Download pdf - Livro 4ª edição

Transcript
Page 1: Livro 4ª edição
Page 2: Livro 4ª edição

O Dia em que aPolícia parou!

4ª Edição - Janeio de 2013

Preço deste exemplar: R$ 5,00

Cliente
Realce
Page 3: Livro 4ª edição

Capa e Diagramação: Edgard Nogueira Cherubino Júnior

Page 4: Livro 4ª edição

O Dia em que aPolícia parou!

A Verdadeira história da greve dapolícia mineira que parou o Brasil

Júlio Cesar GomesCABO JÚLIO

Page 5: Livro 4ª edição

Os recursos obtidos com a venda desta obra, serãodestinados integral e exclusivamente ao Institutode Ação Social Projeto Restaurando Vidas.

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra,por qualquer meio eletrônico, inclusive porprocesso xerográfico, sem permissão expressado autor (Lei nº 9.610, de 19/02/1998).

Todos os direitos desta publicação reservado a:

Agência: 1632-2Conta Corrente: 12009-x

MG 040 KM 27,5Bairro Quinta das JangadasSarzedo - Minas GeraisCEP.: 32400-000

[email protected]

Page 6: Livro 4ª edição

ÍNDICEAGRADECIMENTOS ................................................................................................. 7INTRODUÇÃO (CABO JÚLIO)......... .......................................................................................8O SONHO E A PAIXÃO PELA FARDA .............................................................................. 9A REALIDADE NOS QUARTÉIS .................................................................................. 11FALTA DINHEIRO ................................................................................................. 12CABO JÚLIO ....................................................................................................... 13O COMANDO É ALERTADO ...................................................................................... 14AUMENTO ÀS ESCONDIDAS ..................................................................................... 15BOATOS ............................................................................................................ 16SAI O REAJUSTE ................................................................................................... 16CÃO BANGUELO .................................................................................................. 17EXPLICAR O INEXPLICÁVEL ...................................................................................... 17SUICÍDIO ........................................................................................................... 18VIVENDO NO BANHEIRO ......................................................................................... 18GOVERNO NÃO TEM DEFINIÇÃO SOBRE SALÁRIOS ........................................................... 19ESTOPIM ........................................................................................................... 20IOGURTE ............................................................................................................ 21GUERRA DE NERVOS ............................................................................................. 21COMEÇA A GREVE ................................................................................................ 24FOGO ............................................................................................................... 25DESPREZO E VAIAS ............................................................................................... 26A GREVE SE ESPALHA ............................................................................................ 28NASCE UM LÍDER ................................................................................................ 29AH! EU TÔ É DURO! ............................................................................................. 29APOIO DA POPULAÇÃO .......................................................................................... 33COMISSÃO DEFINE REIVINDICAÇÕES ÀS PRESSAS ............................................................ 35CANCELADA A ORDEM DE CONFRONTO ....................................................................... 36PRIMEIRA REUNIÃO DE NEGOCIAÇÃO ......................................................................... 37ABRAÇO DO PIRULITO ........................................................................................... 37COMANDO-GERAL RECEBE OS PRAÇAS ........................................................................ 39GOVERNO FAZ PRONUNCIAMENTO ............................................................................. 39SARGENTO TENTA SUICÍDIO ..................................................................................... 43PRIMEIRA ASSEMBLÉIA .......................................................................................... 44INTERIOR ........................................................................................................... 45TÁTICA DO SILÊNCIO ............................................................................................. 47RECRUTAS DE PRONTIDÃO ....................................................................................... 47AS NEGOCIAÇÕES ................................................................................................ 48

