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A Gente Função Acusativo

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Variação Linguisticao uso de a genteFunção acusativa

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  • Lingstica / Vol. 29 (1), junio 2013: 11-36

    issN 1132-0214 impresa

    issN 2070-312X en lnea

    implemeNtAo de a gente NAs fuNes de AcusAtiVo, dAtiVo e oblquo: refleXes,

    propostAs e primeiros resultAdosthe implementation of a gente in the accusative, dative and oblique cases:

    reflexions, proposals and primary results

    Juliana BarBosa de segadas ViannaUniversidade Federal do Rio de Janeiro

    CNPq, Brasil

    [email protected]

    Clia regina dos santos lopesUniversidade Federal do Rio de Janeiro

    CNPq, FAPERJ, Brasil

    [email protected]

    Resumo

    A substituio de ns por a gente na posio de sujeito pode ser consi-derada uma mudana em curso no portugus do Brasil. Neste estudo, propomos analisar como ocorre a variao nas demais funes sintti-cas, como complemento de verbo e de nome. No primeiro caso, levamos em conta as seguintes funes: (i) acusativo; (ii) dativo; (iii) oblquo complemento de verbo; e (iv) oblquo adjunto de verbo. No segundo, observamos as relaes de complementao e de adjuno ao nome em construes possessivas. Seguindo a orientao da Sociolingustica de base laboviana, a anlise quantitativa parte de entrevistas feitas na cida-de do Rio de Janeiro. Os resultados encontrados mostram que formas do paradigma de a gente so mais frequentes no sintagma verbal, ao passo

    Recibido31/8/12Aceptado13/11/12

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    que, no interior do sintagma nominal, o uso das formas do paradigma de ns ainda se mantm produtivo.

    Palavras-chave: Variao lingustica. Pronomes pessoais. Acusativo. Dativo. Oblquo.

    Abstract

    The process of substituting ns for a gente (we) in the position of the subject can be considered an ongoing process of change in Brazilian Por-tuguese. In this study, we intend to analyze how the variation occurs in other syntactic functions, as verb complement and noun complement. In the first case, we analyze namely: (i) accusative; (ii) dative; (iii) indirect verb complement; (iv) indirect verb adjunct. In the second, we propose to study possessive noun phrases as nominal complements and adjuncts. Following the orientation of Labovian sociolinguistics, the quantitative analysis was based on interviews conducted in the Rio de Janeiro city. The results show that the new pronoun a gente is more frequent in clausal phrase, while the old pronoun ns still remains productive in noun phrase.

    Key-words: Linguistic variation. Personal pronouns. Accusative. Da-tive. Oblique.

    introduo1. O processo de substituio de ns por a gente no portugus do Bra-

    sil (doravante PB) tem sido bastante estudado, por inmeros grupos de pesquisa, quando a alternncia de formas ocorre em funo de sujeito posio sinttica mais produtiva entrada da forma inovadora. Tais in-vestigaes focalizam diferentes regies do Brasil, e seus resultados foram objeto de snteses recentes nos trabalhos de Vianna (2011) e Vianna & Lopes (2012), que, por sua vez, tentaram determinar quais fatores eram recorrentemente apontados como caracterizadores do fenmeno no PB. Todavia, a investigao da alternncia das formas nas demais funes sintticas, diferentes da funo de sujeito, ainda no encontra suficiente

  • implementao de a gente... / Vianna & lopes 13

    respaldo na bibliografia cientfica, salvo algumas excees (Omena 1986, 1996; Ramos et al. 2009; entre outros).

    Assim sendo, o presente trabalho pretende contribuir para a descri-o do fenmeno em outras funes sintticas, com o objetivo de des-vendar o caminho atravs do qual a forma inovadora a gente gradativa-mente se espraia pelo quadro de pronomes do PB, ocupando os espaos da forma mais antiga. Nesse sentido, tambm buscamos apreender quais os contextos sintticos de resistncia do pronome primitivo ns, isto , aqueles nos quais a entrada da forma a gente sofre maiores restries sua insero no sistema.

    Para tanto, necessrio a priori o estabelecimento de um critrio efi-ciente para categorizar dados to distintos do ponto de vista sinttico. No basta abrir uma gramtica tradicional e reproduzir as mesmas cate-gorias de classificao postuladas pela NGB, a despeito de todas as cr-ticas que j foram feitas a elas (Perini 1985; Duarte 2011). necessria a adoo de um critrio que d conta dos diferentes nveis hierrquicos em que as formas de referncia 1 pessoa do plural disputam espaos, seja dentro do sintagma nominal, seja no sintagma verbal. A partir dessa discusso, a prxima seo pretende separar o joio do trigo, refletindo sobre a melhor maneira de categorizar dados to diferentes entre si.

    separando o joio do trigo: como trabaLhar estruturas 2. sintticas to distintas

    Um dos maiores entraves compreenso de como se constituem as oraes em lngua portuguesa criado pela prpria descrio tradicional, que, ao seguir orientao da NGB, distribui os termos da orao em trs nveis (aparentemente distintos), a saber: termos essenciais, termos inte-grantes e termos acessrios.

