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  • Histria da Arte

    O triunfo da f A

    Asiexsisepe

    A

    Ff

    MP r o f . M a r c u s T a d e u D a n i e l R i b e i r o

    r q u i t e t u r a , e s c u l t u r a , p i n t u r a n o B r a s i l c o l o n i a l ps a expulso dos holandeses, volta a supremacia portuguesa sobre o desenvolvimento colonial bra-leiro. uma poca em que a arte cresce sob o apogeu da cultura do acar e, em seguida, do incio da plorao do ouro em Minas Gerais. Ela serve de maneira plena ao triunfo da Igreja Catlica no Bra-l, produzindo grandes obras de arte, mais ou menos entre meados do sc. XVII at 1763, quando a de do Vice-reinado transferida para o Rio de Janeiro. Alguns observadores chamam esta etapa de rodo monumental da fase colonial.

    spectos histricos Aps a expulso dos holandeses, segue-se uma etapa de pujana econmica para a mais rica colnia portu-guesa. O ciclo do acar retomado e a descoberta de grandes jazidas de ouro, no final do sculo XVII, daria um novo rumo economia do Brasil e de Portugal.

    Cidades como Olinda, Salvador, So Luiz, Parati vo num crescer de desenvolvimento. A arquitetura verna-cular adquire a sua personalidade. A arte sacra ganha novo impulso, e edificaes religiosas importantes so erguidas em vrios ncleos populacionais do Brasil. Nesse contexto, surgem edifcios tpicos da administra-o portuguesa no Brasil, como o caso das casas de cmara e cadeia.

    igura 1 - Relevo do Convento ranciscano de Nossa Senhora

    dos Anjos (Penedo, AL)

    dessa poca tambm a assinatura de vrios tratados internacionais (Tratado de Santo Ildefonso, Tratado de Madri), dando conta dos limites da Amrica Portuguesa, to disputados entre Portugal e Espanha. Com isto, di-versifica-se e desenvolve-se a arte da construo de for-talezas.

    A pujana econmica, no entanto, ser o novo elemento identificador da arte deste perodo, que adquirir uma dimenso monumental. Trata-se da fuso entre uma demanda de natureza espiritual, pois que desta fase o momento de maior propaganda dos doutrinadores cris-

    arcus Tadeu Daniel Ribeiro

  • O triunfo da f 2

    tos, e as condies materiais para que este processo se d de forma inexorvel.

    As igrejas todo de ouro, bem como a arquitetura fran-ciscana sero um reflexo deste casamento entre os im-perativos da f e as convenincias do mundo material.

    Os conventos franciscanos Em sua obra A arquitetura Religiosa Barroca no Brasil, Germain Bazin assinala que, enquanto a arquitetura je-sutica reproduz, na colnia portuguesa, os modelos e partidos dos tratadistas europeus, a arquitetura fran-ciscana obtm solues inditas e criativas, constituin-do-se numa verdadeira escola de construtores dessa or-dem. Especialmente os conventos situados entre Salva-dor e Joo Pessoa, onde a economia do acar forneceu condies materiais mais efetivas ao desenvolvimento artstico, pode-se encontrar a mais genuna arquitetura barroca de dimenso monumental, com solues autc-tones.

    Figura 2 - Convento de Nossa Senhora das Neves, em Olinda (PE)

    A exemplo do que ocorreu com os jesutas, os conventos franciscanos esto presentes desde o incio da coloniza-o, datando de 1585 a fundao, em Olinda, do pri-

    Marcus Tadeu Daniel Ribeiro

  • O triunfo da f 3

    meiro convento franciscano no Brasil, em devoo a Nossa Senhora das Neves. A este seguiram-se vrios ou-tros conventos, fundados ao longo de fins dos Quinhen-tos e principalmente da primeira metade do sculo XVII, mas reconstrudos na segunda metade do sculo XVII.

    Figura 3 - Convento de Nossa Senhora das Neves (Olinda, PE)

    Cronologia O convento de Salvador fundado em 1587 e remode-lado em 1686. Depois veio o de Igarau (Pernambuco), feito em 1588 e reconstrudo numa obra que se iniciaria em 1661 e se estenderia at 1693. O de Joo Pessoa (Paraba) data de 1590, tendo sido reformado no incio do sculo XVIII, j com gosto rococ. O de Vitria (Esp-rito Santo) de 1591 e o do Rio de Janeiro, de 1606, mesmo ano em que se constri o de Ipojuca (Pernambu-co), que ser refeito em 1654. O da Vila de So Francis-co, na Bahia, data de 1629 e o de Serinham (Pernam-buco) do ano seguinte, o qual ser remodelado em 1654. Em Santos fundado um em 1639. Na Bahia, o de Cairu, que de 1650, ser remodelado a partir de 1654. O de Nossa Senhora da Penha (Esprito Santo) data de 1650 e o de Itanham (So Paulo) de cinco anos depois. Em 1658 funda-se a ordem franciscana em So Cristvo (Sergipe), mas de 1693 o incio efeti-vo da construo do atual imvel que l se encontra. Em Penedo e em Marechal Deodoro (Alagoas) a ordem se estabelece em 1660, sendo de 1682 o incio da cons-truo do cenbio* de Penedo e, de 1684, o de Marechal Deodoro.

    Marcus Tadeu Daniel Ribeiro

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    A reconstruo que se verifica especialmente nos con-ventos nordestinos se deve pilhagem e destruio das ordens pelos holandeses entre 1624 e 1654. Pratica-mente nenhuma igreja nem cenbio hoje existente man-tm as suas caractersticas daquela primeira etapa, sendo todos os conventos reconstrudos aps a expul-so dos holandeses. Portanto, os conventos atuais cons-tituem uma arquitetura j plenamente barroca, com ca-ractersticas diferentes daquelas que os holandeses en-contraram quando aqui chegaram.

    Figura 4 - Teto da nave da igreja do Convento de Nossa Senhora das Neves, em Olinda (PE)

    Sob o ponto de vista sociolgico, os conventos francis-canos, bem assim a ordem terceira a eles relacionada, encontram-se ligadas aos setores hegemnicos da soci-edade, dispondo, portanto de recursos materiais para desenvolver um trabalho artstico refinado e de bom gosto.

    Marcus Tadeu Daniel Ribeiro

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    Caractersticas Frontispcio* D-se o nome de frontispcio ou fronta-ria* fachada principal de um edifcio, seja ele religioso ou no. Observe-se a fachada do Convento de Nossa Senhora das Neves, que apresenta traos muito peculi-ares, existentes em praticamente todos os edifcios reli-giosos dessa ordem. A presena da galil*, cuja portada encimada por arcos plenos, uma constante nos con-ventos franciscanos. Notam-se tambm janelas no coro de cima*, arrematadas por sobrevergas* adornadas ao gosto barroco. Esta parte da fachada costuma ser en-quadrada por duas aletas* curvilneas, que ajudam a conferir o gosto gracioso da arquitetura barroca. O fron-to superior igualmente curvilneo, em cujo tmpano* v-se um nicho*, onde figura uma imagem de Nossa Senhora1. Os pinculos*, com seu aspecto pontiagudo, encontram-se espalhados em meio parte mais alta do edifcio e ajudam a conferir um gosto adorno das solu-es barrocas. O frontispcio do Convento de Nossa Se-nhora dos Anjos (Penedo, AL) no possui pinculos e o tmpano do fronto tem um relevo da ordem.

    Figura 5 - Convento de So Cris-tvo (SE)

    1

    M Figura 6 - Convento de Nossa Senhora dos Anjos (Penedo, AL)

    comum encontrar-se tambm nos tmpanos barrocos um pequeno culo*, que pode ser circular ou

    polilobado e se destina a facilitar a ventilao do templo.

    arcus Tadeu Daniel Ribeiro

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    Duas tipologias marcam os frontispcios dos conventos franciscanos: a de Ipojuca, que seguida pelos conven-tos de Olinda (PE), Penedo (AL), So Cristvo (SE) e Marechal Deodoro (AL), e a de Cairu, que imitada por outros conventos, como o de Joo Pessoa, Igarau, San-to Antnio de Paraguau (PE). Enquanto os conventos

    Fd

    2

    3

    4

    Mda tipologia Ipojuca se caracterizam por um fronto curvilneo e adornos que conferem um tom barroco a uma estrutura clssica, os conventos da tipologia Cairu caracterizam-se pelo frontispcio piramidal, com a am-pliao da galil e a diminuio do frontispcio, como no convento de Sto. Antnio de Joo Pessoa.