Page 7: Livro 4ª edição

6

GUERRA SUJA ..................................................................................................... 49O AMARELINHO .................................................................................................. 50A AMEAÇA DO SECRETÁRIO .................................................................................... 51A FORÇA LEGISTA (FORLEG) .................................................................................... 52TROCA DE COMANDO NO BPCHOQUE ........................................................................ 53MAIS GUERRA SUJA ............................................................................................. 54AS AMEAÇAS ..................................................................................................... 55A GRANDE ASSEMBLÉIA ......................................................................................... 55PRISÃO POR TELEFONE ........................................................................................... 57POLÍCIA UNIDA JAMAIS SERÁ VENCIDA ....................................................................... 58POLÍCIA CONTRA POLÍCIA ....................................................................................... 60TIROTEIO ........................................................................................................... 61GOVERNO CHAMA EXÉRCITO ................................................................................... 65BARRICADAS NO QUARTEL CENTRAL GERAL .................................................................. 68REABERTAS AS NEGOCIAÇÕES .................................................................................. 69ORDENS E CONTRA-ORDENS .................................................................................... 69CABO VALÉRIO EM ESTADO CRÍTICO .......................................................................... 70O DIA SEGUINTE .................................................................................................. 71GOVERNADOR FAZ PRONUNCIAMENTO ........................................................................ 72FALA O EXÉRCITO ................................................................................................ 73OS LAUDOS CONTRADITÓRIOS .................................................................................. 74SAI O ACORDO .................................................................................................... 75NOVA ASSEMBLÉIA É CANCELADA ............................................................................. 77TOLERÂNCIA ...................................................................................................... 79SUSPEITO SE APRESENTA ......................................................................................... 80VÍTIMA, HERÓI, OU MÁRTIR, O CABO VALÉRIO É ENTERRADO EM CLIMA DE EMOÇÃO .............. 81INQUÉRITOS POLICIAIS MILITARES (IPMS) ................................................................. 82PERÍCIAS E DEPOIMENTOS SE CONTRADIZEM ................................................................ 83LAUDO DUVIDOSO INOCENTA CORONEL ...................................................................... 84OFICIAIS INSATISFEITOS .......................................................................................... 85MOVIMENTO ESTOURA NO PAÍS ............................................................................... 86COMANDO AFASTA CABO JÚLIO PARA LONGE DA TROPA ................................................... 90PARANÓIA - DE OLHO NA MARACUTAIA ..................................................................... 92CONTINUAM OS IPMS .......................................................................................... 93EXPULSOS .......................................................................................................... 94JULGAMENTO ...................................................................................................... 95DEPOIMENTO DO COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS ...................... 97CORONEL JOSÉ GUILHERME DO COUTO ...................................................................... 105TRECHOS DE DEPOIMENTOS DE OFICIAIS NO CONSELHO DE DISCIPLINA DO CABO JULIO ............ 112CONCLUSÃO ..................................................................................................... 114

Page 8: Livro 4ª edição

7

Agradecimentos

A Deus, que me inspirou a escrever este livro para contar a verdadeirahistória do movimento que mudou os rumos da Polícia Militar de Minas Gerais.

Aos meus colegas de Corporação que me protegeram quando sofriaameaças de morte, e que me confiaram a difícil tarefa de representá-los.

Ao pastor Raul Lima Neto (pos mortem) meu amigo e companheiro deMinistério que foi o vaso de Deus para abençoar a minha vida.

Ao meu amigo Doutor Carlos Pimenta, advogado incansável em defesado praças, que não mediu esforços para me defender.

A amiga Paula Rangel, jornalista brilhante, minha companheira nesta obra,que não mediu esforços em pesquisar e colher depoimentos para que este livropudesse detalher ao povo mineiro e ao povo brasileiro os bastidores daquelesmomentos; para que a verdadeira história viesse a tona.

Page 9: Livro 4ª edição

8

Introdução

Este livro tem a finalidade de esclarecer ao povo brasileiro o que realmenteaconteceu durante o movimento inédito dos praças da Polícia Militar do Estadode Minas Gerais, que iniciou em 13 de junho de 1997.

Foram quase cinco anos de pesquisa, busca de depoimentos. Você agoraconhecerá os bastidores do movimento que mudou a história da conservadoraPolícia de Minas Gerais.

Vários boatos aconteceram: premeditação, ideologia política, infiltraçãoda esquerda, incitação sindical, etc. Mas não é verdade, ele não foi planejadoou idealizado, pois se assim o fosse, o serviço de informações da PM (P2),certamente o abafaria. O que aconteceu foi uma explosão natural e espontâneade uma classe esquecida e massacrada.

A sociedade não conhecia sua Polícia Militar. Neste livro, procuramosrepassar para o leitor uma radiografia real de sua Polícia. Quando o cidadãoliga 190 (emergência) e solicita um policial para resolver seu problema, nãoimagina que o funcionário solicitado para resolver a situação na qual seencontra tem muito mais problemas que ele. Quem é pago para proteger estátotalmente desprotegido. Suicídios, alcoolismo, separações familiares eendividamento são problemas comuns na vida de um policial.

