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VINICIUS EDUARDO QUEIROZ A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL Florianópolis, 2008

A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

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Page 1: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

VINICIUS EDUARDO QUEIROZ

A QUESTÃO DAS DROGAS IL ÍCITAS NO BRASIL

Florianópolis, 2008

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VINICIUS EDUARDO QUEIROZ

A QUESTÃO DAS DROGAS IL ÍCITAS NO BRASIL

Monografia submetida ao curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito obrigatório para a obtenção do grau de Bacharelado. Orientador: Prof. Armando Lisboa

Flor ianópolis, 2008

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VINICIUS EDUARDO QUEIROZ

A QUESTÃO DAS DROGAS IL ÍCITAS NO BRASIL

Este trabalho de Conclusão de Estágio foi julgado e aprovado em sua forma final pela

coordenadoria de Estágio do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal

de Santa Catarina, no dia 30 de outubro de 2008.

Professor Renato Francisco L.

Coordenador de Estágio

Apresentado à Banca Examinadora integrada pelos professores:

____________________________ Armando Lisboa

Orientador

______________________________ Marialice de Moraes

Membro

______________________________ Vivian Garrido Moreira da Silva

Membro

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 6

1.1 Contextualização do tema e apresentação do problema 6

1.2 Objetivos 8 1.2.1 Objetivo geral 8 1.2.2 Objetivos específicos 9

1.3 Justificativa 9

1.4 Estrutura do trabalho 10

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 12

2.1 Drogas ilícitas 12

2.2 Substâncias ilícitas mais consumidas 14 2.2.1 Maconha 14 2.2.2 Cocaína 16 2.2.3 Ópio 18 2.2.4 Heroína 21 2.2.5 Haxixe 22 2.2.6 Ecstasy 23 2.2.7 LSD 24 2.2.8 Crack 25 2.2.9 Lança-perfume 26 2.2.10 Speedball 27 2.2.11 Metadona 27 2.2.12 GHB 27 2.2.13 QUAALUDE 28 2.2.14 Ketamina 28 2.2.15 Peyote 28 2.2.16 Mescalina 29 2.2.17 Charas 29

2.3 História e evolução das drogas ilícitas 30

2.4 História da proibição das drogas 34 2.4.1 Da segunda metade do século XX aos dias atuais 41 2.4.1.1 A droga chega à classe média 42 2.4.2 A proibição das drogas psicoativas como uma estratégia geopolítica 46

2.5 A proibição das drogas psicoativas segundo a importância econômica ou política de cada país. 50

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3 OS NÚMEROS DAS DROGAS ILÍCITAS 52

3.1 Os números do combate às drogas ilícitas nos Estados Unidos da América 56

3.2 Os números relacionados às drogas ilícitas no Brasil 58

3.3 O número de apreensões 62 3.3.1 Apreensões de resina da maconha 62 3.3.2 Apreensões de cocaína 62 3.3.3 Apreensões de pasta de coca 63 3.3.4 Apreensões de crack 63 3.3.5 Apreensões de heroína 63 3.3.6 Apreensões de drogas sintéticas 64

3.4 Desvio de drogas e precursores 65

3.5 Demanda por drogas ilícitas no Brasil 66

4 CUSTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS RELACIONADOS ÀS DROGAS ILÍCITAS72

4.1 Da lavagem de dinheiro 79 4.1.1 Lavagem através dos Paraísos Fiscais 81 4.1.2 Exemplos de como funciona a lavagem de dinheiro do narcotráfico 82

4.2 Infiltração do dinheiro ilegal oriundo das drogas ilícitas 84

4.3 Uma guerra conveniente aos interesses dos Estados Unidos 85

5 ARGUMENTOS CONTRA E PRÓ-LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS ILÍCITAS 86

5.1 Argumentos contra a legalização 86

5.2 Argumentos favoráveis à legalização 87

5.3 Previsões de mudanças com a adoção de políticas alternativas 88

6 CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES 89

REFERÊNCIAS 91

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1 INTRODUÇÃO

Este capítulo tratará da contextualização do tema, onde será apresentado o problema

de pesquisa do trabalho, o objetivo geral, os objetivos específicos e as justificativas para sua

realização. Nesta etapa serão também abordadas algumas particularidades sobre a história das

drogas, o mercado das drogas no Brasil e no mundo e os efeitos colaterais trazidos para a

sociedade como conseqüência da proibição do comércio e consumo das mesmas.

1.1 Contextualização do tema e apresentação do problema

A proibição das drogas ilícitas tem mais a ver com interesses morais, políticos e

econômicos do que com argumentos científicos ou relacionados à saúde pública. Pode-se

prender alguém por se dirigir automóveis que espelem gases poluentes para toda população?

Pode-se prender alguém por fumar um cigarro após o almoço ou por estar embriagado? A

resposta é não.

As autoridades justificam a proibição dizendo que é porque faz mal à saúde e

utilizam-se do argumento para justificar a proibição da mesma. Como assinala Mena Barreto:

“O objeto principal da proteção penal nos crimes de tráfico e uso indevido de drogas ilícitas é

a saúde pública” .

Segundo a UNDCP, o órgão da ONU dedicado ao controle de drogas psicoativas, “os

direitos individuais devem ser compatíveis com a segurança e o bem-estar de toda a

comunidade. Nenhum indivíduo tem o direito de se comportar de uma forma que venha a se

revelar destrutiva para os demais e para si mesmo” .

Dizem os juristas que cabe ao Estado defender o cidadão deste mal, que a sociedade

pode correr perigo se determinado sujeito estiver com a percepção e capacidade de

julgamento alterada, além do que um cidadão usuário de drogas ilícitas é potencialmente

danoso para a saúde pública e os cofres públicos.

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Segundo Jesus (apud ZACCONE, 2007, p. 36):

Realmente, o interesse jurídico concernente à saúde pública, de natureza difusa, não é fictício. Não constitui meramente referência abstrata criada pelo legislador. É um bem palpável, uma vez que se encontra relacionado a todos os membros da coletividade e a cada um considerado individualmente (...) de modo que; quando lesionados, interferem na vida real de todos os membros da sociedade ou de parte dela antes de haver dano ou perigo de lesão individual. Resulta que os delitos de tráfico e uso indevido de entorpecentes e drogas afins têm a saúde pública como objeto jurídico principal (imediato), entendida como `o estado em que o organismo exerce normalmente todas as suas funções’

Então como justificar o consumo de álcool, cigarro e comidas com alto teor de

gordura, que devido aos efeitos colaterais de seu consumo sobrecarregam os hospitais

brasileiros com enfartos, cânceres, problemas hepáticos, pulmonares e etc.E a proibição das

drogas psicoativas que tem como principal efeito colateral o narcotráfico e a violência

advinda desta atividade.

Em definitivo, a guerra contra as drogas ilícitas é motivada muito mais por fatores

raciais, econômicos, políticos e morais do que por argumentos médicos ou científicos.

Tem a ver com o preconceito contra as minorias estigmatizadas, como árabes,

chineses, mexicanos e negros. Deve muito aos interesses de indústrias poderosas e governos

poderosos. Além de estar em sintonia com o moralismo judaico-cristão e principalmente

protestante-puritano (ideologia religiosa da maioria branca que detêm o poder econômico e

político nos EUA e nos países anglo-saxões), que não aceitam a idéia do prazer sem

merecimento.

A atuação do poder punitivo nas questões das drogas ilícitas revela historicamente o

controle social sobre as `classes perigosas’ através da associação entre determinadas drogas e

grupos sociais. Chineses e ópio; irlandeses e álcool; mexicanos e maconha; colombianos e

cocaína, chegamos com o fenômeno da globalização, à associação das drogas aos miseráveis,

sejam eles pequenos produtores rurais de Pernambuco ou atacadistas das áreas pobres das

grandes capitais do país. Falar em drogas ilícitas é associá-las às favelas.

De acordo com o último relatório apresentado pelo Escritório das Nações Unidas

contra Drogas e Crimes sobre a utilização de drogas ilícitas no mundo, 200 milhões de

pessoas entre 15 e 64 anos as utilizaram entre os anos de 2003 e 2004. Dessas, 160 milhões,

ou 4 % da população na faixa etária descrita, consumiram maconha. É um aumento de 14

milhões de pessoas em relação ao relatório anterior do ano de 2004.

Já ao que diz respeito às drogas consideradas legais mais utilizadas, ou seja, drogas

lícitas, segundo o mesmo relatório, o número de usuários ou consumidores é bem maior que o

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de drogas ilícitas, cerca de 30% ou 1 bilhão e 800 milhões de pessoas usam tabaco e 50% ou 3

bilhões de pessoas ao redor do mundo fazem uso do álcool. Depois dos canabinóides

(maconha e haxixe), as drogas ilícitas mais consumidas são as anfetaminas e o ecstasy, com

aproximadamente 34 milhões de usuários, os opiáceos, com 16 milhões de usuários e a

cocaína, com 14 milhões de usuários no mundo.

Em continuação ao relatório, a produção mundial de canabinóides gira em torno de

42 mil toneladas anuais, sendo que 7400 mil toneladas são de haxixe e o restante de maconha.

Dados do programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas

(UNDCP) afirmam que o tráfico de substâncias ilícitas move cerca de 500 bilhões de dólares

anuais, aproximadamente 8% das exportações mundiais, mercado que só é superado pelas

indústrias do petróleo, militar e do `mundo do futebol’ .

1.2 Objetivos

A seguir serão apresentados o objetivo geral e os objetivos específicos da pesquisa,

com a descrição do que se pretende atingir com este trabalho. Veremos que o objetivo geral

definirá o propósito do trabalho, o qual somente poderá ser conquistado com a conquista dos

objetivos específicos traçados.

1.2.1 Objetivo geral

O objetivo geral consiste em demonstrar como a atuação da atual política de combate

às drogas ilícitas é um fracasso em termos gerais; não conseguindo diminuir e, só em poucos

casos atenuar, as principais mazelas advindas da proibição como o narcotráfico, a violência, o

tráfico de armas e a corrupção.

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1.2.2 Objetivos específicos

Para que o objetivo geral seja alcançado é preciso seguir alguns objetivos específicos, que ajudarão no entendimento do problema de pesquisa. São eles:

a) Apresentar as drogas ilícitas mais consumidas e conhecidas pela população mundial;

b) Apresentar o histórico das drogas ilícitas;

c) Demonstrar como a política de proibição de drogas ilícitas está muito mais ligada ao

aspecto econômico e político do que com a saúde pública;

d) Apresentar os números referentes às políticas antidrogas;

e) Apresentar os aspectos econômicos e sociais da política antidrogas;

f) Demonstrar a demanda mundial e brasileira por drogas ilícitas;

g) Demonstrar o esquema de lavagem de dinheiro ilícito oriundo do tráfico de drogas

ilícitas;

h) Relatar a infiltração de dinheiro do tráfico de drogas na política de alguns Estados

nacionais;

i) Apresentar argumentos favoráveis e contra a legalização das drogas psicoativas;

j) Demonstrar como o atual modelo de combate às drogas ilícitas é conveniente aos

interesses políticos e econômicos dos Estados Unidos da América.

1.3 Justificativa

Dentro do tema escolhido, alguns critérios devem ser atendidos para que a pesquisa

se justifique. Segundo Castro (apud MATTAR, 1994), esses critérios são: importância,

originalidade e viabilidade.

A importância do tema abordado reside na necessidade de se discutir o real efeito

que a legalização das drogas ilícitas traria para a sociedade como um todo; principalmente no

aspecto econômico, sem deixar de lado o aspecto social.

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Outra importante justificativa é a discussão da chamada `política de redução de

danos’ , onde se aceitaria a legalização ou aceitação de algo realmente nocivo como às drogas

ilícitas em contraposição ao narcotráfico e suas mazelas como violência, corrupção, terror e

medo.

Deste modo, a elaboração de um estudo como este é de grande importância, pois

tentará demonstrar ou trazer para debate algo que se apresenta a sociedade muito mais sobre a

forma de “tabu social” do que sobre os reais efeitos das drogas ilícitas.

Tentará demonstrar como a atual política antidrogas, que visa à repressão e punição,

é muito mais prejudicial ao consumidor individual e aos países do que a legalização sobre as

mesmas.

Este trabalho é original, porque terá o potencial de surpreender, já que este trabalho

será realizado por um Policial Civil, investigador policial, servidor público da Secretaria de

Segurança Pública do Estado de Santa Catarina que tem como trabalho diário a repressão e o

combate ao tráfico e consumo de drogas ilícitas. Também por não haver nenhum trabalho de

conclusão de curso ou registro sobre este tema com estas características em Florianópolis ou

no Estado de Santa Catarina, até o momento.

Por fim, este trabalho foi motivado pela necessidade de se esclarecer alguns pontos

que cercam o `mundo das drogas ilícitas’ , tentando demonstra o porquê de sua legalização ser

ainda um “tabu” em virtude de a proibição trazer muito mais prejuízo do que a legalização.

1.4 Estrutura do trabalho

Na seqüência do trabalho serão apresentados mais quatro capítulos. O segundo

capítulo trará a fundamentação teórica, momento em que serão aprofundados os

conhecimentos teóricos sobre o tema. Este capítulo apresentará um referencial teórico sobre o

tema proposto, incluindo assuntos relacionados com a questão das drogas ilícitas, a história da

proibição das drogas ilícitas, os principais tipos de substâncias entorpecentes consumidas.

O terceiro capítulo apresentará os números relacionados à política das drogas

proibidas, os números da produção, das apreensões, da demanda e do combate às drogas

psicoativas.

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O quarto capítulo falará sobre os custos econômicos e sociais relacionados ao

consumo de drogas ilícitas, a problemática da lavagem de dinheiro, dos paraísos fiscais, da

intervenção do dinheiro do narcotráfico no núcleo Estatal.

No quinto capítulo serão apresentados argumentos contra e a favor da legalização das

drogas.

Por fim, no capítulo cinco será exposta à conclusão do trabalho, onde serão

apresentadas as considerações finais sobre o mesmo.

Para a realização do trabalho foram utilizados como material para a pesquisa livros,

documentos, relatórios, revistas, jornais, sítios da internet e reportagens eletrônicas.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A fundamentação teórica é uma etapa fundamental do trabalho. De acordo com

Tomanik (1994), é a fase onde vão ser aprofundados os conhecimentos teóricos sobre o tema

abordado.

A obtenção de dados e das informações pode ser algo simples, porém, o inter-

relacionamento das informações e a reunião de todos os dados objetivando obter maior

detalhamento sobre os objetivos propostos da elaboração do trabalho, não é tão simples assim.

Para fazer esse inter-relacionamento são necessários conhecimentos teóricos, o que deixa

claro a necessidade da exigência de uma apropriada fundamentação teórica.

Depois de pesquisado o assunto e selecionado todo o material teórico vem o

momento de organizar todas essas informações. Uma maneira de fazer essa organização é

apresentar uma seqüência das evidencias teóricas mais relevantes. Tomanik (1994) considera

mais adequado organizar os dados a partir das informações mais simples sobre o assunto até

chegar as mais específicas e profundas.

Desta forma, neste capítulo serão contempladas as contribuições teóricas utilizadas

no desenvolvimento deste trabalho, objetivando fornecer a base indispensável para a sua

elaboração.

2.1 Drogas ilícitas

Drogas, entorpecentes, narcóticos, tóxicos, são palavras diferentes utilizadas para

nomear com imprecisão diferentes substâncias de circulação proibida em nosso país e no

mundo.

Considerando que muitos medicamentos são distribuídos pelas `drogarias’ , e as

mesmas utilizam comercialmente este termo como, por exemplo: (Drogaria Catarinense;

Drogaria São Paulo, entre outras), podemos observar que , ao contrário da nomenclatura

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policialesca, utilizada nas delegacias e nos telejornais, a palavra droga significa, no plano

médico, aquilo que chamamos de remédio.

Verifica-se então, que não há um consenso em seu significado, ora significa algo bom que

pode curar ora significa algo danoso, destrutivo dependendo de quem a interpretar.

Veja, por exemplo, como é confusa a própria definição de narcóticos encontrada no

Wikipédia:

a) Narcóticos: O termo narcótico, derivado da palavra grega ������������� para

entorpecedor, refere-se a uma variedade de substâncias que fazem adormecer, reduzem ou

eliminam a sensibilidade (chama-se a esse estado narcose). Em termos técnicos na medicina,

designa apenas o ópio, os derivados do ópio e os seus substitutos sintéticos ou semi-sintéticos

(opióides). Em termos menos técnicos, no entanto, é utilizada para designar um vasto leque de

substâncias alteradoras da consciência.

A própria polícia especializada no combate ao tráfico de drogas no Estado de São

Paulo (DENARC) Departamento de Narcóticos de São Paulo, utiliza a nomenclatura

narcóticos para designar todos os tipos de substâncias ilícitas.

A classificação das drogas é imprecisa, mas a mais comumente aceita utilizada pela

Universidade Federal de São Paulo e pela Escola Paulista de Medicina UNIFESP/EPM é a

seguinte:

a) Perturbadoras – aquelas com efeito alucinógeno, acelerando o funcionamento do

cérebro além do normal, causando perturbações na mente do usuário. Exemplo: LSD

(sintetizadas a partir do ácido lisérgico), a maconha e o haxixe (produto e subproduto

extraídos da planta Cannabis sativa), os solventes orgânicos (cola de sapateiro).

b) Depressoras (as mais perigosas) – diminuem a atividade cerebral, deixando os

estímulos nervosos mais lentos. Exemplo: tranqüilizantes produzidos por indústrias

farmacêuticas (antidepressivos, soníferos e anciolíticos), o ópio, a morfina e a heroína

(extraída da planta Papoula somniferum).

c) Estimulantes – substâncias que aumentam a atividade cerebral. Estimulam em

especial áreas sensoriais e motoras. Integra esse grupo a cocaína e seus derivados (o crack),

extraídos da folha da planta da coca, Erytroxylum coca.

d) Drogas mistas – combinações de dois ou mais efeitos. A mais comum e conhecida

desse grupo é o Ecstasy.

Estas más aplicações, que reúnem as drogas ilícitas sob nomenclaturas imprecisas, devem parte de sua existência a práticas e atos classificatórios que se reproduzem, mas que também, da perspectiva política, acabam cumprindo uma função importante, que consiste em condensar em um único bloco substâncias que são alvo de perseguição governamental. Assim, o inimigo fica agrupado, fato que torna mais

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simples a declaração de guerra às drogas. (RODRIGUES apud ZACCONE, 2007, p.39).

Desta maneira, do ponto de vista da estigmatização e do estereótipo se torna mais

simples para os órgãos de combate e de repressão nomear todo e qualquer tipo de substância

proibida como “droga” . Isso torna a nomenclatura uma relação de fácil abstração e

assimilação popular, onde até mesmo o substantivo ´droga’ serve para adjetivar o consumidor

ou usuário freqüente como ´drogado’.

Um livro sobre narcotráfico é uma obra de política, uma reflexão sobre relações e jogos de poder, e não sobre drogas no sentido farmacológico ou técnico. Desse modo não cabem discussões prolongadas sobre as propriedades químicas das drogas e seus efeitos no corpo e na mente. No entanto, há que se enfrentar de saída uma importante questão: a nomenclatura das drogas como uma relação de poder”. (RODRIGUES apud ZACCONE, 2007, p.38).

2.2 Substâncias ilícitas mais consumidas

Abaixo estão descritas as principais drogas ilícitas mais consumidas pela população

mundial segundo dados da ONU - Organização das Nações Unidas, 2008.

2.2.1 Maconha

Muitos pesquisadores afirmam que a maconha é originária da África. No entanto, a

mais antiga referência à planta e a seu uso, no caso sob forma medicamentosa, é sua

existência em um herbário, provavelmente o primeiro do mundo, de um imperador chinês e

também em um livro de medicina escrito na China no ano 7000 a.C.

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Historicamente, a maconha foi utilizada especialmente na Índia, no Oriente Médio e

na África. Na Índia, é utilizada em rituais religiosos e, no Oriente Médio, entre a população

mais pobre.

No Brasil, o primeiro registro sobre o uso da maconha data de 1564 e foi escrito por

um português. Os escravos teriam trazido a droga para o Brasil neste século. No século XVII,

o vice-rei de Portugal enviava carregamentos de sementes de maconha para que a planta fosse

cultivada no Brasil em larga quantidade devido à sua importância como produtora de fibra. As

velas das caravelas eram feitas de cânhamo. No século XIX, farmácias vendiam cigarros de

maconha no país.

Cannabis é um gênero de plantas herbáceas de grande tamanho. Da espécie cannabis

sativa se obtém o cânhamo e diversas drogas alucinógenas.

A cannabis sativa é um arbusto silvestre que cresce em zonas temperadas e tropicais,

podendo chegar a uma altura de seis metros, extraindo de sua resina o haxixe. Seu

componente psicoativo mais relevante é o delta-9-tetrahidrocanabinol (delta-9-THC),

contendo a planta mais de sessenta componentes relacionados. Os fármacos psicotrópicos

descobertos até agora contêm sempre alcalóides indólicos. A única exceção a essa regra é o

cânhamo, pois o THC não contém nitrogênio e não é, portanto um alcalóide.

A maconha é o produto formado pelas subunidades floridas, folhas, frutos, talos,

sementes do cânhamo. Uma vez secos são triturados finamente, por isso tem uma aparência

de tabaco, variando sua coloração segundo a sua procedência de verde a marrom.

Seu consumo se realiza de forma pura ou mesclada com tabaco, podendo ainda ser

encontrada em forma de cápsulas, incensos e chá. Os efeitos da mesma variam dependendo da

sua riqueza em THC. Essa riqueza depende do clima em que cresceu a planta, método de

cultivo, armazenamento e colheita. Seus efeitos podem ser similares ao do haxixe, porém

menos potentes.

Consome-se preferencialmente fumada, mas podem realizar-se infusões com efeitos

distintos. O cigarro de maconha pode conter 150 ml de THC e chegar até o dobro, caso seja

consumida com o óleo de haxixe. Em respeito à dependência, se considera primordialmente

psíquica, os sintomas característicos da intoxicação são: ansiedade, irritabilidade, tremores,

insônia, muito similares aos das benzodiacepinas.

O consumo oral da maconha implica efeitos psicológicos similares aos expressados

na forma fumada, porém em maior intensidade e duração, e com efeitos nocivos

potencializados.

