995
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO A argumentação em Matemática Investigando o trabalho de duas professoras em contexto de colaboração Ana Maria Roque Boavida 2005

A argumentação em Matemática - repositorio.ul.ptrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/3140/1/ulsd048032_td_Ana_Boavida.pdf · Visando aprofundar a compreensão sobre a argumentação

  • Upload
    ngoanh

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • FACULDADE DE CINCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

    DEPARTAMENTO DE EDUCAO

    A argumentao em Matemtica

    Investigando o trabalho de duas professoras em contexto de colaborao

    Ana Maria Roque Boavida 2005

  • FACULDADE DE CINCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

    DEPARTAMENTO DE EDUCAO

    A argumentao em Matemtica

    Investigando o trabalho de duas professoras em contexto de colaborao

    Dissertao apresentada na Universidade de Lisboa

    para obteno do grau de Doutor em Educao

    Orientador: Prof. Doutor Joo Pedro da Ponte

    Ana Maria Roque Boavida 2005

  • Resumo

    A argumentao em Matemtica: Investigando o trabalho de duas professoras em contexto de colaborao

    Este estudo uma investigao com o professor sobre o seu trabalho. Tem dois objectivos: (1) descrever e analisar o trabalho de duas professoras orientado para o envolvimento dos seus alunos em actividades de argumentao matemtica; (2) compreender potencialidades e problemas emergentes do desenvolvimento de um projecto de investigao colaborativa centrado na reflexo sobre as prticas destas professoras. Ao primeiro objectivo associam-se questes que visam dar a conhecer desafios com que as professoras se confrontaram ao prepararem o ensino e ao criarem nas suas aulas contextos facilitadores da emergncia e desenvolvimento de argumentao matemtica. Do segundo objectivo decorreram questes focadas em aspectos considerados relevantes ou problemticos no desenvolvimento do projecto e naquilo que o facilitou ou constrangeu.

    A problemtica da argumentao na aula de Matemtica analisada no enquadramento terico do presente estudo a partir de contributos da rea da filosofia e da educao matemtica. tambm abordado o tema da colaborao, discutindo-se significados atribudos a este conceito e analisando-se possveis modos de desenvolver uma investigao colaborativa.

    Em termos metodolgicos o estudo insere-se no paradigma interpretativo colaborativo que aceita a existncia de diversas formas legtimas de conhecer o mundo. Este paradigma enquadra diferentes modalidades de investigao que assentam no pressuposto de que a partilha deste conhecimento num grupo regulado por normas de comunicao autntica, contribui para entender mais profundamente este mundo. Visando aprofundar a compreenso sobre a argumentao na aula de Matemtica, constituiu-se um grupo designado por grupo de pesquisa, cuja actividade contemplou vrias fases entrelaadas de aco e reflexo que se informaram mutuamente.

    O estudo ilustra que a explorao, pelos alunos, de tarefas abertas favorvel argumentao matemtica. No entanto, os episdios de argumentao geram-se no interior das interaces da aula quando no decurso da aco o professor consegue encontrar formas de facilitar a sua emergncia. Um bom conhecimento do currculo e de conexes entre os temas matemticos nele includos, um investimento na promoo de interaces entre alunos e em actividades de formulao de conjecturas, sua avaliao e prova, uma cuidadosa seleco de tarefas e uma preparao cuidada e meticulosa das aulas podem dotar o professor de recursos que, em situao, lhe permitem improvisar o melhor modo de agir para favorecer e apoiar a argumentao.

    Actividades propcias ao envolvimento dos alunos em argumentao matemtica parecem ser a negociao dos significados de conjectura, contra-exemplo e prova; a valorizao da actividade de formulao de conjecturas; a partilha, na turma, de conjecturas formuladas durante fases de trabalho em pares/grupos; a anlise colectiva de enunciados de conjecturas tendo por suporte um registo escrito observvel pela turma; e a avaliao colectiva da plausibilidade de conjecturas. Alm disso, a compreenso do valor e necessidade da prova e a aprendizagem da produo de provas, parecem ser facilitadas pelo enquadramento da prova em actividades de argumentao desencadeadas pela explorao de tarefas abertas que apelam formulao de conjecturas. Parece ser igualmente importante envolver frequente e sistematicamente os alunos em experincias de prova; destacar, persistentemente, que uma conjectura no provada tem um carcter provisrio; acompanhar a apresentao de ideias matemticas que podem ser provadas mas que no o so, por uma explicao que permita salientar que a prova no foi feita e porque no o foi; aproveitar as situaes que surgem no decurso das interaces da aula para salientar as limitaes do raciocnio indutivo; e pr a nfase no valor da prova enquanto meio de iluminar o porqu da validade ou no validade de uma conjectura.

  • Um contexto que se destaca como favorvel argumentao matemtica a explorao de situaes de desacordo tendo em vista a obteno de consensos matematicamente fundamentados pela turma. Estas situaes podem ser desencadeadas pela explorao de tarefas que permitam fazer surgir vrios processos de resoluo e que suscitem a reflexo. A legitimao da possibilidade dos alunos exprimirem pontos de vista diferentes, tornar visveis posies em confronto e instituir estas posies como objecto de reflexo individual e colectiva, so aspectos que facilitam a emergncia e resoluo de desacordos. Paralelamente, o estudo evidencia que a explorao de situaes de divergncia de ideias envolve riscos e que precav-los passa por dar ateno a aspectos do domnio cognitivo e afectivo.

    Um outro aspecto que se destaca como particularmente relevante para a argumentao matemtica a negociao de normas sociais e normas sociomatemticas que colocam a nfase na expresso audvel, na escuta atenta, na partilha de ideias, na manifestao pblica de desacordos e na explicao e justificao de contribuies. Atributos do processo de negociao cuja conjuno parece ser significativa para ajudar os alunos a apropriarem-se destas normas, so a importncia da sistematicidade e persistncia; a pertinncia de uma negociao contextualizada; e a essencialidade da coerncia. No seu conjunto, estes atributos remetem para a necessidade de no processo de negociao existir uma forte e sistemtica consistncia entre o que explicitamente se diz e as mensagens que implicitamente se veiculam atravs do modo como se age.

    O envolvimento dos alunos em actividades de argumentao matemtica parece ser, alm disso, facilitado pela articulao frequente entre o trabalho de pares/grupos e o trabalho colectivo. Tambm a existncia de suspenses temporrias de curta durao durante uma discusso colectiva, destinadas a proporcionar aos alunos oportunidades de reflexo sobre ideias enunciadas, parece favorecer a argumentao. Um dos aspectos fundamentais para no se desperdiarem oportunidades de argumentao existir uma demarcao clara e bem vincada entre as fases destinadas a trabalho de pares/grupos e as fases de trabalho com a turma. A orquestrao de discusses colectivas revelou-se uma tarefa extremamente complexa e exigente, mas fortemente favorvel argumentao matemtica. Repetir, reformular ou relatar as contribuies dos alunos, so estratgias discursivas que foram teis s professoras para lidar com esta complexidade. Paralelamente, a prtica de orquestrar discusses colectivas e a reflexo sobre o trabalho realizado contribui para o esbatimento das dificuldades.

    A anlise dos desafios com que as professoras lidaram permite evidenciar a existncia de seis espaos-problema que se interrelacionam: (1) ensinar o valor das conjecturas e provas em Matemtica e promover e sustentar a produo de provas; (2) compreender as ideias apresentadas, institu-las como recursos de apoio ao ensino e lidar com sentimentos que originam; (3) descentrar o discurso de si, transformar a aula numa comunidade que cuida e combater a irresponsabilidade matemtica dos alunos; (4) apoiar a actividade dos alunos e favorecer a sua autonomia; (5) harmonizar e equilibrar diferentes vozes na orquestrao de discusses; e (6) articular propsitos e agendas pessoais com vontades dos alunos.

    Quanto ao segundo objectivo do estudo, a investigao desenvolvida permite evidenciar que um trabalho em colaborao cuja equipa inclui pessoas com formaes, experincias, perspectivas e contextos de trabalho diversificados e em que a reflexo sobre a prtica do professor tem um lugar privilegiado, parece ser um contexto significativamente propcio ao desenvolvimento do professor. Factores que favoreceram a colaborao foram a organizao do trabalho, uma clara definio de papis e responsabilidades, a possibilidade de dialogar autenticamente, a existncia de uma negociao transparente, continuada e igualitria, a existncia de um perodo de conhecimento recproco entre todos os elementos do grupo de pesquisa prvio observao de aulas das professoras e o tempo longo de durao do projecto.

