A Arte Em Areia Colorida de Majorlândia

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    garrafas que guardam smbolos e sonhos:a arte em areia colorida de Majorlndia

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    sala do artista popular

    MUSEU DE FOLCLORE EDISON CARNEIROS A P

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    Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

    Iphan / Ministrio da Cultura

    garrafas que guardam smbolos e sonhos:a arte em areia color id a d e Major lnd ia

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    Ministrio da CulturaMinistro: Juca Ferreira

    Instituto do Patrimnio Histrico eArtstico NacionalPresidente: Luiz Fernando de Almeida

    Departamento de Patrimnio ImaterialDiretora: Mrcia SantAnna

    Centro Nacional de Folclore eCultura PopularDiretora: Claudia Marcia Ferreira

    PARCERIA

    Associao de Amigos do Museu de FolcloreEdison CarneiroPresidente: Lygia Segala

    PATROCNIO

    Caixa Econmica FederalPresidente: Maria Fernanda Ramos Coelho

    realizao patrocnio

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    sala do artista popular

    MUSEU DE FOLCLORE EDISON CARNEIROS A P

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    A Sala do Artista Popular, do Centro Nacional de Folclore e

    Cultura Popular/CNFCP, criada em maio de 1983, tem por objetivo

    constituir-se como espao para a difuso da arte popular, trazendo

    ao pblico objetos que, por seu significado simblico, tecnologia de

    confeco ou matria-prima empregada, so testemunho do viver e

    fazer das camadas populares. Nela, os artistas expem seus trabalhos,

    estipulando livremente o preo e explicando as tcnicas envolvidas

    na confeco. Toda exposio precedida de pesquisa que situa oarteso em seu meio sociocultural, mostrando as relaes de sua

    produo com o grupo no qual se insere.

    Os artistas apresentam temticas diversas, trabalhando mat-

    rias-primas e tcnicas distintas. A exposio propicia ao pblico no

    apenas a oportunidade de adquirir objetos, mas, principalmente, a

    de entrar em contato com realidades muitas vezes pouco familiares

    ou desconhecidas.

    Em decorrncia dessa divulgao e do contato direto com o

    pblico, criam-se oportunidades de expanso de mercado para os

    artistas, participando estes mais efetivamente do processo de valo-

    rizao e comercializao de sua produo.

    O CNFCP, alm da realizao da pesquisa etnogrfica e de

    documentao fotogrfica, coloca disposio dos interessados o

    espao da exposio e produz convites e catlogos, providenciando,

    ainda, divulgao na imprensa e pr-labore aos artistas no caso de

    demonstrao de tcnicas e atendimento ao pblico.

    So realizadas entre oito e dez exposies por ano, cabendo a

    cada mostra um perodo de cerca de um ms de durao.

    A SAP procura tambm alcanar abrangncia nacional, receben-do artistas das vrias unidades da Federao. Nesse sentido, ciente

    do importante papel das entidades culturais estaduais, municipais e

    particulares, o CNFCP busca com elas maior integrao, partilhan-

    do, em cada mostra, as tarefas necessrias a sua realizao.

    Uma comisso de tcnicos, responsvel pelo projeto, recebe e

    seleciona as solicitaes encaminhadas Sala do Artista Popular,

    por parte dos ar tesos ou instituies interessadas em participar

    das mostras.

    G238 Garrafas que guardam smbolos e sonhos: a arte em areia colorida

    deMajorlndia/ pesquisaetextodeCesarBaa.--Riode Janeiro:

    IPHAN, CNFCP, 2010.

    36 p. : il. -- (Sala do Artista Popular ; n. 163).

    ISSN 1414-3755

    Catlogo da exposio realizada no perodo de 11 de novembro

    de 2010 a 12 de dezembro de 2010

    1. Arte popular - Artesanato em areia. 2. Garrafas de areia. 3.

    Artistas populares Cear. I. Baa, Cesar, org. II. Srie.

