analise LIVRO_RUBIAO

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Flavio Garca (org.)

FICHA CATALOGRFICAF801b Murilo Rubio e a narrativa do inslito. / Flavio Garca (org.) Rio de Janeiro: Dialogarts, 2007. Publicaes Dialogarts Bibliografia ISBN 978-85-86837-31-9 1. Inslito. 2. Gneros Literrios. 3. Narrativa Ficcional. 4. Literaturas. I. Garca, Flavio. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. III. Departamento de Extenso. IV. Ttulo

Murilo Rubio e a narrativa do inslito

CDD 801.95 809

2007

Correspondncias para: UERJ/IL/LIPO a/c Darcilia Simes ou Flavio Garca Rua So Francisco Xavier, 524 sala 11.023 B Maracan Rio de Janeiro CEP 20 569-900 [email protected] [email protected] [email protected]

Copyrigth @ 2007 Flavio Garca Publicaes Dialogarts (http://www.dialogarts.uerj.br) Coordenador do volume: Flavio Garca [email protected] Coordenadora do projeto: Darcilia Simes [email protected] Co-coordenador do projeto: Flavio Garca [email protected] Coordenador de divulgao: Cludio Cezar Henriques [email protected] Projeto de capa e Diagramao: Flavio Garca, Darcilia Simes e Carlos Henrique de Souza Pereira Logotipo Dialogarts Rogrio CoutinhoAPRESENTAO ..................................................................................... 6 FLAVIO GARCA - UERJ O INSLITO NA CONSTRUO DA PERSONAGEM: UM PROCESSO DE DESUMANIZAO ................................................... 14 ADILSON SOARES DA SILVA JNIOR - UERJ AS PERSONAGENS RUBIANAS: O EX-MGICO DA TABERNA MINHOTA E O PIROTCNICO ZACARIAS SOB A PERSPECTIVA DO EXISTENCIALISMO SARTREANO ................ 27 ALINE DE ALMEIDA MOURA - UERJ TEMAS, TTULOS E EPGRAFES EM MURILO RUBIO: REFLEXES E LEITURAS A PARTIR DE ALFREDO E OS DRAGES .............................................................................................. 37 EVELINE COELHO CARDOSO - UERJ MUITO PRAZER, RUBIO: UMA BREVE VISITA OBRA DE MURILO ................................................................................................... 46 JORDO PABLO RODRIGUES DE PO - UERJ O PIROTCNICO ZACARIAS SE ENQUADRA NO FANTSTICO OU NO INSLITO BANALIZADO?.......................... 54 LUANA CASTRO DOS SANTOS BRAZ - UERJ

NDICE

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educao e Humanidades Instituto de Letras Departamento de Lngua Portuguesa, Literatura Portuguesa e Filologia Romnica UERJ SR3 DEPEXT Publicaes Dialogarts 2007

O INSLITO EM MARIAZINHA, DE MURILO RUBIO ........... 62 LUCIANA MORAIS DA SILVA - UERJ A MANIFESTAO DO INSLITO NAS NARRATIVAS FICCIONAIS DE MURILO RUBIO: BRBARA E BRUMA (A ESTRELA VERMELHA)............................................................... 73 LUCIANA POLICARPO DOS SANTOS - UERJ A PS-UTOPIA INSLITA: UM OLHAR SOBRE A NARRATIVA DE MURILO RUBIO............................................................................ 79 MARCO MEDEIROS - UERJ A CONSTRUO DAS PERSONAGENS NAS NARRATIVAS RUBIANAS: A RELAO DAS PERSONAGENS COM O INSLITO EM O PIROTCNICO ZACARIAS E OS DRAGES .................................................................................................................... 89 MARINA POZES PEREIRA SANTOS - UERJ O INSLITO COMO UMACATEGORIA CONSTITUTIVA DE GNERO: UM PERCURSO DO MARAVILHOSO AO INSLITO BANALIZADO ......................................................................................... 98 MICHELLE DE OLIVEIRA - UERJ O INSLITO EM MURILO RUBIO: BREVE ANLISE DE NARRATIVAS RUBIANAS, APRESENTANDO O ELEMENTO TEMPORAL COMO INSTRUMENTO DE CONSTRUO DO INSLITO. ............................................................................................. 107 MONIQUE PAULENAK DA SILVA - UERJ CRISE DE IDENTIDADE E PERDA DE VALORES SOCIAIS COMO RESULTADO DA PS-MODERNIDADE: CARACTERSTICAS RECORRENTES NA OBRA RUBIANA, QUE TEM EVENTOS INSLITOS COMO SUA MARCA PRINCIPAL .............................. 116 THALITA MARTINS NOGUEIRA - UERJ

APRESENTAOFlavio Garca - UERJ

De 16 de abril a 30 de julho de 2007, sempre s segundas-feiras, das 12 horas e 30 minutos s 15 horas, entre o almoo e o lanche da tarde, reunamos eu, aproximadamente dez alunos-bolsistas pesquisadores e mais treze alunos ouvintes, num total de, mais ou menos, vinte e cinco pessoas, na Faculdade de Formao de Professores da UERJ, campus So Gonalo, para ler e discutir os Contos reunidos de Murilo Rubio (So Paulo: tica). Tratava-se do curso livre de extenso O inslito na narrativa rubiana: leitura e discusso das narrativas de Murilo Rubio, oferecido pelo SePEL.UERJ Seminrio Permanente de Estudos Literrios, projeto de extenso que promove cursos, publicaes e eventos acadmico-cientficos, como veculo de realizaes do Grupo de Pesquisa, Diretrio CNPq, Estudos Literrios: Literatura; outras linguagens; outros discursos. Esse no era o primeiro curso oferecido que versava sobre a questo do inslito na narrativa ficcional. De 2 de outubro a 18 de dezembro de 2006, tambm na Faculdade de Formao de Professores da UERJ, j havia sido realizado um outro curso, A banalizao do inslito: Questes de Gnero Literrio em Literaturas da Lusofonia Mecanismos de Construo Narrativa, que dera impulso a meu projeto individual de pesquisa naquela poca era individual, hoje no mais e garantira o crescimento do nmero de alunos-bolsistas, bem como proporcionara a realizao, ainda na mesma Faculdade, de umMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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primeiro evento, realizado em 15 de janeiro de 2007: I Painel Reflexes sobre o Inslito na narrativa ficcional. Os trabalhos apresentados naquele I Painel encontramse publicados, em parceria com o Publicaes Dialogarts, outro projeto de extenso universitria da UERJ, em http://www.dialogarts.uerj.br/titulos_avulsos.htm, sob o ttulo A banalizao do Inslito: Questes de Gnero Literrio Mecanismos de construo narrativa. Ao final do segundo curso, aquele que tivera por objeto central a narrativa rubiana, realizamos um II Painel: Reflexes sobre o inslito na narrativa ficcional: O inslito na narrativa rubiana. O evento tambm ocorreu na Faculdade de Formao de Professores da UERJ, de onde eram todos os alunosbolsistas pesquisadores e de onde so meu pares mais diretos tanto no Grupo de Pesquisa quanto no SePEL.UERJ. O II Painel ocorreu de 7 a 9 de agosto de 2007. Os textos que aqui se publicam so parte das comunicaes apresentadas nesse ltimo evento, reunidos neste volume por se terem atido narrativa rubiana. Haver mais duas publicaes resultantes dos trabalhos apresentados nesse II Painel. Narrativas do Inslito: passagens e paragens, com textos variados merecendo destaque dois deles que tratam da obra do escritor portugus Mrio de Carvalho e outros trs que se dedicam Literatura Infanto-Juvenil , e O Inslito Em Questo na narrativa ficcional, reunindo a conferncia de abertura, proferida pelo Prof. Dr. Manuel Antonio de Castro, Titular de Potica da UFRJ, e os trs textos apresentados na mesa-redonda por mim mesmo, pelo Prof. Dr. Marcello de Oliveira Pinto e pela Prof. Dr. Regina Michelli. A organizao seqencial dos artigos que compem este livro respeitou a ordenao alfabtica do primeiro nome dos autores, evitando inferncias de quaisquer outros critrios de valor. O inslito na construo da personagem: um processo

de desumanizao, de Adilson Soares da Silva Jnior, aborda o inslito como agente de perda de identidade e causa principal de desumanizao, realando as crticas do homem na sociedade ps-moderna e privilegiando a construo por elementos lingsticos e a recepo. Adilson graduando em Letras na Faculdade de Formao de Professores da UERJ, assistiu ao curso e tem-se juntado ao grupo da pesquisa sobre o Inslito. As personagens rubianas: O ex-mgico da taberna minhota e O pirotcnico Zacarias sob a perspectiva do existencialismo sartreano, de Aline de Almeida Moura, problematiza as relaes vida e morte, o desejo de morte e a questo da realizao humana, sob as vises de Sartre e Heidegger, recorrendo instrumentalizao terica que encontrou em Antonio Cndido, Beth Brait, Cndida Vilares Gancho, Carlos Reis e Foster. Aline graduanda em Letras na Faculdade de Formao de Professores da UERJ, bolsista de Iniciao Cientfica do CNPq e participou do curso como dinamizadora das discusses, apresentando leituras. Temas, ttulos e epgrafes em Murilo Rubio: reflexes e leituras a partir de Alfredo e Os drages, de Eveline Coelho Cardoso, l a obra rubiana a partir da semiologia, pensando a capa do volume publicada pela Editora tica e as imagens que a capa suscita. Em suas leituras, Eveline reflete sobre as relaes entre o Inslito, a Verdade e a Ps-Modernidade. Seu artigo percorre os ttulos das narrativas rubianas em dilogo com as histrias e as referncias ao inslito, sem perder de vista as epgrafes. Eveline considera que o leitor atento pode encontrar j na capa uma espcie de resumo simblico do trabalho do escritor mineiro, j que o texto literrio, entendido como um recipiente que ao mesmo tempo limita e revela as convergncias e divergncias entre essas duas realidades, rico em noes como realidade, possibilidade ou verdade. Eveline graduada em Letras pela Faculdade de Formao de Professores da UERJ e, na poca do curso, ao qual assistiu, e

