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Hei de Vencer Original de Arthur Riedel Publicado pela Editora Pensamento S.A. Assunto - Auto-ajuda 11 ª Edição MCMLXXVI Digitalizado, Revisado e Formatado por Melleticia ÍNDICE PREFÁCIO TRIUNFO I - COMO ME VEIO O "HEI de VENCER" II - A VERDADEIRA PRECE É O AMOR III - A ESCOLA DA VIDA IV -A AUTO-EDUCAÇÃO V CONFORMAÇÃO VERSUS INCONFORMAÇÃO VI - ONDE ESTÁ A FELICIDADE ? VII - ONDE ESTÁ A VERDADE ? VIII - VIVER É LUTAR IX - DA TRISTEZA A ALEGRIA X - DADOS BIOGRÁFICOS DE ARTHUR RIEDEL Projeto Democratização da Leitura www.portaldetonando.com.br/forumnovo/

Arthur Riedel - Hei de Vencer

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  • Hei de Vencer

    Original de Arthur Riedel

    Publicado pela Editora Pensamento S.A.

    Assunto - Auto-ajuda

    11 Edio MCMLXXVI

    Digitalizado, Revisado e Formatado por Melleticia

    N D I C E

    PREFCIO

    TRIUNFO

    I - COMO ME VEIO O "HEI de VENCER"

    II - A VERDADEIRA PRECE O AMOR

    III - A ESCOLA DA VIDA

    IV -A AUTO-EDUCAO

    V CONFORMAO VERSUS INCONFORMAO VI - ONDE EST A FELICIDADE ?

    VII - ONDE EST A VERDADE ?

    VIII - VIVER LUTAR

    IX - DA TRISTEZA A ALEGRIA

    X - DADOS BIOGRFICOS DE ARTHUR RIEDEL

    Projeto Democratizao da Leitura

    www.portaldetonando.com.br/forumnovo/

  • PREFCIO

    ARTHUR RIEDER

    HEI DE VENCER" no constitui, rigorosamente, um livro, uma obra

    pensada e escrita pelo autor. A modstia de Arthur Riedel no lhe

    permitiria as veleidades de encimar, com o seu nome, as pginas de uma

    brochura. Mas seus admiradores e discpulos tiveram a excelente idia de

    taquigrafar algumas das palestras que fez, e a reunio de oito dessas

    conversas, mais um artigo explicando a origem da ultraconsagrada frase

    "Hei de Vencer", a transcrio do poema "Triunfo" e da pgina de sua irm,

    Cinira Riedel, formam este precioso volume, digno, por todos os ttulos, de

    levar aos psteros o nome do professor Riedel. No creio ter passado pela

    cabea do autor reuni-las em livro, embora o apostolado, a que se dedicou

    com tanta pertincia e desinteresse, assim o exigisse; pois, apesar de se loco-

    mover por todos os cantos do pas, falando a platias as mais distintas,

    no lhe era possvel, evidentemente, ser ouvido por todos. E estamos certos

    de que as suas palavras mereciam a ateno, no de milhares, mas de

    milhes de brasileiros. Alm disso, as geraes vindouras no gozaro o

    privilgio de ouvi-lo, pois a morte silenciou a sua voz. Este volume falar,

    portanto, por ele, e tambm, principalmente, dele, pois a verdade que o

    professor Riedel est inteirinho nestas pginas. Toda a razo de ser de

    suas idias e de sua conduta diante da vida, ele as exps, com clareza e

    preciso, graa e segurana, aos seus auditrios.

    Num certo sentido estas palestras representam o roteiro por ele

    percorrido at chegar sntese admirvel do "hei de vencer". Dona Cinira

    Riedel j nos deu alguns dados de sua vida corprea. Mas num homem

    como Arthur Riedel, o que menos importa sero talvez esses andares do

    progresso dentro da sociedade em que viveu. Que tenha sido isto ou

    aquilo, professor ou comerciante, homem rico ou pobre, solteiro ou

    casado, so acidentes por assim dizer. O que importa a circunstncia de

    estarmos diante de um raro exemplar humano, de um ser que afirmava,

    com muita convico e firmeza, estas eloqentes palavras: "Sou um homem

  • feliz". Feliz, por qu? Por ter vencido nos negcios e amealhado fortuna?

    Feliz por ter feito um timo casamento ou ter filhos inteligentes e bons?

    Feliz por receber da sociedade honradas e prmios? Feliz por possuir uma

    bela casa, ter feito grandes viagens ou lido belos livros?

    Nada disso. Ao professor Riedel tais preocupaes seriam, quando

    muito, acessrias. Sua felicidade provinha doutros fatores. Originava-se

    da convico, certa e inabalvel, de que encontrara a si mesmo, de que a

    felicidade estava dentro dele mesmo, e que lhe era possvel depois de t-la

    conquistado, prend-la para todo o sempre.

    Sua experincia espiritual, evidentemente, no nova. Outros, antes e

    depois, percorreram o mesmo caminho e chegaram a concluses idnticas.

    Mas poucos, como ele, souberam transmitir, aos que ainda se encontram

    perdidos na escurido, a lio de sua experincia, a sabedoria de sua vida.

    Acontece que o professor Riedel sempre foi um homem simples, a

    linguagem com que se dirige aos seus ouvintes a linguagem de um

    homem despido de pretenses. No o orador que diante do auditrio

    procura a frase de efeito, o tropo sonoro Diz as coisas como elas so, em

    palavras que qualquer leigo entender logo de sada. E o que nos parece

    mais interessante: ilustra sempre as afirmativas que faz com pequenos

    casos ou ligeiras anedotas que esclarecem mais e melhor do que qualquer

    torneio de frase. Sirva de exemplo a histria, citada por Freud, da vasilha

    cheia de gua impura. Se quisermos substituir essa gua por uma gua

    pura, mas no podendo despej-la do balde, como fazer? Abrir sobre ele

    uma torneira com gua pura. Assim, a gua ir saindo pouco a pouco e no

    fim de algum tempo a gua impura se tornar pura. Ou ento aquela

    admirvel histria da peste que ia chegando a determinada cidade em

    companhia da morte. Ou ainda, a historieta das rs que haviam cado

    numa vasilha com leite. Uma r, diz ele com seu tpico bom humor, era da

    escola do "hei de vencer". A outra, era uma r que aceitava o destino pelo

    destino, porque estava escrito que no adiantava lutar contra a corrente. A

    r do "hei de vencer" comeou a nadar e a dizer: "hei de vencer, hei de

    vencer..." A outra rezava e dizia: "Seja feita a vontade de Deus". A

    primeira batia os ps, mexia-se toda, forcejava por sair da vasilha. A

    segunda, desanimada, s sabia dizer: "Minha irm, por que esse esforo?

    no adianta cansar-se; da voc no sai mesmo". A r perseverante res-

    pondia: "Saio, sim. O professor Riedel diz que devemos vencer; portanto,

    "hei de vencer". E aconteceu o inesperado de tanto bater os ps, o leite virou manteiga e a r pde firmar-se e saltar fora da vasilha. Sua irm,

    entregue ao fatalismo, encontrou a morte no fundo da vasilha.

    Mas das pequenas histrias ilustrativas do professor Riedel prefiro a

    do espelho. Dois homens viram-se pela primeira vez diante de um espelho.

    Um deles, ao ver-se reproduzido, fez uma careta, imediatamente

  • respondida. Aumentou a carantonha. Tambm o espelho aumentou a

    carantonha. Irritou-se. O gesto foi fielmente reproduzido. Cuspiu. Idem.

    Nervoso, j fora de si, investiu contra o espelho. Este, como era natural,

    partiu-se, ferindo o homem. O segundo, ao contrrio, ao ver aquela figura

    diante dele, deu um risinho meio encabulado. O de l devolveu-lhe o

    sorriso, com o mesmo encabulamento. Deu uma risada melhor. A risada

    que recebeu de volta estava no mesmo nvel. Gargalhou. Recebeu uma

    gargalhada.

    No preciso dizer que a segunda atitude a que o professor Riedel

    assumiria diante de qualquer espelho.

    Era um otimista. Mais do que isso: um mestre da vida. O ttulo que lhe

    davam e a que tinha direito era o de professor. Um belo ttulo, sem dvida

    alguma. No comeo, professor de letras primrias. Mais tarde, professor

    de otimismo. Discpulo de Emlio Cou, dele tomou a frase: "Todos os

    dias, sob todos os aspectos, sinto-me cada vez melhor". Mas, embora

    esplndida, era uma frase algo comprida. Personalizou-a, sintetizando-a

    neste admirvel "hei de vencer", lema que at chegar sntese admirvel

    do "hei de vencer", lema que est hoje quantos sabero que dele a idia e a preocupao de divulg-la? inscrito em milhares de lares e de escritrios. Est claro que no foi somente ler a frase de Cou,

    transform-la no "hei de vencer" e sair cantando pelas estradas. No. Essa

    frase foi a princpio repetida em todos os sons e horas. Chegou mesmo a

    adotar um cordel cheio de ns. "Quando a crise vinha, tomava do cordel e,

    desfiando cada n, como um rosrio, repetia: "Todos os dias, sob todos os

    aspectos, sinto-me cada vez melhor". A melhora foi lenta. Comeou a

    dominar sua vontade, a ser senhor de si mesmo. Venceu a crise que o

    assaltara. No sendo um homem egosta, tratou de passar o tratamento a

    terceiros. Quando percebeu, estava diante de um auditrio. E durante

    trinta anos pregou a auto-sugesto mental, o desenvolvimento da vontade.

    Ensinou milhares de pessoas a ser donas de si mesmas. Adonai Medeiros

    um discpulo, que atesta: "Assisti a vrias de suas "aulas", como assim

    chamava, e que eram verdadeiras "sesses" de cura. Regular assistncia o

    escutava e era de ver a alegria com que prestava ateno a quem lhe

    invadia o ntimo, desvendando um novo mundo, mais bonito que o em que

    vivemos. Fora com tudo que vem atristar-nos, com aborrecimentos, com as

    preocupaes pueris, com as diversas sensaes determinadoras de

    conflitos neuropatolgicos. O professor no cuidava de polir o perodo

    e torn-lo acadmico. Suas palavras ditas com naturalidade, saam cheias

    de fluidos contagiantes e iam diretas ao consciente de cada um".

    Este livrinho continuar o apostolado do professor Riedel Os editores

    mantiveram, nestas pginas, o mesmo tom despretensioso e correntio das

    conversas. Foi um bem. Os leitores talvez consigam sentir o timbre de voz

  • de seu autor. De uma coisa estamos certos: estas palavras continuaro a

    fazer discpulos, continuaro a espalhar a lio que foi a constante

    preocupao de Arthur Riedel, e que poderia ser sintetizada nestas frases:

    "Tudo te ser dado, se souberes imaginar com clareza e constncia aquilo

    que desejas. Se no obtns o que pedes, porque no sabes pedir e nem

    sabes o que pedes. Aprende a cultivar uma imaginao positiva, para

    benefcio teu e de todas as criaturas. Grava em tua memria que a ima-

    ginao uma fora poderosa!"

    EDGARD CAVALHEIRO

    A M I G O

    L, porque desejo o teu

    TRIUNFO

    Arthur Riedel

    TUDO te ser dado, se souberes imaginar com clareza e constncia aquilo

    que desejas. Se no obtns o que pedes, porque no sabes pedir e nem

    sabes o que pedes. Aprende a cultivar uma imaginao positiva, para

    beneficio teu e de todas as criaturas. Grava em tua memria que a

    imaginao uma fora poderosa.

