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Emergência SETEMBRO / 2012 44 ARTIGO Afogamento: tragédia sem atenção e acordo com a OMS (Organi- zação Mundial da Saúde), 0,7% de todas as mortes em todo o D mundo - ou mais de 500 mil mortes a cada ano - são devido a afogamento não intencional. Como alguns casos de óbi- tos não são classificados como afoga- mento pela CID (Classificação Interna- cional de Doenças), este número subes- tima os números reais, mesmo para paí- ses de alta renda, e não inclui afogamen- tos que ocorrem como resultado de inundações, tsunamis e acidentes de na- vegação. Afogamento é a principal causa de morte no mundo entre meninos de cin- co a 14 anos de idade. Nos Estados Uni- dos, afogamento é a segunda causa de morte por trauma entre crianças de um a quatro anos de idade, com uma taxa de mortalidade de três por 100.000, e, em alguns países, como Tailândia, o ín- dice de mortalidade na faixa de dois anos de idade é de 107 por 100.000. Em mui- tos países na África e na América Cen- tral, a incidência de afogamentos é dez a 20 vezes maior do que a incidência nos Estados Unidos. Fatores de risco para o afogamento são o sexo masculino, idade inferior a 14 anos, uso de álcool, baixa renda familiar, baixo nível educacional, residência rural, maior exposição ao meio aquático, comportamento de risco e falta de supervisão. Para as pessoas com epilepsia, o risco de afogamento é de 15 a 19 vezes maior que o risco para aqueles que não têm epilepsia. O risco de morte por exposi- ção ao afogamento quando comparado ao acidente de trânsito é 200 vezes mai- or. O custo dos afogamentos na orla es- tão orçados em mais de 273 milhões dó- lares por ano nos Estados Unidos e mais de 228 milhões dólares por ano no Bra- sil. Para cada pessoa que morre de afoga- mento, quatro pessoas recebem atendi- mento no departamento de emergência. DEFINIÇÃO E TERMINOLOGIA De acordo com a nova definição ado- tada pela OMS em 2002, “afogamento é a dificuldade respiratória (aspiração de líquido) durante o processo de imersão ou submersão em líquido”. A dificulda- de respiratória inicia quando o líquido entra em contato com as vias aéreas da pessoa em imersão (salpicos de água na face) ou por submersão (abaixo da su- perfície do líquido). Se a pessoa é resgatada, o processo de afogamento é interrompido, o que é denominado um afogamento não fatal. Se a pessoa morre como resultado de afogamento, isto é denominado um afo- gamento fatal. Qualquer incidente de submersão ou imersão sem evidência de GRAER JOINVILLE/SC Afogamento: tragédia sem atenção David Szpilman – chefe do CTI do Hospital Municipal Miguel Couto, no Rio de Janeiro, diretor-médico e fundador da Sobrasa (Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático). [email protected] Anthony Handley – médico e responsável pelos protocolos euro- peus de ressuscitação e Suporte Básico de Vida. Joost Bierens – médico e editor-chefe do Livro Mundial sobre afogamento. James Orlowski – médico e chefe do Departamento de Medicina Intensiva em Pediatria da Universidade do Sul da Flórida. Artigo traduzido e resumido do original publicado em 26 de maio de 2012, na revista médica “New England Journal of MedicineReferência: Szpilman D, Bierens JJLM, Handley AJ, Orlowski JP. Drowning: Current Concepts. N Engl J Med 2012; 366:2102-10. David Szpilman, diretor-médico e fundador da Sobrasa (Socieda- de Brasileira de Salvamento Aquático), escreveu o artigo original a convite da revista médica NEJM (New England Journal of Medicine), uma das mais prestigiadas e rigorosas na publicação de artigos científicos em todo mundo, com três dos mais notórios especialistas internacionais na área de afogamento: o inglês Dr. Anthony Handley (responsável pelos protocolos europeus de ressuscitação e Suporte Básico de Vida), o holandês Joost Bierens, editor-chefe do Livro Mundial sobre Afogamento, e o americano James Orlowski, chefe do Departamento de Medicina Intensiva em Pediatria da Universidade do Sul da Flórida. A tradução é de Waltecir Lopes, membro do Conselho da Sobrasa e diretor da GESBRASIL - Grupo de Ensino em Saúde e professor dos cursos de pós-graduação da Universidade Gama Filho. www.waltecirlo- pes.com.br. Referências: consulte o artigo original no http:// www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJMra1013317. Artigo de médico brasileiro no New England Journal of Medicine revela números alarmantes e ressalta práticas de salvamento importantes Artigo de médico brasileiro no New England Journal of Medicine revela números alarmantes e ressalta práticas de salvamento importantes