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do II Painel, cursava a Especializao em Lngua Portuguesa da UERJ So Gonalo. Muito prazer, Rubio: uma breve visita obra de Murilo, de Jordo Pablo Rodrigues de Po, um passeio panormico por temas, tipos de personagens, cenrios, problemticas, estruturas narrativas, insistncias, persistncias, renovaes, inovaes que ele encontrou na leitura dos Contos reunidos. Jordo graduando em Letras na Faculdade de Formao de Professores da UERJ, assistiu ao curso e tem-se juntado ao grupo de pesquisa sobre o Inslito. O pirotcnico Zacarias se enquadra no fantstico ou no Inslito Banalizado?, de Luana Castro dos Santos Braz, toma O pirotcnico Zacarias como foi condutor de uma discusso de gnero, perpassa teorias do Fantstico, do Estranho, do Maravilhoso bem como do Terror, do Horror e da Fico Cientfica, propondo que a narrativa se inscreva num novo gnero, o Inslito Banalizado, considerando o efeito da banalizao, por parte das personagens, dos eventos inslitos manifestos no texto. Luana graduanda em Letras na Faculdade de Formao de Professores da UERJ, bolsista de Incentivo Graduao da FAPERJ e participou do curso como dinamizadora das discusses, apresentando leituras. O Inslito em Mariazinha, de Murilo Rubio, de Luciana Morais da Silva, inicia-se destacando o fato de um defunto contar que seu prprio nome est sendo chamado por uma voz dita lgubre. Ele aparece morto em 1943, para em seguida mostrar certo conforto, em 1923, por reaver seus cabelos e conhecer Mariazinha. Luciana compara a narrativa rubiana com Memrias Pstumas de Brs Cubas, de Machado de Assis, tambm narrado por um defunto. Para ela, trata-se de um conto norteado pela volubilidade do tempo, em que as aes das personagens se passam em perodos desconexos, uma vez que so o fomento para as ocorrncias incomuns. E,k conforme adverte, importante ressaltar a ausncia de cronologia

do tempo. Luciana Morais graduanda em Letras na Faculdade de Formao de Professores da UERJ, bolsista de Iniciao Cientfica da FAPERJ e participou do curso como dinamizadora das discusses, apresentando leituras. A manifestao do Inslito nas narrativas ficcionais de Murilo Rubio: Brbara e Bruma (A Estrela Vermelha), de Luciana Policarpo dos Santos, compara a manifestao do inslito a partir do ponto de vista do narrador homodiegtico, em Brbara, e autodigtico, em Bruma. Luciana Policarpo graduanda em Letras na Faculdade de Formao de Professores da UERJ e participou do curso como dinamizadora das discusses, apresentando leituras. A ps-utopia inslita: um olhar sobre a narrativa, de Marco Medeiros, uma reflexo bastante maduro acerca das relaes Moderno / Ps-Moderno / Ps-Utpico. Para ele, as narrativas rubianas so como panorama diversificado, aproximao do momento ps-utpico. Em suas palavras, a fala do autor assinala dois pontos fulcrais das ps-utopias: a ambigidade e a fragmentao. De passagem, Marco ainda discute a questo do gnero textual, pergunta se a narrativa rubiana seria crnica ou conto. Marco Medeiros Mestre em Literatura Brasileira pela UERJ e foi graduado em Letras na Faculdade de Formao de Professores da UERJ. A participao dele, falando surpreendentemente de Murilo Rubio, foi uma grata e feliz surpresa para todos, correspondendo a um dos mais elevados momentos de discusso do II Painel. A construo das personagens nas narrativas rubianas: a relao das personagens com o inslito em O pirotcnico Zacarias e Os drages, de Marina Pozes Pereira Santos, reflete sobre a Ps-Modernidade, a crise de identidade e de valores, as rupturas contemporneas, percorrendo as estratgias de construo narrativa utilizadas por Rubio conflito, ordem e desordem no desenvolvimento da trama. Marina graduanda em Letras na Faculdade de Formao de Professores da UERJ,

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bolsista de Iniciao Cientfica do FAPERJ e participou do curso como dinamizadora das discusses, apresentando leituras. O inslito como uma categoria constitutiva de gnero: um percurso do Maravilhoso ao Inslito Banalizado, de Michelle de Oliveira, uma panormica dos gneros tradicionais em se verifica a manifestao do inslito como marca distintiva, refletindo sobre a questo do inslito em cada poca histrico-cultural, at chegar Ps-Modernidade. Michelle fala das crises da Contemporaneidade, na tentativa de comprovar a existncia do novo gnero proposto. Michelle graduanda em Letras na Faculdade de Formao de Professores da UERJ, bolsista de Estgio Interno Complementar da UERJ e participou do curso como dinamizadora das discusses, apresentando leituras. O Inslito em Murilo Rubio: breve anlise de narrativas rubianas, apresentando o elemento temporal como instrumento de construo do inslito, de Monique Paulenak da Silva, discute, com base em A noiva da casa azul e Elisa, em que medida o elemento tempo pode funcionar como estruturador da manifestao do inslito na narrativa, comprometendo a lgica e interferindo em outros elementos essenciais da estruturao, como o espao e as aes, por exemplo. Monique graduanda em Letras na Faculdade de Formao de Professores da UERJ, bolsista de Incentivo Graduao da FAPERJ e participou do curso como dinamizadora das discusses, apresentando leituras. Crise de identidade e perda de valores sociais como resultado da Ps-Modernidade: caractersticas recorrentes na obra rubiana, que tem eventos inslitos como sua marca principal, de Thalita Martins Nogueira, problematiza as relaes entre a Morte a Identidade na Ps-Modernidade, na perspectiva de demonstrar que a obra de Murilo Rubio reflete essa tenso. Thalita graduanda em Letras na Faculdade de Formao de

Professores da UERJ, bolsista de Iniciao Cientfica da UERJ e participou do curso como dinamizadora das discusses, apresentando leituras. Falar de Ps-Modernidade, de crise de identidade e de valores, de morte, de estratgias de construo narrativa e de gneros foi uma constante natural, uma vez que a maioria dos que aqui escreveram assistiu a dois cursos que trataram desses aspectos. Insistir na existncia de um novo gnero literrio, no bojo das experienciaes ps-modernas, o Inslito Banalizado, tambm foi outra constante, que se explica pelo projeto de pesquisa a que quase todos esto vinculados. Mas, a constante mais bvia e mais agradvel, foi todos insistirem em falar de Murilo Rubio. Conforme asseverou Antonio Cndido:Com o livro de contos O ex-mgico (1947), Murilo Rubio instaurou no Brasil a fico do inslito absurdo. (...) Com segurana meticulosa e absoluta parcialidade pelo gnero (pois nada escreve fora dele), Murilo Rubio elaborou os seus contos absurdos nem momento de predominncia do realismo social, propondo um caminho que poucos identificaram e s mais tarde outros seguiram. Na meia penumbra ficou ele at a reedio modificada e aumentada daquele livro em 1966 (Os drages e outros contos). J ento a voga de Borges e o comeo da de Cortazar, logo seguida pela divulgao no Brasil de livros como Cien aos de soledad, de Garca Mrquez, fizeram a crtica e os leitores atentarem para este discreto precursor local, que todavia precisou esperar os anos 70 para atingir plenamente o pblico e ver reconhecida a sua importncia. Entrementes a fico tinha-se transformado e, de exceo, ele passava quase a uma alta regra. (CNDIDO, 1987: 208)

E ns reavivamos aqui a ateno na obra de Murilo Rubio, com leituras percucientes e interesse renovado, propondo ver, em suas narrativas, vrios indcios do pensamento psmoderno e apresentando-o como paradigma, no Brasil, de um possvel e provvel novo gnero literrio. Agora lerem e verem no que concordam e no que discordam. Fica o convite.

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Referncias Bibliogrficas: CNDIDO, Antonio. A nova narrativa. In: A educao pela noite e outros ensaios. So Paulo: tica, 1987. p. 199-215. O INSLITO NA CONSTRUO DA PERSONAGEM: UM PROCESSO DE DESUMANIZAOAdilson Soares da Silva Jnior - UERJ

Neste artigo, procura-se abordar o inslito caracterizado por algumas personagens rubianas como agente de perda de identidade e causa principal de sua desumanizao, tornando-as ainda mais inverossmeis, fortalecendo o conceito de inslito e funcionando como mecanismo para o entendimento das crticas do homem na sociedade ps-moderna. Pretende-se, tambm, analisar fatores lingsticos que contribuem para a instaurao do inslito e do processo de desumanizao nas narrativas selecionadas e propor uma reflexo acerca da recepo dos elementos inslitos nas narrativas. Entende-se por inslito tudo aquilo que quebra as expectativas do leitor tendo por referncia sua realidade experienciada, aquilo que foge ordem e lgica do senso comum vigente. O inslito marcado por ser algo no habitual e extraordinrio, podendo ter sua origem em acontecimentos sobrenaturais ou eventos aparentemente inverossmeis. Numa definio especfica, tudo aquilo contrrio aos costumes, s regras, o inabitual e incomum (AURELIO, 1997). O inslito um marcante trao da literatura, embasando os gneros Fantstico, Maravilhoso, Realismo-Maravilhoso, Estranho, Absurdo e outros derivados dessa linha de fuga da realidade referencial que transmitem a totalidade ou a parcialidade dos acontecimentos. Entende-se por desumanizao o processo da perda daMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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identidade especificamente humana, implicando a perda da identidade ou a identidade metamorfoseada da personagem, com a fragmentao total ou parcial da caracterizao nica, unipolar, do ser humano. No sujeito ps-moderno, h uma fragmentao do indivduo, isto , ele assume vrias identidades, de vrias formas, em diversas situaes. Um mesmo indivduo adquire identidades mltiplas, no tendo uma nica identidade solidificada, consolidada:A modernidade, caracterizada como uma ordem pstradicional, ao romper com as prticas e preceitos preestabelecidos, enfatiza o cultivo das potencialidades individuais, oferecendo ao indivduo uma identidade "mvel", mutvel. , nesse sentido, que, na modernidade, o "eu" torna-se, cada vez mais, um projeto reflexivo, pois aonde no existe mais a referncia da tradio, descortina-se, para o indivduo, um mundo de diversidade, de possibilidades abertas, de escolhas. (GIDDENS, 2002: 25)

Essa perda de identidade pode propiciar um processo de desumanizao, em que a identidade essencial da personagem posta prova. Em outras palavras, a condio de indivduo se perde, ao passo que essas identidades se confundem e no se configuram mais como uma uniformidade humana, seja pelas aes, pelos sentimentos, pelos avanos tecnolgicos, etc.:Agora pouco resta no homem: solido, vazio e a prpria existncia comprometida. Seu nome, que lhe conferia uma existncia junto ao meio e a si mesmo, dando-lhe a certeza de existir pelo menos a cada vez que fosse pronunciado, j no significa nada. (LAUBE, s/d: 7)

As personagens de algumas narrativas de Murilo Rubio sofrem essa desumanizao perda da condio humana e perda da essncia do personagem, que, acima de tudo permeada e ambientada num contexto inslito ou pelo seu carter fsico acontecendo uma metamorfose ou pelo seu carter ordinrio e lgico acontecendo uma banalizao. Em se tratando de construo da personagem, as caractersticas fsicas, sociais e psicolgicas so fundamentais para a estruturao da narrativa, pois as personagens podem funcionarMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

como alvo do narrador, que comea a tecer seus comentrios a partir da observao das mesmas e de suas aes, relatando os eventos acontecidos. Alm disso, as personagens podem funcionar tambm como narradores, seja contando suas prprias experincias como personagem principal ou descrevendo uma histria advinda de sua prpria experincia, vivenciada como personagem secundrio ou coadjuvante. Quando o inslito se configura especificamente na personagem, afetando as caractersticas fsicas ou psicolgicas, transformando-a num ser distante da ordinariedade ou da naturalidade, pode ocorrer um processo de desumanizao, pode-se dar a perda da identidade humana das personagens: porm a personagem que com mais nitidez torna patente a fico e atravs dela, a camada imaginria se adensa e se cristaliza. (CANDIDO, 1972: 21) O inslito intrinsecamente ligado s personagens pode ser dividido em dois grupos. O primeiro grupo o inslito como desumanizao fsica, denunciado pelas caractersticas fsicas da personagem e que pode ainda ser subdividido em dois aspectos: a desumanizao provocada pelo inslito inerente a essa personagem ou adquirido por ela no decurso da narrativa. Essa manifestao fsica do inslito, mudana de forma a fim de causar estranhamento, chamamos de metamorfose elemento caracterstico do gnero Absurdo. A identidade humana metamorfoseada se transforma, se camufla e faz com que a personagem no se enquadre no aspecto humano. Esse tipo de metamorfose, que desencadeia um processo de desumanizao, diferente da metamorfose tradicional, porque, nesses casos, a transformao se d no mbito da troca, geralmente num processo de zoomorfismo (um ser humano vira um animal um inseto como na Metamorfose de Kafka). No caso do processo de desumanizao, a transformao fsica no se d atravs de um processo metamrfico em que a personagem migra do estado humano para o animal, mas sim atravs da migrao