    RUNAS, fracassos, enfermidades e humilhaes que te aborrecem foram

    atrados por teus pensamentos negativos. Procura descobrir o lado bom de

    todas as coisas, em ti e em teus prprios inimigos! Segue avante!

    IRMAO! O temor, o dio, a vaidade, o orgulho, a inveja, o egosmo e a

    luxria, so pensamentos negativos, culpados da tua derrota. S digno de ti

    mesmo e repele-os para sempre, a fim de vencer na vida.

    UMA mente positiva s irradia amor, confiana, paz, segurana, sade,

    tolerncia, caridade, agrado, serenidade e abundncia. S isto vence na

    vida. Aprende a ser positivo e a felicidade vir ao teu encontro.

    NUNCA faas a outrem o que no desejas a ti prprio, porque, se verdade

    que podes pensar positiva e negativamente, tambm certo que o que

    desejares ao teu prximo recebers em dobro!

  • FORMASTE no passado imagens negativas, que se materializaram e agora

    te perseguem. Pois bem, a arte de destru-las est em cultivares unicamente

    bons pensamentos. Experimenta e vers!

    OS PENSAMENTOS bons modificam u tua sade, o teu ambiente e a tua

    vida. Se queres melhorar de sorte, melhora tambm os teus pensamentos,

    pensando unicamente no Bem!

    I - COMO ME VEIO O "HEI de VENCER"

    QUANDO eu era pequenino, e quantos anos j l vo! escrevia, pelo Natal, bilhetes a Papai Noel. Escrevia no bem o termo,

    porque eu mal falava, e se tomava o lpis era para rabiscar uma folha de

    papel, riscos para baixo, riscos para cima, uma espcie de hierglifos,

    lngua que ningum entendia. Escrito tatibitate... E ia, correndo, de por na

    caixa do correio, que havia no porto de nossa casa, o bilhete para Papai

    Noel. Pedia e pode algum escrever a Papai Noel que no seja pedindo? um cavalinho de pau, um tambor, um polichinelo, soldadinhos de chumbo.. . e na festiva manh que comemorava o nascimento do Nazareno,

    ia espiar o sapato que deixara aos ps da cama e l encontrava o to

    ambicionado presente. Papai Noel decifrava as minhas garatujas e trazia-

    me tudo quanto lhe pedia.

    Cresci e sempre pelo Natal compunha meus bilhetes, j ento com letra

    desenhada, e sujeito e verbo combinados, e cada vez querendo novas

    coisas: velocpede, patinete, livros de histrias, e pela manh, encontrava

    sempre o que pedira. Papai Noel lia meus bilhetes, atendendo sempre as

    minhas solicitaes...

    Mas, na mesma caixa em que depositava tais bilhetes, o Justino, um

    pretinho, filho da cozinheira Tia Rosa, colocava tambm os seus "bilhetes-

    pedidos", e estes no eram atendidos! Recebia um terno de roupa, um par

    de sapatos, mas nunca os brinquedos solicitados, que eram sempre coisas

    guerreiras, pois o sonho de Justino era ser general. No podia crer que

    Papai Noel no entendesse a letra do Justino, porque era eu quem escrevia

    os bilhetes por ele.

    Continuei pela vida afora a escrever bilhetes a Papai Noel e ento j

    no era s pelo Natal. Ao depender de um exame, ao desejar passar as

  • frias na fazenda, qualquer coisa que desejasse, l ia o bilhete para o

    Protetor. E ele sempre me atendia...

    Fiz-me moo, ou o tempo me fez moo, e j no escrevia os bilhetes

    em papel, mas fazia meus pedidos depois de enrolar um Padre-Nosso.

    Bilhetes mentais, mas sempre pedidos. E sempre atendidos. Olhava em

    torno e tinha a vaga desconfiana de gozar de proteo especial, porque

    outros que rezavam com mais f no eram atendidos.

    Depois, depois continuei sempre a escrever bilhetes a Papai Noel, mas

    no era mais atendido. A vida desabou sobre mim todas as dores e todos os

    sofrimentos. Desequilbrio psquico impossibilitando-me os estudos e o

    trabalho, morte de seres queridos, fome, e Papai Noel sem mais atender

    meus bilhetes!

    Bilhetes perdidos, meus bilhetes to cheios de f, escritos em prosa e

    versos, em preces mentais. Papai Noel se esquecia de mim. Ento descri de

    tudo. J no era o seu filho predileto, ele j no lia os meus bilhetes. Na

    misria negra de minha vida de ento, nem um claro de esperana havia.

    S o lcool acalmava os meus horrveis acessos, para voltarem ento com

    mais impetuosidade. O suicdio me acenava, como nico fim de tortura

    tamanha. Um livro de Smiles, que havia lido sem entender, porque era

    afilhado de Papai Noel, tomado ao acaso da estante em hora de desespero,

    trouxe-me um raio de esperana. Atravs da fora de vontade, do desejo de

    realizaes, outros homens, antes de mim, haviam vencido e transformado

    suas vidas.. Tomei um carvo e escrevi, na parede, o meu primeiro bilhete,

    no mais a Papai Noel, mas a mim mesmo:

    HEI DE VENCER

    O inconsciente tem suas manhas e nos causa surpresas; o meu estado

    de abatimento era enorme, mas a minha vontade de vencer era maior. No

    havia mais a admitir um momento sequer de fraqueza. Prometi vencer, e

    para no esquecer, fui escrevendo em toda parte a minha frase-chave, a

    minha divisa "HEI DE VENCER". Escrevia em letras garrafais diante do meu

    leito, que era um leito de Procusto; no espelho do banheiro, no leno, nos

    papis e nos livros, em toda parte l estava gravada a minha divisa. E fui-

    me vencendo. Comecei a encarar a vida por novo aspecto, por nova forma.

    Imprimi centenas de cartes com o lema usado, e os colocava sempre

    minha frente, onde quer que estivesse. Como um sol radiante depois de

    uma noite tempestuosa, minha vida foi-se modificando. Quebrei os frascos

    de remdio, e quando era ameaado dos meus ataques, dizia: Hei de Vencer, e ia-o repetindo mentalmente, at que a crise passava e o ataque no vinha. Sarei. Se ia tirar um cigarro, na carteira, l estava o Hei de

    Vencer, e o cigarro ia parar longe. Ao tomar um copo d'gua, ia repetindo

    mentalmente, gole por gole, a minha clebre divisa, e se a tentao me

  • levava (tentao so os vcios do inconsciente) a encher um clice de

    conhaque, ao lev-lo boca, deparava com o Hei de Vencer que mandara

    gravar em tudo que usava copos, pratos, clices e l ia o lcool fazer companhia ao cigarro abandonado no cho...

    Atirei-me novamente ao trabalho e ao estudo. No admiti mais um

    momento de desnimo. Os meus impulsos, os meus instintos, eram

    vencidos pela vontade firme e persistente. Recuperei completamente a

    sade, coisa que os mdicos no acreditavam possvel. Dominei o meu

    desejo.

    Quando os que me conheceram doente, pobre, desequilibrado,

    alcolico, infeliz, martirizado pelas dores fsicas e morais, querem saber

    qual o milagre que produziu em mim tal transformao, que conseguiu

    mudar por completo a face de meu viver, eu tiro do bolso um cartozinho e

    digo-lhes: eis o milagroso santo. No carto, h somente a minha divisa.

    E em palestras e escritos venho pregando este evangelho: "Deixai em paz o Papai Noel; que ele traga brinquedos s criancinhas. Gravemos

    no inconsciente esse desejo de ser o que ns queremos ser. Cada um traa a

    sua vida e o seu destino. Aprendei a pensar, e a felicidade vir ao vosso

    encontro".

    fevereiro de 1945

    II - A VERDADEIRA PRECE O AMOR

    Como me fizeram diversas perguntas sobre a prece, esse ser o nosso tema

    de hoje, porquanto, alm de ser por demais interessante, h atualmente duas

    fortes correntes nos meios espiritualistas: uma pr-prece e outra contra a

    prece.

    Ora, a prece devemos compreender bem nada mais do que uma vibrao mental; o seu valor no consiste nas palavras e sim na sua

    vibrao com maior ou menor intensidade. Agora, para compreender bem o

    assunto, vamos ver, quando fazemos uma prece, a quem nos devemos

    dirigir, ou quem pode atender a nossa prece.

    Partimos do princpio de que, em regra geral, ns pedimos a Deus.

    Ora, Deus no atende a ningum: Deus o Verbo, o Logos; Deus

    Princpio, Vibrao e, neste caso, Ele est manifestado em tudo e no ,

    como materialmente se supe, um ser sentado l em cima no cu, num

    trono, distribuindo graas. Absolutamente. Ele Divindade, Ele

  • Manifestao. Assim sendo, todos os pedidos dirigidos a Deus podemos estar certos no sero atendidos por Ele. A sua vibrao demasiado transcendente para Ele poder receber as nossas vibraes.

    A prece pode ser atendida por ns mesmos. Quando pedimos algo,

    intensamente, sobretudo uma coisa de sade, estamos criando uma forma

    mental, uma sugesto e, diante dessa sugesto, agindo o nosso

    subconsciente pode perfeitamente realizar-se, dar-se uma cura. So as

    chamadas curas pela f, como aquela em que a Jesus disse uma mulher

    tocando-lhe a tnica: "Mestre, estou curada". Ele respondeu: " Tua f te curou, mulher". Ora, no foi Jesus, foi a vibrao intensa, foi a prece

    dessa mulher, feita a Ele, mas servida por si mesma, por fora de sua f, e

    assim, por conseguinte, as nossas vibraes mentais, as preces feitas, so

    atendidas, em regra geral, por ns mesmos, razo pela qual ns acon-

    selhamos, quando se faz uma vibrao mental ou uma prece para sade criar uma idia mental de uma pessoa forte, cheia de sade, de energia, e

    assim ns mesmos atendemos nossa prece, quer dizer, a prece til

    porque o nosso subconsciente est ajudando, est tirando uma forma

    negativa, substituindo-a por uma forma positiva.

    A prece pode ser atendida tambm pelos mortos recentes, chamados

    espritos, mas a precisamos compreender bem os espritos. As pessoas,

    depois de desencarnadas, quando morrem, se tm algum grau de evoluo,

    libertam-se logo no plano astral, no procuram ficar em contato com a

    terra, procuram planos superiores. Por conseguinte, esses mortos

    dificilmente atendem.

    So raros os casos em que os mortos ou chamados espritos atendem as

    nossas preces.

    H muitos casos conhecidos nos quais os mortos apareceram para

    auxiliar os vivos.

    Leibniz conta que um senhor vivo estava com duas crianas num

    castelo. Estas iam correndo por um corredor quando viram o vulto de uma

    mulher, recentemente falecida, aparecer-lhes na frente. As crianas

    voltaram correndo e contaram ao pai que tinham visto o vulto da me.

    Foram verificar e notaram que havia um poo profundo no fim do corredor,

    onde as crianas teriam cado e ficado feridas ou mortas, no fosse terem

    visto o vulto.

    Ora, isso prova que esse esprito, preso terra pelo seu amor aos filhos,

    procurava ainda zelar por eles.

    Eu mesmo tive dois casos bastante interessantes. Uma vez, na cidade

    de So Carlos, sa de uma casa da Rua So Carlos e dirigi-me minha

    residncia, na mesma rua. Nada mais precisava fazer do que subir certa

  • rua. No entanto, ao chegar a uma esquina, vi o vulto de uma mulher, mais

    ou menos velha, com a xalezinho na cabea, que me disse: "vire esta rua"...