    Uma torre sineira recuada Uma outra caracterstica muito presente nos edifcios da ordem franciscana a presena de apenas uma torre sineira*, o que confere um idia de dinamismo fachada, onde prepondera uma diagonal compositiva.2 Normalmente a torre sinei-ra encontra-se deslocada do plano da fachada principal, como se pode ver no Convento de Nossa Senhora dos Anjos, situado em Penedo, que aparece no extremo es-querdo da fotografia, arrematada por um coruchu* pi-ramidal. 3 O frontispcio do convento de Joo Pessoa tambm apresenta a torre sineira recuada.

    Figura 7 - Frontispcio do Con-vento de Santo Antnio (Joo

    Pessoa, PB)

    Mirante Na extrema direita da fotografia do Convento de Nossa Senhora dos Anjos v-se um pequeno torreo, que se projeta para cima a uma altura equivalente a um andar acima do cenbio, que um lugar onde os frades franciscanos ficavam, a contemplar a obra do Criador. Sendo uma ordem contemplativa, o mirante tinha im-portncia crucial para os franciscanos.

    Chamin da cozinha Em alguns conventos francis-canos pode-se perceber uma chamin monumental u-

    sada pelos frades para preparar seus alimentos, bem como aqueles outros feitos para suas obras sociais. No convento de Nossa Senhora dos Anjos a chamin apare-ce de forma bastante ntida frente da fachada.

    Cruzeiro monumental localizado no adro* Todo convento franciscano possui, sua frente, um adro amplo, que um espao de transio entre o espao urbano e a clausura, podendo ser compreendido, como observou Benedito Lima de Toledo, como um espao de transio entre o mundano e o sagrado4. Dali, concen-travam-se as pessoas para sair em procisso nos dias

    igura 8 - Detalhe da chamin a cozinha do Convento de Pe-

    nedo (Alagoas).

    O Convento de Nossa Senhora das Neves (Olinda, PE) apresenta uma nica torre sineira, que se en-contra deslocada do pano da fachada, estando sua visibilidade nesta foto encoberta pelo fronto curvilneo da fachada.

    Os coruchus piramidais so caractersticos da fase anterior, quando preponderaram as solues maneiristas, austeras por excelncia.

    TOLEDO, Benedito Lima de. Do sculo XVI ao incio do sculo XIX. In: ZANINI, Walter. Histria Geral da Arte no Brasil. So Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983. p. 140, v. 1

    arcus Tadeu Daniel Ribeiro

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    santos. Nesse adro, h sempre uma grande cruz ergui-da sobre um embasamento largo (soco), a que se d por nome cruzeiro. Em Penedo v-se um cruzeiro peque-no, por no ser mais o original, que se perdeu nas mos de um prefeito anticlerical, que o substituiu por figuras mitolgicas nuas.5 Trabalhos de restaurao recentes restituram o cruzeiro ao local.

    Obra de talha rica Dadas as suas vinculaes com os segmentos mais ricos da sociedade, a obra de talha que adorna o interior de uma igreja franciscana sempre marcada pelo apuro e, no raro, pela riqueza. Na ima-

    A9

    5 B6 C

    Ma

    gem do interior da Igreja de Nossa Senhora das Graas, do convento franciscano de Olinda, percebe-se esse re-quinte, com retbulo* adornado com elementos doura-dos e brancos. A obra de talha do convento de Salvador um eloqente exemplo dessa exuberncia artstica, conforme se poder apreciar mais frente.

    Tetos pintados com motivos religiosos Os tetos das igrejas franciscanas, seguindo a tradio da pintura barroca, so adornados com pinturas e obras de talha. Em alguns casos, as pinturas apresenta-se divididas em vrios painis. Isso ocorre no Convento de Nossa Senhora das Graas, em Olinda. Em outras, como no Convento de Penedo, a pintura apresenta-se inteiria, com carter ilusionista, que simula um cu em glria que se descortina diante dos olhos dos fiis.

    Leo Ballet assinala que os tetos barrocos que produzem essa sensao de ilusionismo so representaes tpicas de uma poca histrica marcada pelo poder absolutista. Para esse historiador holands, da mesma forma que o absolutismo a negao de qualquer limite, o teto pin-tado sobre uma abbada de bero, forjando uma viso mstica e celestial, rejeita tambm as limitaes materi-ais do espao fsico e se abre diante do olhar do fiel pa-ra o infinito para um cu em glria6.

    O exemplo europeu mais relevante de tetos pintados com motivos religiosos e de efeito ilusionista encontra-se na Igreja de Il Ges, em Roma, onde trabalhou o Pa-dre Andrea del Pozzo. A Apoteose a Santo Incio uma pintura parietal onde se v uma alegoria retratando os quatro continentes, tendo, ao centro, a figura do santo cercado de anjos. Essa obra serviria de referncia para vrios outros trabalhos que se fariam mundo afora, re-tratando-se cenas msticas nos tetos de igrejas barro-cas.

    Figura 9 - Andrea del Pozzo. poteose a Santo Incio. 1688-0, Teto da Igreja de Il Ges

    (Roma).

    AZIN, Germain. Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, [1983]. v. 1, p. 151. f. LEVY, Hannah. A propsito de trs teorias sobre o Barroco. Revista do Servio do Patrimnio His-trico e Artstico Nacional. Rio de Janeiro, Ano 5, 1941. p. 259-284

    rcus Tadeu Daniel Ribeiro

  • O triunfo da f 8

    Figura 10 - Convento de Nossa Senhora dos Anjos (Penedo, AL)

    Claustro colado ao corpo da igreja. Os claustros dos conventos franciscanos situam-se normalmente no lado esquerdo da igreja (direito de quem olha para a facha-da.) O lado esquerdo tambm chamado de lado da e-pstola. No claustro, acham-se as celas, a biblioteca, o acesso cozinha e ao refeitrio, bem como ao mirante. Normalmente, os claustros franciscanos, marcados pela herana renascentista, tm uma galeria arqueada, se-guindo a ordem toscana (observar o capitel* da coluna* no primeiro plano da fotografia).

    Lado da epstola e lado do Evangelho. Quando nos referimos ao lado esquerdo e o lado direito de uma igreja, precisamos tomar alguns cuidados. Lado direito da igreja, rigorosamente, aquele que est es-querda de quem olha para a fachada. E o lado esquerdo encontra-se direita de quem olha para a fachada. Para

    O frontispcio dessa igreja posterior ta de sua reforma, feita na segunda metade do sculo XVII. Parece tratar-se de uma re-formulao levada a efeito de forma tardia em pleno sculo XVIII.

    O fronto superior, adornado com as volu-tas, tem no meio um culo* emoldurado por adornos circulares e concntricos, que simu-lam os raios do sol.

    O cruzeiro do Con-vr dv

    lo d d b S

    Maento de Nossa Senho-a dos Anjos o menorentre todos os con-entos dessa ordem. Esse convento ficacalizado na cidadee Penedo, s margenso Rio So Francisco,em na divisa entreergipe e Alagoas.

    Y.Z no haver confuses, convencionou-se chamar o lado direito de lado do Evangelho e o esquerdo de lado da Epstola.

    rcus Tadeu Daniel Ribeiro

  • O triunfo da f 9

    Figura 11 - Claustro do Convento N. S. dos Anjos (Penedo, AL). Disponvel em

    http://static.panoramio.com/photos/original/2735597.jpg (foto de Vincius Antnio de Oliveira Dittrich)

    O convento franciscano de Salvador Trata-se de um conjunto religioso que escapa tipologia da arquitetura conventual dessa ordem. Mas nem por isso menos importante do que os demais. Ao contr-rio. Sua escala, seu frontispcio equilibrado, mostrando ainda a persistncia tardia do gosto que precedeu o es-tilo barroco, a riqueza de sua obra de talha, toda dou-rada e com motivos barrocos, e outros elementos arts-ticos importantes fazem dessa igreja e do cenbio uma das edificaes religiosas mais importantes do Brasil.

    O convento dos franciscanos foi fundado na Bahia no ano de 1587. Com a invaso de Salvador pelas foras holandesas (1624), todavia, o imvel foi destrudo, para ser reerguido praticamente um sculo depois (1686), por ordem do superior Frei Vicente das Chagas. Esta reconstruo, que se inicia pelo claustro normalmen-te, a construo dos conventos era feita a partir do claustro, pois era ali onde ficavam as celas dos religio-sos , estende-se at 1723, quando a frontaria da igreja acabada.

    Marcus Tadeu Daniel Ribeiro

  • O triunfo da f 10

    Figura 12 - Fachada do Convento de So Francisco (Salvador, Bahia)

    Esta fachada apre-senta uma soluo inte-ressante, pois enquanto se podem ver elementos j tipicamente barrocos, como o fronto central do edifcio religioso, marcado pela presena de contornos curvilneos e alambicados, as torres sineiras so ainda da tradio maneirista, com uma linearidade retil-nea, acentuada pelos ngulos retos formados entre cunhais e cornijas.

