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A natureza jurdica dos direitos autorais
Srgio BRANCO
SUMRIO: Introduo; 1. Direitos morais; 1.1. Direito de paternidade; 1.2.
Direito de indito; 1.3. Direito paternidade da obra; 2. Direitos
patrimoniais; 3. Um direito exclusivo.
RESUMO: O presente artigo visa a um estudo dos direitos autorais a partir da
diviso que os separa entre direitos morais do autor e direitos patrimoniais.
A partir dessa diviso, busca-se a verdadeira natureza jurdica dos direitos
autorais, configurada em torno da categoria de direito de exclusivo proposta
por Jos de Oliveira Ascenso.
PALAVRAS-CHAVE: 1. Direitos autorais. 2. Natureza jurdica. 3. Direito de
exclusivo.
ABSTRACT: This article seeks to study authors rights starting from the
separation that divides them between moral authors rights and
patrimonial rights. From that division, the true nature of authors rights is
sought, configured around the category of exclusive right proposed by Jos
de Oliveira Ascenso.
KEYWORDS: 1. Authors rights. 2. Juridical nature. 3. Exclusive right.
Introduo
A Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei 9.610/98, doravante LDA) regula os direitos
de autor e os que lhe so conexos1. Os direitos de autor so aqueles conferidos ao
criador da obra literria, artstica ou cientfica. J os direitos conexos so os detidos
pelos artistas intrpretes ou executantes, produtores fonogrficos ou empresas de
radiodifuso, aos quais so conferidos os mesmos direitos atribudos aos autores, no
que couber.2
Doutor e mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor do IBMEC 1 Art. 1: Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominao os direitos de autor e os que lhes so conexos. 2 Art. 89. As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intrpretes ou executantes, dos produtores fonogrficos e das empresas de radiodifuso. Pargrafo nico. A proteo desta Lei aos direitos previstos neste artigo deixa intactas e no afeta as garantias asseguradas aos autores das obras literrias, artsticas ou cientficas.
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Desde logo, importante esclarecer que a obra intelectual protegida se distingue do
suporte fsico em que se encontra eventualmente incorporada3. A doutrina usualmente
chama a obra intelectual de corpus misticum, enquanto que ao bem fsico se costuma
atribuir a denominao de corpus mechanicum. Dessa forma, a LDA visa a proteger a
obra intelectual, no seu suporte. A aquisio de um livro impresso, por exemplo,
confere a seu proprietrio todos os direitos de propriedade sobre bens mveis: poder
ele vender, doar, abandonar ou destruir seu bem. No entanto, o mesmo proprietrio do
livro gozar, quanto ao texto contido no livro (a verdadeira obra intelectual) direitos
distintos dos direitos de propriedade, na extenso que lhe tenham sido outorgados pela
lei ou pelo titular dos direitos autorais.4
Para a LDA, os direitos autorais se reputam bens mveis5 e os negcios jurdicos a eles
relacionados devem ser interpretados restritivamente6. O autor sempre ser pessoa
fsica, sendo que a proteo conferida ao autor poder ser aplicada s pessoas jurdicas
nos casos previstos em lei7. A proteo de que trata a lei independe do registro da obra
em qualquer rgo pblico ou privado.8
A LDA aponta quais as obras protegidas por direitos autorais, sendo a lista indicada em
seu art. 79 considerada meramente exemplificativa10. Tambm indica a LDA as
criaes do esprito no sujeitas proteo por direitos autorais.11
3 Assim que o art. 37 da LDA prev que a aquisio do original de uma obra, ou de exemplar, no confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo conveno em contrrio entre as partes e os casos previstos nesta Lei. Ainda que mais usualmente as obras protegidas por direitos autorais encontrem-se fixadas em algum suporte, no impossvel que a obra tenha sido apenas exteriorizada (oralmente, por exemplo), sem fixao, caso em que, ainda assim, seguiria protegida. 4 Alexandre Dias Pereira, comentando a obra de Manuel de Andrade, invoca as seguintes palavras a respeito do tema: o objecto de tais direitos a obra na sua forma ideal, na sua concepo intelectual, e no a coisa ou as coisas materiais que constituem a sua corporizao ou encarnao exterior, atravs das quais ela faz a sua apario no mundo sensvel. Os direitos que recaem sobre essas coisas materiais so vulgares direitos de propriedade, salva qualquer variante no essencial. Os que recaem sobre a obra como entidade ideal, como particular combinao de pensamentos ou impresses, que revestem uma fisionomia especfica, embora muito prxima, nos seus principais aspectos, da dos direitos reais sobre coisas corpreas (grifos no original). PEREIRA, Alexandre Dias. Informtica, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 140. 5 Art. 3: Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens mveis. 6 Art. 4: Interpretam-se restritivamente os negcios jurdicos sobre os direitos autorais. 7 Art. 11. Autor a pessoa fsica criadora de obra literria, artstica ou cientfica. Pargrafo nico. A proteo concedida ao autor poder aplicar-se s pessoas jurdicas nos casos previstos nesta Lei. 8 Art. 18: A proteo aos direitos de que trata esta Lei independe de registro. 9 Art. 7: So obras intelectuais protegidas as criaes do esprito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangvel ou intangvel, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literrias, artsticas ou cientficas; II - as conferncias, alocues, sermes e outras obras da mesma natureza; III - as obras dramticas e dramtico-musicais; IV - as obras coreogrficas e pantommicas, cuja execuo cnica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V - as composies musicais, tenham ou no letra; VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou no, inclusive as cinematogrficas; VII - as obras fotogrficas e as produzidas por qualquer processo anlogo ao da fotografia; VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cintica; IX - as ilustraes, cartas geogrficas e outras obras da mesma natureza; X - os projetos, esboos e obras plsticas concernentes geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e cincia; XI - as
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Um dos aspectos mais relevantes para o desenvolvimento deste trabalho a diviso dos
direitos autorais em dois feixes, ou grupos, de direitos: os morais e os patrimoniais12.
Muitas vezes, a doutrina trata (a nosso ver equivocadamente em ambos os casos, do
que cuidaremos mais adiante13) os primeiros como se fossem emanao da
personalidade do autor, e os segundos como objeto de propriedade.14
Mas qual a importncia de se discutir a natureza jurdica dos direitos autorais? Como
lembra Teresa Negreiros, as classificaes jurdicas, se, por um lado, pecam por tentar
reduzir a categorias abstratas fenmenos complexos, por outro lado, tm a importante
funo de sistematizar o conhecimento jurdico e (...) podem inclusive apoiar
adaptaes, tradues e outras transformaes de obras originais, apresentadas como criao intelectual nova; XII - os programas de computador; XIII - as coletneas ou compilaes, antologias, enciclopdias, dicionrios, bases de dados e outras obras, que, por sua seleo, organizao ou disposio de seu contedo, constituam uma criao intelectual. 1 Os programas de computador so objeto de legislao especfica, observadas as disposies desta Lei que lhes sejam aplicveis. 2 A proteo concedida no inciso XIII no abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuzo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras. 3 No domnio das cincias, a proteo recair sobre a forma literria ou artstica, no abrangendo o seu contedo cientfico ou tcnico, sem prejuzo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial. 10 Ver, entre outros, BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2004, p. 25: [c]om base na diretriz assumida, as leis internas dos pases tambm adotaram a tcnica da enumerao exemplificativa de obras protegidas, permitindo, pois, a integrao de outras criaes estticas no seu contexto (assim, entre ns, a Lei n. 9.610/98, art. 7). 11 Art. 8: No so objeto de proteo como direitos autorais de que trata esta Lei: I - as ideias, procedimentos normativos, sistemas, mtodos, projetos ou conceitos matemticos como tais; II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negcios; III - os formulrios em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informao, cientfica ou no, e suas instrues; IV - os textos de tratados ou convenes, leis, decretos, regulamentos, decises judiciais e demais atos oficiais; V - as informaes de uso comum tais como calendrios, agendas, cadastros ou legendas; VI - os nomes e ttulos isolados; VII - o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras. 12 O Direito de Autor possui duas naturezas diversas, ou seja, o jus in rem e o jus in personam, as quais no se confundem, mas coexistem em harmonia para este ramo do direito. As caractersticas do jus in rem e do jus in personam so a alienabilidade do primeiro e a indisponibilidade do segundo, o qual jamais se afasta ou pode ser afastado do autor da obra. LEITE, Eduardo Lycurgo. Direito (moral) de indito. Direito de Autor. Braslia: Braslia Jurdica, 2004, p. 119. 13 Em trabalho anterior, defendemos a classificao que agora negamos. A compreenso dos direitos autorais como propriedade (em seu aspecto patrimonial) e como direito de personalidade (em seu aspecto moral) bastante difundida, ainda que, em nossa opinio, menos complexa. A anlise a que nos dedicamos agora exige maior detalhamento do instituto e, por conta disso, foi necessrio rever a qualificao anteriormente adotada. BRANCO, Srgio. Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 29. Disponvel em http://virtualbib.fgv.br/dspace/handle/10438/2832. 14 Com efeito, os direitos autorais no se cingem, nem categoria dos direitos reais, de que se revestem apenas os direitos denominados patrimoniais, nem dos direitos pessoais, em que se alojam os direitos morais. Exatamente porque se bipartem nos dois citados feixes de direitos mas que, em anlise de fundo, ento, por sua natureza e sua finalidade, intimamente ligados, em conjunto incindvel no podem os direitos autorais se enquadrar nesta ou naquela das categorias citadas, mas constituem nova modalidade de direitos privados. So direitos de cunho intelectual, que realizam a defesa dos vnculos, tanto pessoais, quanto patrimoniais, do autor com sua obra, de ndole especial, prpria, ou sui generis, a justificar a regncia especfica que recebem nos ordenamentos jurdicos do mundo atual. BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor, cit., p. 11.