    Nada precisava fazer naquela rua. Olhei-a surpreso, mas ela repetiu: "vire

    esta rua".. . No sei o que me ocorreu, mas virei a rua e segui. Quando che-

    guei mais adiante, encontrei um rapaz cado com a cabea na guia da

    calada, todo ensangentado. Bati primeira casa prxima; atenderam-me

    e indicaram a residncia do rapaz. Vieram pessoas da famlia e o levaram

    para l. Chegando em casa, reconheceram-no e me informaram ser ele

    sujeito a ataques. Costumava andar pelas ruas e por isso no o deixavam

    sair sozinho, mas, naquele dia, desobedecendo, havia sado.

    Ora, no fosse a minha presena, ter-se-ia esvado em sangue, porque a

    rua era relativamente deserta.

    Conversando, contei o caso: foi uma senhora, ali na esquina, quem me

    disse que passasse por esta rua e admiro-me porque no veio ela mesma

    bater aqui na casa, e ela mesma no prestou socorro ao rapaz. As pessoas

    da casa me olharam e perguntaram: o senhor viu bem essa senhora?

    Reparou bem? Era uma senhora de idade? Ao responder afirmativamente,

    uma daquelas pessoas me disse: com licena, e trouxe-me um retrato.

    Olhei-o. Era justamente o daquela senhora.

    Todos se entreolharam espantados. Disse-me uma das pessoas da casa:

    Era a av do rapaz, falecida h um ano e meio. Isto quer dizer que ela, no sei por que razo, pde materializar-se e manifestar-se para mim, e no

    pde manifestar-se tomando uma forma fsica para bater a uma casa ou dar

    uma intuio a outrem. Aproveitando-se do meu psiquismo, ela pde mani-

    festar-se e prestar um socorro noite.

    Isto caso claro de auxlio feito por uma pessoa recentemente

    desencarnada.

    Tenho tambm um caso, que se refere diretamente minha pessoa.

    Uma noite chovia torrencialmente. Noite escura, ttrica e m, talvez, como

    dizia o poeta. Eu ia por uma estrada, alm de Campinas, em direo a uma

    fazenda. Era uma estrada onde nunca havia transeuntes, a no ser durante o

    dia. Ia de carro, e em conseqncia de atrasos, estava passando por ali

    depois de meia-noite. De repente vi dois caminhos na minha frente; fiquei

    em dvida se deveria seguir pelo da direita ou pelo da esquerda. A

    escurido era densa; chovia, e os faris no ajudavam. Ento segui pela

    estrada e logo vi uma mulher toda de branco parada diante do carro.

    Brequei e perguntei, sem mesmo saber por que: o caminho para Cabras este? Ela me disse: no, senhor; o outro. Aquilo me causou certo

    espanto: Ver uma mulher de branco, no meio da estrada deserta, depois da

    meia-noite... Olhei para v-la. No a vi mais. Sumira-se, desaparecera.

    Liguei os faroletes, olhei para todos os lados; nada mais vi. Voltei ao outro

    caminho e fui para a fazenda. No dia seguinte, contando o caso na fazenda,

  • disse-me o empregado: Se o senhor seguisse mais duzentos metros, teria cado no Rio Jaguari, pois a ponte que havia sobre o mesmo foi destruda.

    Isto quer dizer: o auxiliar invisvel, ao que suponho, ou pelo que me foi

    dado depois reconstituir, foi uma senhora pouco tempo antes falecida e

    qual eu havia prestado alguns servios. Ela tomara uma forma para me

    livrar de um perigo.

    H centenas de casos que podem ser contados sobre a interferncia dos

    mortos.

    Tambm somos auxiliados, s vezes, pelos espritos da natureza. A

    natureza est cheia de espritos, seres que se dedicam a auxiliar o desen-

    volvimento das plantas ou animais. Estes seres no tm ainda grande

    desenvolvimento para prestar servios aos homens, mas quando eles encon-

    tram aqueles que amam as plantas e os animais, procuram, na medida do

    possvel, auxili-los. Dispem de pouca fora, mas podem dar uma intui-

    o, podem tomar a forma de um pssaro, ou de um animal, que distrai a

    ateno. So conhecidos auxlios interessantes prestados pelos espritos da

    natureza. So conhecidas as lendas dos gnomos dos contos de fadas. Eles

    tomam forma e defendem as plantas e os animais. Por isso, todos aqueles

    que sabem amar uma planta ou um animal, so por eles ajudados e

    protegidos, e os que maltratam os animais e as plantas, de vez em quando

    levam uma pea enorme, pregada por eles. Podem estar certos de que, s

    vezes, a ferroada de um maribondo no nada mais do que a vingana de

    um esprito da natureza.

    Ora, as nossas preces a esses espritos so de pouco valor, porque eles

    no tm fora e pouco podem. Eles apenas amam ou implicam com as

    pessoas.

    Ns temos os devas, que so seres de outra linha evolutiva. Eu diria

    que so os anjos, com grande poder mas que tambm no se interessam

    muito por ns, porque o seu plano de trabalho muito vasto.

    Realmente, eles ajudam todos os iniciados, os seres que j alcanaram

    uma certa libertao e com os quais se podem pr em contato, porque os

    devas vivem mais nas florestas, nos lugares isolados. A sua pureza no

    permite que vivam no meio dos homens ou dos conflitos em que ns

    vivemos na cidade.

    Temos, e tambm como auxiliares, os discpulos. Estes so os mais

    importantes. Os discpulos so aqueles que desejam trabalhar para o bem

    da humanidade. Esquecem-se de si mesmos e procuram dedicar-se ao

    trabalho da humanidade. Procuram manter uma vida pura, vivendo um

    tanto retirados dos homens, numa certa meditao. Selecionam a sua

    alimentao, e tomam resguardo com o seu corpo fsico e mais ainda com

  • a sua mente. Esses discpulos tomam a si o encargo de auxiliar a

    humanidade.

    Numerosos discpulos esto encarnados, esto na matria, esto na vida

    entre ns mesmos. Eles dispem do poder de se desdobrarem e vo

    socorrer as pessoas necessitadas, que, por uma lei de afinidade, por uma lei

    de evoluo, merecem o seu amparo, porque no basta pedir para receber;

    preciso que se merea para receber.

    Os discpulos prestam trabalhos extraordinrios, interessantes. So

    auxiliados pelos grandes mestres da sabedoria, pois os mestres, os adeptos,

    no podem baixar at nosso ambiente, no podem apresentar-se diante de

    ns e, assim, os discpulos so os veculos para os trabalhos, auxiliando a

    evoluo dos seres humanos.

    Ora, ns sabemos perfeitamente que h uma lei crmica, pela qual cada

    um de ns colhe aquilo que semeou, e muitas vezes mais.

    Eu ouo dizer: mas, quando voc auxilia algum, pode estar intervindo

    no carma desse algum.

    Ora, quem somos ns, para julgar o carma dos outros? Quem sabe se o

    carma daquele indivduo o carma matador? E por conseguinte,

    poderamos prestar auxlio para que esse algum se civilizasse.

    H alguns anos atrs, fui indicado para prestar auxlio a doentes de

    molstias mentais. Tinha mesmo a pretenso de curar. Uma vez um

    teosofista chamou a minha ateno, dizendo-me: tome cuidado, porque pode estar lanando mo de foras ocultas para intervir no carma dos ou-

    tros. Nefito em Teosofia, fiquei pensando se realmente no estava

    intervindo. Pouco tempo depois tivemos o prazer de receber aqui em So

    Paulo a visita de Jinarajadasa, presidente da Sociedade Teosfica mundial e

    considerado por ns um adepto.

    Para esclarecer a dvida, perguntei-lhe: ser que com esse meu

    trabalho, auxiliando, procurando curar os outros, intervenho no carma de

    algum?

    Olhou-me, deu uma risada e batendo em meu ombro, disse: voc

    muito pequenino para mudar o carma de algum. Fiquei contente com o

    "meu pequenino".

    Ora, isto mostra que temos o dever de ajudar a todos. Esse o

    trabalho dos discpulos.

    Os discpulos viro procurar-nos quando ns compreendermos que no

    h morte; quando compreendermos que somos eternos, que todos viemos

    do "Logos" e para o "Logos" voltaremos; quando comearmos a trabalhar

    para o bem da humanidade na medida de nossas foras. Aquele que tem

  • desenvolvimento psquico, ajuda o corpo fsico. Assim o fazem os

    missionrios, as irms de caridade, os grandes cientistas e os sbios,

    aqueles que trabalham de alguma forma para o bem-estar moral, mental ou

    material da humanidade.

    Os discpulos procuram trabalhar no campo mental, mantendo, como

    disse, uma vida mais ou menos pura, para o bom desenvolvimento da fora

    psquica, conseguindo desdobrar-se e auxiliar as pessoas que esto em

    perigo e que podem ser ajudadas.

    Uma vez se manifestou um incndio numa casa, que logo ficou toda

    envolvida em chamas. Num andar de cima havia um menino de cinco anos.

    Esse menino tinha uma misso a cumprir, um trabalho a realizar, um plano

    traado no espao para que ele viesse a realizar algo importante.

    Ausentes da casa as pessoas da famlia, um discpulo teve a viso

    astral do que se passava. Dirigiu-se para o prdio incendiado e conseguiu

    envolver o menino como que num halo de luz, dando-lhe uma coragem e

    uma energia inauditas.

    E houve tempo para que chegasse um bombeiro e o salvasse. Este

    bombeiro depois contou a um amigo que justamente no lugar onde o

    menino se achava, no havia pegado fogo e que ele, o bombeiro, viu um

    vulto branco em torno do menino, protegendo-o contra as chamas.

    Ora, um discpulo mais tarde contou que havia executado esse

    trabalho; fora-lhe permitido salvar esse menino porque o carma dele no

    era para morrer queimado. So inmeros os casos conhecidos entre os que

    se dedicam aos trabalhos ocultos, de socorros prestados pelos discpulos.

    Eles podem manifestar-se sob uma poro de formas, dependendo

    muito do grau de sua evoluo. H discpulos que se apresentam tomando

    uma forma fsica para avisar algum perigo, ou limitam-se a dar uma

    intuio.

    No se invoca o auxlio de um discpulo. Eles aparecem; em regra

    geral, eles procuram, diante de uma lei crmica de atrao mental, porque

    se ns fazemos um determinado bem, devemos receber um bem. lgico

    que se ns salvamos uma vida, devemos receber algo em troca, porque na

    vida nada se faz sem se receber uma retribuio; a conseqncia de uma

    lei crmica, de causa e efeito.

    Quando agimos, quando fazemos um bem qualquer, devemos receber,

    por conseguinte, o valor do bem prestado. De nada adianta estarmos a toda

    hora pedindo a Deus que nos mande algo, estarmos a implorar o auxlio

    dos mortos, porque estes nem sempre nos podem auxiliar.

  • No nos cabe tambm pedir aos espritos superiores o seu amparo e

    auxlio. Eles j esto em planos mais elevados, entregues a trabalhos

    superiores, e no nos podem auxiliar diretamente. No nos cumpre tambm

    estar pedindo aos discpulos que venham em nosso socorro. O que nos

    compete agirmos continuamente, agirmos a todas as horas, provocando,

    formando bom carma, amando a natureza sob todas as formas, no

    cortando nunca uma flor sem necessidade, no ferindo ningum, nem

    mesmo um pssaro. Amemos toda a natureza, dando ateno a uma planta,

    a uma flor, a um animal, seja ele o menor ou o maior.

    A todos prodigalizemos o nosso amor, toda a nossa vibrao de

    fraternidade, e teremos os espritos da natureza como nossos amigos.

    Amando a humanidade, amando todos os seres, auxiliando a evoluo

    da humanidade, ns teremos os devas como nossos amigos. Servindo ao

    prximo como a ns mesmos, teremos o amparo dos auxiliares invisveis,

    os discpulos.

