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ABRÃO, Janete - Espanha política e cultura (Livro)

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ESPANHA POLÍTICA E CULTURA

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ChancelerDom Dadeus GringsReitorJoaquim ClotetVice-ReitorEvilázio Teixeira

Conselho EditorialAna Maria Lisboa de MelloElaine Turk FariaÉrico João HammesGilberto Keller de AndradeHelenita Rosa FrancoJane Rita Caetano da SilveiraJerônimo Carlos Santos BragaJorge Campos da CostaJorge Luis Nicolas Audy – PresidenteJosé Antônio Poli de FigueiredoJurandir MalerbaLauro Kopper FilhoLuciano KlöcknerMaria Lúcia Tiellet NunesMarília Costa MorosiniMarlise Araújo dos SantosRenato Tetelbom SteinRené Ernaini GertzRuth Maria Chittó Gauer

EDIPUCRSJerônimo Carlos Santos Braga – DiretorJorge Campos da Costa – Editor-chefe

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Janete Abrão

(Organizadora)

ESPANHA POLÍTICA E CULTURA

Porto Alegre

2010

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© EDIPUCRS, 2010

CAPA Paloma Férez PastorREVISÃO DE TEXTO Rafael SaraivaDIAGRAMAÇÃO Janete Abrão

E77 Espanha : política e cultura [recurso eletrônico] / org. Janete Abrão. – Dados eletrônicos – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2010. 96 p.

Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de Acesso: World Wide Web: <http://www.pucrs.br/edipucrs/> ISBN 978-85-7430-998-9 (on-line)

1. Espanha – História. 2. História Contemporânea. 3. Espanha – História Política. 4. Cultura – Espanha. I. Abrão, Janete.

CDD 946.08

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SUMÁRIO

Apresentação ..................................................................................................................... 6 A Espanha sob o regime franquista: do isolamento à aceitação internacional (1939 – 1953) .................................................................................................................................. 8 Valentina Terescova Veleda O Dois de Maio, a “Guerra de Independência” e a Memória manipulada durante a Guerra Civil e o Franquismo ............................................................................................. 18 Janete Abrão A Imprensa e a Ditadura Franquista ................................................................................ 30 Sara Getino Garasa Operação propaganda! O cinema espanhol: do Franquismo à Transição Democrática (1939-1978) ..................................................................................................................... 41 Daniela Ribeiro Pereira O Labirinto do Fauno: o embate político-ideológico entre duas concepções de Espanha ........................................................................................................................... 66 Bruno Kloss Hypólito A Música na Espanha Franquista .................................................................................... 79 Marcus Antonio Wittmann

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APRESENTAÇÃO

Nas páginas seguintes, os leitores poderão apreciar o resultado das pesquisas

desenvolvidas por alunos do Curso de Graduação e Pós-Graduação em História da

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da PUCRS, orientados pela Prof.ª Dr. Janete

Abrão, sobre temas que se constituem em lacuna historiográfica em âmbito nacional: a

fratricida Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e, principalmente, a Ditadura Franquista

(1939-1975). O objetivo da publicação é o de promover debates, divulgar e incentivar

pesquisas relativas a esses temas, além de buscar compreender a História

Contemporânea da Espanha, no que se refere, tanto à política e às relações

internacionais como à sociedade e à cultura.

Nesse sentido, o presente volume reúne as contribuições de vários autores:

Valentina Terescova Veleda que, com o capítulo intitulado: “A Espanha sob o regime

franquista: do isolamento à aceitação internacional (1939-1953)” analisa as relações

internacionais do regime durante a II Guerra Mundial e os anos iniciais da Guerra Fria.

Janete Abrão, a organizadora do volume, discorre sobre os abusos da memória

oficial em seu capítulo: “O Dois de Maio, a ‘Guerra da Independência’ e a memória

manipulada durante a Guerra Civil e o Franquismo”.

No plano cultural, Sara Getino Garasa analisa, em “A imprensa e a Ditadura

Franquista”, a trajetória histórica da imprensa espanhola durante os anos do regime,

com ênfase nas duas Leis de Imprensa (de 1948 e a de 1966) decretadas durante o

franquismo.

Daniela Pereira Ribeiro, em “Operação propaganda! O cinema espanhol: do

Franquismo à Transição Democrática (1939-1978)”, explora as dinâmicas da ditadura

que afetaram diretamente a produção cinematográfica espanhola no período em

análise, assim como evidencia as contradições do regime através dos órgãos

governamentais que controlavam a propaganda na época.

Ainda se tratando de cinema, Bruno Kloss Hypólito analisa a partir do filme “O

Labirinto do Fauno”, dirigido pelo cineasta mexicano Guillermo Del Toro, as

concepções antagônicas sobre o Estado espanhol entre os diferentes grupos

envolvidos durante a Guerra Civil, representados, no filme, em seus diferentes

personagens e situações.

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Por fim, Marcus Antonio S. Wittmann, no capítulo “A Música na Espanha

Franquista”, traça um perfil das canções produzidas entre 1939 e 1975, evidenciando

que as mesmas serviram, tanto para a evasão da sociedade e sua adesão ao regime

como forma de protesto contra a ditadura.

Esperando ter cumprido com a tarefa de publicar algumas pesquisas,

atualmente em curso sobre a História da Espanha, desejo a todos uma ótima leitura.

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A Espanha sob o regime franquista: do isolamento à aceitação internacional (1939 – 1953)

Valentina Terescova Veleda Acadêmica do Curso de História – PUCRS, Brasil.

Guerra Civil Espanhola começou após o golpe perpetrado pelos militares, em 18

de julho de 1936, contra o governo republicano legitimamente eleito pelo povo,

estendendo-se por três anos e apresentando um saldo de mais de 400 mil mortos.

Como acontece com toda guerra civil, foi uma guerra fratricida, que colocou em lados

opostos pessoas de uma mesma família com pensamentos políticos e ideológicos

dicotômicos, criando uma animosidade que ultrapassou o tempo de guerra e adentrou

os anos posteriores. Segundo Eric Hobsbawm, “[...] a Guerra Civil Espanhola antecipou

e moldou as forças que iriam, poucos anos depois da vitória de Franco, destruir o

fascismo”.1

O historiador argumenta que a Guerra Civil Espanhola prenunciou a aliança

de frentes nacionais que ia de conservadores patriotas a revolucionários sociais, para a

derrota do inimigo nacional e simultaneamente para a regeneração social. Manuel

Tuñon de Lara, por sua vez, descreve como foi o dia imediatamente posterior ao fim da

guerra, na nota preliminar de seu livro “España Bajo La Dictadura Franquista”:

Milhões de espanhóis que haviam lutado nas fileiras republicanas ou que haviam se enquadrado sem paixão no exército de Franco, todos cansados de mais de três anos de guerra, assim como suas famílias, [...] terminaram por abraçar uma esperança ingênua e pensar, ‘depois de tudo, talvez não seja tão mal como tinham pintado’. E acreditavam no lema, ‘nenhum lugar sem lume, nenhum espanhol sem pão’, palavras do Caudillo que podiam ser lidas em edifícios, paredes nas ruas e imprensa diária. 2

O regozijo popular logo deu lugar às prisões e fuzilamentos sumários dos

“inimigos internos”, termo utilizado por Francisco Franco, em seu discurso de 3 de

abril de 1939, no qual conclama: “Espanhóis, alerta! Espanha segue em guerra contra 1 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos – O breve século XX (1914- 1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 162. 2 Millones de españoles que se habían batido en las filas republicanas lo que lo habían hecho sin pasión encuadrados en El ejército de Franco, cansados de casi tres años de guerra, así como sus familias [...], habían terminado por abrazar una esperanza ingenua y pensar ‘después de todo, tal vez no sea esto tan malo como lo han pintado. Y creían en el lema, ‘Ni un hogar sin lumbre, ni uno español sin pan’, palabras del Caudillo que podían leerse en edificios, paredes callejeras y prensa cotidiana. Cf. TUÑON DE LARA, Manuel. España Bajo La Dictadura Franquista (1939 – 1975). Barcelona, Editora Labor: 1980, p. 13.

A

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9

todo inimigo do interior e do exterior”. A propaganda utilizada de forma unilateral

pelos vencedores contra los rojos∗∗

Pode-se afirmar que foi um período aproveitado por aqueles que faziam parte

do lado vencedor para conseguirem mais facilmente acesso a cargos públicos e

diversas sinecuras. O exílio de intelectuais, de técnicos e de mão de obra qualificada,

resultou da mudança do pessoal da Administração Governamental e trouxe à Madri

núcleos populacionais originários das províncias que haviam sido “zona franquista”

durante a guerra, bem como de outras zonas empobrecidas da Espanha. O mesmo

fenômeno também pôde ser observado na formação do aparato burocrático do

Movimento “nacionalista”, em seus diferentes setores, o que criou um segmento

específico da classe média, muito ligado ao regime.

revestiu-se de atitudes revanchistas, que incluíam a

delação de qualquer desafeto como republicano; filhos de rojos não podiam estudar;

as mulheres de los rojos tinham os cabelos raspados nas praças dos pueblos (situação

semelhante à observada na França após a derrota nazista).

Por sua vez, a base do regime franquista foi o “Nacional-Catolicismo” e o

anticomunismo, criando um imaginário místico de uma “cruzada” dirigida pelo General

Franco, que faria com que a Espanha resgatasse seu passado imperial de glória e

poder, restituindo-a ao seu lugar de direito dentro da Europa. Os nomes de Isabel e

Fernando, os reis católicos, foram bastante lembrados como os promotores dessa “era

de ouro” do país, primeiramente com a expulsão dos muçulmanos e com as

posteriores descobertas na América. O discurso dos apologistas do Caudillo vinculava

Franco ao retorno desse período de prosperidade ou “idade de ouro”.

Outro fato histórico vinculado ao franquismo foi o “Dois de Maio de 1808”,

momento em que os espanhóis, tendo seu território invadido pelas forças de Napoleão

e com o rei e a família real feito reféns em Bayona, se rebelaram contra o inimigo

francês. Esse episódio foi utilizado pela propaganda franquista para criar uma ligação

entre o golpe de 18 de julho, com a expulsão do poder dos inimigos espanhóis,

representantes da derrocada da Espanha, os republicanos, e a tomada de poder pelos

“verdadeiros espanhóis”, os franquistas.

∗∗ A autora considerou que palavras com sentido não traduzível para a língua portuguesa e que perderiam seu sentido original deveriam ser escritas no idioma original. É o caso de rojos, pueblos, entre outras palavras presentes no texto.

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Pode-se acrescentar que a Igreja Católica assumiu uma função legitimadora

dentro do regime, desde o seu princípio. O papa Pio XII, no próprio dia 1º de abril de

1939, remeteu um telegrama a Franco, enviando sua benção apostólica. Após duas

semanas da emissão do referido telegrama, o Sumo Pontífice dirigiu à nação espanhola

uma mensagem, na qual ele afirmava que:

Os desígnios da Providência, amadíssimos filhos, voltaram a se manifestar mais uma vez sobre a heróica Espanha. A nação eleita por Deus como principal instrumento da evangelização do novo mundo e como baluarte inexpugnável da fé católica, acaba de dar aos prosélitos do ateísmo materialista de nosso século a prova mais excelsa de que acima de tudo estão os valores eternos da religião e do espírito. A propaganda tenaz e os esforços constantes dos inimigos de Jesus Cristo parece que, quiseram fazer, na Espanha, um experimento supremo das forças dissolventes que possuem a sua disposição espalhadas pelo mundo, e embora seja verdade que o Onipotente não permitiu por agora que conseguissem seu intento, tolerou ao menos alguns de seus terríveis efeitos, para que o mundo veja como a perseguição religiosa minando as bases da justiça e da caridade, que são o amor de Deus e o respeito a sua santa lei, pode arrastar a sociedade moderna aos abismos insuspeitos de uma mesma destruição e apaixonada discórdia.3

A participação da Igreja Católica foi intensa na censura, controle educativo,

repressão moral, causando uma confusão entre o âmbito religioso e o civil. Ela

promoveu a anulação dos matrimônios civis realizados durante o período republicano

e de Guerra Civil, anulando inclusive suas inscrições no Registro civil; anulou a

secularização dos cemitérios; restabeleceu a remuneração por haveres eclesiásticos e

a Igreja ficou livre de pagamentos de impostos territoriais; criou assessorias religiosas

em organizações falangistas, ministérios, centros de estudo, etc.4

3 Los designios de la Providencia, amadísimos hijos, se han vuelvo a manifestar una vez más sobre la heroica España. La nación elegida por Dios como principal instrumento da evangelización del nuevo mundo y como baluarte inexpugnable de la fe católica, acaba de dar a los prosélitos del ateísmo materialista de nuestro siglo la prueba más excelsa de que por encima de todo están los valores eternos de la religión y del espíritu. La propaganda tenaz e los esfuerzos constantes de los enemigos de Jesús Cristo parece que han querido hacer en España un experimento supremo de las fuerzas disolventes que tienen a su disposición repartidas por todo el mundo, y aunque es verdad que el Omnipresente no ha permitido por ahora que lograran su intento, ha tolerado al menos algunos de sus terribles efectos, para que el mundo viera cómo la persecución religiosa, minando las bases de la justicia y de la caridad, que son el amor de Dios y el respeto a su santa ley, puede arrastrar a la sociedad moderna a los abismos no sospechados de una misma destrucción y apasionada discordia. Tradução sob responsabilidade da autora.

4 TUÑON DE LARA. Op. Cit., p. 16 -17.

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Raymond Carr definiu o Estado espanhol franquista como “[...] unipartidarista,

totalitário e imperial [...]”.5

No entanto, a política adotada por Franco, na Espanha, após 1939 foi, conforme

Raymond Carr, “[...] uma estrutura bizantina de clãs políticos [...]”.

Franco, e seus correligionários, pregavam um Estado

espanhol baseado em uma “democracia orgânica”, oposta à “democracia inorgânica”,

baseada no sufrágio universal, no sistema de partidos e na responsabilidade

parlamentar dos governos. A “democracia orgânica”, segundo seus apologistas, era

uma verdadeira democracia, em que se viam representados os interesses da nação, e

não os interesses egoístas de eleitores individuais.

6

Em termos econômicos, a indústria espanhola do fim da Guerra Civil foi,

segundo Tuñon de Lara, “protoindustrial”. O grande número de baixas pessoais, por

morte, exílio ou desaparecimento, provocou uma queda demográfica que se refletiu

na falta de mão de obra nas indústrias e em um êxodo rural em direção às cidades de

uma população de “ex-combatentes”, que assumiram cargos de segunda categoria,

como porteiros, ordenanças, escriturários, etc.

Mesmo que

parecesse um bloco monolítico e coeso aos que assistiam o regime do exterior, o

governo era formado por clãs ou famílias, que disputavam a preferência do caudillo e

os cargos de maior relevo e importância na estrutura governamental. Essas famílias

compunham-se de elementos do Exército, de grupos políticos que representavam a

Igreja Católica, do Movimento da Falange (fascista), dos monárquicos franquistas, dos

tecnocratas e dos funcionários do Estado.

Em 1940, ocorreu a organização dos “sindicatos verticais”, com vistas a

diminuir disputas de classe entre empregados e patrões, controlados pela Falange. A

economia, nos anos abordados pelo presente texto, caracterizou-se pela adoção da

autarquia, na qual houve uma forte proteção aos produtos internos e o comércio

exterior foi dificultado através de mecanismos distintos. Cabe afirmar que essa

tendência protecionista já fora utilizada durante o período da Restauração Bourbônica,

no século XIX, quando ocorreu uma anulação progressiva do propósito de livre

comércio. Apesar disso, o modelo econômico instaurado, após a Guerra Civil, supôs

uma mudança qualitativa importante, pois, após 1939, não se tratava apenas de

5 CARR, Raymond. España 1808 – 1975. Barcelona: Ariel, 2003, p. 667. 6 CARR, Raymond. Op. cit., p. 665.

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proteger a produção nacional, mas sim de colocar em marcha uma política econômica

global, através da qual se pretendia alcançar a autossuficiência econômica frente ao

Exterior e onde se refletiu com nitidez a influência do nacional-socialismo alemão e,

sobretudo, do fascismo italiano. Separada do mundo exterior, a Espanha deveria ser

capaz de produzir tudo dentro de suas fronteiras, sem pensar nos custos envolvidos

nessa ação.

A agricultura, na década de 40, era a atividade mais enaltecida pelo regime,

devido, em parte, ao problema de alimentação enfrentado pelos espanhóis ocasionado

por períodos bastante acentuados de seca e, em parte, porque o regime considerava o

camponês como a verdadeira corporificação dos valores da “Cruzada Nacional”, em

oposição ao trabalhador urbano, corrompido pelo marxismo.

Nessa primeira fase do regime, situada entre 1939 e 1945, e marcada pela

Segunda Guerra Mundial, os aliados de Franco na Guerra Civil, Hitler e Mussolini,

iniciaram um conflito armado, primeiramente circunscrito à Europa, mas que, a partir

de 1941, adquiriu características mundiais. Francisco Franco foi obrigado a adequar

sua política – tanto interior como exterior – às mudanças no equilíbrio de forças

Europeias. A Espanha encontrava-se alquebrada econômica e moralmente após três

anos de guerra e Franco preferiu uma política de apoio ideológico ao Eixo, mas sem

uma participação bélica no conflito, optando pela “neutralidade”.

No dia imediato à ocupação de Paris pelas tropas nazistas, em 16 de junho de

1940, o “Diário Informaciones”, dirigido por Victor de La Sema, publicou: “Saudamos a

queda de Paris como um golpe mortal dirigido ao regime democrático”.7

7 “Saludamos la caída de Paris como un golpe mortal asestado al régimen democrático”. Tradução sob responsabilidade da autora.

O fato é que

Franco, após a tomada de Paris, mostrava-se favorável à participação espanhola na

guerra e, inclusive, ofereceu tropas a Hitler, mas, em troca, pediu apoio bélico e

estratégico para suas pretensões territoriais no Norte da África. Hitler declinou do

oferecimento, delimitando e restringindo, nesse momento, suas frentes de guerra em

duas direções: o Canal da Mancha e o Leste, em direção à União Soviética. Hitler

imaginava uma capitulação rápida da Grã-Bretanha após a queda da França, e não teve

interesse na oferta de Franco nesse momento. Somente dois meses depois pensou em

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um possível auxílio do ditador espanhol, quando lhe pareceu bastante claro que a Grã-

Bretanha não iria capitular frente ao exército alemão.

Em 1941, a operação alemã denominada “Barbarossa” invadiu a União

Soviética e o exército alemão rapidamente se aproximou das principais cidades

soviéticas, inclusive da capital, Moscou. Diante das vitórias alemãs, o discurso

franquista sofreu uma mudança: utilizando novamente o anticomunismo como

justificativa plausível, Franco adotou uma postura de “não beligerância”, mas enviou

soldados espanhóis, a Divisão Azul, para a frente soviética, como apoio ao exército de

Hitler. Logo ao chegar a Berlim essa tropa jurou fidelidade não a Franco, mas a Hitler.

Esse contingente de soldados fez parte da frente de Leningrado, participando no cerco

à cidade, suportando mais de 900 dias de um clima verdadeiramente inadequado aos

espanhóis, retirando-se em outubro de 1943 do país, antecipando a derrota e

consequente retirada do exército nazista da União Soviética.

Até 1943 a “prudência” de Franco, encarada por seus apologistas como a

qualidade que eles consideravam o dom supremo de sua condição de estadista

providencial, entrou em conflito com suas convicções, impedindo um apoio explícito a

favor do Eixo. Incapaz de adaptar-se à vitória dos Aliados, Franco acreditou que os

vencedores dariam apoio ativo à oposição para acabar com um ditador “fascista”. A

imprensa espanhola, determinada pela política oficial, louvava cada vitória alemã,

enquanto omitia, sempre que possível, as derrotas nazistas para os exércitos aliados, e

apoiava abertamente os aliados da Guerra Civil, além de profetizar insistentemente

sobre a derrota das democracias degeneradas nas mãos de uma ordem totalitária.8

Esse apoio, mais ideológico do que militar de Franco aos regimes fascistas,

acarretou à Espanha um período de isolamento internacional, marcado pela sua

ausência com relação ao Plano Marshall e pela sua falta de representação na

Organização das Nações Unidas (ONU).

O Plano Marshall (1948) foi um desdobramento da chamada “Doutrina

Truman”, propagada pelo presidente estadunidense Harry Truman, e lançado em

junho de 1947. Baseava-se em um programa de ajuda econômica aos países

diretamente envolvidos na Segunda Guerra, investindo maçiçamente na Europa

Ocidental, com o objetivo de diminuir a influência soviética no pós-guerra, 8 CARR, Raymond. Op. cit.,p. 677.

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assegurando sua hegemonia na região, bem como reestruturar a economia europeia.

Os investimentos incluíam matérias-primas, produtos e capital, na forma de créditos e

doações. Em contrapartida o mercado europeu evitaria impor qualquer restrição às

indústrias norte-americanas. Entre 1948 e 1952, o Plano Marshall forneceu US$ 14

bilhões para a reconstrução europeia.

Por outro lado, a ONU, criada em 24 de outubro de 1945, com a representação

de 51 países, como sucessora da Liga das Nações, foi formalmente elaborada em

Moscou, na conferência dos países aliados, em 1943. O então presidente dos Estados

Unidos, Franklin Roosevelt, sugeriu o nome de “Nações Unidas”, baseado em

conversas preliminares com o primeiro-ministro inglês Winston Churchill.9

A Espanha desejava fazer parte dessa nova conjuntura mundial. Precisava do

auxílio proporcionado pelo Plano Marshall e a ONU daria respaldo a um regime ainda

não aceito pela comunidade internacional como legítimo. Franco tentou uma

aproximação com Churchill, na expectativa da Espanha ser convidada a intervir numa

futura organização mundial. Nem mesmo a mudança de governo, ocorrida em 1945, fez

com que houvesse uma resposta positiva às aspirações franquistas. A ONU condenou o

regime de Franco, aconselhando a retirada de embaixadores do país, em 1946.

Somente em 1955 a Espanha tornou-se parte da ONU. Já a aproximação com os

Estados Unidos aconteceu antes, em 1953. Esses acontecimentos foram possibilitados

por pequenas “aberturas” proporcionadas pelo regime. A partir de 1946, ocorreu uma

mudança de estratégia da ditadura: ao fim da Segunda Guerra, Franco percebeu que

nem a Inglaterra nem os Estados Unidos desejavam uma mudança brusca na Península

Ibérica, ou seja, Salazar, em Portugal e ele próprio, na Espanha, representavam

possíveis aliados aos dois países e a ideologia que ambos representavam. Os meios

idealizados por Franco para alcançar a simpatia e a proteção dos dois países, e as

consequentes vantagens dessa aliança, incluíam a estabilização da institucionalização

governamental, inclusive através de uma “aproximação” com a monarquia exilada. Era

preciso, também, que o “nacional-sindicalismo” fosse esquecido, de modo que essas

pequenas alterações formais fizessem com que o regime fosse apresentável frente às

potências ocidentais.

9 CHURCHILL, Winston S. Memórias da Segunda Guerra Mundial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 592, v. 2.

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Nesse mesmo ano de 1946, ocorreu uma série de acontecimentos, que criou

uma situação preocupante para Franco e para sua equipe, e que resultariam em

mudanças: a condenação pela ONU do regime, a existência do governo Giral no exílio e

o auge da guerrilha. Todavia, o rápido desenrolar da Guerra Fria, com a consequente

polarização em dois blocos, as divisões internas da oposição e uma intensificação dos

mecanismos de repressão, provocaram um reforço das estruturas da ditadura, que

começavam a soçobrar. A monarquia exilada era outro problema para Franco. A

confederação monárquica estruturou-se ainda em 1946 e, Don Juan de Bourbon, saiu

da França em direção a Portugal, onde permaneceu no exílio, articulando a

restauração da monarquia bourbônica na Espanha.

Em 1947, teve início uma propaganda laudatória do regime, com slogans que

promoviam um clima de medo ao comunismo, relembrando sempre os horrores rojos,

além de exaltar as vantagens proporcionadas por Franco aos comerciantes,

proprietários, católicos, mulheres, entre outros. No mesmo ano, Franco outorgou a Lei

de Sucessão, criando o Conselho do Reino e o Conselho da Coroa, e regulando o

mecanismo de sucessão que, em definitivo, dependia inteiramente de Franco, que

podia, inclusive, retificar o nome de seu sucessor designado até seu último dia de vida.

Assim, Franco garantiria uma transição para a monarquia, mas em um futuro incerto,

podendo inclusive destituir aquele a quem designaria como herdeiro. Em agosto de

1948 ocorreu um encontro entre Don Juan, herdeiro legítimo do trono espanhol, e

Franco, a bordo do iate “Azor”, de propriedade deste último. O assunto discutido entre

os dois foi a sucessão pretendida pelos monarquistas e a possível designação de Don

Juan Carlos como herdeiro de Franco. O encontro não teve uma definição nesse sentido

naquele momento, mas, em novembro de 1948, o futuro rei Juan Carlos retornou para

a Espanha para fazer seus estudos em seu próprio país, sob a tutela de Franco.

Na década de 50, a política espanhola sofreu mudanças, ainda que não

essenciais: as econômicas, com a mudança da burguesia agrária pela burguesia

comercial e financeira como bloco dominante; as sociais, um crescimento irregular da

população, o êxodo rural em direção às cidades adquiriu um caráter massivo e a

diminuição demográfica ocorrida em áreas inteiras, como Castilla, Aragón, Galícia

interior, entre outras. Ocorreu um abismo entre os salários reais e a condição de vida da

população, o que ocasionou greves em algumas cidades, como Bilbao, no País Basco.

