[6319]Historia Geral Completo

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  • Universidade do Sul de Santa Catarina

    Histria Militar Geral I: As Guerras da Idade Antiga Idade Moderna

    Disciplina na modalidade a distncia

    PalhoaUnisulVirtual

    2009

  • CrditosUnisul - Universidade do Sul de Santa CatarinaUnisulVirtual - Educao Superior a Distncia

    Campus UnisulVirtual Avenida dos Lagos, 41 - Cidade Universitria Pedra Branca Palhoa SC - 88137-100 Fone/fax: (48) 3279-1242 e 3279-1271 E-mail: [email protected] Site: www.virtual.unisul.br

    Reitor UnisulAilton Nazareno Soares

    Vice-ReitorSebastio Salsio Heerdt

    Chefe de Gabinete da ReitoriaWillian Mximo

    Pr-Reitor AcadmicoMauri Luiz Heerdt

    Pr-Reitor de AdministraoFabian Martins de Castro

    Campus Sul Diretora: Milene Pacheco Kindermann

    Campus Norte Diretor: Hrcules Nunes de Arajo

    Campus UnisulVirtualDiretor: Joo Vianney Diretora Adjunta: Jucimara Roesler

    Equipe UnisulVirtual

    Gerncia Acadmica Mrcia Luz de Oliveira

    Gerncia Administrativa Renato Andr Luz (Gerente)Marcelo Fraiberg MachadoNaiara Jeremias da RochaValmir Vencio Incio

    Gerncia de Ensino, Pesquisa e ExtensoMoacir HeerdtClarissa Carneiro MussiLetcia Cristina Barbosa (auxiliar)

    Gerncia FinanceiraFabiano Ceretta

    Gerncia de Produo e LogsticaArthur Emmanuel F. Silveira

    Gerncia Servio de Ateno Integral ao AcadmicoJames Marcel Silva Ribeiro

    Avaliao Institucional Dnia Falco de Bittencourt Rafael Bavaresco Bongiolo

    Biblioteca Soraya Arruda Waltrick (Coordenadora)Maria Fernanda Caminha de Souza

    Capacitao e Assessoria ao DocenteAngelita Maral Flores (Coordenadora)Adriana SilveiraCaroline Batista Cludia Behr ValenteElaine SurianPatrcia Meneghel Simone Perroni da Silva Zigunovas

    Coordenao dos CursosAdriana RammeAdriano Srgio da Cunha Alosio Jos Rodrigues Ana Luisa Mlbert Ana Paula Reusing Pacheco Bernardino Jos da SilvaCarmen Maria Cipriani PandiniCharles Cesconetto Diva Marlia Flemming Eduardo Aquino Hbler Fabiana Lange Patrcio (auxiliar) Fabiano Ceretta Itamar Pedro BevilaquaJairo Afonso Henkes Janete Elza Felisbino Jorge Alexandre Nogared CardosoJos Carlos Noronha de OliveiraJucimara Roesler Karla Leonora Dahse NunesLuiz Guilherme B. Figueiredo Luiz Otvio Botelho Lento Marciel Evangelista CatneoMaria da Graa Poyer Maria de Ftima Martins (auxiliar) Mauro Faccioni FilhoMoacir Fogaa Moacir Heerdt Nazareno MarcineiroNlio Herzmann Onei Tadeu Dutra Raulino Jac Brning Rose Clr Estivalete BecheRodrigo Nunes Lunardelli Criao e Reconhecimento de CursosDiane Dal Mago Vanderlei Brasil

    Desenho Educacional Carolina Hoeller da Silva Boeing (Coordenadora)

    Design InstrucionalAna Cludia TaCarmen Maria Cipriani Pandini Cristina Klipp de OliveiraDaniela Erani Monteiro WillEmlia Juliana FerreiraFlvia Lumi Matuzawa Karla Leonora Dahse Nunes Leandro Jos RochaLucsia PereiraLuiz Henrique Milani QueriquelliMrcia LochMarcelo Mendes de SouzaMarina Cabeda Egger MoellwaldMarina M. G. da SilvaMichele CorreaNagila Cristina HinckelSilvana Souza da Cruz Viviane Bastos

    Acessibilidade Vanessa de Andrade Manoel

    Avaliao da AprendizagemMrcia Loch (Coordenadora) Elosa Machado SeemannFranciele Dbora MaiaGabriella Arajo Souza EstevesLis Air FogolariSimone Soares Haas Carminatti

    Design Visual Pedro Paulo Alves Teixeira (Coordenador) Adriana Ferreira dos Santos Alex Sandro XavierAlice Demaria Silva Anne Cristyne PereiraDiogo Rafael da SilvaEdison Rodrigo ValimElusa Cristina SousaHigor Ghisi LucianoPatricia FragnaniVilson Martins Filho

    Multimdia Cristiano Neri Gonalves RibeiroFernando Gustav Soares Lima

    PortalRafael Pessi

    Disciplinas a Distncia Enzo de Oliveira Moreira (Coordenador)Franciele Arruda Rampelotti (auxiliar)Luiz Fernando Meneghel

    Gesto DocumentalLamuni Souza (Coordenadora) Janaina Stuart da CostaJosiane LealJuliana Dias ngeloMarlia Locks FernandesRoberta Melo Platt

    Logstica de Encontros Presenciais Graciele Marins Lindenmayr (Coordenadora) Ana Paula de AndradeAracelli Araldi HackbarthDaiana Cristina BortolottiDouglas Fabiani da Cruz Edsio Medeiros Martins FilhoFabiana PereiraFernando Steimbach Marcelo FariaMarcelo Jair RamosRodrigo Lino da Silva

    Formatura e Eventos Jackson Schuelter Wiggers

    Logstica de Materiais Jeferson Cassiano Almeida da Costa (Coordenador) Carlos Eduardo Damiani da SilvaGeanluca Uliana Guilherme LentzLuiz Felipe Buchmann FigueiredoJos Carlos Teixeira Rubens Amorim

    Monitoria e Suporte Rafael da Cunha Lara (Coordenador)Andria Drewes Anderson da Silveira Anglica Cristina GolloBruno Augusto Zunino Claudia Noemi Nascimento Cristiano Dalazen Dbora Cristina Silveira Ednia Araujo Alberto Fernanda Farias Jonatas Collao de Souza Karla Fernanda W. Desengrini Maria Eugnia Ferreira Celeghin Maria Isabel Aragon Maria Lina Moratelli Prado Mayara de Oliveira BastosPatrcia de Souza Amorim Poliana Morgana Simo Priscila Machado Priscilla Geovana Pagani

    Produo IndustrialFrancisco Asp (coordenador)Ana Paula Pereira Marcelo Bittencourt

    Relacionamento com o Mercado Walter Flix Cardoso Jnior

    Secretaria de Ensino a Distncia Karine Augusta Zanoni Albuquerque (Secretria de ensino) Andra Luci Mandira Andrei RodriguesBruno De Faria Vaz SampaioDaiany Elizabete da SilvaDjeime Sammer Bortolotti Douglas SilveiraFylippy Margino dos SantosJames Marcel Silva Ribeiro Jenniffer Camargo Luana Borges Da SilvaLuana Tarsila Hellmann Marcelo Jos SoaresMicheli Maria Lino de MedeirosMiguel Rodrigues Da Silveira JuniorPatricia Nunes Martins Rafael BackRosngela Mara Siegel Silvana Henrique Silva Vanilda Liordina Heerdt Vilmar Isaurino Vidal

    Secretria Executiva Viviane Schalata MartinsTenille Nunes Catarina (Recepo)

    Tecnologia Osmar de Oliveira Braz Jnior (Coordenador) Andr Luis Leal Cardoso JniorFelipe Jacson de FreitasJefferson Amorin OliveiraJos Olmpio Schmidt Marcelo Neri da Silva Phelipe Luiz Winter da SilvaRodrigo Battistotti Pimpo

  • Histria Militar Geral I: As Guerras da Idade Antiga Idade Moderna

    Disciplina na modalidade a distncia

    Armando de Senna Bittencourt Cludia Beltro da Rosa

    Marcos da Cunha e SouzaNilson Vieira Ferreira de Mello

    Paulo Andr Leira Parente

    Design instrucionalMarina Cabeda Egger Moellwald

    PalhoaUnisulVirtual

    2009

  • Edio Livro Didtico

    Professores ConteudistasArmando de Senna Bittencourt

    Cludia Beltro da RosaMarcos da Cunha e Souza

    Nilson Vieira Ferreira de MelloPaulo Andr Leira Parente

    Design InstrucionalMarina Cabeda Egger Moellwald

    Projeto Grfico e CapaEquipe UnisulVirtual

    DiagramaoHigor Ghisi

    RevisoAmaline Boulus Issa Mussi

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Universitria da Unisul

    Copyright UnisulVirtual 2009

    Nenhuma parte desta publicao pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prvia autorizao desta instituio.

    909.08H57 Histria militar geral I: as guerras da idade antiga idade moderna : livro didtico / Armando de Senna Bittencourt ... [et al.] ; design instrucional Marina Cabeda Egger Moellwald. Palhoa : UnisulVirtual, 2009. 198 p. : il. ; 28 cm.

    Inclui bibliografia.

    1. Histria moderna. 2. Histria antiga. 3. Idade Mdia. 4. Histria militar. I. Egger Moellwald. Palhoa : UnisulVirtual, 2009.

