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DELIMITAÇÃO DA TEMÁTICA A Parte Especial do CP inicia com a regulação dos crimes contra a pessoa - Título I, que se subdivide nos seguintes capítulos: I – dos crimes contra a vida; II – das lesões corporais; III – da periclitação da vida e da saúde; IV – da rixa; V – dos crimes contra a honra; VI – dos crimes contra a liberdade individual. O último capítulo se subdivide nas seguintes seções: I – dos crimes contra a liberdade pessoal; II – dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio; III – dos crimes contra a inviolabilidade de correspondência; IV – dos crimes contra a inviolabilidade dos segredos. Consoante já frisado, o CP procura agrupar os tipos penais de acordo com o bem jurídico protegido. Isso se percebe nitidamente em suas subdivisões. Os tipos não estão organizados, portanto, de forma aleatória, mas sim em uma ordem sistêmica. E, ainda, a opção do legislador de iniciar a Parte Especial do CP com a defesa da pessoa revela a importância e prioridade que deve ter a proteção do ser humano, em seu aspecto físico e moral. A proteção da vida pela norma penal inaugura a Parte Especial. Os crimes desse gênero são os seguintes: a) homicídio; b) induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; c) infanticídio; e d) aborto. A vida protegida no capítulo I em epígrafe é tanto na sua forma intra- uterina (considerando que o nascituro é protegido pela norma penal, visto a previsão legal do crime de aborto) quanto extra-uterina (existente a partir do parto). HOMICÍDIO Está previsto no art. 121 do CP. Pode ser: a) doloso simples (caput); b) doloso privilegiado (§ 1º); c) doloso qualificado (§ 2º); ou d) culposo (§ 3º). “Homicídio é a morte de um homem provocada por outro homem. É a eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra” (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 3). Fala-se aqui, por evidente, da vida extra-uterina, ou melhor, da vida existente a partir do início do parto, mesmo que ainda abrigada no útero materno. Homicídio simples Descreve o artigo 121, caput, do CP o seguinte comportamento proibido: Art. 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Vale lembrar que a forma simples é o ponto de partida para compreensão das formas privilegiadas, qualificadas e culposas de um determinado crime.

Classificaçao dos crimes contra a vida

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Page 1: Classificaçao dos crimes contra a vida

DELIMITAÇÃO DA TEMÁTICA

A Parte Especial do CP inicia com a regulação dos crimes contra a pessoa - Título I, que se subdivide nos seguintes capítulos: I – dos crimes contra a vida; II – das lesões corporais; III – da periclitação da vida e da saúde; IV – da rixa; V – dos crimes contra a honra; VI – dos crimes contra a liberdade individual. O último capítulo se subdivide nas seguintes seções: I – dos crimes contra a liberdade pessoal; II – dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio; III – dos crimes contra a inviolabilidade de correspondência; IV – dos crimes contra a inviolabilidade dos segredos.

Consoante já frisado, o CP procura agrupar os tipos penais de acordo com o bem jurídico protegido. Isso se percebe nitidamente em suas subdivisões. Os tipos não estão organizados, portanto, de forma aleatória, mas sim em uma ordem sistêmica. E, ainda, a opção do legislador de iniciar a Parte Especial do CP com a defesa da pessoa revela a importância e prioridade que deve ter a proteção do ser humano, em seu aspecto físico e moral.

A proteção da vida pela norma penal inaugura a Parte Especial.

Os crimes desse gênero são os seguintes: a) homicídio; b) induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; c) infanticídio; e d) aborto.

A vida protegida no capítulo I em epígrafe é tanto na sua forma intra-uterina (considerando que o nascituro é protegido pela norma penal, visto a previsão legal do crime de aborto) quanto extra-uterina (existente a partir do parto). 

HOMICÍDIO

Está previsto no art. 121 do CP. Pode ser: a) doloso simples (caput); b) doloso privilegiado (§ 1º); c) doloso qualificado (§ 2º); ou d) culposo (§ 3º).

“Homicídio é a morte de um homem provocada por outro homem. É a eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra” (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 3).

Fala-se aqui, por evidente, da vida extra-uterina, ou melhor, da vida existente a partir do início do parto, mesmo que ainda abrigada no útero materno.

Homicídio simples

Descreve o artigo 121, caput, do CP o seguinte comportamento proibido:    

Art. 121. Matar alguém:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

Vale lembrar que a forma simples é o ponto de partida para compreensão das formas privilegiadas, qualificadas e culposas de um determinado crime.

Queremos dizer que a interpretação dos tipos derivados depende da análise do tipo básico ao qual são vinculados. Isso ocorre de maneira cristalina no caso do homicídio. Não tem como, por exemplo, estudar o crime de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, do CP) sem antes conhecer os elementos do homicídio simples, visto que aquele é uma derivação deste; ou seja, o homicídio qualificado possui os mesmos elementos do homicídio simples, diferenciando-se apenas pela presença de circunstância qualificadora.

Objeto jurídico (objetividade jurídica – bem jurídico protegido)

O objeto jurídico protegido no crime de homicídio é a vida. Melhor especificando, a vida existente a partir do início do parto. Isto porque se o crime for voltado a tirar a vida do nascituro, antes do início do parto, tratar-se-á de crime de aborto.

Nesse particular, necessário investigar o momento em que se inicia a vida protegida pelo tipo em evidência (art. 121 do CP).

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A doutrina se inclina à percepção de que a vida protegida pelo tipo penal do homicídio começa com o início do parto (CUNHA, 2008, v.3, p. 17). Abandona-se por esta posição a defesa de que a vida protegida no delito de homicídio (ou infanticídio) somente surge com a respiração do recém-nascido.

Quanto ao fim da vida, tal fenômeno ocorre com a morte encefálica, que consiste no “Estado irreversível de cessação de todo o encéfalo e funções neurais, resultante de edema e maciça destruição dos tecidos encefálicos, apesar da atividade cardiopulmonar poder ser mantida por avançados sistemas de suporte vital e mecanismos de ventilação”.

Em derradeiro, cabe consignar que o direito pátrio não distingue o neonato viável do inviável (aquele que nasce com patologia que inevitavelmente lhe levará à morte, às vezes pouco tempo depois do nascimento), de modo que ceifar a vida de qualquer um deles acarreta a ocorrência do crime de homicídio ou de infanticídio, conforme o caso.

Objeto material

No homicídio, o objeto material é a pessoa em face da qual é praticada a conduta. Vale lembrar nesse particular que as ações tendentes a eliminar a vida de quem não mais a tem (e por tal razão não é mais pessoa, mas sim cadáver) caracterizam hipótese de crime impossível (art. 17 do CP) por absoluta impropriedade do objeto material.

Sujeito ativo

Pode praticar o delito em evidência qualquer ser humano, o que lhe dá característica de crime comum.

Sujeito passivo

Em seu aspecto material, é qualquer pessoa com vida[4].

Importante lembrar que em algumas circunstâncias a conduta típica, ilícita e culpável que logra êxito em tirar a vida de determinada(s) pessoa(s) não leva à caracterização do crime de homicídio, mas sim de outro delito. É o caso dos crimes: a) de infanticídio (art. 123 do CP[5]); b) contra a vida do Presidente da República, do presidente do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do STF em circunstâncias que configurem o delito previsto no artigo 29 da Lei nº 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional); e c) de genocídio (Lei nº 2.889/56)[6].

Elementos objetivos (tipo objetivo)

O art. 121, caput, traz unicamente elementos objetivos descritivos. Se resume nas elementares matar e alguém; ou seja, a conduta típica é simplesmente “matar alguém”.

Matar significa tirar a vida. Alguém diz respeito a um ser humano. Unindo as duas palavras, temos que a conduta proscrita pelo tipo em evidência é tirar a vida de um ser humano. Isso pode se dar através de meios diretos ou indiretos, físicos ou morais[7], desde que idôneos à produção do resultado morte (PRADO, 2008, v.2, p. 79), e através de ação ou omissão.

Elemento subjetivo (tipo subjetivo)

Ensina Mirabete (2008, v.II, p.31) que: “O dolo do homicídio é a vontade consciente de eliminar uma vida humana, ou seja, de matar (animus necandi ou occidendi), não se exigindo nenhum fim especial”. A figura típica, portanto, não exige elemento subjetivo do tipo específico, mas somente o dolo genérico.

Registre-se, outrossim, que é perfeitamente possível o homicídio por dolo eventual.

2.8. Consumação e tentativa                        O homicídio se consuma com a morte da vítima (resultado naturalístico), sendo por tal razão um crime material.

A prova da materialidade delitiva se faz pelo exame de corpo de delito, direto (necropsia) ou indireto (com suporte em prova testemunhal – art. 167 do CPP), sendo este último admissível somente quando impossível a realização do exame direto.

A tentativa se dá quando o crime não se consuma por razões alheias à vontade do agente (art.14, II, do CP), regra esta que é perfeitamente compatível com o homicídio, visto ser este um crime material. Nesse particular relembra Capez (2006, v.2, pp. 18-19) que o crime possui quatro etapas ( iter criminis): a)

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cogitação; b) preparação; c) execução; e d) consumação; concluindo ao final que: “Para nós, só há início de execução quando o sujeito começa a praticar o núcleo do tipo, ou seja, quando começa a ‘matar’, a ‘subtrair’, ‘a constranger’ etc. Assim, se o agente recebe um tapa no rosto e, prometendo matar o seu agressor, vai até a sua residência, pega a sua arma de fogo, retorna ao local da briga e é preso em flagrante momentos antes de efetuar o primeiro disparo, não há como falar em tentativa de homicídio, pois o agente ainda não havia começado a ‘matar’. O início de execução, portanto, ocorre com a prática do primeiro ato idôneo, isto é, apto a produzir a consumação, e inequívoco à produção do resultado”.

Pondera Rogério Sanches Cunha (2008, v.3, p. 18) que: “Admite-se a forma tentada, inclusive, no crime cometido com dolo eventual, já que equiparado, por lei, ao dolo direto (art, 18, I, do CP)”. Em sentido contrário a posição de Mirabete (2008, v.II, p. 31), defendendo que é inadmissível a tentativa de homicídio quando se age com dolo eventual, podendo nesses casos, não sobrevindo a morte, o agente responder por lesão corporal grave (art. 129, §2º, II, do CP). Aparentemente, a primeira posição tem prevalecido na jurisprudência.

Classificação doutrinária

“Trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); 

material(delito que exige resultado naturalístico, consistente na morte da vítima); 

de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); 

comissivo (‘matar’ implica em ação) e, excepcionalmente, 

comissivo por omissão(omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, §2º, do Código Penal); 

instantâneo (cujo resultado ‘morte’ se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); 

de dano (consuma-se apenas com efetiva lesão a um bem jurídico tutelado);

unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); 

progressivo (trata-se de um tipo penal que contém, implicitamente, outro, no caso a lesão corporal); 

plurissubsistente (via de regra, vários atos integram a conduta de matar); 

admite tentativa.” (NUCCI, 2006, p. 521).

Homicídio privilegiado

Está previsto no art. 121, §1º: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”.

Na realidade, tecnicamente, a previsão legal em epígrafe é de uma causa de diminuição de pena (a ser considerada na terceira fase da dosimetria da pena) e não, exatamente, de um crime privilegiado (GRECO, 2007, v. II, p. 155); considerando que o tipo penal que prevê um delito autenticamente privilegiado[8] traz um preceito secundário independente daquele cominado à forma simples do crime, e não simplesmente uma previsão de redução de pena. A doutrina e a jurisprudência, contudo, consagraram, por tradição, a denominação de homicídio privilegiado para a conduta prevista no art. 121, §1º.

As hipóteses que geram o privilégio in casu abordado são:

motivo de relevante valor social ou moral para cometimento do crime:  o relevante valor social diz respeito aos interesses da coletividade (ex: matar um traidor da pátria); enquanto que o relevante valor moral corresponde a interesses individuais do agente (ex: pai que mata o estuprador da sua filha);

domínio de violenta emoção[9], logo após a injusta provocação da vítima: para ocorrência dessa hipótese deve o agente estar tomado (e não apenas influenciado) por poderosa emoção e sua ação se dar imediatamente depois de ter sido provocado injustamente pela vítima.  Vale lembrar que na hipótese do agente reagir a injusta (antijurídica) agressão, a hipótese será de exclusão da ilicitude por legítima defesa, e não de crime privilegiado, daí ser importante distinguir injusta provocação de injusta agressão, o que normalmente não é tarefa fácil, considerando haver bens jurídicos imateriais (como

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a honra, por exemplo) que podem ser objeto de agressão sem um dano (ou ameaça de dano) físico. Assim, nessa diferenciação deve também ser levada em consideração a proporcionalidade da reação e não somente se houve agressão ou provocação, considerando haver situações que, segundo pensamos, uma agressão poderá ser, ao mesmo tempo, considerada provocação (como é o caso da injúria). Cita a doutrina (MIRABETE, 2008, v.II, p. 35) que há homicídio privilegiado por injusta provocação da vítima no caso do marido que surpreende a esposa em adultério, vindo a matá-la dominado por exaltação emocional.

Em derradeiro, ressalte-se que as hipóteses acima descritas não são cumulativas; ou seja, para ser reconhecido o privilégio basta a ocorrência de uma delas.

Vale lembrar, ainda, que o CP fala que o juiz “pode” reduzir a pena uma vez detectada uma dessas hipóteses, porém esse “pode” não indica uma faculdade, mas sim um dever, pois a redução trata-se de direito subjetivo do agente.

As circunstâncias minorantes previstas no art. 121, §1º, são incomunicáveis[10] entre os concorrentes na hipótese de concurso de pessoas (CUNHA, 2008, v. 3, p. 20).

Doutrina e jurisprudência têm reconhecido que a eutanásia é um caso de homicídio privilegiado por relevante valor moral[11].

Homicídio qualificado

Encontra previsão no art. 121, § 2º, do CP, in verbis:

Homicídio qualificado§2º. Se o homicídio é cometido:I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;II – por motivo fútil;III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Não é demais lembrar que a qualificadora é um tipo derivado da figura simples de determinado delito. Traz, portanto, um preceito secundário (pena) próprio, que independe daquele constante no tipo simples do qual deriva. No caso em questão, o homicídio simples impõe uma pena de seis a vinte anos de reclusão, enquanto que o homicídio qualificado eleva esse quantum para doze a trinta anos.

As circunstâncias caracterizadoras do homicídio qualificado trazem ínsita uma necessidade de reprovação bem maior do que na sua forma simples.

“Tentado ou consumado, o homicídio doloso qualificado é crime hediondo, nos termos do art. 1º, I, com a redação determinada pela lei nº 8.930/94” (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 44). Lembrando-se que a Lei nº 8.072/90 regula os crimes hediondos, sendo esta a norma referida pelo autor, que foi alterada pela Lei nº 8.930/94.

É provável que o estudante que inicia o estudo da Parte Especial do Código Penal tenha dificuldades em identificar se um determinado homicídio doloso encontra simetria com a forma qualificada, privilegiada ou simples. Para dirimir dúvida nesse sentido o melhor critério é o da exclusão, ou seja, averigua-se se há a presença de circunstância qualificadora ou que induza privilégio. Se houver, faz-se o enquadramento pertinente; lembrando-se também que a doutrina aventa a possibilidade da existência de crimes que se enquadram, ao mesmo tempo, como homicídio qualificado e privilegiado. Caso não haja privilégio nem qualificadora, o fato deve ser apenado na forma simples.

A seguir trataremos uma a uma as hipóteses de qualificação.

2.11.1. Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe

Inicialmente, pondere-se que (GRECO, 2007, v.II, p. 164):

Torpe é o motivo abjeto que causa repugnância, nojo, sensação de repulsa pelo fato praticado pelo agente.(...)A paga é o valor ou qualquer outra vantagem, tenha ou não natureza patrimonial[12], recebida antecipadamente, para que o agente leve a efeito a empreitada criminosa. Já na promessa de recompensa, como a própria expressão está a demonstrar, o agente não recebe antecipadamente, mas sim existe uma promessa de pagamento futuro.  (grifos nossos)

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Antevê o legislador no dispositivo em destaque, em sua primeira parte, a hipótese do “crime de encomenda”, onde alguém contrata um “matador de aluguel” para tirar a vida de outrem. É irrelevante, nessa situação, se a recompensa é recebida antecipadamente, depois, ou se é apenas prometida, em ambos os casos está presente a qualificadora. Contudo, segundo posição majoritária da doutrina, somente o executor do crime necessariamente responderá pela figura majorada ora ilustrada, devendo-se analisar em separado o motivo do mandante [13]; ou seja, a motivação sob foco trata-se de circunstância incomunicável.