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Em 1953, foi firmado um acordo entre o presidente estadunidense Dwight

Eisenhower e Francisco Franco, com a visita de Eisenhower à Espanha, ocorrendo

apenas em 1957. Em troca de ajuda financeira por parte dos Estados Unidos, a

Espanha permitiria a instalação de bases militares (aéreas e navais) norte-americanas

em seu território, como já acontecera na Alemanha Ocidental e na Itália, não ficando

claro se essas bases teriam um caráter nuclear ou se aviões com carga atômica

voariam sobre território espanhol. A primeira base foi a de La Rota, em Cádiz, ponto

estratégico de entrada e saída entre o Mediterrâneo e o Oceano Atlântico. Em seu

aspecto econômico, o acordo previa ajuda ao governo espanhol e aos organismos que

este designasse. Um mês antes da assinatura do acordo entre os dois países, a Espanha

tinha firmado uma Concordata com a Santa Sé, legitimando mais uma vez a Igreja

Católica como uma das mantenedoras do regime no poder.

CONCLUSÃO

Ao realizar a análise do material historiográfico sobre o período abordado

nesse capítulo é possível constatar o grande número de documentos à disposição,

tanto na forma de livros como em sites na internet, filmes baseados na história da

época, documentários, fotografias e testemunhos orais.

As abordagens possuem divergências: alguns historiadores têm uma visão e

uma posição a favor do franquismo e de Francisco Franco, enquanto que outros

historiadores mostram-se críticos mordazes do regime. Historiadores, como Raymond

Carr, por exemplo, abordam a história do período franquista de forma mais isenta

possível, procurando evitar juízos de valores anacrônicos, baseados em perspectivas

contemporâneas.

De todas as formas, Franco, foi um ditador que governou o país por 36 anos,

ainda que, a partir do final da década de 60, tenha se afastado progressivamente da

vida pública em razão de seu estado de saúde, deixando a direção do governo nas

mãos de colaboradores de confiança e, até mesmo, o Príncipe Juan Carlos ocupou, em

algumas ocasiões, esse cargo. Sua política governamental, ainda hoje, é objeto de

estudo, com autores a caracterizando como totalitária e outros preferindo classificá-la

como uma forma particular de fascismo. Durante os primeiros anos de seu governo, a

Espanha manteve-se isolada do mundo exterior, numa tentativa de proteger o regime

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recém chegado ao poder e garantir a política autárquica concebida pelo governo. A

Igreja Católica ocupou um papel importante, atuando como suporte do regime no

exterior e dentro da própria Espanha. Com o fim da Segunda Guerra, ocorreu uma

necessidade de mudança de posição por parte de Franco. Ele se utilizou mais uma vez

do anticomunismo para se aproximar dos Estados Unidos, potência militar e política

capitalista erigida depois da II Guerra em contraposição à União Soviética, com sua

ideologia baseada no comunismo materialista, contrária ao “Nacionalismo-Católico”

defendido por Franco. Em 1953, iniciou-se o processo de aceitação internacional do

regime, que culminou com seu reconhecimento entre os membros da ONU, em 1955.

Essa aceitação esteve vinculada à posição estratégica do território espanhol,

seu envolvimento com a causa anticomunista e mudanças em sua apresentação

governamental, o que foi chamado oportunamente de “constitucionalismo

cosmético”.

Por fim, a capacidade de adaptação de Francisco Franco e seu regime

(comprovada pela mudança, senão ideológica, de posição, após a Segunda Guerra); o

medo da população de que uma nova Guerra Civil acontecesse, levando novamente à

morte pessoas de idade plenamente ativa, além de levar ao exílio grande parte da

intelectualidade espanhola, como escritores, professores universitários, artistas, em

geral, e mão de obra especializada; e, a partir dos anos 50, um desenvolvimento

econômico baseado na instalação de indústrias multinacionais e desenvolvimento do

turismo, podem explicar a sobrevivência do regime franquista por tempo tão longo

sem que ocorresse tentativa, por parte de outros países democráticos, em destituir El

Generalísimo do poder.

REFERÊNCIAS

CARR, Raymond. España 1808 – 1975. Barcelona: Ariel, 2003.

CHURCHILL, Winston S. Memórias da Segunda Guerra Mundial. 3ª ed. , v.2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos – O breve século XX (1914- 1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

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O Dois de Maio, a “Guerra de Independência” e a Memória manipulada durante a Guerra Civil e o Franquismo

Janete Abrão Professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências

Humanas da PUCRS, Brasil. Doutora em História Contemporânea

arrar a história é uma forma de operar sobre a identidade nacional, sobre o

conceito de nação e de Estado, assim como sobre a “construção” discursiva

acerca da memória coletiva e da cultura nacional.1

Segundo afirma Paolo Jedlowski:

No plano teórico, [...] convém entender a memória coletiva como a seleção, a interpretação e a transmissão de certas representações do passado produzidas e conservadas especificamente desde o ponto de vista de um grupo social determinado.2

Contudo, cabe esclarecer que:

Na medida em que cada sociedade – e em particular cada sociedade moderna – está constituída por uma pluralidade de grupos, não é possível falar propriamente de uma única memória coletiva: cada grupo elabora aquela representação do passado que melhor se adapta a seus valores e a seus interesses. Assim, mais que um conjunto homogêneo e coerente de representações do passado, a memória coletiva tem que ser pensada como o lugar de uma tensão contínua: o passado que ela custodia é posto em jogo pelos conflitos recorrentes que o formulam e o reformulam incessantemente.3

O Dois de Maio de 1808, ocorrido em Madri, é um dos acontecimentos que mais

há sido interpretado, apropriado e manipulado historicamente pelos diferentes

regimes, partidos e ideologias implicadas no processo de “construção”, definição e

consolidação discursiva da nação, da memória coletiva, da identidade e do Estado

nacional espanhol. Nesse sentido, este capítulo tem por objetivo analisar, de forma

1 “Por cultura nacional se designa essa parte do imaginário coletivo (produzido por práticas discursivas) que se oferece como marco formal de integração simbólica do conjunto da sociedade.” Cf. BOUCHARD, Gérard. (2003). Gênesis de las naciones y culturas del Nuevo Mundo. Ensayo de historia comparada. México: Fondo de Cultura Económica, p.35. Tradução sob responsabilidade da autora. 2 JEDLOWSKI, Paolo. La sociología y la memoria colectiva. In: BAKHURST, David, BELLELLI, Guglielmo, RIVERO, Alberto Rosa (Orgs.). Memoria colectiva e identidad nacional. Madrid: Biblioteca Nueva, 2000, p. 126. Tradução sob responsabilidade da autora. 3 JEDLOWSKI, Paolo. Op. cit., p. 127. Tradução sob responsabilidade da autora.

N

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19

breve, as diferentes interpretações sobre o Dois de Maio, bem como sobre a guerra que

a historiografia espanhola convencionou relacionar diretamente com este

acontecimento: a “Guerra de Independência”(1808-1814).4

Cabe afirmar que, a partir de 1808, existiram duas interpretações político-

ideológicas que buscavam explicar, tanto o Dois de Maio como a “Guerra de

Independência”

Pretende-se analisar os dois

temas desde a interpretação absolutista e liberal, passando pelas interpretações

elaboradas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e pelo regime franquista

(1939-1975).

5

A interpretação absolutista e católica, de caráter reacionário e tradicionalista,

concebeu o Dois de Maio e a Guerra como um levantamento de toda a Espanha, de

todos os espanhóis que, de forma unânime, se voltam contra o usurpador francês do

trono, contra a ameaça do ateísmo e contra a presença estrangeira em território

espanhol. Segundo essa interpretação, Fernando, príncipe de Astúrias, foi proclamado

rei no dia 19 de março de 1808, depois que o Motim de Aranjuez destituiu a Manuel

Godoy e Carlos IV renunciou à Coroa. Contudo, pouco tempo durou seu primeiro

reinado. Fernando VII foi enganado e conduzido a Bayona, onde o imperador francês,

Napoleão Bonaparte, lhe impôs a renuncia ao trono e, assim, foi proclamado rei da

Espanha José Bonaparte, o rei Intruso. Como reação os súditos espanhóis no dia Dois

: a absolutista e católica e a liberal.

4 “É duvidoso que o conflito desatado na península Ibérica entre 1808 e 1814 se ajustara realmente à categoria de ‘guerra de independência’, segundo ficou consagrado mais tarde pela versão nacionalista. Se por guerra de independência entendemos uma tentativa de secessão dos habitantes de um território integrados contra sua vontade em um conglomerado imperial, haverá que reconhecer que Napoleão não pretendia converter a monarquia espanhola em província de um império radicado em Paris, senão mudar a dinastia reinante; algo, por certo, nem extraordinário nem repugnante para a tradição peninsular, já que havia ocorrido cem anos antes, quando os Bourbons substituíram aos Habsburgos, com resultados considerados em geral positivos e sem originar uma situação de subordinação formal respeito à França. [...]. Apresentar, portanto, a longa e sangrenta confrontação de 1808 a 1814 como uma ´guerra de Independência´, ou enfrentamento com ‘os franceses’ por uma ‘liberação espanhola´, é uma dessas simplificações da realidade tão típicas da visão nacionalista do mundo, o de qualquer outra visão doutrinária em definitiva, sempre dadas a explicar conflitos complexos em termos dicotômicos e maniqueístas, graças ao qual conseguem atrair e mobilizar politicamente.” Cf. ÁLVAREZ JUNCO, José. Mater dolorosa: la idea de España en el siglo XIX. 5ª ed. Madrid: Taurus, 2003, p.119-120. Tradução sob responsabilidade da autora. 5 Essa relação pode ser considerada uma distorção na medida em que, segundo afirma Alberto Rosa e outros autores, um dos procedimentos utilizados na distorção das representações do passado para fins identitários ou político-ideológicos é a manipulação de associações entre acontecimentos. BAKHURST, David, BELLELLI, Guglielmo, RIVERO, Alberto Rosa (Orgs.).Op. cit., p. 70. De fato, não há evidências de que o Dois de Maio deu origem à “Guerra de Independência”. O próprio título de “Guerra de Independência” é uma invenção posterior a 1833. Cf. ÁLVAREZ JUNCO, José. Op. cit., p. 127.

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de Maio de 1808 se sublevaram contra a usurpação do trono, em defesa do monarca

(Fernando, o Desejado)6 e da religião católica. Com a dura repressão das tropas

francesas (e o fatídico Três de Maio, pintado por Goya), teve início, em toda a Espanha,

a “Guerra de Independência”. Alguns dos principais representantes desse discurso e

defensores da Espanha tradicional foram: José Joaquín Colón7 e o frade Simón López.8

O discurso liberal, por sua vez, interpretou o Dois de Maio como o nascimento

da nação política espanhola, como o nascimento da nação cívica, que sonhava com a

revolução (liberal) por fazer. O Dois de Maio surgiu, assim, segundo o discurso liberal,

em decorrência da “vontade política do povo”, que buscava transformar o regime, as

instituições existentes e alcançar a liberdade. Seus primeiros porta-vozes foram Flórez

Estrada e Romero Alpuente.

Não obstante, inclui-se também nesse grupo o bispo de Orense, Miguel de Lardizábal,

os frades Francisco de Alvarado e Rafael de Vélez, assim como Juan Pérez Villamil y

Paredes, partidário acérrimo do Antigo Regime.

9

Portanto, para o primeiro liberalismo espanhol, o Dois de

Maio era o mito fundador por excelência, sobre o qual se levantava e se legitimava a

nação moderna espanhola. Segundo esclarece Jorge del Palácio Martín:

[…] o Dois de Maio perpetuava a memória de um episódio histórico em que se predicavam todos os elementos constituintes de um discurso de construção nacional. Se predicava a defesa do território, a unidade, a luta da liberdade contra a tirania política e, sobretudo, a emergência de um sujeito chamado a ser a custódia da soberania: a nação.10

Conforme argumenta o liberal Antoni de Capmany y Montpalau, em sua obra

Centinela contra franceses, editada em Madrid, em 1808:

6 LA PARRA LÓPEZ, Emilio. “El mito del rey deseado” En: Sombras de Mayo: mitos y memorias de la Guerra de la Independencia en España (1808-1908). Madrid: Casa de Velásquez, Colección n. 99, 2007. 7 COLÓN, José Joaquín. España vindicada en sus clases y autoridades de las falsas opiniones. Alicante/Cadiz: 1811 [s.n.] 8 Para Simón López, autor de um folheto intitulado Despertador Cristiano-Político publicado em Valência, em 1809, “[...] la conducta de los franceses era ´sacrílega, pérfida, sanguinaria, inhumana, irreligiosa´ e Napoleão era ´la encarnación moderna del Anticristo´.” Cf. ÁLVAREZ JUNCO, José. Op. cit., p.345. 9 FLÓREZ ESTRADA, Álvaro. Introdución para la historia de la revolución de España.,[1810] AL PUENTE, Juan Romero. El grito de la razón al español invencible. Folheto. Zaragoza, 1808. 10 “[…] el Dos de Mayo perpetuaba la memoria de un episodio histórico del que se predicaban todos los elementos constituyentes de un discurso de construcción nacional. Se predicaba la defensa del territorio, la unidad, la lucha de la libertad contra la tiranía política y, sobre todo, la emergencia de un sujeto llamado a ser el custodio de la soberanía: la nación.” Cf. PALACIO MARTÍN, Jorge del. Madrid, 2 de Mayo de 1814: la invención de un mito liberal. Disponível em: http://portal.uam.es. Acesso em 4/3/2008.

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Que importaria a um Rei ter vassalos, se não tivesse nação? Esta é formada não pelo número de indivíduos, mas pela unidade das vontades, das leis, dos costumes, e do idioma, que as encerra e mantém de geração em geração. [...]. Onde não há nação, não há pátria, porque a palavra país não é mais que terra que sustenta pessoas e bestas ao mesmo tempo.11

Entretanto, com a reação absolutista, a interpretação liberal sobre o Dois de

Maio não pode manter o caráter político consagrado à liberdade. Ricardo García Cárcel

assegura que:

Com o retorno de Fernando VII ao poder e a repressão sobre os liberais se legitima, desde a Corte, a interpretação conservadora da guerra, como expressão da lealdade ao rei de seu povo. Épica militar, xenofobia, fernandismo e integrismo religioso. A memória liberal somente ressuscita – salvo a fugaz experiência do Triênio [liberal] – a partir de 1837 e será distinta ao projeto que formularam Flórez Estrada ou Romero Alpuente. A guerra já é passado e sua análise se dá em função de seus resultados. Os liberais, aqueles velhos radicais das Cortes de Cádiz, se integraram na política de governo após a morte de Fernando VII. Toreno escreve sua clássica História do levantamento, guerra e revolução da Espanha (1836-1837), na qual enterra o sonho da revolução [liberal] pendente.12

Portanto, depois de muitas convulsões, o Estado liberal pôde ser implantado,

mas com o forte caráter oligárquico que lhe dava o moderantismo. Para o governo dos

liberais moderados, o Dois de Maio e a “Guerra da Independência”, seriam

interpretados desde a ótica patriótica. Em outras palavras, para o governo dos

moderados, o Dois de Maio não devia ser interpretado e comemorado como a luta do

11 “¿Qué le importaría a un Rey tener vasallos, si no tuviese nación? A ésta la forma, no el número de individuos, sino la unidad de las voluntades, de las leyes, de las costumbres, y del idioma, que las encierra y mantiene de generación en generación. […]. Donde no hay nación, no hay patria, porque la palabra país no es más que tierra que sustenta personas y bestias a un mismo tiempo.” Cf. CAPMANY y MONTPALAU, Antonio. Centinela contra franceses. Madrid, 1808. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com Acesso em 10/5/2005. 12 “Con la vuelta de Fernando VII y la represión sobre los liberales se legitima desde la Corte sólo la interpretación conservadora de la guerra, como expresión de la lealtad al rey de su pueblo. Épica militar, xenofobia, fernandismo e integrismo religioso. La memoria liberal sólo resucitará – salvo la fugaz experiencia del Trienio – a partir de 1837 y será distinta al proyecto que formularon Flórez Estrada o Romero Alpuente. La guerra es ya pasado y su análisis está en función de sus resultados. Los liberales, aquellos viejos radicales de las Cortes de Cádiz, se han integrado en la política de gobierno tras la muerte de Fernando VII. Toreno escribe su clasica Historia del levantamiento, guerra y revolución de España (1836-37), donde entierra el sueño de la revolución [liberal] pendiente.”GARCÍA CÁRCEL, Ricardo. “Memoria de la España indómita”. Disponível em http://www.muyinteresante.es/reportajes/memoria-de-la-espana-indomita.html Acesso em 9/3/2008.

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povo pela sua liberdade política, mas circunscrever-se ao heroísmo daqueles

“generosos patriotas” de 1808, como Luís Daoíz y Pedro Valverde.13

Transcorridos mais de cento e vinte anos, em 1936, o Dois de Maio e a “Guerra

da Independência” contra a invasão napoleônica repousavam na memória coletiva dos

espanhóis, e as duas facções – republicanos e “nacionais” – recorreram a ela para

motivar seus seguidores a partir da relação estabelecida entre esses fatos históricos

teoricamente “compartidos” e as “causas”, as ideologias e as concepções de nação e

do Estado espanhol que defendiam. Dessa forma, no primeiro terço do século XX, e

durante os breves anos da II República, o Dois de Maio esteve sujeito a várias

interpretações, tanto da esquerda revolucionária como da direita defensora da religião

e das tradições nacionais.

Através da análise de algumas publicações, discursos e propagandas

revolucionárias, surgidas durante a Guerra Civil Espanhola, evidenciam-se várias

alusões ao Dois de Maio e à “Guerra de Independência”. Cabe ressaltar que dentre os

lemas difundidos pelos republicanos, como os de: Liberdade, Frente Popular e

República entre outros, o termo Independência não é o menos reiterado com a

conotação de território invadido que o povo devia defender. Efetivamente, a palavra

independência é exibida em numerosos discursos, panfletos e jornais da época.

Republicanos e comunistas, com frequência, se referem à guerra civil que assolou o

país como a “segunda guerra de independência”.14

Por exemplo, Manuel Azaña,

presidente de Governo da Segunda República Espanhola, em um discurso pronunciado

em Valência, em 21 de janeiro de 1937, afirmou que

A Guerra de Independência – a qual me remeto muitas vezes, sempre que falo da atual contenda – guardou e amparou o nascimento de um movimento político espanhol, o primeiro no qual nossa nação

13 Entretanto, com a Ditadura de Primo de Rivera (1923-1930), a interpretação conservadora se sobrepõe à liberal. Em 1926, foi publicada a segunda edição da obra Memórias de um setentão, de Ramon Mesonero Romanos, na qual o autor sublinha os notáveis acontecimentos que “iam desenvolvendo o terrível drama de 1808, iniciado por aquele alçamento nacional”, no qual o povo dava “vivas a Fernando, à Religião, à Espanha, e à Virgem de Atocha”, com o objetivo de “mortificar no possível ao enfadado hóspede [Murat], a quem por instinto cordialmente detestavam”. Cf. MESONERO ROMANOS, Ramon de. Memorias de un setentón, natural y vecino de Madrid escritas por el curioso parlante. 2ª. ed. Madrid: Renacimiento. 1926. 14 Boletín de la Biblioteca del AGGCE, n.2, Madrid, março de 2008.

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tomava consciência de seu próprio ser e começava a alçar vôo a independência política. 15

Com anterioridade, em dezembro de 1936, Santiago Carrillo, comunista e

membro da Junta de Defesa de Madri, em seu discurso pronunciado, em Valencia, no

Teatro Apolo, havia invocado a juventude para a “luta pela independência da pátria”.16

Há que se mencionar também a reedição dos populares Episódios Nacionais, de

Pérez Galdós, escritos entre 1872 e 1912.

Em realidade parece que o planejamento da luta como rechaço ao invasor está

presente quase desde o primeiro momento do enfrentamento bélico.

17 Em 1936, em plena batalha de Madrid, o

Ministério da Instrução Pública edita alguns fragmentos do “Dois de Maio” e de

“Napoleão de Chamartín”, ambos de Galdós, incluindo aqueles episódios de guerra

que são narrados na novela e que, tal e como se assevera no prólogo, descrevem uma

situação que “guarda grande semelhança [...], inclusive com os pormenores da

situação atual [...]: defendemos o espanhol nas guerras napoleônicas e o defendemos

hoje contra o fascismo internacional”. 18

Dois anos depois, em 1938, foram editados, como especial homenagem ao

Exército Popular, ao menos as três primeiras novelas da série galdosiana, nas quais não

se duvida em apresentar a guerra como a “segunda guerra de independência da

Espanha.”

19

Avançado o conflito, e após os sucessivos reveses sofridos pelo bando

republicano e a progressiva perda territorial, o modelo da guerra do século XIX era

15 “La Guerra de la Independencia – hacia la cual me vuelvo muchas veces, siempre que hablo de la actual contienda – cobijó y amparó el nacimiento de un movimiento político español, el primero en que nuestra nación tomaba consciencia de su propio ser y empezaba a aletear con independencia política”. Cf. AZAÑA, Manuel. “Hacia la victoria: por la libertad y la independencia de España”. Discurso pronunciado en el Ayuntamiento de Valencia el día 21 de enero de 1937. Madrid: Consejo Nacional de Izquierda Republicana, 1937. 16 CARRILLO, Santiago. ¡Salud a la heroica juventud española! Toda la juventud en defensa de la independencia de la patria. Texto taquigráfico del discurso pronunciado el día 16 de diciembre de 1936 en el Teatro Apolo de Valencia. Bilbao: Joven Guardia, 1937. 17 Os Episodios Nacionales trata-se de uma coleção de 46 novelas históricas escritas por Benito Pérez Galdós que foram redatadas entre 1872 e 1912. Estão divididas em cinco séries e tratam da História da Espanha desde 1805 até 1880, aproximadamente. 18 “[...] guarda gran semejanza […] incluso con los pormenores de la situación actual […] defendimos lo español en las guerras napoleónicas y lo defendemos hoy contra el fascismo internacional”. Cf. PÉREZ GALDÓS, Benito. El 2 de Mayo. Madrid: Ministerio de Instrucción Pública y Bellas Artes, Sección de Publicaciones, 1936. Ediciones de la Guerra Civil. 19 PÉREZ GALDÓS, Benito. [Prólogo de Enrique Diez-Canedo]. Edición especial en homenaje a nuestro glorioso Ejército Popular en la segunda guerra de la independencia de España. Madrid: Nuestro Pueblo, 1938 (Barcelona: Sociedad General de Publicaciones).

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igualmente útil para manter a esperança e, sobretudo, para cultivar o moral da

resistência. No discurso de Santiago Carrillo, pronunciado no Cine Capitol durante a

celebração do aniversário da passada guerra de independência, o Dois de Maio de

1938 recordava aquela epopeia na qual “apesar dos progressos que fez o exército

invasor, o povo soube levantar-se e vencer o inimigo”. 20 Igual perspectiva mantém o

general Mariano Gámir, em 1938, com uma obra que analisa as façanhas do Dois de

Maio, assim como as batalhas de Bailén e Bruc. Para esse militar republicano, foi “o

surgimento espontâneo e formidável do povo o que fez com que aquela guerra de

independência de 1808 e a atual formem dois elos de firme soldadura na corrente da

nossa história pátria." 21

Nesse sentido, a luta pela independência – com o antecedente exemplar de

1808 – era um conceito válido para deslegitimar o bando contrário como exército

invasor, e para denunciar o fracasso da Política de Não-Intervenção, a “política de

apaziguamento”, da Inglaterra e da França com relação à política imperialista da

Alemanha nazista.

O apelo ao sentimento de independência, por exemplo, pôde ser evidenciada

no folheto intitulado A luta por nossa independência, publicado em 1938, no qual se

narra a guerra contra Napoleão e se insiste em que apesar da inicial perda de território

não só se conseguiu expulsá-lo da Espanha, mas também se contribuiu para que ele

deixasse de ser imperador dos franceses.22

Cabe afirmar que o mito da “Espanha indomável” de 1808, que se opõe à

dominação estrangeira, teve enorme repercussão durante o regime franquista (1939-

1975). Mas há que se levar em consideração o fato de que, o franquismo, não fez

senão capitalizar, em seu interesse, o discurso romântico nacionalista, tradicionalista e

Um claro precedente, pois, no qual

vislumbrar a futura expulsão do fascismo da Espanha e sua total derrota no âmbito

internacional.

20 “[…] a pesar de los progresos que hizo el ejército invasor, el pueblo supo levantarse y vencer al enemigo”. Cf. CARRILLO, Santiago. ¡Fuera el invasor de nuestra patria! Discurso pronunciado en el cine Capitol, de Valencia, el 2 de mayo de 1938. Valencia: Alianza/ J.S.U, Comité Provincial de Madrid, 1938. 21 “[…] surgimiento espontáneo y formidable del pueblo el que hace que aquella guerra de la independencia de 1808 y la actual formen dos eslabones de firme soldadura en la cadena de nuestra historia patria.” Cf. GÁMIR ULIBARRI, Mariano. Tres hechos culminantes de la guerra contra Napoleón en España. Barcelona: Biblioteca Militar de Catalunya. 1938. 22 SPAIN against the invaders: Napoleón 1808- Hitler and Mussolini 1936. London: United Editorial Limited/ Madrid: Ediciones Españolas, 1938 apud Boletín de la Biblioteca del AGGCE, n.2, Madrid, marzo de 2008.