  • Sumrio

    Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7Palavras dos professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    Unidade 1 A Guerra na Roma Antiga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15Unidade 2 Guerras Medievais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73Unidade 3 Histria Militar Moderna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109Unidade 4 Poder Naval . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

    Para concluir o estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187Sobre os professores conteudistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193Comentrios e respostas das atividades de autoaprendizagem . . . . . . . . 195

  • Apresentao

    Este livro didtico corresponde disciplina Histria Militar Geral I: As Guerras da Idade Antiga Idade Moderna. O material foi elaborado visando a uma aprendizagem autnoma e aborda contedos especialmente selecionados e relacionados sua rea de formao. Ao adotar uma linguagem didtica e dialgica, objetivamos facilitar seu estudo a distncia, proporcionando condies favorveis s mltiplas interaes e a um aprendizado contextualizado e eficaz.Lembre que, nesta disciplina, a indicao a distncia caracteriza somente a modalidade de ensino por que voc optou para a sua formao, pois sua caminhada ser acompanhada e monitorada constantemente pelo Sistema Tutorial da UnisulVirtual e, na relao de aprendizagem, professores e instituio estaro conectados com voc. Ento, sempre que sentir necessidade, entre em contato. Voc tem disposio diversas ferramentas e canais de acesso tais como: telefone, e-mail e o Espao Unisul Virtual de Aprendizagem, que o canal mais recomendado, pois tudo o que for enviado e recebido fica registrado para seu maior controle e comodidade. Nossa equipe tcnica e pedaggica ter o maior prazer em lhe atender, pois sua aprendizagem o nosso principal objetivo. Bom estudo e sucesso! Equipe UnisulVirtual

  • Palavras dos professores

    Caro(a) acadmico(a), Voc tem em mos um trabalho raro na lngua portuguesa. Em um nico volume, poder acessar a Histria Militar do Ocidente, desde a Antiguidade at a Queda da Bastilha (1789).Repare que esta viagem ao passado no se limitar descrio de campanhas militares ou aos feitos dos grandes generais. Em uma viso moderna da Polemologia, recorrendo aos autores mais renomados, buscamos apresentar os diferentes aspectos que nortearam os conflitos armados ao longo dos sculos, para que voc tenha, ao seu alcance, um ponto de apoio para estudos mais aprofundados e especficos. Voc poder constatar, por exemplo, que os antigos plantaram as sementes de muitas das prticas, instituies e idias ainda empregadas pelos exrcitos de hoje. Ter a chance de perceber que lderes como Frederico, o Grande, enfrentaram questes no muito diferentes daquelas vislumbradas pelos generais dos sculos XX e XXI. Ver, ainda, como o poder naval teve papel fundamental na estratgia das grandes potncias, desde a antiguidade clssica.Por outro lado, tambm notar grandes contrastes, ao se deparar com o uso macio de mercenrios, a pilhagem da populao civil e a legitimao de guerras movidas unicamente por ganhos e glrias.Ao longo deste caminho, esperamos que as informaes aqui encontradas sejam somadas quelas que voc j construiu, gerando novas reflexes e aguando a sua curiosidade.Bom estudo!

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    Joao PauloComentario en el texto

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  • Joao PauloTexto escrito a mquina

    Joao PauloTexto escrito a mquinaIDADE MODERNA: Perodo aberto com a queda do Imprio Romano do Oriente, em 1453, e encerrado com a Revoluo Francesa, em 1789. Principais marcos: fortalecimento dos Estados nacionais monrquicos, expanso martima e colonial, expanso do mercantilismo, renascimento cultural e cientfico, fermentao ideolgica do Iluminismo e independncia norte-americana.

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    Joao PauloTexto escrito a mquinaANTIGUIDADE: Tem incio com a inveno da escrita e o processo de formao das primeiras civilizaes, por volta de 4000 a.C. marcada pelo surgimento dos Estados monrquicos, do escravismo, das religies monotestas e das cincias. Estende-se at a queda do Imprio Romano do Ocidente, em 476 d.C.IDADE MDIA: Abrange o perodo iniciado com a queda do Imprio Romano do Ocidente, em 476, at a tomada de Constantinopla, a capital do Imprio Bizantino (antigo Imprio Romano do Oriente), em 1453. As principais caractersticas dos mil anos do perodo medieval como tambm conhecido so a expanso dos reinos brbaros na Europa, a transformao do escravismo em feudalismo, o surgimento dos imprios feudais, a expanso do cristianismo e do islamismo, o renascimento do comrcio e das cidades e, na Amrica, o apogeu da civilizao maia.

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  • Plano de estudo

    O plano de estudos visa a orient-lo(a) no desenvolvimento da disciplina. Possui elementos que o(a) ajudaro a conhecer o contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos. O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva em conta instrumentos que se articulam e se complementam, portanto a construo de competncias se d sobre a articulao de metodologias e por meio das diversas formas de ao/mediao.So elementos desse processo:

    o livro didtico; o Espao UnisulVirtual de Aprendizagem (EVA); as atividades de avaliao (a distncia, presenciais e de autoaprendizagem);

    o Sistema Tutorial.

    Ementa do Curso

    A arte da guerra nas Idades Antiga, Mdia, Moderna e as repercusses na Histria Militar do Brasil.

    Carga horria

    30 horas 2 crditos.

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    Objetivos

    Identificar os principais pensadores militares do Ocidente.

    Relacionar o significado das guerras, os princpios e a logstica de guerra adotados na antiguidade, com a evoluo da arte da guerra na cultura ocidental.

    Analisar criticamente a evoluo do pensamento militar no ocidente entre a antiguidade e a modernidade

    Contedo programtico/objetivos

    Veja, a seguir, as unidades que compem o livro didtico desta disciplina e os seus respectivos objetivos. Estes se referem aos resultados que voc dever alcanar ao final de uma etapa de estudo. Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de conhecimentos que voc dever possuir para o desenvolvimento de habilidades e competncias necessrias sua formao. Unidades de estudo: 4

    Unidade 1 A Guerra na Roma Antiga

    O fenmeno da guerra no Mundo Antigo multifacetado e plural. Nesta unidade, voc conhecer uma abordagem que visa compreenso de algumas facetas da guerra na Roma antiga. Buscando revelar a estreita relao entre a guerra, a poltica, a religio e o direito em Roma, apresentaremos dois estudos de caso: a anlise de uma obra de Caio Jlio Csar, os Comentrios da Guerra das Glias, e uma breve anlise de elementos do direito sagrado dos sacerdotes feciais (ius fetiales), com base em questes e modelos tericos que orientam as pesquisas historiogrficas atuais.

    Unidade 2 Guerras Medievais

    Nesta unidade, voc estudar a evoluo da arte da guerra ao longo da Idade Mdia. Destacaremos as transformaes surgidas nas prticas de combate e luta, advindas das migraes das tribos germnicas e dos normandos em sua estrutura familiar e suas consequncias no perodo carolngio. Analisaremos, em

  • Histria Militar Geral I

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    seu contexto histrico, os dois maiores conflitos no mbito das guerras medievais: as Cruzadas e a Guerra dos Cem anos.

    Unidade 3 - Histria Militar Moderna

    O exame desta unidade permitir lanar luz sobre um perodo da Histria Militar pouco estudado no Brasil e objeto de muitos preconceitos. Voc poder ento observar que nele se encontram muitas das sementes que deram forma aos exrcitos contemporneos e guerra tal qual a conhecemos hoje.

    Unidade 4 Poder Naval

    Nesta unidade, voc conhecer como os povos da Antiguidade Clssica at o Antigo Regime travavam a guerra no mar, com nfase nas transformaes da tecnologia naval e o desenvolvimento das tticas empregadas.

  • Agenda de atividades/ Cronograma

    Verifique com ateno o EVA, organize-se para acessar periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus estudos depende da priorizao do tempo para a leitura, da realizao de anlises e snteses do contedo e da interao com os seus colegas e professor.

    No perca os prazos das atividades. Registre no espao a seguir as datas com base no cronograma da disciplina disponibilizado no EVA.

    Use o quadro para agendar e programar as atividades relativas ao desenvolvimento da disciplina.

    Atividades (registro pessoal)

    Demais atividades (registro pessoal)

  • UNiDADE 1

    A Guerra na Roma Antiga Claudia Beltro

    Objetivos de aprendizagem

    Conhecer as principais questes e modelos tericos que fundamentam a abordagem do fenmeno da guerra na Roma antiga.

    Compreender a estreita relao entre guerra, poltica, direito e religio na Roma antiga.

    Compreender as distintas facetas da guerra na Roma antiga por meio de estudos de caso.

    Sees de estudo

    Seo 1 A questo da guerra nos estudos da antiguidade romana: perspectivas atuais

    Seo 2 Aspectos da guerra na Roma antiga

    Seo 3 Estudos de caso: O direito fecial e os Comentrios da Guerra das Glias

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    Universidade do Sul de Santa Catarina

    Para incio de estudo

    sempre bom comear por uma declarao de intenes. Em primeiro lugar, necessrio dizer que esta Unidade, denominada A Guerra na Roma Antiga, apresenta lacunas notveis, que no tentamos esconder. Sabemos que algumas questes muito importantes no sero tratadas. Pode parecer estranho, por exemplo, que uma Unidade que trata da guerra em Roma no apresente muitas observaes sobre as tcnicas de armamento nem de combate, o que pareceria fundamental para os temas tratados. Visamos, nesta Unidade, estimular novas pesquisas e sugerir algumas perspectivas de anlise, muito mais do que oferecer um quadro completo sobre o tema da guerra e uma discusso cabal sobre a guerra na antiguidade romana, o que seria no apenas impossvel, dada a exiguidade do tempo que nos foi destinado, assim como no seria desejvel, posto que nossa viso de histria nos afasta das verses simplificadoras de toda natureza. Optamos por uma abordagem que prioriza a reflexo sobre a guerra em Roma, buscando estabelecer os rudimentos de uma problemtica: quais so os traos originais da guerra em Roma? Que lugar ocupou na vida da urbs e como podemos estudar este fenmeno na sua especificidade romana? Temos como principal objetivo lanar algumas luzes sobre o tema da guerra em Roma.

    Voc sabia que os romanos designavam sua cidade, em termos fsicos, como urbs? Alis, este termo gerou vrios vocbulos atuais, como urbano, urbanizao.

    O conceito de guerra polissmico e, certamente, neste curso, tal polissemia ser discutida, mas h consenso, sem dvida, ao considerarmos que uma guerra um conflito violento, no qual so utilizados diferentes tipos de armas (isto , de tecnologias) e do qual participam grupos humanos mais ou menos organizados. Temos como consenso que estes conflitos, denominados guerra, se desenvolvem em um determinado espao e tm por objetivo dominar, direta ou indiretamente, um ou mais grupos humanos ou espaos.

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    Histria Militar Geral I

    Unidade 1

    A guerra significa uma interao violenta entre seres humanos, estratgias, tticas, armas e espaos. Partiremos desta definio consensual de guerra como princpio de nossos estudos.

    A guerra, na atualidade, tornou-se uma temtica muitas vezes incmoda, e a reflexo sobre ela pode conduzir a debates ideolgicos problemticos. Ela constitui, porm, parte do passado e do presente humanos, e uma parte importante, muitas vezes determinante para a nossa vida. tambm por isso que o estudo das guerras deve fazer parte das preocupaes do historiador. Os fatos, espaos, paisagens, casusticas, opes geoestratgicas, ideologias, imaginrio, vida quotidiana, sentimentos dos combatentes, recursos tecnolgicos, aes de resistncia, etc. que constituem a guerra auxiliam no estudo da dinmica das sociedades humanas. O fenmeno da guerra produziu, e ainda produz, cenrios, atores e espaos, e a reflexo sobre eles pode proporcionar uma excelente base para a compreenso das interaes entre os grupos humanos. Os confrontos violentos entre os seres humanos e a experincia extrema da guerra podem e devem ser objeto de estudo da histria. Os espaos diretamente relacionados com os cenrios de guerra do passado, os conjuntos poliocrticos e os campos de batalha se revelam fontes interessantes a partir das quais se pode fundamentar uma abordagem das diversas interaes que ocorrem nas sociedades quando em guerra. A seguir, procederemos com uma breve apresentao do estado atual das pesquisas sobre o tema da guerra em Roma, passando exposio de alguns dados e evidncias revelados por tais pesquisas. Com isso, buscamos estabelecer uma via de acesso compreenso do fenmeno da guerra em Roma. Por fim, apresentaremos dois estudos de caso: a guerra em seus aspectos jurdico e religioso, no caso do direito fecial; e a guerra em seu aspecto poltico, no caso dos Commentarii de bello Gallico, uma das principais obras de Jlio Csar.

