28
78 CAPÍTULO 3 – DOLO E SIGNIFICADO. Paulo César Busato Resumo: o artigo trata da superação do modelo de dolo que é utilizado em direito penal. O modelo que busca a afirmação do dolo como realidade ontológica está superado. Porém, isso não significa negar o componente volitivo do dolo, como querem majoritariamente as teses normativas. O dolo, na realidade pode ser identificado e compreendido através de um processo de comunicação. O dolo é, na verdade, o sentido do dolo. O sentido que se atribui a um comportamento e, portanto, está intimamente ligado ao processo de sua própria demonstração que é compreendido a partir da filosofia da linguagem. Palavras chave: Dolo – Direito penal - Filosofia da linguagem aplicada. Introdução. A transformação semiótico-significativa da filosofia afetou todos os campos do conhecimento humano em um ponto comum, a redefinição dos fenômenos mentais, essencialmente cognitivos, através da categoria central da semiótica, o signo, com o que toda atividade mental se redefine como atividade semiótica 1 . A partir disso, se pode falar que, em Direito penal, os elementos subjetivos da teoria do delito estão merecendo uma revisão. Entre eles, desde logo, destaca-se o dolo. Chegou o momento de revisar o dolo como categoria delitiva que esteve sempre ancorada ou em uma pretensão de verdade psicológica intangível ou em um processo de atribuição com graves problemas de legitimação. O problema é que a atribuição da realização de um delito doloso supõe, como regra geral, a imposição de uma pena mais grave ao seu autor do que a realização de um delito imprudente. Ainda assim, se pode afirmar que a imputação de responsabilidade Paulo César Busato é Promotor de Justiça no Ministério Público do Paraná, Professor de Direito Penal e Criminología da Universidade Estadual de Ponta Grossa e da UNIFAE, doutor em Problemas Actuales del Derecho Penal pela Universidad Pablo de Olavide, em Sevilla, Espanha. 1 BELLO, Gabriel. “El agente moral y su transformación semiótica” in: Acción Humana. Coord. de Manuel Ruiz, Barcelona: Ariel, 1996, pp. 184-212.

2- Busato - Dolo e Significado

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 2- Busato - Dolo e Significado

78

CAPÍTULO 3 –

DOLO E SIGNIFICADO.

Paulo César Busato

Resumo: o artigo trata da superação do modelo de dolo que é utilizado em direito penal. O modelo que busca a afirmação do dolo como realidade ontológica está superado. Porém, isso não significa negar o componente volitivo do dolo, como querem majoritariamente as teses normativas. O dolo, na realidade pode ser identificado e compreendido através de um processo de comunicação. O dolo é, na verdade, o sentido do dolo. O sentido que se atribui a um comportamento e, portanto, está intimamente ligado ao processo de sua própria demonstração que é compreendido a partir da filosofia da linguagem. Palavras chave: Dolo – Direito penal - Filosofia da linguagem aplicada.

Introdução.

A transformação semiótico-significativa da filosofia afetou todos os campos

do conhecimento humano em um ponto comum, a redefinição dos fenômenos mentais,

essencialmente cognitivos, através da categoria central da semiótica, o signo, com o que

toda atividade mental se redefine como atividade semiótica1.

A partir disso, se pode falar que, em Direito penal, os elementos subjetivos

da teoria do delito estão merecendo uma revisão. Entre eles, desde logo, destaca-se o dolo.

Chegou o momento de revisar o dolo como categoria delitiva que esteve sempre ancorada

ou em uma pretensão de verdade psicológica intangível ou em um processo de atribuição

com graves problemas de legitimação.

O problema é que a atribuição da realização de um delito doloso supõe,

como regra geral, a imposição de uma pena mais grave ao seu autor do que a realização de

um delito imprudente. Ainda assim, se pode afirmar que a imputação de responsabilidade

Paulo César Busato é Promotor de Justiça no Ministério Público do Paraná, Professor de Direito Penal e Criminología da Universidade Estadual de Ponta Grossa e da UNIFAE, doutor em Problemas Actuales del Derecho Penal pela Universidad Pablo de Olavide, em Sevilla, Espanha. 1 BELLO, Gabriel. “El agente moral y su transformación semiótica” in: Acción Humana. Coord. de Manuel Ruiz,

Barcelona: Ariel, 1996, pp. 184-212.

Page 2: 2- Busato - Dolo e Significado

79

penal sempre estará vinculada à demonstração do dolo ou da imprudência no caso concreto

que se tem em conta2.

É de todos sabido3 que dentro da análise do dolo, a doutrina em geral,

especialmente a alemã, tem trabalhado majoritariamente com uma concepção tripartida

de dolo, apontando a existência do dolo direto, representado pela orientação da conduta

dirigida a um fim almejado, o dolo direto de segundo grau, que identifica e orienta os

efeitos colaterais necessários da conduta do agente4 e o dolo eventual que informa os

efeitos colaterais possíveis, porém incertos, da conduta do sujeito.

No que tange, porém, à fundamentação do dolo a doutrina costuma, de

regra, apresentar as teses distinguindo entre concepções cognitivas (que fundam o dolo tão

somente no conhecimento do resultado) e volitivas (que ao conhecimento acrescentam,

como exigência para a configuração da tipicidade subjetiva mais grave, a vontade)5.

As discussões entre as duas correntes são ácidas e muito detalhadas6, sempre

a partir da busca por um elemento diferenciador (nas concepções tripartidas) ou

aglutinador (nas teorias unitárias) entre o dolo direto e o dolo eventual.

2 Trata-se da afirmação do princípio de culpabilidade em sua expressão de responsabilidade penal subjetiva,

que é nota distintiva do direito penal em face de outras dimensões da antijuridicidade. Veja-se, a respeito do tema, nosso BUSATO, Paulo César e MONTES HUAPAYA, Sandro. Introdução ao direito penal. Fundamentos para um sistema penal democrático. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 3 “Dentro dos aspectos sobre os quais existe unanimidade doutrinária se encontra a relação das diferentes

classes de dolo possíveis. Estas como se sabe, são: Dolo direto de primeiro grau – requer que o autor persiga a realização do resultado, assim, nesta classe de dolo predomina o elemento volitivo. O sujeito quer o resultado produzido ou que tentou realizar. Dolo direto de segundo grau – exige que o autor represente o resultado como conseqüência necessária ou inevitável de sua atividade. Nesta classe de dolo, pois, não se exige a vontade dirigida ao resultado e, porém, ninguém discute o caráter doloso dos fatos cometidos. Dolo eventual – como terceira classe do dolo não se discute, mas as divergências surgem ao determinar seu conceito [...] ou seja, em que elementos terão que concorrer necessariamente para poder qualificar fatos como dolosos”. In CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. “El limite entre dolo e imprudência” in Comentários a la Jurisprudencia Penal del Tribunal Supremo. Barcelona: José Maria Bosch Editor, 1992, pp. 48-49. Ciente ou não da análise tripartida, a doutrina brasileira em geral acomodou-se à denominação legal em que incorreu o Código (art. 18, inciso I – art. 15 do CP de 1940). Assim, os autores vêm repetindo uma idéia de que o Código assumiu uma concepção bipartida do (direto e eventual) associada respectivamente com a teoria da vontade e a teoria do consentimento cujas subdivisões e variantes sequer são mencionadas. Há, no entanto, exceções, como SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 4ª ed., Curitiba-Rio de Janeiro: ICPC-Lumen Juris, 2005, pp. 64 e ss e BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal. Parte Geral. 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 270, que não só apresentam algumas das teorias sobre o dolo, como também a concepção tripartida. 4 Por exemplo, nos casos de atentados terroristas em que além do destinatário do atentado, morrem outras

pessoas, que se encontravam perto, como a morte do motorista do chefe de Estado contra cujo automóvel se dirige o ataque. 5 Para um panorama entre as teorias do dolo, veja-se, por todos, ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte General.

Tomo I. Trad. de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, .Madrid: Civitas, 1997, pp. 430-446.

6 Veja-se, a respeito RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo y su prueba en el proceso penal. Barcelona:

J.M.Bosch Editor, 1999.

Page 3: 2- Busato - Dolo e Significado

80

Mas, a mais importante questão não é saber se a vontade deve ou não ser

acrescentada ao conhecimento, mas quando se poderá dizer que o indivíduo que atuou, o

faz dolosamente, intencionalmente ou conhecendo a possível ou provável provocação do

resultado?

Na praxe forense, o que se pode identificar é que mitos julgamentos e

condenações são impostos a partir de uma constatação de que o sujeito atuou dolosamente,

mas, a discussão sobre os fundamentos nos quais se sustentam tais afirmações sobre o dolo

não mereceram, de parte dos juízes, uma especial atenção. Mas, como é possível afirmar

este dolo no juízo de condenação? Com base em que espécie de considerações se pode

dizer que alguém atuou com conhecimento - e para alguns com vontade - vinculados à

realização do fato delitivo?

Tradicionalmente, se costumava buscar a resposta a esta pergunta no que

são as teorias ontologicistas do dolo, vinculadas ao causalismo ou ao finalismo. De modo

mais recente, aparece também uma tendência a admitir como válida – justamente a partir

das críticas à impossibilidade de demonstração do fenômeno volitivo no âmbito psíquico do

sujeito – a condição de simples atribuição do dolo, em uma perspectiva puramente

normativa7, especialmente nas propostas funcionalistas.

