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REVISTA PORTAL de Divulgação, n.12, Julho 2011 - http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php 77 Ó Corpo, suspende o teu voo! 1 “Ó Tempo, suspende o teu voo!” 2 A ciência faz o que pode para evitar o inevitável. Assim mesmo, antes que “a máquina” quebre de vez, é preciso mantê-la. Vamos falar de alguns mecanismos essenciais com os melhores especialistas. Nicole Pénicaut e Eve Roger Tradução de Suely Aparecida Tonarque(*) A pele Não é uma certeza, mas a gente pensa que ela está programada para viver 150 anos. Não parece, mas não se morre nunca do envelhecimento da pele. É um organismo hiper-resistente. Entretanto, o tempo não lhe dá trégua. O que vai acontecer à pele é, infelizmente, bastante previsível. Começa sem alarde a partir de trinta anos. Rugas de expressão e pés de galinhas aparecem 10 anos mais tarde. Aos 50 anos, vem o queixo duplo, e as “pregas” se acrescentam em torno da boca. Ficando cada vez mais fina, a pele perde a sua firmeza e por volta dos 60 anos, as pálpebras ficam caídas e a pele perde a sua vivacidade. Essas são as más notícias. Mas também há boas notícias. Nestes últimos 20 anos, os pesquisadores fizeram grandes progressos. Trabalhando com eles, a indústria dos cosméticos começa a “oferecer” certos produtos com eficácia comprovada. Bem comportadas, as nossas células se renovam constantemente. Entretanto, com a idade, elas não conseguem acompanhar o ritmo acelerado de sua 1 Artigo publicado na revista francesa Le Nouvel Observateur, No 2400 du Jeudi 24 novembre 2010. http://www.madeinpresse.fr/le-nouvel-observateur-n2400-617299.html. 2 Verso do poema Le Lac (O Lago) do poeta francês Alphonse de Lamartine (1790-1869).

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Ó Corpo, suspende o teu voo!1

“Ó Tempo, suspende o teu voo!”2 A ciência faz o que pode para evitar o inevitável. Assim mesmo, antes que “a máquina” quebre de vez, é preciso mantê-la. Vamos falar de alguns mecanismos essenciais com

os melhores especialistas.

Nicole Pénicaut e Eve Roger

Tradução de Suely Aparecida Tonarque(*) A pele

Não é uma certeza, mas a gente pensa que ela está programada para viver 150 anos. Não parece, mas não se morre nunca do envelhecimento da pele. É um organismo hiper-resistente. Entretanto, o tempo não lhe dá trégua. O que vai acontecer à pele é, infelizmente, bastante previsível. Começa sem alarde a partir de trinta anos. Rugas de expressão e pés de galinhas aparecem 10 anos mais tarde. Aos 50 anos, vem o queixo duplo, e as “pregas” se acrescentam em torno da boca. Ficando cada vez mais fina, a pele perde a sua firmeza e por volta dos 60 anos, as pálpebras ficam caídas e a pele perde a sua vivacidade. Essas são as más notícias. Mas também há boas notícias. Nestes últimos 20 anos, os pesquisadores fizeram grandes progressos. Trabalhando com eles, a indústria dos cosméticos começa a “oferecer” certos produtos com eficácia comprovada. Bem comportadas, as nossas células se renovam constantemente. Entretanto, com a idade, elas não conseguem acompanhar o ritmo acelerado de sua 1 Artigo publicado na revista francesa Le Nouvel Observateur, No 2400 du Jeudi 24 novembre 2010. http://www.madeinpresse.fr/le-nouvel-observateur-n2400-617299.html. 2 Verso do poema Le Lac (O Lago) do poeta francês Alphonse de Lamartine (1790-1869).

