dem ser teis na compreenso de como se estabeleceu no Brasil umahierarquia de status que tem como base a questo da raa e que imbri-camelementosdoespaoestatal,pblico,socialeprivado.Nestebreveensaio tentaremos abordar essa questo no Brasil a partir desta dupla

    perspectiva mostrando o impacto desta discusso para a questo doestabelecimento de um status igual entre todos os segmentos sociais.

    A discusso sobre um modelo de integrao racial vigente no Brasil eseus impactos na produo de estratificao e desigualdade est na base das Cincias Sociais brasileiras (Freyre, 2003; Ramos, 1957;Fernandes,1978; Pierson, 1942). Essa discusso ocorre em uma tempo-ralidade bastante especfica, o ps-guerra e o desenvolvimentismo nasua relao com a formao de uma identidade nacional. GilbertoFreyre inaugura essa discusso com os seus dois livros clssicos CasaGrande & SenzalaeSobrados e Mucambos.Emambososlivros,Freyrede-fende a assim chamada tese da mestiagem, expressa da melhor forma

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    na seguinte passagem inicial de Casa Grande & Senzala: Formou-se naAmrica tropical uma sociedade agrria na estrutura, escravocrata natcnicadeexploraoeconmica,hbridadendioemaistardedene-

    gronacomposio(Freyre,2003:65).EstatambmatesedeDonaldPierson em seu clssico estudo sobre a Bahia. Para ele: O Brasil umdosmaisclaroscasosdemisturaracial(melting-pots of races)nomundoe um pas no qual a miscigenao e a aculturao esto ocorrendo(Pierson, 1942:lxxvii).Existemmuitoselementospresentesnestasduasdefinies, mas gostaramos de chamar a ateno apenas para dois de-les, devido tanto sua relevncia para a discusso sobre reconheci-mento quanto ao seu possvel uso em comparaes com os EstadosUnidos: trata-se da dimenso privada do processo de integrao ra-cial.Este aspecto, fortemente presente nos escritos deGilbertoFreyreeDonald Pierson e, parcialmente, presente na obra de Roger Bastide(2004),sustentaqueoselementosdemocratizantesdaintegraoracialso aqueles identificveis nos comportamentos privados dos indiv-duos. preciso chamar a ateno aqui tambm para a continuidadequeessalinhadeargumentaotemcomalgunsaspectosdadiscussoatual sobre ao afirmativa (Maggie e Resende, 2002).

    Ao largodoargumento deGilberto Freyree demuitosoutros intelectu-aisdops-guerra,FlorestanFernandesapareceucomooprimeirointe-lectual crtico da perspectiva privada no processo de reconhecimentode status igual entreos gruposraciais. Florestan Fernandes (1978), par-ticipante do projeto da UNESCO3 sobre raa, em pesquisa realizada nacapital de So Paulo com a populao negra, apontava na direo deproblemas sociais que conduziam ao pauperismo e anomia. Ao mes-motempo,ele via uma atuao dapopulao brancademodoa manter[...] os modelos arcaicos de ajustamento racial, com todos os nus que

    envolviampara o negro da passividade, percepo deformada da re-alidade (Fernandes, 1978, vol. 2:11-12). Assim, Florestan FernandesabriuocaminhoparaumaanlisealternativadaquestoracialnoBra-sil ao apontar na direo de dois aspectos importantes: a pobreza e ascondies sociais que conduziam ao que o autor denominava de ano-mia e de um problema de conscincia dela decorrente (Fernandes,1978). Para os objetivos deste artigo interessa-nos apenas um aspectoda anlise de Florestan, ou seja, a percepo de um conjunto de proces-sossociaiseculturaisqueretiravamaquestodaintegrao racialdaes-feraprivadaeaconduziamaomundopblico.ParaFernandes,estel-timo era formado fundamentalmente pela estrutura das classes so-ciais. Interessa-nos mais, no presente trabalho, a percepo de Flores-

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    tan do carter estatal e coletivo desses processos, dimenso que conti-nua presente nos debates atuais.

    Neste artigo, abordaremos quatro questes: em primeiro lugar, anali-saremos a constituio de um marco analtico comparativo para sepensar a questo da raa na formao da sociedade brasileira. Iremos,em alguns momentos, proceder a comparaes entre o Brasil e os Esta-dos Unidos de forma a questionar a centralidade da categoria misci-genaona comparao doprocessode integrao racial nos dois pa-ses. Em segundo lugar, abordaremos a discusso recente sobre aoafirmativa, do ponto de vista das categorias estatal, pblico e privado,tentando indagar se no possvel construir um critrio pblico legal

    parasepensaraquestodaraanoBrasil.Emterceirolugar,analisare-mos os desafios colocados, no mbito social e privado, para o estabele-cimento do reconhecimento dostatus igual entre os grupos raciais. Porltimo, voltaremos ao debate sobre reconhecimento e redistribuiopara fazer algumas consideraes analticas sobre o seu impacto nadiscusso travada neste momento no Brasil.

    A RAA COMO REGULAO LEGAL E COMO CONSTRUO S

    A centralidade da categoria miscigenao na anlise do papel da raana formao brasileira constitui, ao mesmo tempo, um esforo de en-tenderopaseumtrabalhonareadapolticaedasociologiacompara-da (Freyre, 2003; Pierson, 1942; Nobles, 2000; Marx, 1998). Nesta seoiremos, em primeiro lugar, tentar estabelecer um marco analtico paraa comparao da questo racial no Brasil e nos Estados Unidos para,em seguida, discutir a questoda miscigenao como categoria funda-mental deste marco comparado. A escravido forada de negros e a

    forma como se deu a presena dos negros no estado nacional constitui,nesse caso, o ponto de partida desta comparao (Marx, 1998). Os ca-sos do Brasil e dos Estados Unidos tm este ponto de partida comumque a presena de um forte processo de dominao da populao ne-graduranteoperodocolonial.Aindaassim,noquedizrespeitoraa,os modelos adotados pelos dois pases foram fundamentalmente dife-rentes tanto no que diz respeito relao entre o estatal e o privado,quanto no que diz respeito regulao legal.

    O modelo norte-americano de escravido e de relao entre brancos enegros sempre foi pautado por uma forte regulao legal prpria datradio anglo-sax (Nobles, 2000). O caso da dominao racial nos

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    EstadosUnidos implicoudesde o seu incioumconjuntode regulaesacerca de casamentos inter-raciais e do status dos seus descendentes(Cashmore,1984).Aindanosanos60dosculoXVII,oEstadodaVirg-

    nia produziu leis colocando limites para os casamentos entre brancos enegros. O estado de Maryland pouco depois criminalizou o casamentointer-racial em 1692. Assim, comeam a esboar-se as primeiras dife-renasentreosdoispases,BrasileEstadosUnidos,noquedizrespeito questo racial. No caso brasileiro o que existe so algumas leis ou or-denanas no que diz respeito escravido (Alencastro, 2000), mas noexistem estatutos ou formas de regulao legal sobre a relao entre asraas. Neste sentido, o primeiro elemento de comparao entre os doispasesdizrespeitoextensoparaaesferaprivada4 deumconjuntoderegulaes legais concernentes raa. Os Estados Unidos iro legislarsobreoassuntodurantetodooperodocolonialedurantetodoopero-do ps-independncia, ao passo que o Brasil ir deixar a questo paradecises individuaisnaesfera privada. Noentanto, tal fatono signifi-caque no houve coero noprocessoderelaes inter-raciaisnesta es-fera,talcomoargumentaFreyre,umassuntoqueiremosabordarnase-gunda parte deste artigo. No havendo qualquer tipo de regulao le-galnoquedizrespeitoarelaesinter-raciais,oBrasilseguiuumcami-nho que o tornou uma sociedade muito mais diversificada racialmenteque os Estados Unidos5, que colocou o problema racial no campo doque Honneth denomina de autoestima ausncia de barreiras raciaislegais.

