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  • ISSN 15169111

    PAPERS DO NAEA N 286

    CONCEPES SOBRE O AMBIENTE ASSUMIDAS POR PROFESSORES DE UMA COMUNIDADE AMAZNIDA BRASILEIRA

    Reinaldo Eduardo da Silva Sales Janari da Silva Pedroso Ligia T. Lopes Simonian

    Belm, dezembro de 2011

  • Ncleo de Altos Estudos Amaznicos (NAEA) uma instituio de Ps-Graduao vinculada Universidade Federal do Par, fundada em 1973 com o objetivo de estimular e produzir projetos de pesquisa sobre a Pan-Amaznia.

    Tem como objetivos fundamentais o ensino em nvel de ps-graduao, visando em particular, a identificao, descrio, anlise, interpretao e soluo dos problemas regionais amaznicos; a pesquisa, notadamente em assuntos de natureza scio-econmica relacionados com a regio; e a informao, atravs da coleta, elaborao, processamento e divulgao dos conhecimentos cientficos e tcnicos disponveis sobre a regio

    Desenvolve seus trabalhos priorizando a interao entre as atividades de ensino e pesquisa, por meio de ferramentas de planejamento, de elaborao de projetos, no mbito das modalidades de gesto.

    As atividades de ensino esto organizadas no Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido (PDTU), que integra os nveis Doutorado e Mestrado e no Programa de Ps-Graduao Lato Sensu, no nvel de Especializao.

    Baseado no princpio da interdisciplinaridade, realiza seus cursos de acordo com uma metodologia que abrange a observao dos processos sociais, numa perspectiva voltada sustentabilidade e ao desenvolvimento regional.

    Setor de Editorao E-mail: [email protected] Telefone: (91) 3201-7696

    PAPERS DO NAEA

    Os Papers do NAEA publicam textos de professores, alunos e pesquisadores associados da UFPA para submet-los a uma discusso ampliada e que possibilite aos autores um contato com a comunidade acadmica.

  • CONCEPES SOBRE O AMBIENTE ASSUMIDAS POR PROFESSORES DE UMA COMUNIDADE AMAZNIDA BRASILEIRA1

    Reinaldo Eduardo da Silva Sales2 Janari da Silva Pedroso3 Ligia T. Lopes Simonian4

    Resumo:

    Neste artigo, trata-se das concepes sobre o ambiente expressas por professores da escola de Ensino Fundamental de Pari, Monte Alegre, Par. Realizou-se a pesquisa com sete professores que atuam com as disciplinas: educao fsica, cincias, geografia, artes e histria. Ainda, considerou-se outras experincias de campo dos autores. Priorizou-se uma abordagem qualitativa com utilizao do mtodo de anlise de contedo para a construo das categorias tericas. Os resultados sugerem que a parte maior dos professores concebe o ambiente como sinnimo de natureza e que no inclui a dimenso humana. A partir dos dados, construiu-se trs concepes de ambiente: biocntrico (ambiente a natureza), antropocntrico (ambiente o ser humano) e globalizante (ambiente tanto a natureza como o ser humano). A anlise permitiu identificar que a prtica desses professores envolve atividades extraclasses e interdisciplinares, porm ainda so atividades espordicas e pontuais que constituem aes tmidas frente aos problemas ambientais enfrentados na comunidade. Palavras-chave: Concepes de professores; Ambiente; Amaznia brasileira.

    1 Este artigo um dos resultados da pesquisa para dissertao de mestrado de Reinaldo Eduardo da Silva Sales, intitulada Concepo de professores sobre meio ambiente: um estudo em uma escola amaznica, a qual foi defendida no contexto do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidad de los Pueblos de Europa Mlaga-Espaa/Consrcio Universitrio Euro-Americano (Santarm, 2011. 123 f., il.); esse M. Sc. e co-autor a realizou com os professores que atuam na Escola de Ensino Fundamental de Pari EEF de Pari, Monte Alegre Par. 2 Socilogo e especialista em Cincias Sociais para o Ensino Mdio pela Universidade Federal do Par UFPA. Mestre em Cincias da Educao pela Universidad de los Pueblos de Europa UPE, de Mlaga-Espaa. E-mail: [email protected]. 3 Professor Adjunto III junto ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia Clnica PPGPC/UFPA. Doutor em Cincias Socioambientais pelo Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Sustentvel no Trpico mido PPGDSTU do Ncleo de Altos Estudos Amaznicos NAEA/UFPA. E-mail: [email protected]. 4 Professora Associada III junto ao PPGDSTU/NAEA/UFPA. Ph. D. em Antropologia pela City University of New York CUNY, Estados Unidos da Amrica EUA e com ps-doutorado pela mesma Universidade. E-mail: [email protected].

  • 4 Reinaldo Eduardo da Silva Sales, Janari da Silva Pedroso e Ligia T. Lopes Simonian

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    CONCEPTIONS OF ENVIRONMENT ASSUMED BY PROFESSORS IN A BRAZILIAN AMZONIC COMUNITY

    Abstract:

    In this article, it is referred to the conceptions towards environment by professors of the School for Fundamental Teaching of Pario, Monte Alegre, Para. The research was done with seven professors that work with the following disciplines: physical education, sciences, geography, arts and history. Yet, other fieldwork experiences of the authors were considered. A qualitative approach was emphasized with the use of the method of analysis of topics to the construction of the theoretical categories. The results suggest that the major part of the professors conceive environment as synonymous of nature and that does not includes a human dimension. Since the data, it was built three conceptions of environment: biocntrica (environment is nature), anthropocentric (environment is the human being) and globalizing (environment is both the nature and the human being). The analysis allowed identifying that the practice of such professors involves activities extra-classes and interdiciplinaries, though they are yet sporadic and eventual activities that constitute timid actions in face of the environmental problems faced in the community.

    Key-words: Professors conceptions; Environment; Brazilian Amazon.