Por um lado, há quem afirme que o dolo é um fenômeno real, algo que

existe no mundo ontológico e que só se pode descrever. Por outra parte, há quem considere

inacessível o dolo como dado real e admita que o dolo é simplesmente algo que se atribui

ao autor de um fato delitivo. De maneira dominante, aqueles autores que afirmam que o

dolo se resume em conhecimento adotam uma postura atributiva-normativa da própria

estruturação geral da teoria do delito, enquanto que aqueles que dotam o sistema de

imputação de uma ancoragem ontológica, também de regra, adicionam a vontade ao

conhecimento como elementos componentes do dolo.

Ocorre que esta regra não é absoluta. É que nem sempre aqueles que

entendem ser o dolo somente conhecimento reconhecem nele somente uma atribuição, mas

pretendem necessária sua demonstração empírica. Tampouco todos aqueles que pugnam

pela necessidade de inclusão da vontade como elemento que compõe o dolo são adeptos da

7 Nesse sentido refere Díez Ripollés ao afirmar que “o dilema básico, à margem de matizações que agora não

procedem, é se nos atemos, ou devemos nos ater, a uma configuração realista, naturalista, de tais elementos, ou é necessário dar-lhes, ou se lhes dá, um conteúdo fundamentalmente normativo”. In DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos subjetivos del delito. Valencia: Tirant lo Blanch, 1990, p. 21. no mesmo sentido, RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo ...op. cit.,, especialmente p. 190.

Page 4: 2- Busato - Dolo e Significado

81

necessidade de sua demonstração empírica, entendendo-o desde um ponto de vista

atributivo-normativo. Em função disso, o ângulo de visão que se propõe no presente

trabalho, leva a uma discussão que, em certa medida, altera o formato do debate

doutrinário costumeiramente posto.

A abordagem que aqui se faz visa propor a discussão do dolo a partir de um

novo ponto de vista, que não mais classifica as teses entre volitivas e cognitivas, mas sim

entre ontológicas e normativas, para, afinal, propor a adoção de uma terceira via, que é a

significativa.

Esta proposta cobra sentido não só por constituir uma nova abordagem do

tema, como também por deixar mais evidente a insuficiência da pretensão legislativa

expressa no Código Penal brasileiro, de “definir os contornos do dolo”. Ou seja, mesmo que

o Código afirme o dolo verbis “quando o sujeito quis o resultado ou assumiu o risco de

produzi-lo”, resta imprescindível, de qualquer modo, perquirir os critérios pelos quais se

pode afirmar que o sujeito assim agiu.

Segundo parece, a opção ontológica – traduzida na afirmação de que o dolo

é uma entidade que existe como fenômeno psíquico - careceu sempre de demonstração

para confirmar sua validade e a opção normativa – consistente em afirmar que o dolo é pura

atribuição -, sofreu com a falta de legitimidade.

Do que se trata neste escrito é buscar na comunicação de sentido um

referente significativo válido e capaz de oferecer uma nova opção teórica para o

reconhecimento do dolo e uma justificação coerente de seu fundamento.

1. O dolo ontológico

As teorias do delito de fundo ontológico, assim consideradas aquelas que se

sustentam sobre a determinação ontológica de suas categorias fundamentais8, pretenderam

reconhecer o dolo através da afirmação de determinados dados de natureza psicológica,

cuja existência no momento de realização do delito fica demonstrada no processo9. Na

verdade, tal concepção arranca desde os primórdios da formulação da estrutura analítica

8 Aqui poderíamos incluir o que se chamou de teorias causais-naturalistas ou finalistas do delito.

9 Nesse sentido Köhler afirma que “na concepção do delito chamada clássica, a imputação subjetiva consiste na

relação psíquica do autor com a conduta típica objetiva e formalmente antijurídica, por meio das modalidades justapostas de «dolo» e «imprudência»”. KÖHLER, Michael. La imputación subjetiva. El estado de la cuestión. Trad. de Pablo Sánchez-Ostiz Gutiérrez, Madrid: Civitas, 2000, p. 77.

Page 5: 2- Busato - Dolo e Significado

82

do sistema de imputação, a ponto de ser comum na doutrina a afirmação de que “sempre

se sustentou o caráter eminentemente psicológico do dolo”10. Tanto é assim, que para o

causal-naturalismo, o dolo era uma forma de culpabilidade que representava o vínculo de

ordem subjetiva entre o autor e o fato delitivo que permitia a imputação (Zurechenbarkeit)

do ato11. De forma também ontológica, para o finalismo, o dolo, como elemento subjetivo

da própria ação típica, configurava sua nota distintiva. A ação delitiva era

fundamentalmente orientada a um fim, que poderia ser justamente a intenção de

realização de um delito, ou seja, consciência e vontade orientadas à realização de um

propósito delitivo12.

O dolo, aqui, se situa na cabeça do autor. Ou seja, o dolo é uma realidade

ontológica e existe como dado psicológico que compete ao jurista identificar.

Dentro das concepções finalistas do dolo, se costuma apontar a teoria

oferecida por Armin Kaufmann como uma das mais desenvolvidas, na medida em que supõe,

de um lado, a pretensão de ser uma teoria unitária do dolo e de outro, o que o próprio

Kaufmann qualifica de preservação de uma perspectiva ontológica com alto grau de

objetivação13.

Para Kaufmann, “dolo e imprudência se diferenciam com ajuda daquele

critério que já ontologicamente caracteriza a ação: a vontade de realização”14, pelo que

suas propostas encaixam perfeitamente com a teoria final da ação.

Kaufmann trabalha com sua perspectiva de una Teoria dos elementos

negativos do tipo, com a qual pretende identificar a qualidade da ação a partir de

10

DONNA, Edgardo Alberto. “El concepto objetivado de dolo” in La ciencia del Derecho penal ante el nuevo siglo. Libro Homenaje al prof. Dr. Don José Cerezo Mir. Madrid: Tecnos, 2002, p. 672. 11

VON LISZT, Franz. Tratado de Derecho penal. Tomo II, Trad. de Luis Jiménez de Asúa, 4a ed. Madrid:

Editorial Reus, 1999, p. 389. Entre os autores brasileiros, é interessante citar uma passagem de Basileu Garcia, quem, apoiado nas lições de Carrara, afirma que o dolo pressupõe “no agente, condições psíquicas que lhe permitissem avaliar o ato a ser praticado. O dolo o faria passar, do estado geral de imputabilidade, nele produzido pela sua capacidade de entender e de querer, a um estado especial de imputabilidade, referente a determinado fato”. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito penal. vol. I, tomo I, 3ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1956, p. 249. 12

WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Trad. de Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez, 4ª ed., Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1997, p. 40 e pp. 72-73. 13

"Para o problema aqui discutido deve-se eliminar toda a classe de valorações, pela única razão de que a questão está proposta ontologicamente. Mas tampouco dogmaticamente faz prosperar a questão o recurso a uma valoração como elemento de diferenciação: este recurso contém em si mesmo um problema: o saber quando deve ser valorado algo «como dolo». Mas acontece que, dogmaticamente, do que se trata é da determinação do que é dolo, e porque o dolo está sujeito a um juízo de valor". KAUFMANN, Armin. “El dolo eventual en la estructura del delito”. En Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, trad. R.F. Suárez Montes, Madrid: Instituto Nacional de Estudios Jurídicos, 1969, p. 188. 14

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”. En ADCP, trad. de María del Mar Díaz Pita, Madrid: Centro de Publicaciones del Ministerio de Justicia, 1990, p.910.

Page 6: 2- Busato - Dolo e Significado

83

existência ou não de uma pretensão de evitação15. Com isso, estabelece que o dolo termina

quando “o agente, a respeito de umas conseqüências secundárias não desejadas que trata

de evitar, realiza uma ‘vontade’ evitadora que domina o fato”16.

Evidentemente, desde logo se puede objetar, contra a proposta de

Kaufmann, como faz Hassemer17, que “não parece evidente que quem reduz a

periculosidade de sua ação só por isso mereça um tratamento menos severo, dado que, de

qualquer modo, desde seu ponto de vista, atua de modo perigoso, ou seja, que – apesar da

conduta evitadora – atua com má vontade”.

Mas, há outro problema, ainda mais grave. É que para determinar o dolo a

partir destas considerações, seria necessário acudir, de qualquer maneira, à mente do

sujeito, para conhecer sua representação a respeito da situação concreta e conhecer, em

essência, seu plano. Ademais, a ação de evitação pode acabar não se concretizando ainda

que esteja na vontade do sujeito, o que conduz a resultados injustos18. A solução, como

observa Hassemer, é elegante, mas perigosa:

“Quem, como Armin Kaufmann, objetiviza os limites do dolo somente sobre a ação de evitação, limita com isso o possível recurso da determinação do dolo àquilo que o agente tem em sua mente durante e com sua ação: a atividade [...] Isso é uma solução elegante e simples, mas também perigosa e, a princípio, inadequada. [...] porque o dolo [...] reside sem dúvida no lado interno do pensar e o querer (‘da vontade de realização’) e não no lado externo da ação e a causação: a atividade de evitação. Ou seja, uma teoria do dolo esquematicamente objetivada só pode ser exata quando o indicador externo (a ação de evitação) representa completamente aquilo que precisamente deve refletir (a exclusão da vontade de realização); quando fracassa essa representatividade do indicador externo não poderá tirar-se

15

"A vontade de realização tem, pois, seu limite em si mesma. Não é preciso nenhum critério valorativo proveniente de fora para delimitá-la, e com isso delimitar o nexo final; tampouco é necessário um recurso ao sentimento, que só pode ser entendido como atitude jurídica ou antijurídica ante o fato. Se contemplarmos a vontade de realização em seu âmbito total, então resulta claro que a mesma pode dirigir-se, ao mesmo tempo, à realização de vários objetivos, e que, portanto, podem ser propostas, ao mesmo tempo, tanto a obtenção de um objetivo desejado como a evitação de um resultado acessório". KAUFMANN, Armin. “El dolo eventual...op. cit., p. 198. 16

Cf. HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p.910. 17

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 912. 18

“Contra esta teoria se objeta que conduz a resultados inaceitáveis, dependentes além do mais das peculiaridades de cada caso: quem realiza uma vontade de evitação, que desde seu ponto de vista suprime qualquer risco adicional, não atua dolosamente [...] porque não leva em consideração a possibilidade de um dano; quem, apesar de uma vontade ativa de evitação, observa um risco adicional e, porém, atua, tem por isso um dolo referido a esse risco adicional [...]; quem não diminui um risco insignificante – evitável – deve responder, segundo esta teoria, por dolo, enquanto que àquele que reduz ao mesmo grau de risco em um risco elevado – evitável – só se pode imputar a título de imprudência”. HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 911.

