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Um estudo sobre o recurso do exagero com função metafórica em três filmes: A ESPADA ERA A LEI, 1963; ALADDIN, 1992; e POCAHONTAS, 1995.
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Animação Disney (II): exagero metafórico
Mário Sérgio Teodoro da Silva Junior
Tem esses dois jovens peixes nadando juntos, e acontece de eles encontrarem um peixe mais
velho nadando para o outro lado, que acena com a cabeça para eles e diz: “Bom dia,
garotos, como está a água?”. E os dois jovens peixes continuam nadando um pouco, até que
um deles olha para o outro e pergunta: “Que diabos é água?”.[...]
O ponto central da história dos peixes é que as realidades mais óbvias, onipresentes e
importantes são, geralmente, aquelas mais difíceis de ver e falar sobre.
–DAVID FOSTER WALLACE
Uma realidade onipresente no desenho animado é justamente o ato de animar,
desenhar: “‘[...] A verdade por trás disso é: estamos no mercado de filmes, apenas os
desenhamos ao invés de fotografá-los’ – Walt Disney”1 (JOHNSTON; THOMAS, 1981,
p.119). O trabalho de desenhar dos animadores da Disney, como já visto, inclui em suas
premissas o conceito de exagerar (ibidem, p.65). Exagerar o traço, o movimento e,
consequentemente, a ação, a cena, os caráteres... Mas tudo com muita prudência, evitando o
exagero caricaturesco e deformado, sempre se apegando às leis da física dos movimentos e
dos corpos, a fim de se obter um efeito mais realista.
Logo, é de se esperar que a gênese do estilo Disney seja o exagero, que animar e
exagerar sejam de natureza semelhante. Aliás, aquilo que se espera de um filme dessa espécie,
mesmo que de outra empresa, ainda no gênero animação, são situações extremadas, que
gerem o riso ou a admiração pela graciosidade do traço, mas que deixem claro que aquela
ação só é possível dentro de um desenho animado.
Como já visto anteriormente, uma faz funções que o recurso de exagero assume é a
função cômica. Através da aceleração e desaceleração dos movimentos, da antecipação e do
movimento repentino, produz-se um efeito ora de evidenciação de características desse
movimento que são risíveis, ora de quebra de expectativas em relação a esse movimento.
Mas existem ainda outras funções para o exagero, tendo em vista que se trata de um
recurso, sem finalidade em si mesmo, senão a de salientar características. O efeito depende
unicamente do uso que se faz do recurso, de como e quando, no filme, ele é aplicado.
1 “[...] The real thing behind this is: we are in the motion picture business, only we are drawing them instead of photographing them” – Walt Disney. Tradução minha.
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Uma dessas outras funções é em muito semelhante à metáfora. A metáfora altera o
estatuto simbólico do objeto que ela compara a outro (ou da ideia que ela compra a outra). O
exagero, nesse caso, alterará o estatuto físico de um objeto, ainda com o ideal de compará-lo a
outra dada situação. A seguir, serão apresentados exemplos tirados de três filmes selecionados
para comprovar essa teoria.
“Bagunça medieval”
A espada era a lei, dirigido por Wolfgang Reitherman, diretor também de títulos como
Mogli, Robin Hood e Aristogatas, foi lançado em 1963. É baseado na obra homônima (The
sword in the stone) de T. H. White. A história é sobre a jornada do jovem Wart até que ele se
torne o grande Rei Arthur, tirando a espada da pedra.
Wart vive com Sir Ector em seu castelo até que Merlin, um feiticeiro, encontra o
garoto que tem por volta de onze ou doze anos. Merlin sabe do futuro de Wart e deve ajudar
em sua educação para torná-lo rei. Entretanto, Wart pretende torna-se escudeiro de seu irmão
de criação, Kay, além de que, sempre está muito ocupado para a educação, porque trabalha no
castelo sempre limpando muita coisa, lavando muita coisa, tendo muita coisa por fazer...
O andamento do filme se dá com as lições de Merlin e Wart preocupando-se com um
grande torneiro de cavaleiros. Por fim, o garoto, em Londres, acidentalmente, tira a espada da
pedra e cumpre seu destino.
No que toca o exagero, é interessante observar uma dada característica desse filme.