    De acordo com Duarte (2011), a tradicional classificao triparti-da no contribui para uma viso das relaes entre os constituintes da orao. Um grande equvoco apresentar, como se fossem equivalentes, estruturas que se situam em diferentes nveis da hierarquia sinttica. Por exemplo, os complementos verbais e nominais so considerados termos

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    integrantes, e os adjuntos adverbiais e adnominais so tidos como ter-mos acessrios. No entanto, no se menciona que tais categorias esto em nveis sintticos totalmente distintos: enquanto os complementos verbais e adjuntos adverbiais esto articulados a um ncleo verbal, os complementos nominais e adjuntos adnominais articulam-se a um n-cleo nominal. Alm disso, a descrio tradicional tambm peca ao reunir no mesmo rtulo complementos verbais de estruturas bastante diferen-ciadas sob a terminologia generalizante de objeto indireto, embora Ro-cha Lima j apontasse isso h muito tempo, em sua Gramtica normati-va da lngua portuguesa.

    Tendo em vista essas crticas classificao tradicional, optou-se por adotar a proposta discutida por Mateus et al. (2003), que foi utilizada para a categorizao dos dados de ns e a gente em outras funes sintti-cas (diferentes da funo de sujeito). Parte-se da anlise dos predicadores (ou ncleos) da orao, no nvel do sintagma verbal, e dos ncleos do sintagma nominal, quando se tem em vista o nvel sinttico do sintagma nominal. Qual a estrutura que os predicadores projetam? a pergunta que guia tal categorizao adotada. Comecemos pelos predicadores verbais.

    Uma vez que o interesse era analisar a variao entre ns e a gente em funes sintticas diferentes de sujeito, foram preferencialmente observadas as construes com (i) verbos ditransitivos cujo esquema relacional pode ser representado por [SU V OD OI]1 , (ii) verbos tran-sitivos de trs lugares de esquema relacional [SU V OD OBLComp], (iii) verbos transitivos2 representados por [SU V OD] , (iv) verbos de dois lugares com argumento interno objeto indireto cujo esquema relacional [SU V OI]; e, por fim, (v) verbos de dois lugares com argumento interno oblquo, cujo esquema representado por [SU V OBLComp]. Com base nessas subclasses de verbos plenos (ou principais), foi possvel verificar a ocorrncia de dados de ns (e suas variantes) e a gente estabelecendo diferentes relaes gramaticais com o predicador verbal, a saber: objeto

    1 Utilizaram-se as seguintes siglas: (a) SU para designar o sujeito da orao, (b) V para designar o verbo; (c) OD para o objeto direto; (d) OI para o objeto indireto, OBLcomp para designar o oblquo complemento; e (e) OBLadj para designar o oblquo adjunto, nos termos de Mateus et al. (2003). A sigla FS significa funo sinttica.

    2 Adota-se aqui a definio de verbo transitivo proposta por Mateus et al. (2003: 298)

  • implementao de a gente... / Vianna & lopes 15

    direto (OD), objeto indireto (OI) e oblquo complemento (OBLComp)3.

    Os exemplos abaixo ilustram os tipos de ocorrncia localizados na amos-tra, de acordo com as subclasses verbais:

    Verbos ditransitivos:a.

    1 As Foras Armadas enviaram a convocao pra gente. (FS: OI ou Dativo)

    2 Mame nos enviou s tias de Portugal. (FS: OD ou Acusativo)

    Verbos transitivos de trs lugares:b.

    3 O carro oficial nos transportou palestra de ontem. (FS: OD ou Acusativo)

    4 Dona Zez substituiu os antigos funcionrios por ns. (FS: OBLComp)

    Verbos transitivos:c.

    5 A sogra da Maria adorou a gente. (FS: OD ou Acusativo)

    Verbos de dois lugares com argumento interno objeto indiretod.

    6 O recesso do feriado no nos convm. (FS: OI ou Dativo)

    Verbos de dois lugares com argumento interno oblquoe.

    7 O Rui nunca concorda com a gente. (FS: OBLComp)

    3 Consideramos aqui objeto indireto (dativo) o constituinte que tipicamente um argumento interno de verbos de dois lugares do tipo (S V OI) ou ditransitivos (S V OD OI) com papel semn-tico de alvo, fonte ou beneficirio com trao [+animado] (Mateus et al. 2003: 289; Berlinck 1996). As formas oblquas so, por sua vez, sempre tnicas e regidas por preposio, mas no estabelecem, como afirma Mateus et al (2003: 294), relaes gramaticais centrais. Entram no grupo dos oblquos, os argumentos obrigatrios que fazem parte da estrutura argumental dos verbos e os opcionais (adjuntos). A relao gramatical oblqua no possui necessariamente o trao [+animado], no tem papel semntico de beneficirio, alvo ou fonte de uma ao e nela tambm no h restries quanto s preposies do sintagma preposicional (SP) (de, em, por, com, a, para, sem). O complemento dativo, porm, s admite as preposies a/para em estruturas de SP.

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    Alm das relaes de complementao verificadas nas subclasses de verbos plenos, acima elencadas, tambm foi possvel localizar dados em que as formas ns ou a gente estabeleciam relao de adjuno com um ncleo verbal, isto , uma relao gramatical de oblquo adjunto (OBLAdj), nos termos de Mateus et al. (2003). Nesses casos, como no se trata de uma relao de complementao a um ncleo verbal, tal ocorrncia de ns e a gente poderia, em princpio, ocorrer com qualquer tipo de verbo. O exemplo abaixo ilustra tal tipo de ocorrncia presente na amostra:

    8 Meu av viajou pra Europa com a gente. (FS: OBLAdj)

    Alm de assumir funes gramaticais no nvel do sintagma verbal, foi possvel verificar que, no interior de sintagmas nominais, as formas do paradigma de ns (e variantes) e de a gente tambm podiam co-ocorrer, disputando os mesmos espaos, quando articuladas a um ncleo nomi-nal ou adjetival. o que se observa no interior do sintagma nominal, em exemplos de construes possessivas como nossa casa/casa da gente ou benefcio de ns/ benefcio nosso/ benefcio da gente. Todavia, mesmo no nvel sinttico relativo ao sintagma nominal possessivo, necessrio fazer a distino entre dois tipos diferentes de relao que podem ser estabelecidas como o ncleo nominal: a relao de complementao e a relao de adjuno.