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    Universidade do Sul de Santa Catarina

    Seo 1 A questo da guerra nos estudos da antiguidade romana: perspectivas atuais

    A tradio literria romana pretendia que, desde seu perodo mais arcaico, o destino de Roma era fazer a guerra. A tradio literria posterior continuou a animar esta imagem, propagando o modelo das campanhas militares e, mais ainda, das virtudes guerreiras em Roma. muito fcil constatar o papel preponderante ocupado pela guerra em Roma, o que torna difcil tratar o tema como objeto de estudo sem ter que quase reescrever toda a histria do Imprio Romano.

    Mas, podemos nos perguntar: at que ponto os analistas romanos nos apresentam uma imagem fiel da realidade?

    A Roma conquistadora e invencvel s comeou a existir nos documentos romanos em torno do sculo III a.C., ou seja, em condies histricas bem definidas que explicam, em grande parte, a imagem que esta cidade, envolvida na conquista da Itlia e s vsperas da conquista do Mediterrneo, criou para seu prprio uso. No temos tempo de dar conta de dados arcaicos, nem de elementos lendrios, mas a questo permanece: seria realmente possvel conceber as frequentes guerras no sculo V a.C. contra seus vizinhos equos ou volscos; as guerras samnitas; as guerras pnicas do sculo III a.C., as guerras de conquista do sculo II a.C., as guerras civis do final da Repblica, as guerras do perodo imperial como sendo o mesmo fenmeno? No, isso no seria possvel, pois as diferenas entre elas so muito grandes. A analtica romana, porm, se esforou para minimizar as diferenas evidentes entre esses grandes perodos de atividade guerreira e para deixar a impresso de uma continuidade harmoniosa dessas guerras atravs dos tempos.

    Contudo a repetio quase ritual, de ano em ano, da guerra contra os volscos, por exemplo, nada tem a ver, nem em termos de tecnologia nem em termos de extenso geogrfica, tampouco, com a ideia que se fazia de guerra, com as guerras do final da Repblica.

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    Histria Militar Geral I

    Unidade 1

    Um romano perspicaz, como Tito Lvio, percebia muito bem que, se os romanos de todos os tempos fizeram guerra, no se tratava sempre da mesma guerra, que a evoluo dos mtodos principalmente a evoluo das concepes de guerra radicava nas, e agia profundamente sobre, as estruturas sociais, polticas e morais de Roma. No entanto esta harmoniosa tradio literria sobre as guerras em Roma influenciou profundamente os estudos de guerra romana, criando falsas continuidades, compactando tempos e experincias distintas. Em suma, ao longo de sculos, a historiografia ocidental viu homogeneidade onde e quando havia uma profunda heterogeneidade.

    Ao longo do tempo, assim como em qualquer sociedade, Roma modificou totalmente a ideia que tinha da guerra, no porque simplesmente seus mtodos de combate e armamentos foram aperfeioados, mas sim porque houve uma mudana qualitativa no modo de se fazer a guerra.

    Uma das constataes mais bvias a de que, para alm das evidncias dos aperfeioamentos tcnicos, Roma passou, progressivamente, de um tipo de guerra que estava rigorosamente limitada no tempo e no espao, a um tipo que se tornou uma atividade permanente e repartida em locais distantes entre si e da prpria urbs. A partir de meados do sculo XX, contudo, pesquisadores distintos trataram a questo da guerra em Roma por diferentes ngulos de abordagem, na maioria das vezes relacionando-a ao tema do imperialismo romano. Moses I. Finley (2002), por exemplo, tratou da guerra no contexto da expanso territorial romana e props uma periodizao da mesma, que constaria em trs fases, caracterizadas pelo sistema de organizao das conquistas. Vamos ver quais seriam estas fases?

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    Universidade do Sul de Santa Catarina

    uma primeira fase teria sido marcada pela conquista da Itlia Central e Meridional, e produzido diversas presas de guerra escravos, riquezas materiais das populaes vencidas e grandes extenses de terras, alm de tropas auxiliares para o exrcito;

    uma segunda fase teria sido marcada pelas Guerras Pnicas ao final da Repblica, quando se deu a formao inicial do sistema provincial, aumentando as presas de guerra e os lucros obtidos dos provinciais; e

    uma terceira fase, quando a pax augusta, sob o principado, teria reduzido as presas de guerra, mas aumentado a taxao e as requisies dos provinciais.

    Norberto Guarinello (1987), tambm considerando a guerra no contexto do imperialismo romano, diz que o modelo apresentado por Finley no permite observar os elementos estruturais internos para compreendermos as motivaes da expanso e as formas de sua organizao. Este autor distingue dois perodos principais do imperialismo romano:

    1. um primeiro, das origens ao sculo III a.C.; e 2. um segundo, aps o sculo III a.C., designadamente a partir da II Guerra Pnica.

    Guarinello defende, de modo interessante, o pressuposto de que as alteraes econmicas trazidas pelo acmulo de bens, terras e escravos tenha modificado a dinmica e a prpria natureza do imperialismo romano, tanto na utilizao e distribuio dos recursos, quanto na forma de organizar e administrar os territrios conquistados.Consideramos, contudo, que o fenmeno da guerra constitui um campo de investigao por direito prprio, ou seja, que a guerra um objeto de estudo passvel de ser explorado per se. Em linhas gerais, optamos por trabalhar com trs grandes linhas divisrias na histria das guerras romanas, ou seja, trs perodos essenciais, caracterizados cada qual por um tipo de guerra nitidamente diferenciada em seus fins e em suas concepes. certo que este somente um quadro-modelo, que nos parece vivel para tratar nosso tema num espao to curto. Como todo modelo, no se

    Seguimos a proposta de pesquisadores do antigo Centre de Recherches Compares sur les Socits Anciennes, fundado por Jean-Pierre Vernant, em 1964, atualmente denominado Centre Louis Gernet, em publicao dirigida por Jean-Paul Brisson (1969).

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    Histria Militar Geral I

    Unidade 1

    trata da pura realidade. Como acontece com qualquer modelo, nos limitaremos a indicar as grandes articulaes desta evoluo, sem considerar detalhadamente as variaes de seu ritmo ou as irregularidades de sua progresso.1.1 Primeira FaseNa poca real e etrusca, at a primeira metade do sculo IV a.C., podemos perceber que Roma praticou um tipo de guerra muito comum no mundo mediterrnico (FINLEY, 1984): a guerra como um modo particular de relao e de competio entre cidades vizinhas. Este tipo de guerra no punha em causa a existncia das cidades beligerantes, a extenso de seu territrio, nem sua soberania poltica. A vitria trazia o prestgio e, a grosso modo, funcionava como um meio de trocas entre vizinhos. Roma, nesta fase, participou da chamada Liga Latina, e a pesquisa histrica ainda discute o momento em que Roma se tornou a principal cidade desta Liga. Este tipo de guerra explica os reencontros repetitivos de Roma contra os quos, os volscos, os etruscos de Fidena ou de Veios, assim como a anualidade das magistraturas militares e os rituais de guerra, que se mantiveram ao longo dos sculos, com algumas alteraes. Este modo arcaico de guerra sofreu grandes alteraes por volta do sculo IV a.C. De guerras sazonais contra vizinhos, que mais se assemelhavam a escaramuas, empreendidas por camponeses-soldados, Roma, paulatinamente, desenvolveu um tipo de guerra de maior extenso temporal e territorial, levada a cabo por guerreiros cada vez mais especializados em sua funo. Vamos ver como ocorreu o processo que resultou nestas grandes alteraes?A expanso romana na Itlia foi, ento, contempornea ao processo de consolidao poltica interna romana. Ameaada externamente, a urbs teve no apenas que se defender, mas tambm que desenvolver meios para enfrentar as crescentes necessidades de recursos humanos e materiais. Vejamos como Pierre Grimal relata isso:

    Esta liga reunia cidades e povos do Lcio, regio da Itlia, em aliana.

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    [...] Seu imprio chegava j aos primeiros patamares dos Apeninos; suas colnias eram bastante fortes para conter a presso dos montanheses, os quos e os hrnicos, situados a este e a sudeste do Lcio. Mas, para o norte, a rota de conquistas estava cortada por uma cidade etrusca muito poderosa, que desde h muito era um rival perigoso. Para destruir Veios foi preciso um stio de dez anos, to longo como o de Tria. Foi ento que, pela primeira vez, a legio romana aprendeu a executar manobras de campanha de guerrilha. [...] Durante meses, os legionrios permaneceram nas trincheiras, sob as muralhas. Essa era uma experincia nova. At ento, as guerras s ocorriam durante a estao de bom tempo. O exrcito se reunia em maro precisamente o ms dedicado ao deus da guerra , entrava em campanha e voltava quando as rvores perdiam suas folhas. Os soldados podiam velar por seus interesses, controlar a explorao de seus campos. [...]. Durante o stio de Veios, como as operaes prosseguiam inclusive no inverno, houve que resignar-se a pagar os soldados. Camilo, comandante das tropas em Veios, reclamou e imps a instituio do soldo. As tropas, agradecidas a seu chefe, lutaram com mais arrojo e, finalmente, Veios sucumbiu. (GRIMAL, 2005, p. 31-2).