Cabe, ademais, observar que o art. 121, §2º, I, traz a expressão “ou outro motivo torpe”, permitindo interpretação analógica. Que dizer: explicita o dispositivo que o homicídio mediante paga ou promessa de recompensa traduz um motivo torpe que qualifica o delito, porém deixa em aberto para que sejam considerados outros motivos (que sejam igualmente torpes) como variáveis qualificadoras, entre os quais admite Mirabete (2008, v.II, p. 37) possam ser incluídos os seguintes:

Como melhores exemplos são citados os homicídios praticados por cupidez (para receber uma herança, por rivalidade profissional etc.) ou para satisfazer desejos sexuais. Reconheceu-se haver motivo torpe nos seguintes casos: (...) do acusado que eliminou a vítima com quem praticava atos de pederastia, por desejar esta interrompê-los; dos que, despeitados pela fama de valente da vítima, numa demonstração de vaidade criminal, resolveram matá-la para tentar mostrar maior valentia que ela (RJTJESP 26/401); do jovem que matou a namorada ao ter conhecimento de que a mesma já não era virgem; (...).

2.11.2. Motivo fútil

É o motivo insignificante, evidentemente desproporcional ao resultado produzido. “Ex: o autor suprime a vida da vítima porque esta, dona de um bar, não lhe vendeu fiado” (NUCCI, 2006, p. 532). Ressaltando o autor citado (idem, p. 533) que ciúme não configura futilidade.

Discute-se, em outro prisma, se a ausência de motivo acarreta o reconhecimento de homicídio qualificado por motivo fútil. Parece-nos que a posição mais acertada é aquela que admite tal equiparação, reconhecendo que a ausência de motivo leva a incidência da qualificadora de motivo fútil[14].

2.11.3. Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum

Ab initio é indispensável frisar que a qualificadora em estudo trata de estabelecer uma maior apenação quando o homicídio for praticado por meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. A referência ao veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura oferece apenas exemplos do gênero de meios que o dispositivo pretende reprimir. O legislador, nesse particular, mais uma vez permitiu a chamada interpretação analógica, autorizando que o intérprete, diante de uma situação concreta, em que não haja o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia nem tortura, mas que perceba a presença de outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum, identifique a presença de circunstância qualificadora. Tem-se em mira, portanto, não somente repelir a utilização dos meios em espécie citados expressamente, mas também qualquer outro condizente com os gêneros especificados, daí a imprescindível necessidade de delimitar os conceitos destes.

Meios insidiosos: “(...) aqueles constituídos de fraude, clandestinos, desconhecidos da vítima, que não sabe estar sendo atacada. O que qualifica o homicídio não é propriamente o meio escolhido ou usado para a prática do crime, e sim o modo insidioso com que o agente o executa, empregando, para isso, recurso que dificulte ou torne impossível a defesa (RJTJERGS 160/149). Cita Maggiore alguns exemplos: uma armadilha; a sabotagem de um motor de automóvel ou de aeroplano; o carregar um objeto de uma corrente elétrica de alta tensão, fazendo-o tocar na vítima; o fazer experimentar uma arma de fogo cuja explosão, por um desconserto do maquinismo, volve contra quem a usa” (MIRABETE, 2008, v.II, p. 40).

Meios cruéis: são aqueles que causam excessivo e desnecessário sofrimento (físico ou moral) à vítima, levando-a por tal meio à morte. Exs.: esquartejamento, pisoteamento e privação de alimento e água. Importante salientar que o uso desses meios pelo assassino após ter matado a vítima, não conduz, por evidente, à caracterização da qualificadora.

Meios que possam resultar perigo comum: são aqueles que, além de afetar a vítima, expõem outras pessoas a risco. Importante lembrar que o CP tipifica especificamente crimes de perigo comum (arts. 250-259), prevendo também como forma qualificada destes o fato de produzirem o efeito morte. Nesse ponto, preciosas as lições de Capez (2006, v.2, pp. 54-55):

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Se, no caso concreto, o agente, além de matar a vítima, expõe um número indeterminado de pessoas a perigo comum, configurando algum crime de perigo comum (explosão, incêndio, desabamento, epidemia, os desastres de meios de transporte coletivo), entende-se que poderá o agente responder em concurso formal pelos crimes de perigo comum e de homicídio qualificado. É importante fazer a distinção entre o homicídio qualificado, cujo meio para a sua prática é um crime de perigo comum, e o delito de crime de perigo comum qualificado pelo evento morte (CP, art. 258). A diferença reside no elemento subjetivo. Com efeito, no homicídio qualificado o agente quer ou assume o risco do resultado danoso, qual seja, a morte da vítima, de modo que o meio empregado para alcançar esse resultado é um crime de perigo comum. No entanto, se o dolo não era homicida, mas o de praticar o crime de perigo, e houve morte decorrente, haverá “qualificação” do delito perigoso (pelo resultado morte preterdolosa).

Visitados os gêneros, vamos às espécies relacionadas exemplificativamente no art. 121, §2º, III.

Do magistério de Luiz Regis Prado (2008, v.2, p. 74) colhe-se:

Veneno é qualquer substância – mineral, animal ou vegetal - que, inoculada, ingerida ou introduzida no organismo, provoque lesão ou perigo de lesão à saúde ou à vida. O conceito de veneno deve ser determinado de modo objetivo, e não em razão das características pessoais da vítima (v.g., criança, dibético etc.).

Pondera o renomado autor, ainda, que para configurar a qualificadora de emprego de veneno (meio insidioso), este tem que se dar de forma dissimulada, ou seja, sem o conhecimento da vítima. Se, por exemplo, o sujeito passivo for forçado a tomar o veneno, sabendo da natureza da substância, a qualificadora não se aperfeiçoa.

O fogo pode revelar-se um meio cruel e, também, um meio que pode desencadear perigo comum. Trata-se de tirar a vida da vítima, fazendo-a padecer em chamas.

Explosivo, quando o meio utilizado consiste em substância ou artefato que provoca explosão, mediante detonação. É o caso do uso de dinamite, de granada[15] etc.

A asfixia consiste em suprimir a possibilidade de a vítima respirar, vindo por isso a provocar-lhe a morte, podendo ser mecânica (estrangulamento, enforcamento, afogamento etc.) ou tóxica (provocada pela exposição da vítima a determinados gases, por exemplo).

Tortura é uma espécie de meio cruel, onde o criminoso submete a vítima a suplícios como meio de tirar-lhe a vida (ex: morte por mutilação). Deve-se observar, outrossim, que a Lei nº 9.455/97 prevê a tortura como crime específico, trazendo, inclusive, como forma qualificada o fato da tortura ter levado a vítima à morte. Daí Rogério Greco (2007, v.II, p. 171) esclarecer:

Qual a diferença, portanto, entre a tortura prevista como qualificadora do delito de homicídio e a tortura com resultado morte prevista pela Lei nº 9.455/97? A diferença reside no fato de que a tortura, no art. 121, é tão-somente um  meio para o cometimento do homicídio. É um meio cruel de que se utiliza o agente, com o fim de causar a morte da vítima. Já na Lei nº 9.455/97, a tortura é um fim em si mesmo. Se vier a ocorrer o resultado morte, este somente poderá qualificar a tortura a título de culpa. Isso significa que a tortura qualificada pelo resultado morte é um delito eminentemente  preterdoloso. O agente não pode, dessa forma, para que se aplique a lei de tortura, pretender a morte do agente, pois, caso contrário, responderá pelo crime de homicídio tipificado pelo Código Penal.Concluindo o raciocínio, no art. 121, a tortura é um meio cruel, utilizado pelo agente na prática do homicídio; na Lei nº 9.455/97, ela é um fim em si mesmo e, caso ocorra a morte da vítima, terá o condão de qualificar o delito, que possui o status de crime preterdoloso.

É também perfeitamente possível a ocorrência de homicídio em concurso material com o crime de tortura[16], vitimando o mesmo sujeito passivo. Nessa hipótese, contudo, a tortura não pode ser considerada como qualificadora do homicídio, pois para isto ocorrer ela teria que ser utilizada como um meio para morte e não como um fim em si próprio (crime autônomo).

2.11.4. Homicídio à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido

Mais uma vez o legislador verte uma seqüência casuística seguida de uma fórmula genérica, permitindo a interpretação analógica; ou seja, exemplifica recursos que dificultam ou tornam impossível a defesa da vítima, e no final abre a possibilidade de inclusão pelo intérprete de outros modos de execução semelhantes. Reforce-se também que a finalidade do dispositivo em evidência é exarcebar a pena quando os modos de execução do crime forem especialmente graves, de modo que, nesse particular, não são considerados para o fim de agravação da sanção características pessoais da vítima ou outra variável qualquer que não esteja relacionada à maneira de execução do crime.

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Sintetiza Cunha (2008, v.3, pp. 22-23) que:

Traição é ataque desleal, repentino e inesperado (ex.: atirar na vítima pelas costas ou durante o sono)[17].A emboscada pressupõe ocultamento do agente, que ataca a vítima com surpresa. Denota essa circunstância maior covardia e perversidade por parte do delinquente.Já a dissimulação significa fingimento, ocultando (disfarçando) o agente a sua intenção hostil, apanhando a vítima desatenta e indefesa[18].

Em fecho, registre-se que na fórmula genérica (outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido) cabem modos de execução, por exemplo, que induzam a surpresa da vítima em relação ao ataque[19], e, por óbvio, que não se enquadrem nos modos especificamente mencionados no dispositivo em análise, considerando que neles vai também estar presente a surpresa, porém com características bem detalhadas (ou seja, condizente com a noção de traição, emboscada ou dissimulação).

2.11.5. para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime

Trata-se de qualificação pela conexão (ligação) com outro crime[20]. O homicídio, nesse caso, aparece em um plano secundário, pois somente é levado a efeito em razão de outro delito. O outro crime mencionado pode ser pertinente ao próprio sujeito ativo do homicídio ou a terceiro[21].

Assenta Mirabete (2008, v.II, p. 42) que: 

Essas circunstâncias, que configurariam a rigor motivo torpe, originam casos de conexão teleológica ou consequencial. A conexão teleológica ocorre quando o homicídio é perpetrado como meio para executar outro crime (homicídio para poder provocar um incêndio). A conexão consequencial ocorre quando é praticado para ocultar a prática de outro delito (homicídio contra o perito que vai apurar apropriação indébita do agente), ou para assegurar a impunidade dele (homicídio da testemunha que pode identificar o agente como autor de um roubo), ou para fugir à prisão em flagrante (RT 434/358), ou para garantir a vantagem do produto, preço ou proveito de crime (homicídio contra o coautor de roubo ou furto para apossar-se da res furtiva).

Ressalte-se que a conexão ocasional (ou seja, quando a relação do outro crime com o homicídio é meramente ocasional, não havendo um liame entre eles, apesar de cometidos em um mesmo contexto fático) não acarreta a qualificação desenhada no art. 121, §2º, V, do CP.                            Em suma, a qualificadora em deslinde caracteriza-se quando o homicídio é utilizado para:

assegurar a execução de outro crime: aqui o objetivo primordial do agente é propiciar a execução de outro crime qualquer e apenas pratica o homicídio como meio para atingir seu intento. Ex: sujeito quer estuprar uma mulher que se encontra acompanhada do marido. Entendendo o criminoso que o homem dificultará a execução do estupro, mata-o para poder violentar a mulher (seu objetivo inicial). Ressaltando Capez (2006, v.2, p. 59) que não é necessário que o agente atinja o fim visado para se aperfeiçoar a circunstância qualificadora delineada. No exemplo citado (inspirado no mesmo autor), pode ser que o agente não consiga consumar o crime de estupro contra a mulher, porém mesmo assim deve ser reconhecida a qualificadora no homicídio contra o marido;

assegurar a ocultação de outro crime: nesse particular o agente quer esconder um crime por ele ou por outrem cometido[22]. Ex: um funcionário público, que acompanhado de outra pessoa furta bens da repartição em que trabalha, resolve matar o comparsa para evitar que o mesmo comente com alguém o ocorrido, pois entende ser esta a única forma de ser descoberta a subtração;

assegurar a impunidade em relação a outro crime: aqui o agente busca, com o homicídio, evitar que seja punido um outro crime cuja existência já é conhecida, mas ainda desconhecida a sua autoria, ao contrário do que ocorre na hipótese anterior (matar para ocultar um outro crime indica que ainda não se sabe que este outro delito ocorreu, buscando o agente com o homicídio garantir a permanência dessa situação)[23]. Exemplo da hipótese da busca da impunidade: matar policiais para escapar da prisão em flagrante por um crime de trânsito;

assegurar vantagem de outro crime: aqui o agente antevê um risco da vantagem (econômica ou não) de outro crime, e para assegurar o proveito vem a cometer um homicídio. Ex: dois ladrões praticam um roubo; depois isso, um deles, desconfiando que o outro vai fugir com todo o produto do delito, resolve matá-lo para garantir seu proveito na empreitada criminosa.

Por fim, importante notar que a ligação entre o homicídio e outro crime, pressuposto da qualificadora sob foco, em algumas vezes pode levar à formação de um único delito complexo. É o caso, por exemplo, do sujeito que mata um vigilante para garantir o ilícito apossamento da coisa subtraída de outras vítimas. Nessa hipótese

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responderá por latrocínio (art. 157, §3º - parte final, do CP) e não por roubo em concurso com homicídio qualificado. Nessa esteira se expressa Capez com precisão:

Importa notar que tanto na conexão teleológica quanto na conexão consequencial, o homicídio qualificado e o  “outro crime” praticado não formam um delito complexo como no caso do latrocínio. Na realidade, constituem delitos autônomos, mas há uma ligação (conexão teleológica ou consequencial) que os une, sendo aplicável no caso a regra do concurso material. Assim, responderá o agente pelos crimes de homicídio qualificado (pela conexão teleológica ou consequencial) em concurso material com o “outro crime”.   

2.11.6. Comunicabilidade das circunstâncias qualificadoras entre os agentes

A comunicabilidade a que nos referimos diz respeito, por óbvio, às situações em que haja concurso de agentes para a prática do homicídio qualificado.

Havendo o concurso em evidência, ou seja, quando duas ou mais pessoas concorrem para o homicídio, surgirá o questionamento se a circunstância qualificadora identificada se aplica a todas elas. A solução para essa dúvida está no estudo da comunicabilidade das circunstâncias, genericamente prevista no art. 30 do CP.

Nesse ponto, após transcrever o art. 30 do CP (“Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”), Capez (2006, v.2, pp. 62-63) pontua:

Disso resulta que as circunstâncias qualificadoras, que são dados acessórios agregados ao crime para agravar a pena, quando tiverem caráter subjetivo (motivos determinantes do crime, p. ex., motivo fútil, homicídio praticado mediante paga ou promessa de recompensa) não se comunicam jamais ao partícipe. No entanto, se tiverem caráter objetivo, por exemplo, homicídio cometido mediante emboscada, haverá a comunicação se for do conhecimento do partícipe a presença da circunstância material, ou seja, se com relação a ela tiver agido com dolo ou culpa. Se desconhecida a presença da mesma, não poderá responder pela figura qualificada do homicídio.

2.11.7. Outras peculiaridades

A premeditação não é circunstância qualificadora do homicídio.

Havendo a pluralidade de circunstâncias qualificadoras, apenas uma será utilizada para qualificar o delito e as demais devem ser utilizadas na dosimetria da pena (havendo divergência quanto em que fase deverá se dar essa utilização)[24].

É possível a forma “qualificada-privilegiada” de homicídio em certos casos[25]. Contudo, a doutrina majoritária considera que o homicídio sob tal classificação não deve ser considerado crime hediondo[26].

Homicídio doloso – causa especial de aumento de pena (art. 121, §4º, parte final)

Dispõe o dispositivo em epígrafe que: “(...) Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) ou maior de 60 (sessenta) anos”.

Trata-se de causa de aumento de pena a ser considerada, por evidente, na terceira fase da dosimetria da pena. Não é uma qualificadora.

A norma traz uma severidade adicional quando o homicídio doloso, seja ele simples, privilegiado ou qualificado tem como vítima criança ou idoso nas condições que especifica.   

Homicídio culposo

O CP incrimina a modalidade culposa de homicídio com os seguintes termos:

Homicídio culposo§3º. Se o homicídio é culposo:Pena – detenção, de 1(um) a 3(três) anos.

Delimita Rogério Sanches Cunha (2008, v.3, p. 24) que:

Ocorre o homicídio culposo quando o agente, com manifesta imprudência, negligência ou imperícia ,deixa de empregar a atenção ou diligência de que era capaz, provocando, com sua conduta, o resultado lesivo (morte), previsto (culpa consciente) ou previsível (culpa inconsciente), porém jamais aceito ou querido.

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A culpa “é o elemento normativo da conduta. A culpa é assim chamada porque sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe se ela está ou não presente” (CAPEZ, 2003, v. 1, p. 191).

Importante observar que quando o indivíduo incorre em uma conduta culposa ele não almeja com sua conduta um objetivo ilícito, mas age com imprudência, negligência ou imperícia, vindo a ferir um bem juridicamente protegido.

Note-se que existem alguns elementos exigíveis para configuração do delito culposo, quais sejam (GRECO, 2007, v.I, p. 197):

conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva;

inobservância de um dever objetivo de cuidado (negligência, imprudência ou imperícia);

c) o resultado lesivo não querido, tampouco assumido, pelo agente;                        d) nexo de causalidade entre a conduta do agente que deixa de observar o seu dever de cuidado e o resultado lesivo dela advindo;                        e) previsibilidade;                        f) tipicidade.