    Na relao de complementao, o ncleo nominal projeta uma es-trutura que pede um complemento possessivo, que pode ser expresso pelo sintagma preposicionado (da gente/ de ns) e/ou pela forma simples nosso/nossa (ou variantes no plural). o que ocorre com muitos nomes deverbais como benefcio, sustento, decepo, luta, demora, amparo, come-o4, etc, como se v nos exemplos (9) e (10):

    4 Em Teoria Lexical (1989), Margarida Baslio discute o comportamento das formaes regres-sivas deverbais (benefcio, sustento, decepo, luta, demora, amparo, comeo, etc), definindo tais estru-turas como substantivaes das formas verbais correspondentes (p.38).

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    9 Isso foi um prato cheio pra aumentar a decepo da gente/ de ns E/OU Isso foi um prato cheio pra aumentar a nossa decepo (FS: complementao do nome)

    10 O imposto deveria ser revertido em benefcio para ns/ para a gente E/OU O imposto deveria ser revertido em nosso benefcio. (FS: complementao do nome)

    Ampliando a proposta de Mateus et al. (2003), nesses casos, a relao estabelecida com o ncleo nominal a de complemento, uma vez que os termos em itlico da gente/de ns e para ns/para a gente (e variantes) funcionam como argumentos do predicador nominal. Por outro lado, h casos em que o mesmo no ocorre, e a relao estabelecida com o ncleo nominal de adjuno. O exemplo (11) ilustra esse tipo de relao:

    11 O nosso salrio est cada dia melhor! E/OU O salrio da gente (FS: adjunto do nome)

    Para Mateus et al. (2003), os termos nosso/da gente estariam es-tabelecendo uma relao de adjuno ao ncleo nominal salrio. Em outras palavras, no se trata de uma relao to estreita quanto a de um argumento com seu ncleo nominal, ou seja, no uma relao de com-plementao.

    Partindo da proposta anteriormente explicitada, foram categorizados os dados de ns e a gente nas funes sintticas de no-sujeito, como ser melhor explicado nas sees a seguir.

    pressupostos terico-metodoLgicos3. Adotando os pressupostos tericos da Sociolingustica quantitativa

    laboviana, utilizamos o programa computacional de regras variveis, deno-minado Goldvarb 2001. De acordo com tal perspectiva, foram levantados dados de ns e a gente nas funes sintticas diferentes de sujeito, a partir de duas amostras do Projeto Bilateral Estudo comparado dos Padres de

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    Concordncia em variedades africanas, brasileiras e europeias, contando com um total de 36 entrevistas. Tal conjunto de dados representativo da variedade brasileira do portugus, mais especificamente os Municpios do Rio de Janeiro e Nova Iguau (RJ) e encontra-se organizado com base em trs dimenses de estratificao: sexo (homens e mulheres), faixa etria (de 18 a 35 anos, de 36 a 55 anos, e de 56 a 75 anos) e escolaridade (Ensino Fundamental, Ensino Mdio e Ensino Superior).

    primeiros resuLtados4. Com base na amostra descrita, foram levantados todos os dados de

    ns e a gente em funes sintticas diferentes da funo de sujeito. Loca-lizaram-se um total de 216 dados, distribudos entre seis tipos diferen-tes de relao gramatical, a saber: no nvel oracional, acusativo, dativo, oblquo complemento e oblquo adjunto; e, no nvel do sintagma nomi-nal, construes possessivas5 com funo de complemento e construes possessivas com funo de adjunto. Os exemplos de (A) a (F) ilustram todas as possibilidades de estruturas com as formas de ns ou com a gente encontradas na amostra. No nvel oracional, localizaram-se as seguintes estruturas:

    Acusativoa.

    12 Apesar que foi muita muvuca ela s/ela tratou a gente super bem... (dado 1, Copa FA1)

    13 ...eu acho que a imprensa ela tem uma grande parte em nos assustar... (dado 135, Nova Iguau FA3)

    Dativob.

    14 ...no tem jeito a manda pra gente... que l no Melhado Advogados... (dado 21, Copa MA3)

    5 Entendem-se por construes possessivas tanto o sintagma genitivo introduzido pela prepo-sio de (da gente/de ns) quanto o possessivo simples nosso/nossa, e variantes no plural.

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    15 ...ele veio dar a chance a ns de sermos felizes... (dado 48, Copa FC1)

    Oblquo Complementoc.

    16 Ela tava falando l com a gente... (dado 2, Copa FA1)

    17 ...e a pessoa que a ficar conosco l...falava portugus...ento no caso: eh/eh ale-mo mesmo n... (dado125, Nova Iguau FA3)

    Oblquo Adjuntod.

    18 ...minha me ia com a gente pra l ou a gente ficava na casa da minha av...... (dado 13, Copa MB3)

    19 e depois noite tinha o jantar dos indianos pra ns...(dado 69, Copa MC3)

    No nvel do sintagma nominal, por sua vez, foram localizadas as se-guintes estruturas:

    Construo possessiva de complementaoe.

    20 ...se a gente paga impostos pra esse dinheiro ser revertido em benefcios pra gente mas... infelizmente as escolas no tm estado n no nvel adequado... (dado 3, Copa MA2)

    Construo possessiva de adjunof.