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do estado humano para um vazio, um fim, desautorizando qualquer tipo de insero no contexto humano. relevante ressaltar que, em muitas narrativas, essa metamorfose no percebida nem pela prpria personagem principal nem mesmo pelas personagens secundrias que com ela estabelecem uma interao como sendo algo sobrenatural. Sendo assim, algumas narrativas reforam o conceito de inslito como matria-prima dos gneros em que se inscrevam. Como corpus e exemplificao da desumanizao causada pelo inslito inerente e adquirido pela personagem, apresentamos uma leitura de O homem do bon cinzento e Os Comensais. No primeiro, a histria contada por um narrador homodiegtico, que testemunha a metamorfose tanto de Anatlio seu vizinho quanto de Artur seu irmo observando obsessivamente o novo vizinho. A narrativa estruturada a partir da obsesso e observao constante que Artur dedica ao enigmtico homem do bon cinzento e, logo, verifica-se que o principal evento inslito se instala na personagem que d ttulo ao conto, surgindo como elemento de desequilbrio. Anatlio (o homem do bon cinzento) possui atitudes estranhas e rotineiras, e, assim que chega cidade, faz quadradinhos cinzentos aparecerem no cu. Conforme a narrativa vai se desenvolvendo, ele vai emagrecendo at desaparecer e, por fim, lana um jato de fogo que varre a rua da cidade:Nada mais tendo para emagrecer, seu crnio havia diminudo e o bon, folgado na cabea, escorregara at os olhos. O vento fazia com que o corpo dobrasse sobre si mesmo. Teve um espasmo e lanou um jato de fogo, que varreu a rua (...) No fim, j ansiado, deixou escorrer uma baba incandescente pelo trax abaixo e incendiou-se. (RUBIO, 2005: 75)

caractersticas humanas, ou seja, sem papel na sociedade, sem posio, e sua transformao fsica, em algo que no condiz com o mundo real, corrobora para a instalao do inslito na narrativa, transformando-o em um ser sem identidade e identificao: Ele est ficando transparente. Assustei-me. Atravs do corpo do homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de flores, livros, misturados com intestinos e rins. O corao parecia estar dependurado na maaneta da porta, cerrada somente de um dos lados. (RUBIO, 2005: 74)

O mesmo fenmeno da metamorfose acontece tambm com Artur, que no fim do texto se transforma em uma bolinha negra, perdendo tambm a identificao, desumanizando-se:A sua voz foi ficando fina e longnqua. Olhando para o lugar onde ele se encontrava, vi que seu corpo diminura espantosamente. Ficara reduzido a alguns centmetros (...) Peguei-o com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente. Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a rolar na minha mo. (RUBIO, 2005: 75)

H nessa narrativa uma precariedade das relaes interpessoais, fator caracterstico da sociedade ps-moderna, onde os seres humanos se tornam rotineiros, mecnicos, despreocupados com a prpria vida e sem afetividade nas relaes mais prximas. Verifica-se tal atributo na obsesso de Artur, que rotineiramente dedicava seu tempo a vigiar a vida de Anatlio, enquanto sua vida tornava-se sem sentido, sem humanidade. Ele perdia, assim, a caracterstica humana de zelar pelo que seu, no se importando com a sade e com a prpria vida:Por mais que me desdobrasse, procurando afast-lo da obsesso, Artur arranjava outros motivos para inquietar-se. Agora era a moa que se ocultava, no dava sinal da sua permanncia na casa (...) Por outro lado, a confiana que antes eu depositava nos meus nervos decrescia, cedendo lugar a uma permanente ansiedade por causa do mano, cujas preocupaes cavavam-lhe a face, afundavam-lhe os olhos. Para lhe provar que nada havia de anormal no solteiro, passei a vigiar o nosso enigmtico vizinho. (RUBIO, 2005: 73-74)

Desde o incio da narrativa, o Anatlio tratado como um ser humano comum, porm suas caractersticas fsicas j denunciam o inslito: na transparncia, na cor do bon, nos dentes escuros e no corpo esqueltico e pequeno. Essa metamorfose, que interna a Anatlio, transforma-o num ser sem

Uma anlise lingstica da narrativa se faz necessriaMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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porque, compreendendo os mecanismos de construo da linguagem textual, garante-se que o estranhamento inicial, ou, ainda, o inslito se transforme, enriquea, se metamorfoseie at garantir a verossimilhana narrativa interna:Se as coisas impossveis podem ter mais efeito de veracidade que o material bruto da observao ou do testemunho, porque a personagem , basicamente, uma composio verbal, uma sntese de palavras, sugerindo certo tipo de realidade. (CANDIDO, 1972: 78)

esquisitos, fora dos padres da naturalidade humana, legitimando o inslito como elemento desumanizador: Vamos, Hebe, vamos gritava, puxando-a pelos braos que no ofereciam resistncia, transformados em uma coisa gelatinosa. No momento em que mais se empenhava em arrastla, um gesto brusco seu lanou pra trs a cabea de Hebe e as suas plpebras, movendo-se como se pertencessem a uma boneca de massa, descerraram-se. (RUBIO,2005: 261-262)

O inslito e o processo de desumanizao provocado por ele so perceptveis no apenas no mbito da interpretao do texto como um todo, mas num estudo lingstico reside grande parte do sentido e da denncia de que o inslito (a metamorfose) est contribuindo para um vazio gradativo, ou seja, para a desumanizao da personagem. Palavras como emagrecer, tornar-se transparente, desaparecer, referentes a Anatlio, j permitem ao leitor deduzir o fim que a personagem ter, pois tais vocbulos, aparecendo em ordem gradativa, assumem significados peculiares, expressivos. Emagrecer uma palavra que no denuncia nada inslito, mas no contexto, corrobora para o j esperado clmax do evento inslito, que se verifica na desumanizao em O Homem do bon cinzento: O diabo do magrela no tem mais como emagrecer (...) Ele est ficando transparente! (...) Amanh desaparecer. (RUBIO, 2005: 73-75) Uma leitura de Os Comensais tambm ilumina a desumanizao provocada pela manifestao do inslito na personagem. Desde o incio da narrativa, o inslito se instala nos companheiros de refeitrio de Jadon, personagem principal, que no se comportavam como seres humanos, no comiam e no conversavam: Era-lhe penoso, entretanto, encontr-los sempre na mesma posio, a aparentar indiferena pela comida que lhes serviam e por tudo que se passava ao redor. (RUBIO, 2005: 253) A natureza fsica dos comensais mostra seres humanosMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

No desfecho da narrativa, Jadon se torna um comensal, manifestando-se nele o mesmo inslito inerente aos demais comensais, o que o faz perder a identidade, desumanizando-se ao passo que se enquadra no grupo dos comensais:Ao lembrar-se que poderia estar atrasado para o almoo, apressou-se. J na sala de jantar, caminhou at a grande mesa de refeies, assentando-se descuidadamente numa das cadeiras. Os braos descaram e os olhos, embaados, perderam-se no vazio. Estava s na sala imensa. (RUBIO, 2005: 263)

Este fragmento confirma a idia de transformao da personagem, que, ao se metamorfosear num comensal, muda a maneira de se relacionar com o mundo, ou seja, o seu espao na sociedade passa a ser questionado, e, conseqentemente, a sua prpria existncia, encontrando-se numa sala vazia, alijado de sua relao com o outro. Em Os Comensais, as relaes interpessoais so tambm questionveis, e a rotina a que Jadon submetido, contribuindo gradativamente para o processo de ele se tornar um comensal, desumanizar-se, condizem com algumas caractersticas do sistema ps-moderno: As rotinas que so estruturadas por sistemas abstratos tm um carter vazio, amoralizado isto vale tambm para a idia de que o impessoal submerge cada vez mais o pessoal. (GIDDENS, 1991: 122) Os elementos inslitos que fazem aluso aos temas cotidianos e rotineiros tm sua importncia nas narrativas que se situam num cenrio ps-moderno. A sociedade ps-moderna refletida nessas narrativas, principalmente naquelas que carregam o inslito como elemento estruturador, encara o cotidianoMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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como rduo, desesperador, entediante, enfim, como transcendente quilo que se prope representar, acarretando em si uma carga negativa: O prprio cotidiano, quando se torna tema de fico, adquire outra relevncia e condensa-se na situaolimite do tdio, da angstia e da nusea. (CANDIDO, 1972: 46) Outro retrato do way of life ps-moderno, vigente nas narrativas aqui comentadas e que tange as relaes interpessoais a falta de reciprocidade das personagens. Tanto em O homem do bon cinzento, em que a obsesso de Artur ignorada pelo seu vizinho, quanto em Os Comensais, em que Jadon tenta incessantemente atrair a ateno de seus companheiros de refeitrio, as relaes e os esforos no so correspondidos. Ainda em Os Comensais, a personagem protagonista retrata no apenas modelos de comportamento social do homem na ps-modernidade, mas tambm o aspecto psicolgico desse homem. Em outras palavras, o egocentrismo de Jadon retratado de forma significativa, pois at mesmo a inexpressividade dos comensais considerada afronta contra ele prprio:(...) Essa observao seria o suficiente para convenc-lo de que os comensais evitavam comer somente durante sua permanncia no recinto. Por certo aguardavam a sua sada para se atirarem avidamente s especialidades da casa. Nesse momento talvez se estendessem em alegres dilogos, aos quais no faltariam desprimorosas aluses sua pessoa, cuja presena deveria ser bastante desagradvel para todos. (RUBIO, 2005: 254)

(...) Havia ainda um detalhe perturbador: jamais ocupavam o seu lugar, mesmo que chegasse com grande atraso. (RUBIO, 2005: 254-255)

As expresses por certo e talvez, que indicam circunstncia de dvida, contribuem para mostrar a imaginao de Jadon. Assim como o advrbio de negao jamais em alguns trechos, categorizando os comensais, possui uma forte carga semntica de inexpressividade, de vazio, desconhecida pelo protagonista que, mesmo depois de destacar tais fatos, continua em sua incessante busca por fazer parte daquela sociedade:Logo verificou a inutilidade de seu propsito: jamais desviavam os olhos da toalha e prosseguiam com os lbios cerrados

