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ANEM IC CINEMA DUAS VISÕES SOBRE UM OBJETO Imaculada Kangussu A polêmica entre Benjamin e Adorno que aconteceu nos anos 30 representa, sem dúvida alguma, uma das mais significativas controvérsias estéticas do nosso século. E isso, não apenas devido à envergadura intelectual dos participantes mas, sobretudo, devido à gravidade e importância do seu conteúdo. Conforme se sabe, data de 1923 o primeiro encontro entre os dois filósofos. Forte afinidade intelectual os aproxima ao longo do tempo, em 1929  passam jun tos o verão em Köni gstein , pequen a aldeia próxi ma a Frankfurt, onde mantêm conversas que Benjamin considera "históricas em seu significado" (em carta a Adorno, 31/03/1935). Participavam também dessas discussões Horkheimer, Asja Lascis e Gretel Karplus (mais tarde, senhora Adorno). Adorno considera essas conversações inesquecíveis (em carta a Benjamin, 10/11/1938, onde critica pesadamente o texto sobre Baudelaire, que seria "um modelo em miniatura da obra das  Passagens"). Segundo Susan Buck- Morss 1 , é nessa época que tem origem o conceito de dialética negativa, central no pensamento adorniano. Em 1931, seu primeiro ano como professor da Universidade de Frankfurt, Adorno organiza um seminário cujo tema é a obra de Benjamin sobre a Origem do Drama barroco alemão , que vem a ser -  paradoxa lm ente - o texto considerado inco mpreen sível pela banca que o avaliava tendo em vista o ingresso do autor na carreira acadêmica, em 1925 (Benjamin só fica sabendo da realização do seminário a posteriori ). Ainda influenciado pela mesma obra, no ano seguinte, o recém-professor escreve  Die 1  Cf. BUCK-MORSS, Susan. The origins of negative dialectics, onde a autora apresenta o background  biográfico da po lêmica Benjamin-Adorno.

Anemic-cinema - Imaculada Kangussu

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  • ANEMIC CINEMA DUAS VISES SOBRE UM OBJETO

    Imaculada Kangussu

    A polmica entre Benjamin e Adorno que aconteceu nos anos 30

    representa, sem dvida alguma, uma das mais significativas controvrsias

    estticas do nosso sculo. E isso, no apenas devido envergadura intelectual

    dos participantes mas, sobretudo, devido gravidade e importncia do seu

    contedo. Conforme se sabe, data de 1923 o primeiro encontro entre os dois

    filsofos. Forte afinidade intelectual os aproxima ao longo do tempo, em 1929

    passam juntos o vero em Knigstein, pequena aldeia prxima a Frankfurt,

    onde mantm conversas que Benjamin considera "histricas em seu

    significado" (em carta a Adorno, 31/03/1935). Participavam tambm dessas

    discusses Horkheimer, Asja Lascis e Gretel Karplus (mais tarde, senhora

    Adorno). Adorno considera essas conversaes inesquecveis (em carta a

    Benjamin, 10/11/1938, onde critica pesadamente o texto sobre Baudelaire, que

    seria "um modelo em miniatura da obra das Passagens"). Segundo Susan Buck-

    Morss1, nessa poca que tem origem o conceito de dialtica negativa, central

    no pensamento adorniano. Em 1931, seu primeiro ano como professor da

    Universidade de Frankfurt, Adorno organiza um seminrio cujo tema a obra

    de Benjamin sobre a Origem do Drama barroco alemo, que vem a ser -

    paradoxalmente - o texto considerado incompreensvel pela banca que o

    avaliava tendo em vista o ingresso do autor na carreira acadmica, em 1925

    (Benjamin s fica sabendo da realizao do seminrio a posteriori). Ainda

    influenciado pela mesma obra, no ano seguinte, o recm-professor escreve Die

    1 Cf. BUCK-MORSS, Susan. The origins of negative dialectics, onde a autora apresenta o background

    biogrfico da polmica Benjamin-Adorno.

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    Idee der Natur Geschichte2, em 1932. Neste texto, j aparecem idias que

    permanecero ao longo de toda produo adorniana.

    Pegar texto do disquete, em Marcuse.

    No texto, Adorno visa transcender a tradicional anttese entre natureza e

    histria, apresentando o lado natural da histria e o lado histrico da natureza.

    O lado natural da histria diz respeito sus apresentao mtica como rgido

    desenrolar-se do destino, como fatalidade irredutvel. O lado histrico da

    natureza est ligado ao vasto e complexo processo de transformao da

    natureza submetida aos poderes do trabalho e da tcnica humana. O autor

    mostra que a natureza foi historicizada e a histria naturalizada, e, desse modo,

    dissolve a rgida oposio entre o dois conceitos. Adorno considera que

    Benjamin, no Drama barroco, quem alcana a expresso filosfica para a

    questo do redespertar da segunda natureza. Isso em contraposio a Lukcs

    que, na teoria do romance, tambm - atravs do emprego da categoria hegeliana

    de segunda natureza - apresenta a condio ossificada do esprito no mundo

    moderno3. O problema que Lukcs compreende a possibilidade de uma

    ressureio do esprito na histria apenas em termos de recuperao da bela

    totalidade da antigidade clssica. e, como se sabe:

    a especulao concernente a uma imagem positiva da vida reconciliada no

    pode, sob quais quer circunstncias, ser produzida pelo terico [...] O

    terico que elege flertar com tais imagens sempre corre o risco de

    providenciar uma consolao substituta (Ersatz) para o real sofrimento

    histrico. A utopia do crtico s pode ser negativa. Sua tarefa a

    articulao terica dos vrios aspectos retrgrados da vida social no

    presente, que podem militar contra o estabelecimento de uma sociedade

    livre.4

    2 O texto foi apresentado no Kantgesellshaft, nunca publicado por Adorno. 3 Quando a riqueza o Si-mesmo, "o esprito um osso", considera Hegel (Fenomenologia do esprito,

    pargrafo , p.. 4 HABERMAS. "Die Aktualitt Walter Benjamin".

  • 3

    Herana da proibio presente na lei mosaica, do tabu teolgico, da

    prescrio kantiana contra o aventurar-se no reino do inteligvel, a idia

    puramente negativa da funo da teoria aparece j nas primeiras concepes

    benjaminianas do criticismo redentor (por exemplo, no texto de 1921, sobre "As

    afinidades eletivas de Goethe"). Benjamin e tambm Adorno afastam a

    filosofia do pr-conceito identificante do racionalismo, da convico de que a

    totalidade do real , em ltima anlise, idntica ao pensamento ou pode por ele

    ser subsumida. Em contrapartida, prope um conhecimento mais ntimo da

    realidade atravs da cristalizao de seus elementos difusos e discretos em

    constelaes histricas. No prefcio do Drama barroco, Benjamin assinala que

    tal processo capaz de efetuar a redeno destes fenmenos, sem esmag-los

    numa sntese sistemtica. Para Adorno, funo da crtica desmistificar a

    pseudo reconciliao dos elementos antagnicos da realidade realizada pelo

    idealismo; e, conseqentemente, a prpria maneira idealista - isto , puramente

    conceitual - atravs da qual os conflitos so dissolvidos: o problema retirado

    do nico plano onde ele poderia ser resolvido de fato, do plano da realidade.5

    Segundo Wolin6, para os dois filsofos, uma autntica resoluo s poderia ser

    levada a cabo se a origem do problema fosse buscada nas condies materiais

    da vida que so as responsveis pelo estado universal de alienao, isto , o

    problema no pode ser colocado como puramente filosfico. O exame crtico

    das questes tradicionais do pensamento burgus revela, em primeiro lugar, seu

    contedo de verdade, aquele momento nelas que pertence prpria estrutura

    antagnica da realidade e no apenas estrutura do pensamento; em segundo

    lugar, aniquila o vu de reconciliao que afeta todas as solues meramente

    conceituais.