    21 O medo da gente... voc ser jogado num hospital pblico... o qual voc no tenha mdico... (dado159, Nova Iguau MB1)

    22 Eu acho que os nossos polticos eles esto muito mal preparados... (dado152, Nova Iguau MB1)

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    Partindo do percentual geral das formas de primeira pessoa do plu-ral6, opondo as formas relacionadas a ns7 e a gente nos dois nveis sint-ticos analisados, chegamos aos resultados da tabela 1:

    TABELA 1: A produtividade das formas de ns e a gente no nvel oracional e nvel sub-oracional

    Formas de Ns A gente

    NCLEO

    NOMINAL

    125/139

    90%

    14/139

    10%

    NCLEO

    VERBAL

    26/77

    34%

    51/77

    66%

    Tabela 1: A produtividade das formas de ns e a gente no sintagma verbal e nominal Rio de Janeiro e Nova Iguau (PB)8

    De acordo com a tabela 1, os resultados gerais parecem indicar que a porta de entrada do a gente pronominal no sistema ocorre em nvel oracional (sintagma verbal), mesmo que no se leve em considerao a funo de sujeito. Em tal nvel sinttico, a produtividade de a gente foi de 66%, enquanto as formas do paradigma de ns foram vistas em apenas 34% dos dados.

    Quando se tem em vista a articulao das construes possessivas a ncleos nominais, o resultado completamente outro: dentro do sintag-ma nominal, o pronome primitivo mantm seus domnios impedindo a entrada da forma inovadora. Nesse nvel, verificaram-se apenas 10% de

    6 importante no perder de vista que a produtividade de a gente vs. formas de ns, no nvel oracional, levou em conta apenas as ocorrncias em funo de no-sujeito. Se houvssemos tambm computado as ocorrncias em posio de sujeito, os resultados seriam muito mais altos para a forma a gente como outros trabalhos sobre o tema j evidenciaram.7 Sob a designao formas de ns busca-se indicar as diferentes formas de realizao do pro-nome primitivo de 1 pessoa do plural, a depender da funo sinttica: ns, nos, nosso. Com relao forma a gente, no h o mesmo comportamento. Independentemente da funo sinttica (OD, OI, OBLcomp ou OBLadj), a realizao do pronome inovador de 1 pessoa sempre a gente, podendo ser, ou no, em alguns contextos sintticos, precedida de preposies (da gente, para a gente, com a gente, etc). 8 Lembrando que no foram contabilizados os dados de ns e a gente em funo de sujeito.

  • implementao de a gente... / Vianna & lopes 21

    dados de a gente, contra superiores 90% de produtividade das formas do paradigma de ns (nosso/nossa).

    Ainda preciso observar em que relaes gramaticais especficas a entrada da forma inovadora era mais fluida ou mais limitada. A tabela 2 ilustra o percentual das formas de ns e a gente para cada funo sinttica nos dois nveis controlados: o oracional (sintagma verbal) e o nvel infe-rior orao (sintagma nominal possessivo).

    TABELA 2: Distribuio geral dos dados de 1 pessoa do plural nas relaes gramaticais de no-sujeito.

    ACUSATIVO DATIVO (OBL)9 COMPL (OBL) ADJUNTO

    Ns A gente Ns A gente Ns A gente Ns A gente TOTAL

    NCLEO

    NOMINAL

    -- -- -- -- -- 1/139

    1%

    125/139

    90%

    13/139

    9%

    139

    NCLEO

    VERBAL

    14/77

    18%

    19/77

    25%

    4/77

    5%

    7/77

    9%

    1/77

    1%

    12/77

    15%

    7/77

    9%

    13/77

    17%

    77

    Tabela 2: Distribuio geral dos dados de 1 pessoa do plural nas relaes gramaticais de no-su-jeito.9

    Conforme observamos na tabela 2, ficam ntidos quais os contextos sintticos de complementao/adjuno mais produtivos para cada uma das formas variantes de 1 pessoa do plural. Os resultados evidenciam que as formas relacionadas ao pronome primitivo ns (nesse caso, as for-mas possessivas nosso(s) e nossa(s)) se mantm como estratgia preferen-cial no PB no nvel interno ao sintagma nominal mais especificamente em relaes gramaticais de adjuno ao nome. Tal contexto sinttico di-ficulta a entrada do pronome inovador a gente. Foram localizados 125 dados de formas de ns, em 139 ocorrncias totais nesse nvel sinttico. Ou seja, dito de outra maneira, as formas de ns registraram 90% de pro-

    9 A sigla OBL foi colocada entre parnteses porque a estrutura com oblquo s ocorre em re-lao ao ncleo verbal (cf. Mateus et al. 2003). As relaes sintticas de complementao e/ou de adjuno, por sua vez, podem ocorrer tanto com ncleos verbais quanto com ncleos nominais.

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    dutividade quando articuladas a um ncleo nominal, o que demonstra que tal nvel sinttico ainda refratrio ao uso do pronome inovador.

    Por outro lado, no nvel oracional, a forma inovadora encontra sua porta de entrada no sistema do PB. Tendo em vista as funes sintticas diferentes de sujeito, possvel observar que o acusativo a relao sint-tica mais produtiva ao uso de a gente, respondendo com 25% do total de ocorrncias localizadas na amostra em nvel oracional (isto , subordina-das a um ncleo verbal). Interessante observar que, semelhantemente relao de sujeito, o acusativo tambm no se faz introduzir por meio de preposio. Tal particularidade talvez explique a maior produtividade de a gente no acusativo, como ser mais bem discutido na seo 4.3.