    O equilbrio desse frontispcio percebido no enquadramento das duas torres sineiras em ambos os lados do prti-co central, o que tam-bm remete sua concep-o estilstica mais pr-xima ao maneirismo.

    Tambm o arremate dos campanrios*, em formato piramidal os coruchus , apresenta um gosto maneirista.

    A construo do imvel ficou a cargo do Mestre Manuel de Quaresma, tendo sido ajudado por outros artistas, como o Frei Lus de Jesus, cognominado Torneiro, autor da balaustrada do corpo da igreja, de alguns dos mveis da sacristia e de elementos da talha da igreja, e o frei Jernimo da Graa, que pintou o teto e fez-lhe tambm a dourao, a partir da dcada de 1730. Entre 1738 e 1743, fez-se a maior parte dos trabalhos de talha e seu correspondente douramento, com destaque aos retbu-los laterais e ao arco cruzeiro, sob a direo do Frei Gervsio do Rosrio e do superior Frei Manuel do Nas-cimento7.

    A obra de talha de uma riqueza exemplar e bem faz jus fama de erudio e de requinte da decorao das igrejas dos conventos franciscanos. Pode-se notar, no interior do templo, o gosto barroco manifestado de ma-neira clara nas volutas douradas, na sensibilidade pela

    7 BAZIN, Germain. Op. cit. vol. 2, p. 37 e 38

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  • O triunfo da f 11

    profuso de adornos, no esforo por constituir um am-biente adornado por elementos dispostos de maneira a formar um ambiente mstico, com uma talha rica que percorre toda a nave central, o teto, as capelas laterais, o altar-mor.

    Figura 13 - Igreja do Convento de So Francisco (interior).

    Esse gosto pela exuberncia e pelo exagero confere, obra barroca, um sentido de unidade que distingue o estilo de todos os demais. A percepo do espao se d em sua inteireza, com apelo sensibilidade do observa-dor, enquanto que a racionalidade, aspecto exaltado na fase anterior (Renascimento e, em parte, o Maneirismo) j, praticamente, no existe mais nesse estilo.

    Os azulejos do claustro, considerados os mais belos do Brasil por Germain Bazin, vieram de Lisboa e foram co-locados em meados do sculo XVIII.

    Os azulejos portugueses A azulejaria portuguesa, a bem da verdade, uma das mais ricas do mundo. Os azulejos foram introduzidos na Pennsula Ibrica com a invaso moura, no incio do sculo VIII. Tanto a arquitetura espanhola quanto a portuguesa vo-se deixar permear por esse aspecto da cultura rabe.

    Marcus Tadeu Daniel Ribeiro

  • O triunfo da f 12

    Essa prtica chegaria ao Brasil na poca da coloniza-o, sendo o azulejo um elemento decorativo usado ex-clusivamente no interior dos edifcios. Com o tempo, o azulejo comeou a seu usado tambm na parte exterior das edificaes, especialmente no Maranho. Essa pr-tica, at ento ignorada pelos portugueses e pelos espa-nhis, acabou sendo exportada do Brasil para a antiga metrpole no sculo XVIII.

    Hoje muito comum o uso de azulejos nas fachadas dos imveis portugueses. Influncia brasileira de con-tramar. Como se v, muito antes das novelas, o Brasil j exportava cultura para os portugueses.

    OprprCaciraFrtuSeRi

    AscogeBrni

    Marcus Tadeu Daniel Ribeiro Figura 14 - Convento de So Francisco (Salvador, BA), claustro.

    utras igrejas franciscanas apresentaro um interior ofusamente adornado, no raro com o emprego oni-esente de folhas de ouro. o caso, por exemplo, da pela dos Novios do Convento de Santo Antnio (Re-

    fe, PE), conhecida como Capela Dourada, e da exube-nte obra de talha da igreja da Ordem Terceira de So ancisco da Penitncia, no Rio de Janeiro. Na arquite-ra beneditina, tambm se pode citar a Igreja de Nossa nhora de Monserrate do Mosteiro de So Bento do o de Janeiro.

    chamadas igrejas todas de ouro so, ao lado dos nventos franciscanos, expresso do que h de mais nuno e representativo da arte barroca, que ocorre no asil numa poca de pujana econmica da fase colo-al. o que se ver adiante.

  • O triunfo da f 13 As igrejas todas de ouro

    A Igreja de So Francisco de Salvador um exemplo do que se convencionou chamar de igreja toda de ouro. Mas ela no a nica no Brasil. O advento da descober-ta do ouro no final do sculo XVII trouxe um expressivo crescimento da economia, propiciando o enriquecimento de outros setores econmicos, que no aqueles apenas ligados explorao da cultura do acar.

    Algumas igrejas nas capitanias do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco chegaram a usar uma decorao marca-da pelo emprego de folhas de ouro, revestindo a obra de

    F

    h

    Mtalha, at ento policromada. Esse tipo de decorao arquitetnica s existir na Pennsula Ibrica e nos pa-ses do continente americano por ela colonizados. , portanto, um fenmeno adstrito cultura dos pases de lngua portuguesa e espanhola.

    A Igreja da Ordem Terceira da Penitncia, inserida no conjunto do Convento de Santo Antnio do Rio de janeiro Poucos monumentos artsticos brasileiros encontram equivalncia, em termos de riqueza decorativa e de valor inventivo, com o conjunto arquitetnico formado pelas Igrejas de Santo Antnio e a da Ordem Terceira de So Francisco da Penitncia, esta ltima exemplo sofistica-do de uma igreja toda de ouro. Embora o interesse mai-or seja sobre a Igreja da Ordem Terceira da Penitncia, por se tratar de uma igreja toda de ouro, ser feita tam-bm uma aluso igreja conventual de Santo Antnio, pertencente tambm ordem franciscana.

    Como era costume durante os anos da fase colonial, e-rigiam-se as igrejas no apenas nos lugares planos e nobres da cidade, como tambm no cume ou nas encos-tas dos morros. Havia sido assim quando da transfe-rncia do Rio de Janeiro para o Morro do Castelo, onde alojaram as igrejas de So Sebastio (S) e a do Colgio de Santo Incio; no Morro de So Bento, onde constru-ram a Igreja de Nossa Senhora de Monserrate; no Morro da Conceio, local em que se faria o Palcio Arquiepis-copal. O Convento de Santo Antnio, no morro de mes-mo nome e onde tambm se localiza a Igreja da Ordem Terceira da Penitncia, no escapou regra.

    igura 15 - Escadaria de acesso ao Convento de Sto. Antnio e

    Ig. da Ordem 3. Foto de Daniel Schwabe. Disponvel em

    ttp://www.flickr.com/photos/dschwabe/354391478/in/set-

    72057594111378915/

    A importncia histrica do Convento de Santo Antnio.

    O Convento de Santo Antnio, complexo religioso ao qual a edificao da Ordem Terceira da Penitncia asso-cia-se, participou de diversas formas no processo de formao histrica do povo brasileiro: constituiu-se

    arcus Tadeu Daniel Ribeiro

  • O triunfo da f 14

    num centro de excelncia do saber e para ali convergi-am intelectuais antes da Independncia, onde se reuni-ram aliados de Dom Pedro; ali tambm nasceu o espri-to de investigador cientfico de pessoas como o frei Jos Mariano Veloso, o mais importante nome da cincia em Portugal e no Brasil dos fins do sculo XVIII e incio do seguinte; o convento de Santo Antnio e a Igreja da Or-dem Terceira foram edificaes da predileo da famlia real portuguesa, que ali determinou o enterramento de seus familiares falecidos no Brasil; do adro daquelas duas igrejas descortinava-se encantadora paisagem da cidade do Rio de Janeiro, estendendo-se at o mar, vendo-se as ruas, os telhados das casas e as torres das igrejas da cidade, razo porque daquele ponto muitos pintores registraram vrias paisagens da cidade do Rio de Janeiro.

    Figura 16 - Convento de Santo Antnio e Igreja da Penitncia (Rio de Janeiro, RJ)

    A fundao da igreja e histrico de suas transformaes

    Em 1592, vindos do Esprito Santo, os franciscanos chegaram ao Rio de Janeiro, indo instalar-se numa er-mida situada naquela elevao. Em 1608 lanaram a pedra fundamental, para construrem uma edificao projetada pelo frei Francisco dos Santos8. O corpo da Igreja de Santo Antnio ainda o mesmo at hoje, ape-

    8 Alm do Frei Francisco dos Santos, a historiadora da arte Sandra Alvim, que fez exaustivos estudos

    sobre a arquitetura religiosa brasileira, informa que foram tambm autores do projeto os frades Vi-cente de Salvador, Estvo dos Anjos e Antnio do Calvrio. Cf. ALVIM, Sandra. Arquitetura religi-osa colonial..., pg. 193

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  • O triunfo da f 15

    sar das sucessivas transformaes pelas quais tem pas-sado ao longo dos anos. A fachada, assemelhada das igrejas franciscanas nordestinas, havia ganho um a-crscimo em fins do sculo XVII, passando a apresentar uma galil de arcada tripla, o que perduraria at a re-forma de 1777, levada a efeito pelo frei Martinho de Santa Teresa Guerreiro, quando a Igreja ganhou a por-tada que possui at hoje.