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importantes reformulaes no tratamento dogmtico dos institutos e na sua
aplicabilidade concreta.15
No caso especfico dos direitos autorais, Giselda Hironaka e Silmara Chinelato afirmam
tratar-se a discusso sobre sua natureza jurdica algo de fundamental importncia,
pois repercutir em temas diversos em relao aos quais as polmicas, dvidas,
indagaes e perplexidades sero resolvidas luz da tomada de posio quanto
natureza em tela. Assim, por exemplo, quanto desapropriao de direito autoral.16
Afirma Gama Cerqueira:
Segundo Piola Caselli, o rro principal de Kohler, assim como de todos os
que porfiam em considerar o direito de autor simplesmente como instituto
de direito patrimonial, consiste na apreciao unilateral e inexata da
natureza da obra intelectual. A obra do engenho, diz o autor, , certamente,
um bem e apresenta, como tal, uma objetividade externa. Mas ste bem
essencialmente diverso de qualquer outra espcie de bens, sob duplo
aspecto. Em primeiro lugar, porque permanece sempre, seno
compreendido na esfera da personalidade de seu autor ou criador, pelo
menos ligado de modo constante a essa esfera da personalidade, que
determina o nascimento e a extenso da relao jurdica, de que sse bem
constitui objeto. Em segundo lugar, sse bem, ao contrrio de todos os
outros bens patrimoniais, representativo da personalidade do autor nas
relaes sociais. (grifos no original) 17
Ainda que no integralmente, concordamos com os argumentos acima no sentido de
que as obras protegidas por direito autoral no carregam em si apenas o aspecto
patrimonial, de modo que foroso admitir um aspecto moral ligando a obra a seu
autor.
15 NEGREIROS, Teresa. Teoria dos Contratos Novos Paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 341-342. 16 CHINELATO, Silmara Juny de Abreu; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Propriedade e posse: uma releitura dos ancestrais institutos. Reflexos no direito autoral. Revista de Direito Autoral, ano I, n. 1, Rio de Janeiro: Lumen Juris, ago., 2004, p. 68. Acrescenta Joo Paulo Capella Nascimento: h que se ponderar que, dependendo da natureza jurdica que se seja atribuda a qualquer direito, diferente ser a interpretao e a aplicao da prpria lei. Assim, se qualificarmos os direitos sobre os bens imateriais como direitos reais ou pessoais, a interpretao e aplicao da lei a eles relativa seguir necessariamente, mesmo que de forma subsidiria, todo o regime jurdico relativo aos direitos reais ou pessoais. Ao revs, se qualificarmos a natureza jurdica desse direito como sendo, como apregoam alguns, um direito novo, imprescindvel seria traar-lhe um regime jurdico tambm novo, de forma a que tivesse ele uma perfeita integrao no ordenamento jurdico como um todo. NASCIMENTO, Joo Paulo Capella. A Natureza Jurdica do Direito sobre os Bens Imateriais. Revista da ABPI, n. 28, p. 23. 17 CERQUEIRA, Joo da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. v. I. Rio de Janeiro: Forense, p. 111.
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Em sntese, o resumo apresentado por Gama Cerqueira a partir da teoria de Piola
Caselli nos parece extremamente interessante, pelo que o transcrevemos na ntegra:
[O] direito de autor representa uma relao de natureza pessoal, porque o
objeto dste direito constitui sob certos aspectos uma representao, ou
uma exteriorizao, uma emanao da personalidade do autor; representa,
por outro lado, uma relao de direito patrimonial, enquanto a obra
intelectual , ao mesmo tempo, tratada pela lei como um bem econmico. O
direito de autor representa, pois, um poder de domnio (potere di signoria)
sbre um bem intelectual (jus is re intellectuali), o qual, pela natureza
especial dste bem, abrange, no seu contedo, faculdades de ordem pessoal
e faculdades de ordem patrimonial. ste direito deve ser qualificado como
direito pessoal-patrimonial e a denominao que mais lhe convm a de
direito de autor.18
importante observarmos, entretanto, que no nos parece possvel encarar o direito
autoral como um nico direito composto de uma mescla de seus aspectos moral e
patrimonial. Isso se d, em primeiro lugar, por conta da crtica apontada por Gama
Cerqueira de que, se se tratasse de um nico direito pessoal-patrimonial,
[]ste direito seria, assim, concomitantemente, pessoal e patrimonial, e
teria como objeto, ao mesmo tempo, uma pessoa e um bem patrimonial que
lhe externo: a pessoa do autor e sua obra. Segundo a doutrina do direito
pessoal, o sujeito e o objeto do direito identificam-se, pois o autor ao
mesmo tempo sujeito e objeto do direito, o que contrrio natureza das
coisas e ao senso jurdico. Pela doutrina do direito pessoal-patrimonial o
objeto consiste, ao mesmo tempo, na pessoa e em uma coisa incorprea, o
bem imaterial.19
Em segundo lugar, porque os aspectos pessoal e patrimonial tm fundamentos
jurdicos distintos e sobre eles pesam regras jurdicas diversas. Dessa forma, no
possvel tratarmos o direito autoral como um nico direito composto de duas facetas,
mas sim como o conjunto de dois feixes de direitos distintos que nascem para o autor
no momento da criao da obra20, os direitos morais e os direitos patrimoniais.
18 CERQUEIRA, Joo da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, cit., p. 112. 19 CERQUEIRA, Joo da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, cit., p. 112. 20 Gama Cerqueira entende tratar-se de um direito puramente patrimonial, que tem por objeto a prpria obra criada e consiste, essencialmente, na faculdade exclusiva de reproduzi-la e de auferir as vantagens econmicas que dela possam resultar. Ao lado desse direito, que , prpriamente, o direito de autor, e independente dele, subsiste o seu direito moral, que designa o conjunto dos direitos especiais da personalidade que acompanham as manifestaes da atividade humana de carter patrimonial e que no se confundem com os direitos pessoais prpriamente ditos. So dois direitos diferentes: um que compete pessoa enquanto autor: outro que compete ao autor como pessoa. No se trata nem de um direito de dupla natureza, nem de faculdades diversas de um mesmo direito, nem de aspectos diferentes de um direito nico; mas de dois direitos diversos e independentes, o que explica a faculdade que tem o autor de alienar
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1. Direitos morais
Para Bruno Jorge Hammes, [o] direito moral o que protege o autor nas relaes
pessoais e ideais (de esprito) com a obra21. Comentando a obra de referido autor,
Elisngela Dias Menezes acrescenta que, para ele, o direito moral nada diz sobre a
moralidade (tica) do autor, ou seja, no se destina a tecer juzos de valor sobre sua
condio de respeito como pessoa. Ao contrrio, visa essa garantia legal proteger a
moralidade da ligao entre criador e obra, possibilitando aos autores, em qualquer
tempo, requerer a proteo do direito em favor de seus legtimos interesses de ordem
no-patrimonial.22
Nesse sentido, Jos de Oliveira Ascenso critica fortemente a terminologia de direitos
morais, por qualificar o termo moral como imprprio e incorreto. Imprprio, pois
h setores no-ticos no chamado direito moral e incorreto, pois foi importado sem
traduo da lngua francesa. A se fala em pessoas morais, danos morais, direitos
morais, e assim por diante. Mas no significado que pretende o qualificativo estranho
lngua portuguesa e deve, pois, ser substitudo23. Prega, portanto, o autor portugus,
que sejam denominados direitos pessoais24. Concordamos inteiramente com a crtica,
mas continuaremos a nos referir a direitos morais por conta da nomenclatura
adotada pela LDA.
Sendo assim, quanto aos direitos morais do autor, prev o art. 24 da LDA:
Art. 24. So direitos morais do autor:
I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II - o de ter seu nome, pseudnimo ou sinal convencional indicado ou
anunciado, como sendo o do autor, na utilizao de sua obra;
III - o de conservar a obra indita;
IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer
modificaes ou prtica de atos que, de qualquer forma, possam
prejudic-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputao ou honra;
o seu direito patrimonial da maneira mais completa, conservando ntegro o relativo sua personalidade, bem como a possibilidade de ser violado o direito de autor sem ofensa ao seu direito moral (grifos no original). CERQUEIRA, Joo da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, cit., p. 121. 21 HAMMES, Bruno Jorge. O Direito de Propriedade Intelectual. 3. ed., Porto Alegre: Unisinos, 2002, p. 70. 22 MENEZES, Elisngela Dias. Curso de Direito Autoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 67. 23 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, pp. 129-130. 24 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. cit., p. 130.