    Nas sees que se seguem, sero discutidos separadamente os resul-tados da variao das formas de ns e a gente nos sintagmas nominas e verbais.

    A variao no interior dos sintagmas nominais4.1. semelhana do que algumas pesquisas j apontavam (Omena 1986,

    1996; Ramos et al 2009; entre outros), quando se observam as relaes internas ao sintagma nominal, foi possvel verificar a concentrao de da-dos na funo de adjunto do nome funo mais produtiva na lngua do que a funo de complemento , havendo alta produtividade das formas de ns em tal relao gramatical (90%), como mencionado anteriormen-te. Esse o contexto de maior resistncia entrada do pronome inovador a gente, uma vez que as formas do pronome primitivo ns ainda mantm a preferncia de uso: o subsistema dos possessivos. Os exemplos de (23) a (28) ilustram os dados encontrados na amostra:

    23 olha eu normalmente a nossa vida voltada pro Senhor Jesus... (dado 6, Copa MB2)

    24 de repente a gente... acha que no e o nosso vizinho deve t surrando o filho dentro de casa... (dado 25, Copa MA3)

  • implementao de a gente... / Vianna & lopes 23

    25 Ento eu acho que a nossa responsabilidade como profissional da educao... muito grande... (dado 201, Nova Iguau FB3)

    26 ... s vezes a prpria sociedade discrimina nossos alunos... (dado 205, Nova Iguau FB3)

    27 ...um povo to criativo como o nosso no precisa copiar programas imaginados em outros / em outras cidades... (dado 230, Nova Iguau MC3)

    28 ... ns no temos um heri nacional... todos os nossos heris foram inventados... (dado 115, Nova Iguau MA3)

    Observemos melhor a competio das formas de 1 pessoa do plural, quando no interior dos sintagmas nominais. A tabela 3 demonstra as frequncias das formas em cada relao gramatical.

    TABELA 3: Produtividade das formas de ns e a gente nas

    construes possessivas.

    Ns A gente TOTAL

    CONSTRUO DE COMPLEMENTAO 1/1

    100%

    1

    CONSTRUO DE ADJUNO 125/138

    91%

    13/138

    9%

    138

    Tabela 3: Produtividade das formas de ns e a gente nas relaes gramaticais do nvel suboracional.

    A tabela 3 apresenta os resultados relativos ao sintagma nominal. Nesse caso, foi interessante perceber uma diferena de uso das formas variantes quando se confrontam os complementos e adjuntos no nvel suboracional (sintagma nominal possessivo). No primeiro caso, de acor-do com os nmeros, o a gente foi categrico (100%) j que foi localizado apenas um dado de tal relao, e esta ocorreu com a forma pronominal inovadora.

  • 24 lingstica 29 (1), junio 2013

    29 ...se a gente paga impostos pra esse dinheiro ser revertido em benefcios pra gente mas... infelizmente as escolas no tm estado n no nvel adequado... (dado 3, Copa MA2)

    O dado em (29) ilustra como se estabelece a relao de complemen-tao no sintagma nominal: a presena de um nome deverbal (confor-me discutido na seo 2) projeta a estrutura de complementao. No exemplo acima, pra gente argumento de benefcios. Nesse sentido, interessante notar que, embora a relao entre termos ocorra no nvel sinttico interno ao sintagma nominal, h uma ntima associao com a estrutura oracional que projetada pelos verbos do qual derivam tais nomes10.

    A variao no nvel oracional4.2. Com relao ao nvel oracional, por sua vez, foi possvel verificar

    maior abertura do sistema ao emprego generalizado da forma inovadora. Em tal nvel sinttico, a competio entre as formas de 1 pessoa do plu-ral torna-se mais acirrada, e o pronome inovador a gente ganha terreno, em ndices percentuais semelhantes ao que se verifica quanto posio de sujeito em algumas regies do pas (Seara 2000; Tamanine 2002; Zilles 2005, 2007; Maia 2003; Rocha 2009): 66% de frequncia (como pode ser checado na tabela 1 e na soma dos percentuais de frequncia da tabela 2)11.

    Vejamos a seguir quais relaes gramaticais, no nvel da orao, abrem maior espao entrada de a gente. A tabela 4 demonstra os percentuais das formas de ns e a gente, em cada uma das funes sintticas contro-ladas no sintagma verbal:

    10 Os nomes deverbais so formados a partir do processo de derivao regressiva cuja base um verbo. Ver discusso em Baslio (1989).

    11 A frequncia de 68% obtida quando se somam as produtividades de a gente em todas as relaes gramaticais no nvel oracional, isto , acusativo (25%), dativo (9%), oblquo complemento (15%) e oblquo adjunto (17%).

  • implementao de a gente... / Vianna & lopes 25

    TABELA 4: Controle das formas de ns e a gente

    nas funes sintticas em nvel oracional

    Ns A gente TOTAL

    ACUSATIVO 14/33

    42%

    19/33

    58%

    33

    DATIVO 4/11

    36%

    7/11

    64%

    11

    OBLQUO COMPLEMENTO 1/13

    8%

    12/13

    92%

    13

    OBLQUO ADJUNTO 7/20

    35%

    13/20

    65%

    20

    Tabela 4: Controle das formas de ns e a gente nas funes sintticas em nvel oracional

    Em todas as relaes gramaticais, verificou-se a superioridade dos da-dos de a gente, o que demonstra que a forma inovadora j est ocupando os espaos de ns no nvel oracional de uma maneira geral, e no apenas na funo de sujeito como constatado em inmeras pesquisas no PB (Vianna 2011; Vianna & Lopes 2012). No entanto, a entrada da forma inovadora nas relaes gramaticais diferentes de sujeito acontece de ma-neira mais lenta. Analisemos cada funo sinttica separadamente.

