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´ Algebra Am´ ılcar Pacheco Universidade Federal do Rio de Janeiro (Universidade do Brasil), Departamento de Matem´ atica Pura E-mail address : [email protected]

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Algebra

Amılcar Pacheco

Universidade Federal do Rio de Janeiro (Universidade do Brasil),Departamento de Matematica Pura

E-mail address: [email protected]

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Sumario

Capıtulo 1. Preliminares 11.1. Relacao de equivalencia 21.2. Lema de Zorn e aplicacoes 3

Parte 1. Numeros Inteiros 5

Capıtulo 2. Algoritmos Euclideanos 72.1. O algoritmo euclideano para numeros inteiros 72.2. Maximo divisor comum 82.3. Aneis e ideais 9

Capıtulo 3. Fatoracao de inteiros 113.1. Existencia 113.2. Unicidade 113.3. MDC e fatoracao 123.4. Aplicacoes 133.5. Funcoes aritmeticas elementares 15

Capıtulo 4. Inducao finita 194.1. Enunciados 194.2. Exemplos da inducao na sua primeira forma 194.3. Exemplos da inducao finita na sua segunda forma 20

Capıtulo 5. Numeros primos 235.1. Infinidade de primos 235.2. Primos em progressoes aritmeticas 245.3. Infinidade de compostos por funcoes polinomiais 265.4. Numeros de Fermat e Mersenne 275.5. Contando numeros primos 275.6. Funcao zeta 30

Capıtulo 6. Aritmetica modular 356.1. Aritmetica modular 356.2. Criterios de divisibilidade 376.3. Contando elementos inversıveis 38

Capıtulo 7. Sistemas de congruencia 397.1. Equacoes diofantinas 397.2. Equacoes lineares 397.3. Sistemas de equacoes lineares 407.4. Teorema Chines dos Restos 41

iii

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iv SUMARIO

7.5. Aplicacao 41

Capıtulo 8. Aplicacoes da teoria de grupos a teoria elementar dos numeros 438.1. Primalidade de numeros de Mersenne 438.2. Primalidade de numeros de Fermat 438.3. Numeros de Carmichael 448.4. Teorema da raiz primitiva 45

Parte 2. Grupos 47

Capıtulo 9. Teoria de Grupos I 499.1. Definicao e exemplos 499.2. Subgrupos 529.3. Classes Laterais e Teorema de Lagrange 549.4. Ordem de elemento e expoente de grupo abeliano 55

Capıtulo 10. Teoria de grupos II 5910.1. Subgrupos normais e grupos quocientes 5910.2. Homomorfismo de grupos 6110.3. Produtos de grupos 6410.4. Grupos metacıclicos 6810.5. Classificacao de grupos de ordem ≤ 11 70

Capıtulo 11. Teoremas de Sylow 7311.1. Represesentacoes de grupos 7311.2. Os teoremas de Sylow 7511.3. Exemplos 77

Capıtulo 12. Grupos soluveis 7912.1. Teorema de Jordan-Holder 7912.2. Grupos soluveis 81

Capıtulo 13. Grupos abelianos finitamente gerados 8513.1. Modulos sobre aneis 8513.2. Diagonalizacao de matrizes 8613.3. Geradores e relacoes para modulos 8713.4. O teorema de estrutura 89

Parte 3. Aneis 91

Capıtulo 14. Aneis de polinomios 9314.1. Algoritmo da divisao 9314.2. Maximo divisor comum de polinomios 9514.3. Fatoracao unica de polinomios 97

Capıtulo 15. Aneis e domınios 10115.1. Domınios euclideanos 10115.2. Domınios fatoriais 10615.3. Fatores multiplos e resultante 10815.4. Aneis quocientes e teorema chines dos restos 11015.5. Aplicacoes 115

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SUMARIO v

Parte 4. Corpos 117

Capıtulo 16. Extensoes finitas 119

Capıtulo 17. Extensoes algebricas 12317.1. Elementos algebricos e transcendentes 12317.2. Extensoes algebricas 12417.3. Adjuncao de raızes 12617.4. Fechos algebricos 127

Capıtulo 18. Extensoes separaveis 13318.1. Corpos Finitos 137

Capıtulo 19. Extensoes puramente inseparaveis 139

Capıtulo 20. Corpos de decomposicao e extensoes normais 14320.1. Exemplos 146

Capıtulo 21. Teoria de Galois 14921.1. Correspondencia de Galois 14921.2. Extensoes e subgrupos normais 15221.3. Coeficientes e raızes 153

Capıtulo 22. Extensoes ciclotomicas 155

Capıtulo 23. Extensoes cıclicas 159

Capıtulo 24. Solubilidade por radicais 165

Parte 5. Topicos adicionais 169

Capıtulo 25. O problema inverso de Galois 17125.1. Grupo Sn 17125.2. Grupo An 17525.3. Metodo geral 175

Capıtulo 26. Teoria de Galois infinita 17726.1. Limite inverso 17726.2. Completamento de um grupo 17826.3. Teoria de Galois infinita 179

Capıtulo 27. Teoria de transcendencia 18127.1. Bases de trasncendencia 18127.2. Transcendencia de e 18127.3. Transcendencia de π 18127.4. Elementos de teoria de transcencencia 181

Bibliografia - Livros 183

Bibliografia - Artigos 185

Indice Remissivo 187

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CAPıTULO 1

Preliminares

Ao longo deste livro dentoraremos por N o conjunto dos numeros naturais, Z oconjunto dos numeros inteiros, Q o conjunto dos numeros racionais, R o conjuntodos numeros reais e C o conjunto dos numeros complexos. Para todo x ∈ Cdenotamos por |x| seu valor absoluto usual, i.e., se x = a + bi com a, b ∈ R,entao |x| :=

√a2 + b2. Para todo x ∈ R denotamos seu valor absoluto usual por

|x| := x, se x ≥ 0, e |x| := −x, se x < 0.Sejam S e T conjuntos. Uma funcao f : S → T e dita injetiva toda vez que

x 6= y implicar f(x) 6= f(y). Isto tambem equivale a dizer que se f(x) = f(y),entao x = y. A funcao f e dita sobrejetiva, se f(S) = T .

Lema 1.1. Sejam S′ e R conjuntos. Entao existe um conjunto S′1 e bijecaoϕ0 : S′ → S′1 tal que S′1 ∩R = ∅.

Axioma 1.2 (axioma da boa ordenacao). Todo subconjunto nao vazio de Npossui um menor elemento.

Seja n ≥ 1 inteiro. Sejam x, y variaveis. Considere o produto notavel

xn − yn = (x− y)(xn−1 + xn−2y + . . .+ xyn−2 + yn−1.

Podemos obter dele a soma de n termos de uma progressao geometrica de razao q.Digamos que os termos sejam a, aq, · · · , aqn−1

. Assim,

a+ aq + . . .+ aqn−1 = aqn − 1q − 1

.

Basta na formula anterior tomar x = q e y = 1.Para inteiros 1 ≤ m ≤ n definimos o numero binomial(

n

m

):=

n!m!(n−m)!

,

onde n! := n(n− 1) . . . 1.Lembre-se [Sp, p. 632] das seguintes expansoes em series

11− x

= 1 + x2 + x3 + . . .+ xn + . . . ;

log(1− x) = x+x2

2!+x3

3!+ . . .+

xn

n!+ . . . .

Dado um numero real x denotamos por dxe a parte inteira de x, ou seja, omaior numero inteiro menor ou igual a x.

Para todo inteiro n ≥ 1 e numero primo p, a ordem p-adica ordp(n) de n edefinida por pordp(n) e a potencia exata de p que divide n.

1

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2 1. PRELIMINARES

1.1. Relacao de equivalencia

Seja X um conjunto. Uma relacao binaria R e um subconjunto de X × X.Dado um par (a, b) ∈ R dizemos que a e relacionado a b e denotamos por aRb. Porexemplo, podemos tomar como X o conjunto de retas do plano e como R a relacaode ortogonalidade.

Uma relacao de equivalencia em um conjunto X e uma relacao binaria ∼ satis-fazendo as seguintes condicoes:

(1) x ∼ x (reflexividade).(2) Se x ∼ y, entao y ∼ x (simetria).(3) Se x ∼ y e y ∼ z, entao x ∼ z (transitividade).

Exemplo 1.3. Seja X = Z e ∼ a relacao ≡ (mod n) definida por: dadosa, b ∈ Z, a ≡ b (mod n) se e somente se n | (a − b), i.e., existe k ∈ Z tal quea− b = kn. Isto define uma relacao de equivalencia. De fato,

(1) a− a = 0 = 0.n.(2) Se a ≡ b (mod n), entao existe k ∈ Z tal que a−b = kn, logo b−a = (−k)n

e b ≡ a (mod n).(3) Se a ≡ b (mod n) e b ≡ c (mod n), entao existem k, l ∈ Z tais que a−b =

kn e b− c = ln. Somando estas duas igualdades obtemos a− c = (k+ l)n,logo a ≡ c (mod n).

Exemplo 1.4. Seja X = Z × Z − 0. Definimos dois pares (a, b), (c, d) ∈ Xcomo equivalentes, denotando (a, b) ∼ (c, d) se e somente se ad = bc. Isto defineuma relacao de equivalencia. De fato,

(1) ab = ba, logo (a, b) ∼ (a, b).(2) Suponha que (a, b) ∼ (c, d), i.e., ad = bc. Logo cb = da, i.e., (c, d) ∼ (a, b).(3) Suponha que (a, b) ∼ (c, d) e (c, d) ∼ (e, f), i.e., ad = bc e cf = de. Logo

af = bcd f = bcf

d = bded = be, i.e., (a, b) ∼ (e, f).

Seja X um conjunto e ∼ uma relacao de equivalencia em X. Definimos a classe[a] de um elemento a ∈ X por [a] = b ∈ X | b ∼ a. Note que [a] e um conjunto.

Lema 1.5. Seja X um conjunto e ∼ uma relacao de equivalencia em X. Dadosa, b ∈ X, temos que a ∼ b se e somente se [a] = [b].

Demonstracao. Suponha que [a] = [b]. Observe que a ∈ [a], pois a ∼ a.Logo a ∈ [b], i.e., b ∼ a, portanto a ∼ b.

Reciprocamente, suponha a ∼ b e c ∈ [a], i.e., c ∼ a. Por transitividade, c ∼ b,i.e., c ∈ [b]. Suponha d ∈ [b], i.e., d ∼ b. Por simetria, b ∼ a, por transitividade,d ∼ a, i.e., d ∈ [a].

Corolario 1.6. Seja X um conjunto e ∼ um relacao de equivalencia em X.Entao a b se e somente se [a] ∩ [b] = ∅.

Demonstracao. Note que se a ∼ b, entao [a] ∩ [b] = [a] = [b] 6= ∅. Por outrolado, se existisse c ∈ [a] ∩ [b], entao c ∼ a e c ∼ b. Por simetria, a ∼ c e portransitividade a ∼ b, o que e uma contradicao.

Corolario 1.7. Seja X um conjunto e e ∼ um relacao de equivalencia em X.

Entao X =·⋃

a[a], onde·⋃

a[a] denota a uniao disjunta das classes de equivalenciaem X.

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1.2. LEMA DE ZORN E APLICACOES 3

Demonstracao. Observe que o lado direito esta claramente contido no ladoesquerdo. Reciprocamente, pelo corolario anterior dado x ∈ X existe uma unicaclasse de equivalencia [a] tal que x ∈ [a].

Seja X um conjunto e e ∼ um relacao de equivalencia em X. Definimos X :=X/ ∼:= [a] | a ∈ X como o conjunto das classes de equivalencia de ∼ em X. Nocaso particular em que X = Z e ∼ e ≡ (mod n), denotamos a classe [a] de a ∈ Zpor a. Neste caso, X e denotado por Z/nZ.

1.2. Lema de Zorn e aplicacoes

Definicao 1.8. Um conjunto M e dito parcialmente ordenado, se existe umarelacao ≤ em M satisfazendo as seguintes condicoes

(1) (reflexividade) a ≤ a, para todo a ∈M.(2) (Transitividade) Dados a, b, c ∈M, se a ≤ b e b ≤ c, entao a ≤ c.(3) (Anti-simetria) Dados a, b ∈M, se a ≤ b e b ≤ a, entao a = b.

Esta ordem sera dita total, se para quaisquer a, b ∈M temos a ≤ b ou b ≤ a. Nestecaso dizemos que M e um conjunto totalmente ordenado.

Definicao 1.9. Seja M um conjunto parcialmente ordenado. Um elementom ∈ M e dito um elemento maximal de M, se dado a ∈ M tal que a ≤ m, entaoa = m. Um elemento c ∈ M e dito um limite superior para M, se para todoa ∈M temos a ≤ c. O conjunto M e dito indutivo, se todo subconjunto totalmenteordenado L ⊂M possui limite superior. Neste caso, M 6= ∅.

Lema 1.10 (lema de Zorn). (ver [vWa, §69]) Todo conjunto parcialmente or-denado indutivo possui elemento maximo.

Lema 1.11 (lema de Krull). Seja R um anel comutativo com unidade. Todoideal nao nulo a de R esta contido em algum ideal maximal m de R.

Demonstracao. Considere o conjunto N de todos os ideais b ( R contendoa. E imediato que este conjunto e parcialmente ordenado com respeito a relacao deinclusao de conjuntos. Seja L ⊂ N um subconjunto totalmente ordenado e

C :=⋃b∈L

b.

Segue de um exercıcio do capıulo de domınios euclideanos que C e um ideal de R.Alem disto, este ideal e proprio, do contrario, existiria b ∈ L tal que 1 ∈ b, o quecontradiria b ( R. Por construcao, o ideal C e um limite superior para L. Emparticular, pelo lema de Zorn, existe m elemento maximo de N. Novamente porconstruacao m e maximal e contem a.

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Parte 1

Numeros Inteiros

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CAPıTULO 2

Algoritmos Euclideanos

O objetivo deste capıtulo e descrever o algoritmo euclideano que permite di-vidir um numero inteiro por outro, definir a nocao de maximo divisor comum denumeros inteiros e provar o algoritmo euclideano estendido que da uma relacao dedependencia linear entre o maximo divisor comum e os numeros inteiros atraves danocao de ideais.

2.1. O algoritmo euclideano para numeros inteiros

Definicao 2.1. Sejam a, b ∈ Z. Dizemos que a divide b ou que b e divisıvelpor a e denotamos a | b se existe c ∈ Z tal que ac = b.

Proposicao 2.2. A divisibilidade satisfaz as seguintes propriedades:(1) (Cancelamento). Se c 6= 0 e ac | bc, entao a | b.(2) (Transitividade). Se a | b e b | c, entao a | c.

Demonstracao. (1) Existe α ∈ Z tal que αac = bc, i.e., c(b− αa) = 0. Maso produto de dois inteiros e igual a zero implica em que um dos inteiros e nulo.Observe que c 6= 0, assim b = ac, i.e., a | b.

(2) Existem α, β ∈ Z tais que b = αa e c = βb, substituindo a primeiraigualdade na segunda, obtemos c = βαa, i.e., a | c.

Teorema 2.3 (algoritmo de Euclides). Sejam a, b ∈ Z com b 6= 0. Entaoexistem q, r ∈ Z tais que

a = bq + r, onde 0 ≤ |r| < |b|.

Se a, b ≥ 0, entao q e r sao unicamente determinados por a e b.

Demonstracao. Suponha inicialmente que a, b ≥ 0. Se a < b tome q = 0 er = a. Suponha que a ≥ b. Considere o conjunto S := k ≥ 1 inteiro | kb > a. Esteconjunto e um subconjunto nao vazio de N. Assim, pelo axioma da boa ordenacao(axioma 1.2) existe q + 1 ∈ S tal que q + 1 ≤ x para todo x ∈ S. Logo q /∈ S, i.e.,a ≥ bq. Seja r := a− bq, portanto 0 ≤ r < (q + 1)b− b = b.

• Se a < 0 e b > 0, divida a′ := −a por b com quociente q′ e resto r′ e tomeq := −q′ e r := −r′.

• Se a < 0 e b < 0, divida a′ := −a por b′ := −b com quociente q′ e resto r′

e tome q := q′ e r := −r′.• Se a > 0 e b < 0, divida a por b′ := −b com quociente q′ e resto r′ e tomeq := −q e r := r′.

Para provar a unicidade suponha que

a = bq1 + r1 = bq2 + r2, onde 0 ≤ r1, r2 < b.

7

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8 2. ALGORITMOS EUCLIDEANOS

Basta provar que r1 = r2, pois neste caso bq1 = bq2 e como b 6= 0, pela propriedadedo cancelamento, q1 = q2. Suponha r1 < r2. Neste caso,

r2 − r1 = b(q1 − q2) ≥ b, mas r2 − r1 ≤ r2 < b.

Similarmente, nao podemos ter r1 > r2.

2.2. Maximo divisor comum

Definicao 2.4. Sejam a, b ∈ Z. Dizemos que d ∈ Z e um maximo divisorcomum de a e b, denotado por mdc(a, b) se

(1) d | a e d | b; (por isto d e dito um divisor comum de a e b.)(2) Para todo d′ ∈ Z tal que d′ | a e d′ | b, d′ | d.

Observacao 2.5. • A nocao de mdc esta bem definida a menos desinal. De fato se e for um outro mdc de a e b, entao por (2) e | d e d | e,ou seja existem α, β ∈ Z tais que d = αe = αβd, portanto αβ = 1, i.e.,α ∈ ±1. Assim quando dizemos o mdc de a e b referimo-nos a escolhade d positiva.• mdc(a, b) = mdc(−a,−b) (exercıcio).• Se b | a, entao mdc(a, b) = b (idem).• Denote por Da,b o conjunto dos divisores comuns positivos de a e b. Note

que para qualquer x ∈ Da,b temos que x ≤ mina, b. Assim, este con-junto e finito. Fica novamente como exercıcio verificar que mdc(a, b) ejustamente o elemento maximo de Da,b.

Lema 2.6. Sejam a, b ≥ 1 inteiros e a = bq + r onde 0 ≤ r < b a divisao de apor b. Entao mdc(a, b) = mdc(b, r).

Demonstracao. Basta mostrar que os conjuntos Da,b e Db,r sao coincidem.De fato, neste caso seus elementos maximos sao iguais, o que prova o lema. Sejae ∈ Da,b, digamos a = eα e b = eβ para α, β ∈ Z. Logo r = a − bq = e(α − βq),i.e., e | r, i.e., e ∈ Db,r, i.e., Da,b ⊂ Db,r. Seja f ∈ Db,r, digamos b = fβ′ e r = fγpara β′, γ ∈ Z. Entao a = bq + r = f(β′q + γ), i.e., f | a, i.e., f ∈ Da,b, i.e.,Db,r ⊂ Da,b.

Teorema 2.7. Sejam a, b ≥ 1 inteiros. Consideremos a sequencia de divisoessucessivas:

(2.1)

a = bq1 + r1, 0 < r1 < b

b = r1q2 + r2, 0 < r2 < r1

......

rn−2 = rn−1qn + rn, 0 < rn < rn−1

rn−1 = rnqn+1,

onde rn e o ultimo resto nao nulo na sequencia de divisoes. Entao mdc(a, b) = rn.

Demonstracao. Notemos inicialmente que em (2.1) terıamos que ter umprimeiro resto nulo, rn+1, pois

b > r1 > r2 > · · · ≥ 1

e nao existe uma sequencia estritamente descendente infinita de numeros inteirospositivos.

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2.3. ANEIS E IDEAIS 9

Pelo lema anterior aplicado a cada linha de (2.1) obtemos

mdc(a, b) = mdc(b, r1) = · · · = mdc(rn−1, rn).

Mas rn | rn−1, logo rn = mdc(rn, rn−1). A fortiori, rn = mdc(a, b).

Teorema 2.8 (algoritmo euclideano estendido). Sejam a, b ≥ 1 inteiros e d =mdc(a, b). Existem s, t ∈ Z tais que d = sa+ tb.

Demonstracao. Comecamos com a penultima linha de (2.1),

rn = rn−2 + (−qn)rn−1,

tome A1 := −rn−1 e B1 := 1. Da linha seguinte temos

rn−1 = rn−3 + (−qn−1)rn−2,

assimrn = B1rn−2 +A1rn−1 = B1rn−2 +A1(rn−3 + (−qn−1)rn−2).

Tome A2 := B1 −A1qn−1 e B2 := A1. A linha seguinte nos da

rn−2 = rn−4 + (−qn−2)rn−3.

Substituindo na formula anterior,

rn = B2rn−3 +A2rn−2 = B2rn−3 +A2(rn−4 + (−qn−2)rn−3)

Tome A3 := B2 −A2qn−2 e B3 := A2. Repetindo o mesmo argumento obtemos

rn = Bn−2r1 +An−2r2.

Mas r2 = b+ (−q2)r1, donde

rn = Bn−2r1 +An−2(b+ (−q2)r1),tome An−1 := Bn−2 −An−2q2 e Bn−1 := An−2. Finalmente a primeira divisao nosda, r1 = a+ (−q1)b e sustituindo na formula anterior obtemos

rn = Bn−1b+An−1(a+ (−q1)b).Basta tomar s := An−1 e t := Bn−1 −An−1q1.

2.3. Aneis e ideais

Nesta secao daremos uma outra demonstracao (conceitual) do algoritmo eu-clideano estendido. Para isto precisamos da nocao de ideais no conjunto Z dosnumeros inteiros.

O conjunto Z dos numeros inteiros possui duas funcoes. A soma + : Z×Z→ Zde numeros inteiros (a, b) 7→ a + b que associa ao par (a, b) sua soma a + b. E oproduto de inteiros · : Z × Z → Z dada por (a, b) 7→ ab que associa ao par (a, b) oseu produto ab. Dados inteiros a, b, c as seguintes propriedades sao satisfeitas:

(1) (Associatividade da soma) a+ (b+ c) = (a+ b) + c.(2) (Comutatividade da soma) a+ b = b+ a.(3) (Elemento neutro da soma) a+ 0 = 0.(4) (Inverso da soma) Dado a ∈ Z existe b ∈ Z tal que a+ b = 0 e denotamos

b = −a.(5) (Associatividade do produto) a(bc) = (ab)c.(6) (Comutatividade do produto) ab = ba.(7) (Elemento neutro do produto) 1a = a.

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10 2. ALGORITMOS EUCLIDEANOS

(8) (Distributividade do produto em relacao a soma) a(b+ c) = ab+ ac. Porsatisfazer estas propriedades Z e dito um anel comutativo com unidade.Alem disto a seguinte propriedade e satisfeita:

(9) (Cancelamento) Se ab = 0, entao a = 0 ou b = 0. Por satisfazer estapropriedade Z e dito um domınio de integridade.

Observacao 2.9. Poderıamos perguntar sobre a existencia do inverso em Zcom relacao ao produto. Ou seja, suponhamos que a, b ∈ Z sao tais que ab =1. Suponha a ≥ 1. Neste caso b = 1

a ∈ Z tambem e um inteiro positivo, masa unica possibilidade destra fracao ser um numero inteiro e a = 1 e neste casonecessariamente b = 1. Se a < 0, seja a′ = −a e b′ = −b, logo ab = a′b′ = 1 e pelocaso anterior a′ = 1 e b′ = 1, i.e., a = b = −1. Assim os unicos numeros inteirosque admitem inverso sao ±1.

Definicao 2.10. Um subconjunto I ⊂ Z de Z e dito um ideal de Z, se asseguintes condicoes sao satisfeitas:

(1) 0 ∈ I.(2) (I e fechado com relacao a soma) Dados a, b ∈ I, a+ b ∈ I.(3) (I e estavel com relacao a multiplicacao de elementos de Z) Dado a ∈ I e

r ∈ Z, entao ra ∈ I.

Fica como exercıcio mostrar que os seguintes conjuntos sao ideais de Z :• I := 2Z = 2k | k ∈ Z (o conjunto dos numeros pares).• Seja n ≥ 1 inteiro e I := nZ = nk | k ∈ Z o conjunto dos multiplos den.• Sejam n1, · · · , nk ≥ 1 inteiros. Seja I := n1Z+ . . .+ nkZ = n1a1 + . . .+nkak | a1, · · · , ak ∈ Z o conjunto dos numeros que sao somas de multiplosde n1 com multiplos de n2, etc., com multiplos de nk.

Proposicao 2.11. Todo ideal I 6= (0) de Z e da forma dZ para algum d ≥ 1.Por isto dizemos que I e um ideal principal e que Z e um domınio principal.

Demonstracao. Observemos que I ∩ N 6= ∅. Dado a ∈ I, se a ≥ 1 nada haa fazer. Senao, ou seja, dado a < 0 em I, entao −a = (−1)a ∈ I pela propriedade(3) de ideais, mas −a ≥ 1. Pelo axioma da boa ordenacao existe d ∈ I ∩ N tal qued ≤ k para todo k ∈ I ∩ N. Afirmamos que I = dZ.

De um lado, como d ∈ I, pela propriedade (3) de ideais, para todo k ∈ Z,dk ∈ I, i.e., dZ ⊂ I. De outro lado, dado a ∈ I, digamos a ≥ 1, pelo algoritmoeuclideano, existem q, r ∈ Z tais que a = qn + r, onde 0 ≤ r < n. Se r > 0, entaor = a + (−q)n ∈ I, pois a, (−q)n ∈ I, mas isto contradiz o fato de d ser o menorinteiro positivo em I. Assim, r = 0 e n | a, portanto a ∈ nZ. Se a < 0, a mesmaprova mostra que se a′ = −a, d | a′, logo d | a, e assim I ⊂ nZ.

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CAPıTULO 3

Fatoracao de inteiros

Neste capıtulo mostramos que todo numero inteiro fatora-se de forma unicacomo produto de numeros primos

3.1. Existencia

Definicao 3.1. Seja p ≥ 2 inteiro. Dizemos que p e um numero primo, separa todo inteiro b ≥ 1 tal que b | p, entao b = 1 ou b = p, i.e., os unicos divisorespositivos de p sao 1 e p. Os numeros inteiros que nao primos sao chamados denumeros compostos, i.e., n ≥ 1 e composto se e somente se existem 1 < a, b < ntais que n = ab.

Teorema 3.2 (teorema fundamental da aritmetica - primeira versao). Sejan ≥ 1 inteiro, existem p1, · · · , pk numeros primos (nao necessariamente distintos)tais que

n = p1 · · · pk.

Demonstracao. Se n e primo nada ha a fazer. Suponhamos que n seja com-posto. Todo divisor d de n satisfaz d ≤ n, assim o conjunto dos divisores positivosde n e finito. Seja p1 o menor divisor positivo de n. Afirmamos que p1 e primo.

Se p1 nao fosse primo, terıamos que existem 1 < a, b < p1 tais que p1 = ab, emparticular a | n, mas isto contradiz a minimalidade de p1.

Seja n1 := np1< n. Se n1 e igual a 1 ou primo, entao n = n1p1 ja e a fatoracao

procurada. Senao, com o mesmo argumento anterior, o menor divisor positivo p2

de n1 e primo. Seja n2 := n1p2

= np1p2

< n1. Se n2 e igual a 1 ou primo, entaon = n2p2p1 e a fatoracao procurada. Senao prosseguimos. Note que temos umasequencia estritamente decrescente n > n1 > n2 > · · · de inteiros positivos, assimexiste k ≥ 1 tal que nk = 1, i.e., n = p1 · · · pk.

3.2. Unicidade

Lema 3.3. Seja p ≥ 2 um numero primo e a, b ∈ Z \ 0. Se p | ab, entao p | aou p | b.

Demonstracao. Note que dado um numero primo p, entao mdc(a, p) = 1equivale a p - a, pois os unicos divisores positivos de p sao 1 e p. Suponha quep - a, i.e., pelo algoritmo euclideano estendido, existem s, t ∈ Z tais que 1 = sa+ tp.Multiplicando ambos os lados por b obtemos b = sab + tpb. Mas ab = αp, poisp | ab, para algum α ∈ Z. Logo b = p(sα+ tb), i.e., p | b.

Observacao 3.4. O lema anterior pode ser estendido imediatamente para umproduto qualquer de inteiros, i.e., se p | a1 · · · an, entao existe 1 ≤ i ≤ n tal quep | ai.

11

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12 3. FATORACAO DE INTEIROS

Teorema 3.5 (teorema fundamental da aritmetica - segunda versao). Sejan ≥ 1 inteiro, entao existem unicos numeros primos

p1 < · · · < pr e inteiros e1, · · · , er ≥ 1

tais quen = pe1

1 · · · perr .

Demonstracao. Ja provamos anteriormente a existencia da fatoracao, agru-pando os primos e colocando-os em ordem temos a expressao acima. Suponha queexistam outros primos

q1 < · · · < qs e inteiros f1, · · · , fs ≥ 1

tais quen = pe1

1 · · · perr = qf1

1 · · · qfss .

Pela observacao anterior temos que existe algum 1 ≤ j ≤ s tal que p1 | qj . Masambos sao primos, logo p1 = qj . O mesmo argumento acima mostra que existe1 ≤ i ≤ r tal que q1 = pi. Afirmamos que j = 1. Caso contrario, ou seja j > 1,q1 = pi ≥ p1 = qj , o que contradiz a ordenacao dos numeros primos q’s. Logoj = 1. Afirmamos tambem que e1 = f1. Suponha, por exemplo, que e1 > f1. Nestecaso, cancelando pf1

1 dos dois lados da equacao acima obtemos

pe1−f11 pe2

2 · · · perr = qf2

2 · · · qfss .

Repetindo a argumentacao anterior obtemos que q2 = pi para algum 1 < i ≤ r.Mas dessa forma, o fator primo p1 do lado esquerdo nao cancelara com nenhumfator primo do lado direito. Portanto, e1 = f1.

Isto nos fornece a igualdade

pe22 · · · per

r = qf22 · · · qfs

s .

Pelo mesmo argumento anterior, p2 = q2 e e2 = f2. Assim sucessivamente con-cluimos que o numero de fatores primos em ambos os lados e igual, i.e., r = s epara cada 1 ≤ i ≤ r, pi = qi e ei = fi.

3.3. MDC e fatoracao

Proposicao 3.6. Sejam a, b ≥ 1 inteiros,

a = pe11 · · · p

ek

k e b = pf11 · · · p

fk

k

suas fatoracoes, com ei, fi ≥ 0 para 0 ≤ i ≤ k. Seja gi = minei, fi e

d = pg11 · · · p

gk

k .

Entao d = mdc(a, b).

Demonstracao. Notemos que d e um divisor comum de a e b, pois

a = dpe1−g11 · · · pek−gk

k e b = dpf1−g11 · · · pfk−gk

k ,

uma vez que para cada i, fi − gi, ei − gi ≥ 0. Seja d′ ≥ 1 um divisor comum de a eb, i.e.,

d = ph11 · · · p

hk

k

para 0 ≤ hi ≤ ei, fi. Em particular, hi ≤ gi. Assim,

d = d′pg1−h11 · · · pgk−hk

k .

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3.4. APLICACOES 13

3.4. Aplicacoes

Proposicao 3.7. Seja p ≥ 2 um numero primo. Entao√p /∈ Q.

Demonstracao. Seja x ∈ Q \ 0. Entao x = ab com a, b ∈ Z \ 0. Note

que a = da′ e b = db′, onde d = mdc(a, b) e que mdc(a′, b′) = 1. Simplificando dobtemos que x = a′

b′ . Assim, dividindo pelo mdc, suporemos sempre que dado umnumero x ∈ Q \ 0, x e da forma a

b com mdc(a, b) = 1.Suponha que

√p ∈ Q, i.e., existem a, b ∈ Z tais que

√p = a

b e mdc(a, b) = 1.Logo a2 = pb2 e p | a2. Pelo lema 3.3 concluimos que p | a, digamos a = pα, paraalgum α ∈ Z. Substituindo na igualdade anterior concluimos que p2α2 = pb2, i.e.,pα2 = b2. Mas isto implica em p | b2. Novamente, pelo lema 3.3, obtemos que p | b,mas isto e impossıvel pois mdc(a, b) = 1.

Definicao 3.8. Seja n ≥ 1 inteiro. Dizemos que n e livre de quadrados se suafatoracao e da forma

n = p1 · · · pk.

Lema 3.9. Seja n ≥ 1 inteiro, entao existem Q, a ≥ 1 inteiros tais que n = a2Q,onde Q e livre de quadrados.

Demonstracao. Fatoramos n como

n = pe11 · · · p

ek

k .

Pelo algoritmo euclideano, para cada 1 ≤ i ≤ k, existem qi, ri ∈ Z tais que ei =2qi + ri, onde 0 ≤ ri < 2. Assim

n = p2q11 pr1

1 · · · p2qk

k prk

k

e tomando Q := pr11 · · · p

rk

k , excluindo os primos com expoente zero, temos que Q elivre de quadrados. O que sobra e a2 com a := pq1

1 · · · pqk

k , i.e., n = a2Q.

Proposicao 3.10. Seja n ≥ 1 inteiro livre de quadrados, entao√n /∈ Q.

Demonstracao. Suponha que√n = a

b com a, b ∈ Z e mdc(a, b) = 1. Seja

n = p1 · · · pk

a fatoracao de n. Entaoa2 = p1 · · · pkb

2.

Logo para cada 1 ≤ i ≤ r temos que pi | a2. Pelo lema 3.3 concluimos que pi | a,digamos a = piαi para αi ∈ Z. Substituindo na igualdade anterior obtemos

p2iα

2i = p1 · · · pkb

2.

Simplificando pi na igualdade acima, obtemos

piα2i = p1 · · · pi−1pi+1 · · · pkb

2 = cb2,

onde c := p1 · · · pi−1pi+1 · · · pk. Como pi - c, pois pi nao pode dividir nenhum dosfatores de c uma vez que p1 < · · · < pk, ou seja sao todos distintos, concluimos quepi | b2. Novamente pelo lema 3.3 temos que pi | b, o que contradiz mdc(a, b) = 1.

Proposicao 3.11. Seja f ≥ 2 inteiro e p ≥ 2 primo. Entao f√p /∈ Q.

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14 3. FATORACAO DE INTEIROS

Demonstracao. Suponha que f√p = a

b com a, b ∈ Z e mdc(a, b) = 1. Entao

af = pbf

e p | af . Pela observacao 3.4 concluimos que p | a, digamos a = pα. Substituindona igualdade anterior obtemos

pfαf = pbf ,

simplificando a igualdade anterior por p, concluimos que

pf−1αf = bf .

Como f ≥ 2 temos que p aparece na fatoracao do lado esquerdo, em particular,p | bf . Novamente, pela observacao 3.4 concluimos que p | b, mas isto contradizmdc(a, b) = 1.

Definicao 3.12. Sejam n ≥ 1 e f ≥ 2 inteiros. Dizemos que n e livre def-potencias se a fatoracao de n e da forma

n = pe11 · · · p

ek

k

com 1 ≤ ei < f para todo 1 ≤ i ≤ k.

Lema 3.13. Seja n ≥ 1 inteiro, entao existem Q, a ≥ 1 inteiros tais que n =afQ com Q livre de f-potencias.

Demonstracao. Sejan = pe1

1 · · · pek

k

a fatoracao de n. Pelo algoritmo euclideano, para cada 1 ≤ i ≤ k, existem qi, ri ∈ Ztais que ei = fqi + ri, onde 1 ≤ ei < f . Assim escrevemos

n = pfq11 pr1

1 · · · pfqk

k prk

k .

Como anteriormente Q := pr11 · · · p

rk

k e livre de f -potencias e tomando a :=pq11 · · · p

fk

k concluimos que n = afQ.

Proposicao 3.14. Sejam n ≥ 1 e f ≥ 2 inteiros. Suponhamos que n seja livrede f-potencias. Entao f

√n /∈ Q.

Demonstracao. Sejan = pe1

1 · · · pek

k

a fatoracao de n, onde 1 ≤ ei < f para todo i ≤ i ≤ k. Suponhamos que f√n = a

bcom a, b ∈ Z e mdc(a, b) = 1. Entao

af = pe11 · · · p

ek

k bf .

Logo para cada 1 ≤ i ≤ k pi | af . Pela observacao 3.4 concluimos que pi | a,digamos a = piαi para αi ∈ Z. Substituindo na igualdade anterior obtemos

pfi α

fi = pe1

1 · · · pek

k bf .

Cancelando peii em ambos os lados da igualdade acima e denotando

c := pe11 · · · p

ei−1i−1 p

ei+1i+1 · · · p

ek

k ,

obtemospf−ei

i αfi = cbf .

Como anteriormente pi - c uma vez que pi nao divide nenhum fator de c. Logopi | bf . Novamente pela observacao 3.4 concluimos que pi | b, mas isto contradizmdc(a, b) = 1.

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3.5. FUNCOES ARITMETICAS ELEMENTARES 15

3.5. Funcoes aritmeticas elementares

Para todo numero inteiro n ≥ 1 denotemos por ν(n) o numero de divisoresinteiros positivos de n e por σ(n) a soma de todos estes divisores, i.e.,

ν(n) := #d ≥ 1 | d | n e σ(n) :=∑

d≥1,d|n

d.

Utilizaremos a fatoracao unica para obter formulas explıcitas para estes dois nu-meros.

Proposicao 3.15. Seja n = pa11 · · · par

r a fatoracao de n em numeros primos.Entao

ν(n) = (a1 + 1) · · · (ar + 1) e σ(n) =pa1+11 − 1p1 − 1

· · · par+1r − 1pr − 1

.

Demonstracao. Note que d | n se e somente se d fatora-se como

d = pb11 · · · pbr

r com 0 ≤ bi ≤ ai para todo 1 ≤ i ≤ r.

Assim, os divisores positivos de n correspondem bijetivamente as r-uplas (b1, · · · , br)satisfazendo a 0 ≤ bi ≤ ai para todo 1 ≤ i ≤ r. A quantidade destas r-uplas eexatamente (a1 + 1) · · · (ar + 1).

Para a segunda igualdade observe que

σ(n) =∑

(b1,··· ,br)

pb11 · · · pbr

r =

(∑b1

pb11

)· · ·

(∑br

pbrr

)e que cada soma no segundo membro e a soma dos termos de uma progressaogeometrica, disto segue a formula para σ(n).

3.5.1. Funcao de Mœbius. Definimos a funcao de Mœbius µ : N \ 0 → Zpor µ(1) := 1, µ(n) := 0, se n nao e livre de quadrados, caso contrario, i.e.,n = p1 · · · pr, onde os pi’s sao primos distintos definimos µ(n) := (−1)r.

Proposicao 3.16. Se n > 1, entao∑d≥1,d|n

µ(d) = 0.

Demonstracao. Seja n = pa11 · · · par

r a fatoracao de n. Pela definicao de µtemos que ∑

d≥1,d|n

µ(d) =∑

(ε1,··· ,εr)

µ(pε11 . . . pεr

r ),

onde os εi’s sao 0 ou 1. Portanto,∑d≥1,d|n

µ(d) = 1− r +(r

2

)−(r

3

)+ . . .+ (−1)r = (1− 1)r = 0.

Para entender melhor a funcao de Mœbius precisamos introduzir a multi-plicacao de Dirichlet. Sejam f, g : N \ 0 → C, definimos

f g(n) :=∑

d1,d2≥1,d1d2=n

f(d1)g(d2).

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16 3. FATORACAO DE INTEIROS

Este produto e associativo. Isto segue do seguinte exercıcio

f (g h)(n) = (f g) h(n) =∑

d1,d2,d3≥1,d1d2d3=n

f(d1)g(d2)h(d3).

Definimos a funcao 1 : N \ 0 → Z por 1(1) := 1 e 1(n) := 0, se n > 1. Segueda definicao que para toda funcao f : N \ 0 → C temos f 1 = 1 f = f . Definatambem a funcao I : N \ 0 → Z por I(n) := 1 para todo n. Novamente, por estadefinicao obtemos f I(n) = I f(n) =

∑d≥1,d|n f(d).

Lema 3.17. I µ = µ I = 1.

Demonstracao. E claro que µ I(1) = µ(1)I(1) = 1. Se n > 1, entaoµ I(n) =

∑d≥1,d|n µ(d) = 0. A prova para I µ e identica.

Teorema 3.18 (teorema de inversao de Mœbius). Seja

F (n) :=∑

d≥1,d min d

f(d).

Entaof(n) =

∑d≥1,d|n

µ(d)F (n/d).

Demonstracao. Por definicao F = fI. Logo, F µ = (fI)µ = f(Iµ) =f 1 = f , i.e.,

f(n) = F µ(n) =∑

d≥1,d|n

µ(d)F (n/d).

O teorema de inversao de Mœbius tem diversas aplicacoes, dentre elas a funcaoφ de Euler definida da seguinte forma. Seja n ≥ 1 inteiro, φ(n) denota o numerode inteiros positivos d ≤ n tais que mdc(d, n) = 1. E claro que se p for um numeroprimo φ(p) = p− 1.

Proposicao 3.19. ∑d≥1,d|n

φ(d) = n

Demonstracao. Consideremos as n fracoes 1/n, 2/n, · · · , (n−1)/n, n/n. Po-demos reduzir cada uma delas a forma mınima cancelando os fatores primos comunsdo numerador e denominador. Assim, cada uma delas sera igual a uma fracao a/bcom mdc(a, b) = 1. Os denominadores serao sempre divisores de n. O numero defracoes na forma mınima com denominador d, pela definicao da funcao φ, e igual aφ(d). Disto segue a proposicao.

Proposicao 3.20. Se n = pa11 . . . par

r , entao

φ(n) = n

(1− 1

p1

). . .

(1− 1

pr − 1

).

Demonstracao. Como

n =∑

d≥1,d|n

φ(d),

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3.5. FUNCOES ARITMETICAS ELEMENTARES 17

pelo teorema de inversao de Mœbius temos

φ(n) =∑

d≥1,d|n

µ(d)n/d = n−∑

i

n

pi+∑i<j

n

pipj+ . . .

= n

(1− 1

p1

). . .

(1− 1

pr − 1

)

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CAPıTULO 4

Inducao finita

Neste capıtulo apresentamos o metodo da inducao finita. Este metodo e uti-lizado em diversas circunstancias em matematicas para provar afirmativas que de-pendem “indutivamente” dos numeros naturais.

4.1. Enunciados

Axioma 4.1 (princıpio da inducao finita na sua primeira forma). Seja A(n)uma afirmativa sobre numeros naturais n ∈ N. Suponha que

(1) exista n0 ∈ N tal que A(n0) seja verdadeira.(2) Dado k ≥ n0, toda vez que A(k) for verdade, entao A(k + 1) tambem o

sera.Entao para todo n ≥ n0 a afirmativa A(n) e verdadeira.

Axioma 4.2 (princıpio da inducao finita na sua segunda forma). Seja A(n)uma afirmativa sobre numeros naturais n ∈ N. Suponha que

(1) exista n0 ∈ N tal que A(n0) seja verdadeira.(2) Se A(k) e verdadeira para todo n0 ≤ k < n entao A(n) tambem e ver-

dadeira.Logo para todo n ≥ n0 a afirmativa A(n) e verdadeira.

4.2. Exemplos da inducao na sua primeira forma

Exemplo 4.3. Para todo inteiro n ≥ 1 temosn∑

i=1

i =n(n+ 1)

2.

Demonstracao. (1) Para n = 1 temos que 1 = 1.22 .

(2) Suponha que∑n

i=1 i = n(n+1)2 . Entao

n+1∑i=1

i =n∑

i=1

i+ (n+ 1) =n(n+ 1)

2+ (n+ 1) =

(n+ 1)(n+ 2)2

.

Lema 4.4. Seja p um numero primo e 1 ≤ i < p inteiro, entao o binomial(pi

)e divisıvel por p.

Demonstracao. Por definicao(p

i

)=p(p− 1) · · · (p− i+ 1)

i(i− 1) · · · 1∈ Z.

19

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20 4. INDUCAO FINITA

Note que p nao divide nenhum dos fatores do denominador, pois i < p. Logopodemos colocar p para fora da fracao e o que sobra

(p− 1) · · · (p− 1 + i)i(i− 1) · · · 1

tambem e inteiro.

Exemplo 4.5. Seja p um numero primo. Para todo inteiro n ≥ 1 temos que pdivide np − n.

Demonstracao. (1) Para n = 1 temos que p divide 1p − 1 = 0.(2) Suponha que p | (np − n). Entao

(n+ 1)p − (n+ 1) =p−1∑i=1

(p

i

)ni + (np − n).

Pelo Lema 4.4 e pela hipotese de p | (np − n) concluimos que p | ((n +1)p − (n+ 1)).

Teorema 4.6 (pequeno teorema de Fermat). Seja p um numero primo e a ∈ Z.Entao p | (ap − a).

Demonstracao. O exemplo mostra o teorema para inteiros positivos. Sejam < 0 inteiro, digamos m = −n para n ≥ 1. Suponha p > 2. Neste caso,mp−m = (−n)p− (−n) = −(np−n) que e divisıvel por p. No caso de p = 2 temosque se n2 − n = 2α, entao m2 −m = n2 + n = n+ 2α+ n = 2(α+ 1).

Observacao 4.7. O teorema anterior e na verdade equivalente para um inteiroa nao divisıvel por p a p | (ap−1−1). De fato, suponha que ap−a = a(ap−1−1) = αppara α ∈ Z. Se p - a, entao pelo Lema 3.3 concluimos que p | (ap−1 − 1).

4.3. Exemplos da inducao finita na sua segunda forma

Ordenamos os numeros primos

p1 = 2 < p2 = 3 < p3 = 5 · · · < pn · · · ,onde pn denota o n-esimo numero primo. Seja P o conjunto dos numeros primos.

Teorema 4.8 (Euclides). O conjunto P e infinito.

Demonstracao. Suponhamos que P seja finito, digamos com k elementos,

P = p1 < · · · < pk.Seja

M := p1 · · · pk + 1.Notemos que M > p1 · · · pk ≥ 2pk > pk, logo M tem que ser um numero composto.Pelo teorema fundamental da aritmetica M e produto de numeros primos. Logoos unicos primos que podem aparecer na sua fatoracao sao p1, · · · , pk, digamos quepi | M , i.e., existe αi ≥ 1 inteiro tal que M = αipi. Retornando a definicao de Mobtemos

pi(αi − p1 · · · pi−1pi+1 · · · pk) = 1.Os fatores do lado esquerdo sao ambos inteiros, o primeiro e positivo e o produto epositivo. Logo a expressao entre parenteses e positiva. Por outro lado pi ≥ 2, logo

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4.3. EXEMPLOS DA INDUCAO FINITA NA SUA SEGUNDA FORMA 21

o lado esquerdo e pelo menos 2, enquanto o lado direito e 1, o que e impossıvel. Acontradicao vem do fato de termos suposto P finito, portanto P e infinito.

No proximo capıtulo daremos outras demonstracoes deste teorema bem comodiscutiremos em maior profundidade os numeros primos.

Exemplo 4.9. Para todo inteiro n ≥ 1 temos pn ≤ 22n

.

Demonstracao. (1) Observe que p1 = 2 ≤ 22 = 4.(2) Suponha que para todo 1 ≤ m < n tenhamos pm ≤ 22m

. A demonstracaodo teorema de Euclides mostra que M := p1 · · · pn−1 + 1 nao pode ser di-visıvel por nenhum dos primos p1, · · · , pn−1. Logo M so pode ser divisıvelpor primos maiores que pn−1, em particular, pn ≤M . Assim,

pn ≤ p1 · · · pn−1 + 1 ≤ 222+ . . . 2n−1 + 1.

Mas 22 + . . . + 2n−1 = 2(1 + . . . + 2n−2) = 2 2n−1−12−1 = 2n − 2. Portanto,

pn ≤ 22n−2+1. Basta mostrar que 22n−2+1 ≤ 22n

, i.e., 4 ≤ 22n+2−22n

=22n

(4− 1), o que e verdade.

Exemplo 4.10 (algoritmo de Euclides). Seja b ≥ 1 inteiro. Para todo inteiron ≥ 1 existem q, r ∈ Z tais que n = bq + r para 0 ≤ r < n.

Demonstracao. (1) Se n < b tome q = 0 e r = n. Se n = b tome q = 1e r = 0.

(2) Suponhamos que n > b. Entao 1 ≤ n − b < n. Por hipotese de inducao,para todo 1 ≤ m < n existem qm, rm ∈ Z tais que m = bqm + rm, onde0 ≤ rm < n. Em particular, existem q′, r′ ∈ Z tais que n − b = q′b + r′

onde 0 ≤ r′ < b. Logo n = (q′+1)b+ r′ e basta tomar q = q′+1 e r = r′.

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CAPıTULO 5

Numeros primos

No capıtulo anterior provamos que o conjunto dos numeros primos e infinito.Daremos 3 outras demonstracoes para este fato. Cada qual tem seu merito proprio.A prova apresentada no capıtulo sobre inducao finita e a original de Euclides.Provaremos tambem que existe uma infinidade de numeros primos em certas progre-ssoes aritmeticas e que funcoes polinomiais nao lineares produzem uma infinidadede numeros compostos.

5.1. Infinidade de primos

Seja P o conjunto dos numeros primos.

Teorema 5.1 (Euclides). O conjunto P e infinito.

2a. Demonstracao. Suponhamos que P seja finito, digamos P = p1, · · · ,pk. Seja n ≥ 1 inteiro. Pelo Lema 3.9, n = mQ2, com m,Q ≥ 1 inteiros e mlivre de quadrados. Por um lado a quantidade de numeros inteiros positivos ate n eexatamente n. Por outro, m = pe1

1 · · · pek

k , onde ei ∈ 0, 1, para 1 ≤ i ≤ k. Assim,escolher m e equivalente a escolher os expoentes ei, e como tenho duas escolhaspara cada i, o numero de escolhas possıveis para m e no maximo 2k. Observemostambem que Q ≤

√n, logo o numero de escolhas para Q e no maximo

√n, portanto,

o numero de escolhas para n e no maximo 2k√n, i.e., n ≤ 2k

√n, i.e.,

√n ≤ 2k,

i.e., n ≤ 22k. Mas k e fixo, e a cardinalidade do conjunto de numeros primos, e n eum inteiro qualquer, i.e., estamos mostrando que o conjunto dos inteiros positivose limitado, o que e impossıvel. Portanto, P e infinito.

3a. Demonstracao. Seja F (n) := 22n

+ 1 o n-esimo numero de Fermat.Mostramos anteriormente (exercıcio do capıtulo sobre algoritmo de Euclides) quese n > m ≥ 1, entao mdc(F (n), F (m)) = 1. Comecamos escolhendo um fator primoq1 de F (1). Pelo resultado anterior, todo fator primo de F (2) e distinto de q1, escol-hemos um destes fatores primos, digamos q2. Suponhamos que para todo 1 ≤ m < ntenhamos escolhido para cada F (m) um fator primo distinto. Novamente pelo re-sultado anterior todo fator primo de F (n) e distinto de q1, · · · , qn−1, escolhemos umdestes fatores primos, digamos qn. Provamos assim (via a Inducao na sua segundaforma) que para todo n ≥ 1 temos um numero primo qn fator de F (n) distinto deq1, · · · , qn−1. Produzimos assim um subconjunto infinito q1, · · · , qn, · · · ⊂ P deP. Em particular, P e infinito.

Uma quarta demonstracao e consequencia do seguinte teorema.

Teorema 5.2 (*). A serie ∑p∈P

1p

23

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24 5. NUMEROS PRIMOS

diverge.

Para a nocao de divergencia de serie veja [Li, Capıtulo IV].

Demonstracao. Sejam n ≥ 1 inteiro e p1, · · · , pl(n) os numeros primos me-nores ou iguais a n. Seja

λ(n) :=l(n)∏i=1

11− pi

.

Segue das Preliminares que1

1− pi=∑ai≥0

1pai

i

,

logo

λ(n) =∑

(a1,··· ,al(n))

1pa11 . . . p

al(n)

l(n)

,

onde a l(n)-upla (a1, · · · , al(n)) e formada de inteiros nao negativos. Em particular,como

1 +12

+ . . .+1n< λ(n),

concluimos que λ(n) → ∞ quando n → ∞ (ver [Li, Capıtulo IV, Exemplos 23]).Em particular, P e um conjunto infinito.

Calculando o logartimo de λ(n) (ver Preliminares) obtemos

log(λ(n)) = −l(n)∑i=1

log(1− pi) =l(n)∑i=1

∑m≥1

1mpm

i

=1p1

+ . . .+1

pl(n)+

l(n)∑i=1

∑m≥2

1mpm

i

.

Note que ∑m≥2

1mpm

i

<∑m≥2

1pm

i

=1p2

i

11− p−1

i

≤ 2p2

i

.

Logo,

log(λ(n)) <1p1

+ . . .+1

pl(n)+ 2

(1p21

+ . . .+1

p2l(n)

).

Segue de [Li, Capıtulo IV, Exemplo 29] que∑

n≥1 n−2 converge, a fortiori o mesmo

vale para∑

i≥1 p−2i . Dessa forma, se

∑p∈P p

−1 convergisse, existiria uma constanteM tal que log(λ(n)) < M , i.e., λ(n) < eM , mas λ(n)→∞, quando n→∞. Assim,∑

p∈P p−1 nao pode convergir.

5.2. Primos em progressoes aritmeticas

Nos proximos 3 paragrafos procuramos estudar formulas “simples” que “car-acterizem” os numeros primos. Na verdade procuramos funcoes f : N → N cujaimagem contenha “muitos” numeros primos. Comecaremos pela funcao linear, dig-amos f(n) = an + b com a, b ≥ 1 inteiros. Note que f(N) e uma progressaoaritmetica com primeiro elemento a+ b e razao b.

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5.2. PRIMOS EM PROGRESSOES ARITMETICAS 25

Lema 5.3. Existem infinitos numeros primos da forma 4n + 3 com n ≥ 1inteiro.

Demonstracao. Seja p > 2 um numero primo. Comecemos analisando ospossıveis restos da divisao de p por 4. Pelo algoritmo da divisao existem q, r ∈ Ztais que p = 4q + r com 0 ≤ r < 4. Como p e primo as unicas possibilidades parar sao 1 e 3.

Seja P4,3 o conjunto dos numeros primos maiores ou iguais a 7 da forma 4n+3.Suponha que P4,3 seja infinito, digamos P4,3 = p1 < · · · < pk. Seja

M := 4p1 · · · pk + 3.

Observe que M deixa resto 3 na divisao por 4. Observe tambem que M >4p1 · · · pk > 4pk > pk, logo (como pk e o maior numero primo que deixa resto3 na divisao por 4) M e composto. Pelo teorema fundamental da aritmetica Mfatora-se em um produto de primos.

Note que se a, b ≥ 1 sao inteiros que deixam resto 1 na divisao por 4, entao omesmo ocorre para ab. De fato, se a = 4x+ 1, b = 4y + 1, entao

ab = 4(4xy + x+ y) + 1.

Fica como exercıcio verificar (utilizando a primeira forma da inducao finita) que omesmo vale para um produto finito a1 · · · an de inteiros positivos cada qual deixandoresto 1 na divisao por 4.

Assim, nao e possıvel que todo fator de M deixe resto 1 na divisao por 4,i.e., existe algum 1 ≤ i ≤ k tal que pi | M , i.e., M = piαi para αi ≥ 1 inteiro.Retornando a definicao de M obtemos

pi(αi − 4p1 · · · pi−1pi+1 · · · pk) = 3.

No lado esquerdo temos um produto de um numero inteiro positivo por outro cujoproduto tambem e um inteiro positivo, logo o numero inteiro entre parenteses e uminteiro positivo. Como p1 ≥ 7, o lado esquerdo e pelo menos 7, o que e impossıvel.Portanto P4,3 e infinito.

Lema 5.4. Existem infinitos numeros primos da forma 6n + 5 com n ≥ 1inteiro.

Demonstracao. Seja p > 2 um numero primo. Pelo algoritmo da divisaoexistem q, r ∈ Z tais que p = 6q+ r com 0 ≤ r < 6. Como p e primo, r so pode ser1 ou 5.

Seja P6,5 o conjunto dos numeros primos maiores ou iguais a 11 da forma 6n+5para n ≥ 1 inteiro. Suponha que P6,5 seja finito, digamos P6,5 = p1 < · · · < pk.Seja

M := 6p1 · · · pk + 5.Note que M deixa resto 5 na divisao por 6. Note tambem que M > 6p1 · · · pk >6pk > pk. Como pk e o maior numero primo que deixa resto 5 na divisao por 6obtemos que M e composto.

Observe que se a, b ≥ 1 sao inteiros que deixam resto 1 na divisao por 6, entaoo mesmo ocorre com ab. De fato, se a = 6x+ 1, b = 6y + 1, entao

ab = 6(6xy + x+ y) + 1.

Fica como exercıcio mostrar que o mesmo vale para um produto finito a1 · · · an deinteiros positivos cada qual deixando resto 1 na divisao por 6.

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26 5. NUMEROS PRIMOS

Assim nao e possıvel que todo fator de M deixe resto 1 na divisao por 6, i.e.,existe 1 ≤ i ≤ k tal que pi | M , M = piαi para αi ≥ 1 inteiro. Retornando adefinicao de M obtemos

pi(αi − 6p1 · · · pi−1pi+1 · · · pk) = 5.

No lado esquerdo temos um produto de um numero inteiro positivo por outro cujoproduto tambem e um inteiro positivo, logo o numero inteiro entre parenteses e uminteiro positivo. Como p1 ≥ 11, o lado esquerdo e pelo menos 11, o que e impossıvel.Portanto P6,5 e infinito.