    A conquista de Veios foi o primeiro grande empreendimento romano fora do Lcio. O longo conflito terminou em 396 a.C., com a destruio de Veios, cujo territrio foi anexado. Mas uma grave ameaa surgiu com a invaso dos gauleses, povo guerreiro celta que ocupava o territrio desde a Germnia at a Glia (que correspondia, em parte, ao territrio da atual Frana) e que se estabeleceu na plancie do P, no norte da Itlia. Em 390 a.C., os gauleses invadiram Roma. P. Grimal reproduz uma narrativa lendria sobre esta invaso:

    Durante longos dias, teve lugar o stio do Capitlio. Uma noite, os gauleses tentaram escalar a colina, aproveitando a obscuridade. Fizeram to pouco rudo que nem os ces de guarda ouviram; parecia que seu intento teria um bom sucesso, quando, de repente, os gansos sagrados criados no santurio de Juno despertaram e comearam a grasnar. Deu-se o alarme. Os soldados correram aos postos de alerta; os primeiros inimigos estavam pondo o p na plataforma. Mas os romanos se lanaram sobre eles, e os fizeram cair com todo o seu peso sobre os companheiros que os seguiam. Resumindo, o ataque

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    fracassou. Ainda assim os vveres se esgotavam e no poderiam resistir por muito tempo. Pressionados por seus soldados, os chefes romanos tiveram que empreender negociaes, aceitar a idia de rendio e perguntar pelas condies de Breno (o lder dos gauleses). Este pediu ouro, muito ouro, e prometeu respeitar a vida dos combatentes. No dia seguinte, os oficiais romanos saram da cidadela, acompanhados por escravos que portavam o metal para o resgate. Comeou-se a pes-lo e, quando se alcanou o peso acordado, Breno lanou sua espada no prato da balana e exigiu que se agregasse ao resgate o suficiente para restabelecer o equilbrio. Os romanos protestaram: A desgraa caia sobre os vencidos!, lhes disseram. Mas houve que obedecer. Fartos de ouro, aplacados pelo butim, os gauleses acederam por fim a abandonar Roma e a retomar o caminho do norte. Os romanos asseguraram-se de que no fossem muito longe: que Camilo conseguiu reunir um exrcito de auxlio entre as cidades aliadas de Roma, temerosas do perigo gauls, que atacou aos gauleses enquanto se retiravam. Seja como for, Roma sentira o medo; estivera perto de sucumbir, e entendeu que nem as mais slidas muralhas servem de nada se no h braos para defend-las. A guerra a havia arruinado, boa parte de suas casas tinham sido queimadas ou destruda, e perdera a honra. Assim que, por muito tempo, os gauleses seguiram inspirando temor aos romanos. Durante sculos, bastava que se pronunciasse seu nome para que todos sassem correndo buscando armas. (GRIMAL, 2005, p. 34-5).

    Depois de superarem esse perigo, os romanos conquistaram a regio do Lcio, cujos habitantes, os latinos, foram absorvidos e incorporados cidadania romana. Com isso, Roma desfez a Liga Latina e se tornou a senhora do Lcio.Aps combater essas populaes vizinhas e consolidar sua posio no Lcio e nas reas limtrofes, Roma iniciou, no sculo IV a.C., uma ofensiva para deter o avano de populaes de montanheses ao sul, que seguiam do interior em direo costa. Aps a submisso da Itlia central, as vitrias romanas levaram conquista da Itlia meridional e do sul. E quase dois sculos, depois, de luta pela supremacia na Itlia, Roma tornou-se uma potncia de mbito internacional.

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    Passando por este breve percurso das conquistas de Roma, como podemos explicar a velocidade na qual elas ocorreram? Certamente, uma resposta simples no possvel, se que existem respostas simples quando estudamos a histria romana. Se observarmos, contudo, o modo como os romanos agregavam as populaes dos territrios conquistados, talvez tenhamos uma pista para a compreenso desse sucesso. O conceito de cidadania romana era muito mais amplo e flexvel do que, por exemplo, o espartano ou o ateniense. Tornavam-se cidados romanos todos os escravos que eram manumitidos (os libertos), ainda que no dispusessem da totalidade dos direitos polticos. Os filhos de libertos, contudo, tinham a cidadania plena, pois a concepo era a de que, sendo filhos de libertos, estes j nasciam livres. Do mesmo modo, os romanos concediam a cidadania a pessoas e povos aliados.

    Muitos estudiosos veem nisso um dos motivos do sucesso romano, pois a concesso da cidadania fazia com que Roma passasse a se expandir, tambm de modo pacfico, a partir de tratados de aliana com outros povos e cidades.

    Aps dominar o Lcio, Roma voltou-se para o sul da pennsula. Conseguiu fazer alianas importantes com cidades gregas da Campnia. A partir da Campnia, Roma se deparou com os povos samnitas, que ocupavam a regio montanhosa central da pennsula, a quem derrotou aps duas longas guerras. Abaixo da Campnia, as cidades da Magna Grcia capitularam, uma aps a outra, e, em 272 a.C., Roma tinha assegurado o seu domnio sobre toda a pennsula itlica.

    Figura 1.1 Guerreiro samnita, pintura parietal do perodo republicano. Fonte: .

    A Campnia era uma regio frtil agricolamente e tinha portos importantes para a expanso romana.

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    1.2 Segunda faseA partir de meados do sculo IV a.C., a guerra muda de significado, tornando-se o meio principal de uma poltica de expanso, levada s ltimas consequncias nos ltimos anos da Repblica, no sculo I a.C., com as campanhas de Pompeu, no Oriente e de Csar, na Glia. certo que esta transio foi lenta e, por muito tempo, aspectos arcaicos da guerra subsistiram. As guerras do sculo III a.C., incluindo a I Guerra Pnica, a qual, nem de longe, lembra uma guerra de tipo republicano tardio, guardavam ainda a aura das pocas arcaicas. Estamos longe de discernir todos os passos destas transformaes.

    Ao longo dos trs sculos que se estendem desde a dissoluo da Liga Latina s Guerras Civis de fins da Repblica, mudanas radicais no pararam de ocorrer em funo de objetivos novos e cada vez mais conscientemente afirmados. Esta foi a poca, por exemplo, em que ocorreram grandes transformaes tcnicas, de aperfeioamento da ttica manipular e da criao da frota romana, que, rapidamente, assegurou urbs o domnio do mar.

    Guerras cada vez mais longnquas e fronts muitas vezes simultneos levaram os romanos a pr em ao foras superiores s quatro legies tradicionais e anuais do exrcito consular, prorrogando tanto o tempo de servio de seus legionrios, quanto os comandos de seus generais, a fim de assegurar a unidade estratgica e temporal de uma mesma guerra. Para isso, eram admitidos nas fileiras de batalha at mesmo os cidados capite censi. A partir de ento, a guerra trouxe consequncias polticas que o sculo V a.C. no conheceu. Por volta de 338 a.C., uma guerra levada por Roma, quer fosse por iniciativa ou defesa, s findava se houvesse uma modificao radical das relaes polticas com o adversrio. Da administrao do direito de cidade administrao direta dos territrios conquistados por um promagistrado, passando por todas as variedades de estatutos que ligavam Roma aos outros povos, as formas concretas da conquista foram mltiplas no espao e no tempo, mas o princpio era o mesmo: a vitria das armas romanas levava sujeio poltica dos vencidos. A guerra se tornou o meio privilegiado de conferir a Roma o estatuto de caput

    Estes cidados eram os que no tinham terras a defender.

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    mundi. As guerras de conquista e os pactos de aliana trouxeram consequncias importantes para as instituies romanas. Vamos ver quais foram algumas delas?Roma comeou a englobar sistemas locais muito diversos, como: poleis gregas meridionais, ricos centros agrcolas da Campnia, cidades etruscas com instituies urbanas desenvolvidas, e povoados mais simples de pastores das regies dos Apeninos. Unificar a pennsula itlica sob sua hegemonia se tornou um grande problema, devido s diferentes estruturas das comunidades a ela submetidas. Os romanos, ento, comearam a empregar vrias estratgias, tendo em vista esta unio: a aristocracia criou laos de amicitia com as classes dirigentes de outras cidades, permitindo a entrada de famlias das elites itlicas na aristocracia senatorial, estabelecendo relaes polticas e redes de clientela alm de alianas familiares com os grupos dirigentes de cada sociedade submetida a ela.Na pennsula, as populaes sob o domnio romano adquiriram situaes jurdicas diferentes perante a urbs, que firmou mltiplos tratados de aliana com as cidades itlicas. Teoricamente autnomas, as cidades se comprometiam a prestar auxlio militar em caso de conflito externo, fornecendo soldados. Existiam as ciuitates sine suffragio, onde os habitantes eram considerados cidados de segunda classe, os quais gozavam de cidadania romana incompleta, sem direito de voto nas assembleias. Algumas cidades recebiam a condio de municipium, ou seja, comunidade cuja populao local tinha a cidadania romana, assim como total autonomia em relao aos assuntos internos.A poltica de conceder cidadania romana de vrias maneiras a elementos itlicos era uma forma de integr-los e assegurar o fornecimento de quadros para o exrcito.

    Cada legio do exrcito romano compreendia 3.000 homens de infantaria pesada, mais 1.200 vlites (infantaria ligeira) e 300 equites (cavaleiros).

    A cada ano, era feito o recrutamento, destinado apenas aos proprietrios, visto que havia uma crena de que lutavam melhor

    Estes eram os chamados aliados ou socii, termo do qual derivou a palavra scio.

    Os romanos chamavam este treinamento de tirocinium militae.

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    os homens que tinham terras para defender. As legies s no eram recrutadas nos anos em que Roma no estava envolvida em nenhuma campanha militar, o que era raro no perodo republicano.

    Figura 1.2 Revelo representando legionrios romanos. Fonte: .

    As guerras adquiriram um papel ainda mais importante como meio de resoluo dos problemas sociais internos, na medida em que elas ampliavam o territrio romano. A questo da manuteno da unidade de governo e administrao era das mais difceis, principalmente nas regies mais afastadas, a milhares de quilmetros. Era necessrio construir e manter estradas para que o exrcito e os funcionrios alcanassem os lugares mais distantes e para que os impostos pagos chegassem a Roma. Para assegurar a ordem entre os conquistados, Roma tinha de manter postos avanados e acampamentos militares espalhados pelo territrio imperial. Era preciso alimentar e armar os soldados onde eles estivessem, assim como era necessrio fazer chegar ordens de Roma s tropas e governos mais distantes.Mesmo com todas as dificuldades de transporte e comunicaes da poca, o Imprio se manteve unido por um perodo bastante longo. Para controlar tantos povos diferentes, dominar to grande territrio, cobrar impostos, reprimir revoltas e guardar fronteiras, os romanos contavam com armas, navios, escravos e centenas de funcionrios. Contudo, para uma imensa populao, de at cinquenta milhes de habitantes deste territrio, a estimativa para o exrcito de apenas, no mximo, 390 mil homens, e a burocracia imperial tambm nunca foi muito grande, o que demonstra a importncia das elites locais para a manuteno do Imprio.