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A maconha pura contém inúmeros agentes químicos, alguns deles sumamente

causam danos à saúde. Porém o THC em forma de pílula para consumo oral (não se fuma),

poderia ser utilizado no tratamento dos efeitos colaterais (náuseas e vômitos) em alguns

tratamentos contra o câncer. Outro químico relacionado com o THC (nabilone) foi autorizado

pela “Food and Drug Administration” para o tratamento dos doentes de câncer que sofrem de

náuseas. Em sua forma oral o THC é usado em doentes com AIDS, porque os ajuda a comer

melhor e manter seu peso.

O THC afeta as células do cérebro encarregadas da memória. Isto faz com que a

pessoa tenha dificuldade em recordar eventos recentes (como os que se sucederam a minutos

atrás), e dificulta o aprendizado quando da influencia da droga. Ao ser fumada é facilmente

absorvida pelos pulmões e passam rapidamente ao cérebro. Seus efeitos se manifestam poucos

minutos após, e podem durar entre duas e três horas.

A maconha fumada causa a maioria dos mesmos problemas de saúde relacionados ao

tabaco. Fumada ou comida, a maconha pode quebrar o equilíbrio, a coordenação física e a

percepção visual. Isto pode ser perigoso ao dirigir um automóvel ou operar máquinas.

Algumas pessoas se sentem narcotizadas (desorientadas e vertiginosas) ao usar a maconha.

Esse efeito pode ser mais forte quando se come que quando se fuma.

Alguns usuários desenvolvem uma tolerância a maconha. Isto significa que

necessitam de doses cada vez mais altas para conseguirem o mesmo efeito. Os usuários

também podem tornar-se dependentes da maconha e podem ter síndrome de abstinência

quando deixam de usa-las.

O efeito psicotrópico da cannabis, similar ao de outras substancias como o LSD,

Peiote, Psilocibina, consiste basicamente em uma sensibilidade incrementada que leva

também a uma certa falta de equilíbrio e de segurança psíquica do sujeito, acompanhada de

uma “alteração do estado de consciência” .

2.2.2 Cocaína

A cocaína é uma droga alcalóide estimulante altamente viciante. É extraída da folha

da coca. O seu consumo leva a grande aceleração do envelhecimento e profundos danos

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cerebrais irreversiveis, entre outros problemas de saúde. A cocaina é um alcalóide tropano. O

seu nome completo é 3-benzoiloxi-8-metil-8-azabiciclo. [3.2.1]octano-4-carboxilico acido

metill éster.

É extraida das folhas do arbusto da coca (Erythroxylon coca). A cocaína pode ser

consumida de várias formas mas o modo mais comum é "aspirando" a droga pelo nariz, que

normalmente se apresenta sob forma de um pó. Alguns consumidores chegam a injetar a

droga diretamente na corrente sangüínea, o que eleva consideravelmente o risco de uma

parada cardíaca irreversível, a chamada "overdose".

A folha de coca, cujo consumo mesmo se em grandes quantidades leva apenas à

absorção de uma dose minuscula de cocaína, é usada comprovadamente há mais de 1200 anos

pelos povos nativos da América do Sul. Eles a mastigam para ajudar a suportar a fome, a sede

e o cansaço, sendo, ainda hoje, consumida legalmente em alguns países como Perú e Bolívia e

sob a forma de chá, forma que a absorção do princípio ativo é muito baixa. Os Incas e outros

povos dos Andes usaram ela certamente, o que lhes permitia trabalhar a altas altitudes, onde a

rarefação do ar e o frio tornam o trabalho árduo especialmente díficil. A sua ação anorexiante

(supressora da fome) lhes permitia transportar apenas um mínimo de comida durante alguns

dias.

Inicialmente os espanhóis, constatando o uso quase religioso da planta, nas suas

tentativas de converter os índios ao cristianismo, declararam a planta produto do Demónio.

Contudo mais tarde a Igreja Católica legalizou-a de forma a poder cobrar impostos de 10%

sobre o valor do seu cultivo. O seu uso entre os espanhóis do novo mundo espalhou-se, sendo

as folhas usadas para tratar feridas e ossos partidos ou curar a constipação/resfriado. A coca

foi levada para a Europa em 1580

Os incas tratavam a coca como uma planta sagrada. A coca, ao mesmo tempo em

que atenua o apetite, cria sensação de euforia e aumento da capacidade física. Durante o

período de colonização da América Espanhola, os colonizadores espanhóis forçavam os

escravos a utilizarem a folha de coca para aumentar a produtividade nas minas de prata. A

cocaína, produto do extrato refinado da planta, adentrou a sociedade pela porta da medicina,

sendo amplamente usada como anestésico e na forma de pastilhas. O famoso psiquiatra

Sigmund Freud a utilizava e a receitava para seus pacientes, inclusive para a sua esposa que

acabou adquirindo dependência da droga. No final do século 19, anúncios de jornais ingleses

mostravam crianças felizes e falavam do quanto as pastilhas eram boas.

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Nos estados Unidos da América, 257 médicos e 40 dentistas foram processados por

suprirem clientes com a droga. A partir da década de 1930, tornou-se ilegal em todo mundo e,

hoje, é considerada a principal droga ilícita combatida na chamada “guerra contra as drogas” .

2.2.3 Ópio

Muitas substâncias com grande atividade farmacológica podem ser extraídas de uma

planta chamada Papaver somniferum, conhecida popularmente com o nome de papoula do

oriente. Ao se fazer cortes na cápsula da papoula, quando ainda verde, obtêm-se um suco

leitoso, o ópio (a palavra ópio em grego quer dizer suco).

Quando seco este suco passa a se chamar pó de ópio. Nele existem várias substâncias

com grande atividade. A mais conhecida é a morfina, palavra que vem do deus da mitologia

grega Morfeu, o deus dos sonhos.

Pelo próprio segundo nome da planta somniferum, de sono, e do nome morfina, de

sonho, já dá para fazer uma idéia da ação do ópio e da morfina no homem: são depressores do

sistema nervoso central, isto é, fazem nosso cérebro funcionar mais devagar. Mas o ópio ainda

contém mais substâncias sendo que a codeína é também bastante conhecida. Ainda, é possível

obter-se outra substância, a heroína, ao se fazer pequena modificação química na fórmula da

morfina. A heroína é então uma substância semi-sintética (ou semi-natural).

Estas substâncias todas são chamadas de drogas opiáceas ou simplesmente opiáceos,

ou seja, oriundas do ópio; podem ser opiáceos naturais quando não sofrem nenhuma

modificação (morfina, codeína) ou opiáceos semi-sintéticos quando são resultantes de

modificações parciais das substâncias naturais (como é o caso da heroína).

Mas o ser humano foi capaz de imitar a natureza fabricando em laboratórios várias

substâncias com ação semelhante à dos opiáceos: a meperidina, o propoxifeno, a metadona

são alguns exemplos. Estas substâncias totalmente sintéticas são chamadas de opióides (isto é,

semelhantes aos opiáceos).

Todas as drogas tipo opiáceo ou opióide têm basicamente os mesmos efeitos no

Sistema Nervoso Central: diminuem a sua atividade. As diferenças ocorrem mais num sentido

quantitativo, isto é, são mais ou menos eficientes em produzir os mesmos efeitos; tudo fica

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então sendo principalmente uma questão de dose. Assim temos que todas essas drogas

produzem uma analgesia e uma hipnose (aumentam o sono): daí receberam também o nome

de narcóticos que significa exatamente as drogas capazes de produzir estes dois efeitos: sono

e diminuição da dor. Recebem também por isto o nome de drogas hipnoanalgésicas. Agora,

para algumas drogas a dose necessária para este efeito é pequena, ou seja, elas são bastante

potentes como, por exemplo, a morfina e a heroína; outras, por sua vez, necessitam doses 5 a

10 vezes maiores para produzir os mesmos efeitos como a codeína e a meperidina.

Algumas drogas podem ter também uma ação mais específica, por exemplo, de

deprimir os acessos de tosse. É por esta razão que a codeína é tão usada como antitussígeno,

ou seja, é muito boa para diminuir a tosse. Outras têm a característica de levarem a uma

dependência mais facilmente que as outras; daí serem muito perigosas como é o caso da

heroína.

Além de deprimir os centros da dor, da tosse e da vigília (o que causa sono) todas

estas drogas em doses um pouco maior que a terapêutica acabam também por deprimir outras

regiões do nosso cérebro como por exemplo, os que controlam a respiração, os batimentos do

coração e a pressão do sangue. Como será visto, isto é muito importante quando se analisa os

efeitos tóxicos que elas produzem.

Via de regra as pessoas que usam estas substâncias sem indicação médica, ou seja,

abusam das mesmas, procuram efeitos característicos de uma depressão geral do nosso

cérebro: um estado de torpor, como que isolamento das realidades do mundo, uma calmaria

onde realidade e fantasia se misturam, sonhar acordado, um estado sem sofrimento, o afeto

meio embotado e sem paixões. Enfim, um fugir das sensações que são a essência mesma do

viver: sofrimento e prazer que se alternam e se constituem em nossa vida psíquica plena.

As pessoas sob ação do narcótico apresentam uma contração acentuada da pupila dos

olhos ("menina dos olhos"): elas às vezes chegam a ficar do tamanho da cabeça de um

alfinete. Há também uma paralisia do estômago e a pessoa sente-se empachada, com o

estômago cheio como se não fosse capaz de fazer a digestão. Os intestinos também ficam

paralisados e como conseqüência a pessoa que abusa destas substâncias geralmente apresenta

forte prisão de ventre. É baseado neste efeito que os opiáceos são utilizados para combater as

diarréias, ou seja, são usados terapeuticamente como antidiarréicos.

Os narcóticos sendo usados através de injeções dentro das veias, ou em doses

maiores por via oral, podem causar grande depressão respiratória e cardíaca. A pessoa perde a

consciência, fica de cor meio azulada porque a respiração muito fraca quase não mais oxigena

o sangue e a pressão arterial cai a ponto de o sangue não mais circular direito: é o estado de

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coma que se não for atendido pode levar à morte. Literalmente centenas ou mesmo milhares

de pessoas morrem todo ano na Europa e Estados Unidos intoxicadas por heroína ou morfina.

Além disso, como muitas vezes este uso é feito por injeção, com freqüência os dependentes

acabam também por pegar infecções como hepatites e mesmo AIDS. Aqui no Brasil, uma

destas drogas tem sido utilizada com alguma freqüência por injeção venosa: é o propoxifeno

(principalmente o Algafan). Acontece que esta substância é muito irritante para as veias, que

se inflamam e chegam a ficar obstruídas. Existem vários casos de pessoas com sérios

problemas de circulação nos braços por causa disto. Há mesmo descrição de amputação deste

membro devido ao uso crônico de Algafan .

Outro problema com estas drogas é a facilidade com que elas levam à dependência,

ficando as mesmas como o centro da vida das vítimas. E quando estes dependentes, por

qualquer motivo, param de tomar a droga, ocorre um violento e doloroso processo de

abstinência, com náuseas e vômitos, diarréia, câimbras musculares, cólicas intestinais,

lacrimejamento, corrimento nasal, que pode durar de oito a doze dias.

Além do mais o organismo humano se torna tolerante a todas estas drogas narcóticas.

Ou seja, como o dependente destas não mais consegue se equilibrar sem sentir os seus efeitos

ele precisa tomar cada vez doses maiores, se enredando cada vez mais em dificuldades, pois

para adquiri-las é preciso cada vez mais dinheiro.

Para se ter uma idéia de como os médicos temem os efeitos tóxicos destas drogas

basta dizer que eles relutam muito em receitar a morfina (e outros narcóticos) para

cancerosos, que geralmente têm dores extremamente fortes. E assim milhares de doentes de

câncer padecem de um sofrimento muito cruel, pois a única substância capaz de aliviar a dor,

a morfina ou outro narcótico, tem também estes efeitos indesejáveis. Nos dias de hoje a

própria Organização Mundial da Saúde tem aconselhado os médicos de todo o mundo que

nestes casos, o uso contínuo de morfina é plenamente justificado.

Felizmente, são pouquíssimos os casos de dependência com estas drogas no Brasil,

principalmente quando comparado com os problemas de outros países.

Entretanto, nada garante que esta situação não poderá modificar-se no futuro.

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2.2.4 Heroína

A heroína ou Diacetilmorfina é uma droga opióide natural ou sintética, produzida e

derivada do ópio do bulbo de algumas espécies de papoila/papoula. O consumo regular de

heroína causa sempre dependência física, envelhecimento acelerado e danos cerebrais

irreversiveis, além de outros problemas de saúde. A heroína é a mais aditiva e perigosa droga

recreativa em uso disseminado

Tal droga é fabricada a partir da morfina por acetilação. A produção da droga é feita

a partir da morfina presente no ópio. O ópio é extraído dos bulbos da papoila do ópio,

frequentemente roxa, Papaver somniferum. A papoula vermelha comum (Papaver rhoeas),

uma erva daninha nos campos agricolas, não contém praticamente nenhum narcótico, mas é

moderadamente venenosa devido a outras substâncias.

O nome heroína foi o nome comercial com que foi registada pela farmacêutica alemã

Bayer, da palavra alemã "heroisch" heróico, uma referência à sua estimulação e analgésia. Foi

usada enquanto fármaco de 1898 até 1910, ironicamente, uma vez que é muito mais aditiva,

como substituto não causador de dependência para a morfina e antitússico para crianças, mas

o fato é que a heroína é três vezes mais potente que a morfina. A droga gera sensação de

alívio, satisfação e prazer quando injetada e cria dependência física atroz. O viciado em

heroína, quando na sua abstinência ou por estar por períodos prolongados sem o consumo da

droga, sentem dores insuportáveis, febres, delírios e diarréias. O seu nome comercial foi

cedido pela Alemanha aos Aliados em 1918 como reparação devido à primeira guerra

mundial.

A heroína foi proibida nos paises ocidentais no inicio do século XX devido aos

comportamentos violentos que estimulava nos seus consumidores. Foi a droga do jazz nas

decads de 1930 e 1940 e, vez ou outra, aparece como sombra assustadora, ameaçando tornar-

se novamente a droga da moda. Assim como a heroína foi adotada como a solução final para

o vício da morfina, novas drogas são testadas hoje para o tratamento de viciados em heroína.

Entre elas, a metadona tem se mostrado a mais eficaz, aumentando o intervalo entre a

necessidade de heroína gradativamente até uma possível reabilitação do viciado.

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2.2.5 Haxixe

Haxixe, do hebraico Hashish, é uma resina extraída das folhas e das inflorescências

femininas de Cannabis sativa, a popular maconha. Muitos confundem o haxixe com a

maconha. Na verdade, essa droga é muito mais potente por ser um extrato da resina do

cânhamo. Os efeitos ficam entre os do ópio e os da maconha, devido ao haxixe possuir maior

concentração de THC. Usuários de haxixe experimentam sensações de alteração de tempo e

espaço, relaxamento, fome, olhos avermelhados, taquicardia, boca seca, alucinações e

paranóia. Seu preparo consiste na coleta dos brotos oleosos, com posterior maceração desses

até formarem bolas ou tabletes endurecidos de aspecto verde-escuro. Os tabletes são

misturados à maconha ou ao tabaco e fumados na forma de cigarros, cachimbos, etc. O

restante do material da planta é conhecido como kif. O kif é comprimido em blocos que são

facilmente armazenados e transportados, sem que o THC que contêm se degrade devido à

oxidação.

Muito comum na África do Norte e em países do Oriente mais próximos às

colonizações francesa e inglesa, o haxixe veio para Europa por estes países. Regiões invadidas

por Napoleão Bonaparte, principalmente o Egito, eram grandes produtoras da droga. Argélia e

Marrocos são grandes produtores da droga nos dias atuais.

Na religião hindu o haxixe é considerado um presente dos Deuses. De fato, se diz

que a planta teve origem quando Shiva, uma das personalidades de Deus na tríade dessa

religião, chegando a um banquete preparado por sua esposa Parvati, baba ao ver tantas

delícias e de sua saliva surge a planta abençoada.

Os Shaivas, devotos de Shiva, fumam continuamente a ganja (a planta feminina) com

o charas (a resina das flores) para meditarem e se elevarem espiritualmente. Eles consideram

que o chilum (o cachimbo onde a planta é fumada) é o corpo de Shiva, o charas é a mente de

Shiva, a fumaça resultante da combustão da planta é a divina influência do Deus e o efeito

desta, sua misericórdia

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2.2.6 Ecstasy

A mais conhecida das chamadas “designer drugs” . Uma das mais sólidas famílias de

drogas é a criada para aumentar a capacidade física para dançar. O ecstasy, ou MDMA, hoje é

a droga do momento e a que mais recebe atenção da mídia depois da maconha e da cocaína. O

ecstasy foi descoberto pelos laboratórios Merck, na Alemanha em 1912. Até a década de 1940

acreditava-se que era a “droga da verdade”. O bioquímico Alexander Shulgin começou a

pesquisar os efeitos nos anos 1960 e buscava um motivo para usá-la para fins terapêuticos.

Sua primeira utilidade foi medicinal, em sessões de psicoterapia, e como um inibidor de

apetite.

O princípio ativo do ecstasy é o mesmo do LSD, a Metilenodioxidometaanfetamina

(MDMA). Sua forma de consumo é por via oral, através da ingestão de um comprimido. Os

usuários normalmente consomem o ecstasy com bebidas alcoólicas, o que intensifica ainda

mais o efeito e agrava os riscos.

O ecstasy é uma droga relativamente nova e, diferentemente de drogas como a

cocaína e a maconha, só foi sintetizada pela primeira vez já neste século.

Eventualmente, os efeitos do ecstasy foram descobertos pelo público e a substância

começou a ser traficada com os nomes de Adam, X ou XTC. O berço do uso exclusivamente

recreativo do ecstasy foi Dallas, em 1984. o abuso da droga levou à criminalização em julho

do mesmo ano e a posse foi criminalizada no ano seguinte.

Adotada por jovens de classe média e alta, a proibição alterou apenas uma parte do

comportamento desses usuários: passaram a promover festas fechadas que depois se

transformaram nas raves. A concorrência entre promotores de festas foi violente, contando

com denúncias de ambos os lados.

O ecstasy dá a sensação de não ser exatamente uma droga no sentido mais obscuro,

uma vez que o usuário não precisa subir à favela ou se arriscar muito para consegui-la e a usa

em ambientes privados, geralmente na companhia de outras pessoas de classes sociais

abastadas. Dependendo do estado físico da pessoa, a droga pode demorar at´´e uma hora para

começar a fazer efeito. A identificação dos comprimidos é uma alegoria à parte na cultura

clubber, apresentando nomes de marcas famosas em baixo relevo.

Os efeitos da droga vão da alegria à euforia, que duram aproximadamente quatro

horas, mas que podem se estender por até doze horas. A tendência é que o usuário precise de

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doses cada vez maiores pra obter o mesmo efeito, o que pode levar a graves danos físicos. Há

muita contradição quanto à possibilidade de overdose por ecstasy, mas a droga pode levar á

morte por outras complicações clínicas.

2.2.7 LSD

Foi descoberto acidentalmente em 1918, quando o químico Arthur Stoll e seu

assistente Albert Hoffman isolaram o alcalóide do fungo ergot. Estudando as possibilidades

medicinais do fungo, Hoffman ingeriu acidentalmente uma pequena quantidade do ácido

lisérgico produzido a partir do ergot. O resultado foram alucinações intensas. Estava criado o

LSD.

O nome LSD, ou LSD-25, é uma abreviatura de dietilamina do ácido lisérgico. O

princípio ativo da droga é o MDMA, ou Metilenodioxometanfetamina, e apenas algumas

frações de grama são necessárias para acarretar efeitos no ser humano; 0.05mg podem causar

até 12 horas de alucinações.

O LSD é consumido normalmente por via oral. A droga se apresenta em cartelas

subdivididas em "pontos", que é, efetivamente, onde está o princípio ativo. Para se obter os

efeitos da droga, esse "ponto" é ingerido pelo consumidor, ou simplesmente deixado embaixo

da língua. Além de poder ser ingerido, o LSD pode ser também fumado, apesar dessa forma

de consumo ser pouco comum.

O LSD é um alucinógeno e, portanto, produz distorções no funcionamento do

cérebro. Os efeitos variam de acordo com o organismo que está ingerindo a droga e de acordo

com a ambiente em que ela está sendo consumida. O usuário pode sentir euforia e excitação

ou pânico e ilusões assustadoras.

A droga dá uma sensação de que tudo ao redor do usuário está sendo distorcido. As

formas, cheiros, cores e situações, para a pessoa que está sob o efeito da droga, se alteram,

criando ilusões e delírios, como paredes que escorrem, cores que podem ser ouvidas e mania

de grandeza ou perseguição. Além disso, uma pessoa sob o efeito do LSD perde o juízo da

realidade e com isso a capacidade de avaliar corretamente uma situação qualquer, por mais

simples que possa ser.

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Por perder a noção da realidade, o usuário de LSD pode se julgar capaz de fazer

coisas impossíveis como andar sobre as águas, produzir fogo ou mesmo voar. O LSD também

causa um fenômeno chamado de "flashback": o usuário, semanas ou meses sem consumir a

droga, começa a sentir os efeitos da droga, como se tivesse acabado de consumi-la. Os

flashbacks podem acontecer a qualquer momento.

No corpo, os efeitos do LSD são relativamente leves, aceleração de batimentos

cardíacos, pupilas dilatadas e aumento do suor. Casos mais graves como convulsões podem

ocorrer apesar de serem muito raros. O maior perigo do consumo de LSD não é, mesmo em

doses mais fortes, de intoxicação física, mas suas conseqüências psíquicas.

O LSD é uma droga relativamente nova. As primeiras notícias de uso vêm do final

da década de 30 e início dos anos 40. Inicialmente, como a maioria das drogas, foi utilizada

para fins medicinais, no tratamento de doenças psiquiátricas como a esquizofrenia, mas se

mostrou ineficiente e caiu em desuso medicinal.

Nos anos 60, teve uma explosão de consumo. Os consumidores buscavam, com a

droga, "novas formas de expandir a mente" ou "aumentar o estado de consciência". Hoje, no

Brasil, o Ministério da Saúde não reconhece nenhum uso para a droga e proíbe seu uso,

produção e comércio no país.