No paragrafo sobre funcao zeta a seguir enunciaremos um teorema devido aDirichlet que generaliza os dois lemas anteriores.

5.3. Infinidade de compostos por funcoes polinomiais

Queremos agora analisar o que ocorre se a funcao considerada anteriormentefor polinomial. Veremos que em geral o fenomeno se contrapoe ao caso linear, ouseja, e possıvel apenas garantir uma infinidade de numeros compostos na imagemde f .

Teorema 5.5. Seja

f(n) := adn+ad−1n

d−1 + . . .+ a1n+ a0,

onde ad, · · · , a0 ∈ Z com ad > 0. Entao existem infinitos numeros compostos daforma f(n).

Demonstracao. Se para todo n ≥ 1, f(n) for composto nada ha a fazer.Caso contrario, seja n0 ∈ N tal que f(n0) = p numero primo. Seja h ≥ 1 inteiro e

f(n0 + hp) = ad(n0 + hp)d + ad−1(n0 + hp)d−1 + . . .+ a1(n0 + hp) + a0.

Note que a soma dos termos constantes (considerando a expressao acima como umpolinomio em h) e igual a

adnd0 + ad−1n

d−10 + . . .+ a1n0 + a0 = p.

Logo,

f(n0 + hp) = p(1 + a1h+ a2(2n0h+ h2p) + . . .

+ ad−1((d− 1)nd−20 h+ . . .+ (d− 1)n0h

d−2pd−3 + hd−1pd−2)

+ ad(dnd−10 h+ . . .+ dn0h

d−1pd−2 + hdpd−1)).

Observe que o termo lıder da expressao acima como polinomio em h e igual aadp

d−1p > 0. Assim para um inteiro h ≥ 1 suficiente grande a expressao entreparenteses do lado direito menos 1 e sempre positiva, portanto f(n0+hp) = p(1+α)com α ≥ 1 inteiro. Em particular, f(n0 + hp) e sempre composto para todo h ≥ 1suficientemente grande.

Para o caso d = 2 a cota para h e h > −(2an0 + b)/(ap) (faca a conta nestecaso!).

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5.5. CONTANDO NUMEROS PRIMOS 27

5.4. Numeros de Fermat e Mersenne

Nesta secao apresentamos os numeros de Fermat e Mersenne e comecamos adiscussao de quando podem ser numeros primos. No capıtulo subsequente sobreaplicacoes da teoria de grupos a aritmetica elementar descreveremos de forma maisprecisa criterios para decidir quando estes numeros sao primos.

Para todo n ≥ 1 inteiro seja F (n) := 22n

+ 1 o n-esimo numero de Fermat.Fermat afirmava que todo numero desta forma era primo. Na verdade o que deveter ocorrido e que ele calculou os quatro primeiros que realmente sao. Entretanto,Euler mostrou que 641 | F (5). Daremos uma demonstracao disto posteriormente.

Para todo n ≥ 1 inteiro seja M(n) := 2n − 1 o n-esimo numero de Mersenne.

Lema 5.6. Se n e composto, entao M(n) tambem e composto.

Demonstracao. Suponha que n = ab com 1 < a, b < n. Entao

2n − 1 = (2a)b − 1 = (2a − 1)(2a(b−1) + 2a(b−2) + . . .+ 2a + 1)

o que mostra que M(a) |M(n).

Observacao 5.7. Se quisermos que um numero de Mersenne seja primo, de-vemos nos restringir aqueles numeros de Mersenne cujo ındice n seja um numeroprimo. Mersenne produziu uma lista incompleta e incorreta de M(p)’s para p primotais que M(p) e primo. Novamente, produziremos a posteriori uma lista ocrreta, amenos da complexidade computacional, utilizando teoria de grupos.

5.5. Contando numeros primos

Para todo numero real x > 1 seja π(x) := #p | numero primo com p ≤ x.O teorema de Euclides nos garante que limx→∞ π(x) =∞ (para a nocao de limiteveja [Li, capıtulo IV]). Nosso objetivo e determinar uma estimativa elementar paraa funcao π(x) que conta a quantidade de numeros primos menores ou iguais a umdado numero real maior que 1. Note que se 1 < x ≤ y, entao π(x) ≤ π(y). Seja pn

o n-esimo numero primo. Entao π(pn) = n.

Proposicao 5.8. Seja log(x) o logaritmo na base e. Entao

π(x) ≥ log(log(x)).

Demonstracao. Ja obtivemos anteriormente (via inducao finita) que pn ≤22n

. Para todo x > 1 real fixado o conjunto m ≥ 1 | inteiro, eem ≤ x e finito.Seja n− 1 seu maior elemento, i.e., een−1 ≤ x < een

. Observe que

een−1≥ 22n

para n ≥ 4.

De fato, basta mostrar que

en−1 ≥ 2n log(2), ou seja , n− 1 ≥ n log(2) + log(log(2)),

o que e verdade pois log(2) < 1. Logo

π(x) ≥ π(een−1) ≥ π(22n

) ≥ π(pn) = n ≥ log(log(x)).

Utilizaremos o metodo da segunda demonstracao do teorema de Euclides pararefinar a proposicao anterior. Para todo inteiro n ≥ 1 seja γ(n) o conjunto dosdivisores primos de n.

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28 5. NUMEROS PRIMOS

Proposicao 5.9.

π(x) ≥ log(dxe)2 log(2)

,

onde dxe denota a parte inteira de x (para a definicao ver Preliminares).

Demonstracao. Para qualquer conjunto de numeros primos S denotamospor fS(x) o numero de inteiros positivos n ≤ x tais que γ(n) ⊂ S. Suponha queS seja finito de cardinalidade t. Escrevemos n = m2s com s livre de quadrados.Note que m ≤

√x. Alem disto temos no maximo 2t escolhas para s. Portanto,

fS(x) ≤ 2t√x. Seja m := π(x), assim pm+1 > x. Se S = p1, · · · , pm, entao

fS(x) = dxe. Em particular, dxe ≤ 2π(x)√x e disto segue a proposicao.

O metodo acima nos da uma nova demonstracao do teorema 5.2. De fato, se∑p∈P 1/p fosse convergente, entao existiria n ≥ 1 tal que∑

j>n

1pj

<12.

Seja S := p1, · · · , pn e x ≥ 1 inteiro. Entao x−fS(x) e igual ao numero de inteirospositivos m ≤ x tais que γ(m) 6⊂ S. Em outras palavras, contamos o numero deinteiros 1 ≤ m ≤ x para os quais existe j > n tal que pj | m. Para cada primo pj

existem dx/pje multiplos de pj menores ou iguais a x. Portanto,

x− fS(x) ≤∑j>n

⌈x

pj

⌉≤∑j>n

x

pj<x

2.

A fortiori, fS(x) ≥ x/2. Mas, fS(x) ≤ 2n√x. Logo, 2n ≥

√x/2, o que e impossıvel

pois n e fixo e x e variavel.Intimamente relacionada a funcao π(x) temos a seguinte funcao

θ(x) :=∑

p∈P,p≤x

log(p).

Utilizaremos θ(x) para limitar π(x). Seja θ(1) := 0.

Proposicao 5.10.θ(x) < (4 log(2))x.

Demonstracao. Considere o binomial(2nn

)=

(n+ 1) . . . 2n1.2 . . . n

.

Este numero e um inteiro divisıvel por todo numero primo n < p < 2n. Alem disto,como

(1 + 1)2n =2n∑

j=0

(2nj

), entao 22n >

(2nn

).

Em consequencia,

22n >

(2nn

)>

∏n<p<2n

p.

Calculando o logartimo,

2n log(2) >∑

n<p<2n

log(p) = θ(2n)− θ(n).

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5.5. CONTANDO NUMEROS PRIMOS 29

Somando esta relacao para n = 1, 2, 4, · · · , 2m−1 obtemos

θ(2m) < log(2)(2m+1 − 2) < log(2)2m+1.

Como na demonstracao da proposicao 5.8 existe m ≥ 1 tal que 2m−1 < x ≤ 2m,donde

θ(x) ≤ θ(2m) < log(2)2m+1 = (4 log(2))2m−1 < (4 log(2))x.

Proposicao 5.11. Existe um real c1 > 0 tal que

π1(x) < c1x

log(x), para x ≥ 2.

Demonstracao. Observe que

θ(x) ≥∑

√x<p≤x

log(p) ≥ log(√x)(π(x)− π(

√x)) ≥ log(

√x)π(x)−

√x log(

√x).

Logo,

π(x) ≤ 2θ(x)log(x)

+√x ≤ (8 log(2))

x

log(x)+√x,

onde a ultima desigualdade segue da proposicao anterior. O resultado segue daobservacao que

√x < 2x/ log(x) para x ≥ 2.

Corolario 5.12.

limx→∞

π(x)x

= 0.

Nosso objetivo agora e obter uma cota inferior para a funcao π(x). Para istocomecemos observando que(

2nn

)=(n+ 1

1

)(n+ 2

2

). . .

(n+ n

n

)≥ 2n.

Por um exercıcio deste capıtulo temos

ordp

((2nn

))= ordp

((2n)!(n!)2

)=

tp∑j=1

(⌈2npj

⌉− 2

⌈n

pj

⌉),

onde tp denota o maior inteiro tal que ptp ≤ 2n. Logo, tp = dlog(2n)/ log(p)e. Alemdisto, d2xe − 2dxe e sempre 0 ou 1, assim

ordp

((2nn

))≤ log(2n)

log(p).

Proposicao 5.13 (*). Existe real c2 > 0 tal que

π(x) > c2x

log(x).

Demonstracao. Pelo que foi feito anteriormente,

2n ≤(

2nn

)≤∏

p<2n

ptp .

Calculando o logaritmo obtemos,

n log(2) ≤∑

p<2n

tp log(p) =∑

p<2n

⌈log(2n)log(p)

⌉log(p).

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30 5. NUMEROS PRIMOS

Se log(p) > (1/2) log(2n), i.e., p >√

2n, entao dlog(2n)/ log(p)e = 1. Assim,

n log(2) ≤∑

p≤√

2n

⌈log(2n)log(p)

⌉log(p) +

∑√

2n<p<2n

log(p) ≤√

2n log(2n) + θ(2n)

Portanto, θ(2n) ≥ n log(2) −√

2n log(2n). Mas, limn→∞(√

2n log(2n))/n = 0.Assim, existe uma constante real T > 0 tal que para n suficientemente grandeθ(2n) > Tn. Toamndo x suficientemente grande e tal que 2n ≤ x < 2n+1 obtemos

θ(x) ≥ θ(2n) > Tn > Tx− 1

2> Cx,

para algum real C > 0 conveniente. Portanto, existe real c2 > 0 tal que θ(x) > c2xpara todo x ≥ 2. Para completar a prova observamos que

θ(x) =∑p≤x

log(p) ≤ π(x) log(x).

Portanto,

π(x) ≥ θ(x)log(x)

> c2x

log(x).

5.5.1. Comentarios. As duas proposicoes anteriores sao devidas a Cebychef(1852). O seguinte teorema suplanta ambas (cf. [Ap, chapter 4], este resultadodepende de teoria analıtica dos numeros).

Teorema 5.14 (teorema dos numeros primos).

limx→∞

π(x) =x

log(x).

O teorema dos numeros primos foi conjecturado por Gauss na idade de 15 ou 16anos. A prova correta surgiu apenas em 1896 por Hadamard e de la Valle Poussinutilizando a funcao zeta de Riemann, que introduziremos no paragrafo seguinte.

Existem uma infinidade de problemas abertos sobre os numeros primos. Paramencionar apenas dois :

• Existem infinitos numeros primos da forma n2 + 1?• (Primos gemeos) Existem infinitos pares de numeros primos da forma

(p, p+ 2)?Para mais problemas abertos veja [Si] e [Sh].

5.6. Funcao zeta

Nesta secao descreveremos sem prova diversos fatos a respeito da funcao zeta deRiemann (para a prova destes fatos ver [IrRo, chapter 16]). Esta funcao e definidapor

ζ(s) :=∑n≥1

n−s, onde s ∈ C,<(s) > 1.

Esta serie converge em <(s) > 1 e converge uniformemente para <(s) ≥ 1 + δpara todo δ > 0 (para a nocao de convergencia ver [Li, cap’ıtulo IV]). A primeirapropriedade e que ela admite uma expansao em produto euleriano.

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5.6. FUNCAO ZETA 31

Proposicao 5.15. Para <(s) > 1 temos

ζ(s) =∏p∈P

11− p−s

.

Particularmente importante e o comportamento assintotico desta funcao quan-do s→ 1. Considerando que

∑n≥1 1/n diverge suspeitamos que ζ(s)→∞ quando

s→ 1. Lembre que ζ(s) e uma funcao de uma variavel complexa.

Proposicao 5.16. Suponha que <(s) > 1. Entao

lims→1

(s− 1)ζ(s) = 1.

A proposicao na verdade diz que ζ(s) e uma funcao meromorfa com um polosimples em s = 1 (para mais detalhes ver [Ap, chapter 12]).

Corolario 5.17. Quando s→ 1 temoslog(s)

(log(s− 1))−1→ 1.

Proposicao 5.18.

ζ(s) =∑p∈P

1ps

+R(s),

onde R(s) fica limitada quando s→ 1.

Dado um subconjunto S do conjunto dos numeros primos P, dizemos que Stem densidade de Dirichlet se o limite

lims→1

∑p∈S p

−s

(log(s− 1))−1

existe. Neste caso este limite e denotado por d(S) e e chamado a densidade deDirichlet de S. Esta densidade satisfaz as seguintes propriedades.

Proposicao 5.19. Seja S um subconjunto do conjunto P dos numeros primos.Entao

(1) Se S e finito, entao d(S) = 0.(2) Se S contem todos os numeros primos, exceto um numero finito deles,

entao d(S) = 1.(3) Se S = S1 ∪ S2 com S1 ∩ S2 = ∅, entao d(S1 ∪ S2) = d(S1) + d(S2).

Teorema 5.20 (teorema das progressoes aritmeticas de Dirichlet). Sejam a ∈Z e m ≥ 1 inteiro tais que mdc(a,m) = 1. Seja P(a;m) o subconjunto do conjuntoP dos numeros primos que contem os primos p tais que p ≡ a (mod m). Entaod(P(a;m)) = 1/φ(m). A fortiori, P(a;m) e infinito.

5.6.1. Comentarios (*). Riemann propos a seguinte conjectura (que per-manece em aberto ate hoje).

Conjectura 5.21 (hipotese de Riemann). Todos os zeros da funcao zeta deRiemann ζ(s) estao contidos na reta <(s) = 1/2.

Sabe-se que na reta <(s) = 1/2 existe uma infinidade de zeros da funcao zetae que estes sao simetricos em relacao a reta =(s) = 0. A veracidade da hipotese deRiemann implica em maiores informacoes sobre a distribuicao dos numeros primos(para mais sobre isto ver [Ap, chapter13]).

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32 5. NUMEROS PRIMOS

O inteiro positivo n nada mais e que a cardinalidade do anel Z/nZ da arit-metica modular (a ser introducido no proximo capıtulo). Esta analogia faz comque Dedekind considere a seguinte extensao da funcao zeta. Seja K uma extensaofinita do corpo dos racionais Q (ver a parte referente a teoria de corpos). Existeum subconjunto OK de K que cumpre o mesmo papel de Z com relacao a Q. Esteconjunto e chamado o anel de inteiros de K. Ele tem (entre outras propriedadesimportantes) a caracterıstica que o anel quociente OK/I (onde I e um ideal deOK , para mais sobre anel quocientes ver a parte de aneis) e um conjunto finito cujacardinalidade e denotada por N(I). Assim, Dedekind define a funcao zeta de Kpor

ζK(s) :=∑

I

N(I)−s, onde <(s) > 1,

e I percorre todos os ideais de OK . Novamente conjectura-se que os zeros destafuncao estao na reta <(s) = 1/2, o que permanece em aberto. Note que ζQ nadamais e que a funcao zeta de Riemann.

Nos anos 20 e 30 do seculo XX, E. Artin, H. Hasse e A. Weil consideraram umanalogo “geometrico” desta situacao. Nele o papel de Q era ocupado pelo corpo defuncoes racionais em uma variavel Fq(τ) sobre um corpo finito Fq de q elementos(ver parte de corpos). Neste contexto, L e uma extensao finita de Fq(τ). O corpoL possui tambem um subanel com propriedades similares a OK (quando K e umaextensao finita de Q). Isto permite a construcao de uma funcao zeta associada aL. Similarmente, pode-se formular como acima uma “hipotese de Riemann” paraL. Esta e chamada uma “hipotese de Riemann para curvas” porque L nada maise que o corpo de funcoes racionais de uma curva sobre um corpo finito (para maissobre curvas sobre corpos finitos e a hipotese de Riemann neste contexto ver [Lo]).Apos casos particulares da hipotese de Riemann para curvas terem sido tratadospor Artin e Hasse, Weil utilizando variedades abelianas e representacoes `-adicasobtem em 1948 a prova da “hipotese de Riemann para curvas” de forma geral.

No ano seguinte (1949) Weil propoe uma vasta generalizacao deste resultadosubstituindo Fq(τ) por um corpo de funcoes κ em n variaveis sobre Fq. Neste casoa extensao finita L de κ nada mais e que o corpo de funcoes de uma variedadealgebrica sobre Fq (para variedades algebricas ver [Ha]). De maneira visionariaWeil percebe que uma prova da hipotese de Riemann neste contexto mais geralseria consequencia de uma teoria de cohomologia suficientemente “rica” para re-produzir as propriedades da cohomologia singular sobre os complexos. Segundomuitos, as conjecturas de Weil foram sem sobra de duvida o problema matematicomais profundo apos a segunda guerra mundial. Na busca da cohomologia perdida,os primeiros passos foram dados por J.-P. Serre introduzindo a cohomologia de feixesde vetores de Witt. Mas foi A. Grothendieck que compreendeu que a funcao zetatraz em si algo de novo que nao havia sido percebido pelos geometras algebricos,desde de os italianos do seculo XIX. Ela necessitava de uma base variavel, ou seja, avariedade algebrica era considerada simultaneamente sobre todos os corpos finitosFqn . Para isto introduziu o conceito que revoluciona completamente a geometriaalgebrica no seculo XX, a teoria de esquemas. Com a contribuicao de inumerosmatematicos alem de Serre e Grothendieck, dentre eles M. Artin, J.-L. Verdier eL. Illusie, as teoria de esquemas e de cohomologia evoluiram, permitindo que sedescobrisse que a “cohomologia apropriada”, a cohomologia etale (para mais so-bre a cohomologia etale veja [Mi]), e que finalmente em 1973, um ex-aluno de

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5.6. FUNCAO ZETA 33

Grothendieck, P. Deligne provasse finalmente as conjecturas de Weil (para os resul-tados de Deligne veja [We1] e [We2]). Entretanto, o mestre nao ficou satisfeito. Naverdade Grothendieck havia formulado um programa muito mais amplo, “as conjec-turas standard”, das quais as conjecturas de Weil eram um corolario. Infelizmente,este programa nunca foi atingido.

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CAPıTULO 6

Aritmetica modular

6.1. Aritmetica modular

Definimos uma funcao soma de classes ⊕ : Z/nZ×Z/nZ→ Z/nZ por a⊕ b :=a+ b.

Lema 6.1. Esta funcao esta bem definida, i.e., se a′ ≡ a (mod n) e b′ ≡ a(mod n), entao a′ + b′ = a+ b.

Demonstracao. Suponha a′ ≡ a (mod n) e b′ ≡ b (mod n), i.e., existemk, l ∈ Z tais que a′ − a = kn e b′ − b = ln. Somando estas igualdades, (a′ + b′) −(a+ b) = (k + l)n, i.e., a′ + b′ ≡ a+ b (mod n), i.e., a′ + b′ = a+ b.

Definimos tambem um funcao produto de classes : Z/nZ × Z/nZ → Z/nZpor a b := ab.

Lema 6.2. Esta funcao tambem esta bem definida, i.e., se a′ ≡ a (mod n) eb′ ≡ b (mod n), entao a′b′ = ab.

Demonstracao. Sejam k, l ∈ Z tais que a′ − a = kn e b′ − b = ln. Logoa′b′ − ab = a′b′ − a′b+ a′b− ab = a′(b′ − b) + b(a′ − a) = (a′l+ bk)n, i.e., a′b′ ≡ ab(mod n), i.e., a′b′ = ab.

Proposicao 6.3. O conjunto Z/nZ munido das operacoes ⊕ e e um anelcomutativo com unidade.

Demonstracao. Precisamos provar que as 8 propriedades de 2.3 sao satis-feitas. Elas sao herdadas das mesmas propriedades para inteiros como segue abaixo.

(1) a⊕ (b⊕c) = a⊕b+ c = a+ (b+ c) = (a+ b) + c = a+ b⊕c = (a⊕b)⊕c.(2) a⊕ b = a+ b = b+ a = b⊕ a.(3) Note que 0 = n = kn | k ∈ Z = nZ e o conjunto dos inteiros que sao

multiplos de n. Observe que a⊕ 0 = a+ 0 = a.(4) a⊕ n− a = a+ n− a = n = 0.(5) a (b c) = a bc = a(bc) = (ab)c = ab c = (a b) c.(6) a b = ab = ba = b a.(7) a 1 = a.1 = a.(8) a (b⊕ c) = a b+ c = a(b+ c) = ab+ ac = ab⊕ ac = (a b)⊕ (a c).

A propriedade de cancelamento em um anel garante que este e um domınio deintegridade. Nem sempre Z/nZ e um domınio de integridade. Para simplificar anotacao escreveremos + no lugar de ⊕ e ab no lugar de a b.

Proposicao 6.4. Z/nZ e um domınio de integridade se e somente se n = p eum numero primo.

35

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36 6. ARITMETICA MODULAR

Demonstracao. Suponha que Z/nZ seja um domınio de integridade. Supo-nha que n = ab com 1 ≤ a, b ≤ n. Entao n = 0 = ab = ab. Pela propriedade docancelamento, a = 0 ou b = 0. No primeiro caso existe α ≥ 1 inteiro tal que a = nα,logo n = nαb, i.e., 1 = αb, i.e., b = 1 e a = n. No segundo caso existe β ≥ 1 inteirotal que b = nβ, logo n = anβ, i.e., 1 = aβ, i.e., a = 1 e b = n. Portanto, n e primo.

Suponha que n = p seja primo. Suponha ab = 0, i.e., ab = 0, i.e., p | ab.Pelo Lema 3.3, p | a ou p | b, i.e., a = 0 ou b = 0, i.e., vale a propriedade decancelamento.

Um elemento a ∈ Z/nZ e dito inversıvel, se existe b ∈ Z/nZ tal que ab = 1. De-notamos por (Z/nZ)∗ o subconjunto de Z/nZ formado pelos elementos inversıveis.Um domınio de integridade D e dito um corpo, se para todo a ∈ D\0 existe b ∈ Dtal que ab = 1. Assim, Z/nZ e um corpo se e somente se (Z/nZ)∗ = Z/nZ \ 0.

Proposicao 6.5. Z/nZ e um corpo se e somente se n = p e um numero primo.

Demonstracao. Suponha que Z/nZ seja um corpo. Seja n = ab com 1 ≤a, b ≤ n inteiros. Suponha que a < n. Neste caso, a 6= 0. Por hipotese, existec ∈ Z/nZ tal que ac = 1. Note que n = 0 = ab = ab. Multiplicando esta igualdadepor c dos dois lados obtemos 0 = b, i.e., b = n. Neste caso a = 1. Se a = n, entaonecessariamente b = 1 e portanto n e primo.

Reciprocamente, suponha que n = p seja primo. Seja a ∈ Z/nZ\0, i.e., p - a.Logo mdc(a, p) = 1. Pelo algoritmo euclideano estendido, existem r, s ∈ Z tais quera+ sp = 1, i.e., ra ≡ 1 (mod p), i.e., ra = ra = 1, i.e., a ∈ (Z/nZ)∗.

A princıpio Z/nZ e o conjunto de todas as classes a para a ∈ Z. Definido destaforma Z/nZ poderia ser infinito. Isto nao ocorre.

Proposicao 6.6. Z/nZ = 0, · · · , n− 1 e #Z/nZ = n.

Demonstracao. Por definicao o conjunto do lado direito esta contido no con-junto do lado esquerdo. O que temos que provar e a inclusao oposta. Suponha quea ∈ Z/nZ. Note que podemos sempre supor que a ≥ 0, basta tomar um multiplokn de n suficientemente grande tal que a′ = a+ kn ≥ 0, uma vez que a = a′. Peloalgoritmo da divisao, existem q, r ∈ Z tais que a = qn+r com 0 ≤ r < n, i.e., a ≡ r(mod n), i.e., a = r ∈ 0, · · · , n− 1.

Mostraremos agora que quaisquer duas classes no conjunto da direita sao dis-tintas. Sejam 0 ≤ a < b < n inteiros. Logo 0 ≤ b− a < b < n, i.e., b 6≡ a (mod n),i.e., b 6= a.

O conjunto (Z/nZ)∗ dos inversıveis em Z/nZ pode ser caracterizado tambemda seguinte forma.

Proposicao 6.7. (Z/nZ)∗ = a ∈ Z/nZ | mdc(a, n) = 1.

Demonstracao. Seja a ∈ (Z/nZ)∗, i.e., existe b ∈ Z/nZ tal que ab = ab = 1,i.e., existe k ∈ Z tal que ab− kn = 1. Seja d = mdc(a, n) ≥ 1. Logo d | 1, mas istoso e possıvel se d = 1.

Seja a ∈ Z/nZ tal que mdc(a, n) = 1. Pelo algoritmo euclideano estendido,existem r, s ∈ Z tais que ra+ sn = 1, i.e., ra ≡ 1 (mod n), i.e., ra = r a = 1, i.e.,a ∈ (Z/nZ)∗.

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6.2. CRITERIOS DE DIVISIBILIDADE 37

6.2. Criterios de divisibilidade

Utilizaremos a aritmetica modular para demonstrar criterios de divisibilidade.

6.2.1. Expansao de um inteiro em uma dada base. Sejam a ≥ 0 e b ≥ 1inteiros. Seja n ≥ 1 inteiro tal que bn seja a maior potencia positiva de b menor ouigual a a, i.e.,

bn ≤ a < bn+1.

Pelo algoritmo da divisao existem qn, rn ∈ Z tais que

a = qnbn + rn, onde 0 ≤ rn < bn.

Observemos que0 ≤ qn < b.

A primeira desigualdade e clara, porque qnbn e o maior multiplo positivo de bn quee menor ou igual a a. Suponha que qn ≥ b. Logo

a ≥ bn+1 + rn ≥ bn+1,

o que nao e possıvel. Em seguida, dividimos rn por qn−1, i.e., existem qn−1, rn−1 ∈Z tais que

rn = qn−1bn−1 + rn−1, onde 0 ≤ rn−1 < bn−1.

Novamente,0 ≤ qn−1 < b.

Nao precisamos repetir o argumento da primeira desigualdade, pois e o mesmo.Para a segunda, se qn−1 ≥ b, terıamos

rn ≥ bn + rn−1 ≥ bn,o que nao e possıvel. Substituindo na primeira igualdade obtemos

a = qnbn + qn−1b

n−1 + rn−1.

Novamente, pelo algoritmo da divisao existem qn−2, rn−2 ∈ Z tais que

rn−1 = qn−2bn−2 + rn−2, onde0 ≤ rn−2 < bn−2.

Se qn−2 ≥ b, entaorn−1 ≥ bn−1 + rn−2 ≥ bn−1,

o que e impossıvel. Portanto, 0 ≤ qn−2 < b. Prosseguindo sucessivamente obtemos

(6.1) a = qnbn + qn−1b

n−1 + . . .+ q1b+ q0,

onde 0 ≤ qi < b para todo 0 ≤ i ≤ n. A expressao (6.1) e chamada a expansao dea na base b. Denotamos esta expansao por ab := (qn · · · q0)b.

Seja a ≥ 0 inteiro e a = an.10n + . . .+ a1.10 + a0 sua expansao na base 10. Oselementos an, · · · , a0 sao chamados os algarismos de a e a := (an · · · a0)10.

Exemplo 6.8. Um inteiro a ≥ 0 e divisıvel por 3 se e somente se∑n

i=0 ai ≡ 0(mod 3). De fato, 10 ≡ 1 (mod 3), pois 10 − 1 = 9 = 3.3. Logo para todo n ≥ 0,10n ≡ 1n = 1 (mod 3). Portanto, a ≡

∑ni=0 ai (mod 3). Logo a ≡ 0 (mod 3) se e

somente se∑n

i=0 ai ≡ 0 (mod 3).

Exemplo 6.9. Um inteiro a ≥ 0 e divisıvel por 11 se e somente se∑n

i=0(−1)ai

≡ 0 (mod 11). De fato, 10 ≡ −1 (mod 11), pois 10 − (−1) = 11. Logo para todon ≥ 1, 10n ≡ (−1)n (mod 11) e portanto, a ≡

∑ni=0(−1)ai (mod 11). Conse-

quentemente, a ≡ 0 (mod 11) se e somente se∑n

i=0(−1)ai ≡ 0 (mod 11).

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38 6. ARITMETICA MODULAR

Exemplo 6.10. O criterio de divisibilidade por 7 e um pouco mais intrincado.A razao e a seguinte: 10 ≡ 3 (mod 7), pois 10 − 3 = 7. Logo 102 ≡ 32 ≡ 2(mod 7), pois 9 − 2 = 7; 103 ≡ 3.2 = 6 (mod 7); 104 ≡ 6.3 ≡ 4 (mod 7), pois18− 4 = 14 = 2.7; 105 ≡ 4.3 ≡ 5 (mod 7), pois 12− 5 = 7; 106 ≡ 5.3 ≡ 1 (mod 7),pois 15 − 1 = 14 = 2.7. Suponha para simplificar que n = 5, i.e., a tem apenas 6algarismos. Aplicando o mesmo raciocınio acima obtemos que a ≡ 0 (mod 7) se esomente se 5a5 + 4a4 + 6a3 + 2a2 + 3a1 + a0 ≡ 0 (mod 7).

6.3. Contando elementos inversıveis

No capıtulo de fatoracao de inteiros introduzimos a funcao φ de Euler. Pelaproposicao 6.7 a definicao dada anteriormente coincide com φ(n) := #(Z/nZ)∗.Nesta secao vamos calcular no caso em que n e primo ou potencia de primo. Nocapıtulo seguinte, usando o teorema chines dos restos, faremos o calculo geral.

Lema 6.11. Seja p um numero primo. Entao

φ(p) = p− 1.

Demonstracao. Provamos anteriormente que quando n = p e primo (Z/pZ)∗

= Z/pZ \ 0, logo φ(p) = #(Z/pZ)− 1 = p− 1.

Lema 6.12. Seja p um numero primo e r ≥ 1 inteiro. Entao

φ(pr) = pr−1(p− 1).

Demonstracao. Pela proposicao 6.7, a ∈ (Z/prZ)∗ se e somente se mdc(a, pr)= 1, i.e., p - a. Ao inves de contarmos estes elementos contaremos aqueles que saodivisıveis por p e subtairemos do total pr este numero. Expandimos a na base p,i.e.,

a = qr−1pr−1 + . . .+ q1p+ q0, onde 0 ≤ qi < p

e inteiro para todo 0 ≤ i ≤ r − 1. Assim, p | a se e somente se q0 = 0. Para cadaqi com 1 ≤ i ≤ r− 1 temos exatamente p escolhas. Logo o total de escolhas para atal que p | a e pr−1. Portanto, φ(pr) = pr − pr−1 = pr−1(p− 1).

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CAPıTULO 7

Sistemas de congruencia

7.1. Equacoes diofantinas

Uma equacao diofantina e uma equacao polinomial em um numero finito devariaveis cujos coeficientes sao numeros inteiros e/ou racionais e procuramos solu-coes inteiras e/ou racionais. Nesta secao daremos um exemplo de como utilizar aaritmetica modular para provar que uma dada equacao diofantina nao tem solucoesinteiras.

Exemplo 7.1. Seja f(x, y) = x3 − 711y3 = 5. Perguntamos se existem pares(a, b) ∈ Z × Z tais que f(a, b) = 0. Mostraremos que nao pode existir um tal par(a, b). De fato, suponha que exista. Logo a3 ≡ 5 (mod 9). Calculemos os cubosde todos os elementos de Z/9Z. 13 = 1; 23 = 8, 33 = 0, 43 = 424 = 74 = 1;53 = −43 = −43 = 8; 63 = −33 = −33 = 0; 73 = −23 = −23 = 1; 83 = −13 = 8.Portanto, nao existe a ∈ Z tal que a3 ≡ 5 (mod 9), logo nao pode existir (a, b) ∈Z× Z tal que f(a, b) = 0.

7.2. Equacoes lineares

Teorema 7.2. Sejam a, b ∈ Z, a 6= 0 e n ≥ 1 inteiro. A equacao ax ≡ b(mod n) tem solucao se e somente se d := mdc(a, n) | b.

Demonstracao. Suponha que x0 ∈ Z seja uma solucao da equacao. Como ddivide a e n, denotamos a = a′d e n = n′d, onde n′, a′ ∈ Z. Logo existe k ∈ Z talque ax0 − b = kn, i.e., d(a′x0 − kn′) = b, assim d | b.

Reciprocamente, suponha que d | b, digamos b = db′. Pelo algoritmo euclideanoestendido, existem t, s ∈ Z tais que ta+ sn = d. Multiplicando ambos os lados porb′ obtemos a(tb′) + snb′ = db′ = b, i.e., a(tb′) ≡ b (mod n), i.e., tb′ e uma solucaoda equacao.

Observacao 7.3. Observe que se x0 ∈ Z e uma solucao de ax ≡ b (mod n),entao para todo y0 ≡ x0 (mod n), concluimos que y0 tambem e solucao da equacao(assim dizemos que a classe x0 de x0 e uma solucao para ax = b). De fato, y0 =x0+kn para algum k ∈ Z e ax0 = b+ln para algum l ∈ Z. Logo ay0 = b+ln+akn =b+ (l + ak)n, i.e., ay0 ≡ b (mod n).

Teorema 7.4. Suponha que a equacao ax ≡ b (mod n) admita uma solucaox0 ∈ Z. O numero de solucoes (modulo n) de ax ≡ b (mod n) e d e elas sao dadaspelas classes cujos representantes sao x0, x0 + n′, · · · , x0 + (d− 1)n′.

Demonstracao. Provemos inicialmente que cada um desses elementos e solu-cao. Escrevemos y0 = x0 + kn′ para algum 0 ≤ k ≤ d − 1 inteiro. Logo ay0 =ax0 + akn′ = b+ ln+ akn′ = b+ ln+ a′dkn′ = b+ ln+ a′kn = b+ n(l+ a′k), i.e.,ay0 ≡ b (mod n). Em seguida observemos que se 0 ≤ k < r ≤ d − 1 sao numeros

39

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40 7. SISTEMAS DE CONGRUENCIA

inteiros, entao x0 + kn′ 6≡ x0 + rn′ (mod n). De fato, 0 < (x0 + rn′)− (x0 + kn′) =n′(r − k) < n′d = n, logo n - ((x0 + rn′)− (x0 + kn′) = n′(r − k)).

7.3. Sistemas de equacoes lineares

Teorema 7.5. Sejam m,n ≥ 1 inteiros tais que mdc(m,n) = 1 e a, b ∈ Z.Existe x ∈ Z tal que o sistema

x ≡ a (mod m)

x ≡ b (mod n)

tenha solucao.

Demonstracao. Pelo algoritmo euclideano estendido existem t, s ∈ Z taisque tm+ sn = 1. Logo

tm ≡ 1 (mod n) e sn ≡ 1 (mod m).

Seja x0 := asn+ btm. Observe que

x0 ≡ asn (mod m) ≡ a (mod m) e x0 ≡ btm (mod n) ≡ b (mod n).

Teorema 7.6. Sejam m1, · · · ,mr ≥ 1 inteiros tais que para todo 1 ≤ i 6= j ≤ r,mdc(mi,mj) = 1. Sejam a1, · · · , ar ∈ Z. Existe x ∈ Z tal que o sistema

(7.1)

x ≡ a1 (mod m1)· · ·x ≡ ar (mod mr)

tenha solucao.

Demonstracao. Sejam := m1 · · ·mr

e para todo 1 ≤ i ≤ r, seja

ni :=m

mi= m1 · · ·mi−1mi+1 · · ·mr.

Como para cada j 6= i, mdc(mj ,mi) = 1, temos que mdc(ni,mi) = 1. Peloalgoritmo euclideano estendido existem ti, si ∈ Z tais que tini + simi = 1, i.e.,

tini ≡ 1 (mod mi)

e para todo j 6= i, como ni ≡ 0 (mod mj), entao

tini ≡ 0 (mod mj).

Tomex0 := a1t1n1 + . . .+ artrnr.

De fato, para todo 1 ≤ i ≤ r, temos

x0 ≡ aitini (mod mi) ≡ ai (mod mi),

uma vez queajtjnj ≡ 0 (mod mi) para i 6= j.

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7.5. APLICACAO 41

7.4. Teorema Chines dos Restos

Notacao. Dado n ≥ 1 inteiro e a ∈ Z denotaremos nesta secao a classe de amodulo n por a + nZ. Isto e motivado pelo fato que um elemento e equivalente aa modulo n se e somente se ele difere de a por um multiplo de n.

Teorema 7.7. Sejam m1, · · · ,mr ≥ 1 inteiros tais que para todo 1 ≤ i 6= j ≤ r,mdc(mi,mj) = 1. Seja m := m1 · · ·mr. Existe uma bijecao

ϕ :ZmZ→ Z

m1Z× . . .× Z

mrZdefinida por

ϕ(a+mZ) = (a+m1Z, · · · , a+mrZ).Seja ψ a restricao de ϕ a (Z/mZ)∗, entao

ψ :(ZmZ

)∗→(Z

m1Z

)∗× . . .×

(Z

mrZ

)∗tambem e uma bijecao.

Demonstracao. Provemos inicialmente que ϕ esta bem definida. De fato, seb ≡ a (mod m), entao para todo 1 ≤ i ≤ r, mi | m | (b− a), logo b ≡ a (mod mi),i.e., b+miZ = a+miZ.

Provemos agora que ϕ e injetiva. Suponha que ϕ(a +mZ) = ϕ(b +mZ), i.e.,para todo 1 ≤ i ≤ r, a ≡ b (mod mi). Como para i 6= j, mdc(mi,mj) = 1,concluimos que m | (a− b), i.e., a+mZ = b+mZ.

Provar que ϕ e sobrejetiva equivale a dizer que para todo (a1 +m1Z, · · · , ar +mrZ) ∈ Z/m1Z× . . .× Z/mrZ e da forma ϕ(x+mZ) para algum x ∈ Z, i.e., queo sistema (7.1) tema solucao, o que ja foi provado.

Provemos agora que um elemento inversıvel modulo m tem imagem cujascomponentes sao inversıveis com respeito aos respectivos modulos. Suponha quea + mZ ∈ (Z/mZ)∗, i.e., mdc(a,m) = 1. Como m = m1 · · ·mr, concluimos quepara cada 1 ≤ i ≤ r, mdc(a,mi) = 1, i.e., a+miZ ∈ (Z/miZ)∗. Como ψ e obtidarestringindo ϕ a um subconjunto do domınio, concluimos que ψ tambem e injetiva.

Quanto a sobrejetividade, seja (a1 +m1Z, · · · , ar +mrZ) ∈ (Z/m1Z)∗ × . . .×(Z/mrZ)∗. Pela parte anterior sabemos que existe x ∈ Z tal que ϕ(x+mZ) = (a1+m1Z, · · · , ar+mrZ). Observemos que na verdade x+mZ ∈ (Z/mZ)∗. De fato, paracada 1 ≤ i ≤ r, x+miZ = ai +miZ, i.e., x ≡ ai (mod mi), mas mdc(ai,mi) = 1,logo mdc(x,mi) = 1 para todo 1 ≤ i ≤ r. Como m = m1 · · ·mr e mdc(mi,mj) = 1para i 6= j obtemos que mdc(x,m) = 1, i.e., x+mZ ∈ (Z/mZ)∗.

Corolario 7.8. Para todo n ≥ 1 inteiro seja φ(n) = #(Z/nZ)∗. Entao

φ(m) = φ(m1) · · ·φ(mr).

7.5. Aplicacao

Seja n = pe11 · · · per

r a fatoracao do inteiro n ≥ 1. Pelo corolario 7.8 e pelo lema6.12,

(7.2) φ(n) = φ(pe11 ) · · ·φ(per

r ) = pe1−11 (p1 − 1) · · · per−1

r (pr − 1)

= pe11

(1− 1

p1

)· · · per

r

(1− 1

pr

)= n

∏p|n

(1− 1

p

).

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42 7. SISTEMAS DE CONGRUENCIA

Vamos utilizar a formula (7.2) para uma aplicacao.

Proposicao 7.9. Suponha que φ(n) = p seja um numero primo. Entao n = 3,4 ou 6.

Demonstracao. Se r > 2, entao ei = 1 para todo 1 ≤ i ≤ r. Logo φ(n) =∏ri=1(pi − 1). Como r > 2 existem pelo menos dois primos ımpares na fatoracao,

logo 4 | φ(n), o que nao e possıvel. Logo r ≤ 2. Suponhamos inicialmente r = 2,i.e., φ(n) = pe1−1

1 (p1 − 1)pe2−12 (p2 − 1). Se p1, p2 > 2 entao (novamente) 4 | φ(n).

Logo p1 = 2 e φ(n) = 2e1−1pe2−12 (p2 − 1). Se e1 > 1, como p2 > 2, entao 4 | φ(n).

Assim, e1 = 1 e φ(n) = pe2−12 (p2 − 1). Se e2 > 1, entao φ(n) tem 2 e p2 como

fatores primos. Assim, e2 = 1 e φ(n) = pe2−12 . Novamente, como este numero e

primo, e2 = 1 e φ(n) = p2−1. Mas este numero e par e primo, logo p2 = 3 e n = 6.Suponhamos que r = 1, i.e., φ(n) = pe1−1

1 (p1 − 1). Se p1 = 2, entao φ(n) =2e1−1. A unica forma deste numero ser primo e e1 = 2, logo n = 4. Suponhap1 > 2. Se e1 > 1, entao φ(n) tem 2 fatores primos p1 e 2 (pois p1 − 1 e par),impossıvel. Assim, e1 = 1 e φ(n) = p1 − 1. Isto ja foi feito anteriormente, i.e.,p1 = 3 e n = 3.

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CAPıTULO 8

Aplicacoes da teoria de grupos a teoria elementardos numeros

Neste capıtulo desenvolveremos aplicacoes da teoria de grupos a aritmeticaelementar. Utilizaremos os resultados do capıtulo 9.

8.1. Primalidade de numeros de Mersenne

Para todo inteiro n ≥ 1, seja Mn := 2n − 1 o n-esimo numero de Mersenne.Nosso objetivo e utilizar a teoria de grupos para determinar se Mn e primo ou obterseu menor fator primo. Ja provamos anteriormente que se n e composto, entao Mn

tambem o e. Assim, consideraremos apenas Mp para p primo.Seja q um fator primo de Mp, i.e., 2p ≡ 1 (mod q). Portanto em (Z/qZ)∗ temos

2p = 1, i.e., o(2) | p. Como p e primo temos que o(2) = 1 ou p. O primeiro casonao pode ocorrer, pois 2 6= 1. Logo o(2) = p. Pelo teorema de Lagrange,

o(2) = p | #(Z/qZ)∗ = φ(q) = q − 1,

i.e., existe k ≥ 1 inteiro tal que q = 1 + kp.

Proposicao 8.1. Todo fator primo de Mp e da forma 1+kp para algum inteirok ≥ 1.

Provamos anteriormente que o menor fator primo de um numero inteiro n ≥ 1e no maximo

√n. Logo

q ≤√

2p − 1 < 2p/2, i.e. , k <2p/2 − 1

p.

Dessa forma para determinar um fator primo de Mp testamos para cada inteiro ktal que

1 ≤ k < 2p/2 − 1p

se 1 + kp e primo e se divide Mp. Se para cada k pelo menos um desses fatos naoocorrer entao Mp e um numero primo.

8.2. Primalidade de numeros de Fermat

Para todo inteiro n ≥ 1, seja Fn := 22n

+ 1 o n-esimo numero de Fermat. Sejaq um fator primo de Fn. Entao 22n ≡ −1 (mod q), logo 22n+1 ≡ 1 (mod q), i.e.,

22n+1

= 1 em (Z/qZ)∗. Neste caso

o(2) | (2n+1), i.e. , o(2) = 2d para 1 ≤ d ≤ n+ 1.

Afirmamos que d = n+ 1. De fato, se d < n+ 1, entao

22n

= (22d

)2n−d

= 1,

43

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44 8. APLICACOES DA TEORIA DE GRUPOS

o que e um absurdo, portanto o(2) = 2n+1. Pelo teorema de Lagrange,

o(2) = 2n+1 | #(Z/qZ)∗ = φ(q) = q − 1,

i.e., existe k ≥ 1 tal que q = 1 + k2n+1.

Proposicao 8.2. Todo fator primo de Fn e da forma 1 + k2n+1 para alguminteiro k ≥ 1.

Como no caso dos numeros de Mersenne, temos que

q ≤√

22n + 1, i.e. , k ≤√

22n + 1− 12n+1

.

Dessa forma para determinar um fator primo de Fn testamos para cada inteiro ktal que

1 ≤ k <√

22n + 1− 12n+1

se 1 + k2n+1 e primo e se divide Fn. Se para cada k pelo menos um desses fatosnao ocorrer entao Fn e um numero primo.

8.3. Numeros de Carmichael

O pequeno teorema de Fermat afirma que se p e um numero primo e a ∈ Ztal que p - a, entao ap−1 ≡ 1 (mod p). Assim, isto funciona para todo 1 ≤ a < pinteiro. Isto motiva a seguinte definicao.

Definicao 8.3. Seja n ≥ 3 inteiro ımpar e 1 ≤ b < n inteiro. Dizemos que ne pseudoprimo na base b se bn−1 ≡ 1 (mod n).

Observacao 8.4. Segue do pequeno teorema de Fermat que um numero primop e pseudoprimo em toda base 1 ≤ b < p. Observe que a princıpio para um numerocomposto n nao podemos esperar que ele seja pseudoprimo em toda base. De fato,seja d = mdc(b, n). Suponha que d > 1 e que n seja pseudoprimo na base b, i.e.,existe k ∈ Z tal que bn−1 − 1 = kn. Logo d | 1, o que nao e possıvel. Assimverificaremos a congruencia apenas para as bases b tais que mdc(b, n) = 1, i.e.,b ∈ (Z/nZ)∗.

Definicao 8.5. Seja n ≥ 3 ımpar composto. Suponha que para todo inteiro1 ≤ b < n tal que mdc(b, n) = 1 tenhamos bn−1 ≡ 1 (mod n). Dizemos que n e umnumero de Carmichael.

Exemplo 8.6. 561 e o menor numero de Carmichael. E claro que provar istodiretamente e trabalhoso, precisamos para cada inteiro

1 ≤ b < 561 tal que mdc(b, 561) = 1

verificar queb560 ≡ 1 (mod 561).

Ao inves disto observemos que

561 = 3.11.17.

Dizer queb560 ≡ 1 (mod 561)

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8.4. TEOREMA DA RAIZ PRIMITIVA 45

equivale a dizer que 561 | (b560 − 1), i.e., que 3 | (b560 − 1), 11 | (b560 − 1) e17 | (b560 − 1). Como mdc(b, 561) = 1, concluimos que mdc(b, 3) = mdc(b, 11) =mdc(b, 17) = 1. Aplicando o pequeno teorema de Fermat concluimos que

b2 ≡ 1 (mod 3), logo b560 = (b2)280 ≡ 1 (mod 3);

b10 ≡ 1 (mod 11), logo b560 = (b10)56 ≡ 1 (mod 11);

b16 ≡ 1 (mod 17), logo b560 = (b16)35 ≡ 1 (mod 17).

Generalizaremos agora o procedimento do exemplo, de forma a provar, a partirda fatoracao de n, que n e um numero de Carmichael.

Teorema 8.7 (teorema de Korselt). Seja n ≥ 3 ımpar composto. n e umnumero de Carmichael se e somente se

(1) n e livre de quadrados.(2) Para todo fator primo p de n, (p− 1) | (n− 1).

Demonstracao. Suponha que as 2 condicoes acima sejam satisfeitas. Seja1 ≤ b < n inteiro tal que mdc(b, n) = 1. Afirmamos que para todo fator primo p den, temos bn−1 ≡ 1 (mod p).

De fato, como mdc(b, n) = 1, entao mdc(b, p) = 1. Pelo pequeno teorema deFermat, bp−1 ≡ 1 (mod p). Por hipotese, existe k ∈ Z tal que n − 1 = k(p − 1),logo bn−1 = (bp−1)k ≡ 1 (mod p). Alem disto temos que n fatora-se n = p1 · · · pr.Como os pi’s sao distintos e para todo 1 ≤ i ≤ r, pi | (bn−1 − 1), concluimos quen | (bn−1 − 1), i.e., bn−1 ≡ 1 (mod n).

Reciprocamente, seja p um fator primo de n e suponhamos que p2 | n. Observeque

(p− 1)n−1 =n−1∑i=0

(n− 1i

)(−1)n−1−ipi ≡ (n− 1)(−1)n−2p+ 1 6≡ 1 (mod p2),

logo (p− 1)n−1 6≡ 1 (mod n), portanto n nao pode ser um numero de Carmichael.Observe que efetivamente, mdc(p − 1, n) = 1, pois se este mdc fosse igual a d,concluiriamos que d | 1, assim d = 1.

Para provar a validade da segunda condicao precisamos do teorema da raizprimitiva que provaremos na secao seguinte. Ele afirma que se p e um numeroprimo, entao o grupo (Z/pZ)∗ e um grupo cıclico.

De fato, seja a um gerador de (Z/pZ)∗. Entao mdc(a, n) = 1 e uma vez que n eum numero de Carmichael, temos an−1 ≡ 1 (mod n). A fortiori, an−1 ≡ 1 (mod p).Ou seja, an−1 = 1 em (Z/pZ)∗. Logo, pelo lema chave, p− 1 = o(a) | (n− 1).

8.4. Teorema da raiz primitiva

Seja n ≥ 3 inteiro ımpar. Provamos anteriormente que φ(n) < n, i.e., φ(n) ≤n − 1. Note que φ(n) conta exatamente a quantidade de classes a ∈ (Z/nZ)∗ taisque mdc(a, n) = 1. Assim, φ(n) = n − 1 se e somente se n e primo. Se existiruma classe a ∈ (Z/nZ)∗ tal que o(a) = n − 1, entao (pelo teorema de Lagrange)(n − 1) | φ(n), logo vale n − 1 = φ(n). Portanto, se (Z/nZ)∗ for cıclico, entao n eprimo. O objetivo deste capıtulo e mostrar a recıproca deste resultado.

Teorema 8.8 (teorema da raiz primitiva). Se p e primo, entao (Z/pZ)∗ ecıclico.

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46 8. APLICACOES DA TEORIA DE GRUPOS

Note que (Z/4Z)∗ e cıclico de ordem 2. Utilizando o teorema chines dos restostemos (como consequencia do teorema da raiz primitiva) que (Z/2pZ)∗ tambem ecıclico para p primo.

Demonstracao. Seja a1 ∈ (Z/pZ)∗ e d1 := o(a1). Se d1 = p − 1, acabou.Senao, seja H1 o subgrupo cıclico de (Z/pZ)∗ gerado por a1. Temos que H1 $(Z/pZ)∗. Note que H1 coincide exatamente com as solucoes de xd1−1 em (Z/pZ)∗.Seja b1 ∈ (Z/pZ)∗ \H1. Pelo mesmo argumento da prova da proposicao 9.36 temosque existe a2 ∈ (Z/pZ)∗ tal que o(a2) = mmc(o(a1), o(b1)) > o(a1). Se o(a2) = p−1acabou. Senao repetimos o argumento acima obtendo um elemento a3 cuja ordeme estritamente maior que o(a2). Como todas essas ordens sao no maximo p− 1 naopodemos ter uma sequencia estritamente crescente infinita de numeros menores quep− 1. Portanto existe i tal que o(bi) = p− 1.

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Parte 2

Grupos

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CAPıTULO 9

Teoria de Grupos I

9.1. Definicao e exemplos

Definicao 9.1. Um grupo e um conjunto G munido de uma operacao ∗ :G×G→ G dada por (x, y) 7→ x ∗ y satisfazendo as seguintes propriedades:

(1) (associatividade) para todo x, y, z ∈ G, x ∗ (y ∗ z) = (x ∗ y) ∗ z.(2) (Elemento neutro) existe e ∈ G tal que e ∗ x = x ∗ e = x para todo x ∈ G.

(3) (Inverso) para todo x ∈ G existe y ∈ G tal que x ∗ y = y ∗ x = e.O grupo G e dito abeliano ou comutativo se alem disto x ∗ y = y ∗ x para todox, y ∈ G.

Em seguida daremos exemplos de grupos. Para fixar a notacao suponha quea operacao seja de “multiplicacao” e que o inverso de um elemento x ∈ G sejadenotado por x−1.

Observacao 9.2. Seja G um grupo e x, y ∈ G. Afirmamos que

(xy)−1 = y−1x−1.

De fato,

xy(y−1x−1) = x(yy−1)x−1 = xx−1 = 1

y−1x−1(xy) = y−1(x−1x)y = y−1y = 1.

Definicao 9.3. Um grupo G e dito finito se possui um numero finito de e-lementos, caso contrario e dito infinito. Se G for um grupo finito, o numero deelementos de G e chamado a ordem de G e denotado por #G.

Exemplo 9.4 (grupos abelianos infinitos). Z,Q,R,C e ∗ = +.

Exemplo 9.5 (grupos abelianos infinitos). Q \ 0,R \ 0,C \ 0 e ∗ = . .

Exemplo 9.6. Seja

M2(R) :=(

a bc d

)| a, b, c, d ∈ R

o conjunto das matrizes 2 × 2 com entradas reais. Este conjunto e um grupo coma operacao sendo a soma de matrizes. Seja

GL2(R) :=(

a bc d

)∈M2(R) | ad− bc 6= 0

.

Todas estas matrizes sao inversıveis com respeito a multiplicacao de matrizes. As-sim GL2(R) munido do produto de matrizes e um grupo chamado grupo linearem

49

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50 9. TEORIA DE GRUPOS I

dimensao 2 sobre os reais. Ambos os grupos sao infinitos. O primeiro e abeliano.Notemos que GL2(R) nao e comutativo. De fato,(

0 11 0

)(1 01 1

)=(

1 11 0

)e(

1 01 1

)(0 11 0

)=(

0 11 1

).

Exemplo 9.7. Seja G = Z/nZ e ∗ = ⊕. Este e um grupo abeliano de ordemn. Seja G = (Z/nZ)∗ e ∗ = . Este e um grupo de ordem φ(n).

Exemplo 9.8. Denotamos por S∆ o grupo das simetrias do triangulo equilate-ro. A operacao sera , a composicao de funcoes. Fixemos os vertices do triangulono cırculo unitario

S1 := z ∈ C | |z| = 1 por V1 = e2πi, V2 = e2πi/3 e V3 = e4πi/3.

Cada simetria sera uma funcao bijetiva f : V1, V2, V3 → V1, V2, V3 dada porf(Vi) = Vσ(i), onde denotamos f na forma matricial por(

1 2 3σ(1) σ(2) σ(3)

).

Denotamos α := R2π/3 a rotacao de 2π/3 que e dada por

α =(

1 2 32 3 1

).

A rotacao de 4π/3, R4π/3 = R2π/3 R2π/3 que sera denotada por α2 e dada por

α2 =(

1 2 33 1 2

).

Finalmente a rotacao de 2π = 6π/3 nada mais e que id e e denotada por α3, assimα3 = id. Alem disto temos as simetrias em relacao as retas que passam pelosvertices e pelo centro do lado oposto, denotamos estas retas por li para i = 1, 2, 3.Seja β := Sl3 a simetria em relacao a reta l3,

β =(

1 2 32 1 3

).

Note que β2 = id. Seja Sl1 a simetria em relacao a reta l1,

Sl1 =(

1 2 31 3 2

).

Novamente S2l3

= id. Finalmente,

Sl2 =(

1 2 33 1 2

)e S2

l2= id. Assim, S∆ = id, α, α2, β, Sl1 , Sl2. Para provar que S∆ e um grupo

precisamos verificar as 3 propriedades da definicao. A associatividade segue dofato de composicao de funcoes ser associativa. O elemento neutro segue do fatoque a composicao da identidade com qualquer funcao ser a qualquer funcao. Bastaportanto verificar os inversos. De

α3 = αα2 = id

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9.1. DEFINICAO E EXEMPLOS 51

concluimos queα−1 = α2 e que (α2)−1 = α.

Deβ2 = ββ = id,

concluimos queβ−1 = β.

Antes de verificarmos os dois restantes calculemos

αβ =(

1 2 32 3 1

)(1 2 32 1 3

)=(

1 2 31 3 2

)= Sl1 e

α2β =(

1 2 33 1 2

)(1 2 32 1 3

)=(

1 2 33 2 1

)= Sl2 .