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    1 INTRODUO

    A questo ambiental emergiu nas ltimas dcadas e se imps nos contextos poltico, social e

    cientfico. Realizou-se a pesquisa para este artigo junto a professores que atuam na EEF de Pari, de Monte Alegre Par, cuja localidade ou vila de Pari pode ser vista no Mapa 1. E definiu-se como temtica a identificao das concepes assumidas pelos professores de ensino fundamental sobre o ambiente.

    Mapa 1: A comunidade5 de Pari, municpio de Monte Alegre, estado do Par.

    Fonte: IBGE, 2006; Pesquisa de campo de R. E. da S. Sales, 2009. Organizao: Simonian, L. T. L.; Sales, R. E. da S.; Pedroso, J. da S., 2011. Execuo: Leite, T. V. S.

    No decorrer da pesquisa, verificou-se a existncia de poucos trabalhos com esta problemtica em relao Amaznia. Assim, considera-se importante uma discusso acerca das concepes que as professoras e os professores adotam sobre o assunto. E, isso porque assim se pode contribuir com a ampliao do conhecimento cientfico no sentido de se repensar a realidade local.

    A escolha do local de pesquisa se justifica por ser uma comunidade ribeirinha, prxima zona urbana de Monte Alegre. Como se depreende de Pedroso (2010a, b) e de Simonian (2006), desde um passado remoto a regio e esse municpio vem passando por um processo intenso de degradao natural a

    5 Esse um conceito polissmico, ou seja, de muitos sentidos; para uma discusso sobre o mesmo, ver Simonian (2007), dentre outros autores.

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    partir da interferncia humana. Alis, Sales (2011) tambm observou tal desdobramento no decorrer da pesquisa para sua dissertao de mestrado.

    Fez-se a pesquisa com sete professores do ensino fundamental maior6 da EEF de Pari, que atuam com as disciplinas educao fsica, cincias, geografia, artes e histria. A escola de porte pequeno, cuja estrutura fsica foi construda em alvenaria no ano de 2009. A mesma atende alunos no s da prpria vila, como tambm das localidades prximas. Em 2010, essa escola atendeu a um contingente aproximado de 260 alunos.

    Nesta escola, assim como em muitos currculos de escolas pblicas, incorporou-se o ambiente enquanto questo e essa quase sempre desenvolvida via projetos interdisciplinares. Mas, tais prticas no tm conseguido ultrapassar os muros da escola, visto que professores e alunos tm dificuldade em associar o meio ambiente ao seu cotidiano (Barreto, 2000). O que falta nesses casos perceber a dinamicidade do conceito de ambiente, como uma construo histrica e social. De acordo com Dias (2000), desde tempos mais remotos, o ser humano interfere na natureza e sobre ela criou seu espao de convivncia, seu lugar social, em outras palavras, seu ambiente.

    A pesquisa teve uma orientao interdisciplinar (Teixeira, 2004), com nfase na anlise de contedo Bardin (1977). Ao longo do texto, apresenta-se e analisa-se os dados coletados em campo. medida que so citadas as respostas dos professores consultados, procurou-se articul-las com as teorias disponveis sobre a problemtica em questo.

    Ainda, note-se que nos ltimos anos, o governo do Par criou Unidades de Conservao UC em Monte Alegre, a exemplo do Parque Estadual de Monte Alegre PEMA, da Floresta Estadual FLOTA do Paru e da Reserva Biolgica Maicuru (Par, 2011). A expectativa a de que poltica pblicas socioambientais sejam propostas e implementadas para essas reas. Tal desdobramento por certo poder contribuir para uma conservao mais efetiva dos recursos naturais, para um tratamento sustentvel quanto ao ambiente e para uma qualidade de vida adequada para os habitantes.

    A pesquisa teve como eixo norteador analisar quais as concepes que os professores do ensino fundamental da vila de Pari possuem sobre ambiente. Quanto abordagem, decidiu-se pela pesquisa qualitativa. O instrumento utilizado consistiu em um roteiro de entrevista com quatro perguntas disparadoras. Nesse tipo de metodologia, o participante estimulado a discorrer livremente sobre o problema que constitui o foco de pesquisa; caso seja necessrio, faz-se intervenes pequenas que visam reconduzir a entrevista ao seu propsito original.

    Pactuou-se o horrio das entrevistas com os participantes. Optou-se por entrevist-los sempre no horrio oposto ao seu turno de trabalho. A escolha do local, tambm foi opo dos participantes, pois alegaram que se sentiriam mais vontade para serem entrevistados no espao indicado.

    6 Precisamente, da 6. 9. srie.

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    Gravou-se as entrevistas, as quais foram transcritas e analisadas. Na anlise dos dados, utilizou-se o mtodo de anlise de contedo, conforme proposto por Bardin (1977). O mesmo consiste de um conjunto de tcnicas de anlise por meio do qual se absorve o contedo e indicadores que permitam a inferncia dos dados das mensagens captadas.

    A questo da tica fundamental em contextos de educao, de pesquisa e de produo acadmica (Arroyo, 2007; Simonian, 2005). Como garantia da tica da pesquisa, manteve-se o anonimato dos participantes. Para a codificao das falas, criou-se nomes fictcios para cada um dos professores. So esses nomes que aparecero ao longo o texto e no seus nomes de registro. O que segue uma discusso terica sobre o conceito de ambiente e sua relao com polticas pblicas; logo, aborda-se os conceitos mltiplos de ambiente; s seguir, apresenta-se resumidamente o contexto da vila Pari, o contexto da pesquisa realizada em 2009; ento, trabalha-se as evidncias levantados em campo a partir, respectivamente, de trs abordagens, ou seja, da biocntrica, da antropocntrica e da globalizante, sendo que a finalizao do paper se d a partir das consideraes finais.