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Emergência SETEMBRO / 201244

ARTIGO

Afogamento: tragédia sem atenção

e acordo com a OMS (Organi-zação Mundial da Saúde), 0,7%de todas as mortes em todo oD

mundo - ou mais de 500 mil mortes acada ano - são devido a afogamento nãointencional. Como alguns casos de óbi-

tos não são classificados como afoga-mento pela CID (Classificação Interna-cional de Doenças), este número subes-tima os números reais, mesmo para paí-ses de alta renda, e não inclui afogamen-tos que ocorrem como resultado deinundações, tsunamis e acidentes de na-vegação.

Afogamento é a principal causa demorte no mundo entre meninos de cin-co a 14 anos de idade. Nos Estados Uni-dos, afogamento é a segunda causa demorte por trauma entre crianças de uma quatro anos de idade, com uma taxade mortalidade de três por 100.000, e,em alguns países, como Tailândia, o ín-dice de mortalidade na faixa de dois anosde idade é de 107 por 100.000. Em mui-tos países na África e na América Cen-tral, a incidência de afogamentos é deza 20 vezes maior do que a incidência nosEstados Unidos. Fatores de risco para oafogamento são o sexo masculino, idadeinferior a 14 anos, uso de álcool, baixarenda familiar, baixo nível educacional,residência rural, maior exposição aomeio aquático, comportamento de riscoe falta de supervisão.

Para as pessoas com epilepsia, o riscode afogamento é de 15 a 19 vezes maior

que o risco para aqueles que não têmepilepsia. O risco de morte por exposi-ção ao afogamento quando comparadoao acidente de trânsito é 200 vezes mai-or. O custo dos afogamentos na orla es-tão orçados em mais de 273 milhões dó-lares por ano nos Estados Unidos e maisde 228 milhões dólares por ano no Bra-sil. Para cada pessoa que morre de afoga-mento, quatro pessoas recebem atendi-mento no departamento de emergência.

DEFINIÇÃO E TERMINOLOGIADe acordo com a nova definição ado-

tada pela OMS em 2002, “afogamentoé a dificuldade respiratória (aspiração delíquido) durante o processo de imersãoou submersão em líquido”. A dificulda-de respiratória inicia quando o líquidoentra em contato com as vias aéreas dapessoa em imersão (salpicos de água naface) ou por submersão (abaixo da su-perfície do líquido).

Se a pessoa é resgatada, o processode afogamento é interrompido, o que édenominado um afogamento não fatal.Se a pessoa morre como resultado deafogamento, isto é denominado um afo-gamento fatal. Qualquer incidente desubmersão ou imersão sem evidência de

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Afogamento: tragédia sem atenção

David Szpilman – chefe do CTI do Hospital Municipal MiguelCouto, no Rio de Janeiro, diretor-médico e fundador da Sobrasa(Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático)[email protected]

Anthony Handley – médico e responsável pelos protocolos euro-peus de ressuscitação e Suporte Básico de Vida.

Joost Bierens – médico e editor-chefe do Livro Mundial sobreafogamento.

James Orlowski – médico e chefe do Departamento de MedicinaIntensiva em Pediatria da Universidade do Sul da Flórida.

Artigo traduzido e resumido do original publicado em 26 de maiode 2012, na revista médica “New England Journal of Medicine”Referência: Szpilman D, Bierens JJLM, Handley AJ, Orlowski JP.Drowning: Current Concepts. N Engl J Med 2012; 366:2102-10.David Szpilman, diretor-médico e fundador da Sobrasa (Socieda-de Brasileira de Salvamento Aquático), escreveu o artigo originala convite da revista médica NEJM (New England Journal ofMedicine), uma das mais prestigiadas e rigorosas na publicaçãode artigos científicos em todo mundo, com três dos mais notóriosespecialistas internacionais na área de afogamento: o inglês Dr.Anthony Handley (responsável pelos protocolos europeus deressuscitação e Suporte Básico de Vida), o holandês Joost Bierens,editor-chefe do Livro Mundial sobre Afogamento, e o americanoJames Orlowski, chefe do Departamento de Medicina Intensivaem Pediatria da Universidade do Sul da Flórida. A tradução é deWaltecir Lopes, membro do Conselho da Sobrasa e diretor daGESBRASIL - Grupo de Ensino em Saúde e professor dos cursosde pós-graduação da Universidade Gama Filho. www.waltecirlo-pes.com.br. Referências: consulte o artigo original no http://www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJMra1013317.