Geometricamente ja verificamos que (αβ)2 = (α2β)2 = id, logo (αβ)−1 = αβ e(α2β)−1 = α2β. Dessa forma S∆ e um grupo de ordem 6. Vamos ver isto de formapuramente algebrica e aproveitar para mostrar que S∆ nao e abeliano. Calculemos,

(9.1) βα =(

1 2 32 1 3

)(1 2 32 3 1

)=(

1 2 33 2 1

)= α2β.

Pela observacao 9.2 e por (9.1) temos que

(αβ)−1 = β−1α−1 = βα2 = α2βα = α4β = αβ e

(α2β)−1 = β−1(α2)−1 = βα = α2β.

Exemplo 9.9. O grupo S das simetrias do quadrado. Denotamos os verticespor

V1 = e2πi, V2 = eπi/2, V3 = eπi e V4 = e3πi/2.

Seja α := Rπ/2 a rotacao por π/2 que e dada por

α =(

1 2 3 42 3 4 1

),

a rotacao de π e dada por

Rπ := α2 =(

1 2 3 43 4 1 2

),

a rotacao de 3π/2 e dada por

R3π/2 := α3 =(

1 2 3 44 1 2 3

)e a rotacao de 2π e dada por R2π := α4 = id. Temos tambem a simetria em relacaoas retas l1, respectivamente l3, passando por divindo ao meio os lados V1V4 e V2V3,respectivamente V1V2 e V3V4. Assim,

β := Sl3 =(

1 2 3 42 1 4 3

)e

Sl1 =(

1 2 3 44 3 2 1

).

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52 9. TEORIA DE GRUPOS I

Notemos que geometricamente β2 = S2l1

= id. Finalmente temos as simetrias emrelacao as diagonais d1, respectivamente d2, dada por V1V3, respectivamente V2V4.Assim,

Sd1 =(

1 2 3 41 4 3 2

)e

Sd2 =(

1 2 3 43 2 1 4

).

Novamente, geometricamente S2d1

= S2d2

= id. O conjunto S fica portanto dadopor S = id, α, α2, α3, β, Sl1 , Sd1 , Sd2. Como no exemplo anterior, para provarque e um grupo basta calcular os inversos. Inicialmente,

α4 = αα3 = α2α2 = id,

logoα−1 = α3, (α3)−1 = α e (α2)−1 = α2.

Os demais ja foram calculados geometricamente. Mostraremos que este grupo naoe abeliano e refaremos os calculos algebricamente. Calculemos,

αβ =(

1 2 3 42 3 4 1

)(1 2 3 42 1 4 3

)=(

1 2 3 41 4 3 2

)= Sd1 ,

α2β =(

1 2 3 43 4 1 2

)(1 2 3 42 1 4 3

)=(

1 2 3 44 3 2 1

)= Sl1 e

α3β =(

1 2 3 44 1 2 3

)(1 2 3 42 1 4 3

)=(

1 2 3 43 2 1 4

)= Sd2 .

A primeira observacao e que

βα =(

1 2 3 42 1 4 3

)(1 2 3 42 3 4 1

)=(

1 2 3 43 2 1 4

)= α3β.

Logo,(αβ)−1 = β−1α−1 = βα3 = α3βα2 = α6βα = α2α3β = αβ,

(α2β)−1 = β−1(α2)−1 = βα2 = α3βα = α6β = α2β e

(α3β)−1 = β−1(α3)−1 = βα = α3β.

9.2. Subgrupos

Definicao 9.10. Seja G um grupo, um subconjunto H de G e dito um sub-grupo de G, se 1 ∈ H, dados x, y ∈ H, xy ∈ H e dado x ∈ H, x−1 ∈ H.

Exemplo 9.11. Seja G = Z e n ≥ 1. Note que nZ e um subgrupo de Z. Defato, 0 = n.0 ∈ nZ, x = nk, y = nl, k, l ∈ Z, entao x + y = n(k + l) ∈ nZe −x = n(−k) ∈ nZ. Afirmamos mais, que todo subgrupo de Z e da forma nZpara algum n ≥ 1. De fato, seja H ⊂ Z um subgrupo. Por definicao H ∩ N 6= ∅.Seja n o menor elemento de H ∩ N. E claro que nZ ⊂ H, pela definicao de H.Reciprocamente, se x ∈ H ∩N. Pelo algoritmo da divisao existem q, r ∈ Z tais quex = nq + r com 0 ≤ r < n. Note que r = x − nq ∈ H. Assim r = 0 e x ∈ nZ. Sex ∈ H e x < 0, seja y = −x ∈ H ∩ N. Pelo que foi feito anteriormente, y = kn, emparticular x = −y = (−k)n ∈ nZ.

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9.2. SUBGRUPOS 53

Exemplo 9.12. Seja n ≥ 1 inteiro e

µn := z ∈ C | zn = 1.

Afirmamos que este e um subgrupo de C \ 0. De fato, 1n = 1, logo 1 ∈ µn, sex, y ∈ µn, entao

(xy)n = xnyn = 1,

logo xy ∈ µn e se x ∈ µn, entao x−1C \ 0, logo

(x−1)n = (xn)−1 = 1

e x−1 ∈ µn. Este e um grupo abeliano chamado o grupo das raızes n-esimas daunidade. Seja ζ := e2πi/n, ζ ∈ µn e o menor inteiro positivo m ≥ 1 tal que ζm = 1e n. Afirmamos que

µn = 1, ζ, · · · , ζn−1.

De fato, a inclusao ⊃ e clara. Se z ∈ µn, entao |z| = 1 e z = eiθ, onde θ = k2πpara k ∈ Z. Se k ≥ 1, entao, pelo algoritmo da divisao, existem q, r ∈ Z tais quek = qn+ r com 0 ≤ r < n. Logo

z = ζk = (ζn)qζr = ζr

e z ∈ 1, ζ, · · · , ζn−1. Se k < 0, digamos k = −l, entao ζl ∈ 1, ζ, · · · , ζn−1, ez = ζk = ζ−l = ζn−l ∈ 1, ζ, · · · , ζn−1. Finalmente, temos uma bijecao

µn → Z/nZ dada por ζk 7→ k.

De fato, a sobrejetividade segue da definicao de Z/nZ. E a injetividade uma vezque se k = l, entao n | (k − l), o que so e possıvel se k = l.

Exemplo 9.13. Seja G := GL2(R) e

D2(R) :=(

a 00 d

)| ad 6= 0

o conjunto das matrizes diagonais. Este e um subgrupo de GL2(R), pois(

1 00 1

)∈ D2(R),

se A,B ∈ D2(R), digamos

A =(a 00 d

)e B =

(a′ 00 d′

),

entao

AB =(aa′ 00 dd′

)∈ D2(R),

A−1 =(a−1 00 d−1

)∈ D2(R).

Exemplo 9.14. Seja G := S, entao 1, α, α2, α3 e um subgrupo de S, comotambem 1, β.

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54 9. TEORIA DE GRUPOS I

9.3. Classes Laterais e Teorema de Lagrange

Definicao 9.15. Seja G um grupo e H um subgrupo de G. Dados x, y ∈ Gdefinimos x ∼D y se e somente se x = yα, para algum α ∈ H. Definimos tambemx ∼E y se e somente se x = αy para algum α ∈ H.

Observacao 9.16. As relacoes binarias ∼E e ∼D sao relacoes de equivalencia.De fato, x = x.1, logo x ∼D x. Se x ∼D y, entao x = yα, para algum α ∈ H,logo y = xα−1 e como H e um subgrupo de G, α−1 ∈ H, portanto y ∼D x. Sex ∼D y e y ∼D z, entao x = yα e y = zβ, para α, β ∈ H. Logo x = zβα e βα ∈ H,pois H e um subgrupo de G, donde x ∼D z. Fica como exercıcio fazer a mesmademonstracao para ∼E .

Definicao 9.17. Dado x ∈ G denotamos por

xH := xα |α ∈ H

sua classe de equivalencia com relacao a ∼D, esta e chamada de classe lateral adireita de x em H. Seja

CLD := xH |x ∈ Go conjunto das classes laterais a direita de H em G. Similarmente, definimos aclasse lateral a esquerda de x em H por

Hx := αx |α ∈ H

eCLE := Hx |x ∈ G

o conjunto das classes laterais a esquerda de H em G.

Lema 9.18. Existe uma bijecao

ϕ : CLD→ CLE dada por ϕ(xH) = Hx−1.

Demonstracao. Dado y ∈ G, existe x ∈ G tal que y = x−1, logo Hy =Hx−1 = ϕ(xH) e ϕ e sobrejetiva. Se ϕ(xH) = ϕ(yH), entao Hx−1 = Hy−1, i.e.,existe α ∈ H tal que x−1 = αy−1, i.e., x = yα, i.e., x ∼D y, i.e., xH = yH,portanto ϕ e injetiva.

A partir de agora nesta secao suponhamos que G seja um grupo finito. Observeque

(9.2) G =·⋃

x∈G

xH =·⋃

x∈G

Hx.

Concluimos que o numero de classes laterais (a direita ou a esquerda) de H em Gtambem e finito. Denotamos este numero por (G : H) e chamamos o ındice de Hem G.

Lema 9.19. Para todo x ∈ G, existe uma bijecao

ψ : H → xH dada por α 7→ xα.

Demonstracao. Pela definicao de xH concluimos que ψ e sobrejetiva. Seψ(α) = ψ(β), i.e., xα = xβ, multiplicando os dois lados por x−1 a esquerda,obtemos que α = β, portanto, ψ e injetiva.

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9.4. ORDEM DE ELEMENTO E EXPOENTE DE GRUPO ABELIANO 55

Teorema 9.20 (teorema de Lagrange). Seja G um grupo finito e H um sub-grupo de G. Entao

#G = (G : H)|H|.

Demonstracao. Segue imediatamente de (9.2) e do lema 9.19.

Corolario 9.21. Seja H um grupo finito e H um subgrupo de G. Entao |H|divide |G|.

9.4. Ordem de elemento e expoente de grupo abeliano

Definicao 9.22. Seja G um grupo e x ∈ G. Definimos

o(x) := minn ≥ 1 |xn = 1, n ∈ Zou o(x) = ∞ caso nao exista n ≥ 1 inteiro satisfazendo xn = 1. O numero o(x) echamado a ordem de x.

Exemplo 9.23. Seja G = Z e x = 1. Como para todo n ≥ 1, nx 6= 0,concluimos que o(1) =∞.

Lema 9.24 (lema chave). Seja x ∈ G de ordem n. Suponha que exista t ≥ 1tal que xt = 1. Entao n | t.

Demonstracao. Pelo algoritmo de euclides existem q, r ∈ Z tais que t =qn+ r com 0 ≤ r < n. Logo

1 = xt = xqnxr = xr,

assim pela definicao da ordem de x concluimos que r = 0.

Exemplo 9.25. Seja G := µn para n ≥ 1 inteiro e x := ζ = e2πi/n. Entaoo(ζ) = n. Afirmamos mais ainda que

o(ζi) = n se e somente se mdc(i, n) = 1 para 0 ≤ i < n.

De fato, se mdc(i, n) = d > 1, entao i = di′ e n = dn′ com n′ < n. Por outro lado

(ζi)n′ = ζin′ = ζi′dn′ = ζi′n = (ζn)i′ = 1,

mas isto contradiz o(ζi) = n. Reciprocamente, suponha que 1 ≤ o(ζi) = m < n.Entao ζim = 1, i.e., pelo lema chave im = kn para algum k ≥ 1 inteiro. Comom < n, entao existe algum fator primo p de n tal que p | i, logo mdc(i, n) > 1.Alem disto temos uma bijecao entre

Pn := ζi | mdc(i, n) = 1e (Z/nZ)∗ dada por ζi 7→ i. Por definicao de (Z/nZ)∗ esta aplicacao e sobrejetivae a injetividade segue de i = j implicar em n | (i− j) o que apenas ocorre se i = j.O conjunto Pn e chamado o conjunto das raızes primitivas n-esimas da unidade.Mostramos em particular que #Pn = φ(n).

Exemplo 9.26. Seja G = GL2(R) e

x =(

0 11 0

).

E imediato verificar que o(x) = 2.

Exemplo 9.27. Seja G := S e x = α, entao o(α) = 4.

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56 9. TEORIA DE GRUPOS I

Observacao 9.28. Seja G um grupo e suponha que para todo x ∈ G, o(x) = 2.Entao G e abeliano. De fato, o(x) = 2 significa que x2 = 1, i.e., x−1 = x. Assim,

xy = x−1y−1 = (yx)−1 = yx.

Definicao 9.29. Seja G um conjunto e S um subonjunto de G contendo 1.Seja

〈S〉 := x1 · · ·xr | ai ∈ S ou a−1i ∈ S.

Lema 9.30. 〈S〉 e um subgrupo de G.

Demonstracao. De fato, 1 ∈ 〈S〉. Se x, y ∈ 〈S〉, entao x = x1 · · ·xr comxi ∈ S ou x−1

i ∈ S e y = y1 · · · ys tal que jj ∈ S ou y−1j ∈ S. Logo xy ∈ 〈S〉.

Finalmente, se x ∈ S, entao

x−1 = x−1r · · ·x−1

1

e x−1i ∈ S ou (x−1

i )−1 = xi ∈ S. Logo x−1 ∈ 〈S〉.

Definicao 9.31. O subgrupo 〈S〉 e chamado o subgrupo de G gerado por S.Estamos particularmente interessados no caso em que S = α. Neste caso dizemosque o grupo 〈S〉 e um grupo cıclico. Distinguimos duas situacoes. Na primeirao(α) = n < ∞. Neste caso, 〈α〉 = 1, α, · · · , αn−1 e este conjunto correspondebijetivamente a Z/nZ por αi 7→ i. O segundo caso e aquele no qual o(α) = ∞.Neste caso 〈α〉 = αr | r ∈ Z e corresponde bijetivamente a Z por αr 7→ r.

Corolario 9.32 (corolario 2 do teorema de Lagrange). Seja G um grupo finitoe x ∈ G. Entao o(x) | #G.

Demonstracao. Pelo exemplo anterior, o(x) < ∞ e o(x) = #〈x〉. Pelo teo-rema de Lagrange #〈x〉 | #G.

Definicao 9.33. Seja G um grupo abeliano. Definimos o expoente de G por

exp(G) := mmco(z) | z ∈ G ou ∞, se existir z ∈ G tal que o(z) =∞.

Observacao 9.34. E claro que se G e finito, entao exp(G) < ∞. Mas arecıproca nao e verdade. Por exemplo se G = Z/2Z × . . .Z/2Z × . . ., entao paracada x ∈ G \ 1, onde 1 = (0, · · · , 0, · · · ), o(x) = 2, logo exp(G) = 2, mas G einfinito.

Proposicao 9.35. Seja G um grupo abeliano e z1, · · · , zr ∈ G tais que o(zi) <∞ para todo i. Entao

(i) o(z1 · · · zr) | mmco(z1), · · · , o(zr) | o(z1) · · · o(zr).(ii) Se para todo i 6= j, mdc(o(zi), o(zj)) = 1, entao o(z1 · · · zr) = o(z1) · · ·

o(zr).

Demonstracao. (i) Seja M := mmco(z1), · · · , o(zr). Entao, (z1 · · · zr)M =zM1 · · · zM

r = 1, pelo lema chave concluimos que o(z1 · · · zr) |M . A outra divisibili-dade e imediata.

(ii) A segunda igualdade e uma propriedade dos inteiros positivos (basta lem-brar que o mmc e obtido tomando o maior expoente na fatoracao em numerosprimos). Vamos provar a primeira igualdade por inducao em r. A primeira etapae provar para r = 2.

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9.4. ORDEM DE ELEMENTO E EXPOENTE DE GRUPO ABELIANO 57

Seja N := o(z1z2). Como G e abeliano, entao

1 = (z1z2)N = zN1 z

N2 , i.e. , z−N

1 = zN2 .

Mas isto significa que z−N1 = zN

2 ∈ 〈z1〉 ∩ 〈z2〉, mas esta intersecao e igual a 1,pois mdc(o(z1), o(z2)) = 1. Portanto, zN

1 = zN2 = 1, mas isto implica que M | N .

Suponhamos que tenhamos provado que o(z1 · · · zr−1) = o(z1) · · · o(zr−1) commdc(o(zi), o(zj)) = 1 para i 6= j. Utilizando que G e abeliano, e estendo a definicaode N para r fatores, temos que

1 = (z1 . . . zr−1)NzNr , i.e. , (z1 . . . zr−1)N = z−N

r .

Mas isto significa que (z1 . . . zr−1)N = z−Nr ∈ 〈z1, · · · , zr−1〉 ∩ 〈zr〉, mas este grupo

e trivial pois a ordem do primeiro grupo e igual a o(z1) . . . o(zr−1) e a ordem dosegundo e igual a o(zr) e mdc(o(zi), o(zj)) = 1, se i 6= j. Assim, (z1 . . . zr−1)N =zNr = 1, donde M | N .

Observe que pelo teorema de Lagrange, se G for finito, entao exp(G) | #G.

Proposicao 9.36. Seja G um grupo abeliano tal que exp(G) <∞. Entao(a) Existe y ∈ G tal que exp(G) = o(y).(b) G e cıclico se e somente se exp(G) = #G.

Demonstracao. (a) Seja exp(G) = pe11 · · · per

r a fatoracao de exp(G). Pordefinicao para todo i = 1, · · · , r existe yi ∈ G tal que o(yi) = pei

i qi tal que pi - qi.Note que se zi = yqi

i , entao o(zi) = peii . Neste caso, pelo ıtem (ii) da proposicao

9.35 temos que se y = z1 · · · zr, entao o(y) = exp(G).(b) Se G for cıclico, entao existe x ∈ G tal que 〈x〉 = G e o(x) = #G. Por outro

lado, pelo ıtem anterior, existe y ∈ G tal que o(y) = exp(G). Mas, exp(G) | #G eo(x) | exp(G), logo exp(G) = #G. Reciprocamente, se vale a igualdade, pelo ıtemanterior existe y ∈ G tal que o(y) = exp(G) = #G, logo G e cıclico.

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CAPıTULO 10

Teoria de grupos II

10.1. Subgrupos normais e grupos quocientes

Seja G um grupo e H um subgrupo de G. Seja

G/H := xH |x ∈ Go conjunto das classes laterais a direita de H em G. Analogamente ao caso em queG = Z e H = nZ, para n ≥ 1 inteiro, queremos definir em G/H uma estrutura degrupo. Para isto precisamos de uma propriedade adicional de H. Se copiarmos oque foi feito anteriormente a ideia e definir a funcao

ψ : G/H ×G/H → G/H

dada por(xH, yH) 7→ xyH.

O problema e verificar que ψ esta bem definida. Sejam x′, y′ ∈ G tais que x′H = xHe y′H = yH, i.e., x′ = xα e y′ = yβ para α, β ∈ H. Assim

x′y′ = xαyβ.

Mas a princıpio G nao e comutativo e nao podemos trocar y com α para concluirque ψ esta bem definida.

Definicao 10.1. Um subgrupo H de um grupo G e dito normal se e somentese para todo x ∈ G temos xHx−1 ⊂ H. Denotamos H CG.

Lema 10.2. Seja G um grupo e H um subgrupo de G. As seguintes condicoessao equivalentes:

(i) H CG.(ii) Para todo x ∈ G, xHx−1 = H.(iii) Para todo x ∈ G, xH = Hx.

Demonstracao. Suponha que HCG. A inclusao ⊂ ja esta feita por definicao.Uma vez que (x−1)−1 = x, segue tambem da definicao que x−1Hx ⊂ H, i.e.,H ⊂ xHx−1. Assim vale (ii).

Suponha que para todo x ∈ G, xHx−1 = H. Seja α ∈ H. Por hipotesexαx−1 = β ∈ H, logo xα = βx ∈ Hx. Reciprocamente, como x−1αx = γ ∈ H,entao αx = xγ ∈ xH. Disto segue (iii).

Suponha que para todo x ∈ G, xH = Hx. Por hipotese para todo α ∈ H existeβ ∈ H tal que xαx−1 = βxx−1 = β. Donde (i).

Suponhamos que H CG, pelo lema 10.2, existe γ ∈ H tal que

x′y′ = xαyβ = xyγβ ∈ xyH,pois γβ ∈ H. Assim x′y′H = xyH e ψ esta bem definida.

59

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60 10. TEORIA DE GRUPOS II

Definicao 10.3. Seja G um grupo e H CG um subgrupo de normal de G. Oconjunto G/H e a funcao ψ definem uma estrutura de grupo em G/H chamado ogrupo quociente.

Exemplo 10.4. Seja G um grupo finito e H um subgrupo de G. Suponha que(G : H) = 2. Afirmamos que H CG. De fato, como (G : H) = 2, isto significa quetemos apenas suas classes laterais a direita, a saber, H e xH para x /∈ H. Tambemsabemos que o numero de elementos de CLD e igual ao de CLE, logo as unicasclasses laterais a direita sao H e Hx, como Hx 6= H e xH 6= H, concluimos quexH = Hx, para todo x ∈ G − H. Esta igualdade tambem e imediata se x ∈ H.Logo H CG.

Exemplo 10.5. Seja G = S e H = 1, α, α2, α3. Temos que H C G, pois(G : H) = |G|/|H| = 2, pelo teorema de Lagrange e pelo exemplo anterior.

Exemplo 10.6. Seja G um grupo. Definimos por

Z(G) := x ∈ G |xy = yx para todo y ∈ G,o centro de G. Afirmamos que Z(G) CG.

Primeiro temos que verificar que Z(G) e realmente um subgrupo de G. Defato, 1.y = y.1 = y para todo y ∈ G, logo 1 ∈ Z(G). Se x, z ∈ Z(G) e y ∈ G,entao xzy = xyz = yxz, i.e., xz ∈ Z(G). Se x ∈ Z(G), entao para todo y ∈ G,x−1y = (y−1x)−1 = (xy−1)−1 = yx−1, i.e., x−1 ∈ Z(G).

Finalmente, dado x ∈ G e y ∈ Z(G), temos que xyx−1 = yxx−1 = y ∈ Z(G),i.e., Z(G) C G. Podemos ainda dizer mais, se H e um subgrupo de Z(G) entaoH C G. De fato, automaticamente H e um subgrupo de G, alem disto como paratodo x ∈ G e y ∈ H temos que xyx−1 = yxx−1 = y ∈ H, pois H ⊂ Z(G).

Note que G e abeliano se e somente se Z(G) = G. Assim, o quanto maior foro centro de G, mais G estara proximo a ser abeliano.

Exemplo 10.7. Seja G um grupo. Denotamos por [G,G] o subgrupo de Ggerado pelo conjunto

xyx−1y−1 |x, y ∈ G.Este grupo e chamado o subgrupo dos comutadores.

Note que G e abeliano se e somente se [G,G] = 1. Assim, o quanto menorfor o subgrupo dos comutadores, mais G estara proximo a ser abeliano.

Afirmamos tambem que [G,G] CG. Seja α ∈ [G,G], digamos

α = α1 · · ·αr,

onde para todo i,

αi = xiyix−1i y−1

i ou α−1i = xiyix

−1i y−1

i ,

para xiyi ∈ G. A ultima igualdade se reescreve como αi = yixiy−1i x−1

i . Seja z ∈ G,entao

zyz−1 = zα1z−1 · · · zαrz

−1

e observe que para cada i temos

zαiz−1 = zxiyix

−1i y−1

i z−1 ∈ xyx−1y−1 |x, y ∈ G ou

zαiz−1 = zyixiy

−1i x−1

i z−1 ∈ xyx−1y−1 |x, y ∈ G.

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10.2. HOMOMORFISMO DE GRUPOS 61

Observacao 10.8. Observe tambem que G/[G,G] e um grupo abeliano. Alemdisto, se H C G for tal que G/H e abeliano, entao H contem [G,G]. De fato, sedados x, y ∈ G temos xyH = xHyH = yHxH = yxH, entao existe α ∈ H tal quex−1y−1xy ∈ H. Consequentemente, todo elemento de [G,G] esta contido em H.

10.2. Homomorfismo de grupos

Sejam G e G dois grupos. O objetivo e compara-los e verificar que suas estru-turas sao as mesmas.

Definicao 10.9. Um homomorfismo de grupos e uma funcao f : G → G talque f(xy) = f(x)f(y).

Observacao 10.10. (a) Seja 1G o elemento neutro de G e 1G o elementoneutro de G. Entao f(1G) = 1G . De fato, f(1G) = f(1G1G) = f(1G)f(1G), logo f(1G) = 1G .

(b) Para todo x ∈ G temos que f(x−1) = f(x)−1. De fato, f(x)f(x−1) =f(xx−1) = f(1G) = 1G e f(x−1)f(x) = f(x−1x) = f(1G) = 1G .

Exemplo 10.11. (1) Seja G = G = Z, n ≥ 1 inteiro e f : Z→ Z definidapor f(x) = nx. f e um homomorfismo. De fato, f(x + y) = n(x + y) =nx+ ny = f(x) + f(y).

(2) Seja G um grupo e H um subgrupo normal de G e f : G → G/Hdefinida por f(x) = xH e um homomorfismo. De fato, f(xy) = (xy)H =(xH)(yH) = f(x)f(y), por definicao de produto de classes.

(3) Seja G um grupo e fixemos a ∈ G. Consideremos a funcao Ia : G → Gdefinida por Ia(x) = axa−1. Esta funcao e um homomorfismo. De fato,Ia(xy) = a(xy)a−1 = (axa−1)(aya−1) = Ia(x)Ia(y).

A partir de agora deixaremos ao cargo do leitor identificar quando a unidadereferida por 1 esta em G ou em G.

Proposicao 10.12. Seja f : G→ G um homomorfismo de grupos e

ker(f) := x ∈ G | f(x) = 1o nucleo de f .

(i) ker(f) CG.(ii) f e injetiva se e somente se ker(f) = 1.(iii) f(G) e um subgrupo de H.(iv) f−1(f(H)) = H ker(f).(v) Seja H < G tal que f−1(H) ⊃ ker(f). Entao f(f−1(H)) = H ∩ f(G).(vi) Se x ∈ G e tal que o(x) <∞ entao o(f(x)) <∞ e o(f(x)) | o(x).(vii) Se H CG, entao f(H) C f(G). Se HC f(G), entao f−1(H) CG.

Demonstracao. (i) Seja a ∈ G e x ∈ ker(f), entao f(axa−1) = f(a)f(x)f(a−1) = f(a)f(a)−1 = 1, i.e., axa−1 ∈ ker(f).

(ii) Suponha que f seja injetiva e x ∈ ker(f). Logo f(x) = 1 = f(1), i.e., x = 1.Reciprocamente, se ker(f) = 1 e se f(x) = f(y), entao f(x)f(y)−1 = f(xy−1) =1, i.e., xy−1 ∈ ker(f), logo xy−1 = 1, i.e., x = y.

(iii) E claro que 1 = f(1) ∈ f(G). Sejam x, y ∈ f(G), i.e., existem a, b ∈ Gtais que x = f(a) e y = f(b). Logo xy = f(a)f(b) = f(ab) ∈ f(G). Se x ∈ f(G),digamos x = f(a) para a ∈ G, entao x−1 = f(a)−1 = f(a−1) ∈ f(G).

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62 10. TEORIA DE GRUPOS II

Para provar a propriedade (iv) precisamos do seguinte lema.

Lema 10.13. Sejam H e K subgrupos de um grupo G. Definimos

HK := ab | a ∈ H, b ∈ K.

Entao HK < G se e somente se HK = KH. Alem disto, se H C G ou K C G,entao HK < G.

Demonstracao. Suponha que HK < G. Seja α ∈ HK. Entao α−1 ∈ HK,digamos α−1 = ab. Assim α = (α−1)−1 = b−1a−1 ∈ KH, i.e., HK ⊂ KH. Sejaα ∈ KH, digamos α = ab. Logo α−1 = b−1a−1 ∈ HK. Como HK < G, entaoα = (α−1)−1 ∈ HK, i.e., KH ⊂ HK.

Reciprocamente, suponha que HK = KH. Entao 1 = 1.1 ∈ HK. Se x, y ∈HK, digamos x = ab e y = cd, entao xy = abcd = ac′b′d ∈ HK, onde bc = c′b′ ∈HK, uma vez que HK = KH. Se x = ab ∈ HK, entao x−1 = b−1a−1 = a′b′ ∈HK, pela mesma razao.

Suponha que H C G (o outro caso e analogo). Seja x = ab ∈ HK. Entaox = bb−1ab = b(b−1ab) = ba′ ∈ KH, logo HK ⊂ KH. Se x = ab ∈ KH, entaox = abaa−1 = (aba−1)a = b′a ∈ HK, i.e., KH ⊂ HK.

Continuacao da prova da proposicao. (iv) Notemos inicialmente que co-mo ker(f) CG, H ker(f) < G. Seja a ∈ f−1(f(H)), i.e., f(a) = f(b) ∈ f(H). Logof(a)f(b)−1 = f(ab−1) = 1, i.e., ab−1 = c ∈ ker(f), i.e., a = bc = c′b′ ∈ H ker(f).Reciprocamente, se x = ab ∈ H ker(f), entao f(x) = f(ab) = f(a)f(b) = f(a) ∈f(H), i.e., x ∈ f−1(f(H)).

(v) Seja x ∈ f(f−1(H)), i.e., x = f(a) para a ∈ f−1(H), i.e., f(a) = y ∈ H.Portanto, x ∈ H ∩ f(G). Reciprocamente, suponha que x ∈ H ∩ f(G). Logox = f(a) ∈ H, i.e., a ∈ f−1(H), logo x ∈ f(f−1(H)).

(vi) Seja d = o(x), logo xd = 1 e f(xd) = f(x)d = f(1) = 1, pelo lema chave,o(f(x)) | o(x), em particular o(f(x)) <∞.

(vii) Suponha que H CG e sejam a ∈ G e x ∈ H. Logo axa−1 ∈ H. Por outrolado, f(x) ∈ f(H) e f(a) ∈ f(G) ⊂ G. Assim, f(axa−1) = f(a)f(x)f(a)−1 ∈ f(H).Suponha que H C f(G). Sejam x ∈ f−1(H) e a ∈ G, i.e., f(x) = y ∈ H. ComoH C f(G), entao f(a)yf(a)−1 ∈ H, mas f(a)yf(a)−1 = f(axa−1), i.e., axa−1 ∈f−1(H).

Definicao 10.14. Seja f : G→ G um homomorfismo de grupos. Se f e bijetivodizemos que f e um isomorfismo de grupos.

Teorema 10.15 (teorema do isomorfismo de grupos). Seja f : G → G umhomomorfismo de grupo. Entao f induz um isomorfismo de grupos ϕ : G/ ker(f)→f(G) definido por

ϕ(x ker(f)) := f(x).

Alem disto existe uma bijecao entre os seguintes conjuntos

H < G |H ⊃ ker(f) e H < f(G).

Demonstracao. Notemos inicialmente que ϕ esta bem definido. De fato, sex = ya para a ∈ ker(f), entao ϕ(x ker(f)) = f(x) = f(ya) = f(y)f(a) = f(y) =ϕ(y ker(f)). Alem disto, pela sua propria definicao ϕ e sobrejetivo. Quanto a

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10.2. HOMOMORFISMO DE GRUPOS 63

injetividade, se ϕ(x ker(f)) = ϕ(y ker(f)), entao f(x) = f(y), i.e., f(x)f(y)−1 =f(xy−1) = 1, i.e., xy−1 ∈ ker(f), logo x ker(f) = y ker(f).

A bijecao entre os dois conjuntos e dada pelas funcoes ψ1 : H 7→ f(H) eψ2 : H 7→ f−1(H). De fato, ψ2 ψ1(H) = ψ2(f(H)) = f−1(f(H)) = H ker(f) = H,pois H ⊃ ker(f). Reciprocamente, ψ1 ψ2(H) = ψ1(f−1(H)) = f(f−1(H)) =H ∩ f(G) = H, pois H < f(G).

Corolario 10.16. Seja f : G → G um homomorfismo de grupos e H < G.Entao existe um isomorfismo de grupos

ψ :H

(H ∩ ker(f))→ f(H) dado por ψ(x(H ∩ ker(f))) := f(x).

Demonstracao. E imediato verificar que ker(f) ∩ H C H. Logo o grupoquociente faz sentido. A funcao ψ esta bem definida, pois se x = ya para a ∈ H ∩ker(f), entao ψ(x(ker(f) ∩H)) = f(x) = f(ya) = f(y)f(a) = f(y) = ψ(y(ker(f) ∩H)). Por definicao ψ e sobrejetiva. Se ψ(x(ker(f)∩H)) = ψ(y(ker(f)∩H)), entaof(x) = f(y), i.e., f(xy−1) = f(x)f(y)−1 = 1, i.e., xy−1 ∈ ker(f) ∩H.

Proposicao 10.17. Seja H CG e

f : G→ G

Ho homomorfismo quociente f(x) := xH.

Existe uma bijecao entre os conjuntos

K CG |K ⊃ H e HCG/H.

Demonstracao. Definimos as funcoes que dao a bijecao por ψ1 : K 7→ K/He ψ2 : H 7→ f−1(H). De fato, ψ2ψ1(K) = ψ2(K/H) = f−1(K/H) = f−1(f(K)) =K ker(f) = KH = K, pois K ⊃ H e ψ1 ψ2(H) = ψ1(f−1(H)) = f(f−1(H)) =H ∩ f(G) = H ∩G/H = H.

Proposicao 10.18. Sejam G um grupo, H C G e K < G. Entao existe umisomorfismo de grupos

ϕ :K

(K ∩H)→ KH

H.

Demonstracao. Seja f : K → KH/H o homomorfismo quociente f(x) :=xH. Afirmamos que f e sobrejetivo. De fato, se abH ∈ KH/H, entao abH =aH = f(a). Afirmamos tambem que ker(f) = H ∩K. De fato, se a ∈ ker(f), entaof(a) = aH ∈ H, i.e., a ∈ H ∩ K. Portanto, o resultado e uma consequencia doteorema do isomorfismo.

Proposicao 10.19. Sejam K < H < G grupos com H C G e K C G (emparticular K CH). Entao existe um isomorfismo de grupos

ϕ :G/K

H/K→ G

H.

Demonstracao. Seja f : G/K → G/H definida por f(xK) := xH. Observe-mos que f esta bem definida. Seja x = ya para a ∈ K. Entao f(xK) = xH =(ya)H = (yH)(aH) = yH, pois a ∈ K ⊂ H. ker(f) = xK |xH = H = xK |x ∈H = H/K. f e sobrejetiva por definicao. Assim o resultado segue do teorema doisomorfismo.

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64 10. TEORIA DE GRUPOS II

Definicao 10.20. Seja G um grupo. Um homomorfismo de grupos f : G→ Ge chamado um endomorfismo de grupos e denotamos por End(G) o conjunto dosendomorfismos de G que e um monoide com respeito a composicao de funcoes. Ummonoide tem todas as propriedades de grupo exceto a existencia do inverso. Se ffor bijetivo entao dizemos que f e um automorfismo de G e denotamos por Aut(G)o conjunto dos automorfismos de G. Este e um grupo com respeito a composicaode funcoes.

Observacao 10.21. Para todo a ∈ G, Ia : G→ G definida por Ia(x) := axa−1

e um automorfismo de G chamado um automorfismo interno de G. O conjuntoG := Ia | a ∈ G dos automorfismos internos de G tambem e um grupo comrespeito a composicao de funcoes. Fica como exercıcio mostrar que I(G)CAut(G).

Definicao 10.22. Seja G um grupo e H < G. Dizemos que H e um subgrupocaracterıstico de G se para todo σ ∈ Aut(G) temos σ(H) ⊂ H, i.e., para todox ∈ H, σ(x) ∈ H.

Observacao 10.23. Notemos que se H for subgrupo caracterıstico de G, entaoH CG, pois a ultima afirmativa equivale a dizer que Ia(H) ⊂ H para todo a ∈ H.

Proposicao 10.24. Se K for subgrupo caracterıstico de H e H C G, entaoK CG.

Demonstracao. Queremos mostrar que para todo a ∈ G, Ia(K) ⊂ K. Arestricao de Ia a H nos da uma funcao Ja : H → G definida por Ja(x) := axa−1.Por hipotese H C G, logo axa−1 ∈ H e Ja ∈ Aut(H) (nao podemos garantir queJa ∈ I(H), pois nao necessariamente a ∈ H). Por hipotese, K e caracterıstico emH, logo Ja(K) = Ia|H(K) = K.

10.3. Produtos de grupos

10.3.1. Produto direto. Sejam G1, · · · , Gn grupos. Definimos no produtocartesiano G1 × . . .×Gn uma estrutura de grupo da seguinte forma:

(x1, · · · , xn).(y1, · · · , yn) := (x1y1, · · · , xnyn).

E facil verificar que esta operacao e associativa, o elemento neutro e (1, · · · , 1) e oinverso de (x1, · · · , xn) e (x−1

1 , · · · , x−1n ). Assim o conjunto G1 × . . .×Gn passa a

ter uma estrutura de grupo e e chamado o produto direto dos grupos G1, · · · , Gn ee denotado por G1 ⊕ . . .⊕Gn.

Teorema 10.25. Sejam G,G1, · · · , Gn grupos. Entao G ∼= G1 ⊕ . . . ⊕ Gn see somente se existem subgrupos H1, · · · ,Hn de G tais que para todo i, Hi

∼= Gi, ealem disto

(1) G = H1 . . .Hn.(2) Hi C G para todo i = 1, · · · , n.(3) Hi ∩ (H1 . . .Hi1Hi+1 . . .Hn) = 1 para todo i = 1, · · · , n.

Demonstracao. Suponhamos que exista um isomorfismo ϕ : G→ G1⊕ . . .⊕Gn. Seja

Hi := ϕ−1(1 × . . .×Gi × . . . 1).Definimos a seguinte funcao

ϕi : Hi → Gi dada por ϕi(xi) := yi,

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10.3. PRODUTOS DE GRUPOS 65

onde xi = ϕ((1, · · · , yi, · · · , 1)). Esta funcao e um isomorfismo de grupos. De fato,se zi = ϕ−1((1, · · · , wi, · · · , 1)), entao

ϕi(xizi) = yiwi = ϕi(xi)ϕi(yi),

pois xizi = ϕ−1((1, · · · , ziwi, · · · , 1)). Alem disto ϕi e injetiva, pois se yi = 1, entaoxi = 1. Finalmente e sobrejetiva pois para todo yi ∈ Gi, xi = ϕ−1((1, · · · , yi, · · · ,1)) e ϕi(xi) = yi.

(1) Dado x ∈ G seja ϕ(x) := (x1, · · · , xn). Entao ϕ(x) = (x1, · · · , 1). . . . .(1, · · ·, xn). Seja yi = ϕ−1((1, · · · , xi, · · · , 1)), entao x = y1 . . . yn, onde yi ∈ Hi para todoi = 1, · · · , n.

(2) Seja x ∈ G e yi ∈ Hi temos que provar que xyix−1 ∈ Hi. Calculemos

ϕ(xyix−1) = ϕ(x)ϕ(yi)ϕ(x)−1 = (x1, · · · , xn).(1, · · · , zi, · · · , 1).(x−1

1 , · · · , x−1n )

= (x1x−11 , · · · , xizix

−1i , · · · , xnx

−1n ) = (1, · · · , xizix

−1i , · · · , 1).

Portanto, xyix−1 = ϕ−1((1, · · · , xizix

−1i , · · · , 1)) ∈ Hi.

(3) Seja xi ∈ Hi ∩ (H1 . . .Hi−1Hi+1 . . .Hn). Assim, por um lado xi = ϕ−1((1,· · · , yi, · · · , 1)) e por outro lado xi = ϕ−1((z1, · · · , zi−1, 1, zi+1, · · · , zn)). Como ϕe um isomorfismo concluimos que zj = 1 para todo j e que yi = 1, portanto xi = 1.

Reciprocamente, suponhamos que as 3 condicoes acima sejam satisfeitas. Paraprovar a recıproca utilizaremos o ıtem 2 do lema seguinte. Afirmamos que G ∼=H1 ⊕ . . .⊕Hn. De fato, consideremos a funcao

ψ : G→ H1 ⊕ . . .⊕Hn dada por ψ(x) = ψ(x1 . . . xn) := (x1, · · · , xn).

Esta funcao e um isomorfismo. Observe que pelo lema abaixo

ψ(xy) = ψ(x1 . . . xny1 . . . yn) = ψ(x1y1x2 . . . xny2 . . . yn) = · · · = ψ(x1y1 . . . xnyn)

= (x1y1, · · · , xnyn) = (x1, · · · , xn).(y1, · · · , yn) = ψ(x)ψ(y).

Se ψ(x) = (1, · · · , 1), entao x = 1 . . . 1 = 1, logo ψ e injetiva. Para todo (x1, · · · , xn)∈ H1⊕. . .⊕Hn se x = x1 · · ·xn temos que ψ(x) = (x1, · · · , xn), logo ψ e sobrejetiva.

Lema 10.26. As 3 condicoes acima sao equivalentes as seguintes duas condi-coes:

(a) Para todo x ∈ G existem unicos xi ∈ Hi para i = 1, · · · , n tais quex = x1 . . . xn.

(b) Para todo i 6= j, x ∈ Hi e y ∈ Hj, xy = yx.

Demonstracao. Suponha que as 3 condicoes anteriores sejam satisfeitas. As-sim para todo x ∈ G podemos escrever x = x1 . . . xn. Suponhamos que x =y1 . . . yn, entao

y−11 x1 = y2 . . . ynx

−1n . . . x−1

2 .

Como Hi C G temos que para todo x ∈ G, xHi = Hix, i.e., dado αi ∈ Hi temosque xαi = βix para algum βi ∈ Hi. Logo

(ynx−1n )x−1

n−1 = zn−1(ynx−1n )

para algum zn−1 ∈ Hn−1. Repetindo o argumento concluimos que

y−11 x1 = y2 . . . ynx

−1n . . . x−1

2 = z2 . . . zn−1(ynx−1n ) ∈ H2 . . .Hn ∩H1 = 1,

portanto x1 = y1. Pelo mesmo argumento xi = yi para todo i = 2, · · · , n.

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66 10. TEORIA DE GRUPOS II

Como Hi,Hj C G temos que xyx−1 ∈ Hj , logo xyx−1y−1 ∈ Hj e yx−1y−1 ∈Hi, logo xyx−1y−1 ∈ Hi, portanto xy = yx, ja que

Hi ∩Hj ⊂ Hi ∩ (H1 . . .Hi−1Hi+1 . . .Hn) = 1.Reciprocamente, suponha as duas ultimas condicoes satisfeitas. A primeira

condicao do teorema segue automaticamente de (a). Seja x = x1 . . . xn ∈ G, yi ∈ Hi

e zi = xiyix−1i . Entao, por (b),

xyix−1 = x1 . . . xnyix

−1n . . . x−1

1 = x1 . . . xn−1yix−1n−1 . . . x1 = · · ·

= x1 . . . xiyix−1i . . . x−1

1 = x1 . . . xi−2zix−1i−2 . . . x

−11 = · · · = zi ∈ Hi.

Finalmente, se xi ∈ Hi ∩ (H1 . . .Hi−1Hi+1 . . .Hn, pela unicidade de (a) temos quexi = 1.

10.3.2. Produtos semi-diretos de grupos. Na secao anterior dados doisgrupos H e K construimos o produto direto H ⊕K com a operacao componentea componente. Nesta secao modificaremos levemente o procedimento. Lembreque Aut(K) (o conjunto dos automorfismos de K) e um grupo com respeito acomposicao de automorfismos. Suponhamos que seja dado um homomorfismo degrupo σ : H → Aut(K). Definimos no produto cartesianoH×K uma nova operacaoda seguinte forma:

(x, y)σ (z, w) := (xz, yσ(x)(w)),note que σ(x) : K → K e um automorfismo de K, logo σ(x)(w) ∈ K.

Afirmamos que H × K com a operacao σ e um grupo, chamado o produtosemi-direto de H e K com respeito a σ e denotado por H nσ K. De fato,

((x1, y1)σ (x2, y2))σ (x3, y3) = (x1x2, y1σ(x1)(y2))σ (x3, y3)

= ((x1x2)x3, (y1σ(x1)(y2))σ(x1x2)(y3))

= (x1(x2x3), (y1σ(x1)(y2))(σ(x1)(σ(x2)(y3))))

= (x1(x2x3), y1σ(x1)(y2σ(x2)(y3)))

= (x1, y1)σ (x2x3, y2σ(x2)(y3))

= (x1, y1)σ ((x2, y2)σ (x3, y3)).

O elemento neutro e (1, 1). De fato,

(1, 1)σ (x, y) = (x, σ(1)(y)) = (x, y) e

(x, y)σ (1, 1) = (x, yσ(x)(1)) = (x, y).

O inverso de (x, y) e (x−1, σ(x−1)(y−1)). De fato,

(x, y) (x−1, σ(x−1)(y−1)) = (1, yσ(x)(σ(x−1)(y−1))) = (1, yy−1) = (1, 1) e

(x−1, σ(x−1)(y−1))σ (x, y) = (1, σ(x−1)(y−1)σ(x−1)(y))

= (1, σ(x−1)(y−1y)) = (1, σ(x−1)(1)) = (1, 1).

Proposicao 10.27.

(a) (x, y)n = (xn,n−1∏i=0

σ(xi)(y)).

Consequentemente, (x, 1)n = (xn, 1) e (1, y)n = (1, yn).(b) (1, y)σ (x, 1) = (x, y).

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10.3. PRODUTOS DE GRUPOS 67

(c) 1nσ K C H nσ K.(d) H nσ 1 ⊂ H nσ K e um subgrupo. Este subgrupo e normal, se σ = id.

Demonstracao. (a) Vamos provar por inducao. Para n = 2,

(x, y)σ (x, y) = (x2, yσ(x)(y)).

Suponha que o resultado vale para n. Entao

(x, y)n+1 = (x, y)n σ (x, y) = (xn,n−1∏i=0

σ(xi)(y))σ (x, y))

= (xn+1,n−1∏i=0

σ(xi)(y)σ(xn)(y)) = (xn+1,n∏

i=0

σ(xi)(y)).

(2) Segue da definicao.(3) Primeiro verifiquemos que 1nσ K e de fato um subgrupo de H nσ K. E

claro que (1, 1) ∈ 1nσ K. Se (1, x), (1, y) ∈ 1nσ K, entao

(1, x)σ (1, y) = (1, xσ(1)(y)) = (1, xy) ∈ 1nσ K.

Alem disto(1, x)−1 = (1, σ(1)(x−1)) = (1, x−1) ∈ 1nσ K.

Dado (x, y) ∈ H nσ K e (1, z) ∈ 1nσ K, entao

(x, y)σ (1, z)σ (x, y)−1 = (x, yσ(x)(z))σ (x−1, σ(x−1)(y−1))

= (1, yσ(x)(z)σ(x)(σ(x−1(y−1))))

= (1, yσ(x)(zσ(x−1(y−1)))) ∈ 1nσ K.

(4) E claro que (1, 1) ∈ H nσ 1. Se (x, 1), (y, 1) ∈ H nσ 1, entao

(x, 1)σ (y, 1) = (xy, σ(x)(1)) = (xy, 1) ∈ H nσ 1.

Alem disto(x, 1)−1 = (x−1, σ(x−1)(1)) = (x−1, 1) ∈ H nσ 1.

Exemplo 10.28. Lembremos que S3 = 1, α, α2, β, αβ, α2β e caracterizadopor o(α) = 3, o(β) = 2 e βα = α2β, i.e., βαβ−1 = α2. Neste caso K = 〈α〉 =1, α, α2 e H = 〈β〉 = 1, β. Isto permite-nos definir o seguinte homomorfismo

σ : H → AutK por σ(β)(α) := α2

(verifique que isto e um homorfismo de grupo). Seja a = (1, α) e b = (β, 1).Verifiquemos que estes satisfazem a descricao de S3, portanto H nσ K ∼= S3. Defato,

a3 = (1, α3) = (1, 1),

b2 = (β2, 1) = (1, 1) e

ba = (β, 1) (1, α) = (β, σ(β)(α)) = (β, α2) e

a2b = (1, α2)σ (β, 1) = (β.α2σ(1)(1)) = (β, α2) = ba.

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68 10. TEORIA DE GRUPOS II

Lema 10.29. Seja H = 〈α〉 um grupo cıclico de ordem n, K = 〈β〉 um grupocıclico de ordem m. Entao existem bijecoes

Hom(K,Aut(H))→ τ ∈ Aut(H) | o(τ) | mσ 7→ σ(β)

eτ ∈ Aut(H) | o(τ) | m → 1 ≤ s ≤ n− 1 | sm ≡ 1 (mod n)

τ 7→ s, onde τ(α) = αs.

Demonstracao. Note que a primeira funcao esta de fato bem definida, poisσ(β)m = σ(βm) = σ(1) = id. E injetiva pois 2 automorfismos calculados nogerador β de H sao necessariamente iguais. Se τ ∈ Aut(H) satisfaz o(τ) | m, entaoτ(α)m = τ(αm) = 1, logo αm = 1, pelo lema chave o(α) = n | m, logo existe umhomomorfismo σ : K → Aut(H) tal que σ(β) = τ .

Para a segunda, basta observar que Aut(H)→ (Z/nZ)∗ dada por τ 7→ s, ondeτ(α) = αs e um isomorfismo de grupos. Neste isomorfismo o(τ) | m se e somentese sm ≡ 1 (mod n).

Como consequencia deste lema temos que se existem inteirosm,n, s ≥ 0 tais quesm ≡ 1 (mod n), entao existe um grupo G com #G = nm, G = 〈α, β〉, o(α) = n,o(β) = m e βαβ−1 = αs. De fato, da condicao numerica e do lema sabemos que oautomorfismo τ : 〈α〉 → 〈α〉 por τ(α) = αs tem ordem o(τ) | m. Logo existe umhomomorfismo σ : 〈β〉 → Aut(〈α〉). Basta tomar o produto semi-direto 〈β〉nσ 〈α〉para obter um tal G.

Para mais tipos de produtos de grupos veja [Go, chapter 2].

10.4. Grupos metacıclicos

O objetivo desta secao e descrever grupos metacıclicos que generalizam o D4 eS3.

Teorema 10.30. Seja G um grupo finito, s ≥ 1 inteiro, a, b ∈ G tais queba = asb (i.e., Ib(a) = as). Seja G um grupo e α, β ∈ G. Sejam m,n ≥ 1 inteirostais que an = 1 e bm ∈ 〈a〉.

(1) Para todo s, t ≥ 1 temos

btar = arst

bt.

Em particular,

〈a, b〉 = aibj | 0 ≤ i ≤ n− 1, 0 ≤ j ≤ m− 1.

Alem disto, se m e n forem escolhidos mınimos para esta propriedade,temos que #〈a, b〉 = mn.

(2) Supondo m e n mınimos, seja u ≥ 0 tal que bm = au. Entao existe umhomomorfismo f : 〈a, b〉 → G tal que f(a) = α e f(b) = β se e somente seβα = αsβ, αn = 1 e βm = αu.

Demonstracao. (1) Vamos provar por inducao. Vamos supor primeiro quer = 0 e provar que Ibt(ar) = arst

. Se t = 1, entao ja sabemos que Ib(a) = as.Suponhamos que isto valha para t− 1. Entao

Ibt(ar) = Ib Ibt−1(ar) = Ib(arst−1) = Ib(a)rst−1

= (as)rst−1= arst

.

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10.4. GRUPOS METACICLICOS 69

Por definicao, 〈a, b〉 e formado por produtos de elementos que sao iguais a a (oua−1) e b (ou b−1). Utilizando o resultado acima, podemos sempre colocar a potenciade a em primeiro lugar e escrever aibj para i, j ∈ Z. Alem disto, pelas hipotesessobre m e n obtemos que basta tomar 0 ≤ i ≤ n− 1 e 0 ≤ j ≤ m− 1. Observemostambem que se m e n forem mınimos entao os elementos de

〈a, b〉 = aibj | 0 ≤ i ≤ n− 1, 0 ≤ j ≤ m− 1

sao todos distintos, portanto sua ordem e mn. De fato, se aibj = akbl, entaoai−k = bl−j ∈ 〈a〉, digamos que l ≥ j. Neste caso, l− j < m, logo l = j e ai−k = 1,bem como ak−i. Tomando o expoente positivo dentre os 2 e notando que esteexpoente e menor que n concluimos que i = k.

(2) E claro que

αn = f(a)n = f(an) = f(1) = 1,

βm = f(b)m = f(bm) = f(au) = f(a)u = αu e que

βα = f(b)f(a) = f(ba) = f(asb) = f(a)sf(b) = αsβ.

Para verificar a recıproca basta definir

f : 〈a, b〉 → G por f(aibj) := αiβj

e provar que isto realmente e um homomorfismo. De fato,

f(aibjakbl) = f(aiaksj

bjbl) = f(ai+ksj

bj+l) = αi+ksj

βj+l

= αi(αksj

βj)βl = αiβjαkβl = f(aibj)f(akbl).

Teorema 10.31. Sejam m,n, s, u ≥ 0 inteiros. Existe um grupo G de ordemnm e a, b ∈ G tais que G = 〈a, b〉, an = 1, bm = au e ba = asb se e somente sesm ≡ 1 (mod n) e u(s− 1) ≡ 0 (mod n).

Demonstracao. Note que pelo teorema anterior, bma = asm

bm. Mas, bm =au, logo bma = abm = asm

bm, em particular asm−1 = 1 e pelo lema chave, n |(sm − 1). De novo pelo teorema anterior, bau = ausb. Mas au = bm, logo bau =aub = ausb, i.e., au(s−1) = 1, assim n | (u(s− 1)). A recıproca segue da construcaodo final da secao anterior.

Proposicao 10.32. Sejam m,n, s, u ≥ 0 inteiros, G um grupo de ordem nm.Suponha que existam a, b ∈ G tais que G = 〈a, b〉, ba = asb, an = 1 e bm = au.Entao a funcao

Aut(G)→ (α, β) ∈ G×G |G = 〈α, β〉, βα = αsβ, αn = 1, βm = αuf 7→ (f(a), f(b))

e bijetiva.

Demonstracao. Segue do primeiro teorema que f(a) e f(b) satisfazem ascondic oes do conjundo do lado direito. A funcao e injetiva, pois a e b geram G,assim um homomorfismo fica unicamente determinado pelo seu valor nos geradores.Novamente o primeiro teorema mostra que a funcao e sobrejetiva.

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70 10. TEORIA DE GRUPOS II

10.5. Classificacao de grupos de ordem ≤ 11

Comecemos observando que todo grupo cıclico de ordem n e isomorfo a Z/nZ.De fato, se G e cıclico de ordem n significa que G = 1, a, · · · , an−1 para algumgerador a de G. Consideremos a funcao f : G → Z/nZ definida por f(a) = 1.Exercıcio: verifique que esta funcao e um isomorfismo de grupos.

10.5.1. Grupos de ordem : 2,3,5,7,11. Estes numeros sao primos, logo(pelo teoream de Lagrange) todo a ∈ G − 1 tem ordem p, portanto G e cıclico,i.e., G ∼= Z/nZ.

10.5.2. Grupos de ordem 4. Se existe a ∈ G tal que o(a) = 4, entao G ecıclico. Logo G ∼= Z/4Z.

Suponhamos que para todo a ∈ G− 1, o(a) = 2 (que e a unica possibilidadepelo teorema de Lagrange). Portanto G e um grupo abeliano. Seja a ∈ G − 1 eb ∈ G − 〈a〉. Assim, G = 1, a, b, ab. Neste caso a funcao f : G → Z/2Z × Z/2Zdefinida por f(1) = (0, 0), f(a) = (1, 0), f(b) = (0, 1) e f(ab) = (1, 1) e umisomorfismo de grupos.

10.5.3. Grupos de ordem 6. Se existe a ∈ G tal que o(a) = 6, entao G ecıclico e G ∼= Z/6Z.

Suponhamos que nao exista a ∈ G tal que o(a) = 6. Pelo teorema de Lagrange,para todo a 6= 1 as possibilidades para a sua ordem sao 2 e 3.

Lema 10.33. Existe a ∈ G tal que o(a) = 3.

Demonstracao. De fato, suponhamos que para todo a ∈ G− 1 tenhamoso(a) = 2. Seja a ∈ G − 1 e b ∈ G − 〈a〉. Neste caso, 〈a, b〉 e um subgrupo de Gde ordem 4, o que contradiz o teorema de Lagrange.

Lema 10.34. Existe b ∈ G tal que o(b) = 2.

Demonstracao. De fato, suponhamos que para todo b ∈ G − 1 tenhamoso(b) = 3. Seja a ∈ G tal que o(a) = 3 e b ∈ G − 〈a〉. O subgrupo 〈a, b〉 de G temordem 9, o que novamente contradiz o teorema de Lagrange.

Utilizando os valores das ordens de a e b vemos que G = 1, a, a2, b, ab, a2b eque ba 6= 1, a, a2, b. Assim, ba = ab ou a2b. No primeiro caso, G e abeliano e afuncao f : G → Z/3Z × Z/2Z definida por f(1) = (0, 1), f(a) = (1, 0), f(a2) =(2, 0), f(b) = (0, 1), f(ab) = (1, 1), f(a2b) = (2, 1) e um isomorfismo de grupos.Mas pelo teorema chines dos restos, Z/3Z×Z/2Z ∼= Z/6Z, assim descartamos estecaso. O caso em que ba = a2b e exatamente o caso em que G ∼= S3.