    Durante a administrao do superior frei Lucas de So Francisco, ocorrida entre 1716 e 1719, ocorre uma grande reforma no templo, com o recuo de 3,45 metros da parede dos fundos da capela-mor; so feitos corredo-res laterais e tribunas por cima, ampliando-se a largura do templo. No incio do sculo XX, foram feitas trans-formaes no frontispcio da fachada, de gosto neocolo-nial, alterando-lhe o partido simplificado que possua at ento e adotando-se a forma que est l at hoje.

    Mas a edificao, a par dessas transformaes, conse-guiu manter o esprito artstico e religioso do Convento. Se verdade que, se alguns aspectos originais da edifi-cao se perderam, especialmente durante o sculo XIX, quando o imvel serviu de caserna para militares, o que ocasionou a perda dos azulejos do refeitrio, tambm certo que os elementos mais essenciais que marcaram sua arquitetura e decorao atravs das o-bras de talha se mantiveram praticamente inalterados.

    Figura 17 - Retbulo do altar-mor e retbulos colaterais.

    A nave central da edificao religiosa possui apenas

    Marcus Tadeu Daniel Ribeiro

  • O triunfo da f 16

    dois altares de cruzeiro, alm do da capela-mor, cir-cunstncia que caracteriza, pela escassez de retbulos laterais, a arquitetura religiosa franciscana brasileira. Mas esses retbulos compem um conjunto de deliciosa harmonia e apuro em sua execuo. O altar-mor con-sagrado a Santo Antnio, orago do Convento, e os de cruzeiro a Nossa Senhora da Conceio e a So Fran-cisco. Esses retbulos datam de 1620-1624 e sua dou-rao pouco posterior (1627-1630). A capela-mor in-teiramente revestida de talha, estando o teto pintado com passagens da vida de Santo Antnio. Seu autor desconhecido.

    Os retbulos que se encontram na base do arco-cruzeiro (retbulos colaterais) tm um conjunto de li-nhas concebido de forma adornada, pelo qual se conju-gam arcos plenos com os colunelos laterais que enqua-dram o nicho. A talha que o ornamenta profusa, de gosto genuinamente barroco, formando um efeito pict-rico ao ambiente arquitetnico compreendido pelo re-cinto da capela-mor.

    A Sacristia, localizada atrs da capela-mor, a mais bonita do Rio, conforme observou o estudioso Germain Bazin em seu livro Arquitetura religiosa barroca no Brasil9. Frei Baslio Rwer, a quem se deve a mais completa memria sobre o cenbio franciscano, no in-dica data de execuo desse recinto, de grandes dimen-ses e com um arcaz de rara beleza. Mas uma inscrio na parte detrs desse mvel, descoberta no ano de 1930 por um conservador, indica a data provvel de 1745 pa-ra o trmino dos trabalhos da Sacristia e a autoria de Manoel Alves Setbal, o mesmo mestre-de-obras que te-ria atuado na construo da Igreja do Carmo, localizada na Praa XV de Novembro.

    Igreja da Ordem Terceira de So Francisco da Penitncia

    As belezas desse conjunto arquitetnico religioso no se resumem Igreja de Santo Antnio, santo que at hoje possui a maior popularidade no Brasil. A Igreja da Or-dem Terceira de So Francisco da Penitncia do Rio de Janeiro constitui-se numa importante edificao sete-centista religiosa por seus aspectos artsticos excepcio-nais: no exterior, por fugir aos costumeiros padres ar-quitetnicos das igrejas, assemelhando-se a uma casa senhorial portuguesa, como aqueles exemplos de arqui-tetura civil situados no norte de Portugal (Museu de A-veiro, Cmara de Braga, Solar de Jeosa do Mondego e outras); no interior, pela unidade estilstica de sua obra de talha, pintura e imaginria, conseguida com a cons-

    9 BAZIN, Germain. Arquitetura..., Vol. 2, pg. 156

    Marcus Tadeu Daniel Ribeiro

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    truo da Igreja e sua decorao em bem pouco tempo, apresentando um estilo tpico de poucos artistas da primeira metade do sculo XVIII.

    A fachada mais larga do que alta, o que confere o as-pecto palaciano do imvel referido no incio deste texto. No possui torre sineira, como seria natural que tivesse, por imposio dos religiosos do cenbio de Santo Ant-nio. Mas o arranjo da composio deveras valorizado pela presena de vos adornados com alisares em pe-dras de lioz vindas de Portugal, grades antigas e especi-almente a portada principal, com oval no gosto Dona Maria onde se vem as armas da Ordem e as de Portu-gal.

    O frontispcio marcado pelo partido horizontal, caso nico na cidade como de resto bem raro Brasil afora. O pano da fachada dividido em trs corpos por quatro pilastras feitas em cantaria e arrematadas no topo por pinculos. Predomina a simplicidade na fachada do i-mvel, salvo nos arremates que guarnecem os vos das portas e janelas. Um pequeno culo compe o centro do frontispcio central curvilneo da fachada. Figura 18 - Fachada da Ig. da

    Ordem 3 de S. Francisco da Penitncia Foto (detalhe)

    ht /

    O apelo artstico e histrico da edificao no se resume apenas fachada e ao interior barroco da nave central, mas tambm a outros segmentos que compem o com-plexo religioso, que conta ainda com um Museu de Arte Sacra, com o Salo das Alfaias, Salo dos Andores, Ga-lerias das Imagens, Capela Primitiva da Ordem. impe-

    10

    MMrcia Rosa. Disponvel em tp://www.flickr.com/photos/rosamar

    1017123210/

    rioso tambm falar-se da sala da Sacristia, com sua no-tvel pintura no teto, do imponente Consistrio, do Co-ro de cima, donde se avista com maior facilidade a pin-tura do teto da nave central, do Salo dos Retratos, do Cemitrio neoclssico que a Ordem mandou fazer pelo traado do arquiteto portugus Jos da Costa e Silva, no incio do sculo XIX.

    A Ordem Terceira de So Francisco da Penitncia en-contra-se instalada no Rio de Janeiro desde pelo menos 1619 e funcionava regularmente em espao contguo ao cenbio franciscano do Morro de Santo Antnio. Essa edificao a mais antiga capela de Ordem Terceira a funcionar na cidade. Mas no era esse que est sendo agora restaurado pelo Iphan o mesmo prdio da edifica-o original onde a Ordem funcionou desde seus mo-mentos iniciais. A primeira capela da Ordem era agre-gada igreja conventual, segundo nos d notcia Dom Clemente da Silva-Nigra em sua obra Construtores e Artistas do Mosteiro de So Bento do Rio de Janei-ro10. Uma segunda capela ainda haveria no sculo se-guinte, mas seria apenas a partir do incio do sculo

    Pg. 308

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    XVIII que a construo dessa magnfica igreja teve lu-gar.

    O interior duma riqueza artstica enorme, ficando o luxo de sua decorao, compatvel opulncia dos ir-mos da Ordem Terceira de So Francisco, representa-do na dourao que reveste de forma omnmoda prati-camente toda a obra de talha da igreja.

    Figura 19 - Interior da Igreja da Ordem Terceira de So Francisco da

    Penitncia. Foto Daniel Schwabe. Disponvel em http://www.flickr.com/photos/dschwabe/354391012/

    A talha foi contratada pelos irmos da Ordem em 1726, com o artista de origem portuguesa Manuel de Brito, que ficou inicialmente incumbido de fazer o retbulo da capela-mor, do arco cruzeiro para dentro. Depois, a 1732, foi novamente contratado para fazer um plpito, enquanto que Caetano da Costa Coelho era chamado para a elaborao das pinturas da capela-mor, oito quadros e o teto da nave da igreja (1737). Manuel de Brito executou tambm a talha do apainelamento entre os altares laterais, executados pelo escultor Francisco Xavier de Brito. Esse artista foi chamado, em 1735, pa-ra elaborar a talha do arco-cruzeiro, a cornija e, no ano seguinte, os referidos seis altares laterais, alm da Ca-

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    pela do Noviciado.

    A igreja seria seriamente prejudicada por vrios anos de quase total abandono, provocado pelo declnio desta como de vrias ordens religiosas no Brasil. O trabalho de restaurao que vem sendo desenvolvido pelo IPHAN, em parceria com entidades da iniciativa privada, permi-tiu a restituio do bem sociedade brasileira, com o resgate de seus elementos originais e da feio artstica tal qual havia sido imaginada por seus idealizadores.