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V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI - o de retirar de circulao a obra ou de suspender qualquer forma de
utilizao j autorizada, quando a circulao ou utilizao implicarem
afronta sua reputao e imagem;
VII - o de ter acesso a exemplar nico e raro da obra, quando se encontre
legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo
fotogrfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memria, de
forma que cause o menor inconveniente possvel a seu detentor, que, em
todo caso, ser indenizado de qualquer dano ou prejuzo que lhe seja
causado.
1 Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que
se referem os incisos I a IV.
2 Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra cada em
domnio pblico.
3 Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prvias indenizaes a
terceiros, quando couberem.
A doutrina discute se os direitos morais do autor seriam, de fato, um direito de
personalidade.
Adriano de Cupis, por exemplo, assim os classifica25. Para o autor, os direitos de
personalidade esto vinculados ao ordenamento positivo tanto como os outros direitos
subjetivos, uma vez admitido que as idias dominantes no meio social sejam revestidas
de uma particular fora de presso sobre o prprio ordenamento. Por conseqncia,
no possvel denominar os direitos da personalidade como direitos inatos,
entendidos no sentido de direitos relativos, por natureza, pessoa26. V-se, portanto,
que Adriano de Cupis rejeita a possibilidade de os direitos de personalidade serem um
direito natural: o fundamento de sua existncia mesmo o ordenamento jurdico.
25 Todos os direitos, na medida em que destinados a dar contedo personalidade, poderiam chamar-se direitos da personalidade. No entanto, na linguagem jurdica, esta designao reservada aos direitos subjetivos, cuja funo, relativamente personalidade, especial, constituindo o minimum necessrio e imprescindvel ao seu contedo. Por outras palavras, existem certos direitos sem os quais a personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivduo o que equivale a dizer que, se eles no existissem, a pessoa no existiria como tal. So esses os chamados direitos essenciais, com os quais se identificam precisamente os direitos da personalidade. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Campinas: Romana, 2004, pp. 23-24. 26 CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. cit., pp. 24-25.
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Por outro lado, o autor pondera que, ainda que todos os direitos subjetivos derivem do
ordenamento positivo, aqueles que, para serem verificados, dependem apenas do
pressuposto da personalidade, podem ser tidos como inatos.27
No entanto, ao contrrio dos demais direitos da personalidade como imagem,
privacidade, honra, integridade psicofsica etc. , para os quais basta o nascimento com
vida para que se faam proteger, os direitos morais do autor dependem de um evento
externo ao nascimento com vida a criao da uma obra artstica que atenda a diversos
pressupostos a fim de que se possa de fato proteg-lo. Tanto assim que Adriano de
Cupis faz meno expressa ao fato em suas pginas introdutrias matria: [p]ense-
se, por exemplo, no direito moral do autor. A essencialidade apresenta-se, em tal
espcie de direitos, como atenuada, pois que o fim de assegurar um valor concreto
personalidade no chega a exigir necessariamente e s por si a sua existncia, mas
simplesmente a continuao desta, uma vez que eles so revelados pela eventual
existncia de uma figura que acresce ao pressuposto da personalidade.28
Com palavras a nosso ver mais claras, afima um tanto adiante que [o] direito moral de
autor, (...), no um direito inato. De fato, s surge em seguida a um ato de criao
intelectual. Quer dizer, no corresponde a todo aquele que seja munido de
personalidade, mas quele que, alm de ter personalidade, se qualifique ulteriormente
como autor29. Alm disso, o ato de criar uma faculdade que pode jamais vir a ser
exercida.30
Mas no s quanto a no serem de fato inatos repousa a crtica que pode ser tecida
contra a tese de se defender os direitos morais do autor como direitos de personalidade.
Todos os demais direitos desta categoria (v.g. imagem, privacidade, honra, nome,
integridade psicofsica) encontram-se presentes de maneira indissolvel ao prprio
titular. J o direito moral do autor depende de um fator exgeno para existir: a
exteriorizao da obra intelectual.
27 CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. cit., p. 27. 28 CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. cit., p. 27. 29 CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. cit., p. 337. 30 Segundo Luis Felipe Ragel Snchez, [a] maioria dos autores negam que os direitos morais de autor sejam direitos da personalidade. (...) O principal argumento apresentado consiste em afirmar que as pessoas tm liberdade de criar obras intelectuais, mas nem todas as pessoas as criam. Traduo livre do autor. No original, l-se: [l]a mayora de los autores niegan que los derechos morales del autor sean derechos de la personalidad. (...). El principal argumento esgrimido consiste en afirmar que las personas tienen libertad de crear obras intelectuales pero no todas las personas las crean. RAGEL SNCHEZ, Luis Felipe. La Propriedad Intelectual como Propriedad Temporal. Coord.: Carlos Rogel Vide. Madri: Rus, 2005, p. 22.
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Em sntese, o ato de criao ser o fato gerador do surgimento de ambos os feixes de
direitos garantidos aos autores: os patrimoniais e os morais. a criao da obra
(exteriorizada por qualquer meio ou fixada em qualquer suporte, nos termos da lei) que
garante a proteo autoral. Adriano de Cupis no v nesse fato qualquer obstculo, ao
afirmar:
Por conseqncia, o fato de o direito moral de autor no ser inato, e de o
seu fato constitutivo ser o mesmo que para o direito patrimonial de autor,
no constitui argumento para negar a sua autonomia a respeito deste
ltimo, uma vez que, tendo embora a mesma origem, a sua vida segue
regras prprias e distintas, correspondentes ao seu carter de
essencialidade. O sujeito adquire ao mesmo tempo, enquanto autor, o
direito patrimonial e o direito moral de autor. Mas, como veremos, estes
dois direitos cessam de existir a par quando o primeiro se destaca da
pessoa. 31
Parece-nos que o entendimento de Adriano de Cupis pode ser sintetizado da seguinte
forma: os direitos morais de autor, ainda que no sejam inatos e ainda que tenham o
mesmo fato constitutivo dos direitos patrimoniais, so distintos e independentes
destes, pois possvel que o direito patrimonial seja cedido (ou seja, se destaque da
pessoa do autor), mas no o direito moral.
At a, no se nega em nada a teoria. O que indagamos se apesar dessas distines
(no serem inatos, dependerem da existncia de um bem externo ao prprio titular
para comearem a existir e talvez sequer virem a existir, pela inrcia ou mesmo
incapacidade de fato de seu potencial titular) os direitos morais de autor podem ser
qualificados como direitos de personalidade.
Adriano de Cupis se limita a afirmar que uma vez nascido, o direito moral de autor
tem carter de essencialidade e, portanto, constitui um verdadeiro direito da
personalidade. E acrescenta: [d]e resto, j tnhamos visto a propsito do direito ao
nome, a possibilidade de existir um direito essencial sem ser inato32. bem verdade o
fato de o nome no ser inato. Mas tambm aqui cabe uma distino: o nome no
depende da existncia de algo externo, alheio ao titular do direito para existir. Existe
31 CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. cit., p. 338. 32 Grifos no original. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. cit., p. 338.
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por causa da existncia mesma de seu titular e no por causa de algo que lhe
exterior.33
O chamado direito moral de autor no , contudo, uno. Na verdade, a muito custo se
pode admitir uma mesma natureza jurdica para os sete incisos componentes do art. 24
da LDA, tendo em vista seu contedo pouco homogneo. Por isso, a fim de bem
compreendermos se se tratam, ou no, de direitos de personalidade, torna-se
indispensvel a anlise individual das hipteses legais. Passamos, portanto, a cuidar de
cada um dos direitos morais de autor dispostos na LDA.
1.1. Direito de paternidade
Os incisos I e II do art. 24, que podem ser lidos em conjunto, tratam do direito que tem
o autor de se proclamar, a qualquer tempo, autor da obra e, em decorrncia de tal fato,
ter seu nome ou pseudnimo a ela vinculado. Este o direito moral por excelncia.