    Esse caminho que tem origem na sociedade colonial em ambos os pa-ses teria se acentuado com a independncia. Os Estados Unidos maisumavezteriamseguidoomodelodaregulaolegalemrelaoaoses-cravos e populao negra, como foi o caso de decises da Suprema

    Corte comoDred Scott ePlessy versus Ferguson.Emambososcasosexis-te uma tendncia clara a estabelecer estatalmente restries aos direi-tos da populao negra. No caso Dred Scott trata-se de questionar apossibilidade de a populao negra livre fazer uso do sistema judicial.NocasoPlessy versus Fergusontrata-se de institucionalizar estatalmen-te a segregao racial6. Vale a pena tambm mencionar, em particularquanto regulao legal da interao racial, no caso dos Estados Uni-dos, a presena de um conjunto de decises relativas classificao dapopulao tomadas pelo censo (Nobles, 2000). J no Censo de 1870,aparecem as categorias branco, negro, mulato e indgena, e a partir daa classificao racial ser feita no pas at 1900 quando a categoria mu-lato retirada do censo para voltar em 1910 e sair definitivamente a

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    partir de 1930 (Nobles, 2000:187-188). Neste caso, a tendncia que irprevalecer seja nocenso, sejanasociedade norte-americana emgeral, de demarcar duas grandes categorias raciais e limitar estatalmente o

    trnsito entre elas.O caso brasileiro , nesse aspecto, bastante diferente do norte-america-no. Em primeiro lugar, durante o perodo colonial h um forte trnsitoentre a populao negra e a populao branca e no h regulao legalsobre este aspecto. A Abolio (1888) no perodo do Imprio vem semnenhuma regulao adicional, alis, uma das leis mais sucintas dahistria do pas e no se desdobra em nenhum ato alm da abolio dotrabalho forado, concentrando-se unicamente nas caractersticas darelao de trabalho servil. Apartir da, a tendncia brasileira no le-gislar sobre raa.

    No existe paralelo brasileiro em relao s leis estaduais e/ou deci-sesdaSupremaCortedosEstadosUnidosemrelaosegregaora-cial (Skidmore, 1976). Na ausncia desse parmetro, os censos nacio-nais7 so importantes para a compreenso de como o Estado percebe asociedade pois a metodologia e categorias censitrias so criadas poreste e expressam o modo como a sociedade se v, o que pode auxiliarna formulao de polticas pblicas. Se estamos preocupados com aconstruo de uma poltica de reconhecimento que contribua para aconstruo do self na dimenso do respeito moral e, ao mesmo tempo,com o reconhecimento pblico e estatal dos negros, o censo um im-portante mecanismo que permite aos indivduos se autoidentificaremtalcomoelesseveem8.NocasodoBrasil,diferentementedeoutrospa-ses sul-americanos9, a cor branca ainda aparece com um status quepode expressar resqucios da poltica de branqueamento, a qual pode

    ter ficado obscurecida pelo forte investimento na poltica da mestia-gem a partir da dcada de 1930.

    preciso lembrar que no sculo XIX a chamada poltica do branquea-mento expressa-se pelo forte incentivo imigrao europeia que alte-rouaproporoentreapopulaonegraeapopulaodeorigembran-ca, a qual passou de 40% em 1872 para 60% em 1950. Ao mesmo tempoa populao negra caiu neste perodo de 30% para menos de 20%(Skidmore, 1976:62). Esses dados expressam uma tendncia que no questionada pelos historiadores. Alm disso, mostram uma das pou-caspolticasdegovernoemrelaoraanoBrasil,aimigrao.Elafoiumapolticalocalizadaentreopblicoeoprivado,masquenoimpli-

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    cou restries populao negra ou classificaes como foi o caso dosEstados Unidos. Assim, mais uma vez, temos o cerne da poltica racial brasileira centrada naquilo que Honneth denomina como o campo da

    autoestima.Quando pensamos comparativamente as relaes raciais nos EstadosUnidos e no Brasil, o que as distingue a poltica de miscigenao queo Estado brasileiro sugere incentivar na esfera privada e que suposta-mente concentra a questo racial nocampo das relaesdeautoestima.Temos, assim, duas variveis para tratar do problema, a varivel dascaractersticasdaesferaprivadaeavariveldanoregulaolegal.Deum lado, no caso dos Estados Unidos, a excluso se d fortemente a

    partirdapresenadoEstadoedosistemajurdico.NocasodoBrasil,atendncia a no se legislar sobre raa se mantm at 1988 com apenasuma lei contra a discriminao racial nos anos 50, a Lei Afonso Arinos.Asoutraslegislaesligadasraasedirecionavamaumavalorizaoculturaldopotencialdamestiagemcomocomponentedaoriginalida-dedopovobrasileiro,oquecertamenteafetouaautoestimadapopula-o negra. Por isso, nos parece ser possvel falar em uma poltica damiscigenao.Podemosmencionar,porexemplo,aoficializaodaca-poeira como esporte nacional (1937)10 e o samba, o qual passa da re-presso exaltao, alm de, a partir de 1935, as escolas de samba se-rem oficialmente subvencionadas pelo Estado. Pode-se mencionar,ainda,aleiqueinstituioDiadaRaa(30demaiode1939),criadoparaexaltar a tolerncia de nossa sociedade (Schwarcz, 1998:196). Dessemodo pode-se falar em uma poltica da miscigenao que exalta os va-loresculturais,semassoci-losmudanadarelaodoEstadocomosgrupos e indivduos, valorizando sua contribuio na construo deuma cultura nacional miscigenada.

    Quadro 1Poltica Racial nos EUA e no Brasil

    Polticas Raciais Segregao Ao afirmativa

    Estados Unidos Estatutos legais criandocoero integraoracial

    Estatutos legaisdeterminando aintegrao racial

    Brasil Hierarquia entre raas emiscigenao formada na

    esfera privada

    Nenhuma legislaosobre raa entre a

    abolio e o estatuto daigualdade racialElaborao prpria.

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    Portanto, podemos pensar em uma tipologia comparativa entre o Bra-sil e os Estados Unidos que coloque as polticas raciais dos dois pasesem perspectiva comparada a partir da relao entre poltica racial e as

    dimenses pblica e privada (vide Quadro 1 acima). Temos, assim,uma dupla tipologia naqual emumdos casos todas asaes impactan-tes na poltica racial tm origem na esfera estatal enquanto, no segun-do caso, a maior parte das aes est concentrada na valorizao damiscigenao como a maior originalidade do povo brasileiro e que sed na esfera privada mas sem o estabelecimento de polticas que ga-rantam a igualdade de status entre os diferentes grupos. Esse pareceser o grande diferenciador da questo racial no Brasil e nos EstadosUnidos. No entanto, preciso analisar detidamente as interpretaesmais influentes sobre raa e esfera privada para entender as diferentesperspectivas analticas geradas pelo problema. Vale a pena neste casoreexaminara obradeGilbertoFreyree o argumento damiscigenao.

    RAA, DOMINAO E ESFERA PRIVADA NO BRASIL

    A escravido na Amrica do Norte e no Brasil implicou a constituiode formas especficas de relao entre brancos e negros. As diferentesmaneiras como a integrao racial se desenvolveu nos dois pases con-sistem no ponto central desta comparao, que levou um conjunto deautores a abordar a miscigenao como a categoria analtica princi-pal para o entendimento do problema da raa no Brasil. Gilberto Frey-recertamenteoautorclssiconessatentativaque,noentanto,teveal-guns antecipadores no sculo XIX (Schwarcz, 1993). possvel descre-ver o processo de formao do povo brasileiro, tanto no perodo colo-nial quanto no perodo que vai at a Abolio em 1888, a partir de trsgruposdevariveis:ascaractersticasdaeliteagrriaqueseformounopas; a histria do processo de miscigenao e as caractersticas dotrnsitoque se estabeleceu entre negrose brancos e principalmente en-tre brancos e mulatos no Brasil. Gilberto Freyre aborda todos os trselementos e iremos sustentar aqui que ele analisa corretamente umde-les, a poltica da miscigenao, e de forma parcialmente correta o ou-tro,aintegraosocialdomulato.Sustentaremos,aqui,queeleanalisade forma absolutamente equivocada o processo de formao da elite brasileira e de sua relao com a esfera poltica.