    2 CONCEPO TERICA DE AMBIENTE Ao longo do processo histrico, a relao sociedade-natureza foi ressignificada medida que o

    ser humano se percebia diferenciado do meio natural. Essas transformaes contnuas se aceleram com o surgimento das cidades e a formao do sistema capitalista de produo (Dias, 2000). Tal sistema provocou a ruptura entre o humano e o natural, medida que introduziu a ideia de que o ser humano superior natureza e que essa foi criada para servir de recurso para sua sobrevivncia.

    Neste ponto, note-se que a definio de ambiente algo complexo e que no h um consenso na literatura. Alis, isso o que dentre outros autores, Pedroso (2010a) e Roncaglio (2009) assinalam. Embora essa expresso seja complexa, polissmica, mutvel no tempo e no espao, via de regra, a mesma tem sido defendida como tudo aquilo que circunscreve os seres vivos e as concepes que o ser humano possui sobre o meio natural.

    Todavia, h de ressaltar-se a importncia das polticas pblicas e dos processos histricos no contexto ambiental. Precisamente na Amaznia brasileira, as polticas e as aes pblicas dos anos ps 1970 vem sendo propostas e implementadas de modo antiambiente e anti-indgena (Simonian, 2007, 2000). Alis, conforme Simonian (2000, p. 23), [...] apesar de alguns avanos, as polticas pblicas tm sido negativas quanto sustentabilidade dos recursos naturais, eficcia econmica e aos interesses sociais. De alguma maneira, e quando efetivadas pela sociedade (setor empresarial, populaes tradicionais7 etc.), no mais das vezes essa segue tais orientaes. Assim, o desflorestamento, as

    7 Para uma abordagem crtica sobre populaes tradicionais, ver Simonian (2007).

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    queimadas, a poluio das guas e do ambiente em geral so alguns dos desdobramentos ao longo das dcadas passadas.

    Do ponto de vista ecolgico, o ambiente consiste em [...] todas as condies e fatores externos, vivos e no vivos (substncias qumicas e energia) que afetam um organismo ou outro sistema especfico durante seu tempo de vida (Miller Jnior, 2007, p. 15). Oaigen et al. (2001) caracterizam o ambiente como o conjunto de condies que envolvem e sustentam os seres vivos na biosfera e inclui clima, solo, recursos hdricos entre outros organismos vivos.

    Ainda, dentre muitos argumentos, h o de que o ambiente o resultado das aes antrpicas sobre a natureza, o que d feies sociais e culturais a esse meio (Pedrini, 2008). Como processo em construo e, tambm, como produto, embora parcial e inacabado da ao humana, tal realidade reflete a cultura de um grupo social determinado. Por sua vez, Roncaglio (2009, p. 31) entende que [...] ambiente o conjunto de meios naturais ou artificializados da ecosfera onde o ser humano se instalou, explorando-os e administrando-os, e os conjuntos dos meios no antropizados necessrios sua sobrevivncia.

    Neste sentido, o ambiente compreendido como o lugar determinado ou concebido, cujos elementos naturais e sociais esto em relaes dinmicas e em interao contnua. Inclusive, nessa direo que Reigota (2010) se posiciona. Precisamente e segundo seu entendimento, tais relaes implicam em processos de criao cultural, tecnolgica, histrica e social de transformao do meio natural que, por isso mesmo, uma construo social.

    Independente da perspectiva que se adote, o ambiente no mais das vezes visto como um conjunto de recursos dos quais o ser humano pode lanar mo para garantir sua sobrevivncia no planeta terra. Alis, sempre considerou-se sua interferncia nos ecossistemas como um procedimento natural e normal. E as sociedades sempre procuraram organizar suas relaes para com o meio com a finalidade de garantir a produo e reproduo da vida.

    Entretanto, o problema que esta interferncia foi movida, geralmente, mais por interesses econmicos. O problema, consequentemente, que a questo biolgica no sentido da garantia quanto reposio ou reproduo de recursos tem contado pouco. Desse modo, no de estranhar-se o descuido com o ambiente e as crises persistentes que a humanidade vem experimentando, enfrentando. 2.1 CONCEITOS MLTIPLOS DE AMBIENTE

    Ao longo da pesquisa sobre as concepes de um grupo professores e de professoras sobre

    ambiente, trabalhou-se enfoques ou categorias de anlise: o enfoque biocntrico, o antropocntrico e o globalizante. Uma das estratgias adotadas para interrelacionar esses trs enfoques foi a de conceituar, analisar e fundamentar criticamente sobre cada um deles. Nesses termos, assumiu-se a teoria como central no processo de discusso.

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    Ento, veja-se uma caracterizao de cada uma destas concepes. Em seu entendimento, Reigota (2010) entende que no enfoque biocntrico considera-se a natureza como um valor em si mesmo, independente do interesse humano. Portanto, o ser humano considerado como qualquer outro ser vivo.

    Pelo que Reigota (2010) ainda ensina, o enfoque antropocntrico considera a natureza como uma fonte de recursos que precisam ser explorados pelo ser humano. Ainda na sua compreenso, a viso globalizante evidencia uma postura intermediria entre o biocntrico e o antropocntrico. Nessa abordagem, h um ponto de equilbrio, uma fuso que se organiza a partir de relaes recprocas entre natureza e sociedade.

    Os dados coletados evidenciam uma diversidade de entendimentos. Assim, a parte maior dos participantes possui a concepo biocntrica (quatro professores), os demais possuem a viso antropocntrica (dois participantes) ou globalizante (um professor). Algumas frases que exemplificam essas tendncias podem ser observadas no Quadro 1.

    Quadro 1: Concepes de ambiente dos professores.

    Concepo Citaes

    Biocntrica

    Conjunto de condies, influncias e interaes de ordem fsica, qumica ou biolgica (Prof. Adriana). A natureza sinnimo de ambiente (Prof. Santos). Os vegetais, os animais, as plantas, os peixes, o rio. o meio natural (Prof. Lara). Espao fsico em que se vive (Prof. Rocha).