10.5.4. Grupos de ordem 8. Se existe a ∈ G tal que o(a) = 8 entao G ecıclico e G ∼= Z/8Z.

Suponha que para todo a ∈ G − 1, o(a) = 2. Neste caso G e abeliano. Sejaa ∈ G tal que o(a) = 2, seja b ∈ G − 〈a〉 e c ∈ G − 〈a, b〉. Note que o subgrupo〈a, b, c〉 = 1, a, b, c, ab, ac, bc, abc tem ordem 8, logo G = 〈a, b, c〉. Observe tambemque f : G → Z/2Z × Z/2Z × Z/2Z definida por f(1) = (0, 0, 0), f(a) = (1, 0, 0),f(b) = (0, 1, 0), f(c) = (0, 0, 1), f(ab) = (1, 1, 0), f(ac) = (1, 0, 1), f(bc) = (0, 1, 1)e f(abc) = (1, 1, 1) e um isomorfismo de grupos.

Assim, suponha que exista a ∈ G tal que o(a) = 4. Seja b ∈ G − 〈a〉. Noteque 〈a, b〉 = 1, a, a2, a3, b, ab, a2b, a3b e que estes elementos sao distintos, portanto

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10.5. CLASSIFICACAO DE GRUPOS DE ORDEM ≤ 11 71

G = 〈a, b〉. Observe tambem que como (G : 〈a〉 = 8/4 = 2, entao (b〈a〉)2 = 〈a〉, i.e.,b2〈a〉. Observe tambem que trivialmente b2 6= b, ab, a2b, a3b e ba 6= 1, a, a2, a3, b.Pelo segundo teorema as unicas possibilidades para u e s tais que b2 = au e ba = asbsao u = 0 ou 2 e s = 1 ou 3.

Se u = 0 e s = 1, temos que ba = ab e o(b) = 2. O grupo G e abeliano. A funcaof : G → Z/4Z × Z/2Z definida por f(1) = (0, 0), f(a) = (1, 0), f(a2) = (2, 0),f(a3) = (3, 0), f(b) = (0, 1), f(ab) = (1, 1), f(a2b) = (2, 1) e f(a3b) = (3, 1) e umisomorfismo de grupos.

Se u = 0 e s = 3, temos que ba = a3b e o(b) = 2, neste caso G ∼= D4.Se u = 2 e s = 0, temos que ba = ab e b2 = a2. O grupo G e abeliano. A funcao

f : G → Z/4Z × Z/2Z definida por f(1) = (0, 0), f(a) = (1, 0), f(a2) = (2, 0),f(a3) = (3, 0), f(ab) = (0, 1), f(b) = (3, 1), f(a2b) = (1, 1) e f(a3b) = (2, 1) e umisomorfismo de grupos.

Finalmente, se u = 2 e s = 3, temos que ba = a3b e b2 = a2. Neste caso G eisomorfo ao grupo Q dos quaternions descrito da seguinte forma. Q e um subgrupodas matrizes 2×2 com entradas complexas e determinante nao nulo. Ele e definidopor

±(

1 00 1

),±(i 00 −i

),

(± 0 1−1 0

),±(

0 ii 0

).

Basta tomar

a =(i 00 −i

)e b =

(0 1−1 0

).

10.5.5. Grupos de ordem 9. Se existe a ∈ G tal que o(a) = 9, entao G ecıclico e G ∼= Z/9Z.

Caso isto nao ocorra para todo a ∈ G− 1, o(a) = 3. Seja b ∈ G− 〈a〉. Noteque o subgrupo 〈a, b〉 = 1, a, a2, b, b2, ab, ab2, a2b, a2b2 de G tem ordem 9, portantosendo igual ao proprio grupo G. Observe tambem que ba 6= 1, a, a2, b, b2. Assim, epelo segundo teorema, ba = ab, logo G e abeliano. Neste caso G ∼= Z/3Z × Z/3Z(exercıcio: determine explicitamente o isomorfismo, como nos casos anteriores).

10.5.6. Grupos de ordem 10. Se existe a ∈ G tal que o(a) = 10, G e cıclicoe G ∼= Z/10Z.

Caso contrario, como nos casos anteriores existem a, b ∈ G tais que o(a) = 5 eo(b) = 2 (verifique!). Pelo segundo teorema as unicas possibilidades para ba = asbsao s = 1 ou 4. No primeiro caso, G e abeliano e G ∼= Z/5Z × Z/2Z, mas este eisomorfo a Z/10Z, assim nao consideramos este caso. No outro caso, G ∼= D5, ogrupo diedral de ordem 10.

10.5.7. Grupos diedrais. Estes grupos tem ordem 2n, um elemento a deordem n e outro elemento b de ordem 2 satisfazendo a ba = an−1b.

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CAPıTULO 11

Teoremas de Sylow

11.1. Represesentacoes de grupos

Seja G um grupo finito e S um conjunto finito. Denotamos por Perm(S) oconjunto das permutacoes de S, i.e., das funcoes f : S → S bijetivas. Este conjuntoforma um grupo com respeito a composicao de funcoes. Uma representacao de Gpor permutacao e um homomorfismo de grupos ρ : G→ Perm(S).

Exemplo 11.1. Tomemos como S o proprio grupo G e consideremos para todox ∈ G o automorfismo interno Ix de G definido por Ix(a) := xax−1. Assim defini-mos a funcao ρ : G → Aut(G) dada por ρ(x) := Ix. Verifiquemos que esta funcaoe um homomorfismo de grupos. Esta representacao e chamada a representacao deG por conjugacao. De fato, dado a ∈ G temos

ρ(xy)(a) = (xy)a(xy)−1 = xyay−1x−1 = xIy(a)x−1 = Ix(Iy(a)) = (Ix Iy)(a).

Outra representacao com S = G e a translacao ρ : G → Aut(G) dada porρ(x)(a) := xa para todo a ∈ G. De fato, ρ(x) e um automorfismo de G (exercıcio)e

ρ(xy)(a) = xya = xρ(y)(a) = ρ(x)(ρ(y)(a)) = (ρ(x) ρ(y))(a).Esta representacao de G e chamada representacao por translacao.

Observe que neste ultimo caso a funcao ρ e injetiva. De fato se ρ(x) = id,entao xa = a para todo a ∈ G. Isto significa que x = 1. Como consequencia desteresultado temos o teorema de Cayley.

Teorema 11.2 (teorema de Cayley). Seja G um grupo de ordem n, entao G eisomorfo a um subgrupo do grupo Sn das permutacoes de n elementos.

Demonstracao. Tome a representacao ρ por translacao em G e conclua queG ∼= ρ(G) com ρ(G) subgrupo de Sn.

Exemplo 11.3. Seja S o conjunto de subgrupos de G e consideremos a funcaoρ : G → Perm(S) dada por ρ(x)(H) := xHx−1. Observemos que ρ(x) e de fatouma bijecao em S (exercıcio) e que

ρ(xy)(H) = xyHy−1x−1 = xρ(y)(H)x−1 = ρ(x)(ρ(y)(H)) = (ρ(x) ρ(y))(H).

Observe que como #H = #xHx−1, entao podemos restringir a representacaoanterior ao conjunto dos subgrupos H de G com ordem fixada n.

Exemplo 11.4. Seja H um subgrupo de G e S o conjunto das classes lateraisa direita de H em G, i.e., S := aH ; a ∈ G. Consideremos a funcao ρ : G →Perm(G) dada por ρ(x)(aH) := xaH. De novo fica como exercıcio verificar queρ(x) e de fato uma permutacao de S. Alem disto

ρ(xy)(aH) = xy(aH) = xρ(y)(aH) = ρ(x)(ρ(y)(aH)) = (ρ(x) ρ(y))(aH).

73

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74 11. TEOREMAS DE SYLOW

Dada uma representacao por permutacao ρ : G→ Perm(S) definimos a orbitaOa de um elemento a ∈ S por

Oa := ρ(x)(a) ; x ∈ G.

O estabilizador de a e definido por

E(a) := x ∈ G ; ρ(x)(a) = a.

Observemos que E(a) e um subgrupo de G. De fato, 1 ∈ E(a), pois ρ(1) = id eportanto ρ(1)(a) = a, i.e., ρ(1) ∈ E(a). Se x, y ∈ E(a), entao

ρ(xy)(a) = ρ(x)(ρ(y)(a)) = ρ(x)(a) = a, i.e., xy ∈ E(a).

Finalmente, ρ(x−1) = ρ(x)−1, pois ρ e um homomorfismo. Portanto, ρ(x−1)(a) =ρ(x)−1(a) = a, i.e., x−1 ∈ E(a). Pelo teorema de Lagrange temos que #E(a) divide#G. E menos imediato que o mesmo ocorre com #Oa. Isto segue da proposicaoseguinte.

Proposicao 11.5. Existe uma bijecao

ϕ : Oa → C.L.D. dada por ϕ(ρ(x)(a)) := xE(a),

o conjunto do lado direito e o conjunto das classes laterais a direita de E(a) em G.Em particular (novamente pelo teorema de Lagrange), #Oa divide #G.

Demonstracao. Inicialmente, ϕ esta bem definida pois se ρ(x)(a) = ρ(y)(a),entao ρ(xy−1)(a) = a, i.e., xy−1 ∈ E(a), i.e., xE(a) = yE(a). A funcao e injetivauma vez que se ϕ(ρ(x)(a)) = ϕ(ρ(y)(a)), i.e., xE(a) = yE(a), entao xy−1 ∈ E(a),logo ρ(xy−1)(a) = a, i.e., ρ(x)(a) = ρ(y)(a). Finalmente, pela propria definicao doconjunto do lado direito, ϕ e sobrejetiva.

Dada uma representacao ρ : G → Perm(S) definimos a seguinte relacao deequivalencia (verifique!) :

a ∼ b se e somente se existe x ∈ G tal que ρ(x)(a) = b.

Em particular, a classe de equivalencia de a nada mais e que a sua orbita Oa. Alemdisto o conjunto S fica escrito como a uniao disjunta das orbitas Oa.

Comecemos considerando o caso do exemplo 11.1. Neste caso

Oa = xax−1 ; x ∈ G

e o conjunto dos conjugados de G. Assim,

Oa = a se e somente se a ∈ Z(G).

Desta forma obtemos a equacao das classes de conjugacao

(11.1) #G = #Z(G) +∑

a/∈Z(G)

#Oa.

Ainda neste exemplo, o estabilizador E(a) de a e chamado o centralizador de adado por

Z(a) = x ∈ G ; xa = ax.No caso do exemplo 11.3, a orbita de H e dada por

OH = xHx−1 ; x ∈ G

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11.2. OS TEOREMAS DE SYLOW 75

e chamado o conjunto dos conjugados de H e o estabilizador de H e chamado onormalizador de H em G denotado por

NG(H) = x ∈ G ; xHx−1 = H.Observemos que H C G se e somente se NG(H) = G. Alem disto da propria

definicao H C NG(H). O grupo NG(H) tambem se caracteriza como sendo omaior subgrupo de G no qual H e normal. De fato, se K ⊂ G for um subgrupoe H C K, entao para todo x ∈ K temos xHx−1 = H, i.e., x ∈ NG(H), i.e.,K ⊂ NG(H).

11.2. Os teoremas de Sylow

Seja G um grupo finito e p um numero primo. Suponhamos que p | #G,digamos #G = pnb, onde p - b.

Teorema 11.6 (primeiro teorema de Sylow). Para todo 0 ≤ m ≤ n existe umsubgrupo H de G de ordem pm.

Definicao 11.7. Um subgrupo de G de ordem pn e chamado um p-subgrupode Sylow de G.

Lema 11.8 (lema de Cauchy). Seja G um grupo abeliano e suponha que p | #G,entao existe x ∈ G tal que o(x) = p.

Observe que o primeiro teorema de Sylow generaliza o lema de Cauchy paragrupos nao necessariamente abelianos.

Demonstracao. A prova sera por inducao na ordem de G. Se #G = 1,por vacuidade nada ha a fazer. Suponha que o resultado seja verdade para todosubgrupo de ordem menor que a ordem de G. Se #G = p nada ha a fazer, o grupoe cıclico e basta tomar um gerador. Suponhamos que |G| 6= p.

Afirmamos que existe um subgrupo H de G tal que 1 < #H < #G. De fato,seja x ∈ H − 1. Se 〈x〉 6= G, tome H = 〈y〉. Caso 〈x〉 = G, tome H = 〈xp〉.

Se p | #H, entao por hipotese de inducao existe x ∈ H com o(x) = p, emparticular x ∈ G. Caso p - #H, entao p | #G/H e #G/H < #G.

Novamente por hipotese de inducao existe x ∈ G/H tal que o(x) = p. Con-sideremos o homomorfismo sobrejetivo ϕ : G G/H. Seja r = o(x). Entaoo(x) = p | r, digamos r = kp. Desta forma o(xk) = p.

demonstracao do primeiro teorema de Sylow. Novamente a prova se-ra por inducao na ordem de G. Se #G = 1, nada ha a fazer. Suponhamos queo resultado seja verdade para todo grupo de ordem menor que #G. Se existe umsubgrupo proprio H de G tal que pm | #H, entao por hipotese de inducao temosque existe um subgrupo de H de ordem pm, em particular existe um subgrupo deG desta ordem.

Suponhamos que nao exista subgrupo proprio de G cuja ordem seja divisıvelpor pm. A equacao das classes de conjugacao afirma que

#G = #Z(G) +∑

a/∈Z(G)

(G : E(a)).

Para todo a /∈ Z(a) temos que (G : E(a)) = #Oa > 1, logo #E(a) < #G. Porhipotese pm - |E(a)|, assim p | (G : E(a)). Em particular, p | #Z(G).

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76 11. TEOREMAS DE SYLOW

Como Z(G) e abeliano, concluimos do lema de Cauchy que existe x ∈ Z(G) talque o(x) = p. Note que como x ∈ Z(G), entao 〈x〉 C G, portanto o grupo G/〈x〉tem ordem pn−1b < #G. Por hipotese de inducao existe K subgrupo de G/〈x〉 talque #K = pm−1. Consideremos o homomorfismo canonico ϕ : G G/〈x〉. EntaoH = ϕ−1(K) e um subgrupo de G de ordem pm.

Lembremos que dado um grupo qualquer (nao necessariamente finito) G e umnumero primo p, dizemos que G e um p-grupo se todo elemento de G tem ordempotencia de p. Utilizaremos o primeiro teorema de Sylow para provar a seguinteproposicao.

Proposicao 11.9. Um grupo finito G e um p-grupo se e somente se #G epotencia de p.

Demonstracao. E claro que se #G e potencia de p, entao G e um p-grupo.Reciprocamente, se existisse um primo ` 6= p tal que ` | #G, entao pelo primeiroteorema de Sylow, existe x ∈ G tal que o(x) = `, em particular G nao e ump-grupo.

Seja S o conjunto dos p-subgrupos de Sylow de G. Consideremos a repre-sentacao por conjugacao ρ : G→ Perm(S) definida por ρ(x)(S) = xSx−1. A partemais importante do segundo teorema de Sylow afirma que esta representacao etransitiva, i.e.,

S = OS = xSx−1 ; x ∈ G.Seja np := #S.

Teorema 11.10 (segundo teorema de Sylow). (1) S = OS, para algumS ∈ S.

(2) Se P ⊂ G e um p-subgrupo, entao existe S ∈ S tal que P ⊂ S.(3) Se S ∈ S, entao np = (G : NG(S)).

Para provar este teorema precisamos do seguinte lema.

Lema 11.11. Seja S ∈ S e P ⊂ G um p-subgrupo. Entao P ∩NG(S) = P ∩ S.

Demonstracao. Suponhamos que P∩NG(S) ' P∩S, seja x ∈ P∩NG(S)−S.Como P e um p-grupo temos que o(x) = pr para algum r ≥ 1. Alem disto S CNG(S), logo 〈x〉S e um subgrupo de NG(S). Mais ainda, #〈x〉S = o(x)#S/#〈x〉 ∩S = pr+n/#〈x〉 ∩ S. Observe que o denominador e < pr, pois x /∈ S, o que e umacontradicao uma vez que a ordem de 〈x〉S supera a ordem de S.

Demonstracao do segundo teorema de Sylow. Seja C o conjunto dossubgrupos de G e consideremos a representacao por conjugacao ρ : G → Perm(C)definida por ρ(x)(H) = xHx−1. Por definicao a orbita OS (para S ∈ S) de S e oconjunto dos conjugados de S e #OS = (G : NG(S)).

Provemos os 2 primeiros ıtens. Denotemos OS = T . A restricao ϑ : P →Perm(T ) desta representacao a um p-subgrupo P de G da uma representacao sobreo conjunto T dada por ϑ(x) = xaSa−1x−1, para aSa−1 ∈ T . Sejam O1, · · · ,Ok asorbitas desta representacao. Assim cada Oi e a orbita de Si = yiSy

−1i com relacao

a ϑ. Lembre qie #Oi = (P : NG(Si) ∩ P ). Pelo lema anterior (P : NG(Si) ∩ P ) =(P : Si ∩ P ). Assim,

#T =k∑

i=1

#Oi =k∑

i=1

(P : Si ∩ P ).

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11.3. EXEMPLOS 77

Como #S = pn e S ⊂ NG(S), entao p - #T = (G : NG(S)). Por outro lado, comoP e um p-grupo finito, para todo i = 1, · · · , k, (P : Si ∩ P ) e potencia de p. Masisto ocorre se e somente se existe i tal que P = Si ∩ P , i.e., P ⊂ Si, isto prova (2).Para (1) note que T ⊂ S. Para a inclusao inversa, aplicando (2) a qualquer S′ ∈ Stemos que existe i tal que S′ ⊂ Si, i.e., S′ = Si = yiSy

−1i , i.e., S′ ∈ T .

Finalmente, para provar (3), por (1) temos que np = #T = (G : NG(S)) | b.

Teorema 11.12 (terceiro teorema de Sylow). np | b e np ≡ 1 (mod p).

Demonstracao. A primeira afirmativa ja foi provada no teorema anterior.Para a segunda, aplique a ultima equacao para P = S obtendo

(G : NG(S)) =k∑

i=1

(S : S ∩ Si).

Como S e um p-grupo o resultado e imediato.

11.3. Exemplos

Determinemos o numero de p-subgrupos de Sylow para grupos de certas ordens.Observe que np = 1 se e somente se existe um unico p-subgrupo de Sylow normalem G.

Exemplo 11.13. Seja G um grupo de ordem 56 = 237. Pelo terceiro teoremade Sylow, n7 | 8 e n7 ≡ 1 (mod 7). Entao n7 = 1 ou 8. No primeiro caso temos umunico 7-subgrupo de Sylow H7 normal em G. No segundo caso, cada 7-subgrupode Sylow de G produz 6 elementos de ordem 7. Assim terıamos 48 elementos deordem 7. Portanto, os demais 8 elementos constituem o unico 2-subgrupo de Sylowde G. Isto nao poderia ser visto diretamente pelo terceiro teorema de Sylow, poisn2 | 7 e n2 ≡ 1 (mod 2), logo a princıpio nao poderıamos excluir a possibilidaden2 = 7. Neste caso o 2-subgrupo de Sylow H2 de G e normal em G.

Exemplo 11.14. Seja G um grupo de ordem 22.7.13. Aplicando o terceiroteorema de Sylow obtemos n13 | 22.7 e n13 ≡ 1 (mod 13). Portanto temos duaspossibilidades n13 = 1 e n13 = 14. Vamos excluir a ultima. Seja H13 um 13-subgrupo de Sylow de G. Aplicando o terceiro teorema de Sylow temos n7 | 22.13e n7 ≡ 1 (mod 7), logo n7 = 1, ou seja ha um unico 7-subgrupo de Sylow H7 deG (portanto normal em G). A fortiori, H13H7 e um subgrupo de G. Aplicandoo terceiro teorema de Sylow a este grupo obtemos n13 = (G : NG(H13)) ≤ (G :H13H7) = 4. Assim, n13 = 1.

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CAPıTULO 12

Grupos soluveis

12.1. Teorema de Jordan-Holder

Definicao 12.1. Seja G um grupo. Uma serie subnormal de G e uma sequenciade grupos

G = G0 B G1 B G2 B · · · B Gn = 1,onde cada Gi e normal no subgrupo anterior Gi−1. Denotamos por

Q :=G0

G1,G1

G2, · · · , Gn−1

Gn

o conjunto dos quocientes de da serie cuja cardinalidade l e dita o comprimento daserie.

Um refinamente de uma serie subnormal e uma outra serie subnormal obtida apartir desta inserindo subgrupos normais, por exemplo,

Gi B Hi B Gi+1.

Um refinamento e dito proprio, se o comprimento da nova serie for superior aoda original. Uma serie subnormal e dita uma serie de composicao, se nao admiterefinamento proprio. Duas series subnormais sao distas equivalentes se existe umabijecao entre o conjunto dos quocientes das duas series.

O objetivo desta secao e mostrar que todas as series de composicao de umgrupo dado sao equivalentes (Teorema de Jordan-Holder).

Definicao 12.2. Um grupo G e dito simples, se seus unicos subgrupos normaissao 1 e G. Por exemplo todo grupo de ordem prima e simples.

Observe que uma serie subnormal e uma serie de composicao se e somente secada quociente Gi/Gi+1 e um grupo simples. Nem todo grupo admite uma serie decomposicao. Por exemplo, se G = Z e os subgrupos Gi = piZ para i ≥ 1. A serie

Z B pZ B 0

pode ser infinitamente refinada inserindo sucessivamente os grupos piZ para todoi ≥ 2.

Lema 12.3. Seja G um grupo finito de ordem maior que 1, entao existe umsubgrupo normal proprio H de G que e maximal para esta propriedade, i.e., paratodo subgrupo K normal proprio de G temos que K ⊂ H.

Demonstracao. E claro que 1 e um subgrupo proprio normal de G. Se 1for maximal no sentido acima, nada ha a fazer. Caso contrario, existe H1 ' 1que e um subgrupo proprio normal em G. Se H1 for maximal, acabou, senaoprosseguimos. Nao podemos prosseguir indefinidamente pois G e finito.

79

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80 12. GRUPOS SOLUVEIS

Proposicao 12.4. Todo grupo finito admite uma serie de composicao.

Demonstracao. Pelo lema anterior, existe um subgrupo maximal normalproprio G1 de G. Similarmente, aplicando o lema sucessivamente a G1, G2, etc,obtemos que cada Gi possui um subgrupo maximal normal proprio Gi+1 e umaserie subnormal

G = G0 B G1 B G2 B · · · ,que nao pode ser infinita, poisG e finito e as ordens dos gruposGi’s sao estritamentedecrescentes. Logo existe n ≥ 1 tal que Gn = 1. Alem disto, pela maximalidadedos grupos Gi+1’s em Gi, concluimos que todos os quocientes Gi/Gi+1 sao grupossimples. Isto equivale a dizer que a serie e uma serie de composicao.

Exemplo 12.5. Consideremos a seguinte serie subnormal

G =Z

30ZB 〈5〉 B 〈10〉 B 0.

Esta serie e na verdade uma serie de composicao, pois o conjunto dos quocientes eZ5Z,Z2Z,Z3Z

,

ou seja, cada quociente e cıclico de ordem prima, portanto simples. Ela e refina-mento das series subnormais

G B 〈5〉 B 0, e

G B 〈10〉 B 0.Alem disto esta serie e equivalente as seguintes series de composicao

G =Z

30ZB 〈2〉 B 〈6〉 B 0 e

G =Z

30ZB 〈2〉 B 〈10〉 B 0.

Lema 12.6 (lema de Zassenhaus). Sejam H,H1,K,K1 subgrupos de um grupoG tais que H1 C H e K1 C K. Entao

(1) H1(H ∩K1) C H1(H ∩K) e K1(H1 ∩K) C K1(H ∩K).(2)

H1(H ∩K)H1(H ∩K1)

∼=K1(H ∩K)K1(H1 ∩K)

.

Demonstracao. (1) Mostremos o primeiro fato o segundo e analogo. Quere-mos mostrar que dados x ∈ H1 e y ∈ H ∩K temos

xy(H1(H ∩K1))y−1x−1 = H1(H ∩K1).

De fato,

xy(H1(H ∩K1))y−1x−1 = x(yH1y−1)(y(H ∩K1)y−1)x−1 = x(H1(H ∩K1)x−1,

onde na primeira identidade usamos que y ∈ H e H1 C H e na segunda quey ∈ H ∩K e K1 C K. Mas x ∈ H1, portanto

x(H1(H ∩K1)x−1 = H1(H ∩K1)x−1.

Como H1 C H, entaoH1(H ∩K1) = (H ∩K1)H1

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12.2. GRUPOS SOLUVEIS 81

e este e um subgrupo de G. Assim,

x(H1(H ∩K1)x−1 = ((H ∩K1)H1)x−1 = (H ∩K1)H1 = H1(H ∩K1),

onde novamente usamos que x−1 ∈ H1.(2) Fica como exercıcio provar o seguinte fato:

se A e B sao grupos e A C AB, entao (A/B)A = B/(A ∩B).

Tomemos A = H1(H ∩K1) e B = H ∩K. Neste caso

AB = H1(H ∩K) e A ∩B = (H ∩K1)(H1 ∩K).

Assim, pelo fato,H1(H ∩K)H1(H ∩K1)

∼=H ∩K

(H ∩K1)(H1 ∩K).

Similarmente, o outro quociente procurado tambem e isomorfo a este ultimo gru-po.

Teorema 12.7 (teorema de Schreier). Duas series subnormais de um grupo Gpossuem refinamentos equivalentes.

Demonstracao. Consideremos as seguintes series subnormais

G = G0 B G1 B G2 B · · · B Gn = 0 e

G = H0 B H1 B H2 B · · · B Hm = 0.Refinemos a primeira utilizando os grupos da segunda da seguinte forma

Gi = Gi+1(Gi ∩H0) B Gi+1(Gi ∩H1) B · · ·Gi+1(Gi ∩Hm) = Gi+1,

o fato de cada passada ser normal segue do ıtem (1) do lema de Zassenhaus. Damesma forma refinamos a segunda utilizando os grupos da primeira

Hj = Hj+1(G0 ∩Hj) B Hj+1(G1 ∩Hj) B · · · B Hj+1(Gn ∩Hj) = Hj+1.

A equivalencia entre estas series segue o ıtem (2) do lema de Zassenhaus.

Corolario 12.8 (teorema de Jordan-Holder). Duas series de composicao deum grupo dado sao equivalentes.

Demonstracao. Segue imediatamente do teorema de Schreier.

12.2. Grupos soluveis

Definicao 12.9. Seja G um grupo. Denotamos por G′ = [G,G] o subgrupodos comutadores e definimos indutivamente G(0) = G, G(i+1) = (G(i))′.

Teorema 12.10. Seja G um grupo. As seguintes condicoes sao equivalentes(i) G possui uma serie subnormal com quocientes abelianos.(ii) Existe n tal que G(n) = 1.

Se alem disto G for finito, entao estas condicoes equivalem a(iii) O grupo G admite uma serie de composicao com quocientes abelianos (logo

cıclicos de ordem prima).

Definicao 12.11. Um grupo satisfazendo as condicoes equivalentes acima edito um grupo soluvel.

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82 12. GRUPOS SOLUVEIS

Demonstracao. Suponha (i). Pela observacao 10.8, se H C G for tal queG/H e abeliano, entao H ⊃ G′. Assim, como G0/G1 e abeliano, G1 ⊃ G′ =G(1). Em seguida, como G1/G2 e abeliano, entao G2 ⊃ (G1)′ = G(2). Assimsucessivamente, Gi ⊃ G(i). Donde, G(n) = 1.

Suponha (ii). Basta notar que por definicao a serie subnormal

G = G(0) B G(1) B G(2) B · · · B G(n) = 1tem quocientes abelianos.

Suponha agora que G seja um grupo finito. No proximo capıtulo mostraremosque todo grupo abeliano finito pode ser escrito como produto de grupos cıclicos daforma Z/nZ para n ≥ 1 inteiro. Observemos que as duas formulacoes de (iii) defato equivalem-se. Ja observamos antes que todo grupo cıclico de ordem prima esimples. Reciprocamente, se um grupo abeliano finito e simples, pelo que foi ditoanteriormente, ele so pode ser um grupo cıclico da forma Z/nZ para algum inteiron ≥ 1, ja que se tivesse mais de um fator cıclico, por exemplo, Z/mZ×Z/nZ, entao0 × Z/nZ seria um subgrupo normal nao trivial. Mas pelo teorema chines dosrestos, todo grupo cıclico fatora-se como produto de grupos cıclicos Z/prZ, onde pe primo e r ≥ 1 inteiro. Assim, ficamos reduzidos ao caso em que G = Z/prZ. Masse r > 1, este grupo admite como subgrupo normal nao trivial o grupo pZ/prZ,logo nao poderia ser simples.

Se G for um grupo finito e claro que (iii) implica (i). Por outro lado qualquerrefinamento de uma serie subnormal com quocientes abelianos tambem tem quo-cientes abelianos. Alem disto, ja foi visto anteriormente que toda serie subnormalde um grupo finito admite uma serie de composicao.

Segue imediatamente do teorema que grupos abelianos sao soluveis. Para verque p-grupos finitos (onde p denota um numero primo) sao tambem soluveis pre-cisaremos da seguinte proposicao.

Proposicao 12.12. Seja G um grupo de ordem pm e H um subgrupo de G deordem pr, onde r < m. Entao

(1) existe um subgrupo K de G de ordem pr+1 contendo H.(2) Todo subgrupo L de G de ordem pr+1 contendo H satisfaz : H C L. Em

particular, H ( NG(H).

Demonstracao. Provemos o seguinte resultado mais forte que (1) por inducaona ordem de G: existe um subgrupo H de G de ordem pr+1 tal que H CK.

Se #G = 1, nada ha a fazer. Senao, suponhamos o resultado seja verdade paratodo grupo de ordem menor que #G. Como Z(G) 6= 1, utilizando o lema deCauchy (cf. capıtulo sobre teoremas de Sylow) escolhemos um elemento x ∈ Z(G)de ordem p. Note que 〈x〉CG e x ∈ NG(H).

Se x /∈ H, entao, o subgrupo K = H〈x〉 satisfaz as condicoes desejadas, pois〈x〉 ∩H = 1. Caso x ∈ H, o grupo G/〈x〉 tem ordem estritamente menor que G,logo por hipotese de inducao existe um subgrupo K ′ de G/〈x〉 tal que #K ′ = pr.Seja K a pre-imagem de K ′ pelo homomorfismo canonico ϕ : G → G/〈x〉. Osubgrupo K ′ de G satisfaz as condicoes da afirmativa mais forte.

Finalmente, o segundo ıtem segue do primeiro.

Corolario 12.13. Seja G um grupo de ordem pm (onde p denota um numeroprimo). Entao existem subgrupos H0 = 1,H2, · · · ,Hm = G tais que Hi CHi+1 etais que Hi+1/Hi e cıclico de ordem p, para i = 0, · · · ,m− 1.

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12.2. GRUPOS SOLUVEIS 83

Demonstracao. Aplique a proposicao a H0 = 1 obtendo H1 e ordem p,em seguida aplique-a novamente a H1 e assim sucessivamente.

Observacao 12.14. Segue do teorema 12.10 e do corolario anterior que todop-grupo finito e soluvel.

Proposicao 12.15. Seja G um grupo e H um subgrupo de G.(1) Se G for soluvel, entao H e soluvel.(2) Se H C G entao G e soluvel se e somente se H e G/H sao soluveis.

Demonstracao. (1) Suponha queG seja soluvel. Note que para todo i, G(i) ⊃H(i). Portanto, H(n) = 1 e H e soluvel.

(2) Seja ϕ : G → G/H o homomorfismo quociente. Observe que ϕ(G′) =ϕ(G)′ = (G/H)′. Suponha que G seja soluvel. Por (1) H e soluvel. Alem disto,indutivamente, para todo i, ϕ(G(i)) = (G/H)(i), a fortiori, (G/H)(n) = 1, i.e.,G/H e soluvel. Reciprocamente, suponha que H e G/H sejam soluveis. Istosignifica que existe n tal que H(n) = 1 e m tal que (G/H)(m) = 1. Da ultimaigualdade segue que G(m) ⊂ ker(ϕ) = H. Aplicando indutivamente esta derradeiraigualdade obtemos G(m+j) ⊂ H(j). Portanto G(m+n) ⊂ H(n) = 1, i.e., G esoluvel.

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CAPıTULO 13

Grupos abelianos finitamente gerados

13.1. Modulos sobre aneis

Seja R um anel comutativo com unidade. Um R-modulo M e um grupo aditivomunido de uma funcao R×M →M tal que a(x+y) = ax+ay e (a+b)x = ax+bx,para a, b ∈ R e x, y ∈ M . Quando R e um corpo (como os reais) recuperamos anocao de espaco vetorial.

Dizemos que um suconjunto S de M gera M se para todo x ∈ M existemx1, · · · , xn ∈ S tal que x =

∑ni=1 aixi, onde ai ∈ R para i = 1, · · · , n. O conjunto

S e dito o conjunto de geradores de M . O modulo M e dito finitamente gerado, seS for finito.

Dados x1, · · · , sn ∈ M dizemos que eles sao R-linearmente independentes separa qualquer combinacao linear

∑ni=1 aixi = 0 com ai ∈ R tivermos ai = 0 para

i = 1, · · · , n. O modulo M e dito um R modulo livre se possui um conjuntode geradores linearmente independentes. Novamente, quando R e um corpo, umconjunto de geradores linearmente independentes nada mais e que a base de umespaco vetorial. Quando o conjunto de geradores S e finito e estes sao R-linearmenteindependentes, da mesma forma que na algebra linear podemos mostrar que onumero de elementos do conjunto gerador nao depende da particular escolha doconjunto. Este numero e chamado o posto do modulo (que corresponde a nocao dedimensao de espaco vetorial)..

Observemos que a nocao de Z-modulo equivale a de grupo abeliano. De fato,todo Z-modulo por definicao e um grupo abeliano. Reciprocamente, todo grupoabelianoG admite uma estrutura de Z-modulo. De fato, denotandoG aditivamente,podemos considerar a soma de n > 0 vezes um elemento x de G que e o elementonx ∈ G. Para n = −m < 0, nx nada mais e que m vezes o elemento −x, portantotambem um elemento de G.

Ao contrario de espacos vetoriais nem todo Z-modulo livre e finito. De fato,para todo n ≥ 1, Z/nZ e um Z-modulo livre de posto 1 gerado por 1. Na verdadeisto corresponde a nocao de grupo abeliano de torcao. Um grupo abeliano G e detorcao se e somente todo elemento de G e de ordem finita. Veremos que o teoremaem questao diz inicialmente que todo grupo abeliano finitamente gerado se quebraem um pedaco de torcao que descreveremos completamente e uma parte livre quee isomorfa a r copias de Z, onde r e exatamente o posto do grupo como Z-modulo.

Similarmente ao caso de espacos vetoriais temos nocoes de submodulos e demodulos quocientes. Seja M um R-modulo. Um subconjunto N de M e dito umR-submodulo de N se for um sugrupo e se para todo a ∈ R e x ∈ N , ax ∈ N .Para todo x ∈ M definimos x := x +N := x + v | v ∈ N chamada a classe de xcom respeito a N . Como conjunto o modulo quociente M/N e definido como sendox |x ∈M. Definimos uma estrutura de R-modulo em M/N da maneira usual. A

85

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86 13. GRUPOS ABELIANOS FINITAMENTE GERADOS

soma e definida por x⊕ y := x+ y e a multiplicacao por escalar por ax := ax, paratodo a ∈ R. Fica como exercıcio verificar que estas operacoes estao efetivamentebem definidas.

Dados V e W R-modulos uma funcao ϕ : V → W e dito um homomorfismode R-modulos se for um homomorfismo de grupos e se para todo a ∈ R e x ∈ Vtemos ϕ(ax) = aϕ(x). Da mesma forma definimos o nucleo de ϕ por N(ϕ) := x ∈V |ϕ(x) = 0. Ja sabemos que N(ϕ) e um subgrupo de V . Alem disto ele e umR-submodulo, pois para todo a ∈ R e x ∈ N(ϕ) temos ϕ(ax) = aϕ(x) = 0, i.e.,ax ∈ N(ϕ). A imagem ϕ(V ) de φ e um R-submodulo de W (exercıcio).

Teorema 13.1 (teorema dos homomorfismos). Seja ϕ : V →W um homomor-fismo de R-modulos. Entao ϕ induz um isomorfismo de R-modulos Φ : V/N(ϕ)→ϕ(V ) dado por Φ(x) := ϕ(x).

Demonstracao. Ja sabemos que Φ e isomorfismo de grupos. Basta verificarque e um homomorfismo de R-modulos. De fato, dado a ∈ R temos que Φ(ax) =Φ(ax) = ϕ(ax) = aϕ(x) = aΦ(x).

Para todo n ≥ 1 o produto cartesiano Rn e naturalmente um R-modulo so-mando as coordenadas e multiplicando as coordenadas por um escalar em R. Umhomorfismo de R-modulos ϕ : Rm → Rn e determinado pela multiplicacao de umvetor por uma matriz n × m com coordenadas em R. De fato, tomemos comoconjunto gerador linearmente independente em cada um dos R-modulos a basecanonica, entao da mesma forma que na algebra linear, se e1, · · · , em e uma base deRm e f1, · · · , fn e uma base de Rn, entao ϕ fica determinado por ϕ(ei) =

∑j aijfj ,

onde aij ∈ R.Definimos o grupo GLn(R) como o subgrupo das matrizes quadradas de ordem

n com entradas em R. Observemos que este equivale ao grupo das matrizes cujodeterminante e um elemento inversıvel em R. De fato, seja A ∈ GLn(R). Entaoexiste B ∈Mn(R) tal que AB = Id, em particular det(A) det(B) = 1, i.e., det(A) ∈R∗. Reciprocamente, se det(A) = δ ∈ R∗ e Adj(A) denota a adjunta de A (quee construıda como na algebra linear, pois as operacoes elemetares por linhas saoprecisamente as mesmas tomando cuidado de escolher os escalares pertencendo aum anel R ao inves de um corpo). Assim a regra de Cramer nos informa queδ Id = A Adj(A). A fortiori, Id = A(δ−1 Adj(A)), assim δ−1 Ajd(A) e a inversa deA (observe que podemos tomar δ−1, pois δ e inversıvel em R).

13.2. Diagonalizacao de matrizes

Teorema 13.2. Seja A ∈ Mn×m(Z) entao existem matrizes Q ∈ GLn(Z) eP ∈ GLm(Z) tais que A′ = QAP−1 e diagonal da seguinte forma:

d1 0 · · · 00 d2 · · · 0. . .0 0 · · · dr

0

0 0

,

onde d1 | d2 | · · · | dr.

Demonstracao. As matrizes Q e P proveem (como na algebra linear) damultiplicacao de matrizes elementares que correspondem as operacoes elementarespor linhas e por colunas.

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13.3. GERADORES E RELACOES PARA MODULOS 87

Etapa 1. Trocando linhas e colunas (e eventualmente multiplicando uma linhaou coluna por -1) podemos supor que a11 ≥ 0 e uma entrada de menor valor absoluto(claro que pode haver outra entrada com o mesmo valor absoluto).

Etapa 2. Transformamos os demais elementos da primeira coluna em 0 daseguinte forma. Para todo i > 1 dividimos ai1 = a11q + r, onde 0 ≤ r < a11.Substituımos a i-esima linha por menos ela mais q vezes a primeira, ou seja trocamosai1 por r. Se r = 0 nada mais precisamos fazer. Senao permutamos levando r paraa primeira posicao (1,1) e retornamos a etapa anterior. Em um numero finito depassos obteremos r = 0. Repetimos o argumento para as demais entradas da linha.Similarmente, repetimos o argumento para colunas e zeramos o restante da primeiralinha.

Etapa 3. Seja B a matriz restante eliminando as primeiras linha e coluna. Seexiste uma entrada b de B que nao seja divisıvel por a11, somamos a coluna corres-pondente com a primeira coluna e retornamos a etapa 2. Apos um numero finitode passos todos os elementos de B sao divisıveis por a11 e aplicamos as 3 etapas aB.

Note que na demonstracao anterior alem das operacoes elementares por linhasque valem para qualquer anel, utilizamos tao somente o algoritmo da divisao paraos inteiros. Isto permite-nos generalizar o resultado da seguinte forma.

Teorema 13.3. Seja R um domınio euclideano e A ∈ Mn×m(R). Entao ex-istem matrizes Q ∈ GLn(R) e P ∈ GLm(R) tais que A′ = QAP−1 e diagonal daforma indicada no teorema anterior.

Notemos que este processo se aplica particularmente a matriz de um homomor-fismo de R-modulos ϕ : Rm → Rn.

13.3. Geradores e relacoes para modulos

Seja ϕ : Rn → Rm um homomorfismo de R-modulos cuja matriz na basecanonica e A ∈ Mm×n(R). A base canonica de Rn e chamado o conjunto degeradores e o nucleo N(ϕ) de ϕ e dito o conjunto de relacoes. A imagem de ϕ edada por multiplicacao por A, assim denotamos ϕ(Rn) := ARn. O conucleo de ϕe definido por Rm/ARn. Neste caso dizemos que a matriz A presenta o conucleode ϕ, ou em outras palavras, A e a matriz de presentacao do conucleo de ϕ.

Mostraremos agora que todo R-modulo finitamente gerado V pode ser pre-sentado por alguma matriz. Inicialmente observemos que se v1, · · · , vn e um con-junto de geradores de V entao temos um homomorfismo sobrejetivo canonico deR-modulos ϕ : Rn → V dado por ϕ(ei) = vi, onde e1, · · · , en e a base canonica deRn. De fato, para todo v ∈ V temos v =

∑ni=1 aivi com a1, · · · , an ∈ R. Portanto,

V = ARn. Seja W = N(ϕ). Mostraremos em seguida que W e tambem um R-modulo finitamente gerado. Neste caso, digamos que seja gerado por w1, · · · , wm,temos tambem um homomorfismo sobrejetivo ψ : Rm → W de R-modulos e oW = BRm. Pelo teorema dos homomorfismos, V ∼= Rn/W = Rn/BRm, assim amatriz B presenta V . A ideia do teorema sera diagonalizar a matriz B como nasecao anterior e obter daı a decomposicao do modulo.

Lema 13.4. Seja ϕ : V →W um homomorfismo de R-modulos.(1) Se ker(ϕ) e ϕ(V ) sao finitamente gerados, entao V tambem e finitamente

gerado. Se V e finitamente gerado e ϕ e sobrejetivo, entao W e finita-mente gerado.

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88 13. GRUPOS ABELIANOS FINITAMENTE GERADOS

(2) Seja W um R-submodulo de V . Se W e V/W sao finitamente gerados,entao V tambem e finitamente gerado. Se V e finitamente gerado, entaoV/W e finitamente gerado.

Demonstracao. (1) Seja u1, · · · , uk um conjunto de geradores de ker(ϕ) ew1, · · · , wm um conjunto de geradores de W . Para todo i = 1, · · · ,m seja vi ∈ Vtal que ϕ(vi) = wi. Afirmamos que (u1, · · · , uk; v1, · · · , vm) geram V . De fato, dadov ∈ V temos ϕ(v) =

∑i aiwi com ai ∈ R para i = 1, · · · ,m. Seja v′ =

∑i aivi ∈ V .

Entao ϕ(v′) = ϕ(v), i.e., v′ − v ∈ ker(ϕ), i.e., v′ − v =∑

j bjuj para bj ∈ R paratodo j = 1, · · · , k. Para a segunda parte, se v1, · · · , vn geram V , como todo w ∈We da forma w = ϕ(v), para algum v ∈ V , entao w =

∑i aiϕ(vi), onde v =

∑i aivi,

e ϕ(v1), · · · , ϕ(vn) forma um conjunto de geradores de W .(2) Segue de (1) aplicado ao homomorfismo quociente canonico ϕ : V → V/W .

Proposicao 13.5. Seja V um R-modulo. As seguintes condicoes sao equiva-lentes:

(1) Todo R-submodulo W de V e finitamente gerado.(2) Nao existe sequencia estritamente crescente de R-submodulos de V : W1

W2 · · ·

Demonstracao. Suponha que a condicao (2) seja satisfeita e queW 6= 0. Sejaw1 ∈W −0. Se w1 gera W acabou. Senao seja w2 ∈W −Rw1. Se Rw1 +Rw2 =W , acabou, w1 e w2 geram W . Senao seja w3 ∈W − (RW1 +Rw2). Prosseguindodesta forma o conjunto deR-modulosWi = Rw1+. . .+Rwi e estritamente crescente.Por hipotese existe k tal que Wk = W , em particular w1, · · · , wk geram W .

Reciprocamente suponha (1). Seja W1 ⊂ W2 ⊂ · · · uma sequencia de R-submodulos de V . A uniao U =

⋃iWi tambem e um R-submodulo de V (exercıcio).

Por hipotese U e finitamente gerado, digamos por u1, · · · , un. Seja j o maior ındicetal que ui ∈ Wj para todo i. Logo Wj ⊂ U ⊂ Wj , i.e., U = Wj e a sequenciaestaciona.

Definicao 13.6. Um anel R tal que todo modulo satisfaca as condicoes ante-riores e chamado um anel noetheriano.

Proposicao 13.7. Seja R um anel noetheriano e V um R-modulo finitamentegerado. Entao todo submodulo W de V tambem e finitamente gerado.

Demonstracao. Observemos inicialmente que basta provar a proposicao nocaso em que V = Rn. De fato, como V e finitamente gerado, entao existe umhomomorfismo sobrejetivo ϕ : Rn → V . Seja W ⊂ V um submodulo. Entaoϕ−1(W ) = W ′ e um submodulo de Rn, por hipotese e finitamente gerado. Pelolema anterior concluimos que W tambem e finitamente gerado.

Provemos por inducao em n. Para n = 1 isto segue da proposicao ante-rior. Consideremos o homomorfismo de projecao ϕ : Rn → Rn−1 dado porϕ((a1, · · · , an)) = (a1, · · · , an−1). O seu nucleo constitui-se dos vetores da forma(0, · · · , 0, an). Seja W um submodulo de Rn e seja ψ a restricao de ϕ a W , dig-amos ψ : W → Rn−1. Por hipotese de inducao ψ(W ) e finitamente gerado. Alemdisto, ker(ψ) = ker(ϕ) ∩W e um submodulo de ker(ϕ) ∼= R, portanto tambem efinitamente gerado. Assim, o resultado segue da proposicao anterior.

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13.4. O TEOREMA DE ESTRUTURA 89

13.4. O teorema de estrutura

Ja fizemos tudo que era necessario para obter nosso resultado principal nestecapıtulo. Antes so mais um pouco de notacao. Sejam W1, · · · ,Wn submodulos deum R-modulo V . DefinimosW1+. . .+Wn := w1+. . .+wn |wi ∈Wi, i = 1, · · · , n.Fica como exercıcio verificar que W1 + . . .+Wn e um R-submodulo de V . Dizemosque esta soma e direta de para qualquer relacao linear

∑i aiwi = 0, com ai ∈ R,

temos ai = 0 para todo i. Neste caso escrevemos W1 ⊕ . . .⊕Wn.

Teorema 13.8. (teorema de estrutura de grupos abelianos finitamente gerados)Seja G um grupo abeliano finitamente gerado. Entao

G ∼= (Z/d1Z)⊕ . . .⊕ (Z/dkZ)⊕ Zr, onde d1 | d2 | · · · | dr

sao inteiros positivos, r e o posto de G como Z-modulo e

Gtor = (Z/d1Z)⊕ . . .⊕ (Z/dkZ)

e o subgrupo de torcao de G, i.e., o conjunto dos elementos de ordem finita.

Demonstracao. Ja vimos anteriormente que G e presentado por uma matrizA ∈ Mn×m(Z), i.e., G = Rn/ARm e que tal matriz pode ser diagonalizada com apropriedade acima para suas entradas d1, · · · , dk. As relacoes do grupo s sao dadaspor divi = 0 para i = 1, · · · , k para um conjunto de geradores v1, · · · , vn, Seja Lo submodulo gerado por vk+1, · · · , vn. Como nao ha relacoes entre estes vetoresvemos que L e um Z-modulo livre de posto n− k, i.e., L ∼= Zn−k. Afirmamos que

G = C1 ⊕ . . .⊕ Ck ⊕ L, onde Ci = 〈vi〉 ∼= Z/diZ.

E claro, pela presentacao de G, que estes submodulos geram G. Ou seja, G e iguala soma destes. Queremos mostrar que a soma e direta. De fato, se houvesse umarelacao

z1 + . . .+ zk + w = 0,

com zi ∈ Ci e w ∈ L, entao podemos reescre-la da formak∑

i=i

rivi +n∑

i=k+1

rivi = 0,

onde 0 ≤ ri < di para i = 1, · · · , k e ri ∈ Z para i = k + 1, · · · , n. Comonao ha relacao envolvendo os ultimos n − k vetores concluimos que ri = 0 parai = k + 1, · · · , n. Alem disto pelas relacoes acima a unica possibilidade para quepara os demais di | ri e ri = 0 para cada i. Portanto, nao ha relacoes entre osmodulos acima.

Lembremos que no processo de diagonalizacao das matrizes tudo funcionavabem para qualquer domınio euclideano. Assim no teorema acima podemos sub-stituir a nocao de grupo abeliano finitamtente gerado pela nocao de R-modulofinitamente gerado sobre um domınio euclideano R.

13.4.1. Um teorema de Mordell. Grupos abelianos finitamente geradossurgem naturalmente na aritmetica. Uma curva elıtica sobre os complexos podeser pensada como o conjunto de pontos em C2 que sao solucoes de uma equacao daforma

y2 = x3 + ax+ b,

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90 13. GRUPOS ABELIANOS FINITAMENTE GERADOS

onde x3 + ax+ b nao admite raızes multiplas e a priori estamos supondo a, b ∈ C.Ocorre que existe uma estrutura de grupo abeliano na curva elıtica que pode serdefinida geometricamente por meio de intersecoes com retas. Se considerarmoso caso em que a, b ∈ Q, ou seja uma curva elıtica definida sobre os racionais,existe um celebre teorema devido a Mordell que afirma que o conjunto de solucoes(x0, y0) ∈ Q2 da equacao e um grupo abeliano finitamente gerado, digamos

E(Q)tor ⊕ Zr.

O inteiro (misterioso) r e chamado o posto da curva elıtica. Nao se sabe porexemplo se e possıvel existir curvas elıticas com posto arbitrariamente grande, orecorde e 24.

A este objeto (a curva elıtica) esta associado a uma funcao de natureza analıticachamada a L-serie de Hasse-Weil da curva elıtica. A famosa conjectura de Birche Swinnerton-Dyer afirma que a ordem de anulamento desta funcao em s = 1 eexatamente o posto. Ela surgiu a partir de evidencias computacionais.

De outro lado podemos nos perguntar o que e conhecido sobre o grupo detorcao. A resposta e tudo. Um belo e profundo resultado devido a Mazur mostraque existem exatamente 16 grupos abelianos que podem ser grupos de torcao decurvas elıticas sobre os racioanis e que cada um desses grupos efetivamente ocorre.

Para mais informacoes sobre curva elıticas e o teorema de Mordell ver [Sil].Para o teorema de Mazur ver [Ma].

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Parte 3

Aneis

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CAPıTULO 14

Aneis de polinomios

14.1. Algoritmo da divisao

Seja K um corpo. Um polinomio definido sobre K e uma expressao da forma

f(x) = anxn + . . .+ a1x+ a0,

onde a0, · · · , an ∈ K. Identificamos f(x) a um vetor (a0, · · · , an, 0, · · · , 0, · · · ). Sef 6= 0 e n ≥ 0 for o maior inteiro tal que an 6= 0, dizemos entao que n e o grau def . O conjunto de todos os polinomios definidos sobre K e denotado por K[x].

Seja g(x) = bmxm + . . .+ b1x+ b0. Suponhamos que n ≥ m. Definimos a soma

de f, g ∈ K[x] por

(f + g)(x) := (an + bn)xn + . . .+ (a1 + b1)x+ a0 + b0,

onde bj = 0 para todo j > m. Se f + g 6= 0, entao

grau(f + g) ≤ maxgrau(f), grau(g).

Note que se f = x3+x+1 e g = −x3+x2−2, entao grau(f+g) = 2 < 3. Definimoso produto de f e g por

(fg)(x) := cn+mxn+m + . . .+ c1x+ c0, onde ci =

∑j+l=i

ajbl.

Assim, se f, g 6= 0, grau(fg) = grau(f) + grau(g).Afirmamos que K[x] e um domınio de integridade. Observemos inicialmente

que K[x] e um espaco vetorial com a operacao de multiplicacao por escalar sendo amultiplicacao por um polinomio constante de grau zero. Verifique que de fato istofaz de K[x] um espaco vetorial. Em particular, temos as propriedades aditivas deK[x] como anel.

A associatividade do produto e provada da seguinte forma. Sejam f, g ∈ K[x].Seja h(x) =

∑ri=0 cix

i. Entao

fg =n+m∑i=0

dixi, onde di =

∑j+l=i

ajbl,

logo

(fg)h =n+m+r∑

i=0

eixi, onde ei =

∑j+l=i

∑α+β=j

aαbβcl

=∑

α+β+l=i

aαbβcl.

93

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94 14. ANEIS DE POLINOMIOS

Por outro lado,

gh =m+r∑i=0

= Aixi, onde Ai =

∑j+l=i

bjcl,

logo

f(gh) =n+m+r∑

i=0

Bixi, onde Bi =

∑α+l=i

∑β+j=l

aαbβcl

=∑

α+β+l=i

aαbβcl.

A comutatividade do produto segue da mesma propriedade para os elementosde K. O elemento neutro do produto e o polinomio constante f = 1. Fica comoexercıcio verificar que a soma distribui em relacao ao produto, i.e.,

f(g + h) = fh+ gh.

Sejam f, g ∈ K[x] tais que fg = 0, mas f 6= 0 de grau n. Provaremos agoraque isto implica em g = 0. De fato, comecando pelo coeficiente de xn+m temos que

anbm = 0, logo bm = 0.

Em seguida, para o coeficiente de xn+m−1 temos

anbm−1 + an−1bm = anbm−1 = 0, logo bm−1 = 0.

Para o coeficiente de xn+m−2 temos

anbm−2 + an−1bm−1 + an−2bm = anbm−2 = 0, logo bm−2 = 0.

Assim sucessivamente, todos os coeficientes de g sao nulos. Portanto, g = 0.Dizemos que f ∈ K[x] e inversıvel se existe g ∈ K[x] tal que fg = 1. Note que

neste caso, o lado esquerdo da equacao tem grau n +m e o lado direito tem grau0, logo n = m = 0 e f, g ∈ K∗ = K \ 0, pois K e um corpo.

Teorema 14.1 (algoritmo da divisao). Sejam f, g ∈ K[x], g 6= 0, entao existemunicos q, r ∈ K[x] tais que f = qg + r, onde r = 0 ou grau(r) < grau(g).

Demonstracao. Sejam f =∑n

i=0 aixi e g =

∑mj=0 bjx

j . Definimos

f1 := f − an

bmxn−mg.

Se f1 = 0, acabou, tomer = 0 e q =

an

bmxn−m.

Se f1 6= 0, entao n1 = grau(f1) < n = grau(f). Se n1 < m, acabou, tome

r = f1 e q =an

bmxn−m.

Suponha que n1 ≥ m. Seja

f1 :=n1∑i=0

a1,ixi.

Definaf2 := f1 −

a1,n1

bmxn1−mg.

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14.2. MAXIMO DIVISOR COMUM DE POLINOMIOS 95

Se f2 = 0, acabou, tome

r = 0 e q =1bm

(anxn−m + a1,n1x

n1−m).

Se f2 6= 0, entao n2 = grau(f2) < n1. Se n2 < m, acabou, tome

r = f2 e q =1bm

(anxn−m + a1,n1x

n1−m).

Prosseguindo obtemos uma sequencia de polinomios fi com graus estritamente de-crescentes, assim pelo menos para algum t ≥ 1 temos ft 6= 0 e grau(ft) < m, nesteponto o algoritmo acaba, tome

r = ft e q =1bm

(anxn−m + a1,n1x

n1−m + . . .+ at−1,nt−1xnt−1−m).

Suponha que tenhamos realizado duas divisoes

f = q1g + r1 = q2g + r2,

onde para i = 1, 2, ri = 0 ou grau(ri) < m. Se r1 = r2, entao q1g = q2g = 0, e comog 6= 0, entao q1 = q2. Suponhamos que r1 6= r2. Neste caso, grau(r1 − r2) < m.Por outro lado

r1 − r2 = (q2 − q1)ge grau((q2 − q1)g) ≥ grau(g), o que e impossıvel.

14.2. Maximo divisor comum de polinomios

Sejam f, g ∈ K[x] − 0. Dizemos que f divide g e denotamos por f | g seexiste

h ∈ K[x] tal que fh = g.

Notemos que esta propriedade e transitiva, i.e.,

se f | g e g | h, entao f | h.De fato, se g = fα e h = gβ, onde α, β ∈ K[x], entao h = fαβ, i.e., f | h.

Se h 6= 0 e fh | gh, entao f | h,pois se gh = fhα para α ∈ K[x], entao h(g − fα) = 0 e como h 6= 0 e K[x] edomınio de integridade, entao g = fα. Alem disto,

se f | g e g | f, entao f = ag,

para algum a ∈ K∗, pois de f = gα e g = fβ obtemos que 1 = αβ, mas a ultimaigualdade so ocorre se α, β ∈ K∗.