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católico de fins do século XIX, com toda a sua carga emocional. Foi nesse sentido que o

franquismo relacionou o Dois de Maio de 1808 ao Dezoito de Julho de 1936.23 Dessa

forma, a historiografia de cunho franquista não duvidou em afirmar que os

acontecimentos históricos de maior transcendência para a “pátria espanhola” eram a

“Guerra de Independência” (1808-1814) e a “Guerra de Libertação”(1936-1939).24

Cabe ressaltar que um dos principais ideólogos do fascismo espanhol, Gimenez

Caballero, recém finalizada a guerra civil, não vacilou em proclamar “el triunfo del Dos

de Mayo”.25

Já o historiador Ricardo del Arco y Garay, em Grandeza y Destino de

Espana, obra publicada em 1942, em sua apologia ao bando “nacional” e ao exército

de Francisco Franco, de forma anacrônica, compara o alçamento de 1936 com a

revolta popular de 1808”:

O Movimento Nacional há chegado – como chegou o Alçamento de 1808 – pela traição de uns governantes que venderam a nação ao bolchevismo russo. E a boa Espanha, representada pelo seu Exército, se há levantado para defender sua vida livre e digna, depois de haver agüentado toda sorte de atropelos cometidos ou amparados pelo Poder público, que não se deteve nem pelo assassinato. Por muitas atrocidades que cometessem desde 1808 até 1813 os franceses invasores – e foram muitas –, não têm ponto de comparação com os horrores perpetrados pelos marxistas: mortes violentas de bispos, sacerdotes e religiosos; martírios, assassinatos [...]; incêndios de templos, [...], saques e destruição de tesouros artísticos. 26

Outro documento significativo é a LEGISLACIÓN DE LA ENSEÑANZA MEDIA

ditada por Franco em 14 de abril de 1939. Segundo consta nesse documento:

23 CÁRCEL, Ricardo García. El sueño de una nación indomable: los mitos de la guerra de la Independencia. 2ª. ed. Madrid: Temas de Hoy. 2007. 24 CHAMORRO MARTÍNEZ, Manuel. 1808-1936: dos situaciones históricas concordantes. 6ª. ed. Madrid: Doncel. 1975 25 GIMÉNEZ CABALLERO, Ernesto. Triunfo del 2 de mayo. Madrid: Los Combatientes. Fe y acción. Fascículo doctrinal, 3. 1939. 26 “El Movimiento Nacional ha llegado – como llegó el Alzamiento de 1808 – por la traición de unos gobernantes que vendieron la nación al bolchevismo ruso. Y la buena España, representada por su Ejército, se ha levantado para defender su vida libre y digna, después de haber aguantado toda suerte de atropellos cometidos o amparados por el Poder público, que no se detuvo ni en el asesinato. Por muchas felonías que cometiesen desde 1808 hasta 1813 los franceses invasores – y fueron muchas -, no tienen punto de comparación con los horrores perpetrados por los marxistas: muertes violentas de obispos, sacerdotes y religiosos; martirios, asesinatos […]; incendios de templos, […], saqueo y destrucción de tesoros artísticos.” ARCO Y GARAY, Ricardo del. Grandeza y destino de España. Prólogo de Federico García Sanchíz. Madrid: Escelicer, 1942, p. 249-250.

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Se estudará a gloriosa e espanholíssima guerra de Independência [...] com um sentido espanhol, anti-exótico, tradicional, católico e monárquico [...]. Não se deve esquecer que a História da Espanha nesses primeiros anos, ademais, deve senti-la [o aluno] como meio de sentir a pátria. 27

Do que foi exposto nas páginas anteriores, pode-se afirmar que o Dois de Maio

e a “Guerra de Independência” foram processos bastante complexos, nos quais nem

todos os segmentos da sociedade estavam contra Napoleão e as reformas de caráter

modernizador que ele pretendia estabelecer na Espanha. A “Guerra de Independência”

não se desenrolou de igual forma em todo o território espanhol, nem as elites estavam

de acordo sobre qual regime dariam seu apoio. O Dois de Maio, por sua vez, foi uma

revolta popular, repentina, inesperada, desorganizada e sangrenta, na qual não se

valeu de proclames impressos nem artifícios de oratória para provocá-la. Ninguém

esperava o que ocorreu, nem seus principais protagonistas: criados, operários,

vendedores ambulantes, camponeses dos arredores de Madrid.28 Corroborando com o

escritor espanhol Pérez-Reverte pode-se asseverar que a ira dos revoltosos “era mais

visceral que ideológica”. 29 Nesse sentido, não existia um sujeito coletivo que então

permitira falar da nação como titular da soberania. Tampouco o Dois de Maio foi

resultado de conspirações patrióticas ou de uma vasta conspiração promovida por

parte da nobreza.30 Foi uma revolta que teve como um dos fatores desencadeadores a

insolência e a rapacidade das tropas de ocupação francesas e, em contrapartida, “a

dose de xenofobia, especificamente anti-francesa, que indiscutivelmente existiu na

reação popular”31

27 "Se estudiará la gloriosa y españolísima guerra de la Independencia [...] con un sentido español, antiexótico, tradicional, católico y monárquico […]. No se debe olvidar que la Historia de España en esos primeros años, además, debe sentirla [el alumno] como medio de sentir la patria." Cf. LEGISLACIÓN DE LA ENSEÑANZA MEDIA, dictada por el generalísimo Francisco Franco el 14 de abril de 1939.

, mas também não pode ser descartado o sentimento de abandono

28 “El recuento de los muertos por los alcaldes de barrio evidencia que la mayor parte de las víctimas identificadas son obreros, criados, vendedores ambulantes. Las víctimas desconocidas son numerosísimas, lo que deja suponer que tomaron parte en los combates muchísimos forasteros. Eran, al parecer, campesinos de los alrededores que habían acudido al mercado del día anterior (domingo, 1º de mayo) y permanecieron en la ciudad.” Cf. AYMÉS, Jean-René. La guerra de la independencia en España (1808-1814). 2ª. ed. Madri: Siglo XXI, 1980, p. 17. 29 PÉREZ REVERTE, Arturo. Cólera de un pueblo, certeza de una nación. Disponível em: http://golfenix2.wordpress.com Acesso em 3/6/2008. Tradução sob a responsabilidade da autora. Ver também: PÉREZ REVERTE, Arturo. Un día de cólera. Madrid: Alfaguara. 2008. 30 Esta é uma hipótese do historiador Jean-René Aymés. Ver: AYMÉS, Jean-René. Op. cit., p. 17. 31 “[…] la dosis de xenofobia, específicamente antifrancesa, que indiscutiblemente existió en la reacción popular.” Cf. ÁLVAREZ JUNCO, José. Op. cit., p. 121.

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do “povo” pelo seu rei32, pelo seu governo33, pelas suas forças armadas e pelas classes

acomodadas, que ficaram em suas casas, observando desde as sacadas aquela “turba”

que transtornava a ordem pública. 34 Não se pode negligenciar, portanto, o fato de que

o vazio de poder também possibilitou o desencadear do conflito.35

Cabe matizar que os revoltosos pertenciam a uma sociedade que via o mundo

através dos valores do Antigo Regime, na qual o analfabetismo estava na ordem do dia

e uma das únicas fontes de informação política da maioria da população eram os

sermões. Contudo, não obstante o baixo clero interpretar o Dois de Maio e a guerra

como conflitos desencadeados em defesa da religião católica, assim como não se pode

negar que grande parte da sociedade nutria simpatias pela Coroa, o Dois de Maio e a

“Guerra de Independência” não podem ser considerados conflitos movidos pela

fidelidade ao rei e tampouco podem ser concebidos como guerra de religião. Em

realidade, o Dois de Maio se caracterizou por um conjunto de energias geradas pela

sensação de crise geral, na qual, o mal-estar social existente se transformou em revolta

popular.

O Dois de Maio não foi desencadeado pela lealdade à pátria ou por uma “nação

consciente de si mesma” que queria transformar as instituições e o regime absolutista

existente. Tudo isso veio depois, com os discursos liberais e patrióticos sobre a “nação

em armas”.36

32 “La partida de Fernando VII poco después de la de Carlos IV, la falta de noticias precisas de dónde se encuentran, los temores confusos experimentados sobre la suerte que pueden correr. La situación del país sin soberano y en la incertidumbre, crean una atmósfera de desconcierto y angustia.” Cf. ROUX, Georges. La guerra napoleônica de España. Madrid: Espasa-Calpe, 1971, p. 50.

Tampouco a “Guerra de Independência” foi uma guerra de unidade

33 “Cuando Fernando VII abandonó a Madrid, sometiéndose a las intimaciones de Napoleón, dejó establecida una Junta Suprema de gobierno presidida por el infante don Antonio. Pero en mayo esta junta había desaparecido ya. No existía ninguno gobierno central, y las ciudades sublevadas formaron juntas propias, subordinadas a las de las capitales de provincia. Estas juntas provinciales constituían, en cierto modo, otros tantos gobiernos independientes, cada uno de los cuales puso en pie de guerra un ejército propio.” Cf. MARX, Karl. La España revolucionaria. Moscou: Progreso, 1980, p. 18. 34 “Durante o motim se produz uma excisão entre a rua e a casa: [...]. Na rua se morre: é a sorte reservada aos soldados, aos camponeses. O burguês se protege em sua casa, com a possibilidade de eleger entre os papéis de ator ou espectador. [...]. O liberal Alcalá Galeano, menino ainda em 1808, recorda que seus pais – respeitáveis burgueses – lhe proibiram que fosse misturar-se com os insurretos, ‘quase todos das classes inferiores’ – ‘a gente decente [...] não precisa lançar-se à contenda; ´as gentes de superior classe observam desde as suas sacadas nas zonas [da cidade] onde não havia tiroteio, e desde ali, vendo e ouvindo, procuravam entender o que passava.” Cf. AYMES, Jean-René. Op. cit., p.18. Tradução sob responsabilidade da autora. 35 LOVETT, Gabriel H. La Guerra de la Independencia y el nacimiento de la España Contemporánea. La lucha, dentro y fuera del país. Traducción de José Cano Tembleque. Barcelona: Península, 1975, p. 14. 36ÁLVAREZ JUNCO, José. Op. cit., p.129.

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28

nacional, senão de particularismos ou “patriotismos locais” contra a ocupação

napoleônica.37

Não obstante, o que se pretende criticar nas interpretações analisadas foi a

omissão da dimensão histórica, social, econômica, cultural e política em que

transcorreu o Dois de Maio de 1808 e a Guerra de Independência, visando atender a

interesses políticos, ideológicos e partidários, muitos dos quais, legitimados pelo

discurso historiográfico.

O mito de uma reação unânime do povo espanhol contra Napoleão foi

alimentado por escritores, políticos e historiadores conservadores e liberais, no

decorrer do século XIX, visando criar o conceito de uma nação política espanhola e

consolidar, ainda no século XX, um Estado culturalmente homogêneo através da

coesão social, cultural e nacional.

REFERÊNCIAS

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37 “¿Qué seria ya de los españoles, si no hubiera habido aragoneses, valencianos, murcianos, andaluces, asturianos, gallegos, extremeños, catalanes, castellanos, etc.?” Cf. CAPMANY y MONTPALAU, Antonio. Op. cit. Segundo Álvarez Junco: “Un último aspecto que cuestiona el caráter nacional del levantamiento antinapoleónico es ‘el predominio del patriotismo local sobre la unidad nacional’, […]; un particularismo que dotó precisamente de especial fuerza a la resistencia contra los franceses.”Cf. ÁLVAREZ JUNCO, José. Op. cit., p.125.

Page 30: ABRÃO, Janete - Espanha  política e cultura (Livro)

29

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A Imprensa e a Ditadura Franquista

Sara Getino Garasa Acadêmica do Curso de História

Universidad Complutense de Madrid, Espanha.

á do título do capítulo depreende-se claramente o objeto de análise que ao longo

destas páginas proponho-me a abordar: A imprensa e a ditadura franquista. No

entanto, a relação entre ambos não é fácil, e isso podemos observar desde um

primeiro momento, analisando o significado desses conceitos.

A imprensa chegou a ser definida como “o quarto poder”, evocando com isso a

capacidade de penetração que os conteúdos informativos têm nos estados de opinião

pública. Ao contrário, uma ditadura é uma forma de governo na qual o poder

concentra-se em torno à figura de um só indivíduo. Um único poder, portanto, que se

não contempla a existência de outros, não o fará tampouco de um quarto, a imprensa.

Mas nessa explicação introdutória ao tema devo aclarar que, em realidade, o que

caracteriza uma ditadura não é a carência de opinião pública senão a tentativa do poder

por suprimir, controlar e manipular a informação. No entanto, é igualmente interessante

observar que nem em todos os sistemas ditatoriais, nem em todos os momentos de sua

existência, verificam-se nem os mesmos mecanismos de controle sobre os meios de

comunicação, nem a mesma intensidade na sua aplicação, nem a mesma eficácia em

seus resultados. Isso é precisamente o que me proponho estudar e analisar: como essas

formas de controle político, que utilizou a ditadura franquista, transformaram-se,

intensificaram-se ou relaxaram em função das necessidades legitimadoras da mesma. E

tudo isso se refletiu claramente na imprensa, que foi sem dúvida, um dos meios em que

mais claramente se exerceu essa tentativa de controle através da censura e da política

de consignas. Contudo, ao mesmo tempo, o regime foi consciente da importância da

imprensa como potencial educador e transmissor de valores.

Dessa forma, ao longo deste capítulo, tentarei explicar a evolução que sofreu a

imprensa nestes 40 anos, mostrando especial atenção às duas leis de imprensa (a de

1948 e a de 1966) que foram publicadas ao longo do regime. Mencionarei também a

J

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31

história dos principais periódicos espanhóis. Mas não poderíamos começar a falar sem

esclarecer qual foi o verdadeiro significado da imprensa durante o Franquismo.

SIGNIFICADO DA IMPRENSA DURANTE O FRANQUISMO

A imprensa foi concebida como um instrumento imprescindível ao serviço da

construção de um novo estado e de uma nova sociedade. Está claramente

demonstrado que a opinião não se engendra de baixo para cima, senão justamente de

cima para baixo. Com isso, refiro-me que quando os homens creem pensar por conta

própria, em realidade estão pensando através dos meios de informação de que

dispõem e das notícias que recebem do mundo. Assim, os meios de informação

convertem-se ao final em criadores de uma cultura e de uma consciência nacional e,

daí, precisamente a necessidade do franquismo de subordinar a imprensa à autoridade

do Estado, que não era outra coisa que o principal garante da ordem e do bem

comum. A imprensa do franquismo, portanto, não foi mais do que um aparelho a

serviço dos interesses do Estado; ao mesmo tempo, que um veículo de propaganda,

controle da opinião pública, vigilância e castigo. Assim, poderíamos afirmar que

encontramo-nos diante de uma imprensa a serviço da ordem pública. Nesse sentido,

bem poderíamos recolher aqui a seguinte afirmação de Justino Sinova:

El periodismo será concebido como una actividad de servicio al Estado; el periódico como un instrumento de acción política; y el periodista como un trabajador más de la administración, aunque su salario fuera pagado por una empresa privada.1

Portanto, para reforçar esses argumentos e corroborar com Sinova pode-se

afirmar que “los amos efectivos de toda la prensa fueron las autoridades, que en cada

momento se ocuparon del control y la pusieron (...) a los pies del régimen”.2

Assim sendo, dedicarei o próximo apartado ao estudo das diferentes

conjunturas da imprensa na Espanha franquista.

EVOLUÇÃO DA IMPRENSA, EVOLUÇÃO DO FRANQUISMO

Para explicar essa evolução é necessário retroceder ao menos até a Guerra Civil.

Na Guerra Civil além da frente bélica, existiu outra, não menos importante: a frente

1 SINOVA, J., La censura de Prensa durante el franquismo, Espasa Calpe. Madrid, 1989, p. 17. 2 SINOVA, J., op.cit, p.162.

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32

jornalística. A imprensa e a rádio foram utilizadas como meios de propaganda com tal

intensidade que se pode falar de uma guerra jornalística entre os bandos “franquista” e

“frentepopulista”.3

Em 19 de julho de 1936, um dia depois de iniciada a guerra, declarou-se a

censura prévia na zona sob o controle da República e nove dias depois o bando

sublevado fez a mesma coisa. De imediato, deixaram de ser publicados os jornais

considerados hostis nas duas zonas e expropriam-se os primeiros periódicos. No caso

do ABC é paradigmático: foi editado simultaneamente em Madri, administrado pelas

autoridades da República; e, em Sevilha, foi publicado para defender a causa dos

sublevados. É, portanto, o mesmo periódico, mas com duas concepções políticas e

ideológicas antagônicas. Nesse contexto, o bando Nacional aprovou a “Lei de Prensa”

de 1938 que passarei a explicar mais adiante.

Mas também no âmbito internacional podemos observar essa

batalha informativa com a chegada de muitos correspondentes de guerra a um ou

outro bando, inclusive de um mesmo jornal. Exemplo disso, encontra-se nos jornalistas

do New York Times. Um desses jornalistas, afim à causa franquista, enviou crônicas que

contradiziam aquelas escritas por seu colega destinado à zona republicana.

Nas duas zonas instalou-se, portanto, um modelo de aproveitamento do

sistema informativo para defender seu conceito de Estado, mas de formas muito

diferentes. No bando franquista consolidou-se um sistema centralizado com uma

hierarquia bem estabelecida que obedeceu à lógica da guerra e ao objetivo único de

ganhá-la, dessa forma, suas mensagens apresentavam uma uniformidade. É um

discurso diáfano que foi orientado somente em uma direção: exaltação do Exército,

integração da religião na vida diária, e a consagração de um Estado fascista.

No bando republicano, ao contrário, existiam demasiadas concepções

diferentes de Estado procedentes dos distintos partidos e sindicatos que apoiavam ao

regime, que produziu uma desorientação informativa no bando republicano, em que

cada setor atuou segundo suas próprias convicções. Enfrentaram-se, portanto, dois

sistemas informativos contrapostos que, puderam denominar-se “lo contradictorio

frente a lo compacto”.4

3 SÁNCHEZ ARANDA, J.J. y BARRERA DEL BARRIO, C., Historia del periodismo español, desde sus orígenes hasta 1975, Pamplona, EUNSA, 1992, p.357.

4 GÓMEZ MOMPART, J. L. y TRESSERRAS, J.M., La reorganización del sistema informativo durante la guerra, in: Historia de los medios de comunicación en España, Ariel Comunicación, Madrid, 1989, p. 170.

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33

Concluída a guerra, o governo de Franco manteve a “Lei de Prensa” que

supunha um controle total da atividade jornalística. Ao início, a imprensa ficou sob o

controle e a influência da “Falange”, que não só tentou controlar as publicações, mas

também aos profissionais do periodismo. Em 1941, criou-se a “Escuela Oficial de

Periodistas” na que foi imprescindível, para ingressar, ser militante da “Falange”

espanhola y de las JONS.

Após terminar a II Guerra Mundial iniciou-se um período de isolamento

internacional. Aprovou-se o “Fuero de los Españoles”, em 1945, que em seu artigo

número 12 manifestava: “Todo español podrá expresar libremente sus ideas mientras

no atenten a los principios fundamentales del Estado”. Esse último indicava que tudo

continuaria igual com respeito à liberdade de imprensa.

Em 1951, Franco remodelou seu governo e foi se abandonando o referente

formal do fascismo pelo modelo nacional-católico e isso teve consequências também

na política de imprensa franquista. Criou-se, então, o Ministério de Informação e

Turismo, a frente do qual se situou Gabriel Arias Salgado, que anunciou um possível

aperfeiçoamento da “Lei de Prensa” de 1938, mas quando abandonou o cargo, após 11

anos, o esboço da nova lei não tinha passado da fase de anteprojeto. Finalmente, em

1962, e já em pleno processo de industrialização e recuperação econômica, foi

nomeado ministro de Informação e Turismo Manuel Fraga Iribarne, que aprovaria, em

1966, uma nova “Lei de Prensa”, que supunha uma maior flexibilização e liberalização.

Mas essa maior liberalização não significou uma liberdade de imprensa plena, já que

melhor foram os resultados das novas exigências do regime que fizeram necessário um

controle mais sutil da política informativa. Mas não adiantemos conclusões e

continuemos caminhando passo a passo nesta análise da evolução da imprensa

franquista na qual, como já mencionei, possuem um lugar destacado as Leis de

Imprensa de 1938 e 1966 para se entender esse processo.

LEI DE IMPRENSA DE 1938 VERSUS LEI DE IMPRENSA DE 1966

A Lei de Imprensa de 1938 instaurou a censura prévia, e deixou bem claro em

seu preâmbulo qual seria a função da imprensa:

[...] transmitir al Estado las voces de la nación y comunicar a ésta las órdenes y directrices del Estado y de su Gobierno, siendo la Prensa

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34

órgano decisivo en la formación de la cultura popular y, sobre todo, en la creación de la conciencia colectiva”.5

Tratou-se, portanto, de impor o máximo controle a toda informação e de influenciar diretamente a opinião pública.

A autoria da Lei corresponde ao falangista José Antonio Giménez Arnau, que

relatou um texto baseado na Lei de Imprensa de Mussolini e com influências também

das legislações existentes na Alemanha nazi e, em Portugal, de Salazar. A principal

linha de semelhança observa-se na criação do Registro Oficial de Periodistas (imitação

dos albi professionali italianos e das Berufslisten alemãs), que punham nas mãos da

administração a decisão sobre quem pertence a profissão e quem ficava excluído dela.

Um segundo mecanismo de controle preventivo de enorme importância pode

ser encontrado no Artigo segundo que dava ao governo a possibilidade de “regular el

número y extensión de las publicaciones periódicas”.6

Mas, sem dúvida nenhuma, a mais imediata garantia de que os jornais não se

desviariam da vontade dos governantes, foi a instalação da censura prévia para que

não pudessem chegar aos leitores informações ou opiniões contrárias aos interesses

do regime e de sua classe política. Com tudo isso, vemos que o que se estabeleceu em

realidade é que a imprensa foi um serviço público em exclusiva, pois, embora as

empresas privadas editassem jornais, sempre seus fins deveriam estar unidos aos do

Estado. Essa Lei permaneceu em vigor vinte oito anos, até que em 1966 se produziu o

levantamento parcial das limitações impostas sobre a liberdade de expressão. A Lei de

Imprensa de 1966 supôs, portanto, um momento de abertura sobre a qual Raymond

Carr afirmou que “cambió el clima cultural de España”.

Assim, a aparição de um novo

jornal estava subordinada a sua inclusão no Registro de Empresas Periodísticas,

administrado pelo governo, que também decidia sobre a extinção de um periódico ou

sobre a nomeação de seu diretor.

7 Juan Pablo Fusi acrescentaria

que a Lei transformou “sustancialmente el nivel informativo del país”8 e, Javier Tusell,

a qualificaria como a disposição “más transcendente” da última etapa do regime.9

5 BOE, Ley de Prensa de 22 de abril de 1938, preámbulo.

6 BOE, Ley de Prensa de 22 de abril de 1938, artigo segundo. 7 CARR, R., España 1808-1975, Barcelona: Ariel, 1982. 8 FUSI AIZPURUA, J.P., Franco: Autoritarismo y poder personal, Madrid: Ediciones El País, 1985, p.98. 9 TUSELL, J., Manual de Historia de España, vol. 6, Madrid: Historia 16, 1994, p.748.

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35

Os motivos que levaram o regime franquista a introduzir mudanças que podiam

provocar (e sem dúvida provocaram) um aumento da crítica pública e, em

consequência, um debilitamento da legitimidade da ditadura foram muito debatidos. A

maioria dos autores acredita que foi o resultado de pressões internacionais e também

de pressões estruturais resultantes do desenvolvimento econômico e da modernização

que tinha experimentado a Espanha desde finais da década de 50. Mais recentemente,

Elisa Chuliá lançou uma tese em que afirma que a “Lei de Prensa” de 1966 foi o

resultado de uma longa e complexa operação promovida por pessoas situadas dentro

do próprio regime.10 Seja como for, no preâmbulo da Lei, afirmou-se “la necesidad de

adecuar aquella norma jurídica (em referencia à Lei de 1938) a las actuales

aspiraciones de la comunidad española y a la situación de los tiempos presentes”.11

Também nesse preâmbulo se falou da liberdade de expressão, de empresa e de

designação do diretor. Mas se bem é certo que essa lei suprimiu a censura, temos que

afirmar também que o governo, como assim recolhe o Artigo número dois, limitou

essa liberdade concedida a

respeto a la verdad y a la moral; al acatamiento a la Ley de Principios del Movimiento Nacional y demás Leyes Fundamentales; las exigencias de la defensa nacional, de la seguridad del Estado y del mantenimiento del orden interior y la paz exterior; del debió respeto a las Instituciones y a las personas en la crítica de la acción política y administrativa; la independencia de los Tribunales, y la salvaguardia de la intimidad y del honor personal y familiar.12

Demasiadas exceções, sem dúvida, que fizeram com que os próprios jornalistas

se convertessem em autocensores diante de possíveis sanções ou, como bem afirma

Miguel Delibes: “Antes te obligaban a escribir lo que no sentías; ahora se conforman

con prohibirte que escribas lo que sientes; algo hemos ganado”.13

Desde sua entrada em vigor até 1975 instruiram-se 1.270 expedientes

sancionadores contra jornais e revistas, o que demonstra que sua aplicação

encontrava-se longe das palavras reformistas utilizadas em seu preâmbulo. Mas é bem

10 CHULIÁ, E., La Ley de Prensa de 1966. La explicación de un cambio institucional arriesgado y de sus efectos virtuosos, in: Revista Historia y Política: Ideas, procesos y movimientos sociales, nº2, 1999, p. 197-220. 11 BOE, Ley de Prensa del 19 de marzo de 1966, preámbulo. 12 BOE, Ley de Prensa del 19 de marzo de 1966, artigo segundo. 13 SÁNCHEZ ARANDA, J.J. y BARRERA DEL BARRIO, C., Historia del periodismo español. Op. cit., p. 411.