    At 1935, Adorno considerava que Benjamin e ele estavam

    desenvolvendo um programa filosfico comum, cujas bases metodolgicas

    eram aquelas alinhadas no prefcio do Drama barroco. De 1929 a 1932, essa

    parceria foi consolidada atravs de discusses filosficas intensas; mas durante

    os anos de exlio o contato pessoal foi espordico, com Adorno morando em

    5 Cf. WOLIN. Walter Bejamin. An aesthetic of redemption, p.170. 6 Idem, p.170-172.

  • 4

    Oxford, e Benjamin entre Paris e a casa de Brecht em Skorbotrand, Dinamarca.

    Como resultado, a correspondncia durante esses anos assume duplicada

    significao.

    O texto sobre "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica",

    escrito em 1935, a expresso de um pensamento que fruto do - assim

    chamado por Benjamin - procedimento monadolgico. a anttese do sistema

    filosfico que pretende assenhorar-se do mundo atravs de conceitos

    universais, e, mais que isso, a anttese da universalizao abstrata como um

    todo. Enquanto a universalizao abstrata liga os fenmenos uns aos outros

    visando organiz-los em um contexto sistemtico formado por conceitos

    formais, Benjamin estabelece a descontnua multiplicidade tanto dos

    fenmenos, quanto das idias - que vo se configurando no medium da histria.

    O modo imediato como o fenmeno se manifesta pouco revela de suas

    essencialidades, sua forma viva transitria; segundo o pensamento

    benjaminiano, ao encarar o mundo em sua imediaticidade nos defrontamos com

    uma figura que preciso esmagar para encontrar seus elementos constitutivos.

    S levando esses elementos at o extremo de sua significao fica assinalado o

    seu movimento dialtico interno. Benjamin procura surpreender, com o

    movimento do pensamento, a lgica interna do objeto investigado, para permitir

    que o objeto se revele sem estar mascarado por preconceitos metodolgicos.

    Tal proceder parece o de Hegel, entretanto, diferentemente do grande filsofo

    que o antecede cuja dialtica avana atravs da categoria terica de mediao -

    categoria subjetiva, ousamos dizer - para Benjamin a concepo de verdade se

    aproxima da idia teolgica de chamar as coisas pelos seus prprios nomes, e

    desse modo redim-las. Adorno o critica, mais de uma vez, pela sua desateno

    s mediaes. Wolin considera que "a intensidade de tal controvrsia pode ser

    explicada, ao mesmo tempo, tanto pela natureza profunda do compromisso

    intelectual entre os dois protagonistas, quanto pela crescente cesura terica

    entre eles"7.

    Benjamin introduz o texto sobre "A obra de arte na era de sua

    reprodutibilidade tcnica" propondo-se a indicar a expresso das mudanas

    7 WOLIN. Walter Bejamin. An aesthetic of redemption, p.165.

  • 5

    ocorridas nas condies de produo no mundo da cultura - na superestrutura,

    se quisermos usar uma expresso marxista. "Tais indicaes", escreve o

    filsofo, "devem por sua vez comportar alguns prognsticos"8. Como, nessa

    introduo, tais prognsticos so apresentados em analogia com as

    investigaes de Marx sobre o capitalismo, e, mais ainda, como o prprio

    Benjamin observa que Marx "concluiu que se podia esperar desse sistema no

    somente uma explorao crescente do proletariado, mas tambm, em ltima

    anlise, a criao de condies para sua prpria supresso" (OA 165), a

    primeira impresso que o texto provoca a de que nosso filsofo compartilha,

    em seus prognsticos sobre a arte tecnicamente produzida, do otimismo

    marxista sobre o futuro do capitalismo. Queremos assinalar que, em primeiro

    lugar, no texto benjaminiano j aparecem tambm as ameaas de apropriao

    dessa forma de arte pelo sistema vigente, enquanto em Marx nada sinalizava a

    emergncia do capitalismo monopolista, que promove, no mnimo, uma

    sobrevida a esse sistema, garantida, at agora, por uma estrutura que Marcuse

    vai denominar unidimensional; em segundo lugar, mesmo os que insistirem em

    ler o ensaio apenas como um entusiasmado manifesto a favor do cinema - e ele,

    sem dvida, o - no podem negar que ainda que Benjamin no tenha acertado

    em seus prognsticos, tal qual aconteceu com Marx, o contedo de verdade de

    sua anlise permanece vivo. O ensaio sobre "A obra de arte na era de sua

    reprodutibilidade tcnica", apesar de seus problemas que no nos furtaremos a

    apresentar, representa uma cesura no pensamento esttico contemporneo. O

    insight fundamental que, em consequncia das novas tcnicas de produo, o

    domnio inteiro da arte foi chacoalhado, a ponto da prpria arte parecer negar

    toda sua pr-histria. Benjamin observa que,

    a reproduo tcnica atingiu tal padro de qualidade que ela no

    somente podia transformar em seus objetos a totalidade das obras de arte

    tradicionais, submetendo-as a transformaes profundas, como

    conquistar para si um lugar prprio entre os procedimentos artsticos.

    (OA 167)

    8 BENJAMIN. "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica". Usaremos a traduo de Rouanet

    publicada em BENJAMIN. Obras ecolhidas. Magia e tcnica, arte e poltica. O texto ser citado como OA.

  • 6

    Muito se escreveu, no passado, de modo to sutil quanto estril, sobre a

    questo de saber se a fotografia era ou no uma arte, sem que se colocasse

    sequer a questo prvia de saber se a inveno da fotografia no havia

    alterado a prpria natureza da arte. Hoje, os tericos do cinema retomam

    a questo na mesma perspectiva superficial. Mas as dificuldade com que a

    fotografia confrontou a esttica tradicional eram brincadeiras infantis em

    comparao com as suscitadas pelo cinema. (OA 176)

    A possibilidade de reproduzir o real tecnicamente provoca uma crise na

    forma da arte burguesa apresentar o mundo, uma vez que cria uma situao na

    qual as formas tradicionais de representao esttica do mundo exterior so

    objetivamente ultrapassadas pelos meios fotogrficos. Trabalhos artsticos so

    fatos sociais - faits sociaux - e sua forma sempre condicionada pelo estgio

    das "foras estticas de produo" (expresso de Wolin), que esto ligadas,

    obviamente, ao desenvolvimento das "foras sociais de produo" (expresso

    de Marx, como se sabe). Tomando como ponto de partida as condies sociais

    e materiais, Benjamin pode revelar a determinao histrica das formas e dos

    gneros artsticos, colocando de lado conceitos tradicionais como criatividade

    e gnio, validade eterna e estilo, forma e contedo, e redefinindo

    explicitamente o conceito de esttica, no mais como uma teoria sobre o belo,

    mas, novamente, como teoria da percepo. O filsofo assinala que "a forma de

    percepo das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu

    modo de existncia. O modo pelo qual se organiza a percepo humana, o

    meio em que ela se d, no apenas condicionado naturalmente, mas tambm

    historicamente" (OA 169). A rejeio dos conceitos tradicionais de avaliao

    esttica um dos pontos de convergncia entre o livro sobre a Origem do

    drama barroco alemo e o ensaio sobre "A obra de arte na era de sua

    reprodutibilidade tcnica", apesar da manifesta diferena no foco histrico que

    separa os dois trabalhos. Nesse ltimo, Benjamin procura compreender as

    transformaes contemporneas na faculdade perceptiva, segundo o que ele

    denomina "o declnio da aura" (OA 170), para tornar inteligveis as causas

    dessas transformaes.

    A aura "a apario nica de uma coisa distante por mais perto que ela

    esteja" (OA 170), a apario de uma distncia irredutvel. A reprodutibilidade

  • 7

    tcnica, tanto "destaca do domnio da tradio o objeto reproduzido", quanto

    "substitui a existncia nica da obra por uma existncia serial" (OA 168),

    atualizando o objeto reproduzido. Benjamin observa que os dois processos

    resultam num violento abalo da tradio [...] Eles se relacionam

    intimamente com os movimentos de massa, em nossos dias. Seu agente

    mais poderoso o cinema. Sua funo social no concebvel, mesmo em

    seus traos mais positivos, e precisamente neles, sem seu lado destrutivo e

    catrtico: a liquidao do valor tradicional do patrimmnio da cultura"

    (OA 169).

    A reprodutibilidade permite que a obra v ao encontro do espectador.