    Palavras-chave: Argumentao em Matemtica; professor; ensino da Matemtica; colaborao; investigao colaborativa.

  • Abstract

    Argumentation in Mathematics: Investigating the work of two teachers in a collaborative context

    This study is an investigation with a teacher about his/her work, directed by two goals: (1) to describe and analyze the work of two teachers who wish to involve their students in mathematical argumentation activities; and (2) to examine the potentialities and problems arising from a collaborative research project which focuses on reflection about these teachers practices. In the first objective, I intend to reveal the challenges faced by the teachers when planning and creating a classroom environment which facilitates the fostering and development of mathematical argumentation. The second objective deals with questions regarding aspects the teachers consider to be relevant or problematic in the development of the research project and making it easier or harder.

    The review of the literature addresses mathematical argumentation in the classroom through contributions from the fields of philosophy and mathematics education. It also includes a discussion about the meaning of collaboration and the analyses of different ways to develop a collaborative research project.

    Methodologically, this study is framed on the interpretative-collaborative paradigm, which assumes the existence of several legitimate forms of knowing the world. This paradigm embraces several styles of investigation that build on the assumption that the sharing of this knowledge by a group where communication is ruled by authenticity, contributes to the vaster, deeper understanding of this world. In order to understand mathematical argumentation better in the classroom, a group designated by inquiry group, has been formed. Its work involves several intertwined phases of action and reflection.

    This study shows that the students exploration of open tasks favours mathematical argumentation. However, the episodes of argumentation developed within classroom interactions when the teacher found ways to facilitate their emergence. Sound knowledge of the curriculum and of the connections between its mathematical subjects; an investment in the promotion of student interaction and in activities concerning the formulation, evaluation and proof of conjectures; a careful selecting of tasks; and a careful, meticulous preparation of classes, can provide the teacher with resources which allow him/her to find the best way to favour and support argumentation.

    Favourable activities for involving students in mathematical argumentation appear to be: the negotiation of the meanings of conjecture, counter-example and proof; valuing the activity of conjecture formulation; the class-sharing conjectures formulated during phases of pair/group work; the collective analysis of conjectural statement, based on a written text visually available to the class; and the collective evaluation of the plausibility of conjectures. Furthermore, understanding the value and the need for proof and learning about the production of proofs seem to be facilitated by argumentative activities triggered by the exploration of open tasks that call for conjecture formulation. Additionally, math argumentation is enhanced by: involving students frequently and systematically in proof experiments; persistently clarifying that a non-proved conjecture has a temporary character; accompanying the presentation of mathematical ideas that can be proved but are not, by an explanation that stresses that proof was not shown and why it was not shown; seizing the situations that arise during class interactions to highlight the limitations of inductive reasoning; and stressing the value of proof as a means of explaining why a conjecture is, or is not, a valid statement.

    One context that stands out as favouring mathematical argumentation is the exploration of classroom disagreements that attempt to achieve mathematically grounded consensus. These disagreements can be triggered by tasks that allow the emergence of several reasoning processes and give rise to reflection. Legitimizing the possibility of students expressing divergent points of

  • view, highlighting positions in a confrontation, and establishing these positions as an object of individual and collective reflection are aspects that facilitate the emergence of disagreements and of discussions focused on how to overcome the divergence using mathematical reasoning. At the same time, the study shows that these discussions carry risks and that preventing them implies paying attention to cognitive and affective aspects.

    Another aspect that stands out as particularly relevant for the emergence and development of mathematical argumentation is the negotiation with students of social norms and sociomathematical norms that emphasize explaining and justifying, respecting the ideas of others, expressing positions audibly, listening carefully, sharing ideas, and articulating divergent viewpoints when they exist. The attributes of the negotiation process which appear to help students assimilate these norms significantly are: the importance of being systematic and persistent; the pertinence of a contextualised negotiation; and the essentiality of coherence. Together these attributes imply the need for the existence of a strong, systematic consistency between what is explicitly said and the messages that are implicitly conveyed through ones behaviour in the negotiation process.

    Involving students in mathematical argumentation activities seems to be facilitated by the frequent articulation between pair/group work and collective work. During class-wide discussions, argumentation also appears to be favoured by the presence of temporary suspensions, aimed at providing the students with opportunities to reflect upon stated ideas. One of the aspects that may be essential to not waste argumentation opportunities is a clear, well-marked boundary between phases devoted to pair/group work and phases of whole-class work.

    The orchestration of collective discussions ended up being an extremely complex, demanding task, but highly favourable for mathematical argumentation. The teachers found the discursive strategies of repeating, reformulating or reporting students contributions useful for dealing with this complexity. At the same time, the practice of orchestrating collective discussions and the reflection about this practice contributed to the lessening of existing difficulties.

    Analyses of the challenges with which the two teachers dealt, reveals the existence of six problem-spaces that are intertwined: (1) teaching the value of conjectures and proofs in mathematics and promoting and sustaining the proofing process; (2) understanding and using student ideas as resources for teaching and dealing with personal feelings; (3) sharing with students the control of classroom mathematical discourse, transforming the class into a caring community and combating students mathematical irresponsibility; (4) supporting students activities and favouring their autonomy; (5) harmonising and balancing different voices within collective discussions; and (6) coordinating personal aims and agendas with the students desires.

    As for the second objective of the study, the investigation shows that collaborative work by a team that includes people with different competencies, experiences, perspectives, and working contexts, and where reflection upon teacher practice has a privileged place, seems to be a relevant context for teacher development. Aspects favouring collaboration within the collaborative research project were the organisation of work, a clear definition of roles and responsibilities, the possibility of authentic dialogue, the presence of equal and continuous negotiation, the existence of a period of reciprocal acquaintance prior to the teachers classroom observation, and the long-lasting duration of the project.

    Keywords: Argumentation in Mathematics; the teacher; Mathematics teaching; collaboration; collaborative research.

  • Agradecimentos Anita e Rebeca, as professoras que tive o privilgio de conhecer e com quem trabalhei, por

    me abrirem as portas das suas aulas, das suas casas e das suas vidas, pela disponibilidade constante mesmo quando o trabalho foi muito, pela boa disposio e empenhamento permanentes em cada encontro e pela relao de amizade que fomos construindo.

    Ao Professor Doutor Joo Pedro da Ponte, meu orientador, pela confiana que sempre senti depositar em mim, por me incentivar a enveredar pelos caminhos da colaborao, pelo cuidado de me dar a conhecer bibliografia relevante para o meu trabalho, pelas suas pertinentes crticas e sugestes e pelo apoio e palavras amigas que chegaram nos momentos certos.

    Escola Superior de Educao de Setbal, que me proporcionou condies favorveis ao desenvolvimento da investigao.

    Aos meus colegas do grupo Didctica e Formao (DIF), pelas possibilidades de aprendizagem que me proporcionam e pelo prazer de estar.

    s minhas colegas e amigas do Departamento de Matemtica da ESE de Setbal, por todo o apoio e pela generosidade de assumirem trabalho que era meu; em especial Ftima tambm pela disponibilidade e cuidado na reviso de parte do texto e Joana pelas mesmas razes e ainda pelas boas conversas quando as dvidas bateram porta.

    Ao Lus, por me ter facilitado enormemente a impresso deste trabalho.

    Ao Mrio, pela imensa disponibilidade com que me apoiou na edio final deste trabalho, pela pacincia para esperar e pelas horas que roubou ao seu sono para me dar.

    Leonor, pela proveitosa conversa quando me preparava para iniciar o trabalho de campo e por me ter feito sorrir em alturas problemticas atravs da magia da infncia.

    Raquel que, apesar da distncia, sempre me fez sentir a sua presena e solidariedade.

    Paula, porque l muito, muito longe descobriu os artigos que eu quis ler, pela disponibilidade permanente e abrangente e pelo apoio cognitivo e afectivo, inesquecvel e imprescindvel, nos tempos conturbados do final da escrita deste trabalho.

    Ftima e Paula, pela ajuda inestimvel, pela partilha, cumplicidade, palavras de encorajamento, gestos solidrios e comentrios valiosos a verses preliminares de vrios captulos deste trabalho.

    Mena e ao Carlos, pela amizade e carinho sempre presentes e tambm pelo refgio ao p do mar de portas sempre abertas.

    Aos meus pais e Bela, minha irm, que sempre acreditaram em mim.

    Ao Z, meu companheiro de vida, pela permanente ajuda em tudo aquilo que precisei e pela pacincia para me escutar nos momentos difceis desta aventura sem nunca duvidar de que seria capaz de a levar a bom porto.