2.2.8 Crack

O crack é uma mistura de cocaína em forma de pasta não refinada com bicarbonato

de sódio, soda caústica e água. Depois é aquecida para que a água se evapore e se formem as

pedras. Esta droga se apresenta na forma de pequenas pedras e pode ser até cinco vezes mais

potente do que a cocaína. Após inalada, a fumaça das pedras faz efeito em menos de dez

segundos. O efeito do crack dura, em média, dez minutos.

Sua principal forma de consumo é a inalação da fumaça produzida pela queima da

pedra. É necessário o auxílio de algum objeto como um cachimbo para consumir a droga,

muitos desses feitos artesanalmente com o auxílio de latas, pequenas garrafas plásticas e

canudos ou canetas. Os pulmões conseguem absorver quase 100% do crack inalado.

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Ao contrário da maioria das drogas, o crack não tem sua origem ligada a fins

medicinais: ele já nasceu como uma droga para alterar o estado mental do usuário.

O crack surgiu da cocaína, e foi introduzido nos Estados Unidos em 1983, quando

devido ao alto preço da cocaína nas ruas, fez com que a demanda por cocaína na classe média

fosse diminuída, e o crack surgiu como uma alternativa muito mais barata e perigosa.No

Brasil foi introduzido por traficantes no submundo das favelas e guetos das grandes cidades

sendo, portanto, difícil precisar quando e onde realmente ele apareceu pela primeira vez. O

nome "crack" vem do barulho que ele faz quando está sendo queimado para ser consumido.

2.2.9 Lança-perfume

Ao lado da acetona, da gasolina, do esmalte e da cola de sapateiro, o lança-perfume é

classificado como solvente. Combinação de essência aromática, éter, cloreto de etila e

clorofórmio, ele evapora rapidamente quando em contato com o ar. Agindo no sistema

nervoso, torna o organismo mais suscetível à ação da adrenalina, acelerando os batimentos

cardíacos e diminuindo a oxigenação do cérebro.

Aparentemente inofensivo, o lança-perfume é uma das drogas que mais mata por

parada cardíaca. Associado ao Carnaval por causar desinibição, é regulamentado e

industrializado na argentina e entra no Brasil de forma clandestina. Estudantes de medicina e

química que têm acesso ao clorofórmio, eventualmente, produzem “ lanças-caseiros” . O

usuário molha um lenço com o produto e o inala, geralmente pela boca. A proibição no Brasil

veio na década de 1960.

O similar nos Estados Unidos é conhecido como poppers e também serve como

odorizador de ambiente. A droga é muito freqüente na cena homossexual da califórnia por

retardar a ejaculação, aumentar o volume do esperma, a intensidade do orgasmo e relaxar o

esfíncter.

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2.2.10 Speedball

Mistura de heroína com anfetaminas ou cocaína. Não é, ainda, muito consumida no

Brasil devido ao alto custo da droga, sendo mais consumida nos Estados Unidos e Europa,

principalmente em festas “ raves” .

2.2.11 Metadona

Considerada viciante, a metadona é usada no tratamento dos dependentes de heroína.

Seu grande trunfo é não causar tolerância, o que permite que, após o controle da heroína, as

doses de metadona sejam diminuídas até o fim do tratamento.

2.2.12 GHB

Muito conhecido como “ecstasy líquido” , o GHB é tomado em forma líquida e faz

efeito muito mais rápido que o comprimido de ecstasy. Em forma de pó, é misturado à bebida

e facilmente causa vômitos e náuseas. Em excesso, pode provocar parada respiratória e coma.

Surgido em 1992, é a versão sintetizada de um aminoácido natural do cérebro

humano. No programa televiso de auditório chamado Oprah Winfrey Show, o GHB foi

erroneamente tratado como a “droga do estupro” . Foi proibida pelo DEA em 2000.

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2.2.13 QUAALUDE

Também conhecida na Europa como Mandrax. Na década de 1970, foi uma das

drogas legais mais usadas. Extremamente viciante, era ideal para dançar quando misturada

com cocaína e álcool. Foi considerada ilegal nos Estados Unidos em 1973.

2.2.14 Ketamina

Conhecida popularmente como Special Key. A origem da ketamina repousa na

descoberta do PCP, que, durante muito tempo, circulou legalmente pelas drogarias

estadounidenses sob o nome de Sernyl. Quando o remédio passou a ser usado nas ruas de São

Francisco, em 1967, por seus efeitos alucinógenos, a empresa responsável o retirou do

mercado, mas manteve seu uso veterinário.

Conhecida no final da década de 1970 por nomes como “pé-de-anjo” , “pó-do-diabo”

e “zumbi” , ao final dos anos 1980, houve uma nova corrida pela ketamina nas danceterias da

Grã-Bretanha. Jovens que freqüentavam clubes de música eletrônica e clubes freqüentados

por homossexuais podiam comprar ampolas do anestésico e preparar a droga em casa, no

forno microondas. A substância é consumida em forma de pó por via nasal. Em 1999, a

ketamina foi considerada ilegal pelo Ato de Substâncias Controladas.

2.2.15 Peyote

Anteriormente uma planta sagrada para os huichols e yakis, tribos indígenas norte-

americanas, o cactus Peyote (Lophophora williamsii) é encontrado nos desertos do norte do

México e fazia parte dos rituais xamânicos de tribos antes da colonização espanhola. Comido

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seco ou consumido em forma de chá, os índios acreditavam que o cactus era um presente do

grande Espírito para fazê-los entender melhor o mundo à sua volta.

Até hoje, o peyote mantém essa aura mística, havendo regras para os que querem

experimenta-lo e certos rituais a serem seguidos.O peregrino deve achar seu próprio peyote

nos desertos e nunca deve colher o primeiro que encontrar. Depois disso, sobe em uma das

mesas dos altiplanos desérticos e o ingere. A experiência pode durar dias e o usuário

eventualmente perde o vínculo com a realidade. Nas mesas, mulheres da região são pagas

para cuidar dos que experimentam a planta, pois, sob o efeito do peyote, o usuário pode

esquecer de se alimentar, beber água ou até mesmo despencar montanha abaixo.

2.2.16 Mescalina

Alucinógeno fortíssimo extraído do peyote, a mescalina pode ser ingerida por via

oral ou venosa. Altera a consciência e a percepção, causando alucinações similares às do

LSD. Aldous Huxley e Carlos Castañeda foram porta-vozes das viagens alucinógenas

provocadas pela mescalina. Os efeitos podem durar de 8 a 12 horas, causando intensificação

da percepção, distorções de espaço-tempo, paranóia, taquicardia e outros sintomas

perturbadores.

2.2.17 Charas

Na índia, os devotos de Shiva preparam o extrato de Cannabis de forma diferente,

resultando em uma droga parecida com o haxixe. O charas mistura a planta feminina com a

resina das flores. Nesse sentido religioso, o cachimbo é o corpo da deusa Shiva, o fumo é a

mente e a fumaça, a influência divina.

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2.3 Histór ia e evolução das drogas ilícitas

O uso de substâncias entorpecentes pelo homem é quase tão antigo quanto sua

própria existência. Foi utilizada por milhares de anos com finalidades religiosas, culturais,

curativas, relaxantes ou simplesmente para a obtenção do próprio prazer. O álcool é

considerado a primeira droga conhecida pelo homem, sendo o ópio considerado a primeira

droga ilícita. Discuti-se até hoje qual teria sido descoberto primeiro, o álcool ou o ópio, sendo

que os defensores do ópio argumentam que, diferentemente do álcool que necessita passar por

um processo de destilação, o ópio cru só necessita plantio e preparação da papoula, sendo,

portanto, devido a tecnologia presente a época, mais fácil a sua utilização.

Logo depois veio a maconha (estimada entre os séc. VIII ou VI a.C.). Apesar de, nos

dias atuais, estar difundida em todos os cantos do planeta, a maconha teve sua origem na Ásia

Central. Oficialmente, segundo a Universidade de Medicina de Oxford, na Inglaterra, é uma

planta do norte do Afeganistão e das montanhas Altai, no sul da Sibéria (Rússia), que tem

dois sexos: o masculino e o feminino.

O feminino é o que concentra os melhores canabinóides, componentes psicoativos

presentes nas plantas, cujo principal é o tetrahidrocanabinol, conhecido popularmente como

THC. Se divide em três espécies (Cannabis sativa, Cannabis indica e Cannabis ruderalis),

sendo a Cannabis sativa a mais utilizada. A Cannabis indica possui as espécies de psicoativos

mais potentes enquanto a ruderalis possui os psicoativos menos potentes entre as três

espécies. Foi no Sudeste Asiático que a Cannabis sativa passou a ser consumida da maneira

atual, enrolada em papel e fumada, como cigarro, anteriormente se mastigava e comia ou

então se consumia através de infusões em forma de chá.

A migração da planta da Ásia Central para Europa foi rápida. Evidências

arqueológicas apontam para a chegada da maconha no 3° milênio a.C ao continente europeu.

Uma dessas amostras está na Romênia, em um túmulo com um artefato conhecido como

copo-canudo, em que estão sementes da planta. Outra amostra está na Europa Central, perto

da Bulgária, onde foram encontradas mais sementes em um receptáculo intacto. Os gregos, já

no século 5° a.C, conheciam os poderes da erva. O pai da história, Heródoto, relatou o uso da

maconha pelos povos da região do mar Negro, que rapidamente se espalhou no berço da

civilização ocidental. No Egito Antigo, estava presente tanto como fibra quanto para fins

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recreativos e medicinais. Os sufistas, membros de uma tradição mística do Islamismo,

acreditavam que a maconha tinha poderes curativos.

Durante o Império Romano, a maconha foi conhecida pelo contato entre os mesmos

e os indianos, e servia como fonte de fibras e para fins medicinais, sendo que em 300 a.C, os

romanos entraram em conflito com Cartago. No ano 100 d.C, o cirurgião romano Dioscorides,

que cuidava de Nero, batizou a planta com o nome pelo qual é conhecida nos dias atuais:

Cannabis sativa.

A maconha atravessou o Oceano Atlântico e chegou a América do Norte

possivelmente com os primeiros colonizadores, que utilizavam muito suas fibras, tendo seu

primeiro cultivo em Nova Scotia, no Canadá, em 1606. Espalhando-se, em seguida, para os

Estados Unidos da América. Somente no século 19 é que a maconha passou a ser utilizada

também para fins entorpecentes.

Na América Central, a maconha tornou-se popular no México no século 19, e tornou-

se um estilo de vida na Jamaica. Trazida pelos indianos e pelos ingleses no final do século 19,

a maconha encontrou o lugar ideal para crescer, tanto por conta do clima como por parte da

população, composta por muitos rastafáris, religião que cultua o seu uso como a “planta

sagrada”.

Na América do Sul, a droga chegou em 1554 com os colonizadores espanhóis

plantando inicialmente na Argentina e no Peru.

No Brasil, a planta chegou pelo mesmo período, trazida pelos escravos e origina-se

deste período o nome mais popular atribuído à Cannabis, que é popularmente conhecida

como “maconha”, que vem do idioma quimbundo, de Angola. Mas, até o século XIX, era

mais usual chamar a erva de fumo-de-angola ou de diamba, nome muito utilizado no

Maranhão e adjacências nos dias atuais.

Posteriormente, há aproximadamente quatro (04) mil anos os sumérios, povo do sul

da Mesopotâmia, vizinho da Síria, descobriram que o sumo da Papoula (Papaver somniferum)

uma bela flor encontrada no Oriente Médio, continha propriedade calmante, sonífera e

anestésica.

Descobria-se então o ópio, derivado da papoula, utilizado como matéria-prima para

remédios. Arqueólogos noticiam que em cavernas dos homens primitivos foram encontradas

cápsulas de Papaver somniferum, de onde se extrai o Ópio.

Na Grécia Antiga, a aludida droga serviu como calmante para gladiadores. Escritos

mesopotâmicos datados de 3100 a.C já se referiam à papoula do ópio como a “planta da

alegria” . Egípcios, árabes, romanos e gregos faziam uso medicinal da planta para tratar

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elefantíase, epilepsia e picadas de escorpião. O imperador Nero usou as propriedades

venenosas do ópio para destronar Britannicus. No século VII, turcos e árabes descobriram

que cheirando a fumaça do suco de papoula solidificada, obtinha-se efeitos mais poderosos.

Passaram então a vender droga, sobretudo na Índia e na China.

Com a expansão das rotas comerciais, no século XVIII, o ópio tomou conta da

Europa.

No século 19 ocorreram às primeiras guerras da era moderna envolvendo a questão

das drogas, foram guerras em prol do livre comércio desta substância. A guerra foi

encabeçada pela Inglaterra que mantinha um lucrativo comércio do ópio com as Índias

Orientais.

As chamadas “guerras do ópio” ocorreram em 1839 e 1856. Os ingleses realizavam

grandes lucros com o fomento da produção de ópio na costa oriental da Índia e,

especialmente, com a exportação do produto para a China, que continha uma população de

cerca de 02 milhões de pessoas consideradas consumidores freqüentes do ópio.

As vendas do ópio, promovidas pela East Índia Company, chegou a representar a

sexta parte do total da renda obtida pela Índia Britânica. O ópio também era consumido na

Europa, nos opiários, que existiam nas principais cidades européias, onde o ópio era

livremente consumido pelas pessoas.

O imperador chinês Lin Tso-Siu decidiu, apreender e destruir, alegando estar agindo

em prol da saúde pública, um carregamento de 1360 toneladas de ópio, fato que teve como

conseqüência a primeira declaração de guerra da Inglaterra à China, que alegava estar

defendendo os interesses do livre comércio.

A rainha da Inglaterra considerou a atitude chinesa uma injustiça contra os seus

súditos e praticamente forçou o Parlamento Inglês a autorizar o envio de tropas para obter

reparações, culminando com a guerra vencida pela Inglaterra. Com a derrota, a China foi

obrigada a pagar indenização a Inglaterra, além de ceder Hong Kong para instalação de uma

base naval inglesa e entrepostos comerciais à coroa Inglesa, embora a maior vitória tenha sido

“a sobrevivência do Estado-Devedor e dos consumidores de ópio que haviam criado aquele

mercado aparentemente infinito” .

Dos declarados interesses políticos e econômicos dos ingleses, quando na segunda

guerra do ópio, iniciada em outubro de 1856, a Inglaterra contou com o apoio da França, que

até a primeira metade do século XX, também realizou seus lucros com a importação,

produção e venda de ópio da Indochina, onde tinha, desde 1889, o monopólio estatal daquelas

atividades.

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No século XIX, surgem dois novos produtos derivados da papoula: morfina e

heroína. O alemão Frederick Seturner, no ano de 1805, a partir do ópio bruto, conseguiu

isolar a “morfina” .

Por volta de meados do século XIX, com a invenção da seringa, iniciou-se o uso

injetável da morfina, que em função do seu poder anestésico em muito contribuiu para com a

medicina.

O uso intramuscular da morfina foi usado inicialmente pelos alemães, durante a

guerra entre França e Alemanha, nos anos de 1870-1871. A partir daí começava o uso abusivo

dessa droga.

A morfina é considerada a droga mais consumida entre os médicos, devido aos

mesmos terem fácil acesso a mesma. Em 1875 o alemão Alfred Dresser denominou o diacetil

da morfina de “ heroína” (no idioma alemão – heroisch, que significa forte, potente, cheio de

energia). A substância descoberta por Alfred Dresser passou a ser produzida em escala

comercial, por Adolf Von Bayer, tendo no ano de 1924 sido considerada ilegal, após provado

que provocava dependência física e psicológica.

Outra `fonte de prazer’ tornou-se indispensável nos salões europeus, desde o fim do

século XIX: a cocaína. Derivado químico da coca, folha comum encontrada na região Andina

(Bolívia, Colômbia e no Peru), muito utilizada pela população indígena e campesina na forma

mascada, a cocaína chegou aos EUA, onde era vendida pelo Laboratório Parke Davis.

Ainda nos Estados Unidos o ópio foi inserido por operários chineses, os chamados

coolies, que trabalhavam na rodovia transcontinental. No México a civilização Asteca

mascava o Cactus peyote (poderoso alucinógeno), enquanto nos Andes os Incas mascavam as

folhas de Coca (estimulante).

A hipocrisia das drogas vem de longa data, na medida em que até mesmo a Igreja

Católica, através dos jesuítas, defendeu o livre comércio sobre a cocaína. A Igreja chegou a

cobrar impostos, sendo a produção desta planta estimulada pelos espanhóis no período

colonialista.

Os espanhóis estimularam intensamente o consumo de coca. Era um negócio esplêndido. No século XVI, gastava-se tanto em Potosí, em roupa européia para os opressores como em coca para os índios oprimidos. Quatrocentos mercadores espanhóis viviam em Cuzco, do tráfico de coca, nas minas de Potosí, entravam anualmente cem mil cestos, com um milhão de quilos de folhas de coca. A Igreja cobrava impostos sobre a droga. O inca Garcilaso de la Veja nos diz, em seus “comentários reais” , que a maior parte da renda do bispo, dos cônegos e demais ministros da igreja de Cuzco provinha dos dízimos sobre a coca, e que o transporte e a venda deste produto enriqueciam a muitos espanhóis. (KARAM apud ZACCONE, 2007, p.77).

Page 34: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

34

Entrementes, é na década de 1940, no pós-guerra, que as drogas irrompem no mundo

como endemia. Fatores como a derrocada dos valores sociais estabelecidos, nascimento do

movimento hippie, o desenvolvimento da indústria farmacêutica, as contestações por parte

dos jovens e o surgimento de novas espécies de drogas são tidos como causadores da

disseminação do uso das drogas psicoativas. Instaurava-se, a partir daí, `o novo mal do século

XX.’

No Brasil a história das drogas tem sua fase embrionária na década de 1970. Países

da América do Sul como Bolívia, Colômbia e Peru já enfrentavam graves problemas

envolvendo o tráfico de drogas, porém o Governo Federal, acreditando que se tratava de um

problema localizado, não tomou qualquer iniciativa para traçar planos de combate ao tráfico

de drogas.

2.4 Histór ia da proibição das drogas

Muito utilizada através dos séculos, foi somente no início do século XX que as

drogas começaram a ser proibidas.

A Liga das Nações, que foi o embrião da atual Organização das Nações Unidas

(ONU), convocou uma reunião para a formação da Comissão de Xangai (1909), que trataria

da questão do ópio.

Tal Comissão referia-se especialmente ao ópio fumado, demonstrando desde o início

as incoerências referentes à proibição, haja vista que os alcalóides derivados do ópio, tais

como a heroína, a morfina e a codeína, ficaram de fora das resoluções restritivas em relação

às drogas. Demonstrando desde já o caráter sócio-econômico da política de proibição do uso e

comércio de algumas drogas.

Os Estados Unidos da América, que no início do século XX despontava como uma

das principais economias capitalistas e industriais, via com bons olhos à proibição do

comércio do ópio que afetaria um de seus principais concorrentes no continente asiático: a

Inglaterra.

Page 35: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

35

Com a intenção de frear o desenvolvimento inglês, os Estados Unidos da América

liderou, com a justificativa moralista de que lutava pelo resgate aos bons costumes, a

convocação da Convenção de Haia (1912) para ratificar a proibição ao comércio e uso do ópio

realizado na Comissão de Xangai.

O criminólogo Sheerer aponta o caráter econômico imediato apresentado pelos

estadunidenses, ao observar que sua iniciativa se limitava a um acordo internacional que se

destinaria a salvar o povo chinês do vício, o governo chinês da colonização e o mercado

chinês dos monopólios europeus, interrompendo as exportações anglo-indianas de ópio para a

China e seus vizinhos. “Não era intenção dos americanos ir além do ópio e, se possível, seus

derivados” , afirma Sheerer.

Muito prejudicados com a interferência causada pela proibição do comércio de ópio,

a Inglaterra condicionou a sua participação na Convenção de Haia à inclusão de outras drogas

na pauta do evento, tais como os derivados do ópio como heroína e a pela primeira vez a

cocaína, fazendo com que o ônus econômico da proibição das drogas recaísse também sobre

outras potências concorrentes no mercado mundial, como por exemplo, a Alemanha, Holanda

e França, que comercializavam a cocaína através da emergente indústria farmacêutica.

Apesar da resistência oferecida por alguns países que se opunham a proibição de

determinadas substâncias, a Convenção foi um sucesso pela ótica estadunidense e inglesa que

conseguiram que demais substâncias fossem também proibidas, dando início ao controle

internacional das drogas.

Foi também neste mesmo período que as palavras narcótico e entorpecente passaram

a designar todo o tipo de substâncias psicoativas, apesar de a cocaína ser um estimulante; a

maconha ser considerada um alucinógeno, sendo somente o ópio e seus derivados substâncias

entorpecentes, mas que devido a suas popularidades e por se tornarem substâncias ilícitas

passaram a identificar as demais substâncias por essa definição equivocada e funcional em sua

imprecisão.

Durante a primeira metade do século XX, ou mais precisamente até a Segunda

Guerra Mundial, a proibição ao comércio e uso de algumas substâncias que foram

consideradas ilícitas na Convenção de Haia não obteve sucesso.

A Alemanha, principal país prejudicado com a inclusão da cocaína entre as drogas

proibidas, com a intenção de postergar o acordo firmado em Haia, insistiu que o acordo

deveria ser ratificado também por outros países da Europa e da América, sendo que graças ao

conflito da Primeira Guerra Mundial a validação do tratado foi atrasada por dez anos, sendo

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36

que somente em 1921 passa a vigorar a Comissão Consultiva do Ópio (e demais substâncias

nocivas).

A variedade de interesses fez com que cada país interpretasse e cumprisse as

resoluções proibitivas de acordo com suas realidades e conveniências econômicas e políticas.

Mas, somente nos Estados Unidos da América é que a proibição a algumas drogas se tornou,

por diferentes razões, uma prioridade política, que tem como um de seus principais

ingredientes o conservadorismo, a moralidade e os bons costumes.

Para se entender o atual contexto do combate e proibição às drogas ilícitas, faz-se

necessário o entendimento da proibição das drogas nos Estados Unidos da América, onde

alguns pontos do atual estágio da política internacional de repressão estão difusos, como por

exemplo, o estereótipo moral, cujas conseqüências se revelam não só no distanciamento cada

vez maior entre drogas permitidas e proibidas, mas, sobretudo, entre os que consomem umas e

outras; bem como a criação do estereótipo médico, onde em 1914 pela primeira surge a

distinção entre usuários e traficantes, com a aprovação nos Estados Unidos da América do

Harrison Narcotic Act.