    A obra de Gilberto Freyre sobre a formao da sociedade brasileira baseada na suposio de que ocorreu um processo de miscigenao en-tre as elites agrrias de origem portuguesa com os grupos populacio-

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    nais dominados por ela. Na medida em que os portugueses que aquichegaram no imigraram com os seusprprios ncleos familiares, elesestabeleceramrelaescomaspopulaeslocais,emparticularcomos

    ndiosecomosnegros,estabelecendoumfortetrnsitonoprocessodeformao da esfera privada no pas (Freyre, 2003:70). Deste argumen-to,extremamente influente e fundamentalmentecorreto,Freyre deduzumoutroquepodeserresumidocomoaorigemdemocrticadopro-cesso de formao da elite brasileira. Esse argumento tem dois proble-mas, um de origem lgica e o outro de origem terica: o primeiro deles que incorreto deduzir da miscigenao a concepo de uma esferaprivada igualitria ou democrtica; e o segundo que incorreto ten-tar determinar a democracia a partir de estruturas da esfera privada,uma vez que a democracia uma forma de organizao do poder pol-tico e das relaes entre Estado e sociedade. Nesta seo reconstruire-mos as duas dimenses do argumento freyriano para mostrar que no possvel deduzir a segunda tese da primeira.

    Sua obra se diferencia de outras obras de interpretao sobre o Brasilpela sua concentrao na formao da sociedade brasileira. Ao deslo-car o marco analtico do Estado para a sociedade, Gilberto Freyre fun-da uma obra extremamente original sobre o Brasil quepossui uma teo-riadaformaodasociedade11entendidaatravsdoprocessodemisci-genao. Para Freyre: Quanto miscibilidade, nenhum povo coloni-zador, dos modernos, excedeu ou sequer igualou neste ponto aos por-tugueses. Foi misturando-se gostosamente com mulheres de cor logoao primeiro contato e multiplicando-se em filhos mestios [...](Freyre, 2003:70). Assim, o argumento de Freyre que no processo deformao da sociedade brasileira o colonizador portugus, pela tradi-o anterior de miscigenao na prpria Pennsula Ibrica, devido

    falta de indivduos para o empreendimento colonial, mas tambm,pela falta de preconceitos em relao s outras raas, lana-se em umprocesso de miscigenao com outras raas que est na origem da so-ciedade brasileira, especialmente da sociedade agrria.

    Na concepo de Freyre o empreendimento colonial portugus foi desada agrrio e privado. No havendo riquezas naturais para explorarno pas, o colonizador compreendeu que [...] a colonizao deste tre-cho da Amrica tinha de resolver-se em esforo agrrio (Freyre,2003:323). E por colonizao agrria se entende um sistema no qual to-das as atividades econmicas e administrativas importantes ficariamreservadas ao empreendedor privado. Tudo foi deixado iniciativa

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    particular: Os gastos de instalao. Os encargos de defesa militar dacolnia.Mastambmosprivilgiosdemandoedejurisdiosobreter-ras enormes (Freyre, 2003:324). Assim, o cerne do argumento freyria-

    no a formao de uma esfera privada no Brasil com quase nenhumainfluncia da coroa portuguesa, seja no campo daquilo que propria-mentepolticoounocampodoshbitosprivados.Oargumentofreyri-ano inova ao ressaltar o forte trnsito entre brancos e negros na esferaprivada.

    Freyre trata da formao da famlia agrriaem diversas passagens dosseus livros, em especial em Casa Grande & Senzala e Sobrados e Mucam-bos. J em Casa Grande & Senzala, Freyre estabelece o que seria o papelda famlia no empreendimento colonial portugus:

    A famlia, no o indivduo, nem tampouco o Estado, nem nenhumacompanhia de comrcio; desde o sculo XVI, o grande fator coloniza-dordoBrasil,aunidadeprodutiva,ocapitalquedesbravaosolo,insta-laasfazendas,compraescravos,bois,ferramentas,aforasocialquesedesdobra em poltica, constituindo-se na aristocracia colonial mais po-derosa da Amrica. (Freyre, 2003:81)

    Freyre,noentanto,tiraconclusesambguasecontraditriasacercadopapel exercido pela famlia no empreendimento colonial portugus.Em algumas passagens a famlia aparece como local do mando polti-co (Freyre, 2003:85) e em outros o local da quase igualdade inter-ra-cial. Para Freyre, a famlia fornece uma caracterstica nica ao empre-endimento colonial brasileiro: o hibridismo que cria uma sociedadeharmoniosa quanto s relaes de raa (Freyre, 2003:160). Assim, te-mos uma dupla perspectiva que Casa Grande & Senzala no capaz de

    solucionar: a tenso entre domnio e harmonia na esfera privada. Essatenso torna-se ainda mais incongruente na abordagem sobre o papelda raa negra na formao brasileira, na qual a miscigenao se tornauma forma de harmonia na esfera privada. Gilberto Freyreabreo cap-tulo sobre o negro na formao da sociedade brasileira com a seguinteafirmao:

    Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quandononaalmaenocorpo[...]asombra,oupelomenosapintadoindgenaou do negro.[...]Naternura,nammicaexcessiva,nocatolicismoemquesedeliciamnossossentidos,namsica,noandar,nafala,nocantodeninarmenino

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    pequeno,emtudooqueexpressosinceradavida,trazemosquaseto-dos a marca da influncia negra (Freyre, 2003:367).

    A afirmao de Freyre resume o seu argumento sobre a miscigenao.Ele est interessado apenas no seu efeito sobre a esfera privada, ou oque ele denomina de expresso sincera da vida. Toda a anlise sobrea escravido feita em Casa Grande & Senzala sob este prisma. O argu-mentodoautorqueainteraoentrenegrosebrancos,noquedizres-peito cultura e aos ritos religiosos, criou uma forma diferente de so-cializao no Brasil que produziu, segundo o autor, uma escravido boa (Schwarcz,1998) e at mesmo liberdades (Freyre,2003:439)12.

    Assim, a obra de Gilberto Freyre tenta ao mesmo tempo ser uma obrasobre a miscigenao, sobre a esfera privada e sobre o trnsito cultural brasileiro. No decorrer da obra o aspecto da dominao patriarcal daesfera privada praticamente desaparece, sendo substitudo por umateoria da democracia na formao democrtico-igualitria da eliteagrria brasileira. Para Freyre, o trnsito entre a senzala e a casa gran-de criou outro tipo de relao na esfera privada brasileira que, segun-do o autor, atenuaram o sistema escravista: Desde logo salientamos adoura nas relaes dos senhores com os escravos domsticos [...]

    (Freyre, 2003:435). Assim, o argumento freyriano sobre a boa escravi-do torna-se um argumento sobre a formao da esfera privada noBrasil. Para o autor de Casa Grande & Senzala, essa esfera possua umaforte natureza igualitria.

    Independentemente da aceitao ou no dos detalhes do argumentofreyriano sobre a escravido, uma parte fundamental dos argumentoshoje apresentados sobre a questo do negro no Brasil contm a mesmaembocadura analtica, ou seja, supe que a questo racial encontrar asua soluo nos trnsitos propiciados pela esfera privada (Maggie eResende, 2002). Ou seja, estabelece-se com Gilberto Freyre a noo fal-sa de que se formou uma esfera privada igualitria no Brasil devido adiferentes caractersticas da escravido no perodo colonial no pas.