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36

certo também que as ameaças de sanções que existiam contra os jornalistas e os

jornais não impediram que eles se arriscassem a informar sobre assuntos críticos e

publicar opiniões contrárias aos poderes públicos. O principal incentivo das empresas

ao assumir esses riscos encontrava-se na rentabilidade, já que a oferta de informação

crítica aumentava a demanda de um jornal. Assim, o interesse das empresas

jornalísticas por aumentar a demanda de seus produtos através de uma oferta

atraente para os leitores, unido, também, à vontade dos profissionais por exercer um

jornalismo mais livre, plasmou-se em uma mudança dos conteúdos dos jornais.

Chegados a esse ponto faz-se necessário falar, embora seja brevemente, dos

principais jornais e de sua evolução ao longo do franquismo.

PRINCIPAIS PERIÓDICOS DURANTE O FRANQUISMO:

O número de jornais de informação geral editados na Espanha pode ser

observado no seguinte quadro:

NÚMERO DE PERIÓDICOS DE INFORMAÇÃO GERAL

Anos Número de jornais

1944 115

1954 106

1966 107

1971 119

1975 118 Fonte: Anuario de la Prensa española y Boletines de Información. Estadísticas recogidas da Sánchez Aranda y Barrera, Historia del periodismo español, desde sus orígenes hasta 1975: EUNSA, Pamplona, 1992, p.386.

Analisando os dados, pode-se afirmar que o número dos jornais espanhóis de

informação geral foi constante ao longo de quase toda a época de Franco, mas nos

primeiros anos do pós-guerra existiu uma clara diminuição no número de jornais. Isso

foi um dos sintomas da crise geral que sofreu o país nesse período. O setor da

informação não teve uma grande importância devido ao momento de grande carência

das mais elementares matérias-primas em uma economia de subsistência. Ao

contrário, ao chegar os anos 60, primeiros anos de um futuro desenvolvimento

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37

econômico, a Espanha iniciou o caminho para uma economia de consumo, e isso se

refletiu no sistema informativo.

Na cena informativa da época existia um convívio entre a imprensa oficial

(formada por aqueles jornais de titularidade estatal) e a imprensa não oficial (de

caráter privado).

1. A Imprensa Oficial: nela marcava-se a opinião do Estado. Continuou assim durante

todo o franquismo, mas nos anos 60 a imprensa oficial sofreria uma profunda crise. Os

principais jornais eram:

- ARRIBA: o jornal mais representativo do sistema da imprensa oficial. Foi fundado por

José Antonio Primo de Rivera, em 1935, como órgão oficial da “Falange Española” e, ao

terminar a Guerra Civil, reapareceu como jornal. Nele, colaboravam os intérpretes

mais autorizados do pensamento franquista, falangista e, desde as suas páginas,

defendia-se ao novo regime ditatorial. As mudanças sociais e econômicas dos anos 60

e a nova legislação de imprensa provocaram uma grande crise no periódico “Arriba”

com uma paulatina perda de leitores. O jornal desapareceu em junho de 1979.

-PUEBLO: o jornal em suas origens integrou-se administrativamente na Imprensa do

Movimento “Nacional”, mas aos poucos anos passou a depender da Delegação

Nacional de Sindicatos, estrutura administrativa integrada na Organização Sindical, por

isso, apresentava uma maior liberdade em determinados temas. O “Pueblo” teve uma

existência um tanto gris e monótona até 1952, quando o jornalista Emilio Romero

ascendeu a sua direção. Romero realizou uma série de mudanças, tanto na sua

estrutura como no seu conteúdo, que levaram a situá-lo como o terceiro periódico de

informação geral da Espanha após o “La Vanguardia” e o “ABC”. O “Pueblo” terminou

em 1984.

2. A prensa não oficial: eram os jornais publicados pelas diferentes empresas

jornalísticas de caráter privado e de outras que não tinham nenhuma vinculação com

as diversas instâncias do Estado. A imprensa não oficial experimentou um grande

avanço durante a década de 60, favorecido por circunstâncias alheias à informação,

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38

como o reconhecimento internacional do regime e a nova lei de imprensa. Os

principais jornais eram:

- ABC: falar do “ABC” é falar de quase cem anos da história do jornalismo espanhol. Foi

fundado em Madri, em 1905, e logo ampliou a edição de Madri com outra nova em

Sevilha. Durante a Guerra Civil, como já apontei no início do trabalho, aconteceu uma

singular circunstância. Em Madri, o jornal era administrado pelos republicanos e foi

publicado durante todo o conflito com o nome ABC, Diario Republicano de Izquerdas.

Enquanto em Sevilha continuava saindo de forma habitual. ABC foi um periódico de

ideologia monárquica tradicional e desde os primeiros anos do franquismo apoiou as

pretensões de Don Juan de Bourbon à coroa espanhola, posição que supôs-lhe muitos

enfrentamentos com os poderes políticos franquistas. Na década de 60 foi o jornal

com maior difusão na Espanha. No ano de 1966 o jornal foi proibido de ser veiculado

devido a um artigo intitulado “La monarquia de todos”, numa das primeiras atuações

realizadas pelo Ministério dentro da Lei de Imprensa. Hoje, o ABC continua sendo um

importante protagonista da imprensa diária espanhola.

- LA VANGUARDIA: editado em Barcelona e fundado em 1881. É um dos jornais

históricos da imprensa espanhola e mantém uma situação de privilégio que dura até o

presente momento. Ao terminar a Guerra Civil, o governo de Franco impôs ao jornal

duas condições para sua publicação: acrescentar a palavra espanhola a seu nome e

nomear um novo diretor. Durante a época que nos preocupa, podemos dizer que “La

Vanguardia” foi um periódico dirigido à sociedade catalã, refletindo suas

preocupações, mas sem exceder-se à hora de mostrar seu nacionalismo. A não

ideologia do “La Vanguardia”, em boa medida, foi uma das chaves do seu êxito. Hoje,

em sua linha de nacionalismo moderado, continua contando com elevados índices de

difusão.

- YA: foi o periódico de maior difusão nos anos 60. A linha editorial do jornal inspirou-

se no humanismo cristão e sempre encontramos em seus conteúdos um grande

espírito conciliador que se reflete em sua colaboração com os diferentes governos

franquistas. O jornal “YA” contou durante toda sua existência com o apoio e a

colaboração da Igreja Católica, o que lhe evitou ter graves problemas com o governo.

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39

CONCLUSÃO

Faz-se complexo resumir a história da imprensa espanhola de quarenta anos

em apenas dez páginas. Sem dúvida, muito mais poderia ter sido dito e muito mais

analisado, mas acredito que ao longo do trabalho consegui mostrar como a imprensa

espanhola evoluiu e mudou ao mesmo tempo em que evoluiu e se transformou o

regime franquista.

Mas, ao mesmo tempo, gostaria de sublinhar que se olharmos com

profundidade essa evolução, tanto do regime como da imprensa, não resultou em

mudanças significativas. Embora a recuperação econômica e a industrialização tenham

mudado a imagem interna do país, isso não supôs uma mudança real, pois o Estado

continuou com suas ideias e práticas repressivas, tanto contra os operários como

contra os estudantes, ou contra qualquer um que mostrasse a mínima resistência ao

regime. Nesse sentido, entende-se a abertura da Lei de 1966 que, contudo, não trouxe

uma liberdade completa de expressão. Foi mais uma mudança ou “limpeza de face”

que, poderíamos dizer, substituiu os controles preventivos pelos repressivos. No

entanto, essa abertura significou um aumento de opiniões críticas veiculadas pelos

jornais e fez com que o regime se encontrasse entre o dilema de sancionar ou tolerar,

o que provocou um processo de distanciamento crítico da imprensa com relação ao

regime. Esse distanciamento privava aos governantes da tranquilidade que tinham até

esse momento. Por isso, pode-se afirmar que os jornais tiveram um papel muito

importante no processo de transição política iniciada nos últimos anos do franquismo

e pressionaram aos diversos governos para impulsionar a abertura democrática.

Finalmente, em 1º abril de 1977, promulgou-se um Decreto-Lei sobre a liberdade de

expressão que abolia o Artigo 2º da Lei de Imprensa e outros conteúdos que limitavam

a liberdade de expressão. Apesar de que, se a censura é um conceito que caracteriza

as ditaduras, condiciona também, de forma sutil, as democracias.

REFERÊNCIAS

CARR, R., España 1808-1975. Barcelona: Ariel, 1982.

CHULIÁ, E., La Ley de Prensa de 1966. La explicación de un cambio institucional arriesgado y de sus efectos virtuosos, in: Revista Historia y Política: Ideas, procesos y movimientos sociales, nº2, 1999.

Page 41: ABRÃO, Janete - Espanha  política e cultura (Livro)

40

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Balances. Alicante: Publicaciones UA, 1999.

SINOVA, J., La censura de Prensa durante el franquismo. Madrid: Espasa Calpe, 1989.

TUSELL, J., Manual de Historia de España. Madrid: Historia 16, 1994

Page 42: ABRÃO, Janete - Espanha  política e cultura (Livro)

Operação propaganda! O cinema espanhol: do Franquismo à Transição Democrática (1939-1978)

Daniela Ribeiro Pereira Mestranda do Curso de Pós-Graduação em História–PUCRS, Brasil.

propósito deste capítulo é explorar as dinâmicas políticas do regime

franquista que afetaram diretamente a produção cinematográfica espanhola

de 1939 a 1978, período da transição democrática na Espanha, assim como

analisar as contradições do regime através dos órgãos governamentais que

controlavam a propaganda. Para tanto, se faz necessário compreender o

desenvolvimento de uma tradição no cinema espanhol direcionada ideologicamente,

que se consolidou durante a Guerra Civil, intensificou-se com a ditadura de Franco e

manteve-se durante a abertura política.

Entre os muitos aspectos que podemos destacar da primeira metade do século

XX, um dos principais é a utilização dos meios de comunicação de massa pelas forças

políticas mundiais. Se observarmos o desenrolar dos conflitos desde a Primeira Guerra

em diante, é possível constatar que as nações bem sucedidas detinham o controle da

maior parcela dos meios de comunicação, e os utilizaram da maneira mais estratégica

e abrangente possível. A propaganda política se caracterizava como meio, cuja

finalidade é o exercício de poder. Com o avanço tecnológico dos meios de

comunicação e o surgimento dos regimes fascistas, a partir de 1919, as ideias e

conceitos vinculados à mídia ganharam força devido ao aperfeiçoamento técnico das

nações nas quais o fascismo se encontrava em ascensão, e à eficácia na persuasão

ideológica de seus governos. 1

Ao pensarmos na adaptação da mídia para a propaganda política, é possível

prever que, alinhada com o Estado, e mais especificamente, com um Estado totalitário,

ela iria exercer um “rigoroso controle sobre o conteúdo das mensagens, procurando

bloquear toda atividade espontânea ou contrária à ideologia oficial”.

2

1 PEREIRA, W.P. Cinema e propaganda política no fascismo, nazismo, salazarismo e franquismo in: História: Questões & Debates. n.38. Curitiba: UFPR. 2003, p. 102. Disponível em:

Nos regimes

http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/historia/article/view/2716/2253>. Acesso em 26/3/2009. 2 Idem.

O

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42

democráticos, essa Propaganda viria de forma mais sutil e travestida, e não

necessariamente em nome do Estado.

As primeiras décadas do século XX e a eficácia da propaganda política não

podem ser desassociadas do amadurecimento de uma indústria cultural e da ascensão

do cinema como meio de comunicação definitivo. A invenção dos irmãos Lumière, em

1896, compôs o quadro de desenvolvimento da Belle Époque que refletiu poucos anos

depois na disputa por zonas de influência político-econômica e cultural dos espaços

globais.

O cinema pode ser dividido entre o cine de ficção e o cine documental. A

propaganda política atua em ambas as esferas, sendo que no período de 1920 a 1940,

o cine documental destaca-se principalmente em forma de noticiários. Lênin, em

tempos de Revolução Russa, afirmou que “o cinema é para nós o instrumento mais

importante de todas as artes”. A afirmação permanece documentada, através das

obras primas de Sergei Eisenstein: O Encouraçado Potemkim (1925) e Outubro (1927).

O cinema espanhol durante o franquismo, alternando entre repressão,

abertura e retrocessos, possui suas peculiaridades no que tange ao caráter do controle

governamental da produção cinematográfica, e da consequente formação de uma

mentalidade que resultou na manutenção das ideologias propagadas pelo Estado. Uma

das características do caso espanhol, é que “as diferenças que marcaram a sociedade e

a política espanhola sob o franquismo podem ser percebidas no âmbito

cinematográfico”.3

No primeiro momento, abordaremos a instauração da ditadura de Franco, os

órgãos institucionais e censores da cultura, o NO-DO e a produção cinematográfica no

que é considerada a primeira fase do governo, assim como a mais repressiva (1939-

1950).

Logo, a intenção deste capítulo é elucidar as diversas fases e

contradições do regime franquista, através da história do cinema na Espanha,

confrontando a bibliografia do período e a atualizada, e baseando-se em fontes

variadas, como documentários, filmes e artigos recentes. Optou-se por uma

organização linear para melhor compreensão, assim como salientar os aspectos

principais de cada período.

3 Ibid., p.123.

Page 44: ABRÃO, Janete - Espanha  política e cultura (Livro)

43

O período de 1950 até aproximadamente 1965 foi representativo pela entrada

de capital estrangeiro na Espanha, e no que concerne ao cinema, significa a instalação

da produção Hollywoodiana no país, que influiu, tanto nas questões culturais quanto

nas questões político-econômicas. Da década de 60 em diante, assistimos o que foi

considerado como a abertura do regime, ou apertura, como é dito em espanhol; nesta

sessão analisaremos o caráter da abertura política, como foi intensamente divulgada

pelo cinema, que ao mesmo tempo sofria com grandes baixas financeiras e

intelectuais.

A fim de aproximar esse estudo de uma análise eminentemente histórica, não

serão feitas incursões diretas sobre os conteúdos dos filmes, uma análise fílmica –

exceto em casos extraordinários –, mas sobre os atores dessa sociedade que influíram

no meio cinematográfico, sobre a produção humana, uma História Social do Cinema.

José Florit afirma que é significante de uma sociedade todo o processo

cinematográfico: roteiro, montagem, produção, sistema de financiamento, o êxito, o

fracasso, os silêncios, etc. 4

O cinema já nos contou diversas histórias, a maioria das pessoas possui uma

visão fílmica da História.

5

O PRIMEIRO FRANQUISMO E O CINEMA FANTÁSTICO

Elizabeth Taylor como Cleópatra; Charlton Heston como El

Cid; a Idade Média em si; ou ainda a história americana. No que diz respeito aos

posicionamentos de autores e estruturas por trás de ambas as produções,

cinematográfica e historiográfica, nos deparamos, em qualquer caso, com

representações, ou seja, visões subjetivas da realidade. Contudo, a grande maioria

reconhece o caráter explícito da censura de Franco.

*

O Fantástico é produzido em uma obra de ficção, quando um acontecimento

inexplicável é relatado ou apresentado, e quando o destinatário da obra hesita entre

duas interpretações: ou o acontecimento é fruto da ilusão e da imaginação, e as leis do

(1939-1950)

4 FLORIT, José apud PLA VALLS, Enric. Na época do artigo, que cremos que seja recente, José Florit era catedrático de História Contemporânea da Universidade de Barcelona. 5 FERRO, Marc. Perspectivas en torno a las relaciones Historia-Cine. Revista Film-Historia da Universidade de Barcelona. vol.1. 1991. Disponível em <http://www.publicacions.ub.es/bibliotecadigital/cinema/filmhistoria/Art.M.Ferro.pdf>. Acesso em 1º/6/2009. * O cinema fantástico, como gênero cinematográfico, diz respeito a todas as obras que fogem da realidade. Geralmente representado pela ficção científica, pela fantasia e pelo horror.

Page 45: ABRÃO, Janete - Espanha  política e cultura (Livro)

44

mundo continuam as mesmas; ou o acontecimento ocorreu realmente, o que supõe

que ele se produziu em um mundo regido por leis desconhecidas.6

Aqui utilizamos a expressão, ironicamente, para ressaltar os propósitos da

cinematografia franquista em sua primeira década, período de maior repressão. Com

essa analogia procuramos aludir as estratégias propagandísticas do regime ao

fantástico, no sentido de que as construções de Franco (ou as construções permitidas

na película em geral) extrapolaram o território mítico, e (re)inventaram a memória

coletiva no Pós-Guerra Civil.

7

Raymond Carr, denominando o período de “Época Azul”, aponta para a

dominação da vida social e política em todos os níveis, sob a tutela das “autoridades”:

o bispo, o governador militar e o prefeito falangista, ou seja, elementos que

constituíam a força trípode da nação, e que possuíam poltronas reservadas, separadas

das restantes por cordas, nas salas de cinema.

O cinema é o meio em que o “acontecimento

inexplicável” – a Guerra Civil e sua resolução antidemocrática – foi representado entre

“a ilusão e a realidade” e, na maioria das vezes, como no cine fantástico, conduziu o

espectador a nenhuma resposta. O agravante do cinema espanhol durante o

franquismo foi o fato de que, em primeiro lugar, não se permitiu a pergunta.

8

A princípio, se faz necessário compreender as bases institucionais pelas quais se

articulou o controle dos meios de comunicação. A nova censura, já em fase de

reorganização desde 1937, pretendia com a futura instauração do governo, centralizar

os poderes e impedir a censura eclesiástica privada exercida anteriormente. Em 2 de

novembro de 1938, ainda durante a Guerra Civil, criou-se a “Comisión de Censura

Cinematográfica” e a “Junta Superior de Censura Cinematográfica”. O decreto de 1938

declarava:

O cinema estava presente como prática

oficial e, consequentemente, como um modelo a ser seguido.

6 TODOROV apud AUMONT, Jacques & MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. Campinas: Papirus, 2006. p.118. 7 Jacques Le Goff esclarece que a memória coletiva, a partir do século XX, com a constituição das Ciências Sociais, se estabelece como “conversão do olhar histórico (...) partilhada pelo grande público, obcecado pelo medo de uma perda de memória, de uma amnésia coletiva”. Conversão essa cujo controle é aspiração das “classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da História são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva”. LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e Memória. Campinas: UNICAMP, 1996. p. 423-477. 8 CARR, Raymond. España 1808-1975. Barcelona: Ariel, 2003, p.685.

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45

Es innegable que el cinematógrafo ejerce una gran influencia en la difusión del pensamiento y en la educación de las masas; es, pues, indispensable que el Estado lo vigile en todos sus dominios.9

Em 1939, a censura se estendeu aos roteiros e em 1941 a obrigatoriedade da

dublagem em castelhano. A dublagem se reverteu em um dos pilares da

“espanholização”, sendo, inclusive, obrigatório aos estabelecimentos comerciais

alterar qualquer nome estrangeiro.10

Por essas razões, o cinema dos anos 40 ganhou um caráter didático, e defendeu

os valores do fascismo: apologia a raça, a pátria, ao caudillo, a família, a tradição

religiosa e moral. Os temas políticos desapareceram, e se favoreceu a evasão. Os

espetáculos populares tinham o objetivo de “divertir al pueblo español (y hacerle

olvidar momentáneamente las precariedades de la postguerra)”.

Essa ordem resultou na criação do “Crédito

Cinematográfico” e nos prêmios do “Sindicato Nacional del Espectáculo”, que

pretendeu, por um lado, alavancar o cinema e afastá-lo das constantes crises

anteriores, organizando a indústria a partir do Estado; e estimular a produção de obras

alinhadas com a propaganda nacionalista.

11

O mecanismo censor atendia às instâncias oficiais (coordenadas pela Falange),

eclesiásticas e comerciais. Um filme, a partir da sua idealização, seria supervisionado nos

conteúdos políticos (e analisado se oferecia o engrandecimento da nação); éticos e

morais; e na sua capacidade de entreter sem se estender demasiadamente (controle de

duração). Os órgãos controladores se multiplicaram na estrutura burocrática do regime,

ligados normalmente ao Ministério da Indústria, que atuou na parte material; ao

Ministério do Interior, dirigido à censura (este coordenado pelo cunhado de Franco,

Ramón Serrano Suñer); e a Delegação Nacional de Propaganda, que por sua vez, estendeu-

se a “Vice Secretaria de Educación Popular”, presidida por Gabriel Arias Salgado.

12

9 MINGUET i BATLLORI, Joan M. La regeneración del cine como hecho cultural durante el primer franquismo. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2000. Disponível em <

http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=8273>. Acesso em 31/5/2009. 10 TORRES, Augusto M. Cine español, anos sesenta. Barcelona: Anagrama, 1973. p. 12. 11 MINGUET i BATLLORI, Joan M. La regeneración del cine como hecho cultural durante el primer franquismo. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2000. Disponível em <http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=8273>. Acesso em 31/5/2009. 12 Por ser um emaranhado de instituições, exemplo da burocratização do regime, atentaremos ao longo do texto nas que possuem conexão direta com os processos em análise. É importante ressaltar, na presente abordagem, quais são os personagens, e a que grupos fazem parte, relegando uma análise aprofundada das instituições a outros pesquisadores. Para estudos dessa natureza, a obra de Emetério Diez Puertas, anteriormente citada, é uma valiosa fonte.

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46

Em 1942, foi inibida a possibilidade da produção de documentários, com a

criação do No-Do, os “Noticiarios y Documentales”, idealizado por Arias Salgado. A

exibição do No-Do era obrigatória em todas as sessões de cinema, proibindo-se a

projeção de outro curta metragem.13

Dessa forma, criou-se uma produção oficial de

documentários, que impedia quaisquer outros aportes sobre os temas

contemporâneos. É possível mesmo enxergar o No-Do como uma agência de

publicidade, com seus múltiplos formatos, além do jornalístico, como a “Revista

Imágenes” e especiais de variedades. O No-Do, em essência, era a divisão oficial da

propaganda franquista, conforme assinala no preâmbulo do Regulamento:

También se hizo imprescindible desarrollar una producción de documentales al servicio de nuestros organismos de propaganda que refleje de modo exacto, artístico y con una técnica perfecta, los diferentes aspectos de la vida de nuestra patria y que del modo más ameno y eficaz posible, eduquen e instruyan a nuestro pueblo, convenzan de su error a los aún posiblemente equivocados y muestren al extranjero las maravillas de España, el progreso de nuestra industria, nuestras riquezas naturales, los descubrimientos de nuestra ciencia y, en fin, el resurgir de nuestra Patria en todos sus aspectos impulsados por el nuevo Estado. 14

Fica clara a intenção de utilizar o noticiário como ferramenta de propaganda,

incluídos os esforços em refletir os “aspectos da vida espanhola” de modo “exato,

artístico e com uma técnica perfeita”. A tecnocracia franquista foi uma pragmática que

cresceu dentro do regime intimamente conectada à cinematografia; desse modo,

podemos falar numa racionalização das forças de produção, uma especialização da

mão de obra com fins econômicos, visando à consolidação da indústria, mas também

em aspectos políticos, no que se refere à manutenção do poder centralizado através

de um “exército” de técnicos sem autonomia. As diversas instâncias da indústria

cinematográfica geraram empregos, cursos técnicos e teóricos, e novos campos de

negócios apoiados na burocracia. Educar, instruir, convencer os “ainda equivocados”, e

apresentar ao mundo as maravilhas da Espanha eram os objetivos do No-Do.

Álvaro Juristo, numa análise mais atenta da legislação do No-Do, reitera o fato

de que não foram proibidas outras produções documentais, entretanto, o monopólio 13 TORRES, Augusto M. Op. Cit., p.12. 14 Regulamento de criação do No-Do (29/9/1942) apud JURISTO, Álvaro Matud. La incorporación del cine documental al proyecto de No-Do. Revista Historia y Comunicación Social. Madrid, 2008. Disponível em <http://revistas.ucm.es/inf/11370734/articulos/HICS0808110105A.PDF>. Acesso em 30/3/2009. p. 111-112.

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47

da produção oficial lhes absorvia com financiamentos que condicionavam a livre

iniciativa.15 Por sua vez, Rafael Tranche e Vicente Biosca afirmam a natureza barroca, a

acumulação desnecessária de adjetivos e o pedantismo que caracterizavam os

discursos do noticiário, concluindo que “El No-Do es, en verdad, un excelente resumen

de lo que fue el régimen a lo largo de su existencia”.16

A “apresentação” do “caudillo vitorioso” estreou nos cinemas. A visão fílmica

da História, mencionada por Marc Ferro, ganhou roupagem oficial, instruindo aos

espanhóis sobre a paz vigilante de Franco e a missão que lhe fora encomendada. Um

dos primeiros informativos do noticiário trabalha a propaganda em direção do aspecto

heroico do regime, e de sua aceitação. Se, por um lado, é preciso ilustrar a chegada de

tempos venturosos; por outro, é preciso assegurar o fim das ameaças. O No-Do, nesse

caso, mantém a propaganda nacionalista utilizada durante a Guerra Civil, justificando a

vitória sobre a “opressão marxista”. A exaltação à Falange e ao fascismo foi uma

constante no cinejornal, uma vez que era controlado pelo grupo e manteve o ideário

fascista até o final da Segunda Guerra.

Os autores ilustram essa

conclusão, com trechos das primeiras edições do No-Do. O primeiro, com a

apresentação do novo chefe de Estado da Espanha, e o segundo, sobre a derrota dos

“comunistas” republicanos.

Após a queda da Alemanha e Itália, o No-Do apresentou outras duas facetas ao

longo da ditadura: a primeira, até o fim dos anos 40, mais evasiva em relação aos

acontecimentos exteriores, e enfática nas realizações do governo; e após os anos 50,

com a influência americana, ganhau um caráter mais midiático, comercial e

espetacular.