Primeiramente, segue transcrita a canção de abertura do filme, que conta a história da espada
na pedra:
A lenda é cantada
De quando a Inglaterra era jovem
E cavaleiros eram corajosos e destemidos
O bom rei morreu
E ninguém decidia
Quem era legítimo herdeiro para o trono
Parecia que a nação
Seria despedaçada pela guerra
Ou salva por um milagre único
E esse milagre apareceu
Em Londres
A espada
Na pedra2. (REITHERMAN, 1963, min.2)
2 The legend is sung/Of when England was young/And knights were brave and bold/The good king had died/And no one could decide/Who was rightful heir to the throne/It seemed that the land
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Depois, a canção é sucedida por uma breve descrição em uma floresta sombria em que
um esquilo foge de seus predadores: “Era uma era sombria sem lei ou ordem. O homem vivia
com medo de seus semelhantes, porque, do mais forte, o fraco era a presa.”3 (Ibidem, min.3).
Por fim, a primeira personagem fala. Merlin: “– Uma era negra, sem dúvida! Era de
inconveniência. Sem encanamentos. Nem eletricidade. Sem nada. [...] Tudo complicado. Uma
grande bagunça medieval.”4 (Ibidem, min.4).
Disso, concluímos o ambiente em que o filme se passa: bagunçado, complicado, sem
ordem, sem lei. Um tanto quanto exagerado. E esse exagero é comunicado inclusive pela
imagem.
Na figura 1, temos o primeiro encontro entre Wart e Merlin na cabana do feiticeiro, e
notamos o excesso de objetos ao fundo. Mais tarde, quando ele faz as malas para a mudança
diminuindo esses objetos com magia, fica mais clara a grande bagunça que se estabelece.
Na figura 2, vemos o alojamento de Merlin no castelo de Sir Ector: os objetos ainda
estão lá, esparramados, “sem lei ou ordem”.
Na figura 3, Wart tem pilhas de louça para lavar. Merlin resolve isso com mágica, mas
a quantidade e disposição caótica desses pratos são incontestáveis.
Por fim, na figura 4, quadro 1, várias pessoas (como se fossem objetos) estão dispostas
ao redor de Wart, quando ele retira a espada da pedra. Nos quadros 2 e 3, vemos Wart já rei e
um grande átrio vazio. Os detalhes do fundo continuam minuciosos, como gosta a Disney,
mas os objetos já não estão mais lá, pois agora existe um rei, a ordem e a lei.
would be torn by war/Or saved by a miracle alone/And that miracle appeared/In London town/The sword/In the stone. Tradução minha. 3 This was a dark age without law and without order. Men lived in fear of one another for the stronger preyed upon the weak. Tradução minha. 4 A dark age, indeed! Age of inconvenience. No plumbing. No electricity. No nothing. [...] Everything complicated. One big medieval mess. Tradução minha.
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Figura 1: REITHERMAN, 1963, min.8-14.
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Figura 2: REITHERMAN, 1963, min.21.
Figura 3: REITHERMAN, 1963, min.39.
Figura 4: REITHERMAN, 1963, min.76-78.
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“Poderes cósmicos e fenomenais! – dentro de uma lampadazinha.”
Aladdin chegou aos cinemas em 1992. Dirigido por Rob Clements e John Musker,
conta o conto de fadas de Aladdin imerso na magia da Disney: um musical repleto de
comicidade e animação. Nessa versão, o jovem Aladdin é órfão e vive nas ruas com seu
amigo macaco, Abu, até que entra em sua vida a princesa Jasmine e o vizir real, Jafar.
Jafar procura Aladdin porque o rapaz era o único que poderia entrar na Caverna das
Maravilhas e pegar a lâmpada do gênio, objeto cobiçado pelo vizir, que busca o poder a
qualquer custo. Já Jasmine, numa fuga do palácio, onde se sentia “aprisionada”, sem poder
ver o mundo exterior, encontra o herói, um encontro que gera, inevitavelmente, na Disney, o
amor à primeira vista.
Jafar leva Aladdin para a caverna e o faz buscar a lâmpada, mas Aladdin acaba preso
lá e encontra o objeto ele mesmo. Convoca, então, o gênio. O gênio lhe realizará três desejos.
O primeiro desses é tornar o rapaz de rua um príncipe, para que ele possa se casar com
Jasmine. Aladdin se torna príncipe, mas Jafar rouba a lâmpada e o garoto perde,
consequentemente, o status. No fim, Aladdin derrota Jafar e reconquista a lâmpada,
conseguindo ficar com a princesa, mesmo não sendo mais príncipe, pois seu último desejo foi
libertar o Gênio.