Uma vez autor, para sempre autor. Por isso, perceptvel que a LDA no transfere
propriamente este direito aos sucessores do autor falecido. O que ocorre, de fato, a
atribuio da legitimidade para pleitear o direito do autor em juzo. Aps sua morte,
caso venha terceiro a atribuir para si autoria de obra alheia, podero os sucessores do
verdadeiro autor defend-lo. Nada mais, nada menos. Inconcebvel, assim, crer que a
autoria poderia ser herdada, como ocorria com o Cdigo Civil brasileiro de 1916.34
O mais protegido dos direitos morais nos parece tambm ser verdadeiro direito de
personalidade, devendo subsistir perpetuamente, inclusive por questes de ordem
pblica. fundamental sociedade conservar o nome do autor vinculado s suas obras
33 O nome pode ser entendido como um direito e como um dever. Na Conveno Americana de Direitos Humanos o chamado Pacto de San Jose da Costa Rica, j ratificado pelo Brasil , o art. 18 prev: toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou de um deles. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictcios, se for necessrio. Da se infere que [a] relevncia do nome no se reduz, ento, como outrora, designao como pertencente a determinada famlia. O nome, hoje, integra-se de tal maneira pessoa e sua personalidade que com ela chega a se confundir, vindo a significar uma espcie de sustentculo dos demais elementos, o anteparo da identidade da pessoa, a sede do seu amor-prprio. MORAES, Maria Celina Bodin de. A Tutela do nome da pessoa humana. n: Na Medida da Pessoa Humana Estudos de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, pp. 151-152. 34 O absurdo de se admitir a transferncia de autoria vigorou at o sculo XX em determinados ordenamentos jurdicos, como o brasileiro. O Cdigo Civil de 1916 previa, em seu art. 667, que suscetvel de cesso o direito, que assiste ao autor, de ligar o nome a todos os seus produtos intelectuais. Rodrigo Moraes afirma que [n]o dizer e Carlos Alberto Bittar, o referido artigo 667 consistiu na maior aberrao do Cdigo Civil de 1916. Slvio Rodrigues afirmou que se tratou de aleijo colocado no diploma civil. Segundo Antnio Chaves, o dispositivo configurava flagrante equvoco, que recebeu repulsa geral da maioria dos civilistas brasileiros da poca. MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor Repersonalizando o Direito Autoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 64.
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por diversos motivos: conhecimento da verdadeira autoria, atribuio de
responsabilidade e vedao de enriquecimento sem causa por furto intelectual.
O inciso I, ao determinar que direito moral do autor o de reivindicar, a qualquer
tempo, a autoria da obra, tem como finalidade conferir ao autor o direito de impedir
que terceiro atribua a si obra criada por aquele. J o inciso II estabelece, como
consequncia do inciso anterior, que o autor poder exigir que seu nome conste da obra
por ele criada.
Cremos assim que, nos incisos que se completam, existe um verdadeiro direito de
personalidade: o direito ao nome. A rigor, o direito ao nome existe apenas no inciso II.
No entanto, uma vez que o direito de apor o nome a determinada obra apenas existe em
funo do direito de paternidade (reivindicar sua autoria), daremos aos incisos I e II
tratamento uniforme.
A respeito do direito ao nome, Adriano de Cupis afirma:
O direito ao nome compreende o poder de gozo do nome, isto , o poder de
usar o nome a fim de gozar daquela identidade pessoal para realizao da
qual ele serve. Portanto, o titular do nome tem direito a us-lo em todos os
momentos da sua vida, em todos os atos da vida pblica e privada. Desta
forma, no podem terceiros impedir o exerccio deste poder do uso ou
contest-lo, devendo designar o indivduo pelo seu nome e no por outro,
de maneira a no prejudicar a funo que lhe prpria. Trata-se de um
poder de gozo que tem carter de exclusividade; por isso, o titular do nome
pode exigir que os outros se abstenham de usar o seu nome para indicar
pessoas diversas dele. De outra forma, com as confuses que se
produziriam, o nome no cumpriria a sua funo identificadora. 35
Jos de Oliveira Ascenso parece concordar com a classificao do inciso II como
direito de personalidade na espcie de direito ao nome. Segundo o autor portugus,
quando ainda comentava a lei brasileira de 1973, [a] atribuio originria d ao criador
o direito paternidade da obra, que um dos direitos pessoais do autor. esse alis o
contedo do art. 25, I36, um pouco desfocado por o preceito pr o acento na
reivindicao, quando o deveria pr no prprio direito de paternidade. E logo a seguir:
[p]or outro lado, h uma incidncia de um dos direitos de personalidade, o direito ao
35 CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. cit., pp. 194-195. 36 Atual art. 24, I. A redao anterior era a seguinte: Art. 25: So direitos morais do autor: I o de reivindicar, a qualquer tempo, a paternidade da obra.
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nome, no art. 25 II37, que j conhecemos; ainda que se pudesse falar antes num direito
amplo de identificao, pois o preceito no trata s da identificao pelo nome.38
Maria Celina Bodin de Moraes afirma que [o] direito ao nome compreende as
faculdades de o usar e defender. Usar o nome consiste em se fazer chamar por ele;
defend-lo consubstancia-se no poder de agir contra quem o usurpe, o empregue de
modo a expor a pessoa ao desprezo pblico, tornando-o ridculo, desprezvel ou odioso,
ou recuse a chamar o titular por seu nome. (...) O direito ao nome gera, tambm, a
prerrogativa de o reivindicar quando negado.39
E, mais especificamente, prossegue: [c]uidando-se dos direitos morais do autor, o art.
24, II, da Lei de Direitos Autorais (Lei n. 9.610/98), assegura ao autor o direito de ter
seu nome (ou pseudnimo) ligado obra. Neste sentido, o Cdigo Civil tambm
explicita a proteo ao pseudnimo: art. 19, o pseudnimo adotado para atividades
lcitas goza da proteo que se d ao nome.40
Da que o direito ao nome ter as seguintes repercusses no mbito do direito de autor:
a faculdade de o autor exigir que seu nome conste das obras por ele criadas, bem como
a de exigir que seu nome no seja aposto a obras alheias.41
Por se tratar de direito de personalidade, o direito ao nome de que goza o autor
continuar protegido nos termos do art. 12, pargrafo nico do CCB mesmo depois de a
obra a que se refere ter entrado em domnio pblico42. E ainda que no haja qualquer
37 Atual art. 24, II, de redao idntica atual. 38 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. cit.; p. 73. 39 MORAES, Maria Celina Bodin de. A Tutela do nome da pessoa humana. cit., p. 153. 40 MORAES, Maria Celina Bodin de. A Tutela do nome da pessoa humana. cit., p. 154. 41 Ainda que parea estranho, so inmeros os casos na internet de obras cuja autoria atribuda a terceiros, normalmente autores famosos que no escreveram os textos em questo. Para anlise exemplificativa do fenmeno, ver MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor Repersonalizando o Direito Autoral. cit., passim. Cyrill P. Rigamonti entende que falsa atribuio de autoria no seria direito moral de autor porque aquele a quem se atribuiu a obra falsamente pode no ser autor de qualquer trabalho da no poderia ter direitos morais de autor. RIGAMONTI, Cyrill P. Deconstructing Moral Rights. Harvard International Law Journal, v. 47, 2006, p. 361. 42 Art. 12: Pode-se exigir que cesse a ameaa, ou a leso, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuzo de outras sanes previstas em lei. Pargrafo nico: Em se tratando de morto, ter legitimao para requerer a medida prevista neste artigo o cnjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral at o quarto grau. O pargrafo nico do dispositivo alvo de profunda controvrsia. Tendo em vista a impossibilidade de sucesso nos direitos da personalidade, pois, intransmissveis que so se extinguem com a morte do titular, diversas teorias visam a explicar a legitimidade do cnjuge e dos parentes para garantir a proteo da personalidade post mortem. (...) O ordenamento, portanto, confere legitimidade ao cnjuge e aos parentes, que seriam efetivamente afetados pela leso de tais interesses aps a morte do titular, para que possa impedir a leso ou demandar reparao por seus efeitos. Em razo de partilhar destes mesmos interesses, de se interpretar o dispositivo de maneira extensiva, de modo a conferir ao companheiro ou companheira a mesma legitimidade no caso de unio estvel. BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de e TEPEDINO, Gustavo
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sucessor para proteger o direito ao nome do autor, este direito deve ser defendido pelo
Estado.
1.2. Direito de indito
Quanto ao direito de indito, previsto no inciso III do art. 24, precisa a anlise de Ana
Paula Fuliaro:
(...) do ponto de vista do direito pessoal do autor, o que cabe aos sucessores
a defesa ou no de vontade manifestada pelo autor quanto a determinada
obra. Se o autor proibiu expressamente a divulgao, no tem sucessor
qualquer titularidade que lhe permita autorizar a respectiva publicao. De
outro lado, se houve manifestao expressa no sentido de dar conhecimento
ao pblico, ser neste sentido que dever o sucessor agir. Portanto, apenas
nos casos de omisso do autor em vida que poder o sucessor decidir pela
publicao ou no de determinada obra. Mas, neste ponto, cumpre
ponderar o carter de explorao patrimonial que se faz contedo do
exerccio deste direito. 43
No mesmo sentido, Rodrigo Moraes, ao afirmar que [o] exerccio do direito [de
indito] encontra limites, no podendo ser arbitrrio. Uma deciso, por mero capricho,
de simplesmente no divulgar obras do de cujus, desrespeitando, assim, a vontade que
este manifestara em vida, consiste em abuso do direito, ato ilcito, conforme o art. 187
do Cdigo Civil.44
Em regra, cabe ao autor decidir acerca da convenincia e oportunidade de comunicar
sua obra ao pblico45, razo pela qual, a partir do momento em que ocorre tal
comunicao, esta deixa de ser indita, no havendo mais que se falar em direito de
conservar a obra indita46. Aos sucessores, por outro lado, caberia apenas cumprir
com a vontade do autor, quer no sentido de publicar post mortem obra indita (em
(orgs.). Cdigo Civil Interpretado Conforme a Constituio da Repblica - Vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 34-35. 43 FULIARO, Ana Paula. A Sucesso em Direito de Autor: Aspectos Morais e Patrimoniais. Direitos Autorais Estudos em Homenagem a Otvio Afonso dos Santos. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 12. 44 MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor Repersonalizando o Direito Autoral. cit., p. 150. 45 Questo interessante e no explorada pela doutrina a de saber se os credores de determinado autor podem obrig-lo a publicar trabalho indito para, com os lucros auferidos, saldar dvida. De acordo com Cyrill P. Rigamonti, a questo geralmente decidida em favor do autor. RIGAMONTI, Cyrill P. Deconstructing Moral Rights. cit., p. 362. 46 LEITE, Eduardo Lycurgo. Direito (Moral) de Indito. cit., p. 123.