    CDU 7.067.26 (813.1)

    Setor de Pesquisa

    COORDENADORAMaria Elisabeth Costa

    Programa Sala do Artista Popular

    RESPONSVELRicardo Gomes Lima

    EQUIPE DE PROMOO E COMERCIALIZAOMagnum Moreira, Marylia Dias e Sandra Pires

    PESQUISA E TEXTOCesar Baa

    EDIO E REVISO DE TEXTOSLucila Silva Telles

    Ana Clara das VestesDIAGRAMAOMarcos Corra

    FOTOGRAFIASFlvia Correia

    PRODUO | PROMOARTFlvia Correia

    ASSESSORIA DE COMUNICAOMrcia Shoo

    PROJETO DE MONTAGEM E PRODUO DA MOSTRALuiz Carlos FerreiraTalita de Castro Miranda (assistente)

    PRODUO DE TRILHA SONORAAlexandre Coelho

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    Garrafas que guardam smbolos e sonhos: a arte em

    areia colorida de MajorlndiaCESAR BAA

    Potes servem para guardar gua, mas flores nospotes servem para guardar smbolos. Servempara guardar a memria de quem fez de quembebe e de quem, vendo as flores, lembra de ondeveio. E quem . Por isso h potes com flores.(Brando, 1982)

    As palavras do professor Carlos Rodrigues Brando

    expressam bem o sentimento que inundou minha almaao ingressar no mundo da arte em areia colorida deMajorlndia, em Aracati, cidade do litoral cearense.

    Os olhos j acostumados a ver garrafas com imagensem areia colorida no estavam preparados para recebertanta luz, a comear pela intensa luminosidade do ama-nhecer em Majorlndia, onde pequena extenso de praiaainda guarda em suas areias as cores das jangadas, quevo ganhando o dourado do sol nascente no horizonte,quando levadas para o mar. Imagem que, para ser bempercebida, deve, antes, ser fotografada pelas nossas reti-nas. Por isso h garrafas com arte em areias coloridas!

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    A chegada a Aracati j denunciava o espetculoque estava por vir. Situada a cerca de 150km da capital,banhada pelo rio Jaguaribe1, hoje com uma populaode quase 70.000 habitantes, a cidade fora importantepolo comercial e sociocultural do Cear, ponto de li-gao entre o serto e a s economias do Brasil colnia eimperial.

    Aracaty ou Aracatu vem do tupi-guarani ara(tempo, claridade) e catu (bom, bonanoso), significan-do bons tempos, uma regio que impressionava pela

    claridade e mansido de suas guas, aragem cheirosa,vento que cheira ou rajada forte2.Sua denominaooriginal era Arraial de So Jos dos Barcos do Porto dosBarcos do Jaguaribe, depois, em 1766, Vila de SantaCruz de Aracati e, desde 1842, Aracati.

    A importncia da cidade como polo econmicoe cultural revelada pelas marcas de sua arquiteturaurbana, que contempla um conjunto de casas trrease sobrados, revestidos com azulejos portugueses. Alargura das ruas tinha o objetivo de ate nder s funeseconmicas da poca.

    A atividade de abate bovino foi a principal respons-

    vel pela ocupao de terras na regio. Por volta de 1740j existiam oficinas de charque em Aracati. O comrciode carne e couro manteve-a, por longo tempo, comoa localidade de maior influncia econmica, social epoltica do Cear.

    O centro histrico contempla um plano urbansticodo perodo de criao e instalao da Vila de Santa Cruzdo Aracaty, quando vieram de Portugal, junto com aCarta Rgia, as recomendaes adotadas pelo Parecerdo Conselho Ultramarino de Lisboa. Referiam-se,

    sobretudo, largura das ruas, extenso das praas, localizao dos edifcios pblicos, bem como aos tiposde casas residenciais, que deveriam ser iguais e ter o mes-mo perfil, atendendo, sobretudo, ao aspecto esttico.