Page 7: 2- Busato - Dolo e Significado

84

nenhuma conclusão da ação evitadora em relação à vontade de realização. Aí residem ao mesmo tempo a elegância e a periculosidade de uma objetivação concentrada sobre um único indicador [...] atividade de evitação”19.

Fica claro na opinião de Hassemer, aqui compartilhada, que a decisão a

respeito do dolo não pode deixar de ter em conta a intenção do agente, ainda que, claro,

para isso tenha que acudir a elementos externos. O exigível é que estes elementos externos

estejam conformes àquela intenção subjetiva. Não basta estar presente a intenção que

dirige a ação se ela, ao final, não fica refletida na atuação.

Por outro lado, é necessário ter em conta que justamente por ser

imprescindível a referencia aos elementos externos, o dolo guarda estreita relação com o

processo penal, ou seja, com a teoria da prova. O dolo se resume ao dolo que se pode

demonstrar. Comenta Díez Ripollés20 que dentro desta proposta, os elementos subjetivos do

delito seriam “realidades psíquicas previamente dadas e suscetíveis de descobrimento a

partir de um processo de averiguação”.

Por isso, o dolo sempre dependerá de uma demonstração objetiva da

intenção subjetiva. Deste modo, a idéia do que fundamenta o dolo está completamente

conectada com sua demonstração, definitivamente, com sua prova. Quando se propõe um

dolo como realidade ontológica, não é possível esquecer que é necessário demonstrar quais

são os meios que tornam possível a identificação do dolo como tal realidade.

A demonstração do dolo como realidade psicológica, porém, revelou-se

totalmente impossível. E isso não deriva unicamente de uma impossibilidade física de

acesso à intenção subjetiva, mas também e principalmente, em face de que a verdade real

no processo penal não existe21. Mas a impossibilidade deriva não só da falta de instrumentos

jurídicos aptos a realizar tal tarefa, mas, por sua própria característica: os fenômenos

psíquicos resultam inacessíveis.

Na opinião de Ragués i Vallés é nesse ponto que aparece uma enorme

dificuldade já que

19

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 914. 20

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos...op. cit., p. 32. 21

Veja-se, a respeito disso, MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad real en el proceso penal. 2ª ed., Buenos Aires: Hammurabi, 2003.

Page 8: 2- Busato - Dolo e Significado

85

“Para afirmar a validade desta perspectiva, à sua plena legitimidade deve-se acrescentar a possibilidade de averiguar aqueles dados psicológicos aos quais se vincula uma correta «determinação do dolo». De não ser possível tal averiguação, a perspectiva se encontra em tal encruzilhada que leva a duvidar seriamente de sua validade”22.

E é justamente esta realidade que não se logrou afirmar.

Há defensores da idéia de afirmação da realidade do dolo através de

contribuições das ciências naturais23 ou através da confissão do acusado24. Evidentemente,

nem uma nem outra perspectiva resultam adequadas.

No que se refere a contar com a declaração do acusado, parece evidente

que no processo penal a confissão não deverá ser a regra e, por outro lado, não se pode ter

segurança de que o acusado diz a verdade, ainda quando esteja assumindo a

responsabilidade pelo fato delitivo.

De outro lado, com o recurso às ciências empíricas, tampouco se pode

afirmar o dolo, essencialmente por duas razões: a falta de coincidência para com o

conceito de dolo utilizado pela ciência jurídica, que inclui uma dimensão de conhecimento

e vontade não coincidente com a perspectiva de verificação psicológica25 e por outro lado,

a completa falta de uniformidade entre as propostas a respeito do dolo que derivam de

diferentes correntes doutrinárias da psicologia e da psiquiatria, as quais nem mesmo em

seu próprio âmbito científico lograram unificar-se sobre o tema26.

A conclusão é que não se pode obter, desde o ponto de vista das ciências

naturais, nada mais que cálculos sobre probabilidade ou possibilidade de existência de

determinado fato psíquico.

Isso conduz a que a admissão do dolo como realidade psíquica, ainda que

amparado por conceitos das ciências naturais não possa chegar a mais que deixar aberta a

porta para certo grau de insegurança em sua afirmação. Ou seja, a constatação do dolo

como realidade empírica é completamente impossível, pelo que, toda afirmação sobre o

22

RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo ...op. cit.,, P. 212. 23

Por exemplo, SCHEWE, Günter. “‘Subjektiver Tatbestand’ un Beurteilung der Zurechnungsfähigkeit“, en Festschrift für Richard Lange zum 70. Günter warda et alli (eds.) Berlin- New York, 1976, p. 695 ou FREUND, Georg. Normative Probleme der ‘Tatsachenfeststelung. Heidelberg, 1987, p. 35. 24

Así AMBROSIUS, Jürgen. Untersuchungen zur Vorsatzabgrenzung. Berlin: Neuwied, 1966, p. 65. 25

Como afirma Ragués “seria um contrasenso solicitar a um perito que verificasse a concorrência de uns fenômenos psíquicos cuja existência se tem por impossível desde a ótica de sua disciplina científica”. RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo ...op. cit.,, p. 218. 26

Cf. DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos...op. cit., p. 258 e também RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo ...op. cit.,, p. 221.

Page 9: 2- Busato - Dolo e Significado

86

dolo contém certo grau de valoração, gerando justamente a indeterminação que a

pretensão de verdade própria das concepções ontológicas pretende extirpar.

2. O dolo normativo.

Os problemas de prova que afetam a concepção ontológica do dolo levaram

parte da doutrina27 a admitir que o dolo não é uma realidade psicológica, mas o resultado

de uma atribuição28. O fato já tinha sido percebido e advertido por Hassemer, em sua obra

sobre os fundamentos do Direito penal, com um exemplo que espanca qualquer dúvida:

“Se pergunta como pode o juiz constatar a intenção de defraudar, falsificando um documento. E agora se pergunta como pode o juiz constatar tal intenção em um processo, como pode produzir o dado intenção de defraudar. O juiz pode observar os livros de comércio, os informes fiscais, os dados de um computador (ou fazê-los serem observados, caso necessário, por peritos ou se certificar das observações feitas por testemunhas). Ninguém pode, porém, observar uma intenção de defraudar, que somente se pode imputar...”29.

Ou seja, o dolo não é algo que existe, que seja constatável, mas sim o

resultado de uma avaliação a respeito dos fatos que faz com que se impute a

responsabilidade penal.

Para esta tendência, o que se faz para determinar o dolo não é mais que

atribuir ou imputar a alguém o conhecimento e a vontade de realização do fato delitivo. É

que “os segmentos de realidade que são manejados já não podem qualificar-se como

realidade empírica, senão como realidade valorada, dado o papel determinante das

perspectivas axiológicas em sua configuração e comprovação”30. Ou seja, se não é possível

afirmar mais que a possibilidade de existência real do dolo, o dolo será sempre, ao menos

em parte, produto de uma valoração.

27

Para ficar tão somente com dois exemplos, veja-se HASSEMER, Winfried. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal. Trad. de Pablo Rodrigo Alflen da Silva, Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2005, p. 298 e FLETCHER, George. Basics Concepts of Criminal Law. New York- Oxford: Oxford University Press, 1998, p. 82-85. 28

Trata-se da segunda mudança, que aparece concomitantemente com a perspectiva de rejeição do elemento volitivo, no Direito penal moderno, consoante alude Edgardo Donna, em DONNA, Edgardo Alberto. “El concepto objetivado de dolo”…cit., p. 672. 29

HASSEMER, Winfried. Fundamentos del Derecho penal. Trad. de Francisco Muñoz Conde e Luis Arroyo Zapatero, Barcelona: Bosch, 1984, p. 227. 30

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos...op. cit., pp. 73-74.

Page 10: 2- Busato - Dolo e Significado

87

Obviamente, esta perspectiva encontra receptividade nas propostas teóricas

que defendem a separação entre as ciências naturais e as ciências sociais. Na perspectiva

kelseniana de uma ciência referida a valores, fica sem sentido tentar buscar nas ciências

naturais conceitos jurídicos. Por isso, sustentou Kelsen31 que categorias como a vontade ou

intenção, por pertencerem ao tipo de injusto não podem ser tomadas como realidades a

serem demonstradas, mas simplesmente como fatores que incumbe ao juiz reconhecer com

o objetivo de estabelecer as responsabilidades penais correspondentes.

A partir disso, muitos autores seguiram esta tendência, reconhecendo, desde

distintos pontos de vista, que o dolo se reduz a uma forma de atribuição.