    Por conseguinte, s o amor pode ser prece, ou a prece s pode ser o

    amor. Prece no pedir, a todas as horas a Deus que nos d alguma

    coisa, no agradecer a Deus o almoo ou o jantar que est em nossa

    mesa; e sim, pedir a Deus que nos d o esprito da compaixo, nos d

    idias de compreender que aquele almoo ou jantar pode e deve ser

    repartido com algum, e que as sobras da nossa mesa servem para outros.

    Um santo disse uma vez: "Enquanto toda a humanidade no puder comer

    po com manteiga, no quero manteiga; como s po".

    S pelo amor podemos realizar uma prece e a nossa prece deve ser

    assim: no pedir, no agradecer; viver, viver intensamente, viver servindo,

    viver amando a todos e a todos sentindo. Receberemos a recompensa por

    uma lei normal, e teremos ento uma aura pura, aura de perfeio; seremos

    rodeados pelos espritos da natureza que sentiro prazer de estar conosco.

    Quando nos extasiarmos diante de uma flor, quando regarmos uma rvore,

    quando fizermos carinho a um animal, teremos os devas diante de ns.

    Quando na prece orarmos pela humanidade toda, pedirmos pelos que esto

    lutando nos hospitais, nas casernas, nos presdios, ao sol ou chuva,

    teremos os devas perto de ns, porque eles trabalham pela evoluo da

    humanidade. Quando estivermos escrevendo um livro, fazendo uma

    conferncia til, teremos os devas perto de ns, porque eles sentem o

    desejo intenso de cooperar nesse trabalho de evoluo. Quando

    socorrermos uma criana, quando visitarmos um enfermo, quando conso-

    larmos um aflito, teremos os auxiliares invisveis, os discpulos, a nosso

    lado, porque eles querem nosso trabalho.

    Por conseguinte, faamos prece, mas que a prece seja um amor e um

    amor de trabalho.

  • III - A ESCOLA DA VIDA

    MUITOS anos passados, em plena mocidade, fui

    acometido de uma crise nervosa que quase me levou a um sanatrio de mo-

    lstias mentais. Apelei para os maiores clnicos, os maiores especialistas e

    estes nada resolveram. Das mos dos mdicos fui para as mos dos

    charlates, e depois busquei, no prprio espiritismo sem nada encontrar a soluo para o meu sofrimento. Vizinho da loucura, caiu-me s mos um livro de auto-sugesto mental, um livro do Prof. Emlio Cou.

    Li essa obra procurando pr em prtica as suas lies. Comecei com

    grandes dificuldades, porque o meu estado mental no me auxiliava. Com

    esforos e trabalhos, fui, pouco a pouco, adquirindo o domnio sobre mim

    mesmo. Adotei por lema a frase de Emlio Cou: "Todos os dias, sob todos

    os aspectos, sinto-me cada vez melhor". Repetia continuamente essa frase.

    Seguindo seu conselho, adotei um cordel cheio de ns, e quando sentia que

    a crise vinha, tomava do cordel e desfiando cada n, como um rosrio,

    repetia: "Todos os dias, sob todos os aspectos, sinto-me cada vez melhor".

    E realmente, no fim de algum tempo, fui-me sentindo melhor. Comecei

    a dominar a minha natureza; comecei a ser senhor de mim mesmo, a

    compreender que atravs de minha vontade poderia dominar o meu

    psquico. Assim fui melhorando cada vez mais e cheguei a uma cura. Com-

    pleta? No sei. No sei se at hoje estou completamente curado ou quase

    curado. Mas dominei-me; nunca mais tive um ataque, e da por diante,

    fazendo continuamente exerccios mentais, adquiri prazer nisso, senti que

    era uma verdade, fui-me conduzindo e governando, e essa fora me tem

    levado atravs da vida como uma chama, fazendo-me feliz. Naturalmente,

    um velho hbito nosso contar aos outros como saramos de alguma coisa, e

    a foi que comecei, entre amigos, a contar, ora a uns, ora a outros, e a

    aconselhar a todos que diziam sofrer de molstias nervosas, a leitura do

    livro de Cou, a seguir o seu trabalho, a fazer exerccios de auto-sugesto e,

    falando hoje para um, amanh para outro, certo dia, no sei como, me vi

    diante de um auditrio, e assim nasceram estas palestras. H perto de trinta

    anos venho pregando a auto-sugesto mental, o desenvolvimento da

    vontade, ensinando cada um a ser dono de si mesmo. Como velho

    professor, estas palestras sempre foram mais aulas do que qualquer outra

    coisa. No procuro decor-las, nem fazer citaes ou mostrar

    conhecimentos profundos. Procuro ensinar, criando com Emlio Cou, "A

    Escola da Vida".

  • Um dia, tomando o livreto "Viver Bem", escrito pelo mestre Antnio

    Olvio Rodrigues, encontrei este trecho:

    Procure ser til; existem inmeras ocasies, durante o dia, de

    prestar o seu auxlio; um simples olhar de simpatia, uma simples

    palavra de consolo ou de estmulo fazem erguer uma vontade

    desfalecida. No importa que a ao praticada lhe parea

    insignificante; por menor que seja a semente lanada terra, sendo

    de boa qualidade brotar, pois nada que bom se perde.

    Esteja sempre pronto a estender a mo quele que cai,

    estimulando-o a se erguer e seguir novamente o caminho. Encoraje os

    que desfalecem e que se deixam vencer sem esperana e sem f.

    Distribua, em todas as horas do dia, gestos delicados, palavras

    amveis, sorrisos carinhosos, boas aes. Estas atitudes, de aparncia

    simples, realizam, muitas vezes, verdadeiros milagres.

    O bom humor prolonga a vida e ajuda a resolver todas as

    dificuldades.

    No h pretenso de minha parte em ser um grande homem, mas h

    pretenso em seguir o que ensina o livreto "Viver Bem", isto , a ser

    compreendido, estar ao alcance de todo o mundo, ajudar todos a vencerem.

    Ns temos o inconsciente cheio de formas de pensamentos negativos e,

    enquanto no aprendermos a vencer esse inconsciente, no teremos

    realizado nada para dizer: "Ora, no tenha medo, no pense no mal". Mas

    entre o dizer e o praticar h uma grande diferena. O inconsciente est

    cheio de formas negativas que nos vm do passado, de nossos pais, porque

    todos ns temos a mania de educar os filhos. Mas eu pergunto: quem

    educou os pais? isso que procuro fazer: educar os pais para que as

    crianas possam ser educadas. Para vencer nosso inconsciente, para

    colocar neles idias positivas, preciso partir de um esforo constante,

    porque sabemos que, fora de pensar uma idia consciente, ns a

    colocamos no inconsciente.

    Ora, se o inconsciente est cheio de formas negativas, no nos

    possvel pegar nessas formas negativas, arranc-las e jog-las fora.

    preciso substitu-las pouco a pouco. Freud, o criador da psicanlise,

    ensinou o seguinte: "Se ns tivermos uma vasilha cheia de gua impura e

    quisermos substituir essa gua por uma gua pura, sem poder despejar o

    vaso que a contm, devemos abrir sobre ele uma torneira com gua pura.

    Assim, a gua ir saindo pouco a pouco e no fim de algum tempo a gua

    impura se tornar pura. Levar tempo, dependendo, naturalmente, da

    quantidade de gua impura que o vaso contiver e da quantidade de gua

    pura que pusermos dentro do vaso que ir modificar a nossa vida, isto ,

  • modificar nosso modo de pensar. No fcil. No dizendo: "De manh

    em diante vou pensar dessa forma; de manh em diante vou fazer isso, ser

    melhor". No basta. A vida no admite transies rpidas. A mudana se

    faz lentamente; levamos anos para modificar-nos mentalmente, mas, se

    criarmos idias positivas, se formos todos os dias, lentamente, batendo,

    repetindo, vamos gravando at que fique completamente fixa no consciente

    (e a razo de Cou aconselhar que se repita continuamente uma frase,

    porque fora de repeti-la a vamos gravando no consciente, lentamente),

    at que um dia o consciente fique cheio de idias positivas.

    Contudo, a dificuldade que tenho encontrado reside nas velhas idias

    enraizadas. Cada um de ns tem velhas idias, velhas crenas que nos

    foram doadas desde crianas e das quais no temos fora nem coragem

    para nos livrar. Por exemplo: um velho fazendeiro dispe em sua fazenda

    de velhssima mata e quer derrub-la para semear trigo. Quando vai

    derrubar a mata para fazer a sementeira, aparece-lhe o filho e diz: "Olhe,

    aquela rvore; no a corte, papai; to bonita; sua sombra, eu brincava

    sempre". Chega outro filho e diz: "Aquela trepadeira to bonita; no deve

    cort-la". "Aquela rvore tem um passado vivo; respeite aquela rvore".

    Assim, o fazendeiro corta aqui um pouco, ali outro pouco, alm mais um

    pouco, e no fim ir plantar sombra daquela rvore, para no a prejudicar

    e terminar no tendo colheita. Agora chega outro lavrador e diz:

    "Derrube tudo".

    "Mas aquela rvore tem um passado", respondem-lhe.

    "Derrube-a com passado e tudo", retruca ele.

    "Eu brincava sombra daquela outra rvore; derrubando-a perde-se a sombra", obtemperam-lhe.

    "Derrube tambm aquela rvore", prossegue ele; "preciso semear e colher trigo".

    Assim temos que fazer. Rompermos com velhas religies, com velhos

    preconceitos, com velhos hbitos, para criar e manter hbitos novos. Como

    disse, no rapidamente que se faz tal modificao; lentamente, atravs

    de um esforo contnuo que ns o conseguimos. Intitulo esta palestra de "A

    Escola da Vida", porque sempre disse para comigo mesmo que as escolas

    nos ensinam tudo, menos a viver. Ns somos de uma sabedoria enorme em

    tudo, menos na arte de viver.

    Um sbio atravessava de barca um rio e, conversando com o barqueiro,

    perguntava: "Diga-me uma coisa: voc sabe botnica?" O barqueiro olhava

    para o sbio e respondia: "No minto, no senhor; no sei que histria

    essa". "Voc no sabe botnica, a cincia que estuda as plantas?" "Mas que

    pena! voc perdeu uma parte de sua vida!" O barqueiro continuou

  • remando. Depois de um pouco, perguntou novamente o sbio: "Diga-me

    uma coisa: voc sabe astronomia?" O coitado do caiara cocou a cabea,

    olhou de um lado, olhou de outro, e disse: "No, no, senhor; no sei o que

    astronomia". "Astronomia a cincia que estuda os astros, o espao, as

    estrelas". "Que pena! voc perdeu parte de sua vida!" E assim foi

    perguntando um pouco de cada cincia; se o barqueiro sabia sociologia,

    fsica, qumica, e de nada o barqueiro sabia. E o sbio sempre terminava

    com o seu rifo: "Que pena! voc perdeu parte de sua vida!" De repente o

    barco bateu de encontro a uma pedra, rompeu-se e comeou a afundar. O

    barqueiro perguntou ao sbio: "O senhor sabe nadar?" "No, no sei". "Que

    pena! o senhor perdeu sua vida inteira!"

    assim que encontro pela vida afora essas pessoas de sabedoria.