    O Mosteiro de So Bento do Rio de Janeiro Em 1584, O governador Salvador Correa de S mandou vir, da capital baiana, onde havia sido fundado o pri-meiro cenbio beneditino das Amricas, religiosos que pudessem organizar um mosteiro no Rio de Janeiro, a-tendendo assim a um desejo da populao local. Cinco anos depois, chegaram os monges Pedro Ferraz e Joo Porcalho, que se instalaram provisoriamente na primiti-va ermida de Nossa Senhora do , situada na atual Praa XV de Novembro.

    A escolha do local

    Aos monges beneditinos foi oferecido um terreno nessa mesma praa, alm de todas as facilidades que quises-sem. Mas eles decidiram pela implantao do Mosteiro num local mais afastado do convvio com a cidade, que, a esta poca, praticamente se resumia ao espao do morro do Castelo. Assim foi que os beneditinos se insta-laram no Morro de So Bento. Anota Dom Clemente da Silva-Nigra, monge beneditino e especialista na histria dessa edificao religiosa, que tal escolha obedeceu ao desejo de privacidade pretendido pelos religiosos.

    Figura 20 - Pgina do canto gregoriano da orao de

    Vsperas

    Os mosteiros, na Europa medieval, ficavam sempre em lugares afastados do convvio das aldeias e das concen-traes populacionais de uma maneira geral. As ordens monacais eram, neste ponto, diferentes das ordens mendicantes, que foram surgindo exatamente nos bur-gos e nas cidades durante os ltimos sculos da Idade Mdia, procurando levar assistncia espiritual popu-lao que ali residia. Os beneditinos tinham uma tradi-o bem diferente: eram auto-suficientes e procuravam lugares onde eles pudessem construir no apenas o seu lugar de orao e de meditao, mas tambm de sobre-vivncia material.

    Por isso, os beneditinos no quiseram ficar no local on-de hoje se encontra a igreja do Carmo e a da Ordem Terceira do Carmo. Ocuparam ento o morro de So Bento, que ficava distante do Morro do Castelo e, por

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    isso, mais afastado da cidade.

    Situado beira-mar, o local servia de ponto de partida e de chegada das embarcaes dos monges nas viagens s propriedades rurais do Mosteiro, bem como prpria cidade. O mosteiro de So Bento, sem escapar tradi-o histrica, como no era uma ordem mendicante, or-ganiza-se economicamente de maneira auto-suficiente. Tinha terrenos, casas para aluguel, fazendas, escravos.

    Figura 21 - Panorama do Rio de Janeiro, Franois Froger, 1695

    A sesmaria onde se construiu o Mosteiro havia sido de propriedade de Manuel de Brito, pessoa que viera com Estcio de S expulsar os franceses do Rio e a quem os terrenos foram cedidos, em 1573, como recompensa por seus servios. Dom Diogo de Brito de Lacerda, filho de Manuel de Brito, e Dona Vitria de S, esposa de Dom Diogo, participaram tambm dessa doao. Os corpos do casal encontram-se enterrados na nave central da Igreja, altura do transepto.

    A sesmaria compreendia aquela elevao geogrfica, no cimo da qual os monges ocuparam uma ermida j cons-truda em devoo a Nossa Senhora da Conceio, feita provavelmente de taipa de pilo ou de pau-a-pique11. As igrejas de Nossa Senhora da Conceio construdas no Brasil normalmente referem-se a comunidade de portu-gueses, dado que a Nossa Senhora da Conceio pa-droeira de Portugal.

    11 ROCHA, D. Mateus Ramalho. A igreja do Mosteiro de So Bento do Rio de Janeiro. Rio, Studio HMF;

    Lmen Christi, 1991, pg. 14

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    Figura 22 Retbulo de Nossa Senhora da Conceio

    Os doadores dessa ermida foram Aleixo Manuel, fidalgo que viera com Estcio de S guerrear os franceses, e sua esposa Francisca da Costa. Foi ele o primeiro juiz da cidade e a pessoa que organizou aquela Ordem Ter-ceira sob a gide de Nossa Senhora da Conceio sobre o atual Morro de So Bento, inicialmente chamado de Morro da Conceio. A doao foi feita com a condio de os beneditinos rezarem, at o fim dos tempos, uma missa solene no dia de Nossa Senhora da Conceio.

    A mudana do nome da igreja Em 1602, por influxo do governador Dom Francisco de Sousa, a ermida de Nossa Senhora da Conceio passa-ria invocao de Nossa Senhora de Monserrate, con-forme anotaria Dom Mateus Ramalho Rocha, em sua

    A imagem que aparece no retbulo em estilo regncia situado no lado esquerdo da igreja certamente do sculo XVIII, dada a forma es-voaante com que suas vestes so entalhadas. As imagens setecentis-tas tm aquela energia e espontaneidades que as distinguem daquelas outras do sculo anteri-or, onde o drapejamento das vestes mais sbrio e contido. Isso significa que a imagem original de Nossa Senhora da Conceio da antiga ermida, talvez modelada em terracota, tenha-se perdido ou quebrado. A tradio beneditina no guardou essa informa-o sobre o destino da imagem da Virgem. O lampadrio em prata macia que se v no primeiro plano obra em estilo rococ do Mestre Valentim da Fonseca.

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    obra A Igreja do Mosteiro de So Bento do Rio de Janei-ro12. Anote-se tambm que Nossa Senhora da Concei-o, por ser santa padroeira de Portugal, perderia im-portncia naquela poca em que a coroa espanhola, sob o reinado de Felipe II, havia incorporado a coroa lusita-na desde o termo da dinastia de Avis. Nossa Senhora de Monserrate bem como a do Pilar, presentes em retbu-los desta igreja, so duas invocaes espanholas da Virgem.

    A imagem de Nossa Se-nhora de Monserrate uma invocao espanho-la da Virgem Maria. O nome deriva de um pe-queno macio rochoso situado na Espanha ocidental, sendo rea de peregrinao. A imagem que se v ao lado pode ser atribuda ao clebre escultor Do-mingos da Conceio, atuante na segunda me-tade do sculo XVII, a quem se deve atribuir tambm o trabalho de marcenaria da porta de entrada da igreja, bem assim as imagens de Santa Escolstica e a So Bento, localizadas no altar-mor. A policromia da imagem encontra-se um pouco prejudicada pela ao do tempo. O estado de conservao da obra ainda muito bom, contu-do.

    Figura 23 - Imagem Nossa Senhora de Monserrate (sc. XVII)

    Alm dos terrenos que abrangiam o morro, os benediti-nos adquiriram uma faixa de terra que compreendia a Prainha,atual Praa Mau, arrematando ainda a Ilha das Cobras e a das Enxadas. A propriedade encontra-se assinalada j no mapa executado a 1631 pelo cartgrafo real Joo Teixeira Albernaz.

    12 Idem, ibidem, pg. 28

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    Figura 24 - Mapa da cidade do Rio de Janeiro, onde aparece o Mosteiro de So Bento

    A Igreja de Nossa Senhora de Monserrate

    A implantao do templo integra-se paisagem naquela parte da cidade. Do adro, v-se a cidade e a orla, envol-ta em verde, tendo por pano de fundo as guas da Baa de Guanabara.

    Figura 25 - Vista do Mosteiro de So Bento (esquerda), tendo direi-

    ta parte da Ilha das Cobras.

    O acesso Igreja hoje feito atravs de elevadores, la-deiras abertas na rocha ou pelas edificaes vizinhas ao mosteiro. Originariamente, o que havia era um caminho alcantilado, de traado tortuoso e desconfortvel, que ganhava o cimo da elevao seguindo meandros irregu-

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    lares. A partir da segunda metade do sculo XVII, cons-truiu-se uma ladeira cujo traado inicial e primeiras o-bras de execuo procuraram aliviar as dificuldades da subida dos fiis. Frei Manuel do Rosrio Buarcos, que acabaria falecendo de insolao, e o monge arquiteto Frei Bernardo de So Bento foram os responsveis pelas obras. No sculo XIX fizeram-se novamente obras de conteno dos aterros ali existentes e a escadaria em granito, primoroso e sbrio trabalho de cantaria*, guar-necida de parapeitos laterais inteirios, seria instalada durante o trinio abacial 1875-1878.

    M

    Figura 26 - Escadaria feita no sc. XIX

    Figura 27 - Antiga ladeira de acesso ao Mosteiro de So Bento

    O calamento do adro, feito todo em lajeados planos de granito, foi ali instalado em meados da dcada de 1970, quando a edificao religiosa passou por algumas obras de conservao e de alterao. Nessa obra fez-se a Casa de Emas e a recomposio do alpendre* direito, que havia sido demolido em 1903, por ocasio da constru-o do primeiro edifcio da Escola de So Bento, funda-

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    da em 1858.