    Destacam-se os prdios da Casa de Cmara eCadeia (Cmara Municipal), a Igreja Matriz de NossaSenhora do Rosrio, Igreja de Nossa Senhora dos Pra-zeres, a casa de Adolfo Caminha, e o sobrado do Bar ode Aracati (hoje Instituto do Museu Jaguaribano), queintegram o conjunto arquitetnico que foi consideradopatrimnio nacional em 2000, tombado pelo Institutodo Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.

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    Hoje, a base econmica da cidade a pesca e acriao de camares, fortalecida pelo turismo, que

    tem nas praias forte atrativo: Retirinho, Fontainha,Lagoa do Mato, Quixaba, Canoa Quebrada e Ma-

    jorlndia. Destacam-se Canoa Quebrada, ponto decomercializao das garrafas de areias coloridas,tambm conhecida pela indstria de labirintos,em face do grande fluxo de turistas que a tornoufamosa na regio; Fontainha, onde se encontram asfalsias, fonte da matria-prima as areias coloridas utilizada para a confeco das garrafas, e, por f im,Majorlndia, cenrio da histria da arte em areiascoloridas, porque consagrada como seu local deorigem. Foi nela que nasceu a arte e o ofcio dos ar-

    tistas que enchem as garrafas de smbolos e sonhos.Situada a 12km da sede, a belssima praia deMajorlncia parece um paraso em meio a densocoqueiral, com lindas falsias avermelhadas, dunas efontes naturais.

    As falsias so a principal fonte de matria-primados artistas das areias coloridas. Soformaes geo-grficas litorneas, a rigor, um ressalto do tabuleiro,que, ao sofrer o processo de abraso, recua em dire oao continente, ampliando a superfcie erodida pelasondas, que chamada de terrao (Monteiro, 2001).Nelas comea o processo de produo dessa arte que

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    biscoitos e refrigerantes at feijo, leo.Raimundo me recebeu com extrema gentileza

    e se ofereceu para me fazer companhia, dizendoque no poderia conversar comigo naquele mo-mento, mas que me levaria casa de Edgar. Samosem direo casa de Edgar pelas ladeiras de areia,embaixo j de sol a pino, o que aumentou o esforofsico de subida.

    Ainda sob o impacto da beleza natural de Major-lndia, as ladeiras e vielas do morro, recheadas de ca sas

    extremamente simples, apareciam agora como um con-traste, revelando a condio de pobreza daquela parteda populao da localidade.

    De fato, at agora eu tinha visto apenas a parte beira mar, onde no havia nem mesmo moradiasdos pescadores, mas grandes quiosques, residnciasde veraneio, pousadas e bares da gente de fora.Soube, mais tarde, que, conforme a praia foi ficandomais conhecida, os moradores, em sua maioria pes-cadores, foram cedendo especulao imobiliria,vendendo seus lotes e subindo o morro.

    Ressalte-se que no vi misria, mas casas muitosimples, algumas bastante aconchegantes e espa-

    osas, como a de Ra, onde tive o prazer de jantar,numa das noites que estive na cidade, um deliciosopeixe com piro feito por sua jovem esposa, Isadora,

    ganhou o mundo.O primeiro contato com um dos artistas foi a par-

    tir de modesto quiosque instalado no calado, ondese via uma chamada sobre areias coloridas, alm donome Ra. Sa procura e encontrei Raimundo Nonatoda Silva, 38 anos, natural de Majorlndia, dono doquiosque.

    Raimundo usa esse pequeno espao para produ-

    zir suas peas com areia colorida, que ficam expostaspara venda l mesmo. Alm das suas peas, expea de outros artistas. Fala orgulhoso que vive de suaarte, mas complementa sua renda com a venda deoutros produtos, como sorvetes, refrigerantes, al-gumas peas de bijuterias, como cordes, brincos,etc., e tambm como dono de uma bodega, ondevende produtos variados de alimentao, desde

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    em companhia de sua filhinha Rassa, de trs anos deidade. Para matar minha curiosidade e completar ahospitalidade e gentileza, meus anfitries, enquan-to me serviam um cafezinho, me explicaram queaquele peixe se chamava biquara, o peixe maissaboroso e popular da pesca diria. Nesse encontro,Raimundo falou sobre o prazer e alegria que tem aofazer as garrafas de areias coloridas, porque exercitaa sua criatividade ao mesmo tempo em que divulgaa arte, quando a produz e a vende em seu quiosque

    na praia, para que todos vejam seu processo deproduo.Voltando s ladeiras, chegamos casa de Edgar e

    fomos recebidos por dona Cosma, sua esposa. Ra deixou-me em companhia do casal Edgar Andrade de Freitas,60 anos, e Cosma Pinheiro de Freiras, 56 anos.