Nesse sentido, por exemplo, Detlef Krauβ32 defende que é a valoração social

de uma expressão objetiva da ação que delimita o dolo e a imprudência. Também

Hruschka33 afirma que quando dizemos que alguém atua dolosamente, o que fazemos é

emitir um juízo que não é passível de descrição, mas de adscrição.

Uma construção bastante debatida no Brasil, especialmente em face da

tradução de um livro sobre a matéria34, é a de Puppe, para quem a questão sobre o dolo

resulta ser completamente normativa, devendo ser completamente recusada a idéia de

dolo psicológico35.

Em seu peculiar método de propor o tema, George Fletcher36 também adota

um conceito normativo de dolo, ao comentar que a atribuição de ordem subjetiva foi

abordada desde distintos pontos de vista, desde uma teoria psicológica e desde uma teoria

“moral”. A teoria psiológica é a que “busca saber em que medida o delito se encontra

refletido na consciência do sujeito”, enquanto que a teoria moral se baseia em

considerações de justiça para afirmar a responsabilidade do sujeito pelo ato delitivo. “A

31

KELSEN, Hans. Hauptprobleme der Staatsrechtslehre: entwickelt aus der Lehre vom Rechtssatze, Tübingen: J.C.B.Mohr, 1923, p. 156-157. 32

KRAUβ, Detlef. “Der psycologische Gehalt subjektiver Elemente im Strafrecht“, in Festschrift für Hans Jürgen Bruns zum 70. Wolfgang Frisch und Werner Schmid (eds.), Köln – Berlin – Bonn – München: Heymann, 1978, p. 26-27. 33

HRUSCHKA, Joachim. “Über Scwierigkeiten mit dem Beweis des Vorsatzes”. In Strafverfahren im Rechtsstaat. Festschrift für Theodor Kleinknecht. Karl Heinz Gössel, Hans Kaufmann (eds.). München: C.H. Beck, 1985, pp. 200-201. 34

Refiro-me a PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa. Trad. de Luís Greco, São Paulo: Manole, 2002. 35

“Essa compreensão afinal de contas psicológica do dolo deve ser rechaçada, hoje com ainda maior razão do que no início do século XX. Pois, neste meio tempo, consolidou-se o conceito normativo de culpabilidade, e o dolo sequer é compreendido como momento da culpabilidade, e sim como aspecto subjetivo do injusto”. PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa...cit., p. 67. 36

FLETCHER, George. Basics Concepts...op. cit., p. 82.

Page 11: 2- Busato - Dolo e Significado

88

pergunta não é se o delito está refletido na mente do agente, mas se apesar das imagens

que representam na consciência do agente, ele ou ela podem ser considerados culpados

pelo ato delitivo. A abordagem não é descritiva, mas valorativa”37. E entre as duas

propostas, Fletcher se inclina claramente pela teoria moral, que ele entende ser a mais

acertada38.

Claro está que o principal problema de negar a realidade do dolo é o risco de

gerar decisões arbitrárias. O problema está em que se admite, assim, a possibilidade e

incongruência entre a realidade psicológica interna da intenção do agente e a atribuição

que se lhe faz. Nesse sentido, Muñoz Conde está de acordo com Díez Ripollés em que

“qualquer tipo de valoração (seja puramente normativa ou produto de propostas

psicológico-normativas ou interacionistas) é necessário partir da realidade psíquica a que se

referem os elementos subjetivos” e por isso, adverte que “qualquer construção jurídica à

margem de ou fingindo a realidade é grave fonte de arbitrariedades e deixa a porta aberta

à maior insegurança, científica ou jurídica”39.

Assim, o que aparece na perspectiva normativa do dolo é uma “crise de

legitimidade”40, que conduz à necessidade de critérios concretos que ofereçam

justificações adequadas para a atribuição do dolo e que possam levar mais além dos

resultados que se possa obter mediante a perspectiva psicológica do dolo.

Dentro destas perspectivas normativas, resulta, pois, essencial, a concreta

determinação de critérios seguros para a afirmação do dolo. Muitas teorias se apresentaram

com o objetivo de oferecer tal justificação. Uma das que resulta mais interessante, sem

dúvida, foi a proposta de Hassemer, com a chamada teoria dos indicadores externos, que

une a dimensão material e a dimensão processual do dolo41. Trata-se de uma postura que,

ao mesmo tempo em que não deixa sem resposta a encruzilhada entre conhecimento e

vontade, adianta-se em demonstrar a existência de algo mais a ser discutido.

3. A tese dos indicadores externos de Hassemer: uma perspectiva procedimental sobre

o dolo.

37

FLETCHER, George. Basics Concepts...op. cit., p. 83. 38

FLETCHER, George. Basics Concepts...op. cit., p. 85. 39

MUÑOZ CONDE, Francisco. Prólogo a DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos...op. cit., p. 13. 40

Nesse sentido RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo ...op. cit.,, p. 302 e ss. 41

É de todo conveniente notar a oportunidade e a atualidade da proposta de Hassemer, na medida em que cada vez mais se aprimoram os estudos relacionando a aproximação das disciplinas do Direito penal e do Processo Penal, antes estudadas de modo demasiado compartimentalizado.

Page 12: 2- Busato - Dolo e Significado

89

Para conjugar a demonstração alcançável objetivamente de critérios de

determinação da subjetividade, Hassemer oferece um interessante ponto de partida com

sua teoria dos indicadores externos.

Sendo necessário delimitar uma fronteira entre dolo e imprudência, este

objetivo não se pode alcançar através da valoração que o sujeito faz a respeito da

possibilidade de ocorrência do resultado. Isso é assim simplesmente porque tais dados são,

desde logo, inalcançáveis, pelo que é preciso renunciar, a priori, à definições ontológicas

do dolo42. Hassemer43 sustenta que saber “que tipos de comportamentos dolosos devem se

diferenciar, quais devem ser separados dos não dolosos, quais devem ser sancionados

penalmente, todas estas perguntas não podem ser discutidas desde um ponto de vista

ontológico, mas somente desde uma perspectiva deontológica, ou seja, são questões

abertas às expectativas de justiça historicamente variáveis”.

Como conseqüência, a atribuição de responsabilidade dolosa depende de

uma valoração, da adoção de critérios normativos. E é aqui que Hassemer aproveita para

desenvolver um ponto de partida que sugere a tese do próprio Kaufmann, o da valoração

dos elementos objetivos.

Sublinha Díaz Pita que Hassemer “não persegue uma averiguação de

características concretas que desenhem o dolo e faltem na imprudência. É a ratio da

penalidade do dolo o que constitui o ponto de partida de sua tese”44. Ou seja, ele abre mão

de discutir “o que é” o dolo, propondo tão somente discutir a razão pela qual se castigam

mais gravemente os crimes considerados dolosos, quando comparados aos imprudentes.

O trabalho de Hassemer começa por buscar as razões pelas quais uma

conduta dolosa é mais desvalorada que uma conduta imprudente. “Quem não pode

responder a esta pergunta, não poderá fundamentar os limites do dolo em critérios

42

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 914. 43

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p.914. 44

DÍAZ PITA, María del Mar. El dolo eventual. Valencia: Tirant lo Blanch, 1994, p. 190. Além deste trabalho, na doutrina espanhola há várias contribuições importantes sobre o dolo, nos trabalhos de Feijóo Sánchez, Laurenzo Copello e Ragués I Vallès, por exemplo.

Page 13: 2- Busato - Dolo e Significado

90

normativos aceitáveis”45. É que categorias como dolo e imprudência guardam entre si

diferentes graus de desvaloração das condutas às quais elas se associam46.

Comenta Hassemer47 que, a partir da concepção de Engish, que já no ano de

1930 identificava a distinção do nível de reprovabilidade da lesão dolosa ou imprudente

com base na ‘atitude (do agente) em relação ao mundo dos bens jurídicos’, desenvolveram-

se distintas teorias do dolo. Tais teorias, por certo, aperfeiçoaram e desenvolveram as

propostas de Engish em distintas teses, que, entretanto, mantém em comum a idéia de

renunciar à dissociação entre o elemento cognitivo e volitivo no dolo, unificando ambos em

um mesmo marco conceitual, a par de reconhecerem que o dolo reside no âmbito interno

do agente e aceitarem indistintamente a assunção de conceitos abstratos para a descrição

do dolo, seja sob o critério de decisão a favor da lesão de bens jurídicos, decisão contra os

bens jurídicos ou negação explícita realizada pelo agente48.

Disso extrai Hassemer a conclusão de que estes conceitos não fazem mais do

que pôr em evidência que o substrato do dolo é interno ao indivíduo, bem como a clara

idéia de relevância do elemento “vontade”, já que o mero conhecimento não é suficiente

para encher de conteúdo uma atitude de “decisão” 49.

Mas, as tentativas de buscar a intenção na vontade interna do agente, em

geral, padeceram de incapacidade de demonstração, enquanto que as tentativas de

descrição com base na periculosidade da atitude, padeceram de falta de correspondência

com a real intenção.

Para a solução do problema, Hassemer propõe que, se o dolo escapa ao

campo de contemplação do observador, não pode ser descrito, pelo que, a aproximação do

tema deve ocorrer de modo indireto, através de dados objetivos que cumpram os seguintes

requisitos: seu caráter observável, sua exaustividade e sua relevância para o elemento

subjetivo em questão50.