Definicao 14.2. Sejam f, g ∈ K[x]−0, dizemos que d ∈ K[x] e um mdc def e g se

(1) d | f e d | g.(2) Para todo d′ ∈ K[x] tal que d′ | f e d′ | g, temos d′ | d.

Dizemos que f =∑n

i=0 aixi ∈ K[x] e um polinomio monico, se an = 1.

Observacao 14.3. Dado um outro mdc e de f e g, pela condicao (2) temosque d | e e e | d, portanto d = ae, onde a ∈ K∗. A maneira de tornar canonicaa escolha do mdc e exigir que ele seja um polinomio monico e neste caso podemosdizer que d = mdc(f, g) e o mdc de f e g.

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96 14. ANEIS DE POLINOMIOS

Observe que se f | g e f entao f e um mdc de f e g. A etapa seguinte e obtero mdc de maneira algorıtimica. Para isto introduzimos um lema simples.

Lema 14.4. Sejam f, g ∈ K[x]− 0 e q, r ∈ K[x] tais que

f = qg + r, onde r = 0 ou grau(r) < grau(g).

Entaomdc(f, g) = mdc(g, r).

Demonstracao. Seja Df,g (resp. Dg,r) o conjunto dos divisores comuns def e g (resp. g e r). Seja d = mdc(f, g). Logo para todo d′ ∈ Df,g \ 0 temosgrau(d′) ≤ grau(d). Assim d e o elemento em Df,g monico de grau maximo possıvel.Similarmente, e = mdc(g, r) e o elemento monico em Dg,r de grau maximo possıvel.Mostraremos agora que Df,g = Dg,r, consequentemente d = e.

Seja A ∈ Df,g, logo f = Aα e g = Aβ, onde α, β ∈ K[x]. Segue da equacao doenunciado que

r = A(α− qβ),em particular A ∈ Dg,r. A inclusao oposta segue pelo mesmo argumento.

Teorema 14.5. Sejam f, g ∈ K[x] \ 0 e r1, · · · , rn ∈ K[x] os restos naonulos na sequencia de divisoes

(14.1)

f = q1g + r1, onde grau(r1) < grau(b)

g = q2r1 + r2, onde grau(r2) < grau(r1)· · ·

rn2 = qnrn−1 + rn, onde grau(rn) < grau(rn−1)rn−1 = qn+1rn.

Esta sequencia e finita pois os graus sao estritamente decrescentes. Entao rn e ummdc de f e g.

Demonstracao. A ultima linha nos diz que rn e um mdc de rn e rn−1.Logo rn = mdc(rn−1, rn). Pelo lema 14.4 concluimos que rn = mdc(rn−1, rn−2)e prosseguindo nas linhas anteriores temos que rn = mdc(r2, r1) = mdc(r1, g) =mdc(f, g).

Teorema 14.6 (algoritmo euclideano estendido). Sejam f, g ∈ K[x] \ 0 ed = mdc(a, b). Entao existem α, β ∈ K[x] tais que

d = fα+ gβ.

Demonstracao. Do teorema anterior temos que d = rn. A penultima equa-cao nos da

rn = rn−2 − qnrn−1.

Tomando A1 = −qn e B1 = 1 reescrevemos

rn = B1rn−2 +A1rn−1.

Utilizando a equacao antecedente a esta obtemos

rn = B1rn−2 +A1(rn−3 − qn−1rn−2) = B2rn−3 +A2rn−2,

onde B2 = A1 e A2 = B1 − A1qn−1. Prosseguindo ao longo das demais divisoesobtemos

rn = Bn−3r1 +An−3r2 = Bn−3r1 +An−3(g − q2r1) = Bn−2g +An−2r1,

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14.3. FATORACAO UNICA DE POLINOMIOS 97

onde Bn−2 = An−3 e An−2 = Bn−3−An−3q2. Pela equacao antecedente temos que

rn = Bn−2g +An−2(f − gq1) = α′f + β′g,

onde α′ = An−2 e β′ = Bn−2 −An−2q1.

Nosso objetivo agora e dar uma prova mais conceitual do algoritmo euclideanoestendido usando a nocao de ideal.

Definicao 14.7. Um subconjunto I ⊂ K[x] e dito um ideal de K[x] se(1) O ∈ I.(2) Se f, g ∈ I, entao f + g ∈ I.(3) Se f ∈ I e α ∈ K[x], entao fα ∈ I.

Fica como exercıcio verificar que os seguintes conjuntos sao ideais:(i) Seja f ∈ K[x] e I := (f) := fα |α ∈ K[x] o conjunto dos multiplos de

f .(ii) Sejam f, g ∈ K[x] e I := (f) + (g) := fα+ gβ |α, β ∈ K[x].(iii) Sejam f1, · · · , fn ∈ K[x] e I := (f1)+ . . .+(fn) := f1α1 + . . .+fnαn |α1,

· · · , αn ∈ K[x].

Teorema 14.8. O domınio K[x] e principal, i.e., todo ideal I de K[x] e daforma (f) para algum f ∈ K[x].

Demonstracao. Seja I um ideal de K[x]. Se I = (0) nada ha a fazer. Supon-hamos que I 6= (0). Pelo axioma da boa ordenacao existe um unico f ∈ I − 0monico de grau mınimo. Afirmamos que I = (f). De fato, como f ∈ I, para todofα ∈ (f), pelo ıtem (3) da definicao de ideal, fα ∈ I. Assim (f) ⊂ I. Para provara inclusao oposta precisamos do algoritmo da divisao. Seja g ∈ I \ 0. Entaoexistem q, r ∈ K[x] tais que g = qf + r, onde r = 0 ou grau(r) < grau(f). Noteque r ∈ I, pois g, f ∈ I. Logo, se r 6= 0 violarıamos a minimalidade do grau de f .Portanto, r = 0 e g ∈ (f).

Aplicando este teorema ao ıtem (ii) anterior, obtemos que existe um unicod ∈ K[x] monico tal que (f) + (g) = (d). Afirmamos que d = mdc(f, g). De fato,f = 1.f + 0.g ∈ (f) + (g) = (d), logo f = αd, para α ∈ K[x], i.e., d | f . Damesma forma d | g. Se d′ | f e d′ | g, para d′ ∈ K[x], entao d = αf + βg, paraα, β ∈ K[x], se reescreve como d = (αα′ + ββ′)d′, para α′, β′ ∈ K[x], i.e., d′ | d,logo d = mdc(f, g). Observe tambem que de passagem provamos que d = αf + βgque e a igualdade do algoritmo euclideano estendido.

14.3. Fatoracao unica de polinomios

Seja f ∈ K[x] \ 0. Dizemos que f e irredutıvel se dados g, h ∈ K[x] \ 0 taisque f = gh entao f ∈ K∗ ou g ∈ K∗. Por exemplo x3 − 2 e irredutıvel em Q[x],pois sendo um polinomio de grau 3 so seria redutıvel se um dos fatores tivesse grau1 e outro grau 2 ou se tivermos 3 fatores de grau 1. Mas como x3 − 2 e monicoisto equivale a este polinomio ter uma raiz racional. Mas suas raızes sao 3

√2, 3√

2αe 3√

2α2 que nao nao numeros racionais, onde α = exp(2πi/3). Por outro lado, emC[x] temos a fatoracao x3 − 2 = (x− 3

√2)(x− 3

√2α)(x− 3

√2α2), assim esta nocao

e relativa ao corpo considerado.Seja I ⊂ K[x] um ideal nao nulo. I e dito um ideal maximal de K[x] se dado

um ideal J de K[x] tal que I ⊂ J ⊂ K[x], entao J = I ou J = K[x].

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98 14. ANEIS DE POLINOMIOS

Proposicao 14.9. Seja f ∈ K[x] \ 0. Entao f e irredutıvel se e somente se(f) e maximal.

Demonstracao. Suponha que f seja irredutıvel. Seja J um ideal de K[x] talque (f) ⊂ J ⊂ K[x]. Pelo Teorema 14.8 temos que existe g ∈ K[x] tal que J = (g).Logo f = gA, para A ∈ K[x]. Pela irredutibilidade de f temos que g ∈ K∗ ouA ∈ K∗. No primeiro caso, 1 = gg−1 ∈ (g), assim (g) = K[x]. No segundo caso,g = A−1f ∈ (f), em particular (g) = (f).

Reciprocamente, suponhamos que (f) seja maximal e que f = gh para g, h ∈K[x]\0. Entao (f) ⊂ (g) ⊂ K[x]. Pela maximalidade de (f), temos que (g) = (f)ou (g) = K[x]. No primeiro caso, g = af para algum a ∈ K∗, logo 1 = ah e afortiori h ∈ K∗. No segundo caso, 1 = gg−1 ∈ (g) e assim g ∈ K∗.

Lema 14.10. Seja f ∈ K[x] irredutıvel tal que f | gh para g, h ∈ K[x] \ 0.Entao f | g ou f | h.

Demonstracao. Suponha que f - g, i.e., mdc(f, g) = 1. Pelo algoritmoeuclideano estendido existem A,B ∈ K[x] tais que 1 = Af + Bg. Logo, h =Afh+Bgh, e como f | gh, concluimos que f | h.

Teorema 14.11. Seja f ∈ K[x]\0. Entao existem unicos u ∈ K∗, p1, · · · , pr

∈ K[x] polinomios irredutıveis monicos tais que grau(p1) < · · · < grau(pr) e inteirose1, · · · , er tais que

f = upe11 . . . per

r .

Demonstracao. Provavemos primeiro a existencia da fatoracao. Se f ∈ K∗

ou f e irredutıvel nada ha a fazer. Suponha que grau(f) ≥ 1 e f seja redutıvel.Seja Df o conjunto dos dvisores de f em K[x]. Pelo axioma da boa ordenacaoexiste q1 ∈ Df tal que grau(q1) ≤ grau(A) para todo A ∈ Df . Afirmamos que q1 eirredutıvel. Se isto nao ocorresse, um fator B de q1 teria grau menor que grau(q1)e alem disto pertenceria a Df , o que e impossıvel. Seja

f1 :=f

q1.

Se f1 ∈ K∗ ou f1 for irredutıvel acabou. Senao, seja q2 ∈ Df1 tal que grau(q2) ≤grau(A) para todo A ∈ Df1 . Pelo mesmo argumento anterior q2 e irredutıvel. Seja

f2 :=f1q2

=f

q1q2.

Se f2 ∈ K∗ ou f2 for irredutıvel acabou. Senao prosseguimos. Note que grau(f) >grau(f1) > grau(f2) > · · · ≥ 0. Assim, existe r ≥ 1 tal que fr ∈ K∗, digamosfr = u. Portanto,

f = uq1 · · · qre a fatoracao desejada. Observe tambem que este processo e algorıtmico e que naofizemos qualquer hipotese sobre os qi’s serem distintos.

Agrupando os polinomios irredutıveis iguais temos uma fatoracao como noenunciado. Provemos agora sua unicidade. Suponha que tenhamos duas fatoracoescomo acima, digamos

f = upe11 · · · p

efr = vqg1

1 · · · qgss ,

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14.3. FATORACAO UNICA DE POLINOMIOS 99

onde v ∈ K∗, q1, · · · , qs sao irredutıveis com grau(q1) < · · · < grau(qs) e g1, · · · , gs

≥ 1 sao inteiros. Observe que

p1 | vqg11 · · · qgs

s ,

logo pelo lema 14.10 existe j tal que p1 | qj . Como ambos sao irredutıveis monicosisto ocorre se e somente se qj = p1.

Afirmamos que j = 1. Suponha que j > 1. Neste caso, pelo mesmo argumentoexiste i tal que q1 = bipi para bi ∈ K∗. Se i = 1, entao

grau(q1) = grau(p1) = grau(qj),

o que e impossıvel. Se i > 1, entao

grau(q1) = grau(pi) > grau(p1) = grau(qj),

o que tambem e impossıvel. Portanto q1 = a1p1 e alem disto e1 = g1. Dividindo osdois lados por pe1

1 obtemos a igualdade

upe22 · · · per

r = vqg22 · · · qgs

s .

O mesmo argumento acima mostra que q2 = p2 e que e2 = g2. Novamente dividindoos dois lados por pe2

2 obtemos

upe33 · · · per

r = vqg33 · · · qgs

s .

Assim aplicando sucessivamente o argumento temos que r = s, ei = gi para todo i,qi = aipi, onde ai ∈ K∗, e u = v.

Nosso objetivo agora e obter um criterio de irredutibilidade de polinomios emQ[x] em termos dos seus coeficientes.

Lema 14.12 (lema de Gauss). Seja f ∈ Z[x] irredutıvel. Entao f e irredutıvelem Q[x].

Demonstracao. Suponha que f = gh com g, h ∈ Q[x] e grau(g), grau(h) ≥1. Multiplicando os dois lados pelo produto m dos denominadores de todos oscoeficientes de g e h obtemos

mf = g1h1,

onde g1, h1 ∈ Z[z] e grau(g1) = grau(g) e grau(h1) = grau(h). Seja p um fatorprimo de m.

Afirmamos que p divide todos os coeficientes de g1 ou todos os coeficientes deh1. Escrevemos explicitamente

g1 =n∑

i=0

aixi e h1 =

m∑j=0

bjxj .

Suponhamos que existam i e j tais que p - ai e p - bj . Alem disto escolhamos estesi e j minimais para esta propriedade. Consideremos o coeficiente de xi+j de mfdado por

ci+j = a0bi+j + . . .+ ai−1bj+1 + aibj + ai+1bj−1 + . . .+ ai+jb0.

Assim p divide todas as parcelas exceto aibj , mas como p | ci+j isto nos da umacontradicao. Portanto, p | ai para todo i ou p | bj para todo j. Suponhamos oprimeiro caso, dividindo por p dos dois lados temos que

m

pf = g2h1.

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100 14. ANEIS DE POLINOMIOS

Repetindo o argumento, cancelamos todos os fatores primos de m obtendo

f = g∗h∗,

onde g∗, h∗ ∈ Z[x] e grau(g∗) = grau(g) e grau(h∗) = grau(h). Portanto f eredutıvel em Z[x].

Proposicao 14.13 (criterio de Eisenstein). Seja

f =n∑

i=0

aixi ∈ Z[x] \ 0.

Suponhamos que exista um numero primo p tal que p | ai para todo i 6= n e p2 - a0.Entao f e irredutıvem em Q[x].

Demonstracao. Pelo lema de Gauss basta mostrar que f e irredutıvel emZ[x]. Suponhamos que f = gh com g, h ∈ Z[x] e grau(g), grau(h) ≥ 1, digamos

g =r∑

i=0

aixi e h =

s∑j=0

bjxj .

Como p - an = brcs entao p - br e p - cs. Por outro lado segue de p | a0 = b0c0 ep2 - a0 que p | b0 ou p | c0 e apenas uma destas opcoes ocorre. Digamos que p | b0 ep - c0. Seja i ≤ r o menor inteiro tal que p - bi. O coeficiente de xi em f e dado por

ai = b0ci + b1ci−1 + . . .+ bi−1c1 + bic0,

assim p divide todas as parcelas exceto a ultima, portanto p - ai. Mas isto so podeocorrer para i = n, mas i ≤ r < n.

Utilizando o criterio de Eisenstein vemos que todo polinomio xn− p para p umnumero primo e irredutıvel em Z[x]. Um exemplo menos obvio e f(x) = xp−1+. . .+x+1. Nao existe a priori um primo para o qual possamos aplicar o criterio. A ideiae considerar o automorfismo de K[x] definido por x 7→ x+ 1. Assim dado g ∈ K[x]temos que g(x) e irredutıvel se e somente se g(x+1) e irredutıvel. Aplicando isto af , observamos (exercıcio) que f(x+ 1) tem todos os coeficientes, exceto o lıder quee 1, divisıveis por p e o coeficiente constante e igual a p, portanto nao e divisıvelpor p2.

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CAPıTULO 15

Aneis e domınios

15.1. Domınios euclideanos

Seja D um domınio de integridade e ϕ : D \ 0 → N uma funcao tal que

ϕ(ab) ≥ ϕ(a),

para todos a, b ∈ D \ 0. Dizemos que (D,ϕ) e um domınio euclideano, se paratodo a, b ∈ D com b 6= 0 temos

a = bq + r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(b).

Como exemplos temos (Z, | |) e (K[x], grau). Em um domınio de integridade Ddizemos que b | a (para a, b ∈ D) se existe c ∈ D tal que a = bc.

Exemplo 15.1. Um outro exemplo e o anel dos inteiros gaussianos,

Z[i] := a+ bi | a, b ∈ Z, onde i2 = −1.

Definimos tambemϕ(a+ bi) := a2 + b2.

Note que se a+ bi, c+ di ∈ Z[i] \ 0, entao

ϕ((a+ bi)(c+ di)) = ϕ((ac− bd) + i(ad+ bc)i) = (ac− bd)2 + (ad+ bc)2

= a2c2 + b2d2 + a2d2 + b2c2 = a2(c2 + d2) + b2(c2 + d2)

= (a2 + b2)(c2 + d2) = ϕ(a+ bi)ϕ(c+ di).

Em particular a condicao

ϕ((a+ bi)(c+ di)) ≥ ϕ(a+ bi)

e satisfeita. Afirmamos que (Z[i], ϕ) e um domınio euclideano. De fato, dadosa + bi, c + di ∈ Z[i] com c + di 6= 0 queremos mostrar que existem q = q0 + iq1 er = r0 + ir1 em Z[i] tais que

a+ bi = q(c+ di) + r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(c+ di).

Se c+ di divide a+ bi basta tomar

r = 0 e q =a+ bi

c+ di.

Suponhamos portanto que isto nao ocorra, i.e., procuramos r 6= 0 satisfazendo a

ϕ(r) = ϕ(a+ bi− q(c+ di)) < ϕ(c+ di),

i.e., (utilizando a multiplicatividade de ϕ)

ϕ

(a+ bi

c+ di− q)< ϕ(1) = 1.

101

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102 15. ANEIS E DOMINIOS

Normalizando (a+ bi)/(c+ di) obtemos

(a+ bi)(c− di)c2 + d2

= α+ iβ,

onde α, β ∈ Q. Assim queremos mostrar que

ϕ(α+ iβ − q) = (α− q0)2 + (β − q1)2 < 1.

Note que como α ∈ Q, entao existe q0 ∈ Z tal que |α− q0| ≤ 12 . Da mesma forma,

existe q1 ∈ Z tal que |β − q1| ≤ 12 . Portanto,

(α− q0)2 + (β − q1)2 ≤14

+14

=12< 1.

Definimos portanto q como q0 + iq1 e r como a+ bi− (c+ di)q.

Exemplo 15.2. Outro exemplo e o anel

Z[√

2] := a+ b√

2 | a, b ∈ Z.

Para este anel definimosϕ(a+ b

√2) := a2 − 2b2.

Observemos que

ϕ((a+ b√

2)(c+ d√

2)) = ϕ((ac+2bd)+ (ad+ bc)√

2) = (ac+2bd)2− 2(ad+ bc)2

= a2c2 + 4b2d2 − 2a2d2 − 2b2c2 = a2(c2 − 2d2)− 2b2(c2 − 2d2)

= (a2 − 2b2)(c2 − 2d2) = ϕ(a+ b√

2)ϕ(c+ d√

2).

Portanto,ϕ((a+ b

√2)(c+ d

√2)) ≥ ϕ(a+ b

√2).

Dados a+ b√

2, c+ d√

2 ∈ Z[√

2] com c+ d√

2 6= 0 queremos obter q, r ∈ Z[√

2] taisque

a+ b√

2 = (c+ d√

2)q + r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(c+ d√

2).

Se (c+ d√

2) | (a+ b√

2) tomamos

r = 0 e q =a+ b

√2

c+ d√

2.

Caso isto nao ocorra procuramos r 6= 0 tal que

ϕ(r) = ϕ(a+ b√

2− q(c+ d√

2)) < ϕ(c+ d√

2),

i.e.,

ϕ

(a+ b

√2

c+ d√

2− q

)< ϕ(1) = 1.

Normalizando (a+ b√

2)/(c+ d√

2) obtemos

(a+ b√

2)(c− d√

2)c2 − 2d2

= α+ β√

2,

onde α, β ∈ Q. Assim queremos mostrar que

(α− q0)2 − 2(β − q1)2 < 1

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15.1. DOMINIOS EUCLIDEANOS 103

para q0, q1 ∈ Z. Novamente podemos escolher q0, q1 ∈ Z tais que |α − q0| ≤ 12 e

|β − q1| ≤ 12 . Alem disto

(α− q0)2 − 2(β − q1)2 ≤ (α− q0)2 ≤14< 1.

Observacao 15.3. Estes exemplos sao na verdade casos particulares da se-guinte situacao mais geral. Seja K ⊃ Q um corpo contendo Q que como Q-espacovetorial e de dimensao finita. Um tal corpo e chamado um corpo de numeros. Oselementos α ∈ K que satisfazem uma equacao do tipo

αn +n−1∑i=0

aiαi = 0 tais que ai ∈ Z

sao chamados inteiros algebricos de K e o conjunto de todos os inteiros algebricosforma uma anel (dos inteiros algebricos de K) denotado por OK . A pergunta equando OK com uma funcao ϕ apropriada e um domınio euclideano. A respostae como no caso anterior geometrica. Tudo depende da representacao logarıtmicade K em um R espaco vetorial Rn de dimensao finita. Existem criterios nos quaispodemos mostrar que para certos corpos de numeros K existem funcoes ϕK taisque (OK , ϕK) e um domınio euclideano. Para mais sobre esta questao ver [Le1] e[Le2].

Observacao 15.4. Mostraremos agora que como no caso dos inteiros e dospolinomios domınios euclideanos sao principais e fatoriais. Um caso classico decorpo de numeros ligado a teoria de numeros e o corpo

Q[ζn] :=

n−1∑i=0

aiζi | ai ∈ Q para todo i

,

onde ζ = exp(2πi/n). Este corpo e chamado o n-esimo corpo ciclotomico. Kummer,no fim do seculo XIX, pensou erradamente ter “provado” o ultimo teorema deFermat (i.e., que a equacao xn + yn = zn nao possui solucoes inteiras nao triviaispara n > 2), e seu erro foi exatamente ter “achado” que OK era principal, o que efalso.

Teorema 15.5. Seja (D,ϕ) um domınio euclideano. Entao D e principal, i.e.,todo ideal I ⊂ D e da forma I = (a) = aα |α ∈ D.

Demonstracao. Se I = (0) nada ha a fazer. Suponhamos que I 6= (0) e sejaa ∈ I \ 0 tal que ϕ(a) ≤ ϕ(α) para todo α ∈ I \ 0. Afirmamos que I = (a).A inclusao (a) ⊂ I e imediata da definicao de ideal. Suponhamos que b ∈ I. Porhipotese existem q, r ∈ D tais que b = aq+ r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(a). Se r 6= 0,entao r = b− aq ∈ I, mas isto contradiz a escolha de a. Logo r = 0 e b ∈ (a).

Teorema 15.6. Seja (D,ϕ) um domınio euclideano. Entao D e principal, i.e.,todo ideal I ⊂ D e da forma I = (a) = aα |α ∈ D.

Demonstracao. Se I = (0) nada ha a fazer. Suponhamos que I 6= (0) e sejaa ∈ I \ 0 tal que ϕ(a) ≤ ϕ(α) para todo α ∈ I \ 0. Afirmamos que I = (a).A inclusao (a) ⊂ I e imediata da definicao de ideal. Suponhamos que b ∈ I. Porhipotese existem q, r ∈ D tais que b = aq+ r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(a). Se r 6= 0,entao r = b− aq ∈ I, mas isto contradiz a escolha de a. Logo r = 0 e b ∈ (a).

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104 15. ANEIS E DOMINIOS

SejaD um domınio de integridade. Denotamos porD∗ o conjunto dos elementosinversıveis de D. i.e., o conjunto dos elementos a ∈ D tais que existe b ∈ D talque ab = 1. Por exemplo, Z∗ = ±1 e K[x]∗ = K∗. Se D = Z[i], notemos quese a + bi ∈ Z[i]∗ entao existe c + di ∈ Z[i] tal que (a + bi)(c + di) = 1. Logo(a2 + b2)(c2 + d2) = 1, i.e., a2 + b2 = 1. Mas no cırculo x2 + y2 = 1 os unicospontos com coordenadas inteiras sao ±1 e ±i. Reciprocamente, estes elementos saoclaramente inversıveis, portanto Z[i]∗ = ±1,±i.

Um elemento a ∈ D e dito irredutıvel, se toda vez que a = bc com b, c ∈ Dentao b ∈ D∗ ou c ∈ D∗.

Lema 15.7. Seja (D,ϕ) um domınio euclideano. Entao a ∈ D∗ se e somentese ϕ(a) = ϕ(1).

Demonstracao. Observemos que ϕ(a) = ϕ(a.1) ≥ ϕ(1) para todo a ∈ D \0. Por outro lado se a ∈ D∗, entao existe b ∈ D \ 0 tal que ab = 1, logoϕ(1) = ϕ(ab) ≥ ϕ(a), o que mostra que ϕ(a) = ϕ(1). Suponha que ϕ(a) = ϕ(1)para a ∈ D \ 0. Por hipotese existem q, r ∈ D tais que 1 = qa + r com r = 0ou ϕ(r) < ϕ(a). Assim, se r 6= 0, entao ϕ(r) < ϕ(1) o que e impossıvel. Portanto,r = 0 e 1 = aq, i.e., a ∈ D∗.

Teorema 15.8. Seja (D,ϕ) um domınio euclideano e a ∈ D \ 0. Entaoexistem u ∈ D∗ e p1, · · · , pr ∈ D \ 0 irredutıveis tais que a = up1 · · · pr.

Demonstracao. Se a ∈ D∗ ou a for irredutıvel nada ha a fazer. Suponhamosa /∈ D∗ redutıvel. Seja Da o conjunto dos divisores d de a em D. Seja p1 ∈ Da \0tal que ϕ(p1) ≤ ϕ(b) para todo b ∈ Da. Afirmamos que p1 e irredutıvel. De fato,caso contrario, p1 = cd, c, d /∈ D∗ e ϕ(p1) = ϕ(cd) ≥ ϕ(d). Se ϕ(cd) = ϕ(d), porhipotese existem q, r ∈ D tais que d = qcd+ r com r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(cd) = ϕ(d).Se r 6= 0, entao r = d(1− qc) e ϕ(r) ≥ ϕ(d), o que e impossıvel, assim r = 0, masneste caso qc = 1, logo c ∈ D∗, o que tambem e impossıvel. Assim ϕ(cd) > ϕ(d) ed ∈ Da, mas isto contradiz a minimalidade de p1. Portanto, p1 e irredutıvel.

Seja

a1 :=a

p1.

Se a1 ∈ D∗ ou a1 e irredutıvel entao nada ha a fazer. Caso contrario, repetindo oargumento existe p2 ∈ Da1 irredutıvel tal que ϕ(p2) ≤ ϕ(b) para todo b ∈ Da1 \0.Seja

a2 :=a1

p2=

a

p1p2.

Novamente, se a2 ∈ D∗ ou a2 for irredutıvel acabou. Caso contrario prosseguimos.Observe que ϕ(a) > ϕ(a1) > ϕ(a2) > · · · ≥ ϕ(1), pois os elementos pi’s saoirredutıveis. Portanto, existe r tal que ϕ(ar) = ϕ(1), i.e., ar ∈ D∗ e neste caso

a = up1 · · · pr com u = ar.

Definicao 15.9. Sejam a, b ∈ D \ 0. Definimos um mdc d de a e b por

(1) d | a e d | b.(2) Para todo d′ ∈ D \ 0 tal que d′ | a e d′ | b, temos que d′ | d.

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15.1. DOMINIOS EUCLIDEANOS 105

Observacao 15.10. Observe que se d e e sao mdc’s de a e b entao d | e ee | d, i.e., d = Ae e e = Bd para A,B ∈ D, assim d = BAd e portanto A,B ∈ D∗.Logo a menos de multiplicacao por um elemento inversıvel a nocao de mdc estabem definida.

Observacao 15.11. Seja

I := (a) + (b) := aα+ bβ |α, β ∈ D

o ideal gerado por a e b. Como (D,ϕ) e principal, concluimos que existe d ∈ D\0tal que (d) = I. Afirmamos que d = mdc(a, b). De fato, a = 1.a + 0.b ∈ I, logoa = dα, i.e., d | a. Pelo mesmo argumento d | b. Por outro lado existem s, t ∈ Dtais que d = as + bt (o algoritmo euclideano estendido). Se d′ | a e d′ | b, entaoa = Ad′ e b = Bd′ para A,B ∈ D, portanto d = d′(sA+ tB), i.e., d′ | d.

Lema 15.12. Seja p ∈ D irredutıvel e suponha que p | ab para a, b ∈ D. Entaop | a ou p | b.

Demonstracao. Suponha que p - a, entao mdc(p, a) = 1 e existem s, t ∈ Dtais que 1 = sp + ta. Multiplicando por b e utilizando que ab = αp para α ∈ D,obtemos b = spb+ tαp, logo p | b.

Teorema 15.13. Seja (D,ϕ) um domınio euclideano e a ∈ D \ 0. Entaoexistem unicos (a menos de inversıveis) u ∈ D∗, p1, · · · , pr ∈ D irredutıveis comϕ(p1) < · · · < ϕ(pr) e inteiros e1, · · · , er ≥ 1 tais que

a = upe11 · · · per

r .

Demonstracao. Suponha que possamos fatorar a de duas maneiras distintas

a = upe11 · · · per

r = vqf11 · · · qfs

s ,

para v ∈ D∗, q1, · · · , qs ∈ D irredutıveis com ϕ(q1) < · · · < ϕ(qs). Observe que

p1 | vqf11 · · · qfs

s .

Pelo lema anterior existe i tal que p1 | qi. Como ambos sao irredutıveis isto significaque existe ai ∈ D∗ tal que qi = aip1. Afirmamos que i = i.

De fato, suponha que i > 1. Pelo mesmo argumento existe j tal que p1 = bjqjcom bj ∈ D∗. Se j = 1, entao ϕ(p1) = ϕ(q1) < ϕ(qi) = ϕ(p1) o que e impossıvel. Sej > 1, entao ϕ(p1) = ϕ(qi) > ϕ(q1) = ϕ(pi) o que tambem e impossıvel. Tambemtemos que ter e1 = f1, pois se por exemplo f1 > e1, entao apos cancelar p1 terıamosque ter q1 = apj para j > 1 o que novamente e impossıvel.

Dividindo ambos os lados por pe11 obtemos

uae11 p

e22 · · · per

r = vqf22 · · · qfs

s .

Repetindo o argumento anterior, q2 = a2p2 para a2 ∈ D∗ e e2 = f2, dividindoambos os lados por pe2

2 obtemos

uae11 a

e22 p

e33 · · · per

r = vqf33 · · · qfs

s .

Repetindo o argumento obtemos que r = s e para todo i = 1, · · · , r temos queqi = aipi para ai ∈ D∗ e

u = vae11 · · · aer

r .

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106 15. ANEIS E DOMINIOS

15.2. Domınios fatoriais

Definicao 15.14. Seja D um domınio de integridade. Definimos em D :=D × (D \ 0) a seguinte relacao de equivalencia:

(a, b) ∼ (c, d) se e somente se ad = bc.

SejaK := D/ ∼ o conjunto das classes de equivalencia deD. A classe de equivalenciado par (a, b) e denotada pela fracao a

b . Definimos em D operacoes de soma e produtopor

a

b+c

d:=

ad+ bc

cdea

b+c

d=ac

bd.

Com estas operacoes K e um corpo. O inverso de a/b 6= 0 e b/a.

Definicao 15.15. Sejam A e B dois aneis (sempre comutativos com elementoneutro para o produto). Uma funcao f : A→ B e dita um homomorfismo de aneisse f(x+ y) = f(x) + f(y) e f(xy) = f(x)f(y) para todos x, y ∈ A. O nucleo N(f)de f e definido como o subconjunto dos elementos a ∈ A tais que f(a) = 0. Noteque 0 ∈ N(f). Observe tambem que N(f) e um ideal de A. De fato, se x, y ∈ N(f),entao f(x+ y) = f(x) + f(y) = 0, i.e., x+ y ∈ N(f). Se x ∈ N(f) e a ∈ A, entaof(x, y) = f(x)f(y) = 0, i.e., xa ∈ N(f).

Lema 15.16. f e injetivo se e somente se N(f) = (0).

Demonstracao. Se f e injetivo e x ∈ N(f), entao f(x) = 0 = f(0), logox = 0. Se N(f) = (0) e f(x) = f(y), entao f(x − y) = 0, i.e., x − y ∈ N(f), i.e.,x = y.

Observacao 15.17. Um homomorfismo f : A → B e dito um isomorfismo sefor um homomorfismo bijetivo. Consideremos o homomorfismo de aneis ϕ : D → Kdefinido por ϕ(a) := a/1. Este e um homomorfismo injetivo, pois se a/1 = 0/1,entao a = 0. Por isto D e isomorfo a sua imagem e K e dito o corpo de fracoes deD e denotado por fr(D).

Definicao 15.18. Um domınio de integridade D e dito fatorial quando paratodo a ∈ D \ 0 podemos escrever a de maneira unica

a = upe11 · · · per

r ,

onde u ∈ D∗, p1, · · · , pr ∈ D sao irredutıveis e e1, · · · , er ≥ 1 sao inteiros, onde aunicidade e a menos de multiplicacao por um elemento de D∗ ou de permutacao dosirredutıveis. No caso de um domınio euclideano, a funcao ϕ determina a ordem doselementos irredutıveis, assim nao podemos permuta-los e a a unicidade e a menosde multiplicacao por inversıveis. Dois elementos a, b ∈ D sao ditos associados(denotado por a ∼ b), se a = ub onde u ∈ D∗.

Definicao 15.19. Seja D[x] o anel de polinomios com coeficientes em D, i.e.,sao os elementos da forma

f =n∑

i=0

aixi tais que ai ∈ D para todo i.

Seja K := fr(D) seu corpo de fracoes. O conteudo c(f) de f ∈ D[x] e definido por

c(f) := mdc(an, · · · , a0).

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15.2. DOMINIOS FATORIAIS 107

Sendo um mdc, o elemento c(f) e unico a menos de multiplicacao por elemento deD∗. Um polinomio f ∈ D[x] e dito primitivo, se c(f) = 1.

Lema 15.20 (lema de Gauss generalizado). Seja D um domınio fatorial e Kseu corpo de fracoes.

(1) Se f, g ∈ D[x], entao c(fg) = c(f)c(g).(2) Se f, g ∈ D[x] sao primitivos, entao f e associado a g em D[x] se e

somente se ele o for em K[x].(3) Seja f ∈ D[x] primitivo. Entao f e irredutıvel em D[x] se e somente se

f e irredutıvel em K[x].

Demonstracao. (1) Podemos sempre escrever f = c(f)f1 para f1 ∈ D[x]primitivo. Logo,

fg = c(f)c(g)f1g1 e c(fg) = c(f)c(g)c(f1g1).

Afirmamos que c(f1g1) = 1. Escrevamos explicitamente

f1 =n∑

i=0

aixi e g1 =

m∑i=0

bixi.

Seja

f1g1 =n+m∑i=0

cjxj .

Seja p ∈ D irredutıvel. Como c(f1) = c(g1) = 1 existe i tal que p - ai e l tal quep - bl. Escolhamos i e l mınimos com esta propriedade. Entao

ci+l = ai+lb0 + ai+l−1b1 + . . .+ ai+1bl−1 + aibl + ai−1bl+1 + . . .+ a0bi+l

nao pode ser divisıvel por p. Em particular, p - c(f1g1) e c(f1g1) = 1.(2) E claro que que se f e associado a g emD[x] tambem o e emK[x]. Provemos

a recıproca. Ou seja, suponhamos que f = ug para u ∈ K∗ e K = fr(D). Digamosque u = a

b . Logo

bf = ag, c(bf) = bc(f) = b e c(ag) = ac(g) = a,

i.e., b = va para v ∈ D∗, portanto f e associado a g em D[x].(3) E claro que se f e irredutıvel em K[x] ele tambem o e em D[x]. Suponha

que f seja redutıvel em K[x], digamos f = gh para g, h ∈ K[x] tais que grau(g),grau(h) ≥ 1. Eliminando os denominadores de g e h obtemos a ∈ D \ 0 tal queaf = g1h1 para g1, h1 ∈ D[x] e grau(g1) = grau(g) e grau(h1) = grau(h). Note que

c(af) = ac(f) = a e c(g1h1) = c(g1)c(h1),

logo existe u ∈ D∗ tal que a = c(g1)c(h1)u. Alem disto, escrevendo g1 = c(g1)g∗1 eh1 = c(h1)h∗1 com g∗1 , h

∗1 ∈ D[x] primitivos temos que

af = c(g1)c(h1)g∗1h∗1,

i.e., f = u−1g∗1h∗1 o que contradiz o fato de f ser irredutıvel em D[x].

Teorema 15.21. Seja D um domınio fatorial. Entao D[x] tambem e umdomınio fatorial.

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108 15. ANEIS E DOMINIOS

Demonstracao. Seja f ∈ D[x] \ 0. Se f ∈ D∗ ou f for irredutıvel nada haa fazer. Caso contrario fatoramos

f = upe11 · · · per

r

com u ∈ K∗, p1, · · · , pr ∈ K[x] irredutıveis, grau(p1) < · · · < grau(pr) e e1, · · · , er

≥ 1 inteiros. Multiplicando pelo produto dos denominadores obtemos a ∈ D \ 0tal que

af = vqe11 · · · qer

r ,

onde v ∈ D \ 0 e q1, · · · , qr ∈ D[x] irredutıveis em K[x] e grau(qi) = grau(pi)para todo i. Para todo i escreva qi = c(qi)q∗i com q∗i ∈ D[x] primitivo e irredutıvelem K[x]. Pelo lema de Gauss q∗i e irredutıvel em D[x] para todo i. Assim,

af = vc(q1)e1 · · · c(qr)er (q∗1)e1 · · · (q∗r )er .

Mas c(af) = ac(f) e

c(vc(q1)e1 · · · c(qr)er (q∗1)e1 · · · (q∗r )er ) = vc(q1)e1 · · · c(qr)er .

Logo existe w ∈ D∗ tal que

ac(f) = wvc(q1)e1 · · · c(qr)er .

Em particular,f = w−1(q∗1)e1 · · · (q∗r )er

o que mostra que D[x] e fatorial.

Teorema 15.22 (criterio de Eisenstein generalizado). Seja D um domınio fa-torial, K = fr(D) seu corpo de fracoes,

f =n∑

i=0

aixi ∈ D[x]− 0

primitivo e p ∈ D irredutıvel. Se p | ai para i = 0, · · · , n− 1, p - an e p2 - a0, entaof e irredutıvel em K[x].

Demonstracao. A prova e igual ao caso em que D = Z que foi feita anteri-ormente, substituindo o lema de Gauss pela sua generalizacao.

15.3. Fatores multiplos e resultante

Proposicao 15.23. Sejam f, g ∈ K[x] \K. Entao existe h ∈ K[x] \K irre-dutıvel tal que

h | f e h | gse e somente se existem u, v ∈ K[x] \ 0 tais que

ug = vf, grau(u) < grau(f) e grau(v) < grau(g).

Demonstracao. Suponhamos que exista h como acima, i.e., f = hf1 e g =hg1 com f1, g1 ∈ K[x] e grau(f1) < grau(f) e grau(g1) < grau(g). Logo f1g = g1fe tomamos u = f1 e v = g1.

Reciprocamente, suponhamos a segunda condicao satisfeita. Como grau(u) <grau(f) e pela unicidade da fatoracao de polinomios temos que existe algum fatorirredutıvel h de f tal que h | g.

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15.3. FATORES MULTIPLOS E RESULTANTE 109

Definicao 15.24. Sejam

f =n∑

i=0

aixi e g =

m∑j=0

bjxj .

A resultante Res(f, g) e definida como o determinante da seguinte matriz

an an−1 · · · a1 a0

an an−1 · · · a1 a0

. . . . . . . . . . . . . . .an an−1 · · · a1 a0

bm bm−1 · · · b1 b0bm bm−1 · · · b1 b0

. . . . . . . . . . . . . . .bm bm−1 · · · b1 b0

,

onde as linhas com os coeficientes ai’s sao repetidas m vezes e as linhas com oscoeficientes bj ’s sao repetidas n vezes, ou seja a matriz e (n + m) × (n + m). Asdemais entradas da matriz sao todas nulas.

Observacao 15.25. Seja

u =r∑

i=0

cixi e v =

s∑j=0

djxj ,

onde r ≤ n− 1 e s ≤ m− 1. Para facilitar a notacao tomaremos os coeficientes deu (resp. v) ate n − 1 (resp. m − 1) com a convencao que se i > r (resp. j > s)entao ci = 0 (resp. dj = 0). A igualdade ug = vf resulta em um sistema linearhomogeneo

andm−1 − bmcn−1 = 0andm−2 + an−1dm−1 − bmcn−2 − bm−1cn−1 = 0

· · · · · ·a1d0 + a0d1 − b1c0 − b0c1 = 0

a0d0 − b0c0 = 0

cuja matriz transposta e igual a

an an−1 · · · a1 a0

an an−1 · · · a1 a0

. . . . . . . . . . . . . . .an an−1 · · · a1 a0

−bm −bm−1 · · · −b1 −b0−bm −bm−1 · · · −b1 −b0

. . . . . . . . . . . . . . .−bm −bm−1 · · · −b1 −b0

.

Portanto, o determinante da matriz do sistema e igual a (−1)n Res(f, g). Da algebralinear o sistema tem solucao nao trivial se e somente se o determinante da matriz dosistema e nulo, o que equivale a Res(f, g) = 0. A existencia de solucao nao trivial

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110 15. ANEIS E DOMINIOS

equivale justamente a existencia de u e v satisfazendo a condicao acima. Dessaforma temos o teorema seguinte.

Teorema 15.26. Sejam f, g ∈ K[x] \K, entao existe h ∈ K[x] \K irredutıveltal que h | f e h | g se e somente se Res(f, g) = 0.

Definicao 15.27. Definimos formalmente a derivacao de polinomios D : K[x]→ K[x] por

D

(n∑

i=0

aixi

):=

n∑i=1

iaixi.

Esta funcao satisfaz as seguintes propriedades:(1) D(f + g) = D(f) +D(g), para f, g ∈ K[x];(2) D(af) = aD(f), para a ∈ K e f ∈ K[x];(3) (regra de Leibniz) D(fg) = fD(g) +D(f)g, para f, g ∈ K[x].

Dizemos que um fator irredutıvel f de g ∈ K[x]−K e multiplo se f2 | g.

Proposicao 15.28. Seja g ∈ K[x]\K e f ∈ K[x]\K um polinomio irredutıvel.Entao f e fator multiplo de g se e somente se f | D(g).

Demonstracao. Suponha que f seja fator multiplo de g, entao f2 | g, i.e.,g = Af2 para algum A ∈ K[x]. Logo D(g) = D(A)f2 + 2AfD(f), portantof | D(g).

Reciprocamente, suponha que f | D(g), digamos g = fA e D(g) = fB paraA,B ∈ K[x]. Derivando a primeira igualdade, D(g) = fD(A) + D(f)A, sub-stituindo temos que f(B − D(A)) = D(f)A. Se D(f) = 0 entao trivialmenteD(f) | g. Suponhamos que D(f) 6= 0. Neste caso grau(D(f)) < grau(f) e como f eirredutıvel, pela unicidade da fatoracao de polinomios, concluimos que f e um fatorde A, digamos A = fC para C ∈ K[x]. Assim g = f2C e f e um fator multiplo deg.

Definicao 15.29. Definimos o discriminante de f ∈ K[x] \ 0 por disc(f) :=Res(f,D(f)). Assim concluimos a seguinte proposicao.

Proposicao 15.30. Seja f ∈ K[x] \ K, entao f possui fator multiplo se esomente se disc(f) = 0.

15.4. Aneis quocientes e teorema chines dos restos

Seja A um anel (sempre comutativo com unidade) e I, J ⊂ A ideais de Adefinimos o ideal soma I + J por

I + J := a+ b | a ∈ I e b ∈ J.Fica como exercıcio verificar que I + J e de fato um ideal de A. Dizemos que osideais I e J sao coprimos se

I + J = A, i.e., se existem a ∈ I e b ∈ J tais que 1 = a+ b.

Por exemplo, se A = Z, I = nZ e J = mZ com n,m ≥ 1 inteiros, temos queI e J sao coprimos se e somente se mdc(m,n) = 1. De fato, se os ideais foremcoprimos, entao existem s, t ∈ Z tais que 1 = sn + tm. Assim, qualquer divisorprimo comum de n e m dividiria tambem 1, o que e impossıvel. Reciprocamente,se mdc(n,m) = 1, entao pelo algoritmo euclideano estendido existem s, t ∈ Z taisque 1 = sn+ tm, a fortiori 1 ∈ I + J .

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15.4. ANEIS QUOCIENTES E TEOREMA CHINES DOS RESTOS 111

Definicao 15.31. Seja A um anel e I um ideal de A. Definimos em A aseguinte relacao. Dados a, b ∈ A dizemos que

a ≡ b (mod I) se a− b = α ∈ I,dizemos neste caso que a e equivalente a b modulo I. Fica como exercıcio verificarque isto define de fato uma relacao de equivalencia. A classe de equivalencia dea ∈ A modulo I sera denotada por

a+ I := a+ α |α ∈ I.O conjunto de classes de equivalencia sera denotado por A/I. Quando A = Z eI = nZ a relacao acima e apenas a relacao de congruencia modulo n, uma vez queZ e um domınio principal.

Definicao 15.32. Definimos em A/I uma estrutura de anel da seguinte forma:

(a+ I)⊕ (b+ I) := (a+ b) + I e (a+ I) (b+ I) := (ab) + I.

Observacao 15.33. Verifiquemos que estas operacoes estao bem definidas.Sejam a′, b′ ∈ A tais que a′ ≡ a (mod I) e b′ ≡ b (mod I), i.e., a′ − a = α ∈ I eb′ − b = β ∈ I. Assim,

(a′ + b′)− (a+ b) = α+ β ∈ Ie em particular a′+ b′ ≡ a+ b (mod I) (o que equivale a (a′+ b′)+ I = (a+ b)+ I).Tambem temos que

a′b′ − ab = a′b′ − a′b+ a′b− ab = a′(b′ − b) + b(a′ − a) = a′β + bα ∈ I,portanto a′b′ ≡ ab (mod I) (ou equivalentemente, (a′b′) + I = (ab) + I). Deixamostambem como exercıcio verificar (exatamente como no caso dos inteiros modulo n)que o conjunto A/I com as operacoes ⊕ e e um anel. Note que o elemento neutropara a soma e a classe I e o elemento neutro para o produto e a classe 1 + I.

15.4.1. Ideais primos e maximais.

Definicao 15.34. Um ideal I de um anel A e dito maximal se para todo idealJ de A tal que I ⊂ J ⊂ A temos J = I ou J = A.

Proposicao 15.35. Um ideal I de A e maximal se e somente se o anel quo-ciente A/I e um corpo.

Demonstracao. Suponha que I seja um ideal maximal de A. Seja a+ I 6= Iuma classe em A/I. Isto equivale a a /∈ I. O conjunto (a) = xa |x ∈ A e umideal de A e pelo que foi feito anteriormente o conjunto J = I + (a) tambem e umideal de A. Alem disto, I J . Pela maximalidade de I concluimos que J = A,i.e., que existem t ∈ I e s ∈ A tais que 1 = t + sa, i.e., sa ≡ 1 (mod I), i.e.,(sa) + I = (s+ I) (a+ I) = 1 + I, i.e., a+ I admite inverso multiplicativo.

Reciprocamente, suponha que A/I seja um corpo. Seja J um ideal de A talque I J . Seja a ∈ J − I. Entao a + I 6= I e por hipotese existe b ∈ A tal que(a+ I) (b+ I) = 1 + I, i.e., (ab) + I = 1 + I, i.e., existe t ∈ I tal que ab− 1 = t.Em outras palavras 1 = t− ab ∈ J , logo A = J e I e maximal.

Definicao 15.36. Um ideal I de A e dito um ideal primo se dados a, b ∈ Atais que ab ∈ I, entao a ∈ I ou b ∈ I. Note que quando A = Z e p e um numeroprimo o ideal pZ e um ideal primo de Z.

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112 15. ANEIS E DOMINIOS

Proposicao 15.37. Um ideal I de A e primo se e somente se o anel quocienteA/I e um domınio de integridade.

Demonstracao. Suponha que I seja um ideal primo de A. Sejam a+I, b+I ∈AI tais que (a + I) (b + I) = I, i.e., (ab + I) = I, i.e., ab ∈ I. Como I e primo,temos que a ∈ I ou b ∈ I, i.e., a+ I = I ou b+ I = I.

Reciprocamente, suponha que A/I seja um domınio de integridade. Sejama, b ∈ A tais que ab ∈ I, i.e., (ab)+I = (a+I)(b+I) = I. Por hipotese, a+I = Iou b+ I = I, i.e., a ∈ I ou b ∈ I.

15.4.2. Homomorfismo de aneis.

Definicao 15.38. Sejam A e B aneis e f : A→ B uma funcao. Esta funcao edito um homomorfismo de aneis se

f(a+ b) = f(a) + f(b) e f(ab) = f(a)f(b).

Observe que f(0) = f(0 + 0) = f(0) + f(0), portanto f(0) = 0. Se alem distoA for um domınio de integridade e f nao for a funcao nula, entao f(1) = 1. Defato, f(1) = f(1.1) = f(1)f(1), i.e., f(1)(f(1) − 1) = 0. Se A e um domınio deintegridade, entao f(1) = 0 ou f(1) = 1. No primeiro caso a funcao e identicamentenula, pois f(a) = f(1.a) = f(1)f(a) = 0. Observe tambem que como 0 = f(0) =f(a+ (−a)) = f(a) + f(−a), entao f(−a) = −f(a).

Definicao 15.39. Um homomorfismo f : A→ B e dito um isomorfismo se forbijetivo. Um homomorfismo f : A → A e dito um endomorfismo de A. Se esteendomorfismo for bijetivo ele e dito um automorfismo de A. Seja f : A → B umhomomorfismo de aneis. O nucleo N(f) de f e definido por a ∈ A | f(a) = 0.Fica como exercıcio mostrar que N(f) e um ideal de A. A imagem f(A) de f e umsubanel de B (isto tambem e um exercıcio).

Lema 15.40. Seja f : A→ B um homomorfismo de aneis. Entao f e injetivose e somente se N(f) = (0).

Demonstracao. Suponha que f seja injetivo e que a ∈ N(f). Logo f(a) =0 = f(0), pela injetividade de f concluimos que a = 0. Reciprocamente, suponhaque N(f) = (0). Sejam a, b ∈ A tais que f(a) = f(b). Entao f(a − b) = 0, i.e.,a− b ∈ N(f), em particular a = b.

Teorema 15.41 (teorema dos homomorfimos). Seja f : A→ B um homomor-fismo de aneis. Entao f induz um isomorfismo ϕ : A/N(f) → f(A) (em outraspalavras A/N(f) ∼= f(A), i.e., estes dois aneis sao isomorfos).

Demonstracao. A funcao ϕ e definida por

ϕ(a+N(f)) := f(a).

Verifiquemos inicialmente que ϕ esta bem definida. Seja a′ ∈ A tal que a′ ≡ a(mod N(f)), i.e., a′ − a = α ∈ N(f). Logo f(a′) = f(a), i.e., ϕ(a′ + N(f)) =ϕ(a+N(f)).

Esta funcao e um homomorfismo, pois

ϕ((a+N(f))⊕ (b+N(f))) = ϕ((a+ b) +N(f)) = f(a+ b) = f(a) + f(b)

= ϕ(a+N(f)) + ϕ(b+N(f)) e

ϕ((a+N(f)) (b+N(f))) = ϕ((ab) +N(f)) = f(ab)

= f(a)f(b) = ϕ(a+N(f))ϕ(b+N(f)).

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15.4. ANEIS QUOCIENTES E TEOREMA CHINES DOS RESTOS 113

Esta funcao e sobrejetiva, pois para todo y ∈ f(A), temos que y = f(a) para a ∈ A,portanto y = ϕ(a+N(f)). Esta funcao tambem e injetiva, pois se ϕ(a+N(f)) =f(a) = 0, entao a ∈ N(f), i.e., a+N(f) = N(f).

15.4.3. Teorema chines dos restos.

Proposicao 15.42. Sejam I, J ideais de A tais que I + J = A e a, b ∈ A.Entao existe x ∈ A tal que

x ≡ a (mod I)

x ≡ b (mod J).

Demonstracao. Por hipotese existem α ∈ I e β ∈ J tais que 1 = α + β.Entao β ≡ 1 (mod I) e α ≡ 1 (mod J). Em particular, aβ ≡ a (mod I) e bα ≡ b(mod J). Basta tomar x = aβ + bα.

Vamos generalizar o resultado anterior para um numero qualquer de ideais.Para isto precisamos da nocao de produto de ideais. Sejam I1, · · · , Ir ideais de A.Seja

I1 . . . Ir := a1,1 · · · ar,1 + . . .+ a1,n . . . ar,n | onde ai,j ∈ Ii, para todo i.

Fica como exercıcio mostrar que I1 . . . Ir e efetivamente um ideal de A.

Proposicao 15.43. Sejam I1, · · · , Ir ideais de A tais que para todo α 6= βtenhamos Iα + Iβ = A. Sejam a1, · · · , ar ∈ A. Entao existe x ∈ A tal que

x ≡ a1 (mod I1)...

...

x ≡ ar (mod Ir).

Demonstracao. Denotamos

J := I1 . . . Ir e para cada ν, Jν := I1 . . . Iν−1Iν+1 . . . Ir.

Afirmamos que

(15.1) Iν + Jν = A.

De fato, sabemos que para cada α 6= ν existem λα ∈ Iα e λν(α) ∈ Iν tais queλα + λν(α) = 1. Note que utilizamos o ındice ν(α) para dizer que o elementoλν(α) efetivamente depende da escolha de α, uma vez que os ideais sao dois a doiscoprimos. Seja

γν := λ1 . . . λν−1λν+1 . . . λr ∈ Jν .

Entao ∏α6=ν

(λα + λν(α)) = γν + δν ,

onde δν ∈ Iν . Da igualdade (15.1) obtemos que para cada ν vale γν ≡ 1 (mod Iν)e γν ≡ 0 (mod Iα) para α 6= ν. Finalmente, x := a1γ1 + . . .+ arγr e uma solucaodo sistema.

Lema 15.44. Sejam I1, · · · , Ir ideais de A tais que para todo α 6= β tenhamosIα + Iβ = A. Entao

I1 . . . Ir = I1 ∩ . . . ∩ Ir.

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114 15. ANEIS E DOMINIOS

Demonstracao. Provemos o resultado por inducao em r. Suponhamos ini-cialmente r = 2. Assim, um elemento de I1I2 e da forma

a1,1a2,1 + . . .+ a1,na2,n,

onde a1,ν ∈ I1 (resp. a2,ν ∈ I2) para cada ν. Note que cada parcela a1,νa2,ν

pertence a I1 ∩ I2, pela definicao de ideal. Logo I1I2 ⊂ I1 ∩ I2. Basta provar ainclusao oposta. Por hipotese existem γ1 ∈ I1 e γ2 ∈ I2 tais que 1 = γ1 + γ2. Sejaa ∈ I1 ∩ I2, logo a = γ1a+ aγ2 ∈ I1I2.

Suponha agora o resultado provado para r − 1 fatores, vamos prova-lo parar fatores. Novamente, pela propria definicao de produto de ideais temos queI1 . . . Ir ⊂ I1 ∩ . . . ∩ Ir. Basta provar a inclusao oposta. Da demonstracao daproposicao anterior concluimos que I1 . . . Ir−1 e Ir sao coprimos. Logo existeγr ∈ I1 . . . Ir−1 e δr ∈ Ir tal que γr + δr = 1. Seja a ∈ I1 ∩ · · · ∩ Ir. Noteque para todo t ≥ 1 temos tambem que at ∈ I1 ∩ · · · ∩ Ir. Entao

ar = γrar + a . . . a(aδr) ∈ I1 + . . .+ Ir,

onde a repete-se r − 1 vezes no produto acima.

Teorema 15.45 (teorema chines dos restos). Sejam I1, · · · Ir ideais de A taisque Iα + Iβ = A, para α 6= β. Entao

(1) existe um isomorfismo de aneis

A

I1 . . . Ir∼=A

I1× . . .× A

Ir.

(2) Este isomorfismo restringe-se a um isomorfismo de grupos(A

I1 . . . Ir

)∗∼=(A

I1

)∗× . . .×

(A

Ir

)∗.

Demonstracao. Definimos

ϕ :A

I1 · · · Ir→ A

I1× . . .× A

Irpor

ϕ(a+ I1 . . . Ir) := (a+ I1, · · · , a+ Ir).

Verifiquemos que esta funcao esta bem definida. De fato, se b− a = α ∈ I1 . . . Ir =I1∩. . . Ir (pelo lema anterior), entao b ≡ a (mod Iν) para todo ν, i.e., b+Iν = a+Iνpara todo ν.