O trecho acima mostra essa peculiaridade do advrbio jamais. Num primeiro momento, a palavra no possui uma carga semntica forte, porm aps o desfecho da narrativa assume uma relao de denncia do inslito, de individualizar o carter desumano dos comensais. O segundo aspecto do inslito na construo da personagem refere-se ao inslito como desumanizao do carter ordinrio e lgico. Em outras palavras, neste grupo, o inslito no afeta as caractersticas fsicas da personagem, mas funciona como desumanizador do carter ordinrio e lgico da personagem, isto , a personagem carrega o trao inslito como ndice de fuga da ordem, da lgica do ser humano. Desta forma, o evento inslito no caracteriza uma metamorfose, uma mudana fsica que desumaniza, mas sim uma banalizao do ser humano, dos desejos humanos e verossmeis. Como se pode ver em Brbara, a protagonista engorda a cada pedido que faz ao seu marido (narrador homodiegtico). Num primeiro plano de leitura, seus pedidos fogem ordem do verossmil, ordem lgica, visto que, num percurso lgico, inaceitvel um ser humano ignorar a impossibilidade de se obter o oceano, um baob e uma estrela. Os desejos de Brbara frustram as expectativas do leitor, mas no do seu marido: Mas ao cabo de alguns minutos, respirei aliviado. No pediu a lua, porm uma minscula estrela, quase invisvel ao seu lado. Fui busc-la. (RUBIO, 2005: 39) Hegel diz que o homem motivado pelos seus desejos, e que o ser humano se distingue dos outros animais pelo desejo de ser reconhecido como ser humano. Ao perder a identidade, Brbara perde a autenticidade humana, sofrendo um processo de desumanizao. Mas no por meio da metamorfose, por engordar a cada pedido, e sim pelo despropsito dos seus pedidos, ultrapassando o limite esperado do verossmil:Murilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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Segundo Hegel, os seres humanos, como os animais, tm necessidades naturais e desejos de objetos externos, como comida, bebida, abrigo e, acima de tudo, a preservao do prprio corpo.Entretanto, o homem difere fundamentalmente dos animais, porque, alm disso, deseja o desejo dos outros homens, ou seja, quer ser reconhecido. Especialmente, quer ser reconhecido como ser humano, isto , como ser com um certo valor ou dignidade. (FUKUYAMA, 1992: 17)

plas identidades se fragmentam e as relaes humanas tornamse efmeras e volveis:Se ao menos ela desviasse para mim parte do carinho dispensado s coisas que eu lhe dava. (...) fomos companheiros inseparveis na meninice, namorados, noivos e, um dia, nos casamos. Ou melhor, agora posso confessar que no passamos de simples companheiros. (RUBIO, 2005: 33)

Ento, percebe-se que os desejos humanos foram banalizados e a ordem lgica foi alterada, transformando a protagonista numa personagem sem identificao humana, sem identidade. Existe uma manifestao do inslito na composio fsica dela, pois Brbara engordava mais e mais a cada pedido realizado. No entanto, o fato de engordar conseqncia dos pedidos. a conseqncia e no a causa. Brbara gostava somente de pedir. Pedia e engordava (RUBIO, 2005: 33). Alm do mais, engordar um processo natural do ser humano, e no h ligao entre fazer pedidos e engordar. O peso de Brbara s configura o inslito medida que ela pede, medida que existam razes que quebrem as expectativas e fujam ordem do senso comum. Razes estas que a desumanizam, tornam-na distante da condio humana. Numa leitura crtico-interpretativa, essa desumanizao, inserida num contexto de banalizao dos seres humanos e dos seus desejos, tambm reflete a sociedade ps-moderna, afetando novamente as relaes interpessoais:Para meu desapontamento, nasceu um ser raqutico e feio pesando um quilo. Desde os primeiros instantes, Brbara o repeliu. No por ser mido e disforme, mas apenas por no o ter encomendado. (RUBIO, 2005: 35) Seria to feliz se possusse um navio! Mas ficaremos pobres, querida! No teremos com que comprar alimentos e o garoto morrer de fome. No importa o garoto, teremos um navio que a coisa mais bonita do mundo. (RUBIO, 2005: 37)

As personagens em que o inslito se manifesta so livres para descumprir regras e para transgredir espaos e tempo. No entanto, nas narrativas aqui comentadas, verifica-se sempre um sentimento de insatisfao, de no realizao. Em Brbara, o marido despreza o carter inslito dos pedidos de sua esposa, realizando seus desejos na esperana de receber mais afeto. Em Os Comensais, Jadon despreza o aspecto inslito dos comensais, esperando ser aceito no grupo. J em O Homem do bon cinzento, Roderico se apropria do inslito na tentativa de salvar seu irmo da obsesso que tem pelo vizinho. Verifica-se, assim, um sentimento de incompletude, como se a felicidade, nessas narrativas, nunca fosse possvel, nunca fosse alcanada pelas personagens. A obra literria possui a liberdade que a vida real no concede ao ser humano e, no caso das narrativas aqui abordadas, essa liberdade est intimamente relacionada manifestao de eventos inslitos. A oscilao entre afastamento da realidade referencial e elevao ao carter simblico da narrativa faz com que o leitor exercite sua imaginao e seu senso crtico:A fico um lugar ontolgico privilegiado: lugar em que o homem pode viver e contemplar, atravs de personagens variadas, a plenitude da sua condio, e em que, transformando-se imaginariamente no outro, vivendo outros papis e destacando-se de si mesmo, verifica, realiza e vive a sua condio fundamental de ser autoconsciente e livre, capaz de desdobrar-se, distanciar-se de si mesmo e de objetivar a sua prpria situao. (CANDIDO, 1972: 48)

Mais uma vez, nota-se que a falta de reciprocidade uma caracterstica da sociedade ps-moderna, onde as mltiMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

O leitor das narrativas que se estruturam a partir da irrupo de eventos inslitos, sobrenaturais, de carter ilgicoMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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no pode aceitar pacificamente tais eventos. Ele faz, ento, uma leitura crtica, vinculada ao contexto de sua realidade experienciada. O inslito funciona como artifcio de reflexo, remetendo a conflitos da realidade referencial. Em suma, o inslito, visto em algumas narrativas de Murilo Rubio sob o ponto de vista da desumanizao das personagens, permite construir crticas interpretativas a respeito da sociedade ps-moderna, sob a abrangncia do carter efmero, espantoso ou banalizador dos seres humanos. Ao entrar em contato com o sobrenatural ou com a metamorfose, a personagem deixa de existir como ser natural e ordinrio e passa a um grau imprevisvel, sem limites para os acontecimentos ilgicos, inesperados e inslitos. No plano da fico, o ser humano pode se configurar da forma que quiser, construindo um espao crtico e mais amplo para o leitor. To amplo quanto a multiplicidade de identidades assumidas ou quanto a concretizao da literatura como retrato desta era psmoderna.

sultado em 20 de julho de 2007 RUBIO, Murilo. Contos reunidos. 2 ed. So Paulo: tica, 2005.

Referncias Bibliogrficas: CANDIDO, Antnio, ROSENFELD, Anatol, PRADO, Decio de Almeida & GOMES, Paulo Emlio Sales. As personagens de fico. 3 ed. So Paulo: Perspectiva, 1972. FUKUYAMA, Francis.O fim da histria e o ltimo homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. GIDDENS, Anthony. As conseqncias da modernidade. So Paulo: Editora da UNESP, 1991. _________ Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. LAUBE, Leandro. A morte e a desumanizao do homem. In: http://www.contradicoes.pro.br/desumano.pdf Arquivo conMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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AS PERSONAGENS RUBIANAS: O EX-MGICO DA TABERNA MINHOTA E O PIROTCNICO ZACARIAS SOB A PERSPECTIVA DO EXISTENCIALISMO SARTREANOAline de Almeida Moura - UERJ

Reflete-se sobre a definio de personagem desde a Antigidade Clssica, e geralmente atribudo um carter antropomrfico personagem semelhante ao ser humano a este ser de papel existente somente como um dos signos que compe a narrativa literria. A personagem nem sempre foi vista como um componente diegtico (REIS, 2000: 215), havendo uma confuso entre a relao pessoa ser vivo e personagem ser ficcional. (BRAIT, 2000: 10), embora os atores de uma estria normalmente sejam seres humanos ou so inspirados em suas caractersticas (Cf. FORSTER, 1974: 69). Aristteles, refletindo sobre esta questo, aponta dois aspectos essenciais: as personagens como reflexo da pessoa humana e a personagem como construo, cuja existncia obedece s leis particulares que regem o texto (Apud BRAIT, 2000: 29), isto , a personagem se caracteriza principalmente atravs de seu conceito mimtico. Para Forster, as personagens so massas verbais que diferem do ser humano por serem inteiramente conhecidas o lado externo, representado por suas aes, e o lado interno, onde se situam paixes, alegrias, tristezas, angstias. As pessoas ocultam o seu interior os sentimentos so conhecidos por inMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

termdio das atitudes que nem sempre espelham a realidade. Uma das principais funes do romance expressar esse lado [interior] da natureza humana. (Cf. FORSTER, 1974: 70-72). Beth Brait diz que a personagem um elemento lingstico, um ser de papel, isto , a personagem no existe fora das palavras (BRAIT, 2000: 11). Elas representam pessoas, segundo modalidades prprias da fico (BRAIT, 2000: 11). Alm disso, a personagem no encontra espao na dicotomia ser reproduzido/ser inventado. Ela percorre as dobras e o vis dessa relao e a situa a sua existncia (BRAIT, 2000: 12). A personagem no puramente reproduo do ser humano, nem s inveno artstica, mas situa-se entre estas duas perspectivas. Para Cndida Gancho, a personagem um ser fictcio que responsvel pelo desempenho do enredo; em outras palavras, quem faz a ao (GANCHO, 1993: 14). A autora ainda afirma que as personagens se definem no enredo pelo que fazem e dizem, e pelo julgamento que fazem dela o narrador e as outras personagens (GANCHO, 1993: 14). As personagens tm suas atitudes condicionadas por estruturas literrias, como, por exemplo, a verossimilhana interna entidade condicionada no seu agir pela teia de relaes que a ligam s restantes personagens do relato (REIS, 2000: 216) , acepo apropriada na anlise das personagens rubianas. Segundo Antnio Cndido, a fico um lugar ontolgico privilegiado (CNDIDO, 1972: 48), pois permite a plenitude da condio humana (...) e, portanto, melhor reflexo sobre esta. A Arte ajuda na meditao do cotidiano, pois as personagens:muitas vezes debatem-se com a necessidade de decidir-se em face de coliso de valores, passam por terrveis conflitos e enfrentam situaes-limite em que se revelam aspectos essenciais da vida humana (...) Estes aspectos profundos, muitas vezes de ordem metafsica, incomunicveis atravs do conceito, revelam-se (...) So momentos supremos, sua maneira perfeitos, que a vida emprica, no seu fluir cinzento e cotidiano,Murilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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geralmente no apresenta de um modo ntido e coerente (...) O prprio cotidiano, quando se torna tema da fico, adquire outra relevncia e condensa-se na situao-limite do tdio e da nusea. (CNDIDO, 1972: 45-46)