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    A capacidade administrativa dos romanos em seu Imprio deve ser lembrada com destaque. Nos primeiros sculos, ainda da Itlia, os romanos estabeleciam tratados com diversos povos e assentavam cidados romanos em colnias. Quando, a partir do final do sculo III a.C., conquistaram terras fora da Itlia, criaram-se provncias. Cada provncia tinha uma capital, onde o governador era assistido tambm por um conselho provincial, formado pela elite local e funcionrios. Na base estavam as cidades, cada uma com grande autonomia na gesto de seus assuntos, com constituio prpria, cmaras municipais (ordo decurionum) e magistrados locais (duunviros). Desse modo, podemos perceber a importncia das elites locais para a manuteno do Imprio Romano. A organizao institucional da res publica, que voc conheceu na aula anterior, no permitia a presena constante de oficiais romanos em provncias que se tornavam cada vez mais distantes em relao a Roma. Por meio da cooptao das elites locais, pela concesso da cidadania, pelas redes de amicitia, por tratados, alianas e outros meios, Roma conseguia manter tais elites fiis a si, mantendo as provncias vinculadas ao Imprio. A aristocracia senatorial romana conseguia, assim, controlar o imenso corpus territorial romano, fortalecendo-se ainda mais. Mas, se a aristocracia romana vivia um momento de grande poder e riqueza, as coisas no andavam bem para a populao mais pobre da Itlia e da prpria urbs. As guerras muito longas, em locais distantes, por exemplo, tornavam cada vez mais difcil a participao dos camponeses romanos na infantaria. Desse modo, a urbs teve de se deparar com novos problemas, especialmente vinculados, por um lado, manuteno desse Imprio e, por outro, s questes trazidas por seu prprio enriquecimento. A sociedade romana comeou a se transformar rapidamente. As guerras comeam a gerar grandes lucros, em especial por meio da captura e venda de inimigos como escravos, que passaram a ser utilizados como mo-de-obra em larga escala, nas villae, as propriedades rurais aristocrticas, as quais passaram a produzir em escala industrial vinho e azeite especialmente; e nos latifundia, nome latino para as imensas propriedades fundirias que foram criadas aps as conquistas

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    romanas, estabelecidas especialmente na Siclia, uma regio propcia para o cultivo em larga escala de trigo. Vamos ver de que maneira os problemas sociais internos de Roma foram sendo resolvidos com as intervenes da guerra?As terras conquistadas significavam a ocupao e a explorao econmica das zonas anexadas. O fato mais importante que as guerras conquistadas se tornaram fundamentais para toda a sociedade romana. Muito cedo, os romanos perceberam que elas eram tambm um empreendimento lucrativo: traziam a riqueza do saque para os soldados e seus comandantes. Mas no s os militares eram beneficiados com as guerras: os cidados mais pobres tambm o eram, com a aquisio de terrenos nas reas conquistadas, tanto nas vizinhanas de Roma como nas colnias romanas ou latinas recm-fundadas. Alm disso, os combates proporcionavam a glria militar, o que era de interesse da aristocracia dirigente, a qual, assim, afirmava sua superioridade e garantia as magistraturas para seus membros, e estes se tornavam famosos na urbs.

    A expanso era, ento, de interesse geral, j que o xito militar permitia a soluo de vrios problemas romanos custa dos vencidos.

    A hegemonia romana na pennsula foi facilitada pelos estabelecimentos feitos nas colnias. O recurso colonizao criou uma camada de camponeses leais a Roma por quase toda a Itlia. A partir da fundao de stia, na metade do sculo IV a.C., foram criadas ao longo da costa itlica diversas guarnies romanas, como Anzio, Terracina e Minturno, entre 338 e 283 a.C. Com o passar do tempo, vrias fundaes seguiram-se a essas.

    As colnias eram as cidades fundadas nos territrios conquistados e anexados por Roma.

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    Figura 1.3 Rua de stia. Fonte: .

    Nessas colnias, que tinham originalmente um objetivo militar, os cidados romanos receberam pequenos lotes de terra e conservaram sua cidadania. Tambm foram criadas colnias latinas, nas quais eram instalados contingentes maiores de pessoas. Essas eram formadas por latinos, ou seja, no romanos, que recebiam lotes maiores de terra sem, entretanto, tornarem-se cidados com plenos direitos, pois no podiam votar nas assembleias.

    O imprio Romano foi, ento, a herana de uma expanso territorial que durou muitos sculos. Nos primeiros sculos de sua histria, Roma entrou em vrios conflitos no Lcio, dominou povos vizinhos ou fez alianas com eles, expandindo-se primeiro em direo ao Lcio e, depois, itlia central, meridional e setentrional.

    Os povos conquistados recebiam um tratamento muito diversificado, segundo sua posio em relao ao poder romano. Os que se aliassem, recebiam direitos totais ou parciais de cidadania, enquanto os derrotados que no cedessem eram subjugados; vrios foram vendidos como escravos ou submetidos a tratados muito desiguais que faziam chegar a Roma muitas riquezas, na forma de escravos, impostos e tributos. Como explicar o sucesso desta conquista histrica em to poucas pginas?

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    Esta uma tarefa impossvel! Ento, vamos apresentar apenas algumas observaes sobre o tema. Roma, talvez por ter-se originado de uma unio de povos, parecia saber conviver com as diferenas e adotava solues engenhosas para evitar a oposio e cooptar possveis inimigos, como a da incluso dos membros das elites dos povos aliados na rbita romana, concedendo a eles cidadania romana. Assim, havia povos que se aliavam aos romanos e tornavam-se seus amigos, enquanto outros lutavam e, ao perderem, eram submetidos ao jugo romano. Na prtica, a aliana com Roma significava o fornecimento de foras militares, como tambm a aceitao da hegemonia poltica romana, mas existia um grau varivel de integrao com o Estado romano. Os que se opunham a esta dinmica de poder eram massacrados ou escravizados; suas terras eram tomadas e divididas entre os romanos e seus aliados. Este mtodo, at ento indito, de tratar diferencialmente os povos vencidos era muito eficaz e favorecia o domnio romano, pois dificultava a unio dos derrotados e as revoltas contra Roma. Alguns povos aliados recebiam plenos direitos de cidadania, incluindo o direito ao voto. Outros recebiam apenas o direito latino limitado , que exclua a possibilidade de votar. Com outros povos, ainda, Roma estabelecia alianas que lhes permitiam manter seus prprios magistrados e leis tradicionais, submetendo-os, porm, tutela romana e exigindo que fornecessem regularmente as tropas auxiliares, quando requisitadas. Com o intuito de prevenir revoltas, Roma construiu estradas por toda a Itlia, as quais permitiam o deslocamento rpido das tropas e fundou numerosas colnias sobre o territrio dos povos aliados, alm de garantir, com a sua rede de estradas, a comunicao entre a urbs e suas provncias.

    Figura 1.4 Estrada romana de Setbal (Portugal). Fonte: .

    Estas eram tambm chamadas de tropas auxiliares.

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    Aps controlar toda a pennsula itlica, Roma entrou em contato direto com Cartago, uma superpotncia do Mediterrneo antigo, situada no norte da frica e fundada pelos fencios em 814 a.C. As cidades do Mediterrneo ocidental, sem exceo, reconheciam a supremacia cartaginesa, mas a rapidez da expanso romana funcionou como um alerta para Cartago, pois significava o surgimento de uma possvel ameaa sua zona de domnio comercial.

    Figura 1.5 Imprio Cartagins poca das Guerras Pnicas. Fonte: .

    Mesmo com a conquista constante de novos territrios, o mpeto expansionista romano no tinha diminudo. Os enfrentamentos entre as poderosas cidades de Roma e Cartago iniciaram na Siclia, ilha situada entre estas cidades, que era rica o suficiente para despertar o interesse da aristocracia fundiria romana. Isto ocorreu no incio da I Guerra Pnica (264-241 a.C.). Ao longo desta guerra, Roma, que jamais enfrentara um combate naval, precisou construir uma frota para proteger sua costa e bloquear os estabelecimentos cartagineses na Siclia, e conseguiu destruir uma grande frota pnica nas ilhas Egates, levando Cartago a aceitar um tratado de paz. Os vencidos desocuparam a Siclia e aceitaram pagar em dez (10) anos uma pesada indenizao. Valendo-se das dificuldades de Cartago, Roma aproveitou para ocupar a Sardenha. Este foi o incio da expanso territorial romana fora da pennsula itlica.

    Vale a pena observar que o termo pnico refere-se a Cartago. Os romanos chamavam aos cartagineses de poeni (fencios, em latim), nome do qual derivou o vocbulo pnico.

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    Figura 1.6 Relevo com imagem de navio de guerra romano. Fonte: .

    Assim, aps a i Guerra Pnica, Roma tornara-se tambm uma potncia martima: com a conquista da Siclia (241 a.C.), da Sardenha e da Crsega (237 a. C), pde organizar estas ilhas como as primeiras provncias romanas e expandir-se pelo Mar Mediterrneo.

    Aps o fracasso contra Roma, o general cartagins Amlcar Barca defendeu um projeto de expanso fora da frica. Veteranos e mercenrios de Cartago desembarcaram na pennsula ibrica, conquistando territrios que correspondem atual Andaluzia, a partir de Gades. A existncia de minas nessa regio permitiu a Cartago a cunhagem de moedas com maior teor de prata, restabelecendo as perdas que tivera com sua derrota. Em 218 a.C., Anbal, filho de Amlcar, retomou a guerra contra Roma. Partindo da pennsula ibrica, invadiu a pennsula itlica pelo noroeste, tendo que atravessar os Alpes. A operao levou cinco (5) meses, causando a perda de parte dos efetivos no caminho. Tornou-se um mito esta travessia de Anbal pelos Alpes com seu exrcito, que inclua temveis elefantes, verdadeiros tanques de guerra. Os romanos, que nunca tinham visto um elefante, ficaram apavorados. Anbal ainda tinha a esperana de que muitos dos aliados dos romanos os abandonassem, o que enfraqueceria seu poder.Os romanos foram surpreendidos pela chegada dos cartagineses procedentes do norte, estes mesmos que atravessaram os Alpes, sendo obrigados a defender o Vale do P, e sofreram uma grave

    Aproveite esta fonte para visualizar a localizao de Roma no mapa, assim como os territrios ao seu redor.

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    derrota no lago Trasmene. Anbal, ento, se dirigiu para a Itlia meridional, e Quinto Fbio, nomeado ditador para fazer frente situao, optou pela ttica de evitar batalhas campais, dada a fora blica dos cartagineses. Seguiu-se uma guerra de devastao de ambas as partes. Decididos a enfrentar Anbal em batalha, os romanos sofreram outra derrota em Cannae (216 a.C.), perdendo 80 mil homens, um cnsul e numerosos senadores. Vrios aliados de Roma passaram para o lado de Anbal, que se instalou em Cpua.A partir de 215 a.C., seguiu-se uma guerra de desgaste, na qual Roma chegou a recrutar 25 legies. A urbs conseguiu resistir devido a vrios fatores. Vejamos quais foram alguns deles:

    suas muralhas; sua frota; e a fidelidade dos aliados da Itlia central e de suas colnias.

    S em 211 a.C., Roma conseguiu tomar Cpua e Siracusa. Em 209 a.C., recuperou Tarento e Cartagena, com seus arsenais e minas de prata. Finalmente, o general Pblio Cornlio Cipio convenceu os romanos a invadir a frica, o que foi um golpe de mestre, pois Anbal foi chamado de volta para defender a sua cidade, abandonando a pennsula itlica.

    Derrotados em Zama, perto de Cartago, os cartagineses aceitaram a paz em 201 a.C.: entregaram sua frota, abandonaram todas as suas possesses fora da frica e se comprometeram a pagar outra pesada indenizao de guerra.