O governo estadunidense utilizou, de forma estratégica, a assinatura do Convênio de Haia para pressionar o Congresso Nacional a adaptar as leis nacionais, consideradas pelo Poder Executivo ainda frágeis e restritas. A tática era simples: nós, os Estados Unidos da América, ao nos comprometermos internacionalmente, iniciando novas normas sobre o controle de drogas, temos o dever de adequar nossas leis internas, tornando-as mais rígidas. Bem-sucedida, a manobra auxiliou na aprovação, em 1914, do Harrison Narcotic Act, lei mais complexa e severa que os acordos internacionais já assinados e que investia na proibição explícita de qualquer uso de psicoativos considerados sem finalidades médicas. Da Lei Harrison deve se mencionar uma importante novidade: o texto criava as figuras do traficante e do viciado, respectivamente aquele que produz e comercializa drogas psicoativas irregularmente e aquele que consome sem permissão médica. O traficante deveria ser preso e encarcerado; o usuário, considerado doente, deveria ser tratado, mesmo que compulsoriamente. (RODRIGUES apud ZACCONE, 2007, p. 82).

Com esta nova medida, agora, os médicos eram proibidos de receitar determinadas

substâncias psicoativas, em contrapartida adquiriam o monopólio para lidar legalmente com

estas substâncias.

Contudo, apesar da nova lei entrar em vigor, o consumo não se restringiu somente ao

uso médico e seletivo, persistindo também uso recreativo e hedonista e também a

automedicação, inaugurando legalmente o mercado ilícito das drogas, fato que prenunciou a

economia do narcotráfico.

Nos Estados Unidos da América, influenciado por diversas campanhas que

estigmatizavam, desvalorizavam e associavam determinados comportamentos ao uso de

determinadas substâncias que agora eram consideradas ilícitas, foi realizada uma verdadeira

Page 37: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

37

cruzada em prol dos “bons costumes”, ato que longe de se discutir os verdadeiros propósitos

medicinais e sociais associados ao uso destas substâncias se revestiu muito mais da máscara

ideológica e moral em relação ao uso das mesmas, fato que serviu para simplificar e ajudar o

etiquetamento de certos movimentos políticos internos à sociedade estadunidense,

selecionando, associando e estereotipando classes consideradas perigosas a elite branca e

protestante dos Estados Unidos, com o consumo de determinadas drogas.

Os chineses, vindos em larga escala para trabalhar na construção das estradas de ferro no oeste dos Estados Unidos, trouxeram o hábito de fumar ópio e a esse psicoativo foram ferrenhamente associados. A maconha era considerada, em princípios do século XX, droga de mexicanos, grupo visto pelos brancos estadunidenses como in dolentes, preguiçosos e, por vezes, agressivos. Aos negros, parcela da população lançada em miseráveis condições de vida, atribuía-se o uso de cocaína, prática que supostamente os tornava sexualmente agressivos. Por fim, o álcool era percebido como uma droga que era abusada pela comunidade de imigrantes irlandeses. Nos quatro casos, a mesma lógica: minorias e imigrantes portavam comportamentos moralmente reprováveis que ameaçavam valores profundos nos Estados Unidos da América. Segundo Passetti (1991), Escohotado (1998) e McAllister (2000), essas comunidades eram tidas pelo cidadão norte-americano, branco, de origem anglo-saxônica como entidades exógenas, estranhas e de hábitos perigosos, que traziam venenos e disputavam empregos com aqueles estabelecidos na América há várias gerações. (RODRIGUES apud ZACCONE, 2007, p.83).

Tal estigmatização não serviu somente aos Estados Unidos da América. No Brasil,

mais especificamente no caso da cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha,

usar a erva era tido como “coisa de negro” , pois era fumada nos terreiros de candomblé, por

escravos e agricultores depois do trabalho no interior do país. Como se vê, o uso da maconha

era associado quase que exclusivamente a pessoas pobres, simples e humildes.

Na Europa as drogas eram associadas aos imigrantes árabes, indianos e intelectuais

boêmios, estes últimos com suas idéias, ideais e estilo de vida desregrado e contestador

incomodavam cada vez mais os governos estabelecidos.

Um dos principais fatos que realmente deixou preocupado o governo dos Estados

Unidos da América foi à entrada, através de suas fronteiras, entre 1915 e 1930, de cerca de

meio milhão de mexicanos que vinham em busca de trabalho em solo estadunidense. Muitos

traziam consigo o hábito de fumar maconha, e muitos não encontraram emprego e devido a

isto passavam os dias relegados ao ócio. Este fato muito contribuiu para a associação do uso

da substância com a `vagabundagem’ e a mendicância. O próprio nome como a substância é

popularmente conhecida nos Estados Unidos, (marijuana), foi introduzido com a intenção de

que a palavra soasse bem hispânica, permitindo, deste modo, a associação direta entre a droga

e os mexicanos.

Page 38: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

38

Em resumo, em boa parte do Ocidente, fumar maconha era relegado a classes

marginalizadas e visto com antipatia pela classe média branca.

Presentes desde o início das políticas de proibição no território estadunidense, os

estereótipos morais e médicos, apresentavam um alvo muito bem escolhido e seleto, que

associava o consumo de substâncias perigosas às classes tidas como perigosas pela elite

branca. Colocando desta maneira, sob suspeita toda uma fatia da população que, por seus

hábitos e sua pobreza, já tem por costume ser vigiada e controlada pelos aparatos repressivos

do Estado.

Em conformidade com o exposto acima, a associação de negros, hispânicos, chineses

e irlandeses, percebidos como `potencialmente perigosos’ aos modos e costumes da

população anglo-saxônica, com as drogas que passaram a se tornar proibida criava a

possibilidade de controle destas populações, sob a justificativa de combate ao tráfico destas

substâncias.

Todo este processo bem articulado de criação de estereótipos criminais, controle

punitivo das classes perigosas e repressão ao tráfico de drogas ainda se encontra presente no

modelo atual. Guardadas as devidas proporções e especificidades históricas, os agricultores de

coca nos países andinos, os produtores de maconha no Nordeste brasileiro e os favelados do

Rio de Janeiro, passaram a ser alvos dessa política específica de controle.

Percebe-se então que o argumento médico e fito sanitário é escaramuçado pelo

verdadeiro propósito da proibição a estas substâncias, que é o controle político, militar e

social de determinadas minorias.

Como assinala o cientista político Thiago Rodrigues, pesquisador do Núcleo de

Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos, “A proibição das drogas serve aos governos

porque é uma forma de controle social das minorias” .

A funcionalidade desta questão reside no fato de que se segue uma lógica implícita,

mas muito eficaz no seu propósito, como por exemplo, maconha é coisa de mexicano,

mexicanos são uma classe incômoda; “Como não é possível proibir alguém de ser mexicano,

proíbe-se algo que seja típico desta etnia” , diz Thiago. Assim, é possível manter sob controle

todos os mexicanos, ameaçando-os sempre de exclusão de sua liberdade, ou seja, a cadeia.

Da mesma forma funciona o mecanismo discriminatório no Brasil, como não se pode

proibir alguém de ser negro, pobre ou morador de favelas, associasse a estes algo comum ao

seu cotidiano, como por exemplo, o tráfico de drogas, agindo desta maneira por similaridade e

simplificação, ou seja, todo negro, pobre e morador de favelas é tido como traficante.

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39

Pode-se entender desta maneira o porquê da política de proibição de determinados

tipos de drogas terem sido tão eficaz e conveniente aos governos e as classes dominantes pré-

estabelecidas. Os governos acharam uma forma de enquadrar e manter sob controle seus

potenciais desafetos.

O controle sob a população dita como `perigosa’ pelo governo dos Estados Unidos

da América, teve um novo capítulo e impulsão com a criação e aprovação da lei seca, nos idos

de 1919.

A proposta, que teve muito apoio de grupos religiosos e protestantes que desde o

século XIX, mais precisamente após o fim da guerra civil estadunidense (1861-1865)

clamavam por ações do governo para coibir a produção, o comércio e o uso de substâncias

psicoativas, incluindo o álcool, foi aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos da América

através da 18° emenda à Constituição. Esta instituiu a proibição total da produção, circulação,

estocagem, importação, exportação e venda de bebidas alcoólicas em todo o território

estadunidense.

Criava-se aí, a primeira grande rede de traficantes e organizações dedicadas ao

suprimento do mercado ilícito formado em conseqüência da Lei Seca. Podem-se criar leis que

impeçam a circulação de determinados produtos, mas não se pode coibir o desejo de consumir

estes mesmos produtos.

Assim, como ocorre nos dias atuais, a proibição não diminuiu o consumo e, até ser

revogada em 1933, a Lei Seca foi responsável pelo fortalecimento do crime organizado nos

Estados Unidos da América, o crescimento das máfias, a deteriorização de cidades e Estados e

infiltramento de criminosos nos aparatos governamentais, como ocorreram, por exemplo, com

as cidades Chicago e Nova Iorque que tiveram suas taxas de criminalidade e violência

aumentada durante este período, além de eternizar personagens como o mafioso Al Capone e,

expor a população estadunidense ao consumo de bebidas muito mais nocivas à saúde,

trazendo o caos à saúde pública.

De acordo com o historiador inglês Richard Davenport –Hines, especialista na

história dos narcóticos: “ A proibição do álcool foi o estopim para o boom da maconha”, “Na

medida em que ficou mais difícil obter bebidas alcoólicas e elas ficaram mais caras e piores,

pequenos cafés que vendiam maconha começaram a proliferar” , escreveu.

I ludiu-se quem pensou que o recuo da proibição do álcool nos Estados Unidos da

América, ocorrida em 1933, significou uma reavaliação global das políticas de proibição de

determinadas drogas. Pelo contrário a lista de substâncias psicoativas proibidas foram

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ampliadas em relação à lista anterior e, na década de 30 chegava à vez da maconha tornar-se

proibida.

Foi nesta mesma época que surgiu o primeiro grande defensor da proibição do

consumo da maconha nos Estados Unidos da América, seu nome era Harry Anslinger e,

devido a sua política agressiva e descabida contra o seu uso ficou conhecido como o “Senhor

das Drogas” . Nos Estados Unidos, até meados da década de 30, a maconha não era

considerada droga, era muito pouco utilizada para fins medicinais e apenas imigrantes

mexicanos apareciam como usuários de recreação.

Anslinger era chefe da Divisão de Controle Estrangeiro do Comitê de Proibição na

época da Lei Seca e foi nessa época que ele percebeu o clima de antipatia que tomava conta

dos Estados Unidos. Clima esse que só piorou com a quebra da Bolsa de Valores ocorrida em

1929, que afundou o país em uma recessão.

A grande depressão estadunidense parece ter sido o impulso econômico para a

criminalização da maconha, que era usada naquela época de forma muito restrita pela

população dos Estados Unidos, mas que tinha grande aceitação e consumo junto aos

mexicanos que, a partir da quebra da bolsa de valores norte-americana, e a conseqüente

recessão, passou a ser mão-de-obra competitiva, `não desejada’ em razão da crise econômica.

No Sul dos Estados Unidos, surgiam boatos de que a maconha induzia ao sexo

promíscuo (muitos mexicanos talvez tivessem mais parceiros sexuais que um norte americano

branco-puritano médio, mas isso não apresenta nenhuma correlação lógica como efeito

colateral ao uso da maconha) e ao crime (com a crise, a criminalidade aumentou entre os

mexicanos pobres, mas utilizaram a maconha como bode expiatório para justificar o

desemprego e a conseqüente falta de dinheiro).

Baseados nesses boatos, vários Estados começaram a proibir a utilização da maconha

e Anslinger agarrando-se firmemente a plataforma proibicionista, batalhou para divulgar os

mitos antimaconha e, em 1930, quando o governo, preocupado com a cocaína e o ópio, criou

o FBN (Federal Bureau of Narcotics, um escritório nos moldes do FBI para lidar com

substâncias psicoativas) Anslinger passou a chefiá-lo e só entregou o poder depois de trinta e

dois anos à frente do FBN no governo de John Kennedy.

Anslinger, utilizando-se de sua enorme influência junto ao Congresso dos Estados

Unidos, conseguiu que em 1937, fosse promulgado por Frankilin Delano Roosevelt o

Marijuana Tax Act (Lei Tributária sobre a Maconha) que proibia o cultivo e comercialização

de cannabis sativa em solo estadunidense.

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Também atuando internacionalmente Anslinger criou uma rede de espiões e passou a

freqüentar a Liga das Nações, antecessora da ONU, propondo tratados cada vez mais duros

para reprimir o tráfico internacional e, em 1936, a Conferência de Genebra marca o panorama

da proibição internacional com a imposição do modelo estadunidense, que obrigava os países

signatários a criarem departamentos próprios de repressão ao tráfico de drogas ilícitas , nos

moldes daqueles criados nos Estados Unidos da América, tais como o Food and Drug

Administration (FDA) e o já mencionado Federal Bureau of Narcotics (FBN).

2.4.1 Da segunda metade do século XX aos dias atuais

Durante a década de 50 foram editadas duas novas leis para combater o comércio de

heroína. A droga, produzida a partir do ópio, tornou-se mais acessível e seu consumo cresceu

entre a população dos Estados Unidos, principalmente entre a parcela marginalizada, como

pobres e negros que viviam em grandes centros urbanos, dentre os principais Nova Iorque e

Chigaco, como assinala Rodrigues:

O aumento do uso de heroína entre negros foi o estopim para uma nova e difusa associação entre depravação moral e degradação física. O fervilhante mundo do jazz e os guetos passaram a ser vistos na América branca como antros de cultivo ao vício. O clima de histeria anti-heroína foi importante para alavancar a aprovação de duas leis, o Bogg Act, de 1951, e o Narcotics Control Act ( Lei de Controle dos Narcóticos), de 1956, que condensavam as leis antidrogas aprovadas desde a Lei Harrison de 1914 e instituíam medidas severas como, por exemplo, previsão de cinco anos para traficantes primários (sem antecedentes criminais) e pena de morte para traficantes maiores de idade que vendessem drogas ilícitas a menores de dezoito anos. (RODRIGUES apud ZACCONE, 2007, p. 38)

Foi somente na década de 1960, devido a uma série de acontecimentos sociais e

políticos, que ocorreram grandes transformações na política internacional de combate ao

tráfico de drogas. Pela primeira vez na história é estabelecido o modelo médico-sanitário,

considerando o uso das drogas psicoativas como sinônimo de dependência, diferenciando-se

bem o traficante do mero usuário.

Como destaca Rosa Del Olmo:

Era o início da década da rebeldia juvenil, da chamada `contracultura’ , das buscas místicas, dos movimentos de protesto político, das rebeliões dos negros, dos pacifistas, da Revolução Cubana e dos movimentos guerrilheiros na América

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Latina, da Aliança para o Progresso e da Guerra do Vietnã. Estava-se transformando o `American Way of Life dos anos anteriores; mas sobretudo era o momento do estouro da droga e também da indústria farmacêutica nos países desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos. Surgiam as drogas psicodélicas como o LSD com todas as suas implicações, e em meados da década aumenta violentamente o consumo de maconha, já não só entre os trabalhadores mexicanos, mas também entre os jovens de classe média e alta. (DEL OLMOapud ZACCONE, 2007, p.86).

2.4.1.1 A droga chega à classe média

Como conseqüência das grandes transformações culturais por qual passava o `mundo

ocidental’ que orientaria as discussões sobre as políticas antidrogas foi realizada a Convenção

Única sobre Estupefacientes, em 1961, que resulta num protocolo assinado em 1972.

Novos personagens, que até então eram preservados pelos governos, haviam se

inserido no cenário das drogas proibidas. O consumo já não era mais próprio dos guetos

urbanos e nem dos negros, pobres, mexicanos, latinos ou delinqüentes, mas também passara a

fazer parte do cotidiano dos jovens brancos da classe média estadunidense.

Segundo Rosa Del Olmo esse protocolo construído a partir do modelo médico-

sanitário-jurídico, tem como principal característica distinguir o vendedor, definindo-o como

traficante; do consumidor, definindo-o como doente.

O problema da droga se apresentava como uma `luta entre o bem e o mal’ , continuando o estereótipo moral, com o qual a droga adquire perfis de `demônio’ ; mas sua tipologia se tornaria mais difusa e aterradora, criando-se o pânico devido aos `vampiros’ que estavam atacando tantos `filhos de boa família’. Os culpados tinham de estar fora do consenso e ser considerados `corruptores’ , daí o fato do discurso jurídico enfatizar na época o estereótipo criminoso, para determinar as responsabilidades; sobretudo o escalão terminal, o pequeno distribuidor, seria visto como o incitador ao consumo, o chamado pusher ou revendedor de rua. Este indivíduo geralmente provinha dos guetos, razão pela qual era fácil qualificá-lo como `delinqüente’ . O consumidor, em troca, como era de condição social distinta, seria qualificado de `doente’ graças à difusão do estereótipo da dependência, de acordo com o discurso médico que apresentava o já bem consolidado modelo médico-sanitário. (DEL OLMO apud ZACCONE, 2007, p.87).

A partir de então, o discurso jurídico passa a sofrer influências diretas de um discurso

médico e, conforme observação da criminóloga venezuelana, desse encontro se difundiu o

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estereótipo da dependência para o consumidor, com o qual se inicia a experiência de

diferentes tratamentos ao longo da década.

Em consonância com o supracitado, em fevereiro de 1966 os estadunidenses

aprovam o Narcotic Addict Rehabilitation Act. Ato que consagra ao consumidor ou usuário,

no curso do processo penal, optar por uma espécie de `proteção’ ao escolher entre um

tratamento médico ou a prisão. Na realidade, o fato é que tal medida apenas confirma a

política da “ ideologia da diferenciação” estabelecida nos anos 60, que propõe ao consumidor,

um médico, um psicólogo e um assistente social, é claro se este consumidor for branco e da

classe média; e para o traficante, que quase sempre é das classes mais desfavoridas, um

carcereiro.

Com base neste modelo médico-jurídico, que se baseia na distinção entre

consumidores e traficantes é que se delineia o modelo jurídico-político que se estabelece na

década de 70.

Este modelo culmina com a declaração de guerra às drogas e a explosão dos

movimentos de lei e ordem nas décadas seguintes. Onde o traficante é visto como o inimigo a

ser batido, enquanto ao usuário são fornecidas alternativas descriminalizantes, que vão da

multa ao tratamento médico compulsório.

Tem-se aí, um novo capítulo na história de proibição das drogas psicoativas, onde a

partir daí, o consumo destas substâncias passa então a ser tratado como questão de segurança

nacional, enquanto o discurso médico-jurídico pela primeira vez tem mais relevância que o

discurso moral, uma vez que já não se podia aceitar que tantos jovens estadunidenses fossem

desprovidos de virtudes.

Como esclarece Rosa Del Olmo, a massificação das drogas só poderia ser encarada

como uma doença contagiosa pelo governo dos Estados Unidos da América e, como tal

deveria ter o mesmo tratamento dado a uma epidemia:

O consumo de drogas não poderia ser visto como uma simples `subcultura’, a droga e seus protagonistas haviam mudado. Tinha de ser visto como um vírus `contagioso’ . A maconha coletivizava o consumo ao ser usada em ato público, compartilhado e comunitário. Deve se lembrar, por exemplo, dos hippies e do consumo maciço de maconha nos festivais de música ao ar livre como o famoso Festival de Woodstock. Era a arma por excelência que os jovens haviam encontrado para responder ao desafio da ordem vigente nos países desenvolvidos. Não era estranho então que se começasse a falar da droga em matéria de segurança, como o inimigo interno. (DEL OLMO apud ZACCONE, 2007, p.89).

A América Latina, e principalmente os países da América do Sul, como por exemplo,

Brasil, Colômbia e Venezuela, embora tenham realidades econômicas e sociais muito distintas

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das encontradas nos Estados Unidos, passam também a incorporar o modelo médico-jurídico

estadunidense.

Sendo que em 10 de fevereiro de 1967 é editado no Brasil o Decreto-lei 159, decreto

este que menciona expressamente às `substâncias que produzam dependência’ . Sendo o Brasil

o segundo país no mundo, logo após dos Estados Unidos, a considerar tão nocivo o uso de

entorpecentes como o de anfetamínicos e alucinógenos. Segue abaixo na íntegra o decreto:

Decreto-Lei nº. 159, de 10 de Fevereiro de 1967. Dispõe sobre as substâncias capazes de determinar dependência física ou psíquica, e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 9º § 2º, do Ato Institucional nº. 4, de 7 de dezembro de 1966, DECRETA: Art. 1º Às substâncias capazes de determinar dependências física ou psíquica, embora não consideradas entorpecentes, aplica-se o disposto nos arts. 1º, § 2º, 15 16, 17, 18, 19, 21, 23, 27, 29, 47, 50, 53, 56, 58, 62 caput, 63 e 64 do Decreto-lei nº. 891, de 25 de novembro de 1938, e, no que couber, o disposto nos arts. 280 e 281 do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº. 4.451, de 4 de novembro de 1964. Parágrafo único. As substâncias de que trata êste artigo serão relacionadas em Portaria do Diretor Nacional do Serviço de Fiscalização da Medicina e Farmácia do Departamento Nacional de Saúde, publicada no Diário Oficial. Art. 2º A venda ao público das substâncias referidas no artigo anterior só será permitida às farmácias e mediante receita médica, observadas as instruções do Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia. Art. 3º A distribuição de amostras de produtos que contenham qualquer das substâncias especificadas nas relações de que trata o art. 1º, parágrafo único, dêste decreto-lei, fica sujeita à autorização especial do Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia. Art. 4º Ao Diretor do Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia competem as atribuições que o Decreto-lei nº. 891, de 25 de novembro de 1938, confere ao Diretor-Geral do Departamento Nacional de Saúde, cabendo lhe, também, expedir instruções para a execução dêste decreto-lei. Art. 5º Êste decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação revogadas as disposições em contrário. Brasília, 10 de fevereiro de 1967; 146º da Independência e 79º da República. H. CASTELLO BRANCO Raymundo de Britto Publicação: Diário Oficial da União - Seção 1 - 13/02/1967, Página 1727 (Publicação) Coleção de Leis do Brasil - 1967, Página 182 (Publicação).