Procurei contar todos os detalhes do acontecido, detalhes que, muitospraças que participaram do movimento, não sabem. Procuramos detalhar osbastidores das negociações, as ameaças, o desespero e as pressões. O descritoneste livro contém um depoimento fiel à realidade dos quartéis e à situação emque se encontram nossos irmãos da Polícia Civil.

A Polícia Militar e a Polícia Civil de Minas Gerais são e sempre serão asmelhores do Brasil. Apesar de tudo, somos o patrimônio do povo mineiro.

Agora você conhecerá aqueles que, mesmo com o sacrifício da própriavida, são vocacionados para a difícil missão de protegerem o cidadão, e, muitasvezes, estarem totalmente desprotegidos.

Page 10: Livro 4ª edição

9

O sonho e a paixão pela farda

Nasci em 19 de maio de 1970, no Hospital Belo Horizonte, bairroCachoeirinha, região norte de Belo Horizonte. Meu pai, um pernambucano dacidade de Caruaru, e minha mãe, mineira da cidade de Coluna, Zona da Mata,interior de Minas Gerais.

Desde criança, sonhei em ser um militar. Aos sete anos de idade, sempreque visitava meus dois tios, ambos da Polícia Militar do Estado de MinasGerais, antes mesmo de pedir a benção, minhas palavras eram: Tio, me dê aroupa de Polícia.

Aos onze anos de idade comecei a trabalhar, fazia de tudo, vendia picolés,refrigerantes, trabalhava como balconista, mas por necessidade e não porvocação. O sonho de ser militar continuava aceso. A cada ano que passava aansiedade de vestir uma farda aumentava mais. Após completar dezesseis anose terminar o segundo grau, formando-me como técnico em contabilidade, surgiuminha primeira oportunidade, a Marinha do Brasil. Disputando uma vaga naproporção de, aproximadamente, 50:1 (cinqüenta por um), passei no concursopara o Corpo de Fuzileiros Navais, tropa de elite da Marinha. As etapasseguintes não foram diferentes, passei em todas. Mas, faltando uma semanapara o ingresso, a decepção aconteceu. No último exame de saúde, ao passarpela junta médica, fui reprovado porque apresentava micoses na pele,decorrentes de um banho de piscina. O sonho começou a desmoronar. Entrelágrimas, já pensava no que fazer para realizar meu grande sonho. Com umasemana, as micoses já estavam curadas e estava pronto para uma nova tentativa.

Foi então que veio a decisão: Vou ser um soldado da Policial Militar.Ainda sem qualquer informação a respeito de como ingressar na Corporação,procurei o 5° Batalhão, no bairro Gameleira, na capital, quartel onde meus tiostrabalhavam, para me informar a respeito de como fazer para me tornar umsoldado. Mas o destino já estava selado. Ao entrar no quartel, vi umaplaca: SEJA UM POLICIAL MILITAR. INSCRIÇÕES ABERTAS.Informei-me do que era necessário para fazer a inscrição e eu preenchiatodos os requisitos. As provas não foram difíceis e em pouco tempo jáestava realizando o sonho. No primeiro dia do mês de dezembro de 1988,

Page 11: Livro 4ª edição

10

incorporava-me naquela unidade.

Formei no mês de julho do ano seguinte, e, após um ano como soldado,estava cursando o Curso de Formação de Cabos. Ouvia falar muito em históriasde cabos importantes. Foi uma satisfação muito grande quando, em 1990,coloquei em minha farda as duas divisas de cabo.

Cabo Júlio em frente ao Batalhão de Choque

Page 12: Livro 4ª edição

11

A realidade nos quartéis

Em outubro de 95, o Coronel aposentado, Dirceu Brás, publica um artigono jornal Estado de Minas intitulado Crise de fome da PM, enfatizando asituação de dificuldade salarial da tropa. Neste artigo, afirma que o Comandoda PM não reivindicava melhores salários e condições de trabalho para a tropaporque os coronéis do alto comando tinham rendimentos equivalentes aos desecretário de Estado. Segundo o Coronel, esses salários eram recebidos pelocomandante-geral, chefe do Estado Maior e chefe do gabinete militar. Era osalário cala-boca. O artigo desperta polêmica na opinião pública e entre ospraças da Corporação.