◗Artigo de médico brasileiro no New EnglandJournal of Medicine revela números alarmantese ressalta práticas de salvamento importantes

◗Artigo de médico brasileiro no New EnglandJournal of Medicine revela números alarmantese ressalta práticas de salvamento importantes

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insuficiência respiratória deve ser con-siderado um resgate na água e não umafogamento.

Termos como “quase afogamento”,“afogamento seco ou molhado”, “afo-gamento secundário”, “afogamento ati-vo e passivo” e “afogamento secundá-rio” são obsoletos e devem ser evitados.

FISIOPATOLOGIADE AFOGAMENTOQuando uma pessoa que está se afo-

gando não pode mais manter as viasaéreas livres de líquido, a água que entrana boca é voluntariamente cuspida ouengolida. A resposta consciente imedi-ata é tentar segurar a respiração, mas estatem a duração de não mais do que umminuto. Quando então a vontade de res-pirar é demasiadamente forte, uma cer-ta quantidade de água é aspirada para asvias aéreas e a tosse ocorre como umaresposta reflexa. Em raras situações olaringoespasmo ocorre, mas em tais ca-sos, é rapidamente terminado pelo apa-recimento de hipóxia cerebral. Se a pes-soa não é resgatada, a aspiração de águacontinua e a hipoxemia leva rapidamen-te a perda de consciência e apneia.

Em sequência, a taquicardia se deterio-ra em bradicardia, atividade elétrica sempulso, e, finalmente, em assistolia. O pro-cesso de afogamento todo, da submer-são ou imersão até uma parada cardíaca,geralmente ocorre de segundos a algunsminutos, mas em situações raras, taiscomo o afogamento em água gelada, es-te processo pode durar até uma hora.

Se a pessoa é resgatada viva, o quadroclínico é determinado predominante-mente pela quantidade de água que foiaspirada e os seus efeitos. A água nosalvéolos provoca a inativação do surfac-tante e sua lavagem do alvéolo. A aspira-ção de água salgada e água doce causamgraus similares de lesão, embora comdiferenças osmóticas. Em ambos os ti-pos de afogamento o efeito osmóticona membrana alvéolo-capilar rompe emparte a sua integridade, aumenta a suapermeabilidade e por consequência a suafunção. O quadro clínico causado poresta alteração na membrana alveolar-capilar, se traduz em edema pulmonar,que diminui principalmente a troca deoxigênio. O efeito combinado de flui-dos nos pulmões com a perda de surfac-tante, resulta em redução da complacên-cia pulmonar, aumento da área de shun-

tagem arterial (regiões de ventilaçãomuito baixa ou zero para perfusão nor-mal), atelectasias e broncoespasmo.

Se a RCP (Reanimação Cardiopulmo-nar) for necessária, o risco de dano neu-rológico é semelhante a outros casos deparada cardíaca. No entanto, a hipoter-mia associada com afogamento podeproporcionar um mecanismo de prote-ção que permite prolongados episódiosde submersão sem sequelas. A hipoter-mia pode reduzir o consumo de oxigê-nio no cérebro, retardando a anóxia celu-lar e a depleção de ATP (elemento bási-co de energia celular). A hipotermia re-duz a atividade elétrica e metabólica docérebro de forma dependente da tem-peratura. A taxa de consumo de oxigê-nio cerebral é reduzida em cerca de 5%para cada redução de 1°C na tempera-tura dentro do intervalo de 37°C a 20°C.