Contudo, continuava em vigor o disposto no art.281 do Código Penal Brasileiro, com

a seguinte redação, que não distinguia às condutas do traficante e do usuário:

Page 45: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

45

Art. 281 Importar ou exportar, vender ou expor à venda, fornecer, ainda que a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em depósito, guardar, ministrar ou de qualquer maneira entregar ao consumo substância entorpecente.

Com a decretação do Ato Institucional n°5, o famoso AI-5, pela ditadura militar

brasileira é que ocorre modificação substancial na política de repressão as drogas psicoativas

nacional, conforme orientação do advogado e criminalista Salo de Carvalho:

“ ...vigorova, até então, a interpretação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, cujo entendimento era de que o art. 281 do Código Penal Brasileiro não abrangia os consumidores, pois em seu parágrafo 3° previa a punição do induzidor ou instigador. A interpretação era de que, sancionando o induzidor ou o instigador, estaria excluído o usuário, visto que bastaria a regra geral do art.25 do Código penal Brasileiro de 1949 para a configuração de co-autoria”. (DE CARVALHO, 1997, p.24).

Tal processo que diferenciava o tratamento dado ao traficante e ao usuário ou

dependente dificilmente poderia dar certo nos países da América do Sul e do Caribe, devido à

necessidade de investimentos e recursos nas diversas áreas governamentais como saúde

pública, aparelhamento jurídico e segurança pública; áreas deficientes na maioria destes

países.

A conseqüência imediata deste duplo discurso, importado sem as adaptações à

realidade socioeconômica e cultural dos países da América do Sul e Caribe, foi o de gerar

estereótipos bem definidos:

“ ...tudo dependia na América Latina de quem a consumia. Se eram os habitantes de favelas seguramente haviam cometido um delito, porque a maconha os tornava apáticos. Daí que aos habitantes das favelas fosse aplicado o estereótipo criminoso e fossem condenados a severas penas de prisão por traficância, apesar de só levarem consigo um par de cigarros; em troca, os `meninos de bem’ , que cultivavam a planta em sua própria casa, como aconteceu em inúmeras ocasiões, eram mandados para alguma clínica particular para em seguida serem enviados aos Estados Unidos porque eram `doentes’ e seriam sujeitos à tratamento, de acordo com o discurso médico tão em moda” . (DEL OLMO apud ZACCONE, 2007, p.90).

Assim, empurrado por uma política de combate às drogas, cuja descriminalização

do usuário pela via jurisprudencial criava preocupações no âmbito da repressão, foi editado o

Decreto-lei 385/68 que alterava a redação do Código Penal Brasileiro, estabelecendo a mesma

sanção para traficante e usuário, com a seguinte redação para o parágrafo único do art. 281:

“Nas mesmas penas incorre quem ilegalmente: III-traz consigo, para uso próprio,

substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica” .

Page 46: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

46

Mas foi somente com a lei 5.726/71 que o Brasil entrou definitivamente no jogo

repressivo, de acordo com a política internacional no que diz respeito a legislação anti-drogas

até então vigente a época.

Com relação ao discurso médico-jurídico, a nova legislação deixou de considerar o

dependente como criminoso, mas não diferenciou o experimentador ou usuário eventual do

traficante, sendo considerada apenas uma passagem entre o modelo repressivo anterior e a

nova legislação.

Esta legislação ainda preserva o discurso médico-jurídico encontrado na década anterior e sua notória conseqüência de definir usuário habitual como dependente – estereótipo da dependência – e traficante como delinqüente – estereótipo criminoso. Apesar de trabalhar com esta falsa realidade, distorcida e extremamente maniqueísta ao dividir a sociedade entre os `bons’ e os `maus’ , a lei 5.726 representa real avanço em relação ao Decreto pretérito e inicia o processo de substituição do modelo repressivo, que atingirá seu ápice na lei 6.368/76. (DEL OLMO apud ZACCONE, 2007, p. 92).

A atual legislação de drogas adotada no Brasil em 08/10/2006, lei 11.343, reforça o

discurso médico-jurídico para diferenciar o usuário e o traficante ao determinar “a

observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido, atenção e

reinserção social de usuários e dependentes de drogas e repressão à sua produção não

autorizada e a seu tráfico ilícito, visando a garantir a estabilidade e o bem-estar social” (art.

4°, IX).

Em suma, para os usuários prevenção, para os traficantes mais repressão. Aplica-se

assim aos usuários um modelo de política criminal de descriminalização, ao passo que as

condutas identificadas como tráfico de drogas, dentro da estrutura seletiva, aplicam-se os

programas punitivos.

2.4.2 A proibição das drogas psicoativas como uma estratégia

geopolítica

Nas décadas de 40 e 50, em linhas gerais, o consumo de drogas ilícitas não causava

grande inquietação popular, não havendo choque entre a postura dos Estados Unidos e os

Page 47: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

47

demais países da Europa. Contudo a fúria proibicionista estadunidense estava voltada para

países produtores e fornecedores de matéria-prima como Turquia e Irã.

Inicia-se então a geopolítica das drogas proibidas, que se aprofundou no decorrer das

décadas seguintes e nos perseguem até os dias atuais.

Tal sistema funciona da seguinte maneira: os países industrializados de ponta exigem

maior rigidez no controle de opiáceos, maconha, cocaína, produzidos pelos países

subdesenvolvidos; enquanto as substâncias sintéticas, produzidas nas indústrias farmacêuticas

e laboratórios de pesquisa dos Estados Unidos da América e da Europa, barbitúricos e

anfetaminas, ou seja, produzidas por países desenvolvidos sofrem pouca ou nenhuma

regulamentação.

Como assinala a professora Rosa Del Olmo ao caracterizar a diferenciação

geopolítica:

Algunas de las divergencias más notórias son las siguientes: em primer lugar, según el tipo de droga. Aunque em la actualidad existen 174 substancias psicoactivas sometidas a fiscalización internacional, de las cuales 167 son específicos sintéticos o derivados producidos por la industria farmacêutica, los esfuerzos represivos están dirigidos fundamentalmente hacia lãs siete substancias restantes que provienen de tres plantas: la coca; la amapola y el cannabis. Pero a su vez, incluso estas tres últimas reciben em la práctica um trato diferencial, pudiendo observar-se como la retórica, así como las políticas de control, se concentran em la coca y sus derivados” . (DEL OMO apud ZACCONE, 2007. p. 85).

Desta forma, fica claro, que o impulso proibicionista dirige-se para os psicoativos

tradicionais, produzidos por economias subdesenvolvidas, e não para novas drogas sintéticas

devidamente patenteadas produzidas pelas economias desenvolvidas e que ocupariam o

espaço deixado pelas substâncias proibidas.

Os anos setenta também indicaram uma alteração substancial no enfoque dado às

políticas repressivas contra as drogas psicoativas. Com o advento da guerra do Vietnã veio à

tona o alto consumo de heroína por militares e ex-combatentes estadunidenses, tal fato serviu

para trazer a tona o “discurso político” sobre as substâncias entorpecentes.

Segundo Rosa Del Omo, a explosão do consumo de heroína serviu para substituir o

foco do “ inimigo interno” para o “ inimigo externo” , referindo-se particularmente ao tráfico.

Através deste novo discurso o consumo de drogas no “Mundo Livre” é associado a um país

“ inimigo” , discurso este que se difundiria também em outros países naquela época.

O discurso político de repressão às drogas psicoativas fez com que não só os Estados

Unidos, bem como os demais países do continente, passassem a tratar a questão das drogas

como um problema de segurança nacional.

Page 48: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

48

Na visão de Rosa Del Olmo, o novo discurso é condicionado por um fator

geopolítico específico daquele momento que foi a guerra contra a subversão comunista, que

“ameaçava” a democracia capitalista e ocidental tão propagada pelo governo estadunidense.

Com a intenção de estabelecer uma vinculação entre ambas as guerras e a conexão entre os

dois “ inimigos principais” (comunistas e traficantes), se difundiu os termos “narcoguerrilha” ,

“narcoterrorismo” e “narcosubversão” .

Aproveitando-se então da situação, em 1972, em pronunciamento, o presidente norte-

americano Richard Nixon identifica os psicoativos ilícitos como o inimigo n°1 da América e,

em conseqüência declara guerras a estas substâncias.

Essa guerra, longe de ser apenas uma metáfora, significava a intenção de aprofundar as medidas repressivas por meio de crescimento das ações policiais de busca e apreensão de drogas ilegais e do combate a grupos clandestinos e redes de tráfico. Aceita-se oficialmente a existência de países produtores de drogas ilícitas e países consumidores, atitude que cumpria o papel de exteriorizar o problema do tráfico de drogas, colocando Estados e regiões do então Terceiro Mundo como agressores e os Estados Unidos na posição de vítima: criminosos asiáticos e latino-americanos levariam heroína, cocaína, maconha e LSD para corromper a juventude americana. (RODRIGUES apud ZACCONE, 2007, p. 93)

Desde então, os Estados Unidos da América oficialmente se auto proclamaram o

papel de “polícia do mundo”.

A partir daí, é deflagrado nos Estados Unidos uma importante reforma nas

organizações repressivas, sendo criado em 1974, o Drug Enforcement Administration, o

famoso (DEA). Este órgão, ligado ao Departamento de Justiça, funcionaria como órgão

centralizador de toda a política de proibição, no território estadunidense e também em

território internacional, se desenvolvendo a partir de meados da década de setenta até os dias

atuais.

Em 1976, uma nova droga passa a preocupar os órgãos repressores de combate às

substâncias ilícitas nos Estados Unidos, e essa nova droga atende pelo nome de cocaína.

Vinda principalmente dos países da América do Sul, principalmente Peru, Colômbia e Bolívia

e entrando em solo estadunidense pela fronteira mexicana, a cocaína é observada como a

droga em ascensão em relação ao consumo dentro dos Estados Unidos, desbancando a heroína

do posto de droga número um consumida pelos norte-americanos.

A indústria da cocaína se instalara nos países andinos, adquirindo características

próprias e criando para todo o continente um novo alarde, aos moldes dos que ocorreram com

a maconha (anos 30) e heroína (anos 50).

Page 49: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

49

Criava-se o estereótipo da cocaína, que apresentava novos “ inimigos externos” para a

guerra estadunidense.

En la década de los ochenta, la atención central estuvo dirigida hacia la cocaína, industria que había comenzado a florecer a mediados de los setenta, y muy pronto sería considerada como um peligro econômico y uma amenaza a la estabiidad política y social. Al ser América Latina, y concretamente los países andinos, la única región productora de cocaína em la actualidad, muy pronto éstos se convertieron em el principal campo de batalla. (DEL OLMO apud ZACCONE, 2007, p.93).

Em paralelo à ascensão do narcotráfico, o socialismo e as ditaduras militares na

América Central e na América do Sul que eram apoiadas pelos Estados Unidos davam sinais

da fraqueza no final da década de oitenta. Com o “mundo comunista” desabando a ideologia

de Segurança Nacional imposta pela Guerra Fria já não serviria mais como argumento para as

constantes intervenções estadunidenses no plano internacional.

Eis que, para ocupar o vácuo deixado pela “ameaça comunista” o governo

estadunidense põe em cena um novo inimigo que seria o narcotráfico:

O ponto de transição em que as duas ameaças (comunismo e narcotráfico) convivem, pode ser demarcado em meados da década de 1980, mais precisamente 1985, quando o então embaixador dos Estados Unidos na Colômbia, LewisTambs, afirma haver nesse país uma associação direta entre guerrilhas marxistas, em luta pelo poder no país desde os anos 1960, e as organizações narcotraficantes. No pronunciamento, Tambs, classificou tal associação como narcoterror.A posição do diplomata foi reforçada com a edição de um documento (a National Secury Decision Directive – NSDD 221) pelo presidente Ronald Reagan, já em 1986, que registrava oficialmente que, para o governo, comunismo e narcotráfico agiam em conjunto para minar a democracia e a saúde das populações. (RODRIGUES apud ZACCONE, 2007, p.95).

Tal posicionamento coloca em prática políticas de militarização ao tráfico de drogas

psicoativas, que se destinam agora ao narcotráfico e as guerrilhas que segundo o governo

estadunidense agem em associação ou conexão.

Com este discurso, encontra-se novamente um bom argumento junto à opinião

pública norte-americana para se fundamentar as intervenções militares nos países sul-

americanos, principalmente nos países andinos, onde a ocupação da Amazônia, através da

“guerra” declarada contra as organizações narcotraficantes colombianas torna-se justificada

(Plano Colômbia).

Page 50: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

50

2.5 A proibição das drogas psicoativas segundo a impor tância

econômica ou política de cada país.

A Casa Branca divulga anualmente o Relatório Sobre Estratégia Internacional de

Controle de Narcóticos. Seu funcionamento é basicamente o seguinte: os governos nacionais

do mundo todo são avaliados de acordo com o grau de combate ao narcotráfico apresentado

no ano em questão, e é claro, quem avalia é o próprio governo dos Estados Unidos. É como se

os Estados Unidos fossem uma organização com poderes de polícia sobre os demais países do

mundo.

De acordo com este Relatório, todos os países “reprovados” perdem direito a todo

tipo de colaboração com os Estados Unidos, que retaliam com proibição de exportações e

importações, empréstimos de organismos financeiros internacionais e penas suplementares.

No relatório apresentado no ano de 2000, vinte e seis países foram apontados como

os principais produtores e entrepostos das drogas que chega aos Estados Unidos.

Destes vinte e seis países foram certificados (aprovados): Bahamas, Bolívia, Brasil,

China, Colômbia, Equador, Guatemala, Hong Kong, Índia, Jamaica, Laos, México, Paquistão,

Panamá, Peru, República Dominicana, Taiwan, Tailândia , Venezuela e Vietnã.

Foram reprovados somente Afeganistão e Myanmar, que segundo o relatório são

fornecedores de 90% da heroína que ingressa nos Estados Unidos.

Fechando a lista, Camboja, Haiti, Nigéria e Paraguai foram certificados como

“ interesses vitais” dos Estados Unidos.

Com base no exposto acima, percebe-se a incoerência do discurso anti-drogas

psicoativas praticado pelo governo estadunidense, onde aparecem claramente evidências de

que a proibição não é feita por motivos de saúde pública como alegam os norte-americanos,

mas sim por motivos políticos e econômicos.

Veja bem, segundo o 23° Relatório Sobre Estratégia Internacional de Controle de

Narcóticos, para simplificar, destacando-se só os países americanos, verifica-se que a

Colômbia aparece como o principal país produtor de cocaína no mundo, o Peru como o

segundo maior produtor e a Bolívia como o terceiro maior produtor, o Brasil como principal

país de trânsito de cocaína e outras drogas com destino para a Europa e a África, o México

como principal país de trânsito de heroína e metanfetaminas para os Estados Unidos e, mesmo

Page 51: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

51

assim, todos estes países mencionados aparecem como certificados ou aprovados pelo

Relatório Anti-Drogas.

E a incoerência e conveniência continuam:

-- Dos reprovados, Myanmar, antiga Birmânia, é um país isolado que vive uma

fortíssima ditadura militar e devido a isso permanece com um país fechado ao comércio com

os Estados Unidos, sendo por isso mesmo descartado; e o Afeganistão, que aparece como o

maior produtor de heroína do mundo, permanece com forças militares de ocupação

estadunidense em seus territórios.

-- Dos aprovados com ressalvas, segundo o próprio governo dos Estados Unidos

devido a “ interesses vitais” , estão o Camboja (país produtor e de trânsito de heroína, mas de

interesse político e econômico para os Estados Unidos por se localizar em uma área conhecida

por Indochina que além de ter um histórico de guerras de libertação e já ter sofrido influências

socialistas, faz fronteira com Tailândia, Laos e Vietnã; Haiti (país que sofre de uma grave

crise política, econômica e social e que se situa geograficamente bem abaixo dos Estados

Unidos, área onde os norte-americanos denominam como sua zona de influência); Nigéria

(um dos principais países de trânsito das drogas para os demais países africanos e a Europa,

mas também grande produtor e exportador de petróleo, o que o torna por si só, atraente

economicamente para os interesses estadunidenses) e o Paraguai (um dos principais

produtores de maconha da América do Sul, mas também país que faz parte da tríplice

fronteira com Brasil e Argentina, ou seja, país de importância política para os Estados Unidos

na América do Sul).

Percebem-se também as divergências geopolíticas segundo a importância de cada

país, seja econômica, política ou militar. Como maior exemplo do exposto acima, temos o

México, país subdesenvolvido fronteiriço aos Estados Unidos da América.

As autoridades estadunidenses responsáveis pela repressão ao tráfico de drogas,

sabem, desde o início, que a fronteira do México com os Estados Unidos é a principal porta de

entrada de heroína e metanfetaminas para seu país e, o México o principal exportador. Alguns

estudiosos consideram o México o principal produtor de maconha da América do Norte, além

de o mesmo ocupar um papel fundamental como passagem para o tráfico de cocaína para o

interior dos Estados Unidos, mas, por incrível que pareça recebe por parte do governo dos

Estados Unidos um tratamento muito menos repressivo que a Colômbia ou a Bolívia.

Page 52: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

52

3 OS NÚMEROS DAS DROGAS IL ÍCITAS

A contabilidade que será apresentada e a lucratividade que o ramo de drogas ilícitas

proporciona será demonstrada para se verificar a dimensão do comércio destas substâncias.

Segundo o Relatório Mundial Sobre Droga publicado pelo Programa das Nações

Unidas para o Controle Internacional de Drogas (UNDCP), na Colômbia, principal produtora

de cocaína do mundo, por exemplo, um quilo de cocaína pura sai da mão do produtor ou

cocalero em média pelo valor de US$ 1500,00 ou US$1,50 o grama.

Ao chegar aos Estados Unidos da América, maior mercado consumidor da droga,

com aproximadamente 83% de pureza, o preço do quilo de cocaína sobe para US$ 25250,00

ou US$ 25,25 o grama no atacado.

Ao ser vendido ao consumidor final ou usuário com aproximadamente 65% de

pureza, o quilo da droga custa US$ 110000,00 ou US$ 110,00 o grama, ou seja, a despeito do

`batismo’ ou `malhação’ com outras substâncias para aumentar a quantidade da droga, seu

preço se multiplicou por quase 73 vezes da mão do cocalero a mão do usuário, um lucro de

7333%.

Estima-se que no Brasil, segundo informações da Polícia Federal, a maioria da

cocaína que entra no país vem principalmente do município de Tabatinga (AM), fronteira

terrestre com a cidade de Letícia na Colômbia. Tabatinga fica em uma das margens do rio

Solimões e na outra está o Peru.

A tendência é que quanto mais ao norte do país, mais chances a droga tem de ser

exportada. Se a droga que entra vem de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, haverá

maiores possibilidades da droga ir para os estados do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São

Paulo.

De acordo com a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, a cocaína que chega aos

morros cariocas é vendida pelo preço de US$ 7000,00 o quilo. Após o batismo, geralmente

cada quilo se transforma em 2,5kg e é vendido em saquinhos de 1,5g ou 1,0g e o preço varia

conforme a qualidade e disposição da droga.

Segundo dados da 7ª Delegacia de Polícia da Capital, no município de Florianópolis

geralmente o grama da droga é vendido ao valor de R$ 35,00, já bastante misturada e de baixa

qualidade, o que num cálculo rápido rende R$ 35000,00 ao comerciante desta substância.

Page 53: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

53

No Paquistão, um quilo de heroína sai por US$2870,00. Ao entrar nos Estados

Unidos da América, o mesmo quilo é revendido pelo valor de US$80000,00. Após à venda

aos usuários, ao qual geralmente a heroína chega ao consumidor com 40% de pureza, este

mesmo quilo vale US$725000,00, ou seja, 25261% do produtor ao consumo final.

A heroína não é muito consumida no Brasil, justamente pelo preço de sua aquisição

ser muito elevado.

De acordo com dados colhidos na rua, através de depoimentos e diversas apreensões

realizadas pela 7° Delegacia de Polícia da Capital em Florianópolis, verifica-se que o preço

do crack está em R$25,00 o grama e o preço do grama de maconha R$3,00.

A maconha é a droga mais consumida no Brasil e também em Florianópolis e,

devido a isto, também a mais apreendida. A maconha que chega a Florianópolis vem

principalmente de Foz do Iguaçu e lá é comprada pelo preço de R$40,00 a R$ 50,00 o quilo,

revendido aos traficantes da capital de R$300,00 a R$400,00 o quilo e, ao chegar ao

consumidor final são arrecadados de R$900,00 a R$1200,00, ou seja, de 2250% a 2400% de

valorização do início ao fim do ciclo..

É claro, que estes valores podem ser modificados, pois como toda mercadoria, as

drogas ilícitas sofrem os processos que afetam a oferta e procura, como por exemplo, a safra

produzida, a quantidade de drogas psicoativas apreendidas pela polícia, o transporte e até

mesmo sendo sujeito às variações cambiais.

O estudo da ONU apresentado no Relatório Mundial Sobre Droga publicado em

1997 estimou em US$ 400 bilhões a receita anual da indústria das drogas ilegais em todo o

mundo. Quantia, esta, que correspondia a 8% do comércio internacional e que representou

mais do que todas as exportações de ferro e aço, da indústria automobilística ou da indústria

têxtil no período.

Para efeito de comparação, a riqueza mundial com privatizações alcançou US$ 365

bilhões nos anos de 1996,1997 e 1998; o investimento estrangeiro direto em 1995 foi de US$

240 bilhões; o Brasil precisaria de 67% a 80% de toda a riqueza que produziu em 1999 para

equiparar, numa balança, o dinheiro movimentado pelo narcotráfico.

Contudo, não é na venda final ao consumidor, apesar dos fabulosos ganhos, que se

concentram o grande lucro do narcotráfico, mas na aplicação dos seus lucros na economia

legal, com a lavagem do dinheiro e no transporte destas mercadorias.

Em contrapartida, de acordo com o último Relatório das Nações Unidas sobre drogas

ilícitas, datado de 2008, revela que a produção de ópio aumentou 100% entre os anos de 2005

Page 54: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

54

a 2007, atingindo no período a produção de 8870 toneladas, sendo que somente o Afeganistão

produziu sozinho 92% da droga.