    Antropocntrica

    Ambiente o espao que se vive e dele retiramos tudo o que precisamos pra viver (Prof. Margarida). todo local que ocupamos pra viver. Pode ser uma rua, a praa, a escola, o campo (Prof. Roseane).

    Globalizante

    o local onde deve haver o equilbrio entre a natureza e tudo que o ser humano realiza (Prof. Sidna). Se a gente quebra esse equilbrio com a natureza tudo se desorganiza (Prof. Sidna). A natureza se acabando, o [ser humano] tambm vai desaparecer (Prof. Sidna).

    Fonte: Pesquisa, 2010.

    Como percebe-se a partir do Quadro 1, ainda predominam as concepes de ambiente dissociado do ser humano, no qual s existe a natureza que h de ser respeitada e preservada. Como posto por Diegues (1994), a concepo biocntrica d origem ao mito da natureza intocada, que precisa ser mantida perenemente para contemplao humana. As concepes antropocntrica e globalizante representam a minoria dos entrevistados, mas j esto presentes em muitos discursos dos professores.

    Como assinalado anteriormente, o conceito de ambiente no nico e nem universalmente aceito. As discusses de Reigota (2010) demonstram bem isso. Mais: para esse autor, o significado acerca

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    de tal realidade no somente cientfico, mas constitui-se no resultado das representaes sociais diferentes que cada indivduo possui.

    O termo ambiente tem sido usado para indicar um espao em que um ser vive e se desenvolve, com troca de energia e interaes. Nesse contexto, os seres vivos so transformados e transformam o seu meio, o que revela a dialeticidade das relaes ali estabelecidas. No caso dos seres humanos, ao espao fsico e biolgico, soma-se o espao sociocultural. E com a interao envolvendo os elementos do seu ambiente, a humanidade provoca modificaes que se transformam com o passar do tempo.

    Por sua vez, ao transformar o ambiente, os seres humanos tambm mudam sua prpria concepo a respeito da natureza e do meio em que vivem. Essa uma problemtica que vem sendo trabalhada interdisciplinarmente (Simonian, 2007). Mas muito h que se avanar quanto produo cientfica a respeito, principalmente, porque os humanos so insaciveis quanto ao uso dos recursos naturais existentes no ambiente em que vivem, sem uma preocupao efetiva quanto ao devir

    .

    3 A VILA DE PARI NO CONTEXTO DO MUNICPIO DE MONTE ALEGRE, PAR

    Pari uma vila do municpio de Monte Alegre e da parte baixa do rio Amazonas (Figuras 2-3), com uma ocupao humana antiga. Conforme levantamento feito in locus por Simonian (2001), ali os indgenas viviam quando da chegada dos europeus. Alis, o municpio como um todo pleno em evidncias arqueolgicas.

    Figura 2: Vista area da cidade de Monte Alegre, PA.

    Fonte: Google, 2011.

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    Figura 3: Vista area da vila Pari.

    Fonte: Google, 2011.

    No perodo colonial e imperial, as foras politicoeconmicas submeteram esta mesma vila e sua populao ao capitalismo mercantil. Assim, como documentado por Ferreira (1908, apud Simonian, 2006), durante o sculo XVIII, ali participou-se do processo de produo de cuias (Crescentia cujete L. BIGNONIACEAS), de cermica e de outros bens comercializados e valorizados poca. E, reduziu-se drasticamente a populao indgena local, isso para no se falar em genocdio ou em etnocdio.

    Na passagem do sculo XIX para o sculo XX, Pari floresceu economicamente. Dentre os produtos de destaque, havia charque ou carne seca, lenha para combustvel dos navios, produtos que eram exportados pelo porto local (Pari, 2009). provvel que ali os moradores tambm tenham se integrado ao processo de produo de balata, principalmente a partir do rio Maicuru, o qual, segundo Simonian (2006), se estendeu at os anos de 1970.

    Recentemente, Pari se consolidou como uma vila dinmica. E conta com certa infraestrutura (Figura 4). Ainda, segundo Pari (2009, no paginado), tem um [...] povo hospitaleiro, com vocao para o turismo, apresentando para os visitantes: stios arqueolgicos com fragmentos de utenslios indgenas [...], balnerio no rio Gurupatuba, artesanatos como cuias, esteiras [de palha] cordas de lao, alm dos [...] pratos tpicos [deliciosos]. Tambm, um festival (Figura 5) e a festa religiosa principal (Figuras 6-7) tm cativado os turistas, em especial, da regio mais prxima, e ainda os seguidores da Igreja Catlica Apostlica Romana ICAR.

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    Figura 4: EEF de Pari em fase final de construo.

    Fonte: Vila, 2009.

    Figura 5: Cartaz do Festival da Mandioca de 2012.

    Fonte: Festival, 2012.

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    Figura 6-7: Aspectos da Festa de Santa Maria; maio de 2011.

    Fonte: Fotos de Pedro dipo (Festejos, 2011.

    Pelo que se percebeu a partir das entrevistas, a populao de Pari tem ultimamente apostado na educao. A construo recente de prdio para a EEF local foi resultado de suas demandas. E, pelo que se pde observar, as polticas pblicas no mbito socioeconmico do Estado brasileiro esto contribuindo para a melhoria das condies de vida dos residentes dessa vila. 4 ANLISE DO MATERIAL DE CAMPO SEGUNDO A CONCEPO BIOCNTRICA

    O enfoque biocntrico consiste em uma perspectiva segundo a qual todas as possibilidades de

    vida so igualmente importantes. Assim, no a humanidade o centro da existncia. Na concepo de Castro (2009), o biocentrismo preocupa-se com a vida em todas as possibilidades existentes: vegetal, animal, nesse caso, humana e no humana.