45

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 914. 46

Assim também ocorre em outros sistemas, como os do Common Law, mesmo que nestes existam categorias intermediárias como a recklessness. Vide, a respeito, PIÑA ROCHEFORT, Juan Ignacio. La estructura de la teoría del delito en el ámbito jurídico del “Common Law””. Granada: Comares, 2002, pp. 78 e ss. 47

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 915. 48

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 915-916. 49

“Para a caracterização conceitual do dolo (e a demarcação de seus limites para com a imprudência) ressalta a necessidade e o caráter central dos elementos volitivos. Que o agente – de um modo cognitivo – só estava informado do acontecer, que só tinha a exata representação da periculosidade de sua ação e sua omissão é um argumento demasiado débil e não basta para a aceitação de uma «assunção pessoal»”. HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 918. 50

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 925.

Page 14: 2- Busato - Dolo e Significado

91

Esta necessidade de indicadores, segundo Hassemer51, não pode ser

resumida em um único dado como a “ação de evitação” (como queria Kaufmann) ou o

“perigo desprotegido”, inclusive porque a idéia de conhecimento a respeito do fato não

basta para o dolo, ainda que seja imprescindível para dotar de conteúdo a vontade.

Evidentemente, os indicadores externos são tantos e tão amplos que não

seria possível esgota-los. Trata-se, na realidade, da análise de todas as circunstâncias que

estão ao redor do atuar. Hassemer52 observa que “a ordenação sistemática dos indicadores

resulta de sua missão e da estrutura de seu objeto, ou seja, eles hão de possibilitar uma

conclusão fiável a respeito da existência do dolo”, para cujo objetivo hão de seguir os

seguintes passos: demonstrar o perigo da situação concreta para o bem jurídico, a

representação do agente a respeito desse perigo e sua decisão a respeito da realização do

mesmo. Mas, neste trabalho de identificação, é necessário ter em conta que tão somente a

situação de perigo oferece dados descritíveis, os dois seguintes passos só podem ser

realizados por meio de deduções derivadas dos indicadores53.

Em resumo, Hassemer entende que o dolo é uma “decisão a favor do

injusto”54, mas entende também que o dolo é uma instância interna não observável, com o

que, sua atribuição se reduz à investigação de elementos externos que possam servir de

indicadores e justificar sua atribuição. Por isso, estes indicadores só podem ser procurados

na mesma ratio do dolo, que se explica em três sucessivos níveis: a situação perigosa, a

representação do perigo e a decisão a favor da ação perigosa55.

Desta construção de Hassemer, parece derivar algo muito importante que,

porém, o autor não trata de explorar: a idéia de transmissão de um significado. Hassemer

atribui, ao combinar os indicadores externos e os critérios (valorativos) de delimitação do

dolo, a identificação deste à possibilidade de sua atribuição, mas não trata de explicar o

processo justificante de tal identificação. Ao afirmar que o dolo, embora seja um fenômeno

interno ao sujeito, demanda, para sua afirmação, da comprovação de indicadores externos

que justifiquem sua atribuição, Hassemer assume a idéia de que somente diante da

expressão externa, compatível com a ratio incriminadora subjetiva dolosa é possível

51

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 927. 52

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 929. 53

Tanto é assim que existem autores, como Muñoz Conde, que sustentam que o elemento subjetivo do tipo depende sempre de uma dedução, já que não é simplesmente observável. MUNÕZ CONDE, Francisco e GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal. Parte General, 6ª ed., 2004, p. 267. 54

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 931. 55

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”...op. cit., p. 931.

Page 15: 2- Busato - Dolo e Significado

92

afirmar a existência do dolo. Vale dizer: o dolo “é” sua própria demonstração, sua

expressão significativa.

4. O dolo e o significado do dolo.

Não resta, pois, nenhuma dúvida de que a identificação do dolo não pode vir

da descrição de um processo psicológico, mas somente da identificação do que Hassemer

qualifica de “indicadores externos”. O dolo, definitivamente não “é” um fato, mas uma

atribuição, ou seja, a exata atribuição de uma decisão contrária ao bem jurídico, na qual se

expressam simultaneamente conhecimento e vontade.

Isso põe em evidência o erro, em especial das concepções finalistas, mas

também de todas as que nela estão inspiradas, ao sustentarem um dolo substancial que é a

nota distintiva da ação, quando, na realidade, a ação não “é” uma realidade ontológica,

mas simplesmente a representação de um sentido de atitude dolosa que permite uma

adscrição. É necessário ainda, porém, delimitar o que dá sentido doloso a uma determinada

realização.

Segundo parece, a identificação do sentido do dolo passa por uma melhor

resolução sobre dois pontos: a situação do dolo na teoria do delito e o oferecimento de

uma melhor compreensão teórica do próprio sentido ou significado do dolo.

4.1. O dolo como atribuição e a teoria do delito ancorada em pretensões normativas.

As dificuldades em estabelecer um concreto sentido de atribuição do dolo

deriva, em grande medida, da ordenação das categorias do delito segundo a proposta

finalista. É que a proposição welzeliana de finalidade como nota distintiva da ação, levou

boa parte da doutrina a admitir, sem espaço para discussão, que o dolo é elemento

exclusivo da conduta típica e, por isso, é algo vinculado às pré-determinações ontológicas

defendidas pelo próprio Welzel56.

56

“O legislador está sempre sujeito a determinados limites imanentes ao direito positivo. A primeira limitação se encontra nas estruturas lógico-objetivas que atravessam integralmente a matéria jurídica...” WELZEL, Hans. Más Allá del Derecho Natural y del Positivismo Jurídico. Trad. de Ernesto Garzón Valdéz, Córdoba: Universidad Nacional de Córdoba, 1962, p. 35.

Page 16: 2- Busato - Dolo e Significado

93

A melhor forma de tentar mudar de perspectiva, através da negação do dolo

como categoria psicológica, passa necessariamente por uma revisão das pré-determinações

ontológicas do tipo. É necessário negar o tipo subjetivo como condicionante ontológico e, a

partir disso, não há porque o dolo figurar no substrato da organização do sistema de

imputação.

Outrossim, é importante notar que, neste aspecto – organizacional das

categorias do delito – o advento do funcionalismo pouco inovou, em qualquer de suas

vertentes.

Com Roxin, ao menos aparece um dolo livre de amarras, como um aspecto

subjetivo capaz de influenciar indistintamente o tipo e a culpabilidade. Para ele, “a

delimitação entre dolo e imprudência expressa não só uma diferença de injusto, mas

também uma diferença importante de culpabilidade, que justifica a distinta punição de

ambas as formas de conduta”57. É de notar que embora o dolo figure em mais de uma

categoria do delito, não deixa de ser condicionante do tipo, já que na mesma obra, Roxin

refere que “a separação do dolo e da imprudência é uma delimitação segundo o tipo de

injusto”58.

De outro lado, a proposta funcionalista sistêmica de Jakobs mantém intacta

a posição organizacional do dolo na teoria do delito, ao sustentar que “ao tipo subjetivo

pertencem precisamente aquelas circunstâncias que convertem a realização do tipo

objetivo em ação típica; ou seja, dolo e imprudência”59 e, por outro lado, ancorada da

idéia de róis e papéis desempenhados por sistemas psico-físicos, promove uma completa

objetivização do referido elemento subjetivo60, levando, por um lado, ao completo

desprezo do componente humano do sistema de imputação, e por outro, a uma

normativização completamente artificial.

Entretanto, a doutrina vem dando mostras crescentes de que persiste em

busca de soluções melhores. O próximo passo, consoante se evidencia de uma tendência

57

ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte General…cit., p. 427. 58

ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte General…cit., p. 426. 59

JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General. 2ª ed., corrigida, trad. de Joaquín Cuello Contreras e José Luis Serrano Gonzáles de Murillo, Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 309. 60

Nesse sentido o comentário que aparece em DONNA, Edgardo Alberto. “El concepto objetivado de dolo”…cit., p. 677, quem critica também a Herzberg, Bottke e Puppe, em face do que ele qualifica de uma objetivização do conceito de dolo.

Page 17: 2- Busato - Dolo e Significado

94

crescente de admissão dos seus postulados61, parece ser a assunção da Filosofia da

linguagem como teoria de base para a reformulação dos fundamentos do sistema de

imputação penal, especialmente no que tange aos seus elementos subjetivos62. Esta

tendência possui como ponto de referência fundamental a obra de Tomás S. Vives Antón.

A proposta do Prof. Vives é de reorganizar o sistema de imputação a partir

de dois pilares: a norma e a ação, as quais, conjugadas, convertem a teoria do delito em

um conjunto de pretensões normativas em face do sentido de um tipo de ação.

Quando se propõe uma teoria do delito que distribui as pretensões

normativas entre o tipo de ação – expresso em uma pretensão conceitual de relevância e

uma pretensão de ofensividade –, a antijuridicidade formal – expressa em uma pretensão de

ilicitude que inclui instâncias de imputação da antinormatividade -, uma culpabilidade

como pretensão de reprovação e uma punibilidade como pretensão de necessidade de pena,

como faz Vives Antón63, fica melhor evidenciado que o dolo não é mais do que uma

atribuição.