E em torno desse processo de libertação das personagens de suas respectivas
“prisões” é que gira a história. O jovem preso às ruas que quer livrar-se delas; a princesa
presa ao palácio; o vizir preso ao seu cargo enfadonho e o Gênio preso à lâmpada: todos têm
em comum o desejo de liberdade. Todas as vidas vivem comprimidas em seus cárceres, têm
seu potencial suprimido pelas paredes que as separam de seus sonhos, são, como diz o gênio,
“poderes cósmicos e fenomenais dentro de uma lampadazinha”.
Tal princípio de compressão manifesta-se em outros momentos do filme através do
recurso do exagero, sobretudo, a compressão das palavras. Isto é, é muito recorrente, em
Aladdin, que as personagens falem muita coisa em pouco tempo, comprimam as palavras na
frase num movimento homológico à situação vivenciada pelas próprias personagens.
Um primeiro exemplo é na canção que apresenta Aladdin, One jump ahead. É uma
canção comum para os filmes da Disney, possui uma forte função narrativa de dar a entender
toda a realidade do jovem, das ruas de Agrabah, da vida dos menos afortunados, etc. Não
convém exemplificá-la aqui pelo fato dos textos escritos carecem de recursos auido-visuais...
Mas vale dizer que, em dado ponto, mais próximo do fim da canção, Aladdin, fugindo dos
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guardas, apressa a fala (o canto), acelerando o ritmo da música, comprimindo os versos em
espaços de tempo menores.
Algo semelhante ocorre na canção do Gênio, Friend like me, em que ora os versos
contêm muitas palavras, dando o efeito de compressão, ora o canto é acelerado. Outra canção,
Prince Ali, tem seu ritmo exagerado no fim. De um modo ou de outro, a ideia é justamente
das coisas serem maiores que o espaço em que estão condenadas a viver.
Algumas personagens falarão apressadamente normalmente, sem a desculpa da
canção. Abu, Iago – o papagaio – e o Gênio sempre falam muito, muitas vezes trocando
rapidamente o assunto da fala, agregando informações terceiras, aparentemente gratuitas.
E a canção, o espetáculo musical, mais recorrente a partir das produções do final da
década de 80 até os dias atuais, é um fonte de exagero na Disney e marca fortemente o gênero
dessa animação. Mas, em Aladdin, podemos entendê-lo como metáfora: o excesso de
elementos numa mesma cena, apertados (figuras 5 e 6). E todos eles vêm da magia do Gênio,
que, por sua vez, é um grande potencial acorrentado à escravidão da lâmpada, realidade
compartilhada com os elementos dessas cenas.
Figura 5: Friend like me (CLEMENTS; MUSKER, 1992, min.37-39.)
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Figura 6: Prince Ali (CLEMENTS; MUSKER, 1992, min.49-51.)
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A sutileza do exagero
Pocahontas foi lançado em 1995, dirigido por Mike Gabriel e Eric Goldberg. Conta
com Alan Menken na elaboração de sua trilha sonora, o mesmo compositor por trás de outros
grandes sucessos Disney da década de 90. Entretanto, é um filme diferente do que se via até
então em A Bela e a Fera, Rei Leão, e Aladdin, pois, enquanto estes continham um poderoso
apelo cômico realizado por certas personagens em dadas circunstâncias, Pocahontas é
majoritariamente sério e trágico. Uma história que não resulta necessariamente em um final
alegre.
A história se passa em 1607, numa exploração inglesa pelas terras americanas do
“Novo Mundo”. A exploração é comandada pelo governador Ratcliff, que pretende encontrar
ouro nessa nova terra, motivado pelas notícias de riquezas conquistadas ali pelos espanhóis. A
embarcação é liderada pelo capitão John Smith, que não ambiciona ouro, mas é movido pelo
seu espírito aventureiro e inquieto.
Ao chegarem ao litoral, são postas em movimento duas forças opositoras: a dos
ingleses que buscam o ouro a qualquer custo, e a dos índios nativos que lá estavam, que
defenderam suas terras dos invasores. Em meio a esse conflito, John Smith encontrará
Pocahontas, a filha do líder da tribo, Powhatan, e os dois se apaixonaram platônica e
incondicionalmente, como deve ser em uma boa história de amor Disney. É um amor
proibido, que vai contra interesses políticos, econômicos, éticos... Em um dos encontros
escondidos do casal, eles são flagrados por homens do acampamento inglês e Kocoum,
guerreiro mais forte dos índios destinado a se casar com Pocahontas.