Com relação à cocaína, apesar da área plantada ter aumentado em torno de 16%, a

produção mundial aumentou apenas 1% em 2007 em relação ao último relatório de 2006,

perfazendo 992 toneladas, sendo que ainda a Colômbia segue como o maior produtor

mundial, seguido por Peru e Bolívia.

A produção de maconha apresentou um decréscimo no ano de 2007, sendo produzida

no total 41400 toneladas da droga. Em comparação no ano de 2005 e 2004 foram produzidas

42000 e 45000 toneladas respectivamente, uma queda de 1,43% em relação a 2005 e 8% em

relação a 2004.

A produção de haxixe, seguindo a tendência de queda da maconha, também decaiu,

em torno de 10% de 6600 toneladas em 2005 para 6000 toneladas em 2006.

A produção de anfetaminas permaneceu estável, atingindo a produção de 494

toneladas da droga.

E também houve um decréscimo na produção de ecstasy de 113 toneladas em 2005

para 103 toneladas em 2006. A produção de metanfetaminas permaneceu estável, 267

toneladas em 2006.

Tabela 1: Toneladas produzidas ano 2007.

Maconha Haxixe Cocaína Ópio Ecstasy Toneladas produzidas 41.400 6.000 992 8.870 113

Fonte: ONU, 2008

Toneladas produzidas ano 2007

41.400

6.000992

8.870

1130

5.00010.00015.00020.00025.00030.00035.00040.00045.000

Mac

onha

Haxixe

Cocaín

aÓpio

Ecsta

sy

Toneladas produzidas

Gráfico 1: Toneladas produzidas ano 2007 Fonte: ONU, 2008

Page 55: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

55

Em relação ao consumo mundial de drogas, segundo o Relatório, o número de

usuários permaneceu estável nos últimos quatro anos, atingindo aproximadamente 208

milhões de consumidores ou 4,9% da população mundial de 15 a 64 anos de idade. Destes,

112 milhões de pessoas na faixa etária citada consomem as drogas mensalmente ou 2,6% da

população de referência, sendo que aproximadamente 0,6% da população de referência ou 26

milhões de pessoas são consideradas viciadas ou apresentam algum problema em sua relação

com o consumo de drogas. Vale salientar que todas as drogas ilícitas, com exceção das

anfetaminas, apresentaram aumento no número absoluto de usuários.

Tabela 2: Número de consumidores de drogas ilícitas

Consumidores de drogas ilícitas nos últimos 12 meses

Consumidores de drogas

ilícitas mensalmente

Consumidores de drogas ilícitas diariamente

(toxicodependentes) Número de consumidores (em milhões) 208 112 26 Porcentagem da população mundial de 15 a 64 anos de idade 4,9% 2,6% 0,6% Fonte: ONU, 2008.

De acordo com a última estimativa elaborada para a prevalência anual do consumo de

drogas ilícitas pela população de 15 a 64 anos de idade para os anos de 2006 a 2007 (último

ano de que se dispõe de dados) em relação ao ano 2005-2006, foi o seguinte:

• aumento do consumo de maconha de 3,8% para 3,9%;

• aumento do consumo de opiáceos de 0,37% para 0,39%;

• aumento do consumo de cocaína de 0,34% para 0,37%;

• aumento do consumo de heroína de 0,27% para 0,28%;

• diminuição do consumo de anfetamínicos (ecstasy e anfetaminas) de 0,60% para

0,58%.

Tabela 3: Estimativas do consumo de drogas anual ano 2006/2007. (Último ano que se dispõe de dados).

Maconha Anfetaminas Ecstasy Cocaína

Opiáceos Heroína Número de consumidores (em milhões) 165,6 24,7 9 16 16,5 12 Porcentagem da população mundial de 15 a 64 anos de idade 3,9% 0,46% 0,12% 0,37% 0,39% 0,28%

Fonte: ONU, 2008.

Page 56: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

56

Número de consumidores por tipo de drogas (em milhões)

165,6

24,7

9

16

16,5

12

Maconha

Anfetaminas

Ecstasy

Cocaína

Opiáceos

Heroína

Gráfico 2: Número de consumidores por tipo de drogas Fonte: ONU, 2008.

Contudo, vale salientar, que no mesmo Relatório a ONU reconhece que

aproximadamente 50% da população entre 15 a 64 anos consomem álcool; e 20% cigarros.

A própria ONU reconhece que estes números podem estar `maquiados’ para baixo,

pois, tem como uma das fontes os governos nacionais que frequentemente tentam mascarar a

situação social de seus povos, que costumeiramente fraudam ou omitem estatísticas para

amenizar a gravidade de seus problemas sociais.

A ONU estima que somente de desembolso estatal, para combater as conseqüências

do uso de drogas ilícitas na saúde pública, no combate a violência e em outros setores os

países devem gastar o equivalente a US$120 bilhões por ano.

3.1 Os números do combate às drogas ilícitas nos Estados Unidos

da Amér ica

Revelam-se os números e os custos do combate às drogas nos Estados Unidos por ser

este o país que devido à disponibilidade de recursos financeiros e apoio governamental ao

combate ao tráfico de drogas ilícitas possuírem os dados mais completos sobre o assunto.

Page 57: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

57

Além de que os Estados Unidos é o país que encabeça o combate a estas substâncias proibidas

e o que mais exerce influência sobre os organismos internacionais no combate ao tráfico das

substâncias ilícitas.

Segundo dados do governo estadunidense, o orçamento destinado às políticas de

repressão ao combate ao tráfico e ao consumo de drogas ilícitas no ano de 2008 foi de US$ 13

bilhões. Sendo que desse total 65% são destinados ao combate ao tráfico e 12% a prevenção

ao consumo de drogas.

De acordo com o DEA (Drug Enforcement Administration) órgão que lida com o

combate às drogas nos Estados Unidos estima-se que cada família estadunidense desembolsa

ao ano US$1500,00 com os custos sociais do consumo de drogas psicoativas naquele país.

Estima-se que somente no ano de 2002 mais de 26000 morreram decorrentes de

implicações relacionadas ao uso de drogas ilícitas, sete vezes mais do que o número de mortes

atribuídos aos ataques do 11 de setembro.

Incluem-se neste cálculo os custos diretos relacionados ao consumo de drogas

proibidas, ao tratamento da toxicodependência, cuidados de saúde, custos de bens e serviços

relacionados à criminalidade induzida pelo consumo, à aplicação das leis, encarceramento,

custos judiciais e honorários advocatícios.

E também aos custos indiretos que são os custos relacionados à queda de

produtividade no trabalho, morte, sofrimento familiar, doenças relacionadas ao consumo,

aumento da criminalidade e de vítimas da violência.

Segundo o White House Office of National Drug Control, o custo social associado ao

consumo de drogas ilícitas nos Estados Unidos para o ano de 2002 foi de US$ 180,8 bilhões,

sendo que a maior parte destes custos refere-se à perda de produtividade.

Custos relacionados ao cuidado com bebês prematuros de mães que fizeram uso de

drogas ilícitas ou de álcool durante o período de gestação são estimados entre US$ 750.000,00

a US$ 1,4 milhões. Nestes valores estão inclusos as despesas médicas e hospitalares, custos

de habitação e custos de cuidados próprios aos bebês.

Em 2002 foram 670.307 episódios relacionados ao abuso de drogas proibidas nas

emergências hospitalares estadunidenses, sendo que o seguro médico norte-americano não

cobre todos estes custos.

Houve em 2002, dois milhões e trezentos mil jovens (2, 3 milhões) entre 12 e 17 anos

que necessitaram de tratamentos relacionados ao uso de drogas. De acordo com o relatório o

tratamento para desintoxicação custa à saúde pública US$ 475,00 por dia e o tratamento de

reabilitação US$ 375,00 por pessoa.

Page 58: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

58

Estima-se que existam 300.000 pessoas que contraíram AIDS nos Estados Unidos em

decorrência do uso de drogas proibidas.

3.2 Os números relacionados às drogas ilícitas no Brasil

Segundo dados do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC) a

dimensão nacional do custo econômico e social nunca foi avaliada com clareza, mas com base

nos escassos dados disponíveis estima-se que chegue a 10% do Produto Interno Bruto.

Nas duas décadas entre 1980 e 2000, 2.07 milhões de brasileiros morreram de causas

não-naturais. Dentre essas causas, os homicídios lideram as estatísticas. Em 1980, estima-se a

ocorrência de 13.910 homicídios. Os homicídios aumentaram para 31.989 em 1990 e

alcançaram 45.343 em 2000, mantendo-se estável próximo aos 50.000 homicídios para o

qüinqüênio 2001-2005.

Os jovens do sexo masculino entre as idades de 15 e 29 anos são o grupo mais afetado

da população. Dos homicídios registrados em 2000, mais de 16.000 afetaram jovens do sexo

masculino - 75% dos quais vítimas de armas de fogo.

Dos quase 50.000 homicídios registrados a cada ano, correspondendo a uma taxa de

27 em cada 100 mil pessoas, uma grande proporção está relacionada ao tráfico de drogas.

Esses homicídios envolvem principalmente jovens na faixa etária dos 15 aos 25 anos

e sua taxa varia muito entre os diferentes estados. Essa elevada taxa de homicídios é

parcialmente provocada pela incapacidade das pessoas envolvidas na venda de drogas de

acertar sem violência questões relacionadas à divisão de territórios, distribuição e liderança.

Em seu Relatório Mundial sobre a Violência e a Saúde a Organização Mundial da

Saúde estima que, para cada pessoa assassinada, 20 a 40 são feridas a ponto de precisarem ser

hospitalizadas. O impacto dos homicídios e das lesões corporais sobre o público é, portanto,

impressionante.

De acordo com o ex-deputado federal Moroni Torgan relator da CPI do narcotráfico,

200 mil pessoas estão diretamente envolvidas com o tráfico de drogas ilícitas no Brasil, sendo

que aproximadamente 10% da força de trabalho do narcotráfico (20 mil) é composta por

crianças e adolescentes, os chamados `aviõezinhos’ .

Page 59: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

59

Esses entregadores são, em sua maioria, adolescentes na faixa etária dos 10 aos 16

anos, cujo salário mensal varia de US$150 a US$200. Como esses menores geralmente vêm

de famílias pobres, seus salários são freqüentemente mais altos que os de seus pais. Seus

colegas os têm em grande estima. Os traficantes lhes oferecem uma oportunidade de se sentir

importantes e respeitados na comunidade. As oportunidades de emprego no setor formal para

adolescentes de baixa escolaridade, principalmente negros, são muito limitadas.

Além desses 20 mil adolescentes que já trabalham como entregadores de drogas,

milhares de outros estão esperando por uma oportunidade de entrar nesse negócio altamente

lucrativo.

Os adolescentes são protegidos por lei e a possibilidade de serem presos é pequena,

isso os torna alvo de traficantes. As alternativas em termos de renda e de participação na

sociedade são muito reduzidas para essas crianças. Portanto, muitos meninos e meninas

pobres optam por se envolver em atividades ilegais.

Outra vítima da violência relacionada ao tráfico de drogas são os policiais.

Em decorrência dos baixos salários pagos aos policiais estaduais, principalmente aos

de graduação mais baixa, vários são forçados a morar com suas famílias em áreas de alto risco

controladas por traficantes.

Por exemplo, com base em estimativas da polícia do estado do Rio de Janeiro, até 50%

dos policiais vivem em áreas de alto risco. De acordo com a Folha de São Paulo, a cada 17

horas um policial é morto. Nos primeiros seis meses de 2004, mais de 280 policiais militares e

civis foram assassinados no Brasil, comparado com 65 na Colômbia, país até então

considerado um dos mais violentos do mundo em decorrência do narcotráfico.

Segundo o Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro de 1998, página 236 do

total de 12.072 presos no regime fechado, 7.398 tinha por motivo da condenação o tráfico de

entorpecentes, ou seja, já no final dos anos 90 em torno de 60% da população carcerária no

Estado do Rio de Janeiro estava relacionada ao narcotráfico.

Dos 59.471 processos criminais em andamento na cidade do Rio de Janeiro em 1999,

26,6% diziam respeito ao tráfico e ao uso de entorpecentes. 35% dos processos que corriam

na 2° Vara da Infância e da Juventude eram relacionados ao tráfico.

Em 2000 de cada 100 homens condenados no país, 15 eram por envolvimento com o

tráfico. Entre as mulheres, a cota era de 60 a cada 100. Dos 87.806 presos no Estado de São

Paulo cerca de 12.500 (14,2%) estava relacionado com a venda de drogas proibidas.

O sistema penitenciário, com raras exceções, não consegue reabilitar e reinserir

detentos na sociedade. Por essa razão, o país apresenta uma taxa elevada de reincidências

Page 60: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

60

(superior a 50%) e a superlotação nas prisões é um problema grave. Isso representa um

enorme custo direto e indireto para o governo e a sociedade como um todo. Um detento no

Brasil custa ao sistema de justiça penal 16 vezes o custo de manter um aluno na escola.

Em 2002, as 922 prisões do país (projetadas para alojar 186.500 pessoas) mantinham

248.685 detentos. Em 2004, o número de estabelecimentos correcionais aumentou para 1.192

e o número de detentos aumentou para quase 336.000, 96% homens.

Tabela 4: Número de prisões X Número de detentos

Número de prisões X Número de detentos 2002 2004

Número de prisões 922 1.192 Número de detentos 248.685 336.000 Fonte: UNODC, 2008

Todos os meses, uma média de 9.400 pessoas são inseridas no sistema penitenciário, e

apenas 5.900 deixam-no. O Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) recolhe quase US$ 80

milhões anuais. Entretanto, devido à necessidade de controlar despesas para reduzir os

débitos públicos e a inflação, estes fundos não são normalmente disponibilizados ao

Ministério da Justiça.

Tabela 5: Rotatividade do sistema prisional

Rotatividade do sistema prisional mensal Detentos que entram 9.400 Detentos que saem 5.900 Diferença entrada/saída 3.500 Fonte: UNODC, 2008

A SENAD, por meio do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas

(CEBRID), publicou em 2002 os resultados do primeiro Levantamento Domiciliar sobre o

Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, realizado em 2001. Foram coletadas informações por

meio de amostras estratificadas em 107 cidades com mais de 200.000 habitantes. A amostra

total incluiu 8.589 entrevistas com pessoas (de ambos os gêneros) com idades entre 12 e 65

anos.

De acordo com a pesquisa, 19,4% dos entrevistados relataram que consumiram

algum tipo de droga (exceto tabaco e álcool) pelo menos uma vez na vida. Cerca de 6,9%

tinham fumado maconha; 5,8% tinham usado inalantes; 2,3% tinham usado cocaína; 1,5%

tinham usado estimulantes e 3,3% tinham usado benzodiazepínicos.

Page 61: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

61

No que se refere ao acesso a drogas, 45,8% relataram que era fácil comprar cocaína;

15% tinham visto alguém comprando ou vendendo drogas; e traficantes haviam abordado 4%

dos entrevistados. A pesquisa também indicou que 35% dos entrevistados não tinham o

ensino fundamental completo ou eram analfabetos.

Tabela 6: Prevalência do abuso de drogas Prevalência do abuso de drogas uma vez na vida Levantamento domiciliar sobre o abuso de drogas (2001) Tipo de droga Total % Homens % Mulheres % Maconha 6,9 10,6 3,4 Cocaína 2,3 3,7 0,9 Crack 0,4 0,7 0,2 Mer la 0,2 0,3 0,1 Opiáceos (analgésicos) 1,4 1,1 1,6 Estimulantes (anfetamínicos) 1,5 0,8 2,2 Anticolinérgicos 1,1 1,1 1 Alucinógenos 0,6 0,9 0,4 Heroína 0,1 0,1 0 Esteróides 0,3 0,6 0,1 Barbitúr icos 0,5 0,3 0,6 Codeína 2 1,5 2,4 Orexigênicos 4,3 3,2 5,3

Benzodiazepínicos 3,3 2,2 4,3 Amostra: 8.589, idades de 18 a 65 anos. Fonte: Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil. São Paulo: SENAD, CEBRID, UNIFESP, 2002

Prevalência do abuso de drogas

0

2

4

6

8

10

12

Total % % Homens % Mulheres

Maconha

Cocaína

Crack

Merla

Opiáceos(analgésicos) Estimulantes(anfetamínicos) Anticolinérgicos

Gráfico 3: Prevalência do abuso de drogas Fonte: Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil. São Paulo: SENAD, CEBRID, UNIFESP, 2002.

Page 62: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

62

3.3 O número de apreensões

Comparando-se as apreensões de maconha feitas em 2004 e 2003 observa-se uma

queda de cerca de 8,2% nas mesmas, de aproximadamente 167 toneladas para 154 toneladas

de maconha apreendida.

Esses números não devem ser considerados indicadores de que o tráfico, o comércio e

o consumo diminuíram. Também não devem ser interpretados como indicativos de que o

controle da polícia é fraco. Não há qualquer estudo técnico que permita chegar-se a essas

conclusões. Deve-se observar que essa queda foi registrada apenas para apreensões de

maconha. Na verdade, houve um ligeiro aumento nas apreensões de outras drogas.

3.3.1 Apreensões de resina da maconha

Embora a resina da maconha não seja uma droga popular no Brasil, a Polícia Federal

registrou um ligeiro aumento em suas apreensões em 2004: 20%. Como observado para a

maconha, não há sinais de que ocorrerão mudanças importantes em seu tráfico, consumo ou

apreensão no país.

3.3.2 Apreensões de cocaína

A diminuição do número de apreensões de cocaína e de seus derivados registrado em

2004 (21%) não significa que tenha havido uma queda proporcional em seu tráfico e

consumo.

Page 63: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

63

3.3.3 Apreensões de pasta de coca

As apreensões de pasta de coca aumentaram em 2004, cerca de 48 % em relação ao

ano anterior. É possível prever que essa tendência será mantida para os próximos anos.

3.3.4 Apreensões de crack

No Brasil, o nível de demanda por crack (um derivado da cocaína) varia de acordo

com a área. Por exemplo, a droga é mais comercializada e consumida no Estado de São Paulo,

uma região altamente desenvolvida economicamente. No entanto, ela também pode ser

encontrada em algumas áreas pobres. Como é barata, ela pode ser facilmente comprada pela

população de baixa renda.

As apreensões de crack diminuíram em 23% em 2004, em relação ao ano anterior. Não

há estudos técnicos ou dados confiáveis que permitam prever quais seriam as tendências de

comércio e consumo dessa droga no Brasil nos próximos anos.

3.3.5 Apreensões de heroína

Os analistas do tráfico de heroína declaram que há uma tendência de a América do Sul

ser usada como rota de trânsito da droga para a América do Norte e a Europa, pois seus

traficantes estariam tentando evitar as barreiras impostas pelos países consumidores após os

ataques terroristas de 2001.

Page 64: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

64

3.3.6 Apreensões de drogas sintéticas

As projeções mundiais indicam que houve uma queda na produção e consumo de

drogas sintéticas, principalmente de MDMA (ecstasy).

Segundo especialistas, a meta-anfetamina é a maior concorrente da cocaína entre

consumidores de estimulantes, em muitas partes do mundo. A demanda por meta-anfetaminas

e outros estimulantes sintéticos, entre os quais a MDMA, diminuiu não apenas nos países

industrializados, mas também em alguns países em desenvolvimento.

Esses estimulantes podem ser facilmente produzidos, porque a sua produção não

depende de safras, como ocorre com as drogas produzidas a partir das folhas da coca ou da

papoula do ópio. Esse fato atrai pequenos produtores e importantes cartéis internacionais.

Além disso, as drogas sintéticas permitem que todo o processo (da produção à

distribuição e à comercialização nas ruas) seja controlado por uma única organização

criminosa, garantindo, assim, lucros mais altos.

A polícia brasileira não tem dados e estudos confiáveis para identificar precisamente

as rotas do ecstasy. No entanto, sabe-se que a droga entra no Brasil vindo de países europeus

principalmente da Bélgica, da Alemanha e dos Países Baixos.

Page 65: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

65

Tabela 7: Apreensões (em quilos)

Apreensões (em quilos) 2000 2001 2002 2003 2004

Maconha (kg) 157.171 146.672 190.724 168.076 153.875 Resina de maconha (kg) 39 44 35 55 66 Cocaína (kg) 4.72 8.344 9.145 9.502 7.199 Pasta de coca (kg) 697 673 282 380 573 Crack (kg) 56 113 156 136 100 Merla¹ (kg) 3 3 5 20 20 Cloreto de etila inalante básico 12.151 8.026 17.815 27.083 70.469 (frascos) Morfina (kg) * * * * * * 0,05 * Heroína (kg) * 27 57 61 50 Psicotrópicos (frascos) * 10 * * * MDMA² - ecstasy (unidades) 16.796 1.909 15.804 70.839 81.951 Pó de MDMA (frascos) * * * * * LSD (unidades) 2.368 * 231 100.864 715

Psicotrópicos (unidades) 4.862 5.786 35.333 5.571 1.347 CGPRE, antiga Divisão de Repressão a Entorpecentes - DRE, 2005. ¹ Pasta de coca produzida no Brasil. ² A abreviação MDMA foi usada neste documento para designar o ecstasy, uma vez que está é a droga anfetamínica mais comum apreendida no Brasil. * Valores não disponíveis. * ** Impossível de se calcular. Fonte: Departamento de Polícia Federal - Coordenação-Geral de Prevenção e Repressão a Entorpecentes

3.4 Desvio de drogas e precursores

De acordo com Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM), o

faturamento dessa indústria em todo o mundo é superior a US$ 1,59 trilhão. A exportação

mundial de produtos químicos movimenta US$ 528 bilhões por ano. A indústria química

brasileira situa-se entre as dez maiores do mundo.

Para regular os precursores químicos, o Brasil está desenvolvendo um sistema flexível

concebido para controlar o fluxo de precursores sem acarretar barreiras indesejáveis

para a indústria e o comércio. A Polícia Federal é responsável pelo monitoramento e controle

de 146 produtos químicos, entre os quais precursores químicos que podem ser usados na

fabricação da cocaína e de drogas sintéticas.