Em outubro de 96, é divulgado por um grupo de militares da PMMG, quese autodenominou Policiais Sofredores, um documento apócrifo, comrevelações sobre a penúria dos policiais militares. A primeira revelação: o índicede criminalidade em Minas Gerais estaria aumentando, o que contestava asestatísticas divulgadas na imprensa pelo Comando da PM. O documentoquestiona ainda a própria credibilidade da Corporação, afirmando que oComando da PM estaria manipulando as estatísticas. Nesse documento, quechegou às redações entregue pessoalmente por praças da PM, os autoresafirmam que o sistema de policiamento comunitário, implantado recentemente,seria uma forma proposta pelo Comando para reduzir o policiamento ostensivonas ruas por falta de condições operacionais. Ainda de acordo com odocumento, só 40% do orçamento da Corporação havia sido repassado peloGoverno no ano de 96.

Page 13: Livro 4ª edição

12

Falta dinheiro

A PM está sem recursos para sua manutenção e para sustentar umcontigente de 45 mil homens da ativa e 12 mil reformados. Fornecedores apelamà imprensa para conseguir receber por serviços prestados ou produtosvendidos, principalmente fornecedores do setor de alimentação, que alegamestarem com os pagamentos atrasados em até dois anos. Vários comerciantesafirmam que foram obrigados a fechar as portas de seus estabelecimentosporque não receberam o pagamento pelos serviços prestados. O Comandoadmite a crise, atribuída ao difícil momento econômico por que passam oEstado e o País.

As viaturas, quebradas nas oficinas dos Batalhões, são mostradas pelaTV Bandeirantes. Ambulâncias, Rotams, motos, patrulhas de trânsito seamontoam nas oficinas e não há verba para reposição de peças ou dos carros.O jornal Estado de Minas publica os contracheques dos praças, com saláriosbaixíssimos, sem identificação dos donos.

Em outubro de 96, o chefe do gabinete militar do Governo, CoronelHamilton Brunelli, é convidado a depor na Assembléia Legislativa. Équestionado sobre o porquê do não pagamento aos PMs do adicional depericulosidade, de acordo com a Constituição Federal, que determina opagamento deste adicional para as atividades penosas, insalubres ou perigosas.Ele afirma que o benefício não poderia ser estendido a todos porque só ospoliciais de atividades operacionais e não os de função administrativa teriamdireito ao benefício, o que ameaçaria o princípio da isonomia salarial daCorporação. Este benefício significaria um acréscimo de 40% nos salários. Atéhoje, os policiais militares e civis não recebem este benefício.

Page 14: Livro 4ª edição

13

Cabo Júlio

Eu trabalhava na Rotam (Rondas Tático Metropolitanas), atuava no Planode Repressão de Assaltos a Bancos (Praban), um grupo tático especial, formadopor 24 PMs, que receberam treinamento específico para coibir e agir nasocorrências de assaltos nas agências bancárias. Fazem parte do Praban: cincoRotams e quatro Motos-Rotams, que circulam na região central.

Já existia, na época, uma insatisfação salarial que não era manifestada.Conversávamos sobre a situação difícil dos companheiros, um procurandoajudar o outro, pelo menos emocionalmente. A grande maioria dos PMs, 90% ,tinha até dois empregos, além do emprego na Corporação. O policial saía demanhã para o bico, trabalhando em serviços de segurança ou de entrega, dentreoutros, e a noite seguia para o seu plantão na Polícia.

O policial passava a metade da outra noite no terceiro emprego, de acordocom a escala da PM e isso criava problemas familiares, pois era cobrado porsua ausência em casa, discutia com a mulher, batia nos filhos, etc. Ao mesmotempo, este policial precisava do outro emprego para sobreviver e não tinhacomo resolver este problema. Os PMs evitavam recorrer ao serviço de apoiopsicológico porque o psicólogo era oficial e havia o temor de que os problemaschegassem ao conhecimento do Comando.

Muitos policiais procuram refúgio no álcool – 30% da tropa, segundominhas estimativas pessoais. Há casos de policiais que vão trabalhar comsintomas de embriaguez e são punidos com penas de prisão variando de um atrinta dias. O quarto problema é o mais grave: o suicídio. Para se ter uma idéiada dimensão deste problema, a estatística de suicídio no mundo é de umapessoa para cada 100 mil, na PM é de um para cada 10 mil. O temor doRegulamento Disciplinar da Polícia Militar impedia qualquer manifestação.