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destruição. Há esperanças nas células troncos, com sua capacidade de proliferação ilimitada, que uma vez identificadas, poderiam substituir as células gastas. Por enquanto, Patricia Rousselle e sua equipe do Instituto de Biologia e de Química de Lyon (CNRS) trabalham sobre outras pistas promissoras. Com os primeiros resultados que cada um de nós já pode ter acesso. A ideia é a seguinte: no percurso do envelhecimento, a aderência de uma célula ao corpo torna-se mais frágil. Não tão bem ligada a seu suporte, ela capta mal os sinais que lhe indicam um ferimento a ser reparado. Isso explica porque as pessoas velhas têm tanta dificuldade para cicatrização. Mas “nós achamos um componente ativo, uma proteína, que permite restabelecer as conexões”. A partir disso, os laboratórios de Anjou fizeram um creme de cuidados que, segundo Patricia Rousselle, age sobre a regeneração da pele. Agora, as grandes marcas contratam também bioquímicos reputados como Paolo Giacomoni, diretor de pesquisa na empresa Clinique (Estée Lauder), que produzem cremes de cuidados antienvelhecimento, quimicamente mais sofisticados. Hoje, as proteínas da pele estão identificadas e o papel de cada uma (hidratação, elasticidade, etc.) é bem conhecido. “Enquanto há cinco ou seis anos atrás elas só serviam para uma boa hidratação, hoje elas trazem ingredientes realmente ativos”, observa Patricia Rousselle. Resultado: elas entram em concorrência com a cirurgia estética. O “Repairwear Laser Focus” do laboratório Clinique permitiria às mulheres, e também aos homens, economizarem algumas sessões de laser, com quase o mesmo resultado (63%), mas sem o lado abrasivo. “Vinte anos de pesquisa em nossos laboratórios nos permitiram patentear três enzimas de reparação do DNA”, diz Paolo Giacomoni em relação ao seu novo “soro”. Esta palavra dá uma conotação médica, e todas as grandes marcas têm utilizado este linguajar. Por exemplo, a Givenchy e seu “Vax’in for youth” ou seja, “vacina antienvelhecimento”. Vacina contra envelhecimento? Podemos duvidar. Diminuindo as rugas do tempo? Sim. A prevenção: Fugir do sol. Comparando com os raios ultravioletas, é pequena a responsabilidade da idade no envelhecimento de nossa pele. “O bronzeamento é sinal que a pele se estressa”, explica Paolo Giacomoni. É necessário também esfoliar a pele de vez em quando para ajudar as células velhas a saírem. Diversos cremes contêm ácidos ativos de frutas ou de plantas que contribuem, mais ou menos, para isso. É preciso fazer também hidratação. Um imenso número de cremes tem esse objetivo com resultados comprovados, pelo menos na parte periférica da pele. É necessário também alimentar-se com antioxidantes que são as frutas e legumes pois, atualmente, a eficácia dos cremes contendo vitaminas é aleatória. Esses tipos de cremes funcionam para as vitaminas C e A (o retinol), mas não muito para a vitamina E. Os olhos A vista cansada e a catarata são os mais fieis companheiros para quem tem acima de 50 anos. Porém, podem ser corrigidos sem alardes com óculos ou

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lentes de contato para a vista cansada, e com uma banal intervenção cirúrgica para a catarata. E uma operação para a vista cansada está sendo pesquisada. Mais problemática é a degenerescência macular associada à idade, e tudo depende a que estado se começa o tratamento. Uma pigmentação da mácula, a zona central da retina, é um primeiro sinal, mas “não é necessário afobar-se”, explica José-Alain Sahel, chefe do serviço do hospital dos Quinze-Vingts e diretor do Instituto da Visão. Este é o momento de colocar óculos protetores e de tomar um coquetel antioxidante. Pode-se assim diminuir a evolução da doença em 20%. Depois disso, torna-se mais difícil: a degenerescência macular pode adquirir uma forma “úmida” que se inicia com uma deformação de imagem. Depois, a visão vai se enfraquecendo em alguns dias. Em geral, o outro olho é atingido nos próximos cinco anos. “Existe agora um tratamento eficaz”, explica José-Alain Sahel. “Em 90% dos casos, ele estabiliza a visão e esta até melhora ligeiramente para um terço dos doentes”. Em compensação, para a segunda forma, chamada seca, “ainda não existe tratamento apesar de novos medicamentos serem testados. Não se deve perder a esperança: somente a visão central é atingida. Fica a visão periférica. Fica possível ler letras grandes com a ajuda de sistemas de lupas, assim como sair de casa, mas não vai necessariamente reconhecer seus amigos na rua”. A prevenção: “A partir de 45 anos, é normal ir a um oftalmologista a cada dois ou três anos”, insiste José-Alain Sahel. O diagnóstico precoce é essencial no caso da degenerescência macular que atinge 1% das pessoas com 55 anos, 10% com 65 anos, 25% com 75 anos e 60% com 90 anos. Também é recomendado proteger os olhos da luz e isso, desde a infância, “pois os olhos, antes dos 10 anos de idade, não filtram os raios ultravioletas que são um acelerador da doença”. Além disso, não fumar. “O tabaco aumenta o risco mesmo se duas entre três pessoas são geneticamente predispostas”. Também, cuidar da alimentação. No menu, não devem faltar peixes, frutas e legumes. A audição