Vives64 exige, para o reconhecimento do “tipo de ação” uma pretensão de

relevância no sentido da determinação de que uma ação humana em concreto é uma das

que interessam ao Direito penal. Mas esta pretensão de relevância é verificável mediante o

cumprimento de dois pontos: uma pretensão conceitual de relevância, que expressaria a

idéia de tipicidade e uma pretensão de ofensividade, que representaria a idéia de

61

Além do próprio Vives e de Carlos Martinez-Buján Pérez, também Enrique Orts Berenguer, José Luis González Cussac, Juan Carlos Carbonell Matteu e, em Portugal, Maria Fernanda Palma, estes dois últimos com trabalhos referidos especialmente à questão do dolo. 62

Nesse sentido o comentário de Maria Fernanda Palma: ”Por que é que uma realidade psicológica análoga à dolo é decisiva para a atribuição de um mais grave merecimento da conduta em termos de culpa? [...] A resposta a esta questão orienta-nos para uma abordagem do pensamento filosófico sobre o comportamento intencional a que se tem dedicado a chamada filosofia da acção, em articulação com a filosofia da linguagem. Essa abordagem é decisivamente elucidativa em alguns aspectos essenciais: o aspecto da desarticulação entre a intencionalidade e uma vivência explicitamente consciente e causal de um estado mental anterior à acção, a referenciação do comportamento intencional a uma racionalidade implícita no agir constatável exteriormente e a essencial coincidência entre o reconhecimento da linguagem de um comportamento e a sua identificação social”. PALMA, Maria Fernanda. “Dolo eventual e culpa em Direito penal” in Problemas Fundamentais de Direito Penal. Lisboa: Universidade Lusíada, 2002, pp. 49-50. 63

Veja-se um resumo sobre a distribuição das categorias do delito segundo as propostas de Vives Antón em MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. “La «concepción significativa de la acción» de T.S.Vives e sus correspondencias sistemáticas con las concepciones teleológico-funcionales del delito”. En Libro Homenaje al Dr. Marino Barbero Santos. Coord. Adán Nieto Martín, Cuenca: Ediciones da Universidad de Castilla-La mancha y Ediciones Universidad de Salamanca, 2001. Há edição brasileira: MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. “A «concepção significativa da ação» de T.S.Vives e suas correspondências sistemáticas com as concepções teleológico-funcionais do delito”. Trad. de Paulo César Busato, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 64

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del Sistema Penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, p. 484.

Page 18: 2- Busato - Dolo e Significado

95

antijuridicidade material65. E logo, fecha o injusto com a antijuridicidade formal, que

corresponde a uma pretensão de ilicitude que se traduz na verificação da falta de ajuste do

comportamento significativo em relação ao ordenamento jurídico66. É neste ponto onde

Vives67 situa o dolo e a imprudência, sendo o primeiro identificado segundo um

compromisso de atuar por parte do autor. O dolo, para Vives, resulta um dolo neutro68, ou

seja, é a intenção de realizar o fato antijurídico.

Quando se separa, de um lado, o dolo e a imprudência na pretensão de

ilicitude, e do outro, os elementos do tipo e a própria ação na pretensão de relevância, fica

clara a mescla que as concepções finalistas fizeram entre os planos conceitual e substantivo

de análise. Conforme observa Vives, “a atribuição de intenções ao sujeito, ou a qualificação

de sua conduta como não intencional não desempenham necessariamente um papel na

delimitação conceitual da ação”69.

A ação – seja comissão ou omissão – tem seu aspecto conceitual ou de

definição analisado no tipo de ação que é onde se lhe identificam critérios de sentido.

O dolo e a imprudência, por outro lado, são instâncias de imputação da

antinormatividade, vinculadas ao plano substantivo e não conceitual da atribuição de

conduta ao sujeito.

Assim, para a concepção significativa da ação, que aqui se subscreve70, a

“intenção subjetiva” corresponde à atribuição concreta de intenções ao sujeito e não

define, por si mesma, a ação, mas sim a imputação. Ou seja, a identificação da intenção

subjetiva cumpre a tarefa de possibilitar a atribuição ao agente de um compromisso com a

ação ofensiva realizada, mas não faz parte da própria ação, no que refere à sua definição.

Definitivamente, a definição da existência de uma ação conceitualmente

relevante para o Direito penal precede a análise de se esta ação relevante efetivamente

infringe a norma. Nesse sentido, Vives não deixa dúvidas, ao afirmar que “a determinação

65

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos ...op. cit., p. 484. 66

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos ...op. cit., p. 485. 67

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos ...op. cit., p. 485. 68

Com idêntica opinião BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. “Algunas reflexiones sobre el objeto, el sistema y la función del Derecho penal”. En Homenaje al Dr. Marino Barbero Santos. Coord. Adán Nieto Martín, Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla la Mancha y Ediciones Universidad Salamanca, 2001, p. 885. 69

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos ...op. cit., p. 24 70

Para detalhes, ver BUSATO, Paulo César. Direito penal e Ação Significativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, cuja versão espanhola, de breve publicação já está no prelo pela editora Tirant lo Blanch.

Page 19: 2- Busato - Dolo e Significado

96

da intenção entra freqüentemente em jogo depois que a ação se acha definida e serve ao

interesse substantivo de ajuizá-la”71.

Mas, se é certo que o dolo é uma atribuição, resta algo por complementar:

qual é o fundamento segundo o qual se justifica a atribuição do dolo? Sob que critérios é

aceitável reconhecer a atribuição de uma atuação dolosa a alguém?

Neste ponto também é Vives Antón quem apresenta o melhor critério.

Partindo da análise das distintas formas de dolo segundo os critérios

identificadores da categoria, quais sejam, um elemento intelectual (o saber) e outro

volitivo (o querer), Vives sustenta que se o querer fosse um processo psicológico, teria que

ser um elemento comum a todas as espécies de dolo, o direto de primeiro grau, em que o

sujeito efetivamente quer o resultado, o direto de segundo grau, onde o sujeito não quer,

mesmo que seja indiferente ao resultado e o dolo eventual, onde o sujeito quer o risco e

não o resultado72.

Das três distintas situações, Vives entende que a nota comum é uma

“decisão contra o bem jurídico”73, expressa em um compromisso com a lesão – ou perigo -

de tal bem.

No mesmo sentido a opinião de Carbonell Matteu, que filiando-se

expressamente ao pensamento de Vives, afirma que “se a ação é significado, o dolo

significa compromisso com esse significado. O dolo supõe, neste caso, intenção, e pode ser

definido como o compromisso do agente com o significado do seu atuar”74.

Mas ainda não termina aqui a tarefa do intérprete para a identificação do

dolo, já que resta por determinar quando se pode falar de um compromisso com a decisão

contra o bem jurídico. Todas as concepções normativas do dolo – ou seja, as definições de

dolo como atribuição ou adscrição – têm que justificar a validade do critério empregado

para esta determinação.

71

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos ...op. cit., p. 233. 72

Vives comenta: “não se vê bem que elemento ou estado psicológico pode ser comum a quem mata seu inimigo porque deseja sua morte (dolo direto de primeiro grau), a quem, com absoluta indiferença à vida de seu motorista, coloca una bomba no carro de um Chefe de Estado, com a segurança de que também morrerá aquele (dolo direto de segundo grau) e a quem, por satisfazer um afã de risco, joga roleta russa com os amigos a que mais aprecia e que, por conseguinte, menos deseja que morram (dolo eventual)”. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos ...op. cit., p. 234. 73

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos ...op. cit., p. 234. 74

CARBONELL MATTEU, Juan Carlos. “Sobre tipicidad e imputación: reflexiones básicas en torno a la imputación del dolo y la imprudencia”. In Estudios penales en recuerdo del Prof. Ruiz Antón. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004, p. 150.

Page 20: 2- Busato - Dolo e Significado

97

A verificação do dolo, para Vives, depende de se a ação realizada põe ou não

de manifesto um compromisso de atuar do autor. Para isso, Vives75 entende que é

necessário por em relação as regras sociais que definem a ação como uma das que interessa

ao Direito penal em relação às competências do autor, ou seja, as técnicas que o autor

domina. Assim, em um procedimento puramente axiológico e não através do intento de

buscar inacessíveis dados psicológicos, “poderemos determinar o que o autor sabia”76. Em

resumo: “só podemos analisar manifestações externas; mas, através destas manifestações

externas podemos averiguar a bagagem de conhecimento do autor (as técnicas que ele

dominava, o que ele podia e o que não podia prever ou calcular) e entender, assim, ao

menos parcialmente, suas intenções expressadas na ação”77.

Afinal, abandona-se completamente a idéia, errônea, de pretender

descrever quando há dolo e se substitui pelo intento de compreensão sobre o nível de

gravidade refletido na contradição entre a ação realizada e a norma, que é, sem qualquer

dúvida, a tarefa de adscrição do dolo. Na verdade é “desse modo, e não através da

indagação de inacessíveis e pouco significativos processos mentais, que podemos

determinar o que o autor sabia”78.

Por outro lado, é importante notar que, embora não seja este o foco com

que se pretende demonstrar as vantagens da adoção da idéia de um dolo significativo, que

a proposta de Vives inclui a vontade como um elemento do dolo. Para ele o “dolo como

compromisso supõe a necessidade de conhecimento, de saber, mas também um grau de

vontade: a intenção que podem entender-se como um querer, não naturalístico, mas

normativo”79. A vontade é, aqui, “fundamentalmente, o entendimento da ação legitimada

pela linguagem social e por uma lógica reconhecida e comum de atribuição de

significado”80. E a referência à linguagem social, quer dizer que esta linguagem é

partilhada inclusive pelo próprio autor, razão pela qual suas motivações e representações

não são desprezadas no processo de atribuição81.

75

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos ...op. cit., p. 237. 76

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos ...op. cit., p. 237. 77

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos ...op. cit., p. 237. 78

CARBONELL MATTEU, Juan Carlos. “Sobre tipicidad e imputación…cit., p. 151. 79

CARBONELL MATTEU, Juan Carlos. “Sobre tipicidad e imputación…cit., p. 151. 80

PALMA, Maria Fernanda. “Dolo eventual e culpa em Direito penal”...cit., p. 57. 81

A nota a respeito de interpessoalidade da concepção de dolo aparece também, em certa medida, na opinião de Köhler. Vide, a respeito, KÖHLER, Michael. La imputación subjetiva….cit., p. 86.