    Ao Joo, meu filho e a quem dedico este trabalho, com quem muito aprendi a argumentar, compreendendo, atravs das experincias nicas que vivi, que a lgica e a intuio, o sentir e o pensar, andam de mos dadas.

  • i

    NDICE

    Captulo I - Introduo ..........................................................................................................................1 A importncia de ensinar a argumentar em Matemtica......................................................................3 Um projecto de colaborao centrado na argumentao matemtica: Uma opo metodolgica .....11 Objectivos e organizao do estudo ...................................................................................................17

    Captulo II - A argumentao na aula de Matemtica .....................................................................21 volta dos significados de argumentao e de argumentao em Matemtica ................................23

    Origem da teoria da argumentao ..............................................................................................24 Racionalidade, adeso e justificao: O contributo de Perelman ................................................27

    Argumentao versus demonstrao.......................................................................................32 A noo de auditrio ...............................................................................................................38 Tipos de argumentos ...............................................................................................................42 Seleco e organizao dos argumentos .................................................................................50

    Pensando a argumentao em Matemtica com o contributo de Perelman .................................54 Percursos argumentativos e pluralidade de campos de argumentao: O contributo de Toulmin ...................................................................................................................................60

    Campos de argumentao .......................................................................................................62 Argumentos analticos e argumentos substanciais..................................................................67 Modelo de anlise da microestrutura de um argumento .........................................................69

    Pensando a argumentao em Matemtica com o contributo de Toulmin...................................75 Ensinar Matemtica, construindo uma cultura de argumentao.......................................................87

    Ensinar: Um trabalho complexo e multifacetado.........................................................................87 Construindo uma cultura de argumentao: Constituir e manter uma comunidade de discurso matemtico ................................................................................................................95

    O discurso na aula de Matemtica ..........................................................................................97 Normas de aco e interaco...............................................................................................101 Redizer: Modo possvel de trabalhar com as ideias dos alunos............................................105 Orquestrar discusses colectivas: Anlise de um exemplo...................................................107

    Complexidades de ensinar a argumentar em Matemtica..........................................................115 Ensinar a discordar: Comunidade que cuida e polidez matemtica......................................115 Que fazer com as contribuies dos alunos? ........................................................................118 Gerir a tenso entre apoiar o processo de discurso matemtico e o contedo matemtico do discurso.........................................................................................................120 Riscos de lidar diferenciadamente com as contribuies dos alunos ...................................122 A importncia de um conhecimento amplo e evolutivo dos alunos .....................................122 Incerteza e emoes originadas pelas contribuies dos alunos...........................................123

    Captulo III - Colaborao e investigao colaborativa: Perspectivas e desenvolvimento .........129 Benefcios atribudos colaborao e polissemia do conceito ........................................................130 volta dos significados de colaborao e investigao colaborativa .............................................134

  • ii

    Relao de colaborao ....................................................................................................................145 O trusmo da confiana ..............................................................................................................149 A importncia da conversao ...................................................................................................149 Envolvimento negociado............................................................................................................152

    Desenvolvimento de investigaes colaborativas ............................................................................154 Questes epistemolgicas ..........................................................................................................155 Grupos de pesquisa cooperativa: Possvel ponto de partida ......................................................163 Um modelo de investigao colaborativa que privilegia a reflexo ..........................................166

    Complexidades da colaborao ........................................................................................................171 Uma rede complexa de dilemas interligados: Anlise de um caso ............................................171 Investigao colaborativa: Percurso incerto...............................................................................175 Objectivos comuns: Chave para a colaborao? ........................................................................176 Benefcios e custos desiguais .....................................................................................................179 Diferentes relaes com o conhecimento...................................................................................182 O papel do investigador .............................................................................................................183 Temporalidade e colaborao ....................................................................................................185 Confiana: Pouca compreenso sobre o seu significado............................................................186 A questo da escrita ...................................................................................................................187

    Captulo IV - Metodologia .................................................................................................................193 Uma investigao interpretativa.......................................................................................................194 Uma abordagem colaborativa...........................................................................................................198

    Perspectiva geral ........................................................................................................................199 Um projecto de investigao colaborativa .................................................................................201 A modalidade estudo de caso .....................................................................................................205

    Procedimentos metodolgicos..........................................................................................................207 Em demanda do grupo de pesquisa: Os primeiros passos..........................................................207 Recolha, organizao e anlise de informao: Perspectiva geral .............................................210 Recolha documental ...................................................................................................................225 Aulas ..........................................................................................................................................226 Sesses de trabalho ....................................................................................................................232 Entrevistas ..................................................................................................................................235 Anlise de dados: Aspectos particulares ....................................................................................241

    Captulo V - Projecto de investigao colaborativa: Concepo e desenvolvimento ...................253 Fundao do grupo de pesquisa colaborativa...................................................................................254 Esboando, negociando e renegociando o plano de trabalho ...........................................................256

    A primeira fase do projecto........................................................................................................256 A segunda fase do projecto ........................................................................................................262

    Desenvolvimento do projecto...........................................................................................................268 Campos de colaborao..............................................................................................................268

  • iii

    Delineando e concretizando o trabalho ......................................................................................274 Anlise e discusso de documentos de natureza diversa ......................................................274

    Dilogos de sala de aula...................................................................................................274 Documentos de carcter terico ou terico/prtico .........................................................278 Narrativas de episdios de argumentao matemtica ....................................................289

    Preparao de aulas...............................................................................................................295 Troca de ideias sobre aulas a leccionar............................................................................296 procura de tarefas .........................................................................................................298

    Observao e reflexo sobre aulas ........................................................................................308 Divulgao do trabalho: Preparao e concretizao ...........................................................321

    A relao de colaborao .................................................................................................................328 Construindo a relao de colaborao........................................................................................328 Inquietaes vividas ...................................................................................................................340

    Captulo VI - Rebeca ..........................................................................................................................359 Traos de um retrato.........................................................................................................................360

    A pessoa, a professora................................................................................................................360 Contextos de trabalho.................................................................................................................365

    A escola de Rebeca ...............................................................................................................365 A turma do projecto ..............................................................................................................366

    A propsito da tarefa Nmeros em crculos .....................................................................................370 Panorama geral sobre a aula.......................................................................................................371 Promovendo a formulao e avaliao de conjecturas ..............................................................374

    Acompanhando, nos grupos, a formulao de conjecturas...................................................374 Lidando, na turma, com a apresentao das conjecturas ......................................................379 Problemas experienciados.....................................................................................................384

    Tive dvidas se havia de mand-las logo demonstrar para os positivos .........................384 No tinha pensado que eles iam ordenar os nmeros por ordem decrescente... ..............386 No percebi e conduzi para outro lado ............................................................................388

    Lidando com o ensino do discurso de prova..............................................................................390 Conduzindo e acompanhando os grupos em direco prova .............................................390 Gerindo a apresentao da prova algbrica de uma conjectura ............................................394 Problemas experienciados.....................................................................................................397

    No h uma interpretao matemtica das letras.............................................................397 Convenc-lo que quando utilizou o x no tinha imposto nenhuma restrio no foi fcil ......................................................................................................................398 Queria que eles provassem e eles no estavam a perceber a necessidade... ....................399

    Lidando com a emergncia e resoluo de desacordos..............................................................401 Emergncia do desacordo .....................................................................................................401 Processo de resoluo do desacordo .....................................................................................404 Problemas experienciados.....................................................................................................408

    No est preocupado em perceber o raciocnio dos colegas, no lhe d importncia .....408

  • iv

    Ensinando para e atravs da constituio e desenvolvimento de uma comunidade de discurso matemtico ..............................................................................................................409

    Procurando constituir uma comunidade de discurso matemtico.........................................410 Problemas experienciados.....................................................................................................413

    Aqui podem surgir mais situaes de que no estamos espera... ..................................413 Mas podia p-los, de algum modo, a confrontarem-se mais uns com os outros... ..........414 Quanto menos dirigirmos, mais tempo perdemos; quanto mais dirigirmos, mais tempo poupamos... ..................................................................................................415

    A propsito da tarefa procura de dzimas finitas..........................................................................417 Panorama geral sobre as aulas....................................................................................................417

    Aula de 17/10/02...................................................................................................................418 Aula de 21/10/02...................................................................................................................419 Aula de 24/10/02...................................................................................................................420

    Promovendo a formulao e avaliao de conjecturas ..............................................................423 Acompanhando, nos grupos, a formulao de conjecturas ...................................................423 Lidando com a apresentao, formulao e avaliao de conjecturas ..................................428