Afirmamos que ϕ e um homomorfismo. De fato,

ϕ((a+ I1 . . . Ir)⊕ (b+ I1 . . . Ir)) = ϕ((a+ b) + I1 . . . Ir)

= ((a+ b) + I1, · · · , (a+ b) + Ir)

= ((a+ I1)⊕ (b+ I1), · · · , (a+ Ir)⊕ (b+ Ir))

= (a+ I1, · · · , a+ Ir)⊕ (b+ I1, · · · , b+ Ir) e

ϕ((a+ I1 . . . Ir) (b+ I1 . . . Ir)) = ϕ((ab) + I1 . . . Ir)

= ((ab) + I1, · · · , (ab) + Ir)

= ((a+ I1) (b+ I1), · · · , (a+ Ir) (b+ Ir))

= (a+ I1, · · · , a+ Ir) (b+ I1, · · · , b+ Ir).

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15.5. APLICACOES 115

Esta funcao e sobrejetiva. De fato, dado

(a1 + I1, · · · , ar + Ir) ∈A

I1× . . .× A

Ir,

pela proposicao anterior existe x ∈ A tal que x ≡ aν (mod Iν) para todo ν, i.e.,x+Iν = aν +Iν para todo ν. Portanto, (a1+I1, · · · , ar+Ir) = (x+I1, · · · , x+Ir) =ϕ(x+ I1 . . . Ir).

Finalmente, ϕ e injetiva. De fato, se (a+ I1, · · · , a+ Ir) = (I1, · · · , Ir), entaoa ∈ I1 ∩ . . . ∩ Ir = I1 . . . Ir.

Suponhamos que a + I1 . . . Ir ∈ (A/I1 . . . Ir)∗, i.e., que exista b + I1 . . . Ir ∈(A/I1 . . . Ir) tal que

(a+ I1 . . . Ir) (b+ I1 . . . Ir) = (ab) + I1 . . . Ir = 1 + I1 . . . Ir,

i.e., ab − 1 = c ∈ I1 . . . Ir = I1 ∩ . . . ∩ Ir. Logo ab ≡ 1 (mod Iν) para todo ν,i.e., (a + Iν) · (b + Iν) = 1 + Iν para todo ν. Portanto (a + I1, · · · , a + Ir) ∈(A/I1)∗ × . . .× (A/Ir)∗.

E claro que a restricao de ϕ (A/I1 . . . Ir)∗ e um homomorfismo injetivo. Restaprovar a sua sobrejetividade. Seja (a1 + I1, · · · , ar + Ir) ∈ (A/I1)∗ × . . .× (A/Ir)∗.Pela parte anterior sabemos que existe x ∈ A tal que aν + Iν = x+ Iν para todo ν.Basta provar que x+ I1 . . . Ir ∈ (A/I1 . . . Ir)∗. Mas para todo ν existe αν ∈ A taisque ανx ≡ 1 (mod Iν), pois x e inversıvel simultaneamente modulo cada Iν . Ouseja, ανx− 1 = δν ∈ Iν para cada ν. Assim,∏

ν

(ανx− 1) = xz + (−1)r1 =∏ν

δν ∈ I1 . . . Ir,

para algum z ∈ A, i.e., xz ≡ ±1 (mod I1 . . . Ir). Substituindo, se necessario, z por−z, concluimos que x ∈ (A/I1 . . . Ir)∗.

15.5. Aplicacoes

15.5.1. Soma de quadrados.

Teorema 15.46 (Fermat). Seja p um numero primo. As seguintes condicoessao equivalentes:

(i) p = 2 ou p ≡ 1 (mod 4).(ii) Existe a ∈ Z tal que a2 ≡ −1 (mod p).(iii) p e redutıvel em Z[i].(iv) p = a2 + b2 com a, b ∈ Z.

Demonstracao. Suponha (i). Se p = 2, tome a = 1 e lembre que 1 ≡ −1(mod 2). Suponhamos que p = 4n+1. Pelo pequeno teorema de Fermat para todoa ∈ Z tal que p - a temos que ap−1 ≡ 1 (mod p). Em outras palavras, temos afatoracao xp−1 − 1 = (x− 1) · · · (x− p− 1). Por outro lado, xp−1 − 1 = x4n − 1 =(x2n−1)(x2n+1). Ou seja, existe b ∈ 1, · · · , p− 1 tal que b

2n= −1, i.e., b2n ≡ −1

(mod p). Tome a = bn.Suponha (ii). Seja k ∈ Z tal que a2 = −1 + kp. Logo (a − i)(a + i) = kp.

Suponhamos que p | (a + i), i.e, que existam c, d ∈ Z tais qeu p(c + di) = a + i.Em particular, pd = 1 e p | 1 o que e impossıvel. Portanto, p - (a+ i). Pelo mesmoargumento p - (a− i). Mas Z[i] e um domınio euclideano, logo fatorial, assim p naopode ser um irredutıvel am Z[i].

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116 15. ANEIS E DOMINIOS

Suponha que p = (a + bi)(c + di) com a2 + b2 6= 1 e c2 + d2 6= 1. Pelamultiplicatividade da norma, p2 = N(p) = N(a+ bi)N(a+di) = (a2 + b2)(c2 +d2),mas a unica possibilidade para que isto ocorra e que a2 + b2 = c2 + d2 = p.

Suponhamos (iv) e que p > 2. Dado a ∈ Z temos que a2 ≡ 0 ou 1 (mod 4).Assim, as possibilidades para a2 + b2 (mod 4) sao 0, 1 ou 2. Mas como p e primoapenas a segunda possibilidade pode acontecer.

15.5.2. Lei de reciprocidade quadratica.

Definicao 15.47. Vamos reescrever o ıtem (ii) do teorema de outra forma.Seja a ∈ Z, dizemos que a e resto quadratico modulo p se existe b ∈ Z tal queb2 ≡ a (mod p). Assim em (ii) estamos dizendo que -1 e resto quadratico modulop. Dado a ∈ Z e um numero primo p tal que p - a, definimos o sımbolo de Legendrede a em p por (

a

p

)= 1, se a e resto quadratico modulo p,(

a

p

)= −1, caso contrario.

Assim o teorema afirma que p e soma de quadrados se e somente se (−1/p) = 1.

Um importante teorema na teoria dos numeros (que nao demonstraremos aqui)e a lei de reciprocidade quadratica (cf [IrRo, chapter 5]).

Teorema 15.48 (lei de reciprocidade quadratica). Sejam p, q > 2 primos dis-tintos. Enao (

p

q

)(q

p

)= (−1)

p−12

q−12 .

Uma maneira de interpretar esta lei e uma formula de inverter o sımbolo deLegendre, ou seja, (

q

p

)= (−1)

p−12

q−12

(p

q

).

Por exemplo, se p, q ≡ 1 (mod 4), entao(q

p

)= 1 se e somente se

(p

q

)= 1.

Se p, q ≡ 3 (mod 4), entao(p

q

)= 1 se e somente se

(q

p

)= −1.

Finalmente se p ≡ 1 (mod 4) e q ≡ 3 (mod 4) (ou vice-versa), entao(p

q

)= 1 se e somente se

(q

p

)= 1.

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Parte 4

Corpos

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CAPıTULO 16

Extensoes finitas

Sejam K ⊂ L dois corpos. Dizemos que L e uma extensao de K ou que L/K euma extensao de corpos. Notemos neste caso que a multiplicacao de elementos deK por elementos de L induz em L uma estrutura de K-espaco vetorial. Quando Le um K-espaco vetorial de dimensao finita, dizemos que L/K e uma extensao finitae denotamos dimK L = [L : K] chamado o grau da extensao.

Proposicao 16.1. Sejam K ⊂ L ⊂ M corpos. Entao M/K e uma extensaofinita se e somente se M/L e L/K sao extensoes finitas e neste caso

[M : K] = [M : L][L : K].

Demonstracao. Suponha que M/K seja uma extensao finita. Qualquer con-junto de elementos de M que seja L-linearmente independente e em particular K-linearmente independente. Portanto, o numero maximo de vetores L-linearmenteindependentes em M e [M : K], em particular M/L e finita. Como L ⊂ M e Me um K-espaco vetorial de dimensao finita, concluimos que o mesmo vale para L,i.e., L/K e finita.

Suponha que M/L e L/K sejam finitas. Sejam α1, · · · , αn uma base de M/Le β1, · · · , βm uma base de L/K. Afirmamos que o conjunto

αiβj1≤i≤n,1≤j≤m

e uma base de M/K. Disto segue imediatamente a proposicao.Seja x ∈M , entao

x =n∑

i=1

aiαi,

onde a1, · · · , an ∈ L. Alem disto para todo i = 1, · · · , n, temos que

ai =m∑

j=1

bijβj ,

onde βj ∈ K. Logo,

x =n∑

i=1

m∑j=1

bijαiβj ,

em particular o conjunto acima gera M como K-espaco vetorial.Suponha que tenhamos uma K-combinacao linear trivial

n∑i=1

m∑j=1

cijαiβj = 0,

119

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120 16. EXTENSOES FINITAS

onde para todo i, j, cij ∈ K. Reescremos

n∑i=1

m∑j=1

cijβj

αi = 0.

Como para todo i temosm∑

j=1

cijβj ∈ L e α1, · · · , αn

e um conjunto L-linearmente independente, concluimos que para todo i temosm∑

j=1

cijβj = 0.

Por outro lado, segue do fato de β1, · · · , βm ser K-linearmente independente quecij = 0 para todo i, j.

Corolario 16.2. Seja L/K uma extensao finita de grau primo. Entao paratodo corpo F tal que K ⊂ F ⊂ L temos que F = K ou F = L.

Definicao 16.3. Seja L/K uma extensao finita com base α1, · · · , αn e u ∈ L.Definimos o polinomio caracterıstico de u em relacao a L/K da seguinte forma. Paratodo i = 1, · · · , n temos

uαi =n∑

j=1

aijαj .

O polinomio e definido por

Fu,L/K(x) := det(Ix− (aij)).

Denotamos A := (aij).

Observacao 16.4. (1) Fu,L/K tem coeficiente lıder 1 e grau n = [L : K].(2) Fu,L/K nao depende da escolha da base. De fato, seja β1, · · · , βn uma

outra base de L/K e B a matriz de mudanca de base de β1, · · · , βn paraα1, · · · , αn. Seja C := B−1. Assim,

uβi = un∑

j=1

bijαj =n∑

j=1

bij

n∑l=1

ajlαl = (BA)ilαl

=n∑

h=1

(BA)ilclhβh = (BAC)ihβh.

Assim,

det(Ix−(BAB−1)) = det(B(Ix−A)B−1) = det(B) det(Ix−A) det(B−1) = Fu,L/K .

(3) Se u ∈ K, entao Fu,L/K = (x− u)n.

Proposicao 16.5. Sejam K ⊂ L ⊂ M tais que M/L e L/K sejam extensoesfinitas. Seja u ∈ L. Entao

Fu,M/K = F[M :L]u,L/K .

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16. EXTENSOES FINITAS 121

Demonstracao. Sejam α1, · · · , αn uma base de M/L e β1, · · · , βm umabase de L/K. Entao αiβj1≤i≤n,1≤j≤m e uma base de M/K. Note que

uαiβj = αi

m∑l=1

ajlβl =m∑

l=1

ajlαiβl.

Assim, em cada bloco α1β1, · · · , α1, βm, ... , αnβ1, · · · , αnβm a matriz dooperador linear definido pela multiplicacao por u e igual a A. Portanto,

Fu,M/K = det

Ix−A 0 · · · 0

0 Ix−A · · · 0...

... · · ·...

0 0 · · · Ix−A

= Fnu,L/K .

Definicao 16.6. Escrevendo explicitamente,

Fu,L/K = xn + f1xn−1 + . . .+ fn−1x+ fn.

O traco TL/K(u) de u em relacao a L/K e definido por

TL/K(u) := −f1.

A norma NL/K(u) de u em relacao a L/K e definida por

NL/K(u) := (−1)nfn.

Observe que expandindo o determinante que define Fu,L/K obtemos

f1 =n∑

i=1

aii = Tr(A), o traco da matriz A, e fn = det(A).

Definicao 16.7. Sejam L/K uma extensao de corpos f ∈ K[x]\K. Dizemosque um elemento α ∈ L e raiz de f se f(α) = 0.

Suponhamos conhecidas u1, · · · , un as raızes de Fu,L/K . Note que uma destasraızes, digamos u1, e exatamente u. Observe tambem que usando o algoritmo dadivisao, se α e raiz de f entao

f(x) = (x− α)g(x),

para algum g ∈ K[x]. Neste caso temos a fatoracao

Fu,L/K(x) =n∏

i=1

(x− ui).

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122 16. EXTENSOES FINITAS

Desenvolvendo este produto obtemos

f1 = −n∑

i=1

ui

f2 =∑

1≤i<j≤n

uiuj

f3 = −∑

1≤i<j<k≤n

uiujuk

......

fn = (−1)nn∏

i=1

ui.

Assim,

TL/K(u) =n∑

i=1

ui

NL/K(u) =n∏

i=1

ui.

Definicao 16.8. Sejam x1, · · · , xn variaveis independentes (ver definicao nocapıtulo de extensoes trancendentes) sobre um corpo K. Para todo 1 ≤ i ≤ ndefinimos a i-esima funcao simetrica elementar nas variaveis x1, · · · , xn por

si(x1, · · · , xn) :=∑

1≤j1<·<ji≤n

uj1 . . . uji .

Observe que para todo 1 ≤ i ≤ n temos

fi = (−1)isi(u1, · · · , un).

Segue imediatamente da lineraridade de traco de matriz e da multiplicatividadede determinante de matriz o seguinte lema.

Lema 16.9. (1) Se u ∈ K, entao NL/K(u) = un e TL/K(u) = nu.(2) A funcao NL/K e multiplicativa, i.e.,

NL/K(uv) = NL/K(u)NL/K(v).

(3) A funcao TL/K e K-linear, i.e.,

TL/K(u+ v) = TL/K(u) + TL/K(v) e TL/K(au) = aTL/K(u), para a ∈ K.(4) Se K ⊂ L ⊂M sao extensoes finitas e u ∈ L, entao

NM/K(u) = u[M :L] e TM/K(u) = [M : L]TL/K(u).

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CAPıTULO 17

Extensoes algebricas

17.1. Elementos algebricos e transcendentes

Seja L/K uma extensao de corpos e α ∈ L. Dizemos que α e algebrico sobreL, se existe f ∈ K[x]− 0 tal que f(α) = 0. Caso nao exista tal f dizemos que αe transcendente sobre K. Por exemplo,

√2 ∈ R e algebrico sobre Q, pois e raiz de

x2−2 e i ∈ C e algebrico sobre Q, pois e raiz de x2+1. Por outro lado, sao teoremasnao triviais devidos a Lindeman e Hilbert (resp.) que e, π ∈ R sao transcendentessobre Q (ver capıtulo de extensoes transcendentes).

Na situacao acima definimos a funcao

ϕα : K[x]→ L por ϕα(g) := g(α).

Fica como exercıcio mostrar que ϕα e um homomorfismo de aneis. Seja K[α] aimagem de ϕα. Este e um subanel de L. Seja N(ϕα) o nucleo de ϕα, i.e., este e oconjunto dos elementos g ∈ K[x] tais que g(α) = 0, ou seja, este e o conjunto dospolinomios dos quais α e raiz. Este conjunto e um ideal de K[x].

Teorema 17.1. Seja L/K uma extensao de corpos e α ∈ L.(1) O elemento α e transcendente sobre K se e somente se ϕα e injetiva o

que equivale a N(ϕα) = (0). Neste caso, K[α] e isomorfo ao anel depolinomios K[x].

(2) O elemento α e algebrico sobre K se e somente se K[α] e um corpo. Nestecaso, [K[α] : K] = grau(Pα|K).

Demonstracao. Note que (1) e imediato das definicoes.(2) Inicialmente, α e algebrico se e somente se N(ϕα) 6= (0). Suponha que isto

ocorra. Seja Pα|K o gerador monico do ideal N(ϕα). Este polinomio e chamado opolinomio mınimo de α sobre K. Por definicao este e o polinomio monico de menorgrau do qual α e raiz, sendo em particular irredutıvel. Mas, isto equivale a dizerque o ideal N(ϕα) = (Pα|K) e um ideal maximal de K[x]. Esta ultima afirmativaequivale a dizer o anel quociente K[x]/(Pα|K) e um corpo. Note que pelo teoremados homomorfismos K[α] e isomorfo como anel a K[x]/(Pα|K). Portanto K[α] eum corpo.

Reciprocamente, se K[α] for um corpo, entao por (1), temos que α e algebricosobre K, pois K[x] nao e corpo, uma vez que 1/x /∈ K[x].

Provemos a ultima afirmativa. Seja n := grau(Pα|K). Afirmamos que

1, α, · · · , αn−1

e uma base de K[α]/K. De fato, este conjunto e K-linearmente independente, docontrario existiriam a0, · · · , an−1 ∈ K nao todos nulos tais que

a0 + . . .+ an−1αn−1 = 0.

123

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124 17. EXTENSOES ALGEBRICAS

Ou seja α e raiz do polinomio

f(x) =n−1∑i=0

aixi 6= 0.

Mas isto contradiz a minimalidade do grau de Pα|K . Para ver que este conjuntogera K[α], seja g ∈ K[x] \ 0. Dividindo g por Pα|K obtemos

g = Pα|Kq + r,

para q, r ∈ K[x] tais que r = 0 ou grau(r) < n. Substituindo x por α concluimos queg(α) = r(α). A fortiori, g(α) e uma K-combinacao linear de 1, α, · · · , αn−1.

Lema 17.2. Sejam L/K uma extensao de corpos e α ∈ L algebrico sobre K.Entao

(1) Fα,K[α]/K = Pα|K .(2) Em particular, se L/K for finita, entao

Fα,L/K = P[L:K[α]]α|K .

Demonstracao. (1) Por definicao, Fα,L/K e um polinomio monico de grau ntendo α como raiz. Logo Fα,K[α]/K ∈ N(ϕα), i.e.,

Pα|K | Fα,K[α]/K .

Mas pela igualdade do grau e por ambos serem monicos concluimos que Pα|K =Fα,K[α]/K .

(2) Vimos no capıtulo anterior que

Fα,L/K = F[L:K[α]]α,K[α]/K , i.e., Fα,L/K = P

[L:K[α]]α|K .

Este e um caso particular do teorema de Cayley-Hamilton da algebra linear.

17.2. Extensoes algebricas

Definicao 17.3. Uma extensao L/K e dita algebrica se todo α ∈ L e algebricosobre K. Caso exista algum α ∈ L transcendente sobre K dizemos que L/K etranscendente.

Proposicao 17.4. Toda extensao finita e algebrica.

Demonstracao. Sejam L/K uma extensao finita e α ∈ L. Entao existe n ≥ 1inteiro mınimo tal que 1, α, · · · , αn−1 e um conjuntoK-linearmente independente.Ou seja, existem a0, · · · , an ∈ K nao todos nulos tais que

n∑i=0

aiαi = 0.

A fortiori, α e raiz do polinomio nao nulo

f :=n∑

i=0

aixi.

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17.2. EXTENSOES ALGEBRICAS 125

Definicao 17.5. Seja L/K uma extensao algebrica. Suponhamos que existamα1, · · · , αr ∈ L tais que

K ⊂ K1 = K[α1] ⊂ K2 = K1[α2] ⊂ · · · ⊂ Kr = Kr−1[αr] = K[α1, · · · , αr] = L.

Dizemos que L/K e uma extensao finitamente gerada e que L e gerada sobre Kpor α1, · · · , αr.

Proposicao 17.6. Seja L/K uma extensao algebrica. Entao L/K e finita see somente se L/K e finitamente gerada.

Demonstracao. Suponha que L/K seja finita. Se L = K acabou. Senaoexiste α1 ∈ L\K. Seja K1 := K[α1]. Se L = K1 acabou. Senao existe α2 ∈ L\K1.Seja K2 := K1[α2]. Prosseguindo o argumento temos uma sequencia de corposestrita, i.e.,

K ( K1 ( K2 ( · · · .Como L/K e finita esta sequencia nao pode ser infinita. Logo existe r tal queL = Kr e L/K e finitamente gerada.

Reciprocamente, se L/K e finitamente gerada entao cada extensao Ki/Ki−1

e finita e pela transitividade de extensoes finitas, concluimos que L/K tambem efinita.

Teorema 17.7. Sejam M/L e L/K extensoes de corpos. Entao M/K ealgebrica se e somente se M/L e L/K tambem sao algebricas.

Demonstracao. Segue da definicao que se M/K e algebrica entao M/L eL/K tambem sao algebricas.

Suponhamos que estas duas extensoes sejam algebricas. Seja α ∈M e

Pα|L :=n−1∑i=0

aixi + xn.

Seja L a extensao de K gerada por a0, · · · , an−1. Entao L ⊂ L e Pα|L ∈ L[x]. Pelaproposicao anterior L/K e finita. Alem disto, como α e algebrico sobre L, entaoL[α]/L e finita. Pela transitividade de extensoes finitas concluimos que L[α]/K efinita. Por outro lado, K ⊂ K[α] ⊂ L[α], logo K[α]/K e finita. Em particular, α ealgebrico sobre K.

Exemplo 17.8. Seja L/K extensao com [L : K] = p numero primo. Entaopara todo K ⊂ K ′ ⊂ L temos que K ′ = K ou K ′ = L. Em particular, dadoα ∈ L \K, entao L = K[α].

Exemplo 17.9. Seja L/Q tal que [L : Q] = 2. Mostraremos que L = Q[√d]

para d ∈ Q que nao e um quadrado. Pelo exemplo anterior, dado α ∈ L \Q temosque L = Q[α]. Seja

Pα|Q := x2 + ax+ b =(x+

a

2

)+(b− a2

4

).

A mudanca de variavel x 7→ x+a/2 transforma Pα|Q emX2−β, onde β = (a2/4)−b.Alem disto esta mudanca de variavel e um automorfismo de K[x], portanto x2 − βe irredutıvel, assim tomamos d = β.

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126 17. EXTENSOES ALGEBRICAS

17.3. Adjuncao de raızes

Lema 17.10 (lema da duplicacao). Sejam κ : K → K ′ um isomorfismo decorpos e L′ ⊃ K ′ um corpo contendo K ′. Entao existe uma extensao L/K e umisomorfismo de corpos λ : L→ L′ estendendo κ, i.e., λ|K = κ.

Demonstracao. Suponha que L′ ∩K = ∅. Definimos L da seguinte forma :L := K q (L′ \K ′), onde q denota uniao disjuta. Definimos λ por λ : L → L′, sex ∈ K, entao λ(x) := κ(x); se x ∈ L′ \K ′, entao λ(x) := x. Dessa forma λ e umabijecao. Utilizamos esta bijecao para colocar uma estrutura de corpo em L por :dados x, y ∈ L definimos

x+ y := λ−1(λ(x+ y)) e xy := λ−1(λ(x)λ(y)).

Com esta estrutura, λ e o isomorfismo de corpos procurado.Se L′ ∩ K 6= ∅, basta aplicar o lema 1.1 para obter um conjunto L′′ e uma

bijecao λ′ : L′ → L′′ tal que L′′ ∩K = ∅. Novamente, definimos uma estrutura decorpo em L′′ por x′+y′ := λ

′−1(λ′(x)+λ′(y)) et x′y′ := λ′−1(λ(x)λ(y)). Aplicamos

agora a parte anterior substituindo K ′ por K ′′ := λ′(K ′) e κ por κ′ := λ′ κ.

Definicao 17.11. Seja κ : K → K ′ um homomorfismo nao nulo de corpos(logo necessariamente injetivo). Este homomorfismo induz um homomorfismo deaneis de polinomios da seguinte forma

κ∗ : K[x]→ K ′[x]n∑

i=0

aixi 7→

n∑i=0

κ(ai)xi.

Teorema 17.12. Dado f ∈ K[x] \ K irredutıvel existe uma extensao finitaL/K e α ∈ L tal que f(α) = 0.

Demonstracao. Como f e irredutıvel o ideal (f) e maximal, logo o anelquociente L := K[x]/(f) e um corpo. Consideremos o homomorfimso sobrejetivo

ϕ : K[x]→ K[x](f)

definido por g 7→ g (mod (f)).

Este homomorfismo nao e o homomorfismo nulo, logo e injetivo quando restritoa K, i.e., ϕ|K : K → K := ϕ(K) e um isomorfismo de corpos. Este induz umisomorfismo de aneis de polinomios ϕ∗|K : K[x]→ K[x] como na definicao anterior.Em particular, se x := ϕ(x), entao

ϕ∗|K(f)(x) =n∑

i=0

ϕ(ai)xi = ϕ(f(x)) ≡ 0 (mod (f)).

Assim x ∈ L e uma raiz de ϕ∗|K(f).Pelo lema da duplicacao, existe uma extensao L/K e um isomorfismo λ : L→ L

tal que λ|K = ϕ|K . A fortiori, definindo α := λ−1(x), este elemento e uma raiz def em L.

Corolario 17.13. Seja f ∈ K[x] \K, entao existe uma extensao finita L/Ke α ∈ L tal que f(α) = 0.

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17.4. FECHOS ALGEBRICOS 127

Demonstracao. Basta fatorar f em fatores irredutıveis e usar o teorema paradeterminar uma extensao finita de K no qual um dos fatores tenha raiz. Esta raizsera tambem raiz de f .

Corolario 17.14. Seja f ∈ K[x]\K. Existe uma extensao finita L/K tal quef fatora-se linearmente em L[x].

Demonstracao. Aplicando o teorema sucessivamente a cada fator irredutıvelde f obtemos em cada etapa uma extensao finita do corpo anterior e mais uma raizdo fator. Como o numero de fatores e finito e o numero de raızes em cada fatortambem o e, pela transitividade de extensoes finitas, concluimos que existe L/Kfinita como no corolario.

17.4. Fechos algebricos

Definicao 17.15. Seja L/K uma extensao de corpos. Definimos AL(K) comoo conjunto dos elementos α ∈ L que sao algebricos sobre K. Este conjunto echamado o fecho algebrico de K em L.

Observacao 17.16. O conjunto AL(K) e um corpo. De fato, basta mostrarque dados α, β ∈ AL(K) \ 0, entao α+ β, αβ, α−1 ∈ AL(K). Provemos o caso deα + β, os demais sao similares. Por hipotese K[α] e K[β] sao corpos e K[α]/K eK[β]/K sao finitas. Seja K[α, β] a extensao gerada sobre K por α e β. Considereo seguinte diagrama de corpos.

K[α, β]

/ | \

K[α] K[α+ β] K[β]

\ | /

K

A extensao K[α, β] e gerada por β sobre K[α]. Como β e algebrico sobre K e

K ⊂ K[α], concluimos que β e algebrico sobre K[α]. Logo a extensao K[α, β]/K[α]e finita. Pela transitividade de extensoes finitas, concluimos que K[α, β]/K e finita.Mas, K ⊂ K[α+β] ⊂ K[α, β]. Logo K[α+β]/K e finita, portanto α+β ∈ AL(K).

Exemplo 17.17. Seja K um corpo, L/K extensao e τ ∈ L transcendente sobreK. Afirmamos que K e algebricamente fechado em K(τ) = f(τ)/g(τ) | f, g ∈K[x], g 6= 0. De fato, se existisse α ∈ K(τ) \K algebrico sobre K, digamos α =f(τ)/g(τ), entao K[α]/K seria finita. Observe que h := f(x)−αg(x) ∈ (K[α])[x] eh(τ) = 0, ou seja, τ e algebrico sobre K[α]. Portanto, K(τ) = (K[α])[τ ] e algebricosobre K, mas isto e impossıvel, pois τ e transcendente sobre K.

Definicao 17.18. Dizemos que um corpo K e algebricamente fechado, se todof ∈ K[x] \K possui uma raiz α ∈ K.

A seguinte proposicao e uma consequencia direta desta definicao, da fatoracaode polinomios e da definicao sobre elementos algebricos.

Proposicao 17.19. As seguintes condicoes sao equivalentes.(1) K e algebricamente fechado.

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128 17. EXTENSOES ALGEBRICAS

(2) Todo f ∈ K[x] \K fatora-se como produto de polinomios lineares.(3) Todo f ∈ K[x] irredutıvel tem grau 1.(4) Nao existe extensao L ) K algebrica.

O primeiro exemplo de corpo algebricamente fechado e C.

Teorema 17.20 (teorema fundamental da Algebra). [Lins, p.199, corolario 4]O corpo C e algebricamente fechado.

Exemplo 17.21. Seja f ∈ R[x]. Mostremos que grau(f) = 1 ou 2. Seja β ∈ Cuma raiz de f . Entao f = Pβ|R e como R ⊂ R[β] ⊂ C, e [C : R] = 2, entaograu(f) = 1 ou 2.

Definicao 17.22. Sejam K ⊂ Ω corpos com Ω algebricamente fechado. Dize-mos que AΩ(K) e um fecho algebrico de K.

Definicao 17.23. Sejam K um corpo e I um conjunto qualquer de ındices.O anel de polinomios K[xI ] em variaveis xi parametrizadas por elementos i ∈ Ie definido como sendo o conjunto de polinomios f com coeficientes em K em umnumero finito de variaveis xi1 , · · · , xin

, para i1, · · · , in ∈ I.

Teorema 17.24. Para todo corpo K existe um corpo Ω ⊃ K algebricamentefechado.

Demonstracao. Seja P o conjunto dos polinomios irredutıveis monicos emK[x]. Seja R o anel R := K[xP ]. Considere o ideal p de R gerado pelo conjuntoP (xP ) |P ∈ P. Este ideal e proprio, caso contrario existiriam P1, · · · , Pr ∈ P eG1, · · · , Gr ∈ K[xP1 , · · · , xPr

] ⊂ R tais quer∑

i=1

P (xPi)Gi(xP1 , · · · , x(Pr)) = 1.

Mas pelo corolario 17.14 existe uma extensao finita L/K tal que P1 . . . Pr fatora-selinearmente em L. Para cada 1 ≤ i ≤ r seja αi ∈ L uma raiz de Pi. Logo

1 =r∑

i=1

P (αi)Gi(α1, · · · , αr) = 0,

o que e uma contradicao.Pelo lema de Krull, existe m ( R ideal maximal contendo p. Considere o homo-

morfismo quociente ϑ : R→ R/m. A restricao κ de ϑ a K induz um isomorfimso decorpos κ : K → K := ϑ(K). Pelo lema da duplicacao existe uma extensao L1/K eum isomorfismo de corpos λ : L1 → R/m estendendo κ. Como na demonstracao doteorema 17.12 αP := ϑ(xP ) e uma raiz de ϑ∗(P ), e a fortiori λ−1(αP ) ∈ L1 e umaraiz de P . Dessa forma construimos uma extensao L1/K na qual todo elemento deP possui uma raiz.

Prosseguindo indutivamente, contruimos uma sequencia de corpos

L0 := K ⊂ L1 ⊂ L2 ⊂ · · · ⊂ Ln ⊂ · · ·tais que todo polinomio irredutıvel monico em Lj [x] possui uma raiz em Lj+1.Seja Ω :=

⋃j≥1 Lj . Este conjunto e um corpo contendo K e afirmamos que e

algebricamente fechado. De fato, dado f ∈ Ω[x] \ Ω, este fatora-se linearmente emalgum Lj [x] para j suficientemente grande. Portanto, por construcao, f possui raizem Lj+1 ⊂ Ω.

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17.4. FECHOS ALGEBRICOS 129

Corolario 17.25 (existencia de fecho algebrico). Todo corpo K possui umfecho algebrico.

Demonstracao. Pelo teorema anterior existe extensao Ω/K tal que Ω e al-gebricamente fechado, portanto AΩ(K) e um fecho algebrico de K.

Teorema 17.26. Sejam K,K ′ corpos, κ : K → K ′ um isomorfismo de corpos,L/K, L′/K ′ extensoes de corpos, α ∈ L (resp. α′ ∈ L′) algebrico sobre K (resp.algebrico sobre K ′). As seguintes condicoes sao equivalentes.

(1) O isomorfismo κ estende-se a um isormorfismo de corpos κα : K[α] →K ′[α′] tal que κα(α) = α′.

(2) κ∗(Pα|K) = Pα′|K′ .

Demonstracao. Suponha (1). Entao κ∗(Pα|K)(α′) = κα(Pα|K(α)) = 0, emparticular κ∗(Pα|K) | Pα′|K′ . Mas estes dois polinomios sao irredutıveis monicos.Portanto vale a igualdade.

Suponha (2). Sabemos que K[α] ∼= K[x]/(Pα|K) e K ′[α′] ∼= K ′[x]/(Pα′|K′).Assim, compondo os isomorfismos abaixo encontramos κα :

K[α]∼=−→ K[x]

(Pα|K)κ−→ K ′[x]

(Pα′|K′)∼=−→ K ′[α′].

Definicao 17.27. Sejam L e L′ extensoes de K e λ : L→ L′ um isomorfismode corpos. Dizemos que λ e um K-isomorfismo, se λ|K for a identidade.

Em particular, tomando K = K ′, κ a identidade e L = L′ obtemos o corolario.

Corolario 17.28. Sejam L/K uma extensao de corpos e α, α′ ∈ L algebricossobre K. As seguintes condicoes sao equivalentes.

(1) Existe um K-isomorfismo K[α]→ K[α′] tal que α 7→ α′.(2) Pα|K = Pα′|K′ .

Definicao 17.29. Sejam L/K uma extensao e α, β ∈ L algebricos sobre K.Dizemos que α e K-conjugado a β (denotamos por α ∼K β), se Pα|K = Pβ|K . Estanocao independe da escolha da extensao L/K. O conjunto Cα dos K-conjugadosde α e finito, pois #Cα ≤ grau(Pα|K).

Proposicao 17.30. Seja L/K uma extensao algebrica. Todo K-endomorfismode L e tambem um K-isomorfismo de L.

Demonstracao. Seja σ um K-endomorfismo de L. Observe que para todoα ∈ L temos σ(Cα) ⊂ Cα, pois Pα|K(σ(β)) = β(Pα|K(β)) = 0. Mas Cα e finito eσ e injetivo (pois e nao nulo). Logo σCα

e uma bijecao de um conjunto finito nelemesmo. A fortiori, σ e sobrejetiva e σ e um K-automorfismo de L.

Teorema 17.31 (extensao de homomorfismos). Sejam L/K uma extensaoalgebrica e κ : K → Ω um homomorfismo de corpos com Ω algebricamente fechado.Entao existe λ : L→ Ω um homomorfismo de corpos estendendo κ.

Demonstracao. Suponha inicialmente que L = k[α] para algum α ∈ L. Sejaα′ ∈ Ω uma raiz de κ∗(Pα|K). Assim, κ∗(Pα|K) = Pα′|K′ , onde K ′ := κ(K). Peloteorema 17.26, existe um homomorfismo de corpos λ : L→ Ω estendendo κ tal queλ(α) = α′.

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130 17. EXTENSOES ALGEBRICAS

No caso geral, consideramos o conjunto M de pares ordenados (L′, λ′) forma-dos por extensoes L′/K contidas em L e homomorfismos de corpos λ′ : L′ → Ωestendendo κ. Definimos uma ordem parcial em M por

(L′, λ′) ≤ (L′′, λ′′) se e somente se L′ ⊂ L′′ e λ′ = λ′′|L′ .

O conjunto M e indutivo. De fato, se L := (Lj , λj) | j ∈ J ⊂M for um subcon-junto totalmente ordenado, entao o corpo

LJ :=⋃j∈J

Lj

e um subcorpo de L e definindo λJ em cada Lj por λJ := λj obtemos (porconstrucao) um homomorfismo de corpos λJ : LJ → Ω. Alem disto, temos que(Lj , λj) ≤ (LJ , λJ) para todo j ∈ J . Assim, (LJ , λJ) e um limite superior para M.Pelo lema de Zorn, o conjunto M admite elemento maximal (L, λ).

Afirmamos que L = L. De fato, caso contrario, se α ∈ L \ L, utlizando aprimeira parte da prova, poderıamos estender λ a um homomorfismo de corposL(α)→ Ω, o que e uma contradicao.

Teorema 17.32 (unicidade a menos de isomorfismo). Seja K um corpo. Supo-nha que Ω e Ω1 sejam corpos algebricamente fechados contendo K. Entao AΩ(K)e AΩ1(K) sao K-isomorfos.

Demonstracao. Pelo teorema anterior, existe um K-homomorfismo λ :AΩ(K) → Ω1. E claro que a imagem de λ esta contida em AΩ1(K). Por outrolado para todo α1 ∈ AΩ1(K) e toda raiz α ∈ Ω de Pα1|K temos que Pα|K = Pα1|K .Logo, pelo teorema 17.26, concluimos que existe um K-isomorfismo K[α]→ K[α1]tal que α 7→ α1. Em particular, λ(AΩ(K)) = AΩ1(K).

Exemplo 17.33. A motivacao para o teorema anterior vem da seguinte situa-cao. Uma maneira de construir R a partir de Q e adicionar a Q os limites desequencias de Cauchy de elementos de Q (ver [Li]). Por isto dizemos que R e ocompletamento de Q.

Note-se entretanto que esta implıcito na discussao anterior que estamos uti-lizando para a nocao de limite o valor absoluto usual dos numeros racionais. Talvalor absoluto e arquimediano, ou seja satisfaz a desigualdade triangular |x+ y| ≤|x| + |y|. Por isto vamos dizer que R e o completamento arquimediano de Q. Nalinguagem da geometria aritmetica moderna, o valor absoluto arquimediano nadamais e que o primo no infinito que compatifica o conjunto (esquema) Spec(Z) dosideais primos de Z.

Porque dizemos isto? Para cada numero primo p, pela unicidade da fatoracao denumeros inteiros em produto de numeros primos, para todo x ∈ Q existe um unicoordp(x) ∈ Z tal que x = pordp(x)x′, onde nem o numerador nem o denominador dex′ ∈ Q sao divisıveis por p. Isto permite definir o seguinte valor absoluto (chamadode p-adico)

|x|p := p−ordp(x).

Este valor absoluto e nao arquimediano, ou seja, vale uma propriedade mais forteque a propriedade triangular, |x+ y|p ≤ max(|x|p, |y|p).

Repetimos o procedimento de construcao de R a partir de Q e acrescentamos aQ os limites de sequencias de Cauchy (com respeito ao valor absoluto p-adico). O

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17.4. FECHOS ALGEBRICOS 131

conjunto obtido e o corpoQp dos numeros p-adicos. Uma outra forma de representarum elemento de Qp e atraves de uma “serie de Laurent”

x =∑i≥n

aipi,

onde n ∈ Z e 0 ≤ ai < p e inteiro para todo i. Assim, Qp e o completamento de Qcom respeito ao valor absoluto p-adico.

Pelo teorema 17.24 existe um corpo algebricamente fechado contendo R, porexemplo C, e um corpo algebricamente fechado (ate completo, mas isto nao seguedo teorema, ver [Kob]) Cp contendo Qp. Assim, terıamos por um lado o fechoalgebrico AC(Q) de Q en C (chamado o corpo de todos os numeros algebricos edenotado por Q) e o fecho algebrico ACp(Q) de Q em Cp. O que o teorema nosdiz e que apesar destes dois fechos algebricos serem subcorpos de corpos distintos(os valores absolutos sao diferentes), eles sao Q-isomorfos. Isto nos permite usar anotacao Q sem ambuiguidade.

Nos topicos adicionais comentaremos sobre um grupo ligado a Q e um dosobjetos mais importantes da aritmetica (bastante misterioso, ainda) o grupo deGalois absoluto de Q.

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CAPıTULO 18

Extensoes separaveis

Definicao 18.1. Seja f ∈ K[x], L/K uma extensao de corpos e α ∈ L uma raizde f . A multiplicidade m = m(f, α) de α como raiz de f e definido como o maiorinteiro m ≥ 1 tal que existe g ∈ L[x] com g(α) 6= 0 satisfazendo a f = (x− α)mg.Se m = 1 dizemos que α e uma raiz simples, caso contrario que e uma raiz multipla.

No capıtulo 15, secao 15.3 mostramos que dados f, g ∈ K[x]\K eles possuem umfator comum nao constante (logo uma raiz comum, utilizando o capıtulo anterior)se e somente sua resultante Res(f, g) for nula. Alem disto, mostramos tambemque f possui fator multiplo (logo raiz multipla) se e somente se seu discriminantedisc(f) for nulo. Lembre que disc(f) = Res(f,D(f)), onde D(f) denota a derivadade f .

Definicao 18.2. Seja D um domınio de integridade. Consideremos o ho-momorfismo ϑ : Z → D tal que ϑ(1) = 1D, onde 1D denota o elemento neutromultiplicativo de D. Seja I = N(ϑ) o nucleo de ϑ. Se N(ϑ) = (0) (i.e., ϑ forinjetivo) dizemos que a caracterıstica car(D) como 0. Caso isto nao ocorra I e umideal nao nulo de Z, logo I = nZ para algum n ≥ 1. Alem disto pelo teorema dosisomorfismos Z/nZ e isomorfo a um subdomınio de D. Mas Z/nZ e um domınio see somente se n = p e um numero primo. Neste caso dizemos que car(D) = p. Noteque neste caso p.1D = 0 e para todo a ∈ D temos tambem que pa = 0. Observetambem que

(a+ b)p =p∑

i=0

(p

i

)aibp−i = ap + bp,

pois para todo i = 1, · · · , p− 1 temos(p

i

)≡ 0 (mod p).

Teorema 18.3. Seja L/K uma extensao de corpos e α ∈ L algebrico sobre K.Entao Pα|K nao possui raızes multiplas ou existe h ∈ K[x] tal que Pα|K(x) = h(xp)e neste caso p = car(K).

Demonstracao. Suponha que D(Pα|K) 6= 0. Neste caso, como grau(D(Pα|K)) < grau(Pα|K), entao mdc(Pα|K , D(Pα|K)) = 1, i.e., Pα|K nao admite raızesmultiplas.

Seja

Pα|K = xn +n−1∑i=0

aixi.

133

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134 18. EXTENSOES SEPARAVEIS

Entao D(Pα|K) = 0 se e somente se para todo i tal que ai 6= 0 temos que i = 0 emK (i.e., i ≡ 0 (mod p) em Z). Assim,

Pα|K = xn′p + a(n′−1)px(n′−1)p + . . .+ apx

p + a0

e basta tomarh = xn′ + a(n′−1)px

n′−1 + . . .+ apx+ a0.

Definicao 18.4. Dado f ∈ K[x] \ K, dizemos que f e separavel, se f naoadmite raızes multiplas. Seja L/K uma extensao de corpos e α ∈ L algebrico sobreK, entao α e dito separavel sobre K, se Pα|K for separavel. Uma extensao algebricaL/K e dita separavel, se todo α ∈ L for separavel sobre K. Um corpo K e ditoperfeito, se car(K) = 0 ou car(K) = p e K = Kp = ap | a ∈ K (i.e., todo elementode K e p-potencia). Note que a inclusao Kp ⊂ K e sempre satisfeita. A questao ea inclusao oposta.

Proposicao 18.5. Um corpo K e perfeito se e somente se para todo f ∈ K[x]irredutıvel for separavel.

Demonstracao. Suponha que K seja perfeito e seja f ∈ K[x] irredutıvel.Seja L/K finita e α ∈ L tal que f(α) = 0. Logo f = aPα|K para a ∈ K∗. Secar(K) = 0 ou D(Pα|K) 6= 0, entao Pα|K e separavel (logo o mesmo vale para f).Caso isto nao ocorra, entao Pα|K(x) = h(xp) para algum h ∈ K[x] e p = car(K).Como K e perfeito K = Kp. Escrevendo

Pα|K =n∑

i=0

aipxip

temos que para todo i existe bi ∈ K tal que aip = bpip. Logo

Pα|K = (n∑

i=0

bipxi)p

e redutıvel, o que e uma contradicao.Reciprocamente, suponha que todo f ∈ K[x] irredutıvel seja separavel. Se

car(K) = 0 nada ha a fazer. Suponhamos que car(K) = p. Seja a ∈ K e f = xp−a.Existe uma extensao finita L/K e α ∈ L tal que f(α) = 0, em particular

Pα|K | f = (x− α)p, i.e., Pα|K = (x− α)`,

para algum 1 ≤ ` ≤ p. Mas pela separabilidade de Pα|K , temos que ` = 1 eα ∈ K.

Proposicao 18.6. Um corpo K e perfeito se e somente se toda extensaoalgebrica L/K for separavel.

Demonstracao. Suponha que K seja perfeito e seja L/K uma extensaoalgebrica. Pela proposicao anterior para todo α ∈ L temos que Pα|K e separavel.

Reciprocamente, suponhamos que toda extensao algebrica L/K seja separavel.Novamente, se car(K) = 0 nada ha a fazer. Suponhamos que car(K) = p. Sejaa ∈ K e f = xp − a. Seja L/K finita e α ∈ L tal que f(α) = 0. Logo Pα|K | f epelo mesmo argumento anterior α ∈ K.

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18. EXTENSOES SEPARAVEIS 135

Definicao 18.7. Seja L/K uma extensao algebrica. Dizemos que α ∈ L einseparavel sobre K, se nao for separavel, i.e., se Pα|K admitir raızes multiplas.

Para provar uma proposicao sobre transitividade de extensoes separaveis, pre-cisamos antes do seguinte resultado sobre extensoes de homomorfismos.

Proposicao 18.8. Seja L/K uma extensao finita, digamos L = K[α1, · · · , αr].Seja Ω um corpo algebricamente fechado e κ : K → Ω um homomorfismo nao trivial(logo necessariamente injetivo) de corpos, onde Ω e algebricamente fechado. Sejam o numero de extensoes λ : L → Ω de κ a L (ver capıtulo anterior). Entao1 ≤ m ≤ [L : K].

Alem disto as seguintes condicoes sao equivalentes:(i) m = [L : K].(ii) α1, · · · , αr sao separaveis sobre K.(iii) L/K e separavel.

Demonstracao. Provaremos inicialmente a proposicao para r = 1. Sejamα1 = β1, · · · , βn as raızes de Pα1|K . Se λ e uma extensao de κ a L, entao λ(α1)e necessariamente uma raiz de Pα1|K , uma vez que este polinomio e invariante porκ. Assim, o numero de extensoes λ e igual ao numero de raızes distintas de Pα1|K .Este numero e no maximo igual a grau(Pα1|K) = [L : K]. Alem disto, m ≥ 1,pois provamos no capıtulo anterior a existencia de extensoes λ de κ, se L/K foralgebrica.

Observe que m = [L : K] se e somente se o numero de raızes distintas de Pα1|Kfor igual a [L : K] = grau(Pα1|K). Isto equivale a Pα1|K ser separavel. Assim, ascondicoes (i) e (ii) sao equivalentes. E claro que (iii) implica (ii). Suponha que L/Kseja inseparavel, digamos que γ ∈ L seja inseparavel sobre K. Pela equivalenciaentre (i) e (ii) concluimos que o numero de extensoes κγ de κ a K[γ] e estritamenteinferior a [K[γ] : K]. Por outro lado, pela primeira parte, cada κγ possui no maximo[L : K[γ]] extensoes a L. Dessa forma, o numero de extensoes de κ a L e menorque [L : K], ou seja, (i) implica (iii).

Para provar o caso geral, para qualquer r, lembremos que existe uma sequenciafinita de extensoes

K = K0 ⊂ K1 = K0[α1] ⊂ K2 = K1[α2] ⊂ · · ·⊂ Kr = Kr−1[αr] = K[α1, · · · , αr] = L.

Pela primeira parte, o numero de extensoes κ1 de κ a K1 e no maximo [K1 : K], onumero de extensoes de κ1 a K2 e no maximo [K2 : K1], etc. Portanto, o numerode extensoes de κ a L e no maximo igual a

[K1 : K][K2 : K1] . . . [Kr : Kr−1] = [L : K].

Como anteriormente (iii) implica (ii). Suponha (ii). Entao cada αi e separaveltambem sobre Ki−1. A fortiori, pela primeira parte, o numero de extensoes de κi−1

a Ki e igual a [Ki : Ki−1]. Aplicando a multiplicativade dos graus concluimos quem = [L : K]. Finalmente, a prova que (i) implica (iii) e identica a da primeiraparte.

Corolario 18.9. Sejam L/K uma extensao algebrica e M um subconjunto deL. Se todo α ∈M for separavel sobre K, entao K[M]/K e separavel.

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136 18. EXTENSOES SEPARAVEIS

Demonstracao. Basta observar que

K[M] =⋃F∈C

K[F],

onde F percorre o conjunto C de subconjuntos finitos de M, e aplicar a proposicaoanterior.

Teorema 18.10. Sejam L/K e M/L extensoes algebricas. Entao M/K eseparavel se e somente se M/L e L/K o forem.

Demonstracao. E claro que se M/K for separavel, entao M/L e L/K tam-bem o sao. Provemos a recıproca. Seja α ∈M e

Pα|L = xn + an−1xn−1 + . . .+ a0.

Seja L := K[a0, · · · , an−1]. Entao Pα|L ∈ L[x] e α e separavel sobre L. Como cadaai ∈ L e L/K e separavel, pela proposicao 18.8 L/K tambem e separavel. Alemdisto, pelo observado acima e pela proposicao 18.8 obtemos que L[α]/L tambem eseparavel.

Seja κ : K → Ω um homorfismo nao trivial de corpos, com Ω algebricamentefechado. O numero de extensoes κL de κ a L e igual a [L : K]. Alem disto, paracada κL o numero de extensoes deste homomorfismo a L[α] e igual a [L[α] : L].Portanto, o numero de extensoes de κ a L[α] e igual a

[L : K][L[α] : L] = [L[α] : K].

Novamente, aplicando a proposicao 18.8 concluimos que L[α]/K e separavel, assimα e separavel sobre K.

Definicao 18.11. Seja L/K uma extensao algebrica e Ω um corpo algebri-camente fechado. Denotamos por HomK(L,Ω) o conjunto dos homomorfismos decorpos λ : L→ Ω tais que λ|K = id. Sao chamados K-homomorfismos de L em Ω.

O seguinte resultado e uma consequencia imediata da proposicao 18.8.

Teorema 18.12. Seja L/K uma extensao finita. Entao

# HomK(L,Ω) ≤ [L : K].

Alem disto, vale a igualdade se e somente se L/K for separavel.

Definicao 18.13. Seja L/K uma extensao algebrica. Definimos o fecho sepa-ravel SL(K) de K em L por

SL(K) := α ∈ L |α e separavel sobre K.

E claro que K ⊂ SL(K). Fica como exercıcio provar que SL(K) e um subcorpo deK (utilize a transitividade de extensoes separaveis provada acima).

Definicao 18.14. Seja L/K uma extensao de corpos. Dizemos que α e umelemento primitivo de L/K se L = K[α]. Neste caso, dizemos que L/K e umaextensao simples.

Teorema 18.15 (teorema do elemento primitivo). Suponha que K seja umcorpo infinito. Seja L/K uma extensao finita e separavel. Entao L/K e simples,i.e., existe α ∈ L elemento primitivo de L/K.

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18.1. CORPOS FINITOS 137

Demonstracao. Observemos inicialmente que basta supor que L seja geradopor 2 elementos α, β, digamos L = K[α, β]. De fato, sendo L/K finita, sabemosque L e da forma L = K[α1, · · · , αr]. Suponha o resultado provado para extensoesgeradas por 2 elementos. Assim, existe β1 ∈ K2 = K1[α1] = K[α1, α2] tal que K2 =K[β1]. Pelo mesmo argumento, existe β2 ∈ K3 tal que K3 = K[β1, α3] = K[β2].Repetindo sucessivamente o argumento, concluimos que L = Kr = K[βr−1].

Sejam

f := Pα|K = (x− α) . . . (x− αn) e g := Pβ|K = (x− β) . . . (x− βm).

Seja c ∈ K e γ := α + cβ. Consideremos os corpos K ⊂ F = K[γ] ⊂ L =K[α, β]. Provaremos que L = F para uma escolha generica de c ∈ K. Sejah(x) := f(γ− cx) ∈ F [x]. Observe que h(β) = 0. Portanto, x−β divide h em L[x].Seja M/L uma extensao finita contendo todas as raızes de f e g. Mostraremos quemdcM [x](h, g) = x− β.

Observemos inicialmente que algum βj e raiz de f (com j > 1) se e somente se

γ − cβj = α+ c(β − βj) = αi,

para algum i. Ou equivalentemente, se e somente se

(18.1) c =αi − αβ − βj

.

Note que o conjunto destas fracoes com j percorrendo 2, · · · ,m e i percorrendo1, · · · , n e finito. Como o corpo K e infinito, podemos sempre escolher c ∈ Kdiferente de todas estas fracoes. Em outras palavras a unica raiz comum de h e ge β, daı segue o resultado sobre o mdc.

Mas o mdc nao depende do corpo no qual estamos considerando, pela unicidadedo resto no algoritmo de divisao de polinomios. Dessa forma, como g, h ∈ F [x]concluimos que β ∈ F . Portanto, por construcao α ∈ F e L = F .

Observacao 18.16. No proximo capıtulo daremos uma prova intrınseca doteorema do elemento primitivo para corpos finitos. Observe tambem que na provado teorema do elemento primitivo, se nos restringirmos a corpos L da formaK[α, β],nao precisamos supor que L/K seja separavel. Basta que β seja separavel sobre K,uma vez que isto garante que os denominadores de (18.1) sejam todos nao nulos.

18.1. Corpos Finitos

Dado um inteiro n ≥ 1 sabemos que o anel quociente Z/nZ e um corpo se esomente se n = p for um numero primo. Este e o primeiro exemplo de um corpofinito que sera denotado por Fp. Uma maneira natural de definir corpos finitose tomar f ∈ Fp[x] irredutıvel e lembrar que o anel quociente Fp[x]/(f) e nestecaso um corpo. Este corpo tambem pode ser escrito como Fp[α] para raiz α de fem alguma extensao finita l de Fp. Alem disto, [Fp[α] : Fp] = grau(f) digamosn. Assim, como Fp espaco vetorial Fp[α] e isomorfo a Fn

p portanto e um corpo deq = pn elementos. Estes corpos sao caracterizados pelo seguinte teorema.

Teorema 18.17. (a) Para todo n ≥ 1 inteiro existe um corpo finito Fq deq = pn elementos dado pelo conjunto das raızes Rxq−x de xq−x em algumcorpo algebricamente fechado Ω contendo Fp. Alem disto este polinomioe separavel.

(b) O corpo Fq e unico a menos de isomorfismo.

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138 18. EXTENSOES SEPARAVEIS

(c) O grupo multiplicativo F∗q = Fq \ 0 e um grupo cıclico.(d) Os fatores irredutıveis monicos de xq − x sao exatamente os polinomios

irredutıveis monicos f ∈ Fp[x] tais que grau(f) | n.(e) Se q′ = pm, entao Fq′ ⊂ Fq se e somente se q′ | q.

Demonstracao. (a) Sabemos que existe uma extensao finita L de Fp tal quef fatora-se linearmente em L[x]. Seja Fq := Rxq−x ⊂ L. Afirmamos que Fq eum subcorpo de L. De fato, se a, b ∈ Fq, entao (a + b)q = aq + bq = a + b,logo a + b ∈ Fq. Alem disto (ab)q = aqbq = ab, logo ab ∈ Fq. E se a ∈ F∗q ,entao (a−1)q = (aq)−1 = a−1, logo a−1 ∈ Fq. Alem disto, como D(xq − x) = −1,concluimos que xq−x e separavel. O ıtem (b) segue da unicidade de fecho algebricoa menos de isomorfismo.

O item (c) segue imediatamente do seguinte lema.

Lema 18.18. Seja K um corpo e G ⊂ K∗ um subgrupo finito. Entao G ecıclico.

Demonstracao. Como G e finito, entao seu expoente exp(G) tambem o e(veja definicao 9.33). Digamos que n = exp(G). Isto significa que para todo a ∈ G,temos an = 1, ou seja, G ⊂Wn(K) := α ∈ K |αn = 1. Mas este e o conjunto dasraızes de xn − 1 que tem cardinalidade no maximo n. Portanto, #G ≤ n, como adesigualdade contraria vale em geral, temos que |G| = exp(G) = n. Pela proposicao9.36, concluimos que G e cıclico.

Para provar os ıtens (d) e (e) precisamos de um lema adicional.

Lema 18.19. Seja q′ := pm tal que n = mk. Entao xq′ − x divide xq − x.

Demonstracao. Recordemos a fatoracao

yd − 1 = (y − 1)(yd−1 + . . .+ y + 1).

Tomemos y = q′ e d = k, assim q′−1 divide (q′)k−1 = q−1. Tomando y = xq′−1 ed = (q−1)/(q′−1) obtemos que xq′−1−1 divide (xq′−1)(q−1)/(q′−1)−1 = xq−1−1,multiplicando por x concluimos que xq′ − x divide xq − x.

Suite da prova do teorema. (d) Seja f um fator irredutıvel monico de xq−x. Entao existe α ∈ Fq tal que f = Pα|Fp

. Neste caso, Fq ⊃ Fp[α] ⊃ Fp e como[Fp[α] : Fp] = grau(Pα|Fp

) concluimos que grau(f) | n.Reciprocamente, se f ∈ Fp[x] e irredutıvel monico de grau m | n, entao existe

uma extensao finita L de Fp e α ∈ L tal que f = Pα|Fp. Neste caso, Fp[α] = Fq′ ,

onde q′ = pm. Como m | n, (xq′ − x) | (xq − x), em particular Rxq′−x = Fq′ ⊂Rxq−x = Fq. Logo α e raiz de xq − x, assim f = Pα|Fp

| (xq − x).(e) Suponhamos que m | n. Pelo lema anterior, (xq′ − x) | (xq − x), logo

Rxq′−x = Fq′ ⊂ Rxq−x = Fq. Reciprocamente, se Fq′ ⊂ Fq, entao [Fq : Fp] = n =[Fq : Fq′ ][Fq′ : Fp] = [Fq : Fq′ ]m, assim m | n.