Page 15: Livro 4ª edição

14

O comando é alertado

No dia 14 de março de 97, o comandante de policiamento da Capital,Coronel José Guilherme do Couto, envia um memorando oficial (n. 046.1/97,do 8° CRPM) a todos os comandantes de unidades operacionais, recomendandoa criação de listagens com históricos de militares que se encontram em situaçãode extrema penúria financeira, ou algum tipo de desajuste conjugal, social e/ou emocional.

No dia 15 de abril, um mês depois, a lista está pronta. O comandante depoliciamento da Capital encaminha ofício (n° 235.1/97) ao chefe do Estado-Maior, anexando a lista com os históricos dos praças nesta situação, segundoo levantamento feito pelos comandantes das unidades. Um documento pesado,que alerta sobre a situação real nos quartéis.

Um mês antes da crise na PM, maio de 97, o comandante-geral, CoronelAntônio Carlos dos Santos participa de uma reunião com os comandantes, emContagem, onde é comunicado de que a situação da tropa era de penúriasalarial, com militares morando em barracos de lona, endividados e,consequentemente, do aumento dos casos de suicídio. O comandante-geraldesafia os oficiais presentes (comandantes do Batalhão de Choque, 1° BPM,5° BPM, 13° BPM, 16° BPM, 18° BPM , 22° BPM, Regimento de CavalariaAlferes Tiradentes, Batalhão de Missões Especiais, Batalhão de Trânsito,Batalhão de Bombeiros Militares e Batalhão de Guardas) a provarem que existedefasagem salarial na Corporação. O comandante sugere ainda que se usemindicadores econômicos para isto.

Suicida-se um soldado do13° Batalhão, acusado de ter roubado

uma lata de leite em pó.

Ele é preso, levado sob escolta para casa para pegar o fardamento. Osuicídio acontece dentro do quarto dele, quando ele dá um tiro na cabeça nafrente da mulher e dos filhos. Segundo a assessoria do CPC (Comando dePoliciamento da Capital), o suicídio foi provocado por motivos pessoais.

Page 16: Livro 4ª edição

15

Aumento às escondidas

Outros motivos aumentam a insatisfação. 0 13° salário é parcelado emtrês vezes. Está proibida a conversão das férias-prêmio em dinheiro, há cortesde convênios na área médica e o Governo decreta um aumento da contribuiçãopara o Instituto de Previdência dos Servidores da PM de 10 para 13%, na mesmaépoca. Os policiais permanecem calados, mas sofrem com a falta dereconhecimento e de valorização pessoal e profissional. A moral está baixa natropa.

O Governo cria o PDV (Programa de Desligamento Voluntário), mas aPolicial não pode entrar. Poderia haver uma correria dos praças que já tinhammais tempo de serviço e nenhuma expectativa de melhora de vida.

Em maio de 97, a Associação dos Delegados da Polícia Civil de MGconquista, no Supremo Tribunal Federal, o direito à equiparação salarial com osprocuradores de Justiça. Durante uma festa, onde estavam presentes delegadose oficiais da PM, o assunto é comentado pelos delegados. O comandante depoliciamento da Capital, Coronel José Guilherme do Couto, fica então sabendodo aumento e que os delegados iriam receber a primeira das três parcelas.

No outro dia pela manhã, o Coronel José Guilherme do Couto, comandantede policiamento da Capital (CPC) se encontra com o chefe do Estado Maior,Coronel Herberth Magalhães, que se indigna com a notícia. Os dois vão até ocomandante-geral levar a situação. Os coronéis querem o mesmo aumento, porum acordo de equiparação salarial entre as duas forças feito com o Governodo Estado.

O Alto Comando da PM começa então a se mobilizar para pleitear, juntoao Governo do Estado, a extensão deste aumento para os oficiais. Váriasreuniões que estavam fora da agenda oficial do governador acontecem nestaépoca no Palácio da Liberdade, com representantes do Alto Comando.

O secretário de administração, Cláudio Mourão, é convocado pelogovernador a apresentar um estudo sobre a viabilidade e a forma de se concedero aumento. Segundo pessoas presentes nesta reunião, o secretário afirma: Éimpossível aumentar de imediato os salários das duas corporações,governador. Só dentro de dois meses poderíamos dar o aumento para a PM.