    Gerindo a partilha e avaliao de conjecturas formuladas pelos alunos..........................429 Apoiando a construo do enunciado de uma conjectura................................................444

    Problemas experienciados.....................................................................................................451 Uma dificuldade foi eles no terem dado importncia s conjecturas que refutaram... ..451 Eu no estava a perceber mesmo o raciocnio delas ........................................................456 Temos que estar sempre atentas organizao dos exemplos e, s tantas, no estamos......................................................................................................................457

    Lidando com o ensino do discurso de prova ..............................................................................459 Desafiando os grupos a produzir a prova de uma conjectura no contrariada ..................459 Gerindo a produo da prova de uma conjectura no contrariada ....................................464

    Observando exemplos indo para alm deles....................................................................464 Trabalhando com o caso geral, visitando um exemplo....................................................470

    Problemas experienciados.....................................................................................................485 Deveria ter ficado claro que se ia provar nos dois sentidos.............................................485 A sugesto que dei para a prova foi ao contrrio.............................................................486 Um problema foi no estar claro que p/10k representa, de uma maneira geral, todas as dzimas finitas ....................................................................................................488 Queramos provar a conjectura para o 1 sobre e depois estvamos com fraces do tipo y sobre ...................................................................................................489 No caso 1/2nx5p tinha pensado que talvez nem fosse para as letras e a ir, iria sempre separar os casos em que n>p e p>n..................................................................................493

    Lidando com a emergncia e resoluo de desacordos..............................................................496 Desacordos emergentes e sua caracterizao........................................................................496 Processos de resoluo de desacordos ..................................................................................499

    Vamos l ver se eu percebo bem o que est aqui.............................................................499 No podamos resolver o problema considerando os dois casos? ...................................503

  • v

    Problemas experienciados.....................................................................................................516 Se tivesse perguntado porqu podia ter aproveitado para depois mostrar os limites do raciocnio indutivo ..........................................................................................516 O mal no no perceber. no termos conscincia no momento que podemos no estar a compreender ...................................................................................518

    Ensinando para e atravs da constituio e desenvolvimento de uma comunidade de discurso matemtico .........................................................................................522

    Constituindo e mantendo uma comunidade de discurso matemtico ...................................522 O modo de estar e participar dos alunos no discurso.......................................................523 O modo de estar e aspectos do trabalho da professora ....................................................525

    Problemas experienciados.....................................................................................................539 A gente vai no andamento, no ? E depois avanamos... ..............................................539 Ela s vezes estava a tentar explicar as coisas e eu ia logo toda lanada ........................540 Temos que aprender a ter conscincia quando que podemos sair do guio e quando no podemos.....................................................................................................541 Outra dificuldade que eu sinto muito o parar porque temos que ir discutir..................544 Outra dificuldade no validar as respostas....................................................................546 Conseguirmos que todos os outros faam parte daquelas duas conversas paralelas, uma das dificuldades que eu senti.................................................................................548 O que que ns fazemos quando h aqueles alunos que esto muito mais frente que os outros? .....................................................................................................552

    Captulo VII - Anita ...........................................................................................................................561 Traos de um retrato.........................................................................................................................562

    A pessoa, a professora................................................................................................................562 Contextos de trabalho.................................................................................................................569

    A escola de Anita ..................................................................................................................569 A turma do projecto ..............................................................................................................571

    A propsito da tarefa Mximo divisor comum e mnimo mltiplo comum: Que relaes? .............575 Panorama geral sobre a aula.......................................................................................................577 Promovendo a formulao e avaliao de conjecturas ..............................................................579

    Apoiando a construo do enunciado da conjectura.............................................................579 Criando uma situao para destacar o carcter provisrio das conjecturas ..........................582 Problemas experienciados.....................................................................................................591

    E depois os alunos comeam a avanar com conjecturas! E eu no queria dizer nada, nem queria que fossem l... ...........................................................................591 E no meio daquilo tudo, mesmo j depois dos contra-exemplos e tudo... .......................595

    Lidando com o ensino do discurso de prova..............................................................................600 Desafiando os alunos a justificarem a conjectura .................................................................600 Produzindo, com a turma, a justificao da conjectura ........................................................606 Problemas experienciados.....................................................................................................612

  • vi

    Por um lado eu digo que os exemplos no provam e, por outro, vou recorrer a um exemplo............................................................................................................................612 caso para dizer que o professor tinha mais expectativas... ...........................................614

    Lidando com a emergncia e resoluo de desacordos..............................................................616 Ensinando para e atravs da constituio e desenvolvimento de uma comunidade de discurso matemtico ..............................................................................................................618

    Procurando constituir uma comunidade de discurso matemtico.........................................618 Problemas experienciados.....................................................................................................622

    Alguns continuam com as conjecturas, outros querem avanar para a ficha... ...............622 Eles estavam muito calados, mais do que o habitual .......................................................623 S que fala muito baixinho e depois no diz mais alto ...............................................625 muito difcil eu conseguir pr um a interagir com outro..............................................629 Tem muito valor aquele caminho que os ajudo a percorrer, embora, se calhar, se eles o conseguissem percorrer sozinhos ganhassem mais...........................631

    A propsito da tarefa procura de dzimas finitas..........................................................................634 Panorama geral sobre as aulas....................................................................................................635

    Aula de 13/01/03...................................................................................................................636 Aula de 16/01/03...................................................................................................................637 Aula de 20/01/03...................................................................................................................638

    Promovendo a formulao e avaliao de conjecturas ..............................................................641 Acompanhando o trabalho de pares durante a formulao de conjecturas ...........................641 Lidando com a apresentao e formulao de conjecturas ...................................................644

    Gerindo a partilha das conjecturas formuladas pelos alunos ...........................................644 Apoiando a construo do enunciado de uma conjectura................................................657

    Lidando com a avaliao de conjecturas...............................................................................665 Gerindo o processo de avaliao de conjecturas formuladas pelos alunos......................665 Envolvendo a turma na investigao de uma conjectura visando ampliar do seu domnio de validade .............................................................................................690

    Problemas experienciados.....................................................................................................700 Mas se eu os deixasse aperfeioar as conjecturas no estaria a alimentar aquela perfeio exagerada, desvalorizando o resto? ......................................................700 O 1/23 passou um bocado margem, se calhar... ............................................................705

    Lidando com o ensino do discurso de prova ..............................................................................708 Desafiando a turma a produzir a prova de uma conjectura que resistiu ............................709

    Produzindo, com a turma, a prova de uma conjectura que resistiu ...................................712 Trabalhando com um exemplo.........................................................................................712

    Trabalhando com o caso geral, visitando um exemplo....................................................720 Problemas experienciados.....................................................................................................725

    Mesmo com um exemplo houve ali problemas em termos do que fazer e como pela parte dos alunos ...........................................................................................725

    Lidando com a emergncia e resoluo de desacordos..............................................................726

  • vii

    Desacordos emergentes e sua caracterizao........................................................................726 Processos de resoluo de desacordos ..................................................................................729

    Esto a aparecer duas conjecturas muito parecidas .........................................................729 Todas as contradies so boas para esclarecer...............................................................733

    Problemas experienciados.....................................................................................................741 Fui pelo implcito e no devia ter ido... ...........................................................................741

    Ensinando para e atravs da constituio e desenvolvimento de uma comunidade de discurso matemtico ..............................................................................................................743

    Constituindo e mantendo uma comunidade de discurso matemtico ...................................743 O modo de estar e participar dos alunos no discurso.......................................................743 O modo de estar e aspectos do trabalho da professora ....................................................748

    Problemas experienciados.....................................................................................................760 Para mim a questo da participao influencia tudo logo ...............................................760 Foi o sentido de oportunidade que, se calhar, falhou.......................................................763 H alguns alunos que dificilmente falam.........................................................................765

    Captulo VIII - Ensinar a argumentar em Matemtica no contexto do projecto.........................771 Pensando a argumentao matemtica .............................................................................................772

    Rebeca: Do carcter pontual ao sentido holstico ......................................................................772 Anita: Do desejar ao conseguir ..................................................................................................775

    Preparando o envolvimento dos alunos em actividades de argumentao matemtica ...................781 Vertentes da preparao .............................................................................................................782 Intensificando e complexificando a preparao.........................................................................784

    Via objectivos .......................................................................................................................784 Via tarefas .............................................................................................................................788

    Compatibilizar tarefas abertas com o currculo de Matemtica ......................................788 Cuidar da formulao de tarefas sem esquecer que elas no bastam...............................790 Preparar meticulosamente as aulas com tarefas abertas ..................................................794