Desta forma, a Arte muito usada na ilustrao de um ponto de vista acerca da realidade emprica, devido relevncia que a fico d a determinadas situaes que poderiam passar despercebidas. Sartre, por exemplo, para esclarecer os conceitos do existencialismo, utiliza-se de textos ficcionais e povoa suas narrativas de eventos inslitos. Ele um dos representantes do Absurdo. Atravs do efeito de distanciamento alcanado por meio do inverossmil, chega-se a uma concluso lgica, uma reflexo sobre o cotidiano, impedindo-se tambm o efeito catrtico da literatura, visto como purificao do leitor perante a obra. Tem-se por inslito, no senso comum, o que no habitual, o que desusado, estranho, inusitado, raro, surpreende ou frustra a expectativa, rompe com a ordem vigente, contrape-se ao senso comum. Na narrativa ficcional, os eventos inslitos so aqueles que a crtica tem apontado ora como extraordinrios para alm da ordem ora como sobrenaturais para alm do natural. Tanto as personagens sartreanas quanto as rubianas se constroem pelas suas atitudes em relao ao inslito e por suas relaes com as demais personagens. Essas correlaes podem ser tambm representadas pelo existencialismo, tomando O ex-mgico da taberna minhota e O pirotcnico Zacarias, ambos os textos contados por narradores autodiegticos aquele que narra a sua prpria experincia , como narrativas paradigmticas. Em O ex-mgico da taberna minhota, relata-se a histria de um homem que, geralmente em situaes cotidianas e descontroladamente, retira objetos, animais e outros homens de seus bolsos, do chapu, do palet, das calas, das mos e doMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

ouvido: Se mexia na gola do palet, logo aparecia um urubu. Em outras ocasies, indo amarrar o cordo do sapato, das minhas calas deslizavam cobras (RUBIO, 2005: 9). Havia, ainda, animais que falavam e objetos que se metamorfoseavam. Todavia, o primeiro fato inslito do texto a falta de passado do protagonista: um dia, me dei com os meus cabelos grisalhos, no espelho da Taberna Minhota (RUBIO, 2005: 7). El comea a identificar sua existncia a partir de um espelho no qual se v refletido, sendo que o dono do restaurante em que ele ir trabalhar representa, num primeiro momento, o Outro, pois o primeiro ser humano com que o ex-mgico mantm contato. J em O pirotcnico Zacarias, o evento inslito acontece quando, mesmo aps a morte, Zacarias continua agindo como se nada tivesse ocorrido, embora os seus companheiros tenham se afastado dele: De fato morri (...). Por outro lado, tambm no estou morto, pois fao tudo o que fazia antes e, devo dizer, com mais agrado do que anteriormente. (RUBIO, 2005: 26) O ex-mgico e Zacarias encarnam a fundamental hiptese do existencialismo sartreano, a existncia precede a essncia (SARTRE, 1973: 11), demonstrando o absurdo que a vida humana:O homem no tem uma essncia determinada, mas ele se faz em sua existncia. Entretanto, o homem tambm marcado pela morte e pela finitude e, por isso, ao buscar essa identidade absoluta, est condenado ao fracasso. (MARCONDES, 2001: 259)

Desta forma,o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que s depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se no definvel, porque primeiramente no nada. S depois ser alguma coisa e tal como a si prprio se fizer. Assim, no h natureza humana, visto que no h Deus para conceb-la. (SARTRE, 1973: 12)

Enquanto o ex-mgico, por se ver no mundo de formaMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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inusitada, no tem domnio sobre suas atitudes e mgicas e, quando questionado acerca de seu dom, diz:O que poderia responder, nessa situao, uma pessoa que no encontrava a menor explicao para sua presena no mundo? Disse-lhe que estava cansado. Nascera cansado e entediado (RUBIO, 2005: 7)

Mas, somente ao longo da narrativa quer morrer e, basicamente ao final, deseja ter de volta seu dom para criar todo um mundo mgico, uma vez que j fundamentou, de certa forma, sua essncia; Zacarias vivia melhor aps morrer e, portanto, no se marca pela finitude e pelo fracasso inerente a todo ser humano: Por outro lado tambm no estou morto, pois fao tudo o que fazia antes e, devo dizer, com mais agrado do que anteriormente (RUBIO, 2005: 26); Nessa hora os homens compreendero que mesmo a margem da vida, ainda vivo, porque minha existncia se transmudou em cores (RUBIO, 2005: 32). A morte aparece como liberao, realizao em plenitude, como complementao e essncia da prpria vida. importante ressaltar que, por essncia, trata-se aquilo que h de comum e em que concorda todo verdadeiro. A essncia se d no conceito genrico e universal, que representa o uno que vale igualmente para muitos (CASTRO, 2006). Assim, a construo da identidade a partir da negao da essncia ou essencialismo apenas refora a posio sartriana (CASTRO, 2006). Essncia, quando grafada com letra maiscula est ligada essncia do agir. (...) Agir com sentido a essncia (CASTRO, 2006), pois no possvel agir e criar a sua essncia antes de ter nascido. E existir nessa perspectiva relacionar-se com o mundo, ou seja, com as coisas e com os outros homens (ABBAGNAMO, 1998: 402). O ser humano no tem essncia a priori, ele a vai construindo atravs de seus atos, mesmo o sentimento constitui-se pelos atos que se praticam. (SARTRE, 1973: 17). Assim,m em O pirotcnico Zacarias, tem-se um narrador autodiegtico decidido a no ser jogado num precipcio, mostrando a imporMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

tncia da ao na conquista de seu objetivo: Meus senhores: na luta vence o mais forte e o momento de decises supremas. Os que desejam sobreviver ao tempo tirem os seus chapus (RUBIO, 2005: 26). Ele afirma que em vida se definiu como um ser arguto, confirmando esta afirmao a partir do ato de tentar convencer seus assassinos a no atir-lo no precipcio: Sempre tive confiana na minha faculdade de convencer os adversrios, em meio s discusses (...) A morte no extinguira esta faculdade. E a ela meus matadores fizeram justia (RUBIO, 2005: 30). Enquanto o narrador autodiegtico de O ex-mgico da taberna minhota se construiu como um indivduo que se distanciava dos seres com caractersticas puramente humanas, embora quisesse ser um deles a nusea expressa uma forma de esconder este desejo, pois mesmo nomeando-os semelhantes, era perceptvel que ele era diferente, pois fazia mgica descontroladamente:quando era mgico, pouco lidava com os homens o palco me distanciava deles. Agora, obrigado a constante contato com meus semelhantes, necessitava compreend-los, disfarar a nusea que me causavam. (RUBIO, 2005: 12)

Zacarias morto igualmente impedido de existir como quando era vivo, j que repelido por seus companheiros aps morrer, e eles no buscam conhecer a histria de sua morte:A nica pessoa que poderia dar informaes certas sobre o assunto sou eu. Porm estou impedido de faz-lo porque os meus companheiros fogem de mim, to logo me avistam pela frente. (RUBIO, 2005: 25-26)

A aceitao dos companheiros importante, pois o homem ao escolher-se a si prprio, ele escolhe todos os homens (SARTRE, 1973: 12), ele necessita do outro:o homem que se atinge diretamente pelo cogito descobre tambm os outros, e descobre-o como a condio de sua existncia. D-se conta que no nada, salvo se os outros o reconhecem como tal. (SARTRE, 1973: 22)

Sartre afirma que, embora o Outro seja necessrio,

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seu olhar pode categorizar o ser, impedindo sua completa liberdade, e sendo inimigo do alcance da autenticidade o reconhecimento pleno cuja anttese a m-f (OUTHWAITE, 1996: 293), isto , o inferno so os outros no porque sejam mal, mas porque podem privar-me do sentido da minha liberdade (OUTHWAITE, 1996: 293). O protagonista de O ex-mgico da taberna minhota marcado pela angstia, pois se sente culpado por no ter criado todo um mundo mgico (RUBIO, 2005: 13), por no ter utilizado melhor seus dons, favorecendo a humanidade inteira. Zacarias tambm se angustia por no poder existir completamente aps sua morte, j que seus companheiros se afastavam dele:Havia ainda o medo que sentia, desde aquela madrugada, quando constatei que a morte penetrara no meu corpo. No fosse o ceticismo dos homens, recusando-se aceitar-me vivo ou morto, eu poderia abrigar a ambio de construir uma nova existncia. (RUBIO, 2005: 31)

poria termo ao meu desconsolo. (RUBIO, 2005: 10); Cedo retornou o desassossego, debatia-me em incertezas. (RUBIO, 2005: 12). Zacarias tambm se sente assim, pois teme o seu futuro j que nem a certeza da morte, ele possui:S um pensamento me oprime: que acontecimentos o destino reservar a um morto se os vivos respiram uma vida agonizante? E a minha angstia cresce ao sentir, na sua plenitude, que a minha capacidade de amar, discernir as coisas, bem superior dos seres que por mim passam assustados. (RUBIO, 2005: 32)

O ex-mgico tenta suicdio se tornando um funcionrio pbico e Zacarias, tenta viver aps sua morte, entretanto ambos se encontram em circunstncias que independem deles. No caso do ex-mgico, ele no morre, mas perde seus poderes, e Zacarias no consegue viver normalmente, pois seus companheiros no o aceitam. No preciso somente desejar algo, pois se depende das circunstncias. Assim, encontra-se o desespero, j que os desejos no se concretizaram:quanto ao desespero, esta expresso tem um sentido muito simples. Quer ela dizer que ns nos limitamos a contar com o que depende da nossa vontade, ou com o conjunto das probabilidades, que tornam a nossa ao possvel. (SARTRE, 1973: 18)

Essa angstia caracterizada por Sartre como aquela que no permite escapar do sentimento de total responsabilidade:o homem ligado ao compromisso e que se d conta de que no apenas aquele que escolhe ser, mas de que tambm um legislador pronto a escolher, ao mesmo tempo em que a si prprio, a humanidade inteira. (SARTRE, 1973: 13)

Ela paralela ao sentimento de desamparoe quando se fala de desamparo, expresso querida por Heidegger, queremos dizer somente que Deus no existe e que preciso tirar disso as mais extremas conseqncias (...) no h esperana seno na ao, e que a nica coisa que permite ao homem viver o ato. (SARTRE, 1973: 15-21)

Desta forma, o ex-mgico se desespera por no encontrar apoio em lugar algum, pois o nico ser a fazer mgica imensuravelmente: Nada fazia. Olhava para os lados e implorava com os olhos por um socorro que no poderia vir de parte alguma. (RUBIO, 2005: 9); Urgia encontrar soluo para o meu desespero. Pensando bem, conclu que somente a morteMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

A existncia, por vezes, vista pelos protagonistas de O ex-mgico da taberna minhota e de O pirotcnico Zacariascomo uma priso: Eu, que podia criar outros seres, no encontrava meios de libertar-me da existncia. (RUBIO, 2005: 11); Sem cor jamais quis viver. Viver, cansar bem os msculos, andando pelas ruas cheias de gente e ausentes de homens (RUBIO, 2005: 28) Isto ocorre porque, segundo o existencialismo, o homem est condenado a ser livre. Condenado porque no se criou a si prprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lanado ao mundo, responsvel por tudo quanto fizer (SARTRE, 1973: 15). Embora no teve escolha, responsvel pelos seus atos, pois mesmo ao pedir conselhos, por exemplo, o indivduo escolhe quem ser seu orientador e que tipo de suMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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gesto ir receber. Portanto, a partir desta leitura das narrativas rubianas, percebe-se que as personagens aqui apresentadas o exmgico e Zacarias , agentes da narrativa e representantes do ser humano emprico , abarcam, em suas atitudes, diversos conceitos do existencialismo sartreano, como angstia, desespero e desamparo, fazendo com que essas narrativas reflitam esta perspectiva filosfica.

tos reunidos. 2 ed. So Paulo: tica, 2005, p. 25-32. RUBIO, Murilo, O pirotcnico Zacarias. In: Contos reunidos. 2 ed. So Paulo: tica, 2005, p. 25-32. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo um humanismo In: Os pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1973.