    Em certa medida, os argumentos do biocentrismo surgido em meados do sculo XIX receberam muita influncia do determinismo e do evolucionismo de Darwin. Em sua concepo excessivamente naturalista, a anlise biocntrica tambm sugere que a natureza s estar livre dos prejuzos causados pelo ser humano. Especialmente, quando houver uma reduo das aes humanas sobre o meio, bem como uma reduo no prprio crescimento populacional mundial.

    Tambm, este enfoque concebido por Dias (2000), Reigota (2010) e Rezler (2008) como viso naturalista considera o ambiente como sinnimo de natureza, onde os elementos da primeira natureza ou natureza intocada tm importncia maior. Nessa direo, o ser humano e sua posio no ambiente so quase desconsiderados. Assim, a concepo de ambiente como natureza original e intocada predomina sobre a segunda natureza ou artificial, construda a partir das relaes do ser humano com a natureza.

    Os dados da pesquisa demonstraram que muitos professores concebem o ambiente de modo romntico, ingnuo. Acreditam que a natureza humana intrinsecamente boa e no percebem que o ser

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    humano possui necessidades que precisam ser atendidas a partir do contato com seu meio. Dentre elas, tem-se as de natureza social, econmica, cultural, poltica, estticas etc.

    Segundo depoimentos de alguns professores A natureza o ambiente propriamente dito e sem ele a gente no vive. Todas as plantas, os peixes, os animais e tudo quanto bicho de maneira geral (Prof. Santos). Temos o solo, o clima, o ar, os nutrientes e os outros organismos. Tem tambm os animais, os peixes, as rvores que andam ameaadas devido a devastao florestal, muita coisa que faz parte do ambiente [...] (Prof. Lara).

    Tais relatos demonstram que o ambiente sinnimo de natureza. Essa uma maneira reducionista de conceb-la, pois desconsidera o ser humano e suas aes na transformao do espao. Tambm, uma percepo esttica do ambiente cuja nfase est nos demais seres vivos, como rvores e animais. O ser humano quando lembrado recebe a culpa por sua interveno predatria sobre o meio.

    Na perspectiva biocntrica, o ambiente consiste no conjunto de condies que envolvem e sustentam os todos os seres vivos indistintamente no interior da biosfera. O mesmo inclui elementos como o clima, recursos hdricos e outros organismos. Portanto e conforme Rezler (2008), o somatrio das condies que atuam sobre tais organismos.

    A partir de uma leitura crtica da produo acadmica especializada, em particular de Brasil (1998) e de Dias (2000), o que se nota que as pessoas no so intrinsecamente boas nem ms. De fato, elas so capazes tanto de gestos construtivos de efeito e de generosidade quanto de egosmo e de destruio. No entanto, a sociedade humana pode ser vivel, mas quando o comportamento das pessoas se pauta pela tica.

    Em Pari, h professores que concebem o ambiente como natureza, com o ser humano dissociado. Nessa perspectiva, esse ser dependente da natureza para sua prpria sobrevivncia. Em parte do que se ouviu em campo durante as entrevistas, o ser humano aparece como algum que destroi e polui, mas que tem, simultaneamente, a obrigao de preservar a natureza.

    Em outros relatos, os professores desta mesma vila apresentam informaes sobre quais elementos formam o ambiente, porm sem articulao entre si.

    O ambiente composto por uma grande diversidade de espcies animais e vegetais, gua, microorganismos etc. H um grande aglomerado de vida em cada ecossistema dentro desse grandioso planeta terra. Tambm entendo o ambiente onde os seres biticos e abiticos (Prof. Rocha). Ambiente o conjunto de condies, leis, influncias e interaes de ordem fsica, qumica ou biolgica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (Prof. Adriana).

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    Tais professores afirmam que o ambiente formado por fatores biticos precisamente, plantas e animais e abiticos a saber, gua, solo, vento, nuvens, porm sem uma ntida interrelao entre esses elementos. Tais aspectos so admitidos como paisagens que ho de ser contempladas, admiradas e no como recursos que podem ser utilizados pelo ser humano. Tambm, no percebem que a trama ecolgica s se realiza com a interao entre esses elementos e entre eles e o ser humano.

    As concepes de ambiente tm que superar as lacunas entre o ser humano e o meio natural. Alis, esse o entendimento de Bergmann e Pedrozo (2007), o qual aponta para a importncia de se reconhecer os vnculos entre a diversidade biolgica e cultural. Sob esse ponto de vista, o ambiente formado pelos elementos que ainda esto como a natureza os fez, isso , no sofreram a interveno humana.

    No pensamento de mito de natureza intocada, as aes antrpicas seriam prejudiciais ao ambiente, que tambm percebido como sinnimo de natureza. A seguir, tem-se algumas entrevistas que exemplificam a concepo de ambiente com a ausncia da ao humana.

    O ambiente a natureza que vem a cada dia que passa sendo destruda indistintamente pelos homens inclusive at aqui na nossa comunidade. Muito dos nossos alunos j trazem de casa essa ideia de que o ambiente a natureza e precisa ser cuidada (Prof. Santos).

    Assim, verifica-se que o ambiente encarado como objeto e no como relao. O ambiente um produto onde se excluem as relaes sejam elas com os demais elementos da natureza ou com os seres humanos.

    Outras entrevistas confirmam esta concepo quando afirmam que o ser humano est dissociado do ambiente.

    O ser humano no faz parte do ambiente no. Ele, na verdade, o principal destruidor do ambiente. Se o [ser humano] tivesse um pouco mais de juzo a natureza ainda estava preservada, mas isso no acontece e tudo acaba sendo destrudo (Prof. Rocha). O ser humano no faz parte do ambiente quando ele deixa a natureza viver, ele no destri o ambiente, quando ele no polui. Esse o que seria o certo, ns aqui e o ambiente l. Mas, quando o ser humano faz parte do ambiente a desgraa tudo, ele destri, devasta, usa o ambiente de modo indiscriminado (Prof. Lara).