RCP NA ÁGUAMuitos afogados são capazes de se sal-

var por conta própria ou são resgatadosa tempo por leigos ou socorristas profis-sionais. Em áreas onde os guarda-vidastrabalham, menos de 6% de todas aspessoas socorridas necessitam de aten-ção médica, e apenas 0,5% necessitamde RCP. Em relatos de resgates por lei-

gos, 30% das pessoas afogadas necessi-taram de RCP. Pessoas sem treinamen-to devem ajudar outras em perigo sementrar na água, evitando, desta forma,se afogar junto. Técnicas mais segurasde ajudar incluem utilizar um objeto, co-mo uma vara, toalha, ou galho de árvo-re ou jogar um objeto flutuante. Estasrespostas fáceis, rápidas e seguras são,muitas vezes, negligenciadas e devem serensinadas como parte de cursos básicosde segurança na água.

É essencial o acionamento imediatodo SEM (Serviço de Emergência Médi-ca) como forma de ajuda com o resgatee a RCP. Se a pessoa estiver consciente,ela deve ser trazida para a área seca e oSuporte Básico de Vida será, então, ini-ciado o mais cedo possível. Se o afoga-do estiver inconsciente, a ressuscitaçãona água (ventilação somente) pode au-mentar a probabilidade de um resulta-do favorável em três vezes. No entanto,a ressuscitação dentro da água só é possí-vel por um socorrista treinado. As tenta-tivas de compressão torácica dentro daágua são fúteis, assim como a avaliaçãode pulso arterial não serve a qualquerpropósito.

Casos de afogamento com parada res-piratória ainda dentro da água usualmen-

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te respondem após algumas poucas ven-tilações de resgate. Se não houver res-posta, o guarda-vidas deve assumir co-mo sendo uma parada cardiorrespirató-ria e resgatar o mais rapidamente possí-vel para área seca, onde a RCP eficazpossa ser iniciada.

Lesões da coluna cervical ocorrem emmenos de 0,5% das pessoas que se afo-gam e a imobilização da coluna cervicalna água é indicada apenas nos casos deforte suspeição (por exemplo, os aciden-tes envolvendo mergulho, esqui aquáti-co, surf, ou embarcação).

Ao transportar afogados na área detransição entre a água e a área seca, ossocorristas devem tentar manter a pes-soa na posição vertical, mantendo as viasaéreas abertas, o que ajuda a prevenirvômitos e aspiração maior de água econteúdo estomacal.

RCP EM TERRAUma vez em área seca, o afogado deve

ser colocado em decúbito dorsal, como tronco e a cabeça no mesmo nível (ge-ralmente paralelo à linha da água), e osprotocolos padrões para o Suporte Bási-co de Vida devem ser realizados. Se a pes-soa está inconsciente, mas respirando, aposição de decúbito lateral deve ser utili-zada. Se não estiver respirando, a ventila-ção de resgate é essencial. Ao contrárioda parada cardíaca primária, o afogamen-to pode produzir um padrão de respira-ção ofegante ou apneia, enquanto o co-ração ainda está batendo e a pessoa podenecessitar somente de ventilação.

A parada cardíaca no afogamento édevido, principalmente, à falta de oxigê-nio. Por esta razão, é importante que aRCP siga a tradicional sequência doABC (vias aéreas - respiração - circula-ção), em vez do CAB, iniciando a venti-lação com cinco insuflações iniciais, se-guidas por 30 compressões torácicas econtinuando com duas ventilações e 30compressões até retornarem os sinais de

vida, o esgotamento do socorrista ou oSuporte Avançado de Vida chegar.

Em casos de afogamento, o ConselhoEuropeu de Ressuscitação recomendacinco insuflações iniciais em vez de duas,porque as ventilações iniciais podem sermenos eficientes, já que a água nas viasaéreas pode interferir com a expansãopulmonar efetiva. A técnica somente-compressões não é a mais recomendadaem pessoas que se afogaram.

A complicação mais frequente duranteuma tentativa de RCP é a ocorrência deregurgitação do conteúdo do estômago,que ocorre em mais de 65% das pesso-as que necessitam de respiração artifici-al isolada e em 86% naqueles que neces-sitam ventilação e compressão. A pre-sença de vômito na via aérea, muitasvezes, resulta em mais lesão por aspira-ção e agrava a troca de oxigênio. Medidasativas para expulsar a água das vias aé-reas (por meio de compressões abdomi-nais ou colocar a pessoa de cabeça parabaixo) devem ser evitadas porque adiamo início da ventilação e aumentam o ris-co de vômito, com um aumento signifi-cativo na mortalidade.