Quando se fala em delito culposo deve-se ter em mira, primordialmente, o disposto no art. 18 do CP:

Art. 18. Diz-se o crime:(...)Crime culposoII – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Os contornos delineados no CP, conforme se viu, impõem que o crime somente será punido em sua forma culposa se houver previsão legal nesse sentido (no caso do crime de homicídio já se observou que há – art. 121, §3º). E somente existirá conduta proscrita se o agente tiver incorrido em imprudência, negligência ou imperícia.

Imprudência: corresponde a uma conduta positiva, onde o sujeito age sem a cautela necessária, vindo a provocar um resultado lesivo;

Negligência: corresponde a um deixar de fazer, ou seja, o sujeito se abstém de fazer aquilo que a diligência normal impõe;

Imperícia: corresponde a uma inaptidão, momentânea ou não, de um profissional para a atividade ou ofício que deveria dominar.

Apesar da sintética delimitação supra, cabe alertar que a diferenciação entre imprudência, negligência e imperícia, em muitos casos é de extrema dificuldade, considerando os pontos comuns existentes entre tais institutos[27].

O preceito incriminador do crime culposo configura-se um tipo penal aberto[28], considerando que não descreve com exatidão a conduta proscrita, ao contrário do que ocorre com o tipo doloso (tipo fechado). Daí Capez afirmar (2006, v.2, p. 66) que: “A culpa não está descrita nem especificada, mas apenas prevista genericamente no tipo, isso porque é impossível prever todos os modos em que a culpa pode apresentar-se na produção do resultado morte”.

Traçados os parâmetros, em grande parte gerais, sobre o homicídio culposo, cabe ainda assentar os seguintes pontos:

não há a compensação de culpa do sujeito passivo com a culpa do sujeito ativo para fins de isenção de pena. Havendo culpa recíproca, contudo, a culpa da vítima poderá ser utilizada positivamente na valoração das circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) no momento da fixação da pena do autor do crime;

“com o advento da Lei 9.503/97, o homicídio culposo decorrente da direção de veículo automotor passou a subsumir-se ao disposto no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro (princípio da especialidade), punido com detenção de 2 a 4 anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir” (CUNHA, 2008, v.3, p. 24).

2.13.1. Causas especiais de aumento de pena do homicídio culposo

Estabelece o art. 121, §4º - primeira parte, do CP:

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§4º. No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. (...)

Observa-se, portanto, que a legislação impõe um aumento fixo na quantidade da pena (de um terço - a ser aplicado na terceira fase da dosimetria) àquele que cometeu homicídio culposo nas circunstâncias especificadas:

se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício: é pressuposto dessa causa de aumento, segundo orientação predominante, que o agente seja um profissional tecnicamente capacitado para o exercício da profissão, arte ou ofício no desempenho da qual veio a provocar o dano que lhe é imputado a título de culpa. Cabe destacar, seguindo os passos de Andreucci (2008, p. 166) que: “A inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício não se confunde com a imperícia. Na inobservância da regra técnica, o agente conhece a regra técnica que não observou. Já na imperícia, existe a inabilidade ou insuficiência profissional. Exemplo de inobservância da regra técnica seria o médico não providenciar a esterilização dos instrumentos que vai utilizar na cirurgia”.  Essa distinção encontra ressonância na maioria da doutrina, com espelho nas lições de Nélson Hungria. Nucci (2006, pp.538-539), contudo, afirma (com toda razão) que tal causa de aumento acaba caindo na inaplicabilidade, considerando que na maioria das situações em que poderia ser aplicada, na realidade ela já seria uma circunstância caracterizadora da culpa, não podendo ser utilizada, portanto, novamente como circunstância majorante, sob pena de se incorrer em bis in idem;

se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima: nessa hipótese há uma espécie de omissão de socorro por parte do agente responsável pelo crime culposo, que podia ajudar a vítima sem risco pessoal no intuito de tentar evitar o resultado morte[29]. Nesse caso, ele não responderá pelo crime autônomo de omissão de socorro (art. 135 do CP), mas sim terá a pena do homicídio culposo agravada. “Se a vítima é socorrida imediatamente por terceiros, não incide o aumento, bem como no caso de morte instantânea[30], circunstâncias estas que tornam inviável a assistência” (CUNHA, 2008, v.3, p. 25). Igualmente não incide a majorante se o agente também se machuca, e se retira do local dos fatos visando buscar socorro para si próprio. Por fim, repise-se que o Código Penal não regula homicídio culposo quando este decorre de acidente de trânsito, e nessa linha, também não se aplica a majorante em questão (prevista no CP) em tal caso, pois o CTB, em regulação específica, prevê expressamente a seguinte causa de aumento: “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II – praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;  III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros; V – estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos”[31];

se o agente não procura diminuir as conseqüências do seu ato: esta hipótese já é englobada pela anterior; sendo, portanto, redundante, segundo a maioria da doutrina (CAPEZ, 2006, v.2, p. 74). Há autores, contudo, que vislumbram exemplos em que a ocorrência em deslinde não se encaixa nos termos da omissão de socorro. Nesse passo Greco (2007, v.II, p. 182) exemplifica: “a exemplo daquele que, sabendo que a vítima não possui condições financeiras para arcar com o custo do tratamento e medicamentos, não a auxilia materialmente nesse sentido, deixando-a à própria sorte, ou também naquele caso em que o agente, ameaçado de ser linchado pela população revoltada com o seu comportamento, não busca socorro nas autoridades”;

se o agente foge para evitar sua prisão em flagrante: a doutrina contemporânea questiona a constitucionalidade dessa majorante[32], considerando que a mesma pressupõe a obrigação do indivíduo se entregar à polícia, em contraponto ao reconhecimento por nossa ordem jurídica que nenhum indivíduo tem a obrigação de se auto incriminar. Apesar disso, ainda se admite a sua aplicação, estando em vias de consolidação apenas os seguintes entendimentos[33]: i) em caso de linchamento iminente não se exige que o indivíduo aguarde a polícia para lhe prender, sendo admissível sua fuga; ii) se o indivíduo prestou socorro à vítima, torna-se incabível a prisão em flagrante do infrator, segundo aplicação analógica do art. 301 do CTB.

2.13.2. Perdão judicial no homicídio culposo

Conceitua Rogério Sanches Cunha (2008, v.3, p. 26): “Perdão judicial é o instituto pelo qual o juiz, não obstante a prática de um fato típico e antijurídico por um sujeito comprovadamente culpado, deixa de lhe aplicar, nas hipóteses taxativamente previstas em lei, o preceito sancionador cabível, levando em consideração determinadas circunstâncias que concorrem para o evento. Em casos tais, o Estado perde o interesse de punir”.

Nesse andar, prevê o artigo 121, §5º, do CP:

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§5º. Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

Relembre-se que o perdão judicial acarreta a extinção da punibilidade do agente (art. 107, IX, do CP). A sentença que o reconhece é meramente declaratória de extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório (Súmula 18 do STJ). O crime objeto do perdão, portanto, não deve ser considerado para efeitos de reincidência do autor (art.120 do CP).

O instituto em desate somente é admissível nos casos previstos em lei.

É isto que ocorre com o art. 121, §5º, conforme se vê ao norte (permite expressamente o perdão judicial). Assim, mesmo diante da existência do crime e identificação de sua autoria, o juiz se vê conduzido a extinguir a punibilidade do agente se reconhecer a presença dos fatores condicionantes legislados.

O texto do dispositivo em exame (§5º) diz que o juiz poderá conceder o perdão (ou seja, deixa de aplicar a pena). Nesse ponto discute a doutrina se esse “poderá” é ou não uma faculdade do magistrado; sendo posição dominante que há, na realidade, um direito público subjetivo do réu de não lhe ser aplicada a sanção, se presentes no seu caso concreto as condicionantes abstratamente posicionadas no dispositivo permissivo. Quer dizer: se houverem provas que, no caso do homicídio culposo, as consequências do crime atingiram o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se tornou desnecessária, o juiz deverá, obrigatoriamente, conceder o perdão judicial[34].

As consequências que podem ensejar a concessão do perdão judicial, como se viu, devem atingir o agente de forma extremamente grave. Daí Capez (2006, v.2, pp. 76-77) ensinar que:

As consequências a que se refere o §5º podem ser: a) físicas – o agente também acaba sendo lesionado de forma grave (p.ex., teve as suas pernas amputadas, ficou tetraplégico, cego, teve o seu rosto desfigurado); b) morais – dizem respeito à morte ou lesão de familiares do agente (p.ex., o pai, a mãe, os filhos, a esposa, o irmão), incluindo-se aqui a morte ou lesão da concubina do agente, ou então as pessoas de qualquer forma ligadas ao agente por afinidade (p.ex., noiva do agente, amigos íntimos). Observe-se que cada caso exige uma análise concreta, não havendo presunção de que as conseqüências da infração atingiram o agente de forma grave ante a tão-só constatação da relação de parentesco ou afinidade entre ele e a vítima.

Ação penal

A ação penal pertinente ao crime de homicídio (seja ele doloso ou culposo) é pública incondicionada.

Em se tratando de homicídio doloso, é competente o tribunal do júri para apreciar e julgar o caso (art. 5º, XXXVIII).

INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO

Está previsto no art. 122 do CP, conforme segue:

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único. A pena é duplicada: Aumento de pena I – se o crime é praticado por motivo egoístico; II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Note-se que o legislador, com o tipo em deslinde, resolveu repelir a conduta daquele que se conduz no sentido de contribuir (moral ou fisicamente) para que outrem se suicide.

Racionalmente analisando, sabe-se que não há como punir o suicida, considerando que o mesmo já tirou sua própria vida. Aliás, mesmo que apenas tente o suicídio, não há lesividade que justifique a punição do agente, considerando que em tais condições direciona sua conduta contra sua própria vida. Diferente é o caso daquele que contribui para o suicídio, seja por instigar, induzir ou auxiliar o suicida, o qual na maioria das vezes está abalado psicologicamente. Contra este emerge como legítima a repressão estatal. É nisso que se pauta o art. 122 do CP.

Não se pode dizer, entretanto, que o suicida tem o direito de eliminar sua própria vida, considerando ser esta um bem indisponível. Disso resulta que quem atenta contra sua existência pratica um ato

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antijurídico, podendo ser compelido a cessar a autoagressão. Tanto isso é verdade que o art. 146, §3º, II, do CP, legitima a coação, quando esta se dá visando evitar que uma pessoa se suicide.  

Objeto jurídico

Protege-se com o tipo em estudo a vida humana.

Objeto material

É a pessoa que se suicida ou tenta suicidar-se.

Sujeito ativo

Qualquer pessoa. Trata-se de crime comum.

Sujeito passivo

Qualquer pessoa com capacidade de resistência e discernimento. Isto por que: “Quando o suicida é inimputável ou menor sem compreensão, não ocorrerá o delito em estudo, diante da capacidade de resistência nula da vítima, mas um homicídio típico. Aquele que convence uma criança de três anos ou um doente mental a matar-se pratica o crime mais grave porque a vítima, no caso, é mero instrumento do agente” (MIRABETE, 2008, v.II, p. 51).

A capacidade que nos referimos não diz respeito, exatamente, à noção de capacidade civil. Isto porque, mesmo o menor de dezoito anos pode ser considerado como sujeito passivo do crime insculpido no art. 122 do CP, se já tiver discernimento suficiente.

Nesse andar Greco (2007, v.II, p. 202) assevera com precisão:

Tem-se discutido a respeito dessa capacidade de discernimento. Os inimputáveis por doença mental, de forma geral, não a possuem. (...) No que diz respeito aos menores, tem-se raciocinado com o limite de 14 anos, fazendo-se um paralelo com a presunção de violência prevista pela alínea a do art. 224 do Código Penal. Merece ser frisado, contudo, que tal presunção é de natureza relativa, cedendo diante de caso concreto, pois pode acontecer a hipótese de que o agente induza um menor de 13 anos de idade a se matar, tendo este último pleno conhecimento da gravidade do ato que estava por praticar. Pode ocorrer, ainda, que a vítima se encontre numa situação em virtude da qual não tenha condições de resistir ao comportamento praticado pelo agente, como acontece nas hipóteses de hipnose. A vítima hipnotizada não possui controle sobre seus atos, não tendo, portanto, capacidade de autodeterminação, razão pela qual se induzida a atirar, por exemplo, contra a própria cabeça, o agente deverá responder pelo delito de homicídio.

A vítima tem que ser determinada (uma ou mais pessoas); de modo que, o crime em epígrafe não se aperfeiçoa se o sujeito ativo age em desfavor de pessoas indeterminadas. Isto pode se dar, p. ex., através de obras literárias que incentivem o suicídio.

Tipo objetivo

O tipo em evidência criminaliza as seguintes condutas:

induzir alguém a suicidar-se: induzir implica no fato do agente fazer nascer na mente da vítima a ideia de suicidar-se. Ex: alguém amargurado, mas sem a determinação de suicidar-se, procura um amigo para aconselhá-lo, e este, ao invés de consolá-lo, lhe aconselha eficazmente a tirar sua própria vida;

instigar alguém a suicidar-se: “instigar é fomentar uma ideia já existente. Trata-se, pois, do agente que estimula a ideia suicida que alguém anda manifestando” (NUCCI, 2006, p. 545). Ex: alguém, já com vontade de suicidar-se, encontra-se com outra pessoa que lhe incentiva a agir nesse sentido.

prestar auxílio para alguém suicidar-se: quando o agente não se limita em agir dentro do aspecto moral (através do induzimento e instigação), mas sim dá apoio material ao suicida. Ex: sujeito que, conscientemente, fornece uma corda para o suicida enfocar-se. Esse auxílio pode ser antes ou durante a prática do suicídio, porém deve se limitar a um aspecto secundário; ou seja, não pode o agente participar diretamente do suicídio, como, por exemplo, empurrando o suicida, a seu pedido, de um penhasco. Em casos desse gênero, responderá por homicídio. Em regra, o auxílio implica em uma conduta comissiva, havendo, contudo, penalistas que defendem ser ele também possível através da omissão. Nesse sentido: “Entendemos, como a maior parte da doutrina, ser admissível a prestação de auxílio por omissão, desde que o

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agente se encontre na posição de garante, quando, no caso concreto, devia e podia agir para evitar o resultado, razão pela qual poderá responder, de acordo com a norma de extensão prevista no §2º do art. 13 do Código Penal, pelo delito tipificado no art. 122 do mencionado diploma repressivo, se com a sua omissão dolosa contribuiu para a ocorrência do resultado morte da vítima” (CAPEZ, 2006, v.2, p. 89)[35].

Alerta Mirabete (2008, v.II, p. 54) que: “Necessária é a prova de que realmente houve uma relação de causalidade entre a conduta do agente e o suicídio, o que não ocorre, por exemplo, quando a instigação em nada acresceu da vontade do suicida, ou quando alguém, por exemplo, fornece um revólver e a vítima se elimina por enforcamento”.

Tipo subjetivo

Resume-se ao dolo (direto ou eventual), não havendo elemento subjetivo do tipo específico exigível para consumação do delito. Não há punição para a modalidade culposa.

Consumação e tentativa

O crime em apreciação somente se consuma com a morte da vítima ou quando esta sofre, em decorrência do fato, lesão corporal de natureza grave[36]. É, portanto, um crime material. As penas são diferentes, conforme ocorra um ou outro resultado, segundo apregoa o preceito secundário do art. 122: “(...) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave”. Quanto a este texto, esclarece Greco (2007, v.II, p. 209): “Quando a lei penal fala em tentativa de suicídio, obviamente, pela ilação que se faz do artigo, está se referindo à vítima que tentou contra a própria vida e sobreviveu, e não o comportamento praticado pelo agente”.  Disso resulta que o legislador, quando fala em tentativa, não está se referindo à tentativa do cometimento do crime previsto no artigo em evidência, mas sim dizendo que se o suicida não consegue concluir seu intento, mas provoca em si lesão corporal grave, a pena (aplicável a quem induziu, instigou ou auxiliou) é aquela que especifica. Não havendo, pelo menos, lesão corporal grave, o fato é atípico, sendo inadmissível a punição da tentativa (CAPEZ, 2006, v.2, pp. 92-93).

Forma majorada

O art. 122, parágrafo único, assim disciplina:

Parágrafo único. A pena é duplicada: Aumento de pena I – se o crime é praticado por motivo egoístico; II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Estamos diante de causas especiais de aumento de pena (majorantes especiais), tecnicamente falando. Devem, portanto, ser consideradas somente na terceira fase da dosimetria da pena.