Kocoum é morto por um dos companheiros do capitão Smith, que, por sua vez, é
aprisionado pelos nativos e condenado por essa morte. Pocahontas, heroicamente, impede a
condenação no fim do filme, mas John é forçado a voltar com o navio para a Europa onde
deverá receber cuidados médicos especiais.
E entre essa grande narrativa trágica e as parábolas cômicas desenvolvidas por um
conjunto menos de personagens (a saber, os dois animais amigos da protagonista – o
guaxinim Meeko e o beija-flor Flit – e o mordomo e o cachorro do Governador Ratcliff –
Wiggins e Percy) o exagero ocorrerá, com um objetivo e um ritmo próprio, bastante sutil,
mas, com certeza, onipresente e destacável.
Pocahontas conta com duas introduções antes que nos seja apresentada a protagonista.
A primeira apresenta a partida da expedição de Ratcliff de Londres para a América, seguida
de uma tempestade em alto mar.
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A segunda cena introdutória monstra a tribo de Pocahontas recebendo seu chefe que
volta de uma missão. A canção Steady as the beating drum, que completa a trilha da cena,
oferece a visão do modo de vida da tribo, “constante como a batida do tambor”, regular, sem
excessos, respeitando, assim, a natureza que a eles tudo provê.
Notamos a presença de dois pontos de vista distintos prestes a entrar em conflito: o de
Ratcliff e os ingleses, que buscam as “montanhas de ouro” protegidas por “índios
sanguinários”, e a dos nativos, da constância e do equilíbrio da vida. As cores das imagens,
perceberemos nos trechos selecionados, justifica essa antítese: o cinza, o azul e o marrom
(figura 1) seguido do rosa, do lilás e do anil (figura 2).
Mas composição imagética das cenas é bem equilibrada comparada a outros filmes da
Disney: as cores e as formas são demasiado condizentes com a realidade das coisas. Não
existem personagens realizando proezas que desafiam a física, apenas a vida que conhecemos
pintada na tela com bastante austeridade.
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Figura 7: A partida da nau do porto. Notamos como o retrato é realista, em tons e contornos sóbrios. (GABRIEL, GOLDBERG, 1995, min.0)
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Obviamente, a chegada dos ingleses provocará uma mudança no ritmo da tribo e no
ritmo da composição da imagem visto no começo do filme. Toda essa mudança começa com a
terceira canção, Just around the riverbend. Nesse ponto, Pocahontas encontra-se com seu pai
e ele lhe diz que ela deverá se casar com Kocoum, pois ele é o melhor marido que ela pode
ter, forte, estável, “sério” – como diz a própria protagonista. O chefe utiliza uma metáfora
para a vida da filha que envolve o percurso do rio. Ele diz:
Conforme o rio corta seu caminho, Mesmo que orgulhoso e forte Ele escolherá o curso mais liso E por isso os rios vivem tanto tempo. Eles são estáveis, Como a batida estável do tambor5 (Ibidem, min.11)
5 As the river cuts his path/ Though the river's proud and strong/He will choose the smoothest course/That's why rivers live so long/They're steady/As the steady beating drum. Tradução minha.
Figura 8: A chegada do chefe à aldeia. Novamente, muita austeridade na composição imagética. (Ibidem, min.5)
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Em seguida, Pocahontas deduz que mesmo o rio “não é tão estável assim”, e navega
por ele cantando a canção, que derruba a sobriedade e encontra o excesso. São os versos da
ode à vontade de Pocahontas, de sua fuga ao exagero.
O destino final de Pocahontas é consultar sua “avó” Willow. A questão é que, ao
chegar ao recinto da Avó Willow, a composição imagética muda. Os contornos não se
distorcem, não é costume da Disney fazê-lo aliás, mas as cores começam a significar mais
forte (figura 9).
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Mesmo que haja cores predominantes em todas as cenas (e isso se deve ao fato da
fotografia contar com bastante amplitude e abrangência, deixando muito céu, muita água, ou
outros elementos monocromáticos nas imagens), aqui notamos a predominância maciça do
azul, mesmo no tronco verde-azulado da árvore. Nos quadros 9 e 10, os pequenos animais são
pontos de cor muito viva, fluorescentes. Nos dois últimos quadros, as pequenas folhas em um
rosa, azul e faíscas dourado-vivo...
Figura 9: Pocahontas visita Avó Willow (Ibidem, min.14-17)
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As cores são exaltadas nessa cena, são exageradas. Do mesmo modo como Pocahontas
sai da batida estável do tambor da tribo e adentra nos desconhecidos da curva do rio, as cores
abandonam sua lógica anterior para desprenderem-se de seriedade.