    As funes sintticas de acusativo, dativo e oblquo adjunto apresenta-ram frequncias bastante equivalentes para o emprego de a gente: 58%, 64% e 65%, respectivamente. No obstante, importante perceber que tais funes sintticas tiveram produtividades diferenciadas na amostra (como evidenciado na tabela 2).

    Dentre elas, a relao gramatical em que se obteve um maior nmero de dados de 1 pessoa do plural foi a de acusativo, com um total de 33 estruturas: 19 dados de a gente (58%) e 14 ocorrncias de formas de nos (42%). Por sua vez, a relao gramatical de oblquo adjunto teve a segunda maior produtividade geral na amostra, localizaram-se 20 estruturas com formas variantes de 1 pessoa do plural: 13 dados de a gente (65%) e 7 de formas de formas relacionadas a ns (35%).

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    As relaes gramaticais de dativo e de oblquo complemento foram me-nos produtivas como era de se esperar, em funo, talvez, da menor pro-dutividade desse tipo de relao com um ncleo verbal.

    Como dativo, foram localizadas apenas 11 ocorrncias, havendo 7 dados de a gente (64%) e 4 dados de formas de ns (36%). A relao gramatical de oblquo complemento, por fim, ainda que pouco produtiva na lngua (localizaram-se apenas 13 ocorrncias), parece ser a que mais propicia o uso de a gente, como se observa na tabela 4: de 13 ocorrncias totais, localizaram-se 12 dados de a gente (92%) e apenas 1 dado de ns (8%).

    Os exemplos abaixo ilustram as ocorrncias de a gente encontradas em relao de oblquo complemento com um ncleo verbal:

    30 ...ela tava falando l com a gente e era muita muvuca a gente no podia encos-tar... apesar que assim uma colega minha tocou na mo dela... ela apertou a mo assim... (dado 2, Copa FA1)

    31 ...eu falo mas a preocupao que a gente fica por mais que a gente queira descan-sar que vocs falem com a gente... mas a gente tem uma preocupao... e hoje em dia ento uma coisa que vocs tm que facilita o celular... liga s pra dizer tou bem tou aqui... (dado 15, Copa MB3)

    32 ... mesmo que no venha pra gente assim ... eu acho que a gente j tem bastante... a gente pode ter mais mas a gente j tem muito sabe?... e muita gente aqui reclama de barriga cheia n... (dado 22, Copa MA3)

    33 ...famlia...da voc vai...vendo como a sociedade...tambm coloca pra gente... (dado 123, Nova Iguau FA3)

    34 ...ele apresentava falava com a gente... a gente falava com ele e ele traduzia pra pessoa a tinha esse outro menino tambm...a foi muito bo:m...mu:ito bom... (dado 126, Nova Iguau FA3)

  • implementao de a gente... / Vianna & lopes 27

    35 ...essas coisas s faz o que com a gente? quer dizer como que a gente fica numa situao dessa? (dado 181, Nova Iguau FB2)

    36 ... essa minha tia nossa senhora judiava muito da gente... (dado 187, Nova Igua-u FB2)

    37 ... no batia na gente de chinelo havaiana... ela pegava era vara de goiaba dobrava ela dobrava assim assim s nas pernas... (dado 188, Nova Iguau FB2)

    38 ...comeavam a debocharem da gente... (dado 222, Nova Iguau FC1)

    39 eles debochavam da gente ento eu tive que tirar tudo isso e hoje eu me arrepen-do... ter deixado minhas filha ( ) com a minha.... no com os outro... (dado 223, Nova Iguau FC1)

    40 ...a ns chegamos na casa do rapaz descarregamos a revista e depois ele ficou com a gente... (dado 226, Nova Iguau MC2)

    O nico dado de ns em relao gramatical de oblquo complemento com uma forma verbal pode ser visto no exemplo (41):

    41 ... e a pessoa que ia ficar conosco l...falava portugus...ento no caso: eh/eh alemo mesmo n ele e o M...falava portugus...ento ns ficamos na casa dele... programo:u um passe:io e visi:tas em diversos lugares...a... (dado 125, Nova Iguau FA3)

    Ainda que a investigao se encontre em fase bastante inicial, talvez seja possvel inventariar algumas hipteses com relao aos resultados encontrados at aqui. Ao que parece, h uma forte relao entre a pro-dutividade de a gente e o teor informacional maior ou menor de uma determinada relao gramatical.

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    Alguns comentrios breves 4.3. sobre dativos e acusativos

    No que se refere relao gramatical de dativo, os exemplos localiza-dos na amostra referendam alguns resultados j discutidos em trabalhos anteriores. A seguir, de (42) a (48), esto elencados todos os dados de dativo com a forma a gente localizados na amostra. Foi interessante ob-servar que, em todos eles (7 dados), o sintagma preposicional (SPrep) ocorreu com a preposio para12.