    A casa simples do casal, igualme nte aconchegante,ofereceu-me uma varanda, onde sentamos e passa-mos a conversar sobre a arte e ofcio que os mantmfinanceiramente. A relao afetiva do casal parece sefortalecer na criao das garrafas de areias coloridas,uma vez que produzem juntos e falam com prazer e

    alegria desse fazer.Edgar passou a contar sobre quando comeou a

    trabalhar com a areia colorida. Aprendeu desde meninocom dona Jo ana Carneiro (1908-1978), tia de donaCosma. Foi pelas mos e criatividade de dona Joanaque, segundo o que contam os moradores mais antigos,Majorlndia ficou conhecida como o local de origemda arte em areias coloridas.

    A arte e o ofcio se espalharam, em primeiro lugar,para Morro Branco, tambm litoral leste do Cear, por

    conta da grande incidncia de falsias na localidade, e,em seguida, para o litoral do Rio Grande do Norte,destacando-se o municpio de Tibau, tambm conhe-cido como a terra das areias coloridas.

    Enquanto Edgar fora apanhar recortes de jornais etoda sorte de impressos sobre o trabalho que realizam,dona Cosma lembrou que, para fugir da vida difcil quetinham quando recm-casados, foram para Fortaleza,em 1970, ela com 16 anos de idade e Edgar com 20.L, criando as imagens das paisagens litorneas, pude-ram criar os seis filhos, e conheceram vrias partes domundo, contou orgulhosa, embora ela s tenha come-

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    cer, se reproduz e se recria pelas mos habilidosasdos artistas de Majorlndia, que fazem da arte emareia colorida arte nica, mpar, pela forma comocriam as imagens dentro das garrafas.

    Da, o prazer de Edgar com todo esse processo,que se inicia com a ida para as falsias, geralmenteao raiar do dia, quando, com utenslios variados,

    ado o trabalho mesmo em 1976, quando se iniciou naaprendizagem com o marido.

    Edgar, j de volta, complementa, mostrando olbum com as fotos dos dois em Tquio, onde demons-traram a tcnica, a convite de uma emissora de televiso,logo aps terem participado de um documentr io, re-alizado pela mesma emissora, em 1998, em Fortaleza.Ainda mostrando as fotos, contou que conheceram aArgentina, Paraguai e, praticamente, todo o Brasil.

    Dona Cosma, demonstrando saudade e certa tris-

    teza em seu rosto, afirmou que, com a concorrncia,principalmente de Morro Branco, o trabalho passoua ser menos remunerado. Desse modo, trabalha sobencomenda e complementa sua renda com o la birinto3,tcnica aprendida desde menina. Pacincia e muitaateno so pr-requisitos para o exerccio do labirinto,o que, sem sombra de dvida, dona Cosma deslocoupara a aprendizagem da arte em areias coloridas.

    Uma arte que, segundo Brando,

    se reproduz como saber [...] reproduz-seenquanto vivo, dinmico e significativo

    para a vida e a circulao de trocas de bens,de servios, de ritos e smbolos entre pes-soas e grupos sociais. Enquanto resiste adesaparecer e, preservando umamesma estrutura bsica, a todomomento se modifica. O quesignifica que a todo momentose recria. (1982: 36).

    Hoje, considerado um mestre,

    Edgar volta a falar da sua arte comorgulho e diz que no vai parar, por-que o valor artstico no tem preo.