    H um segundo elemento na obra de Freyre que merece ser abordadoqueaconsolidaonoBrasildeumavisopejorativadopapeldone-gro. Um dos maiores desafios para que a igualdade racial se realizeest no fato de existir um repertrio que coloca o negro no polo negati-vo, se comparado ao outro oposto o branco. Este repertrio conti-nuou a acompanh-lo durante todo o perodo republicano. Emboraformalmente os negros tenham adquirido a condio jurdica de cida-

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    doscomaAboliodaEscravido(1888)eaProclamaodaRepbli-ca (1889), no apenas no ocorre uma mudana nas condies mate-riais da recm-populao livre, como os negros continuaram a viven-

    ciar a experincia da violncia do racismo, e tanto o corpo como a psi-que sofrem e reagem a esse processo. Jurandir Freire Costa (1983) afir-maquearepressooupersuasonoconscinciadoracismoporpar-te do negro

    [...] leva o sujeito negro a desejar, invejar e projetar um futuro identifi-catrioantagnicoemrelaorealidadedeseucorpoedesuahistriatnica e pessoal. Todo ideal identificatrio do negro converte-se, destamaneira, num ideal de retorno ao passado, onde ele poderia ter sido

    branco, ou na projeo de um futuro, onde seu corpo e identidade ne-gros iro desaparecer (Costa, 1983:5).

    Nesta mesma linha Cavalleiro (2010), em obra sobre o racismo e pre-conceitos vivenciados por crianas na educao escolar, indica as con-sequnciasparaascrianasnegrasdetrazeremnocorpoumamarcaderejeio. Nogueira (1999) afirma que o negro vive cotidianamente aexperincia de que sua aparncia pe em risco sua imagem de integri-dade (Nogueira, 1999:43). Sem nos adentrarmos nos termos desses

    debates, o que se quer indicar que o estabelecimento de status iguali-trionasociedadebrasileiracriaanecessidadedetratocomoselemen-tos do self , pois nesse mbito que so vivenciadas as experincias dedesrespeito e que vo manifestando, desde a mais tenra idade, o modocomo os negros e os brancos so representados na sociedade brasileirano mbito das relaes sociais e privadas.

    Esse argumento coloca tanto um problema conceitual quanto um pro- blema analtico para Freyre. Conceitualmente ele no consegue mos-trar a consolidao no Brasil de uma esfera privada igualitria a partirdas relaes raciais que ele descreve. Analiticamente ele acaba susten-tando, tal como mostraremos mais frente, uma viso de integraoracial fortemente limitada devido ao seu idealismo em relao eliteagrria branca. Ambas as limitaes estaro fortemente presentes nasdiscusses sobre raa na segunda metade do sculo XX no Brasil.

    MOVIMENTO NEGRO, LUTA POR RECONHECIMENTO, NEGRITESFERA PBLICA

    O surgimento de um movimento negro noBrasil no decorrer do sculoXXpodeser pensado emdoismomentosprincipais, umprimeiro forte-

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    mentemarcadopelaquestodaidentidadeeumsegundomarcadope-lasaes na esfera pblica, conforme se indicar a seguir. Independen-temente da ideia deuma esferaprivada igualitriadefendida por Frey-

    re,oqueirseobservarnoBrasildoinciodosculoXXumaprofun-da hierarquizao das relaes entre brancos e negros e entre diversasclassificaes sociais do negro. Tal como afirma Guimares (1999),na primeira metade do sculo XX ainda so utilizados vrios estigmasraciais no Brasil, todos eles originados de um processo de hierarquiza-o da sociedade. Termos como o negro boal, o negro doutor, o negrode alma branca so amplamente utilizados enquanto forma de hierar-quizao da entrada da populao negra na esfera pblica (Guima-res, 1999). No por acaso, as primeiras aes do movimento negro noBrasil esto relacionadas maneira como o negro visto na esferaprivada.

    Parece-nos importante fazer uma pequena digresso para indicar queas lutas negras por reconhecimento se fizeram presentes desde os pri-mrdios da introduo do sistema escravista no Brasil (Moura, 1983;Malheiro,1976:35)adentrando,tambm,operodoimperial.Contudo, possvel identificar dois momentos marcantes de luta por reconheci-mento nos quais os negros denunciam a situao de desrespeito morala que estavam submetidos e exigem o reconhecimento do self por ou-tros indivduos reivindicando um status legal. O primeiro momento aquele da dcada de 1930 e 1940 com as experincias da imprensa ne-gra, na organizao de clubes, irmandades religiosas e associaes re-creativas, assim como da Frente Negra Brasileira (1931-1937) e do Tea-tro Experimental do Negro (TEN)13. Esses movimentos acabam tendoinfluncia na promulgao da nica lei que trata do problema de raanoBrasil,queaLeiAfonsoArinosde1951,aqualtemcomopontode

    partida um ato de discriminao contra uma bailarina negra nor-te-americana na cidade de So Paulo. O interessante em relao ao pe-rodoentre1940e1950noBrasilque,simultaneamenteabsorodaconcepo freyriana da miscigenao pelo Estado brasileiro, se formaum movimento que problematiza aquiloqueFreyre ignorava: a discri-minao racial presente na esfera privada.

    Um dos autores que melhor denuncia e formula um modo prprio decompreenso dessa questo Guerreiro Ramos que, com preocupa-es de cunho nacionalista, tratava de propor a redefinio das rela-esraciais,oqueestexpressonotrechoaseguirsobreosobjetivosdoTEN:

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    O movimento em apreo representa uma reao de intelectuais negrose mulatos que, em resumo, tem trs objetivos fundamentais: 1) formu-lar categorias, mtodos e processos cientficos destinados ao tratamen-

    to do problema racial no Brasil; 2) reeducar os brancos brasileiros, li- bertando-os de critrios exgenos de comportamento; 3) descomple-xificar os negros e mulatos, adestrando-os em estilos superiores decomportamento, de modo que possam tirar vantagens das franquiasdemocrticas, em funcionamento no pas. (Ramos, 1957:163)

    Nota-se que em Guerreiro Ramos h preocupaes de cunho poltico tirar vantagens das franquias democrticas mas, tambm, ligadasao self pois ele trata das questes do comportamento e da necessidade

    de reconhecimento da diferena e prope uma rebelio esttica, afir-mando que, purgado o nosso empedernimento pela brancura, esta-mosaptosaenxergarabelezanegra,belezaquevaleporsuaimannciae que exige ser aferida por critrios especficos (Ramos, 1957:195).Portanto, h nesse momento de busca de uma identidade nacionalafro-brasileiraaideiadeconstruodonegronointeriordoEstado-na-o. Ainda se deve demarcar, na dcada de 1950, a reorganizao dosterreiros de umbanda, caracterizando uma entrada particular da po-pulao negra no campo associativo, o que encontrou resistncia nombito do Estado brasileiro14. Esse conjunto de movimentos tem duasmarcas principais: a primeira delas uma recuperao de uma certaidentidade negra conhecida como negritude seguindo a tradio fran-cesa (Csaire, 2010) e a segunda uma organizao dos movimentosnegros (Hanchard, 1994). Ambos os movimentos implicam formas di-ferentes de ocupao do espao pblico. Assim, nota-se, j neste pero-do, a insuficincia da resposta privada ao problema da identidade dapopulao negra.