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muitos casos pela falta de tempo de o autor t-la publicado em vida), quer no sentido de
mant-la indita em decorrncia da vontade do autor.47
Se os herdeiros descumprem a vontade do autor, que expressamente solicitara a
publicao de sua obra, haver abuso do direito por parte dos terceiros. Nesse caso,
nem necessrio esperar que a obra entre em domnio pblico para se configurar o
abuso: ter este sido caracterizado muito antes. Tal o entendimento de Rodrigo
Moraes48. Em outros, ser necessrio esperar mais do que o prazo legal previsto, caso
seja expressamente a vontade do autor. Por exemplo, o americano Mark Twain, criador
de personagens antolgicos, como Tom Sawyer e Huckleberry Finn, determinou que
sua autobiografia fosse publicada apenas 100 anos aps sua morte (ocorrida em 1910),
conforme amplamente noticiado.49
Descumprem tambm os herdeiros a vontade do autor caso decidam publicar obra cujo
autor tenha manifestado expressamente o desejo de manter indita50. Por outro lado, se
o autor silenciou quanto sua vontade, caber aos herdeiros decidir qual o destino da
obra.
De toda forma, no h que se qualificar o direito moral de indito como direito de
personalidade. Neste caso, os herdeiros no exercem o direito ao indito, como direito
pessoal. Exercem o direito de explorar a obra, sendo a divulgao o caminho que tero
47 Jos de Oliveira Ascenso resolve o problema de maneira mais simples. Afirma que o herdeiro no titular do direito de autor. Se no titular, por natureza no pode ele prprio divulgar. O nico contedo imaginvel do direito ao indito seria aqui o controlo da divulgao ou no por terceiros. Vamos distinguir consoante o criador intelectual: (i) proibiu a divulgao; (ii) imps a divulgao. Se o autor criador intelectual proibiu a divulgao, no se v que simultaneamente possa atribuir os direitos patrimoniais a outrem. Confundir-se-o afinal na titularidade dos herdeiros o ncleo patrimonial e as faculdades pessoais, o que no a hiptese que consideramos agora: limitamo-nos aos casos em que a outrem pertence o direito patrimonial, e o direito pessoal cabe ao herdeiro. S resta a hiptese de o autor ter imposto ao titular do direito patrimonial a divulgao. Se este no divulgar, o herdeiro ter legitimidade para lhe exigir a divulgao? Nesta hiptese muito restrita, no vemos razo para negar a legitimidade ao herdeiro. ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. cit., p. 276. 48 O abuso torna-se evidente quando existe contradio entre a vontade manifestada pelo autor em vida e a atuao post mortem dos seus sucessores. Por exemplo, caso estes probam a publicao de uma obra que o autor inequivocamente gostaria de ver publicada, tem-se que a conduta serve egoisticamente aos seus prprios interesses, revelando um comportamento antissocial, contrrio ao desejo do criador falecido e, inclusive, da sociedade em geral. Essa atuao abusiva dos sucessores consistir num entrave ao exerccio do direito de acesso cultura (CF, art. 215), o que torna plausvel a interveno do Poder Judicirio para a proteo do interesse geral da sociedade. MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor Repersonalizando o Direito Autoral. cit., p. 150. 49 Ver, entre outros, http://www.independent.co.uk/arts-entertainment/books/news/after-keeping-us-waiting-for-a-century-mark-twain-will-finally-reveal-all-1980695.html. 50 O caso mais clebre de desrespeito vontade do autor que havia manifestado o desejo de manter obra indita foi o de Max Brod, ao publicar quase todos os escritos de Franz Kafka, que publicara pouqussimo enquanto vivo. Como bem aponta Rodrigo Moraes, se no caso de Kafka essa desobedincia aos ditames do autor deu certo do ponto de vista cultural, no pode servir de desculpa para a violao (cada vez mais frequente) do desejo de conservar obras inditas. MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor Repersonalizando o Direito Autoral. cit., p. 157.
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necessariamente de percorrer para chegar a essa explorao. Ou seja, quando
publicam ou no publicam, os herdeiros no asseguram com isso a tutela de direitos
pessoais, que lhes caibam como criadores intelectuais. A sua personalidade no est
implicada na divulgao. Exercem antes direitos patrimoniais. O direito pessoal est
completamente ausente de tudo isto.51
Ademais, a transferncia da deciso de manter ou no a obra indita aos sucessores
descarateriza esse direito como um direito de personalidade, que sempre
intransmissvel. Temos aqui um direito pessoal, mas no um direito de personalidade.
1.3. Direito integridade da obra
O inciso IV, do art. 24, determina que o autor, e na falta deste os sucessores, poder
defender a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificaes ou prtica de
atos que, de qualquer forma, possam prejudic-la (a obra) ou atingi-lo (o autor), em sua
reputao ou honra.
Aqui existe uma forte conexo com os direitos patrimoniais. Afinal, determina o art. 29
(de que cuidaremos mais adiante) que depende de prvia e expressa autorizao do
autor a prtica de atos como a edio da obra, sua adaptao, sua traduo e sua
utilizao em uma srie de hipteses. Assim, em regra, qualquer modificao sobre a
obra deve ser autorizada.
No entanto, a previso do art. 24, IV, vai alm. Adicionalmente exigncia relativa aos
direitos patrimoniais, prev um direito moral de se opor a modificaes em sua obra ou
prtica de ato desde que qualquer das seguintes condies seja observada: prejuzo
obra ou violao da reputao ou da honra do autor. Honra, no art. 24, IV, da LDA,
a honra subjetiva, o juzo de valor que o indivduo faz de si prprio. Reputao, por
sua vez, a honra objetiva, o juzo de valor que a sociedade faz do autor.52
51 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. cit., pp. 279-280. O autor prossegue: [p]ortanto, tambm neste domnio, no alteramos a concluso anterior. Os herdeiros, ou agem como continuadores do de cuius ou como titulares de direitos patrimoniais. Em caso nenhum so porm adquirentes derivados de direitos pessoais. 52 MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor Repersonalizando o Direito Autoral. cit., p. 168. Antnio Castn Prez-Gmez aponta a dificuldade de determinar o quanto da personalidade do autor encontra-se na obra, ou seja, quais so os valores transmitidos por uma obra intelectual que identificam seu autor. Tal problema, segundo Prez-Gmez, se agrava medida que se retrocede no tempo, por conta das escassas (e pouco seguras) informaes acerca de autores h muito desaparecidos. PREZ-GMEZ, Antonio Castn. Dominio Pblico, Derecho Moral y Derecho a la Personalidad Pretrita. La Duracin de la Propriedad Intelectual y las Obras en Domnio Pblico. Coord.: Carlos Rogel Vide. Madri: Rus, 2005, p. 226.
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Ou seja, mesmo que haja a autorizao para se atuar nos termos do art. 29, relativo aos
direitos de explorao econmica da obra, ou ainda que a autorizao seja no caso
dispensvel, seria possvel violao dos direitos morais de autor, nos termos do art. 24,
IV. Em primeiro lugar porque, por hiptese, a autorizao foi dada, mas o agente
autorizado atuou de modo a prejudicar a honra do autor, por exemplo. A seguir, porque
mesmo que a autorizao fosse desnecessria (porque o uso da obra se enquadra nos
casos de limitaes aos direitos autorais previstas entre os artigos 46 e 48 da LDA), ou
porque esteja em domnio pblico, o direito moral poderia ser violado.
Nesse caso, pode-se perceber, existe ataque a verdadeiro direito de personalidade do
autor. sua honra, ou sua reputao, que resta maculada. E por isso que, nesta
hiptese, possvel violao do direito moral mesmo que a obra j se encontre em
domnio pblico. Isto porque os direitos de personalidade no se extinguem com o
tempo, mesmo que em regra as obras ingressem em domnio pblico setenta anos aps
a morte do autor.
Por isso, mesmo aps a entrada da obra em domnio pblico, a honra e a reputao do
autor devem remanescer resguardadas. Dessa forma, ainda que usos transformativos
sejam legalmente autorizados, encontraro limite nos direitos de personalidade do
autor, preservados ainda que o prazo de proteo patrimonial sobre suas criaes j
tenha expirado.
Nem sempre ser fcil verificar se a fronteira entre o uso permitido e o prejuzo obra
(ou honra do autor) foi ultrapassada. Por isso, esta hiptese apenas pode ser
analisada casuisticamente. Sendo, contudo, um direito que diz respeito honra do
autor, sendo esta violada, haver violao ao direito de personalidade. Aqui, portanto,
um direito moral de autor ao qual a eventual classificao de direito de personalidade
pode ser igualmente atribuda.