    Valor artstico que , de fato, reve-lado pela singularidade de um saberque resiste a desapare-

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    vo buscar a matria-prima4: somais de 12 cores naturais, taiscomo os tons de amarelo, laranja,cor de telha, marrom, bord, e obranco; j o verde, azul, so grostingidos, afirma Edgar.

    Aps a retirada da areia, pas-

    sam ao consequente afinamento,

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    processo em que o artista peneira aareia uma ou duas vezes, e at umaterceira vez, se achar necessrio,para retirar os gros mais grossos epedras, ficando apenas com os grosmais finos.

    Separada em suas vrias cores,

    a areia colocada em potes e coposdispostos sobre uma mesa. Para dar

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    incio ao processo de criao, usamuma concha e colheres, para pegara areia em pequena quantidade, oucopinho de plstico, para coloc-laem maior quantidade dentro dasgarrafas.

    A palheta, instrumento que

    d forma imagem que criada,

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    firme. Usa-se ainda, sobre esse volume, uma mistura degua e cola branca, apenas como medida de segurana,uma vez que a compactao f irma a areia na garrafa detal forma que, virando-a, o desenho no se desfaz.

    So imagens de paisagens litorneas, aves, retratos.As mais recorrentes so as que marcam a paisagem lo cal,com suas praias, coqueirais e jangadas, e at peas quelhes so encomendadas para servir de peas publicit-rias, propaganda, como foi realizado por mestre Edgar

    para uma cervejaria, retratos e at declaraes de amor,do tipo Joo ama Maria, em meio a uma paisagem, tala representao simblica dessa atividade na regio.

    Desse modo, criatividade e sensibilidade, tcnicae habilidade transformam areia em magia e seduona arte feita em garrafas, uma atividade artstica queguarda smbolos e sonhos, que requer pacincia para aproduo de peas delicadas, com traos e contornossuaves, leves em suas miniaturas de paisagens, imagens

    tem uma de suas pontas to fina quanto uma agu-lha, melhor para o trao de detalhes. Detalhes querevelam a criatividade do artista e a singularidade doprocesso de criao das imagens que vo surgindo.

    Por fim, o acabamento, chamado compactao daareia, visa a garantir que o desenho fique intacto, imuneaos movimentos. Colocando-se areia aos poucos, o vo-lume pressionado com um ferro pontiagudo, at ficar

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    Apesar de no mais trabalhar com essa arte, ele pa-receu saudoso do ofcio, lembrou do trabalho de repasseda tcnica para muitos pescadores de Majorlndia amaioria dos que trabalham com a areia colorida oufoi pescador , da me disse que eu tinha de conhecero trabalho de Ldio Jos Maia da Silva , 41 anos, que,segundo ele, o artista que mais se apropriou na tcnica,tornando seu trabalho perfeito. Opinio que unnimeentre os artistas de areias coloridas em Majorlndia.

    De fato, Ldio, ao falar de seu trabalho e arte, falacom afeto pelo que faz, trabalha por gosto, procu-rando mesmo melhorar todos os dias, realizandosempre um trabalho melhor do que o ante-rior, e suas peas so e xemplos claros disso.

    O trabalho de Ldio revela o exercciode busca da perfeio, de tal modo quereproduz, por exemplo, retratos com asareias coloridas, que se chega a duvidar deque uma cpia em areia. O uso da palhetacom extrema tcnica e habilidade imprimeimagens refinadas e ricas em detalhes.

    Sem sombra de dvida, Ldio um dos

    religiosas, e outros smbolos do imaginrio popularretratados pelas mos hbeis dos artistas, que utilizama areia para a confeco.

    Seguindo a rotina de encontro com os ar tistas, aque eu j estava me acostumando, Edgar levou-me ata casa de mestre Toinho, Antnio Eduardo AndradeMaia, 64 anos, tambm natural de Majorlncia, f ilho dedona Joana Carneiro, tido pelos artistas locais como u mdos grandes mantenedores da tradio da arte em areiacolorida na localidade. Viveu dessa arte e ofcio cerca de40 anos, aperfeioou a tcnica aprendida com sua meainda menino, repassando-a s novas geraes.