    O segundo momento aquele de denncia do Brasil como um pas ra-cista e que busca a desconstruo do mito da democracia racial(Munanga, 2004). Esse processo ganha maior visibilidade com o revi-goramento dasociedadecivil noBrasil (Avritzer, 2009). Em18de junhode 1978, a partir de uma forte articulao do Centro de Cultura e ArteNegra (CECAN), Grupo Afro-Latino Amrica, Associao CulturalBrasil Jovem, Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas (IBEA) e C-mara de Comrcio Afro-Brasileiro (Cardoso, 2002:40; Geleds, 2011;Hanchard,1994),foicriadooMovimentoUnificadoContraaDiscrimi-nao Racial (MUCDR) que realizou o histrico protestonodia 7 de ju-lhonasescadariasdoTeatroMunicipalemSoPaulocontraaviolncia

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    policial dirigida aos negros (Cardoso, 2002:40). O MUCDR foi rebati-zadoem23dejulhodomesmoanocomoMovimentoNegroUnificadoContraaDiscriminaoRacial(MNUCDR).Emdezembrode1979,noI

    Congresso realizado no Rio de Janeiro, passa a chamar-se MovimentoNegro Unificado (MNU). Aorganizao de uma direo do movimen-tonegrocontraadiscriminaoumpontodepartidaimportanteparaa presena dos negros na esfera pblica.

    Os movimentos sociais negros desse momento tm dois aspectos mar-cantes. O primeiro que parte desse movimento passa a reivindicar aidentidade diasprica, identificando-se como afrodescendente, deslo-cada do nacional (Guimares, 2000:28). A defesa de uma identidade

    cosmopolita um modo de denunciar o Estado-nao que no garan-tiu a esses grupos, por sculos, uma cidadania efetiva. O segundo as-pectomarcanteque,poroutrolado,essesgruposveemanecessidadede negociao com esse Estado-nao no sentido de ampliao dos di-reitos a serem garantidos a eles; o movimento das mulheres negras ga-nha visibilidade no combate s diversas manifestaes de racismo, se-xismo e excluso social (Carneiro, 2002:182); ocorre a rearticulao daideiadecorpodamulhernegranosanos90(Gomes,2002);hadenn-cia das consequncias que o racismo deixa para o corpo e a psique dosnegros (Souza, 1983; Feres Jnior, 2006); as comunidades negras dequilombos, organizadas at ento em movimentos locais, reivindicamo reconhecimento jurdico estatal de suas formas tradicionais de ocu-pao e uso dos recursos naturais (Gomes, 2009). Essas so apenas al-gumas das reivindicaes negras que ganham o espao pblico nacio-nalequesopartedeumamplolequededemandasreprimidasqueseexpressam em marcos legais na Constituio Federal de 1988 como,por exemplo, a proposta de criminalizao do racismo (art. 5o, item

    XLII), o reconhecimento desses grupos como participantes do proces-so civilizatrio nacional (arts. 215 e 216) e a garantia do direito pro-priedade das terras utilizadas pela populao quilombola no artigo 68no Ato das Disposies Constitucionais Transitrias da Constituiode 1988. Essas propostas mostram um trnsito importante do movi-mento negro, das aes na esfera privada para aes na esfera pblica,envolvendo o prprio Estado brasileiro. Pode-se notar, assim, que osentido daaopolticados movimentosnegros o reconhecimentodeum status legal pelo Estado.

    Um fato bastante interessante do ponto de vista lgico-conceitual me-rece ser observado em detalhe. Trata-se da reao do prprioFreyre ao

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    mento na colocao desse grupo como grupo de referncia na condiohumana (Bento, 2009:30).

    IssopareceseaproximardasformulaesdeHonnethsobreaviolaosofrida por determinados sujeitos que podem gerar um tipo de desres-peito com capacidade de ferir duradouramente a autoconfiana, quepodem impactar nas relaes com outros sujeitos, gerando vergonhasocial (Honneth, 2003:215).

    AO AFIRMATIVA, ESFERA PBLICA E STATUS LEGAL

    A ao afirmativa enquanto forma estatal de criao de condies re-

    versas a processos de discriminao anterior constitui uma ruptura decontedo com a poltica de excluso racial tanto no Brasil quanto nosEstados Unidos (Telles, 2004; Feres Jnior e Zoninsein, 2006). A segre-gao racial e a ao afirmativa nos Estados Unidos foram polticas es-tatais e utilizaram o mesmo elemento da poltica anterior, isso , a re-gulao legal. Desde a primeira deciso da Suprema Corte no casoBrown versus the Board of Education, mas tambm no caso da criao daComisso de Acesso Igual ao Emprego (EEOC, em ingls) e o CivilRights Act em1964,possvelobservarumaconstruoestataldapol-tica por meio dos seus trs elementos principais:executive orders(aesdo Executivo), decises da Suprema Corte e leis aprovadas pelo Con-gresso americano como o caso do Civil Rights Act. Cada uma destaspolticas de integrao so polticas de forte interveno legal na rela-o entre raa e relaes sociais e tem como seu ponto central a regula-o legal.

    J no caso do Brasil no existe um modelo de integrao racial a ser

    aplicado com clareza. As principais decises sobre ao afirmativa fo-ram tomadas no Brasil a partir da ratificao do documento da Confe-rnciaMundialcontraoRacismoemDurban,nafricadoSul.Odocu-mentoproduzidopelaconfernciapreviuaintegraoeconmica,cul-tural e polticada populao negra vida nacional desencadeandoumconjunto de aes afirmativas (Heringer, 2006). A principal forma deao afirmativa implantada no Brasil foram as polticasde acesso dife-renciado s universidades pblicas. Essas polticas de ao afirmativaobedeceram a umalgica de experimentalismo institucional (Avritzer,2009) de acordo com a qual em arenas de institucionalizao conten-ciosa a experimentao institucional constitui a melhor alternativa.Entre2002e2012,aaoafirmativapassouaserpartedasregrasdein-

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    gresso de 98 universidades federais e estaduais. Assim, a ao afirma-tivaalterou,significativamente,umatradiodeinclusoracialbasea-da apenas na miscigenao e em aes na esfera privada instituindo

    polticas de acesso que incentivam a identidade racial e tnica.As polticas de ao afirmativa receberam dois tipos de crtica, ambasfortemente ligadas a elementos da discusso anterior: uma primeiracrtica versousobrea impossibilidade de realizao de polticasbasea-das na distino racial em uma sociedade fortemente miscigenada.Esse argumento bastante claro no livro Ciladas da Diferena (Pierucci,1998) aponta para a noo de que, uma vez trilhado o caminho da mis-cigenao e da incluso racial pela via privada, no possvel optar

    pelo caminho da incluso enquanto status poltico. Segundo o argu-mento, os erros comuns na distino entre negros e brancos justifica-riamdesistirdeumapolticadeaoafirmativa.Esseargumentoseex-pressou tambm em um manifesto escrito por um conjunto de intelec-tuais que se ope ao afirmativa. Anosso ver, a questo que se colo-ca aqui de uma inovao poltica baseada nos elementos de uma so-ciedade que miscigenada e na qual existe distino de cor15. Diversaspolticas de ao afirmativa no Brasil optaram pela autodeclarao depertencimento raa ou cor negra enquanto condio para progra-masdeacessoespecialaoensinosuperior.Emumartigobastanteinsti-gante, Racusen d um passo adiante nessa discusso tentando proporuma superposio entre um critrio objetivo de incluso em polticasde ao afirmativa e um critrio de autoidentificao (Racusen, 2009).Ele demonstra uma discrepncia entre 4% e 35% nas universidadesque adotam esse critrio para a ao afirmativa. Na mdia, a discre-pncia situa-se entre 14%e 22% dos declarantes (Racusen, 2009:104). cedo ainda para se pensar em uma utilizao generalizada deste crit-

    rio, mas ele demonstra que h uma grande superposio da autoiden-tificao coma identificao pela exterioridade. Essa superposio de-monstra que existem maneiras de identificar a cor em uma sociedademiscigenada como o Brasil.