1.4. Direito de modificar a obra
O direito previsto no art. 24, V, est visivelmente relacionado s hipteses de
explorao econmica da obra, previstas no art. 29 da LDA.
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Apesar de ser um direito pessoal do autor, tem forte cunho patrimonial, podendo ser
transmitido a terceiros. Ainda que haja a transferncia a terceiros do direito de
modificar a obra, pode-se alegar que para o autor esse direito segue existindo, ainda
que em concorrncia com terceiros. Esse direito no , contudo, transmitido aos
sucessores nos termos do art. 24, 1, j que os sucessores, pela sucesso, no se
convertem em autor e portanto no podem agir como se ele fossem, modificando a obra
protegida.
Tambm no pode ser considerado um direito de personalidade. Trata-se de direito que
pode ser transmitido a terceiro, com valor econmico, sendo que o objetivo da LDA
proteger o autor que transfira na ntegra o direito patrimonial sobre a obra, fazendo-o
conservar consigo o direito de modific-la.
1.5. Direito de retirar a obra de circulao
Trata-se de direito personalssimo a ser exercido pelo autor, j que no se transmite aos
herdeiros. No entanto, pela redao da LDA, infere-se que esse direito condicionado.
Prev a lei que o autor tem o direito moral de retirar de circulao a obra ou de
suspender qualquer forma de utilizao j autorizada, quando a circulao ou
utilizao implicarem afronta sua reputao ou imagem.
V-se que trata aqui a lei da proteo, mais uma vez, a direitos de personalidade
travestidos de direitos morais do autor. Se a circulao da obra acabar por implicar
afronta a sua reputao ou imagem (seus direitos de personalidade), o direito de retirar
a obra de circulao poder ser exercido. Parece claro que a LDA no autoriza a retirada
de circulao da obra por simples capricho; necessrio que haja justificativas para a
deciso do autor.53
Por isso, no apenas por se tratar de direito moral, mas especialmente por serem
atingidos direitos de personalidade, o autor no pode ser dele privado. No entanto, por
se tratar de direito personalssimo, no podero os sucessores do autor, nem tampouco
o Estado, invocar tal direito para fazer retirar obra de circulao se no o fez o autor,
quando vivo. No mximo, podero os sucessores, em um caso concreto, se valer do art.
53 Em outras legislaes, a razo tambm relevante para se proceder retirada da obra de circulao. A lei alem prev, em seu art. 42 (1), que o autor pode revogar o direito de explorao no caso de a obra no mais refletir suas convices. A lei italiana, por sua vez, estabelece no art. 142 a necessidade de srias razes morais para que a retirada da obra de circulao se efetive.
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24, IV, que igualmente visa a proteger a reputao e a honra do autor quando houver
modificao em sua obra (desde que haja, naturalmente, modificao na obra).
1.6. Direito de o autor ter acesso a exemplar nico e raro de obra sua
tratado como um direito personalssimo, j que no pode ser exercido pelos
herdeiros. Entretanto, aqui importante levarmos em considerao a funo social da
propriedade, que autorizaria o acesso ao suporte fsico das obras intelectuais ainda que
a obra em si estivesse em domnio pblico. A antecipao dos efeitos do domnio
pblico no seria, portanto, prejudicial ao autor uma vez que por conta da funo social
da propriedade ele ainda teria direito de acesso obra. Apesar de ser um direito
pessoal, tambm no conta com as caractersticas dos direitos de personalidade. Afinal,
no nasce com o autor e depende de um evento externo, no servindo proteo de
qualquer aspecto de sua personalidade. Por isso que a este direito negamos tal
qualificao.
Como se v, nem todo direito moral de autor pode ser considerado direito de
personalidade, ainda que tal classificao seja adequada a alguns deles. Sendo assim,
necessria a busca de uma categoria que abranja de maneira satisfatria todos os
chamados direitos morais de autor. A nosso ver, a melhor maneira de qualific-los
como direitos pessoais, em contraposio aos direitos patrimoniais (ou econmicos)
de autor, que passamos a tratar.
2. Direitos patrimoniais
Os direitos chamados de patrimoniais so aqueles que garantem ao titular dos
direitos autorais o aproveitamento econmico da obra protegida. A LDA os menciona
no art. 29:
Art. 29. Depende de autorizao prvia e expressa do autor a utilizao da
obra, por quaisquer modalidades, tais como:
I - a reproduo parcial ou integral;
II - a edio;
III - a adaptao, o arranjo musical e quaisquer outras transformaes;
IV - a traduo para qualquer idioma;
V - a incluso em fonograma ou produo audiovisual;
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VI - a distribuio, quando no intrnseca ao contrato firmado pelo autor
com terceiros para uso ou explorao da obra;
VII - a distribuio para oferta de obras ou produes mediante cabo, fibra
tica, satlite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usurio
realizar a seleo da obra ou produo para perceb-la em um tempo e
lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos
em que o acesso s obras ou produes se faa por qualquer sistema que
importe em pagamento pelo usurio;
VIII - a utilizao, direta ou indireta, da obra literria, artstica ou cientfica,
mediante:
a) representao, recitao ou declamao;
b) execuo musical;
c) emprego de alto-falante ou de sistemas anlogos;
d) radiodifuso sonora ou televisiva;
e) captao de transmisso de radiodifuso em locais de freqncia
coletiva;
f) sonorizao ambiental;
g) a exibio audiovisual, cinematogrfica ou por processo assemelhado;
h) emprego de satlites artificiais;
i) emprego de sistemas ticos, fios telefnicos ou no, cabos de qualquer
tipo e meios de comunicao similares que venham a ser adotados;
j) exposio de obras de artes plsticas e figurativas;
IX - a incluso em base de dados, o armazenamento em computador, a
microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gnero;
X - quaisquer outras modalidades de utilizao existentes ou que venham a
ser inventadas. 54
A doutrina, de modo geral, entende que os direitos patrimoniais previstos na LDA
compem uma lista exemplificativa. No h como discordar. Afinal, de maneira um
tanto exagerada, o legislador faz questo de afirmar, em trs momentos distintos (duas
vezes no caput e a seguir no ltimo inciso), que o uso de obra protegida, pela maneira
54 Alm destes, podemos incluir no rol de direitos patrimoniais o direito de sequncia previsto no art. 38 da LDA, que prev: o autor tem o direito, irrenuncivel e inalienvel, de perceber, no mnimo, cinco por cento sobre o aumento do preo eventualmente verificvel em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado. Pargrafo nico. Caso o autor no perceba o seu direito de sequncia no ato da revenda, o vendedor considerado depositrio da quantia a ele devida, salvo se a operao for realizada por leiloeiro, quando ser este o depositrio.
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que for, deve ser prvia e expressamente autorizada ainda que se trate de modalidade
de autorizao no explicitamente mencionada.
Ocorre que numa interpretao precipitada de qualquer dos incisos acima transcritos,
poderia parecer que mesmo uma nica fotocpia de uma pgina de livro ou ainda o uso
de um pequeno trecho de msica em outra obra estaria ferindo o disposto na lei. Para
se evitar esse tipo de controle extremado, a LDA prev em seu art. 46 as chamadas
limitaes aos direitos autorais, das quais cuidaremos mais frente.
Conforme anteriormente mencionado, acreditamos que os direitos patrimoniais, que
autorizam ao autor fazer uso econmico de sua obra, no podem ser classificados como
direito de propriedade, ao contrrio do que afirmam diversos doutrinadores55. No
entanto, conforme vrias vezes enfatizado, a questo no pacfica muito pelo
contrrio.
Em obra clssica, Antnio Chaves aponta 9 diferentes teorias para determinar a
natureza jurdica do direito autoral para finalmente concluir que [p]odendo embora
constituir uma parte relevantssima do patrimnio, no uma verdadeira propriedade.
Se no chega a ser, como entende Laurent, uma criao arbitrria da lei, o fato de
acrescentar, sob certos aspectos, durao limitada, confirma tratar-se de um direito sui
generis.56-57
O autor ainda menciona as principais caractersticas do direito autoral a ponto de
afast-lo do direito de propriedade comum:
A diferena essencial, que existe entre o direito de autor e o de propriedade
material, revela-se tanto pelo modo de aquisio originrio (nico ttulo:
criao da obra), como pelos modos de aquisio derivados, lembrando
Bluntschli que no direito autoral uma perfeita transferncia no existe, no
55 Ver, entre outros, os j citados CERQUEIRA, Joo da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, cit., p. 165 e BARBOSA, Cludio R. Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. 56 So as seguintes as teorias mencionadas: (i) direito da coletividade; (ii) direito real de propriedade; (iii) emanao do direito de personalidade; (iv) direito especial de propriedade, tendo por objeto um valor imaterial; (v) direito sui generis; (vi) direito de clientela; (vii) direito dplice de carter real: pessoal-patrimonial; (viii) direito pessoal de crdito; (ix) direito privativo de aproveitamento. CHAVES, Antnio. Direito de Autor Princpios Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1987, pp. 9-16. 57 Stphanie Choisy critica a qualificao sui generis, aplicvel ao que quer que seja, pois consistiria no ressource suprme du juriste embarass. CHOISY, Stphanie. Le Domaine Public en Droit dAuteur. Paris: Litec, 2002, p. 22. Tendemos a concordar com a autora. Se no h classe em que se ajuste, ento novas classes devem ser buscadas. Conforme visto acima (v. Teresa Negreiros), h importncia capital em se classificar adequadamente os institutos jurdicos.