    Criando contextos para o envolvimento dos alunos em actividades de argumentao matemtica .......................................................................................................................................797

    Incentivando a formulao, avaliao e prova de conjecturas ...................................................798 Negociando significados, valorizando as actividades...........................................................798 Apoiando a formulao e partilha de conjecturas.................................................................802 Envolvendo os alunos em experincias de prova .................................................................817

    Origem dos objectos de prova .........................................................................................818 Tipos de provas produzidas .............................................................................................818 Conjecturas formuladas versus conjecturas provadas .....................................................819 Conjecturas e motivao para a prova .............................................................................822 Necessidade da prova.......................................................................................................826 Percursos de prova ...........................................................................................................833

    Explorando situaes de desacordo ...........................................................................................842 Cuidando do discurso da aula ....................................................................................................854

  • viii

    Investindo na negociao de normas de aco e interaco .................................................854 Importncia ......................................................................................................................855 Processos de Negociao .................................................................................................856 Atributos do processo de negociao de normas .............................................................860

    Atentando na orquestrao de discusses colectivas ............................................................870 Discusso e interaces ...................................................................................................870 Incio e suspenso da discusso. ......................................................................................875 Andamento e harmonia da discusso...............................................................................881

    Captulo IX - Concluso.....................................................................................................................891 Ensinar a argumentar em Matemtica ..............................................................................................892

    Preparar o ensino, pensando na improvisao ...........................................................................893 Contextos para a argumentao em Matemtica: Trabalhando para e atravs da construo de teias de relaes..............................................................................................898

    Entrelaar a formulao, avaliao e prova de conjecturas ..................................................899 Explorar situaes de desacordo com diplomacia ................................................................906 Caminhar com os alunos: A turma enquanto auditrio interveniente, informado e crtico ................................................................................................................909

    Convivendo com desafios cruzados e entrecruzados .................................................................915 O projecto de investigao colaborativa ..........................................................................................920

    Contexto de desenvolvimento do professor ...............................................................................921 Opo metodolgica...................................................................................................................929

    Encerrando o estudo .........................................................................................................................938

    Referncias bibliogrficas..................................................................................................................941

    Anexos..................................................................................................................................................955

  • ix

    ndice de Tabelas

    Tabela 1: Perelman Demonstrao Versus Argumentao ..........................................................36 Tabela 2: Sntese de Diferenas e Semelhanas entre os Trs Tipos de Investigao

    Educacional Cooperativa Analisados por Wagner ........................................................142 Tabela 3: Recolha de Material Emprico Mtodos, Fontes e Formas de Registo ......................211 Tabela 4: Aulas Presenciadas e sua Distribuio no Tempo...........................................................227 Tabela 5: Entrevistas Realizadas.....................................................................................................236 Tabela 6: Campos de Colaborao, Actividades e Fases do Projecto.............................................272 Tabela 7: Documentos de Carcter Terico ou Terico/prtico .....................................................279 Tabela 8: Tarefas Propostas em Aulas da 1 Fase e 2 Fase do Projecto ........................................300 Tabela 9. Tarefa procura de dzimas finitas: Principais desacordos na aula de Rebeca .............497 Tabela 10: Conjecturas Formuladas na Aula de Anita para Fraces do Tipo 1/n .........................670 Tabela 11: Tarefa procura de dzimas finitas: Principais Desacordos nas Aulas de Anita .........728

    ndice de Figuras

    Figura 1: Representao da forma mnima de argumentao, segundo Toulmin .............................72 Figura 2: Modelo de anlise da microestrutura de um argumento, segundo Toulmin......................73 Figura 3: Representao esquemtica do argumento dos alunos, segundo Krummheuer.................80 Figura 4: Ensinar como trabalhando em relaes: Um modelo bsico da prtica

    segundo Lampert..............................................................................................................91 Figura 5: Esquema elaborado a partir de exemplos de movimentos do professor

    numa discusso colectiva, segundo Lampert .................................................................110 Figura 6: Macroestrutura da actividade do grupo de pesquisa e sua relao com a actividade

    individual dos seus membros.........................................................................................269 Figura 7: Slide sobre tarefas apresentado no grupo de discusso....................................................307 Figura 8: Apresentao e avaliao de conjecturas na aula da Rebeca: Macroestrutura

    da actividade desenvolvida ............................................................................................430 Figura 9: Apresentao de conjecturas na aula da Anita: Macroestrutura

    da actividade desenvolvida ............................................................................................645 Figura 10: Macroestrutura da actividade desenvolvida durante a avaliao de

    conjecturas na aula de Anita ..........................................................................................673 Figura 11: Como calcular rapidamente o quadrado de um nmero terminado em 5? ....................807 Figura 12: Nova perspectiva de Rebeca sobre as interaces na aula.............................................873

  • 1

    Captulo I

    -

    Introduo

    O estudo que apresento uma investigao com o professor sobre o seu

    trabalho. Mais precisamente sobre o trabalho de ensino focado na interaco com os

    alunos e a Matemtica quando intencionalmente orientado pelo propsito de os

    envolver em actividades de argumentao matemtica. tambm um contributo

    para compreender potencialidades e problemas da opo metodolgica de fundo

    tomada para investigar o trabalho de duas professoras que leccionam turmas do 3

    ciclo do ensino bsico: o desenvolvimento de um projecto de investigao

    colaborativa.

    A expresso argumentao matemtica usada para designar argumentao

    na aula de Matemtica, ou seja, conversaes a desenvolvidas cujo foco a

    Matemtica e que assumem a forma de raciocnios de carcter explicativo e

    justificativo destinados seja a diminuir riscos de erro ou incerteza na escolha de um

    caminho, seja a convencer um auditrio a aceitar ou rejeitar certos enunciados,

    ideias ou posies, pela indicao de razes. Esta caracterizao merece-me trs

    reparos.

  • A argumentao em Matemtica

    2

    O primeiro foca-se na natureza discursiva da argumentao: a argumentao

    serve-se da linguagem natural como utenslio de comunicao entre quem

    argumenta e o seu interlocutor (Pedemonte, 2002, p. 29). Esta caracterstica no

    exclui a referncia a elementos no discursivos: por exemplo, figuras, dados

    numricos ou algbricos (Douek, 2000).

    O segundo reparo prende-se com o conceito de auditrio que entendo,

    seguindo Perelman (1993), como o conjunto daqueles que o orador quer

    influenciar pela sua argumentao (p. 33). Este conceito remete para a ideia de que

    na argumentao se deve ter em conta um outro. No caso concreto da aula de

    Matemtica, o auditrio pode restringir-se apenas a um aluno que delibera consigo

    prprio, pode ser constitudo pela turma, na sua globalidade, ou por algum em

    particular com quem se estabelece um dilogo, ou pode ser formado pela

    comunidade matemtica. Em qualquer dos casos, trata-se do auditrio universal

    referido por Perelman, no sentido em que um auditrio racional que pode estar de

    acordo ou em desacordo com quem argumenta mas que em todos os casos est apto

    a responder (Pedemonte, 2002, p. 31).

    O terceiro reparo visa destacar que considero a demonstrao, designada no

    presente estudo por prova matemtica ou simplesmente prova, como uma

    argumentao particular (Douek, 1998; Pedemonte, 2002; 2003), ou seja, a prova

    est sujeita a constrangimentos prprios: No que respeita forma do raciocnio

    visvel no produto final, a argumentao apresenta uma gama de possibilidades

    mais amplas do que a prova matemtica: no apenas deduo, mas tambm

    analogia, metfora, etc. (Douek, 2000, p. 3). Por exemplo, a formulao e

    avaliao de conjecturas, a que est subjacente o raciocnio plausvel (Plya, 1990),

    incluem-se nas actividades de argumentao matemtica.

    Centro este captulo na fundamentao da pertinncia do estudo e na

    apresentao dos objectivos e questes que o orientam. Comeo por me focar na

    importncia de ensinar a argumentar em Matemtica tendo por referncia as actuais

    orientaes e recomendaes para o ensino e aprendizagem desta disciplina.

  • Captulo I - Introduo

    3

    Apresento, em seguida, razes subjacentes opo pelo desenvolvimento de um

    projecto de colaborao com professores cujo ncleo central uma actividade

    reflexiva sobre aulas pensadas para, potencialmente, fazerem surgir e

    desenvolverem-se episdios de argumentao matemtica. Finalizo referindo os

    objectivos e questes de investigao, que brotam da sinergia criada entre o meu

    interesse pelo ensino da argumentao matemtica e a via escolhida para o estudar,

    e apresentando a estrutura organizativa do presente documento.