    Faz parte da preocupao das massas fazer as coisas "ficarem mais prximas

    [...] possuir o objeto, de to perto quanto possvel, na imagem", mesmo numa

    cpia barata, numa vertiginosa, perversa e ingnua tentativa de se apossar do

    fetichizado mundo das coisas. "Orientar a realidade em funo das massas e as

    massas em funo da realidade um processo de imenso alcance", escreve o

    filsofo, "tanto para o pensamento quanto para a intuio" (OA 170).

    Como se sabe, a obra de arte foi concebida em primeiro lugar como

    instrumento mgico, em seguida se insere nos rituais religiosos, e s mais tarde

    adquire uma funo "artstica". Benjamin considera que na arte aurtica

    permanece o carter ritualstico e, por isso, "o valor nico da obra de arte

    'autntica' tem sempre um fundamento teolgico, por mais remoto que ele seja"

    (OA 171). Tal fundamento fica manifesto quando, formas profanas de culto ao

    belo sofrem o abalo produzido pela fotografia. Pressentindo a proximidade de

    uma crise, os artistas reagem ao perigo com a doutrina da arte pela arte, "que

    no fundo uma teologia da arte" (OA 171). Uma teologia negativa, sob a forma

    de uma arte pura. Em seu ensaio sobre o surrealismo9, de 1929, "para afastar o

    inevitvel mal-entendido da 'arte pela arte'", Benjamin nos diz que essa frmula

    quase sempre uma bandeira "sob a qual circula uma mercadoria que no

    podemos declarar, porque no tem nome"10. Em contraste com a tendncia

    9 BENJAMIN. "O Surrealismo. O ltimo instantneo da inteligncia europia", in Obras ecolhidas. Magia e

    tcnica, arte e poltica. 10 Idem, p.27.

  • 8

    posterior de Adorno, no havia para Benjamin qualquer fora redentora - nem

    no sentido poltico, nem no teolgico - na esfera esttica como tal, mas apenas

    em sua refuncionalizao.

    A reprodutibilidade tcnica emancipa a obra de arte de sua existncia

    parasitria: pela primeira vez na histria e transforma sua funo social. A

    funo de culto, a que se presta, recua diante do valor de exposio que atribui

    a arte novas funes. A preponderncia absoluta conferida hoje ao seu valor de

    exposio atribui arte "funes inteiramente novas, entre as quais a a

    'artstica', a nica de que temos conscincia, talvez se revele mais tarde como

    secundria" (OA 173), assinala Benjamin,

    o alcance histrico dessa refuncionalizao da arte, especialmente visvel

    no cinema, permite um confronto com a pr-histria da arte, no s do

    ponto de vista metodolgico como material. Essa arte registrava certas

    imagens, a servio da magia, com funes prticas: seja como execuo

    de atividades mgicas, seja a ttulo de ensinamento dessas prticas

    mgicas, seja como objeto de contemplao, qual se atribuam efeitos

    mgicos. Os temas dessa arte eram o homem e seu meio, copiados

    segundo as exigncias de uma sociedade cuja tcnica se fundia

    inteiramente com o ritual. Essa sociedade a anttese da nossa, cuja

    tcnica a mais emancipada que jamais existiu. (OA 173-4)

    Mas essa tcnica aparece sociedade moderna como uma segunda

    natureza - criada pelo homem que no mais a controla - diante da qual a

    humanidade obrigada a aprender, como o foi, tempos atrs, diante da

    primeira. O filsofo adverte que "fazer do gigantesco aparelho tcnico do

    nosso tempo o objeto das inervaes humanas - essa a tarefa histrica cuja

    realizao d ao cinema o seu verdadeiro sentido" (OA 174). O cinema a

    forma de arte que corresponde s transformaes mais profundas sofridas pelo

    aparelho perceptivo diante dos perigos existenciais e do stress das cidades com

    que se confronta o homem contemporneo.

    O filme feito para ser reproduzido, a difuso em massa obrigatria

    devido ao alto preo de sua produo. Produo que no se d "de um s jato,

    e sim a partir da montagem de inmeras imagens isoladas" (OA 175). A obra

    surge atravs da montagem de fragmentos. Cada fragmento a reproduo de

  • 9

    um acontecimento que no constitui em si uma obra de arte, nem se torna uma

    ao ser filmado: a montagem de acontecimentos no-artsticos reproduzidos

    pela cmara produz o filme. Por outro lado, diante da cmara, o autor precisa

    conservar sua "dignidade humana" ao mesmo tempo que se exila de si. As

    massas que, durante o dia, alienam-se de sua humanidade - quase sempre

    diante das mquinas -, noite, "enchem os cinemas para assistirem vingana

    que o intrprete executa em nome delas, na medida em que o autor no

    somente afirma diante do aparelho sua humanidade (ou o que aparece como tal

    aos olhos dos espectadores), como coloca esse aparelho a servio de seu

    prprio triunfo" (OA 179).

    exigido do intrprete cinematogrfico um desempenho independente

    da percepo do contexto total no qual este desempenho est inserido.

    Benjamin narra um fato ocorrido quando se rodava um filme baseado em O

    Idiota, de Dostoievsky. Os atores aguardavam o incio das filmagens de uma

    cena onde Aglaia ao ver o prncipe Mishkin passeando com outra mulher

    comeava a chorar. Durante essa espera, Asta Nielsen - que representava

    Aglaia - conversava com um amigo, quando, ao ver a atriz que deveria passear

    com o prncipe na cena seguinte, se volta para o amigo - com os olhos cheios

    de lgrimas - e comenta: "veja, assim que eu compreendo a arte de

    representar no cinema" (OA 182). Benjamin assinala que "com a

    representao do homem diante do aparelho, a auto-alienao humana

    encontrou uma aplicao altamente criadora" (OA 180). Sua imagem torna-

    se exponvel, e o ator sabe, diante da cmara, que sua relao ltima com a

    massa - ainda no visvel - que controla sua atividade. O filsofo adverte, no

    entanto:

    No se deve, evidentemente, esquecer que a utilizao poltica desse

    controle ter que esperar at que o cinema se liberte de sua explorao

    pelo capitalismo. Pois o capital cinematogrfico d um carter contra-

    revolucionrio s oportunidades revolucionrias imanentes a esse controle.

    Esse capital estimula o culto ao estrelato, que no visa conservar apenas a

    magia da personalidade, h muito reduzida ao claro putrefato que emana

    de seu carter de mercadoria, mas tambm o seu complemento, o culto ao

    pblico [...] a conscincia corrupta das massas, que o fascismo tenta pr

    no lugar de sua conscincia de classe. (OA 180)

  • 10

    A indstria cinematogrfica manipula um potente aparelho publicitrio e

    pe a seu servio tanto a carreira quanto a vida ntima das estrelas. "Tudo isso

    para corromper e falsificar o interesse original das massas pelo cinema,

    totalmente justificado, na medida em que um interesse no prprio ser [...]

    Vale para o capital cinematogrfico o que vale para o fascismo no geral: ele

    explora secretamente, no interesse de uma minoria de proprietrios, a

    inquebrantvel aspirao por novas condies sociais" (OA 185).

    Benjamin considera que:

    Uma das funes mais importantes do cinema criar um equilbrio entre o

    homem e o aparelho. O cinema no realiza essa tarefa apenas pelo modo

    como o homem se representa diante do aparelho, mas pelo modo com que ele

    representa o mundo, graas a esse aparelho. Atravs de seus grandes planos,

    de sua nfase nos pormenores ocultos dos objetos que nos so familiares, e

    de sua investigao dos ambientes mais vulgares sob a direo genial da

    objetiva, o cinema faz-nos vislumbrar, por um lado, os mil condicionamentos

    que determinam nossa existncia, e por outro assegura-nos um grande e

    insuspeitado espao de liberdade. Nossos cafs e nossas ruas, nossos

    escritrios e nossos quartos alugados, nossas estaes e nossas fbricas

    pareciam aprisionar-nos inapelavelmente. Veio ento o cinema que fez

    explodir esse universo carcerrio com a dinamite dos seu dcimos de

    segundo, permitindo-nos empreender viagens aventurosas entre as runas

    arremessadas distncia. (OA 189)

    Assim como a psicanlise nos abre a experincia do inconsciente

    pulsional, o cinema nos abre a experincia do inconsciente tico. "Pois os

    mltiplos aspectos que o aparelho pode registrar da realidade situam-se em

    grande parte fora do espectro de uma percepo sensvel normal" (OA 190).