Page 17: Livro 4ª edição

16

O Coronel Herberth Magalhães não aceita a resposta do secretário: Nãoposso esperar nem mais uma hora, secretário. É inaceitável que um coronelganhe menos que um delegado.

O governador Eduardo Azeredo consulta os coronéis: Seria possível darum aumento apenas para os oficiais sem provocar reações na tropa?

A resposta foi enfática:

“Pode dar o aumento, governador,nós seguramos a tropa”.

Boatos

Começam a circular boatos na tropa. Um dos boatos dava conta de queo governador não gostava da PM. Dizia-se que um filho dele teria atirado cervejano rosto de um soldado, que estava na geral do estádio Mineirão num dia dejogo.

Também circula a história da punição de um policial do 22° BPM que,num posto de gasolina da avenida Nossa Senhora do Carmo, aborda o filhodo governador e diz: Fala para o seu pai dar um aumento para a gente. Ocomentário do militar chega ao conhecimento do Comando, que o pune com atransferência para o interior. Estas histórias circulam rapidamente na tropa.

Sai o reajuste

Através do Decreto Estadual n. 38.818, de 3 de junho, o governadorconcede reajuste para 4 mil oficiais da PM, que variam entre 10,6 e 22%. Ossalários são equiparados aos dos delegados da Polícia Civil.

As entidades dos Praças haviam tentado uma audiência com ogovernador no final de maio, mas o governador não os recebe.

O gabinete alega que ogovernador só conversa

com coronéis e não com praças.

Page 18: Livro 4ª edição

17

As entidades estudam a possibilidade de entrar com ação na Justiçacontra o aumento exclusivo para oficiais. Houve inversão de prioridades, dizemos diretores das entidades.

O comandante de policiamento da Capital (CPC), Coronel José Guilhermedo Couto, declara aos integrantes das entidades que os praças também vãoreceber aumento por gratificações de cursos e o Governo estaria estudandouma maneira para que o aumento fosse estendido também aos policiais civis,que não têm gratificações de cursos. Em entrevista, ele afirma:

“Entendo a insatisfação dos praças manifestada pelos seus representantesdas Entidades, mas espero que haja compreensão e um voto de confiança nanegociação do comandante-geral com o governador Eduardo Azeredo”.

Cão Banguelo

Na segunda semana de junho, quando das comemorações do aniversárioda 5a Cia. de Cães do BPChoque, o Coronel do CPC, José Guilherme do Couto,fazendo uso da palavra em discurso para a tropa compara o adestramento deum cão e o de um policial.

A expressão usada pelo coronel foium cão banguelo e desdentado

consegue fazer seu serviço, assimcomo um policial adestrado,

apesar das dificuldades.

Este comentário foi feito para uma tropa formada, de aproximadamente200 policiais, e logo se estendeu para o Batalhão de Choque, criando umarevolta entre os choqueanos (policiais do Batalhão de Choque).

Explicar o inexplicável

Apesar do silêncio do Comando, vaza para a imprensa a informação deque só os oficiais da PM receberiam o aumento exclusivo, mas as informaçõeseram contraditórias quanto aos valores. O que surpreende é a informação deque o dinheiro já estava depositado. O comandante do CPC, Coronel José

Page 19: Livro 4ª edição

18

Guilherme do Couto, bastante constrangido, convoca os jornalistas no inícioda noite ao Quartel Central Geral (QCG) para explicar o aumento, que seria naverdade uma equiparação ao salário conquistado na Justiça pelos delegados econtesta os índices que vinham sendo divulgados pela imprensa, de que oaumento era superior a 30%. Segundo o comandante, o aumento era escalonadoe os oficiais subalternos e intermediários (tenentes e capitães) receberiam mais(22%). Os oficiais superiores receberiam menos. O aumento variava entre 10 e22% e seria pago em três parcelas. A primeira parcela já havia sido paga. Ocoronel afirma ainda que o aumento para os praças dependeria da aprovaçãodo projeto de lei que o Governo enviaria para a Assembléia nos próximos dias.Com o aumento, o salário inicial dos oficiais subalternos (2o tenente) passariapara R$ 1.500,00. O soldo inicial de um soldado era de R$ 332,00.