    Toinho explica que depois que a tcnica se popula-rizou, dedicou-se a outras formas de criaes artsticas,deslocando sua sensibilidade para a escultura emmadeira. Cria agora imagens de santos, dentre outrostrabalhos, alm de produzir painis de paredes, usandocimento para criar cenas martimas em alto-relevo emparedes das casas de veraneio.

    O encontro com Toinho revelou as relaes de pa-rentesco cujos sobrenomes j haviam demonstrado, tala recorrncia dos Freitas, Maias e Silvas na localidade

    e, principalmente, no mbito dos produtores da arteem areia colorida, consagrando uma rede de relaessociais que sustentavam a tradio. A histria de donaJoana Carneiro, narrada agora por Toinho, seu filho,atestava a verdade do que eu ouvira e li em recortes de

    jornais antigos, impressos, sobre a inveno da tcnicaem Majorlndia.

    Toinho lembra que sua me, inicialmente, apenasenchia as garrafas com areias coloridas, percebendo quepodia realizar desenhos geomtricos.

    Certo dia, quando estava fazendo uma dessas parapresentear um dos seus filhos, como lembrana, p ois eleera da marinha mercante, por acidente a garrafa caiu,no quebrou, mas desmanchou as formas geomtricasqueestavam sendo desenhadas,formando algo quepare-ceu, para dona Joana, uma paisagem. A artista percebeu,ento, que poderia desenhar paisagens e comeou a faz-lo, desenhando as praias com seus coqueirais e jangadas.Com o tempo, passou a afinar a areia, peneirando-a paraque as imagens ficassem mais ntidas. Toinho, nico dosseus 10 filhos que herdou o dom de sua me, segundoo prprio, aprimorou a tcnica.

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    aquele que se coloca entre o artista e os comercia ntes,regra geral, tornando o produto mais caro ao consumi-dor. O intermedirio aqui, segundo ele, algum quepertence comunidade, mas no rede de parentescoque une os artistas de Majorlndia, de tal modo queaprende a tcnica e no se preocupa com a qualidadedo trabalho, desvalorizando-o.

    Quanto a essa desvalorizao, o depoimento deNilberto emblemtico:

    Eu fico chateado quando uma pea minha cai equebra, mas eu fico triste e mais chateado aindaquando o turista vem e abaixa o valor do meutrabalho; eu prefiro que a pea quebre a isso.

    Aqui parece no se tratar apenas do valor da trocado ponto de vista do chamado mercado, mas tamb mdo olhar, que dirigido aos saberes e fazeres das ca-madas populares, quando se valora o trabalho artsticodessas camadas da populao. Uma das formas maiscomuns, e simplificadas, aquela que, ao opor artesa-nato/arte popular e arte, separa os a gentes sociais, cuja

    artistas que consagram a arte e ofcio da arte emareias coloridas. Seu trabalho, sua criao repre-sentam um forte indcio de que uma produoartstica que permanecer viva em Majorlndia.

    Esse grupo de artistas vem h algum tempo buscan-do fortalecer a atividade na localidade, uma vez que todaa produo levada por eles para Canoa Queb rada, emface da grande movimentao turstica que a consagroucom uma das praias mais bonitas do litoral cearense.Desse modo, juntaram-se ao grupo de mulheres labi-rinteiras na Associao dos Artesos de Majorlndia Assam , criada h cinco anos, inicialmente com oobjetivo de alavancar a atividade das mulheres.

    Ressalte-se aqui a flagrante diviso de trabalho,marcando as relaes de gnero, com mulheres na ati-vidade do labirinto e homens na confeco das garrafascom areias.

    Hoje, a entidade conta com cerca de 20 labirintei-ras e 35 artistas de areias coloridas. No entanto, essegrupo se tornou descrente quanto ao apoio dos rgospblicos, alm de se ressentir da falta de unio entre elesprprios. Apesar disso, continuam o ofcio e a arte com

    areias coloridas nas garrafas, a rigor, salvaguardando-ado desaparecimento.