    Muitas das deformaes e transformaes sofridas pelo mundo visual no filme

    so as que aparecem nesse mundo nos sonhos e nas alucinaes. O trabalho da

    cmara permite percepo coletiva do pblico apropriar-se do modo de

    percepo individual do sonhador. De acordo com Benjamin, "o cinema

    introduziu uma brecha na velha verdade de Herclito segundo a qual o mundo

    dos homens acordados comum, o dos que dormem privado. E o fez menos

    pela descrio do mundo onrico que pela criao de personagens do sonho

  • 11

    coletivo" (OA 190). As tenses que a tecnizao submeteu as massas - e que

    pode assumir um carter psictico - essa mesma tecnizao imuniza atravs dos

    choques provocados artificialmente pelo filme. A gargalhada coletiva no

    cinema "representa a ecloso precoce e saudvel dessa psicose de massa", ou,

    em outras palavras, "uma exploso teraputica do inconsciente" (OA 190).

    O que Benjamin deixa claro que os meios tcnicos alcanaram o corao

    do processo de produo esttica de nosso sculo. Situao que resulta em

    mudanas histricas sem precedentes no conceito de arte. No final de 1935, o

    ensaio sobre "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica" foi lido

    por Horkheimer, que encontrou Benjamin em Paris e concordou em public-lo

    na revista do Institut of Social Research, na poca por ele dirigido. Entretanto,

    propondo certas mudanas na terminologia -excessivamente marxista - utilizada

    para no colocar sob suspeita a j precria situao poltica do Instituto, ento

    exilado nos Estados Unidos. Horkheimer substitui "fascismo" por "doutrinas

    totalitrias", "comunismo" por "foras construtivas da humanidade", "guerra

    imperialista" por "guerra moderna", e omite a introduo que citava Marx. Os

    veementes protestos de Benjamin contra as alteraes - com as quais ele

    finalmente concorda no por convico prpria, mas em respeito situao do

    Instituto - atrasaram a publicao. Menos conciliador que o filsofo, Jameson

    comenta causticamente o episdio:

    Se Benjamin em Paris era crdulo o suficiente para acreditar na virtude

    taumatrgica de 'chamar as coisas pelos seus nomes', seus colegas em

    Nova York no sofriam de nenhuma crena na literalidade: eles estavam se

    tornando praticantes adeptos da diplomtica arte do eufemismo e

    perfrase, que, sabidamente, no chama as coisas por seus nomes.11

    Benjamin relutou alguns meses antes de enviar cpia do ensaio a Adorno:

    como se j esperasse as crticas que o amigo lhe faria na carta de 18/ 03/1936.

    Adorno escreve:

    nos seus primeiros escritos, dos quais o presente ensaio uma

    continuao, o conceito de obra de arte - como uma estrutura - voc

    11JAMESON. Aesthetics and politics, p.106.

  • 12

    diferenciava do smbolo teolgico e do tabu da magia. Eu acho

    desconfortvel que voc agora transfira o conceito de aura mgica para a

    obra de arte autnoma e, achatando-a, lhe confira uma funo contra-

    revolucionria [...] Por mais dialtico que seu artigo seja, ele no o no

    caso da obra de arte autnoma; ele desconsidera uma experincia

    elementar, que se torna mais evidente para mim, dia a dia, na minha

    prpria experincia musical: que precisamente a maior consequncia de

    perseguir as leis tcnicas da arte autnoma transformar esta arte, e, em

    vez de reduz-la a tabu ou fetiche, aproxim-la do estado de liberdade, de

    algo que foi produzido e feito conscientemente.12

    Lembramos que, para Adorno, a msica o gnero mais elevado da arte,

    sobretudo porque no se liga diretamente a nenhum significado: s formal,

    por isso mais passvel de atingir a liberdade da forma e menos contagiada pelo

    estado de coisas dominante. O ponto fraco do ensaio benjaminiano a

    condenao da arte autnoma, inconcebvel num filsofo que encontra na

    apocatastse um significado importante. No se pode desconsiderar, e - em

    outras obras - Benjamin no foi insensvel a isso, que nos elementos mais

    avanados e mais radicais da vanguarda, por exemplo em Klee e Kafka, a

    afirmativa aparncia de reconciliao projetada pela aura foi abandonada em

    favor da fragmentao e da dissonncia que possuem uma funo crtica

    inalienvel. para Adorno, a marca da arte autntica ser testemunho vivo do

    presente estado de no-identidade, do fato de que razo e realidade ainda no

    coincidem. Benjamin acusado de, por um lado, menosprezar a significao da

    arte autnoma; por outro lado, de superestimar as consequncias trazidas pelo

    cinema. Adorno pede mais dialtica, e Wolin, comentando o debate observa

    que, do ponto de vista adorniano,

    dialetizar a argumentao seria preencher ausncias em dois momentos

    importantes: no caso da arte mecanicamente reproduzida falta o momento

    de negatividade, o fato de que tal arte se rende muito mais facilmente a

    fins de manipulao do que a fins de emancipao, muito mais cooptao

    ideolgica e integrao das massas dentro da moldura das relaes

    sociais existentes, do que ao esclarecimento poltico.13

    12ADORNO & BENJAMIN. Briefwechsel 1928-1940, p.169-170. Citaremos a obra como Brief. 13WOLIN. Walter Bejamin. An aesthetic of redemption, p.193-194.

  • 13

    No caso da arte autnoma, faltaria o momento positivo,

    considerando que radicalmente articulado obra autnoma subjaz um

    processo de auto-racionalizao. Adorno escreve:

    Sua subestimao da tcnica da arte autnoma e sua superestimao da

    arte dependente, essa, em termos gerais, seria minha principal objeo.

    (Brief p.173)

    Objeo cuja ultrapassagem s poderia ser levada a cabo como dialtica

    entre extremos que, segundo a leitura adorniana, Benjamin separou. Antes de

    terminar a carta, Adorno admite que sua leitura foi um pouco apressada:

    Tudo isso s poderia ser estabelecido com base em detalhes que onde

    habita o bom Deus (referncia ao dito programtico do historiador da arte,

    Aby Warburg: der liebe Gott steckt im Detail, i.k.). S a escassez de

    tempo me leva a usar as grandes categorias que voc me ensinou a evitar

    [...] Te peo desculpas por isso, como tambm pela natureza esquemtica

    de minha carta. (Brief p.174)

    Adorno diz ainda que est redigindo, para ser publicado juntamente com o

    de Benjamin na revista do Instituto, um texto sobre o jazz onde vai tentar

    apresentar positivamente alguns pontos que em sua crtica s aparecem

    negativamente. O ensaio pretende ser "um completo veredito sobre o jazz", e

    conseguir "decodificar o jazz e definir sua funo social" (Brief 175). Adorno

    termina a carta reafirmando sua amizade, destacando os pontos que admira no

    ensaio e o fato de que as diferenas tericas entre eles no constituem uma

    discrdia, e considerando que sua tarefa manter Benjamin "sbrio at que o

    sol de Brecht tenha mais uma vez submergido em guas mais exticas" (idem).