O Brasil produz sete dos 12 precursores químicos sujeitos a um rígido controle por

parte da Polícia Federal. Esses precursores são os seguintes:5 acetona ou 2-Propanona, meti-

Page 66: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

66

etil-acetona ou 2-Butanona, ácido sulfúrico, cloreto de metileno (dicloreto de metileno ou

diclorometano), ácido clorídrico, anidrido acético, clorofórmio, cloreto de etila, éter etílico,

permanganato de potássio, sulfato de sódio e tolueno.

Tabela 8: Precursores apreendidos pela Polícia Federal (2000-2004)

Precursores apreendidos pela Polícia Federal (2000-2004) 2000 2001 2002 2003 2004 Total

Acetona (l) 19,5 3.096 5 123.680 1 126.977 Éter etílico (l) 80 48 128 Ácido clorídrico (l) 1 69 20 90 Ácido sulfúrico (l) 22 9 20 51 Carb. de potássio (g) 1,8 1,8 Bicarbonato de sódio gás (g) 67 200 3.235 117.160 120.662 Éter sulfúrico (l) 12 20 32 Bicarbonato de sódio líquido (g) 1,8 380 381,8 Ácido bórico (g) 40 6 46 Carb. de sódio (g) 13 8.914.973 8.914.986 Amônia (l) 10 0,26 420 430 Cloreto de etila (g) 107.222 107.222 Ácido acético (l) 0 Álcool (l) 20 99 119 Éter (l) 0 Soda cáustica (g) 0 Perm. de potássio (g) 0 Fonte: Departamento de Polícia Federal - Coordenação-Geral de Prevenção e Repressão a Entorpecentes - CGPRE, antiga Divisão de Repressão a Entorpecentes - DRE, 2002.

3.5 Demanda por drogas ilícitas no Brasil

A Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) tem um orçamento anual de US$ 2

milhões para redução da demanda por drogas. A menos que o governo invista mais na

redução da demanda por drogas, a situação continuará a se agravar. O orçamento tem sido o

mesmo nos últimos dez anos, provocando problemas em termos de saúde e segurança

públicas além de não atender as prioridades do público.

O primeiro Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil,

realizado em 2001, foi concebido para coletar informações por meio de amostras

estratificadas em 107 cidades com mais de 200.000 habitantes. A amostra total incluiu 8.589

entrevistas com pessoas com idades entre 12 e 65 anos de ambos os gêneros.

Page 67: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

67

O levantamento foi aplicado no período de setembro a dezembro de 2001, abrangendo

as 107 maiores cidades do país, com população superior a 200.000 habitantes, incluídas aí

todas as capitais brasileiras, totalizando 47.045.907 habitantes, representativos de 41,3% da

população brasileira.

Os resultados obtidos com o levantamento revelam a realidade do Brasil em relação

às drogas – agora não mais presumida, mas autenticada por sua população.

Dentre os resultados relevantes, pode ser mencionada a confirmação de que o

consumo de drogas lícitas no país – especialmente o álcool e tabaco - é superior ao das drogas

ilícitas. De fato, tem-se a estimativa de que 11,2% da população pesquisada são dependentes

de álcool e de que 9% são dependentes de tabaco. Em contrapartida, os resultados sobre

drogas ilícitas apontam que 6,9% da população pesquisada já fez uso na vida de maconha, e

5,8% de solventes, 2,3% de cocaína e 0,7% de crack. O uso de heroína foi de 0,04%,cerca de

dez vezes menor que nos Estados Unidos (1,2%). Surpreendeu o uso na vida de 4,3% para os

orexígenos (medicamentos utilizados para estimular o apetite), sobre cuja venda não há

qualquer tipo de controle.

Tabela 9: Percentual da população brasileira que admite ter feito uso de drogas ilícitasl

Percentual da população brasileira que admite ter feito uso de drogas ilícitas Maconha 6,90% Solventes 5,80% Cocaína 2,30% Heroína 0,04% Crack 0,70%

Fonte: UNODC Brasil e Cone Sul, 2008

Percentual da população brasileira que admite ter feito o uso de drogas ilícitas

Maconha; 6,90%

Solventes; 5,80%

Cocaína; 2,30%

Heroína; 0,04%

Crack; 0,70%

Maconha

Solventes

Cocaína

Heroína

Crack

Gráfico 4: Percentual da população brasileira que admite ter feito o uso de drogas. Fonte: UNODC Brasil e Cone Sul, 2008

Page 68: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

68

O estudo "O Estado da Juventude: Drogas, prisões e Acidentes", elaborado pela

Fundação Getúlio Vargas, mostra que a elite é a maior consumidora de drogas do País. As

classes mais ricas, com acesso quase irrestrito a serviços oferecidos pelo estado, de religião

católica e com acesso a informação e educação de qualidade, figuram como os principais

usuários nas principais capitais do Brasil, principalmente no sudeste.

A grande maioria de usuários é de cor branca (85,1%), tem filhos (80,46), é

católica(88,3%) e das classes AB (72,54%). Os de classe A registram 62,2% dos drogados

declarados. Sobre a escolaridade dos consumidores, a pesquisa mostra que 17,96%

freqüentam instituições privadas, 59,32% tem entre oito e 11 anos de estudo, e 29,69% estão

na universidade. No geral, a parcela da população que freqüenta o ensino superior é de apenas

4,04%.

Nessa perspectiva, o estudo mostra que 99,18% dos consumidores de drogas são

homens, embora a sociedade brasileira tenha 49,82% de pessoas do sexo masculino em sua

composição. A maioria dos consumidores tem entre 20 e 29 anos (50,74%), enquanto 35,82%

tem entre 10 e 19 anos.

A maioria da população consumidora se concentra no sudeste (75,13%), região que

onde se encontra 45,52% da população. Diga-se de passagem as capitais, apesar de reunirem

23,68% dos brasileiros, são o lar preferido de 42,25% dos usuáriso de drogas. E é nestas

cidades que a elite, a classe A, consome o tipo de droga que quiser (68,33%), segundo o

estudo.

Outro dado que chama a atenção é a quantidade significativa de serviços oferecidos

pelo estado nas regiões onde se concentram os principais usuários de drogas. Os que tem

acesso a serviço de água são 93,28%, enquanto 99,32% tem coleta de lixo domiciliar, 81,28%

iluminação de rua, 89,7% drenagem e escoamento e 99,37% acesso a energia elétrica. Sobre a

forma de pagamento, 43,74% dos usuários trabalham com cartão de crédito, e o cheque

especial é utilizado por 34,8%.

Tabela 10: Jovens de “classe A”

Jovens de " classe A" Tem despesas com drogas Total Brancos 85,1 52,83 Filhos 80,48 26,22 Sem religião 7,68 4,83 Católicos 88,03 74,15 Classe A 62,22 5,85

Classe AB 72,54 22,44 Fonte: FVG, 2007

Page 69: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

69

Jovens de " Classe A"

85,1

80,48

7,68

88,03

62,22

72,54

52,83

26,22

4,83

74,15

5,85

22,44

0 20 40 60 80 100

Brancos

Filhos

Sem religião

Católicos

Classe A

Classe AB

Total

Tem despesas comdrogas

Gráfico 5: Jovens de “classe A” Fonte: FGV, 2007

A barra bordô se refere aos que usam drogas, e a azul ao percentual do segmento na

população como um todo, como mostra a legenda.

Um outro estudo, intitulado A Voz dos Adolescentes, foi realizado pelo Fundo das

Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para apoiar a elaboração e definição de seu

programa nacional. Ele foi desenvolvido para 5.280 adolescentes brasileiros de todas as

regiões do país e envolveu diversos temas, como lazer, educação, saúde, trabalho, família,

violência, drogas, entre outros.

O estudo revelou grandes disparidades e dificuldades em relação aos direitos dos

jovens. Os dados obtidos para o uso de drogas revelaram que 14,2% dos entrevistados (com

idades entre 12 e 17 anos) usavam ou já haviam usado algum tipo de droga ilícita. Cerca de

84,4% deles disseram que nunca haviam usado nenhuma droga.

A tabela abaixo mostra essas cifras discriminadas por classe social e divididas em

quatro categorias, de A a D .sendo A a mais alta. Pode-se observar que o uso de drogas é mais

alto entre as classes A e B e mais baixo nas classes C e D.

Tabela 11: Consumo de drogas por adolescentes por classe social (%)

Consumo de drogas por adolescentes por classe social (%)

Classe A Classe B Classe C Classe D Não

respondeu Usa ou já usou alguma vez 21,6 20,5 11,4 16,5 17,7 Nunca usou 78,4 78 86,9 83,3 80,6

Não respondeu 0 1,5 1,7 0,2 1,7 Fonte: UNODC, 2008

Page 70: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

70

Consumo de drogas por adolescentes por classe social (%)

Classe A; 21,6

Classe B; 20,5Classe C; 11,4

Classe D; 16,5

Não respondeu; 17,7 Classe A

Classe B

Classe C

Classe D

Não respondeu

Gráfico 6: Consumo de drogas por adolescentes por classe social (%) Fonte: UNODC, 2008

Entre os adolescentes na faixa etária dos 12 aos 14 anos, cerca de 8,2% disseram que

tinham usado algum tipo de droga ilícita uma vez. Esse percentual aumentou para 20,2% entre

adolescentes com idades de 15 a 17 anos. A pesquisa relacionou nove tipos de drogas ilícitas.

Observou-se que 9% afirmaram que usavam ou já haviam usado a maconha, que

também parece ser a droga ilícita de uso mais freqüente. Em segundo lugar vem a cocaína,

com 5% (UNICEF).

Algumas abordagens foram usadas para se avaliar o consumo de drogas no país. Elas

incluem estudos populacionais entre estudantes e meninos de rua, indicadores do consumo de

drogas (hospitalizações por consumo de drogas, etc.) e estudos etnográficos. Todas essas

abordagens indicam que o abuso de drogas é um fenômeno de importância crescente no

Brasil.

As comunidades mais pobres, onde as oportunidades sociais e profissionais são

escassas, constituem uma fonte de mão-de-obra barata para os traficantes de drogas. É

nessas comunidades que parece existir uma tendência de abuso de drogas em sua forma mais

nociva, o uso de drogas injetáveis.

O estudo Retrato da Escola, lançado em 2002 pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores em Educação (CNTE), coletou dados entre 2.351 escolas públicas e privadas

do país visando a melhorar a educação pública. O estudo levantou dados sobre a gestão

escolar, condições de trabalho, qualidade do ensino e planejamento. Ele também ofereceu

dados sobre o uso e o tráfico de drogas na escola e a violência que geram.

Page 71: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

71

Tabela 12: Tráfico de drogas no ambiente escolar

Tráfico de drogas no ambiente escolar Nunca % Ocasionalmente % Sempre %

Consumo de drogas 68 27,8 4,2

Consumo de drogas dentro da escola 79,1 17,6 3,3

Consumo de drogas fora da escola 59,1 29,7 11,2

Tráfico de drogas na escola 78,3 19,4 2,3

Tráfico de drogas dentro da escola 89,8 8,3 1,9

Tráfico de drogas fora da escola 70,2 22,6 7,2 Fonte: UNODC, 2008

Gráfico 7: Tráfico de drogas no ambiente escolar Fonte: UNODC, 2008-10-18

Tráfico de drogas no ambiente escolar

6879,1

59,1

78,389,8

70,2

27,817,6

29,719,4

8,3

22,6

4,2 3,3 11,2

2,3 1,97,2

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

100

Nunca %

Ocasionalmente %

Sempre %

Page 72: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

72

4 CUSTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS RELACIONADOS ÀS

DROGAS IL ÍCITAS

O uso indevido de drogas entre a população brasileira, de um modo geral, e entre

seus jovens, particularmente, aumentou significativamente ao longo da última década. O

consumo quatro vezes maior de cocaína entre adolescentes revela que essa tendência

representa um problema cada vez maior.

A dependência de drogas é um problema que acarreta demandas crescentes para os

serviços de saúde pública e a sociedade como um todo. De acordo com o Ministério da Saúde,

a perda de produtividade e os óbitos prematuros em 1996 representaram 7,9% do PIB.

A relação entre o abuso de substâncias psicoativas e a prevalência do HIV/AIDS e o

vínculo entre as drogas e a violência constituem os dois principais aspectos que tornam o uso

indevido de drogas um problema sério no Brasil.

O Brasil conseguiu reduzir a incidência da Aids, inclusive da Aids resultante do uso

de drogas injetáveis. De 1994 a 2004, a incidência de AIDS entre usuários de drogas

injetáveis caiu de 27% para 13% entre os homens, e de 17% para 4,3% entre as mulheres (-

fonte: Boletim Epidemiológico, 2004. Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da

Saúde).

Entre os usuários de drogas injetáveis, a prevalência do HIV é de 36,5% (média

nacional) de acordo com a Pesquisa Ajude Brasil II realizada pela Universidade Federal de

Minas Gerais em 2001.

Do total de casos de AIDS em crianças classificados na categoria de transmissão

vertical, 12% estão relacionados a mães usuárias de drogas injetáveis.

A epidemia entre usuários de drogas injetáveis no Brasil segue as principais rotas de

transporte da cocaína. Embora exista alguma preocupação com a transmissão do HIV pelo uso

da cocaína por via intravenosa, ela parece estar diminuindo no Brasil, segundo uma análise

retrospectiva realizada por um centro de tratamento de dependentes situado no Rio de Janeiro

(NEPAD/UERJ) Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas.

Embora uma análise recente revele uma desaceleração na disseminação do HIV entre

usuários de drogas injetáveis, outros estudos recentes desenvolvidos nas cidades de São

Paulo, Campinas e Santos revelam uma preocupante relação entre o uso de crack e a Aids.

Page 73: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

73

Além disso, drogas psicofarmacológicas também são comumente usadas na América

do Sul, principalmente no Brasil, na Argentina e no Uruguai. Essas drogas são

freqüentemente injetadas. Devido à freqüência da necessidade documentada de compartilhar

seringas nas amostras brasileiras, o risco de exposição ao HIV pelo sangue persiste. Esse fato

é confirmado pelos elevados níveis de hepatite C registrados entre amostras de usuários de

drogas injetáveis do Rio de Janeiro e de Santos (duas cidades portuárias da região sudeste).

Além de injeções inseguras, as práticas sexuais dos usuários de drogas injetáveis

influenciam a disseminação do HIV, inclusive para os filhos que geram. Os fatores de risco

para a disseminação do HIV/AIDS incluem o uso de drogas injetáveis, o sexo sem proteção e

o sexo comercial.

De acordo com uma estimativa do Departamento de Informática do SUS

(DATASUS), o governo gasta no mínimo US$ 35 milhões por ano em custos relacionados ao

consumo de bebidas alcoólicas e droga em termos de saúde pública.

Esta estimativa é baseada nas despesas diretas e indiretas corridas em 2003 em

tratamento médico, na perda de produtividade de trabalhadores que são usuários de drogas e

nos prejuízos sociais causados por óbitos prematuros provocados pelo uso de drogas.

A tabela abaixo mostra as principais causas das 44.680 internações decorrentes do

uso de drogas.

Tabela 13: Causas da internação

Causas da internação Causas %

Álcool 84,5 Outras substâncias psicotrópicas 8,3 Cocaína 4,6 Maconha 1,3 Inalantes 0,2 Outras 1,1 Fonte: UNODC, 2008

Page 74: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

74

Causas da internação

84,5

8,3 4,6 1,30,21,1

Álcool

Outras substânciaspsicotrópicas

Cocaína

Maconha

Inalantes

Outras

Gráfico 8: Causas da internação Fonte: UNODC, 2008

Dois aspectos principais tornam o abuso de drogas um problema sério no Brasil,

multiplicando os riscos e aumentando os custos sociais e econômicos para a sociedade: em

primeiro lugar a crescente interface entre as drogas e a violência; e em segundo lugar a

relação entre o uso de substâncias psicoativas e a prevalência da AIDS e de outras doenças

sexualmente transmissíveis.

Sociólogos acreditam que o ciclo do tráfico e a falta de alternativas em relação à

renda ilícita podem gerar violência, principalmente em áreas mais pobres ou entre populações

vulneráveis, como a dos jovens.

Um estudo foi realizado pela Universidade de São Paulo, em parceria com a

Organização Pan-Americana de Saúde, publicado sob o título "Violência Relacionada a

Armas de Fogo no Brasil" em 2004.

O estudo mostra que a violência relacionada a armas de fogo se tornou uma

realidade cotidiana na sociedade brasileira, afetando principalmente os jovens em áreas

urbanas no Brasil. O tráfico de drogas ilícitas, associado à falta de oportunidades, desemprego

e grandes disparidades sócio-econômicas, contribui para os níveis extremamente altos de

violência relacionada a armas de fogo entre os jovens urbanos no Brasil.

O estudo destaca que nenhum fator único pode ser atribuído à violência. Esta resulta

das interações dinâmicas envolvendo múltiplos determinantes que incluem fatores

individuais, relacionais, sociais e comunitários.

Page 75: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

75

A disponibilidade de armas de fogo e a habilidade de se recorrer a estas armas letais

durante um encontro violento, a presença de atividades relacionadas às drogas e ao tráfico de

armas (muitas vezes envolvendo gangues), a falta de oportunidades econômicas para os

jovens que vivem em áreas pobres, a experiência da violência na infância, e imensas

disparidades sócio-econômicas, são todos fatores que contribuem para os registros de mortes e

lesões relacionadas a armas de fogo.

Tabela 14: Mortalidade anual causada por armas de fogo

Mortalidade Anual Causada por Armas de Fogo País Momento e natureza do conflito Óbitos Óbitos/Ano

Brasil Armas de Fogo 1993 - 2003 325.551 32.555

Chechênia Movimento de libertação 1994 - 50.000 25.000

Etiópia Disputas territoriais 1998 - 2000 50.000 25.000

Guatemala Guerra Civil 1970 - 1994 400.000 16.667

Algéria Guerra Civil 1992 - 1999 70.000 10.000

Guerra do Golfo Disputas territoriais 1990 - 1991 10.000 10.000

El Salvador Guerra Civil 1980 - 1992 80.000 6.667

Armênia/Azerbaijão Disputas territoriais 1988 - 1994 30.000 5.000

Nicarágua Guerra Civil 1972 - 1979 30.000 5.000

Timor Leste Independência 1974 -2000 100.000 3.846 Fonte: Mortes Matadas por Armas de Fogo no Brasil entre 1979 e 2003. Brasília: UNESCO, 2005

Os custos econômicos advindos da criminalidade, criminalidade que está diretamente

relacionada com o consumo de drogas ilícitas se dividem em custos diretos e indiretos.

Os custos diretos referem-se aos bens e serviços públicos e privados gastos no

tratamento dos efeitos da violência e prevenção da criminalidade no sistema de justiça

criminal, encarceramento, serviços médicos, serviços sociais e proteção das residências.

Os indiretos referem-se a perda de investimentos, bens e serviços que deixam de ser

captados e produzidos em função da criminalidade e do envolvimento das pessoas (agressores

e vítimas) nestas atividades.

Tabela 15: Custos da violência e criminalidade em relação ao PIB municipal

Custos da violência e criminalidade em relação ao PIB municipal Valores em bilhões

Rio de Janeiro (1995) 51 São Paulo (1999) 310 Belo Horizonte (1999) 21 Fonte: CRISP/UFMG – ISER-ILANUD, 2008

Page 76: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

76

Custos da violência e criminalidade em relação ao PIB municipal (valores em bilhões)

Rio de Janeiro (1995); 51

São Paulo (1999) ; 310

Belo Horizonte (1999); 21

Rio de Janeiro (1995)

São Paulo (1999)

Belo Horizonte (1999)

Gráfico 9: Custos da violência e criminalidade em relação ao PIB municipal Fonte: CRISP/UFMG – ISER-ILANUD

Os custos econômicos relacionados à violência na cidade de São Paulo em 1999,

segundo o ILANUD (Instituto Latino-Americano para Prevenção do Delito e Tratamento do

Delinqüente) estimam que os gastos do poder público no combate a criminalidade cheguem a

R$4,2 bilhões. A perda com bens e serviços que deixaram de ser produzidos gira em torno de

R$ 470 milhões e os gastos da sociedade civil na compra de `segurança’ e perdas geradas

diretamente pelos incidentes em torno de R$ 4,7 bilhões.

De acordo com o ISER (Instituto de Estudos da Religião) os custos econômicos no

Rio de Janeiro relacionados aos gastos diretos relacionados a atendimento médico, aos custos

dos anos perdidos por morte prematura e os custos dos anos perdido por incapacidade

superam o equivalente a US$1 bilhão. As perdas materiais e gastos com segurança que

incluem os custos brutos para a sociedade e transferências sociais chegam a US$1,5 bilhão.

Tabela 16: Custo econômicos da violência em Bele Horizonte

Custos econômicos da violência em Belo Horizonte Custos exógenos Valor (em reais) Percentual do PIB Gastos em segurança pública (2000) 333.981.000 1,55 Gastos privados em segurança (1999) 60.021.006 0,28 Gastos em seguros de veículos (1996) 86.728.436 0,4 Total 480.730.442 2,23 Custos endógenos Valor (em reais) Percentual do PIB Furtos e roubos (2002) 171.973.086 0,79 Renda potencial da vítimas fatais da violência (1999) 228.976.530 1,06 Atendimento médico às vítimas da violência (2000) 1.873.656 0,01 Total 402.823.272 1,86 Fonte: CRISP/UFMG, 2008

Page 77: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

77

Grande parte dos custos econômicos da violência está relacionada às vítimas do sexo

masculino que representam 95% dos custos e 93% das vítimas.

Tabela 17: Percentual dos custos relacionados às vítimas da violência atribuídos a cada sexo

Percentual dos custos relacionados às vítimas da violência atr ibuídos a cada sexo Percentual Masculino 93%

Feminino 7% Fonte: ISER, 2008

Gráfico 10: Percentual dos custos relacionados às vítimas da violência atribuídos a cada sexo Fonte: ISER, 2008

O custo de produção perdida resultante da morte é de R$ 53.278,00 por vítima do

sexo masculino e de R$ 9.116,00 por vítima do sexo feminino.