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CAPıTULO 19

Extensoes puramente inseparaveis

Ao longo de todo este capıtulo K sera um corpo de caracterıstica prima p.Sabemos que se L/K for uma extensao e α ∈ AL(K), entao Pα|K e separavel ouexiste h1 ∈ K[x] tal que Pα|K(x) = h1(xp). Note que h1(x) e monico e irredutıvel,na verdade coincide com Pαp|K . Assim, podemos repetir o argumento para h1.Pela finitude do grau de Pα|K , concluimos que existe um e ≥ 0 inteiro maximo ePα|K ∈ K[x] tal que

Pα|K(x) = Pα|K(xpe

).Este inteiro e e dito o expoente de Pα|K .

O anel K[x] e fatorial, logo similarmente, podemos definir para todo f ∈ K[x]\K o maior inteiro e ≥ 0 tal que

f(x) = f(xpe

),

para um unico f ∈ K[x]. Novamente e e dito o expoente de f . Observamos que fe separavel se e somente se e = 0.

Definicao 19.1. Um polinomio f ∈ K[x] \K e dito puramente inseparavel sef(x) = xpe − a para algum e ≥ 0 e a ∈ K. Note que neste caso f = x− a. Observetambem que se α for uma raiz de f em uma extensao finita L/K entao

f(x) = (x− α)pe

.

Ou seja, um polinomio puramente inseparavel possui uma unica raiz em um fechoalgebrico de K. Neste sentido um polinomio puramente inseparavel e o extremooposto de um polinomio separavel.

Definicao 19.2. Seja L/K uma extensao de corpos e α ∈ L algebrico sobreK. Dizemos que α e puramente inseparavel sobre K se for raiz de algum f ∈ K[x]\K puramente inseparavel. Observe que todo elemento de K e simultaneamenteseparavel e puramente inseparavel sobre K. Dizemos que uma extensao algebricaL/K e puramente inseparavel se todo α ∈ L for puramente inseparavel sobre K.

Lema 19.3. Seja L/K extensao e α ∈ AL(K). Entao α e puramente in-separavel sobre K se e somente se Pα|K for puramente inseparavel.

Demonstracao. Se Pα|K for puramente inseparavel nada ha a fazer. Supon-hamos que α seja puramente inseparavel sobre K. Ou seja, existe e ≥ 0 tal queα e raiz de xpe − a para algum a ∈ K. Suponha e mınimo para esta propriedade.Neste caso, xpe − a e irredutıvel, coincidindo portanto com Pα|K .

Teorema 19.4. Seja L/K algebrica, digamos L = K[M]. Sejam Ω um corpoalgebricamente fechado e κ : K → Ω um homomorfismo nao trivial de corpos. Asseguintes condicoes sao equivalentes:

139

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140 19. EXTENSOES PURAMENTE INSEPARAVEIS

(i) Existe uma unica extensao λ : L→ Ω de κ a L.(ii) Todo elemento de M e puramente inseparavel sobre K.(iii) L/K e puramente inseparavel.

Demonstracao. Suponha (ii). Sabemos que existe um homomorfismo λ :L→ Ω estendendo κ. Alem disto para todo α ∈M temos que β := λ(α) e uma raizde κ∗(Pα|K). Como Pα|K e puramente inseparavel, o mesmo vale para κ∗(Pα|K).Logo β fica univocamente detereminado, portanto λ e unico.

Suponha que L/K nao seja puramente inseparavel, i.e., existe α ∈ L talque Pα|K e puramente inseparavel. Logo κ∗(Pα|K) tambem nao e puramente in-separavel. Portanto possui pelo menos duas raızes distintas digamos α1 6= β1.Assim, existem pelo menos duas opcoes para λ, ou λ(alpha) = α1 ou λ(α) = β1.Isto mostra que (i) implica (iii). E imediato que (iii) implica (ii).

Proposicao 19.5. Sejam L/K e M/L extensoes algebricas. Entao M/K epuramente inseparavel se e somente se M/L e L/K forem puramente inseparaveis.

Demonstracao. Suponha que M/K seja puramente inseparavel. Entao au-tomaticamente L/K e puramente inseparavel. Alem disto, como K ⊂ L, seαpe ∈ K ⊂ L, entao M/L e puramente inseparavel.

Reciprocamente, suponha que M/L e L/K sejam puramente inseparaveis. Da-do α ∈M temos que existe e ≥ 0 tal que αpe ∈ L. Por outro lado, existe f ≥ 0 talque (αpe

)pf ∈ K, i.e., αpe+f ∈ K e α e puramente inseparavel sobre K.

Definicao 19.6. Seja L/K uma extensao algebrica. Definimos o fecho pura-mente inseparavel de K em L por

PL(K) := α ∈ L |α e puramente inseparavel sobre K.

Deixamos a cargo do leitor verificar que isto e um subcorpo de L contendo K.

Observacao 19.7. Lembre que o fecho separavel SL(K) de K em L e definidosimilarmente como o conjunto dos elementos de L separaveis sobre K. Assim,PL(K) ∩ SL(K) = K.

Proposicao 19.8. Seja L/K uma extensao algebrica. Entao L/SL(K) e pu-ramente inseparavel.

Demonstracao. Seja α ∈ L. Seja e o expoente de Pα|K . Assim Pα|K(x) =h1(xpe

) com h1 ∈ K[x] separavel. Em particular, αpe

como raiz de h1 pertence aSL(K).

Observacao 19.9. Note que a proposicao diz que qualquer extensao algebricaL/K pode ser decomposta em dois pedacos, L/SL(K), puramente inseparavel, eSL(K)/K separavel.

Definicao 19.10. Seja L/K uma extensao algebrica. Se SL(K) = K dizemosque K e separavelmente fechado em L.

Definicao 19.11. Seja L/K uma extensao finita. O grau de separabilidade[L : K]s de L/K e definido por [SL(K) : K], e o grau de inseparabilidade [L : K]ide L/k e definido por [L : SL(K)].

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19. EXTENSOES PURAMENTE INSEPARAVEIS 141

Proposicao 19.12. Seja L/K finita puramente inseparavel, entao [L : K] epotencia de p.

Demonstracao. Sejam α1, · · · , αr geradores de L sobre K e para todo i sejaKi := Ki−1[αi]. Como cada αi e puramente inseparavel sobre K, ele tambem o esobre Ki−1. Assim, [Ki : Ki−1] e potencia de p, pois e igual ao grau de Pαi|Ki−1

que e puramente inseparavel. A fortiori, [L : K] e potencia de p.

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CAPıTULO 20

Corpos de decomposicao e extensoes normais

Definicao 20.1. Seja K um corpo e f ∈ K[x] \K. Seja Ω um corpo algebri-camente fechado com Ω ⊃ K. Seja Rf := α ∈ Ω | f(α) = 0 = α1, · · · , αn. Ocorpo de decomposicao K[Rf ] de f com relacao a K e a extensao finita K[α1, · · · ,αn] gerada sobre K por α1, · · · , αn. Observemos que este e o menor subcorpode Ω contendo K e Rf . De fato, qualquer outro subcorpo contendo K e Rf nec-essariamente contem K(Rf ), pois os elemento deste sao polinomios nos αi’s comcoeficientes em K. Uma extensao algebrica L/K e dita normal, se para todo α ∈ L,RPα|K ⊂ L.

Observacao 20.2. Note que a nocao de corpo de decomposicao a priori depen-deria do corpo Ω. Novamente, com o mesmo argumento que utilizado para provara unicidade de fecho algebrico a menos de isomorfismo, observamos que se R′f for oconjunto de raızes de f em um outro corpo algebricamente fechado Ω′ ⊃ K, entaoK[R′f ] e K[Rf ] sao K-isomorfos.

Observacao 20.3. Se F ⊂ K[x] \K for uma famılia de polinomios, definimosda mesma forma o conjunto

RF :=⋃f∈F

Rf

e denotamos por K[RF] o corpo de decomposicao da famılia em Ω. Este nada maise que o compositum dos corpos K[Rf ] para f ∈ F.

Proposicao 20.4. Uma extensao algebrica L/K e normal se e somente se paratodo f ∈ K[x] irredutıvel temos Rf ⊂ L ou Rf ∩ L = ∅.

Demonstracao. Suponha que L/K seja normal. Seja f ∈ K[x] irredutıveltal que Rf ∩L 6= ∅. Seja α ∈ L∩Rf . Entao existe a ∈ K∗ tal que f = aPα|K . Porhipotese, RPα|K ⊂ L, mas Rf = RPα|K .

Reciprocamente, suponha que para todo f ∈ K[x] irredutıvel Rf ⊂ L ouRf ∩ L = ∅. Seja α ∈ L. Entao RPα|K ∩ L 6= ∅, portanto RPα|K ⊂ L.

Exemplo 20.5. Considere f = x3− 2 ∈ Q[x]. Seja z = e2πi/3. Entao Rx3−2 = 3√

2, 3√

2z, 3√

2z2 ⊂ C. Desta forma, Q(Rx3−2) ⊂ Q[ 3√

2, z]. Mas z = ( 3√

2z)/ 3√

2 ∈Q(Rx3−2). Logo Q(Rx3−2) = Q[ 3

√2, z]. Pelo mesmo argumento, Q(Rx4−5) =

Q[ 4√

5, i].

Proposicao 20.6. Seja L/K uma extensao tal que [L : K] = 2. Entao L/K enormal.

Demonstracao. Seja α ∈ L. Se α ∈ K, entao Pα|K = x − α e RPα|K =α ⊂ K ⊂ L. Caso contrario, em L[x] temos Pα|K = (x − α)g(x) para g ∈ L[x]monico de grau 1, assim g(x) = x− β, logo RPα|K = α, β ⊂ L.

143

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144 20. CORPOS DE DECOMPOSICAO E EXTENSOES NORMAIS

Observacao 20.7. Note que em uma extensao normal L/K para todo α ∈ L,Pα|K fatora-se linearmente em L[x].

Definicao 20.8. Seja L/K uma extensao de corpos, Ω um corpo algebri-camente fechado contendo K e HomK(L,Ω) o conjunto dos K-homomorfismosϕ : L→ Ω. Denotamos por Aut(L/K) ao conjunto dos K-automorfismos de L, i.e.,o conjunto dos automorfismos σ : L→ L de L tais que σ|K = idK .

Observacao 20.9. Ao contrario das extensoes finitas, algebricas e separaveis,nao vale transitividade para extensoes normais. De fato, se L = Q[ 3

√2, z] =

Q(Rx3−2), entao L/Q e normal (pelo teorema). A extensao L/Q[ 3√

2] e normal,pois seu grau e 2. Mas a extensao Q[ 3

√2]/Q nao e normal, pois x3− 2 tem tambem

como raızes 3√

2z e 3√

2z2 e este numeros sao numeros complexos conjugados, en-quanto Q[ 3

√2] ⊂ R.

Consideremos agora a extensao Q[ 4√

5]/Q. Ela tem grau 4, pois x4 − 5 eirredutıvel sobre Q (criterio de Eisenstein para p = 5). Assim, as extensoesQ[ 4√

5]/Q[√

5] e Q[√

5]/Q tem grau 2, portanto sao normais. Mas a extensaoQ[ 4√

5]/Q nao o e, pois x4 − 5 tem tambem como raızes ± 4√

5i e estes sao numeroscomplexos conjugados, enquanto Q[ 4

√5] ⊂ R.

O lema a seguir permite-nos definir o fecho normal de uma extensao L/K.

Lema 20.10. Sejam K ⊂ Ω corpos com Ω algebricamente fechado. Seja N oconjunto dos subcorpos de Ω normais sobre K. Entao a extensao( ⋂

N∈N

N

)/K

e normal.

Demonstracao. Seja α ∈⋂

N∈NN . Como α ∈ N e N/K e normal, con-cluimos que RPα|K ⊂ N , para todo N ∈ N.

Definicao 20.11. Sejam K ⊂ L ⊂ Ω corpos com Ω algebricamente fechado.Seja NL o conjunto de subcorpos N de Ω contendo L tais que N/K seja normal.O corpo

NΩ(L/K) :=⋂

N∈NL

N

e chamado o fecho normal da extensao L/K em Ω. Segue da definicao queNΩ(L/K)e o menor subcorpo de Ω contendo L que e normal sobre K.

Caracterizaremos agora extensoes normais como sendo corpos de decomposicaode uma famılia de polinomios. Disto seguira que no caso particular de extensoesnormais finitas, estas podem ser caracterizadas como corpos de decomposicao deapenas um polinomio.

Teorema 20.12. Sejam K ⊂ Ω corpos com Ω algebricamente fechado. SejaL/K uma extensao algebrica contida em Ω. As seguintes condicoes sao equivalentes:

(i) L/K e normal.(ii) Existe uma famılia F ⊂ K[x] \K tal que L = K[RF].(iii) HomK(L,Ω) = Aut(L/K).

A famılia F e descrita como Pα|K |α ∈M, onde M ⊂ L e tal que L = K[M].

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20. CORPOS DE DECOMPOSICAO E EXTENSOES NORMAIS 145

Demonstracao. Suponha (i) e seja F como acima. Para todo α ∈ M, umavez que L/K e normal, RPα|K ⊂ L. A fortiori, K[RF] ⊂ L. Por outro lado,L = K[M] ⊂ K[RF] ⊂ L, logo vale (ii).

Suponha (ii). Observe que temos sempre a inclusao Aut(L/K) ⊂ HomK(L,Ω).Seja σ ∈ HomK(L,Ω). Para todo f ∈ F temos que σ(Rf ) ⊂ Rf , em particularσ(L) ⊂ L. A igualdade segue da proposicao 17.30.

Suponha (iii). Sejam α ∈ L e β ∈ RPα|K . Logo Pβ|K = Pα|K . Pelo corolario17.28 existe um K-isomorfismo θ : K[α] → K[β] ⊂ Ω tal que θ(α) = β. Comoβ ∈ L e L/K e algebrica, existe um K-homomorfismo λ : L→ Ω tal que λK[α] = θ.Por (iii) temos entao β = λ(α) ∈ L. Assim, RPα|K ⊂ L e L/K e normal.

Corolario 20.13. Sejam L/K uma extensao algebrica, M e F como no teo-rema. Entao K[RF] e o fecho normal de L/K em Ω.

Demonstracao. E claro que K ⊂ L ⊂ K[RF], e pelo teorema K[RF]/K enormal. Por outro lado para todo subcorpo N de Ω contendo L e normal sobre Ke para todo α ∈M temos RPα|K ⊂ N , portanto K[RF] ⊂ N .

Corolario 20.14. Seja L/K uma extensao finita, digamos L = K[α1, · · · , αr].Seja

P := Pα1|K . . . Pαr|K .

Entao K[RP ] e o fecho normal de L/K em Ω.

Corolario 20.15. Seja L/K uma extensao finita. As seguintes condicoes saoequivalentes.

(1) L/K e normal.(2) Existe f ∈ K[x] \K tal que L = K[Rf ].(3) HomK(L,Ω) = Aut(L/K).

Reunindo as informacoes deste capıtulo e do anterior obtemos o seguinte teo-rema.

Teorema 20.16. Seja L/K uma extensao finita e Ω um corpo algebricamentefechado contendo K.

(1) # HomK(L,Ω) ≤ [L : K] e vale a igualdade se e somente se L/K eseparavel.

(2) # Aut(L/K) ≤ # HomK(L,Ω) e vale a igualdade se e somente se L/K enormal.

(3) # Aut(L/K) ≤ [L : K] e vale a igualdade se e somente se L/K e separavele normal.

No proximo capıtulo definiremos extensoes finitas separaveis e normais comoextensoes galoisianas.

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146 20. CORPOS DE DECOMPOSICAO E EXTENSOES NORMAIS

20.1. Exemplos

Exemplo 20.17. Seja f = x3 − 2 ∈ Q[x]. Considere o diagrama de corpos

Q[ 3√

2, z] = Q[Rf ]

/ \

Q[ 3√

2] Q[z]

\ /

Q

A extensao Q[ 3√

2]/Q tem grau 2 pois x3 − 2 e irredutıvel em Q[x] pelo criteriode Eisenstein com p = 2. A extensao Q[z]/Q tem grau 2, pois o polinomio mınimode z sobre Q e x2 + x + 1. As raızes deste polinomio sao z e z2 que sao numeroscomplexos, um conjugado do outro. Como Q[ 3

√2] ⊂ R, x2 + x + 1 e irredutıvel

sobre Q[ 3√

2], portanto

[Q[ 3√

2, z] : Q[ 3√

2]] = 2 e [Q(Rx3−2) : Q] = 6.

Assim # Gal(Q(Rx3−2)/Q) = 6. Um grupo de ordem 6 gerado por dois elementosσ e τ com σ de ordem 3 e τ de ordem 2 satisfazendo a

τσ = σ2τ

e isomorfo ao grupo S3 das permutacoes de 3 elementos que e dado explicitamentepor

id, σ, σ2, τ, στ, σ2τ.

Vamos mostrar que este e o grupo de Galois G = Gal(Q(Rx3−2)/Q).Como 1, 3

√2, 3√

22, z, z 3√

2, z 3√

2 e uma base deQ(Rx3−2) comoQ-espaco vetorial,para obter um elemento de G basta calcula-lo em 3

√2 e z. Observemos que dado

ϕ ∈ G, entao

ϕ( 3√

2)3 = ϕ( 3√

23) = ϕ(2) = 2,

logo ϕ( 3√

2) ∈ 3√

2zi | para i = 0, 1, 2. Da mesma forma ϕ(z) ∈ z, z2.Definimos σ por

σ( 3√

2) := 3√

2z e σ(z) := z e

τ por τ( 3√

2) := 3√

2 e τ(z) := z.

Observemos que σ e τ satisfazem a condicao acima. De fato, σ2( 3√

2) = σ( 3√

2z) =3√

2z2 e σ2(z) = z; σ3( 3√

2) = σ( 3√

2z2) = 3√

2 e σ3(z) = z; τ2( 3√

2) = 3√

2 eτ(z) = z4 = z; τσ( 3

√2) = τ( 3

√2z) = 3

√2z2 e τσ(z) = τ(z) = z2; σ2τ( 3

√2) =

σ2( 3√

2) = 3√

2z2 e σ 2τ(z) = σ2(z2) = z2.Finalmente, note que o subgrupo de Aut(Q[Rf ]/Q) gerado por σ e τ tem ordem

6, logo deve ser todo o grupo.

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20.1. EXEMPLOS 147

Exemplo 20.18. Seja f = x4 − 5 ∈ Q[x] e K = Q(Rx4−5) = Q[ 4√

5, i]. Con-sidere o diagrama de corpos

Q[ 4√

5, i] = Q[Rf ]

/ \

Q[ 4√

5] Q[i]

\ /

QNote que [Q[ 4

√5] : Q] = 4, pois x4 − 5 e irredutıvem em Q[x] pelo criterio de

Eisenstein para p = 5, [Q[i] : Q] = 2, pois x2 + 1 e irredutıvel em Q[x], suas raızessao ±i, assim, uma vez que Q[ 4

√5] ⊂ R, temos que x2 + 1 e tambem irredutıvel

sobre Q[ 4√

5][x], portanto [K : Q] = 8 = # Gal(K/Q). Um grupo de ordem 8 geradopor 2 elementos σ de ordem 4 e τ de ordem 2 tal que

τσ = σ3τ

e isomorfo ao grupo diedral de ordem 4, D4 que e dado explicitamente por

id, σ, σ2, σ3, τ, στ, σ2τ, σ3τ.Vamos mostrar que este e o grupo de Galois G = Gal(K/Q).

Como 1, 4√

5, 4√

52, 4√

53, i, 4√

5i, 4√

52i, 4√

53i formam uma base de K como Q-

espaco vetorial, para obter um elemento de G basta calcula-lo em 4√

5 e i. Ob-servemos que dado ϕ ∈ G, ϕ( 4

√5) ∈ ± 4

√5,± 4√

5i e ϕ(i) ∈ ±i.Definimos σ por

σ( 4√

5) := 4√

5i e σ(i) := i e

τ por τ( 4√

5) := 4√

5 e τ(i) := −i.

Observemos que σ e τ satisfazem a condicao acima. De fato, σ2( 4√

5) = σ( 4√

5i) =− 4√

5 e σ2(i) = i; σ3( 4√

5) = σ(− 4√

5) = − 4√

5i e σ3(i) = i; σ4( 4√

5) = σ(− 4√

5i) = 4√

5e σ4(i) = i; τ2( 4

√5) = 4

√5 e τ2(i) = τ(−i) = i; τσ( 4

√5) = τ( 4

√5i) = − 4

√5i e

τσ(i) = τ(i) = −i; σ3τ( 4√

5) = σ3( 4√

5) = − 4√

5i e σ3τ(i) = σ3(−i) = −i.Finalmente, o subgrupo de Aut(Q[Rf ]/Q) gerado por σ e τ tem ordem 8, logo

e todo o grupo.

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CAPıTULO 21

Teoria de Galois

21.1. Correspondencia de Galois

Definicao 21.1. Seja N/K uma extensao finita, G = Aut(N/K), K o conjuntodos subcorpos L de N contendo K e G o conjunto dos subgrupos H de G. Definimosduas funcoes:

γ : K → G dada por γ(L) := Aut(N/L) e

κ : G → K dada por κ(H) := NH := α ∈ N | τ(α) = α para todo τ ∈ H.

Verifiquemos que NH e de fato um subcorpo de N , e claro que K ⊂ NH . De fato,como τ e um homomorfismo temos que τ(α+ β) = τ(α) + τ(β) = α+ β. O mesmovale para o produto. Alem disto, τ(α−1) = τ(α)−1 = α−1. O par de funcoes γ, κe chamado uma conexao de Galois.

Este par satisfaz as seguintes propriedades.

Proposicao 21.2. (1) Se L1 ⊂ L2, entao γ(L1) ⊃ γ(L2).(2) Se H1 ⊂ H2, entao κ(H1) ⊃ κ(H2).(3) L ⊂ κ γ(L).(4) H ⊂ γ κ(H).

Alem disto, denotando por K∗ a imagem de κ e G∗ a imagem de γtemos tambem as seguintes propriedades.

(5) L ∈ K∗ se e somente se L = κ γ(L).(6) H ∈ G∗ se e somente se H = γ κ(H). Como consequencia destes ultimos

2 itens temos imediatamente que(7) γ κ γ = γ.(8) κγκ = κ. Em particular, γ, κ induzem uma bijecao entre os conjuntosK∗ e γ∗.

Demonstracao. (1) Seja τ ∈ γ(L2), entao para todo α ∈ L2, τα = α,em particular o mesmo vale para todo α ∈ L1, logo τ ∈ γ(L1).

(2) Seja α ∈ κ(H2), logo para todo τ ∈ H2, τα = α, em particular o mesmovale para todo τ ∈ H1, logo α ∈ κ(H1).

(3) E claro que para todo α ∈ L e para todo τ ∈ Aut(N/L) temos τα = α,assim α ∈ κ γ(L).

(4) E claro que para todo τ ∈ H e α ∈ κ(H) temos que τα = α, portanto,τ ∈ γ κ(H).

(5) E claro que se L = κ γ(L), entao L ∈ K∗. Por outro lado, se L ∈ K∗,digamos L = κ(H), entao, como H ⊂ γ κ(H), temos que L = κ(H) ⊃κ γ κ(H) = κ γ(L).

149

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150 21. TEORIA DE GALOIS

(6) E claro que se H = γ κ(H), entao H ∈ G∗. Por outro lado, se H ∈ G∗,digamos H = γ(L), entao, como L ⊂ κ γ(L), temos que H = γ(L) ⊃γ κ γ(L) = γ κ(H).

Definicao 21.3. Dizemos que a restricao de uma conexao de Galois γ, κ aosconjuntos K∗ e G∗ e uma correspondencia de Galois. Uma extensao finita L/K edita galoisiana se for separavel e normal.

Teorema 21.4 (teorema de Artin). Dado H ∈ G temos que N/NH e ga-loisiana, [N : NH ] = #H e H = Aut(N/NH) = γ κ(H).

Demonstracao. Seja α ∈ N e Cα = τα | τ ∈ H o conjunto dos elementosH-conjugados a α. Note que #Cα ≤ |H|. Seja

fα :=∏

β∈Cα

(x− β).

Observemos que para todo τ ∈ H, τ|Cαe uma permutacao de Cα (uma vez que τ

e injetivo, Cα e finito e τ(Cα) ⊂ Cα). Portanto, fα ∈ NH [x]. Por construcao fα eseparavel, portanto α e separavel sobre NH .

Assim, para provar que N/NH e normal, basta mostrar que

# Aut(N/NH) = [N : NH ].

Inicialmente, como H ⊂ Aut(N/NH) temos que

#H ≤ |Aut(N/NH)| ≤ [N : NH ].

Para provar a desigualdade oposta, observe que como N/NH e finita e separavel,pelo teorema do elemento primitivo, existe α ∈ N tal que N = NH(α). Mas nestecaso,

[N : NH ] = grau(Pα|NH ) ≤ grau(fα) ≤ |H|.Portanto,

[N : NH ] = |H| = |Aut(N/NH)| e H = γ κ(H),

pois o primeiro e subgrupo do segundo e ambos tem a mesma ordem.

Proposicao 21.5. Seja L ∈ K. Entao L ∈ K∗ se e somente se N/L forgaloisiana.

Demonstracao. Se L ∈ K∗, o teorema de Artin garante queN/L e galoisiana.Reciprocamente, suponha que N/L seja galoisisana. Logo |Aut(N/L)| = [N : L].Por outro lado, L ⊂ κ γ(L) ⊂ N e pelo teorema de Artin,

[N : κ γ(L)] = [N : NAut(N/L)] = |Aut(N/L)| = [N : L],

portanto L = κ γ(L) ∈ K∗.

Teorema 21.6 (teorema fundamental da teoria de Galois). Seja N/K umaextensao galoisiana finita. Entao γ, κ define uma correspondencia de Galois entreK e G.

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21.1. CORRESPONDENCIA DE GALOIS 151

Demonstracao. Ja provamos anteriormente que se N/K for galoisiana entaoN/L tambem o sera para todo L ∈ K (ver capıtulos de extensoes separaveis enormais). Assim, pela proposicao anterior, κ γ(L) = L. Por outro lado, peloteorema de Artin, γ κ(H) = H.

Calculemos alguns exemplos concretos da correspondencia de Galois.

Exemplo 21.7. Seja K = Q, N = Q[Rx3−2]. Ja provamos anteriormenteque N = Q[ 3

√2, ζ], onde ζ = e2πi/3, [N : Q] = 6 e G = Aut(N/Q) = S3 =

id, σ, σ2, τ, στ, σ2τ com o(σ) = 3, o(τ) = 2 e τσ = σ2τ . Alem disto, σ( 3√

2) =3√

2ζ, σ(ζ) = ζ, τ( 3√

2) = 3√

2 e τ(ζ) = ζ2.Note que N ⊂ Nid ⊂ N , logo Nid = N . Tambem Q ⊂ NG ⊂ N e pela

teoria de Galois [N : NG] = #G = 6, logo Q = NG.Seja H1 = 〈α〉 = id, σ, σ2. Observe que Q[ζ] ⊂ NH1 ⊂ N e que [N : NH1 ] =

#H1 = 3. Como [Q[ζ] : Q] = 2, concluimos que Q[ζ] = NH1 .Seja H2 = 〈τ〉 = id, τ. Entao Q[ 3

√2] ⊂ NH2 ⊂ N , [N : NH2 ] = #H2 = 2.

Como [Q[ 3√

2] : Q] = 3, segue que Q[ 3√

2] = NH2 .Seja H3 = 〈στ〉. Observe que στ( 3

√2) = 3

√2ζ, στ(ζ) = ζ2, logo στ( 3

√2ζ) =

3√

2ζζ2 = 3√

2. Portanto, στ( 3√

2(1 + ζ)) = 3√

2(1 + ζ) = − 3√

2ζ2. Assim, Q[ 3√

2ζ2] ⊂NH3 ⊂ N . Como 3

√2ζ2 e raiz de x3 − 2 e este e irredutıvel sobre Q, segue que

[Q[ 3√

2ζ2] : Q] = 3. Como [N : NH3 ] = #H3 = 2, concluimos que Q[ 3√

2ζ2] = NH3 .Seja H4 = 〈σ2τ〉. Observe que σ2τ( 3

√2) = 3

√2ζ2 e σ2τ(ζ) = ζ2, logo σ2τ( 3

√2ζ2)

= 3√

2ζ2ζ = 3√

2, portanto σ2τ( 3√

2(1+ζ2)) = 3√

2(1+ζ2) = − 3√

2ζ. Assim, Q[ 3√

2ζ] ⊂NH4 ⊂ N , [N : NH4 ] = #H4 = 2 e [Q[ 3

√2ζ] : Q] = 3, portanto Q[ 3

√2ζ] = NH4 .

Exemplo 21.8. Seja K = Q, N = Q[Rx4−3]. Ja provamos anteriormente queN = Q( 4

√3, i), [N : Q] = 8 e G = Aut(N/Q) = D4 = id, σ, σ2, σ3, τ, στ, σ2τ, σ3τ

com o(σ) = 4, o(τ) = 2 e τσ = σ3τ . Alem disto, σ( 4√

3) = 4√

3i, σ(i) = i,τ( 4√

3) = 4√

3 e τ(i) = −i.N ⊂ Nid ⊂ N , N = Nid.Q ⊂ NG ⊂ N , [N : NG] = #G = 8, Q = NG.H1 = 〈σ〉, Q[i] ⊂ NH1 ⊂ N , [N : NH1 ] = #H1 = 4, [Q[i] : Q] = 2, Q[i] = NH1 .H2 = 〈σ2〉, σ2( 4

√3) = − 4

√3, σ2(i) = i, σ2(

√3i) = σ2( 4

√3)2i =

√3i, Q[

√3i] ⊂

NH2 ⊂ N , [N : NH2 ] = #H2 = 2, [Q[√

3i] : Q] = 4 ja que√

3i e raiz de x4 + 3irredutıvel sobre Q, Q[

√3i] = NH2 .

H3 = 〈τ〉, Q[ 4√

3] ⊂ NH3 ⊂ N , [N : NH3 ] = #H3 = 4, [Q[ 4√

3] : Q] = 4,Q[ 4√

3] = NH3 .H4 = 〈στ〉, στ( 4

√3) = 4

√3i, στ(i) = −i, στ( 4

√3i) = 4

√3, στ( 4

√3(1 + i)) =

4√

3(1 + i), 4√

3(1 + i) e raiz de x4 + 12, pelo criterio de Eisenstein para p = 3, estepolinomio e irredutıvel sobre Q, logo [Q[ 4

√3(1+ i)] : Q] = 4, Q[ 4

√3(1+ i)] ⊂ NH4 ⊂

N , [N : NH4 ] = #H4 = 2, Q( 4√

3(1 + i)) = NN4 .H5 = 〈σ2τ〉, σ2τ( 4

√3) = − 4

√3, σ2τ(i) = −i, σ2τ( 4

√3i) = 4

√3i, Q[ 4

√3i] ⊂

NH5 ⊂ N , [N : NH5 ] = #H5 = 2, [Q[ 4√

3i] : Q] = 4, ja que e raiz de x4 − 3,Q[ 4√

3i] = NH5 .H6 = 〈σ3τ〉, σ3τ( 4

√3) = − 4

√3i, σ3τ(i) = −i, σ3τ( 4

√3i) = − 4

√3, σ3τ( 4

√3(1 −

i)) 4√

3(1 − i), 4√

3(1 − i) e raiz de x4 + 12, [Q[ 4√

3(1 − i)] : Q] = 4, Q[ 4√

3(1 − i)] ⊂NH6 ⊂ N , [N : NH6 ] = #H6 = 2.

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152 21. TEORIA DE GALOIS

Finalmente, fica como exercıcio calcular os corpos fixos dos seguintes subgruposde G : 〈σ2, τ〉 e 〈σ2, στ . Ambos tem ordem 4, e esgotam a correspondencia deGalois.

21.2. Extensoes e subgrupos normais

Proposicao 21.9. Seja N/K galoisiana finita, L ∈ K e H ∈ G. Entao

σAut(N/L)σ−1 = Aut(N/σ(L)) e NσHσ−1= σ(NH).

Demonstracao. ComoN/K e galoisiana L = NAut(N/L). Seja τ ∈ Aut(N/L)e α ∈ N , entao στσ−1(σα) = στα = σα, i.e., στσ−1 ∈ Aut(N/σ(L)). Recipro-camente, se τ ∈ Aut(N/σ(L)) e α ∈ N , entao τσα = σα, i.e., σ−1τσα = α, i.e.,σ−1τσ ∈ Aut(N/L), i.e., τ ∈ σAut(N/L)σ−1.

Seja α ∈ NσHσ−1e τ ∈ H, entao στσ−1α = α, i.e., τσ−1α = σ−1α, i.e.,

σ−1α ∈ NH , i.e., α ∈ σ(NH). Reciprocamente, se α ∈ NH e τ ∈ H, entaoστσ−1(σα) = στα = σα, i.e., σα ∈ NσHσ−1

.

Teorema 21.10. Seja N/K galoisiana finita e L ∈ K. Entao L/K e normal(logo galoisiana) se e somente se Aut(N/L) C Aut(N/K). Neste caso

Aut(N/K)/Aut(N/L) ∼= Aut(L/K).

Demonstracao. Suponha que L/K seja normal. Dado σ ∈ Aut(N/L) eΩ ⊃ N algebricamente fechado, entao σ|L : L→ N ⊂ Ω e um K-homomorfismo (jaque L ⊃ K), portanto σ(L) = L e σ|L ∈ Aut(L/K). Neste caso, pela proposicaoanterior,

σAut(N/L)σ−1 = Aut(N/σ(L)) = Aut(N/L), i.e., Aut(N/L) C Aut(N/K).

Reciprocamente, se Aut(N/L) C Aut(N/K), entao

Aut(N/σ(L)) = σAut(N/L)σ−1 = Aut(N/L).

Pela correspondencia de Galois L = σ(L). Seja λ : L → Ω um K-homomorfismo.Como N/L e finita (logo algebrica), existe ν : N → Ω um K-homomorfismo talque ν|L = λ. Como N/K e normal, ν ∈ Aut(N/K), pelo que foi feito acima,ν(L) = λ(L) = L, i.e., λ ∈ Aut(L/K).

Suponhamos que L/K seja normal. A funcao ϕ : Aut(N/K) → Aut(L/K)definida por σ 7→ σ|L e um homomorfismo de grupos. Este homomorfismo e so-brejetivo, pois dado τ ∈ Aut(L/K), o processo acima produz σ ∈ Aut(N/K) talque σ|L = τ . Alem disto, σ ∈ N(ϕ) se e somente se σ|L = id, i.e., σ ∈ Aut(N/L).Finalmente a ultima afirmativa segue do teorema dos homomorfismos.

Definicao 21.11. Sejam K,L subcorpos de Ω. Definimos o compositum KLde k e L em Ω como sendo o menor subcorpo de Ω contendo K e L.

Lema 21.12. Sejam K,L subcorpos de Ω e

K[L] :=f(α1, · · · , αm)g(β1, · · · , βn)

| f e g

tem coeficientes em K e α1, · · · , αm, β1, · · · , βn ∈ L .

Entao KL = K[L].

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21.3. COEFICIENTES E RAIZES 153

Demonstracao. Observemos inicialmente que por construcao K[l] e um sub-corpo de Ω. Alem disto contem K (tome denominador igual a 1 e numeradorigual a uma funcao constante) e L (tome denominador igual a 1 e numeradorigual a variavel α1). Seja N ⊂ Ω um subcorpo contendo K e L. Entao necessaria-mente contera qualquer fracao f(α1, · · · , αm)/g(β1, · · · , βn) como acima. Portanto,KL = K[L].

Proposicao 21.13. Seja N/K galoisiana finita, K ′/K finita e Ω ⊃ N,K ′ umcorpo algebricamente fechado. Entao K ′N/K ′ e galoisiana finita e

ϕ : Aut(K ′N/K ′)→ Aut(N/K ′ ∩N)

dada por σ 7→ σ|N e um isomorfismo de grupos. Em particular, [K ′N : K ′] = [N :K ′ ∩N ].

Demonstracao. Como N/K e finita, entao existem α1, · · · , αr ∈ N tais queN = K[α1, · · · , αr]. Logo K ′N = K ′[α1, · · · , αr] e como cada αi e algebrico sobreK (logo sobre K ′) concluimos que K ′N/K ′ e finita. Alem disto cada αi e separavelsobre K, assim Pαi|K e separavel. Mas Pαi|K′ | Pαi|K , logo Pαi|K′ tambem eseparavel, em particular αi e separavel sobre K ′ e K ′N/K ′ e separavel.

Seja σ : K ′N → Ω um K ′-homomorfismo, onde Ω ⊃ K ′ e algebricamentefechado. Logo σ|N : N → Ω e um K-homorfismo. Como N/K e normal, entao σ ∈Aut(N/K) e σ(αi) ∈ N para todo i. Como σ|K′ = id, concluimos que σ(K ′N) ⊂K ′N . Por outro lado, para todo z ∈ K ′N , z = f(α1, · · · , αr) com coeficientes emK ′, e como αi = σβi para algum βi ∈ N , concluimos que z = σ(f(β1, · · · , βr)),portanto σ(K ′N) = K ′N , σ ∈ Aut(K ′N/K ′) e K ′N/K ′ e normal.

Observe que ϕ esta bem definita e e injetiva. Seja σ ∈ Aut(N/K ′ ∩N). ComoK ⊂ K ′ ∩ N , entao σ ∈ Aut(N/K). Seja H a imagem de ϕ. Basta mostrar queκ(H) ⊂ K ′ ∩ N . De fato, neste caso, H = γ κ(H) ⊃ γ(K ′ ∩ N) = Aut(N/K ′ ∩N) ⊃ H. Seja α ∈ κ(H) = NH e τ ∈ H. Basta mostrar que α ∈ K ′, poisautomaticamente α ∈ N . Existe σ ∈ Aut(K ′N/K ′) tal que σ|N = τ . Assim, paratodo σ ∈ Aut(K ′N/K ′), σα = α, i.e., α ∈ NAut(K′N/K′) = K ′, pois K ′N/K ′ egaloisiana.

Corolario 21.14. Seja N/K uma extensao galoisiana finita com K ⊂ R,N ⊂ C e N 6⊂ R. Entao [N : N ∩ R] = 2 e [N : K] e par.

Demonstracao. Observe que RN = C e [N : (N∩R)] = [C : R] = 2 e apliquea proposicao.

Corolario 21.15. Seja N/K uma extensao galoisiana finita. Seja N(x1, · · · ,xn) o corpo de fracoes do anel de polinomio N [x1, · · · , xn] em n variaveis comcoeficientes em N . Entao N(x1, · · · , xn)/K(x1, · · · , xn) e galoisiana com grupo deGalois isomorfo a Aut(N/K).

Demonstracao. Basta observar queNK(x1, · · · , xn) = N(x1, · · · , xn) e apli-car a proposicao anterior.

21.3. Coeficientes e raızes

Para todo n ≥ 1 inteiro seja Sn o grupo das permutacoes de n elementos. Paratodo conjunto finito S denotamos por Perm(S) o grupo das permutacoes de S.

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154 21. TEORIA DE GALOIS

Proposicao 21.16. Seja f ∈ K[x] irredutıvel, monico, separavel de grau n eN = K(Rf ). Entao

(a) para todo σ ∈ Aut(N/K), σ|Rf∈ Perm(Rf ) = Sn.

(b) A funcao ϕ : Aut(N/K) → Sn dada por σ 7→ σRfe um homomorfismo

injetivo de grupos.

Demonstracao. Observemos que #Rf = n e que σ|Rfe injetiva. Assim (1)

segue. E claro que ϕ e um homomorfismo de grupos. Observemos que se ϕ|Rf= id,

entao ϕ = id, pois N = K(Rf ).

O ıtem (b) e um caso particular do seguinte teorema de Cayley (ver capıtulosobre teoremas de Sylow).

Definicao 21.17. A imagem de ϕ e chamado o grupo de Galois de f comrespeito a K e denotado por Gal(f,K).

Observacao 21.18. Quando K = Q, o problema de Galois era caracterizarem termos de propriedades de Gal(f,Q) quando as raızes de f seriam expressas daforma radical. Isto equivale a Gal(f,Q) ser um grupo soluvel. Retornaremos a esteponto no capıtulo de solubilidade por radicais.

Existe uma situacao em que o grupo de Galois Gal(f,K) e todo o grupo Sn.Para isto utilizaremos o seguinte lema (ver [GaLe, p. 106]).

Lema 21.19. Seja p > 2 um numero primo e H um subgrupo do grupo Sp depermutacoes de p elementos. Suponha que H contenha uma transposicao (elementode ordem 2) e um elemento de ordem p. Entao H = Sp.

Teorema 21.20. Seja f ∈ Q[x] irredutıvel monico de grau primo p > 2.Suponha que f possua exatamente p− 2 raızes reais. Entao Gal(f,Q) = Sp.

Demonstracao. A conjugacao complexa τ restrita a N = Q[Rf ] nos da umQ-homomorfismo η : N → C. Mas como N/Q e normal, entao η ∈ Aut(N/Q).Por hipotese η fixa as p − 2 raızes reais e necessariamente permuta as duas raızescomplexas conjugadas restantes. Portanto η tem ordem 2. A fortiori, sua imagem,tambem denotada por η em Gal(f,Q) tambem tem ordem 2.

Seja α ∈ Rf . Logo [Q[α] : Q] = grau(f) | [N : Q] = # Gal(N/Q), uma vezque N/Q e galoisiana. Pelo primeiro teorema de Sylow, existe θ ∈ Gal(N/Q) deordem p. A fortiori, sua imagem, tambem denotada por θ em Gal(f,Q) tambemtem ordem p. Assim, o teorema segue do lema.

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CAPıTULO 22

Extensoes ciclotomicas

Seja K um subcorpo de um corpo algebricamente fechado Ω. Para todo n ≥ 1,consideremos o subgrupo

Wn := Wn(Ω) := z ∈ Ω | zn = 1

de Ω∗, dito grupo das raızes n-esimas da unidade. Observemos que este grupo efinito de ordem no maximo n. Pelo lema 18.18 temos que Wn e um grupo cıclicocuja ordem coincide com o seu expoente. Alem disto, #Wn = n se somente sep = car(Ω) - n. De fato, #Wn = n se e somente se polinomio xn − 1 ∈ Ω[x] eseparavel, o que ocorre se e somente se car(Ω) = 0 ou p com p - n. Note porexemplo que Wp = 1, se car(Ω) = p.

A partir de agora suporemos sempre que car(Ω) = 0 ou p com p - n. Seja

Wn(K) := Wn ∩K.

Este conjunto e um subgrupo cıclico de Wn e de K∗. Este subgrupo dependediretamente de K e n. Por exemplo, se K = Q, Ω = C e n = 6, temos queW6 = 1, ζ, · · · , ζ5, onde ζ = e2πi/6, mas W6(Q) = ±1. Se n = 5, entaoWn = 1, η, · · · , η4, onde η = e2πi/5, mas W5(Q) = 1. Assim, Wn(K) dependede n e de K. Por outro lado, se n e par (resp. ımpar), entao Wn(Q) = ±1 (resp.Wn(Q) = 1).

Seja ζ um gerador de Wn. Existe um isomorfismo canonico

Wn∼= Z/nZ dado por ζi 7→ i.

Lembremos que os geradores de Z/nZ sao exatamente as classes

a tais que mdc(a, n) = 1,

i.e., sao os elementos de (Z/nZ)∗. A pre-imagem destes geradores pelo isomorfismoanterior e o conjunto Pn de geradores de Wn. Tal conjunto e chamado o conjuntodas raızes primitivas n-esimas da unidade. Observe tambem que pelo teorema deLagrange para todo ϑ ∈Wn temos o(ϑ) = d | n. Assim, podemos escrever

(22.1) Wn =⋃d|n

Pd.

Como anteriormente definimos

Pn(K) := Pn ∩K.

Assim, Wn(K) e cıclico de ordem n se e somente se Pn(K) 6= ∅.

Definicao 22.1. Dizemos que Ln := K[Rxn−1] e a n-esima extensao ci-clotomica de K contida em Ω. Quando K = Q, Ln e dito o n-esimo corpo ci-clotomico.

155

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156 22. EXTENSOES CICLOTOMICAS

Teorema 22.2. A extensao Ln/K e galoisiana finita, Aut(Ln/K) e um grupoabeliano isomorfo a um subgrupo de (Z/nZ)∗. Em particular, [Ln : K] | φ(n). Alemdisto, Ln = K(ζ) para algum gerador ζ de Wn(Ln).

Demonstracao. Esta extensao e finita, pois e finitamente gerada por ele-mentos algebricos sobre K, as raızes de xn − 1. E claro que Ln/K e normal, poisLn e o corpo de decomposicao de xn − 1 sobre K. Tambem e claro que Ln/K eseparavel, pois xn−1 e separavel (lembre que p - n, se p > 0). Seja ζ um gerador deWn(Ln) = Wn. Entao σ ∈ Aut(Ln/K) se e somente se σ(ζ) for tambem um geradorde Wn, o que ocorre se e somente se σ(ζ) = ζaσ para algum aσ ∈ 0, · · · , n− 1 talque mdc(aσ, n) = 1. Isto induz a seguinte funcao

ϕ : Aut(Ln/K)→ (Z/nZ)∗

definida por σ 7→ aσ. Esta funcao e um homomorfismo injetivo de grupos. De fato,por um lado ϕ(στ) = aστ . Por outro lado, στ(ζ) = σ(ζaτ ) = σ(ζ)aτ = ζaσaτ ,portanto aστ = aσaτ , a fortiori, ϕ(στ) = ϕ(σ)ϕ(τ) e ϕ e um homomorfismo degrupos. Alem disto, σ ∈ N(ϕ) se e somente se aσ = 1, o que ocorre se e somentese σ = id.

Corolario 22.3. [Ln : K] = φ(n) se e somente se Aut(Ln/K) ∼= (Z/nZ)∗.

Verificaremos que a condicao do corolario e satisfeita se K = Q. Para istoprecisamos do seguinte lema elementar cuja demonstracao deixamos a cargo doleitor.

Lema 22.4. Sejam f, g ∈ Q[x] tais que fg ∈ Z[x], entao f, g ∈ Z[x].

Teorema 22.5. Seja ζ um gerador de Wn ⊂ C∗. Entao [Q(ζ) : Q] = φ(n).

Demonstracao. Seja p um numero primo tal que p - n. Afirmamos quePζ|Q = Pζp|Q. Suponha que Pζ|Q 6= Pζp|Q. Seja

κp : Z→ Fp, a 7→ a

o homomorfismo quociente. Este induz um homomorfismo sobrejetivo κ∗p : Z[x]→Fp[x] dado por ∑

i

aixi 7→

∑aix

i.

Observe que ζp ∈ Rxn−1, logo Pζ|Q e Pζp|Q dividem xn−1. Ou seja, existe h ∈ Q[x]tal que

xn − 1 = hPζ|QPζp|Q.

Pelo lema anterior concluimos que h, Pζ|Q, Pζp|Q ∈ Z[x]. Em particular,

xn − 1 = κ∗p(h)κ∗p(Pζ|Q)κ∗p(Pζp|Q).

Observe que ζ e raiz de Pζp|Q(xp), logo

Pζp|Q(xp) = h1(x)Pζ|Q(x),

para algum h1 ∈ Z[x], onde novamente utilizamos pelo lema anterior. Portanto,

κ∗p(Pζp|Q(xp)) = κ∗p(Pζp|Q)(x)p = κ∗p(h1)(x)κ∗p(Pζ|Q)(x).

Mas κ∗p(Pζ|Q) e κ∗p(Pζp|Q) sao irredutıveis monicos. Logo κ∗p(Pζ|Q) = κ∗p(Pζp|Q). Emparticular, xn− 1 possui fator multiplo. Mas este polinomio e separavel, pois p - n.Concluimos assim que

(22.2) Pζ|Q = Pζp|Q.

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22. EXTENSOES CICLOTOMICAS 157

Seja η ∈ Pn, entao η = ζa, onde a = p1 · · · pr, onde pi e primo e pi - n.Aplicando sucessivamente (22.2) concluimos que

Pη|Q = Pζ|Q.

Logo#RPζ|Q ≥ #Pn = φ(n).

Por outro lado,#RPζ|Q = grau(Pζ|Q) = [Q(ζ) : Q] ≤ φ(n),

onde a ultima desigualdade segue do teorema anterior.

Definicao 22.6. Denotamos por

Φn := Pζ|Q

o n-esimo polinomio ciclotomico.

Segue de (22.1) e da prova do teorema anterior que

xn − 1 =∏d|n

Φd.

Esta ultima igualdade permite recuperar indutivamente os polinomios ciclotomicos,por exemplo, a partir de Φp para p um numero primo.

O grupo de Galois de extensoes ciclotomicas, mesmo sobre os racionais, e sem-pre abeliano, mas raramente e cıclico. Lembre por exemplo que (Z/nZ)∗ e cıclicose n for 2, 4, p numero primo ou 2p. Entretanto, quando substituimos Q pelo corpofinito Fp de p elementos, para um numero primo p, o que obtemos e sempre umgrupo cıclico como explicaremos a seguir.

Observacao 22.7. Note tambem que todo corpo finito Fq de q = pn elementosda origem a uma extensao ciclotomica Fq/Fp de corpos finitos e necessariamenteuma extensao ciclotomica, pois Fpn \ 0 e exatamente Wpn−1.

Extensoes finitas de Q sao ditas corpos de numeros. Podemos naturalmenteconstuir uma torre de extensoes ciclotomicas

Q ⊂ Q[ζp] ⊂ Q[ζp2 ] ⊂ · · · ⊂ Qp∞

chamada uma torre p-adica. O estudo deste tipo de torre foi feito por K. Iwasawae este associa a cada torre uma serie p-adica intimamente ligada a funcao analıticap-adica de Kubota e Leopoldt a qual interpola L-funcoes de Dirichlet nos inteirosnegativos.

Por outro lado e possıvel construir torres semelhantes quando substituimos Qpelo corpo de funcoes racionais Fp(x). Neste caso entretanto dois tipos de ciclo-tomia aparecem, emergindo um fenomeno distinto do caso de corpos de numeros.De um lado as extensoes do tipo Fq(x)/Fp(x) por constantes, que como observa-mos anteriormente e utilizando a teoria de Galois sao extensoes ciclotomicas. Poroutro lado, o papel das raızes da unidade tambem tem como contrapartida o quechamamos de pontos de torcao de um determinado modulo devido a Carlitz. Paramais sobre isto ver [Goss].

Finalmente, a teoria de extensoes ciclotomicas tanto em um caso quanto emoutro sao incarnacoes unidimensionais de um fenomeno mais amplo (multiplicacaocomplexa) que ocorre por exemplo no contexto de variedades abelianas e modulosde Drinfeld.

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158 22. EXTENSOES CICLOTOMICAS

Definicao 22.8. Seja Ωp um corpo algebricamente fechado contendo Fp. Defin-imos em Ωp o automorfismo de Frobenius Frobp(a) = ap.

Teorema 22.9. A extensao Fq/Fp e galoisiana finita e seu grupo de GaloisAut(Fq/Fp) e cıclico de ordem n gerado pela restricao (Frobp)|Fq

do automorfismode Frobenius Frobp a Fq.

Demonstracao. A primeira parte do teorema ja esta feita. Note que(Frobp)n

Fq= id. Seja ζ um gerador de F∗q . Entao o(ζ) = pn − 1. Se existisse j < n

tal que (Frobp)j|Fq

= id, entao ζ = Frobp(ζ)j = ζpj

, i.e., (pn − 1) | (pj − 1), o que eimpossıvel. Assim, o((Frobp)|Fq

) = n. Mas # Aut(Fq/Fp) = [Fq : Fp] = n.

Teorema 22.10. Seja η um gerador de Wn(Ωp). Entao [Fp(η) : Fp] = o(p) em(Z/nZ)∗.

Demonstracao. Seja m := [Fp(η) : Fp] e f := o(p) em (Z/nZ)∗. Neste casoFp(η) ∼= Fq, onde q = pm. Alem disto, o(η) = n | |F∗q | = q−1, i.e., pm ≡ 1 (mod n),em particular pm = 1. Pelo lema chave, o(p) = f | m, a fortiori f ≤ m.

Reciprocamente, como pf ≡ 1 (mod n), entao ηpf−1 = 1, i.e., ηpf

= η. Poroutro lado, para todo α ∈ Fp(η) temos que

α =m−1∑i=0

aiηi,

onde ai ∈ Fp para todo i. Pelo pequeno teorema de Fermat, api = ai para todo i,

portanto,

αpf

=m−1∑i=0

apf

i ηpf

=m−1∑i=0

aiηi = α.

Em particular, tomando α um gerador de Fp(η)∗ concluimos que αpf−1 = 1, logopelo lema chave, o(α) = (pm − 1) | (pf − 1), em particular m ≤ f .

Definicao 22.11. Analogamente, definimos Ψn := Pη|Fp.

Observacao 22.12. A decomposicao de

Wn(Ωp) =⋃d|n

Pd(Ωp)

e o teorema anterior implicam que

xn − 1 =∏d|n

Ψd.

Alem disto e facil ver que Ψd = κ∗p(Φd).

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CAPıTULO 23

Extensoes cıclicas

Seja K um subcorpo de um corpo algebricamente fechado Ω. Uma extensaogaloisiana finita L/K e cıclica (resp. abeliana) se Aut(L/K) for cıclico (resp.abeliano).

Teorema 23.1 (teorema de Abel). Seja K um corpo, car(K) = p primo ea ∈ K∗. As seguintes condicoes sao equivalentes:

(1) xp − a e irredutıvel em K[x].(2) xp − a nao possui raiz em K.(3) a /∈ Kp := bp | b ∈ K.

Demonstracao. E claro que (1) implica (2) que implica (3). Suponha quexp − a seja redutıvel em K[x] e seja α ∈ Ω tal que αp = a. Entao Pα|K | (xp − a).Como xp − a = (x − α)p em Ω[x] concluimos que Pα|K(x) = (x − α)l, onde 1 ≤l ≤ p − 1. Mas se l > 1, entao Pα|K nao e separavel, consequentemente existeh ∈ K[x] tal que Pα|K(x) = h(xp). Mas devido ao grau de Pα|K isto nao e possıvel.Portanto, Pα|K(x) = x− α e separavel e α ∈ K, em particular a ∈ Kp.

Trataremos agora o caso em que car(K) = 0 ou car(K) = p e p - n. Neste casoPn 6= ∅, digamos ζ ∈ Pn e

Rxn−a = ζiα | 0 ≤ i ≤ n− 1, α ∈ Ω, αn = a.

Analisaremos primeiro o caso em que Pn(K) 6= ∅.

Teorema 23.2. Suponhamos que Pn(K) 6= ∅ e seja L = K[Rxn−a]. EntaoL/K e galoisiana e Aut(L/K) e isomorfo a um subgrupo de Z/nZ, sendo portantocıclico. Em particular, [L : K] | n e L = K[α] para qualquer α ∈ Rxn−a.

Demonstracao. Como L e um corpo de decomposicao, entao L/K e normal.Alem disto como p - n e D(xn − a) = nxn−1 concluimos que xn − a e separavel,portanto L/K e separavel. Alem disto para todo σ ∈ Aut(L/K), σ(α) ∈ Rxn−a,portanto existe 0 ≤ iσ < n tal que σ(α) = ζiσ . Consideremos a funcao

ϕ : Aut(L/K)→ Z/nZ dada por ϕ(σ) = iσ.

Esta funcao e um homomorfismo injetivo de grupos (neste caso, como Z/nZ e cıclico,concluimos que Aut(L/K) como subgrupo tambem o e). De fato, dados σ, τ ∈Aut(L/K), entao τσ(α) = τ(ζiσα) = ζiτ iσ , portanto ϕ(τσ) = iτ iσ = ϕ(τ)ϕ(σ).Alem disto σ ∈ N(ϕ) se e somente se iσ = 0, i.e., iσ = 0, mas neste caso σ = id.

Definicao 23.3. A extensao cıclica L = K[Rxn−a] e dita uma extensao deKummer.

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160 23. EXTENSOES CICLICAS

Observacao 23.4. E possıvel desenvolver uma teoria de extensoes de Kummermesmo que Pn(K) = ∅. Para isto e necessario cohomologia galoisiana. Para maisdetalhes ver [La, chapter VI].

Nesta ultima situacao construimos a seguinte sequencia de extensoes

K[Rxn−a] = K[ζ, α] ⊃ K[ζ] ⊂ K.

A primeira extensao e cıclica de grau dividindo n enquanto a segunda e abeliana degrau diviindo φ(n). Mais tarde veremos que isto pode ser traduzido em termos dogrupo Aut(L/K). Ele tem a propriedade de ser um grupo soluvel. Em particularobteremos que o polinomio xn − a = 0 e soluvel por radicais (o que e exatamentea pergunta original de Galois para este polinomio particular.