    42 ... a caseira l que fazia lan:che pra gente que a gente pedia fazia o lanche a gente lanchava... (dado 18, Copa MB3)

    43 ... foi bem fcil porque eles deram pra gente um pratinho... plstico... uma tesou-ra... e um cubo... de papel... a voc/ voc mesmo mon/ montava o cubinho de papel... (dado 88, Copa FA2)

    44 ... o que minha me conta pra gente porque eu tambm era muito pequena eu no lembro... (dado 106, Nova Iguau FA2)

    45 ... o/o dono da casa...tocava violo pra gente acordar... (...) a ia pra ( ) ...a conhe-cia...alguns lugares...restaurantes... apresentava restaurantes pra gente... de vrios ai a comida deles l ... (dado 128, Nova Iguau FA3)

    46 ... ento meu pai deu tudo de bom pra gente...e o sonho dele era que todos os filhos se formassem... (dado 143, Nova Iguau MB1)

    47 eu achava que elas tinha que explicar pra gente n... porque : e voc t todo dia ali n marcando essas coi/ esse exame voc sabe n sabe os horrio... que a pessoa vai fazer... (dado 217, Nova Iguau FC1)

    12 Em todos os dados aferidos no PB, observou-se a realizao pra em lugar de para, ocorrendo sncope do fonema voclico.

  • implementao de a gente... / Vianna & lopes 29

    48 ... no tem jeito a manda pra gente... que l no Melhado Advogados pra poder a gente entrar com uma ao de busca e apreenso... (dado 21, Copa MA3)

    Tambm com a forma ns, foi localizado um dado no qual o sintag-ma preposicional (SPrep) ocorreu com a preposio para, como se pode ver no exemplo (49). Houve apenas um caso, em toda a amostra, com a preposio a no SPrep introduzindo formas de referncia 1 pessoa do plural. A nica ocorrncia aparece com o pronome primitivo ns, como pode ser aferido em (50):

    49 ... NO querer conhecer o que Deus deixou pra ns... que Jesus veio Terra... te ensinar a viver pra voc... ele no veio por causa dele... (dado 48, Copa FC1)

    50 ... ele veio dar chance... a ns de sermos felizes (dado 49, Copa FC1)

    Dos quatro casos totais de dativo com a forma ns, dois deles ocor-reram com o cltico nos, havendo a ocorrncia concomitante de objeto direto nulo nas estruturas em questo. Os dados (51) e (52) ilustram essas ocorrncias:

    51 ... tinha um oficial pra nos receber... nos receberam todos e tal... a veio o:/ o jan-tar... (escusa) dizer que ns no tnhamos comido nada no nosso batalho n e o: patriarca veio aqui... nos [proporcionando... (dado 80, Copa MC3)

    52 A Via Light tambm... que nos propricia... s atravessarmos pro outro lado j pegamos o nibus para o metr:... quer dizer... quan:to a isso... quanto LOCA-LIZAO... timo... (dado 234, FC3)

    Houve mais trs dados de dativo preposicionado com a gente adjacen-te ao verbo sem objeto direto. So os dados anteriormente mencionados (30), (31) e (34). No que se refere aos dados com formas de ns e a gen-

  • 30 lingstica 29 (1), junio 2013

    te localizados na amostra referente ao PB, a leitura de alguns trabalhos produzidos sobre a expresso do dativo na variedade brasileira pode ser bastante elucidativa (Ramos 1992; Gomes 1996; Nascimento 2009).

    De acordo com Ramos (1992), o decrscimo no uso dos clticos fa-vorece o uso da preposio para, que ocupou o espao da preposio a no portugus brasileiro. No portugus europeu, construes dativas com a preposio para seriam agramaticais A ausncia de estruturas de redobro no PB embasa essa relao, segundo a autora. Os dados encon-trados referendam a hiptese de mudana na variedade brasileira do por-tugus, no sentido de maior implementao da preposio para em lugar de a. Aparentemente, esse processo acelerado quando a gente figura no SPrep. Com o pronome padro ns, embora tambm ocorra a substitui-o da preposio a por para, esta se d de maneira mais lenta.

    A nica estrutura encontrada de dativo com preposio a foi pro-duzida por uma informante da faixa etria C, isto , a faixa etria dos indivduos com mais idade: de 56 a 75 anos. O exemplo (50), retomado a seguir em (53), ilustra o dados localizado na entrevista da informante em questo:

    53 ... NO querer conhecer o que Deus deixou pra ns... que Jesus veio Terra... te ensinar a viver pra voc... ele no veio por causa dele... (dado 48, Copa FC1)

    A variao entre as formas na funo de acusativo tambm referenda algumas hipteses j discutidas em trabalhos anteriores. Nessa relao sinttica foram localizadas 33 ocorrncias com formas de 1 pessoa do plural: 19 dados de a gente (59%) e 14 com formas de ns (42%). Os exemplos de (54) a (59) ilustram os dados de a gente acusativo localiza-dos na amostra, em todas as faixas etrias:

    54 ...no diferena voc no melhor (ou algum no) melhor que voc... n...ainda mais que a gente Deus criou a gente pra ser me n?(dado 47, Copa FC1)

  • implementao de a gente... / Vianna & lopes 31

    55 eu tinha plano quando me:u/ minha filha montou uma empresa: e botaram a gente e graas a Deus... meu marido fez um monte (de exame) dele dentro do plano... (dado 219, Nova Iguau FC1)

    56 a resultado o meu tio no quis ajudar ele achou da parte dele errado ele largar a gente e com quatro anos volta assim com a cara mais lavada e quer assumir a famlia... (dado 188, Nova Iguau FB2)

    57 ... no mostra trabalho nenhum ele nem mora aqui ele nem mora aqui... ento essas coisas vai vai cansando vai enjoando a gente sabe??? (dado 181, Nova Iguau FB2)

    58 ... ele trancava a gente no quarto... a gente no comia... (dado 104, Nova Iguau FA2)