    Acima das diferenas, importante perceber que, para os dois filsofos, a

    arte se relaciona com o presente histrico. A questo que, em 1935, o

    presente histrico estava sendo avaliado diferentemente por Benjamin e por

    Adorno. Olhando para o imenso alcance da relao das massas com o cinema,

    o primeiro desconsidera a dialtica da racionalizao que ocorre do lado da arte

    autnoma e s leva em conta a arte mecanicamente produzida. Enquanto

  • 14

    Adorno, no ensaio "Sobre o carter fetichista da msica e a regresso da

    audio", tematiza o momento de negatividade que ele considera ter sido

    suprimido no ensaio do amigo. Na carta de 30/06/1936, aps ter lido o texto

    adorniano, Benjamin lhe pergunta: "voc ficaria surpreso se eu lhe contasse que

    estou tremendamente satisfeito com a comunicao to profunda e to

    espontnea de nossos pensamentos?" (Brief 190). Talvez Adorno tenha ficado

    surpreso, sua crtica ao jazz ilustra sua discordncia com o ensaio sobre "A

    obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica"; mas Benjamin percebe o

    movimento dialtico dos dois ensaios. "Nossos estudos", escreve ele, "so

    como dois fachos luminosos, voltados para o mesmo objeto, de lados opostos"

    (Brief 190). De todo esse quid pro quo, o que se pode perceber que no o

    gnero que determina a significao e a relevncia de uma obra. Se a arte de

    vanguarda mina a cultura afirmativa de dentro, alguns filmes o fazem de fora.

    E, toda obra autntica coloca um problema para a filosofia, portanto, qualquer

    que seja o caso, a ltima tarefa misso da crtica filosfica. Tanto Benjamin

    como Adorno sabem disso.

    Coda

    Benjamin escreveu seu ensaio - dizem que enfeitiado por Brecht e por

    Asja Lascis, assistente do dramaturgo alemo, atriz e diretora de teatro - num

    momento de entusiasmo com pensamento marxista. Entretanto, em 25/07/1938,

    Brecht, aps l-lo, escreve em seu dirio:

    ele diz: quando voc sente um olhar dirigido a voc, mesmo atrs de suas

    costas voc o devolve(!). a suposio de que aquilo que voc olha, olha de

    volta para voc cria a aura. a aura supostamente est em decadncia nos

    tempos atuais, junto com o culto. b descobriu isto atravs da anlise do

    filme, onde a aura desintegra-se devido reprodutibilidade das obras de

    arte. tudo misticismo misticismo em uma postura oposta ao misticismo.14

    14 BRECHT. Arbeits journal. Vol.I, p.16.

  • 15

    BIBLIOGRAFIA

    ADORNO, Theodor & BENJAMIN, Walter. Briefwechsel 1928-1940. Frankfurt(M):

    Suhrkamp, 1994.

    ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialtica do esclarecimento. Fragmentos

    filosficos. Traduo Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

    BENJAMIN, Walter. Walter Benjamin. Obras escolhidas. Magia e tcnica, arte e poltica.

    Traduo Sergio Paulo Rouanet. So Paulo: Ed. Brasiliense, 1994.

    BRECHT, Bertold. Arbeitsjournal. Frankfurt(M): Suhrkamp, 1973.

    BUCK-MORSS, Susan. The Origin of Negative Dialectics. New York: Free Press, 1984.

    HABERMAS, Jrgen. "Die Aktualitt Walter Benjamin" in UNSELD (Org), Aktualitt

    Walter Benjamin. Frankfurt(M): Suhrkamp, 1972.

    JAMESON, Fredric (org). Aesthetics and politics. London, New York: Verso, 1977.

    WOLIN, Richard. Walter Benjamin. An aesthetics of redemption. New York: Columbia

    University Press, 1982.

  • 16

    STILLNESS: WHEN THOUGHT DISCOVERS THE SUBLIME

    Imaculada Kangussu

    To think means not only the thought's movement but also its

    immobilization, reveals Walter Benjamin in these 17 about the concept

    of history. When thought stops what will appear are images wich

    outstripped it. They appear in freudian lapsus, in Proust's mmoire

    involuntaire, and, specially after surrealism, in works of art. We intend to

    describe this paralization of thought image in Benjamin philosophy in

    order to show how this (absent of) movement is the key for the

    construction of dialectical images. Dialectical image is the first vision of

    a configuration so full of tensions that, in front of it, thougt can't go on in

    his work of synthesizing. Fruit of Dialetik im Stillstand, this image can, in

    a second moment, be interpreted in understanding. Dialectical images

    are the contrary of a hurried reconciliation.

    Imaculada Kangussu Rua Arax 500ap304 Belo Horizonte-MG BRASIL

    e-mail: [email protected]

  • 17

    QUESTIONNAIRE:

    Benjamin's 'Zum Planetarium'

    1. I read 'Zum Planetarium' in 1989, ten years ago, looking for traces which could

    show me the importance of images, of concrete images, in Benjamin's thought.

    Two things impressed me: the expression "einer optischen Verbundenheit mit dem

    Weltall", because, as long as I can see, I think - answering already question 4 - I

    was reading Einbahnstrasse to find this concept. Working as press-photographer,

    I wanted to study philosophy of art in order to state something like this, of course

    in a much more subjective - and even egocentric - level. The other thing that

    impressed me was the question: 'Naturbeherrschung, so lehren die Imperialisten,

    ist Sinn aller Technik. Wer mchte aber einem Prgelmeister trauen, der

    Beherrschung der Kinder durch die Erwachsenen fr den Sinn der Erziehung

    erklren wrde?', because it deals with an analogic rethoric, to make the obvious

    shine, that really please me.

    Although I'm still impressed by these things, something change in my impressions:

    besides the sensuous affections, now there are also hard political ones.

    No, I'm not sure where I stand vis--vis the text.

    2. I read it in portuguese and I think the translation is welll done, but I can't answer

    this question because I know very little of deutsch.

    3. 'Zum Planetarium' makes bold statements and I feel the need to take position on

    them. First, I really think that the - so called - spirit, or mind, and the science must

    walk in the same rhythm as soul and body; but, I doubt "des Proletariat ist der

    Gradmesser".

    4. Already answered.

    5 & 6. The text could be situated in aesthetics (in the greek sense), political and

    philosophical studies. A spontaneous reading may have its inherent limits. It would

    be better a knowledge about Benjamin's relations with jewish mysticism, as well as

    with marxist theory. Some authors could help: Scholem (Major Trends in Jewish

    Mysticism), Lwy (Rdemption et utopie: le judaisme libertaire en Europe centrale),

    Wohlfart ("On Some Jewish Motifs in Benjamin") and Benjamin, himself (mainly

    the Theses and Passagen-Werk). I don't know who Hillel (quoted in the text) is.

  • 18

    7. To establish kind of a net? Don't know.

    8. Yes, if you want it.

    I am Imaculada Kangussu, doctoral student in philosophy, and I teach Phylosophy

    of Art at the Universidade Federal de Ouro Preto, Brazil. I'm always in a hurry!

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS CURSO DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA EXAME DE SELEO-1993 IMACULADA MARIA GUIMARES KANGUSSU

  • 19

    INVESTIGAO SOBRE AS "IMAGENS DE SONHO" NA OBRA

    DAS PASSAGENS DE WALTER BENJAMIN .

    "Abrir caminhos em territrios nos

    quais at agora proliferava a loucura. Avanar com o

    machado agudo da razo, sem olhar para a direita nem

    para a esquerda para no sucumbir ao horror que

    acena das profundezas da floresta virgem. A razo

    deve tornar transitveis todos os terrenos, limpando-os

    dos arbustos da demncia e do mito. o que este

    trabalho pretende fazer para o sculo XIX."

    WALTER BENJAMIN

    OBJETIVO

  • 20

    O objetivo do trabalho investigar o conceito de "imagem de sonho" na

    obra das "Passagens" de Walter Benjamin. Caracterizar sua funo na economia

    do texto mostrando que este o conceito fundamental da obra.

    JUSTIFICATIVA

    bastante significativo que para "revelar o sculo XX" Benjamin tenha

    escolhido fazer uma "filosofia material" em torno da Paris do sculo XIX.

    Acompanhando a dmarche do autor atravs das Passagens percebemos o uso

    que a modernidade faz do "fragor especular". A expresso de Julia Kristeva, e

    apesar de poucos filsofos terem se ocupado da questo do fascnio que as

    imagens exercem, poucos tambm deixaram de perceb-lo. E aqui cito

    Aristteles: "Todos os homens tm, por natureza, o desejo de conhecer: uma

    prova disso o prazer das sensaes, pois, fora at de sua utilidade, elas nos

    agradam por si mesmas e, mais que todas as outras as visuais" (Metafsica, Livro

    I, captulo I, 1).