    Uma segunda questo que tem sido fortemente argumentada pelosopositoresdaaoafirmativaoequvocodaregulaolegal.Essetemsido o ponto principal da argumentao de Maggie e Fry no ataque spolticas de ao afirmativa. Eles argumentam que

    no se vence o racismo celebrando o conceito raa, sem o qual, evi-dentemente,oracismonopodeexistir[...]Quandocotasraciaissetor-nampolticadeEstado,determinandoadistribuiodebenseservios

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    pblicos,ningumescapaobrigaodesesubmeterclassificaora-cial bipolar. O impacto sobre a sociedade como um todo no pode sersubestimado [...] (Maggie e Fry, 2004:77).

    O argumento dos autores, que em outros contextos mais politizadosassume a conotao de oposio s leis raciais, fundamentalmenteum argumento contra a interferncia do Estado nas questes da raa,argumentando que qualquer interferncia estatal ou regulao estatalsignifica impor um elemento de raa que a esfera privada ou o proces-so de miscigenao no construiu e no comporta. Portanto, o argu-mento fundamentalmente o da continuao da via da no regulaolegal das polticas ligadas incluso racial.

    No difcil perceber duas deficincias analticas no argumento dosopositores ao afirmativa, ambos decorrentes das deficincias doprprio argumento freyriano. O primeiro problema est claramente li-gadoacomooperacionalizaraaoafirmativaemumasociedadecomforte variao racial expressa na cor da pele. Evidentemente que esseargumento no valido apenas para o Brasil e est na base de um dosprimeiros questionamentos legais excluso racial nos Estados Uni-dos16.Assim,oproblemaquesecolocanoBrasilnodequeamiscige-naoproduzigualdadeeinclusoracialesimaquestodecomoope-racionalizar a incluso. Neste caso, a ideia da autoclassificao umasoluo criativa que atende aos objetivos de estabelecer uma polticaestatal que no imponha de modo externo um critrio de classificao.Neste sentido, as polticas de incluso racial no Brasil no constituempadres de classificao racial pelo Estado e sim formas de superposi-odas identidadesautoatribudas que, ento,passam a se constituir a base de um processo de acesso educao patrocinado pelo Estado

    brasileiro.A segunda questo na qual fica evidente uma lacuna na anlise deMaggie e Fry e dos opositores da ao afirmativa quando falam emleis raciais a percepo da mudana no padro de regulao. Elestrabalham o problema da regulao da incluso racial a partir do bin-mio regulaoversus ausncia de regulao. Sempre que h regulao,existem leis raciais. Esse argumento, no entanto, deixa de tratar duasquestes fundamentais, quais sejam: a primeira delas que a polticade regulao legal sobre raa tem diversas entradas na institucionali-dade contempornea e o problema da regulao legal no pode ser en-tendido a partir de um binmio presena/ausncia. Pelo contrrio, a

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    questo exige algum nvel de anlise tanto procedimental quantosubstantiva (Rawls, 1971) em relao ao sentido das polticas geradaspelaprpriaregulao.Emsegundolugar,importanteressaltarquea

    poltica de incluso pela esfera privada no que diz respeito a resulta-dos concretos de acesso renda e educao gerou, no Brasil, resulta-dos semelhantes aos da poltica segregacionista nos Estados Unidos.Dadossobreoacessodapopulaonegrabrasileiraaoensinosuperior,noano2000,apontaramparaumpercentualdeinclusosemelhanteaodos Estados Unidos no comeo dos anos 50 (Paixo e Carvano, 2008).Assim, possvel afirmar que a regulao legal desejvel e que, por-tanto, o momento de atribuio de um novo status legal inclu-so/excluso racial. O problema que persiste : qual tipo de regulaolegal e qual poltica poder gerar impactos para o reconhecimento dosdiferentes segmentos raciais com o mesmo status de igualdade?

    CONSIDERAES FINAIS: RECONHECIMENTO E STATUS LEGAL DAPOPULAO NEGRA NO BRASIL

    guisa deconcluso gostaramosdereafirmar a conexo entre a crticatrajetriabrasileiradeinclusoracialpelaesferaprivadaeateoriadoreconhecimento, mas tambm reafirmar a necessidade de uma trajet-ria de reconhecimento privado posterior atribuio destatus legal. Oobjetivo deste texto foi o de apresentar um argumento crtico polticademiscigenao,talcomoelasemanifestounasociedadebrasileiradaAbolio da Escravido ao Estatuto da Igualdade Racial, mostrandoque a trajetria da incluso pela esfera privada no conduziu igual-dade racial. Este constitui o argumento que justifica trazer o problemadainclusoracialparaaesferapblica.Trouxemosestetemaparaate-

    oria social brasileira mostrando como a questo da raa articula as es-feraspblicaeprivadaearticulatambmarecuperaodaautoestimacom a atribuio de status legal populao negra.

    Em primeiro lugar, mostramos que, para a atribuio de um status deigualdade, tanto no espao pblico quanto social e privado, necess-rio o desvelamento de elementos simblicos e subjetivos que levem desconstruo dos mesmos e estabeleam novos padres de relaoque no sero resolvidos apenas a partir da adoo de um estatuto le-gal nacional, mas que demandam, tambm, uma desnaturalizao doracismo e da discriminao que penetram as relaes do mbito sociale privado.

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    A partir do momento em que passa a existir o Estatuto da IgualdadeRacial e no qual o Supremo Tribunal Federal (STF) afirma a legalidadeda ao afirmativa, passa a haver enormes desafios no processo de

    construo do reconhecimento que considere as especificidades docontexto de relaes raciais, tal qual o estabelecido no Brasil, de tradi-o escravista mas com um tipo de relaes raciais pautadas em umprocessodemiscigenaoedetrnsitosocialforte.nessesentidoquecompreendemos que a teoria honnethiana e sua estrutura tripartite derelaes de reconhecimento lanam elementos centrais para o tratodessa questo. Conforme j se afirmou, as relaes raciais desde a es-cravidoforampermeadasporaspectossimblicosesubjetivospauta-dos em relaes desiguais que em termos de estrutura de reconheci-mento estiveram prximas ao que Axel Honneth nomeia como rela-es primrias nas quais sujeitos se confirmam mutuamente na natu-reza concreta de suas carncias (Honneth, 2003:161).

    Uma segunda etapa do reconhecimento tambm pode ser til para acompreenso do caso brasileiro, pois o momento do estabelecimentode relaes jurdicas. Este momento fundamental para o desenvolvi-mento daquilo que Honneth (2003) nomeia como respeito cognitivo.Essa etapa tambm coincide com as preocupaes de Fraser com asquestes do reconhecimento no espao pblico e de estabelecimentode relaes iguais. Ou seja, so necessrias aes que concretizem ametadaigualdadedestatus dombito legal para o mbitodas relaessociais e privadas, capazes de fazer com que os diferentes grupos for-madores do processocivilizatrio se compreendamenquanto iguais, oquepodecontribuirparaaconstruodeumasociedadedefatojustaeplural.

    nesseaspectoqueconsideramosqueagarantiadecotasnasuniversi-dades fator fundamental nesse processo que perpassa o mbito p- blico, social e privado. O ingresso de negros e ndios nas universidadesgarantir aos brancos a possibilidade de conhecimento, respeito e esti-ma por diferentes perspectivas de vida. Florestan Fernandes (1972)afirmaque[...]provvelqueainstauraodeumademocraciaracialautntica seja mais fcil no Brasil que nos Estados Unidos ou na fricadoSul (Fernandes, 1972:203). Aes comoas cotas nas universidades,as cotas de trabalho e as cotas eleitorais so alguns dos mecanismosquepodemcontribuirparaadesconstruodoracismo,garantindore-conhecimento estima igual e redistribuio material e simblicaque,porsuavez,contribuiriamparaoaprofundamentodademocracia

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    no Brasil. Apenas com a efetivao dessas garantias ser possvel quetodos os segmentos sociais tenham possibilidade de desenvolvimentodeestimaigual(Honneth,2003:187).Estapodeserumametamaisfcil

    de ser alcanada em sociedades de homologia histrica e equidadeeconmica e jurdica entre seus segmentos sociais, mas no se podepensar nesses termos em contextos onde o grande desafio o oposto,pois,paraametadeigualdadedestatus entre os indivduos, necess-ria a desconstruo de estruturas de reconhecimento pautadas no m-rito pessoal. Os programas de ao afirmativa que, neste momento, es-to centradosnas universidades pblicas tmdesenvolvidoessa capa-cidade. Eles tm permitido conciliar a autoidentificao, que a carac-terstica maior do processo de integrao racial pela via privada, compolticas pblicas voltadas para grupos especficos da populao atin-gidos pelas polticas de excluso racial.