    Sabem tudo, sabem todas as matrias, discutem todas as artes, todas as le-

    tras, conhecem tudo deste e do outro mundo. Preferem saber coisas do

    outro mundo, mas quando procuramos saber se essas pessoas tm a menor

    noo da arte de viver, no a tm, no sabem viver. isso o que procuro

    ensinar atravs das minhas palestras; busco ensinar a viver para que no s

    aprendamos a viver como aprendamos tambm a conhecer nossa alma e a

    nos dominar. A fim de poder entender vossa alma, deveis passar por uma

    limpeza espiritual. Deveis limpar-vos de vossas impurezas, ms aes, e

    maus pensamentos. Afugentai toda ambio pessoal, todo desejo

    individual, todo pensamento egosta. Convencei-vos de que no sois seno

    uma pequena unidade no grande todo, uma folha a mover-se na infinita

    rvore da vida, simples gota d'gua no vasto oceano da imortalidade.

    Esquecei-vos do vosso eu e pensai nos vossos semelhantes. Dessa forma

    no s aprendereis a conhecer a vossa alma, como sereis capazes de

    encaminhar o curso de vossa alma para a Alma de Deus, da mesma maneira

    que as guas dos rios fluem para o oceano.

    Ns devemos pensar nos outros, mas naturalmente pensar bem dos

    outros, porque h muita gente que pensa em seus semelhantes, mas s

    pensa mal. O que nos aconselha a pensar nos outros o sagrado Evangelho,

    porque ns devemos dar aos outros em amor, em bondade, em fraternidade.

    Devemos auto-educar nosso pensamento, porque, enquanto no educarmos

    nosso pensamento, enquanto no educarmos nossa vontade, nossos

    pensamentos estaro sempre no espao, perdidos, e se no os

    coordenarmos, no conseguiremos manter uma linha de pensamento

    permanente, igual e feliz. Educar o pensamento no to difcil; basta um

    pequeno esforo; s traar dentro de ns esta vontade: dia por dia terei de

    ser melhor.

    Prentice Mulford nos adverte que se todos os dias fizermos um

    pequeno esforo, seja ele o mais simples, acabaremos educando a nossa

    vontade. Ele aconselha, por exemplo, que se coloque todos os dias, no

  • quintal, uma pedra. Todas as noites, a uma hora certa, ou antes de deitar,

    devemos pegar essa pedra e traz-la para dentro de casa, e de manh, ao

    levantar-nos, lev-la ao mesmo lugar no quintal. Eu sei que todos dizem:

    que coisa fcil. Ento aconselho que faam essa experincia. Comecem

    todos os dias, ao se levantarem, por tomar um objeto e lev-lo ao quintal, a

    um lugar qualquer, e noite vo busc-lo para traz-lo de volta para casa.

    Vo ver que na primeira noite o fazem; na segunda se esquecem; na ter-

    ceira deixam de faz-lo porque faz frio; na quarta porque chove; outro dia,

    a noite est bonita, e ento vo. Todavia, isso no adianta quase nada,

    porque s um exerccio persistente, constante, que educa a vontade. E

    preciso todos os dias fazer o mesmo exerccio, todas as manhs levar o

    objeto a um determinado lugar e noite ir, busc-lo, e assim, atravs desse

    esforo, ir educando a vontade. Educar a vontade o nico meio de se

    conseguir caminhar para a felicidade. Ningum conseguir ser feliz se no

    comear a educar sua mente, a desenvolver a sua vontade. Se cada um de

    ns fizer todos os dias um exerccio, todos os dias um esforo, acabar

    educando a vontade. Isto o que desejo conseguir nesta srie de palestras

    que vou fazer. Tornar bem claro, repisar, para que no fim de algum tempo

    todos possam dizer, como eu digo: venci.

    5 de julho de 1948

    IV -A AUTO-EDUCAO

    NOSSA formao mental faz-se durante a infncia.

    teoria ainda hoje muito difundida de que os fatores externos pouco

    influenciam na formao da personalidade, ope-se modernamente uma

    srie de observaes que mostram a ao decisiva do ambiente, sobretudo

    nos cinco primeiros anos de vida. A anlise psicolgica, em inmeros casos

    individuais, revela que as diretivas da conduta do indivduo no so mais

    que hbitos mentais adquiridos na primeira infncia. Que a personalidade

    psquica se no a sntese dos hbitos mentais? Para ns essa defeituosa

    formao psquica, por influncia das excitaes da vida de que fala

    Krapelin, nada mais do que o conjunto de hbitos mentais adquiridos

    atravs da vida e que num dado momento desabrocham em manifestaes

    paranicas. Dessa forma, vemos que a nossa formao mental toda feita

    durante a nossa infncia. Durante a infncia gravamos todos os fatos que

    iro mais tarde influenciar nossa vida.

  • E eu pergunto: qual a formao mental que os professores nos do?

    Uma formao mental completamente negativa. Ns todos sofremos de um

    complexo de inferioridade porque somos educados mentalmente num

    complexo de inferioridade. Tudo quanto nos dizem, tudo quanto fazem

    para formar a nossa mente, diminuindo, deprimindo, nada construindo,

    no nos elevando mental ou moralmente. Mas, como podem os nossos pais

    levantar-nos, se eles j foram criados dessa mesma forma; se eles ouviram

    o que repetem; se a sua formao mental imperfeita?

    Ora, vemos desde o bero a forma errada pela qual somos criados.

    Comeam a nos enganar na vida desde pequeninos, quando nos pem uma

    chupeta na boca. A chupeta uma mentira. Todo esforo merece uma

    recompensa. A chupeta a gente a usa, porm sem a recompensa que advm

    do seio materno. As crianas sabem que chupando o seio, recebem o leite.

    um esforo com uma recompensa. No entanto, a chupeta uma mentira.

    As crianas se cansam, fazem enorme esforo na esperana de receber

    alimento, e nada recebem. Desde a comeamos a ser enganados.

    Depois a criana vai crescendo e deve aprender a andar. Poucas so as

    crianas que aprendem a andar por si. A maior parte aprende a andar,

    segura pela camisinha, pelo seu calo, amarrada ao bero, dando a mo ou

    em carrinho de roda. Quer dizer: o homem o nico animal que precisa de

    algum para o ensinar a andar. No aprende a andar por si, no faz esforo,

    enquanto no tiver mos que o amparem. Assim fica atravs da vida,

    sentado, querendo que algum o segure pelas fraldas ou pela camisa para

    ajud-lo a andar.

    assim a nossa formao mental. Vamos crescendo num ambiente

    onde nos dizem, onde ouvimos continuamente todas as formas negativas de

    pensamento: "A vida um vale de lgrimas"; "a vida um sofrimento"; "a

    vida uma tragdia". Vamos, desde a infncia, crescendo com a idia de

    que viemos ao mundo para sofrer, para viver num vale de lgrimas.

    Depois, quando crescidos, nos passam a inculcar idias religiosas.

    Ento pior. Ensinam-nos a idia de um Deus. Um Deus sob todos os

    aspectos negativo: um Deus inconsciente e mau, porque um Deus que fez

    no primeiro dia a terra, depois a gua, depois isto e aquilo. Tudo o que fez

    achou bom, mas passados alguns anos, Ele, onipotente, onipresente,

    onisciente, achou que tudo estava ruim e por isso mandou um dilvio

    destruir o que tinha feito. Fez a obra e Ele mesmo achou que no prestava.

    Ento comeam todos a manter a idia de um Deus negativo.

    Depois, para nos governar, porque a mame e o papai no podem

    conosco, arranjam um Deus que castiga: 'Menino, se voc subir a essa ca-

    deira, Deus o castiga". "Se tirar fruta do pomar, Deus o castiga". E ns

    ficamos acreditando que tudo quanto fazemos Deus castiga. Que Deus est

  • atrs da porta com uma varinha de marmelo para nos castigar. Acontece

    que um dia subimos cadeira e no acontece nada. Deus no castigou.

    Outro dia vamos ao pomar tirar frutas e no nos acontece nenhum castigo.

    Se nesse momento Deus est descuidado, ento levamos a vida inteira

    procurando Deus distrado para travessuras. Todos estamos convencidos de

    que um erro feito sem castigo ser por causa de Deus estar distrado. Ento,

    debaixo disso temos o direito de errar. Se temos fora para arrepender-nos,

    por que no temos o direito de errar?

    Depois nos dizem um poro de coisas bonitas: "No mintas, nunca,

    menino". "Diz sempre a verdade", e ficamos convencidos de que no

    devemos mentir nunca. Acontece que depois batem porta. o padeiro.

    Grita logo o marido: "Mulher, se for o padeiro, diga que no estou em

    casa". uma mentira. Para as crianas, nada no mundo maior, mais cheio

    de luz do que os seus pais. Seus pais so uma coisa extraordinria.

    Ora, ouvindo o pai mentir, acham que tambm podem mentir. Ora, o pai

    mente para se defender, e a criana sabe o objetivo. Esse caso de dizer "ele

    no est em casa" tpico. Esto-nos dando uma formao mental pssima.

    Vamos crescendo, vamos vivendo num ambiente errado. Tudo quanto

    negativo nocivo nossa formao mental.

    Se os pais soubessem a influncia que exercem sobre os filhos, sua

    vida seria outra, suas conversas, as msicas, tudo fariam para elevar a alma

    da criana. Mas no fazem isso. Acham que a criana no v, no ouve e

    no sente. No verdade. A nossa mente infantil como um filme

    cinematogrfico sem gravao. Tudo quanto as crianas vem em torno de

    si, vo gravando, ainda que no se apercebam. As idias ficam gravadas no

    subconsciente, e assim gravamos todas as impresses de nossa infncia.

    Se formos mal-educados mentalmente, da forma que exponho, como

    que depois de homem poderemos ter a mente clara, concisa, forte, til?

    Mais tarde ouvimos nossos pais dizerem: " preciso gozar a vida".

    Gozar a vida interessante. Ainda no vi ningum falar em gozar que no

    pensasse em beber champanha, comer peru e namorar a mulher do

    prximo. Chama-se a isso gozar a vida. Estudar, trabalhar, produzir para

    ganhar dinheiro, no. Nossa preocupao no fazer uma formao mental

    boa, no fazei bela a vida para ser bela a morte. Conheo a teoria de que

    a morte nivela os homens. No creio. No creio que depois da morte os

    homens pequeninos deixem de ser pequeninos e os grandes deixem de ser

    grandes. A morte no nivela nem iguala, porque os pequenos no se

    tornam grandes e os grandes no se tornam pequenos. Ns temos a

    preocupao de gozar a vida. Como gozar a vida consiste em ter dinheiro,

    ns vivemos, ento, com a preocupao mental do dinheiro, do bem-estar.

    Quando nos dizem: "Fulano est bem", pensamos logo que fulano tem

  • dinheiro. Ningum pensa que fulano est bem, porque alcanou a linha

    mxima, perfeita. No, ele est bem, porque tem dinheiro. Se ele vai casar

    bem, porque a noiva tem dinheiro. Estamos com a idia geralmente

    materializada, estamos vivendo dentro de uma poca completamente

    materializada, e assim que formamos a nossa mente.

    Quando atingimos a mocidade, a maioridade, estamos com a mente

    formada e a raramente nos pem na mo um livro que nos poderia ajudar a

    viver. Ao contrrio, comeamos a pegar romances de aventuras policiais e

    a assistir filmes cinematogrficos, com longas viagens, com bailes, festas,

    casacas, onde vemos como se goza a vida, como se leva uma vida feliz.

    Nossa formao mental, porm, inquestionavelmente uma formao

    negativa. Quando a queremos modificar, encontramos uma dificuldade:

    vibra-nos um subconsciente inteiramente formado e gravado de todas as

    idias negativas.