    Com isso, Roma adquiriu territrios na Hispnia e anexou Siracusa, na Siclia. Tambm castigou duramente os aliados que passaram para o lado de Anbal:

    confiscou suas terras; a elite dirigente foi sumariamente executada; exigiu multas pesadas; instalou guarnies militares e destruiu suas muralhas.

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    Em Roma, a ideia de expanso j tinha conquistado senadores e cidados. Os aristocratas no queriam renunciar a novas oportunidades de glria e de butim e os negociantes itlicos e fornecedores do exrcito queriam novas chances de comrcio; o povo, por sua vez, tinha esperanas de conquistar mais terras. A urbs, ento, comeou a ter interesses econmicos no Oriente.No decorrer do sculo II a.C., as legies romanas submeteram a Macednia (171-168 a.C.), destruram Cartago no final da III Guerra Pnica (149-146 a.C.), submeteram a maior parte da pennsula ibrica e ocuparam a Grcia em 146 a.C., numa expanso cada vez mais vertiginosa. Os territrios ocupados foram anexados ao Estado romano e organizados em forma de novas provncias: a Hispnia, em 197 a.C., a Macednia, em 148 a.C., a frica, em 146 a.C. e a provncia da sia (antigo reino de Prgamo), em 133 a.C.As consequncias dessa expanso foram imensas, pois esses territrios, que continham populaes e cidades variadas e antigas, compreendiam reas de produo agrcola muito desenvolvidas e dispunham de jazidas de matrias-primas, como as minas de prata da Hispnia. Tambm forneceram uma grande quantidade de prisioneiros de guerra escravizados e de provinciais desprovidos de direitos e submetidos explorao. Abriram-se novos mercados aos negociantes itlicos para as atividades comerciais e empresariais, sem qualquer tipo de concorrncia.

    Vemos ento que, ao fim de apenas meio sculo, Roma transformara-se numa potncia mediterrnea e adquirira um imprio territorial. Os romanos podiam, ento, chamar o Mediterrneo de mare nostrum: nosso mar.

    A partir da, Roma sustentou um impressionante afluxo de riquezas, principalmente sob forma de dinheiro e escravos provenientes do saque das guerras e da explorao das suas provncias. Esta situao permitiu que o senado, em 167 a.C., isentasse os cidados romanos do tributum, o imposto direito que recaa sobre eles. Os territrios conquistados pagavam impostos urbs, que enriquecia cada vez mais. Alm disso, as aduanas estabelecidas em vrios locais, como stia, Cpua, Puteoli, entre

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    outras, assim como a explorao de minas de prata, asseguravam rendimentos regulares ao tesouro. 1.3 Terceira FaseUm novo perodo se inicia com o principado e a pax augusta. A guerra muda de sentido mais uma vez, para se tornar uma atividade perifrica, apropriada para manter a integridade territorial e o funcionamento do imperium. Aos poucos, a expanso conquistadora deu lugar a uma concepo defensiva de guerra: tratava-se de assegurar a estabilidade das fronteiras e garantir a segurana interna.

    O papel da guerra, nesta terceira fase, deixou de ser o de instrumento de uma poltica imperialista para se tornar o instrumento de diferenciao entre o mundo romano e o mundo exterior. Esta mutao foi to importante quanto as duas primeiras para a histria de Roma e de seu imprio.

    Desde o perodo republicano, Roma dera incio sua expanso territorial, em primeiro lugar, na pennsula itlica. Nos sculos III e II a.C., aps trs guerras contra os cartagineses (as guerras pnicas), motivadas pela rivalidade entre os dois povos em relao ao comrcio e navegao no Mediterrneo, Roma conquistou a Siclia, o norte da frica, a pennsula ibrica e os reinos helensticos. No sculo I a.C., foram conquistados os territrios da sia Menor, o Egito e a Glia. O alcance geogrfico do domnio romano ainda hoje chama a ateno, pois nunca houve imprio territorial to grande e integrado como o romano. O Imprio Romano englobava milhes de pessoas. Mas como ser que os romanos asseguraram a hegemonia necessria para manter unida to vasta extenso territorial?

    Denominado aerarium para os romanos.

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    Figura 1.7 Imprio Romano em 117 d.C. Fonte: .

    Observando o enorme espao geogrfico que o domnio romano alcanou, em seu apogeu, no sculo II d.C., percebemos que muitos povos diferentes foram englobados no Imprio:

    hebreus, no Oriente Mdio; bretes, na atual Inglaterra; gauleses, habitantes das Glias, que correspondiam ao territrio da Frana;

    egpcios; gregos e muitos outros povos.

    Alguns desses povos foram submetidos aos romanos, enquanto outros eram incorporados ao Imprio, devendo apenas pagar tributos. Segundo Pierre Grimal:

    Muitos se tm interrogado sobre os motivos que tero levado os romanos a reunir assim, no seu imperium, povos to diferentes, cuja diversidade tornava difceis de administrar e que no podiam ser includos num quadro jurdico nico, aplicvel a todos. Vrios motivos desempenharam, com certeza, um papel, para alm do

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    puro e simples instinto de dominao. Em primeiro lugar, aquilo a que podemos chamar um medo obsessivo. O Lcio, canto de dimenses restritas na Itlia central, tinha de garantir a sua segurana frente a populaes diversas, vindas dos Apeninos ou da Etrria [...]. Quando j no se trata mais da Itlia, mas de um quadro mais vasto, permanece o mesmo sentimento [...]. Tal sentimento justificava-se sempre que o inimigo fosse um brbaro, afastado, na maneira de viver, dos princpios e dos valores romanos.[...] Mas s poderia aplicar-se aos povos brbaros, essencialmente das provncias ocidentais e, no Oriente, a alguns que o helenismo no abrangera. Nos pases helenizados, pelo contrrio, era Roma que podia fazer figura de brbara [...]. Os Romanos apresentaram-se muito cedo como protetores dos Gregos, o que constitui um primeiro passo para a integrao no imperium, a partir do momento em que a proteo se exprime pela concluso de uma aliana, pela assinatura de um tratado. (GRIMAL, 1999, p. 22-3).

    A questo da manuteno da unidade de governo e administrao era das mais difceis, principalmente nas regies mais afastadas, a milhares de quilmetros. Era necessrio construir e manter estradas para que o exrcito e os funcionrios alcanassem os lugares mais distantes e para que os impostos pagos chegassem a Roma. O estatuto de caput mundi foi, ento, expresso, visual e materialmente, pelo Orbis Terrarum, um famoso mapa elaborado sob o comando de Marco Vipsnio Agripa, heri de guerra romano, genro e amigo ntimo de Augusto. Este mapa um dos exemplos mximos da propaganda imperial romana.Vamos saber um pouco mais sobre como ele foi concebido?Para medir as dimenses do mundo sob as guias romanas, Agripa, brao direito do princeps, convocara os mais destacados sbios de sua poca e lhes fornecera arquivos cheios de coordenadas do territrio que fora acumulado pelas legies imperiais. Os melhores agrimensores do mundo foram enviados para fazer o levantamento de todos os rinces dos domnios de Roma, os capites dos navios imperiais e comerciais foram contatados para elaborar desenhos do relevo de todos os litorais por onde haviam navegado.

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    Em seguida, todos esses dados foram aplicados ao modelo do qual se tinha da Terra: um mundo redondo, cuja terra firma ocupava apenas o hemisfrio norte e era cercada pelo intransponvel Okeans. O mapa foi iniciado aproximadamente no ano 27 a.C., e existem dvidas quanto ao ano de sua inaugurao. H relatos, de acordo com algumas fontes, de que o Orbis Terrarum tenha sido inaugurado em 20 a.C., enquanto outras afirmam que a inaugurao deu-se em 12 a.C., aps a morte de Agripa. O resultado de todo esse esforo foi um mapa de exatido sem precedentes. O Orbis Terrarum foi instalado do lado leste da Via Lata, no Campo de Marte, onde todos os habitantes de Roma e a multido de seus visitantes podiam v-lo com clareza. Mas e o que viam do mundo?Viam que o mundo conhecido, o Orbis Terrarum, tinha um formato redondo e que se aglomerava ao redor do Mediterrneo, um lago romano, o Mare Nostrum. Viam, tambm, a imensido dos domnios: as guias imperiais voavam das Colunas de Hrcules at as sete bocas do Nilo, e bastava olhar para o Mapa de Agripa para comprovar que era assim.

    Figura 1.8 Orbis Terrarum.Fonte: .

    Tambm chamado de invlucro. Representava a ideia do rio do fim do mundo.

    Hoje, Via del Corso.

    (reconstruo posterior a partir de fontes textuais). O Orbis Terrarum estabelecia, de maneira evidente, para todos os cidados do Imprio, o carter sagrado de Roma. Sua posio equidistante entre o centro e o permetro do centro da Terra conferia a Roma, graas s conquistas imperiais, uma nova centralidade. Roma era o novo centro do mundo.

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    Milhares de cpias do Orbis Terrarum foram levadas a todas as grandes cidades do Imprio, como prova visual do poderio romano. A mensagem do mapa era inequvoca: o mundo era romano. Infelizmente, nenhuma cpia chegou at ns. A reconstruo acima se baseia em dados de mapas mundi medievais, que foram copiados, a priori, dos mapas romanos, ao lado de descries textuais de Estrabo, Pompnio Mela e Plnio, o Antigo. Mapas anteriores apresentavam o Nilo como o eixo do cosmos na antiguidade, sendo feso o seu centro. Mas, desde o principado de Augusto, o novo centro do mundo tornou-se Roma, e o Mapa de Agripa explica este novo mundo aos cidados. Concomitante inaugurao do Orbis Terrarum, Augusto disps a pedra fundamental do Miliarum aureum

    Figura 1.9 Soldados romanos construindo uma estrada. Mtopa da Coluna de Trajano. Fonte: .

    Na seguinte seo, a partir de dois estudos de caso, vamos conhecer um pouco mais sobre a guerra na Roma antiga.

    Uma coluna de bronze dourado, que hoje chamaramos de quilmetro zero. Representava o smbolo mximo da centralidade de Roma no Mundo.

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    Seo 2 Aspectos da guerra na Roma antigaRoma era o novo centro do mundo, e este era, segundo a propaganda imperial, o desejo das divindades. Comecemos, ento, pela observao do ritmo sacral da guerra, uma frmula de Jean Bayet (1984, p. 82) que designa a sucesso dos ritos religiosos de abertura e encerramento do ciclo anual da guerra, por meio da qual defendeu a tese de que os rituais de guerra indicavam a vontade de fazer do fenmeno da guerra algo exterior urbs. H. Le Bonniec (1969), por sua vez, estudou o tema de modo sinttico, tratando do ciclo da guerra no interior do calendrio romano. Examinou, tambm, aspectos religiosos de uma campanha militar romana, desde o incio das hostilidades at as cerimnias de ao de graas pela concluso da paz. Por fim, analisou deuses e deusas de vocao guerreira.Os ritos de abertura da guerra eram iniciados com as danas dos sacerdotes slios (salii), em maro (ento, o primeiro ms do ano), com os ancilia (escudos sagrados cados do cu). Os cantos arcaicos dos slios invocavam Marte, Jpiter e Jano. Usavam a vestimenta militar arcaica, com um escudo de tipo micnico e lanas itlicas. Os slios foram identificados em outras cidades (Alba, Lavinium e Tusculum) da Itlia central; trata-se, portanto, de uma instituio itlica. Sua dana principal ocorria em 19 de maro, no festival do Quinquatrus, originalmente, um festival em honra de Marte e, poca de Ccero, de Minerva. (LE BONNIEC, 1969, p.102).