Referncias Bibliogrficas: ABBAGNAMO, Nicola. Dicionrio de filosofia. So Paulo: Martins Fontes, 1998. BRAIT, Beth. A personagem. So Paulo. tica, 2000. CNDIDO, Antnio et al. A personagem de fico. So Paulo: Perspectiva, 1972. CASTRO, Manuel Antnio de. Heidegger e a questo da essncia. In: www.travessiapoetica.com. Arquivo consultado em 25 de julho de 2007. FORSTER, E. M. Aspectos do Romance. Porto Alegre: Editora Globo, 1974. GANCHO, Cndida Vilares. Como analisar narrativas. So Paulo: tica, 1993. MARCONDES, Danilo. Iniciao Histria da Filosofia. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001. OUTHWAITE, Willian et al. Dicionrio do pensamento do sculo XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. REIS, Carlos. Dicionrio de narratologia. Lisboa: Almedina, 2000. RUBIO, Murilo. O ex-mgico da taberna minhota. In: ConMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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TEMAS, TTULOS E EPGRAFES EM MURILO RUBIO: REFLEXES E LEITURAS A PARTIR DE ALFREDO E OS DRAGESEveline Coelho Cardoso - UERJ Pediu o oceano. No fiz nenhuma objeo e embarquei no mesmo dia, iniciando longa viagem ao litoral. Mas, frente ao mar, atemorizei-me com o seu tamanho. (...) e lhe trouxe somente uma pequena garrafa contendo gua do oceano. (RUBIO, 2005: 35)

Um pequeno frasco contendo uma paisagem ocenica sobre um fundo acinzentado eis a porta de entrada de uma verso dos Contos Reunidos de Murilo Rubio, publicados pela editora tica (2005). A julgar pela imagem criada por Silvia Ribeiro, antes mesmo de ler uma linha do livro, o leitor atento pode encontrar j na capa uma espcie de resumo simblico do trabalho do escritor mineiro: sobreposio de uma realidade a outra que lhe parece estranha por meio do texto literrio, entendido como um recipiente que ao mesmo tempo limita e revela as convergncias e divergncias entre essas duas realidades. Tal imagem dialoga com a fala do personagem-narrador do conto Brbara, reproduzida na epgrafe desse ensaio. No conto, buscando atender ao inusitado pedido da mulher, que,Murilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

alis, era um hbito dessa personagem, o narrador empreende uma longa viagem. Entretanto, atemorizado diante da imensido do pedido todo um oceano conforma-se com levar uma pequena amostra dele numa garrafa para Brbara. Mais uma vez uma leitura da prpria obra de Rubio: recortes de uma realidade que causa espanto, estranhamento, trazidos realidade cotidiana do leitor por meio da literatura. Eventos como os pedidos da personagem citada representam o norte para a anlise dos contos rubianos, tendo em vista sua presena em quase todo o seu conjunto. Ora, no comum que uma mulher pea a seu marido que lhe traga o oceano, ou uma estrela, exceto no discurso hiperblico e metafrico dos apaixonados. Menos comum ainda que esse marido encare naturalmente tais pedidos e se prontifique a realiz-los sem nenhum questionamento. Numa leitura do tipo, impossvel que o leitor no se remeta a noes como realidade, possibilidade ou verdade. A criao dessa convivncia de fatos de uma realidade estranha, que vem sendo chamada inslita, com a realidade lgica, natural, do cotidiano, Murilo compartilha com os autores da tradio fantstica, e por esse motivo a crtica o aproxima desse gnero. J se observou, porm, que essa aproximao no se d de forma completa, tendo em vista que os vrios gneros ligados ao que se conhece por fantstico o Maravilhoso, o Fantstico, o Estranho e o Realismo Maravilhoso apresentam traos peculiares no que diz respeito ao inslito, que por sua vez condizem com o momento histrico em que tais gneros se configuram e com um conceito de verdade vigente nesses perodos. Dessa forma, a questo dos gneros perpassa a anlise de Murilo Rubio e envolve uma reflexo sobre o conceito de verdade na Ps-modernidade, momento histrico-cultural que, no dizer de Bauman (1998), por sua capacidade de ocultamento, poderia apagar inteiramente a distino entre verdade e fal-

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sidade. Assim, se no Maravilhoso a verdade divinizada, aceita e nica; no Fantstico questionada diante de uma explicao lgica e outra sobrenatural; e no Realismo-Maravilhoso convivem muitas verdades como possveis; na PsModernidade, poca esfacelada e esfaceladora (Cf. GARCA, 2006), a verdade no existiria. Relacionando-se, ento, fortemente ao fantstico, mas recriando moda de seu tempo os mecanismos que o estruturam, Rubio, entre outros, poderia fazer parte de um novo gnero: o Inslito Banalizado. Um dos traos caractersticos deste novo gnero proposto que est presente em na obra de Murilo Rubio a reao de aceitao das personagens em face dos eventos inslitos, tornando corriqueiro, e nesse sentido banal. O fato, por exemplo, de um homem ir tornando-se transparente ou de uma mulher dar a luz com intervalos de at vinte dias a ninhadas de quatro a cinco bebs. De posse da informao de que Murilo Rubio reescrevia incessantemente seus contos, alterando partes das histrias, seus finais e ttulos, pode-se dizer que o inslito de sua obra comea j em seu processo de gestao. Essa constante reelaborao poderia ser associada ao desejo que o autor mesmo explicita de no terminar a histria, recorrendo assim a uma circularidade para que ela continue de forma diferente a partir de quem l. De fato, Rubio aposta no leitor ao construir sua narrativa, desafiando-o a todo o momento no s pela insero de eventos extraordinrios, tambm pela organizao discursiva dos acontecimentos, geralmente iniciando in media res e com final em aberto, sem um desfecho. Semelhantemente, algumas construes do tempo desrespeitam uma ordem fsica lgica, projetando a ao do presente para o passado ou para o futuro, e at fazendo esses tempos coexistirem. Mas j na abertura dos contos que encontramos pistas slidas daquilo que se configurar como inslito.

Dos 33 contos que totalizam a obra rubiana, 16 deles contm em seu ttulo nomes de personagens. Metade desses no apresenta nenhum determinante, como Elisa, Aglaia e Brbara. Alguns trazem apostos ou outras expresses adjetivas prprias dos personagens, como Teleco, o coelhinho ou O bom amigo Batista. H os que se referem indiretamente aos nomes que apresentam, focalizando, na verdade, temas ligados a eles, como Memrias do contabilista Pedro Incio ou Os trs nomes de Godofredo. Outros trazem eptetos para personagens, cujos nomes no so expressos, como O exmgico da taberna minhota ou A noiva da casa azul. Os demais, como de se esperar de um ttulo, indicam elementos dos contos, contendo ou no expresses explicativas: A fila, A cidade, A casa do girassol vermelho, A flor de vidro. Observe-se que as especificaes presentes nestes ttulos vo de encontro ao senso comum ao levantarem a hiptese da existncia de um girassol de cor vermelha ou de uma flor feita de vidro. Assim, a construo dos ttulos em Rubio pode ser considerada o primeiro elemento indicador do inslito, considerando que sempre sinaliza, se no para o prprio evento, para algo ou algum relacionado a ele. Em Alfredo, inferindo, a partir do ttulo, que o conto trar a histria de um homem, o leitor descobre que sua hiptese s ser em parte confirmada: Alfredo um homem que se transformou em porco, em nuvem, no verbo resolver e, por fim, em dromedrio, migrando para a serra a fim de isolar-se da sua antiga espcie. Em Os Drages, a julgar somente pelo ttulo, poderamos admitir a possibilidade de um conto maravilhoso, em cujo cenrio comum encontrarmos seres como fadas, bruxas, duendes, monstros etc. Ocorre que os drages rubianos aparecem em uma cidade urbana, mais especificamente na vida de um professor o narrador do conto que chega a adotar um deles mediante o abandono social dessa raa na cidade onde

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chegara. Como em Alfredo, o ttulo aponta, portanto, diretamente para o evento inslito. Depois dos ttulos, outro elemento formal, que tambm peculiar em Murilo Rubio, so as epgrafes. Em todos os contos encontramo-nas contendo versculos bblicos, na maioria do Velho Testamento. Jorge Schwartz define a funo desses textos como a de apontar de maneira sinttica e simblica, para os grandes temas a serem discutidos (SCHWARTZ, 1982). Embora no se possa atribuir aos contos um contedo necessariamente cristo, percebe-se em vrias passagens um dilogo com esse iderio, no s no tocante aos temas refletidos nas epgrafes; tambm nomes de personagens e outras referncias diretas a passagens bblicas esto presentes na narrativa rubiana. Vale ressaltar que, no raro, encontramos passagens profticas na fala dos narradores. Isto mostra que no fortuita a retirada da maioria das epgrafes de livros de autoria dos chamados Profetas Maiores (Isaas, Jeremias, Ezequiel, Daniel) e Menores (Habacuque, Zacarias, Miquias), bem como do Apocalipse, para citar uma referncia do Novo Testamento. Um olhar atento s epgrafes pode, assim, encontrar um resumo intertextual do prprio conto. Em Alfredo, a epgrafe retirada do livro de Salmos diz: Esta a gerao dos que o buscam, dos que buscam a face do Deus de Jac. Numa verso bblica de Joo Ferreira de Almeida, o captulo que contm o fragmento se entitula O Rei da Glria entrando em Sio, e contm uma pergunta acerca de quem subir o monte do Senhor, identificando na resposta a gerao a que se refere a epgrafe citada. Na histria narrada, Joaquim, o narrador-protagonista, ouvia constantemente, do vale onde morava, gemidos que despertaram, a princpio, a suspeita de um lobisomem. Numa tarde, ao partir em busca do emissor desses estranhos rumores, Joaquim reconhece Alfredo, seu irmo, no alto da serra, sob o

corpo de um dromedrio. Alfredo fugira para l convencido da impossibilidade de conviver com seus semelhantes a se entredevorarem de dio. Aps o reencontro, Joaquim leva Alfredo para o vale:Depois de beijar a sua face crespa, de ter abraado o seu pescoo magro, enlacei-o com uma corda. Fomos descendo a passos lentos, em direo aldeia. Atravessamos a rua principal, sem que ningum assomasse janela, como se a chegada de meu irmo fosse um acontecimento banal. (RUBIO, 2005: 67)