    Se nos tivessem, desde criana, dado idias positivas, feito ouvir boas

    msicas, levado a museus; se nos tivessem mostrado quadros belos,

    chamando-nos a ateno para o nascer e o pr do sol, para as flores, para os

    pssaros, nossa mente teria tido uma formao artstica superior. E o que

    acontece que ns agora temos assim uma formao completamente

    negativa. negativa a nossa formao porque nos pegaram pelas fraldas,

    pela camisa, e assim continuamos at agora. Ento vamos em busca de

    foras que nos amparem. No encontrando um papai, uma mame que nos

    d a mo para ajudar; no encontrando um padrinho que nos proteja ou que

    nos d um dinheirinho, comeamos a buscar fora da terra essa proteo.

    Ento, volvemos os olhos para onde? Para os santos, para os guias

    protetores, para os mestres, para as foras externas, e ento tudo que

    fazemos depende de um Deus particular: "Vou a tal lugar se Deus quiser";

    "encontrarei isto se Deus quiser"; "se Deus quiser no encontro nada".

    Cada um traa o seu destino "se Deus quiser", no compreendendo que

    precisa desenvolver a sua vontade.

    Dessa atitude negativa provm muitas das molstias nervosas, e essas

    molstias esto de tal maneira espalhadas, que j um velho ditado diz: "Que

    de mdico e louco cada um tem um pouco". Acredito que de mdico temos

    um pouco, mas que de loucos quase todos ns temos muito. Todos somos

    desequilibrados nervosos, desequilibrados mentais, sem vontade prpria. E

    o que acontece? Vamos buscar a cura aonde? Aos mdicos de nervos. A

    evoluo da psicoterapia demonstra que progressivamente a medicina tira

    da alma foras para a cura das psiconevroses, isto , da neurastenia,

    histeria, psicastenia, e para a reeducao do carter. Essas foras esto

    dentro de ns. Os clientes vo pedi-las aos clnicos, e mal sabem que todas

    se acham latentes no ntimo deles mesmos.

  • Que pensamento faz parte das grandes energias naturais, como a

    eletricidade, as quedas d'gua, as correntes atmosfricas. A sua boa direo

    educa os povos, faz o progresso humano, constri as sociedades, melhora

    as raas e cura os enfermos. O grande segredo est no justo aproveita-

    mento de to extraordinria fora. Ns encontramos dificuldades em

    explicar isso porque estamos cheios de teorias, e o mais difcil a prtica.

    Precisamos abandonar as idias negativas, tais como as de que o

    mundo um vale de lgrimas, de que tudo triste, de que a dor a nossa

    companheira. Deixemos de lado a dor e o aborrecimento. A vida me

    maravilhosa, porque s compreendo uma coisa: nada aceito fora da lgica e

    da cincia.

    Raciocinemos com lgica: h um Deus que criou o mundo. Todos ns

    cremos na existncia desse Criador. Quase todo o mundo o cr. Eu

    pergunto: Se Ele, onipotente e onipresente, criou alguma coisa, tirou-a de

    si, porque no podia criar alguma coisa do nada. Ele tirou de si este mundo,

    e por conseguinte, tirou-nos dele; portanto, no posso crer em nada

    imperfeito. No admissvel que haja alguma coisa errada, porque se o

    houvesse, seria o prprio Deus que a criou.

    Essa histria de diabo absurda, impossvel ter Deus um opositor.

    Ele no tem opositores. Ele criou todas as coisas, e por conseguinte, todas

    as coisas so boas. Agora perguntamos: por que existe o mal? No existe o

    mal. Ns que tomamos diversas coisas como mal e outras coisas como

    bem. Do problema geral da criao nada entendemos, porque Ele criou as

    melhores coisas.

    J um dia um pastor protestante me perguntou: "O senhor cr que os

    animais tm alma ou tm utilidade?" No o sei. Creio que se Deus os criou,

    devem ter utilidade. Qual a utilidade da pulga? Naquela ocasio no o

    sabia; mas todos devem saber que recentemente foi descoberto que as

    pulgas curam doenas mentais, e por conseguinte, so teis. Ainda no h

    confirmao cientfica, mas consta que as minhocas produzem no subsolo

    certa substncia que fortalece a vista. Assim, veremos ainda algum dia que

    tudo tem razo de ser. O Supremo Criador, Deus, no podia fazer nada que

    no fosse bem feito. Perfeitamente. Ou isso lgico ou ento no sei o que

    seja lgico. Se criou tudo com esta perfeio, as coisas que nos parecem o

    mal, no so ms, so boas. E os sete pecados mortais? Os sete pecados

    mortais que chamamos pecados no foram criados por Ele, porque Ele

    criou a vida e suas manifestaes.

    preciso compreender-se bem que quando falo em criao, no creio

    nela, porque para criar-se algo preciso tir-lo de alguma coisa. Deus s

    poderia manifestar-se tirando algo de si mesmo. Soube manifestar-se em

    vida, e essa vida est em evoluo. De fato, depois do estado primitivo,

  • voltamos a Ele, seguindo uma linha perfeita de evoluo, semelhante que

    traamos da nossa infncia velhice. Assim tambm essa coisa que

    chamamos pecado, ou mal, tem uma razo. Se analisarmos com

    imparcialidade, veremos o pecado atravs da formao mental da vida. O

    homem, no seu estado primitivo, tinha um viver simples, morava em

    cavernas, no se impressionava com nenhuma coisa, no queria nada e no

    tinha nada; alimentava-se de frutas e vivia mais ou menos satisfeito. Mas

    veio a ambio. Por ambio ele quis conquistar as terras vizinhas, e por

    conseguinte se preparou para uma luta e para essa luta inventou o uso da

    arma. Comendo s fruta, veio-lhe a vontade de comer peixe e pssaros, e

    teve que desenvolver a inteligncia para pescar e caar. Por isso inventou a

    arma e o anzol. Ante a necessidade de satisfazer sua gula, plantou, semeou

    e colheu, e descobriu que, cozido, o alimento era melhor. Vieram ento a

    vasilha e a descoberta do fogo.

    Assim o homem foi fazendo tantas descobertas atravs de sua gula e de

    seu orgulho. Quis se mostrar mais embelezado, e foi atravs da vaidade que

    ele se fez mais bonito. Assim, comeou a pintar-se, a adornar-se, e vendo-

    o, as mulheres passaram a pintar-se tambm, como o fazem at hoje. Que

    seria dos pescadores de prolas, que seria dos caadores de animais, se no

    fosse a vaidade feminina? Que seria de todas as nossas fbricas de bons

    produtos, se no fosse a gula humana? Que seria do mundo, se nos

    contentssemos com bananas, com razes, com mandioca? O mundo no

    teria a evoluo que teve. Assim, a evoluo foi feita atravs do chamado

    pecado mortal.

    Analisamos estes fatores porque mais tarde, quando atingirmos nossa

    evoluo, teremos que lembrar-nos disso, pois a evoluo como a

    serpente em crculo mordendo a prpria cauda. Por conseguinte, temos, por

    concluso, que tudo no mundo est perfeitamente analisado e que nenhuma

    mente foi mal formada, embora estejamos cheios de idias negativas.

    Friso isso para ficar bem claro que a culpa a formao errada que

    recebemos. Quanto mais empreendemos, mais iremos pondo idias novas,

    positivas; iremos aprendendo por ns mesmos a receber idias novas.

    Precisamos deixar de viver pedindo amparo, mendigando s portas do

    Eterno, suplicando que nos ampare e que o Alto nos ajude a pr em Deus a

    responsabilidade de tudo que acontece. No. A responsabilidade do que

    acontece nossa. Cada um de ns aquilo que lhe ensinam. Cada um de

    ns o responsvel por sua prpria vida, pois cada um traa o seu prprio

    destino.

    O nosso pensamento uma grande fora: ele sempre se exterioriza, se

    objetiva, se realiza em nosso corpo fsico, faz e desfaz molstias diversas,

    em condies mal definidas. Transmite-se a distncias imensas e

    impressiona crebros afinados em consonncia com o crebro emissor.

  • Assim que Lourdes cura luz clara do sol; cura como curam todos os

    focos de f intensa. Assim curava a piscina de Betsaida, na Judia; assim

    so curados os peregrinos da Meca e os sectrios de Buda, na ndia. Assim

    na nossa Capela da Aparecida; assim se do curas na humilde cabana do

    feiticeiro atrasado, mas capaz de ter f viva "como um gro de mostarda".

    A gente acredita em milagres. Ora, milagre aquilo que se realiza fora

    das leis naturais. Eu lhes digo francamente que no creio absolutamente

    que coisa alguma se realize fora das leis naturais. A maioria dos fenmenos

    que no momento no podem ser explicados, com o correr dos tempos

    encontrar a sua explicao. Essas curas quase milagrosas de que ouvimos

    falar, no mais as consideraremos milagres se as formos buscar luz da

    sugesto. Aceitarei o milagre da Capela de Lourdes ou das guas do

    Ganges, se eu vir nascer um dedo numa pessoa que no o tivesse. A seria

    um caso contra as leis naturais. Mas fazer um paraltico andar, no. No

    vejo milagre a, porque tem o paraltico que sarar desde que j tenha perna.

    Ele tem perna e no anda. Mostrem-me quem anda sem ajuda, no tendo

    perna. uma questo psiconeurtica que podemos explicar

    cientificamente. Por isso h paralticos que saem andando.

    Conheo o caso, nos Estados Unidos, de um pavilho com 17

    paralticos. O pavilho pegou fogo e 13 paralticos levantaram-se,

    desceram as escadas e saram correndo. Os outros 4 morreram queimados

    porque tinham leses nos nervos e no podiam sarar. Os outros tinham

    reflexo condicionado e por isso andaram. Quando viram o fogo, despertou-

    se-lhes a energia e saram correndo. Milagre de quem? Milagre de Deus,

    diro!

    Nos milagres de Santo Antoninho ningum se lembrou de que Deus

    fez milagres para ele. Ns somos assim. H um desastre de automvel e

    algum se salva: "Graas a Deus me salvei", diz a pessoa, "no foi por

    casualidade". Mas nesse mesmo desastre de automvel um menino morreu.

    Deus no foi camarada com esse menino. Sempre salva s um. Graas a

    Deus salvou-se um. Para o atrasado que se machucou, que quebrou a

    perna, "graas a Deus ele no morreu".

    S se diz graas a Deus, quando no se cai. No h lgica nisso; pode

    parecer que haja, porm no h. A nossa mente est, por conseguinte,

    predisposta a criar uma fora positiva para vivermos a vida que ns

    criamos: a idia consciente de que cada um de ns traa o seu prprio

    destino. Eu j disse esta verdade diante de uma coletividade.

    Devemos traar o nosso prprio destino; por conseguinte, vamos fazer

    um esforo para que a nossa atitude mental permita que cada um de ns v

    caminhando por si, vencendo por si, traando seu destino por si. Marco

    Aurlio disse: "Apaga no pensamento o que for apenas imaginao", di-

  • zendo at mesmo constantemente: "Agora tenho o poder de expulsar de minha alma qualquer vcio, qualquer desejo, numa palavra, qualquer

    inquietao: e vendo as coisas como so, sirvo-me delas conforme o seu

    prstimo. Lembra-te deste poder que a natureza te confere".

    Buscarei tambm exemplos no livro que considero o livro-chave de

    todos os livros, o livro que devemos ter em nossa cabea, o livro que deve-

    mos ter dentro de ns, mas estou certo de que no haveria mais guerras,

    no haveria mais animosidade, e sim, paz e concrdia, se apenas se

    realizasse esta sua frase: "Amai-vos uns aos outros". Jesus mostrou

    perfeitamente, nas suas curas chamadas milagrosas, o poder extraordinrio,

    o poder da sugesto que Ele chamava F. Vejamos S. Mateus, cap. 9, vers.