Page 21: 2- Busato - Dolo e Significado

98

A postura de inclusão da vontade no conceito de dolo é importante para

estabelecer limites entre o dolo e a imprudência, pois do contrário, a mera indiferença

perante o direito, própria da culpa, poderia caracterizar uma responsabilidade dolosa82.

Tendo em conta que a presença do dolo serve para determinar um grau de

reprovabilidade da conduta distinto da imprudência, este objetivo se cumpre melhor

através da compreensão do que da descrição. E a compreensão do significado ou sentido do

dolo resulta de um processo de comunicação.

4.2. O processo de comunicação e o sentido ou significado do dolo.

O dolo, enquanto afirmação jurídica de um desvalor contido na decisão

contrária ao bem jurídico - não é uma entidade ontológica, mas a atribuição de uma

condição jurídica que deriva da identificação de um significado. A fonte que o intérprete

utiliza para atribuir o dolo são os elementos externos identificados por Hassemer e sua

caracterização depende da identificação de um compromisso do autor de atuar contra o

bem jurídico.

Mas, o que é o processo que se desenvolve com o objetivo de afirmar o dolo?

É o processo de comunicação de um sentido.

Em seu estudo sobre o dolo, Díez Ripollés avança, ainda que somente em

certa medida, explicando este processo, qualificando-o de perspectiva interacionista83. O

autor entende “oportuno acudir aos fundamentos da Filosofia da linguagem em suas

pesquisas relacionadas com o âmbito jurídico, fundamentalmente a teor de sua qualificação

dos conceitos jurídicos como adcritivos e não descritivos”84.

Com efeito, já Habermas tinha percebido a crescente aceitação dos

postulados da chamada hermenêutica filosófica, principalmente à raiz do “visível fracasso

das ciências sociais convencionais, que não puderam cumprir suas promessas teóricas e

práticas”85, o que levou a um fenômeno batizado por Paul Rabinow e William Sullivan de

“giro interpretativo”86.

82

Nesse sentido PALMA, Maria Fernanda. “Dolo eventual e culpa em Direito penal”...cit., p. 49. 83

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos...op. cit., pp. 191 e ss. 84

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos...op. cit., p. 192. 85

HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas versus Ciências sociais compreensivas”, in Consciência Moral e Agir Comunicativo. Trad. de Guido A. de Almeida, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989, p. 38. 86

HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas ...op. cit.,, p. 38.

Page 22: 2- Busato - Dolo e Significado

99

Assim, a filosofia do segundo Wittgenstein e as idéias a respeito do processo

de comunicação de Habermas, convertem-se em ferramentas imprescindíveis para a

realização do necessário processo de identificação do “sentido” ou “significado” de

determinadas categorias próprias das ciências sociais, especialmente, “no trabalho de

constatar os elementos que foram definidos como constitutivos da conduta criminal”87.

Em seu trabalho de investigação, Díez Ripolles alude a estas concepções

metodológicas como baseadas em uma idéia de busca da verdade no consenso, tomando por

referência a chamada teoria consensual da verdade de Habermas, que se baseia na idéia de

que “só pode atribuir-se um predicado a um objeto se qualquer pessoa que pudesse

participar desse discurso fizesse o mesmo”88. Com isso, a pretensão de verdade se

transportaria à possibilidade de afirmar um juízo, não com base no que eu penso ou no que

pensa outro, mas “ao juízo de todos aqueles com que eu pudesse entrar em discurso se

minha história vital fosse extensiva à história da humanidade”89.

É, portanto, o interacionismo o que determina a verdade possível, ou a

verdade legitimada sobre determinado objeto. Isso se baseia em que somente a linguagem

é capaz de dotar de sentido as coisas e é a forma pela qual se estabelece o processo de

comunicação que torna possível demonstrar a existência de alguém através da existência de

outro. É a interatividade, que deriva da comunicação, que determina a inclusão do outro no

meu quadro (Bild) de mundo, o que faz esta perspectiva centrar-se na essência da

valorização do ser humano e contrapor-se, essencialmente, às perspectivas normativas que

deslocam o humano do centro da construção e o substituem pela própria norma. Daí

decorre a legitimação do fundamento comunicacional.

Habermas propõe que a comunicação, como processo de entendimento sobre

objetos, se estabelece segundo níveis de intersubjetividade que são transcendentes em

relação ao nível meramente linguístico. Ele chama de hermenêutica o exercício de captar o

significado do processo de comunicação90. Habermas afirma:

“Podemos descrever, explicar ou predizer um ruído equivalente a uma expressão vocal de uma frase falada, sem ter nem a menor idéia do que essa expressão significa. Para captar (e formular) seu significado, é necessário

87

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos...op. cit., p. 192. 88

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos...op. cit., p. 193. 89

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos...op. cit., p. 194. 90

HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas ...op. cit.,, p. 39.

Page 23: 2- Busato - Dolo e Significado

100

participar de algumas ações comunicativas (reais ou imaginadas) no curso das quais se empregue de tal modo a frase mencionada que ela seja inteligível para os falantes e ouvintes e para os membros eventualmente presentes da mesma comunidade linguística”.91

A compreensão do sentido depende, pois, de uma participação em um atuar

comunicativo onde “um falante fala com um ouvinte sobre algo, expressando o que ele tem

em sua mente”92. Então, a pessoa que comunica algo, fala sobre o objeto que tem em sua

mente, com outra pessoa, sobre algo no mundo.

Disso deriva que o processo de comunicação se estabelece em uma tripla

dimensão, imprescindível para a hermenêutica do sentido: “(a) como expressão da intenção

do falante, (b) como expressão para o estabelecimento de una relação interpessoal entre

falante e ouvinte, (c) como expressão de algo no mundo”93. Estas três dimensões é que

podem ser entendidas como o sentido derivado do processo de comunicação.

Em resumo:

“Quando o falante diz algo dentro de um contexto cotidiano, ele se refere não somente a algo no mundo objetivo (como a totalidade daquilo que é ou poderia ser), mas ao mesmo tempo a algo no mundo social (como a totalidade das relações interpessoais reguladas de modo legítimo) e a algo no mundo próprio, subjetivo, do falante (como a totalidade das vivências manifestáveis, às quais tem um acesso privilegiado)”94.

Evidentemente, a transmissão de uma mensagem não se estabelece somente

falando, mas com todas as formas de atuação. A ação de falar pode transmitir uma

mensagem tal como um gesto ou um movimento. Mas, o sentido de qualquer mensagem

dependerá sempre da presença da identificação da tripla dimensão referida por Habermas,

ou seja, a referência ao mundo subjetivo, ao mundo objetivo e ao mundo social, ou seja, ao

mundo de inter-relação, de regras compartidas. Isso fica demonstrado claramente quando

Vives95 expõe a proposta de Habermas, referente à ação comunicativa de um sentido,

dizendo que ela “se constitui, não só em virtude de planos de ação mais complexos que (o

agente) tenha efetivamente tido, mas também em virtude de interpretações que um

91

HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas ...op. cit.,, pp. 39-40. 92

HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas ...op. cit.,, p. 40. 93

HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas ...op. cit.,, pp. 40-41. 94

HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas ...op. cit.,, p. 41. 95

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos ...op. cit., p. 195.

Page 24: 2- Busato - Dolo e Significado

101

terceiro faz e sob as quais (o agente) poderia ter realizado sua ação”. Estas interpretações

são obviamente os elementos que se tem em conta para a atribuição do qualificativo

“doloso” a uma determinada conduta.

Assim é com a intencionalidade, que não se constitui subjetivamente, mas

através de convenções, assim como as palavras, ou seja, a intencionalidade é resultado de

um processo de atribuição que corresponde à mensagem que a ação do sujeito produz. Na

precisa observação de Maria Fernanda Palma96, “a intencionalidade e as suas formas não

podem deixar de revelar uma atribuição de significado em nome da linguagem social, não

existindo, como refere Wittgenstein, linguagens privadas, que determinem a compreensão

do mundo inerente a uma ação que interfere no mundo dos outros”.

Trata-se de valorar as regras que estão por trás da comunicação de um

sentido, com o que, trata-se, em última análise, de verificar as circunstâncias nas quais se

realiza a ação, um sintoma claro da união quase inseparável que existe entre o dolo e sua

prova.

Assim, a afirmação de que o dolo tem importante dimensão processual,

seguidamente repetido pelos juristas, tem sua razão claramente exposta: é que se trata de

uma categoria cuja apreensão e conseqüente possibilidade de atribuição depende de uma

compreensão cênica que deriva precisamente do caráter pragmático do Processo Penal. É

Hassemer quem explica:

“A classificação da semiótica – teoria da linguagem e de seu uso – é muito útil, se se quer conhecer os limites aos quais a lei em si pode vincular o juiz. Na “sintaxe” ou sintática trata-se das relações dos signos linguísticos entre si, de gramática, de lógica, de formas e de estruturas. Na semântica, trata-se da relação dos signos lingüísticos com a realidade, de significado, de experiência, de realidade. Na pragmática trata-se da relação dos signos lingüísticos com seu uso em situações concretas, de ação, de comunicação, de retórica, de narração. (...) Podem-se incluir a compreensão do texto e o Direito penal material no âmbito da semântica; a compreensão cênica e de Direito processual penal no âmbito da pragmática. Na primeira, trata-se do significado, da relação de um texto (lei) com uma relação produzida, (o caso); na segunda, trata-se da transformação, do uso da linguagem em atuação, em comunicação, em cena”97.