    A importncia de ensinar a argumentar em Matemtica

    O interesse pela argumentao no mbito da educao matemtica bastante

    recente. Segundo Douek (1999) foi apenas nos anos 80 que ganharam terreno as

    discusses sobre o tema, no mbito do esforo feito para atacar o problema da

    especificidade da prova matemtica relativamente argumentao e estabelecer

    ligaes entre perspectivas epistemolgicas, cognitivas e educacionais. Kilpatrick,

    ao apresentar uma perspectiva histrica sobre o ensino da Matemtica, referiu-se ao

    perodo de 1980-2000 como the age of argumentation1.

    Encontram-se nas actuais orientaes para o desenvolvimento do currculo de

    Matemtica, quer a nvel nacional, quer internacional, diversas recomendaes que

    remetem para a necessidade de se dedicar ateno argumentao na aula de

    Matemtica e de se criarem condies para os alunos se envolverem neste tipo de

    actividades (Abrantes, Serrazina, & Oliveira, 1999; APM, 1988; NCTM, 1991,

    1994, 2000; Ponte, Boavida, Graa, & Abrantes, 1997). Nos currculos portugueses

    presentemente em vigor (Ministrio da Educao, 1991) e tambm no Currculo

    Nacional do Ensino Bsico: Competncias Essenciais (Ministrio da Educao,

    2001) surgem referncias, mais ou menos directas, a estas actividades, atravs de

    1 Kilpatrick debruou-se sobre a histria recente, considerando, para l desta, duas outras fases que designou

    por the age of discipline: 1865-1958 e the age of structure: 1958-1980. Esta perspectiva histrica foi apresentada em 19 de Abril de 1999 no simpsio Fostering Argumentation in the Mathematis Classroom: The Role of the Teacher, realizado no encontro anual da AERA (American Educational Research Association) em Montreal.

  • A argumentao em Matemtica

    4

    indicaes relativas aos objectivos visados e competncias a desenvolver e a

    sugestes de carcter metodolgico. Por exemplo, sob o ttulo Desenvolver o

    Raciocnio, um dos objectivos gerais indicados nos programas de 1991 para o 2 e

    3 ciclos, encontramos indicaes como fazer e validar conjecturas, formular

    argumentos vlidos para justificar opinies, discutir ideias e produzir

    argumentos convincentes. Tambm no documento Competncias Essenciais, na

    competncia matemtica que todos [os alunos] devem desenvolver ao longo da

    educao bsica, inclui-se a concepo de que a validade de uma afirmao est

    relacionada com a consistncia da argumentao lgica, e no com alguma

    autoridade exterior, a predisposio para (...) fazer e testar conjecturas, formular

    generalizaes, pensar de maneira lgica, e a compreenso das noes de

    conjectura, teorema e demonstrao (p. 57). Considera-se, ainda, que a

    comunicao matemtica deve ser transversal s experincias de aprendizagem

    vividas pelos alunos (p. 70) e que, entre outros aspectos, na comunicao oral so

    importantes as experincias de argumentao e de discusso em grande e pequeno

    grupo (idem).

    O destaque atribudo ao raciocnio matemtico entrelaa-se com a importncia

    de aprender Matemtica com compreenso. Subjacente a esta recomendao est a

    ideia de que saber Matemtica , fundamentalmente, fazer Matemtica, e que os

    alunos atravs das experincias de aprendizagem que lhe so proporcionadas

    devero desenvolver o seu poder matemtico (NCTM, 1991, p. 6). Em aulas em

    que valorizado o raciocnio, a explicao e a justificao so aspectos chave da

    actividade dos alunos e, assim, uma nfase no raciocnio, em todos os nveis da

    educao matemtica, atrai a ateno para a argumentao e justificao (Yackel

    & Hanna, 2003, p. 228).

    A comunicao matemtica entendida como uma componente intrnseca do

    fazer Matemtica: Fazer Matemtica envolve comunicar matematicamente

    (Forman, 2003, p. 337). Esta recomendao surge associada a perspectivarem-se os

    fenmenos de aprendizagem em enquadramentos tericos que reconhecem o valor

    da linguagem natural e das interaces sociais na construo de conhecimento.

  • Captulo I - Introduo

    5

    Entre outros, os trabalhos de Vygotsky e Bruner, trouxeram para primeiro plano a

    relevncia da interaco social na aprendizagem humana. Interaco na

    aprendizagem significa comunicao, o discurso o nosso principal modo de

    comunicao e, assim, a importncia de promover conversaes matemticas parece

    estar fora de questo (Sfard, 2003). Neste mbito, uma questo que se coloca de

    que formas se deve revestir a comunicao na aula de Matemtica. Vrios

    educadores matemticos respondem-lhe indicando que, em certa medida, esta se

    deve aproximar da existente na comunidade matemtica (Lampert, 1990, 2001; O'

    Connor, 2001). As propostas sugeridas colocam a nfase no processo discursivo, e

    no no produto deste discurso, e realam, nomeadamente a grande importncia dos

    alunos participarem em actividades de argumentao (Forman, 2003). Estas

    propostas, a par da valorizao dos contextos sociais em que aprendizagens

    ocorrem, so, segundo Forman, Larreamendy-Joerns, Stein e Brown (1998),

    consistentes com actuais tendncias em sociologia e filosofia da cincia. Estas

    tendncias vo no sentido no s de iluminar o lugar central da argumentao no

    processo de obteno de acordos sobre a natureza dos objectos cientficos, mas

    tambm de mostrar que a cincia depende tanto da capacidade de convencer os

    membros da comunidade cientfica como do uso do mtodo cientfico.

    H um outro argumento que justifica a ateno dedicada, em tempos recentes,

    s actividades de argumentao na aula de Matemtica: a procura de caminhos

    facilitadores da aprendizagem da prova (Duval, 1999). Vrios trabalhos revelam

    que esta uma vertente do raciocnio matemtico que coloca srias dificuldades aos

    alunos (Balacheff, 1991a, 1991b; Brocardo, 2001; Lampert, 1988; Ponte, Matos, &

    Abrantes, 1998; Putnam, Lampert, & Peterson, 1990). Os alunos no compreendem

    a necessidade da prova, no lhe reconhecem valor, no se apercebem do poder

    explicativo que pode ter e, frequentemente, no conseguem encontrar sentido nos

    raciocnios demonstrativos, que surgem aos seus olhos como algo de estranho e

    obscuro. Hanna (1996) salienta que para a prova ser, antes de mais, um instrumento

    explicativo e para exercer o seu papel como forma ltima de justificao

    matemtica, os alunos tm que estar familiarizados com os padres de

  • A argumentao em Matemtica

    6

    argumentao matemtica (p. 33). E acrescenta que, embora no seja fcil ensinar-

    lhes a reconhecer e a produzir argumentos vlidos de um ponto de vista matemtico,

    este um desafio que no podemos evitar (idem).

    A importncia de no deixar cair no esquecimento ou de no remeter para

    plano secundrio a aprendizagem da prova, transparece, em particular, no ltimo

    documento com orientaes curriculares publicado pelo NCTM (2000).

    Contrariamente ao seu antecessor (NCTM, 1991) em que nenhum dos ttulos das

    normas a indicadas inclua a palavra prova, no documento actual uma das normas

    respeitantes a processos matemticos, ou seja, aquelas que iluminam modos de

    adquirir e usar o conhecimento do contedo (p. 29), designada por reasoning and

    proof. Na sntese explicativa sobre a incidncia desta norma refere-se que os

    programas de ensino de todos os nveis de escolaridade no superior, devem

    proporcionar a todos os alunos a oportunidade de reconhecer o raciocnio e a prova

    como aspectos fundamentais da Matemtica; formular e investigar conjecturas

    matemticas; desenvolver e avaliar argumentos matemticos e provas; [e]

    seleccionar e usar vrios tipos de raciocnio e mtodos de prova (NCTM, 2000, p.

    56).

    Na minha perspectiva, h um argumento de natureza um pouco diferente dos

    anteriormente apresentados, que tambm justifica a pertinncia de envolver os

    alunos em actividades de argumentao, muito em particular no ensino bsico.