Tabela 18: Custo econômicos relacionados as vítimas da violência

Custo econômicos relacionados as vítimas da violência Valor (em reais) Masculino 53.278

Feminino 9.116 Fonte: ISER, 2008

Percentual dos custos relacionados às vítimas da violência atribuídos a cada sexo

Masculino; 93%

Feminino; 7%

Masculino

Feminino

Page 78: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

78

Custos econômicos relacionados às vítimas da violência (valor em reais)

Masculino; 53.278

Feminino; 9.116

Masculino

Feminino

Gráfico 11: Custo econômicos relacionados as vítimas da violência Fonte: ISER, 2008

De acordo com o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP)

em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a diminuição da taxa de

homicídios por 100 mil habitantes em uma unidade elevaria o aluguel dos domicílios em

0,61%. Assim, uma diminuição da taxa de homicídio de Belo Horizonte para a sua metade

levaria a um incremento de 12% no valor dos aluguéis.

A diminuição na taxa de roubos por 100 mil habitantes em uma unidade elevaria o

aluguel dos domicílios em 0,02%, no qual se reduzindo em 200 unidades a taxa de roubos

levaria a um incremento de 4% no valor dos aluguéis.

Em Santa Catarina, de acordo com o secretário da Segurança Pública e Defesa do

Cidadão, Ronaldo Benedet, de posse dos números referentes à criminalidade no primeiro

semestre de 2008, houve um aumento de 31% no número de homicídios dolosos nos três

primeiros meses deste ano no comparativo com os dados do ano passado na Grande

Florianópolis. Foram 46 homicídios em 2008 contra 35 em 2007.

Tabela 19: Aumento do número de homicídios na Grande Florianópolis

Aumento do número de homicídios na Grande Florianópolis Pr imeiro tr imestre 2007 Pr imeiro tr imestre 2008 Número de homicídios 35 47 Fonte: Secretaria de Segurança Pública/SC, 2008

Page 79: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

79

Aumento do número de homicídios na Grande Florianópolis

Primeiro trimestre

2008; 47 homicídios

Primeiro trimestre

2007; 35 homicídios

Primeiro trimestre2007

Primeiro trimestre2008

Gráfico 12: Aumento do número de homicídios na Grande Florianópolis Fonte: Secretaria de Segurança Pública/SC, 2008

Segundo o Delegado Geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Maurício Eskudlark,

há uma banalização da morte:

É a banalização da morte. A maioria dos assassinatos ocorre em pontos onde há disputa pelo comércio de drogas. Hoje, a droga responde por uma série de crimes, apesar das apreensões quase que diárias que a polícia vem promovendo. (ESKUDLARK, 2008).

A ordem é intensificar as ações de combate ao tráfico e consumo de drogas, uma vez

que 85% dos assassinatos têm relação direta com o tráfico e consumo de entorpecentes, relata

o secretário Ronaldo Benedet.

4.1 Da lavagem de dinheiro

Não é difícil, para um observador crítico, concluir pela concentração do capital gerado

pelo narcotráfico nas mãos dos grupos conhecidos como máfias ou cartéis internacionais.

O estudo da geopolítica das drogas, no entanto, aponta para outra premissa irrefutável:

é impossível que um negócio que movimenta mais de um bilhão de dólares ao dia, beneficie

Page 80: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

80

tão somente meia dúzia de narcotraficantes internacionais. Onde circula e quem se beneficia

dos bilhões de narcodólares produzido nesse mercado proibido?

Os jornalistas José Alberx Júnior e Cláudio Júlio Tognolli demonstram a relação entre

capital e drogas:

O banqueiro saudita Gaith Pharaon, à época um dos quinze homens mais ricos do mundo, declarou em Buenos Aires, que todos os grandes bancos lavam dinheiro do narcotráfico, incluindo instituições como o First Bank of Boston e o Crédit Suisse. Pharaon se ressentia do fato de que apenas o seu Bank of Credit and Commerce International, estopim de um grande escândalo financeiro em 1992, fosse citado com freqüência por suas vinculações com o narcotráfico. Pharaon era também dono de uma cadeia de supermercados na França, acionista da rede mundial do Club Mediterranée e da rede de hotéis Hiatt, de cinco estrelas. Entre seus amigos estavam homens ilustres, como o presidente Carlos Menem da Argentina. Tudo isso faz com suas declarações adquiram uma importância especial e permite que se vislumbre um pouco da hipocrisia dos capitalistas que se comportam, publicamente, como donzelas indignadas contra o crime organizado e as drogas. (ALBERTX; TOGNOLLI apud ZACCONE, 2007, p.24).

Segundo o criminólogo e penalista argentino, Eugenio Raúl Zaffaroni, o atual modelo

repressivo acaba por realizar uma função de intervenção no mercado. Os varejistas são

retirados da competitividade do comércio ilegal, aumenta-se a corrupção na periferia e

concentram-se os lucros do negócio ilícito junto às atividades ilegais, responsáveis pela

lavagem do dinheiro obtido com o comércio de drogas proibidas.

Ou seja, a atual política criminal de combate às drogas, longe de eliminar o comércio

de substâncias consideradas entorpecentes, acaba por reforçar e concentrar o grande negócio

do tráfico nas mãos dos grandes grupos econômicos e financeiros.

Lavar dinheiro significa em síntese reincorporar ao sistema financeiro e à economia

formal valores obtidos ilegalmente. O Programa das Nações Unidas para o Controle

Internacional de Drogas (UNDCP) e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades

Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda do Brasil definem desta maneira: “Lavar

recursos é fazer com que produtos de crimes pareçam ter sido adquiridos legalmente” .

Segundo o diretor do Escritório Nacional de Política de Controle de Drogas dos

Estados Unidos, general Barry McCaffrey, US$ 57 bilhões são gastos anualmente pelos

usuários para comprar drogas ilícitas nos Estados Unidos; do total arrecadado no varejo 80%

ou US$ 45,6 bilhões são lucro do tráfico. Como é impossível carregar todo esse dinheiro, ele

é lavado em volumes diversos.

A desregulamentação acelerada da economia com o triunfo da globalização fez com

que os mecanismos de controle do sistema financeiro mundial se tornassem ainda mais

Page 81: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

81

frágeis. Segundo a UNDCP: “As organizações criminosas envolvidas com drogas ilícitas

respondem às oportunidades criadas pela globalização da economia de mercado. A década

passada viu grandes passos na desregulamentação bancária e na privatização de negócios do

Estado” .

Na prática, isso significa que ao mesmo tempo em que condenam e gastam fortunas

para enfrentar as ações e as conseqüências do narcotráfico, as grandes potências mundiais

organizam, consolidam e aprofundam o sistema que permite à cadeia produtiva do crime

organizado não só operar com desenvoltura como também se ampliar incessantemente.

4.1.1 Lavagem através dos Paraísos Fiscais

Uma das principais ferramentas do sistema financeiro globalizado utilizada pelo

narcotráfico são os paraísos fiscais, que na prática são países onde praticamente inexiste

obrigação de pagar impostos e taxas e que, na maioria, asseguram em lei um rigoroso sigilo

bancário que inviabiliza a identificação dos donos do depósito.

As ilhas Cayman, no Caribe, são o paradigma de paraíso fiscal. Com uma população

de 35 mil habitantes, acumulava ativos bancários da ordem de US$ 430 bilhões em 1994.

Esses números só eram inferiores aos números de Estados Unidos, Japão, Alemanha, França,

Reino Unido e Suíça.

Minúsculo território com status de dependência externa do Reino Unido, as ilhas

Cayman são o maior centro offshore do mundo. Esses centros não se submetem ao controle de

autoridades de nenhum país, são extraterritoriais e isentos de fiscalização.

Nas ilhas Cayman, o sigilo previsto na legislação daquele país impede que se conheça

a identidade de titulares de contas bancárias e proprietários de empresas. É o ideal para quem

obteve dinheiro de forma ilícita.

Há mais de 40 paraísos fiscais no mundo. O FMI (Fundo Monetário Internacional) cita

como principais centros offshore Bahamas, Bahrein, ilhas Cayman, Hong Kong, ilhas Jersey,

Antilhas Holandesas, Panamá e Cingapura.

Page 82: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

82

Segundo dados do FMI de 2% a 5% do PIB mundial seria `lavado’. Na hipótese mais

alta, equivaleria a US$ 1,5 trilhão em 1999 (sendo que o PIB mundial foi de cerca de US$ 30

trilhões em 1998). É muito mais do que o dobro das riquezas produzidas no Brasil em 1999.

Um dos principais centros internacionais de lavagem de dinheiro é a Suíça, que com

seu sistema bancário resguardado, é um dos principais portos de desembarque do dinheiro

acumulado pelo narcotráfico.

Os países ricos possuem centenas de bancos com filiais nas ilhas Cayman, na Suíça e

em outros paraísos fiscais. Poderiam estabelecer controles, restrições e mudanças nas

legislações que regem a `lavanderia de dinheiro’ oriunda do narcotráfico, tráfico de armas,

corrupção, prostituição, porém não o fazem.

4.1.2 Exemplos de como funciona a lavagem de dinheiro do

narcotráfico

No momento em que uma quadrilha do narcotráfico encerra uma etapa do ciclo da

comercialização da droga, ela precisa lavar os seus lucros para evitar que possam ser

descobertos e confiscados pelo Estado.

Não basta deixar o dinheiro em um Paraíso Fiscal, o dinheiro precisa ser reinvestido

em novos ciclos do comércio da droga nos países produtores. Um caso real, documentado

pelo Coaf demonstra como funciona o esquema:

• O economista colombiano Franklin Jurado comandou de 1990 a 1996 a lavagem

de US$ 36 milhões obtidos com o comércio da droga na Colômbia;

• Os depósitos iniciais do dinheiro adquirido de forma ilícita foram feitos em

agências bancárias do Panamá. Durante três anos, os valores depositados

transferidos para mais de 100 contas diferentes de 68 bancos em nove países

diferentes. Para não chamar a atenção, tratava de manter os saldos das contas

abaixo de US$ 10 mil;

• Os depósitos foram transferidos para bancos da Europa, com a intenção de

ocultar a origem latino-americana do dinheiro;

Page 83: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

83

• Ainda na Europa, o dinheiro saiu das contas, aplicado em empresas de fachada

controladas pelo economista;

• Essas firmas européias remeteram o dinheiro para a Colômbia, onde foi

investido em negócios legais como restaurantes, construtoras, laboratórios

farmacêuticos e outros.

Franklin Jurado foi um dos poucos lavadores de dinheiro flagrados e presos, só pelo

motivo que um banco de Mônaco faliu e expôs as contas manipuladas pelo colombiano.

No mundo inteiro, o crime organizado investe em empresas de capital aberto nas

Bolsas de Valores. Se o dinheiro do narcotráfico parasse de circular, poderia ocorrer uma

crise financeira no sistema.

No Brasil o narcotráfico lava dinheiro principalmente nas Bolsas de Valores; em

empresas de fachada (construtoras, pizzarias, padarias); casas noturnas, boates, restaurantes;

companhias seguradoras; negócios com jóias e objetos de arte; metais preciosos e casas de

câmbio.

Uma investigação do Ministério Público Federal no Paraná mostrou que as contas

CC-5 foram fartamente utilizadas para a lavagem de dinheiro. De 1992 a 1998 foram enviados

ao exterior R$ 124 bilhões, só não se sabe o quanto deste dinheiro foi utilizado para a

lavagem.

Sabe-se que dos R$ 7,1 bilhões enviados por pessoas físicas, 54% do valor foram

despachados por `laranjas’ . Chegaram a ser descobertos 226 laranjas, inclusive pessoas de

menor renda e poder aquisitivo como camelôs e faxineiras.

De acordo com o jornalista José Maschio (Folha de s. Paulo,11 de agosto de 1999),

das 50 pessoas com maiores remessas, 21 eram de Foz do Iguaçu e 11 de Ponta Porá. Duas

cidades conhecidas pelo tráfico de drogas e demais produtos. São Paulo, a cidade mais rica do

país, só possuía 4 pessoas na lista das 50 maiores remessas.

As novas tecnologias, com destaque para a internet, facilitam a lavagem.

Transferências on-line entre países dificultam o rastreamento pelas autoridades.

Com a flexibilização da legislação, normas e controle das economias nacionais, o

dinheiro do crime passou a ter mais influência. De acordo com o FBI, mais da metade das

antigas empresas estatais russas privatizadas com a reintrodução do capitalismo, tem algum

grau de contato com as máfias locais.

No México, cartéis de cocaína participaram ativamente do processo de privatização

de empresas públicas, comprando patrimônio vendido pelo Estado.

Page 84: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

84

Especialistas em lavagem de dinheiro apontam o sistema financeiro mundial como o

maior trunfo dos narcotraficantes, pois segundo os mesmos, o sistema absorve os lucros sem

perguntar sua origem e, em muitos casos, assegura o anonimato dos depositantes.

4.2 Infiltração do dinheiro ilegal or iundo das drogas ilícitas

Em vários países onde a droga se tornou o pilar econômico, a degeneração política e

social registrou a formação de Estados paralelos dentro dos Estados oficiais, onde alguns

Estados oficiais se tornaram Narcoestados.

• Na Bolívia, o general García Meza, apoiado no narcotráfico, assumiu o

poder em 1980 com u golpe militar;

• Dési Bouterse, caçado pela Holanda como narcotraficante, governou o

Suriname nos anos 80;

• De 1983 a 1989, quando foi deposto por uma invasão dos Estados Unidos,

o ex- agente da CIA, Manuel Antônio Noriega, ligado aos cartéis

colombianos, mandou no Panamá;

• Na Colômbia, o presidente Ernesto Samper (1994-1998) foi acusado pela

Procuradoria-Geral de ter recebido de traficantes US$ 6 milhões para

campanha política;

• No México, Raul Salinas de Gortari, irmão do presidente Carlos Salinas de

Gortari (1988-1994), depositou mais de US$ 100 milhões em contas

secretas na Suíça. Foi o preço pago por redes do tráfico para a liberação de

portos por onde a cocaína seguia para os Estados Unidos;

• Em países como Afeganistão e Myanmar a economia nacional está

totalmente fundada nas receitas do narcotráfico.

Page 85: A QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS NO BRASIL

85

4.3 Uma guerra conveniente aos interesses dos Estados Unidos

A guerra ao narcotráfico promovida pelo governo dos Estados Unidos tem rendido

bons contratos para as empresas estadunidenses. O projeto Sivam (Sistema de Vigilância da

Amazônia), que tem como um dos objetivos rastrear com radares os vôos de aeronaves a

serviço do tráfico no espaço aéreo brasileiro, foi entregue a uma empresa norte-americana, a

Raytheon, por US$ 1,4 bilhão.

Na Colômbia, do pacote de US$ 1,6 bilhão, destinados ao Plano Colômbia para a

pulverização das lavouras de coca e as ações armadas contra traficantes, parte do dinheiro

nem saiu dos Estados Unidos. Foram comprados 30 helicópteros novos e 33 de segunda mão

ao custo de US$ 349,5 milhões, todos fabricados nos Estados Unidos.

A junção do tráfico de drogas com o de armas criou outro mercado clandestino e

lucrativo para as empresas estadunidenses. Fuzis modelo AR-15 e M16 utilizados pelas tropas

americanas nas guerras, são fabricados pela Colt, empresa norte-americana, e são comprados

ilegalmente por quadrilhas pertencentes ao crime organizado e exibidos facilmente nos

morros cariocas.

Veja a declaração do ex-chefe de Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro, Hélio

Luz, no documentário Notícias de uma Guera Particular, de João Salles e Kátia Lund: “Os

americanos querem controlar a Colômbia e o Peru. Eu só quero fechar a fábrica da Colt nos

Estados Unidos” .

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5 ARGUMENTOS CONTRA E PRÓ-LEGALIZAÇÃO DAS

DROGAS IL ÍCITAS

Abaixo serão apresentados alguns pontos de vista relacionados a questões das drogas

ilícitas.

5.1 Argumentos contra a legalização

A maioria dos argumentos é de fontes que trabalham em prol do combate e repressão

as drogas ilícitas, tais como ONU, OMS e organizações estatais.

• Para o UNDCP, o órgão da ONU dedicado ao controle de drogas, “os

direitos individuais devem ser compatíveis com a segurança e bem-estar de

toda a comunidade. Nenhum individuo tem o direito de se comportar de uma

forma que venha a se revelar destrutiva para os demais e para si mesmo”.

• A legalização levaria o uso de drogas às alturas. As mortes relacionadas a

drogas ilícitas nos Estados Unidos são baixas se comparadas às de drogas

legais como o álcool (cinco vezes mais) e fumo (vinte vezes mais).

• A conta dos impostos não fecha. Nos estados Unidos, em 1995, as taxas

geradas por bebidas alcoólicas que foram na ordem de US$ 20 bilhões

bancaram apenas metade dos US$ 40 bilhões despendidos com custos diretos

de saúde, sem contar outros. Os cigarros recolheram US$ 13 bilhões, mais

que a sexta parte dos US$ 75 bilhões consumidos com doenças relacionadas

ao fumo.

• A legalização não acabaria com as máfias, elas iriam procurar novos negócios

para lucrar, como tráfico de armas, metais preciosos, órgãos humanos etc.

• O consumo de drogas ilícitas ou não, destrói muitos setores da população

mundial.

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• Um dos principais riscos da legalização é a irreversibilidade. Precisou-se de

30 anos de pesquisas médicas que comprovassem a relação entre o fumo e o

câncer para que o hábito de fumar começasse a cair entre adultos.

5.2 Argumentos favoráveis à legalização

Compartilham desses argumentos economistas renomados como Milton Friedman e

Galbraith, membros da comunidade artística com Gilberto Gil e Chico Buarque e membros da

política como Fernando Gabeira e o governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

• A política de guerra às drogas fracassou. Apesar de monumentais

investimentos, nunca se consumiu tanto e nunca houve tantas drogas à

disposição.

• A adulteração, devido à falta de controle farmacêutico sobre os produtos,

causa mais prejuízos do que as drogas em si. Regularizada, a produção seria

submetida à fiscalização rígida.

• O consumo pode aumentar inicialmente, mas vai descer a níveis moderados

depois.

• O Estado não tem o direito de se intrometer na vida de quem faz o que quer

sem prejudicar os outros. Consumir ou não drogas é uma decisão que diz

respeito à liberdade individual.

• Os únicos beneficiários da proibição são os traficantes. Com a legalização, os

lucros do tráfico vão cair, os grupos criminosos entrarão em colapso, e a

violência e as corrupções inerentes ao mercado ilícito diminuirão.

• Do comércio de drogas seriam recolhidos impostos que cobririam campanhas

e prevenção ao uso abusivo e o tratamento de dependentes. Assim, o Estado

não deixaria de investir em outras áreas para gastar com os efeitos do

consumo de drogas.

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• As verbas hoje empregadas no combate ao narcotráfico poderiam ser

revertidas para outras atividades relevantes na área social.

5.3 Previsões de mudanças com a adoção de políticas alternativas

Abaixo, algumas das estimativas do que ocorreria caso as providências da

descriminalização ou legalização fossem adotadas.

.

Tabela 20: Previsões de mudanças com a adoção de políticas alternativas

Previsões de mudanças com a adoção de políticas alternativas Descriminalização Legalização Oferta da droga Fica igual Aumenta Preço da droga Fica igual Diminui

Gastos com saúde pública Aumenta Aumenta muito

Desempenho no trabalho Diminui Diminui Força das organizações criminosas Fica igual Diminui muito Risco de acidentes Aumenta Aumenta Corrupção Diminui Diminui muito Gastos com segurança Fica igual Diminui muito Gastos com Judiciário Diminui Diminui muito Gastos com prisões Fica igual Diminui muito Fonte: Revista Super Interessante, 2007

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6 CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

Ao chegar ao término do presente trabalho sobre a política empregada ao combate às

drogas ilícitas conclui-se que, destinada a erradicar do globo todo um leque de substâncias

psicoativas, as diretrizes proibicionistas, terminaram por produzir um efeito contrário.

Fica claramente identificável que as organizações ilegais fortaleceram-se, uma

variedade maior de drogas ilícitas fica a disposição dos usuários ou consumidores, e a

violência que acompanha todo o negócio ilegal não para de crescer.

Enormes quantias são gastas em trabalhos de repressão, prevenção e cuidados

médicos para tratamentos dos usuários por parte do Estado, ao passo que, em caráter privado,

empresas perdem pela produtividade de seus trabalhadores adoecidos.

Visto que, a decisão de se consumir ou não drogas psicoativas só diz respeito à uma

escolha individual, tal usuário, ao optar pelo uso de determinada substância deveria se

responsabilizar pelo seu ato, mediante pagamentos de impostos ao adquirir tal produto; e

multas, penas ou prisões caso o consumo abusivo levasse risco a liberdade ou a saúde de

terceiros.

Como hoje acontece com os cigarros, através de multas para uso em locais fechados

ou o uso em determinados espaços públicos, e com a bebida consumida em excesso através do

pagamento de multas ou privação da liberdade, conhecida popularmente como lei seca.

Em ambos os casos não se retiram a liberdade individual de escolha, onde cada

consumidor pode optar em consumir ou não seu cigarro ou sua bebida, mas sabe que ao

consumir estará sujeito às aplicações penais previstas em lei.

A produção e comercialização estariam sujeita ou a manutenção do Estado, ou as

forças privadas, e em ambos os casos haveria uma desoneração dos cofres públicos, e os

recursos destinados ao combate e a repressão poderiam ser alocados para outros setores como

a saúde, a prevenção, campanhas educativas, educação, entre outros.

Creio ser este o modo, aliado a campanhas educativas, mais sensato para lidar com a

questão das drogas ilícitas. Uma vez que o simples fato de se penalizar com multas e prisão,

também ao usuário, fez com que houvesse uma diminuição significativa no número de

consumidores (caso dos cigarros) e no número de acidentes relacionados ao consumo de

bebidas alcoólicas.

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As campanhas educativas em torno do uso de cigarros, como o aumento as

informações referentes ao mesmo, campanhas publicitárias proibidas em veículos de

informação e a proibição de associá-los ao “mundo jovem”, reduziram consideravelmente o

consumo do mesmo. Isso é algo que poderia facilmente ser transportado para a categoria de

drogas ilícitas, visto que segundo a ONU cada dólar utilizado na prevenção e no tratamento

significa a economia de US$ 5 no futuro, em gastos com problemas causados pelas drogas,

como segurança processos judiciários, entre outros.

Diante do apresentado, até mesmo um leitor francamente contrário ao uso de

qualquer substância psicoativa estaria em condições de questionar o proibicionismo aplicado

nos dias atuais.

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