Segundo se depreende da leitura do dispositivo supra transcrito, o aumento deve ser de 100% (cento por cento), ou seja, a pena encontrada na segunda fase da dosimetria deve ser dobrada, se presente alguma das majorantes previstas, as quais detalhamos a seguir:

crime praticado por motivo egoístico – nesse caso o agente busca satisfazer interesse pessoal (material ou moral)[37] com o delito, ou simplesmente almeja vantagem com o mesmo. Exs.: indivíduo que instiga pessoa a se matar visando receber herança; pessoa que auxilia outra a se suicidar porque tem inveja dela;

crime praticado contra vítima menor – quanto a esta majorante, explica Greco (2007, v.II, p. 210):“Quando a lei penal fala em vítima menor, está se referindo, portanto, àquela menor de 18 anos, data em que se inicia a maturidade penal, e maior de 14 (quatorze) anos. Caso a vítima não tenha, ainda, completado 14 (quatorze) anos, haverá uma presunção no sentido da sua incapacidade de discernimento, o que conduzirá ao reconhecimento do homicídio, afastando-se, portanto, o delito do art. 122 do Código Penal”. A presunção, segundo alerta o próprio autor citado, no tocante à vítima menor de 14 anos, é relativa, visto que no caso concreto poder-se-á identificar capacidade de discernimento suficiente que afastará a incidência do homicídio e atrairá a forma majorada do art. 122. De outro modo, em sendo a vítima maior de 14 e menor de 18 anos, também, segundo parte da doutrina (que entendemos equivocada[38]) não se pode dizer que nessas circunstâncias sempre será aplicável o aumento de pena, pois se a mesma for dotada de maturidade suficiente isto acarretará o não reconhecimento da majorante[39], mais uma vez revelando-se a presunção como relativa, ficando na dependência do caso concreto;

crime praticado contra vítima com capacidade de resistência diminuída por qualquer causa – aqui se tem casos de vítima maior de idade que, por outras razões, tem sua capacidade de resistência mental reduzida por qualquer causa. Ex: vítima embriagada, demente, angustiada etc.

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Classificação doutrinária

O art. 122 do CP tipifica um crime: comum (pode ser cometido por qualquer pessoa), simples (não resulta da fusão de dois ou mais tipos penais, mas sim apresenta tipo penal único), material (exige resultado naturalístico para consumação), doloso (não existe a forma culposa), instantâneo (a consumação não se protrai no tempo), comissivo (praticado, em regra, via ação, mas admite como exceção a forma omissiva no seu aspecto impróprio), de dano (pressupõe efetiva lesão ao bem jurídico protegido), unissubjetivo (é possível que apenas uma pessoa seja seu sujeito ativo), de forma livre (pode ser cometido por qualquer meio que atinja o resultado) e plurissubsistente (normalmente praticado através de mais de um ato).

Outras peculiaridades

Quanto ao crime em desate, resta-nos ainda registrar alguns aspectos peculiares.

Nesse intento, ressalte-se a interessante hipótese do suicídio conjunto (“pacto de morte”), seguindo as lições de Luis Regis Prado (2008, v.2, p. 86):

Importa, nesse passo, fazer alusão ao suicídio conjunto. Noutro dizer, à particular situação na qual duas pessoas combinam se matar (suicídio a dois ou pacto de morte). Caso ambas colaborem para o evento morte (v.g., abrindo a torneira de gás, vedando as aberturas de portas e janelas) e sobrevivam, caracterizado estará o homicídio tentado; se apenas uma delas sobrevive, responderá por homicídio consumado. Se avençam, por exemplo, um deles atirar no outro e, em seguida, matar-se, e assim o fazem, se sobrevive aquele que atirou, responderá pelo delito de homicídio consumado; todavia, se sobrevive o outro, incorre nas penas do delito de instigação ao suicídio.

Em outro vértice, mas igualmente preciosas, são as lições de Rogério Greco (2007, v.II, pp. 214-215), sobre a situação dos membros da seita denominada “Testemunhas de Jeová”, na ocasião em que se recusam a receber transfusão de sangue, a pretexto de que isto viola as leis de Deus, o que poderá implicar, em algumas circunstâncias, numa espécie de tentativa de suicídio. Referido autor defende a posição, que consideramos corretíssima, de que, assim ocorrendo, e diante de uma necessidade premente deve o médico agir, amparado pelo art. 146, parágrafo 3º, inciso I, do CP, no sentido de fazer a transfusão necessária para restabelecer a saúde do paciente. Podendo, se não o fizer, responder penalmente (crime omissivo impróprio) pelo resultado danoso que advier à pessoa que está sob seus cuidados profissionais. Caso o paciente seja incapaz, e os responsáveis, a despeito da determinação médica, resolvam, por exemplo, retirá-lo do hospital, vindo ele a falecer por falta da necessária transfusão de sangue, devem os agentes responder por homicídio, considerando a posição de garantes. Tal entendimento não implica em desrespeito à liberdade de crença religiosa amparada pela Carta Magna (art. 5º, VI), visto que ninguém tem o direito de se matar ou mesmo de permitir, com sua omissão diante de uma possível e exigível ação para impedir o resultado, que outra pessoa morra, segundo apregoa de forma insofismável a lei penal e a própria CF quando garante o direito à vida (art. 5º, caput).

Ação penal

No crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio a ação penal é pública incondicionada. O Tribunal do Júri é competente para o processamento e julgamento da ação, considerando tratar-se de crime doloso contra a vida.

INFANTICÍDIO

Está assim previsto no CP: “Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos”.

Explica Nucci (2006, p. 547) que o infanticídio “(...) trata-se do homicídio cometido pela mãe contra seu filho, nascente ou recém-nascido, sob a influência do estado puerperal. É uma hipótese de homicídio privilegiado em que, por circunstâncias particulares e especiais, houve por bem o legislador conferir tratamento mais brando à autora do delito, diminuindo a faixa de fixação da pena (mínimo e máximo)”.

Conforme se vê, o infanticídio nada mais é do que um homicídio que, dadas circunstâncias especializantes, o legislador resolveu tipificar e apenar de forma diferenciada. É a hipótese de um concurso aparente de normas penais (art. 121 em confronto com o art. 123 do CP), que se resolve pelo critério da especialidade, levando à aplicação do art. 123.

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Objeto jurídico

É a vida humana; mais especificamente a vida do nascente (que está nascendo) ou do neonato (recém-nascido).

Objeto material

É a criança que sofre a agressão[40].

Sujeito ativo

Somente a mãe sob a influência de estado puerperal é que pode ser sujeito ativo. Trata-se de crime próprio. Há, todavia, a possibilidade de terceiro, que aja em concurso com a mãe, responder pelo delito em tela.

No tocante ao concurso de pessoas no crime de infanticídio, Capez (2006, v.2, pp. 106-108) antevê as seguintes possibilidades: 1ª) mãe que mata o próprio filho, contando com a participação de terceiro; 2ª) terceiro que mata o recém-nascido, contando com a participação da mãe; 3ª) mãe e terceiro que atuam em co-autoria matando a vítima; concluindo que em ambos os casos, tanto a mãe quanto o terceiro concorrente devem responder pelo crime em deslinde. Tal solução jurídica decorre do fato de que, segundo a teoria monista ou unitária, adotada como regra pelo CP, no concurso de pessoas os agentes devem responder pelo mesmo crime. Não é possível, pois, se afirmar que o terceiro deve responder por homicídio e a mãe por infanticídio em qualquer das hipóteses citadas.

Importante ressalvar, porém, que para haver comunicabilidade das circunstâncias elementares do art. 123 (fato este que leva à imputação única aos concorrentes – conforme art. 30 do CP[41]) é imprescindível que o terceiro aja tendo conhecimento das mesmas[42]; ou seja, tem que saber que está concorrendo com uma mãe que, sob a influência de estado puerperal, concorre para tirar a vida de seu próprio filho, durante ou logo após o parto. Se não tiver consciência dessas variáveis, deve responder por homicídio. Seria o exemplo do terceiro que ajuda uma mulher a matar uma criança sem saber que a vítima é filho dela. Nesse caso, as elementares do art. 123 não se comunicarão, vindo o terceiro a responder por homicídio, enquanto que a parturiente responderá pelo crime de infanticídio. 

Sujeito passivo

É o ser humano que está nascendo ou que acabou de nascer, segundo dicção do próprio art. 123.

Tipo objetivo

Consoante já explicitado; ocorre o crime de infanticídio quando, durante o parto ou logo após, a parturiente (mãe) mata, sob influência do estado puerperal, o próprio filho.

A tipificação traz algumas elementares que podem gerar dificuldades de interpretação, conforme se destaca a seguir:

Durante o parto ou logo após                        O marco temporal inicial para cometimento do crime de infanticídio se identifica com o início do parto. Não há, contudo, concordância da doutrina no tocante ao momento exato em que se inicia o parto. Greco (2007, v. II, p. 222), após fundamentar sua posição, conclui que este momento é marcado pela dilatação do colo do útero[43], em se tratando de parto natural; ou com as incisões na camada abdominal, no caso de parto através de cirurgia cesariana. Há, contudo, autores que defendem que o início do parto se dá apenas com o rompimento da membrana amniótica[44]. A diferença em questão é relevante, pois antes do “início do parto” o crime cometido contra a criança ainda no ventre da mãe é tido como de aborto, enquanto que depois o crime passa a ser de homicídio ou de infanticídio, dependendo do caso concreto.

Em seguimento, necessário definir o que o art. 123 em análise quer dizer com “logo após” o parto, pois tal expressão delimita o termo final em que poderá ser cometido o infanticídio. Não há, também, concordância na doutrina quanto ao exato momento em que se implementa este termo. Para Capez (2006, v. 2, pp. 102-102), a expressão logo após o parto deve alcançar o mesmo período que durar o estado puerperal exigível como elementar do crime de infanticídio. Greco (2007, v.II, pp. 222-223) não aceita posição nesse sentido, afirmando que nos casos em que o puerpério dure longo período, não é razoável entender que a mãe que tira a vida do seu filho muito depois do parto seja beneficiada com a incidência do tipo de infanticídio, que afasta a imputação do homicídio (crime mais grave). Referido autor prefere defender que em casos do gênero deverá ser utilizado o princípio da razoabilidade, procurando evitar lapso temporal muito grande entre o parto e o crime, considerando

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que o legislador utilizou no tipo a expressão “logo após” o parto e não apenas “após o parto”. Quanto ao ponto abordado, Mirabete (2008, v.II, pp. 60-61) leciona que:

Não fixa a lei o limite de prazo após o parto em que ocorre o infanticídio e não homicídio. Almeida Jr., que se referia a um prazo preciso, de até sete dias, passou a admitir que se deve deixar a interpretação ao julgador. Bento de Faria refere-se ao prazo de oito dias, em que ocorre a queda do cordão umbilical. Flamínio Fávero também se inclina para a orientação de deixar ao julgador a apreciação. Costa e Silva afirma que ‘logo após’ que dizer ‘enquanto perdura o estado emocional’. Damásio estende o prazo até enquanto perdurar a influência do estado puerperal. Na jurisprudência, tem-se entendido que, se apresentando de relativo valor probante a conclusão para a verificação do estado puerperal e assumindo relevo as demais circunstâncias que fazem gerar a forte presunção do delictum exceptum (RT 506/362, RJTJESP 14/391), o prazo se estende durante o estado transitório de desnormalização psíquica (RT 442/409).

Influência do estado puerperal

Indispensável, no infanticídio, que a conduta da mãe seja influenciada por transtornos típicos do estado puerperal. De início, deve-se entender no que consiste o estado em questão. Nesse particular, Nucci (2006, p. 548) leciona que: “Estado puerperal: é o estado que envolve a parturiente durante a expulsão da criança do ventre materno. Há profundas alterações psíquicas e físicas, que chegam a transtornar a mãe, deixando-a sem plenas condições de entender o que está fazendo. É uma hipótese de semi-imputabilidade que foi tratada pelo legislador com a criação de um tipo especial. O puerpério é o período que se estende do início do parto até a volta da mulher às condições pré-gravidez. Como toda mãe passa pelo estado puerperal – algumas com graves perturbações e outras com menos -, é desnecessária a perícia”. Note-se que o simples fato da mãe está em estado puerperal não é suficiente para caracterizar o infanticídio, devendo (além de atender às outras elementares, por óbvio) agir sob influência do mesmo quando se conduz no sentido de tirar a vida do seu filho. Por essa razão que Greco (2007, v.II, pp. 219-220) faz a seguinte diferenciação:

Podemos, a título de ilustração, identificar três níveis de estado puerperal, a saber: mínimo, médio, máximo.Se a parturiente, embora em estado puerperal, considerado de grau mínimo, não atua, por essa razão, influenciada por ele, e vem a causar a morte de seu filho, durante ou logo após o parto, deverá responder pelo delito de homicídio.Em sentido diametralmente oposto, se a parturiente, completamente perturbada psicologicamente, dada a intensidade do seu estado puerperal, considerado aqui como de nível máximo, provocar a morte de seu filho durante o parto ou logo após, deverá ser tratada como inimputável, afastando-se, outrossim, a sua culpabilidade e, consequentemente, a própria infração penal.(...)Numa situação intermediária encontra-se a gestante que atua influenciada pelo estado puerperal e, assim, vem a dar causa à morte de seu filho durante o parto ou logo após, sendo o seu estado puerperal considerado de grau médio. Este, para nós, é o que fora adotado pelo Código Penal e que caracteriza, efetivamente, o delito de infanticídio.

Nota-se pelas lições transcritas supra, que a interferência em grau máximo das manifestações inerentes ao estado puerperal, sempre consideradas sob o aspecto biopsíquico, podem levar à inimputabilidade da parturiente, conduzindo à exclusão da culpabilidade (ex vi art. 26 do CP); afastando, portanto, qualquer imputação penal.

Tal orientação também encontra ressonância nas lições de Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 98), que, adicionalmente, antevê a possibilidade do reconhecimento de semi-imputabilidade da parturiente quando a manifestação do estado puerperal espelhar as circunstâncias previstas no art. 26, parágrafo único, do CP. Eis as palavras do insigne autor:

Questão importante consiste em saber se o estado puerperal, enquanto elemento indispensável à caracterização do infanticídio, se harmoniza com o disposto no artigo 26 do Código Penal. Apesar de algumas opiniões dissonantes, é bem possível o reconhecimento da influência do estado puerperal e também da inimputabilidade (art. 26, caput, CP) ou da semi-imputabilidade da parturiente (art. 26, parágrafo único, CP), conforme o caso. 

Tipo subjetivo

O infanticídio demanda conduta dolosa, não havendo previsão da forma culposa para a espécie. O dolo pode ser direto ou eventual.

Acaso a mãe provoque, por culpa, a morte do filho nascente ou neonato, deve responder por homicídio culposo, mesmo que se encontre sob a influência do estado puerperal; que não provoca, como se viu, necessariamente, a inimputabilidade da parturiente[45].

Consumação e tentativa

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O delito em deslinde é um crime material, ou seja, exige resultado naturalístico para sua consumação (no caso: a morte do nascente ou neonato). Para tanto, é imprescindível a prova de que a vítima estava viva antes da ação da mãe. É perfeitamente possível a tentativa de infanticídio quando a parturiente, por razões alheias à sua vontade, mesmo após realizar atos executórios, não consegue consumar o delito.

Classificação doutrinária

É um crime próprio (somente pode ser praticado pela própria mãe da vítima, sob a influência do estado puerperal; sendo, contudo, segundo já se demonstrou, admissível o concurso de outras pessoas); doloso;comissivo (admitindo, contudo, a forma omissiva imprópria dada a condição de garante da mãe – art. 13, parágrafo 2º, do CP); de dano (exige lesão ao bem jurídico protegido para sua consumação); instantâneo (sua consumação não se protrai no tempo); material (exige resultado naturalístico para sua consumação); unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa); plurissubsistente (vários atos integram a conduta); de forma livre (pode ser cometido de qualquer forma idônea a produzir o resultado); e não transeunte (deixa vestígios).

Ação penal

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada. Trata-se de crime sujeito à competência do Tribunal do Júri, visto que doloso contra a vida.

ABORTO

Mirabete (2008, v.II, p. 62) ensina que: “Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes de sua expulsão. Não deixará de haver, no caso, o aborto”.

Acrescente-se nas lições acima transcritas que o tipo penal do aborto somente protege a vida intra-uterina, ou seja, apenas há a proteção após a fixação do concepto no útero materno. Antes disso, a agressão ao produto da concepção constitui-se fato atípico.