    Figura 1.10 Moeda (as) de Antonino Pio (Roma, ca. 143-44). Fonte: .

    Cabea laureada com legenda anverso: ANTONINVSAVGPIVSPPTRPCOSIII No reverso, dois escudos, ladeados com S e C e legenda: IMPERATORII ANCILIA. Vemos, portanto, a presena de elementos religiosos arcaicos em ao em pleno sculo II d.C.

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    Le Bonniec nos apresentou um quadro instrutivo das principais cerimnias de sacralizao da guerra. Vamos ver quais foram elas?

    A Equirria, uma corrida de cavalos no Campo de Marte, que ocorria nos dias 27 de fevereiro e 14 de maro. O significado destas datas ainda desconhecido. Sua finalidade parece ter sido a de purificar e sacralizar os cavalos.

    O Tubilustrium, a purificao e sacralizao dos trombetas de guerra, que ocorria no dias 23 de maro e 23 de maio. Tambm no se sabe o motivo da duplicidade desta cerimnia.

    O Equos October, no qual o cavalo da direita do carro vencedor da Equirria era sacrificado no altar de Marte, no dia 15 de outubro. Sua cauda era guardada na Regia e a cabea disputada pelos habitantes da Via Sacra e da Suburra. Se os primeiros fossem os vencedores, fixavam a cabea no muro da Regia; se o xito fosse dos segundos, ela era fixada na Torre Mamilia.

    O Armilustrium, a purificao das armas, que ocorria no dia 19 de outubro. Os slios danavam novamente, para purificar as armas do sangue derramado, antes de serem admitidas no recinto sagrado da urbs.

    A guerra em Roma era, ento, sacralizada por rituais do antigo calendrio de festivais. Como vimos, em maro havia uma srie de rituais inter-relacionados, a maioria em honra do deus Marte a partir do qual o ms foi nomeado , que correspondiam, em outubro, a outros rituais. Em ambos os momentos, o papel principal dos ritos era reservado ao colgio dos slios. (Dionsio, II, 70, 1-5).Segundo J. Bayet (1984), os clebres festivais guerreiros dos meses de maro e de outubro no tinham somente o fito de delimitar, pelos ritos de abertura e encerramento, a estao das guerras, mas tambm a inteno de separar do conjunto do corpo social e de suas atividades o guerreiro e a sua funo particular. Para dar e enfrentar a morte sem escrpulos nem hesitao, o

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    combatente tinha a necessidade de se encontrar num tipo de estado de delrio, que a lngua latina qualificava com os termos furor e ferox; mas evidente que este tipo de transe necessrio ao combate podia trazer efeitos desastrosos se subsistisse no interior da cidade. Em maro, os cantos e as danas dos slios, e a procisso dos ancilia, procuravam fazer nascer no corao dos soldados que partiam ao encontro dos inimigos o furor necessrio ao bom sucesso de sua empresa. Em outubro, quando a estao de guerra era fechada e os combatentes voltavam para casa, era necessrio livr-los das foras sobre-humanas que lhes haviam religiosamente inspirado seis meses antes; era necessrio reintegr-los vida normal da cidade, devolver-lhes o estado de quirites, de cidados da massa pacfica da urbs. J. Bayet chamou a ateno para o lao que havia entre o antigo ritmo sacral da guerra e a passagem anual, para certo nmero de cidados, do estado de quirites (cidado) ao de miles (soldado), e vice-versa. Deste modo, convm observar que, por mais arcaicos que fossem, os rituais guerreiros de maro e de outubro continuavam a manter sua significao no final da Repblica, at mesmo sob o Principado. Tornados progressivamente desatualizados enquanto definidores de uma estao de guerra, estes rituais conservavam, todavia, o valor essencial de separar religiosamente as atividades guerreiras do resto das atividades sociais. As hostilidades iniciavam com a interveno dos sacerdotes fetiales e com a abertura das portas do templo de Jano. Le Bonniec (1969, p.103 ss) delineia a cerimnia do templo de Jano, segundo a descrio de Virglio (En. VII, 601 ss) e T. Lvio (I,19), assim como seus ritos correspondentes: o ritual do sacramentum, o juramento, do lustratio exercitus e do castramentatio (do acampamento militar), pelos quais o campo de guerra se tornava um templum. Estes seguiam o rito de fundao de cidades e colnias, um ramo da arte augural exaustivamente estudado por Bouch-Leclercq (1931,p.281ss). A conduo das operaes tambm era plena de ritos e frmulas.

    Representa um espao consagrado.

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    Vejamos alguns exemplos: a evocatio. Esta a frmula pela qual o deus do inimigo era convidado a passar s fileiras romanas, em troca de honras e templos em Roma;

    o votum. Seriam as promessas solenes. Do mesmo modo, as seguintes frmulas e ritos de consagrao que ocorriam aps o encerramento das hostilidades:

    as supplicationes. Estes seriam sacrifcios solenes de agradecimento aos deuses;

    o triumpho. A honra mxima reservada aos imperatores. Em todos esses casos, estamos diante de rituais que garantiam o carter sagrado das aes dos generais e de seus exrcitos.

    Figura 1.11 Soldados romanos. Mtopa da Coluna Trajana. Fonte: .

    O exrcito sempre foi um elemento central para o domnio romano. Uma das provas disso a maneira como Virglio, na Eneida, expressa o lema romano: Parcere subiectis et debellare superbos (En. VI, 851-3). A funo do exrcito, para alm de defender Roma de ataques externos ao Imprio, consistia em reprimir a dissidncia interna, pois sua presena era fundamental para a garantia do poder romano no interior das fronteiras. Como vimos, o exrcito tornou-se um mosaico de povos com o

    Esta expresso significa: poupar os que se submetem e debelar os que resistem.

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    passar do tempo, usando o latim e adotando, em grande parte, comportamentos romanos.

    Existem vrias comprovaes nas prticas sociais e polticas romanas que apontam para uma ntima relao entre a guerra e a religio em Roma. Por exemplo: o costume de reunir os comitia centuriata, ou seja, a assembleia do povo em armas, fora do pomerium, no Campo de Marte. Alis, o espao sagrado de Roma, o pomerium, marcou sempre uma rigorosa fronteira que mantinha as atividades guerreiras fora da urbs.

    Nenhum cidado podia se tornar miles no interior da urbs. Os exrcitos conduzidos pelos cnsules se reuniam, ao partir em campanha, no exterior do muro sagrado, e um general s era autorizado a entrar na urbs frente de suas tropas na cerimnia do triunfo. Esta prtica era to arraigada na mentalidade romana que, com o desenvolvimento e a organizao das conquistas, o interdito foi estendido para os promagistrados, s fronteiras dos territrios provinciais. Conhecemos o famoso episdio da travessia do Rubico por Csar, e os desenvolvimentos polticos e literrios do caso. A deciso do procnsul da Glia de sair de sua provncia e passar Itlia, frente de um exrcito, constitua um ato de insubordinao, radicalmente contrrio s leis sagradas da cidade, e Csar teve de imaginar um dramtico debate de conscincia, que s pde ser resolvido por uma interveno divina. Sem esta justificativa, Csar no contaria sequer com o apoio de seus soldados (Csar. BG, I). Em meados do sculo I a.C., portanto, Roma continuava a crer que a guerra era um fenmeno exterior cidade e que devia ser regida pelo direito sagrado. Um fenmeno exterior, certamente, mas no independente. Mantendo a guerra numa distncia respeitosa, por um conjunto de prticas religiosas e sociais, Roma se preocupava em integr-la a sua vida.

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    O rito de abertura do templo de Jano em caso de guerra , mesmo que ainda obscuro para ns, um bom exemplo disso: era necessrio manter religiosamente aberto o caminho de retorno para os cidados em armas. Do mesmo modo, a tomada dos auspcios pelos generais em campanha e os votos que pronunciavam no campo de batalha no interessam somente s divindades ligadas explicitamente guerra, mas ao conjunto dos deuses da cidade.

    Deste modo, a mesma religio que separava o combatente do resto do corpo social criava um lao entre ele e a cidade, ao lhe garantir um espao prprio sua atividade e um retorno seguro, alm do apoio de toda a coletividade. Roma, portanto, engajava a totalidade de suas foras sociais e religiosas na guerra.

    Seo 3 Estudos de caso: o direito fecial e os Comentrios da Guerra das Glias

    Cremos que a guerra um objeto de estudo per se, e esta seo tem, ento, o objetivo de trazer alguns elementos para o estudo da guerra em Roma, a partir de elementos do ius fetiale e da observao do texto cesariano sobre as Guerras das Glias. Buscaremos relacionar o direito, a religio, a poltica e o fenmeno da guerra em Roma. Sabemos que estes temas so muito vastos e que, dados os limites desta disciplina, algumas questes importantes no sero tratadas, mas somente entrevistas. Nossa inteno , contudo, estimular novas pesquisas, e no oferecer uma anlise exaustiva e cabal sobre esta relao temtica. Ento, vamos l?

    3.1 - ius fetialeNa Roma antiga, a ideia de religio era muito distinta da viso ocidental moderna da experincia religiosa. As interpretaes mais recentes do papel e da natureza dos rituais apoiam a

    O direito fecial.

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    tese de que eles ocupavam um papel central na cultura e no funcionamento da sociedade (SCHEID, 1993). Como pode ser facilmente demonstrado que os romanos levavam seus rituais com extrema seriedade e que tinham uma relativa tradio de refletir sobre eles, verossmil pensar que podemos fundamentar nosso conhecimento sobre sua religio com base na documentao disponvel.

    Por outro lado, os rituais so, ou, pelo menos, para os romanos eram, por sua prpria natureza, invenes no individuais; eram concebidos como repeties infinitas do ciclo dos tempos ou de eventos que se repetiam; por isso que, quando mudavam, a mudana devia ser suavemente conduzida e, mesmo, velada (BEARD & NORTH, 1990).