    A crtica a essa maneira de pensar o ambiente est no fato de que no existe uma natureza intocada pelos seres humanos. Precisamente, porque a espcie humana faz parte da trama da vida no planeta terra e habita e interage com os ecossistemas mais diferentes, a saber, h milhes de anos a pensar-se nos homindeos; ou h cerca de 100 mil anos, a considerar-se o Homo sapiens.

    a partir do biocentrismo que surge a perspectiva preservacionista do ambiente. Como abordado em Brasil (1998) e no contexto dos Parmetros Curriculares Nacionais PCN, a preservao consiste na ao de proteger contra a destruio e qualquer modalidade de dano ou degradao de um ecossistema, isso por meio de medidas preventivas ou de vigilncia adequada. Em outras palavras, preservar implica no princpio da intocabilidade: no usar ou no permitir qualquer interveno humana significativa.

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    Na abordagem biocntrica, a ideia subjacente que, mesmo que os ecossistemas fossem totalmente antropizados, haveria de existir espaos do mundo ainda com suas caractersticas naturais em estado primitivo, anterior interveno humana. Mas, para que isso pudesse acontecer seria necessrio extinguir o ser humano do contato com certas reas naturais. S desse modo se garantiria que a natureza fosse efetivamente protegida. Seria mantida uma natureza virgem e intocada, essa a ideia que sustenta a criao de rea protegidas como os parques ecolgicos. Nesse refgio, a natureza seria admirada, protegida e reverenciada quase como se fosse uma divindade ou um ser espiritual.

    Por meio das entrevistas com os professores, pode-se perceber esta viso romntica de natureza. Inclusive, a partir dos relatos coletados h aqueles que admitem que deus criou o ambiente para contemplao. Nesses termos, forja-se o conceito de natureza passiva, cuja finalidade seria a apreciao esttica da vida selvagem, como uma espcie de sacralizao da mesma.

    Em tese, este pensamento reproduziria o mito do paraso perdido, lugar desejado e procurado pelo ser humano depois de [...] sua expulso do den (Diegues, 1994, p. 11). Visto como mito moderno da natureza intocada, o conceito de ambiente consistiria apenas em um recorte ecolgico. Ele seria sinnimo de natureza, representado pelos ecossistemas e pela diversidade biolgica.

    5 ANLISE DO MATERIAL DE CAMPO SEGUNDO A CONCEPO ANTROPOCNTRICA

    Em sua acepo clssica, o antropocntrico implica em uma abordagem que faz do ser humano

    o centro de um determinado universo em cuja rbita os demais seres gravitam, em papel meramente subalterno e condicionado. a considerao do ser humano como eixo principal de um sistema determinado, ou ainda, do mundo conhecido (Roncaglio, 2009). Em ltima anlise, mesmo que se considere centro, o ser humano distancia-se dos demais seres e, de certa maneira, porta-se diante deles em atitude de superioridade absoluta, abertamente antagnica8.

    A concepo ambiental antropocntrica se refere ao entendimento do ser humano como elemento central que se utiliza da natureza para melhorar sua qualidade de vida. Em outras palavras, tudo no universo precisa ser avaliado em sua relao com o ser humano. No entendimento de Bezerra e Gonalves (2007), esse enfoque que d origem abordagem conservacionista.

    Dentre os relatos principais, tem-se:

    O ambiente o espao que se vive e dele retiramos tudo o que precisamos pra viver (Prof. Margarida).

    8 Surgem assim as relaes de dominador x dominado e de razo x matria; a respeito, ver Marx (1990, 1977, n. d.).

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    O ambiente todo local que ocupamos pra viver. Pode ser uma rua, a praa, a escola, o campo, enfim tudo que tem uma utilidade pro [ser humano] (Prof. Roseane).

    O enfoque antropocntrico funda-se na concepo de superioridade da humanidade, traz em si o trao da segregao, e serve de substrato ao dominadora do ser humano sobre os outros seres vivos. Como reduz a natureza a um elemento a ser usado, o sistema utilitarista se aproveita da diversidade entre as espcies para justificar, nas suas diferenas, a explorao humana sobre os outros seres vivos. Assim, a natureza e os animais deixam de ter um valor em si, transformando-os em recursos a serem expropriados.

    Nas entrevistas que incluem o ser humano nas suas respostas, esse ser enquadrado como um ponto dissonante do ambiente, isto , como responsvel apenas pela destruio da natureza. Em outro relato, uma entrevistada destaca que o ambiente tem que servir de recurso explorao e dominao humana:

    O enfoque antropocntrico funda-se na concepo de superioridade da humanidade, traz em si o trao da segregao, e serve de substrato ao dominadora do ser humano sobre os outros seres vivos. O ambiente de onde vem os recursos pra gente viver. Eu vejo assim: da natureza vem as matrias-primas, as riquezas minerais, os produtos pra gente comer e, em alguns casos, d at pra vender (Prof. Margarida).

    A concepo antropocntrica privilegia a utilidade dos recursos naturais para a sobrevivncia do ser humano. Para os PCN (1998), essa corrente considera os elementos produzidos ou transformados pela ao humana, que pode se chamar de elementos construdos do ambiente. Nessa categoria de elementos, citam-se as matrias-primas processadas, objetos de uso cotidiano, construes ou cultivos.

    Em determinados sistemas prevalecem os elementos adaptados pela sociedade humana, como cidades e reas industriais, praias urbanizadas, plantaes, dentre outros exemplos mencionados nas entrevistas. Segundo Leff (2009), esse enfoque se destaca pela presena de aes antrpicas. O mesmo autor define as aes antrpicas como toda ao provinda dos seres humanos. As consequncias dessas aes podem incluir fatores de dinmica populacional, uso e ocupao do solo, a produo cultural e tambm as aes de proteo e recuperao de reas degradadas.

    Em outra entrevista, a professora utiliza-se de argumentos de que o ser humano pode aproveitar de maneira mais eficiente e racional a natureza.