Na França, há cerca de 5 milhões de surdos. Sejamos claros: essas pessoas com mais de 60 anos são vítimas de perdas auditivas, mais ou menos

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importantes, que interferem na vida cotidiana. A causa? Neurônios estragados e células sensoriais tão abaladas que acabam se partindo. Pior, elas têm dificuldades para regenerar-se, pois elas são poucas - 10.000 em cada ouvido (contra 100 milhões na retina). “Os sons intensos são provavelmente responsáveis pela metade das perdas auditivas”, indica Paul Avan, professor de biofísica da Universidade de Clermont-Ferrand. E a outra metade? Genes “malvados” que os cientistas estão tentando identificar, e produtos químicos encontrados no meio ambiente. A perda é irreversível, mas as próteses são cada vez mais eficientes. A prevenção: Um estudo dos anos 1950 mostrou que as pessoas com mais de 80 anos podem ter uma audição perfeita, somente se viverem em lugares sem barulho. Não vamos propor aqui um retiro num lugar isolado ou num convento, mas sugerimos cuidar dos seus ouvidos. “E isso, desde a infância”, previne Paul Avan. “Paga-se o preço de uma exposição a ruídos às vezes muito tempo depois”. As normas profissionais foram fixadas a 80 decibéis por dia durante 8 horas, mas um banal fone de ouvido sobre as orelhas atinge sem problema esse nível fatídico. Gordura no corpo sob qualquer forma pode prejudicar o ouvido interno. “A gordura tende a entupir os pequenos vasos sanguíneos que o alimentam”. Cuidado com os produtos tóxicos presentes em algumas pinturas industriais! “As moléculas que elas contêm são solúveis em gordura e elas podem ficar muito tempo no corpo”. Último conselho: não hesitar para usar aparelho. “Quanto maior a demora, mais se perde o costume de ter uma audição normal, e a vida social que vai junto”. A voz Com a idade, tudo se deteriora. Para a mulher, a voz torna-se mais grave. Para o homem, a voz fica mais aguda. O timbre torna-se mais rouco e a intensidade diminui. A culpa é das duas cordas vocais. Quando tudo vai bem, eles se tocam. Mas, como são músculos, elas têm tendência a “derreter” com o tempo. Resultado: uma voz “soprada”, um tremor e às vezes o famoso som de cabra. A menopausa intervém também. Com a queda do nível do estrogênio, as cordas vocais são menos lubrificadas e, portanto, as vibrações ficam de menor qualidade. “Mas não é obrigatório. Existem cantores que ainda têm uma voz perfeita aos 90 anos”, acrescenta Pierre-Olivier Védrine, médico otorrino e cirurgião das patologias da voz no hospital de Cannes. Aqueles que não têm a sorte de serem músicos podem fazer uma cirurgia plástica! “Pode-se colocar colágeno nas cordas vocais para recuperar o volume a fim que elas se encaixem melhor”, explica Pierre-Olivier Védrine, “ou fazer um lifting para aquelas inchadas por um edema devido ao tabaco. Isso é bastante simples. Realiza-se uma incisão, retira-se o edema, aspira-se, recupera-se e se fecha!”. Porém, a mecânica não é tudo. O ambiente social e cultural tem também o seu papel. “A voz das mulheres de hoje modifica-se com o tempo menos do que