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saindo completamente uma obra intelectual da esfera de influncia da
personalidade que a criou.
Distingue-se, ainda, quanto durao, quanto sua extenso, posse,
comunho, formas de extino.
No que porm mais se distancia o direito autoral da propriedade material
na separao perfeitamente ntida que se estabelece no perodo anterior e
posterior publicao da obra, sendo absoluto, na primeira, e constituindo-
se, na segunda, de faculdades relativas, limitadas e determinadas:
patrimoniais exclusivas de publicao, reproduo etc., que recaem sobre
algumas formas de aproveitamento econmico da obra, e de natureza
pessoal, referentes defesa da paternidade e da integridade intelectual da
obra. 58
Apesar de ligeiro em sua anlise, Pugliatti categrico ao afastar o direito autoral do
direito de propriedade: no grupo de situaes subjetivas que se designam de modo
complexo como direitos de autor, pode-se falar de propriedade em certos aspectos: o
autor de um romance proprietrio das cpias enviadas pelo editor. Mas nesse sentido,
proprietrio quem adquiriu uma cpia na livraria; e o direito (pessoal) do autor,
direito sobre o bem imaterial, isto , sobre a obra de arte como criao ideal, no tem
nada a ver com o direito de propriedade.59
Carlos Alberto Bittar qualifica os direitos autorais patrimoniais como objeto de
monoplio60. Soluo semelhante apontada por Denis Borges Barbosa na
qualificao dos direitos de propriedade intelectual, que ao tornar exclusiva uma
oportunidade de explorar a atividade empresarial, se aproximam do monoplio61,
doutrina que guarda muita semelhana com aquela que consideramos a mais adequada
e sobre a qual passamos a discorrer.
Alexandre Dias Pereira afirma, com toda a razo, que [a] natureza jurdica do direito
de autor um problema clssico62. A positivao do direito autoral claramente
fundada no direito de propriedade. Tanto assim que Le Chapelier afirmava, em 1791,
ser o direito autoral a mais sagrada, a mais legtima, a mais inatacvel e (...) a mais
pessoal de todas as propriedades, antecipando as palavras do escritor portugus
58 CHAVES, Antnio. Direito de Autor Princpios Fundamentais. cit., p. 16. 59 Traduo livre do autor. No original, l-se que: in quel gruppo di situazioni soggettive che si designa complessivamente come diritto di autore, si pu parlare di propriet per certi aspetti: lautore di un romanzo proprietario delle copie inviategli dalleditore. Ma in tale senso, proprietario chi ne ha acquistato una copia in libreria; e il diritto (personale) di autore, diritto su bene immateriale, cio sullopera darte come creazione ideale, non ha nulla da vedere con codesto diritto di propriet. PUGLIATTI, Salvatore. La Propriet e le Propriet. cit., pp. 251-252. 60 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. cit., p. 49. 61 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introduo Propriedade Intelectual. cit., p. 25. 62 PEREIRA, Alexandre Dias. Informtica, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital. cit., p. 113.
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Almeida Garrett, que qualificaria o mesmo direito como a mais indefesa, porm (...) a
mais nobre, e a mais inquestionvel de todas as propriedades, a que se cria pela
inteligncia, e pelo esprito imortal do homem.63-64
Assiste, de novo, razo a Alexandre Dias Pereira ao afirmar que para se qualificar o
direito autoral como um direito que abrange um feixe de direitos de propriedade (os
direitos patrimoniais) e um feixe de direitos de personalidade (os direitos morais)
necessrio, antes de qualquer outra coisa, definir o que se entende por direitos de
propriedade e de personalidade. Da que ganham corpo teorias como as do monoplio
ou de exclusivo, que constituiriam um tertium genus dentro da classificao dos
direitos.65
Jos de Oliveira Ascenso, ao dar incio sua profunda anlise da natureza jurdica do
direito autoral, principia declarando que [u]ma primeira qualificao fcil o direito
de autor uma situao jurdica subjetiva66. A seguir, estabelece serem os direitos
autorais um tipo de direito absoluto, sem que com isso signifique dizer que se tratam de
direitos reais67. A partir da, entretanto, apresenta-nos, exemplificativamente, diversas
das incontveis teorias j esmiuadas pelos demais autores na anlise da mesma
questo.68
63 PEREIRA, Alexandre Dias. Informtica, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital. cit., p. 113. Assim como fazem Gama Cerqueira e Antnio Chaves em suas respectivas obras anteriormente citadas, Alexandre Dias Pereira aponta diversas teorias que ao longo dos anos se celebrizaram tentando justificar o direito de autor. De fato, a questo rica, mas aparentemente inesgotvel. O esforo de pr fim disputa seria certamente infrutfero. 64 Como lembra Jos de Oliveira Ascenso, eram exatamente os pensadores escritores os homens da Revoluo Francesa. Por isso, rapidamente construram uma ideia que os salvaguardasse. O direito a que fariam jus no seria um privilgio, mas uma propriedade e a mais sagrada das propriedades. Era a justificao ideolgica, no mau sentido da palavra, do direito de autor por via da propriedade, porm teria todos os ingredientes para triunfar. Surge assim a propriedade literria, depois prolongada como Propriedade Literria, Artstica e Cientfica. E a arma da propriedade continua a ser usada hoje com a mesma funo. ASCENSO, Jos de Oliveira. En Torno al Dominio Pblico de Pago y la Actividad de Control de la Administracin en la Experiencia Portuguesa. La Duracin de la Propriedad Intelectual y las Obras en Domnio Pblico. Coord.: Carlos Rogel Vide. Madri: Rus, 2005, p. 270. 65 PEREIRA, Alexandre Dias. Informtica, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital. cit., p. 114. A pesquisa do autor aponta no sentido de que a natureza jurdica do direito autoral vem assumindo caractersticas distintas a depender do pas onde a questo analisada. Tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, por exemplo, o direito autoral seria verdadeiro direito de propriedade. Na Alemanha, o direito autoral constitucionalmente protegido como direito de propriedade. Na Frana, seria direito de personalidade, afirmando-se a propriedade ou o direito de exclusivo relativamente aos direitos patrimoniais. Na Espanha, assim como na Itlia, o direito de autor pode ser qualificado pela jurisprudncia como uma forma especial de propriedade, ainda que contando com pouco apoio da doutrina. Na Itlia, inclusive, haveria uma forte corrente classificatria dos direitos autorais como um direito de exclusivo. 66 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. cit., p. 598. 67 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. Cit., p. 601. 68 Sendo assim, Ascenso menciona as teorias personalsticas e patrimonialsticas, cabendo a cada grupo uma gama de outras teorias.
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Ascenso acaba por concluir que a obra protegida por direito autoral no pode caber
em propriedade a ningum69, pelos seguintes argumentos: [p]or natureza, a obra
literria ou artstica no susceptvel de apropriao exclusiva, no podendo, portanto,
originar uma propriedade. Uma vez divulgada, a obra literria ou artstica comunica-se
a todos os que dela participarem. No pode estar submetida ao domnio exclusivo de
um s.70
Para Ascenso, a grande distino entre a propriedade material e a natureza dos
direitos autorais reside no poder que o titular do direito pode exercer sobre a coisa
representativa de seu direito. Alguns autores, que defendem no haver qualquer
distino entre a propriedade material e a imaterial, alegam que o gozo por terceiros
(os usurios) da obra protegida por direito autoral seria como cheirar flores alheias,
que em nada atingiria a integridade do respectivo direito patrimonial, assim como os
visitantes de um hotel no prejudicariam os direitos de seu proprietrio.
A esse raciocnio, Ascenso responde com as seguintes palavras:
Pensamos que estes argumentos acabam por se voltar destruidoramente
contra os que os empregam. No que respeita ao gozo de bens materiais, a
posio do pblico efetivamente irrelevante, porque o seu gozo devido
somente a uma tolerncia do proprietrio. Esta tolerncia pode a todo o
tempo cessar, porque o proprietrio arrancou as flores, ou construiu e
tapou a vista, etc.
Aqui no. Todos os outros desfrutam diretamente dos bens, e o seu gozo
est subtrado alada do titular do direito de autor. Este no pode proibir
o desfrute intelectual da sua obra por parte de outrem. Pode no autorizar a
reproduo; em casos extremos, pode mesmo retirar do mercado os
exemplares existentes, etc; mas tudo isto respeita materializao da obra,
e no obra em si. Esta pertence a todos, por natureza e no por qualquer
tolerncia do criador intelectual, ou do transmissrio do direito de autor.