Para provar a recıproca do teorema anterior precisamos do teorema 90 deHilbert. Seja G um grupo e Hom(G,K) denota o conjunto dos homomorfismosmultiplicativos, i.e., dado σ ∈ hom(G,K), σ(xy) = σ(x)σ(y). Por abuso de notacaodenotaremos ainda por Hom(G,K) o K-espaco vetorial gerado por este conjunto.

Teorema 23.5 (teorema de Artin). Dados ϕ1, · · · , ϕn ∈ Hom(G,K) distintosentao estes elementos sao K-linearmente independentes.

Demonstracao. Suponhamos que existam a1, · · · , an ∈ K nao todos nulostais que

a1ϕ1 + . . .+ anϕn = 0,

i.e., para todo y ∈ G temos que

(23.1) a1ϕ1(y) + . . .+ anϕn(y) = 0.

Apos reenumeracao suponhmaos que a1, · · · , ak sejam nao nulos que a n-upla(a1, · · · , ak, 0, · · · , 0) tenha o maior numero de entradas nulas possıveis. Seja x ∈ Gtal que ϕ1(x) 6= ϕk(x). Entao para todo y ∈ G temos que

(23.2) a1ϕ1(xy) + . . .+ akϕk(xy) = a1ϕ1(x)ϕ1(y) + . . .+ akϕk(x)ϕk(y) = 0.

Multiplicando a (23.1) por ϕk(x) e subtraindo de (23.2) obtemos

b1ϕ1(y) + . . .+ bk−1ϕk−1(y) = 0,

onde bi = ai(ϕi(y)− ϕi(x)) e b1 6= 0. Em particular

b1ϕ1 + . . .+ bk−1ϕk−1 = 0

e esta combinacao e nao trivial possuindo um numero de zeros maior que a com-binacao que possui o maior numero de zeros. Isto e uma contradicao.

Corolario 23.6 (teorema de Dedekind). Sejam σ1, · · · , σn ∈ Aut(K), entaoeste conjunto e K-linearmente independente.

Teorema 23.7 (teorema 90 de Hilbert). Seja L/K uma extensao cıclica degrau n e σ um gerador de Aut(L/K). Dado β ∈ L temos que

(1) NL/K(β) = 1 se e somente se existe α ∈ L tal que β = ασ(α) .

(2) TL/K(α) = 0 se e somente se existe α ∈ L tal que β = α− σ(α).

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23. EXTENSOES CICLICAS 161

Demonstracao. Lembremos que como Aut(L/K) = 〈σ〉, entao

NL/K(β) =n−1∏i=0

σi(β) e TL/K(β) =n−1∑i=0

σi(β).

Em particular, NL/K(σ(β)) = NL/K(β) e TL/K(σ(β)) = TL/K(β). Se existe α ∈ Ltal que β = α

σ(α) (resp. β = α− σ(α)) entao NL/K(β) = 1 (resp. TL/K(β) = 0).Provemos as recıprocas separadamente. Suponhamos primeiro que NL/K(β) =

1. Pelo teorema de Dedekind, id, σ, · · · , σn−1 sao K-lienarmente independentes.Consideremos a K-combinacao linear nao trivial

id + βσ + (βσ(β))σ2 + . . .+ (βσ(β) . . . σn−2(β))σn−1 6= 0,

pois o primeiro coeficiente e nao nulo. Logo existe γ ∈ L tal que

α := γ + βσ(γ) + (βσ(β))σ2(γ) + . . .+ (βσ(β) . . . σn−2(β))σn−1(γ) 6= 0.

Aplicando σ dos dois lados desta igualdade de notando que∏n−1

i=1 σi(β) = β−1 e

que σn(γ) = γ concluimos que

σ(α) = σ(γ) + σ(β)σ2(γ) + (σ(β)σ2(β))σ3(γ) + . . .+ β−1γ

= β−1(γ + βσ(γ) + (βσ(β))σ2(γ) + . . .+ (βσ(β) . . . σn−2(β))σn−1(β))

= β−1α.

Suponhamos agora que TL/K(β) = 0. Como L/K e separavel existe γ ∈ L talque TL/K(γ) 6= 0 (ver exercıcio no captıtulo de extensoes separaveis). Seja

α :=1

TL/K(γ)(βσ(γ) + (β+ σ(β))σ2(γ) + . . .+ (β+ σ(β) + . . .+ σn−2(β))σn−1(γ).

Observe que

σ(α) =1

TL/K(γ)(σ(β)σ2(γ)) + (σ(β) + σ2(β))σ3(γ) + . . .

+ (σ(β) + . . .+ σn−1(β))σn(γ)).

Como σn(γ) = γ e∑n−1

i=1 σi(β) = −β concluimos que

α− σ(α) =1

TL/K(γ)(βγ + βσ(γ) + . . .+ βσn−1(γ))

=1

TL/K(γ)βTL/K(γ) = β.

Teorema 23.8. Suponhamos que Pn(K) 6= ∅. Seja L/K uma extensao cıclicade grau n. Entao existe a ∈ K∗ tal que L = K[Rxn−a] e L = K[α] para qualquerα ∈ Rxn−a.

Demonstracao. Seja ζ ∈ Pn(K), entao NL/K(ζ) = ζn = 1. Pelo teorema 90de Hilbert existe α ∈ L tal que ζ = α

σ(α) , onde 〈σ〉 = Aut(L/K). Em particular,

σ(α) = ζ−1α e σ(αn) = σ(α)n = (ζ−1)nαn = α, i.e., a = αn ∈ K. E claro queRxn−a = ζiα | 0 ≤ i ≤ n − 1 ⊂ L, logo K[Rxn−a] ⊂ L. Alem disto Rxn−a ⊂RPα|K , portanto xn−a = Pα|K , assim K[α] = K[Rxn−a] e [K[α] : K] = n, portantoL = K[α].

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162 23. EXTENSOES CICLICAS

Proposicao 23.9. Seja K um corpo de caracterıstica p e a ∈ K. Entaoxp − x− a e irredutıvel em K se e somente se nao existe b ∈ K tal que bp − b = a.

Demonstracao. Se existe b ∈ K tal que bp−b = a, entao xp−x−a possui umaraiz em K sendo portanto redutıvel. Reciprocamente, suponha que f = xp − x− aseja redutıvel em K[x]. Seja α ∈ Ω uma raiz de f , entao Pα|K | (xp − x− a). Noteque

Rxp−x−a = α+ i | 0 ≤ i < p e Pα|K =∏i∈I

(x− α− i)

para algum subconjunto I ⊂ 0, 1, · · · , p− 1. Portanto o coeficiente de grau d− 1,onde 1 ≤ d = #I, e igual a dα+ c com c ∈ 0, 1, · · · , p− 1. Em particular, comodα + c ∈ K, concluimos que dα ∈ K e como d e inversıvel, pois p - d, concluimosque α ∈ K, i.e., αp − α = a.

Teorema 23.10. Seja a ∈ K∗ tal que nao existe α ∈ K com αp−α = a. Entaoa extensao K(Rxp−x−a)/K e cıclica de grau p. Alem disto K[Rxp−x−a] = K[α]para todo α ∈ Rxp−x−a.

Demonstracao. Como L = K[Rxp−x−a] e um corpo de decomposicao, aextensao L/K e nornmal. Alem disto D(xp − x− a) = −1, logo L/K e separavel.As raızes de xp−x−a sao da forma α+i para i = 0, · · · , p−1. Portanto, L = K[α].Pela proposicao anterior xp − x − a = Pα|K para algum α ∈ Rxp−x−a, portanto[L : K] = p.

Definicao 23.11. Uma extensao cıclica da forma da forma K[Rxp−x−a]/K emcaracterıstica p e dita uma extensao de Artin-Schreier.

Observacao 23.12. E possıvel de forma semelhante ao que foi feito acima car-acterizar extensoes cıclicas em caracterıstica p de grau pn. Neste caso e necessariosubstituir α por um vetor, chamado um vetor de Witt, por isto estas extensoes saoditas de Artin-Schreier-Witt. Vetores de Witt formam um anel que como espacovetorial e isomorfo a Kn, mas com outra soma e produto de tal forma que sejaum anel em caracterıstica 0. Tomando seu limite projetivo (veja capıtulo de teoriade Galois infinita) obtemos o anel W(K) de vetores de Witt. E um anel com umunico ideal maximal pW(K) cujo quociete e isomorfo a K. Assim pensamos que elelevanta K. Isto e similar ao fato dos anel inteiros p-adicos Zp levantar Fp o corpode p elementos.

Vetores de Witt aparecem em varias partes na matematica. Para citar apenasduas. Serre introduziu a cohomologia com coeficientes nos feixes de vetores deWitt que pode ser vista como uma precursora da cohomologia etale. De outro lado,curvas sobre um corpo K de caracterıstica p podem ser “deformadas” em curvassobre o anel W(K).

Teorema 23.13. Seja K um corpo de caracterıstica p e L/K uma extensaocıclica de grau p. Entao existe a ∈ K tal que a 6= bp − b para todo b ∈ K eL = K[Rxp−x−a].

Demonstracao. Note que TL/K(1) = p = 0. Seja σ um gerador de Aut(L/K). Pelo teorema 90 de Hilbert existe α ∈ L tal que 1 = α−σ(α), i.e., σ(α) = α− 1.Logo para todo 0 ≤ j < p, σj(α) = α− j, em particular para todo i = 0, · · · , p− 1,α+i e raiz de Pα|K e alem disto σ(αp−α) = αp+j−(α+j) = αp−α (pelo pequeno

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23. EXTENSOES CICLICAS 163

teorema de Fermat). Alem disto, Rxp−x−a ⊂ RPα|K , logo Pα|K | xp − x − a, paraa = αp − α ∈ K e Pα|K = xp − x− a. Em particular, L = K(Rxp−x−a).

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CAPıTULO 24

Solubilidade por radicais

Este capıtulo responde a questao original de Galois : quando uma equacaopolinomial com coeficientes racionais tem solucao na forma radical. Observe queprecisamos nao so da gestalt da teoria de Galois mas tambem de extensoes ci-clotomicas e cıclicas bem como da nocao de grupos soluveis.

Definicao 24.1. Uma extensao galoisiana finita E/k e dita soluvel se e somentese Aut(E/k) e um grupo soluvel. Isto equivale a dizer que existe uma sequencia decorpos

E = E0 ⊃ E1 ⊃ E2 ⊃ · · ·En = k

tal que cada extensao Ei/Ei+1 e abeliana, ou equivalentemente cıclica de grauprimo.

Extensoes soluveis satisfazem as seguintes propriedades.

Proposicao 24.2. (1) Sejam k ⊂ F ⊂ E corpos tais que E/k e F/ksejam extensoes galoisianas finitas. Entao E/k e soluvel se e somente seE/F e F/k sao soluveis.

(2) Suponha que E/k seja soluvel e que K/k seja uma extensao finita qualquercom E,K ⊂ Ω e Ω corpo, entao EK/K e soluvel.

(3) Se E/k e K/k sao soluveis, entao EK/k e soluvel.

Demonstracao. (1) Basta utilizar a proposicao 12.15 e notar que basta mos-trar o resultado para os respectivos grupos de automorfismos, i.e., Aut(E/k) esoluvel se e somente se Aut(E/F ) e Aut(F/k) ∼= Aut(E/k)/Aut(E/F ) sao soluveis(lembre que F/k e galoisiana se e somente se Aut(E/F ) C Aut(E/k).

(2) Segue da proposicao 21.13 que EK/K e galoisiana finita. Alem distoAut(EK/K) ∼= Aut(E/E ∩ K) ⊂ Aut(E/k). Como Aut(E/k) e soluvel, pelaproposicao 12.15 concluimos que Aut(EK/K) tambem e soluvel.

(3) Novamente, pela proposicao 21.13, EK/k e galoisiana finita. Alem disto,pela proposicao 12.15, utilizando que Aut(EK/K) e Aut(K/k) ∼= Aut(EK/k)/Aut(EK/K) sao soluveis, concluimos que Aut(EK/k) tambem o e. Portanto,EK/k e soluvel.

Definicao 24.3. Uma extensao finita separavel F/k e dita soluvel por radicaisse existe E/k finita tal que F ⊂ E e existe uma sequencia de corpos

E = E0 ⊃ E1 ⊃ · · · ⊃ En = k

tal que cada extensao Ei/Ei+1 e de um dos 3 tipos seguintes:(1) Ei = Ei−1[ζ], onde ζ ∈ Rxn−1, para algum n ≥ 1.(2) Ei = Ei−1[α], onde α ∈ Rxn−a, para algum n ≥ 1, se p - n, onde p =

car(k) (esta condicao e vazia se car(k) = 0) e a ∈ Ei−1.

165

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166 24. SOLUBILIDADE POR RADICAIS

(3) Ei = Ei−1[α], onde α ∈ Rxp−x−a, se car(K) = p > 0 e para alguma ∈ Ei−1.

Extensoes soluveis por radicais satisfazem as seguintes propriedades. Em todasas propriedades abaixo suporemos que os corpos estejam todos contidos em umcorpo Ω suficientemente grande, de tal forma a podermos tomar composita decorpos.

Proposicao 24.4. (1) Sejam k ⊂ F ⊂ E corpos com E/k separavelfinita. Entao E/k e soluvel por radicais se e somente se E/F e F/ko sao.

(2) Suponha que E/k seja soluvel por radicais e seja K/k uma extensao finita.Entao EK/K e soluvel por radicais.

(3) Suponha que E/k e K/k sejam soluveis por radicais. Entao EK/k esoluvel por radicais.

Demonstracao. (1) Suponha que F/k e E/F sejam soluveis por radicais.Logo existem F ′/k finita tal que F ′ ⊃ F e sequencia de corpos

F ′ = F0 ⊃ F1 ⊃ · · · ⊃ k,

na qual cada extensao Fi/Fi−1 e de um dos 3 tipos anterioes. Similarmente, existemE′/F finita tal que E′ ⊃ E e sequencia de corpos

E′ = E0 ⊃ E1 ⊃ · · · ⊃ F,

onde cada extensao Ei/Ei−1 e de um dos 3 tipos acima. Tomando o compositum dasegunda sequencia com F ′ e continuando pela segunda ate obtemos uma sequenciade corpos

E′F ′ = E0F′ ⊃ E1F

′ ⊃ · · · ⊃ F ′ ⊃ F1 ⊃ · · · ⊃ k.Finalmente, observe que EiF

′ = Ei−1F′[ζ] ou Ei−1F

′[α], em qualquer caso recu-peramos um dos 3 tipos anteriores.

Suponha agora que E/k seja soluvel por radicais, ou seja existe E′/k finita comE′ ⊃ E e

E′ = E0 ⊃ E1 ⊃ · · · ⊃ k,com Ei = Ei−1[α] ou Ei−1[ζ]. Primeiro, como F ⊂ E ⊂ E′, segue imediatamenteque F/k e soluvel por radicais. De outro lado, como acima, tomando o compositumda sequencia anterior com F concluimos tambem que E ⊂ E′ ⊂ E′F e E/F esoluvel por radicais.

(2) Mesmo argumento do ultimo paragrafo, tomando agora o compositum dasequencia com K.

(3) Segue dos 2 anteriores.

Teorema 24.5. Seja E/k uma extensao galoisiana finita. Entao E/k e soluvelpor radicais se e somente se E/k e soluvel.

Demonstracao. Suponha que E/k seja soluvel. Neste caso existe uma se-quencia de corpos

E = E0 ⊃ E1 ⊃ E2 ⊃ · · · ⊃ En = k

tal que cada extensao Ei/Ei+1 e cıclica de grau primo `i. Seja m =∏

i `i ondefazemos o produto apenas nos numeros primos `i tais que `i 6= p = car(k). Seja

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24. SOLUBILIDADE POR RADICAIS 167

Ω um corpo algebricamente fechado contendo k e ζ ∈ Pm(Ω). Seja K := k[ζ].Consideremos o compositum da sequencia de corpos acima com K,

EK = L0 ⊃ E1K = L1 ⊃ E2K = L2 ⊃ · · · ⊃ EnK = K.

Cada extensao Li/Li+1 e galoisiana e temos que

Aut(Li/Li+1) = Aut(EiK/Ei+1K)

e isomorfo a um subgrupo de ordem > 1 de Aut(Ei/Ei+1). Portanto este subgrupoe igual ao proprio Aut(Ei/Ei+1), o qual e cıclico de ordem `i. Mas neste caso, porconstrucao existe ζm/`i ∈ Ei−1 raiz `i-esima da unidade, para `i 6= p. Portanto, aextensao Li/Li+1 e uma extensao de Kummer, se `i 6= p. Caso `i = p a extensaoe automaticamente de Artin-Schreier. Portanto, cada extensao Li/Li+1 e de umdos 3 tipos acima, i.e., EK/K e soluvel por radicais. Trivialmente, K/k e soluvelpor radicais. Do item (1) das propriedades anteriores concluimos que EK/k esoluvel por radicais, a fortiori E/k e soluvel por radicais (novamente o item (1) daspropriedades acima, uma vez que E ⊂ EK).

Reciprocamente, suponha que E/k seja soluvel por radicais. Entao existe E′/kfinita contendo E e uma sequencia de corpos

E′ = E0 ⊃ E1 ⊃ E2 ⊃ · · · ⊃ En = k

tal que cada Ei/Ei+1 e de um dos tres tipos acima. Note que a priori a extensaoEi/Ei−1 nao e galoisiana, isto falha no caso (2) acima. Seja m o produto de todosos numeros primos dividindo [E′ : k] distintos de p = car(k) (caso p > 0). Sejaζ ∈ Wm(Ω) uma raiz primitiva m-esima da unidade em um corpo algebricamentefechado Ω (como sempre supomos Ω suficientemente grande para conter todos oscorpos considerados). Seja F := k[ζ] a m-esima extensao ciclotomica de k. Con-sidere agora o compositum da sequencia anterior com F dado por

E′F ⊃ E1F ⊃ · · · ⊃ F.Para cada i, seja Li := EiF . Note que agora cada Li/Li−1 e galoisiano, poiscorrigimos o caso Kummer acrescentando um elemento ζmi , uma raiz mi-esimaprimitiva da unidade a Ei−1, onde mi = [Ei : Ei−1], caso p - mi. Caso contrarionada ha a fazer. Alem disto neste caso Li = Li−1[αi] = Li−1[Rxmi−ai

], ondeαmi

i = ai. Finalmente, observe que E′F e o corpo de decomposicao sobre k dopolinomio

f :=∏

i,p-mi

(xmi − ai)×∏

i,mi=p

(xp − x− ai).

Portanto, E′F/k e galoisiana (ja que E′F/F e separavel, pois cada Li/Li−1 o e, eF/k tambem e separavel). A fortiori, E′F/F e soluvel. Trivialmente F/k e soluvel.Assim, pelas propriedades de extensoes soluveis, E′F/k e soluvel. A fortiori, pelamesma razao, E/k e soluvel.

Definicao 24.6. Dado f ∈ Q[x] irredutıvel. Este polinomio e dito soluvel porradicais se Q[Rf ]/Q e soluvel por radicais.

Corolario 24.7 (teorema de Galois, post-mortem). Seja f ∈ Q[x] irredutıvel.Entao f e soluvel por radicais se e somente se Gal(f,K) for soluvel.

Observacao 24.8. Num capıtulo posterior abordaremos o problema inversode Galois, que permaence em aberto desde o seculo XIX. Este diz o seguinte. Dadoum grupo finito G sera que existe uma extensao galoisiana finita K/Q tal que

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168 24. SOLUBILIDADE POR RADICAIS

Gal(K/Q) seja G? Veremos que a geometria, via o teorema de irredutibilidadede Hilbert podera nos dar informacoes relevantes para este problema. Um casoparticular e aquele no qual o grupo G e um grupo soluvel. Nesta situacao sabe-seque existe K. Isto e devido a Safarevic e Iwasawa. Para mais sobre isto veja [Ser]

Observacao 24.9. Nao e difıcil provar que S4 e S3 sao grupos soluveis. Alemdisto, para todo polinomio irredutıvel f ∈ Q[x] de grau n temos que Aut(k(Rf )/k)e isomorfo a um subgrupo de Sn. Portanto, polinomios de graus 3 e 4 sao sempresoluveis. Isto mostra que os algebristas arabes e italianos so podiam mesmo acharexplicitamente as raızes na forma radical, o que nao quer dizer que encontrar asformulas por eles obtidas fosse missao facil.

Contrariamente, equacoes de grau 5 nao sao necessariamente soluveis por radi-cais, uma vez que S5 nao o e (veja [GaLe]. O teorema 21.20 nos diz que polinomiosde grau primo p > 2 com exatamente 2 raızes reais tem grupo de Galois Sp. Assim,basta considerar um polinomio de grau 5 com 3 raızes reais.

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Parte 5

Topicos adicionais

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CAPıTULO 25

O problema inverso de Galois

Problema 25.1. Seja G um grupo finito. Sera que existe uma extensao ga-loisiana finita K/Q tal que Gal(K/Q) = G?

Este problema permanece em aberto desde o seculo XIX. Entretanto refor-mulacoes geometricas nao so geraram analogos desta questao em outras circunstan-cias, bem como trouxeram de volta resultados para o problema original. Nossaprimeira secao sera justamente dedicada a mostrar que o grupo Sn de permutacoesde n elementos sempre e grupo de Galois de uma extensao do corpo de funcoesracionais K(x1, · · · , xn) para um corpo K qualquer. Em particular, tomandoK = Q e utilizando o teorema de irredutibilidade de Hilbert, obteremos que Sn egrupo de Galois sobre Q, i.e., existe K/Q galoisiana finita tal que Sn = Gal(K/Q).Em seguida discutiremos desenvolvimentos na direcao do problema inverso paraoutros grupos.

25.1. Grupo Sn

Sejam Sn o grupo das permutacoes de n elementos, R um anel comutativo comunidade e A = R[x1, · · · , xn] o anel de polinomios em n variaveis com coeficientesem R. Para todo σ ∈ Sn e f(x1, · · · , xn) ∈ A definimos

σ∗(f(x1, · · · , xn)) = f(xσ(1), · · · , xσ(n)).

Esta funcao e na verdade um automorfismo de A (verifique!). Dizemos que f esimetrico se e somente se σ∗(f) = f para todo σ ∈ Sn. Por exemplo, as funcoessimetricas elementares s1, · · · , sn nas variaveis x1, · · · , xn sao polinomios simetricos(veja capıtulo de extensoes finitas). E claro que nem todo polinomio simetrico euma funcao simetrica elementar, por exemplo,

(25.1) x21 + . . .+ x2

n.

Entretanto, mostraremos que todo polinomio simetrico se escreve de forma unicacomo polinomio nas funcoes simetricas elementares. Alem disto nao existem relacoesentre estas, ou seja, sao algebricamente independentes (veja capıtulo de teoria detranscendencia).

Teorema 25.2. Seja f ∈ A simetrico. Entao existe um unico g ∈ R[s1, · · · , sn]tal que f(x1, · · · , xn) = g(s1, · · · , sn).

Do teorema segue imediatamente o seguinte corolario.

Corolario 25.3. Nao existe g ∈ R[s1, · · · , sn] \ 0 tal que g(s1, · · · , sn) = 0.

Exemplo 25.4. Observe que o polinomio em (25.1) pode ser reescrito como

x21 + . . .+ x2

n = s21 − 2s2.

171

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172 25. O PROBLEMA INVERSO DE GALOIS

Considere o polinomio

f(t) = (t− x1) . . . (t− xn) = xn − s1xn−1 + . . .+ (−1)nsn ∈ A[t].

Definimos o discriminante de f(t) por

D :=∏

1≤i<j≤n

(xi − xj)2 = (−1)n(n−1)/2∏

1≤i 6=j≤n

(xi − xj).

E imediato da definicao que o D e um polinomio simetrico com coeficientes inteiros.E um dos mais importantes invariantes de um polinomio. Assim, segue do teorema,que podemos escreve-lo de forma unica como D(x1, · · · , xn) = ∆(s1, · · · , sn) ∈Z[s1, · · · , sn]. Na pratica e bastante laborioso de obter a expressao. Entretanto, sen = 2 temos

(x1 − x2)2 = s21 − 4s2;

e para n = 3 temos

(x1 − x2)2(x1 − x3)2(x2 − x3)2 =

s21s22 − 4s32 − 4s31s3 − 27s23 + 18s1s2s3.

E importante notar que estas igualdades sao identidades no anel Z[x1, · · · , xn].Assim, permanecem verdadeiras se substituimos as variaveis x1, · · · , xn por con-stantes. Por exemplo, se R for um corpo K e α1, · · · , αn forem elementos algebricossobre K contidos em alguma extensao L de K, entao

(x− α1) . . . (x− αn) = xn − a1xn−1 + . . .+ an,

onde ai = si(α1, · · · , αn). Neste caso o discriminante do polinomio e dado por

∆(a1, · · · , an) =∏

1≤i<j≤n

(αi − αj)2.

Em particular, f e separavel se e somente se ∆(a1, · · · , an) 6= 0. Fica como ex-ercıcio verificar que esta definicao de discriminante coincide com a definicao anterior(capıtulo de aneis e domınios). No caso do polinomio cubico x3 − ax + b obtemoscomo discriminante −(4a3 + 27b2).

Para a prova do teorema precisamos da nocao de grau de um polinomio emvarias variaveis. Se f ∈ A, entao ele pode ser escrito como

f(x1, · · · , xn) =∑

i1,··· ,in

ai1···inxi1

1 . . . xinn ,

onde cada ai1···in pertence a R. O monomio xi11 . . . xin

n tem grau i1 + . . .+ in. Ograu de f e definido como sendo o maior grau dos monomios com coeficiente naonulo. Por exemplo, o discriminante em 3 variaveis e um polinomio de grau 6.

Demonstracao do teorema. Demonstraremos o teorema por inducao nonumero de variaveis n e no grau d de f . Comecemos com a existencia. Se n = 1,nada ha a fazer, pois x1 = s1. Suponha que o teorema seja verdade para polinomiosem n− 1 variaveis. Definimos a seguinte funcao

ϕ : A = R[x1, · · · , xn]→ R[x1, · · · , xn−1]

h 7→ h(x1, · · · , xn−1, 0).

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25.1. GRUPO Sn 173

Observe que como f e simetrico com respeito a Sn, entao ϕ(f) e simetrico emrelacao a Sn−1. Por hipotese de inducao existe g′ ∈ R[s′1, · · · , s′n−1] tal que

ϕ(f(x1, · · · , xn)) = g′(s′1, · · · , s′n−1),

onde para 1 ≤ i ≤ n − 1, a funcao s′i denota a i-esima funcao simetrica elementarnas variaveis x1, · · · , xn−1. Observe que para todo 1 ≤ i ≤ n− 1 temos

ϕ(si(x1, · · · , xn)) = s′i(x1, · · · , xn−1).

Sejap(x1, · · · , xn) := f(x1, · · · , xn)− g′(s′1, · · · , s′n−1).

Como p e diferenca de polinomios simetricos (um polinomio simetrico em n − 1variaveis e simetrico em n variaveis), concluimos que p tambem e simetrico. Alemdisto, p(x1, · · · , xn−1, 0) = 0. Mas isto significa que p(x1, · · · , xn) e divisıvel porxn. Similarmente, definindo a funcao ϕ anulando qualquer outra das variaveis,concluimos que para todo 1 ≤ i ≤ n o polinomio p(x1, · · · , xn) e divisıvel por cadaxi, a fortiori por x1 . . . xn = sn(x1, · · · , xn), digamos

f(x1, · · · , xn) = g′(s′1, · · · , s′n−1) + snh(x1, · · · , xn),

onde h ∈ A. Por construcao o grau de h e inferior ao grau de f . Alem disto, comop(x1, · · · , xn) e sn sao simetricos, concluimos que h tambem o e. Por inducao nograu, temos que existe q ∈ R[s1, · · · , sn] tal que

h(x1, · · · , xn) = q(s1, · · · , sn),

assimf(x1, · · · , xn) = g′(s′1, · · · , s′n−1) + snq(s1, · · · , sn)

e uma expressao de f em termos de funcoes simetricas elementares.A unicidade tambem e provada com inducao em n e no grau. Considere a

funcao

ψ : A = R[x1, · · · , xn]→ R[s1, · · · , sn]

f(x1, · · · , xn) 7→ f(s1, · · · , sn).

Esta funcao e um homomorfismo de aneis (verifique!). A unicidade entao e equiva-lente a injetividade de ψ. Suponha que f(x1, · · · , xn) ∈ ker(ψ), i.e., f(s1, · · · , sn) =0. Aplicando ϕ a f(s1, · · · , sn) concluimos que f(s′1, · · · , s′n−1) = 0. Por inducaono numero de variaveis, concluimos que ϕ(f(x1, · · · , xn) = f(x1, · · · , xn−1, 0) = 0.Logo xn divide f(x1, · · · , xn). Similarmente, redefinindo ϕ de forma a anularqualquer outra das variaveis, temos que cada xi divide f(x1, · · · , xn), a fortiorix1 . . . xn = sn(x1, · · · , xn) divide f(x1, · · · , xn), digamos

f(x1, · · · , xn) = sn(x1, · · · , xn)h(x1, · · · , xn),

para algum h ∈ A. Neste caso, por construcao, o grau de h e menor que o grau def . Alem disto,

0 = f(s1, · · · , sn) = s1 . . . snh(s1, · · · , sn)

em R[s1, · · · , sn]. Concluimos portanto que h(s1, · · · , sn) = 0. Logo, por inducaono grau, h(x1, · · · , xn) = 0, em particular, f(x1, · · · , xn) = 0.

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174 25. O PROBLEMA INVERSO DE GALOIS

Suponhamos agora que R seja um corpo F . Seja F (x1, · · · , xn) o corpo defracoes do anel de polinomios F [x1, · · · , xn]. Este e dito o corpo de funcoes racionaisem n variaveis com coeficientes em F . Analogamente, para todo σ ∈ Sn definimosσ∗(f(x1, · · · , xn)) := f(xσ(1), · · · , xσ(n)) e dizemos que f e simetrica se e somentese σ∗(f) = f para todo σ ∈ Sn.

Teorema 25.5. Toda funcao simetrica f ∈ F (x1, · · · , xn) pode ser escrita deforma unica como f(x1, · · · , xn) = g(s1, · · · , sn) ∈ F (s1, · · · , sn).

Demonstracao. Suponha que

f(x1, · · · , xn) =f1(x1, · · · , xn)f2(x1, · · · , xn)

,

onde f1, f2 ∈ A, seja simetrica. Seja

G(x1, · · · , xn) :=∏

σ∈Sn

σ∗(f2).

Observe que G e Gf sao polinomios simetricos em A. Ou seja existem unicosh1, h2 ∈ R[s1, · · · , sn] tais que G = h1 e Gf = h2. Logo f = h2/h1 ∈ F (s1, · · · , sn)e esta expressao e unica pela unicidade de h1 e h2.

Teorema 25.6. A extensao de corpos F (x1, · · · , xn)/F (s1, · · · , sn) e galoisianacom grupo de Galois isomorfo a Sn.

Demonstracao. Seja L := F (s1, · · · , sn) e

f(t) := (t− x1) . . . (t− xn) = tn − s1tn−1 + . . .+ (−1)nsn ∈ L[t].

Entao F (x1, · · · , xn) = L[Rf(t)] e o corpo de decomposicao de f(t) sobre L. Assim,a extensao acima e normal. E tambem separavel, pois as variaveis x1, · · · , xn saodistintas, logo f(t) e separavel. Portanto, a extensao e galoisiana. Como f(t) temgrau n, sabemos que Gal(F (x1, · · · , xn)/L) e isomorfo a um subgrupo de Sn (vercapıtulo de teoria de Galois). Por outro lado,

F (x1, · · · , xn)Sn ⊃ L.Isto significa que Sn ⊂ Gal(F (x1, · · · , xn)/L). Logo Gal(F (x1, · · · , xn)/L) ∼= Sn.

Para passarmos do teorema acima para um resultado sobre Q precisamos doteorema de irredutibilidade de Hilbert (veja [LaDio, chapter 9].

Teorema 25.7 (teorema de irredutiblidade de Hilbert). Seja L := Q(x1, · · ·, xn) ⊃ R := Q[x1, · · · , xn] e f(t) ∈ L[t] irredutıvel. Entao existem infinitos homo-morfismos λ : R→ Q tais que λ∗(f)(t) seja irredutıvel em Q[t].

Teorema 25.8. Existe uma extensao galoisiana finita K de Q tal que Gal(K/Q) ∼= Sn.

Demonstracao. Pelo teorema 25.6 a extensao Q(x1, · · · , xn)/Q(s1, · · · , sn)e galoisiana com grupo de Galois isomorfo a Sn. Seja α um elemento primitivodesta extensao e Pα|M o seu polinomio mınimo sobre M := Q(s1, · · · , sn). Peloteorema de irredutibilidade de Hilbert existem infinitos homomorfismos λ : R→ Qtais que λ∗(Pα|M ) =: f seja irredutıvel sobre Q[t]. Note que a extensao Q[Rf ]/Q egaloisiana de grau n!. E possıvel mostrar com argumentos geometricos que podemos

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25.3. METODO GERAL 175

escolher λ de tal forma que Gal(Q[Rf ]/Q) seja ainda Sn (ver [SerMW, proposition2, secao 9.2]).

25.2. Grupo An

Para obter o grupo An como grupo de Galois sobre Q comecamos novamentecom a situacao generica. SejaD =

∏1≤i<j≤n(xi−xj)2 o discriminante do polinomio

f(t) = (t−x1) . . . (t−xn) = xn−s1xn−1 + . . .+(−1)nsn. Seja δ :=∏

1≤i<j≤n(xi−xj). Observe que para todo σ ∈ Sn temos σ∗(δ) = ±δ. Se o sinal for positivo,dizemos que a permutacao e par, senao dizemos que e ımpar. E claro que δ2 = De δ /∈ M := F (s1, · · · , sn). Assim, [M [δ] : M ] = 2. Alem disto, denotando por An

o subgrupo normal de ındice 2 de Sn formado pelas permutacoes pares, temos queF (x1, · · · , xn)An ⊃M [δ]. Obtemos dessa forma o seguinte resultado.

Teorema 25.9. A extensao F (x1, · · · , xn)/M [δ] e galoisiana com grupo deGalois An.

Teorema 25.10. Existe extensao galoisiana K/Q tal que Gal(K/Q) ∼= An.

Demonstracao. A prova e como no caso Sn utilizando o fato adicional quepodemos escolher λ de tal forma que λ(δ) /∈ Q (ver [SerMW, secao 10.3]).

25.3. Metodo geral

O que esta ocorrendo em ambos os casos esta longe de ser uma situacao partic-ular. Em primeiro lugar, o corpo de funcoes racionais F (x1, · · · , xn) e o corpo defuncoes racionais do espaco afim An(F ) = Fn como variedade algebrica. O objetivoe primeiramente realizar um grupo finito G como grupo de Galois sobre este corpo.Isto nem sempre pode ser obtido, e quase tao difıcil quanto o problema original.Entretanto, temos o seguinte resultado.

Teorema 25.11. [SerMW, secao 10.1] Seja G um grupo finito. Suponha queexista uma extensao galoisiana finita L/Q(x1, · · · , xn) com grupo de Galois G.Entao existe uma extensao galoisiana K/Q com grupo de Galois G. Alem disto,se L e Q-regular, i.e., Q e algebricamente fechado em L, entao existem uma in-finidade de extensoes linearmente disjuntas (para definicao ver capıtulo de teoriade transcendencia).

Observacao 25.12. Utilizando a teoria de curvas elıticas e possıvel provarque existe uma extensao Q-regular de Q(x) com grupo de Galois PSL2(Fp) =SL2(Fp)/F∗p. Isto e devido a Shih (ver [SerMW, secao 10.4]). Na verdade es-tas extensoes representam do ponto de vista geometrico recobrimentos galoisianosfinitos de curvas definidas sobre Q com um numero finito de pontos de ramificacao.Isto remete a seguinte pergunta: quando um grupo finito pode ser grupo de Galoisde um tal recobrimento com um conjunto prescrito de pontos de ramificacao? Nestageneralidade a pergunta permanece em aberto, mas se considerarmos a perguntasobre C, ela e respondida em termos topologicos atraves do chamado grupo funda-mental algebrico, que neste caso e o completamento profinito do grupo topologico(para mais sobre grupos profinitos ver capıtulo de teoria de Galois infinita). Areformulacao desta pergunta para corpos algebricamente fechados de caracterısticapositiva, so foi respondida na decada de 90 por Raynaud e depois Harbater corre-spondendo a uma conjectura de Abhyankar. A resposta e que para que um grupo

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176 25. O PROBLEMA INVERSO DE GALOIS

G ocorra como grupo de Galois seu maior quociente primo com p deve se realizarsobre uma curva sobre C com mesmo numero de pontos de ramificacao (supostopelo menos 1). Seu maior quociente primo com p nada mais e que o quociente deG pelo seu quase-p-subgrupo, i.e., o subgrupo gerado pelos seus p-subgrupos deSylow.

Observacao 25.13. Um objeto extremamente importante em aritmetica erelacionado com o problema inverso de Galois e o grupo de Galois absoluto GQ :=Gal(Q/Q), onde Q = AC(Q). O fato de um grupo finito G ser grupo de Galoissobre Q equivale ao fato de G ser um quociente de GQ. Este tema esta intima-mente relacionado a resolver problemas de mergulhos para o grupo profinito GQ(para mais ver [Ser]).

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CAPıTULO 26

Teoria de Galois infinita

26.1. Limite inverso

Consideremos uma sequencia de grupos Gnn∈N e suponhamos que para cadan tenhamos um homomorfismo sobrejetivo de grupos fn : Gn Gn1 . Consideremosem∏

n∈N Gn (onde a operacao e componente a componente) o subconjunto de uplasda forma x = (x0, x1, x2, · · · ) tais que fn(xn) = xn−1 para todo n ∈ N. Comocada fn e um homomorfismo sobrejetivo, partindo de x1 ∈ G1, tomando uma preimagem sua x2 em G2 e assim sucessivamente, formamos pelo menos uma uplaneste subconjunto que denotaremos por lim←−n

(Gn, fn). Este conjunto e chamado olimite inverso ou limite projetivo da famılia Gn, fn que e chamada de um sistemaprojetivo.

Exemplo 26.1. Seja A um grupo abeliano, p um numero primo e pA : A→ A amultiplicacao por p em A. Dizemos que A e p-divisıvel , se pA for sobrejetivo. Nestecaso tomaremos o limite projetivo considerando a sequencia constante An = A paratodo n e fn = pA para todo n. O limite projetivo de (A, pA) sera denotado porVp(A). Consideremos o subconjunto Tp(A) de Vp(A) formado pelas uplas tais quex1 = 0. Seja A[pn] := ker(pn

A). Entao Tp(A) = lim←−nA[pn]. Este e chamado

o subgrupo de Tate associado ao grupo p-divisıvel A. O exemplo mais comumdeste tipo de grupo e no contexto de variedades abelianas sobre corpos globais.Entretanto, o exemplo mais simples, e tomar µpn o grupo das raızes pn-esimas daunidade em um corpo algebricamente fechado Ω de caracterıstica distinta de p,tomar A como µp∞ :=

⋃n µpn e considerar Tp(µ) := lim←−n

µpn .

Exemplo 26.2. Dado um grupo G considere uma sequencia de subgrupos Hn

de G tais que Hn ⊃ Hn−1. Considere o homomorfismo sobrejetivo fn : G/Hn G/Hn−1 (projecao). Isto nos permite tomar o limite projetivo lim←−n

(G/Hn, fn)e observar que os homomorfismos anteriores implicam um homomorfismo naturalg : G→ lim←−n

Gn dado por x 7→ (· · · , xn, · · · ), onde xn := x+Hn.

Exemplo 26.3. Para todo n ≥ 0 considere Gn := Z/pnZ e o homomorfismosobrejetivo de projecao fn : Z/pn+1Z → Z/pnZ. O limite projetivo lim←−n

Z/pnZ echamado o anel Zp dos inteiros p-adicos (para mais detalhes ver [Ne, chapter II].

Definiremos agora a nocao de produto inverso de forma um pouco mais geral.Seja I um conjunto de ındices dotado de uma ordem parcial i ≤ j. Diremosque I e direcionado se para quaisquer i, j ∈ I, existe k ∈ I tal que i ≤ k ej ≤ k. Suponhamos que I seja direcionado. Uma famılia inversa direcionada degrupos e uma famılia de grupos Gii∈I e para cada par i ≤ j um homomorfismofji : Gj → Gi tal que se k ≤ i ≤ j, entao fjk = fji fik e fii = id. Seja G :=

∏iGi

com a operacao compenente a componente. Seja Γ o subconjunto de G formado

177

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178 26. TEORIA DE GALOIS INFINITA

pelos elementos (xi) tais que xi ∈ Gi satisfazendo a para todo j ≥ i, fji(xj) = xi.Entao Γ contem o elemento neutro e e um subgrupo de G dito o limite inverso dafamılia e denotado por Γ = lim←−i

Gi.

Exemplo 26.4. Seja G um grupo e F o conjunto de subgrupos normais emG de ındice finito. Se H,K ∈ F , entao H ∩ K ∈ F , assim F e uma famıliadirecionada (com respeito a inclusao). Consideramos o limite inverso lim←−H∈F G/H.Este subgrupo de G e o que se chama um grupo profinito (no sentido de ser limitede grupos finitos). Uma variante desta construcao consiste em nos restringirmos afamılia Fp de subgrupos normais H de G cujo ındice e uma potencia de p. Podemossimilarmente tomar o limite inverso lim←−H∈Fp

G/H, este grupo e chamado um grupopro-p profinito.

Exemplo 26.5. Logo em seguida consideraremos o contexto natural onde gru-pos profinitos aparecem, na teoria de Galois infinita. Seja k um corpo e A umaextensao infinita de k. Por exemplo, k = Q e A = Q. Seja G := Aut(A/k) o grupode k-automorfismos de A. O limite inverso lim←−H∈F G/H coincide na verdade comG (vamos mostrar isto em secao posterior). Alem disto os grupos quocientes G/Hsao na verdade grupos de automorfismos de extensoes finitas K/k contidas em A.

Analogamente, se X for uma superfıcie compacta de Riemann de genero g ≥ 2e p : X ′ → X for a aplicacao de recobrimento universal, F := C(X), F ′ := C(X ′)seus corpos de funcoes. Exites uma injecao natural π1(X)top → Aut(F ′/F ) dogrupo fundamental topologico de X (que e um grupo em 2g geradores com umarelacao) e Gal(F ′/F ) e o grupo profinito definido como limite projetivo com relacaoa subgrupos de ındice finito de AutX(X ′). Chamamos a Aut(F ′/F ) de grupo fun-damental algebrico de X, que coincide com o completamento profinito de πtop

1 (X)(ver secao seguinte). Grothendieck definiu isto de maneira geral para curvas sobreum corpo qualquer. Isto permitiu transpor a nocao tradicional de grupo funda-mental na topologia algebrica para a geometria algebrica. Permanece um grandemisterio a estrutura dos grupos fundamentais algebricos de curvas, embora por ex-emplo conheca-se bem todos os quocientes finitos deste grupo, no caso de curvasafins (isto nada mais e que uma conjectura de Abhyankar, provada por M. Ray-naud e D. Harbater nos anos 90, que diz que para que um grupo seja quociente enecessario e suficiente que seu maior quociente primo com p o seja).

26.2. Completamento de um grupo

Seja G um grupo e suponhamos que Hr seja uma famılia de subgrupos nor-mais de ındice finito tais que Hr ⊂ Hr+1 para todo n. Uma sequencia de elementosxn em G e dita uma sequencia de Cauchy, se dado Hr existe N ≥ 1 tal quepara quaiquer n,m ≥ N tenhamos xnx

−1m ∈ Hr. Dizemos que a sequencia xn

e a sequencia nula se para todo Hr existir um N ≥ 1 tal que para todo n ≥ Ntenhamos xn ∈ Hr. Fica como exercıcio provar que o conjunto C de sequenciasde Cauchy com operacao termo a termo e um grupo e que as sequencias nulas Nformam um sugrupo normal. O grupo quociente C/N e chamado o completamentode G com respeito as sequencias nulas e denotado por G.

Observe que existe um homomorfismo naturalG→ G dado por x 7→ (x, x, x, · · · )mod N . O nucleo deste homomorfismo e igual a

⋂r Hr. Quando este nucleo e tri-

vial temos uma injecao.

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26.3. TEORIA DE GALOIS INFINITA 179

Teorema 26.6. Existe um isomorfismo de grupos G ∼= lim←−rG/Hr.

Demonstracao. Seja x = xn uma sequencia de Cauchy em G. Para todon suficientemente grande a classe de xn mod Hr independe de n, denotamos estaclasse por x(r). Assim, (x(1), x(2), · · · ) ∈ lim←−r

G/Hr.Reciprocamente, todo elemento (x1, x2, · · · ) ∈ lim←−n

G/Hn, com xn ∈ G/Hn exn um representante de xn em G. A sequencia xn e uma sequencia de Cauchy,que fica como exercıcio provar que esta bem definida, a menos de sequencias nulas.Tambem fica como exercıcio mostrar que a correspondencia acima nos da a bijecaorequerida (que por construcao e um homomorfismo).

Podemos fazer a construcao acima mais geralmente da seguinte forma. SejaF uma famılia, uma sequencia de Cauchy e uma famılia xjj∈J indexada porum conjunto arbitrario J tal que para cada H ∈ F existe j ∈ J tal que parak, k′ ≥ j temos xkx

−1k′ ∈ H. Na pratica trabalhamos realmente com sequencias,

pois os grupos profinitos considerados na maior parte dos casos que trataremos temuma base enumeravel de abertos. Por exemplo, isto ocorre quando G e finitamentegerado.

Mais geralmente, uma famılia Hi de subgrupos normais contida em F e ditacofinal em F se dado H ∈ F existir i tal que Hi ⊂ H. Suponhamos que exista umafamılia Hi cujos ındices percorram um conjunto enumeravel. Fica como exercıciomostrar que lim←−i

G/Hi∼= lim←−H∈F G/H.

26.3. Teoria de Galois infinita

Estenderemos agora a teoria de Galois para extensoes infinitas. Uma extensaoalgebrica infinita K/k e dita galoisiana, se for normal e separavel (lembre que paradefinir normalidade e separabilidade precisamos apenas que a extensao K/k sejaalgebrica). Para toda subextensao finita F/k de K/k tal que F/k seja galoisiana,temos que # Gal(F/k) = [F : k]. Pela teoria geral K/F e galosiana (a separa-bilidade e clara, a normalidade, segue do fato que para qualquer α ∈ K temosPα|K | Pα|k). Seja H := Gal(K/F ) := Aut(K/F ). Entao H tem ındice finito emG := Gal(K/k). De fato, consideremos o homomorfismo sobrejetivo (pela normal-idade) de restricao G → Gal(F/k) dado por σ 7→ σ|F . O nucleo deste homomor-fismo e exatamente H, logo, pelo teorema dos homomorfismos, G/H ∼= Gal(F/k),a fortiori, H tem ındice finito em G. Pelas propriedades anteriores de limite pro-jetivo, isto permite definir um homomorfismo de grupos G → lim←−H∈F G/H, ondeF := Gal(F/k) |F e uma extensao galoisiana finita de k.

Teorema 26.7. O homomorfismo G → lim←−H∈F G/H e um isomorfismo degrupos.

Demonstracao. Observemos inicialmente que o nucleo e trivial. De fato seσ pertence ao nucleo, entao para toda extensao galoisina finita F/k contida em Ktemos que σ|F = 1. Mas como todo α ∈ K pertence a alguma extensao galoisianafinita F/k concluimos que σ = 1.

Para ver a sobrejetividade, observe que um elemento (σH) de lim←−HG/H satisfaz

a compatibilidade σH 7→ σH′ para H ′ ⊃ H. Isto nos permite definir σ ∈ Gglobalmente da seguinte forma. Seja α ∈ K, como observado, existe F/k galoisianafinita contida em K tal que α ∈ F . Seja H := Gal(K/F ) e σ(α) := σH(α).Observe que a condicao de compatibilidade acima afirma justamente que σ(α) nao

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180 26. TEORIA DE GALOIS INFINITA

depende da escolha de F . Portanto, isto define um elemento σ ∈ G. Alem disto,por construcao σ 7→ (σH).

Exemplo 26.8. Seja p um numero primo e para todo inteiro n ≥ 1 considere-mos Kn := Q(µpn) o pn-esimo corpo ciclotomico. Seja K := Q(µp∞). A extensaoK/Q e abeliana infinita. Como para todo n ≥ 1 temos que Gal(Kn/Q) ∼= (Z/pnZ)∗

concluimos que temos um isomorfismo de grupos Z∗p → Gal(K/Q). Este tipo de ex-tensao cicltomica foi estudada por K. Iwasawa e esta associada a funcoes L analıticasna topologia p-adica.

Exemplo 26.9. Similarmente, dada uma curva elıtica E sobre Q consideramosa extensao ciclotomica Q(E[pn]) gerada pelas coordenadas dos pontos de pn-torcaode E, lembre que E[pn] ∼= (Z/pnZ)2. Observe tambem que o grupo de Galois ab-soluto GQ := Gal(Q/Q) de Q age em E[pn], para todo n, assim temos uma repre-sentacao de GQ dada por ρn : GQ → GL(E[pn]) ∼= GL2(Z/pnZ) e pelas construcoesanteoriores podemos tomar o limite projetivo destas representacoes, obtendo assima representacao p-adica GQ → GL2(Zp). Na verdade o estudo destas representacoesremonta a trabalhos de Serre, Shimura e Lang-Trotter e um teorema profundo deSerre afirma que a representacao galoisiana ρ : GQ →

∏p GL2(Zp) tem imagem

aberta, se E nao tem multiplicacao complexa, i.e., a imagem de GQ e um subgrupode ındice finito em GL2(Zp) para todo p sendo igual a GL2(Zp) para quase todo p.O mesmo tipo de problematica pode ser encontrado no caso de variedades abelianas,mas a extensao do teorema de Serre depende de um conjectura sobre o grupo deMumford-Tate da variedade abeliana.

Pode-se considerar tambem extensoes ciclotomicas de extensoes ciclotomicas.Isto e o conteudo da seguinte conjectura devida a Safarevic.

Conjectura 26.10. Seja k0 := Q(µ∞) o compositum de todas as extensoesciclotomicas de Q em Q. Seja k/k0 uma extensao finita e Gk := Gal(Q/k). EntaoGk e isomorfo ao completamento de um grupo profinito livro em um numero enu-meravel de geradores.

E possıvel formular um analogo desta conjectura para curvas elıticas substi-tuindo Q(µ) por Q(E(Q)tor).

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CAPıTULO 27

Teoria de transcendencia

27.1. Bases de trasncendencia

27.2. Transcendencia de e

27.3. Transcendencia de π

27.4. Elementos de teoria de transcencencia

181

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[Ne] J. Neukirch, Algebraic Number Theory

[Ser] J.-P. Serre, Topics in Galois Theory[SerMW] J.-P. Serre, Lectures on the Mordell-Weil theorem

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[vWa] van der Waerden, Algebra.

183

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Indice Remissivo

K-automorfismos, 144

K-conjugados, 129

K-homomorfismos, 136

K-isomorfismo, 129

Z/nZ, 3

π(x), 27

ordp(n), 1

ϕα, 123

n-esima

extensao ciclotomica, 155

n-esimo

corpo ciclotomico, 155

polinomio ciclotomico, 157

p-divisıvel, 177

p-grupo, 76

p-subgrupo

de Sylow, 75

algarismos, 37

algoritmo

de Euclides, 7

anel, 9

comutativo com unidade, 10

de inteiros, 32

noetheriano, 88

quociente, 32

automorfismo

de aneis, 112

de grupo, 64

interno, 64

axioma

da boa ordenacao, 1

cancelamento, 7

caracterıstica

p, 133

0, 133

centro

de um grupo, 60

classe

de equivalencia, 2

lateral a direita, 54

lateral a esquerda, 54

compositum

de corpos, 152

comprimento

de serie, 79

conucleo

de homomorfismo, 87

conexao

de Galois, 149

congruencia

linear, 39

modulo ideais, 111

conjunto

de relacoes, 87

de geradores, 87

dos p-subgrupos de Sylow, 76

dos conjugados, 74

indutivo, 3

conteudo

de polinomio, 107

corpo

algebricamente fechado, 127

de decomposicao, 143

de fracoes de um domınio, 106

de numeros, 157

finito, 137

perfeito, 134

correspondencia

de Galois, 150

criterio

de Eisenstein, 100

criterios

de divisibilidade, 37

curva

elıtica, 90

discriminante

de polinomio, 172

divisıvel, 7

domınio

de integridade, 10

euclideano, 101

fatorial, 106

principal, 10

elemento

187

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188 INDICE REMISSIVO

algebrico, 123

inseparavel, 135

inversıvel, 36maximal, 3

neutro, 49

primitivo, 136puramente inseparavel, 139

separavel, 134

transcendente, 123elementos

inversıveis, 104

endomorfismode aneis, 112

de grupo, 64equacao

das classes de conjugacao, 74

diofantina, 39expoente

de grupo abeliano, 56

de polinomio, 139extensao

abeliana, 159

algebrica, 124cıclica, 159

de Artin-Schreier, 162

de corpos, 119de Kummer, 159

finita, 119finitamente gerada, 125

galoisiana, 145, 150

normal, 143separavel, 134

simples, 136

soluvel, 165soluvel por radicais, 166

transcendente, 124

fecho

algebrico de K em Ω, 128

algebrico de K em L, 127normal, 144

puramente inseparavel, 140

separavel, 136funcoes

aritmeticas elementares, 15funcao

φ de Euler, 16sobrejetiva, 1

de Mœbius, 15injetiva, 1

zeta de Riemann, 30funcoes

simetricas elementares, 122

grauda extensao, 119

de inseparabilidade, 140de monomio, 172de polinomio, 93

de separabilidade, 140

grupo, 49

abeliano, 49

abeliano de torcao, 85

cıclico, 56

das raızes n-esimas da unidade, 53

das raızes n-esimas da unidade, 155

de Galois, 154

finito, 49

infinito, 49

linear, 49

metacıclico, 68

profinito, 178

quociente, 60

simples, 79

soluvel, 81

hipotese

de Riemann, 31

homomorfimso

de grupos, 61

homomorfismo

de aneis, 106, 112

de modulos, 86

ideais

coprimos, 110

ideal, 9

maximal, 97, 111

primo, 112

principal, 10

soma, 110

imagem

de homomorfismo, 112

indıce

de um subgrupo, 54

inducao finita, 19

inteiro

em uma dada base, 37

livre de f -potencia, 14

livre de quadrados, 13

inteiros

gaussianos, 101

inverso, 49

isomorfismo

de aneis, 112

de grupos, 62

lema

chave, 55

da duplicacao, 126

de Gauss, 99

de Krull, 3

de Zorn, 3

limite

inverso, 177

superior, 3

maximo

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INDICE REMISSIVO 189

divisor comum, 8

maximo divisor comum

de polinomios, 95

modulo

finitamente gerado, 85

livre, 85

quociente, 85

sobre anel, 85

matriz

de presentacao, 87

matrizes, 49

monoide, 64

monomio, 172

multiplicacao

de Dirichlet, 15

multiplicidade

de raiz, 133

nucleo

de homomorfismo, 61, 112

numero

binomial, 1

composto, 11

de Fermat, 27

de Carmichael, 44

de divisores, 15

de Fermat, 23

de Mersenne, 27

primo, 11

numeros

p-adicos, 130

norma

de elemento, 121

normalizador

de um subgrupo, 75

ordem

p-adica, 1

de elemento, 55

de grupo, 49

parcial, 3

total, 3

parte

inteira, 1

pequeno

teorema de Fermat, 20

permutacao

de conjunto, 73

polinomio, 93

caracterıstico, 120

inversıvel, 94

irredutıvel, 97

mınimo, 123

monico, 95

primitivo, 107

puramente inseparavel, 139

separavel, 134

simetrico, 171

posto

da curva elıtica, 90

de um modulo, 85primos

em progressoes aritmeticas, 24

princıpioda inducao finita, 19

produto

de ideais, 113direto de grupos, 64

notavel, 1

semi-direto de grupos, 66pseudoprimo

em uma dada base, 44

raızes

n-esimas da unidade, 53

primitivas n-esimas da unidade, 55raızes

primitivas n-esimas da unidade, 155

raizde polinomio, 121

multipla, 133

simples, 133refinamento

de serie subnormal, 79proprio, 79

relacao

binaria, 2de equivalencia, 2

representacao

de grupo, 73por conjugacao, 73

por translacao, 73

restoquadratico, 116

resultante

de polinomios, 109

serie

de composicao, 79subnormal, 79

series

equivalentes, 79sımbolo

de Legendre, 116

separavelmentefechado, 140

sistemade congruencias, 40

somade divisores, 15progressao geometrica, 1

subgrupo, 52

caracterıstico, 64dos comutadores, 60gerado por subconjunto, 56

normal, 59submodulo, 85

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190 INDICE REMISSIVO

teorema

90 de Hilbert, 160

chines dos restos, 41, 114de inversao de Mœbius, 16

de Abel, 159

de Artin, 150de Artin para homomorfismos, 160

de Cayley, 73

de Dedekind, 160de Euclides, 20

de Korselt, 45

de Lagrange, 55de Mazur, 90

de Mordell, 90do isomorfismo de grupos, 62

fundamental da Algebra, 128

fundamental da teoria de Galois, 150teoremas

de Sylow, 75

tracode elemento, 121

transitividade, 7

valor

absoluto, 1