A reanimação de pessoas que se afo-gam frequentemente ocorre em circuns-tâncias difíceis e bastante variadas. Podehaver problemas em levar a pessoa àterra seca e atraso até a chegada dos ser-viços médicos de emergência. Por ou-tro lado, as vítimas de afogamento sãogeralmente mais jovens, de modo que aprobabilidade de reanimação bem suce-dida pode ser maior em casos de afoga-mento.

PRÉ-HOSPITALAR AVANÇADOAlém de proporcionar o Suporte Bási-

co de Vida de imediato, é importanteque a sequência para o suporte avança-do seja realizada o mais rapidamentepossível. Devido à grande variedade deapresentações clínicas de um afogamen-to, ele é classificado em seis graus, com

números mais altos indicando compro-metimento mais grave, ajudando, destaforma, a estratificar o risco e as indica-ções de intervenções (Figura 1).

Uma pessoa com lesão pulmonar peloafogamento pode, inicialmente, ser ca-paz de manter a oxigenação adequada pormeio de uma alta frequência respiratóriae isto pode ser tratado pela administraçãode oxigênio por meio de máscara, a umaoferta de 15 litros por minuto.

Intubação orotraqueal precoce e venti-lação mecânica é indicada quando a pes-soa apresenta sinais de deterioração oufadiga usualmente presente nos graustrês e quatro. Uma vez intubada, a venti-lação e a oxigenação são realizadas semmaiores dificuldades. Apesar do edemapulmonar abundante aparecer no tuboendotraqueal, a aspiração das vias aére-as pode dificultar a oxigenação e deveser balanceada com a necessidade deventilar e oxigenar. O atendimento pré-hospitalar deve assegurar que haja umaoxigenação adequada para manter a sa-turação arterial entre 92% e 96%, ga-rantindo simultaneamente a expansãodo tórax durante a ventilação adequada.Ventilação utilizando pressão positivaexpiratória final (PEEP) deve ser inicia-da o mais cedo possível para aumentara oxigenação.

O acesso venoso periférico é a via pre-ferida de administração da droga no ce-nário pré-hospitalar. O acesso intraósseoé uma via alternativa de emergência. Aadministração endotraqueal de drogasnão é recomendada. Se a hipotensão nãoé corrigida pela oxigenação adequada,uma infusão rápida de solução cristaloi-de deve ser administrada, independen-temente se o afogamento ocorreu emágua salgada ou doce.

O ritmo cardíaco apresentado na PCR(Parada Cardiorrespiratória) nos afoga-mentos (grau seis) é geralmente em as-sistolia ou atividade elétrica sem pulso.A fibrilação ventricular raramente é re-latada, mas pode ocorrer se houver umahistória de doença da artéria coronáriaou a utilização de norepinefrina ou epi-nefrina (que pode aumentar a irritabili-dade do miocárdio) ou na presença dehipotermia grave.

Durante a RCP, se a ventilação e acompressão torácica não resultam ematividade cardíaca, doses intravenosas denorepinefrina ou epinefrina a 1 mg (ou0,01 mg por kg de peso corporal) po-

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dem ser consideradas a cada três a cincominutos. Por causa dos mecanismos daPCR no afogamento ocorrer devido àhipóxia e os efeitos da hipotermia, umadose mais elevada subsequente, embo-ra controversa, pode ser considerada seas doses iniciais são ineficazes.

O custo-efetividade do uso de umDEA (Desfibrilador Externo Automáti-co) em locais de atividade aquática temsido debatido. O ritmo da parada cardía-

ca predominante em afogamento é assis-tolia. No entanto, paradas cardíacas emlocais aquáticos podem ocorrer a partirde outras causas que não o afogamento,sendo que a disponibilidade de umDesfibrilador Externo Automático podesalvar vidas. A Tabela 1 (Uso de RCPem casos de afogamento) resume as re-comendações sobre quando iniciar aRCP e quanto tempo deve ser mantidanos casos de afogamento.

A maioria das pessoas afogadas aspi-ra apenas pequenas quantidades de águae irá recuperar-se espontaneamente.Menos de 6% de todas as pessoas quesão resgatadas por guarda-vidas precisade atenção médica em um hospital.