    Eu penso que o ambiente foi criado para o aproveitamento do [ser humano]. Ele tem tudo que a gente precisa pra viver bem. Todas as riquezas vem da natureza. S que ns no estamos sabendo aproveitar bem elas. A natureza por si s muito devagar pra se recuperar, ai que entra o [ser humano] pra usar ela de forma racional e eficiente. Hoje se fala muito em manejo. Eu penso que manejo tirar da natureza tudo que se precisa sem devast-la totalmente. Temos que saber usar se no ela se acaba. Outra coisa que as pessoas tem que ter conscincia e evitar o desperdcio [...] (Prof. Roseane).

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    Nessa concepo, a natureza frequentemente lenta e os processos de manejo podem torn-la eficiente. A mesma est ancorada em trs princpios: uso de recursos naturais para a gerao presente, a preveno do desperdcio e o uso dos recursos naturais para benefcio da maioria das pessoas.

    Uma das principais crticas ao pensamento antropocntrico sua tentativa de conciliar a dominao capitalista com a manuteno e a utilizao (desigual) dos recursos do planeta. Conforme Dias (2000), essa concepo representa uma defesa do sistema de crescimento capitalista, responsvel principal pela crise ambiental mundial. A ideia de crescimento econmico proposta pelo sistema politicoeconmico atual traz consigo uma quantidade significativa de impactos ambientais que no so contabilizados, como o aumento da pobreza, da violncia, da precariedade da sade pblica, do desemprego, entre outros aspectos sociais.

    A crtica de Reigota (2010) sobre tal concepo que os impactos ambientais no incluem somente o extermnio da natureza, mas incluem tambm a degradao da sociedade humana. No seu entender, o antropocentrismo considera o ambiente um monlogo. Em outras palavras, a natureza passiva e, frequentemente, s ficam evidentes as concepes sobre o ser humano. Inversamente da perspectiva biocntrica, aqui se esquece de um dos elementos, s que nesse caso no o ser humano, mas a natureza que no lembrada. 6 ANLISE DO MATERIAL DE CAMPO SEGUNDO A CONCEPO GLOBALIZANTE

    A concepo globalizante demonstra que o ambiente muito mais do que os ambientes naturais

    que se costuma imaginar e que permite ter uma viso que considere as relaes recprocas entre natureza e sociedade (Reigota, 2010). Essa concepo considera ambiente a natureza, o ser humano e suas aes. E argumenta que o conceito de ambiente h de ser dialgico e envolver tanto a natureza como o ser humano, em um processo conflitivo de interrelao.

    Dias (2000) argumenta que o ambiente globalizante composto por um ambiente natural composto pela flora, ar, gua, solo e fauna; ambiente artificial pelos espaos; ambiente cultural que so as obras de arte e demais elementos formadores de uma cultura e, finalmente, por um ambiente do trabalho. A viso globalizante evidencia as relaes recprocas entre a natureza e a sociedade. Concebe o mundo como um todo integrado e no como uma coleo de partes dissociadas.

    Este enfoque implica em uso apropriado do ambiente dentro dos limites capazes de manter sua qualidade e seu equilbrio em nveis aceitveis. E somente uma professora indicou em sua resposta a concepo globalizante:

    Eu penso que seja assim: o ambiente o local da sobrevivncia humana, mas pra ns sobrevivermos tem que existir um equilbrio entre os animais, as plantas e aquilo que o ser humano realiza. Se a gente quebra esse equilbrio com a natureza tudo se desorganiza. A natureza se acabando o [ser humano] tambm vai desaparecer. Esse equilbrio vital para manter tanto a sociedade como a natureza funcionando [...] (Prof. Sidna).

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    A partir desse depoimento possvel interpretar que h implcito nele um equilbrio ecolgico, ou seja, ecolgico no no sentido de meio natural, mas de manuteno da vida natural, o que inclui a humana.

    O ambiente caracterizado como as relaes entre a natureza e a sociedade. Engloba aspectos naturais polticos, sociais, econmicos, filosficos e culturais. O ser humano compreendido como ser social que vive em comunidade. Em outro relato, a professora ressalta a interao entre os aspectos diversos que compem o ambiente:

    Para mim, o ambiente o contexto onde esto inseridos todos os elementos da natureza: pode ser seres vivos, minerais, rios e at mesmo ruas e casas constituem esse ambiente. E neste sistema ocorre a todo o momento interaes entre seus diferentes elementos (Prof. Sidna).

    Essa representao evidencia as relaes recprocas entre natureza e sociedade. Caracteriza-se por destacar as interaes complexas entre os aspectos sociais e naturais, como tambm os aspectos, polticos, econmicos, filosficos e culturais. O ser humano compreendido enquanto ser social que vive em comunidades.

    Na perspectiva de Diegues (1994), a concepo globalizante se fundamenta em trs princpios: a) Na de que o ser humano e o ambiente que o cerca ao mesmo tempo seu processo e seu

    produto. V o ambiente sob a perspectiva holstica: ao mesmo tempo meio (natureza) e ambiente (natureza transformada pela ao humana, segunda natureza).

    b) Considera a natureza como parte da histria humana. No se trata de voltar atrs para reencontrar uma harmonia perdida, como no biocentrismo. A natureza sempre histrica e a histria sempre natural. Ento, o problema que se coloca hoje encontrar o estado da natureza conforme a situao histrica atual.

    c) A coletividade e no o indivduo se relaciona com a natureza. A sociedade junto com a natureza compe o ambiente, consequentemente, a sociedade produto do mundo natural por um trabalho de interveno constante. O ambiente , portanto, ao mesmo tempo processo e produto embora esse inacabado, de um processo dialtico entre sociedade e natureza.