Remetendo-nos aos longas-metragens, é importante compreender como se

deu a nacionalização na política cinematográfica. A partir de 18 de maio de 1943

houve uma regulamentação para as licenças de importação de filmes estrangeiros, a

dizer, só teriam essa licença empresas que produzissem filmes nacionais. Em 1944,

instituiu-se a obrigatoriedade de exibição de um dia para filmes espanhóis, em razão

de cinco para estrangeiros, e foi criada a categoria “Interesse Nacional”, que deu novos

15 Idem. 16 TRANCHE, R.R. & BIOSCA, V.S. NODO: el tiempo y la memória. Resenha do livro homônimo. Madrid, 2000. Disponível em <http://www.lapaginadefinitiva.com/cine/biblioteca/nodo.htm>. Acesso em 30/3/2009.

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48

privilégios às produções escolhidas. Em dezembro de 1946, instituiu-se a licença para

dublagem, que também se restringiu a produtores de filmes espanhóis. Essa medida

procurava regulamentar o mercado de dublagem, que em si já era uma organização

terceirizada. Havia laboratórios especializados na área, que lucravam

consideravelmente, em vista da obrigatoriedade do idioma, contudo, o decreto de 46

terminou com essa terceirização, mas criou um novo mercado, o de venda de licenças,

uma vez que essas não eram intransferíveis. 17

Com essa dinâmica, não é difícil constatar que a produção espanhola tornou-se

praticamente um “imposto a mais” na importação de filmes, em grande parte norte-

americanos. Aliado ao filtro acirrado da censura, tal condição mercadológica do

cinema o transformou numa produção numerosa, porém medíocre. Repetem-se aqui

os “telefones brancos” italianos, cinecomédias de entretenimento evasivo, que

Vizcaino Casas classifica como “ternura circense”. Nesse gênero, se destacou Juan de

Orduña.

18

Além dos épicos falangistas, como no caso ímpar de Raza (1941), dirigido por

José Luis Sáenz de Heredia sobre o roteiro de um certo Jaime de Andrade, na verdade,

pseudônimo de Franco, havia uma facilidade em passar pela censura, com adaptações,

os clássicos literários. As guerras da Reconquista, as histórias de santos e as obras do

século XIX relacionadas à Restauração – exaltação do cristianismo e aceitação de uma

ordem hierárquica que combatia o liberalismo – eram muito caras às juntas censoras

(eliminados os aspectos problemáticos da obras) que, assim, acumulavam argumentos

ideológicos e morais para legitimar o regime.

19

Mais grave que o filtro para se conseguir lançar um filme, era o

condicionamento provocado pela censura. Durante todo o regime de Franco, películas

eram completamente alteradas ainda no roteiro, recebiam cortes despreocupados

com qualquer estética, continuidade ou sentido, e a obrigatoriedade da dublagem

deliberadamente criava novos diálogos, novas trilhas sonoras e até novas histórias.

17 TORRES, Augusto M. Op.Cit., p. 14. 18 VIZCAINO CASAS, F. La Cinematografia Española. Madrid: Publicaciones Españolas, 1970, p. 8. 19 BOWIE, Pérez apud MARTINEZ-CARAZO, Cristina. Novela española y cine a partir de 1939. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2008. Disponível em <http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=29293&portal=177>. Acesso em 31/5/2009.

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49

Em efeito, o cerne da transição da mentalidade cinematográfica nasceu da

contradição. Em 1947, foi criado o I.I.E.C. (Instituto de Investigaciones y Experiencias

Cinematográficas), em que a formação de “técnicos de cinema” resultou no

desenvolvimento de uma reflexão teórica e crítica que ainda não existia no cinema

espanhol, salvo algumas tentativas impressas.20

Em 1949, sob influência francesa, é criada a “Asociación Española de

Filmologia” (AEF) e, em 1950, se formou a primeira turma do I.I.E.C.. Os tempos

começam a mudar.

BEM-VINDO, MR. MARSHALL: FRANCO, OS FESTIVAIS INTERNACIONAIS E OS EUA

(1950-1960)

A década de 50 assistiu a transformações na estrutura de governo, e

consequentemente, na sociedade espanhola. Raymond Carr aponta para dois começos:

os cautelosos primeiros passos de uma política econômica capitalista; e a tentativa de

uma abertura política desde dentro. Segundo Carr, tais sinais de abertura partiram de

uma maior distribuição de licenças de importação pelo Ministro do Comércio, Manuel

Arburúa; e da posição liberal-católica do Ministro da Educação, Joaquín Ruiz Gimenez.

Gestões que reforçariam as contradições da ditadura até o seu término, de modo que

enquanto havia uma liberalização, a Falange criava medidas restritivas de contenção às

ameaças da “essência do Estado”, com uma considerável rotatividade nos ministérios.

Pela primeira vez, o público passou a conhecer as divergências nas lutas pelo poder. Foi

durante o período que se reorganizam os grupos de estudantes, intelectuais, operários,

e o Partido Comunista espanhol lançou sua política de reconciliação nacional.21

A partir de 1951, os formandos do I.I.E.C. realizaram suas primeiras

experiências, que não se limitaram à produção de películas. Foram criados os

cineclubes que, por serem privados, possibilitavam a exibição de filmes proibidos pelo

A

militância e os protestos não extravasaram a rede censora de Arias Salgado, mas em

alguns grupos surgiu a consciência de que a sociedade espanhola não poderia mais ficar

subjugada à “camarilla reaccionaria”. Essa conscientização começou a ser sentida nos

meios de acesso possíveis e, sem dúvida, no cinema.

20 Idem. 21 CARR, Raymond. Op. Cit., p. 687-689.

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50

regime; e as revistas especializadas, a fim de promover discussões teóricas. Cabe

salientar que Luis Berlanga e Juan Antonio Bardem formaram a dupla mais prolífica e

polêmica do grupo, inaugurando a influência do neorrealismo com Esa pareja feliz

(1951), sobre as ilusões da classe trabalhadora; Bienvenido Mr.Marshall! (1953), sobre

a influência americana no país; e Muerte de un ciclista (1955) que retrata a história de

um casal de amantes que atropelam um ciclista e não lhe oferecem ajuda com receio

de expor a relação. Todos atuaram sob uma base teórica que repudia a evasão anterior

e se aproximaram dos temas cotidianos e dos problemas reais da sociedade.

Em julho de 1952, uma ordem conjunta dos Ministérios de Comércio; e de

Informação e Turismo, implantaram um novo sistema de proteção ao crédito

cinematográfico, regulamentado pela “Junta de Clasificación y Censura”.22 As

categorias ficaram divididas em: “Interés Nacional” com uma subvenção de 50%; 1ªA

(40%); 1ªB (35%); 2ªA (30%); 2ªB (25%); 3ª (0); e a 4ª categoria, geralmente nos

pareceres eclesiásticos, que representavam “obras completamente imorais e pecado

mortal”.23

Bardem e Berlanga estavam presentes quando foram convocadas, em maio de

1955, as “Conversaciones Cinematográficas de Salamanca”, na qual Juan Antonio

Bardem definiu o cinema espanhol como “politicamente ineficaz, socialmente falso,

intelectualmente ínfimo, esteticamente nulo e industrialmente raquítico”. Nas

conclusões das “Conversaciones”, pediu-se principalmente um código de censura, um

novo sistema de proteção mais justo e eficaz

A intenção era que se mantivesse o modelo agradável ao governo.

24, uma federação de cineclubes; ajuda

estatal ao I.I.E.C.; e o final do monopólio do No-Do. No mesmo ano, Perón foi deposto

pelo golpe militar na Argentina, e uma série de diretores se exilaram na Espanha, o que

trouxe outros olhares para o cine espanhol. Olhares que também vivenciaram um

regime nacionalista, controlado pelo Exército e pela Igreja Católica e que acabara de

ser derrubado.25

22 TORRES, Augusto M. Op.Cit., p.15.

23 Comentário de Antônio Dopazo em Tertulias de Historia. Historia del cine: la censura cinematográfica durante el franquismo: 4-12-2001. Disponível em <http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=6939>. Acesso em 31/5/2009. 24 Até então não havia um controle fiscal sobre as bilheterias, que ainda eram mecânicas, e ocasionavam fraudes principalmente quando se tratava de filmes nacionais. 25 TORRES, Augusto M. Op.Cit. p. 17-18.

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51

A censura aos roteiros, os cortes e dublagens deliberadas se mantiveram.

Berlanga chegou a oferecer a um sacerdote censor a coautoria do roteiro de um filme,

devido às excessivas manipulações introduzidas na obra.26

Em 14 de julho de 1955, mudou a razão de filmes em exibição: um dia de

exibição nacional para cada quatro dias de filmes estrangeiros. Os EUA protestaram,

impedindo a distribuição de filmes norte-americanos no país. As relações

internacionais entre os dois países só se restabeleceram em 1959.

É importante frisar que os

gêneros surgidos na década de 40 não desapareceram, a exemplo de Marcelino, pan y

vino (1954) e novos “sucessos” de Juan de Orduña.

27

Para abordar a relação Espanha-EUA, nos atentaremos ao filme Bienvenido, Mr.

Marshall! (1953), com direção de Berlanga e roteiro em coautoria com Bardem. A

organização de ajuda norte-americana à Europa – o Plano Marshall – no período do

pós-guerra e início da Guerra Fria é o mote da história. Em 1946, a Espanha se via

excluída do Plano, devido ao caráter da ditadura franquista e seus esforços junto às

potências do Eixo. Com o avanço da Guerra Fria, o país se revelou um ponto

estratégico para o estabelecimento de bases militares estadunidenses, e como

“reserva espiritual” anticomunista. Entre 1952 e 1953, o Congresso americano e a ONU

rescindiram a resolução anterior com a promessa de um “préstamo sustancial”.

28

A película se passa em Villar del Rio, um pueblo fictício

Podemos considerar que essas duas características são inexoráveis para compreender

o panorama em que Franco se conservou no poder até 1975. 29

26 DOPAZO, Antonio. Tertulias de Historia. Historia del cine: la censura cinematográfica durante el franquismo: 4-12-2001. Disponível em <

, que ao receber a

notícia de que um grupo de americanos visitará a cidade, transforma seu entorno

montando uma cidade folclórica de papelão, material comprado a crédito para receber

a delegação, que traria a esperança financeira. Os americanos passam e não param. Os

moradores retornam à vida cotidiana, mas contribuem com suas parcas economias

para pagar a dívida adquirida.

http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=6939>. Acesso em 31/5/2009. 27 TORRES, Augusto M. Op.cit., p.19. 28 CARR, Raymond. Op. Cit., p. 683. 29 Que na verdade é um município real, Guadalix de la Sierra.

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52

A história fictícia, em parte, confunde-se com a realidade, quando sabemos que

o filme foi encomendado para o lançamento da protagonista (Lolita Sevilla, uma

cantora andaluza) e ao deparar-nos com o depoimento de Berlanga sobre o filme:

La primera sinopsis que escribimos Bardem y yo era un drama rural, al estilo del cine del Indio Fernández.30 Los productores nos dijeron que por qué no hacíamos algo más divertido. Entonces la primera idea que tuvimos fue hacer algo sobre la Coca-Cola y el vino. Posteriormente, siguiendo el planteamiento de la kermesse héroe que, nos decidimos por la historia de un pueblo que soporta la invasión a base de halagar a los invasores, hasta ir evolucionando hacia lo que finalmente es la película (...). 31

Nesse caso, constatamos a típica contradição do cinema com o regime franquista, em

que os cineastas realizaram as premissas dos produtores e, de alguma forma, aderiram

à campanha nacionalista (trabalhando com personagens que possuem opiniões

divergentes entre prós- e contra-americanismo); e, consequentemente, exportaram o

“tipo espanhol” exaltado pelo regime; mas em contraponto teceram suas críticas. Foi a

sutileza com que Berlanga e Bardem trabalharam suas histórias e o humor negro que

terminaram por agradar aos censores, muitas vezes não se dando conta das críticas

aprofundadas, ou contando que o público, já condicionado com os gêneros partidários,

não teriam o nível pretendido de reflexão para decodificá-las. De qualquer modo, o

filme não escapou da censura, sendo cortada uma das cenas finais, em que uma

bandeirola dos EUA aparece afundando numa corrente d’água. Berlanga declarou

ainda que seus filmes (e os de Bardem), de alguma forma, acirraram a censura: “Con

nuestra actitud, provocamos el reforzamiento de una institución – la Censura – que

hasta ese momento había existido sólo de forma muy latente (...)”.32

30 Emílio “El Índio” Fernandez (1904-1986) foi um cineasta, roteirista e ator mexicano que tratava problemáticas rurais em forma de comédia. Exilou-se em Los Angeles (EUA) e trabalhou em Hollywood após ter participado do movimento revolucionário de Adolfo de la Huerta contra Álvaro Obregón Salido (1920-1924), e retorna anistiado por Lázaro Cárdenas (1934-1940).

31 CAPARRÒS-LERA, J.M. & ESTEVE, Llorenç. Aproximación a Bienvenido Mr. Marshall (1952) y Calabush (1956). Revista Film Historia. vol. 3. Barcelona, 1991. Disponível em <http://www.publicacions.ub.es/bibliotecadigital/cinema/filmhistoria/Caparros-Esteve.pdf>. Acesso em 31/5/2009. 32 BERLANGA apud CERÓN GOMEZ, Juan Francisco. El cine de Juan Antonio Bardem y la censura franquista (1951-1963): las contradicciones de la represión cinematográfica. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2003. (fonte oficial: 1999). Disponível em <http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=10209>. Acesso em 30/3/2009.

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53

Outro aspecto contraditório da “relação de amor e ódio” dos censores com

alguns cineastas é o fato que a partir dos anos 50, com o crescimento das coproduções

e uma exportação maior de filmes espanhóis, esses filmes passaram a concorrer em

festivais internacionais (em destaque Cannes e Veneza), e obtiveram bons prêmios.

Esse processo obrigou os órgãos censores a fazerem concessões, a fim de usar o

sucesso das obras para prestigiar internacionalmente o regime. Temos o exemplo de

“Calle Mayor” (1956), que foi cogitado à indicação do Oscar, e em correspondência

entre os embaixadores da Espanha e EUA, e o Diretor-Geral de Cinematografia lê-se:

“La ocasión es única para desarrollar en los Estados Unidos una excelente propaganda

de cosas que nos interesan a este efecto”.33

Encontramos comentários de mesma

natureza na obra de Vizcaino Casas:

Con “Bienvenido, míster Marshall”, el cine nacional salta las fronteras y, lo que es aún más importante, demuestra las infinitas posibilidades que le aguardan cuando sabe poner en juego una inteligencia clara, un fino espíritu irónico y una contemplación entre tierna y optimista, entre satírica y comprensiva, de los problemas actuales. (...) Berlanga-Bardem será definido como “las dos palmeras en el desierto del cine español”.34

É possível refletir, com essa asserção, sobre o cinema fantástico que fizemos

analogia anteriormente. Quando a exaltação dos cineastas, os mesmos que

“reavivaram a censura”, é conveniente para a propaganda franquista, não há titubeios.

Vamos analisar o porquê, então, dessa movimentação da cinematografia interna em

vista do “cine para exportação”.

O CINEMA NOVO, HOLLYWOOD, E A CARICATURA DO MESMO PROCESSO (1960-1978)

Os anos 60 caracterizaram-se principalmente por uma velada abertura política

e econômica que foi refletida na censura, bem como na indústria cinematográfica. O

movimento de aperturismo, como denominado pela maioria da literatura espanhola,

destacou-se pelo “milagre econômico” alcançado através do abandono da política de

autarquia e pela adoção de um modelo que Raymond Carr classifica como “neo-

33 Cerón Gomez, idem. Fonte citada pelo autor: La carta se fecha el 26 de diciembre de 1957 y está recogida en ACM C/ 13.833, Expte. 202. 34 VIZCAINO CASAS, F. Op.Cit., p.11. [Grifo nosso].

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54

capitalismo”.35

O que consideramos como “caricatura do processo” é o fato de que conforme

se dispõe de medidas em direção a uma liberdade maior, inclusive às manifestações

críticas ao governo, são as mesmas medidas que vão operar e fortalecer a legitimidade

do regime. Como, por exemplo, aponta Carr que, para Franco, não existia mais a luta

de classes, então não havia motivo para greves e manifestações, que permaneciam

classificadas como atos criminosos.

Tal modelo foi garantido pela conjugação administrativa organizada a

partir da década de 50: o ascenso de ministros e funcionários públicos com formação

universitária e mão de obra especializada deu origem ao caráter tecnocrata do regime,

reiterando a necessidade do país retomar as relações exteriores a fim de gerar

recursos e, como consequência, manter o regime nas mãos de Franco e dos grupos de

interesse agregados.

O maior poder de consumo gerado pelo “milagre econômico” agiu

contraditoriamente numa tímida tomada de consciência cujas bases refletiram a

possibilidade de possuir “coisas” em contraponto ao cerceamento das liberdades,

enquanto em algumas instâncias reforçou a apatia da opinião pública. O advento da TV

aumentou a matriz de controle da indústria cultural estabelecida pelo regime, bem

como a utilização dos esportes dentro da propaganda nacionalista, aspectos que

sinalizaram para uma queda de popularidade do cinema. Com isso, a estratégia voltada

para a cinematografia ganhou outros rumos, consistindo, internamente, num maior

poder de expressão; e com fins externos, no apoio das produtoras americanas para a

realização de películas de alta distribuição. Ficou patente a política de investimentos

no turismo, que terá o cinema como maior aliado.

Dentro do espectro de premiações cinematográficas no estrangeiro, tem-se o

episódio polêmico de Viridiana (1961), de Luis Buñuel, como expressão máxima da

atitude do regime no controle da censura. Viridiana passou pela censura e ganhou a

Palma de Ouro em Cannes; porém, logo em seguida, foi criticado pelo Vaticano, o que

gerou a dissolução da produtora encarregada e a proibição de exibição na Espanha, só

liberado juntamente com outros filmes do cineasta, na década de 70.

A “reforma” do cinema espanhol ficou a cargo de José María García Escudero,

liberal-católico, que assumiu o posto da Direção-Geral de Cinematografia entre 1962 e 35 Carr, op.cit. p.690.

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55

1967. Escudero promoveu o primeiro código de censura, em 1963, que se traduziu

ineficaz no sentido que persiste a censura prévia de roteiro, as melhorias se

caracterizaram pelo controle maior de bilheteria de filmes nacionais, e pela liberação

de alguns filmes previamente proibidos. No entanto, as Normas do Boletín Oficial del

Estado (BOE), de 1963, revelam a proibição de alguns temas como: o suicídio; o

homicídio; vingança e duelo; divórcio e adultério; aborto; relações sexuais ilícitas;

prostituição; e “en general, de cuanto atente contra la institución matrimonial y contra

la familia”. Entre os filmes proibidos, foram revisadas, em 1964, 68 películas e

autorizadas 53 delas. 36

Ainda em 1963, houve a conversão do I.I.E.C. em Escola Oficial de

Cinematografia (EOC), passando agora ao controle direto de Escudero. Foi nesse

contexto de “liberalização” que se tornou possível o movimento do Novo Cinema

Espanhol (NCE). O Cinema Novo abriu espaço para reflexões sobre a sociedade

espanhola, enfaticamente, nas críticas à burguesia e às instâncias políticas que a

controlavam, como, por exemplo, o repúdio ferrenho ao monopólio do No-Do na

produção de documentários, e o pessimismo que já se encontrava em outras

expressões artísticas menos supervisionadas, como a música e a literatura. O objetivo

maior do Cinema Novo era empreender um filme de qualidade que tivesse chances de

atingir simultaneamente um patamar comercial.

37 Um dos precursores desse

movimento foi sem dúvida Carlos Saura. O documentário Los Golfos (1959) e o longa

La Caza (1966), apesar de ganharem prêmios no exterior, receberam a menor

classificação de financiamento e tiveram suas exibições retardadas por muitos anos.

Assim, sucedeu-se com diversos filmes da dupla Berlanga e Bardem, que no apogeu de

suas carreiras internacionais, viram-se cada vez mais “neutralizados” pelo processo de

apertura. Mas de maneira alguma, Vizcaino Casas deixou de mencionar que o cinema

espanhol encontrou seu alicerce maior nos Tres Bes y una Ese 38

Vale frisar que concomitante ao Cinema Novo continuou a se produzir filmes de

estrita propaganda política, como Franco, ese hombre (1964), do recorrente Sáenz de

– Buñuel, Bardem,

Berlanga e Saura.

36 Comentário de Camino Gutiérrez em Tertulias de Historia. 37 TORRES, Augusto M. Op.cit., p.21. 38 VIZCAÍNO CASAS, Op. cit., p.24.

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56

Heredia, mesmo autor de Raza; e Juan de Orduña manteve sua temática no cinema, e

produziu zarzuelas para a televisão. 39 O que resultou dessa movimentação foi o

surgimento de dois tipos de produção: uma de baixa qualidade e forte comercialidade;

e outras qualitativas e de baixos rendimentos, com uma mínima repercussão interior.

Conforme se refere Torres: “la situación continúa siendo la misma y el porvenir

aparece tan negro y falto de posibilidades como entonces”.40

É preciso compreender que o aparente “fracasso” do Cinema Novo deveu-se

diretamente a instalação das produtoras americanas em território espanhol. Como

dito anteriormente, de 1955 a 1959 a relação da indústria cinematográfica entre os

dois países era instável em questões de distribuição, contudo, isso não impediu que, os

primeiros investimentos nessa indústria, fossem consentidos, em vista de um plano

estratégico maior e muito bem estruturado.

Desde 1948, o acirramento das leis antitrustes e a popularidade da televisão

provocaram o desmantelamento das grandes produtoras de Hollywood. Com isso, os

estúdios californianos passaram a se apoiar em produções independentes que

diminuíam os custos, realizando filmagens no exterior. A parceria entre EUA e Espanha

se tornou óbvia a partir do momento em que Franco pretendia abrir espaço para a

entrada de dólares no país, em forma de investimentos num cinema que iria enaltecer

as belezas naturais e históricas da Península e, no mesmo curso, impulsionar o

turismo; enquanto produtores norte-americanos teriam inúmeras facilidades para

filmar na Espanha, por sua vez, a locação mais barata e vantajosa que poderiam

encontrar.

Assim como Hollywood, outras companhias ocidentais eram bem-vindas no

país de Franco no final da década de 50 e durante os anos 60, como ficou registrado

principalmente nas coproduções italianas. A política de incentivo ao turismo estava

prevista secretamente num plano de 1960, denominado “Operación Propaganda

Exterior”.41

39 Ibid., p. 19-21.

Tal plano consistia – além da busca pelos dólares – no reconhecimento da

Espanha franquista como uma grande nação repleta de recursos; na formação técnica

40 TORRES, Augusto M. Op. cit., p.35. 41 ROSENDORF, Neal Moses. Hollywood in Madrid: american film producers and the Franco regime, 1950-1970. Historical Journal of Film, Radio and Television, 27:1, p. 77-109. Disponível em <http://uscpublicdiplomacy.com/pdfs/H-wood_In_Madrid_article--Final--HJFRT.pdf>. Acesso em 4/5/2008.

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57

e artística proporcionada em grande escala pelos norte-americanos; e na apropriação

do que Joseph S. Nye determinou como soft power, ou seja, um processo de:

[...] cooptação pelo qual um país pode obter os resultados que pretende na política mundial porque outros países – admirando seus valores, emulando seus exemplos, aspirando por seu nível de prosperidade e liberdade – queiram [...] Soft power [ou poder sutil] assentar na habilidade de moldar as preferências de outrém.42

Em contrapartida, os estúdios estadunidenses pretendiam baratear suas

produções, o que era conseguido através de tais produções externas; aproveitar os

subsídios locais e outras regalias (como as coproduções e absorção das companhias

locais); e ter acesso a “fundos congelados”, isto é, fundos que provinham de

negociações em moeda local dos estúdios, ou negociações americanas que sofriam

restrições econômicas e não poderiam sair do país de origem.

Esse último fator se expressou na parceria dos produtores independentes com

grandes empresas americanas, também prejudicadas com as políticas de

regulamentação econômica pelos EUA, instituídas desde o governo de Franklin

Roosevelt, como foi visto nos patrocínios de Rockfeller; General Motors; Kodak;

Firestone; e DuPont 43

Esclarecidas as circunstâncias, e somadas ao contexto da Guerra Fria, é

compreensível que na década de 60, o Ministério de Informação e Turismo, liderado

por Manuel Fraga Iribarne, deixara de lado o receio anterior promovido por Arias

Salgado, relativo à propaganda “judia e comunista” do cinema hollywodiano, para

empenhar o negócio mais promissor já realizado pela Espanha (judeus incluídos,

porém milionários), que entraria no circuito mundial da produção cinematográfica.

Nem que fosse só pela paisagem. Isto é, as primeiras parcerias significativas surgiram

ainda na década de 50, com a United Artists e as produções de Robert Rossen e

às produções de Samuel Bronston. Uma vez que não poderiam

retirar esses “fundos congelados” dos países originais, poderiam lucrar com a moeda

convertida em negativos cinematográficos.

42 NYE, Josep apud ROSENDORF, Neal Moses. Hollywood in Madrid: american film producers and the Franco regime, 1950-1970. Historical Journal of Film, Radio and Television, 27:1, p. 77-109. Disponível em <http://uscpublicdiplomacy.com/pdfs/H-wood_In_Madrid_article--Final--HJFRT.pdf>. Acesso em 4/5/2008. 43 Interessante atentar para a natureza das empresas: General Motors e Firestone, ligadas a indústria automobilística; Rockfeller e DuPont, verdadeiros impérios da produção e distribuição petrolífera até os anos 1970; e Kodak, um dos nomes mais lembrados no que diz respeito à história do cinema.

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Stanley Kramer. Durante esse período foram filmados na Espanha Alexandre, o Grande

(1956) e Orgulho e Paixão (1957), respectivamente, dos produtores supracitados.