Uma vez que a via aérea foi assegura-da, a oxigenação foi otimizada, a circu-lação está estabilizada e um tubo gástricofoi inserido, o reaquecimento do pacien-te deve ser instituído. Isto é seguido porexame físico, radiografia de tórax e umagasometria arterial. A acidose metabóli-ca ocorre na maioria dos pacientes e égeralmente corrigida pelo aumentoespontâneo da ventilação (volume mi-nuto) do paciente. O uso rotineiro debicarbonato de sódio não é recomen-dado.

Na história de eventos que envolvemo afogamento, devemos incluir informa-ções sobre as atividades do salvamentoe da reanimação e qualquer doença atualou anterior. O afogamento é, por vezes,precipitado por uma condição médica(por exemplo, trauma, convulsões ouarritmia cardíaca), e tais condições de-vem ser diagnosticadas já que afetam di-retamente as decisões de tratamento.

Se o afogado permanece inconscientesem uma causa óbvia, uma investigaçãotoxicológica e tomografia computadori-

Atendimento da vítima requer cuidados narespiração, circulação e sistema nervoso

Cuidados na emergênciazada da craneo e coluna cervical devemser consideradas. Anormalidades noseletrólitos, ureia, creatinina, e hemató-crito são incomuns e sua correção rara-mente é necessária.

Pacientes com boa oxigenação arteri-al sem terapia adjuvante e que não têmoutra morbidade associada podem teralta. A hospitalização é recomendada pa-ra todos os pacientes com um grau deafogamento de dois a seis. Os casos degrau dois são resolvidos com oxigênionão invasivo no prazo de seis a oito ho-ras e podem, então, ser liberados paracasa. Pacientes grau dois com deteriora-ção do quadro clínico serão internadosem unidade de cuidados intermediáriospara a observação prolongada. Pacien-tes grau três a seis, geralmente precisamde intubação e ventilação mecânica e de-vem ser internados em UTI (Unidadede Terapia Intensiva).

SISTEMA RESPIRATÓRIONa UTI, o tratamento em afogamen-

to é semelhante ao dos pacientes com aSDRA (Síndrome do Desconforto Res-piratório Agudo). Diretrizes para venti-lação na SDRA devem ser seguidas. Noentanto, uma vez que a lesão pulmonaré causada por uma lesão temporária elocal, a insuficiência respiratória devido

a um afogamento tende a se recuperarmuito mais rapidamente e sequelas pul-monares tardias são incomuns.

O desmame da prótese ventilatória de-ve aguardar um mínimo de 24 horas,mesmo quando a troca gasosa pareceser adequada (razão entre a pressão par-cial de oxigênio arterial e a fração deoxigênio inspirado > 250), já que a le-são pulmonar ainda não está resolvida eo edema pulmonar pode retornar neces-sitando de reintubação, o que invaria-velmente leva a um prolongado perío-do de internação e morbidade adicional.Poucas evidências existem sobre o valorda corticoterapia para redução da lesãopulmonar. Ela pode ter um efeito bené-fico em casos de broncoespasmo, ape-nas depois da falha de broncodilatadores.

A pneumonia é, muitas vezes, diagnos-ticada inicialmente de forma errada de-vido ao aparecimento precoce de ima-gem radiográfica nos pulmões. Em umasérie de casos internados, apenas 12%das pessoas resgatadas por afogamentotinham realmente pneumonia e precisa-vam de tratamento com antibióticos. Aadministração de antibióticos profiláti-cos tende somente a selecionar os orga-nismos mais resistentes e agressivos enão deve ser utilizada.

O antibiótico terapêutico está indica-do quando existe febre e leucocitose per-sistente por mais de 48/72h, coadjuvan-te à permanência ou ao aparecimentode um novo infiltrado pulmonar. Nestescasos, a presença de resposta leucocitáriano aspirado traqueal, com cultura e testede sensibilidade obtida diariamente apartir do aspirado são uma boa formade orientação e controle diário. A bron-coscopia pode ser realizada para moni-torizar infecção pulmonar em doentesselecionados, e em casos raros utilizadapara uso terapêutico na remoção de tam-pões de muco ou de material sólido.