    E se dizem ainda mais estimulados a fortalecera Assam a partir da recente atuao do Promoart Programa de Promoo do Artesanato de TradioCultural, do Centro Nacional de Folclore e CulturaPopular/Iphan/Ministrio da Cultura5.

    Nilberto de Freitas Silva, 36 anos, neto de dona Jo -ana, um dos incentivadores do fortalecimento do grupoem torno da associao, se mostrou preocupado como repasse da tcnica, uma vez que muitas pesso as quechama de intermedirios aprendem a tcnica, mas nose preocupam com a qualidade do que fa zem e vendema preos abaixo do que deveriam cobrar, fazendo comque os turistas nivelem o trabalho de todos, forando-osa baixar o preo tambm par a que possam vender. Porisso, se diz otimista com a possibilidade de realizao deoficinas para repasse da tcnica, uma vez que poderogarantir que a qualidade seja o fundamental na arteem areias coloridas.

    Interessante observar que o que Nilberto chama deintermedirio no o comprador conhecido como tal,

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    criatividade materializa os objetos. Uma questo que,se debruarmos um olhar mais atento, observaremosque se trata da distino de classes sociais, uma vez queessa oposio carrega a dicotomia elite e povo, levando matriz que atribuiu s classes dominantes o sab er,em oposio s classes subalternas, cujas atribuiesseriam de fazer, forma de classificao preconceituosae discriminatria, consagrada na ideologia capitalistaao dissociar o trabalho intelectual e o trabalho manual.Desse modo, o objeto chamado de artesanal, como asgarrafas de areias coloridas, tem seu valor diminudo emdecorrncia exatamente deste sistema de classificao(Lima, 2002).

    No entanto, Nilberto, para alm dos obstculos queenfrenta, afirma que da arte em areias coloridas ele vi vee vai continuar vivendo, inventando novas tcnicas, aorealiz-las em outros suportes, como quadros e tijolosde vidro, dando um testemunho de que a criao einspirao brotam nas expresses desses artistas e suasareias coloridas.

    Paulo Srgio da Silva, 36 anos, um exemplo dessepoder de concentrao e de sensibilidade. Menino,

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    categoria, mas manter os vnculos afetivos, a memria,as trocas simblicas e os elos de solidariedade e domnecessrios gesto do cotidiano (Dias, 2003: 49).

    Sem sombra de dvida a arte em areias coloridas patrimnio cultural de Majorlndia, um patrimnioconfigurado pelas principais referncias culturais dosartistas que o produz, atribuindo-lhe sentido. Dos de-talhes milimtricos, criados com areias que so poucoao pouco jogadas nas garrafas, v o surgindo, de baixopara cima, as imagens. Jangadas flutuam na areia,alimentando nossos sonhos. Coqueiros crescem aosnossos olhos, germinados pela criao artstica. Casasvo se levantando a partir de alicerces imaginrios quesustentam paredes de sonhos com janelas coloridas.

    Por isso h garrafas com arte em areias coloridas!Garrafas que guardam smbolos e sonhos.

    vendia doces para ajudar no oramento domstico.Aproveitava o grande movimento na casa de ToinhoCarneiro, famoso naquela poca por conta da arte emareia colorida, e ia para l vender os seus doces. Certodia vendeu todos os doces que levara muito rapida-mente e comeou a curiar e, assim, curiando, foiaprendendo a tcnica, at que vendeu uma pea paraum turista, passando a receber apoio de sua me parase dedicar arte. Com 13 anos foi para Fortaleza, aju-dado por Cao, filho de Toinho, para sobreviver daarte, e l viveu durante 20 anos: voltei para continuartrabalhando na arte em areia colorida aqui em Major-lndia, porque seno ela vai acabar e eu quero protegeressa arte, um sentimento de salvaguarda que senti emtodos os artistas que abordei.

    Essa arte est pautada na experincia vivida etransmitida de gerao para gerao, e isso consagraa tradio com peso grande no mbito do pro cesso decriao desses artistas populares, uma vez que pertencer famlia de dona Joana Carneiro e rede de relaes deparentesco que se estabeleceu a partir desse matriarca-do parece ser um meio de no s dar continuidade

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BRANDO, Carlos Rodrigues. O que Folclore. [S.I.]: Brasiliense, 1982.