Fala a doutrina das seguintes espécies de aborto:

aborto natural - ocorrido de forma espontânea. O próprio organismo da mãe rejeita o ser em desenvolvimento intra-uterino, determinando assim a sua eliminação (não há crime);

aborto acidental – provocado por fatalidades (quedas, choques etc.), nele também não há crime;

aborto criminoso – pressupõe conduta dolosa humana que determina a supressão do nascituro. Como o próprio nome indica, constitui-se crime;

aborto permitido ou legal – quando a lei admite o aborto voluntariamente provocado (não há crime). Subdivide-se em: d.1) aborto terapêutico ou necessário (previsto no art. 128, I, do CP) – visa salvar a vida da gestante, sendo permitido quando a gravidez acarreta sérios riscos de vida à mulher; d.2) aborto sentimental, humanitário ou ético (previsto no art. 128, II, do CP) – admissível quando a mulher foi vítima de estupro que causou a gestação;

aborto eugênico, eugenésico ou piedoso – provocado com vistas a evitar que nasça uma criança com graves defeitos genéticos. A legislação brasileira não permite expressamente essa prática. Há, contudo, grandes discussões permeando o tipo de aborto em epígrafe, principalmente quando se trata da eliminação voluntária do feto com anencefalia[46], existindo remansosa doutrina que defende a legalidade do mesmo (vide item específico adiante) a despeito do vácuo legislativo quanto à matéria;

aborto miserável ou econômico-social – provocado tendo em vista o pressuposto de que não haverá condições econômicas e sociais para a criança viver com dignidade, evitando-se assim o seu nascimento. É também criminalizado em nosso país;

aborto “honoris causa” – provocado para resguardar a honra da mulher que engravidou. Pratica-se o aborto como forma de esconder a gravidez. Constitui-se crime;

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aborto estético – provocado com vistas a preservar a beleza do corpo da mulher. Interrompe-se a gravidez por se entender que ela provocará alterações no corpo da gestante que reduzirão sua beleza. Seriam os casos de bailarinas, modelos etc., que interrompem a gravidez para evitar que ela altere a estética corporal. Também se constitui crime.

A tipificação do crime de aborto, em nosso CP, distingue as seguintes subespécies de aborto criminoso:

auto-aborto ou aborto provocado com o consentimento da gestante (art. 124);

aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125);

aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (art. 126).

Não se constitui crime o aborto provocado culposamente.

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (art. 124 do CP)

Prevê o CP a seguinte conduta típica: “Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de 1(um) a 3(três) anos.”

Note-se que no tipo em evidência a conduta incriminada é a da gestante que “provoca” aborto em si mesma, ou “consente” que terceiro o faça. Na segunda hipótese, o terceiro responderá pelas penas do art. 126 do CP, pois a conduta típica descrita no artigo 124 não abarca a conduta deste, apenas da gestante (que, no caso, apenas consente).

Objeto jurídico

Em se tratando de auto-aborto (quando a própria gestante provoca o aborto, eliminando o filho que carrega no ventre), o único bem jurídico protegido é a vida intra-uterina, ou seja, a vida humana ainda em desenvolvimento. Quando o aborto é provocado por terceiro, além da vida intra-uterina (vida em desenvolvimento, do ser que se encontra no útero materno), tutela-se a vida e a incolumidade física e psíquica da própria gestante[47]. O artigo 124, contudo, não alcança a proteção dos bens jurídicos pertinentes à gestante, considerando que se volta somente para reprimir a conduta desta (sob o aspecto da conduta principal), impossibilitando que a mesma seja, em igual tempo, sujeito ativo e passivo do crime.

Quanto ao objeto jurídico do delito em estudo, cabe uma digressão no sentido de investigar uma resposta para a seguinte pergunta: a partir de quando tem início a vida em desenvolvimento protegida pelo tipo do aborto?

Nesse ponto explica Greco (2007, v.II, p. 240) com precisão: “A vida tem início a partir da concepção ou fecundação, isto é, desde o momento em que o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozóide masculino. Contudo, para fins de proteção por intermédio da lei penal, a vida só terá relevância após a nidação, que diz respeito à implantação do óvulo já fecundado no útero materno, o que ocorre 14 (quatorze) dias após a fecundação”.

Assim sendo, não se considera aborto a utilização de remédios ou outros meios que visem impedir a implantação do óvulo fecundado no útero materno. Somente há aborto, portanto, quando se elimina a vida que já está se desenvolvendo dentro do útero materno (intra-uterina).

A incidência do crime em estudo, como se viu, somente se dá a partir da nidação; sendo possível até o início do parto. Quer dizer: pode-se cometer o crime de aborto apenas a partir da nidação e até o início do parto (que entendemos ocorrer com a dilatação do colo do útero, no parto natural; ou com as incisões abdominais, em caso de parto cesáreo). Iniciado o parto, a conduta voltada a agredir o nascente ou neonato pode vir a caracterizar o crime de infanticídio ou homicídio, conforme o caso.

A afirmação de que a partir da nidação se dá a proteção instituída pelo crime de aborto tem absoluta simetria com a afirmação de que o tipo em deslinde protege a vida intra-uterina (em desenvolvimento dentro do útero). A partir dessa percepção, discute-se na doutrina se há aborto quando se elimina óvulo em desenvolvimento que se encontra alojado em outra parte do corpo humano (casos de gravidez ectópica[48] e tubária[49], por exemplo). Diante dessa problemática posiciona-se Greco (2007, v.II, p. 241) no sentido de que a eliminação do óvulo em desenvolvimento fora do útero não acarreta o delito de aborto.    

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5.1.2. Objeto material                        O ser humano em formação no útero materno.

Sujeito ativo

Trata-se de crime de mão própria, praticável somente diretamente pela gestante. É possível a participação de terceiros (concurso de pessoas); sendo inadmissível, contudo, a co-autoria.

Sujeito passivo

Igualmente ao objeto material, é o nascituro[50] vivo alojado no útero materno (óvulo fecundado, embrião ou feto, conforme o tempo de gestação).

Tipo objetivo

Consoante se percebe nitidamente da simples leitura do seu texto, o art. 124 espelha duas figuras distintas:

1ª) provocar aborto em si mesma

Nesse caso a própria gestante age no sentido de suprimir sua gravidez. Mata seu filho que ainda se encontra em desenvolvimento intra-uterino. Segundo Nucci (2006, p. 550), provocar significa dar causa ou determinar o acontecimento. O terceiro que age em conjunto com a gestante, na hipótese de co-autoria deve responder pelo crime previsto no art. 126 do CP. Trata-se de exceção à teoria monista ou unitária (adotada como regra pela nossa legislação penal – art. 29, caput, do CP). Se o terceiro figura apenas como partícipe, deve responder em conjunto com a gestante pelo delito do art. 124.

2ª) consentir, a gestante, que terceiro nela provoque aborto

Nesta hipótese a grávida apenas consente voluntariamente que outrem nela provoque o aborto. O núcleo do tipo dessa segunda figura é simplesmente “consentir”, que significa admitir, deixar fazer, tolerar etc. Aqui se exige uma conduta de terceira pessoa que provoca o aborto, a qual responderá pelo crime previsto no artigo 126 do CP. No tocante ao concurso de pessoas, é possível que na conduta de “consentir” haja a participação de terceira pessoa (instigando ou induzindo a gestante a “consentir”), porém é inadmissível a co-autoria, visto que a conduta nuclear cabe exclusivamente à gestante.

5.1.6. Tipo subjetivo                        Somente é punível na forma dolosa (dolo direto ou eventual). Não há previsão de punição para a conduta culposa.

5.1.7. Consumação e tentativa

Por ser um crime material, consuma-se com a morte do nascituro alojado no útero materno. É indispensável, portanto, que a vítima esteja viva no momento da ação ou omissão; caso contrário ocorrerá hipótese de crime impossível por absoluta impropriedade do objeto (art. 17 do CP), tornando o fato atípico. De outro modo, não se exige que a vítima seja viável (ou seja, que a mesma tenha a possibilidade concreta de desenvolvimento), bastando que esteja viva.

É perfeitamente possível a tentativa.

5.1.8. Classificação doutrinária

É um crime de mão própria (somente pode ser praticado pessoalmente pela própria gestante; sendo, contudo, segundo já se demonstrou, admissível o concurso de outras pessoas, mas apenas como partícipes); doloso;comissivo (admitindo, contudo, a forma omissiva imprópria dada a condição de garante da gestante – art. 13, parágrafo 2º, do CP); de dano (exige lesão ao bem jurídico protegido para sua consumação); instantâneo (sua consumação não se protrai no tempo); material (exige resultado naturalístico para sua consumação); unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa; porém quando o aborto é apenas consentido pela gestante, exige a atuação de uma outra pessoa, tornando-se plurissubjetivo, embora que o terceiro deva responder pelo crime do art. 126 do CP[51]); plurissubsistente(vários atos integram a conduta); de forma livre (pode ser cometido de qualquer forma idônea a produzir o resultado); e não transeunte (deixa vestígios).

5.1.9. Ação penal

É de iniciativa pública incondicionada.

Page 20: Classificaçao dos crimes contra a vida

5.2. Aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125 do CP)                        Prevê o CP a seguinte conduta típica: “Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de 3(três) a 10(dez) anos.”

Aqui a conduta incriminada é de uma terceira pessoa que, sem a aquiescência da gestante, se conduz no sentido de eliminar a vítima alojada no ventre da mãe.              

5.2.1. Objeto jurídico

É a vida intra-uterina e também a vida e integridade física da gestante.

5.2.2. Objeto material

O ser humano em formação no útero materno e a gestante.

5.2.3. Sujeito ativo                        Trata-se de crime comum, praticável por qualquer pessoa. Admite-se o concurso de pessoas, tanto na modalidade de co-autoria quanto de participação.

5.2.4. Sujeito passivo

Igualmente ao objeto material, é o ser humano em formação no útero materno e a gestante.

5.2.5. Tipo objetivo

No tipo em desate, terceira pessoa, sem a concordância da gestante, dirige sua conduta no sentido de provocar o aborto. Ressalte-se que a discordância da grávida não precisa ser manifestada de forma expressa, bastando que haja o desconhecimento por parte dela das manobras abortivas que eventualmente estejam sendo executadas[52]. Exemplo: homem que, sem o conhecimento de sua namorada, coloca remédio em sua bebida para que a mesma aborte. Isso não significa que a mulher deve, obrigatoriamente, manifestar a sua concordância de forma expressa para afastar a hipótese de ausência de consentimento, pois se admite que sua aquiescência seja fornecida tacitamente, ou seja, quando ela sabe o que está sendo feito, mas mesmo assim assente com a continuidade do ato a hipótese é de aborto consentido. O importante para esses efeitos é que a grávida tenha conhecimento da execução da manobra abortiva, e mesmo assim, podendo dissentir, não tome nenhuma atitude nesse sentido.

Lembre-se, não obstante, que o artigo 126, parágrafo único, conforme se verá a seguir, prevê situações em que o assentimento da grávida não tem o condão de forçar o enquadramento da conduta do terceiro nos termos do art. 126, caput, do CP, por ser ele viciado.

O consentimento (concordância) posterior (após a execução das manobras abortivas) da gestante não faz com que o agente venha a responder pelo crime previsto no artigo 126 do CP, mas sim pelo artigo 125.

5.2.6. Tipo subjetivo

Somente é punível na forma dolosa (dolo direto ou eventual). Não há previsão de punição para a conduta culposa.

5.2.7. Consumação e tentativa

Por ser um crime material, consuma-se com a morte do nascituro alojado no útero materno.

É perfeitamente possível a tentativa.

5.2.8. Classificação doutrinária

É um crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); doloso; comissivo (admitindo, contudo, a forma omissiva imprópria, quando o sujeito ativo ocupa a posição de garante – art. 13, parágrafo 2º, do CP);  de dano(exige lesão ao bem jurídico protegido para sua consumação); instantâneo (sua consumação não se protrai no tempo);material (exige resultado naturalístico para sua consumação); unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa);plurissubsistente (vários atos integram a conduta); de forma livre (pode ser cometido de qualquer forma idônea a produzir o resultado); e não transeunte (deixa vestígios).

5.2.9. Ação penal

É de iniciativa pública incondicionada.

Page 21: Classificaçao dos crimes contra a vida

Aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (art. 126 do CP)

Prevê o CP a seguinte conduta típica:

Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de 1(um) a 4(quatro) anos.Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Aqui, igualmente ao que ocorre no art. 125, a conduta incriminada é de uma terceira pessoa que provoca o aborto, mas no presente caso, com o consentimento da grávida.

5.3.1. Objeto jurídico

É somente a vida intra-uterina.

5.3.2. Objeto material

O ser humano em formação no útero materno.

5.3.3. Sujeito ativo

Trata-se de crime comum, praticável por qualquer pessoa. Admite-se o concurso de pessoas, tanto na modalidade de co-autoria quanto de participação[53].

5.3.4. Sujeito passivo

Igualmente ao objeto material, é o ser humano em formação no útero materno.

5.3.5. Tipo objetivo

O tipo exterioriza, como já se disse, conduta de terceira pessoa, tendente a provocar aborto com o consentimento da grávida. Imprescindível observar que essa concordância deve ser válida, pois caso contrário o proceder deverá ser enquadrado nos termos do art. 125 do CP, segundo deixa bem claro o parágrafo único, do artigo 126. Nesse passo, ensina Capez (2006, v.2, pp. 120): “Consentimento inválido: consiste nas hipóteses elencadas no parágrafo único do art. 126, em que o dissentimento é real (emprego de fraude, grave ameaça ou violência contra a gestante) ou presumido (se a gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil mental)” . Informa o renomado autor (idem, p. 121) que Damásio E. de Jesus entende que a patologia mental referida no artigo 126, parágrafo único, do CP, deve ser interpretada em consonância com o artigo 26, caput, do mesmo codex; de modo que, deve ser reconhecido o consentimento inválido somente em casos de inimputabilidade, sendo válido o consentimento da gestante semi-imputável (enquadrável nos termos do art. 26, parágrafo único, do CP).

Acaso a gestante retire sua aquiescência antes ou durante a execução do aborto, e mesmo assim o terceiro prossiga com as manobras abortivas, deve ele responder pelo crime do art. 125. Nessa direção são as lições de Mirabete (2008, v.II, p. 67): “O consentimento, que pode ser expresso ou tácito, deve existir desde o início da conduta até a consumação do crime, respondendo pelo art. 125 o agente quando a gestante revoga seu consentimento durante a execução do aborto. Ensina Fragoso que ‘a passividade e a tolerância da mulher equivalem ao consentimento tácito’. (...) O erro do agente, supondo justificadamente que há consentimento da gestante, quando isso não ocorre, é erro de tipo, devendo ser ele responsabilizado pelo art. 126 e não pelo art. 125”.

5.3.6. Tipo subjetivo

Somente é punível na forma dolosa (dolo direto ou eventual). Não há previsão de punição para a conduta culposa.

5.3.7. Consumação e tentativa

Por ser um crime material, consuma-se com a morte do ser humano alojado no útero materno.

É perfeitamente possível a tentativa.

5.3.8. Classificação doutrinária

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É um crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); doloso; comissivo (admitindo, contudo, a forma omissiva imprópria, quando o sujeito ativo ocupa a posição de garante – art. 13, parágrafo 2º, do CP);  de dano(exige lesão ao bem jurídico protegido para sua consumação); instantâneo (sua consumação não se protrai no tempo);material (exige resultado naturalístico para sua consumação); plurissubjetivo (é necessário pelo menos duas pessoas para praticá-lo, embora as condutas sejam enquadradas em tipos diferentes - arts. 124 e 126 do CP; isto porque sem o consentimento da gestante não é possível o agente praticar o crime de aborto consentido); plurissubsistente (vários atos integram a conduta); de forma livre (pode ser cometido de qualquer forma idônea a produzir o resultado); e não transeunte (deixa vestígios).

5.3.9. Ação penal

É de iniciativa pública incondicionada.

Majorantes especiais no crime de aborto

Prevê o Código Penal que: “Art. 127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte”.

Apesar do CP referir que o art. 127 espelha forma qualificada de aborto, na realidade esse dispositivo estabelece causas especiais de aumento de pena, a serem consideradas na terceira fase da dosimetria da pena. 

Percebe-se da simples leitura do artigo, que as majorantes em evidência somente se aplicam aos crimes previstos nos artigos 125 e 126, ou seja, provocados por terceiros; não compreendendo o crime possível de ser praticado pela própria grávida (tipificado o no art. 124), até mesmo porque quem sofre o resultado agravador previsto é ela própria. Mesmo que não morra, não se teria base jurídica para punir a auto-lesão grave (sofrida pela própria gestante), que é justamente a causa de aumento no caso de sobrevivência da mãe. O partícipe de tal delito (do artigo 124) também não terá sua pena majorada, considerando que sua conduta é acessória em relação à conduta da gestante[54].

Vale lembrar que “O resultado mais grave (lesão corporal grave ou morte) é imputado ao agente a título de culpa (art. 19, CP). Se abarcados pelo dolo (direto ou eventual), haverá concurso formal de delitos – aborto e lesão corporal grave ou homicídio consumados” (PRADO, 2008, v.2, p. 113). Uma vez presente uma das causas de aumento (consideradas em conjunto com o crime de aborto), portanto, o crime configura-se como preterdoloso (dolo no antecedente: aborto; e culpa no conseqüente: lesão corporal ou morte da gestante).

No caso do agente dirigir sua conduta no sentido de provocar o aborto, porém o concepto sobreviver, mas a mãe morrer, deve ele responder por aborto majorado consumado[55], considerando a impossibilidade de crime preterdoloso tentado.

Pela leitura do próprio artigo 127, se vê que as lesões leves não funcionam como majorantes no crime em estudo. Mesmo em se tratando de lesões graves ou gravíssimas, entende a doutrina[56] que as mesmas devem ser, imprescindivelmente, extraordinárias para justificar a agravação; ou seja, as lesões comuns (ordinárias), que funcionam como meios necessários para causação do aborto não atraem a incidência da causa de aumento de pena.