    O que fica claro nas Passagens o uso que o sculo XIX faz do que ele

    chama de "imagens de sonho" para suprir as carncias geradas por uma ordem

    social de produo que no acompanha a profunda evoluo tcnico-cientfica de

    sua poca. E quando Benjamin diz que vai investigar o sculo XIX para revelar o

    sculo XX, est dizendo que o modo de dominao, atravs de imagens, que

    exerceu o facismo e que a indstria cultural exerce hoje de forma absoluta, tem ali

    sua origem e ali revela sua causa. Assim, preciso "avanar com o machado

  • 21

    agudo da razo" neste terreno de fantasmagorias para interpret-las e ler o

    desejo de emancipao que est nelas inscrito. por isso que Benjamin chama

    essas "imagens de sonho", depois de interpretadas pelo pensamento filosfico, de

    "imagens dialticas". Espero deixar isso mais claro na delimitao do problema.

    O tema das "imagens dialticas" exige uma pequena digresso sobre o

    mtodo e a escrita benjaminianas. O texto das Passagens composto por

    descries das imagens materiais do sculo XIX, que so o objeto do passado a

    ser pensado, e por consideraes tericas, produzidas mediante um texto

    composto segundo o princpio do mosaico .

    Nas Passagens, Benjamin pensa as imagens e pensa por imagens. Isso

    no significa que o pensamento abandonado na imediaticidade pr-conceitual

    mas que o texto articulado, no conforme o discurso verbal explicativo mas,

    conforme o olhar, "que v o que v" (Valry in "Penser-serpent').

    A linguagem das imagens diferencia-se da linguagem falada

    fundamentalmente quanto articulao. Na fala o sentido dado de maneira

    encadeada e determinada ("Sempre que ouo uma sentena, escuto ps

    marchando" H. Thoreau). O olhar apreende as coisas por contigidade e

    analogia. A maneira de traduzi-lo em linguagem escrita sob a forma de

    fragmentos onde o sentido apreendido pela dinmica da articulao entre os

    textos, assim como num mosaico a montagem das partes que cria a imagem a

    ser compreendida. O pensamento de Benjamin reclama essa estrutura para

    apresentar-se. Esse processo de montagem permite a formao de imagens de

    pensamento em que se manifestam conexes inacessveis ao pensamento

    discursivo linear. Assim, com sua "filosofia material", Benjamin prope "criar

  • 22

    para o pensamento filosfico uma nova linguagem, capaz de fixar o que no

    captvel nem pelas simples imagens, reino das correspondncias indiferenciadas,

    nem pelo simples pensamento, incompetente pra transcender suas leis formais de

    funcionamento: uma linguagem que supe, em todos os instantes, uma

    cumplicidade entre o texto montado e as imagens que ele suscita no leitor

    "(Rouanet, As Razes do Iluminismo, p.103). Isso significa um pensamento que

    coloque tambm o universo do discurso sensvel a seu servio, criando um novo

    paradigma para a comunicao filosfica. O mtodo usado para tanto seria,

    prafraseando Mallarm, "dar um sentido mais claro s imagens da tribo".

    DELIMITAO DO PROBLEMA

    Com a obra das Passagens, cujos primeiros esboos datam de 1927 e na

    qual trabalha at sua morte em 1940, Benjamin prope "uma filosofia material do

    sculo XIX". Escreve durante 13 anos e deixa uma grande obra inacabada e

    dispersa. O nome Passagens j traduz as ambigidades do pensamento

    benjaminiano, criado pela dinmica entre opostos, que raramente se fecha numa

    sntese. Na Paris do sculo passado, as passagens so as construes que

    constituem um dos elementos que, ao lado dos panoramas, das fotografias, da

    reurbanizao de Paris, vo compor a "histria material do sculo XIX". Vo ser

    esses os ndices para a leitura que o autor far das objetivaes concretas

    visando revelar o pensamento abstrato dessa poca em que se inicia o processo

    de reificao do homem.

  • 23

    As passagens "so centros comerciais de mercadorias de luxo. Em sua

    decorao a arte pe-se a servio do comerciante [...] Um Guia ilustrado de

    Paris afirma: 'Estas galerias so uma nova inveno do luxo industrial, so vias

    cobertas de vidro e com o piso de mrmore, passando por blocos de prdios,

    cujos proprietrios se reuniram para tais especulaes . Dos dois lados dessas

    ruas , cuja iluminao vem do alto , exibem-se as lojas mais elegantes , de modo

    tal que uma dessas passagens uma cidade em miniatura, at mesmo um

    mundo em miniatura' . As passagens so o cenrio das primeiras i luminaes a

    gs".(Benjamin, Les Passages, p.35). E nelas podemos ver, na imediaticitade da

    presena sensvel e no apenas de maneira terica, como as merrcadorias so

    envoltas numaa dimenso de sonho.

    Tal como a conhecemos, a obra das Passagens, editada por R. Tiedemann

    em 1982 (portanto mais de 40 anos aps a morte de Benjamin) teve a seguinte

    dmarche: em 1927, Benjamin comea os primeiros projetos. Desta fase temos as

    primeiras notas, um texto que descreve com riqueza de detalhes o luxo e o fausto

    de uma passagem que est sendo inaugurada, em contraponto com a sujeira,

    pobreza e obscuridade de outra passagem prxima ,que j est fora de moda,

    decadente e abandonada. Aparece a uma questo muito trabalhada por Benjamin

    em seu conceito de histria: a simultaneidade de apogeu e decadncia. Isso o

    leva a negar a noo de progresso contnuo e linear rumo ao apogeu ao qual se

    seguiria uma decadncia e assim sucessivamente. Ao contrio, em todos os

    tempos existe um movimento de apogeu e um de decadncia e noo de

    progresso contraposta a de atualizao que no cabe discutir aqui. Fazem

    ainda parte desse primeiro projeto outras anotaes, chamadas "Passagens de

  • 24

    Paris II", e o nico texto talvez acabado "O Anel de Saturno ou da Construo em

    Ferro" que parece ter sido escrito para uma revista mas permaneceu indito. Esse

    primeiro projeto, com o nome "Passagens de Paris - Uma Magia Dialtica", seria

    uma continuao de "Rua de Mo nica"(publicado em 28). Esse primeiro

    trabalho prope, voltando o olhar para a realidade objetiva da cidade de Paris,

    apresentar a histria do sculo XIX como um "comentrio da realidade". Fazer

    uma leitura das construes concretas cujo conjunto permite uma interpretao

    articulada pelas categorias tericas estabelecidas pelo autor. Essas construes

    materiais expressam, para Benjamin, a tenso entre os novos meios tcnicos

    colocados em circulao pelo sistema de produo caapitalista e o desejo coletivo

    de transformao social.

    Esse projeto interrompido em 1929 e, por muito tempo, s temos notcias

    das Passagens pela contnua coleta de dados que Benjaamin faz na Bibliothque

    Nationale de Paris. At que, em 34, escreve a Scholem:"estou me preparando

    interiormente [...] para retomar o projeto das 'Passagens Parisienses' que voc

    conhece de forma vaga. Uma de minhas tarefas ser revisar o amplo material j

    reunido em meus estudos".(Benjamin, Correspondncia, p.200). Estes estudos

    esto em cadernos numerados por letras (A a Z e a a r ), onde aparecem citaes

    e anotaes sobre o assunto que d nome ao caderno. Temos assim o caderno A

    para Passagens, o caderno B para Moda, etc... a transcrio destes cadernos

    que compe o corpo central da obra. Os fragmentos foram numerados por

    Tiedemann e assim apareceram na presente proposta quando citados. O texto,

    composto por citaes (quase sempre em francs), e comentrios de Benjamin (a

    maioria em alemo), est editado conforme encontrado. difcil saber como, e se,

  • 25

    ele seria organizado. Tiedemann compara estes cadernos recheados de citaes

    ao material para uma construo cuja planta ningum conhece e da qual s

    foram edificadas a fundao e a estrutura de alguns andares. Disso discorda

    Adorno e julga que Benjamin iria "renunciar a todo comentrio explcito e fazer

    surgir o sentido graas apenas montagem do material e aos choques assim

    produzidos [...] para coroar seu anti-subjetivismo, o corpo principal da obra

    deveria ser constitudo apenas de citaes"(Adorno,ber Walter Benjamin, p.26).