É importante ressaltar que Stanley Kramer desenvolveu um modus operandi

com as entidades governamentais de Franco, que serviu de modelo para a maioria das

produções realizadas no país. Kramer trabalhava com roteiros que geralmente faziam

menção à história espanhola, e mantinha contato integral com Arias Salgado e com o

próprio Franco, aberto a “sugestões e consultorias”. 44

A utilização de tropas do exército espanhol e figurações de outras naturezas

não se limitavam a essa única película e se repetiram em outras ocasiões. O que se

revela é que a partir de Kramer os produtores, que davam a preferência por filmes que

envolviam o universo espanhol, recebiam “carta branca” do governo em diversos

aspectos, contanto que prestassem conta aos “interesses nacionais”.

Outras produções eram barradas ou desfavorecidas, como no caso de

Spartacus (1960), que perdeu locações devido a um herói do proletariado; e Naked

Maja (1959), que fazia alusão à “Maja Desnuda” de Goya – um retrato da duquesa de

Alba – produção vetada pela própria família Alba. Esse episódio reflete o aspecto de

“sociedade cortesã” do regime franquista, ao qual Jesús Gonzáles de Chávez45

se

refere, utilizando-se do modelo de Norbert Elias. Entendendo a ditadura de Franco

como um sistema aproximado a uma monarquia absolutista – legitimado pelo “trono e

altar”, bem como é considerado por outros autores a exemplo de Raymond Carr e Paul

Preston – Chávez apreende o conceito de Elias no que diz respeito à liberdade que

algumas elites poderosas possuem em determinados governos autoritários

contemporâneos no sentido de que

uno se encuentra en la sociedaded cortesana con muchos fenómenos todavía por completo abiertos que, hoy en día, están con frecuencia ocultos y encubiertos bajo organizaciones muy burocratizadas.46

Outro fator que destaca o comportamento de uma “sociedade cortesã” se

encontrava na disposição da governança de Franco, baseada nos moldes de uma

44 Idem. 45 CHÁVEZ, Jesús González de. Apostilla sobre el régimen de Franco. Revista Vegueta, n.6, 2001-2002. Disponível em <http://www.webs.ulpgc.es/vegueta/num_ant_vegueta/downloads/06-097-105.pdf>. Acesso em 22/3/2009. 46 ELIAS apud Chávez, idem.

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política colonialista (herdeira da experiência do general no Marrocos), cujo caráter do

regime não se distinguia por uma ideologia, mas pela arbitrariedade de “governar

dividindo” as forças políticas preexistentes. 47

Fechando esse parêntese necessário, e ainda dentro dessa ótica, num contexto

global, analisemos as produções de Samuel Bronston, que se destacou no cenário

cinematográfico por cultivar relações influentes no empresariado. Um de seus

primeiros parceiros de produção foi então James Roosevelt, filho de F. D. Roosevelt, e

durante o período de coproduções espanholas, assistimos a participação das empresas

citadas anteriormente. Entre elas, a DuPont figurou o cartão de visitas de Bronston,

para obter a concessão de filmagem de King of Kings (Rei dos Reis, 1961) com Franco e

com o Papa João XXIII. Com o primeiro projeto aprovado, e outros que se seguiriam, a

maior exigência de Franco era que estivesse enfático que a produção havia sido

realizada na Espanha.

Seguindo os passos de Stanley Kramer, Bronston se empenhou em realizar o

que se tornaria o seu maior sucesso de vendagem e crítica, e consolidaria sua relação

com o regime por tempo indeterminado. El Cid (1961) definitivamente abriu as portas

da Espanha para o mundo, e vice-versa.

Nenhum outro roteiro poderia ser mais agradável a Franco do que o de El Cid, o

herói da reconquista – a principal analogia de seu governo e já filmada diversas vezes,

nunca com essa visibilidade – que deu um apoio sem precedentes à produção,

contando inclusive, com a consultoria de um ilustre historiador, Ramón Menéndez

Pidal. O acontecimento chega a um episódio do No-Do:

En Madrid tiene lugar parte de rodaje de una superproducción histórica, embasada en un héroe español muy al gusto del régimen. En los estudios de Sevilla Films, de Madrid, se ruedan algunas secuencias de la película El Cid, que dirije Anthony Mann. Acompañado por la equipo de prensa de la productora de José Luis Peña y directora de la entidad, visita a los estudios el ilustre historiador y erudito Ramón Menéndez Pidal, que ao pesar de haver cumplido recientemente 92 años, se hay en pleno vigor físico y mental, conversa con los artistas, y puede ver corporeizada la realidad de la Edad Media y la época feudiana, a cuyo estudio dedicó gran parte de su vida. Charlton Heston interpreta o papel principal, otros personajes son el Conde Ordoñez, ---- y Doña Urraca, todos

47 Idem.

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ellos viejos conocidos de Don Ramón, a quien se obsequia con una fiel reproducción realizada en Toledo de la famosa--- . 48

Jonathan Phillips, em resenha para o site Channel 4 49, alegou que o épico

cometeu alguns equívocos e omissões em grande parte devido à consultoria de Pidal,

em essência por dois motivos: primeiro por Pidal ter se baseado nos poemas épicos do

Cantar de mio Cid 50

Outros sucessos de Bronston rodados na Espanha são 55 dias em Pequim

(1963) e A queda do Império Romano (1964). Todos subsidiados em parte pela DuPont.

É curioso observar no mesmo documentário citado acima, uma matéria sobre a crise

de uma empresa petrolífera espanhola. Com o fim do apoio da DuPont ao agora “Don”

Samuel Bronston (condecorado pela Ordem de Isabel, A Católica, em 1963), o reinado

do produtor não se estendera muito, devido a denúncia de gastos ilícitos, porém, se

manteve na Espanha até 1973, quando é enviado a Boston, sem ter pago suas

dívidas.

e por consequência, ter omitido as relações mercenárias que Cid

mantinha, tanto com cristãos como muçulmanos. O segundo motivo reside no fato de

Pidal ter usado o anseio de uma Espanha unificada em favor de uma percepção

histórica de sua própria época, como é visto no grito de guerra do herói interpretado

por Charlton Heston: “For Spain!”. O que na época deveria ter sido em nome de

Castela, no épico transmuta-se numa variante de “Arriba España!”.

51

Além Bronston, outras coproduções foram filmadas, como Lawrence da Arábia

e Cleopatra (1963) e Dr. Jivago (1965), mas nenhuma delas teria a parceria firmada

com o regime Franco como no caso anterior. Ainda em 1964, a Espanha rompeu

relações com a produtora Columbia, e tentou proibir o lançamento mundial de Behold

a pale horse (A Voz do Sangue), que trata de um refugiado da Guerra Civil que retorna

à Espanha 15 anos depois.

52

Em uma nota final, Rosendorf deixou um questionamento em aberto que se

aparenta relevante. O que se refere à abertura, dentro de um governo autoritário de

48 Transcrição livre. Os espaços marcados com “----“ não foram compreendidos. É possível visualizar a matéria na íntegra no documentário Los Años del No-Do (2006), volume referente a 1961. 49 PHILLIPS, Jonathan. Disponível em < http://www.channel4.com/history/microsites/H/history/e-h/film-elcid.html >. Acesso em 14/6/2009. 50 Edição em facsímile disponível em <http://www.cervantesvirtual.com/bib_obra/Cid/index.shtml>. 51 Rosendorf, op.cit. 79. 52 Torres, op.cit. p. 37.

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extrema direita, para uma política voraz de mercado consumidor e turismo, que pode

ter sido um fator considerável para o desmantelamento do governo.

O final dos anos 60 demonstrou a entrada dessas ideias através da

reestruturação de grupos regionalistas catalães e bascos em essência, em alguns casos,

extremistas, como o ETA. No cinema, tal reorganização se reverteu na formação da

Escola de Barcelona, um grupo de cineastas que começaram a realizar películas em

16mm, e por não existir nenhuma legislação que a controle, atuavam fora da Junta de

Classificação e da prévia apresentação de roteiro. Tratava-se de um cine independente

que tentava se desligar das estruturas burocráticas e administrativas que controlavam

o livre acesso à profissão. Frente a essa manifestação, o controle se acirrou novamente

e, em 1967, foram criadas as salas de “Arte y Ensaio”, uma manobra para absorver os

independentes em que se estipulava que estas devem funcionar em no máximo 500

cidades, com a razão de um filme de interés nacional para cada três estrangeiros. A

burocracia para a criação dos cineclubes se intensificou com a intenção de dirigir os

grupos frequentadores para as salas de arte e ensaio, e teve-se reiterado o controle

das películas, dos cineastas (maior supervisão da E.O.C) e do espectador (reduzindo a

capacidade das salas de exibição).53

Se considerarmos a conjuntura geral do cinema na Espanha durante a década

de 60, e o trabalho de evasão já realizado nas décadas anteriores, constata-se a

complicada situação do cineasta espanhol que pretende renovar, tanto em estética

como em discurso, por três aspectos fundamentais: ele se deparou com um grande

público já absorvido pelo espetáculo de puro entretenimento; ele foi formado desde o

início por matrizes arraigadas ao sistema; sua liberdade foi cerceada de modo velado,

muito mais pela falta de apoio e da possibilidade de uma resistência homogênea do

que pela repressão, por fim, a própria repressão moral inerente às ditaduras.

Com isso, é conclusiva a crise que se sucedeu no cinema espanhol dos anos 70

e durante a transição. O desdobramento das sucessivas gerações que viveram sobre “o

medo e o desejo de esquecer a loucura e o horror de uma guerra fratricida em que

poucos combatiam por convicções próprias”.54

53 Idem.

O regime franquista conseguiu

54 HABRA, Hedy. Deconstrucción del tejido mítico franquista. Espéculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid, 2004. Disponível em <http://www.ucm.es/info/especulo/numero28/mitofran.html>. Acesso em 22/3/2009.

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penetrar em todos os aspectos da sociedade, se apoderando da consciência coletiva,

anestesiando “não só a crítica social, como também impossibilitando (ou retardando) a

introspecção”.55

O ato comum dos mais intransigentes que atravessavam as fronteiras do país,

como, por exemplo, para assistir O Último Tango em Paris (1972), na cidade francesa

de Perpignan, gerando recorde de bilheteria e alvoroço no local, só reflete a

impossibilidade de “ser resistência” em seu próprio território. Uma crise identitária

profunda, marcada pela autocensura.

De acordo com Torres, o único que alcançou destaque desse conjunto, pela

produção incansável e pela frequência de êxitos, foi Carlos Saura, que conseguiu

desenvolver um estilo próprio, e tecer críticas, mesmo que em elipses ou metáforas.

Estas, perceptíveis na grande maioria de seus filmes, bem como os seus próprios

traumas pessoais que remetem ao fantasma constante da Guerra Civil, com destaque

para Mamá cumple cien años (1979) que cria um retrato da própria Espanha na forma

de uma família decadente:

Una vieja mansión rodeada de peligrosos cepos que sólo conocen sus habitantes. Um hermano muerto que fue fanático aficionado a los uniformes militares y que sobrevive en el personaje de una sobrina cerril y antipática. Un marido que huye del lugar por la frigidez de su mujer. Un viejo aficionado a monje que intenta ejercicios de vuelo para huir y seducir a la antigua institutriz que regresa a la mansión donde todo – o casi todo – continúa “como antes”. Una niña marginada que trata de encontrar en juegos misteriosos un lazo con la vida. Y sobre todo una vieja y eterna madre – que cumple cien años – capaz de estar en todas partes, de hablar con todo el mundo sin moverse de su amplia cama, de esa habitación que es como un útero, como un despacho, como un tribunal, como un confesionario. Um intento de asesinato, una imposibilidad de que la vida cambie y una firmeza de que el cambio no esta motivado por intereses distintos a los que se pretenden eliminar. 56

Tanto a película como o trecho da sinopse exigem um grau de abstração

considerável para codificar todas as relações representadas. Mas é possível enxergar

alguns dos personagens principais da nossa história: uma casa, um país, com

armadilhas que só seus habitantes conhecem; o irmão morto; a Falange; a Igreja; a

“estrangeira”; a permanência; a “mãe eterna” e onipresente; o iminente assassinato 55 Idem. 56 GALÁN, Diego. Revista Triunfo. 22/9/1979. Disponível em <http://gredos.usal.es>.

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que não elimina interesses anteriores, etc. Ao final, a “estrangeira”, mas também

incondicionalmente filha, impede a morte da mãe, que por um instante, parecia

realmente morta, mas reanima-se, de volta a sua onipresença.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final do livro de Augusto Torres, encontra-se uma pesquisa organizada pelo

autor, antes de escrever o livro, que pergunta a vários “atores” da história do cinema

espanhol o que achavam do cine realizado na década de 60-70; qual havia sido sua

postura; onde se encontrava a crise do final desses dias; e quais as medidas para a

superação da crise. A introdução do apêndice, creditada a Joaquín Jordá, inicia falando

da própria dificuldade de considerar o cinema espanhol como um epifenômeno –

“fenómeno que acompaña a los sintomas de una enfermedad sin ser característico de

ella” – no sentido de que o autor crê que o cinema espanhol se traduz na “opacidade

sociológica”, num “espelho que reflete o nada”.

Quarenta anos depois de escrita essa obra, nos damos ao direito de contestar

essa afirmação, pois são justamente nos silêncios que se apresentam num sistema

repressor que encontramos suas razões.

O que fica explícito com a crise do cine espanhol nos anos 70 é que, ao

contrário do que seus brilhantes teóricos e críticos (e o adjetivo não consiste em

ironia) afirmam e lastimam-se, houve uma tomada de consciência da situação

vivenciada nas décadas anteriores.

Constatou-se o didatismo e imobilização que davam a tônica da produção nos

primeiros anos do franquismo; foram reconhecidos os esforços de artistas como

Bardem e Berlanga nos anos 50, apesar de todas as forças contrárias e

ensurdecedoras, bem como o papel alienante da experiência americana em terras

espanholas ao longo dos anos 60, o que desencadeou o profundo desinteresse da

população por um cinema nacional autêntico, de “qualidade”, contexto do qual Luis

Buñuel e Carlos Saura surgem como heróis ofegantes.

As discussões teóricas, que ocorrem a partir dos anos 70 e da transição

democrática, apesar de refletirem essencialmente um resgate de um passado a partir

de novas perspectivas e, com isso, talvez, um novo momento de evasão do passado

recente e a retomada de traumas anteriores – consistem no esforço em tomar as

Page 65: ABRÃO, Janete - Espanha  política e cultura (Livro)

64

rédeas, pela primeira vez, de um cinema que partia da criação subjetiva de suas

experiências. Muitas delas, provavelmente ideológicas, mas fruto de uma reflexão

mais cuidadosa e aprofundada. Nacionalistas, por supuesto, mas assumindo um

espectro transculturador, que admite as diferenças culturais internas, incluídos os

produtos da imposição de serem a Espanha “una y grande”, historicamente almejada

pelos líderes absolutistas.

Por fim, consideramos que o cinema espanhol é, de fato, o epifenômeno de

maior expressão da história espanhola. Mas talvez não seja ao cinema como entidade

a quem nos referimos, e sim aos que ainda acreditam em suas forças transformadoras.

REFERÊNCIAS

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O Labirinto do Fauno: o embate político-ideológico entre duas concepções de Espanha

Bruno Kloss Hypólito Acadêmico do Curso de História – PUCRS, Brasil.

La guerra civil constituyó la más cruel de las educaciones políticas. Los españoles aprendieron lo que puede hacer el gobierno militar en el tejido de la vida civil, y cómo algunos hombres se convierten en puros asesinos bajo

la influencia de lemas abstractos y “virtuosos” (Gabriel Jackson).

presente capítulo tem como objetivo o estudo da obra cinematográfica do

cineasta mexicano Guillermo Del Toro, O Labirinto do Fauno (2006). A análise do

filme mostrará o período inicial da ditadura de Franco (1939-1944) e como os

conceitos antagônicos da Espanha entre os diferentes grupos envolvidos nos conflitos

durante a Guerra Civil (1936-1939) são representados em seus diferentes personagens

e situações.

A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) foi resultante de divergências políticas e

ideológicas que dividiam a sociedade em relação às reformas sociais e econômicas

propostas e algumas efetivadas ao longo da Segunda República (1931-1936); separou

famílias e criou animosidades em nome de uma sangrenta batalha que durou três

anos, e que teve repercussões internacionais.

O conflito é considerado um dos mais violentos da história da Península Ibérica,

na qual a luta ideológica entre duas frentes – Popular (composta pela esquerda:

comunistas, anarquistas, liberais-democratas, nacionalistas da Galícia, País Basco e

Catalunha) e “Nacionalista” (composta por monarquistas, falangistas, militares de

extrema direita, latifundiários e setores da Igreja Católica) – dizimou boa parte da

população, deixando um rastro de morte, destruição e miséria, empobrecendo a

Espanha e fazendo-a estagnar por várias décadas.

Cabe esclarecer que, o regime franquista, tomou o poder com o final da Guerra

Civil, em abril de 1939. Por sua vez, o General Franco se autoproclamou “Caudillo de

España por la Gracia de Dios”, ao ter conseguido sufocar os republicanos, com o auxílio

externo, e ter tomado as principais cidades esquerdistas espanholas (Madri, Barcelona,

O

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67

Valencia, Murcia e Alicante). O regime possuía características fascistas peculiares que o

aproximava da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini, sintetizando o que ficou

conhecido por “franquismo”.1

Ao longo da década de 40, o regime praticou uma forte repressão contra os

opositores da ditadura. Manteve uma política econômica de mercado, porém,

autárquica, provocada pela Segunda Guerra Mundial e pelo isolamento posterior da

Espanha – promovido pela ONU, devido à simpatia espanhola pelos regimes nazi-

fascistas e sua política de “não beligerância”. Entretanto, o regime do generalíssimo

Franco perdurou por mais algumas décadas, tendo de se adequar às novas realidades

mundiais e aliar-se com outras potências, até seu fim em 1975. Conforme Santos Juliá

assevera:

Matar campesinos era la prueba irrefutable del restablecimiento del orden; matar curas demostraba que la revolución estaba en marcha y ningún paralelismo que iguale responsabilidades y reparta culpas, sino sencillamente de constatar un hecho: en la zona insurgente, la represión y la muerte tenían que ver con la construcción de un nuevo poder.2

Mas, foi o grande número de vítimas e o apelo popular que gerou uma áurea

romântica em torno do conflito. Muitos homens e mulheres comuns que sequer

possuíam qualquer treinamento militar pegaram em armas para lutar em nome de

seus ideais, deixando-se atingir por rajadas de metralhadoras e tornando-se mártires

da guerra.

Além da enorme quantidade de trabalhos jornalísticos e acadêmicos gerados

acerca da Guerra Civil, a arte, enquanto reflexo da sociedade, viu-se representando os

combates fratricidas das “Espanhas” em conflito. A comunidade cinematográfica

também se fez presente nesse sentido, produzindo uma grande quantia de

documentários e filmes, abordando o conflito entre “republicanos” e “nacionalistas”.

Pode-se afirmar que a Espanha é um país cujo passado trágico ainda se faz

refletir em seu presente. A Guerra Civil e, por consequência, o regime ditatorial do

general Francisco Franco foi o último exemplo de que divergências político-ideológicas

entre grupos em oposição podem deflagrar uma campanha de terror, perseguição e

1SALVADÓ, Francisco. A Guerra Civil Espanhola. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 243. 2JULIÁ, Santos. (coord.). Víctimas de la guerra civil. Madrid: Temas de Hoy, 1999. p. 25.

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68

ódio. A sociedade espanhola atualmente oscila entre a lembrança e o esquecimento

desses episódios, muitas vezes trazendo à tona velhos ressentimentos entre alguns

grupos.

Mais recentemente, o cineasta mexicano Guillermo Del Toro realizou dois

trabalhos de ficção que exploram essa temática para ambientar suas histórias. O

primeiro filme, de 2001, chama-se El Espinazo Del Diablo que narra a história de um

menino que se vê assombrado pelo fantasma de uma criança em um orfanato em

meio à Guerra Civil. O segundo filme, de 2006, intitula-se El Laberinto Del Fauno e,

mais uma vez, utiliza a ótica de uma criança em uma trama ambientada nos primeiros

anos do regime franquista, cuja repressão aos grupos opositores foi a mais violenta.

Este último, fez com que Del Toro fosse aclamado pela crítica mundial como um

promissor diretor da nova geração, ao mesmo tempo em que chamou a atenção para

toda sua simbologia e representação sobre o período ao qual o filme remete.

Nesse sentido, O Labirinto do Fauno será o objeto de análise, pois, partindo do

pressuposto que Del Toro utiliza elementos objetivos (técnicos) e subjetivos

(simbólicos) – tanto em cenas como nos personagens – para representar a complexa

conjuntura política e ideológica dos primeiros anos da ditadura de Francisco Franco

(1939-1944), podemos questionar de que forma o filme representa o embate entre as

concepções antagônicas da “Espanha” no período em análise.

O “LABIRINTO ESPANHOL”

O escritor britânico Edward Fitgerald Brenan viveu na Espanha durante anos e

descreveu o país – sob o pseudônimo de Gerald Brenan – como um “labirinto”. 3

O Labirinto do Fauno se passa no ano de 1944, apenas um ano antes do fim da

Segunda Grande Guerra e cinco após o término da Guerra Civil. Conta a emocionante

fábula de uma menina de 13 anos, chamada Ofélia (

Brenan referia-se à complexidade política e aos conflitos armados da década de 30,

que culminaram com a ditadura franquista até 1975. O “labirinto” é a forma mais

simbólica para representar um lugar aparentemente sem saída, sem rumo certo.

Devido a isso, talvez não soe estranho que um filme de produção espanhola, com esse

contexto como pano de fundo, tenha sido intitulado El Laberinto del Fauno.

Ivana Baquero), fugindo da dura

3 BRENAN, Gerald apud SALVADÓ, Francisco. Op. Cit., p. 9.

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69

realidade que assola sua infância recorre a sua imaginação e se transporta ao mundo

dos contos de fada. Nesse mundo é uma princesa com a missão de retornar ao seu

reino e governá-lo ao lado de seu pai (falecido no início da Guerra Civil). Junto à mãe,

Carmen (Ariadna Gil), que se encontra em um delicado estado de saúde devido a sua

avançada gestação, Ofélia viaja até uma pequena vila na qual se encontra o capitão

Vidal (Sergi López), um capitão franquista da Guarda Civil, e seu padrasto. Porém, o

que interessa não é contar a história do filme, e sim identificar nele os elementos que

remetem aos conflitos entre os personagens participantes da trama, fazendo um

paralelo constante com os acontecimentos da Guerra Civil e da ditadura de Franco.

RELAÇÃO DOS PERSONAGENS

Dentro da trama que se desenrola, o espectador é apresentado a personagens

que possuem características peculiares e, através deles, pode-se elaborar uma relação

entre sua personalidade e a representação simbólica e ideológica dada pelo diretor do

filme. Esse procedimento é compreendido como a ligação entre o Objeto (personagens

e cenas) e o Modelo (contexto histórico) de maneira análoga ou em forma de mimese.

Como explica Aumont: “Mímesis é, no fundo, um bom sinônimo de analogia. Nós o

adotamos aqui para designar o ideal de semelhança ‘absoluta’”.4

A protagonista é a menina Ofélia e, como foi dito, tem 13 anos. Sendo assim,

teria nascido em 1931 – ano da proclamação da Segunda República. Em sua primeira

cena aparece morta, representando o fim da República.

Ao longo do filme, a jovem mostra-se fortemente ligada à mãe e está sempre

contestando o padrasto, o que pode ser entendido como a relação da própria

República com sua “mãe” Espanha e a negação de um governo usurpador. Simpática à

governanta do casarão (Mercedes, interpretada por Maribel Verdú) e avessa às

normas rígidas do vilarejo, Ofélia representa uma forma de governo popular e livre. É a

única personagem do mundo “real” que interage com os seres mágicos – o que pode

ser interpretado como uma celebração à imaginação, o que não acontece em um

regime de orientação totalitária.

Carmem, a mãe da menina, é representada como uma mulher fraca e

impotente. Não possui vontade própria e aceita submeter-se às ordens de seu marido

4 AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas: Papirus, 2005. p. 200.

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para proteger seu filho, ainda no ventre. Pode-se relacionar a personagem com a

figura da Espanha – um país economicamente debilitado e sujeito às vontades de um

ditador. Casou-se pela segunda vez para poder sustentar os filhos, como aconteceu

com muitas mulheres que enviuvaram durante a guerra.5

O capitão Vidal é o comandante do destacamento do velho moinho, além de

ser o poder máximo da região. Em uma esfera menor, representa a ditadura franquista

e a perseguição contra seus opositores. Seu ideal de vida é facilmente observado na

decoração do Moinho: linhas retas, poucas e antigas mobílias e nenhuma cor. Seu

escritório é um misto de engrenagens e papéis, simbolizando a disciplina e a

burocracia. A personagem é mostrada como um homem extremamente violento, aos

moldes de alguns militares franquistas e militantes falangistas. Ele não se vê como um

indivíduo, mas como um instrumento a serviço da Nação e, em última análise, devido a

sua obsessão por seu filho, aponta a importância da família como núcleo fundamental

e célula base da sociedade no movimento nacionalista de Franco.

6 Segundo afirma

Josep Solé i Sabater: “La violencia fue un elemento estructural del franquismo. La

represión y el terror subsiguiente no eran algo episódico, sino el pilar central del nuevo

Estado, una especie de “principio fundamental del Movimiento”.7

A governanta da casa chama-se Mercedes (Maribel Verdú). É uma mulher

corajosa e secretamente envia provisões aos rebeldes das montanhas. Ela desafia o

controle do regime e fomenta secretamente a rebelião. Durante a Guerra Civil e nos

anos posteriores, muitas mulheres acobertaram seus filhos e maridos para que não

fossem presos e assassinados pelas tropas franquistas, e a personagem faz isso por seu

irmão, mas também por pensar de forma diferente no que se refere aos destinos do

país.