A descrio da chegada de Alfredo metamorfoseado aldeia, alm de denunciar explicitamente a necessidade de uma redefinio de gnero para Murilo Rubio, dialoga com a epgrafe, permitindo opor a chegada gloriosa do Rei de Sio entrada banalizada de Alfredo na cidade. Tambm possvel comparar a busca dessa personagem com a da gerao citada no salmo: o desejo de tranqilidade o leva e posteriormente a Joaquim ao alto da serra, da mesma forma que os que buscam a face do Deus de Jac subiro o seu santo monte. Em Os drages, a epgrafe um fragmento do livro de J, que, alis, fonte das epgrafes de vrios contos de Rubio. Segundo a narrativa bblica, J fora um homem muito rico que, mesmo tendo perdido todos os bens, a famlia e a sade de repente, mantivera-se fiel a Deus, aguardando a salvao. A epgrafe do conto rubiano est inserida num captulo em que J lamenta o estado miservel em que caiu, descrevendo, por meio de vrias metforas, o seu sofrimento: Fui irmo de drages e companheiro de avestruzes (RUBIO, 2005: 137). Como em Alfredo, a epgrafe tem uma funo resumitiva no conto, sabendo que trar a experincia de um narrador que, mais do que ser irmo de drages, ter um deles como filho. Numa relao de comparao, o estado negativo a que se reduziu J pode ser associado degradao moral dos drages aps o contato com os costumes humanos, de modo que muitos haviam adoecido e morrido, outros fugiam ou eram presos

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sempre pelos mesmos motivos: roubo, embriaguez, desordem (RUBIO, 2005: 139). Curiosamente, num momento histrico-cultural esfacelado e esfacelador, um autor lana mo de fragmentos de um discurso que se pretende nico e inquestionvel enquanto verdade para abrir a narrativa de fatos em que nenhuma verdade predomina. E esse movimento se d no s na introduo das epgrafes, mas tambm no prprio texto, quando esses discursos bblico e ficcional se misturam na narrao, tornando ainda mais inslitos os eventos narrados:Imaginou, ento, que fundir-se numa nuvem que resolvia. Resolvia o qu? Tinha que resolver algo. Foi nesse instante que lhe ocorreu transmudar-se no verbo resolver. E o porco se fez verbo. Um pequenino verbo, inconjugvel. (RUBIO, 2005: 69)

Os narradores tambm denunciam suas angstias. A declarao inicial do conto Alfredo uma fala de Joaquim, que diz: Cansado eu vim, cansado eu volto (RUBIO, 2005: 65), e no por acaso se repete como encerramento do texto, acrescida ainda de um reforo afirmativo: Sim, cansado eu vim, cansado eu volto (RUBIO, 2005: 70). Percebemos a circularidade, ou tendncia para o infinito a que se referiu Schwartz, no sentido de que h um deslocamento, uma passagem, mas o estado inicial do personagem o mesmo: cansao, melancolia (Cf. SCHWARTZ, 1982). De fato, Joaquim, antes de Alfredo, j empreendera uma fuga em busca de tranqilidade, e depois de trazer o irmo aldeia e retornar com ele serra novamente, chega concluso de que tudo foi em vo:Perdera mais uma jornada ao procurar nas montanhas refgio contra as nuseas do passado. De novo, teria que peregrinar por terras estranhas. (...) Alcanaria vales e plancies, ouvindo rolar as pedras, sentindo o frio das manhs sem sol. E agora sem a esperana de um paradeiro. (RUBIO, 2005: 69)

A temtica da metamorfose est presente em vrios contos rubianos. Em Alfredo e Os drages surge numa mo-dupla: enquanto neste os drages adquirem hbitos humanos, naquele o homem quem sofre a transformao em vrios elementos, at se tornar um animal. Mas essa metamorfose, em ambos os casos, no gratuita. A aquisio de outra forma com que se apresentar socialmente tenta atender a uma profunda busca pessoal por tranqilidade ou felicidade, por realizar algo que no se consegue na realidade. Uma busca que, por sinal, sempre frustrada. As personagens rubianas, como Alfredo e os drages, em geral so forasteiras, peregrinas em terra estranha, e nesse sentido, os cenrios sempre opem o lugar de origem e o lugar estranho, a cidade e o interior, o vale e a serra. Na verdade, em Os drages h tambm uma oposio de tempo, sabendo que tais animais, seres fabulosos prprios do imaginrio medieval, teriam sofrido com o atraso dos costumes humanos de hoje. possvel entrever nessas linhas uma crtica degradao do prprio homem, e nesse sentido as noes de tempo e evoluo se tornam inversamente proporcionais.Murilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

Observamos que esse destino desesperanoso e sem rumo o mesmo reservado aos drages por Rubio. Associados de incio a demnios, monstros antediluvianos, ou seres folclricos no conto, os drages acabam tendo, por fim, escravido, doenas, vcios, abandono e extino, finais to reais e humanos quanto o de muitos povos registrados na Histria Universal. Aps terem experimentado, na cidade, a crise da vida humana moderna, seria natural que os forasteiros no quisessem mais viver entre ns:(...) depois disso muitos drages tm passado pelas nossas estradas. E por mais que eu e meus alunos, postados na entrada da cidade, insistamos que permaneam entre ns, nenhuma resposta recebemos. Formando longas filas, encaminham-se para outros lugares, indiferentes aos nossos apelos. (RUBIO, 2005: 142)

Conclui-se que, apesar da irrealidade dos fatos narrados, Murilo Rubio aborda a angstia da prpria existnciaMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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humana frente ao inexplicvel do mundo contemporneo. Um mundo em que bilhes de pessoas se entrecruzam diariamente, habitando e trabalhando em arranha-cus; no obstante tantos meios de comunicao, as relaes se dissipam; com o crescimento do progresso, cresce tambm a corrupo, a pobreza e a violncia; no estranhamos mais a notcia diria do desaparecimento ou da morte de dezenas de pessoas. Em outras palavras, na obra rubiana, contemplamos nada menos que o inslito do prprio cotidiano, o carter sobrenatural do natural, o incomum do comum. E, semelhana da reao da personagem Brbara diante do frasco que o marido lhe traz, ficamos sofregamente maravilhados, mais uma vez, com a literatura. Portanto, apresenta-nos de forma sempre surpreendente e prazerosa a grandeza atemorizante desse oceano que a vida humana.

MUITO PRAZER, RUBIO: UMA BREVE VISITA OBRA DE MURILOJordo Pablo Rodrigues de Po - UERJ

Referncias Bibliogrficas: BAUMAN, Zygmunt. Sobre a verdade, a fico e a incerteza. In: O Mal-Estar da Ps-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. GARCA, Flavio. Tendncias da narrativa curta de Murilo Rubio e Mndez Ferrn: percursos estticos aproximativos. In: MALEVAL, Maria do Amparo Tavares; PORTUGAL, Francisco Salinas. (Org.). Estudos galego-brasileiros n. 2. A Corua: Universidade da Corua/ Servizo de Publicacins, 2006, p. 209-223. SCHWARTZ, Jorge. Um mestre do Fantstico. In: RUBIO, Murilo. Murilo Rubio: Literatura Comentada. So Paulo: Abril, 1982. RUBIO, Murilo. Contos reunidos. So Paulo: tica, 2005.

Como outrora fizeram Umberto Eco (1994) e Flvio Carneiro (2001), prope-se aqui um passeio que, embora mais curto, proporcione ao leitor uma viso completa do tema abordado. Neste, que est diante de seus olhos, construir-se- um painel da obra do cuidadoso Murilo Rubio. Para tanto, foram fundamentais as reflexes feitas durante o primeiro semestre letivo de 2007 nas reunies do grupo do Seminrio Permanente de Estudos Literrios SePEL.UERJ, realizadas na Faculdade de Formao de Professores, campus da UERJ So Gonalo. O corpus deste trabalho so as narrativas de Contos Reunidos, de Murilo Rubio, publicadas pela Editora tica em 2005. A elas agrupam-se as colaboraes tericas do grupo j mencionado, especialmente as do professor Flavio Garca, orientador do mesmo, e a audincia de aulas ministradas pelo mestre Marco Aurlio Pinheiro de Medeiros, que revelou-me o mundo literrio no-clssico. Nada mais a acrescentar, sigamos em frente. O mestre de cerimnia so os eventos inslitos, entendidos como aqueles que no so freqentes de acontecer, so raros, pouco costumeiros, inabituais, inusuais, incomuns (...) enfim, surpreendem ou decepcionam o senso comum (GARCA, 2007: 19). Eles esto em quase todas as produes do autor e podem desempenhar duas funes no enredo: a) podemMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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ser essenciais, fazendo-se centro das aes textuais e, conseqentemente, insubtraveis; b) podem ser ocasionais, sendo apenas elementos que dialogam com a estrutura e sua retirada no se reverte em desconstruo da narrativa. Falando de Rubio, nota-se uma clara preferncia pelo primeiro caso. Em O homem do bon cinzento so muitas as mudanas que Anatlio, homem que vai desaparecendo at se transformar numa bolinha negra a rolar por entre os dedos do narrador, causa em si mesmo e em sua famlia. Toda a construo do enredo aponta para a insolidez dessa personagem. Rubio escreve: Antes de sua vinda, a nossa rua era o trecho mais sossegado da cidade (RUBIO, 2005: 71). E ainda: No foram poucos os que se impressionaram com o procedimento do solteiro (RUBIO, 2005: 72). Caso queira-se retirar essa personagem (Anatlio) da narrativa, o texto desmorona. necessrio estar atento para a singularidade dos contos rubianos. Raramente h universalidades. Enquanto o texto acima citado utiliza muitos elementos inslitos na sua construo, em Oflia, meu cachimbo e o mar no h inslito, por exemplo. Eis o grande problema: impossvel fazer uma frma para a escritura desse autor. Os ttulos de Rubio, cheios de significado e em pleno exerccio, geralmente focam o evento inslito. O leitor encaminhado para a identificao das particularidades do ser remetido, o que beneficia a percepo de ruptura da ordem. Os drages um desses: alm de j apontar para uma esfera irreal (real no sentido de experincia cotidiana), aquele que se prope a ler fica em estado de alerta para essas figuras. Na primeira linha, uma meno: Os primeiros drages que apareceram na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes (RUBIO, 2005: 137). O autor no trai o leitor: drages so a base do texto. Os drages receberiam nome na pia batismal e seriam alfabetizados (RUBIO, 2005: 138); Odorico, o mais velho dos drages, trouxe-me as maiores contrariedades (RU-