    AregulaolegalpelaviadoEstatutodaIgualdadeRacialumgrandeavano com capacidade de mudar os patamares de desigualdades ra-ciais e de discriminao. bem verdade que essas so mudanas detempolongo.Oquenosparecequeamudananostatus legal poderimpactar a concepo do lugar de subalternizao conferida ao negronaesferaprivada.Assim,nocasobrasileiroespera-sequeaviapblicasejacapazdemudarospadresdeintegraonavidaprivada,jqueocontrrio no foi possvel. Entendemos ser esta a contribuio centraldesteartigo:mostraraimportnciadatransfernciadestedebatesobreo reconhecimento para a esfera poltica, mostrando, no entanto, a rele-vnciacontnuadaesferaprivadaparaaquestoracial.Tivemoscomoobjetivo mostrar que o caso mais desafiador de polticas de reconheci-mento,o casobrasileiro, apontapara a compatibilidade das teoriasdosdois autores, Nancy Fraser e Axel Honneth, pensados enquanto mo-

    mentos do processo de reconhecimento. Neste sentido, apenas umapoltica de reconhecimento centrada nas esferas pblica e privada po-derdarcontadeumcasocomoobrasileiroquehistoricamentetemes-tado alm do privado e aqum do pblico.

    (Recebido para publicao em julho de 2012)(Reapresentado em janeiro de 2013)

    (Aprovado para publicao em fevereiro de 2013)

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    NOTAS

    1. A meta de igualdade de status entre todos os grupos raciais no Brasil, compreenden-do raa enquanto construo social, necessria no processode desconstruo de hi-erarquias institucionalizadas que mantm determinados grupos em situao de su- balternidade. Nesse processo necessrio articular os elementos da redistribuio edo reconhecimento, pautados nosprincpios da igualdadee da diferena. Este artigovolta-separa asespecificidadesdaquesto donegroe osdesafiosde reconhecimentoe de redistribuio ligados a essa identidade. A afirmao dessa identidade funda-mental no como modo de reificao do passado mas, conforme afirma Stuart Hall(2000), est relacionada com questes tais como: quem ns podemos nos tornar,como ns temos sido representados e como essa representao afeta a formacomonspodemos representar a nsprprios (Hall,2000:109). ,portanto,umpro-cesso de autoidentidade queapenasfazsentido se assumido pelo grupo quevive de-terminadasituao de subalternidade.Ou seja, implica a desconstruo de um lugarnaturalizado como subalterno e a construo de um diferente olhar na relao comooutro (Gomes, 2005:43).

    2. Ainda que este no seja o objeto deste artigo, estamos assumindo do ponto de vistaconceitualumadistinoentreEstadoeesferapblica.EstamosassumindoqueoEs-tadoumaparatoinstitucionalesistmicoespecializadonaadministraoenacoer-o. Por outro lado, a esferapblica por ns entendida neste artigocomo espaodedebates e de discusso. Evidentemente queexisteum trnsito entre a dimenso esta-taleapblicaquesemanifestademodomuitoclaronaquestoracialnoBrasilondecertos consensos e debates acerca da igualdade migraram posteriormente para a es-fera estatal e se tornaram lei, como o caso do Estatuto da Igualdade Racial. Parauma distino entre pblico e estatal vide Habermas (1989; 1997).

    3. O estabelecimento de uma agenda nas Cincias Sociais sobre as relaes raciais noBrasil foi impulsionadapelo Projeto UNESCOque, nops-SegundaGuerraMundial(1939-1945), escolheuo Brasilcomo laboratrio para a compreensodasrelaeshar-moniosas entre raas e etnias (Maio, 1999:144). Embora, em geral, esses estudos se- jam referidos como ciclo dos estudos da UNESCO (1953-1956), as pesquisas nesseperodo tiveram diferentespatrocinadores, instituies e contaramcoma direo in-telectual de homens de diversas tendncias tericas (Guimares, 1999:76). A maiorparte dos trabalhos resultantes do Projeto UNESCO ressalta os elementos positivosda integrao racial no Brasil. Florestan Fernandes foi um dos autores que melhoraprofundou naanlisedoselementosde exclusopresentes naviahegemnica de in-tegrao racial. Arthur Ramos no participou das pesquisas do Projeto UNESCOcontudo foi seu idealizador tendo morrido oito meses antes de sua implementaono Brasil em 1950 (Maio, 1999:142). E, emboraDonaldPiersonno tenha participadodiretamente do projeto UNESCO, ele participou das negociaes em torno do proje-to e acompanhou a sua execuo.

    4. Estamos entendendo por esfera privada todas as relaes ligadas casa e ao indiv-duo,aindaquealgumasdentreelasocorramemlocaispblicos.Assim,todasasrela-

    esdacasagrande,todasasrelaesntimasentrenegrosebrancossopornscon-sideradas atividades privadas. Para entender o conceito de privado aqui utilizado,vide Habermas (1989); Elias (1994). Neste sentido, todas as relaesde miscigenaodescritas por Freyre cabem no conceito de privado aqui utilizado.

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    5. Vale a pena, no entanto, mencionar que a miscigenao entre brancos e negros nosEstados Unidosparece ter sido mais intensa do que esta discusso reconhece. Diver-sosexemplos apareceram recentementena literatura, desde o caso dosdescendentesde ThomasJeffersonato caso da linha ascendente de Michelle Obama,recentemen-

    te revelada pelo New York Times.6. Sarmento (2008)analisaesse e outros processosjudiciaisdosEstadosUnidose indica

    de que modo a Constituiobrasileira fornece parmetros para a aplicaode medi-dasde discriminao positiva no plano tnico-racial. Para aprofundamento,verSar-mento(2008:257ss).RogerRios(2008)desenvolveestudoemperspectivacomparadados sistemas jurdicos do Brasil e dos Estados Unidos, analisando a temtica dasaes afirmativas nos dois pases.

    7. No Brasil os censos de 1872, 1890, 1940, 1950, 1960, 1980, 1991, 2000 e 2010 incluem apergunta sobre cor. Para aprofundamento sobre essa questo, ver Piza e Rosemberg(2009).

    8. Essa no uma questo irrelevante. Basta retomarmos a Pesquisa Nacional porAmostra de Domiclio de 1976 na qual, diferentedo mecanismousado pelo InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) nas outras pesquisas, a cor foi atribudapelo entrevistado. Nesse caso os brasileiros se atriburam 136 cores diferentes. Issorevelaalgo sobrea complexidade dessaquesto noBrasil. Para aprofundamento,verSchwarcz (1998:227).