Aborto voluntário legal

Permite o Código Penal as seguintes espécies de aborto, apesar de provocado voluntariamente:

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:Aborto necessárioI – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;Aborto no caso de gravidez resultante de estuproII – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Vejamos em seguimento detalhes de cada uma das espécies previstas no art. 128, transcrito ao norte.

5.5.1. Aborto necessário ou terapêutico (art. 128, I)

Está autorizado quando o médico chegar à conclusão de que a gravidez poderá provocar a morte da gestante.                         Enquadra-se a hipótese em estado de necessidade, o que afasta a antijuridicidade da conduta, considerando que no confronto de bens jurídicos (vida da mãe em face da vida intra-uterina do filho), opta o legislador por preservar a vida da grávida. Nesse passo o magistério

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de Mirabete (2008, v.II, p. 68): “No primeiro caso, está previsto o aborto necessário (ou terapêutico) que, no entender da doutrina , caracteriza caso de estado de necessidade (que não existiria no caso de perigo futuro). Para evitar dificuldade, deixou o legislador consignada expressamente a possibilidade de o médico provocar o aborto se verificar ser esse o único meio de salvar a vida da gestante. No caso, não é necessário que o perigo seja atual, bastando a certeza de que o desenvolvimento da gravidez poderá provocar a morte da gestante”. O mesmo autor opina que no caso do aborto necessário não é indispensável o consentimento da gestante para o médico provocá-lo.

Prado (2008, v.2, p. 116) acrescenta que: “Se o aborto for praticado por pessoa não habilitada legalmente, a exclusão da ilicitude também ocorre com lastro no estado de necessidade justificante (arts. 23, I e 24, CP), mas é preciso a existência de perigo atual para a vida da gestante”.

5.5.2. Aborto sentimental, humanitário ou ético (art. 128, II)3

Neste, a causa determinante da autorização legal constitui-se no fato da gestação ter resultado de um estupro.

Nesse caso é necessário o consentimento da gestante ou de seu representante legal, quando incapaz. Não é exigível, contudo, autorização judicial[57].

Registra Greco (2007, v. II, p. 253) que a maioria de nossos doutrinadores considera que o aborto sentimental configura hipótese de excludente de ilicitude. Firma posição, não obstante, que o caso é de inexigibilidade de conduta diversa (excludente da culpabilidade). Filiamo-nos à posição do autor citado[58].

Aceita-se, por analogia in bonam partem, o reconhecimento de aborto sentimental quando a gravidez é decorrente de atentado violento ao pudor[59].

Quanto à discussão se o aborto sentimental pode ser realizado por pessoa que não seja formada em medicina (considerando que o caput do art. 128 exige que o procedimento seja realizado por médico), há controvérsia na doutrina. A posição majoritária é que somente médico poderá interromper a gravidez nessa situação. Greco (2007, v.II, pp. 256-257), todavia, em posição dissonante, admite a aplicação de analogia in bonam partem nesse particular, considerando alguns aspectos concretos. Eis os ensinamentos do ilustre professor: 

Imagine-se a seguinte hipótese: uma mulher que reside em uma aldeia de difícil acesso, no interior da floresta amazônica, por exemplo, é vítima de um delito de estupro. Não tendo condições de sair de sua aldeia, tampouco existindo possibilidade de receber, em sua residência, a visita de um médico, solicita à parteira da região que realize o aborto, depois de narrar-lhe os fatos que a motivaram ao ato extremo. Pergunta-se: Não estaria também a parteira acobertada pelo inciso II do art. 128 do Código Penal, ou, em decorrência do fato de não haver médicos disponíveis na região, a gestante, por esse motivo, deveria levar sua gravidez a termo, contrariamente à sua vontade?Entendemos, aqui, perfeitamente admissível a analogia in bonam partem, isentando a parteira de qualquer responsabilidade penal.

Apesar dos esforços argumentativos transcritos acima, estamos com a doutrina majoritária que inadmite a aplicação do art. 128, II, do CP, aos casos em que o aborto é provocado por profissional não-médico. Admitimos, contudo, que a conduta da gestante que foi estuprada e que incidiu em auto-aborto (provocou aborto em si própria) não deve ser apenada, considerando a presença da dirimente de inexigibilidade de conduta diversa (que subsiste independentemente do art. 128, II, do CP).

Simplesmente pugnar pela aplicação de analogia in bonam partem do dispositivo em comento poderá alargar demasiadamente a sua incidência, levando a absurdos. É claro que, diante da conduta de terceiros voltada a provocar aborto em mulheres estupradas, ter-se-á que analisar o comportamento sob o aspecto da presença (ou não) de fato típico, ilícito e culpável. Se chegarmos à conclusão, por exemplo, que a conduta da parteira (ilustrada por Greco) é norteada por inexigibilidade de conduta diversa, será admissível excluir a culpabilidade da mesma, e para isso, não precisamos reconhecer aplicação analógica do art. 128, II, do CP.

Polêmica sobre o aborto de feto anencéfalo

Questão suscitadora de intensos debates na atualidade é a possibilidade de interrupção voluntária da gravidez quando se tiver a certeza que o nascituro é portador de anencefalia.

Trata-se de hipótese de aborto eugênico, que visa eliminar a vida intra-uterina diante dos graves riscos do nascimento de uma criança com sérias anomalias.

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Em se tratando a anencefalia, a anomalia é de gravidade extrema, segundo bem explica Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 119):

Merece especial destaque a hipótese de anencefalia, quando o embrião ou o feto apresentam um processo patológico de caráter embriológico que se manifesta pela falta de estruturas cerebrais (hemisférios cerebrais e córtex), o que impede o desenvolvimento das funções superiores do sistema nervoso central. O feto anencéfalo, embora dificilmente possa alcançar as etapas mais avançadas da vida intra-uterina, visto que o funcionamento primitivo de seu sistema nervoso obstaculiza a existência de consciência e de qualquer tipo de interação com o mundo que o circunda, conserva as funções vegetativas – responsáveis pelo controle parcial da respiração, das funções vasomotoras e das dependentes da medula espinhal -, não se ajustando seu estado, em termos neurofisiológicos, às hipóteses de morte cerebral. Portanto, não é de aplicação do critério da morte cerebral (whole brain criterion) ao feto anencéfalo, que não tem cérebro. Nos casos de anencefalia, o critério mais adequado – da morte neocortical (high brain criterion) – confere ênfase aos aspectos relacionados à existência da consciência, afetividade e comunicação, em detrimento do aspecto biológico da vida. Em situação como essa, o feto não pode ser considerado como “tecnicamente vivo”, o que significa que não existe vida humana intra-uterina a ser tutelada.

Após expender os argumentos supra, Prado conclui que, em se tratando de aborto de feto anencéfalo, o fato é atípico, visto que não há vida intra-uterina tutelada.

Na mesma direção os ensinamentos de Capez (2006, v. 2, p. 128): “No que toca ao abortamento do feto anecéfalo ou anencefálico, porém, entendemos que não existe crime, ante a inexistência de bem jurídico. O encéfalo é a parte do sistema nervoso central que abrange o cérebro, de modo que sua ausência implica inexistência de atividade cerebral, sem a qual não se pode falar em vida. A Lei nº 9.434, de 4-2-1997, em seu art. 3º, permite a retirada ‘post mortem’ de tecidos e órgãos do corpo humano depois de diagnosticada a morte encefálica. Ora, isso significa que sem atividade encefálica não há vida, razão pela qual não se pode falar em crime de aborto, que é a supressão da vida intra-uterina. Fato atípico, portanto”.  

Por outro lado, há juristas que defendem a legalidade da eliminação do nascituro anencéfalo pela presença de inexigibilidade de conduta diversa a nortear a conduta da mãe e do médico que provoca o aborto.

Nesse passo, assevera Nucci (2006, pp. 554-555) que para justificar a autorização para abortamento: “O juiz invoca, por vezes, a tese da inexigibilidade de conduta diversa, por vezes a própria interpretação da norma penal que protege a ‘vida humana’ e não a falsa existência, pois o feto só está ‘vivo’ por conta do organismo materno que o sustenta. A tese da inexigibilidade de conduta, nesse caso, teria dois enfoques: o da gestante, não suportando carregar no ventre uma criança de vida inviável; o do médico, julgando salvar a genitora do forte abalo psicológico que vem sofrendo”.

A anencefalia pode ser detectada com segurança a partir de 12 semanas de gestação, sendo que a maioria dos neonatos anencéfalos sobrevive, no máximo, até 48 horas após o nascimento[60].

De nossa parte, entendemos que o argumento de atipicidade no caso de aborto do nascituro anencéfalo por conta do mesmo ter funções cerebrais comprometidas não é tecnicamente adequado.

O critério que define a existência da vida intra-uterina, segundo pensamos, não está ligado à avaliação das funções cerebrais, pois se assim fosse não se teria como punir a eliminação do concepto em seus primeiros dias de desenvolvimento no útero materno, ocasião em que certamente ainda não se poderá detectar atividade cerebral.

Tem-se que o critério encefálico define que o início da vida ocorre a partir de oito semanas, contadas da fecundação, segundo ensina José Roberto Goldim[61]. Certamente, portanto, não é este o critério adotado atualmente para definir o início da vida protegida pela tipificação do aborto.

Desse modo, admitimos o argumento da inexigibilidade de conduta diversa como mais adequado para fundamentar (excluindo a culpabilidade) a conduta da gestante e do médico que agem no sentido de determinar a eliminação da vida intra-uterina comprovadamente inviável.

Por fim, vale ressaltar que atualmente aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal a ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) de nº 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, na qual se discute justamente a possível legalidade de aborto em se tratando de nascituro anencéfalo; nos autos da qual foi inicialmente concedida liminar autorizativa (para abortar), mas que depois foi cassada[62].

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A liminar referida foi concedida pelo ministro Marco Aurélio. Mencionando Rogério Sanches Cunha (2008, v. 3, p. 42) que: “Assim, ao que tudo indica, o Ministro concorda com o argumento de que a antecipação desses tipos de parto não caracteriza aborto criminoso, não explicando, porém, a natureza jurídica da permissão, isto é, se causa de exclusão da tipicidade, ilicitude, culpabilidade ou punibilidade”.

Classificação doutrinária dos crimes

Quanto ao resultado:

Crime formal - também chamando de crime de consumação antecipada; o resultado se dá no momento exato da conduta. Ex. Ameaça, artigo 157. Causa resultado imaterial (= jurídico).

Crime material - aquele em que se verifica a modificação no mundo exterior (resultado naturalístico, ou seja, mudança visível); sinônimo de concreto;

Crime de mera conduta - se o crime exige produção de resultado, é material. se não exige, mas tem consumação, é formal. se não exige nem resultado nem consumação imediata, é crime de mera conduta.

Quanto ao elemento subjetivo:

Doloso - art. 18, I - dolo eventual, genérico ou específico;

Culposo - art 18, II -

Preterdoloso - dolo no antecedente, culpa no resultado. O agente alcança um resultado mais grave do que queria. Por exemplo, art. 129 § 3º - lesão corporal seguido de morte;

Qualificado pelo resultado - dolo + dolo. art 121 § 2º

Quanto à completa realização:

Consumado (art 14, I) - quando alcança o resultado, ou seja, quando o sujeito realiza a descrição da conduta física. Pelo princípio da alternatividade, se realizou um verbo ou outro da conduta já é suficiente para configurar a tipicidade;

Tentado (art 14, II) - quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, o crime não ocorre;

Obs.: Iter criminis ->

Cogitação

Preparação

Execução

Consumação

Exaurimento (há autores que a consideram como parte do crime). Ex. Corrupção.

Desistência voluntária - quando o autor da conduta, por fato inerente à sua vontade, não comete a conduta ou desiste dela. O autor responde pelos atos praticados. Dica: é o arrependimento do que está fazendo. Art. 15.

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Arrependimento eficaz - é o arrependimento do que já fez. Por exemplo: atira em uma pessoa e se arrepende, levando a vítima para ser socorrida a tempo de sobreviver.

Arrependimento posterior - só é possível nos casos de crime sem violência ou grave ameaça e até o recebimento da denúncia ou queixa, por parte do Ministério Público; reparar o dano ou restituir a coisa.

Crime impossível - quando, por absoluta ineficácia do meio empregado ou absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar o crime.

Obs.: há crimes que não possuem o tipo tentado, por exemplo, os crimes culposos e os unissubsistentes;

Quanto ao fracionamento da conduta:

Unissubsistente - não tem como fragmentar essa conduta; ela ocorre em um único momento. Por exemplo: injúria (art 140);

Plurissubsistente - comportamento fragmentado; percebe-se claramente as fases do iter criminis.

Quanto ao momento consumativo:

Instantâneo - o efeito acontece em um só momento; vg: homicidio, roubo.

Permanente - o momento consumativo é duradouro. ex.: sequestro. (obs.: é diferente de crimes de EFEITO PERMANENTE (= aquele que deixa sequelas, tem consequencias duradouras).

Quanto ao sujeito que pratica:

Crime comum - pode ser praticado por qualquer pessoa

Próprio - só pode ser praticado por determinada categoria. VG: crimes contra a administração pública, infanticídio.

de mão própria - só pode ser realizado por pessoa definida. VG: falso testemunho, falsa perícia. Só a testemunha de determinado crime pode cometer; ou só o perito em tal ação pode cometer.

Quanto à ação:

Comissivo - quando resulta de uma ação

Omissivo - quando resulta de uma omissão

Comissivo por omissão - quando a consequencia da omissão é muito grave (conduta criminosa).

Outros:

Crimes de dupla subjetividade passiva: quando dois sujeitos são afetados com o mesmo ato. Ex.: violação de correspondência.

Crime simples - como ele é definido no código penal;

Crime privilegiado - crime com atenuantes

Crime qualificado - crime com agravantes

Crime de ação múltipla - o que tem mais de um verbo/núcleo, por ex. trafico (portar, guardar, vender...)

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Crime hediondo - os mais danosos, mais cruéis, mais vis. O rol é amplo: latrocínio, homicídio qualificado, terrorismo, sequestro, tráfico de drogas.

Introdução

Este trabalho tem o objetivo de discorrer sobre a Classificação Legal e Doutrinária das Infrações Penais. Mas antes de analisarmos especificamente cada tipo de crime, é imprescindível deliberarmos sobre alguns aspectos introdutórios concernentes a este tema.

As infrações penais dividem-se em crimes, delitos e contravenções (classificação tripartida) ou somente crimes ou delitos e contravenções (classificação bipartida). A primeira classificação é a adotada em países como França, Alemanha e Bélgica. Em nosso direito doméstico, reina a classificação bipartida. É entendido que não há diferença qualitativa ou substancial entre crime e contravenção, mas a diferença é quantitativa. Segundo Magalhães Noronha, “a contravenção é um crime menor, menos grave que o delito”. A decisão de qual infração é crime ou contravenção cabe ao legislador, analisando o grau de significância dos interesses jurídicos violados na prática de tal infração.

Por qualificação entende-se “o nome dado ao fato ou à infração peça doutrina e pela lei” (José Frederico Marques). Pode ser legal (dada pela lei) ou doutrinária (dada pelos doutrinadores)

- Qualificação legal: Qualificação do fato é o nomen juris da infração; qualificação da infração é o nome dado à prática do fato: crime ou contravenção.

- Qualificação doutrinária é o nome dado ao crime pela doutrina, resultado de um trabalho científico sobre o tema.

Após essas breves considerações obre a distinção de crime e contravenção e a diferença entre classificação legal e doutrinária das infrações penais, analisaremos de forma mais profunda os crimes para o total entendimento deste tema.

CRIMES COMUNS E ESPECIAIS

Damásio E. de Jesus ensina: “os crimes comuns são os descritos no Direito Penal Comum; especiais, os definidos no Direito Penal Especial”.

CRIMES COMUNS E PRÓPRIOS

“Crime comum é o que pode ser praticado por qualquer pessoa. Crime próprio é o que só pode ser cometido por uma determinada categoria de pessoas, pois pressupõe no agente uma particular condição ou qualidade pessoal” (Damásio E. de Jesus)

Como ensina Mirabete, o tipo penal dos crimes próprios “limita o círculo do autor, que deve encontrar-se em uma posição jurídica, como os funcionários públicos, médicos.”

Esta classificação é feita por Magalhães Noronha como crimes comuns e especiais.

CRIMES DE MÃO PRÓPRIA OU DE ATUAÇÃO PESSOAL

Damásio de Jesus conceitua este tipo de crime como “os que só podem ser cometidos pelo sujeito em pessoa”. Este crime é praticado de tal maneira que somente o autor está em condição de realizá-lo. (v.g.: incesto, falso testemunho) Mirabete completa o conceito ao dizer que “embora passíveis de serem cometidos por qualquer pessoa, ninguém os pratica por intermédio de outrem”.