    20-22: "E eis que uma mulher que havia j doze anos padecia de um fluxo

    de sangue, chegando por detrs dEle, tocou a orla de seu vestido; porque

    dizia consigo: se eu to-somente tocar seu vestido, ficarei s. E Jesus,

    voltando-se e vendo-a, disse: Tem nimo, filha; tua f te salvou. E

    imediatamente a mulher ficou s". Note-se que Ele no disse: "Eu te curei.

    Eu fiz o milagre". "Tem nimo, filha; tua f te salvou", foi o que Ele disse.

    Ainda S. Mateus, vers. 28-30: "E quando chegou casa, os cegos se

    aproximaram dEle; e Jesus disse-lhes: Credes vs que eu possa fazer isso?

    Disseram-lhe eles: Sim, Senhor. Tocou ento os olhos deles, dizendo: Seja-

    vos feito segundo a vossa f. E os olhos se lhes abriram". Isso indica

    perfeitamente que Jesus mostrava que a f, o poder da sugesto, o poder do

    indivduo, o seu desejo enorme, era o que curava. No era Ele quem estava

    fazendo milagres.

    Se cada um de ns adquirisse essa confiana enorme em si, se cada um

    quisesse adotar gratuitamente o lema que lancei h alguns anos "Hei de Vencer" e pensasse diariamente: "Hei de Vencer", venceria as doenas, as lutas, porque se venceria a si mesmo. E que maior inimigo tem o homem

    do que a si mesmo? Bem proclamou o imortal Pitgoras em seus "Versos

    ureos":

    Conhecedor, assim, de todos os teus direitos, Ters o corao livre de

    vos desejos E sabers que o mal que aos homens cilicia De seu

    querer fruto: e que esses infelizes Procuram longe os bens cuja fonte

    em si trazem! Seres que saibam ser ditosos, so mui raros. Joguetes

    das paixes oscilando nas vagas, Rolam, cegos, num mar sem bordas

    e sem termo, Sem poder resistir nem ceder tormenta. Salvai-os,

    grande Zeus, abrindo-lhes os olhos! Mas no; aos homens, cabe eles, eles, raa divina,

    O Erro discernir, e saber a Verdade. A Natureza os serve. E tu que a

    penetraste, Homem sbio e ditoso, a paz seja contigo, Observa minhas leis,

    abstm-te das coisas Que tua alma receie, em distinguindo-as bem: Sobre

  • teu corpo reine e brilhe a inteligncia, Para que, ascendendo-te ao ter

    fulgurante, Mesmo entre os imortais consigas ser um Deus.

    12 de julho de 1948

    V CONFORMAO VERSUS INCONFORMAO

    Ns SOMOS desde a infncia preparados para uma vida feliz. Isso herdamos

    de muito longe. No passado as religies pregavam to-somente que o

    homem devia sofrer o mais que pudesse neste mundo para ser feliz no cu

    e, como so raros os que vo para o cu, ns continuamos sofrendo no

    inferno. Portanto, a nossa vida sofrer neste mundo e no outro. Quanto

    mais sofremos, melhor!

    Assim, cria-se um complexo de inferioridade em nossa mente; estamos

    de tal maneira preparados para tudo quanto mau que, se analisarmos um

    pouco a vida em torno de ns, notaremos que quando toca uma campainha

    em casa e vemos que um telegrama, todos correm aflitos e pensam: "Que

    ser?" "Quem morreu?" Ningum espera uma notcia boa. "Que coisa boa

    ter acontecido?" isso ningum diz. Esperamos, matematicamente, uma

    coisa m. Se toca o telefone durante a noite, corremos para atend-lo e

    pensamos: "Meu Deus, que ter acontecido?" Ningum espera que tenha

    sido um engano, o acaso, uma boa notcia, ou a visita de algum a que

    queremos bem.

    Sempre esperamos coisas ms. Estamos sempre preparados na vida

    para coisas ms. Se algum se demora na rua, perguntamos logo: "Meu

    Deus, que ter acontecido?" Pensamos logo num desastre. Que a pessoa

    tenha encontrado um colega, no nos ocorre; nossa mente cria logo a idia

    de um desastre, de um sucesso mau. Estamos sempre preparados para o que

    h de mau. As crianas so obrigadas, necessariamente, a ter sarampo,

    tosse comprida, coqueluche, catapora, porque precisam ter. Mas no vejo

    necessidade nenhuma em ter todas essas coisas. Posso-lhes garantir que

    no tive nada disso. A nossa mente est de tal modo preparada que as

    crianas ho de ter isso. Porque sabemos que algumas crianas no bairro

    tiveram sarampo ou tosse comprida, esperamos que nossa casa h de vir

    tambm o sarampo ou a tosse comprida. Nossa mente est sempre

    preparada dessa forma negativa e difcil venc-la ou modific-la para

    uma forma positiva, a fim de esperarmos coisas boas. Isso raramente

    esperamos.

  • A nica vez que compramos iluso quando adquirimos um bilhete de

    loteria. A sim; nessa ocasio todo o mundo espera que seu dia chegar.

    Espera. Mas no chega. interessante quando se ouve respeitveis chefes

    de famlia dizerem: "preciso fazer economia: preciso ter um dinheirinho na

    Caixa". Por qu? "Porque amanh pode ser preciso uma operao em

    casa". Ele est precisando de dinheiro para uma operao: est criando a

    idia mental de uma operao, de uma vida pobre. Vo-me dizer que

    prudncia. Ah! No. Est criando coisas ms, est vendo coisas ms.

    Naturalmente, quando h um caso de molstia contagiosa, ns todos

    esperamos a hora de a doena chegar nossa casa. Procuramos fugir;

    desinfetamo-nos, procuramos livrar-nos da molstia fisicamente;

    moralmente, no entanto, estamos chamando a doena, provocando-a. Co-

    nheo a histria da peste que se aproximava de uma cidade, ao lado da

    morte. O governador da cidade ia saindo. Encontrando a morte, disse-lhe:

    "Escuta uma coisa; no faas muito mal minha cidade". A morte olhou-o

    e disse-lhe: "No. Vou tirar 3000 pessoas s". "Bem; sendo assim, pa-

    cincia", disse-lhe o governador. E saiu. Contudo, soube durante o

    caminho que tinham morrido 20000 pessoas. Quando voltou, encontrou a

    morte e a peste que regressavam. Ele parou e disse morte: "Voc me

    prometeu tirar 3000 pessoas, mas tirou 20000; um excesso de 17000

    pessoas; como foi isso?" A morte olhou-o bem e respondeu-lhe: "No,

    tenha pacincia. Eu e a peste tiramos 3000 pessoas; as outras 17000

    morreram de medo, no de peste". O medo foi que fez com que

    morressem. A nossa mente est sempre esperando coisas ms. Devemos

    criar uma atitude mental forte, uma atitude mental positiva, a idia de

    vencermos dentro da vida, de sermos felizes.

    No viemos ao mundo para sofrer. A dor purifica, a dor eleva? No. A

    dor perfeitamente desnecessria. Vamos deixar de doenas, de pestes, de

    dor. Vamos sentir na vida a alegria, a felicidade. Para combater essa forma

    negativa no campo da auto-sugesto, Emlio Cou criou a clebre frase:

    "Todos os dias, sob todos os aspectos, sinto-me cada vez melhor".

    Achei a frase um pouco grande, um tanto comprida, e nem sempre, nas

    horas de necessidade, nos lembramos de repeti-la. O Padre Manuel Marie

    Desmarais, que recentemente fez uma srie de conferncias nesta Capital,

    aconselhou a frase seguinte: "O mundo ser melhor e mais feliz porque eu

    vivo".

    Eu, h muitos anos, sintetizei tudo isso numa frase simples e rpida, bem

    incisiva: "HEI DE VENCER". A minha frase, no comum, mal-interpretada,

    porque quase todas as pessoas dizem Eu hei de vencer" da forma que

    entendem. Para dizer "hei de vencer", seria preciso que primeiro a pessoa

    dissesse: "hei de me vencer". H coisas mais difceis do que vencer-se a si

  • mesmo? Sintetizando, prefiro dizer: "hei de vencer". No sei como, nem

    quando, nem de que forma, nem de que jeito, mas sei que "hei de vencer".

    Uma ocasio, duas rs caram em duas vasilhas com leite. Uma r era

    da escola do "Eu hei de vencer", da energia, da vontade, da perseverana. A

    outra, era uma r que aceitava o destino pelo destino porque estava escrito

    no "Matktub" dos rabes. A r do "Hei de vencer" comeou a nadar e a

    dizer "Hei de vencer". "Eu hei de vencer"; a outra r rezava e dizia: "Seja

    feita a vontade de Deus". A primeira batia os ps, fazia fora, e a segunda

    dizia: "Minha irm, por que essa fora? No adianta cansar-se; da voc

    no sai mesmo". A r perseverante respondeu: "Saio sim. O prof. Riedel

    diz que devemos vencer; portanto, "hei de vencer". Com certeza essa r

    assistira a algumas de minhas palestras! No fim de algum tempo, aconteceu

    uma coisa que ningum esperava: de tanto a r bater os ps, o leite virou

    manteiga. Ento ela firmou o p, pulou fora e disse: "Eu hei de vencer". A

    outra continuou no seu fatalismo e morreu. Assim, na vida, a nossa atitude

    mental modifica a nossa situao. Quando menos esperamos, a situao

    muda, modifica-se. O difcil criarmos a atitude mental "Eu hei de vencer". No sei quando e nem como. No sei quanto tempo o leite batido

    pelas patinhas da r levou para virar manteiga. Agora: "Eu hei de vencer"

    cria uma atitude mental forte. Bastante semelhante a essa histria das duas

    rs, um trecho de uma das conferncias do Padre Desmarais sobre a

    Psicologia Aplicada. Ele trata da influncia do psquico sobre o fsico:

    "Quem no sabe que o otimismo, a confiana de sarar, para um

    doente o melhor remdio? Havia no Canad um padre dominicano tu-

    berculoso, que os superiores mandaram para um sanatrio. No quarto que

    lhe fora reservado, encontrou um padre de outra comunidade, que se

    achava mais ou menos no mesmo estado de molstia. Desde o comeo, o

    nosso padre repetia: "Quero sarar, quero sarar". Ps-se a rezar com nimo,

    a estudar liturgia, a histria da igreja, etc. Como passatempo recreativo,

    comeou uma coleo de selos. Uma correspondncia abundante com

    filatelistas dos pases, os mais diversos, ocupou vrias das suas horas

    vagas. Desse modo, manteve-se ocupado, jovial, confiante, rejeitando toda

    introspeco mrbida na sua molstia.

    O outro padre, ao contrrio, passava a maior parte de seu tempo

    desocupado, ruminando as suas idias negras. "Que pena!", suspirava ele.

    "Os mdicos dizem que terei de passar dois anos aqui. Dois anos, como

    custam a passar! Sou padre... as almas tm tanta necessidade de ministrio

    sacerdotal! Que pena!" E multiplicava durante horas as suas jeremiadas.

    Que aconteceu? Ao cabo de um ano e meio esse padre pessimista

    morreu. O seu companheiro otimista, o dominicano, saiu do sanatrio no

    fim de dois anos, completamente curado. Retomou as suas funes

  • apostlicas e ainda hoje, depois de quinze anos, trabalha com eficcia, para

    o maior bem das almas".

    Essa histria do Padre Desmarais bastante semelhante minha das

    duas rs. O padre dominicano com sua atitude mental, no estando preo-

    cupado com o que lhe iria acontecer, resolveu a sua situao.

    muito comum as pessoas dizerem: "Porque a minha dor de cabea, a

    minha asma..." Fazem da molstia uma coisa, uma propriedade sua, e fica

    de tal maneira gravada no seu subconsciente, que a dor no passa nunca.