Os autores que criticamos tentam implicitamente defender-se alegando um
certo carter excepcional destas faculdades dos estranhos, que no
impediriam que a obra no seu conjunto ficasse sujeita ao titular. A verdade
que o que restrito e demarcado so as utilizaes que se reservam ao
titular do direito de autor71. S lhe cabem aquelas faculdades (quer tomadas
individualmente, quer em globo) que representam explorao econmica da
obra, como sabemos. 72
69 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. cit., p. 606. 70 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. cit.; p. 604. 71 Aqui, parece que Ascenso defende um carter excepcional ao direito autoral, sendo o uso por parte da sociedade a regra e no o contrrio, como normalmente se afirma. 72 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. cit., pp. 605-606.
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Por fim, Ascenso conclui que os direitos autorais podem ser integrados na categoria
dos direitos de exclusivo73. Esta categoria, portanto, deveria vir a ser adicionada
clssica tripartio de direitos subjetivos em pessoais, reais e obrigacionais.
3. Um direito exclusivo
A grande vantagem da teoria de Ascenso que ela se presta tambm a explicar a
natureza dos direitos morais do autor.
Conforme vimos, boa parte da doutrina v nos direitos morais do autor uma emanao
de sua personalidade, de modo que, no raro, so assim qualificados. Parece-nos,
contudo, que a qualificao como direitos de personalidade inadequada em razo de
diversas circunstncias. Inicialmente, porque ao contrrio dos direitos de
personalidade, os direitos morais do autor no so inatos. Em segundo lugar, porque
todos os direitos de personalidade so atributos da prpria pessoa. Por outro lado, os
direitos morais de autor existem em funo de uma criao externa dependem de
uma obra distinta da prpria pessoa para que possam se manifestar juridicamente. Este
o argumento apresentado por Pascal Kamina, citado por Bruno Lewicki.74
Finalmente, ao argumento de que os direitos morais seriam um direito de
personalidade porque ligariam indissoluvelmente a obra ao autor, possvel lembrar
que diversos so os autores que publicam obras sob pseudnimos ou anonimamente, o
que parece anunciar, em determinados casos (ainda que excepcionais) exatamente uma
certa indiferena quanto ao suposto vnculo entre a obra e sua personalidade75.
73 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. cit., p. 612. Em anlise obra do professor Ascenso, Alexandre Dias Pereira afirma, aps mencionar inmeros autores que em Portugal partilham da opinio de que os direitos autorais so direitos de propriedade: [m]as h opinies alternativas, sendo de destacar a teoria dos direitos de exclusivo ou de monoplio, que defendida, entre ns, pelo Prof. Oliveira Ascenso, aproximando-se da doutrina dos direitos intelectuais. PEREIRA, Alexandre Dias. Informtica, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital. cit., p. 119. 74 J criticamos a entranhada, por mais que se a negue, associao entre o exerccio dos direitos patrimoniais do autor e aquele do domnio no mbito clssico da propriedade; mas deve ser observado que a automtica equiparao dos direitos morais de autor aos direitos de personalidade no menos daninha que aquela entre faculdades patrimoniais e exerccio dominial. Em to instigante quanto incisivo trecho, Pascal Kamina afirma que os direitos morais de autor no so direitos da personalidade. Assim como as faculdades patrimoniais, os direitos morais so direitos que uma pessoa exerce para proteger algo externo a ela sua obra. Difere, desta forma e por exemplo, do direito honra, que um atributo da prpria pessoa. LEWICKI, Bruno Costa. Limitaes aos Direitos de Autor. Tese de Doutorado defendida perante a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2007, p. 68. 75 Alguns exemplos podem ser apontados. Na Idade Mdia, a reproduo material se dava principalmente nos monastrios, provavelmente sem fins lucrativos, objetivando principalmente a disseminao de temas religiosos. A identificao da autoria no era revelada, pois a elaborao e reproduo da obra era executada dentro do monastrio, dificultando ou at impedindo a autoria individual. Pode-se considerar que havia, na organizao da produo cultural da Idade Mdia nestes locais, a estrutura primria das futuras obras coletivas. SOUZA, Allan Rocha de. A Funo Social dos Direitos Autorais. Campos dos
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Tambm por isso, ento, torna-se enfraquecido o argumento que defende ser o direito
moral de autor um direito de personalidade.
Com isso, voltamos teoria de Jos de Oliveira Ascenso, que j o mencionamos
nos parece a mais adequada.
Ao qualificar o direito autoral como um direito de exclusivo, tal qualificao se presta a
definir a natureza tanto dos direitos patrimoniais quanto dos direitos morais do autor,
sendo portanto mais abrangente do que a teoria que encara os direitos autorais como
um direito sui generis, ou hbrido, um misto de direitos reais com direitos de
personalidade, que aparentemente prevalece na doutrina.
Para Ascenso, tambm as faculdades pessoais nsitas no direito de autor no
prejudicariam a qualificao deste direito como um direito de exclusivo, ainda que o
aspecto patrimonial no fosse predominante. Porque elas se consubstanciam
igualmente em exclusivos relativos obra. O direito de conservar a obra indita, o
direito de ter o nome inserto na obra ou o direito de modificar so elementos do
exclusivo e concorrem para aquele exclusivo global que atribudo ao autor.76
Aqui cabe apenas uma observao. Concordamos com o fato de que o direito de
exclusivo se presta a justificar os direitos morais do autor enquanto a obra se encontra
protegida. Mas ao contrrio dos direitos patrimoniais, os morais no se extinguem
necessariamente com o fim do prazo de proteo. Sendo assim, mesmo que o direito de
exclusivo sirva como justificativa, h que se fazer algum temperamento77. Parece-nos,
por isso, inevitvel atribuir aos direitos morais do autor a natureza de direitos pessoais,
ou extrapatrimonais, em contraposio aos direitos autorais patrimonais, pois que os
efeitos que se abatem sobre cada feixe de direitos aps o decurso do prazo de proteo
so distintos, de modo que devem pertencer a categorias de fato distintas.
Goytacazes: Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2006, p. 37. Mais recentemente, o surgimento em nmero cada vez maior de obras colaborativas, nas quais impossvel se identificar o autor, apenas corrobora este entendimento. 76 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. cit., p. 614. 77 O autor no se furta s inevitveis crticas, antecipando-as. Afirma que nem sempre a situao nos surge com a mesma nitidez. Assim, no direito de retirada ou no direito integridade so elementos da personalidade, como a honra, que surgem em primeiro plano, e no atividades atribudas em exclusivo. Havendo embora uma extrinsecao da personalidade, h tambm o aspecto caracterstico de essa extrinsecao se dar a propsito de uma determinada obra. Por isso admitimos que a prpria obra o objeto do direito pessoal do autor. ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito Autoral. cit., p. 614.
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Por todo o exposto, concordamos com Ascenso e entendemos que os direitos autorais
tm por natureza jurdica ser um direito de exclusivo. O direito conferido pela lei e
no por emanao de um suposto direito natural78. O direito exclusivo adequado para
justificar tanto o (i) direito patrimonial, que no direito de propriedade, ainda que
seja um direito, como o prprio nome diz, economicamente afervel, quanto (ii) o
direito moral, que no necessariamente direito da personalidade, ainda que seja um
direito pessoal que inclusive lhe serviria de nomenclatura mais adequada.
Como citar: BRANCO, Srgio. A natureza jurdica dos direitos autorais. Civilistica.com. Rio de
Janeiro, a. 2, n. 2, abr.-jun./2013. Disponvel em: . Data de acesso.
78 Gustavo Tepedino afirma que poder-se-ia mesmo dizer quem fora de um determinado contexto histrico, no existe possibilidade de se estabelecer um bem jurdico superior, j que a sua prpria compreenso depende de condicionantes multifacetados e complexos atinentes aos valores sociais historicamente consagrados. E prossegue: [a]final, bastaria lembrar que, em nome da vida e da liberdade, inmeros contingentes humanos j foram sacrificados, invariavelmente sob fundamentos ticos, religiosos e polticos que, invocados pelos Estados, pretendem justificar guerras, genocdios, aparheid e outras formas de descriminao social, sexual, tnica e cultural. Adiante, exemplifica, de maneira incontornvel: [r]esulta, em definitivo, assaz difcil para os defensores das teses jusnaturalistas definirem o que seria a expresso de direitos sagrados do homem, quando se pensa na variedade de posies adotadas pela conscincia social dos povos nas diversas pocas histricas e pontos geogrficos e, que se insere a pessoa humana. A religio muulmana, com suas penas corporais e cirurgias atravs das quais milhares de mulheres africanas so mutiladas, ao nascer, nos dias de hoje, os pases cristos e as concepes ideolgicas que adotam a pena de morte; o regime de escravido em sociedades consideradas civilizadas; a prtica de torturas e de linchamento como formas de sano socialmente reconhecidas em diversos estados brasileiros; tudo isso coloca em crise a simplista tese segundo a qual seria a conscincia universal a estabelecer os direitos humanos e os direitos da personalidade, cabendo ao ordenamento jurdico apenas reconhec-los. TEPEDINO, Gustavo. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-constitucional Brasileiro. Temas de Direito Civil, 4. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, pp. 45-46.