A pneumonia de início precoce podeocorrer devido à aspiração de água po-luída, de flora endógena, ou conteúdogástrico. A aspiração de água de piscinararamente resulta em pneumonia. O ris-co de pneumonia durante a ventilaçãomecânica prolongada pode ser detectadaa partir do terceiro ou quarto dia de in-ternação, quando o edema pulmonar es-tá praticamente resolvido. Este tipo depneumonia está geralmente relacionadacom patógenos nosocomiais. Uma vezdiagnosticada, a terapia empírica com

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nio arterial e pressão parcial de dióxidode carbono e, ainda, evitar qualquer si-tuação de aumento do metabolismo cere-bral. A hipotermia induzida com a tempe-ratura do corpo mantida entre 32°C e34°C por 24 horas após a RCP pode terefeito neuroprotetor nestes casos.

Em alguns casos, a hipotermia refleteum tempo prolongado de submersão eum mau prognóstico. Em outros casos,a hipotermia precoce é uma razão im-portante pela qual ocorre a sobrevivên-cia sem dano neurológico. Trabalhos re-centes sobre afogamento têm mostra-do bons resultados com o uso de hipo-termia terapêutica após a ressuscitaçãoem casos onde um mau prognóstico eraesperado. O paradoxo na ressuscitaçãode afogados é que os pacientes necessi-tam ser inicialmente aquecidos para osucesso da RCP e então são colocadosem hipotermia terapêutica para um me-lhor prognóstico.

COMPLICAÇÕES INCOMUNSA SIRS (Síndrome da resposta infla-

matória sistêmica) tem sido relatada apósa RCP em afogamento, como em ou-tros tipos de trauma, mas isto não deveser confundido com infecção. Sepse ecoagulação intravascular disseminadasão complicações possíveis durante asprimeiras 72 horas após a RCP. A insufi-ciência renal é rara, mas pode ocorrercomo resultado de anóxia, choque,mioglobinúria ou hemoglobinúria. Osmais importantes preditores do prog-nóstico após ressuscitação são resumi-dos na Tabela 2 (fatos importantes efatores prognósticos em ressuscitação noafogamento).

PREVENÇÃOCada afogamento sinaliza o fracasso

da intervenção mais eficaz - ou seja, aprevenção. A Tabela 3 (Diretrizes paraa prevenção do afogamento) resume asprincipais mensagens de prevenção emafogamento baseadas em evidências eopiniões de especialistas. Estima-se quemais de 85% dos casos de afogamentopodem ser prevenidos pela supervisão,ensino de natação, tecnologia, regula-mentação e educação pública.

antibióticos de largo espectro, que co-brem os patógenos gram-negativos egram-positivos mais previsíveis, deve seriniciada, e a terapia definitiva instituídaquando os resultados de cultura e testesde sensibilidade estiverem disponíveis.As infecções fúngicas e anaeróbios de-vem ser considerados, mas podem aguar-dar os resultados da cultura.

Em alguns pacientes, a função pulmo-nar deteriora tão drasticamente que aoxigenação adequada pode ser mantidaapenas com o uso de oxigenação pormembrana extracorpórea. Para estes pa-cientes, o uso de surfactante artificial,óxido nítrico inalatório e ventilação líqui-da parcial com perfluorocarbonos estãosob investigação.

SISTEMA CIRCULATÓRIONa maioria dos casos de afogamento,

a circulação se restabelece após a oxige-nação, a infusão de cristaloide rápido oua restauração da temperatura corporal

normal. A disfunção miocárdica precocepode ocorrer em pacientes graus quatroa seis, acrescentando um componentecardiogênico ao edema pulmonar nãocardiogênico. Não existe evidência debenefício quanto ao uso de diuréticos,restrição hídrica ou um tipo de específi-co de reposição volêmica em afogamen-tos em água salgada ou doce. Se a repo-sição de volume com cristaloide nãoconsegue estabilização hemodinâmica,o ecocardiograma pode ajudar nas de-cisões sobre o uso de agentes inotrópi-cos, vasopressores, ou ambos.

SISTEMA NEUROLÓGICOLesão neurológica permanente é a al-

teração mais temível a ocorrer nos ca-sos de afogamento em que houve res-suscitação. Pacientes que estão em comaou que apresentem deterioração neuro-lógica devem ser submetidos a cuidadosintensivos com metas de valores nor-mais de glicose, pressão parcial de oxigê-