    O certo que as citaes e os dados materiais teriam o papel principal, enquanto

    a teoria e a interpretaao seriam o pano de fundo. A obra se move em dois

    planos entrelaados: num plano descritivo e num plano terico. Um confirma o

    outro e assim o texto caminha na interpenetrao da observao sensvel com o

    pensamento abstrato. "De um lado Benjamin prope estratgias de anlise e, de

    outro, esfora-se por captar os objetos luz dessa estratgia"(Rouanet, As

    Razes do Iluminismo, p.40), e se pergunta :"por qual via possvel associar uma

    visibilidade aumentada aplicao do mtodo marxista. O primeiro passo nessa

    via consistir em retomar na histria o princpio da montagem. Quer dizer, edificar

    grandes construes a partir de elementos muito pequenos, confeccionados com

    rigor e preciso. Consistir mesmo em descobrir na anlise do pequeno

    momento singular o cristal do acontecimento total" (Benjamin,N2,6).

    Em 1935, quando o Instituto de Pesquisa Social solicita-lhe uma

    exposio sobre o trabalho, Benjamin apresenta o texto "Paris, Capital do Sculo

    XIX" e assim descreve seu projeto a Scholem: "s vezes cedo tentao de

    estabelacer certas analogias ao livro sobre o barroco, no tocante construo

    interna, mas que muito se afastariam dos aspectos externos. Adianto a voc

  • 26

    apenas que aqui tambm o ponto central ser a anlise de um conceito clssico.

    Se no outro tratava-se do conceito de tragdia aqui o carter de fetiche da

    mercadoria [...] assim como o livro da tragdia partiu da Alemanha para desfiar o

    sculo XVII, este partiria da Frana para abordar o sculo XIX"(Benjamin,

    Correspondncia, p.219). O fetichismo da mercadoria abordado aps a leitura

    de Marx e a questo da reificao aparece conforme tematizada por Lukcs em

    "Histria e Conscincia de Classe". O fetichismo, para Marx, produto da "falsa

    conscincia" da ordem econmica, aparece em Benjamin como "fantasmagoria",

    iluso espectral que investe a mercadoria de um valor que ela no tem.

    Fantasmagrico o brilho sedutor que emana da mercadoria em funo da

    maneira como ela apresentada. A sociedade rende-se produo industrial por

    esse "claro", que remete tanto "bela aparncia" da esttica idealista" quanto

    ao "fetiche" do materialismo histrico."As exposies universais transfiguram o

    valor de troca das mercadorias. Elas criam um quadro onde o valor de uso passa

    para segundo plano. Elas inauguram uma fantasmagoria onde os homens entram

    para se distrair.[...] A sutileza na maneira de apresentar objetos inanimados

    corresponde ao que Marx chama "argeiros teolgicos" da mercadoria.

    (Benjamin, Passage, p.39). O sculo XIX que no responde ao intenso progresso

    tcnico-industrial com uma nova organizao social, exprime essa carncia de

    emancipao em suas produes. "O proprietrio que se prende `a mercadoria

    dando-lhe seu carter de fetiche, pertence sociedade produtora de mercadorias,

    no por certo como ela em si mesma, mas tal como ela se representa e cr se

    compreender quando se abstrai do fato de que produz as mercadorias"(Benjamin,

    X 13a). Marx, certamente, rejeitaria essa idia de que a sociedade produtora de

  • 27

    mercadorias pudesse abstrair-se do fato de s-lo, a menos que, realmente

    parasse de fabric-las. O fetichismo da mercadoria, tal como aparece no

    "Capital" um engano objetivo, no uma fantasmagoria. Benjamin tambm vai

    alm da doutrina marxista na questo esttica, a interpretao da arte como

    "reflexo" da realidade lhe parece bastante tosca. Buscando outra interpretao, se

    pergunta: "Se a infra-estrutura determina numa certa maneira a superestrutura,

    mas esse determinao no se reduz a um simples reflexo, como caracteriz-la?

    Como sua expresso" responde Benjamin e caracteriza a superestrutura como

    expresso da infra-estrutura fazendo a seguinte analogia: "As condies

    econmicas que determinam a existncia da sociedade encontram sua expresso

    na superestrutura da mesma maneira que, num homem que sonha, um estmago

    cheio encontra no contedo do sonho, no seu reflexo, mas sua expresso"

    (Benjamin, K 2, 5).

    A idia de uma "fisionomia materialista" que decifre o interior a partir do

    exterior, j aparece em "Infncia Berlinense", texto de 1932, onde Benjamin busca

    resgatar a capacidade de ver. Nas Passagens lemos a respeito da expresso

    visvel: " preciso apresentar no mais a gnese econmica da cultura, mas a

    expresso da economia na cultura [...]. Perceber o processo econmico como

    fenmeno original visvel de onde procedem todas as formas de vida que se

    manifestam nas passagens e, na mesma medida, em todo o sculo XIX"

    (Benjamin, N1a, 6). Esta inteno cognitiva est relacionada com a teoria da

    faculdade mimtica que aparece em "A Doutrina das Semelhanas". Para

    Benjamin, a capacidade de produzir e perceber semelhanas a base da

    experincia. E a faculdade de perceber tambm semelhanas no sensveis que

  • 28

    faz da linguagem a "mais alta aplicao da faculdade mimtica". (Benjamin, Obras

    escolhidas I, p.112). Essa faculdade, que se degradou no mundo moderno,

    sobrevive na linguagem e na arte. Nas Passsagens Benjamin quer interpretar a

    linguagem das imagens do sculo XIX para libert-las de seu "charme malfico".

    E aqui se distingue dos surrealistas que buscavam respostas no prprio sonho.

    preciso ver, no mundo acordado, a que o sonho reportava.

    A razo desta determinao fica explicitada no texto que cito: " forma de

    um modo de construo que, no comeo, ainda dominada pela forma do modo

    antigo (Marx), correspondem imagens na conscincia coletiva em que o novo e o

    antigo se interpenetram. Essas imagens so imagens do desejo e, nelas, a

    coletividade procura tanto superar quanto transfigurar as carncias e as

    deficincias da ordem social de produo.[...] No sonho em que, ante os olhos de

    cada poca, aparece em imagens aquela que a seguir, esta ltima aparece

    conjugada a elementos da proto-histria, isto , a elementos de uma sociedade

    sem classes. Depositadas no inconsciente coletivo, tais experincias,

    interpenetradas pelo novo, geram a utopia, que deixa seu rastro em mil

    configuraes da vida, desde configuraes duradouras at modas

    fugazes"(Benjamin, Passages, p.36). Este encontro do arcaico com o utpico leva

    Benjamin a, messianicamente, projetar o paraso perdido no futuro. Num futuro

    que o sonhado por um presente inconsciente do prprio sonho.

    Adorno critica pesadamente essa exposio de 35, pela superestimao do

    arcaico, pelo aspecto mstico- messinico e pelo psicologismo que est na base

    das consideraes sobre o sonho. (Lwy, Romantismo e Messianismo, p.201-

    202). Ao ler o ensaio sobre Baudelaire, em 38, que era para Benjamin: "um

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    modelo exato das Passagens"; Adorno lhe escreve que ele est num solo

    "enfeitiado", numa encruzilhada entre "a magia e o positivismo", local onde os

    fenmenos detm "o privilgio da inteligibilidade" e o fato da teoria estar

    "escamoteada" leva "representao atnita da mera facticidade". Observa que

    somente uma maior mediao terica "pode quebrar o sortilgio". (Adorno, ber

    Walter Benjamin, p.138-141).