    DIAS, Maria Esther B. As areias coloridas do litoral cearense modeladas por sbias mos. Revista OPblico e o Privado, n. 2, jul./dez. 2003. Disponvel e m: < http://educas.com.br/blog/?p=31>.

    Acesso em: 21 set. 2010.

    LIMA. Ricardo Gomes. Esttica e gosto no so critrios para o artesanato. In: PROGRAMA Arte-sanato Solidrio. Artesanato, produo e mercado: uma via de mo dupla. LJM: So Paulo, 2002.

    MONTEIRO, Norah M. V. Os Efeitos da poltica de desenvolvimento no litoral cearense e as estratgiaspara a sustentabilidade: o caso do pecm So Gonalo do Amarante. Dissertao (Mestrado)--Universidade Internacional de Lisboa, Universidad e Estadual Vale do Acara, Fortaleza, 2001.

    NOTAS

    1 O rio Jaguaribe banha os estados do Cear e de Pernambuco. Neleforam construdos dois grandes audes: o Ors e o Castanho. Suabacia hidrogrfica est situada em sua quase totalidade dentro doslimites do estado do Cear, com nfima parcela estendend o-se ao

    sul para o estado de Pernambuco, ocupando parte do municpiode Exu, c.f http://aracati.net/site/index.php?option=com_content&view=article&id=314:rio-jaguaribe&catid=41:geografia&Itemid=60. Acesso em agosto de 2010.

    2 C.f. http://bibli oteca.ibg e.gov.br/visual izacao/dtbs/ceara /aracati.pdf.

    3 Tcnica de bordado que se confunde muitas vezes com a renda, otrabalho se estrutura em um tecido que cortad o e desfiado. Soretiradas partes iguais de pequenas sees do tecido sem atingir asbordas, que devem permanecer intactas. Depois, com ajuda de li-nha e agulha, a artes torce, isto , envolve os pequenos desenhosquadriculados para que eles no se desfaam, e ent o enche ouborda sobre as partes que compem o desenho. O labirinto tambmse destaca na regio como um dos saberes e fazeres da arte popular.

    4 A retirada das areias coloridas das falsias tornou-se fonte de con-flito e tenso, principalmente no que se refere atividade artsticaem garrafas. Ainda que essa arte se tenha tornado um cone doturismo do estado, a Secretaria Estadual d o Meio Ambiente proi-

    biu a retirada ou desmonte das formaes geolgicas que compemas falsias, incluindo a vegetao que as protege e/ou circundante,natural ou no, transformando a atividade em um problema am-biental. Com isso os artistas so obrigados a trabalhar com coresno naturais, pelo tingimento da areia branca, embora muitoscontinuem, ainda, a realizar a retirada da matria-prima, base dasua sobrevivncia. O problema requer o caminho do meio, umavez que se trata da arte e ofcio de muitas famlias na regio litor-nea do Cear.

    5 Concebido pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular CNFCP/Iphan/MinC, o Promoart tem a finalidade de criar umarede de apoio aos produtores de artesanato tradicional que venha aatuar desde a produo at a comercializao das peas em grandescentros, com o objetivo de minimizar as barreiras que dificultame, por vezes, at mesmo impedem a livre expresso de artistas eartesos em todo o Brasil.

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    Contato para comercializao

    Associao de Artesos de Majorlndia

    Rua Mestre Z Mendes, s/n. Centro Comunitrio

    CEP 62.809-000

    Majorlndia, Aracati CE

    realizao

    patrocnio

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    RIO

    DEJANEIRO|11DENOVEM

    BROA12DEDEZEMBRO|

    2010

    MINISTRIODACULTURA|IPHAN|CENTRONACIONALDE

    FOLCLORE

    ECU

    LTURAPOPULAR|MUSEU

    DEFOLCLOREEDISONCAR

    NEIRO