CRIMES DE DANO E DE PERIGO

“Crimes de dano são os que só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico. Crimes de perigo são os que se consumam tão só com a possibilidade do dano”. (Damásio de Jesus)

Damásio distingue os diversos tipos de perigo. Segundo ele, o perigo pode ser:

a-) presumido (Não precisa ser provado) ou concreto (necessita ser investigado e comprovado)

b-) individual (expõe uma única pessoa ao risco) ou coletivo (crimes contra incolumidade pública)

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c-) atual (está ocorrendo), iminente (está prestes a desencadear-se) ou futuro (pode advir em ocasião posterior)

Mirabete conceitua também estes dois tipos de crime. Os crimes de dano “só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico visado, por exemplo, lesão à vida. Nos crimes de perigo, o delito consuma-se com o simples perigo criado para o bem jurídico”. Segundo Magalhães Noronha, “crimes de perigo são os que se contentam com a probabilidade de dano. Crimes de dano são os que só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico tutelado”.

CRIMES MATERIAIS, FORMAIS E DE MERA CONDUTA

Seguindo o conceito dado por Damásio de Jesus crimes de mera conduta são aqueles em que “o legislador só descreve o comportamento do agente”. O crime formal menciona em seu tipo “o comportamento e o resultado, mas não exige a sua produção para a consumação.” São distintos porque os crimes de mera conduta são sem resultado, os crimes formais tem resultado, “mas o legislador antecipa a consumação à sua produção”.

No crime material “o tipo menciona a conduta e o evento, exigindo a sua produção para a consumação”.

Vejamos o conceito de Mirabete: “No crime material há a necessidade de um resultado externo à ação, descrito na lei, e que se destaca lógica e cronologicamente da conduta. No crime formal não há necessidade de realização daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado jurídico previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo e, que se desenrola a conduta, havendo separação lógica e não cronológica entre conduta e resultado. Nos crimes de mera conduta a lei não exige qualquer resultado naturalístico, contentando-se com a ação ou omissão do agente”.

CRIMES COMISSIVOS E OMISSIVOS

O critério que distingue estes dois crimes é o comportamento do agente.

Segundo Damásio de Jesus, crimes comissivos são “os praticados mediante ação”, o agente pratica uma ação. Já os crimes omissivos são os praticados ‘mediante inação”, o agente deixa de praticar uma ação que deveria ser feita .

Mirabete define crime comissivo como “os que exigem, segundo um tipo penal objetivo, em princípio, uma atividade positiva do agente, um fazer”. Crimes omissivos como “os que objetivamente são descritos com uma conduta negativa, de não fazer o que a lei determina, consistindo a omissão na transgressão da norma jurídica e não sendo necessário qualquer resultado naturalístico.”

O mesmo autor fala ainda de crimes de conduta mista (comissivos-omissivos). São aqueles que “no tipo penal se inscreve uma fase inicial comissiva, de fazer, de movimento, e uma final omissão, de não fazer o devido”. E. Magalhães Noronha define que ocorre os crimes comissivos-omissivos “quando a omissão é meio ou forma de se alcançar um resultado posterior”.

CRIMES INSTANTÂNEOS, PERMANENTES E INSTANTÂNEOS DE EFEITOS PERMANENTES

“Crimes instantâneos são os que se completam num só momento. A consumação se dá num determinado instante, sem continuidade temporal (homicídio). Crimes permanentes são os que causam uma situação danosa ou perigosa que se prolonga no tempo, como o seqüestro ou cárcere privado”. (Damásio E. de Jesus)

Segundo Mirabete, crimes instantâneos de efeitos permanentes “ocorrem quando, consumada a infração em dado momento, os efeitos permanecem, independentemente da vontade do sujeito ativo”. Como exemplo podemos citar a bigamia.

Faz-se necessário saber que, segundo observação de Magalhães Noronha, “a instantaneidade não significa rapidez ou brevidade física da ação, mas cuja consumação se realiza em um instante”.

CRIME CONTINUADO

O crime continuado está definido no caput do art. 71 do nosso Código Penal: “quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro”.

Magalhães Noronha conceitua crime continuado aquele que é “constituído por duas ou mais violações jurídicas da mesma espécie, praticadas por uma ou pelas mesmas pessoas sucessivamente e sem ocorrência de punição em qualquer daquelas, as quais constituem um todo unitário, em virtude da homogeneidade objetiva”.

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Damásio de Jesus explica-nos que neste caso “impõe-se-lhe pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas”. E ressalta que não se trata de uma tipo de crime, mas uma “forma de concurso de delitos”.

CRIMES PRINCIPAIS E ACESSÓRIOS

Damásio de Jesus define crimes principais aqueles que “existem independentemente dos outros”. Crimes acessórios são aqueles que “pressupõe outros”. Como exemplo, o mesmo autor cita o furto (principal) e receptação (acessório).

“Os crimes principais independem da prática de delito anterior. Os crimes acessórios, como a denominação indica, sempre pressupõem a existência de uma infração penal anterior, a ele ligada pelo dispositivo penal que, no tipo, faz referência àquela”. (Júlio Fabbrini Mirabete)

CRIMES CONDICIONADOS E INCONDICIONADOS

“Crimes condicionados são os que têm a punibilidade condicionada a um fato exterior e posterior à consumação. Incondicionados os que não subordinam a punibilidade a tais fatos” (Damásio E. de Jesus).

CRIMES SIMPLES E COMPLEXOS

“Crime simples é o que apresenta tipo penal único. Delito complexo é a fusão de dois ou mais tipos penais” (Damásio de Jesus). “São simples os crimes em que o tipo é único e ofendem apenas um bem jurídico. São complexos os crimes que encerram dois ou mais tipos em uma única descrição legal (sentido estrito) ou os que, em uma figura típica, abrangem um tipo simples, acrescido de fatos e circunstâncias que, em si, não são típicos sentido amplo).”(Júlio Fabbrini Mirabete)

CRIME PROGRESSIVO

Segundo Damásio, o crime progressivo ocorre quando “o sujeito, para alcançar a produção de um resultado mais grave, passa por outro menos grave”.

Mirabete ensina que “no crime progressivo, um tipo abstratamente considerado contém implicitamente outro que deve necessariamente ser realizado para se alcançar o resultado”.

Magalhães Noronha há crime progressivo quando “se tem um tipo, abstratamente considerado, contém outro, de modo que sua realização não se pode verificar, senão passando-se pela realização do que ele contém”.

DELITO PUTATIVO

Segundo Mirabete, crime putativo (ou imaginário) “é aquele em que o agente supõe, por erro, que está praticando uma conduta típica quando o fato não constitui crime”. Segundo Damásio de Jesus, o delito putativo ocorre quando “o agente considera erroneamente que a conduta realizada por ele constitui crime, quando, na verdade, é um fato atípico. Só existe na imaginação do sujeito”. O mesmo autor destaca que há três tipos de delito putativo:

- delito putativo por erro de proibição: ocorre quando o agente supõe violar uma norma penal que na verdade não existe. “Falta tipicidade à sua conduta, pois o fato não é considerado crime”.

- delito putativo por erro de tipo: há a errônea suposição do agente e esta não recai sobre a norma, ma sobre os elementos do crime. “O agente crê violar uma norma realmente existente, mas à sua conduta faltam elementares de tipo”.

- delito putativo por obra de agente provocador (crime de flagrante provocado): “ocorre quando alguém, de forma insidiosa, provoca o agente à prática de um crime, ao mesmo tempo que toma providências para que o mesmo não se consuma.”

CRIME PROVOCADO

Ocorre o crime provocado “quando o agente é induzido à prática de um crime por terceiro, muitas vezes policial, para que se efetue a prisão em flagrante”. (Júlio Fabbrini Mirabete). Tem-se entendido que havendo flagrante por ter sido o agente provocado pela Polícia, há crime impossível.

CRIME IMPOSSÍVEL

Descrito pelo art. 17 do Código Penal: “ Não se pune a tentativa, quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.

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“Este crime pressupõe sejam absolutas a ineficácia e a impropriedade” (E. Magalhães Noronha). Quando o dispositivo se refere ‘à ineficácia absoluta do objeto’, deve-se entender que “o meio é inadequado, inidôneo, ineficaz para que o sujeito possa obter o resultado pretendido”. No que diz respeito ‘à absoluta impropriedade do objeto’ material do crime, este “não existe ou, nas circunstâncias em que se encontra, torna impossível a consumação”. (Fabbrini Mirabete)

CRIME CONSUMADO E TENTADO

Segundo nosso Código Penal, há o crime consumado “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal (art.14, I)”. Diz Mirabete que o crime está consumado “quando o tipo está inteiramente realizado, ou seja, quando o fato concreto se subsume no tipo penal abstrato descrito na lei penal”.

Há o crime tentado “quando, iniciada a execução, não se consuma, por circunstâncias alheias à vontade do agente” (art.14,II). “A tentativa é a realização incompleta do tipo penal, do modelo descrito na lei. Na tentativa há prática do ato de execução, mas não chega o sujeito à consumação por circunstâncias alheias à sua vontade”. (Júlio Fabbrini Mirabete)

CRIME FALHO

“É a denominação que se dá à tentativa perfeita ou acabada, em que o sujeito faz tudo quanto está ao seu alcance para consumar o crime, mas o resultado não corre por circunstâncias alheias à sua vontade”.(Damásio E. de Jesus)

CRIMES UNISSUBSISTENTES E PLURISSUBSISTENTES

Ensina-nos Damásio de Jesus: “crime unissubsistente é o que se realiza com um só fato. Crime plurissubsistente é o que se perfaz com vários atos”.O primeiro não admite tentativa (v.g.: injúria) ; o plurissubsistente sim (v.g. homicídio).

Mirabete completa o conceito dado por Damásio. No crime unissubsistente “conduta é una”. O crime plurissubsistente “é composto de vários atos, que integram a conduta, ou seja, existem fases que podem ser separadas, fracionando-se o crime”.

CRIMES DE DUPLA SUBJETIVIDADE PASSIVA

“São crimes que têm, em razão do tipo, dois sujeitos passivos”. (Damásio E. de Jesus) Podemos citar como exemplo a violação de correspondência; os dois sujeitos passivos são o destinatário e o remetente.

A classificação dada por Júlio Mirabete diverge da conceituada por Damásio de Jesus. O exemplo citado acima, Mirabete classifica como crime plurissubjetivo passivo. Segundo ele, este tipo de crime “demanda mais de um sujeito passivo na infração”. (Mirabete fala ainda de crimes unissubjetivos, “aquele que pode ser praticado por uma só pessoa”) e crimes plurissubjetivos (“aquele que, por sua conceituação típica, exige dois ou mais agentes para a prática da conduta criminosa”). Magalhães Noronha classifica os chamados crimes unissubjetivos de Mirabete como crimes unilaterais (“pode ser praticado por uma única pessoa”).

CRIME EXAURIDO

Damásio define crime exaurido como “aquele que depois de consumado atinge suas últimas conseqüências. Estas podem constituir um indiferente penal ou condição de maior punibilidade”.

Mirabete diz que um crime é exaurido quando “após a consumação, que ocorre quando estiverem preenchidos no fato concreto o tipo objetivo, o agente o leva a conseqüências mais lesivas”.

CRIMES DE CONCURSO NECESSÁRIO

Segundo Damásio de Jesus, crimes de concurso necessário “são os que exigem mais de um sujeito”. O autor divide este tipo de crime em coletivos (os que têm como elementar o concurso de várias pessoas-art.288) e bilaterais (exigem o encontro de duas pessoas, mesmo que uma não seja culpável).

CRIMES DOLOSOS, CULPOSOS E PRETERDOLOSOS

Há o crime doloso “quando o sujeito quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” ( CP art. 18, I). Mirabete contribui para o entendimento deste tipo de crime ao dizer que no crime doloso não devemos apenas analisar o objetivo que o agente quis alcançar, mas também a conduta do autor. Esta conduta é dividida em duas partes: interna e externa. Na interna, analisamos o pensamento do autor: ele se propõe a um fim, prepara os meios para a execução deste fim e, por fim, considera os efeitos do fim pretendido.

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A conduta externa é a exteriorização da conduta, uma “atividade em que se utilizam os meios selecionados conforma a normal e usual capacidade humana de previsão”.

Há o crime culposo “quando o sujeito deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia” (CP art. 18, II). Nos crimes culposos não há a preocupação “com o fim da conduta; o que importa não é o fim do agente, mas o modo e a forma imprópria com que atua”, segundo Mirabete.

Crime preterdoloso ou preterintencional “é aquele em que a ação causa um resultado mais grave que o pretendido pelo agente”. (Damásio E. de Jesus)

É considerado por Mirabete um crime misto, “em que há uma conduta que é dolosa, por dirigir-se a um fim típico, e que é culposa pela causação de outro resultado que não era objeto do crime fundamental pela inobservância do cuidado objetivo. Há no dolo no antecedente e culpa no conseqüente”.

CRIMES SIMPLES, PRIVILEGIADOS E QUALIFICADOS

Seguindo o conceito dado por Damásio de Jesus crime simples “é o descrito em sua forma fundamental. É a figura típica simples, que contém os elementos específicos do delito”. Mirabete ainda completa essa definição ressaltando que em seu conteúdo subjetivo não há “circunstância que aumente ou diminua sua gravidade”.

O crime é considerado qualificado “quando o legislador, depois de descrever a figura típica fundamental, agrega circunstâncias que aumentam a pena”, segundo Damásio de Jesus. Fabbrini Mirabete diz ainda que “não surge a formação de um novo tipo penal, mas apenas de uma forma mais grave de ilícito”.

Há ainda os crimes chamados privilegiados. Segundo a definição de Mirabete, estes “existem quando ao tipo básico a lei acrescenta circunstância que o torna menos grave, diminuindo, em conseqüência, suas sanções”.

CRIME SUBSIDIÁRIO

É a norma penal que tem natureza subsidiária em relação a outra. Segundo Damásio, “a norma principal exclui a aplicação da secundária”.

CRIMES VAGOS

“São os que têm por sujeito passivo, entidades sem personalidade jurídica, como a família, o público ou a sociedade” –art.233 praticar ato obseno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público (Damásio E. de Jesus).

CRIMES COMUNS E POLÍTICOS

Damásio de Jesus distingue-os da seguinte maneira: “crimes comuns são os que lesam bens jurídicos do cidadão, da família ou da sociedade, enquanto os políticos atacam à segurança interna ou externa do Estado, ou a sua própria personalidade.”

Mirabete classifica os crimes políticos como puros ou próprios, que “têm por objeto jurídico apenas a ordem política, sem que sejam atingidos bens ou interesses jurídicos individuais ou outros Estados”. Há ainda os crimes relativos ou impróprios, que “expõem a perigo ou lesam também bens jurídicos individuais ou outros que não a segurança do Estado”.

CRIME MULTITUDINÁRIO

“É o praticado por uma multidão em tumulto, espontaneamente organizada no sentido de um comportamento comum contra pessoa ou coisas”-art 65,II, (Nélson Hungria)

CRIMES DE OPINIÃO

“Consistem em abuso de liberdade do pensamento, seja pela palavra, imprensa ou qualquer meio de transmissão” (Damásio E. de Jesus).

CRIMES DE AÇÃO ÚNICA E DE AÇÃO MÚLTIPLA OU DE CONTEÚDO VARIADO

Mirabete conceitua crime de ação simples aquele “cujo tipo penal contém apenas uma modalidade de conduta, expressa no verbo que constitui o núcleo da figura típica”.

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Na redação do art. 122 do Código Penal, observamos os verbos “induzir” ou “instigar” e “prestar” auxílio ao suicídio, sendo ainda ser citados outros art. 234,289,§1º etc... Mesmo na prática destas três ações, elas são consideradas como um único crime. Assim, são definidos, por Damásio de Jesus, crimes de ação múltipla aqueles “em que o tipo faz referência a várias modalidades da ação”.

Magalhães Noronha afirma que no crime de ação múltipla “o tipo contém várias modalidades de conduta delituosa, as quais, praticadas pelo agente, fatos do mesmo crime”.

CRIMES DE FORMA LIVRE E DE FORMA VINCULADA

“Os crimes de forma livre são os que podem ser cometidos por meio de qualquer comportamento que cause um determinado resultado. Os crimes de forma vinculada são aqueles em que alei descreve a atividade de modo particularizado” (Damásio E. de Jesus)

CRIMES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA E DE AÇÃO PENAL PRIVADA

Nos crimes de ação penal pública “o procedimento penal se inicia mediante denúncia do órgão do Ministério Público”, conceito dado por Damásio de Jesus. Nos crimes de ação penal privada, este procedimento é feito mediante queixa do ofendido ou de seu representante legal, segundo o art. 100 §§ 1º e 2º do CP.

O art. 101 expressa a distinção entre estes dois tipos de crime: o crime é de ação penal privada quando a lei expressamente o declara.

CRIME HABITUAL E PROFISSIONAL

“Crime habitual é a reiteração da mesma conduta reprovável, de forma a constituir um estilo ou hábito de vida, art 229. Quando o agente pratica as ações com intenção de lucro, fala-se em crime profissional” (Damásio E. de Jesus).