    59 ... chegava... no deixava ningum ver a gente... e assim foi foi uma... uma situa-o muito difcil eu no pretendo passar nada disso com a minha famlia [... com os meus filhos (dado 105, Nova Iguau FA2)

    Com relao aos casos de acusativo com formas de ns, foi interes-sante perceber o uso quase categrico do cltico nos, sempre em posio procltica ao verbo. Os exemplos de (60) a (71) ilustram os dados locali-zados na amostra do PB:

    60 Jesus nos ama ns dois... (dado 54, Copa FC1)

    61 vo nos assaltar... (dado 55, Copa FC1)

    62 ... batalho sueco... nos convidaram pra... jantar l... e o jantar era digamos s oito horas (dado 75, Copa MC3)

  • 32 lingstica 29 (1), junio 2013

    63 ...tinha um oficial pra nos receber... (dado 77, Copa MC3)

    64 ... nos receberam todos e tal... a veio o:/ o jantar... (escusa) dizer que ns no tnhamos comido nada... (dado 78, Copa MC3)

    65 ... sei porque ele nos trouxe aqui... (dado 131, Nova Iguau FA3)

    66 ...eu acho que a imprensa ela tem uma grande parte em nos assustar (dado 135, Nova Iguau MB1)

    67 ...a imprensa... ela...ela... nos induz... eh/ eh/ eh/ a ...achar que a violncia uma coisa que... voc bota o p no porto... leva trs tiros na cabea... cai deitado e morre (dado 136, Nova Iguau MB1)

    68 ... no porque eu defendo o Collor...no tenho nada contra ele... nem a favor...mas ele foi jogado na rua...porque houve interesse de algum de jogar ele na rua... ela quer nos induzir a isso... (dado 146, Nova Iguau MB1)

    69 ... desculpa gente...eu no tou falando disso por racismo no... mas ela quer que a gente aceite que o negro um ser inferior eu acho que a populao brasileira ainda no est preparada... e ns podemos comear a nos preparar de forma errada... (dado 147, Nova Iguau MB1)...

    70 ... a classe social apenas o que nos privilegia de algumas coisas... n? (dado 238, Nova Iguau FC3)

    71 ... nibus que nos deixa praticamente na porta do metr s subir a ram:pa e ir para o metr no ? ... eu acho que QUAN::TO a isso de/ de transpor:te... (dado 239, Nova Iguau FC3)

  • implementao de a gente... / Vianna & lopes 33

    O exemplo (60), aqui retomada em (72), ilustra um caso de redupli-cao do acusativo com o verbo amar:

    72 Jesus nos ama ns dois... (dado 54, Copa FC1)

    Tal ocorrncia, no entanto, equivale a um caso misto uma vez que h a presena do cltico nos co-ocorrendo com o sintagma nominal acusati-vo [ns dois]. Foi interessante observar que, dos 13 dados do cltico nos em funo acusativa, oito foram produzidos por informantes da faixa etria C (de 56 a 75 anos), o que talvez seja um indcio de que tal uso tem sobrevivido principalmente nas faixas etrias mais velhas.

    consideraes finais 5. Tendo em vista os resultados discutidos, possvel constatar que

    existem diferenas bem acentuadas em relao produtividade das for-mas variantes de 1 pessoa do plural nas diferentes relaes gramaticais que se estabelecem com o ncleo verbal e/ou nominal, semelhana do que outras pesquisas j apontavam (Omena 1986, 1996; Ramos et al. 2009; entre outros). Aparentemente, no nvel oracional que a forma inovadora a gente encontra sua porta de entrada para adentrar o sistema lingustico do portugus (sem se considerar a funo de sujeito). Nesse sentido, a relao gramatical de oblquo complemento parece ser o por-to principal, talvez em funo do status informacional que os elementos em tal posio adquirem. Ao dizer, por exemplo, ele saiu com a gente, o falante explicita o referente, elucidando que a ao foi realizada com a pessoa X e no com Y. A alta proeminncia discursiva e o carter d-itico dos pronomes de 1 e 2 pessoas, obrigatoriamente [+ humanos], favorecem a sua expresso plena para individualizar ou desambiguizar claramente o referente. Tal propriedade fortemente identificada com as formas oriundas de processos de gramaticalizao de nomes a prono-mes, como o caso de a gente e voc, em funo do status informacional que esses elementos adquirem na funo de complemento oblquo, como mencionado.

  • 34 lingstica 29 (1), junio 2013

    Como se sabe, postula-se que o processo de gramaticalizao seja unidirecional, sempre partindo do discurso para a sintaxe. Assim, a en-trada da forma inovadora pela relao gramatical que carrega o teor mais informacional estaria em perfeito acordo com o postulado bsico do pro-cesso: o sentido discurso-sintaxe. Em outras palavras, a forma a gente en-traria adentrando o nvel oracional (nas funes de no-sujeito) a partir das relaes gramaticais em que h um carter muito mais discursivo do que sinttico.

    No sintagma nominal possessivo, por sua vez, a entrada de a gen-te continua sendo bastante limitada. As relaes internas ao sintagma nominal, principalmente quando so construes possessivas de adjun-o (as mais frequentes na lngua), assumem um carter muito mais fixo (imutvel) na organizao do sistema, isto , so relaes de carter es-sencialmente sinttico e no discursivo. Talvez por isso a entrada de a gente, nessas relaes gramaticais, seja to desfavorecida.

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  • implementao de a gente... / Vianna & lopes 35

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  • 36 lingstica 29 (1), junio 2013

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