    A fachada da igreja, ma-neirista por excelncia, de gosto classicizante, com remisses estilsticas ao Renascimento atravs de vrias caractersticas. Uma delas o gosto pelo apai-nelamento existente na fachada, criando uma composio marcada pela pluralidade (os painis superiores com janelas enquadradas pelos cu-nhais*, pilastras* e corni-jas*, os painis inferiores,

    Figura 28 - Adro e fachada da Igreja de Nossa Senhora de Monserrate

    O incio da construo da Igreja de Nossa Senhora de Monserrate data de 1633, baseada no traado feito em 1617 pelo engenheiro-mor do Brasil, o militar Francisco de Frias da Mesquita, autor e construtor de vrios for-tes situados nas costas brasileiras entre os anos de 1603 at 1635, quando retornou para Portugal. J por essa poca o Mosteiro amealhava recursos materiais que lhe permitiriam empreender obra com envergadura compatvel a uma edificao como a da Igreja de Nossa Senhora de Monserrate: alm das vrias casas de alu-guel que a ordem mandara erigir nas imediaes do morro, funcionava, desde 1613, o engenho de acar de

    Monde se vem os vos da galil, as aberturas situa-das na parte de baixo da torres sineiras). O equil-brio da fachada, a lineari-dade, com sensibilidade formao de solues orto-gonais e racionalistas. A galil, arrematada pelos arcos plenos na entrada principal da igreja, bem como a austeridade que prepondera em toda mo-denatura* do imvel, so igualmente testemunhos dessa herana clssica mostrada na formao de Francisco Frias da Mesqui-ta, autor do projeto. Iguau, de onde provinham muitos recursos financeiros para o Mosteiro.

    A cerimnia de lanamento da pedra fundamental data de 1631, mas apenas dois anos aps que os trabalhos

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    se iniciaram e estender-se-iam por oito anos, sendo a igreja inaugurada em 1641. Naquele ano, a edificao ainda no possua o atual frontispcio ladeado pelas duas imponentes torres sineiras*, o vestbulo*, o coro de cima e os alpendres, que s depois seriam acrescen-tados, ao longo da segunda metade do sculo XVII. Tais elementos arquitetnicos so tpicos da arquitetura maneirista que se afirma no incio da colonizao por-tuguesa no Brasil.

    A fachada maneirista guarda ainda traos renascentis-tas, seja na modenatura* de austera racionalidade, seja no equilbrio da composio, cuja sobriedade encontra-se acentuada pelo enquadramento lateral das torres si-neiras, seja, enfim, pela presena de uma galil em arco pleno, que concorre para atenuar a presena preponde-rante de linhas retas que desenham a fachada.

    Os alpendres laterais formam interessante conjunto, que, por um lado, concorrem para acentuar o equilbrio da composio e, por outro, conferem um gosto de curi-oso exotismo, ao conjugar elementos arquitetnicos da ordem toscana, como as colunas que os sustentam, com o madeiramento do teto feito moda mourisca.

    Figura 29 - Alpendre

    O vestbulo, com seu teto abobadado, sobre o qual est o coro de cima, foi alterado no sculo XIX, quando en-to se arrancaram os antigos portes ali colocados em meados do sculo XVIII e os substituram por outros de 1880, fundidos na Inglaterra. Datam tambm dessa -poca os painis de azulejos portugueses colocados nas paredes do vestbulo. O piso de cermica, assentado en-tre 1669 e 1672, foi trocado, poca das obras de colo-cao de pisos de mrmore em vrios segmentos da i-greja, durante a centria passada. As portas que sepa-ram o vestbulo da igreja so de canela cravo, com pe-as decorativas em jacarand e mogno, sendo sua exe-cuo atribuda ao Frei da Conceio da Silva, autor de vrias obras de talha que alindam o interior do templo.

    A obra de talha e os retbulos

    Ao adentrar-se na nave da Igreja de Nossa Senhora de Monserrate, depara-se com o quebra-vento, obra de ta-lha de rara beleza, feita no incio da dcada de 1730 por Jos da Conceio e Simo da Cunha, ao mesmo tempo em que se esculpiam os dois anjos do arco-cruzeiro, as imagens do corpo da Igreja e das capelas falsas (Santa Francisca Romana e Santa Ida) situadas sob o coro de cima.

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    Figura 30 - Falsa capela de "Santa" Ida.

    Figura 31 - Interior do templo, com vistas ao quebra-vento, coro de cima e o rgo da Coroa, obra do sculo XVIII.

    MAs capelas laterais, construdas principalmente durante o ltimo quartel do sculo XVII, sob a coordenao do frei arquiteto Bernardo de So Bento, eram mantidas pelas vrias irmandades que se associaram aos monges beneditinos para ali manterem seus cultos e garantirem tambm o enterramento dos seus irmos no recinto dessas capelas. Cada um desses altares representou uma irmandade e apenas a de So Brs mantm-se a-inda hoje funcionando.

    As irmandades religiosas Essas irmandades que mantinham as capelas laterais eram um exemplo de como a populao se organizava, numa poca em que o Estado monrquico absolutista no tinha olhos para as necessidades da sociedade civil. importante lembrar que o Estado absolutista no era exatamente forte, mas intolerante. Ele no assistia populao em educao, assistncia hospitalar e outras

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    demandas sociais. Isto s aconteceria com o advento do chamado despotismo esclarecido e o desenvolvimento da burocracia, a partir da segunda metade do sculo XVIII. As irmandades e as ordens terceiras eram a for-ma com que a populao se organizava, sob a gide da Igreja, para tratar de atividades de natureza assisten-

    F

    13

    Mcialista. Essa prtica foi muito forte at o sculo XIX.

    Algumas ordens terceiras funcionavam dentro de igrejas conventuais, mantendo uma pequena capela. Outras ti-veram muitos membros, crescendo tanto que acabaram por fazer as suas prprias igrejas. o caso das Ordens Terceiras do Carmo, de Santa Cruz dos Militares, da Candelria, do Rosrio, de So Francisco da Penitncia etc.

    As pessoas olham hoje a quantidade de igrejas que se construa naquela poca e imaginam que se tratava de um povo extremamente religioso. No bem assim. A rigor, essas igrejas eram, na maior parte, ordens tercei-ras ou de irmandades destinada a suprir, em termos de assistncia mutualista, aquilo que o poder pblico no fornecia.

    Pelo lado da Epstola (esquerdo), vem-se os retbulos em devoo a Nossa Senhora da Conceio, So Lou-reno, Santa Gertrudes e So Brs; pelo lado do Evan-gelho (direito), vem-se os altares do Santssimo, origi-nariamente dedicado a So Cristvo, cuja bela imagem hoje se encontra no batistrio, So Caetano, Nossa Se-nhora do Pilar e Santo Amaro. No altar-mor, vem-se as imagens de So Bento e Santa Escolstica, talhadas pe-lo genial Frei Domingos da Conceio.

    Os atributos de Santa Escolstica, irm gmea de So Bento, so o livro da regra beneditina e uma pomba, que aqui aparece pousada sobre o livro. No sempre que a santa aparece com um bculo na outra mo, con-forme a imagem ao lado. A presena da pomba nada tem a ver com o mistrio da Santssima Trindade. Tra-ta-se de uma aluso ao milagre atribudo ao momento de sua morte, em que se viu sua alma, na forma de uma pomba, sair de seu corpo e subir aos cus.

    Segundo Jorge Campos Tavares, comum se represen-tar esta santa vestida como uma abadessa dominica-na13. Na imagem que se mostra ao lado, todavia, Santa Escolstica veste um traje solene da ordem beneditina. A dourao que aparece no hbito, como se fosse fili-granas fitomrficas a flor de lis um de seus atributos , feita com a tcnica do esgrafito, que consiste em cobrir, com folhas de ouro, toda a extenso do hbito, recobrir-se com tinta esta dourao e, depois, com o

    igura 32 - Domingos da Con-ceio. Santa Escolstica

    TAVARES, Jorge Campos. Dicionrio de santos. Porto: Lello, 1990. p. 51-2.

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    auxlio de um estilete, remover a tinta j seca, dese-nhando-se os padres que se v no manto da santa.

    Dom Mateus Ramalho Rocha contou-me, certa vez, que uma pessoa que se dizia restauradora, ao descobrir, num santo que lhe fora confiado por um colecionador particular, a camada de ouro sob a de tinta, removeu esta completamente, julgando que o santo era todo em ouro, perdendo assim todos os detalhes feitos em esgra-fito.

    O trabalho de um bom restaurador impe um conheci-mento profundo no apenas de tcnicas e de instru-mentos cientficos, mas de Histria da Arte. Um bom restaurador um profissional imprescindvel para a prpria Histria da Arte, pois a conservao fsica do bem cultural fundamental para o trabalho desse pro-fissional.