    Segundo Grcio (1992), a competncia argumentativa pode entender-se

    simultaneamente como a capacidade de dialogar, de pensar, de optar e de se

    comprometer (p. 67): como capacidade de dialogar, remete para uma atitude de

    abertura nas relaes com o outro que se torna efectiva pelo desejo de comunicar e

    pela disposio para ouvir; como capacidade de pensar, remete para uma atitude

    crtica e de ateno; como capacidade de optar e se comprometer, remete para

    indivduos que procuram assumir as suas posies de forma esclarecida e, neste

    processo, assumem uma atitude interveniente e empenhada. O lugar que a

    argumentao ocupa num dado contexto reflecte o peso que a liberdade de reflexo

    e aco a conquistou. E se se aceitar, seguindo Johnstone (1992), que argumentar ,

  • Captulo I - Introduo

    7

    tambm, correr riscos, e que correr riscos de um ou de outro tipo fundamental para

    a estruturao e formao da pessoa, ento a argumentao parece ser constitutiva

    daqueles que nela participam (p. 48). Deste modo, a educao para a argumentao

    um objectivo democrtico decisivo, pelo que importa pens-la no apenas pelo

    ngulo intelectual, mas tambm pelo social e tico.

    As ideias anteriormente apresentadas permitem evidenciar que a importncia

    actualmente atribuda ao envolvimento dos alunos em actividades de argumentao,

    em particular na aula de Matemtica, decorre da sinergia de vrios argumentos de

    que destaco: (a) a valorizao do raciocnio matemtico nas suas mltiplas vertentes

    numa perspectiva que no pe a nfase no rigor e formalismo entendidos como um

    fim em si mesmo, (b) a recomendao de que os alunos aprendam Matemtica com

    compreenso, (c) o valor atribudo s linguagens naturais e interaco social para

    a aprendizagem, (d) a aproximao da comunicao na aula de Matemtica da

    existente na comunidade dos matemticos, (e) dificuldades encontradas na

    aprendizagem da prova e a procura de caminhos que facilitem esta aprendizagem e

    (f) a relevncia da escola proporcionar a todos os alunos condies necessrias para

    desenvolverem certas competncias transversais, entre as quais est a competncia

    argumentativa, fundamentais ao exerccio pleno de uma cidadania responsvel

    numa sociedade democrtica.

    Apesar do valor das actividades de argumentao matemtica ser amplamente

    reconhecido, estas actividades tm uma expresso dbil, ou mesmo inexistente, em

    muitas salas de aula de diversos nveis de ensino (Ponte et al., 1998; Putnam et al.,

    1990). O estudo PISA 2000 revela, por exemplo, que muitos jovens portugueses de

    15 anos tm uma fraca capacidade de argumentao, materializada nas

    justificaes que apresentam (Ramalho, 2002, p. 52). Em particular, generalizam

    situaes sem proceder sua verificao; recorrem a informao do quotidiano para

    fundamentar as suas respostas, sem que esta informao seja pertinente para o

    problema em causa; [e] fundamentam as suas respostas em informaes claramente

    excludas pelas condies enunciadas (idem). Frequentemente os alunos agem com

    uma certa irresponsabilidade matemtica (Chevallard, Bosch, & Gascn, 2001),

  • A argumentao em Matemtica

    8

    como se no fizesse parte do seu papel comprometerem-se com a coerncia,

    avaliao ou justificao dos seus raciocnios, nem com a anlise crtica e

    fundamentada do que ouvem dos colegas. Lidar com esta tendncia de modo a

    alter-la no simples.

    No h em Portugal investigaes focadas no trabalho do professor orientado

    para o ensino da argumentao em Matemtica, embora haja estudos que, ao

    analisarem prticas do professor associadas explorao e discusso de tarefas de

    investigao matemtica, abordam aspectos deste trabalho (por exemplo, Cunha,

    1998; Fonseca, 2000; Oliveira, 1998; Ponte, 2003; Ponte, Ferreira, Varandas,

    Brunheira & Oliveira, 1999; Ponte, Segurado & Oliveira, 2003). Estes estudos

    referem papis desempenhados pelos professores ao acompanharem a formulao e

    teste de conjecturas pelos alunos, ao moderarem discusses focadas na partilha e

    anlise dos produtos do trabalho de grupo ou pares, ao promoverem a justificao

    ou prova de conjecturas e tambm questes e problemas com que se confrontam.

    Uma ideia que sobressai a partir da anlise destes estudos que, com frequncia, os

    professores experienciam dificuldades, dilemas, tenses, desafios, situaes

    problemticas no antecipadas, que tornam o seu trabalho bem mais complexo e

    imprevisvel do que seria se se limitassem a expor ou a explicar bem conceitos ou

    procedimentos matemticos, a apresentar apenas exerccios visando a consolidao

    de conhecimentos ou se o controle do discurso que se desenrola na aula e o poder

    decisrio sobre o valor matemtico desse discurso estivessem inteiramente nas suas

    mos. Outra ideia que sobressai so as exigncias de grande flexibilidade,

    significativo investimento pessoal e um leque de competncias profissionais mais

    amplo do que aquele que requer do professor o ensino dito tradicional.

    Em termos internacionais, investigaes especificamente centradas no tema do

    presente estudo tambm so escassas. H um conjunto de trabalhos focados na

    prova. Entre estes, Herbst (2000) refere que a tese de Eric Knuth um dos raros

    estudos que abordam a prova do ponto de vista do professor (p. 10). Sem negar a

    importncia deste estudo, cuja opo metodolgica foi a realizao de entrevistas a

    professores com o propsito de analisar as suas concepes sobre a natureza e papel

  • Captulo I - Introduo

    9

    da prova, considera que ele insuficiente para permitir compreender o trabalho

    realizado pelo professor nas condies de possibilidade da sua aco. Herbst (1998,

    2002) investigou, ele prprio, prticas da aula de Matemtica orientadas para o

    envolvimento dos alunos na produo de provas numa perspectiva de anlise do

    trabalho do professor. Apoiando-se neste estudo problematizou o papel do professor

    na promoo da argumentao na aula de Matemtica salientando a sua

    complexidade (Herbst, 1999).

    No mbito dos trabalhos focados na prova, h um grupo significativo que se

    interessa pelas relaes entre prova e argumentao mas do ponto de vista da

    aprendizagem e em que o professor , no caso dos que consultei, bastante invisvel.

    As concluses destes trabalhos no so consensuais, embora o seu conjunto no

    desvalorize o envolvimento dos alunos em actividades de argumentao na aula de

    Matemtica. O debate centra-se em torno das potencialidades que este envolvimento

    traz para a aprendizagem da prova. Duval (1992-1993) refere que mesmo nas suas

    formas mais elaboradas a argumentao no abre uma via para a demonstrao (p.

    60). Balacheff (1999) considera que h uma relao complexa entre argumentao e

    prova e sublinha que a argumentao constituiu-se como um obstculo

    epistemolgico aprendizagem da demonstrao e, mais geralmente, da prova

    matemtica (p. 5). Em contrapartida, a ideia de que h uma distncia cognitiva

    entre argumentao e prova fortemente contestada por um grupo de investigadores

    italianos que defendem que a explorao, pelos alunos, de problemas abertos que

    requeira a formulao de conjecturas e a avaliao da sua plausibilidade, pode

    favorecer uma significativa actividade argumentativa que, em muitos casos, se

    revela muito til na construo da prova (Boero, 1999; Bussi, 2000; Pedemonte,

    2002). Neste ltimo sentido vo tambm estudos desenvolvidos por Douek (1998,

    2000), bem como as ideias sobre a aprendizagem da generalizao e prova

    emergentes de estudos realizados em Portugal apresentadas por Ponte, Matos e

    Abrantes (1998).

    H, alm disso, um grupo de estudos centrados na anlise de prticas de

    ensino orientadas para o desenvolvimento de um discurso da aula com

  • A argumentao em Matemtica

    10

    caractersticas consistentes com as propostas pelo NCTM (1991, 1994, 2000) e para

    a criao de uma cultura de sala de aula regulada por normas que o favoream.