96

PALMA, Maria Fernanda. “Dolo eventual e culpa em Direito penal”...cit., p. 57. 97

HASSEMER, Winfried. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal...op. cit., pp. 245-246.

Page 25: 2- Busato - Dolo e Significado

102

No âmbito da semântica, somente cabe relacionar o tipo (lei) com a ação

realizada, firmando um significado, uma ação significativa. A etapa seguinte, de análise de

pretensão de antinormatividade inclui, necessariamente, a dimensão processual. O dolo é

sua prova e a prova é compreensão, interpretação do sentido, do significado do atuar

doloso. A categoria do dolo passa a ser uma categoria argumentativa, pragmática. Ou seja,

ao menos no que refere ao dolo, é preciso passar a ter em conta uma “pragmática jurídico-

penal”.

Mas, uma vez que o estabelecimento de um sentido depende da validade do

processo de comunicação, e isso, por seu turno, depende de basear-se em regras

compartilhadas, determinadas pela inclusão de todos no discurso, fica claro que a opção

pela linguagem como mecanismo de legitimação da atribuição de um sentido doloso de uma

conduta figura como uma proposta humanista e respeitosa à idéia de alteridade.

Considerações finais.

O dolo não pode ser considerado uma categoria ontológica, representada por

uma realidade psicológica, entre muitas razões, pela impossibilidade de sua identificação, o

que gera um nível de insegurança das decisões que não tem porque entender-se menor que

o obtido em um processo de atribuição.

O dolo não existe, se atribui.

Para a atribuição do dolo, porém, é necessário o estabelecimento de

critérios que possam ter mais validade que aqueles obtidos pelas teorias subjetivas ou

ontológicas do dolo.

A tese de Hassemer, de verificação dos elementos externos, é uma das

teorias normativas cuja elaboração conduz, obrigatoriamente, a uma análise da idéia de

sentido, já que o que justifica o dolo segundo tal teoria, é uma idéia central de capturar

uma realidade subjetiva através da avaliação de elementos objetivos.

A comunicação entre o objetivo e o subjetivo conduz, de modo necessário, a

uma dupla revisão, por um lado, da organização da teoria do delito, que permita retirar as

vinculações entre o dolo e a dimensão substantiva da imputação; e por outro, a

identificação de uma nota distintiva que permita afirmar que a uma determinada conduta

se lhe pode afirmar dolosa.

Page 26: 2- Busato - Dolo e Significado

103

Para isso, o recurso adequado é o brilhante trabalho de Vives Antón, onde se

organiza a teoria do delito segundo distintas pretensões normativas, separando o dolo do

tipo de ação e, ademais, identificando-o com o compromisso de atuar contra o bem

jurídico.

Finalmente, para determinar a existência de tal compromisso, parece

necessário acudir aos fundamentos do processo de comunicação de um sentido que deriva

de propostas da Filosofia da Linguagem que propõe, através da pragmática, a dimensão

comunicativa que une o dolo e sua prova em uma conjunção entre o Direito penal e o

Processo penal que resulta, por um lado, tão demonstrável quanto é possível nas demais

propostas, e por outro, encontra-se melhor legitimado, uma vez que se baseia em uma

proposição inclusiva – no sentido de inclusão do outro -, que é a verdade do discurso.

BIBLIOGRAFIA:

AMBROSIUS, Jürgen. Untersuchungen zur Vorsatzabgrenzung. Berlin: Neuwied, 1966.

BELLO, Gabriel. “El agente moral y su transformación semiótica” in: Acción Humana. Coord. de Manuel Ruiz, Barcelona: Ariel, 1996.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal. Parte Geral. 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007.

BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. “Algunas reflexiones sobre el objeto, el sistema y la función del Derecho penal”. En Homenaje al Dr. Marino Barbero Santos. Coord. Adán Nieto Martín, Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla la Mancha y Ediciones Universidad Salamanca, 2001, p. 885.

BUSATO, Paulo César e MONTES HUAPAYA, Sandro. Introdução ao direito penal. Fundamentos para um sistema penal democrático. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

BUSATO, Paulo César. Direito penal e Ação Significativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

CARBONELL MATTEU, Juan Carlos. “Sobre tipicidad e imputación: reflexiones básicas en torno a la imputación del dolo y la imprudencia”. In Estudios penales en recuerdo del Prof. Ruiz Antón. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004.

CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. “El limite entre dolo e imprudência” in Comentários a la Jurisprudencia Penal del Tribunal Supremo. Barcelona: José Maria Bosch Editor, 1992.

Page 27: 2- Busato - Dolo e Significado

104

DÍAZ PITA, María del Mar. El dolo eventual. Valencia: Tirant lo Blanch, 1994.

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos subjetivos del delito. Valencia: Tirant lo Blanch, 1990.

DONNA, Edgardo Alberto. “El concepto objetivado de dolo” in La ciencia del Derecho penal ante el nuevo siglo. Libro Homenaje al prof. Dr. Don José Cerezo Mir. Madrid: Tecnos, 2002.

FLETCHER, George. Basics Concepts of Criminal Law. New York- Oxford: Oxford University Press, 1998.

FREUND, Georg. Normative Probleme der ‘Tatsachenfeststelung. Heidelberg, 1987.

GARCIA, Basileu. Instituições de Direito penal. vol. I, tomo I, 3ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1956.

HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas versus Ciências sociais compreensivas”, in Consciência Moral e Agir Comunicativo. Trad. de Guido A. de Almeida, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”. En ADCP, trad. de María del Mar Díaz Pita, Madrid: Centro de Publicaciones del Ministerio de Justicia, 1990.

HASSEMER, Winfried. Fundamentos del Derecho penal. Trad. de Francisco Muñoz Conde e Luis Arroyo Zapatero, Barcelona: Bosch, 1984.

HASSEMER, Winfried. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal. Trad. de Pablo Rodrigo Alflen da Silva, Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2005.

HRUSCHKA, Joachim. “Über Scwierigkeiten mit dem Beweis des Vorsatzes”. In Strafverfahren im Rechtsstaat. Festschrift für Theodor Kleinknecht. Karl Heinz Gössel, Hans Kaufmann (eds.). München: C.H. Beck, 1985.

JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General. 2ª ed., corrigida, trad. de Joaquín Cuello Contreras e José Luis Serrano Gonzáles de Murillo, Madrid: Marcial Pons, 1997.

KAUFMANN, Armin. “El dolo eventual en la estructura del delito”. En Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, trad. R.F. Suárez Montes, Madrid: Instituto Nacional de Estudios Jurídicos, 1969.

KELSEN, Hans. Hauptprobleme der Staatsrechtslehre: entwickelt aus der Lehre vom Rechtssatze, Tübingen: J.C.B.Mohr, 1923.

KÖHLER, Michael. La imputación subjetiva. El estado de la cuestión. Trad. de Pablo Sánchez-Ostiz Gutiérrez, Madrid: Civitas, 2000.

KRAUβ, Detlef. “Der psycologische Gehalt subjektiver Elemente im Strafrecht“, in Festschrift für Hans Jürgen Bruns zum 70. Wolfgang Frisch und Werner Schmid (eds.), Köln – Berlin – Bonn – München: Heymann, 1978.

Page 28: 2- Busato - Dolo e Significado

105

MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. “A «concepção significativa da ação» de T.S.Vives e suas correspondências sistemáticas com as concepções teleológico-funcionais do delito”. Trad. de Paulo César Busato, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. “La «concepción significativa de la acción» de T.S.Vives e sus correspondencias sistemáticas con las concepciones teleológico-funcionales del delito”. En Libro Homenaje al Dr. Marino Barbero Santos. Coord. Adán Nieto Martín, Cuenca: Ediciones da Universidad de Castilla-La mancha y Ediciones Universidad de Salamanca, 2001.

MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad real en el proceso penal. 2ª ed., Buenos Aires: Hammurabi, 2003.

MUNÕZ CONDE, Francisco e GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal. Parte General, 6ª ed., 2004.

PALMA, Maria Fernanda. “Dolo eventual e culpa em Direito penal” in Problemas Fundamentais de Direito Penal. Lisboa: Universidade Lusíada, 2002.

PIÑA ROCHEFORT, Juan Ignacio. La estructura de la teoría del delito en el ámbito jurídico del “Common Law””. Granada: Comares, 2002.

PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa. Trad. de Luís Greco, São Paulo: Manole, 2002.

RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo y su prueba en el proceso penal. Barcelona: J.M.Bosch Editor, 1999.

ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte General. Tomo I. Trad. de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, .Madrid: Civitas, 1997.

SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 4ª ed., Curitiba-Rio de Janeiro: ICPC-Lumen Juris, 2005.

SCHEWE, Günter. “‘Subjektiver Tatbestand’ un Beurteilung der Zurechnungsfähigkeit“, en Festschrift für Richard Lange zum 70. Günter warda et alli (eds.) Berlin- New York, 1976.

VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del Sistema Penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996.

VON LISZT, Franz. Tratado de Derecho penal. Tomo II, Trad. de Luis Jiménez de Asúa, 4a ed. Madrid: Editorial Reus, 1999.

WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Trad. de Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez, 4ª ed., Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1997.

WELZEL, Hans. Más Allá del Derecho Natural y del Positivismo Jurídico. Trad. de Ernesto Garzón Valdéz, Córdoba: Universidad Nacional de Córdoba, 1962.