Da mesma maneira, em outros momentos do filme, as cores saltarão aos olhos,
manifestando, através de seu exagero, os estados de espírito das personagens. O azul diz
respeito a momentos de espiritualidade e amor – nessa última cena exemplificada, a avó
Willow conta a Pocahontas a existência de espíritos da natureza que guiam seu caminho;
outras vezes, o azul profundo da noite ambienta os encontros românticos da índia com o
capitão Smith.
Outras cenas terão o vermelho, o alaranjado como fundo monocromático, dando a
ideia de ira. Um exemplo que opõe essas duas polaridades de cor é a cena da morte de
Kocoum (figura 10). O azul abraça o beijo do casal e o clima de paz, mas quando o índio
tenta matar Smith o vermelho começa, gradualmente, a ganhar brilho (quadros 20, 22, 24-29).
Percebemos também a ocorrência de cenas em que nenhuma cor brilha de fato, provando o
exagero da cor em oposição à sobriedade.
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Figura 10: GABRIEL; GOLDBER, 1995, min.56-57.
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Já quando os ingleses e os nativos marcham ao som da canção Savages, o
vermelho/laranja está mais saliente, mais irado, e bastante descompassado (figura 11). De
fato, o vermelho coincide com a aurora, assim como o azul, com a noite enluarada, de modo
que pode passar desapercebido, sutil, dissipando-se nos últimos quadro conforme os ânimos
se acalmam.
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Figura 11: GABRIEL; GOLDBERG, 1995, min.63-66.
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O exagero metafórico
Todos os elementos exagerados desses exemplos refletem, de alguma forma, temas
presentes na história dos filmes. Os objetos refletem a bagunça do reino sem rei; as palavras
refletem o aprisionamento das personagens; as cores refletem o descompassar da jornada de
Pocahontas e os estados de espírito das personagens.
São metáforas. É como se disséssemos que o reino está bagunçado como os objetos, as
personagens espremidas como as palavras e os ânimos e o ritmo estão descontrolados como as
cores. Mas, ao invés de se fazer a comparação em um nível unicamente simbólico, virtual,
faz-se no nível físico, visível, imagético. Nesse sentido, metáfora e exagero têm parentesco
quando este último assume tal função comparativa.
De qualquer modo, sobre o exagero, percebemos nele um recurso com finalidade
própria de dar clareza ao que é dito, de fazer a mensagem o mais entendível possível.
Quando se exagera o traço do movimento para comunicar uma piada, é graças à essa
hipérbole da animação que ela se faz plenamente entendível, fácil se ser apreendida
rapidamente. Isso diz respeito ao ritmo do desenho animado, e do cinema, em que não
podemos voltar alguns parágrafos atrás como num livro, devemos internalizar o que acontece
desde sua primeira aparição.
Da mesma maneira, o exagero metafórico, num nível mais complexo, tenta dar clareza
à mensagem, tornando possível, numa leitura um pouco mais atenta e adulta, a compreensão
do tema central do filme – percebe-se aí que nem tudo feito no desenho animado é destinado
às crianças, pelo contrário, trata-se de uma obra feita para dois públicos, com leituras
ingênuas e de lições morais e leituras mais apuradas.
Entretanto, não se deve pensar nesse uso do exagero como uma função alegórica, pois
eles alteram o plano físico da história. Os objetos, as palavras, as cores e o exagero dos
movimentos compõem a realidade ficcional dos filmes, compõem uma realidade subordinada
ao texto prevista para a leitura da criança e do adulto.
A questão é que, na animação, o exagero confere mais alma ao espaço, às
personagens, às ações, de tal maneira que não haveria outro nome para essa arte senão
animação. Animar é conferir ânimo, alma, dando vida ao que se imagina, fazendo que, na
ficção, a alma se sobreponha ao corpo e que a realidade imaginável confunda-se com a
realidade visível.
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Referências:
CLEMENTS, Rob; MUSKER, John. Aladdin. Walt Disney Feature Animation, 1992.
JOHNSTON, Ollie; THOMAS, Frank. The illusion of life – Disney Animation. Nova
Iorque: Disney Editions, 1981.
GABRIEL, Mike; GOLDBERG, Eric. Pocahontas. Walt Disney Feature Animation,
1995.
REITHERMAN; Wolfgang. The Sword in the stone. Walt Disney Productions, 1963.