    Por sua vez, para Reigota (2010), a representao globalizante mostra as interaes entre os aspectos sociais e naturais, no h nenhuma aproximao ao significado do termo globalizao. Pode ser chamada de sistmica, numa perspectiva de relao/interao, dependncia/equilbrio, incluso/globalidade e responsabilidade. Para tanto, a sociedade precisa gerir, ou seja, ordenar e reordenar constantemente sua relao com o mundo natural.

    Em mais outro trecho de sua entrevista, a professora responsabiliza o ser humano pela gesto dos recursos naturais, como forma de garantir sua prpria sobrevivncia.

    O ser humano o responsvel pela manuteno da natureza. Caso no faamos isso tudo vai se acabar. H um equilbrio entre tudo que fazemos, a natureza e o meio em que vivemos. Se esse equilbrio for rompido, ento no s a natureza sofrer as

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    consequncias, mas ns tambm estaremos com nosso futuro comprometido. So poucos os que pensam assim, infelizmente [...]. Outra questo sobre as atividades que so desenvolvidas na escola em torno do tema ambiente. Muitos ainda pensam que o ambiente s a natureza, e isso um erro. Temos que saber que tambm as pessoas esto envolvidas nisso. uma pena que muitos colegas professores no saibam definir corretamente o que o ambiente [...] (Prof. Sidna).

    Dias (2000) argumenta que tal compreenso uma realidade distante das escolas e dos professores brasileiros. Um dos fatores que leva a esse fato a impossibilidade de boa parte dos professores de incorporarem espontaneamente questes que perfazem a totalidade do problema.

    Ainda, h uma crtica ao modelo de currculo e na formao dos professores, onde um nmero significativo de cursos superiores fragmenta o assunto, ora com predominncia do elemento natural, ora com predominncia do elemento humano. No entender de Roncaglio (2009), a concepo globalizante muito mais do que os valores do biocentrismo ou do antropocentrismo. Ela consiste em uma luta que se pauta na importncia da equidade, da diversidade, da democracia e da sustentabilidade, em respeito cultura e ao direito tanto das populaes tradicionais como dos habitantes dos centros urbanos de porte grande.

    Neste enfoque, verifica-se a interao complexa de configuraes biofsicas, econmicas, sociais, polticas, filosficas e culturais. No mesmo, reivindica-se o direito coletivo natureza. Isso por intermdio do acesso e da utilizao dos recursos, em respeito aos saberes locais, na superao de uma ordem excludente, em respeito ao ambiente e diversidade cultural.

    7 CONCLUSES

    A partir da teoria sobre o ambiente e as relaes que com o mesmo os seres humanos

    estabelecem, construiu-se no decorrer da pesquisa e anlise das entrevistas trs concepes de ambiente: biocntrica, antropocntrica e globalizante. Encontrou-se, a concepo biocntrica nas entrevistas com as professoras e os professores da rea de cincias naturais ou reas afins. Tal concepo de ambiente se explica, em parte, a partir do cenrio geogrfico em que vivem os participantes da pesquisa, uma comunidade ribeirinha onde os elementos mencionados so os que ficam mais evidentes na percepo dessas pessoas.

    Os que tm formao na rea de letras e artes conceberam ambiente pelo enfoque antropocntrico. Os que pensam ambiente na concepo globalizante so as professoras e os professores da rea cincias humanas e desvinculam o conceito de ambiente da viso tradicional biocntrica. Para superar a dificuldade que as professoras e os professores possuem em conceber o ambiente, sugere-se incorporar no cotidiano da escola, via projetos interdisciplinares, atividades e experincias prticas da realidade do local, bem como questionar o conceito de ser humano e as concepes de natureza arraigada na prpria existncia.

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    As atividades prticas em ambiente tm, portanto, um potencial enorme para a construo dos valores que suporta tal conceito, como foi o caso da pesquisa realizada com os professores da EEF de Pari. Esse conceito precisa ser ressignificado, pois h de incluir-se a dimenso humana. E isso para que se possa perceb-lo de modo apropriado e, a partir disso, construir uma modalidade nova de educao, qual seja, uma educao ambiental, no sentido pleno do termo.

    Pode-se afirmar, com base na experincia e na reflexo, que uma atividade que envolve uma concepo sobre o ambiente contm em si o potencial de educar. Mas, isso se o significado de tal concepo for compreendido pelos participantes. Assim, conceber o ambiente na contemporaneidade significa entrar em contato com um mundo que alm de complexo tem sua existncia negada e sacrificada no cotidiano. REFERNCIAS ARROYO, M. G. Conhecimento, tica, educao, pesquisa. Revista E-Curriculum, So Paulo, PUC, v. 2, n. 2, p. 1-24, 2007. Disponvel em: . Acesso em: 22 nov. 2009. BARDIN, L. Anlise de contedo. Trad. Lus Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edies 70, 1977. BARRETTO, E. S. de S. (Org). Os currculos do ensino fundamental para as escolas brasileiras. 2. ed. Campinas, So Paulo: Autores Associados, 2000. BERGMANN, M; PEDROZO, C. S. Percepo ambiental de estudantes e professores do municpio de Giru, RS. Revista Eletrnica do Mestrado em Educao Ambiental, v. 19, p. 139-156, 2007. Disponvel em: . Acesso em: 22 nov. 2009 BEZERRA, T. M. O; GONALVES, A. A. C. Concepes de ambiente e educao ambiental por professores da Escola Agrotcnica Federal de Vitria de Santo Anto, PE. Recife: UFRPE, 2007. BRASIL. Secretaria de Educao Fundamental. Parmetros Curriculares Nacionais: ambiente e sade. Braslia, 1998. CASTRO, A. M. Antropocentrismo, biocentrismo e direitos dos animais. Salvador: Instituto Abolicionismo Animal, 2009. DIAS, G. F. Educao ambiental: princpios e prticas. 7 ed. So Paulo: Gaia, 2000. DIEGUES, A. C. S. A. O mito moderno da natureza intocada. So Paulo: NUPAUB, 1994.

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