O irmão de Mercedes chama-se Pedro (Roger Casamajor) e é o líder do grupo

de guerrilheiros. Sua importância para o filme é a representação do Maquis – grupo de

resistência antifranquista que operava nas regiões de fronteira entre Espanha e

França. Nesse bando pôde ser observada a presença de um francês e a expectativa de

5 DÍAZ-PLAJA, Fernando. La Vida Cotidiana en España de la Guerra Civil. Madrid: Edaf, 1994. 6 PICAZO, Carlos A. Viva España! El nacionalismo fundacional del régimen de Franco. 1939-1943. Granada: Comares, 1998. 7 SOLÉ I SABATÉ, Josep; VILLARROYA, Joan. Mayo de 1937- abril de 1939. In: JULIA, Santos. (coord.). Op. Cit., p. 248.

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71

ajuda da União Soviética, mostrando o caráter universalista do comunismo e a união

das Brigadas Internacionais na luta contra os fascismos durante a Guerra Civil.8

Ainda existe o Dr. Ferrero (Álex Angulo), um médico dedicado a ajudar ambos

os lados. Ele representa a humanidade por trás do conflito, pois não faz distinção entre

os “vermelhos” e os “nacionalistas”. O médico tenta permanecer neutro, embora

reconheça que precisa posicionar-se.

Dentro da esfera mítica do filme, a personagem do Fauno (Doug Jones)

representa a liberdade. Encontra-se no fim do labirinto e tem a missão de auxiliar

Ofélia a encontrar seu reino, orientando-a na tentativa de burlar as normas e a lutar

contra a opressão. Pode-se entender essa relação como a busca de libertação da

República através da luta consciente, quebrando as barreiras impostas pelo governo.

Cabe esclarecer que o Sátiro (ou Fauno) é uma divindade do campo e dos

bosques, metade homem e metade cabra. Celebra a natureza, a liberdade, a

sexualidade e expõe o conflito do ser humano enquanto ser racional e ser animal.

Devido à perseguição da Igreja Católica, sua figura foi associada ao demônio,

representando-o como um dos símbolos pagãos.9

O EMBATE: CENAS E SEQUÊNCIAS

Esse elemento do paganismo versus

o cristianismo é outro embate que se encontra representado no filme, pois de um lado

está Ofélia e o Fauno e de outro Vidal e a sociedade tradicional católica espanhola.

É possível observar o constante duelo entre “republicanos” e “nacionalistas”

em praticamente todas as passagens e sequências do filme. Pode-se exemplificar com

algumas cenas a intenção do diretor Del Toro em quadros simples, porém de grande

simbologia.

Nos primeiros minutos do filme, Vidal espera sua esposa e enteada chegarem,

sempre cuidando o horário rigorosamente. Assim que as duas chegam, Ofélia – que

segura um livro de contos de fada na mão direita – estende a mão esquerda para

cumprimentar seu padrasto e este, automaticamente, a corrige, solicitando a outra

mão. Essa sequência representa respectivamente a disciplina militar, a Constituição

8 SERRANO, Secundino. Maquis – Historia de la guerrilla antifranquista. Madrid: Temas de Hoy, 2001. 9 BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia – História de Deuses e Heróis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 204.

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republicana como um “conto de fadas”, a mão esquerda de Ofélia como alusão ao

socialismo, e a direita de Vidal como menção ao franquismo e as forças que o apoiam.

Na primeira noite no moinho, Ofélia assusta-se com os barulhos da casa. Sua

mãe a tranquiliza, dizendo que ali no campo as coisas são diferentes da cidade. A cena

representa as discrepâncias entre o atraso das zonas rurais e o progresso das cidades.

Para Francisco Salvadó:

A transição do feudalismo para a produção capitalista moderna não conseguiu mudar efetivamente o setor agrário, [...] o desenvolvimento econômico foi um processo desigual que exacerbou as diferenças sociais entre norte e sul, cidade e campo.10

Porém, se a cena apresenta o atraso do campo em relação à cidade, devemos

salientar a importância do meio rural para o novo regime, pois a sociedade agrária

desde sempre foi a mais tradicional e católica, e principal aliada na luta contra a

esquerda durante a Guerra Civil. O campo era idealizado pelos franquistas, uma vez

que era a essência da Nação, enquanto a cidade representava as mentalidades

corrompidas pelas ideologias esquerdistas e pelo ateísmo.11

Em seguida, para acalmar seu irmão, que ainda não era nascido, Ofélia narra a

história de uma rosa que oferecia o dom da imortalidade a quem ousasse atravessar o

terreno repleto de espinhos venenosos. Pode-se interpretar a rosa como a libertação

do estado espanhol e os espinhos venenosos como o exército de Franco.

Mais adiante, Ofélia, a fim de retornar ao seu reino encantado, tem a obrigação

de livrar uma velha figueira do monstro oportunista que se instalou sob ela, deixando-

a doente e impedindo-a de gerar frutos. A velha figueira simboliza a Espanha e o

monstro oportunista representa Franco, que impede o país de desenvolver-se, pois,

“La economía española”, segundo o hispanista Raymond Carr, “siguió siendo pobre

durante los años cuarenta, y no hubo en ella producción ni consumo. Fueron los ‘años

del hambre’”.12

Existe uma sequência na qual o Capitão Vidal – que representa o poder máximo

franquista no filme – promove um jantar em sua casa, no qual os convidados são

membros da classe média, um padre e demais oficiais da Guarda Civil. Durante a ceia,

10 SALVADÓ, Francisco. Op. cit., p. 28-29. 11 PICAZO, Carlos A. Op. Cit., p. 111. 12 CARR, Raymond. España 1808-1975. 12ª. ed. Barcelona: Ariel, 2003. p. 704.

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ficam claras as intenções dessa união entre as classes dirigentes e dominantes

tradicionais para a unificação do Estado Espanhol e a ideia de uma “Nação Limpa”, ou

seja, uma nação na qual não haja nenhuma oposição ao governo, o que pode ser

constatado no discurso do personagem Capitão Vidal: “a guerra terminou e nós

[nacionalistas] ganhamos e eles [republicanos] perderam. Não somos todos iguais. Se

tivermos que matar todos os desgraçados é o que faremos!”. Sobre esse aspecto,

Raymond Carr afirma que:

Aun cuando la legitimad de la victoria se convirtiera en la legitimad de la hazaña, Franco nunca permitió que las divisiones de la guerra civil se apartaran de la memoria de sus súbditos. Su visión siguió siendo maniquea: España y anti-España, vencedores y vencidos. 13

Em termos de intenções e propaganda do regime franquista contra os

guerrilheiros, existe uma sequência no filme que faz alusão à distribuição restrita de

pães por parte dos soldados do moinho. Um deles pega um pão e grita repetidamente:

Este é o pão de cada dia na Espanha de Franco que guardamos nesse moinho. Os vermelhos [anti-franquistas] mentem porque na Espanha Nacionalista, Una, Grande e Livre, não há um único lar sem lenha ou sem pão.

O propósito desse racionamento era acabar com a colaboração da população no

abastecimento de provisões aos Maquis ou qualquer grupo de resistência armada.

Por sua vez, a mãe de Ofélia morre em decorrência de complicações no parto

de seu irmão. Desesperada com sua morte, a menina refugia-se nos braços de

Mercedes, mais uma vez mostrando a proximidade entre a República e a luta popular

armada.

Ao receber a visita do Fauno, a menina tenta fugir com seu irmão para dentro

do labirinto a fim de executar sua última tarefa e poder voltar para o seu reino

encantado. Porém, Vidal segue Ofélia enquanto os Maquis atacam de maneira

fulminante as forças da Guarda Civil alojadas no moinho. Após retirar o bebê dos

braços da irmã, Vidal dispara sua arma contra ela, deixando-a morta diante do portal

mágico – retornando para a cena inicial do filme. Na volta do labirinto, Vidal é

13 Ibid., p. 664.

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abordado por Pedro e Mercedes que tomam posse do menino e, antes de assassinar o

capitão, juram-no que a criança jamais saberá quem foi seu pai.

A sequência final do filme representa a morte da República e o renascimento

de uma nova Espanha – representada pelo bebê. O juramento que Mercedes faz ao

capitão, de jamais contar ao menino quem foi seu pai, nos remete à década de 50 em

que a Espanha ingressa nas Nações Unidas e, a partir daí, dá-se início a uma campanha

política pelo esquecimento das atrocidades cometidas nos anos anteriores. Ao passo

que, nos dias de hoje, o povo espanhol tenta dar conta de apagar o governo franquista

de sua memória.14

ESTÉTICA DO FILME E A INTENÇÃO DO DIRETOR

A preocupação do historiador que utiliza o cinema como objeto de análise

deve-se pautar pela compreensão dos motivos que levaram às omissões, adaptações e

distorções que o diretor e roteirista optaram em fazer, e não se pauta pela busca da

“fidelidade” à História. A produção do filme é repleta da mensagem de quem o fez e

do momento no qual foi feito, fazendo-se refletir na recepção do grande público.

Se a montagem faz sucesso, quer dizer que está de acordo com o momento

histórico-social de sua exibição.15

Segundo o historiador Marcos Napolitano, para analisar um filme existe “a

necessidade de articular a linguagem técnico-estética das fontes audiovisuais (ou seja,

seus códigos internos de funcionamento) e as representações da realidade histórica ou

social contidas (ou seja, seu “conteúdo” narrativo propriamente dito)”.

Isso caracteriza a escolha do tema pela produção do

filme, pois existe um movimento de revisão dos documentos que tratam da Guerra

Civil e da ditadura de Franco. Além disso, o grande sucesso, bem como as indicações a

prêmios nas academias de cinema que o filme recebeu, reafirma o êxito conferido pelo

público.

16

Nessa montagem há um choque entre o mundo mágico (simbólico) e a

realidade, e ambos são assombrosos, caracterizados em cores cinza e tons pastéis,

Uma vez

analisado o segundo aspecto, seguiremos com a linguagem técnica do filme.

14 JULIÁ, Santos. Op. Cit., p. 43. 15 FERRO, Marc. O filme, uma contra-análise da sociedade?, In: História e Cinema. São Paulo: Paz e Terra, 1992. p. 79-115. 16 NAPOLITANO, Marcos. A História depois do papel. In: PINSKY, Carla (orgs.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006. p. 237.

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75

criando uma atmosfera repleta de perigos, incertezas e tensão. A opção pelo terror,

maquiagem realista, atmosferas densas e simbolismo dos cenários, personagens e

diálogos reflete as influências artísticas de Del Toro, podendo-se perceber em outras

de suas produções, como Hellboy, O Orfanato e A Espinha do Diabo.

A câmera movimenta-se constantemente, configurando uma característica

“voyerística”. Esse recurso aproxima o espectador da trama, fazendo com que ele se

sinta um personagem do filme. Ao mesmo tempo, ela pode remeter um olhar curioso

de uma criança, enfatizando mais uma vez a opção do diretor pelo ponto de vista

infantil da história e na História.

Além disso, existe certo anacronismo no filme, pois apesar de estar situado no

ano de 1944, os conflitos da trama remetem diretamente à Guerra Civil. Del Toro

optou por esse viés para representar os traumas e sentimentos do povo espanhol que

ainda acreditava que o conflito não havia acabado.

Com o final da guerra, muitos espanhóis que tiveram condições de fugir para

outros países optaram pelo México, pois esse era um dos poucos países que apoiava a

República espanhola abertamente. Isso explica o fato de um diretor mexicano abordar

a Guerra Civil e o Franquismo em duas de suas obras:

Entre 1939 y 1948 llegaron a México 22.000 exilados españoles. […] El miedo a las represalias de los vencedores motivó, en gran medida, aquel exilio masivo de españoles.17

Guillermo Del Toro cresceu ouvindo histórias de descendentes espanhóis que

foram vítimas da guerra. Um desses refugiados espanhóis que optou pelo

repatriamento mexicano foi o cineasta Emilio García Riera (1931-2002). Com ele, Del

Toro aprendeu técnicas de direção de curtas-metragens e iniciou-se na carreira de

diretor. Sobre o filme O Labirinto do Fauno, o criador comenta que

[...] a Guerra Civil espanhola é uma guerra que foi muito romantizada nas imaginações dos escritores. Muito preto ou branco, e como a última batalha entre o bem e o mal. Não é assim! Obviamente é muito mais complexa. É uma guerra sobre o qual se pode falar muito. Então era interessante para mim. Cativou muito minha imaginação.18

17 MORENO, Francisco. La represión en la posguerra. In: JULIÁ, Santos. (coord.). Op. Cit., p. 283. 18 Em entrevista ao documentário sobre a produção do filme El Laberinto del Fauno que se encontra nos extras do DVD.

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76

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Passado setenta anos do término da Guerra Civil, a sociedade espanhola ainda

preserva traumas provenientes da época. E foi somente com o término do governo de

Franco, em 1975, que houve um imenso movimento de contestação por parte de

grupos políticos e não políticos. Segundo elucida Raymond Carr:

Hasta su muerte, en noviembre de 1975, el general Franco siguió siendo, como lo proclamaban sus monedas, ‘Caudillo de España por la gracia de Dios’ y responsable, según sus apologistas, sólo ante Dios y ante la Historia.19

Os acontecimentos da Guerra Civil e os piores anos de repressão do franquismo

são desconhecidos pelo grande público, pois as gerações que vieram após a década de

60, não conviveram com as mortes e o medo, apenas ouviram histórias que, aos

poucos, foram tornando-se lendas no imaginário. Nessa perspectiva, obras literárias e

artísticas, como o famoso painel de Pablo Picasso Guernica (1937), e filmes podem

trazer esse lado reflexivo do passado a partir do momento em que trazem o assunto

para debate novamente.

O câmbio interdisciplinar da área cinematográfica com as pesquisas das

Ciências Humanas pode facilitar o acesso e a compreensão de inúmeros processos de

transformações na História. Nesse sentido, o historiador pode utilizar o cinema não

apenas como recurso pedagógico, mas como um objeto de análise mais profunda,

pois, para Marcos Napolitano, “A linguagem não-escrita, apoiada em registros

mecânicos, é uma linguagem como outra qualquer, que precisa ser decodificada,

interpretada e criticada”.20

O Labirinto do Fauno dialoga com os mundos da Historiografia e da Arte, de

modo que o espectador consegue observar através da trama como se desenvolveu o

conflito político e ideológico na Espanha durante as décadas de 30 e 40 e a incansável

repressão do exército espanhol contra os grupos opositores ao governo.

Como já foi mencionado, muito elogiado pela crítica, o filme ganhou três Oscar,

nas categorias de Direção de Arte, Fotografia e Maquiagem, além de uma série de

indicações em muitas outras premiações. Guillermo Del Toro consolidou sua carreira

19 CARR, Raymond. Op. cit., p. 663. 20 NAPOLITANO, Marcos A. Op. cit., p. 266.

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cinematográfica e projetou-se como um dos mais célebres e renomados diretores de

Hollywood – em parte, graças a esse filme, no qual a fantasia e a brutal realidade

mesclam-se, dando lugar a uma história em que a fantasia ao redor de Ofélia serve para

fugir da crueldade de um regime em que se encontra imersa. A vivência da menina

pode ser comparada, em alguns aspectos, à história real de Anne Frank que viveu vinte

e cinco meses em um anexo no sótão do escritório de seu pai com mais oito pessoas,

escondendo-se dos alemães nazistas, tendo como refúgio apenas o seu diário.

Nesse sentido, o filme O Labirinto do Fauno mostra a perspectiva das ideologias

conflitantes dos grupos antagônicos que guerrearam na Espanha ao longo dos anos 30

e 40, sobre os quais ainda hoje se debate.21

REFERÊNCIAS

Produções como essa se propõem a

repensar qual noção a sociedade possui sobre os horrores da guerra, da repressão, do

ódio, mas também sobre a memória coletiva e suas representações.

AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas: Papirus, 2005.

BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia – História de Deuses e Heróis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

CARR, Raymond. España 1808-1975. 12ª.ed. Barcelona: Ariel, 2003.

CIRICI, Alexandre. La Estética del Franquismo. Barcelona: Gustavo Gili, 1977.

DÍAZ-PLAJA, Fernando. La Vida Cotidiana en España de la Guerra Civil. Madrid: Edaf, 1994.

FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FONTANA, Josep. España Bajo el Franquismo. Barcelona: Crítica, 1986.

JACKSON, Gabriel. La República española y la guerra civil (1931-1939). Barcelona: Orbis S.A., 1976.

______. Entre La reforma y La revolución 1931-1939. Barcelona: Crítica, 1980.

JULIÁ, Santos. (coord.). Victimas de la guerra civil. Madrid: Temas de Hoy, 1999.

LAMIRA PACAZO, Carlos. Viva España! El nacionalismo fundacional del régimen de Franco (1939-1943). Granada: Comares, 1998.

NAPOLITANO, Marcos. A História depois do papel. In: PINSKY, Carla (orgs.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006, p. 235-289.

21 MORAL, Félix. Veinticinco años después. La memoria del franquismo y de la transición a la democracia en los españoles del año 2000. Madrid: Centro de Investigaciones Sociológicas, 2000.

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MORAL, Fálix. Veinticinco años después. La memoria del franquismo y de la transición a la democracia en los españoles del año 2000. Madrid: Centro de Investigaciones Sociológicas, 2000.

PICAZO, Carlos A. Viva España! El nacionalismo fundacional del régimen de Franco. 1939-1943. Granada: Comares, 1998.

PRESTON, Paul. España en crisis – Evolución y decadencia del régimen de Franco. Madrid: FCE, 1977.

______. Franco – Caudillo de España. Barcelona: Mandadori, 1999

SALVADÓ, Francisco J.R. A Guerra Civil Espanhola. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

SERRANO, Secundino. Maquis – Historia de la guerrilla antifranquista. Madrid: Temas de Hoy, 2001.

Page 80: ABRÃO, Janete - Espanha  política e cultura (Livro)

A Música na Espanha Franquista

Marcus Antonio Wittmann Acadêmico do Curso de História – PUCRS, Brasil.

Presente capítulo pretende traçar um perfil das canções produzidas na Espanha

durante o regime franquista (1939-1975), mostrando não apenas a utilização de

canções pelo regime ditatorial como forma de coagir e alienar o povo, mas também

como a sociedade espanhola se expressava através do canto, da música, usando-a,

geralmente, como uma válvula de escape para a situação que vivia, como meio de

protesto contra o regime ditatorial e o status quo, apesar da censura e da repressão

governamental.

Assim como toda a arte, a música pode e é usada para satisfazer a necessidade

de assimilação e transformação da realidade. As canções tendem a aparecer ainda

mais quando essa cultura de massa é manipulada por um poder regente, que tenta

suprimir toda e qualquer forma de expressão e troca de ideias, pois podem gerar

oposições, temidas pela ditadura franquista que assolou a Espanha. Essas obras são

sinais da sentimentalidade, da moralidade, dos valores vigentes e em transformação

de um povo,1 exprimindo o erotismo, o heroísmo e, ao mesmo tempo, exaltando a

religião, a juventude, a família e a mulher.2

Um dos exemplos de como a música, durante a ditadura franquista, foi usada

como um instrumento doutrinário foram as ensinadas nas Frentes de Juventudes,

organizações criadas pelo ditador Francisco Franco para formar jovens que seguissem

sua doutrina. As canções aprendidas por esses jovens, – no acampamento, na hora das

refeições ou nas marchas (exemplo de como eles viviam com a música quase todo o

tempo.) –, eram de diferentes gêneros: religiosas, militares, regionais, de gênero (a

mulher), festivas, etc.

3

1 MONTALBÁN, Manuel Vázquez. Cancionero General del Franquismo 1939-1970. Barcelona: Crítica, 2000. p. X.

Como afirma Manuel Rodriguez, em seu Cancionero Juvenil,

para as Frentes havia as mais variadas canções para todo tipo de situação e caráter:

2 MONTALBÁN, Manuel Vàsquez, Op. cit. p. XXI. 3 CELAYA, Manuel Parra. Pedagogia del Frente de Juventudes. Disponível em: <http://www.rumbos.net/cancionero/pedag_c.HTM> Acesso em 7/5/2009.

O

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80

Um cancioneiro para a solidão e para a camaradagem, para o gozo e para a adversidade, para o sério e o humorístico; para a escola e a rua, para o repouso e o avanço, para a marcha e o acampamento, para a casa e o quartel, para as aulas e as trincheiras. 4

Cabe assinalar que o Plano de Formação das Falanges Juvenis de Franco, criado

em 1955, mostra, no capítulo Trato Social de Flechas, a importância e a necessidade do

canto e da música com temas falangistas para a doutrinação dos jovens:

Sua necessidade apóia-se em ser a válvula de escape para pregar uma fé, uma ilusão e uma esperança; fé em Deus, na Espanha e em nós mesmos, ilusão na tarefa de servir a Deus, a Pátria e a Justiça; esperança em um futuro mais digno e mais justo para o povo espanhol. É útil porque aquele que canta arrasta a seu favor os indecisos, excita os desanimados e sacode os preguiçosos. É formativa porque contribui eficazmente a se superar as próprias fraquezas e debilidades, injetando ilusão decidida e otimismo esperançoso, saúde da alma e fortaleza do espírito, e, sobretudo, porque o jovem que não canta é triste, doente, rancoroso e incrédulo. 5

Logo, a música é elevada ao pedestal da ideologia, ou seja, de algo a ser

seguido. Pregando a fé, o nacionalismo e a justiça, pelo menos na visão do regime, ela

“arrasta” os indecisos; faz com que eles superem as próprias fraquezas e debilidades,

levando-os a apoiar os valores pregados pelo regime. A música como “lavagem-

cerebral” para os jovens que vão construir essa “nova” Espanha. O principal hino das

Frentes de Juventude, e da Falange, é Cara al Sol, com a mensagem de ressurgimento

da Espanha, vinda de uma Guerra Civil:

Cara al sol con la camisa nueva que tú bordaste en rojo ayer, me hallará la muerte si me lleva y no te vuelvo a ver. Formaré junto a mis compañeros que hacen guardia sobre los luceros, impasible el ademán, y están presentes en nuestro afán. Si te dicen que caí, me fui al puesto que tengo allí. Volverán banderas victoriosas al paso alegre de la paz

4 RODRIGUEZ, H. Manuel apud CELAYA, Manuel Parra. Pedagogia del Frente de Juventudes. Disponível em: <http://www.rumbos.net/cancionero/pedag_c.HTM>. Acesso em 7/5/2009. 5 CELAYA, Manuel Parra. Pedagogia del Frente de Juventudes. Disponível em: <http://www.rumbos.net/cancionero/pedag_c.HTM>. Acesso em 7/5/2009.

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y traerán prendidas cinco rosas: las flechas de mi haz. Volverá a reír la primavera, que por cielo, tierra y mar se espera. Arriba escuadras a vencer que en España empieza a amanecer. 6

Esse hino falangista composto em 1934, de autoria de José Antonio Primo de

Rivera, fundador da Falange, que escreveu a letra, e Juan Tellería, que fez a melodia,

invoca imagens da Guerra Civil espanhola, cujos soldados do “bando nacional” não têm

medo da morte e com suas camisas recém bordadas, camisas azuis com o símbolo da

falange, as cinco flechas em vermelho no peito, encontrarão, como recompensa, o tão

sonhado posto no céu, onde podem finalmente descansar. Esse sacrifício é visto como

necessário para que as bandeiras da vitória voltem a tremular, marchando ao lado da

paz. Essa bandeira levando as cinco rosas, as cinco flechas da falange. E, por último, o

hino invoca os soldados a lutar, a vencer, pois uma “nova Espanha” está surgindo,

amanhecendo, iluminada pelos raios do sol da Falange, da Espanha franquista.

Outras canções que mostram os ideais da Falange, cantadas pelas Frentes de

Juventudes são, por exemplo, Arriba España e Juventud Española:

Somos las flechas la guardia del mañana, que en los luceros su puesto tienen ya. Los camaradas caídos nos esperan; el santo y seña, Falange nos lo da. ¡Arriba! ¡Arriba España!, donde siempre quiero verte; serás Una, Grande y Libre, te lo juramos hasta la muerte. ¡Arriba! ¡Arriba España!, ¡Siempre imperial! 7

(Arriba España! - Dionisio J. Negueruela e Aurelio González)

Juventud española, descendiente de Fernando y de Isabel, ha nacido el Imperio de los yugos, de las flechas y la fe. Bajo un sol de justicia, de la luz que nos alienta y da valor, forjaremos la historia poniendo en la Falange nuestro amor.

6 Disponível em: <http://www.rumbos.net/cancionero/ant_001.htm>. Acesso em 14/5/2009. 7Disponível em: <http://www.rumbos.net/cancionero/3942_002.htm>. Acesso em 14/5/2009.

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Somos luz de amanecer de la España que ha empezado a resurgir, y los flechas sembraremos de laurel los caminos de nuestro porvenir. Y a los rayos de esta luz, con los brazos extendidos marchará, decidida y con ardor, la juventud nacionalsindicalista e imperial. José Antonio nos guía; Franco nos dirige la consigna fiel, y es Una, Grande y Libre la España que ha empezado a renacer. Bajo un sol de luceros del Divino y Eterno resplandor, por la ruta del Imperio marcharemos, juventudes, hacia Dios 8

(Juventud Española – Artista desconhecido) .