    9. Se tomarmos comparativamente alguns censos de nossos vizinhos da Amrica Lati-na que possuem questes raciais similares s nossas, nota-se um esforo maior emseus ltimos censos com a criao de categorias que permitam s pessoas se auto-identificarem tal como elas se veem. Na Colmbia, o Departamento AdministrativoNacional de Estatstica (DANE), no Censo de 2005, trazia a pergunta sobre raa nosseguintes termos: De acordo com sua cultura, povo e caractersticas fsicas, voc sereconhece como?. Havia seis alternativas sendo que o item 5 trazia a possibilidadede autoidentificao, como: negro (a), mulato (a), afrocolombiano (a)ou afrodescen-dente(a).Ademais,noitem6haviaapossibilidadedenoidentificaocomnenhumdos itens anteriores (Disponvel em: Acesso em 26 jan. 2013). NoEquador o Instituto Nacional de Estatstica e Censos (INEC) expressa, no Censo de2010, a preocupaocomo modo como as categorias de autoidentificao aparecem.Aperguntasobreraa/etniaera:Comovocseidentificasegundosuaculturaecos-tumes?. Nessa pergunta havia a possibilidade de 8 (oito) respostas, na ordem queaparecem: (1) indgena; (2) afroequatoriano/a- afrodescendente; (3) negro/a; (4)mulato/a; (5) montubio/a; (6) mestio/a; (7) branco/a; (8) outro (Disponvelem: Acesso em 04 fev. 2013). Nota-se que nesse l-timo censo acor branca est listada como ltimaalternativa, e nos censos do Brasil acor branca aparece, frequentemente, em primeiro lugar. Est fora dos limites destetrabalho analisar todos os meandros que perpassam essa discusso sobre a metodo-logiaecategoriascensitrias,masnosparecequeocensoummecanismoimportan-tedeexpressodecomooEstadopercebeasociedadee,nocasodoBrasil,acorbran-ca ainda aparece com um status que pode expressar resqucios da poltica de bran-queamentoa qual pode ter ficadoobscurecida pelo forte investimentona poltica damestiagem a partir da dcada de 1930.

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    10. importante lembrar que o Estado mudou sua percepo em relao capoeira poiso Cdigo Penal da Repblica de 1890 punia o crime da capoeiragem e, na dcadade1930,elapassaaterstatus de esporte nacional.Para aprofundamento,verSilva J-nior (2000).

    11. O termo sociedade aparece frequentemente em Casa Grande & Senzala (vide pginas65, 73, 79, 160, xx).

    12. Mais uma vez, vale a pena abordar o conceito de privado que est em jogo aqui.Quandofalamos em poltica de branqueamento e miscigenao, tal como elas foramimplementadas pelo Imprio no Brasil, estamos falando de uma poltica pblica pa-trocinada pelo Estadocom o objetivode influenciar a composio daesferaprivada.

    13. Abdiasdo Nascimento e Elisa LarkinNascimento (2000)assimse expressamsobreaslutas negras: Fundada por um lado na tradio de luta quilombola que atravessatodo o perodo colonial e o Imprio e sacode at fazer ruir as estruturas da economia

    escravocrata e, por outro, na militncia abolicionista protagonizada por figurascomo Luiz Gama e outros (Larkin-Nascimento, 1981, 1985; Nascimento, 1980; Mou-ra, 1972; Freitas, 1982, Pinaud et alii, 1987; Lima, 1981; Cuti, 1992) a atividadeafro-brasileira se exprimia nas primeiras dcadas deste sculo, sobretudo, nas for-mas de organizao de clubes, irmandades religiosas e associaes recreativas.ARe-volta da Chibata, liderada pelo marinheiro Joo Cndido, foi um episdio marcantedessa poca, ocultado pela histria e desvelada no registro de Edmar Morel (1979).Antes da dcada de 1920, j surgia uma imprensa negra que continuou bastante ati-va,especialmenteemSoPaulo,comjornaiscomoO Menelike, O Kosmos, A Liberdade, Auriverde, e O Patrocnio. Em 1920, nascia o Getulino, fundado por Lino Guedes para

    tratar dos assuntos de interesse da comunidade afro-campineira. O Clarim dAlvora-da, fundado por Jos Correia Leite e Jayme Aguiar em 1924, j anunciava o grito deprotesto que se cristalizaria em 1931 com a Fundao da Frente Negra Brasileira(Nascimento e Nascimento, 2000:204).

    14. Referimo-nos aqui s diversas formasde represso do associativismo cultural negrono Brasil do final dos anos 50. Vide Nogueira (1998). Na perspectiva institucionalapenasem1975passaaexistirliberdadedecultonaBahia.Em2012apresidentaDil-ma Rousseff decretou o Dia Nacional da Umbanda (Lei no 12.644/2012), a ser come-moradono dia 15 de novembro. Weingartner Neto (2007)analisa a temtica da liber-dade religiosanaConstituio, abordando a questo dasreligiesde matrizafricana(Weingartner Neto, 2007:283-293).

    15. Vale a pena pensar no papel que a distino de cor exerce na sociedade brasileira. Apresena de indivduos da cor branca nas estruturas do ensino superior continuamuitomaiordoqueadeindivduosdacornegra.Omesmofenmenopodesercons-tatado em outras estruturas culturais e polticas, tais como os legislativos e o Con-gresso Nacional.

    16. Estamos nos referindo aqui ao famoso caso com origem em New Orleans e que che-gou Suprema Corte dos Estados Unidos, Plessy v. Ferguson. Homer Plessy que ti-nha 7/8 de ascendncia branca poderia ter entrado na ala reservada aos brancos no

    servio de transportes de New Orleans. Sua ao foi tanto uma tentativa de questio-nar a ideia de servios iguais e separados quanto a ideia da possibilidade da distin-o de cor pelo estado (Marx, 1998; Sarmento, 2008).

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    ABSTRACTPolitics of Recognition, Race and Democracy in Brazil

    Theanalysisof therelationship between race and democracy in Brazil requires

    a specific theoretical approach based on different conceptions of recognition.This article aims to address critically the theories of Nancy Fraser and AxelHonneth in an attempt to deepen the understanding of how a hierarchy of status, which is based on the racial issue and imbricate elements of public,social and private space, was established in Brazil. We point out a number of distinctions in the forms of racial stratification in the United States and Brazilshowing that differences can not be reduced to interracial relationshipsexisting in Brazil. We attribute this contrast to the different traditions of legalregulation. We also discussed the different traditions of racial integration and

    affirmative action in both countries trying to shed light on conceptual lacks of the theories that think racial integration only from the perspective of privatesphere.Attheendofthepaperweproposearecognitionmodelthatintegratesthe theories of Fraser and Honneth and associates the assigning of legal statusto racial segments historically subordinate to a policy that deals with theformation of self-esteem.

    Key words: democracy; theories of recognition; race relations

    RSUMPolitique de Reconnaissance, Race et Dmocratie au Brsil

    LexamendurapportentreraceetdmocratieauBrsildemandeuneapprochethorique part iculire partant des diffrentes conceptions de lareconnaissance. Dans cet article, on cherche examiner de faon critique lesthories de Nancy Fraser et Axel Honneth pour tenter dapprofondir lacomprhension de la faon dont sest tablie au Brsil une hirarchie de status base sur la question de race incorporant des lments de lespace public,social et priv. On montre ici, dans les formes de stratification raciale auxtats-Unis et au Brsil, un ensemble de distinctions qui ne peuvent serestreindre au dplacement racial existant au Brsil. On attribue cetteopposition des traditions de rgulation lgale varies. On discute aussi lesdiffrentes traditions dintgration raciale et daction affirmative dans lesdeux pays tout en essayant dclairer les dficits conceptuels des thories quinenvisagent lintgration raciale qu partir de la sphre prive. Pour finir, onpropose un modle de reconnaissance intgrant les thories de Fraser etHonneth et associant lattribution de statut lgal des segments raciauxhistoriquement rabaisss une politique uvrant pour la formation delestime de soi.

    Mots-cls: dmocratie; thories de reconnaissance; relations raciales

    Leonardo Avritzer e Lilian C. B. Gomes