    Tito Lvio nos apresenta, em seu Ab urbe condita, I, 32, o ritual que iniciava a guerra na Roma arcaica, cuja criao atribua ao lendrio rei Numa. Seu relato nos permite entrever alguns elementos do principal ritual deste grupo de sacerdotes: uma delegao de fetiales, conduzida pelo pater patratus e acompanhada por um condutor da erva sagrada a verbena colhida na Arx, demanda ao inimigo a reparao de um dano. Ao fim de trinta (30) ou trinta e trs (33) dias, em no havendo a satisfao, o pater patratus retornava fronteira, acompanhado pelo verbenarius, e lanava um longo dardo no territrio inimigo, pronunciando a frmula da declarao de guerra. Percebemos, com clareza, que este ritual de guerra, composto por ritos e frmulas jurdico-religiosas arcaicas, mobilizava as potncias divinas a servio da urbs. Segundo Beard, North & Price:

    Os reis que se seguiram a Numa tambm contriburam apesar de em um modo menos dramtico para as tradies religiosas romanas. Os rituais dos sacerdotes fetiales, por exemplo, que acompanhavam o estabelecimento de tratados e as declaraes de guerra, (parte destes envolviam um sacerdote indo s fronteiras do territrio inimigo e cravando uma lana sagrada nele) j so citados no perodo dos reis (1998, p.3).

    Este grupo, tambm denominado de fetiales, compunha um colgio sacerdotal de vinte membros, encarregado dos ritos de declarao de guerra e paz.

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    Certamente, a expanso do imperium de Roma trouxe a necessidade de adaptaes das tradies e dos rituais religiosos durante a Repblica. Vrios rituais de guerra, por exemplo, no eram mais apropriados, ou eram mesmo impossveis de serem realizados, pois a guerra no mais se restringia vizinhana de Roma. Um dos exemplos mais significativos da necessidade de adaptaes o prprio ritual da declarao de guerra dos fetiales. O costume dos sacerdotes procederem a um ritual na fronteira entre o territrio romano e o inimigo, cravando-lhe a lana na terra como um marco simblico do incio das hostilidades, tornou-se, na prtica, impossvel de ser realizado. No era vivel transportar sacerdotes ao local das hostilidades, pois isso demandaria, por vezes, meses. Mas, as inovaes sempre estiveram presentes na religio romana, e o ritual ganhou uma nova forma. Um pedao de terra na urbs, perto do templo de Bellona, deusa da guerra, foi designado, por lei, terra inimiga, e era ali que os fetiales passaram a realizar seu ritual. Desse modo, quando a extenso do territrio romano tornou impossvel a realizao dos rituais, recorreu-se a uma fico legal: o pater patratus lanava seu dardo num terreno destinado juridicamente a representar o territrio inimigo. Do mesmo modo, os ritos de concluso de um tratado de paz eram da responsabilidade deste colgio. Neste local, tornado terra estrangeira, o pater patratus imolava um porco com seu lapide silice, invocando Jpiter e Fides como garantia do tratado. (LE BONNIEC, 1969, p.110). Desse modo, por um expediente legal, o ritual pde continuar a ser realizado. (RPKE, 2007, p. 105-7).

    Citemos um exemplo dado por Ccero: durante as guerras romanas na Hispnia, houve dificuldades para as legies romanas. Hostlio Mancino, cnsul de 137 a.C., fez um tratado privado com os numantinos, aps sofrer uma grave derrota. O Senado, contudo, no endossou seu tratado. De acordo com antigos precedentes, a recusa do tratado era acompanhada pela entrega do comandante ao inimigo. Mancino foi, ento, enviado aos numantinos, nu e amarrado, pelos fetiales (CCERO, De Off. iii,109). Os numantinos teriam se recusado a receb-lo, mas o tratado continuou a ser considerado invlido pelo Senado. (CRAWFORD, 1973; ROSENSTEiN, 1990, p. 136-7, 148-50). Este incidente per se pode no provar muito coisa. Contudo um indcio de que havia a manuteno dos ritos fetiales na Repblica tardia.

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    Figura 1.12 Aureus de C. Antistium Reginus (ca. 13 a.C.). Percebemos que o ius fetiale fundado basicamente sobre o juramento, um ato regido pela deusa Fides, personificao divinizada da Boa-F ou Confiana. A deusa e a ideia de Fides so centrais na urbs e foram objeto de vrios e importantes estudos no sculo XX. Historiadores da antiguidade e estudiosos do fenmeno religioso, como M. Piganiol (1950), M. Dumzil (1970) e P. Boyanc (1962), formam alguns dos que analisaram esta noo.

    Jacques Heurgon (1969) nos chama a ateno, por exemplo, para a presena, na concluso do foedus, dos sagmina do pater patratus e, em 1999, L. Cappelletti, tendo como base a ligao etimolgica entre fides-foedus-fetiales, estudou minuciosamente cerimnias de foedera, a partir da anlise de moedas itlicas dos anos 90 a.C (CAPPELLETTi, 1999, p. 85-92). Sua anlise das moedas referenda a interveno central dos fetiales na concluso dos tratados e a importncia do juramento nessas ocasies.

    Os textos tardios que nos apresentam a centralidade da fides para os romanos so o De Officiis, de Ccero, e o Ab urbe condita, de T. Lvio. Dea Fides era a personificao divina da boa-f que devia presidir aos foedera entre povos e s transaes privadas entre os cidados romanos. A observncia da f jurada era uma virtude qual os romanos eram particularmente sensveis, e que simbolizavam em heris que foram imolados em nome da fides,

    Um distintivo tranado com verbena.

    No reverso, dois fetiales realizam um sacrifcio sobre um altar, na concluso de um foedus. Outro indcio, portanto, da manuteno dos ritos fetiales (RIC 411): Monograma: C Antist Regin Foedus P R Qum Gabinis. [Naville Ginevra, 3 (16. 6. 1922) = Evans, n. 21]

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    como Rgulo, que retornou a Cartago, sabendo que seria torturado e morto, a fim de manter seu juramento. (De Off. III, 197). Trata-se, ento, de uma antiga divindade que engajava pelo juramento. A introduo de seu culto em Roma atribuda a Numa e, de fato, seus ritos so visivelmente arcaicos. A deusa garantia, ento, pelo juramento, os foedera concludos entre Roma e outras cidades e povos, e no parece ter se restringido ao domnio jurdico, mas a todo o domnio moral, vinculada a outros valores igualmente morais como Concordia, Virtus, Pietas, Iustitia, tambm divinizados.

    Segundo J. Hellegouarch (1972, s.v. fides), o foedus era um substantivo derivado de fides, designando um pacto concludo entre duas pessoas ou dois grupos humanos, que se ligavam pela fides, referindo-se a acordos obtidos por Roma aps uma deditio (T. Lvio, 34, 57), ou acordos voluntrios, independentemente da natureza do acordo (pax, amicitia, societas). Tratava-se de um pacto ritual, de natureza religiosa, entre duas partes, e os fetiales eram os seus executores.

    Figura 1.13 Tetradracma de Bruttium/Locri (ca. 275-270 a.C.). Anverso: cabea laureada de Zeus; reverso: Roma sentada, sendo coroada pela Pistis. Monograma esquerda (Roma); direita (Fides), e no exergo. SNG ANS 531; SNG Lloyd 645.Fonte: .

    Vemos a importncia da Fides. A cidade grega, aps a Batalha de Benevento, capitulara e celebrara um tratado com Roma in fidem uenerat. A imagem tinha, certamente, a inteno de garantir a paz e a benevolncia do vencedor, reafirmando a fora moral dos foedera.

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    A antiguidade da Fides atestada pelo arcasmo do ius fetiale. Os estudiosos concordam que, desde a poca monrquica, Roma elaborara um cdigo diplomtico preciso, fundamentado na religio, em seu sentido de constrangimento, e nas garantias dos foedera, criando a noo de bellum iustum. Era, ento, declarada segundo as formulae dos fetiales. A. Magdelain (1990, p.196ss) mostrou que o ius fetiale se baseava no direito civil arcaico, no qual se concediam trinta (30) dias para que o infrator reparasse os danos cometidos vtima, ou seja, uma conditio que, segundo T. Lvio (I, 32, 11) foi criada em torno do sculo V a.C., entre as diversas cidades da Liga Latina, e que Roma estendera s suas relaes com outros povos. No caso da Liga Latina, seriam trinta (30) dias de conditio, havendo existncia de um tratado prvio, e trinta e trs (33) dias, na falta do mesmo. Como Ccero nos diz:

    Em relao guerra, leis humanas foram elaboradas no ius fetiale do povo romano sob todas as garantias da religio; e pode-se concluir que nenhuma guerra justa, a menos que conduzida aps a realizao de uma demanda oficial de reparao, uma advertncia e uma declarao formal. (De Off. I, 36).

    Ccero afirmou reiteradas vezes que a guerra, quando necessria, deveria ser justa, como no tratado De Re Publica, III, 34, associando a guerra romana ideia de defesa das agresses, de legtima defesa ou, at mesmo, proteo de seus aliados, quando ameaados. E, no tratado De Legibus, III, indica que a guerra justa devia ser eminentemente defensiva, declarando que um general no podia iniciar uma guerra sem estar devidamente autorizado e investido pelo povo romano e que a mesma devia ser declarada e conduzida segundo o ius fetiale. Tal declarao se liga ao exemplo do cnsul Hostlio Mancino, relatado no De Officiis, III.

    Por mais que se verifique que esta defesa era, ou tornou-se, demasiadamente ofensiva, havia, contudo, um direito de guerra. A guerra era, ento, regida e codificada pelo ius fetiale. (De Off. i, 36).

    Denominao guerra justa, ou seja, aquela que reparava uma violao do direito, caso no fossem atendidos os pedidos de reparao.

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    Certamente, as aes guerreiras romanas ultrapassaram e violaram, em muitas ocasies, as regras estritas do ius fetiale, como exposto por Ccero no De Officiis e alhures. Ainda assim, senadores continuaram a compor os quatro maiores colgios sacerdotais no chamado perodo imperial, agora por indicao do princeps, mesmo no caso dos fetiales, cujo ritual atestado sob Marco Aurlio, por exemplo, ao declarar guerra em 179 d.C. (BEARD, NORTH & PRICE, 1998, p.229). Podemos concluir que este colgio sacerdotal arcaico, os fetiales, situava-se na interseo entre o direito, a religio e a guerra, mesmo aps o principado, pois a atividade religiosa da elite romana manteve-se conectada com os rituais tradicionais ao longo de sculos. Consequentemente, o estudo dos rituais romanos tema de grande interesse para o historiador da antiguidade. Os rituais devem ser vistos sempre em relao s ideias e crenas sobre o passado da urbs, formando um elo entre o passado e o futuro. Dessa forma, podemos pensar que os rituais no somente representavam e definiam a identidade romana, mas, em certo sentido, tambm a constituam enquanto tal.

    3.2 - Poltica e guerra: os Commentarii de Bello GallicoNos Commentarii de Bello Gallico, Caio Jlio Csar relata as campanhas que o tornaram senhor da Glia. O gnero literrio conhecido como commentarii no pode ser defi