    Frei Domingos da Conceio um nome que, apesar de pouco conhecido, deve ser vis-to como um dos mais importantes artistas a-tuantes no Brasil do sc. XVII.

    Esta imagem, atual-mente em poder de um colecionador paulista, toda entalhada em ma-deira, mede 200 x 135 x 25 cm e demonstra um conhecimento da arte do entalhe, um domnio grande sobre anatomia e uma formao slida do artista em desenho.

    O movimento desse Cristo ressurreto enqua-dra-se no gosto barroco, que valorizava as solu-es dinmicas, aqui percebidas tanto na i-dia de instantneo de um movimento flagrado pelo artista, quanto tambm na disposio do corpo, com braos postos em numa diago-nal.

    Y.Z Figura 33 - Domingos da Conceio Cristo da Ressurreio.

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    Figura 34 - Interior da Igreja de Nossa Senhora de Monserrate. Notar a unidade que a obra de talha

    confere ao interior do templo.

    O autor da talha que adornava, com sua profusa pre-sena decorativista, o corpo central da Igreja, como tambm as capelas laterais, foi Alexandre Machado Pe-reira, ativo na segunda metade do sculo XVII, fase u-rea da mais caracterstica etapa barroca do Mosteiro de So Bento. nessa poca tambm em que atua, alm do citado Frei Domingos da Conceio, responsvel pela talha do altar-mor, perdida aps a reforma dos fins do sculo XVIII, o arquiteto Bernardo de So Bento, que coordenaria vrios dos trabalhos empreendidos por ou-tros artistas e artesos. A dourao dessa talha, com-posta basicamente de volutas, acantos, meninos, flo-

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    res, arcos, capitis e emblemas sacros, geralmente da primeira metade do sculo XVIII.

    A Capela-mor da Igre-ja de Nossa Senhora de Monserrate foi refeita na segunda metade do s-culo XVIII por Incio Fer-reira Pinto. A talha anti-ga,de Domingos da Con-ceio, possua um gosto barroco maneira da talha existente nas duas capelas falsas, situadas logo no incio da nave central. Essas capelas tm um gosto prximo ao chamado estilo na-cional portugus. A o-bra de Incio Ferreira Pinto, todavia, j apre-senta um gosto mais leve, com um arremate superior tpico da se-gunda metade do sculo XVIII (Dona Maria), ca-minhando muito proxi-mamente do estilo Roco-c.

    No teto da capela-mor h pinturas do Frei Ri-cardo do Pilar, ativo no Rio de Janeiro no sc. XVII.

    Figura 35 - Capela-mor, com obra de talha de Incio Ferreira Pinto.

    A capela do Santssimo, bem como o altar-mor, refor-mado no final do sculo XVIII seguindo o gosto sensvel ao Rococ, so da lavra do entalhador e escultor Incio Ferreira Pinto, segundo atribuio de Dom Clemente da Silva-Nigra. Defrontando-se com essa capela lateral e a de Nossa Senhora da Conceio ao mesmo tempo que compem um pendant de esplndido efeito decorativo, vem-se dois grandes lampadrios, em prata macia, do risco do escultor, entalhador e arquiteto Mestre Valen-tim da Fonseca.

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    Figura 36 - Lampadrio do Mestre Valentim da Fonseca

    As pinturas

    No teto da capela-mor, vem-se pinturas de Frei Ricar-do do Pilar, importante pintor de origem alem ativo na segunda metade do sculo XVII no Rio de Janeiro. As imagens referem-se s aparies da Virgem Maria aos vrios santos beneditinos. A presena da clarabia bem no meio da abbada da capela-mor imps a elaborao de uma soluo de pintura onde no se pde fazer uma imagem apenas, mas vrias.

    A principal pintura existente no Mosteiro de So Bento executada pelo Frei Ricardo do Pilar encontra-se na sa-cristia, inserida num retbulo riquissimamente ornado com obra de talha em estilo nacional portugus. O re-tbulo pode ser considerado como o mais tpico da obra de talha barroca, tanto no Brasil como em Portugal. O nome decorre das remisses que ele faz s portadas das

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    igrejas romnicas portuguesas, construdas no sculo XI e XII, portanto na mesma poca em que Portugal desligava-se da corte espanhola e fundava sua casa monrquica autnoma. As semelhanas com o estilo Romnico encontram-se nos colunelos laterais escalo-nados e nos arcos plenos concntricos superiores que encimam o retbulo. No Romnico, os colunelos tendem simplicidade, embora possam vir adornados de cenas bblicas ou de elementos extrados da temtica pag. No estilo nacional portugus os colunelos so espiralados, maneira salomnica, da mesma forma que Gian Lo-renzo Bernini (1598-1680) concebera o baldaquino da Baslica de So Pedro, aparecendo no Mosteiro de So Bento do Rio de Janeiro com uma dourao sobreposta ao vermelho.

    M

    Figura 37 - Baldaquino de Bernini (fonte Wikipedia)

    Figura 38 - Retbulo de Nosso Senhor dos Martrios. Pintura de Frei Ricardo do Pilar. Foto Paulo Conceio.

    A pintura que aparece neste retbulo enquadra-se no estilo barroco, pelo gosto do contraste claro-escuro, pelo sentido dramtico que a obra apresenta, revelando ain-

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    da uma herana da pintura europia de tradio seten-trional, assinalada pelo detalhismo requintado e preci-so. Frei Ricardo do Pilar, nascido na Alemanha, estuda-ra em Portugal durante algum tempo, onde a influncia da pintura flamenga tambm sensvel.

    Figura 39 - Pintura oval (sc. XVIII) Foto Paulo Conceio

    Vrios ovais encontram-se pela sacristia, batistrio e assim. So pinturas de algum autor do sculo XVIII, quando a luminosidade era mais suave e menos marca-da pelo contraste de sombra e luz. A moldura desses ovais tipicamente rococ, com rocalhas estilizadas.

    Capela das Relquias

    Tambm em estilo Rococ deve ser vista a Capela das Relquias, feita provavelmente em fins do sculo XVIII, empregando-se uma dourao sem exageros sobre tom azul turquesa claro. A capela das relquias possui vrios elementos decorativos em volta dos pequenos compar-timentos onde as relquias se encontram expostas.

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    Figura 40 - Capela das Relquias

    Observar o oratrio em prata macia, feito tambm em estilo rococ, possivelmente da lavra do Mestre Valen-tim da Fonseca, o mesmo autor dos lampadrios que se encontram na entrada da capela-mor da Igreja de Mon-serrate.

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    Figura 41 - Oratrio em prata da capena das relquias.

    Consideraes finais

    O Mosteiro de So Bento constitui-se numa obra de arte cuja importncia no se resume apenas beleza de sua arquitetura, de sua obra de talha, pintura ou escultura, tomadas isoladamente. Sua riqueza artstica deve ser vista em seu todo, em que cada elemento se integra representao de uma idia o Barroco , construda lentamente ao longo de vrios anos. Foi esse o estilo ar-tstico que testemunhou a formao cultural do povo brasileiro: exuberante, sensvel e assinalado por con-tradies.

    Y.Z

    Bibliografia ALVIM, Sandra. Arquitetura Religiosa Colonial no Rio de Janeiro: revestimentos, retbulos e talhas. Rio de Janei-ro: Editora UFRJ: Minv-IPHAN: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1997.

    ______. Arquitetura Religiosa Colonial no Rio de Janeiro: plantas, fachadas e volumes. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ; IPHAN; Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1999. Vol. II

    BARATA, Mrio. Igreja da Ordem Terceira da Penitncia. Rio de Janeiro, Agir, 1975.

    Marcus Tadeu Daniel Ribeiro

  • O triunfo da f 37

    BAZIN, Germain. Arquitetura Religiosa Barroca no Bra-sil. Rio de Janeiro: Record, [1983]. 2 v.

    CHILVERS, Ian. Dicionrio Oxford de Arte. Traduo Marcelo Brando Chipolla. So Paulo: Martins Fontes, 1996

    LEITE, Jos Roberto Teixeira. 500 anos de pintura brasi-leira. So Paulo: Log On Comunicao Interativa, 2000. (CD-ROM)

    OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro. O rococ religioso no Brasil e seus antecedentes europeus. So Paulo: Co-sac & Naify, 2003.

    ROCHA, Dom Matheus Ramalho. A Igreja do Mosteiro de So Bento do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Studio HMF: Lmen Christi, 1991.

    ______. O Mosteiro de So Bento do Rio de Janeiro: 1590-1990. Rio de Janeiro: Studio HMF: Lmen Christi, 1991.

    SANTOS, Noronha. Crnicas da cidade do Rio de Janei-ro. Rio de Janeiro: Padro; INELIVRO, 1981. Vol. 1

    SILVA-NIGRA, Dom Clemente da. Construtores e Artis-tas do Mosteiro de So Bento do Rio de Janeiro. Salva-dor: s/ed., 1950.