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trinta ou quarenta anos atrás, pois elas são mais ativas e têm uma vida social mais intensa”. Parece uma tendência da moda: a tonalidade da voz dessas mulheres geralmente abaixou. “Atualmente, uma voz grave está associada à sensualidade. Nenhuma mulher hoje suportaria ter a voz aguda das antigas atrizes”. A prevenção: Isto é simples. Para manter seu órgão em boa condição, é preciso falar, falar e falar. Manter a sua capacidade respiratória com o exercício físico, e a sua capacidade pulmonar com o canto ou fazendo teatro, útil para fazer vibrar as cordas vocais. Frequentar um fonoaudiólogo para reeducação e não negligenciar seu dentista! “O som ressoa na boca e é a forma dela que dá a cor definitiva à voz”, explica Pierre-Olivier Védrine. Moral da história: melhor cuidar de seus dentes. Também, o tabaco não é um bom companheiro. Controlar o cigarro é uma boa ideia, a não ser que você queira ter uma voz muito grave. Os músculos Boas notícias: os 600 e mais alguns músculos - a metade da nossa massa corporal - produzem força e movimento, mas não é só isso. Eles servem também para produzir hormônios, justamente aqueles que diminuem com a idade e que permitem a manutenção geral do organismo. Más notícias: eles começam a envelhecer cedo, muito cedo. “A partir dos 30 anos, perde-se massa muscular e força”, confirma Vincent Mouly, diretor de pesquisa do CNRS e pesquisador no Instituto de Miologia. Essa triste perspectiva vale para todos nós. Mas até agora, nada grave. Em compensação, o envelhecimento acelerado dos músculos é uma doença, a sarcopenia. Na faixa de 50-60 anos, o exercício físico pode melhorar as coisas, mas depois, entre 70 e 80 anos, é quase impossível recuperar-se. “As pesquisas atuais levam a associar exercícios físicos com remédios ligados aos fatores de crescimento”, explica Vincent Mouly. “Esse coquetel pode ter efeitos espetaculares. Já se vê isso com os atletas dopados. A massa muscular deles é fantástica!”. O problema é que essas substâncias milagrosas são vendidas livremente na Internet. “É um perigo evidente”, previne o pesquisador. “É necessário saber dosá-las, saber com que tipos de exercícios elas são compatíveis, conhecer seus efeitos em longo prazo [...]”. No futuro, os pesquisadores esperam restabelecer a massa muscular dos doentes de miopatias e das pessoas idosas imobilizadas depois de uma operação. “Podem imaginar o extraordinário ganho de tempo de recuperação e consequentemente, o ganho financeiro para a sociedade?”.

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A prevenção: Esta é uma banalidade mas deve ser repetida sempre: é indispensável fazer exercícios físicos regulares e moderados, e isso desde os 30 anos. Os ossos e as articulações

Isso não vai surpreender ninguém: com a idade, ossos e cartilagens perdem progressivamente suas qualidades e se atrofiam, sobretudo depois da menopausa para as mulheres, e um pouco mais tarde para os homens. A artrose é uma verdadeira doença da cartilagem: as articulações envelhecem em velocidade acelerada. Felizmente, existem as próteses de joelho, de anca ou de ombro. A osteoporose é um sinal de degradação excessiva dos ossos que tendem a quebrar mais rápido. “Os ossos quebram porque estão frágeis e não pelo tombo em si”, insiste Christian Roux, professor de reumatologia do hospital de Cochin - 40 % das mulheres na menopausa estão expostas ao risco, e um homem na proporção de 3 ou 4 mulheres. Ao contrário da artrose, existe um tratamento médico, mas “não basta dar medicamentos, também é necessário tomar cuidado com os possíveis tombos, em particular dentro de casa: poças de água, tapetes, fios elétricos expostos”. A prevenção: “Se o seu estado geral de saúde é bom, não precisa se preocupar antes dos 50 anos”, aponta Christian Roux. Em compensação, uma doença crônica pode fragilizar os ossos. Também não é bom sinal ter um parente que teve uma fratura devida à osteoporose”. Isto é, ter uma mãe que fraturou o colo do fêmur por exemplo. Depois dos 50 anos, pode-se agir sobre alguns fatores de risco tais como “estar muito magro e ter comportamento anoréxico e, para os homens, fumar ou alcoolismo. Numerosos estudos epidemiológicos têm evidenciado o efeito tóxico do tabaco sobre os ossos”. Claro que não se deve

negligenciar o exercício físico. É importante praticar um esporte em que o esqueleto suporta a carga do corpo: melhor tênis ou corrida do que natação ou bicicleta.

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*Artigo assinado por Nicole Pénicaut e Eve Roger, publicado na revista francesa Le Nouvel Observateur, No 2400 du Jeudi 24 novembre 2010.

http://www.madeinpresse.fr/le-nouvel-observateur-n2400-617299.html.

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(*) Suely Aparecida Tonarque (tradução) - Psicóloga. Mestranda em Gerontologia pela PUC-SP. Pesquisadora do tema “Envelhecimento e sua relação com o vestir”. E-mail: [email protected]