    Ainda h pouco tempo tive ocasio de observar em Porto Alegre uma

    pessoa que veio consultar-me sobre uma dor horrvel que sentia numa

    perna amputada alguns anos antes. Continuava sentindo dor na perna

    amputada, o que em medicina se chama "dor fantasma".

    Conservada essa dor guardada no subconsciente, nem lhe amputando a

    perna conseguiram tirar a dor que sentia. Isso acontece porque enorme a

    influncia do psquico sobre o fsico. Essa influncia to grande, que s

    vezes me perguntam: "Por que as faculdades de medicina no tm um

    curso de Psicologia Aplicada?" porque o mdico que examina o doente

    se preocupa to-somente com o fsico, j dizia Silva Jnior, um grande

    mdico veterinrio do Rio de Janeiro.

    Mas essa preocupao do psquico , em regra geral, pouco

    interessante para ns. Ns nos preocupamos sempre com o nosso fsico,

    com a nossa vida, com tudo que de mau que nos acontece, e quando

    queremos sair desse estado, a nossa preocupao tanta, que no achamos

    nada. Com a mente liberta, uma concentrao profunda, um "Eu hei de

    vencer", resolvemos grande nmero de problemas em nossa vida. Se

    buscarmos sempre manter uma atitude mental de "Eu hei de vencer",

    modificaremos a nossa vida. Eu sei que a maior parte das pessoas diz:

    "Tenho dito tanto "Eu hei de vencer", e no me modificou nada". Eu sei.

    porque s pensam no "Eu hei de vencer" na hora de apuro. No criando a

    fora necessria no subconsciente, na hora que comea com o "Eu hei de

    vencer", no vence coisa nenhuma. preciso criar o hbito no subcons-

    ciente, criar uma fora; preciso dedicao.

    J lhes contei que sofri de uma molstia mental nervosa. Para venc-

    la, adotei para comigo mesmo esse "Eu hei de vencer". No devemos ter

    acanhamento nenhum em diz-lo, como no temos acanhamento de tirar de

    uma caixa de plulas uma delas e tomar. Eu escrevia em todos os objetos de

    uso "Eu hei de vencer". Para estar sempre alerta, escrevi no leno "Eu hei

    de vencer". Trazia um papel no bolso escrito "Eu hei de vencer". Puxava a

    gravata para fora do colete quando estava conversando com um amigo e

    recolhia-a quando o amigo ia embora. Eu dizia: "hei de vencer", "hei de

    vencer". Andava o dia inteiro com essa idia: "hei de vencer", "hei de

    vencer", em torno de mim, na mesa, em todos os lugares "hei de vencer".

  • Muita gente ria de mim, mas posso-lhes assegurar que de alguns

    professores que riram de mim, mais tarde fui encontrar na mesa deles um

    papelzinho com o "hei de vencer". Ora, se criarmos essa atitude mental,

    fazendo esse exerccio contnuo, todos os dias, todas as horas, de manh,

    ao levantar-nos, pensamos imediatamente "Eu hei de vencer", no necessrio rezar; eu passo muito bem sem rezar, porque o "hei de vencer" persistente uma atitude mental idntica prece.

    Acordamos de manh com idias negativas; acordamos emburrados,

    zangados porque temos muito que fazer ou porque no temos nada que

    fazer. Se durante a semana, dizemos: "que maada, terei que ir ao

    escritrio trabalhar"; se domingo, que "maada, no tenho o que fazer

    hoje". Nossa atitude mental negativa; apesar disso queremos que o

    mundo gire nossa vontade, no que o mundo seja como . Tive um

    companheiro de quarto, no Rio de Janeiro, um poeta paulista, que noite

    escolhia um terno branco, punha-o no guarda-roupa, arrumava-se todo,

    limpava os sapatos, preparava-se no sbado para domingo, naturalmente

    para ir ver a namorada. Quando, ao chegar o domingo, de manh, o dia

    estava encoberto, ento ele ficava zangado, bravo, se revoltava todo, e

    dizia: "Voc est vendo? hoje que eu ia pr a roupa branca, amanhece um

    dia assim. Que maada!" Eu, ao contrrio, estava sempre bem disposto.

    Um dia ele me disse: "Voc no se zanga nunca?" No, porque escolho a minha roupa de acordo com o dia, e voc quer escolher o dia de acordo

    com a roupa. Isso impossvel. O dia est encoberto? ento visto roupa

    pesada; est claro? ento visto roupa leve. Visto-me de acordo com o dia.

    Um dia ele saiu de casa zangado, aborrecido e, no caminho, encontrou

    Olavo Bilac. Ento Olavo Bilac lhe disse: "Olhe aqui, voc compre um par

    de culos pretos, bem escuros, e guarde-os em sua casa. Quando

    amanhecer, ponha os culos e levante-se com eles, e ver tudo escuro, tudo

    triste, tudo embaado. Meia hora depois, arranque os culos e ver que o

    dia est bonito, que tudo est lindo. Essa era a atitude de Bilac, que era um

    grande otimista: o otimismo que o meu colega Zezinho acabou adotando.

    Querermos o bem a nosso modo, no possvel. Temos que viver dentro

    da vida, criando um otimismo mental de alegria, desde manh, levantando-

    nos com otimismo, alegres e com a idia "Eu hei de vencer".

    Quando digo que devemos adotar o "Eu hei de vencer", esse vencer

    vencer-se a si mesmo, vencer dentro da vida, estabelecer uma harmonia

    interna. No preciso ter riqueza para ser feliz, nem ter sade perfeita, nem

    coisa alguma. Podemos realizar a nossa felicidade quando criamos essa

    atitude mental. Tive um amigo, poeta portugus, que veio para o Brasil

    tuberculoso, desenganado. Quando lhe fui apresentado, ele estava com a

    idia do suicdio. Disse-me francamente: "Estou tuberculoso e vou

    suicidar-me".

  • Depois de assistir a algumas palestras minhas, disse-me ter modificado

    sua atitude mental. Adotou o "Eu hei de vencer". Dias antes de morrer,

    escreveu os seguintes versos: "Eu hei de vencer", dedicados ao nosso

    amigo Dr. Walter Autran:

    "Barco sem rumo pelo mar da vida Ao aoite das ondas

    alterosas. Depois de longas horas tormentosas, rota a

    vela, a bssola partida...

    Mas o nauta sorri, sorri de esperana, Pensando com fervor e

    confiana, Na fora criadora do seu "Eu" E na graa infinita

    de viver.

    Gritando para que o oua o prprio cu,

    Eu quero... Deus o quer... Hei de vencer..."

    Isso mostra que, nas vsperas de morrer, ele soube ter uma atitude

    mental forte, porque "Hei de vencer" no quer apenas dizer que vamos ven-

    cer com sade. vencer dentro da prpria vida. Direi mesmo que na minha

    vida h uma pgina bastante dolorosa para mim, mas que ao mesmo tempo

    para o meu "Hei de vencer", para as minhas palestras de trinta anos,

    representa um forte estmulo. Vi uma filha, com 21 anos de idade,

    condenada morte. Sabendo que ia morrer, no dia em que completava 21

    anos, deu uma festa em casa, embora sabendo que tinha apenas poucos dias

    de vida. Brincou, conversou e quando lhe pedia que se sentasse e

    descansasse, respondia: "Por qu? Se eu tenho que morrer dia 6, posso

    morrer dia 5; indiferente". E morreu dias depois. Pelo menos preparou

    sua alma para ter sade, para viver e para vencer. Se olharmos um pouco

    para a histria dos homens vencedores, encontramos ali um presidente

    Roosevelt, atacado de paralisia infantil, vivendo anos e anos quase sem

    sade e dirigindo os Estados Unidos da Amrica do Norte. Vemos

    Epicteto que foi escravo; Byron, que era coxo; Cames, cego e desterrado;

    Beethoven, surdo, cego e asmtico; Walter Scott, coxo; Edison, surdo;

    Galileu, tendo consumido a vida em seus estudos de astronomia, de

    filosofia experimental, e sofrendo das infmias da Inquisio, santo

    humilhado aos setenta e quatro anos de idade por nunca ter mentido; sbio

    que sentiu, dia a dia, sua vista apagar-se, ao compor suas "Tbuas dos

    Satlites de Jpiter". Terminou cego, mas trabalhou. Vemos Gustavo

    Coelho cego, e depois de cego conseguir descobrir a bssola mecnica.

    Goodrick foi surdo e mudo de nascena, mas pela Histria morreu aos 22

    anos, abenoando sua desventura por ter visto as estrelas, contemplado a

    amplido e revolucionado astronomia. Beethoven, surdo, escutava a har-

  • monia das esferas, o hino dos astros! Sejamos assim! Abenoemos a dor,

    porque vivemos, porque amamos. Fechemos os olhos para contemplar a

    altura. O ideal seria vermos dentro de ns mesmos, como vemos, no

    espao, astros, mundos, miragens, esplendores, condensando o infinito no

    corao. O sonho o azul; a poesia a asa.

    Ns criamos em torno de ns um problema, e cada um de ns tem um

    problema em sua vida. Fica dentro de si como o peru dentro do crculo de

    giz; no atina como sair dele. Cada pessoa que me procura acho interessante tem um caso complicado como nunca em sua vida. Para cada um o seu o mais complicado. Cada um tem, em torno de si, a idia

    de que no pode resolver seus prprios problemas.

    preciso criar uma atitude mental forte, uma atitude mental capaz de

    vencer. Aconselho essa frase "Hei de vencer", mas no queiram us-la na

    hora da angstia, na hora da dificuldade; no queiram us-la para

    determinado fim, porque eu sei de uma mocinha que pegou o "Hei de

    vencer" na hora de fazer um exame e o ps dentro do caderno. Pode ser que

    vena, no sei; mas no isso o que aconselho. "Hei de vencer"

    obrigatrio diante de tudo, diante de todos os conflitos da vida. Eu venci,

    de qualquer forma, e no me digam que o meu caso diferente, porque sei

    que em qualquer aspecto podemos vencer. Em toda a histria da fora de

    vontade, a pgina mais brilhante que conheo a do "Abre-te, Ssamo", de

    Hellen Keller.

    "Deslumbramo-nos. Abre-te, Ssamo! Desvendemos o enigma.

    Desnuda-te, sis! Para mim, Hellen Keller representa o esforo da

    humanidade no seu surto perptuo para a luz! Hellen Keller uma cega,

    surda-muda americana, autora de duas obras admirveis, "The story of my

    life" e "The world I live in", livros cuja leitura produziu sobre meu esprito

    de filsofo profunda impresso potica. Essa mulher l, no original,

    Shakespeare, Goethe, Molire, freqenta museus, exposies, fbricas,

    vendo com os dedos to bem como ns; dana perfeitamente, orientada

    pela vibrao trepidante dos instrumentos musicais no ar e no cho, pedala

    em bicicleta, sabe profundamente matemtica, grego, latim, histria, geo-

    grafia, astronomia; desenha, redige artigos para a imprensa; costura, borda,

    monta a cavalo; doutora em cincias jurdicas e sociais, tendo tambm

    feito com distino o curso universitrio; cantou num concerto uma ria

    popular; joga xadrez e todos os jogos possveis; toca vrios instrumentos;

    possui, pelas suas lucubraes filosficas, idias originais, do mais puro

    brilho, da mais clara elevao. Esta mulher assombrosa uma nova

    Helena, to bela, moralmente, quanto o foi pelo fsico a inspiradora eterna.

    para o cientista, empolgado por mltiplas cogitaes, sequioso de

    adivinhar, oscilando cont