A definição de crime habitual para Mirabete é “a reiteração de atos, penalmente indiferentes por si, que constituem por um todo, um delito apenas traduzindo, geralmente um modo ou estilo de vida”. Define crime profissional como “qualquer delito praticado por aquele que exerce uma profissão, utilizando-se dela para a atividade ilícita”.

CRIMES CONEXOS

Neste caso há um elo entre os crimes. O sujeito comete uma infração para ocultar outra. Damásio nos dá o exemplo de um sujeito que, após praticar um furto, incendeia a casa para fazer desaparecer qualquer vestígio. O fato do incêndio é cometido para assegurar a ocultação do furto.

CRIME DE ÍMPETO

“É aquele em que a vontade delituosa é repentina, sem perceber deliberação” (Damásio E. de Jesus). Ex.: homicídio praticado por influência de forte emoção, art. 121,§ 1º, 3ª.figura

CRIMES FUNCIONAIS

Damásio de Jesus conceitua os crimes funcionais os que “só podem ser praticados por pessoas que exercem funções públicas” art. 150, § 2º.,300,301 etc.

CRIMES A DISTÂNCIA E PLURILOCAIS

Os crimes a distância são aquele que “a conduta ocorre em um país e o resultado noutro”. Delito plurilocal “é aquele que, dentro de um mesmo país, tem a conduta realizada num local e a produção do resultado noutro” (Damásio E. de Jesus)

DELITOS DE TENDÊNCIA

“São os crimes que condicionam a sua existência à intenção do sujeito” (Damásio de Jesus). Têm a característica a exigência da verificação do estado, da vontade o agente no momento do fato para a constituição da figura delitiva.

CRIMES DE SIMPLES DESOBEDIÊNCIA

São os crimes de perigo abstrato ou presumido. “A simples desobediência ao comendo geral, advinda da prática do fato, enseja a presunção do perigo de dano ao bem jurídico” (Damásio E. de Jesus)

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CRIMES PLURIOFENSIVOS

“São os que lesam ou expõe a perigo de dano mais de um bem jurídico”, segundo Damásio de Jesus. Ex.: latrocínio, art.157,§3º. in fine (lesa a vida e o patrimônio)

CRIME A PRAZO

A qualificadora depende de um determinado lapso de tempo.

CRIME GRATUITO

“Praticado sem motivo” (Damásio E. de Jesus)

DELITO DE CIRCULAÇÃO

“Praticado por intermédio do automóvel” (Damásio E. de Jesus)

DELITO TRANSEUNTE E NÃO TRANSEUNTE

“Transeunte é o que não deixa vestígios; não transeunte, o que deixa” (Damásio E. de Jesus)

CRIME DE ATENTADO OU DE EMPREENDIMENTO

Damásio de Jesus define como “o delito em que o legislador prevê à tentativa a mesma pena do crime consumado, sem atenuação” (Ex: com arts. 352 e 358)

45.CRIME EM TRÂNSITO

Assim conceitua Damásio E. de Jesus: “são delitos em que o sujeito desenvolve a atividade em um país sem atingir qualquer bem jurídico de seus cidadãos”.

CRIMES INTERNACIONAIS

Definidos no art. 7º, II, a do Código Penal: “são crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir”. Podemos citar como exemplo o tráfico de mulheres, entorpecentes etc.

QUASE-CRIME

São os definidos no Código Penal no art. 17 (crime impossível) e art. 31 (participação impunível).

CRIMES DE TIPO FECHADO E DE TIPO ABERTO

Ensina-nos Damásio de Jesus: “delitos de tipo fechado são aqueles que apresentam a definição completa, como homicídio. Crimes de tipo aberto são os que não apresentam a descrição típica completa”. Nos primeiros a norma de proibição violada aparece de forma clara; no segundo, não aparece claramente.

TENTATIVA BRANCA

Há a tentativa branca quando “o objetivo material não sofre lesão”. (Damásio E. de Jesus).

CRIME CONSUNTO E CONSUNTIVO

“Crime consunto é o absorvido, consuntivo, o que absorve”. (Damásio de Jesus). Constitui matéria de estudo do conflito aparente de normas, na qual é aplicado o princípio da consunção.

CRIMES DE RESPONSABILIDADE

Este tipo de crime é alvo de discussões, pois esta classificação suscita dúvidas no que concerne a sua interpretação. Por vezes é entendido como crimes e infrações de natureza político-administrativas não sancionadas com penas de natureza criminal.

Damásio de Jesus define, em sentido amplo, “como um fato violador do dever do cargo ou da função, apenado com uma sanção criminal ou de natureza política.” Divide ainda este tipo de crime em duas espécies: próprio, que constitui delito, e impróprio, que diz respeito à infração político-administrativa.

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CRIMES HEDIONDOS

Damásio de Jesus conceitua crimes hediondos como “delitos repugnantes, sórdidos, decorrentes de condutas que, pela forma de execução ou pela gravidade objetiva dos resultados, causam intensa repulsa”.

João José Leal afirma que haveria um crime hediondo “toda vez que uma conduta delituosa estivesse revestida de excepcional gravidade, seja na execução, quando o agente revela total desprezo pela vítima, insensível ao sofrimento físico ou moral a que a submete, seja quanto à natureza do bem jurídico ofendido, ainda pela especial condição das vítimas”.

A Constituição Federal de 1988 considera estes crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (art. 5º, inc. XLIII).

CRIME ORGANIZADO

É aquele praticado por uma organização criminosa. Segundo Mirabete, organização criminosa “é aquela que, por suas características, demonstre a existência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com planejamento empresarial, divisão de trabalho, pautas de condutas em códigos procedimentais rígidos, simbiose com o Estado, divisão territorial e, finalmente, atuação, regional, nacional ou internacional”.

Nossa legislação usa este termo ‘crime organizado’, preferindo uma redação mais simplista, referindo-se a ‘crime organizando’ como ‘bando’ ou ‘quadrilha’.

BIBLIOGRAFIA

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – Parte Geral. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 1

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal : Parte Geral, Arts. 1º a 120 do CP. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2000. v. 1

LEAL, João José. Crimes Hediondos: aspectos político - jurídicos da Lei n.º 8.072/90. 1ª ed. São Paulo : Atlas, 1996.

DOSIMETRIA DA PENA

Dosimetria da Pena (...)a pena justa será somente a pena necessária (Von Liszt) Maria Lucia Pacheco Ferreira MarquesCritério Trifásico de Fixação da Pena Art. 68 do Código penal

Primeira fase: analise da circunstâncias judiciais circunstâncias constantes do art. 59 do CP. Ao final da primeira fase é fixada a pena-base.

Segunda fase: analise das circunstâncias legais circunstâncias agravantes ou atenuantes previstas nos arts. 61 e segs. do CP ao final fixa-se a pena provisória.

Terceira fase: analise das causas de aumento ou diminuição de pena, encontradas na parte geral e parte especial São expressas por frações (aumenta-se da metade, diminui-se de dois terços, etc) a pena resultante deste processo será a pena final.

Primeira fase Circunstâncias judiciais - Art. 59 do CP analise, criteriosa, de cada uma das oito circunstâncias judiciais Individualiza a pena para cada réu e para cada infração penal praticada.Sentença sem fundamento para valoração das circunstâncias judiciais ou que não indica os elementos dos autos que formaram o convencimento do Juiz quanto a essa valoração padece de nulidade.

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Situações possíveis:Circunstâncias judiciais são todas favoráveis ao agente, deve fixar a pena-base no mínimo legalcircunstância judicial valorada desfavoravelmente ao condenado Acréscimo de um quantum ao mínimo cominado no tipo penal, sem extrapolar, jamais, a pena máxima in abstratonão podem ser valorados negativamente quando integrar: definição típica quando caracterizar circunstância agravante causa especial de aumento de pena.Valor quântico para cada circunstância:Não há disposição legalJurisprudência1/6 da pena mínima in abstratoMajora ou reduz, apenas, dentro dos limites legais

Primeira fase Circunstâncias judiciais - Art. 59 do CPCulpabilidade do sentenciado dimensionar a culpabilidade pelo grau de intensidade da reprovação penal.Dois dos elementos da culpabilidade: o potencial conhecimento da ilicitude a exigibilidade de conduta diversa É um exame de valoração, de graduação que deverá expressar o plus da conduta típicaExpressões utilizadas em sentençaso agente agiu com culpabilidade, pois tinha a consciência da ilicitude do que faz estelionato, pelo fato de "o agente ter agido de má-fé, sem importar-se com seu semelhante que sofreu o prejuízo Atenção: o fato de o acusado ter agido livre e conscientemente não pode fundamentar a exasperação da pena-base, pois, se a ação não fosse consciente e deliberada, inexistiria dolo. Assim o uso de tais expressões não autorizam a exasperação da pena base Primeira fase Circunstâncias judiciais - Art. 59 do CPAntecedentes

Primeira fase Circunstâncias judiciais - Art. 59 do CPConduta SocialPercebida através dos elementos indicativos da inadaptação ou do bom relacionamento do agente perante a sociedade em que está integrado não é na sociedade que o Magistrado considera saudável ou idealSe o ambiente em que o agente se inserir for, por exemplo, uma favela, não poderá o Juiz exigir-lhe comportamento típico das classes sociais mais abastadas. Destaca-se, para analise, três campos da vida: familiar, laborativo e religioso analisar: o modo de agir do agente nas suas ocupações, sua cordialidade ou agressividade, egocentrismo ou prestatividade, rispidez ou finura de trato, seu estilo de vida honesto ou reprovável Não bastam meras conjecturasÉ necessário que se ponderem as provas produzidas nos autos: a palavra das testemunhas que conviveram com réu (inclusive das abonatórias), eventuais declarações, atestados, abaixo-assinados, etc, Demonstração de um comportamento habitual. fato isolado na vida do condenado não revela sua conduta social, que é sempre permanente. Primeira fase Circunstâncias judiciais - Art. 59 do CP

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Personalidadeíndole do agente, sua maneira de agir e de sentir, seu grau de senso moral, ou seja, a totalidade de traços emocionais e comportamentais do indivíduo"personalidade desajustada", "ajustada", "agressiva", "impulsiva", "boa" ou "má“tecnicamente, nada informamÉ necessário fundamento baseado no conjunto probatório Elementos para valoração: laudos psiquiátricos, informações trazidas pelos depoimentos testemunhais e, ainda, a própria experiência do Magistrado em seu contato pessoal com o réu Não havendo, elementos suficientes não deve, o juiz, hesitar em declarar que não há como valorar essa circunstância Primeira fase Circunstâncias judiciais - Art. 59 do CPDos motivosconstituem a fonte propulsora da vontade criminosa Não se trata, portanto, de analisar a intensidade de dolo ou culpamédico que facilita a morte do paciente, diante de seu desmedido e incombatível sofrimento, possui motivo menos reprovável agente que mata o irmão, para que seja o único sucessor do patrimônio do ascendente, motivo mais reprovável. furto praticado pelo desejo de obtenção de lucro fácil, o Juiz deve entender pelo não recrudescimento da pena em razão desta circunstância judicial pois, freqüentemente, este é o motivo dos crimes de furto Os motivos diversos dos normais à espécie delitiva, portanto, é que devem ser valorados pelo Magistrado Primeira fase Circunstâncias judiciais - Art. 59 do CPDas circunstâncias elementos do fato delitivo, acessórios ou acidentais, não definidos na lei penal. Franco:o lugar do crime, o tempo de sua duração, o relacionamento existente entre autor e vítima, a atitude assumida pelo delinqüente no decorrer da realização do fato criminoso é mais censurável a conduta do agente que matou alguém na igreja ou na casa da vítima do que aquele que a matou em sua própria casa. é menos censurável o agente que se demonstrou sinceramente arrependido da prática delitiva do que aquele que comemorou o evento embriagando-se (desde que não configure arrependimento eficaz)Primeira fase Circunstâncias judiciais - Art. 59 do CPDas conseqüências avaliação,do grau de intensidade da lesão jurídica causada à vítima ou a seus familiaresmaterial quando causar diminuição no patrimônio da vítima, sendo suscetível de avaliação econômica o dano moral implicará dor, abrangendo tanto os sofrimentos físicos quanto os moraisnão se pode considerar como conseqüência desfavorável do crime de homicídio, a perda de uma vida o fato de o agente ter ceifado a vida de um pai de família numerosa, o que é mais censurável do que a conduta daquele que assassinou uma pessoa solteira. Primeira fase Circunstâncias judiciais - Art. 59 do CPDo comportamento da vítima Inovação trazida com a Reforma da Parte Geral do Código Penal, em 1984 é preciso perquirir em que medida a vítima, com a sua atuação, contribuiu para a ação delituosa.Muito embora o crime não possa de modo algum ser justificado, não há dúvida de que em alguns casos a vítima, com o seu agir, contribui ou facilita o agir criminoso,

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essa circunstância refletir favoravelmente ao agente na dosimetria da penaPrimeira fase Circunstâncias judiciais - Art. 59 do CPAlgumas condutas da vítima:vítima instiga, provoca, desafia ou facilita a conduta delitiva do agenteinjusta provocação da vítima: causa de diminuição de penaa ser sopesada somente na terceira etapa da dosimetria, como ocorre no homicídio (art. 121, §1º, do CP) e nas lesões corporais (art. 129, §4º, do CP).Túlio Lima Vianna: não será considerado favorável ao agente o comportamento da vítima pela "mera roupa provocante com a qual desfila a moça em local ermo, pois ninguém é obrigado a trajar-se com recato"Por outro lado, a moça que aceita ir ao motel com um rapaz e lá, desiste da relação no último momento, certamente contribui para a prática do estuproconclui o autor que: "a clara diferença entre os dois comportamentos das vítimas está na absolutpassividade do primeiro e na atividade do segundo". Segunda fase Circunstâncias legais - Arts. 61 e segs Agravantes e atenuantescircunstâncias agravantes são somente aquelas previstas nos arts. 61 e 62 do Código PenalNão majora a pena acima do máximo legalcircunstâncias atenuantes são aquelas previstas no art. 65 do mesmo diploma legal, havendo ainda no art. 66 do CP a previsão de uma atenuante genérica não reduz a pena abaixo do mínimo legalValor quântico para cada circunstância:Não há disposição legalJurisprudência1/6 da pena mínima in abstratoAo final tem-se a fixação da pena provisóriaTerceira fase Causas de aumento ou diminuição de pena Encontradas na parte geral ou parte especial do código Encontrarem-se dispersas no Código parte geral – Ex.: tentativa, concurso formal, crime continuado parte especial – Ex.: art. 157 §2º, art. 155 §1º § 2º são facilmente identificáveis sempre expressas por uma fração (aumenta-se da metade, diminui-se de um a dois terços, etc).Ordem de aplicação:primeiramente são aplicadas as causas de aumento de pena e, em seguida, as causas de diminuição de pena.a causa de diminuição de pena em razão da tentativa (art. 14,II, do CP) será sempre a última a ser aplicada. Pena pode ultrapassar os limites mínimos e máximosDefinição do regime inicial de cumprimento de pena Após a fixação do quantum da pena definitiva, o regime inicial de cumprimento de pena será definido com base noart. 33 do Código Penal. Regime integralmente fechado: art. 2º, §1º, lei nº 8.072/90 Substituição da pena última etapa no processo de fixação da pena e deverá observar o disposto no art. 44 do Código Penal. Os requisitos para a substituição da pena são:

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crime culposo ou crime doloso com pena inferior a 4 (quatro) anos;o crime não ter sido praticado com violência ou grave ameaça; o réu não ser reincidente no mesmo crime (reincidência específica); as circunstâncias judiciais serem favoráveis.  Obviamente se o juiz considerou na primeira fase da fixação da pena as circunstâncias judiciais favoráveis ao réu para fixar a pena-base, estas circunstâncias também devem ser consideradas favoráveis quando da análise da substituição da pena.As penas iguais ou inferiores a 1(um) ano serão substituídas por uma prestação pecuniária ou uma restritiva de direitos.As penas superiores a 1(um) ano serão substituídas por uma prestação pecuniária e uma restritiva de direitos ou por duas restritivas de direitos.           Substituição da penaNotasA prestação pecuniária não obedece ao critério de fixação com base em dias-multa, devendo ser determinada uma importância entre 1(um) e 360 (trezentos e sessenta) salários mínimosO código se refere a prestação pecuniária e, portanto, não é de boa técnica a fixação de pagamento de cestas básicas, uma vez que não são pecúnia (dinheiro) e podem ter valor variável.A prestação pecuniária deve ser paga preferencialmente a vítima, mas se por qualquer motivo esta não puder receber o pagamento (vítima de homicídio culposo, por exemplo) o pagamento será feito a seus dependentes. Não havendo vítima nem dependentes ou no caso de não haver uma vítima determinada (crimes contra a saúde pública, por exemplo) a prestação pecuniária será paga a entidades assistenciais.A prestação de serviços comunitários só pode ser aplicada em penas superiores a 6 (seis) meses e será cumprida à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, tudo nos termos do art. 46 do CP.