Essas duas canções evocam imagens semelhantes a Cara al Sol, as cinco flechas,

a morte, o cargo no céu para o soldado caído, o surgimento de uma nova Espanha

através do esforço dos falangistas. Adicionam também o espírito Imperial dessa “nova”

Espanha, já que a juventude espanhola é concebida como descendente de Fernando e

Isabel, os Reis católicos, formadores do Estado. É importante salientar que o caráter

imperial Franco exaltou em seus discursos, bem como o desejo de que a Espanha fosse

culturalmente homogênea, contasse com uma só religião (a católica), um partido, um

governante; uma Espanha livre das ameaças separatistas e republicanas.

A música Juventud Española, por sua vez, mostra relação com Cara al Sol na

penúltima estrofe, em que José Antonio Primo de Rivera, fundador da Falange e

letrista de Cara al Sol, irá guiá-los e Franco dirigi-los, e na última estrofe temos a

influência da Igreja Católica, pois as juventudes “marcharão até Deus”.

Para uma melhor análise das canções populares da Espanha, durante o regime

franquista, analisaremos o livro de Manuel Vázquez Montalbán, Cancionero General

del Franquismo (1939-1975). Assim, veremos algumas canções, seguindo a

classificação que o autor usa para tipificá-las, que o povo espanhol ouviu no rádio, do

qual a principal transmissora, a Radio Nacional, era comandada pelo governo, porém,

mesmo que nesse capítulo só possamos analisar as letras das músicas, há de se ter em

mente que o canto é a personalização do sentimento do cantor, logo, a leitura que o

8Disponível em: <http://www.rumbos.net/cancionero/3942_010.htm>. Acesso em 14/5/2009.

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ouvinte tem é subjetiva. Como afirma Montalbán: “[...] às vezes tem que se buscar a

chave em um acento, em um tom, em um silêncio entre duas palavras”. 9

O autor mostra o nascer de uma música nacionalista, de exaltação da pátria,

como modo de reerguer a Espanha dos anos de Guerra Civil, mas também como

afirmação do poder de Franco. Existe também a música sentimental, como um modo

de evasão, a música de testemunho, narrando fatos da época, como o racionamento

de comida, e, em um período mais tardio do franquismo, a música de protesto,

motivando a Espanha para a redemocratização.

Na primeira etapa proposta por Montalbán, que começa em 1939 e se estende

até 1954, a Espanha se via as voltas com canções condicionadas pela etapa autárquica

da organização político, econômica e social do regime, em que se procurou a criação

de um sentido para o “ser” espanhol propagado pelo franquismo. São canções

voltadas para as peculiaridades do país, que nesse espaço temporal era vinculada à

face agrícola, provinciana, bucólica, tentado criar uma Espanha pacífica, muito

diferente dos anos de conflito civil. São canções de cunho nacionalista, que ao mesmo

tempo em que erguem a autoestima dos espanhóis promovem Franco como um

caudillo, um salvador da pátria.

Essa exaltação de tudo que é espanhol inclui, principalmente, a mulher que, em

algumas letras, representa a própria Espanha que Franco diz construir; ou se refere ao

passado glorioso da Espanha, arquitetando, assim, uma imagem ideal do que Franco,

junto com a Igreja Católica, planejava para o país: uma Espanha (e uma mulher)

moralista, pudica, religiosa, uniforme, seguindo cegamente a direção para onde o

governo apontasse. Isso pode ser constatado em canções:

Como en España, ni hablar Maravillas tiene el mundo de belleza singular, y cada país se empeña en el suyo resaltar. Yo que he corrido el mundo entero y les puedo asegurar que en mujeres, vino y música,

9 MONTALBÁN, Manuel Vázquez. Crônica Sentimental de España. Madrid: Espasa Calpe, 1986. p. 35-36; SILVA, Regina Célia de Lima e. Canção popular e franquismo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS, 2002, São Paulo. Disponível em <http://www.proceedings.scielo.br/scielo>. Acesso em: 7/5/2009. Tradução sob a responsabilidade do autor.

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como en España, ni hablar. Como en España, ni hablar, y esto lo digo yo aquí, en la China Y en Madagascar. Tiene un tesoro mi España Que nadie puede igualar, Tiene un tesoro mi España Con su sol y sus mujeres, Con su vino y su cantar.10

(Como en España, ni hablar – Laredo, V. Mari y F. del Cerro)

Assim como na letra de Levanta los ojos:

Levanta los ojos, mujer española, y mira qué tienes delante de ti: tienes a tu España, que es decirlo todo, tienes lo más grande que puede existir. Ese sol ardiente que quema tu cara y de bronceado te da a ti el color, eres propiamente la Maja desnuda la que Goya con arte pinto. Mujer española, de cara morena, que luces por gala um rojo clavel, por trono una reja cuajaíta de flores y sirves de musa al mago pincel. Por algo tú tienes en el mundo fama y a nada ni a nadie tienes que envidiar, al Dios poderoso, que el te lo dio todo, a Él solamente, a Él solamente la grasia hás de dar. De tierras lejanas a España han venío pintores famosos pa ver si es verdá que eres como el lienzo que te hizo famosa, si es verdá que tienes el alma embrujá. Y al ver el misterio que encierra tu cara y al ver los destellos de sol y de luz dicen admiraos: Esto es España, el embrujo del cielo andaluz. Y dicen que eres así porque eres de raza mora, y yo digo que eres bonita por ser mujer y española.11

(Levanta los ojos – Godoy y J. Lito)

Ou ainda, em Isabel de Castilla:

Un oscuro navegante solicita de la Reina conquistar un mundo nuevo y la Reina que adivina en la Conquista

10 MONTALBÁN, Manuel Vázquez. (2000). Op. Cit., p. 7. 11 MONTALBÁN, Manuel Vázquez. (2000). Op. Cit. p. 56-57.

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se sus prendas los joyeles lê da enteros. La morisma de Granada es española de Isabel e Fernando bajo el yugo, mientras lejos sobre el trono de lãs olas para España el Genovês descubre un Mundo. Y la historia abrió sus puertas a Isabel de par en par y a la Santa que ya es muerta un romance va a cantar12

(Isabel de Castilla – S. Guerrero e F. Merenciano) .

Há também, o madrileñismo, a exaltação da capital, do centro político-

administrativo e financeiro da Espanha. O mais importante desse movimento é que ele

pretendia criar uma nova imagem de Madrid, pois durante a Guerra Civil ela foi o

símbolo da resistência republicana; agora Franco a transforma em um símbolo do seu

governo. Cabe esclarecer que durante a ocupação republicana da capital criou-se uma

música de protesto intitulada No pasarán, em que se exaltava a força do exército

Republicano frente à Falange, como pode ser constatado em sua letra:

Los moros que trajo Franco en Madrid quieren entrar. Mientras que haya un miliciano los moros no pasarán. Si me quieres escribir ya sabes mi paradero Tercera brigada mixta primera línea de fuego. Aunque me tiren el puente y también la pasarela me verás pasar el Ebro en un barquito de vela. Diez mil veces que lo tiren diez mil veces que lo haremos. Tenemos cabeza dura los del cuerpo de ingenieros. En el Ebro se han hundido las banderas italianas y en los puentes sólo quedan las que son republicanas. 13

(No Pasarán)

Porém, após a conquista de Madri por Franco, ela se tornaria, através das

canções, uma cidade nobre, casta, religiosa, e as mulheres espanholas (representação

12 Ibid., p. 57. 13 Disponível em <http://lacucaracha.info/scw/music/index.htm>. Acesso em 28/5/2009.

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da Espanha franquista) só querem dar seus corações para os seus homens, os mais

castos que existem. Como podemos ver nas duas canções que seguem: Canto a Madrid

e Madrileño es:

Um corazón noble y bueno Es la villa de Madrid, Verbena, celos, amores, Mujeres guapas sin fin. Así lo descubrió Arniches Y Ricardo de la Veja, Que Madrid tan solo hay uno En la extensión de la tierra. Viva Madrid, porque tiene lo mejor del mundo entero, sus manolas, sus chisperos, sus madroños, sus toreros, sus mujeres dan la vida cuando brillan sus quereres. Así es mi Madrid castizo, lo mejor que España tiene.14

(Canto a Madrid – José Sanz y Gordillo)

Madrileño es El hombre a quien más quiero yo, Y solo, solo para él Será mi corazón. Madrileño es Y me ha dejado chalada a mí El hombre más castizo que hay En to Madrid. 15

(Madrileño es)

Montalbán insere nessa primeira seção do livro algumas canções que, em suas

letras, não fazem referências diretas à Espanha, porém, como foi dito anteriormente, a

música não é feita apenas através de sua letra, mas também a partir de sua

interpretação. Logo, músicas como Tatuaje, que faz alusão a uma mulher e sua

constante busca por seu amor perdido, no caso, um marinheiro. Essa canção foi um

grande sucesso durante os anos 40 e 50, na voz de Concha Piquer. As canções,

portanto, podem ser interpretadas como uma crítica de setores da sociedade com a

situação do país, cujo espanhol, como o personagem da letra, está numa constante

procura pela felicidade que havia perdido.

14 MONTALBÁN, Manuel Vásquez. (2000). Op. Cit., p. 415. 15 Ibid., p. 415-416.

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Outra metáfora interessante é a tatuagem, marca de um tempo que, tanto a

mulher quanto a Espanha, não conseguem apagar:

Él se fue una tarde Con rumbo ignorado En el mismo barco Que le trajo aquí, Pero entre mis labios Se dejó olvidado Un beso de amante Que yo le pedí. Errante lo busco por todos los puertos, A los marineros pregunto por él Se está vivo o muerto Y sigo en mi duda buscándole fiel. Y voy sangrando lentamente De mostrador en mostrador Ante una copa de aguardiente Donde se ahoga mi dolor. Mira su nombre tatuado En la caricia de mi piel, A fuego lento lo he marcado Y para siempre iré con él. 16

(Tatuaje – Leon,Valério e Quiroga)

Talvez esse tenha sido um dos motivos pelo qual o livro tenha sido alvo da

censura franquista, quando, em 1972, ano de sua primeira edição, o Ministério de

Informação e Turismo da Espanha retirou várias seções e canções da edição que seria

vendida. Apenas em 2000 o livro foi relançado, completo e com mais uma divisão de

assuntos, versão essa utilizada no presente capítulo.

Pode-se afirmar também que os temas religiosos eram muito comuns nas

canções populares, já que a Igreja Católica era um dos alicerces do regime franquista.

Tanto Franco quanto essa instituição tinham uma preocupação em comum: a de

restaurar a moral, os bons costumes, a família e o comportamento irrepreensível,

principalmente da mulher, como já foi mencionado, ou seja, moldar comportamentos.

Foi nesse sentido, de restauração, que o próprio Papa Pio XII elevou a Espanha à

salvadora da fé católica:

A nação eleita por Deus como principal instrumento de evangelização do novo mundo e baluarte inexpugnável da fé católica acaba de dar aos precursores do ateísmo materialista do nosso século a maior

16 Ibid., p. 8.

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prova de que, acima de tudo, estão os valores da Religião e do espírito.17

Para isso, foi usado o rádio como propagador desses ideais, veiculando as

seguintes canções: Su primera comunión e Canta con nosotros, respectivamente:

Mi niña ya está de mi casa llena de gracia de Dios, como la mira su madre y cómo la miro yo. Cariño de mi cariño, alegría de su amor, la nieve y el blanco armiño copiaron de tu candor. Para un padre e una madre no hay alegría mayor que ver hacer a sus hijos la primera comunión18

(Su Primera Comunión – Serrapi, Escobés e J. Valderrama) .

Óyeme, tu que eres joven, Tú que sabes comprender, Tú que guardas en tus manos Tanta fe. Tú que buscas las verdades, Tú que tienes corazón, Tú serás como nosotros, Cantarás nuestra canción. Canto a la flor del campo, canto al viento, canto al mar, canto a la luz que muere en el trigal, canto al amor sincero, canto al fuego de hogar, canto a la verdadera libertad. Canto a los verdes prados, canto al aire, canto al sol, canto al azul del cielo y al amor, canto a la gente humilde que me mira sin rencor, canto a la paz del mundo, canto a Dios. 19

(Canta com nosotros – Pablo Herrero e José Luis Armenteros)

17 PIO XII, 16 de abril de 1939 apud PETSCHEN, Santiago. La Iglesia en la España de Franco. Sedmay: 1977. Cf. SILVA, Regina Célia de Lima e. Canção popular e franquismo. Disponível em: <http://www.roceedings.scielo.br/scielo>. Acesso em 7/5/2009. 18 MONTALBÁN, Manuel Vásquez. (2000). Op. Cit., p. 259-260. 19 MONTALBÁN, Manuel Vázquez. (2000). Op. cit., p. 262.

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O segundo período, de 1954 a 1970, foi marcado pela “invasão” cultural

estrangeira na cultura popular da Espanha, devido à abertura do país ao capital

estrangeiro, a entrada da Espanha na ONU (1955) e os acordos com os Estados Unidos.

As novas canções absorvidas pelos jovens espanhóis eram, na maioria das vezes, em

inglês, língua que a maioria não entendia, por serem alfabetizados em espanhol e

francês (uma elite). Porém, eles usavam essas novas canções como forma de rebelião,

de evasão, frente a um mundo autoritário. Contudo, representavam também o

escapismo através da expressão corporal, através da dança, já que essas músicas

tinham ritmo, proveniente dos Estados Unidos, em que o Rockabilly e o Rock and Roll

eram os mais famosos. Algumas canções, escritas por espanhóis ou traduções de

músicas estrangeiras, que expressavam esse novo sentimento da juventude frente a

um novo mundo que se abria para eles são, por exemplo, Cómprame un Juke Box:

Oh, oh, papá, porque mi sueño es un Juke Box. Si me lo compras yo te prometo que me quedaré de noche siempre en casa y mis deberes haré escuchando a los Dinámicos, a Presley, Connie Francis y Halliday.20

(Cómprame un Juke Box – C. Nicolas y G. Garvarentz)

Um exemplo dessas traduções feitas nesse período é Los dos tan felices, versão

espanhola da música So happy Together, do grupo norte-americano The Turtles:

No dejo de pensar em ti y quiero al despertar sentir tu corazón. Qué hermoso debe ser vivir una pasión los dos tan felices! Poderte preguntar con ansiedad y oírte responder mi amor, con ilusión, tenerte junto a mi, soñar y recordar los dos tan felices.21

(Los dos tan felices – Happy Together)

20 Ibid., p. 169. 21 Ibid., p. 225.

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Cabe ressaltar que, com o advento da TV e a propagação do rádio, devido à

abertura da Espanha para o mercado internacional, as músicas ditas “nacionalistas”

também se modificaram através da influência de novos ritmos. Segundo Montalbán,

pode-se constatar nas letras uma mudança de linguagem, um desejo maior de

expressão, bem como de evasão. 22

Como, por exemplo, em Leímos en la prensa:

Leímos en la prensa que en cierta playa pusieron un bikini de pabellón, que en vez de la bandera allí ondeaba y que representaba nuestra nación. Yo no acuso a la patria de tal gamberro, que no tiene la culpa de aquella acción. Sólo le digo al tipo que puso el trapo, que su mujer sin duda pasó un mal rato buscando inútilmente su bañador.23

(Leímos en la Prensa – Paco Alba)

E Y viva a España:

Entre flores, fandanguillos y alegría nació mi España, la tierra del amor. Solo Dios pudiera hacer tanta belleza y es imposible que pueda haber dos. Y todo el mundo sabe que es verdad y lloran cuando tiene que marchar Por eso se oye este refrán: !Que viva España! Y siempre la recordarán !Que viva España! La vida tiene otro sabor y España es la mejor24

(Y viva a España – Caerta e Rozenstraten) .

Nesse período, surgiram músicas sobre os paraísos terrestres, canções nas

quais países estrangeiros, geralmente tropicais, são idealizados. Mostrando um

sentimento de fuga da realidade espanhola, tais como José Carioca e Honolulu:

En el Brasil hay pájaros mil pululando por la selva, el araré, al kakapó,

22 Ibid., p. XXII. 23 Ibid., p. 175. 24 Ibid., p. 163.

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con gritos que te enervan. Mas hay um lorito cortés, que charla por los codos, caballero juncal por su trato jovial, de lo más original. José Carioca, José Carioca, el más simpático lorito del Brasil. José Carioca, José Carioca, un personaje nuevo y muy gentil.25

(José Carioca – F. Carreras)

Honolulu, tierra inmortal, tus encantos quiero contemplar. Yo me voy a Honolulu a cantar el hula embriagador, bajo un cielo muy azul cantaré mis sueños de ilusión.26

(Honolulú - Laredo)

A canção José Carioca faz alusão à imagem de um Brasil bucólico, tranquilo,

simbolizado pelo personagem da Disney, Zé Carioca. Já Honolulu mostra as qualidades

desse país e o personagem quer ir para lá, cantar a hula e seus sonhos de ilusão. Então

há, nessas duas canções, um sentimento de evasão, de fuga para um lugar “melhor”

onde se pode escapar de uma Espanha ditatorial para um país tropical, um paraíso

terrestre.

As canções de testemunho têm sua importância, pois narram fatos ocorridos na

época, porque transitam de jogos de futebol (Futbolerias) a metáforas sobre o regime

(Es cuestión de cara dura), mas também sobre a racionalização de comida (Cocidito

Madrileño), quando o povo espanhol passou por uma extrema precariedade de

recursos. Nessa época, surgiram as cartillas para la comida. Sobre esse período afirma

Gaite: “O mais importante era economizar, tanto dinheiro como energias: guardando

tudo, não desperdiçar, não exibir, não gastar saliva em protestos e críticas baldias,

reservar-se, tolerar.”27

25 Ibid., p. 265.

Algumas dessas canções são:

26 Ibid., p. 269. 27 GAITE, Carmen Martín. Usos amorosos de la postguerra española. Barcelona: Anagrama, 1987. p. 13 apud SILVA, Regina Célia de Lima e. Canção popular e franquismo. Acesso em: 7/5/2009. Tradução sob responsabilidade do autor.

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Futbolerias: Fútbol, fútbol, fútbol, ¡es el desporte que apasiona a la nación. Fútbol, fútbol, fútbol, en los estadios ruge nardecida la afición. si gana el Barcelona Club o pierde en el encuentro el Español es el enigma que alimenta la expectación. Fútbol, fútbol, fútbol, hoy todo el mundo está pendiente de balón. 28

(Futbolerías – I. Castelltort)

E Cocidito Madrileño:

No me hable usted de lo banquete que hubo en Roma, ni del menú del hotel Plaza en New York, ni de faisán, ni de los foiegrases de paloma, ni lê hable usted la langosta al thervidor. Porque es que a mi sin discusión me quita el sueño, y es mi alimento y mi placer, la gracia y sal que al cocidito madrileño le echa el amor de una mujer. 29

(Cocidito Madrileño – Quintero, Leon e Quiroga)

Assim como Es cuestión de cara dura:

Se acabó la valentía, el trabajo y la bravura, para darse la gran vida es cuestión de cara dura. No hace falta ser muy listo ni tener mucha cordura, para ser siempre el primero es cuestión de cara dura En negocios, cara dura; en amores, cara dura; es la vida la que enseña a navegar. 30

(Es cuestión de cara dura – Ramón Evaristo)

28 MONTALBÁN, Manuel Vázquez. (2000). Op. Cit., p. 71. 29 Ibid., p. 79-80. 30 Ibid., p. 75.

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O tipo de canção, que é a menos conhecida desse período, é a de protesto,

devido ao Ministério de Informação e Turismo da Espanha, que controlava as

apresentações ao vivo e o conteúdo das músicas antes e depois de serem gravadas.

Essas músicas tratam, em sua maioria, da liberdade, do fim do regime franquista, mas

há também canções contra a religião católica. Mesmo com toda a censura algumas

sobreviveram, como La Saeta:

Dijo una voz popular ¿quién me presta una escalera para subir al madero, para quitarle los clavos a Jesús el Nazareno? Oh, la saeta, el cantar al Cristo de los gitanos, siempre con sangre en las manos, siempre por desenclavar. Cantar del pueblo andaluz, que todas las primaveras anda pidiendo escaleras para subir a la cruz. Cantar de la tierra mía que echa flores al Jesús de la agonía y es la fe de mis mayores. Oh, no eres tu mi cantar, no puedo cantar, ni quiero a ese Jesús del madero, sino al que anduvo en la mar. 31

(La saeta – Antonio Machado y Joan Manuel Serrat)

La Saeta (que significa flecha em espanhol, mas é também o nome de canções

religiosas na Espanha) mostra a fé do povo espanhol, fazendo alusão ao ato metafórico

de subir a cruz para tirar os pregos de Jesus e retirá-lo de lá. O autor pergunta como o

povo pode cantar a religião de seus idosos, de seus governantes, de seus ditadores, a

esse Jesus da agonia, que sempre tem sangue em suas mãos:

E Canto a la Libertad: Habrá un día en que todos al levantar la vista veremos una tierra que ponga libertad. Haremos el camino en un mismo trazado uniendo nuestros hombros

31 Ibid., p. 432.

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para así levantar a aquellos que cayeron gritando libertad. También será posible que esa hermosa mañana ni tu, ni yo, ni el otro la lleguemos a ver pero habrá que empujarla para que pueda ser.32

(Canto a la Libertad – José Antonio Labordeta)

Canto a la Libertad lembra Cara al Sol, mas com o ideal inverso, trazendo a

imagem da morte, do sacrifício, como algo necessário para uma nova manhã, um novo

ressurgimento da Espanha. Significava também a união do povo, como essencial, pois

todo o povo espanhol deveria unir-se, ombro a ombro, como uma barricada, e

empurrar a velha Espanha para que a nova tenha seu lugar. Nesse sentido, uma das

principais músicas de protesto da época, isto é, da década de 70, foi Libertad sin Ira:

Dicen los viejos que en este país hubo una guerra que hay dos Españas que guardan aún el rencor de viejas deudas. Dicen los viejos que este país necesita palo largo y mano dura para evitar lo peor. Pero yo solo he visto gente que sufre y calla, dolor y miedo gente que solo desea su pan, su hembra y la fiesta en paz. Libertad, libertad sin ira, libertad guárdate tu miedo y tu ira porque hay libertad sin ira, libertad y si no la hay sin duda la habrá. Dicen los viejos que hacemos lo que nos da gana y no es posible que así pueda haber gobierno que gobierne nada. Dicen los viejos que no se nos dé rienda suelta que todos aquí llevamos la violencia a flor de piel. Pero yo solo he visto gente muy obediente hasta en la cama gente que tan solo pide vivir su vida sin más mentiras, y en paz. Libertad, libertad sin ira, libertad guárdate tu miedo y tu ira

32 Ibid., p. 449-450.

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porque hay libertad sin ira, libertad y si no la hay sin duda la habrá. 33

(Libertad sin ira – R. Balades, Armeteros y Herreros)

Libertad sin ira, cantada pelo grupo espanhol Jarcha, que remete a uma poesia

hispano-muçulmana, foi o hino da redemocratização da Espanha, em 1975. A canção

traça, através da visão dos velhos contraposta a dos jovens, a história do país desde a

Guerra Civil (os velhos dizem que houve uma guerra e que há duas Espanhas que ainda

não resolveram seus problemas e, para evitar o pior, é preciso um governo duro, uma

ditadura, porém os jovens só notam pessoas que sofrem e calam, com dor e medo) até

o Regime Franquista (os velhos, símbolos dessa ditadura, dizem que os jovens fazem o

que querem e levam a violência a flor da pele, então é preciso encurtar suas rédeas,

como se fossem animais, mas eles só veem pessoas obedientes de mais que só querem

viver suas vidas sem mentiras e em paz). A canção acaba com um grito, talvez um

pouco contido, sem ira, mas também sem medo, de Libertad.

Do que foi exposto anteriormente, pode-se afirmar que o regime Franquista

usou a música como forma de consolidar os seus ideais autoritários, os de uma

Espanha forte, Imperial, sob o comando do general Franco. Mas também uma Espanha

religiosa, casta, pura, já que a Igreja Católica apoiava o regime. Para isso, foram criadas

canções veiculadas com frequência no rádio, assim a população as ouviria

seguidamente, como os jovens das Frentes de Juventudes o faziam. Num primeiro

momento, houveram músicas nacionalistas e religiosas, que reerguem a “velha”

Espanha dos destroços da Guerra Civil, elegendo as mulheres como símbolo máximo

desse novo país. “Construiu-se”, assim, a imagem feminina da castidade, da pureza, da

religiosidade. Essas canções foram uma das principais armas para legitimar o regime

de Franco frente à população espanhola. No período de abertura ao capital

estrangeiro, entre as décadas de 60 e 70, houve a entrada de músicas estrangeiras,

notadamente norte-americanas, e o surgimento de canções com o tema de paraísos

terrestres, ou seja, países estrangeiros geralmente idealizados. Isso mostra o

sentimento de evasão do povo espanhol, isto é, é melhor fugir através dos ouvidos do

que olhar para a dura realidade vivenciada. Porém, não só de alienação viveu a música

33 Ibid., p. 450.

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espanhola durante esse período. As canções de testemunho, que variavam seus temas

de jogos de futebol à racionalização da comida, e as de protesto, muita censuradas

pelo regime, conseguiram deixar acessa a chama do grito de liberdade do povo

espanhol. Em 1975, com a morte de Franco, a Espanha iniciou sua transição para o tão

sonhado regime democrático.

REFERÊNCIAS

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MONTALBÁN, Manuel Vázquez. Cancionero General del Franquismo 1939-1970. Barcelona: Crítica, 2000.

______. Crónica Sentimental de España. Madrid: Espasa Calpe, 1986. p. 35-36.

PETSCHEN, Santiago. La Iglesia en la España de Franco. Sedmay: 1977 apud SILVA, Regina Célia de Lima e. Canção popular e franquismo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS, 2002, São Paulo. Proceedings on-line. Associação Brasileira de Hispanistas, Available from: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000012002000200033&lng=en&nrm=abn>. Acesso em 7/5/2009.

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http://lacucaracha.info.htm

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