BIO, 2005: 139). Aliado a esse fator, a forte presena de eventos inslitos solicita uma leitura atenta e, conseqentemente, a narrativa mantm certo distanciamento, que dificulta a fuso entre emoo e anlise cientfica. No os dissocia bom deixar claro -, o que implicaria a perda da experincia esttica, mas totaliza a atividade literria. Os contos de Murilo Rubio so precedidos de epgrafes. Esse fato se revela instigante quando se observa a biografia do autor: era ateu. No entanto, os trechos escolhidos so bblicos, e sua participao decisiva ao se entender o contexto no qual inserido, revelando um conhecimento significativo do livro sagrado dos cristos. Em geral, prenunciam a temtica do conto e auxiliam na construo de uma expectativa, que s pode obter uma resposta atravs da leitura. Eu vi um cu novo e uma terra nova; porque o primeiro cu e a primeira terra se foram e o mar j no (Apocalipse, XXI, 1, citado por RUBIO, 2005: 169) a epgrafe de Epidlia, apontando para algo revolucionrio e grandioso, que se consolida no plano ficcional:Atrs dele ajuntavam-se crianas, formando um cortejo a que em seguida se incorporariam adultos homens e mulheres, moos e velhos unidos todos em unssono grito: Epidlia, Epidlia, Epidlia. (RUBIO, 2005: 177-8)

Partindo do gigante e chegando ao vazio, notvel que as ausncias so marcas fundamentais da obra rubiana. Manifesta-se em diversos estgios narrativos, o que comum em textos sob a influncia inslita, visto que esses so, em grande parte dos casos, rodeados por falta de explicaes. O leitor surpreendido pelos contos, pois o primeiro pargrafo parece estar num enredo maior, o qual ele temporariamente privado de conhecer. Na leitura, surgem acontecimentos que estabelecem as ligaes entre os elementos, possibilitando a familiarizao com o universo ficcional. o caso de A dispora, em que um grupo de operMurilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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rios liderados por Roque Diadema tenta construir uma ponte numa cidadezinha. O chefe trava uma srie de embates a fim de conseguir seu intento. Entretanto, no h referncia do motivo para a construo. Um grande silncio. Em muitos textos tambm h uma falta posterior. Terminam no clmax, ausentando as conseqncias daquelas aes que prenderam a leitura. Abrem uma fenda entre as expectativas do leitor e a realizao da narrativa. Observe-se Aglaia: a narrativa d conta de uma mulher que, apesar de usar mtodos anticoncepcionais e ter o tero perfurado, entrega ao mundo, continuamente, ninhadas de filhos. O marido resolve ir embora e chama a parteira para auxiliar a mulher num novo parto. Explicaes no existem. o silncio que proporciona um exerccio criador quele que l. Murilo Rubio ainda utiliza algumas personagens que, em plena narrativa, desaparecem ou retornam. Quando somem, emerge na escritura um relato das sensaes que esse ato causa no narrador. Quando aparecem, so incorporadas, na maior parte das vezes, sem questionamentos. Elisa pode ser vista nessa perspectiva. Ela volta no incio do texto: Empurrou com naturalidade o porto que vedava o acesso ao pequeno jardim, como se obedecesse a hbito antigo e Logo a desconhecida se adaptou aos nossos hbitos (RUBIO, 2005: 47), mas no h perguntas incisivas sobre a atitude dela. Elisa simplesmente est. No fim, vai embora, e a preocupao do narrador e de sua irm se resume a duas perguntas feitas por ela: E Elisa? Como poder encontrar-nos ao regressar? (RUBIO, 2005: 49). Lacunas abertas, buracos, vazio... As cores so elementos que Rubio utiliza em grande escala nas suas narrativas. Tm cargas semnticas muito prprias e intensas. Sendo assim, do uma contribuio valiosssima para a anlise textual. Em Bruma (A estrela vermelha), a narrativa permite a associao da personagem-ttulo com uma estrela vermelha, que a cor da intensidade, caracterstica prpria de Bruma. Ao me le-

vantar, prestes a findar a tarde, estendia-se na minha frente uma estrela vermelha. Pouco a pouco, ela se desdobrou em cores. Todas as cores (RUBIO, 2005: 124). Bruma desaparecera para sempre, uma vez que se torna todas ao mesmo tempo. Logo, impossvel uma leitura que se queira completa de Rubio sem pensar na magia cromtica. Seja para se opor e, conseqentemente, enfatizar o contraste, seja para corroborar o plano. Simbolicamente, tem-se um elemento valiosssimo. A alternncia de planos temporais outro trao rubiano marcante. Nem todas as narrativas de Murilo apresentam semelhante intensidade de jogo com o tempo, mas vez ou outra se encontra o passado, volta-se ao presente ou fala-se sobre o futuro. O tempo mantm a ateno, pede uma releitura, requer entrega na atividade. No conto A noiva da casa azul, o narrador viaja para Juparassu a fim de encontrar sua namorada, que lhe mandara um bilhete. Chegando l, depara-se com uma cidade em runas, onde encontra um morador que parece estar adiantado no tempo, a no ser que Dalila esteja em outro tempo. Logo, uma confuso se instaura na cabea do leitor, mas no na do narrador, que banaliza esse fato e vai at a casa azul de sua namorada. Como deve ter observado at aqui, Rubio opta, na maioria das vezes, por nomes incomuns para suas personagens: Bruma, Og, Epidlia, Aglaia, Anatlio, Pererico... Denominaes que reforam a individualidade das personalidades e dos enredos especialmente inslitos. Mais um trao da preocupao do autor com o acabamento de suas criaes. Ele tem um pequeno nmero de produes por ficar muito tempo escrevendo e reescrevendo cada uma delas. E nos d mais combustvel para visitar seu mundo. Em Os trs nomes de Godofredo, Murilo joga com a caracterstica bsica dos nomes delimitar algo. Para o leitor, fica a indagao: existem personagens em planos diferentes que interagem ou so todos um s? Ao criar um texto interro-

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gativo, as identidades ficcionais so questionadas, e aquele se transforma em um grande espao de discusses. Alguns contos trazem tambm essa crise de identidade, to presente no mundo contemporneo, atravs de uma anomalia corporal. Os problemas que surgem so temticas recorrentes do mundo de hoje, proporcionando leituras que remetem nossa realidade. Teleco, o coelhinho tem como enredo um bichano que sofre com as metamorfoses incontrolveis. Essa mudana contnua para outros animais surge da vontade de no desagradar e, sem controle, tem um efeito desfavorvel: no consegue estabelecer relaes slidas. Teleco acaba no tendo identidade. Um outro conto de Murilo Rubio muito referenciado O ex-mgico da Taberna Minhota. Deparamo-nos com um indivduo que no controla as suas habilidades mgicas e tenta se livrar da vida de uma vez. Mas no consegue. At que ouvira de um homem triste que ser funcionrio pblico era suicidar-se aos poucos (RUBIO, 2005: 11). E se emprega. Desconcerto que aparece como forma de instabilidade do eu. A morte, alis, uma temtica amplamente utilizada pelo autor. O fim da vida ou marca o desfecho ou acontece no incio/meio do texto, e o leitor passa a acompanhar seus reflexos nas aes das personagens. So dois caminhos completamente diferentes, mas que ressaltam a morte enquanto transformao e, conseqentemente, como fato imprescindvel no enredo. No conto O pirotcnico Zacarias, o narrador-morto tenta fazer com que as pessoas os escutem, mas no consegue, uma vez que ningum se aproxima de uma alma penada ou de um desconhecido naquela situao. Rememora todo o processo de sua morte e reflete sobre o que falecer. J em A fila, a morte aparece no final para solucionar as aes anteriores. Aps uma longa temporada na fila interminvel e no zoolgico, Pererico recebe a notcia de uma morte importante, que o libera de todas as privaes vividas naquele

lugar. No fim, a despedida de sua companheira de estadia. Figuras femininas normalmente esto nos textos rubianos e, em boa parte dos casos, so a base dos mesmos. Para se verificar isso, basta pegar o ndice do livro-base deste trabalho, Contos Reunidos, e verificar que os ttulos de dez das trinta e trs narrativas referenciam mulheres. Mas elas diferenciam-se atravs do papel que exercem na narrativa. Em Brbara, est uma mulher pedinte de coisas muito complicadas ou impossveis, como um baob e o oceano: ela a portadora de todo inslito que perpassa o texto. Em Oflia, meu cachimbo e o mar, uma personagem secundria; fundamental, entretanto, para que os pensamentos do narrador venham tona. Significativo tambm nesse autor o grande nmero de edificaes. Para s citar algumas, temos a ponte de A dispora, a Companhia de A fila, os prdios de O edifcio e o de A armadilha. Mais do que simples elementos, elas tm presena decisiva tanto na criao de uma esfera sombria para algumas narrativas quanto como estopim para outras. O edifcio do conto que recebe esse nome no ttulo, por exemplo, no pra de crescer, e justamente por isso que as aes narrativas se desenvolvem. Mais de cem anos foram necessrios para se terminar as fundaes do edifcio que, segundo o manifesto da incorporao, teria ilimitado nmero de andares (RUBIO, 2005: 159). Alm disso, os meios de transporte e a conseqente mudana de espao podem ser percebidos muitas vezes nos textos rubianos. o caso de A cidade, em que uma personagem presa simplesmente por fazer perguntas. A primeira delas feita num trem no incio do conto. Destinava-se a uma cidade maior, mas o trem permaneceu indefinidamente na antepenltima estao (RUBIO, 2005: 57). Aqui se chega tambm ao fim de nossa visita. Espera-se que tenha apreciado o passeio pela obra de Murilo Rubio em

Murilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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Murilo Rubio e a narrativa do inslito / ISBN 978-85-86837-31-9 / Dialogarts 2007

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que se tentou ser cicerone.

Referncias Bibliogrficas: CARNEIRO, Flvio. Entre o cristal e a chama: ensaios sobre o leitor. Rio de Janaeiro: EdUERJ, 2001. ECO, Umberto. Seis passeios pelo bosque da fico. So Paulo, Companhia das Letras, 1994. GARCA, Flavio. O inslito na narrativa ficcional: a questo e os conceitos na teoria dos gneros literrios. In: GARCA, Flavio (org.). A banalizao do inslito: questes de gnero literrio mecanismos de construo narrativa. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2007. RUBIO, Murilo. Contos Reunidos. 2 ed. So Paulo: tica, 2005. O PIROTCNICO ZACARIAS SE ENQUADRA NO FANTSTICO OU NO INSLITO BANALIZADO?Luana Castro dos Santos Braz - UERJ

A palavra fantasia considerada um gnero de arte que usa a magia e outras formas sobrenaturais como elemento primrio de uma histria. Este gnero geralmente distinguido de Fico Cientifica e Horror pelo aspecto geral e pelos temas de cada autor individual. De modo geral, o termo fantasia cobre trabalhos de escritores, artistas e msicos, desde mitos e lendas at obras mais recentes, conhecidas por uma vasta audincia. O termo fantstico oriundo do latim phantasticus (-a, -um), que, por sua vez, provm do grego (phantastiks) ambas as palavras provenientes da palavra (phantasia) fantasia e refere-se ao que criado pela imaginao, o que no existe na realidade. Todo texto fantstico torna-se distante da realidade dos homens e possui elementos inverossmeis, imaginrios, inconcebveis, fabulosos, inexplicveis, surreais, inslitos e produzem uma grande sensao de hesitao nas pessoas que esto lendo a narrativa. Porm, Selma Calasans Rodrigues afirma que o fantstico aplica-se, portanto, melhor a um fenmeno de carter artstico, como a literatura, cujo universo sempre ficcional por excelncia, por mais que se queira aproxim-la do real (RODRIGUES, 1988: 9). Tanto no cinema quanto na literatura, o gnero fantstico possui as me