    TAVARES, Jorge Campos. Dicionrio de santos. Porto: Lello, 1990.

    TOLEDO, Benedito Lima de. Do sculo XVI ao incio do sculo XIX: maneirismo, barroco e rococ. In: ZANINI, Walter (org.) Histria Geral da Arte no Brasil. So Paulo: Fundao Walter Moreira Salles, 1983.

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  • O triunfo da f 38

    Glossrio Aleta Acabamento curvilneo colocado nas laterais de um fronto, com o intuito de diminuir-lhe o aspecto du-ro e seco provocado pelos ngulos retos da fachada.

    Alpendre Cobertura saliente, feita em telhas apoiadas sobre madeiramento estruturado em trelia, que se a-pia, por sua vez, de um lado, no pano da fachada e, de outro, em pilares ou colunas.

    Altar Na tradio judaico-crist, mesa sagrada em frente qual o sacerdote promove ritos religiosos ou onde os fiis rezam ou depositam oferendas ao santo ou a Deus.

    Adro Ptio que circunda um edifcio, seja ele religioso ou no. Nas igrejas, chama-se adro o ptio que fica em frente fachada principal.

    Campanrio O mesmo que torre sineira, ou seja a tor-re de uma igreja onde os sinos so colocados.

    Cantaria As obras de cantaria so os trabalhos feitos em pedra destinados a servir de elementos estruturais numa construo.

    Capitel Arremate superior de uma coluna, normal-mente adornada com folhas de acanto, bacos, volutas etc., cuja anlise permite identificar-se a que ordem ar-quitetnica pertence a coluna. Nas ordens gregas, tm-se capitis dricos, corntios e jnicos. Nas ordens ro-manas, tm-se capitis toscanos e a compsitos. A or-dem toscana foi uma das mais usadas pelos artistas do Renascimento e do Barroco. Cenbio Nome genrico dado a qualquer lugar cons-trudo para abrigar comunidades religiosas reclusas, dedicadas vida de orao, trabalho e contemplao. Mosteiros, destinados habitao de monges, e conven-tos, especficos dos religiosos de ordens mendicantes, podem ser citados como exemplos de cenbios.

    Coluna Qualquer suporte vertical de seo circular, sobre o qual se apiam vigas, frisos, arquitraves, corni-jas ou outros elementos estruturais horizontais quais-quer. As colunas so formadas de base (s vezes apoia-da sobre um pedestal), fuste* e capitel.

    Cornija Moldura saliente horizontal, que pode ser re-tilnea ou curvilnea, para marcar a presena dos pavi-mentos das edificaes. As cornijas superiores dos edi-fcios tm por funo conduzir o escoamento da gua da chuva, de forma a no a deixar escorrer pela fachada, o que provoca umidade e manchas. As cornijas tambm podem ser simples arremates superiores e horizontais

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  • O triunfo da f 39

    de um pedestal ou de uma balaustrada.

    Coro de cima Desde a Renascena, chama-se coro ou coro de cima a parte de uma igreja situada prxi-ma entrada na nave central, onde se localizam leigos e se processam os ofcios divinos. Originalmente, o coro ficava junto ao altar-mor. Na Igreja de So Bento a rea do altar-mor tambm chamada de coro.

    Coruchu Remate piramidal de um edifcio, verificado sobretudo sobre o campanrio de uma igreja. De manei-ra mais genrica, usa-se tambm o termo para designar qualquer remate de um campanrio, seja ele piramidal, meia-laranja, bulboso etc.

    Cunhal Pilastra, feita normalmente em obra de canta-ria* com cantos vivos (90), colocada na quina ou canto de uma edificao. Os cunhais, por assim dizer, so as arestas verticais dos edifcios.

    Frontaria Fachada principal de um edifcio. O mesmo que frontispcio.

    Frontispcio Fachada principal de um edifcio. O mesmo que frontaria.

    Fuste Parte principal de uma coluna, situada entre o capitel (arremate superior) e sua base. Os fustes podem ser lisos, como nas ordens toscanas, ou com caneluras, como nas ordens dricas.

    Galil Vestbulo situado entre a parede da fachada e a porta de ingresso na nave de uma igreja. Pode apresen-tar, no vo situado na parede da fachada, uma verga em arquivolta.

    Modenatura Conjunto de molduras e demais elemen-tos arquitetnicos que denotam o estilo, fase ou escola artstica de um prdio. Tambm chamada de modina-tura.

    Nicho Reentrncia encontrada nas paredes internas ou externas de uma edificao, onde podem ser vistas esculturas, vasos, nforas etc.

    culo Abertura circular de uma parede, que tem por funo facilitar a iluminao e a aerao do ambiente. As rosceas medievais podem ser consideradas um tipo sofisticado de culo.

    Pilastra Elemento estrutural como as colunas ou pila-res, de seo retangular, incorporado ao pano da parede e levemente saliente para fora desta.

    Pinculos Pequenos arremates situados nas partes superiores de um edifcio, que exercem funo mera-mente decorativa. As torres sineiras e os frontes curvi-lneos barrocos costumam vir acompanhados desses e-lementos arquitetnicos.

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    Relicrio Relicrio uma pea onde se expe algum vestgio material de um santo (osso, fio de cabelo, dente, fragmento de roupa etc.), chamada de relquia, com o fim de ser adorada pelos fiis. A imagem-relicrio uma escultura de um santo, com uma relquia presa nor-malmente altura do peito, alm de apresentar os atri-butos correspondentes. Por exemplo, uma imagem-relicrio de So Loureno teria, alm da relquia presa escultura, uma palma e uma grelha.

    Retbulo Atrs da mesa, literalmente. Obra de talha ou em pedra lavrada que se localiza atrs e sobre o al-tar (mesa sagrada), onde se colocam imagens de santos ou pinturas religiosas.

    Sobreverga Arremate de vergas existentes em portas e janelas, normalmente decorado com motivos curvil-neos.

    Serliano Relativo ao arquiteto Sebastiano Serlio (1475-1554), tratadista da arquitetura italiano, natural da Bolonha, que trabalharia na corte do rei francs de Francisco I.

    Tmpano Parte interna de um fronto, onde normal-mente se podem encontrar inscries, relevos, escultu-ras etc.

    Torre sineira Parte do edifcio religioso onde se situ-am os sinos. O mesmo que campanrio.

    Verga Nome genrico dado aos arremates superiores de qualquer porta ou janela.

    ndice Aspectos histricos ........................................................................ 1 Os conventos franciscanos ............................................................. 2

    Caractersticas ......................................................................... 5 O convento franciscano de Salvador ......................................... 9

    As igrejas todas de ouro ................................................................13 O Convento e Igreja de Santo Antnio e a Igreja da Ordem Terceira da Penitncia do Rio de Janeiro .................................13 O Mosteiro de So Bento do Rio de Janeiro..............................19

    Bibliografia ...................................................................................36 Glossrio ......................................................................................38 ndice............................................................................................40 Crditos ........................................................................................40

    Crditos Fotografias do Mosteiro de So Bento: A pintura oval e a do Nosso senhor dos Martrios so de Paulo Conceio.

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    As demais foram feitas por Humberto Morais Frances-chi e Nelson Rivera Monteiro, tendo sido extradas do li-vro de Dom Mateus Ramalho Rocha, com a autorizao do Mosteiro de So Bento. Seu uso em baixa resoluo de circulao restrita.

    Ateno: Esta uma apostila produzida por Marcus Tadeu Daniel Ribeiro, destinada a subsidiar pe-dagogicamente o trabalho de ensino de Histria da Arte. Seu uso restrito a seus alunos, estando sua divulgao vedada sob todas as formas e meios, materiais ou digitais, especi-almente atravs da Internet. Este documento est protegido pela Lei n. 9.610, de 19 de feve-reiro de 1998, que consolida a legislao sobre direitos autorais.

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    Histria da ArteO triunfo da f

    Prof. Marcus Tadeu Daniel RibeiroArquitetura, escultura, pintura no Brasil colonialAspectos histricosOs conventos franciscanosCaractersticasO convento franciscano de Salvador

    As igrejas todas de ouroA Igreja da Ordem Terceira da Penitncia, inserida no conjunA importncia histrica do Convento de Santo Antnio.A fundao da igreja e histrico de suas transformaesIgreja da Ordem Terceira de So Francisco da Penitncia

    O Mosteiro de So Bento do Rio de JaneiroA escolha do localA Igreja de Nossa Senhora de MonserrateA obra de talha e os retbulosAs pinturasCapela das RelquiasConsideraes finais

    BibliografiaGlossriondiceCrditos