    Quando, em 1939, Horkheimer lhe pede uma nova exposio do projeto

    com a inteno de interessar um mecenas americano pela sorte de Benjamin,

    pode-se ver, pelo novo texto apresentado, que as crticas de Adorno foram

    consideradas. Na expos de 39 Benjamin escreve uma introduo onde critica o

    conceito de histria que s registra o continuum dos vencedores. Dessa maneira

    so soterrados os "momentos de ruptura" que precisam ser resgatados e tambm

    lidos em sua (im)possvel continuidade. Se continuarem recalcados sero sempre

    citados, no de maneira clara, mas criando fantasmagorias e "a humanidade

    assim faz papel de condenada. Tudo o que ela pode esperar de novo se mostra

    no ser mais do que uma realidade desde sempre presente, e este novo ser

    tambm to capaz de fornecer uma soluo libertadora quanto uma nova moda

    capaz de renovar a sociedade" (Benjamin, Passages, p.47-48). Essa teoria da

    histria Benjamin vai desenvolver nas teses "Sobre o conceito da histria" onde

    fica claro que o passado precisa ser rememorado para ser resgatado. Porque o

    verdadeiro passado, o passado vivo, reside nos possveis que ele encerra."A

    tarefa da crtica materialista ser justamente revelar esses possveis esquecidos,

    mostrar que o passado comportava outros futuros alm do que ocorreu. Trata-se,

    para Benjamin, de resgatar do esquecimento aquilo que teria podido fazer de

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    nossa histria uma outra histria"(Gagnebin, Cacos da Histria, p.66). O

    historiador materialista faz emergir do passado as esperanas no realizadas que

    ele encerra, registrando na atualidade "seu apelo por um futuro diferente".

    Segundo Adorno, as tese sobre a histria seriam uma espcie de introduo

    epistemolgica para a obra das Passagens, como a teoria do conhecimento

    para o drama barroco.

    A necessidade de escrever sobre o conceito de histria est na base da

    criao das "imagens de sonho". O sculo XIX delirou na construo de suas

    imagens em funo do conceito que tinha da histria: um desenvolvimento

    constante atravs do tempo, ao qual seria impossvel furtar-se. Mesmo os

    marxistas concordavam com isso quando davam como garantida a tomada de

    poder pelo proletariado. Confirmava essa idia a confuso feita entre progresso

    tcnico-cientfico e progresso humano em sua totalidade. Assim, para que no

    houvesse progresso nas estruturas scio-econmicas, o desejo desse progresso,

    recalcado, aparece nas consstrues e na produo industrial. A humanidade

    sonha, no com sua emancipao,mas com mercadorias. Porque elas exprimem

    seu sonho, o sonho que ela no percebe que tem e menos ainda que as

    mercadorias so a sua expresso. Mas no sua realidade.

    As objetivaes fenomnicas do passado precisam ser interpretadas por

    que trazem uma aspirao petrificada. A leitura dessas imagens visa ampliar a

    estrutura da razo e estender a natureza do discurso filosfico aos domnios da

    sensao. O que mais tarde Adorno prope em sua Teoria Esttica. Nas

    Passagens o fenmeno escolhido por Benjamin so as "imagens de sonho",

    imagens materiais cuja articulao formal tem um ndice onrico que precisa ser

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    lido pelo presente. E a "imagem dialtica" imagem mental que subsume a

    imagem de sonho como primeiro momento de um movimento cujo segundo

    momento o despertar. Um despertar que rememora o sonho sendo por isso

    condio de possibilidade para que ele possa ser interpretado. "Na racionalidade

    das 'imagens dialticas', a razo reabilita a noo de imagem e restitui

    aparncia seu tnus de conhecimento".(Matos, Olgria; O Iluminismo Visionrio,

    p. ).

    METODOLOGIA

    O caminho que vou seguir o dos rastros de Benjamin deixados nas

    Passagens. Proponho um trabalho hermenutico, para revelar o sentido do

    conceito escolhido no texto considerando o movimento interativo que o constitui: a

    dinmica entre o plano descritivo das objetivaes sensveis e o plano das

    consideraes tericas formuladas por Benjamin.

    Para tanto, ser necessria a leitura de autores de quem Benjamin tomou

    conceitos ainda que os tenha reformulado. Penso ser, a leitura da obra apoiada

    na teia conceitual que a circunda, o procedimento adequado para revelar, de

    maneira clara, as "imagens de sonho" no trabalho das Passagens de Walter

    Benjamin.

  • 32

    BIBLIOGRAFIA

    BENJAMIN, Walter - Paris, Capitale de XIX Sicle . Le Livre des Passages. Paris:

    Les ditions du Cerf, 1989.

    Alm deste texto base usarei como bibliografia de apoio :

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    Sibylle Muller. Paris: Flammarion, 1984.

    "Portrait de Walter Benjamin" in Critique de la Culture et Societ. Trad. G.

    et R. Rochlit. Paris : Payot, 1986 .

    Teoria Esttica. Trad. Artur Moro. Lisboa : Edies 70, 1988.

    ARENDT, Hannah - Homens em Tempos Sombrios. Trad. Denise Bottman. So Paulo:

    Cia das Letras, 1987.

    BENJAMIN, Walter - Documentos de Cultura, Documentos de Barbrie. Trad. Celeste

    Ribeiro de Souza. So Paulo: Ed. Cultrix e Edusp, 1986

    Obras Escolhidas I . Magia e Tcnica, Arte e Poltica. Trad. S. P. Rouanet .

    So Paulo: Ed. Brasiliense, 1993.

    Obras Escolhidas II . Rua de Mo nica .Trad. Rubens Rodrigues Torres

    Filho et alii. So Paulo : Ed. Brasiliense, 1987.

    Obras Escolhidas III. Charles Baudelaire, um Lrico no Auge do

    Capitalismo. Trad. Jos Carlos Martins Barbosa et alli. So Paulo: Ed. Brasiliense, 1991.

    Origem do Drama Barroco Alemo. Trad. S. P. Rouanet. So Paulo: Ed.

    Brasiliense, 1984 .

    Sobre el Programa de la Filosofia Futura . Trad. R. J. Vernengo. Caracas:

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    Sociologia. Trad. Flvio Kothe. So Paulo: Ed. tica, 1985.

    e SHOLEM, Gershom - Correspondncia. Trad. Neusa Soliz. So Paulo:

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    FREUD,Sigmund - A Interpretao dos Sonhos. Trad. W. I. de Oliveira. Rio de Janeiro:

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    GAGNEBIN, Jeanne Marie - Benjamin, Os Cacos da Histria. So Paulo: Ed. Brasiliense,

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    "Notas sobre as Noes de Origem e Original em Walter Benjamin"

    in 34 Letras, 1984 .

    KONDER, Leandro - Walter Benjamin, O Marxismo da Melancolia. Rio de Janeiro:

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    LWY, Michel - Redeno e Utopia, O Judaismo Libertrio na Europa Central. Trad.

    Paulo Neves. So Paulo : Cia das Letras, 1989.

    Romantismo e Messianismo. Ensaios sobre Lukcs e Benjamin. Trad.

    Myrian Veras Baptista et alli. So Paulo: Ed. Perspestiva, 1990.

    LUKCS, Georg - Histria e Conscincia de Classe. Trad. Telma Costa. Rio de Janeiro:

    Elfos Editora, 1989.

    MARX, Karl - O Capital. volume I. Trad. Reginaldo Sant'Anna. Rio de Janeiro: Ed.

    Civilizao Brasileira, 1968.

    MATOS, Olgria - O Iluminismo Visionrio. Benjamin, leitor de Descarte e Kant. So

    Paulo: Ed. Brasiliense, 1993.

    Os Arcanos do Inteiramente Outro. A Escola de Frankfurt. A Melancolia e a

    Revoluo. So Paulo: Ed. Brasiliense, 1991.

    PROUST, Marcel - Em Busca do Tempo Perdido. Trad. Lcia Miguel Pereira et alii. Porto

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    ROUANET, Srgio Paulo - As Razes do Iluminismo. So Paulo: Cia das Letras, 1982.

    dipo e Anjo, Itinerrios Freudianos em Walter Benjamin. Rio de Janeiro:

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    "As Passagens de Paris I" in RevistaTempo Brasileiro, n. 68, 1982.

    "As Passagens de Paris II" in Revista Tempo Brasileiro, n. 69, 1982.

    SHOLEM, Gerschom - A Cabala e seu Simbolismo. So Paulo : Perspectiva, 1975.