    Neste estudos encontram-se referncias a papis desempenhados pelo professor para

    desencadear e apoiar actividades de argumentao na aula de Matemtica. Destaco,

    neste mbito, os trabalhos de Chazan e Ball (1999), Cobb e Yackel (1998), Forman

    et al. (1998), Heaton (2000), Herbst (2003), Lampert (1990, 2001), Sherin (2002),

    Wood (1999), Yackel (2002a) e Yackel e Cobb (1996). Alguns destes trabalhos, de

    que saliento muito em particular o de Lampert (2001), ilustram que possvel criar

    contextos de aprendizagem com alunos do ensino bsico em que a argumentao

    matemtica est em primeiro plano e, simultaneamente, o currculo institudo no

    relegado para segundo lugar. Vrios desses estudos evidenciam, no entanto, que

    promover e incentivar a argumentao matemtica cria srias dificuldades aos

    professores: Herbst (2003) analisa trs tenses que afectam o trabalho do professor;

    Sherin (2002) escreve que criar e manter ambientes de aprendizagem que apoiem o

    fazer e falar acerca da Matemtica (...) um empreendimento complexo para os

    professores (p. 205) e debrua-se sobre duas tenses chave (idem); Heaton

    (2000) refere surpresas e receios sentidos ao perspectivar o seu ensino de modo a,

    entre outros aspectos, trabalhar com os alunos no sentido de produzirem argumentos

    matemticos; Chazan e Ball (1999) salientam dilemas vividos ao tentarem envolver

    as turmas em actividades de argumentao, assegurar a produtividade matemtica

    das prticas argumentativas e evitar que os alunos enveredassem por caminhos

    passveis de provocar frustrao ou embarao social. Os ltimos dilemas que referi

    prendem-se com questes levantadas por vrios outros autores: Em que medida

    possvel manter ligaes entre as prticas matemticas da aula e o modo como a

    Matemtica avana enquanto construo humana? Qual o papel do professor na

    promoo e apoio ao desenvolvimento de argumentao matemtica genuna na

    aula? De que modo pode tornar os alunos capazes de participar na argumentao

    matemtica da aula e, ao mesmo tempo, assegurar a natureza matemtica dessa

    argumentao?

  • Captulo I - Introduo

    11

    Em sntese, procurei fundamentar a importncia do envolvimento dos alunos

    em actividades de argumentao matemtica, sublinhar que este tipo de actividades

    no usual em muitas aulas de Matemtica, salientar que h ainda muito para

    investigar quer sobre as suas potencialidades, quer sobre possveis vias de se

    materializarem nas prticas lectivas e evidenciar que estas prticas colocam

    significativos desafios ao professor. Pretendo com o presente estudo contribuir para

    uma conversao sobre aspectos associados a estas questes, esperando poder

    iluminar algumas das complexidades do trabalho desenvolvido pelo professor ao

    tentar concretizar esta orientao curricular nos contextos reais em que desenvolve a

    sua actividade. Refiro, em seguida, o porqu da opo pelo desenvolvimento de um

    projecto de colaborao entrelaando razes de ordem mais experiencial e pessoal

    com outras da ordem dos saberes profissionais.

    Um projecto de colaborao centrado na argumentao

    matemtica: Uma opo metodolgica

    Levar a cabo esta investigao desenvolver um projecto fundado na minha

    histria onde no simples destrinar onde comeam e acabam os motivos de

    natureza mais profissional ou mais pessoal. Desde que me conheo sempre gostei de

    Matemtica. No se me colocou qualquer dvida ao chegar o momento de ingressar

    na Faculdade: seria uma licenciatura em Matemtica. O gosto pelo ensino veio mais

    tarde. Descobri-o por acaso, fruto de razes circunstanciais que me levaram a

    decidir ser essa a mais rpida via, assumida na altura como transitria, de conseguir

    a independncia econmica que desejava. Tendo feito esta descoberta, deixei de ver

    a minha vida profissional futura como via antes e, por opo, sou professora h

    perto de 25 anos.

    Foi o mestrado que despertou o meu interesse pela investigao cujo foco o

    professor. Na poca senti-me fascinada pelo pensamento de Popper, Kuhn, Lakatos,

    entusiasmei-me com a procura de entendimento dos processos de produo do saber

    matemtico, pelo papel que a desempenha o jogo entre conjecturas, provas e

  • A argumentao em Matemtica

    12

    refutaes, pela compreenso de relaes entre Filosofia da Matemtica e ensino da

    Matemtica e pela anlise de relaes entre perspectivas do professor sobre a

    natureza da Matemtica e concepes sobre o seu ensino. Conclu-o sentindo que,

    em termos pessoais, a sua principal contribuio foi a de entreabrir portas que me

    poderiam levar a caminhos de aprofundamento desta problemtica. Entre estes

    caminhos estava a curiosidade e interesse em compreender se seria possvel, em que

    condies e atravs de que vias, proporcionar aos alunos de nveis elementares

    experincias de aprendizagem que colocassem em primeiro plano a argumentao

    matemtica.

    Com o passar do tempo, informada pela literatura e pelo conhecimento

    experiencial oriundo da minha vida de professora, vou constatando que as questes

    relacionadas com o ensino da argumentao matemtica so bem mais complexas

    do que inicialmente tinha imaginado. Concluo que no ser possvel compreend-

    las em profundidade sem aceder a prticas de ensino que no excluam esse tipo de

    actividades, sem entender o que, na perspectiva do professor, relevante para a

    preparao e concretizao destas prticas, sem conhecer os seus pontos de vista

    sobre opes que toma e porque as toma.

    neste contexto que comea a tomar forma a ideia de realizar uma

    investigao com professores interessados na compreenso do que est em jogo

    quando, intencionalmente, procuram criar nas suas aulas situaes de ensino e

    aprendizagem orientadas para o envolvimento dos alunos em actividades de

    argumentao matemtica. Subjacente a esta ideia esto vrios pressupostos,

    apresentados em seguida, que no seu conjunto contriburam para esta via se me

    afigurar como relevante e adequada.

    H, a meu ver, diversas formas legtimas de conhecer o mundo. A

    possibilidade de analisar e reflectir sobre uma realidade a partir de perspectivas,

    experincias e saberes diversos, em suma, de olhares mltiplos, contribui para a

    construo de quadros interpretativos abrangentes que permitem um entendimento

    mais profundo dessa mesma realidade. Distancio-me, portanto, do que Olson (1997)

  • Captulo I - Introduo

    13

    designa por getting an education, verso epistemolgica sobre o conhecimento

    herdada do positivismo e que est subjacente valorizao da racionalidade tcnica.

    Esta verso supe que o conhecimento formal, terico, no experiencial, superior

    a todas as outras formas de conhecer e, por isso mesmo, quando se trata do ensino, o

    importante este tipo de conhecimento, construdo por alguns, nomeadamente pelos

    investigadores, ser passado a outros, por exemplo, os professores, para estes o

    aplicarem na sua prtica.

    Quando se trata de investigar fenmenos educativos complexos, como

    considero ser o ensinar a argumentar em Matemtica, os professores esto numa

    situao mpar para, atravs dos saberes de que so portadores e a que reconheo

    valor, proporcionarem informaes insubstituveis sobre os modos como lidam com

    as vrias vertentes do seu trabalho, os sentimentos que experienciam ao realiz-lo e

    onde se fundam as escolhas que fazem. Nesta medida, penso que na produo de

    conhecimento relevante sobre o ensino, professores e investigadores, embora tendo

    finalidades prprias e prticas e saberes especficos, necessitam uns dos outros. Na

    verdade, ambos podem contribuir para o processo de produo deste conhecimento.

    Uma via prometedora o envolvimento em empreendimentos conjuntos focados na

    promoo de um dilogo profissional autntico. Este dilogo, que pressupe a

    aceitao das vozes pessoais decorrentes de experincias vividas, a possibilidade de

    se partilharem, com autenticidade, diferentes significados e perspectivas e a

    valorizao dos conhecimentos de cada um, pode ocorrer no mbito de trabalhos

    colaborativos baseados na construo de relaes interpessoais no hierrquicas

    orientadas pela procura de paridade de poder e vozes e apoiadas na negociao e no

    cuidado (Christiansen, Goulet, Krentz, & Maeers, 1997a).

    Tinha conscincia de que a argumentao matemtica, por circunstncias

    diversas, uma vertente do raciocnio matemtico frequentemente secundarizada e

    mesmo esquecida em muitas salas de aula. No pretendia embarcar num percurso de

    investigao que, eventualmente, me pudesse conduzir, apenas, constatao de

    que os alunos no se envolvem neste tipo de actividades ou ao entendimento

    daquilo que o professor no faz. Ou seja, no me sentia confortvel com a ideia

  • A argumentao em Matemtica

    14

    de que poderia correr o risco de realizar um estudo que, de algum modo, pudesse

    contribuir, mesmo que s implicitamente, para reforar a imagem do professor

    como profissional deficiente cujas prticas de ensino, devido, por exemplo, a

    insuficincias do seu conhecimento, competncias, qualificaes ou a certas

    concepes, no integram aspectos do ensino da Matemtica que a investigao e

    documentos curriculares consideram ser importantes.

    Conjecturei, assim, que o desenvolvimento de um projecto de colaborao em