Suicídio

O soldado Leonardo Paulo de Souza (20) comete suicídio com um tirona boca, no dia 5 de junho, dentro do alojamento do 22° Batalhão, no bairroSanta Lúcia, zona sul de Belo Horizonte. Ele estava sendo acusado de furtarum carro. A Assessoria de Comunicação do CPC informa que era o sextosuicídio cometido por um PM na Grande BH no decorrer do ano.

Na avaliação da PM, de acordo com a Assessoria:“Os suicídios estão dentro de um patamar normal e não significam

desespero com uma situação financeira difícil. A maioria dos suicídios édevida à situação pessoal e emocional das vítimas.”

Vivendo no banheiro

Um flagrante é registrado pela imprensa devido ao inusitado. Três policiaismilitares estão vivendo num banheiro do Fórum Laffayette, num espaço depouco mais de 4m2. Esta situação já durava dois anos, sem que ninguémtomasse providências. Apenas funcionários do Fórum tinham conhecimentoda moradia dos três policiais. Os PMs dormem em pedaços de espuma nochão. Suas mulheres e filhos moram no interior. O salário médio destes praçasé de R$ 250,00. Um deles busca marmita toda semana em Barbacena, onde vivea mulher, e a comida, que dá para uma semana, é guardada no refrigerador dacopa do 2° Tribunal de Justiça.

Page 20: Livro 4ª edição

19

No dia 7 de junho, depois que a notícia sai nos jornais, os PMs sãotransferidos para um quarto de despejo no próprio Fórum e ganham belichespara dormir, abandonando os colchões de espuma. O Comando informa queestá estudando a situação deles.

Governo não tem definiçãosobre salários

O Governo envia à Assembléia Legislativa um projeto de lei, em regimede urgência urgentíssima, solicitando autorização para conceder reajustesdiferenciados ao funcionalismo por decreto.

O secretário estadual de Administração, Cláudio Mourão, afirma que aindanão há definição sobre o percentual para o reajuste salarial do funcionalismopúblico. Mourão diz que por enquanto, o Governo aguarda a aprovação daAssembléia Legislativa para promover, via decreto, reajustes que não atingirãotodos os 452.297 servidores. A prioridade são as polícias Civil e Militar.

Page 21: Livro 4ª edição

20

Estopim

No dia 6 de junho de 97, uma sexta-feira, o cabo Glendyson Hércules deMoura Costa (31), do 16° BPM, é baleado com cinco tiros, durante perseguiçãoa assaltantes que tentaram roubar uma casa lotérica no bairro Floresta, na regiãoleste. O cabo é atingido no pescoço, peito e barriga. Um dos tiros perfura opulmão. Ele é levado em estado grave para o HPS (Hospital de Pronto-SocorroJoão XXIII), onde os parentes dão entrevistas à imprensa, revoltados com asituação do militar. A irmã, Gleise de Moura (29), declara:

“Os praças da PM são colocadoscomo escudo na frente dos bandidos e

quem recebe aumento salarialsão os oficiais.”

A mãe do cabo Glendyson, Maria Evangelista Moura Costa (59), dizque o filho vivia em situação de miséria.

“Com seis anos de PM, ele recebe R$ 340,00. Nós da família temosque ajudá-lo a manter sua mulher e suas duas filhas. E o pior, é quese ele tivesse matado o bandido, estaria hoje preso no quartel, sujeitoa cometer suicídio diante das pressões dos seus superiores, como vemacontecendo na PM”.

O comandante-geral faz uma declaração sobre o aumento de salário dosoficiais:

“Não há distinção entre as funções dos oficiais e dos praças. Realmentetemos lutado para melhorar o salário dos praças, o Governo quer estender oreajuste também às categorias mais baixas da Polícia Civil e isto somente seráfeito junto com os praças da PM, para haver equiparação salarial entre ascorporações”.

No dia 8 de junho, depois de passar por várias cirurgias, o cabo Glendysoné transferido para o CTI, em estado gravíssimo. Ele não resiste aos ferimentose morre no dia 11 de junho, às 23h45. O enterro é marcado para o dia seguinteno cemitério da Paz, em frente ao BPChoque, no bairro Caiçara.

Page 22: Livro 4ª edição

21

Iogurte

Os coronéis se reúnem, comentam a situação de hostilidade e umadeclaração do comandante da APM (Academia de Polícia Militar), CoronelEdgar Eleutério, chega aos ouvidos da tropa. Ele diz que é favorável àconcessão do aumento para os oficiais, porque acredita que eles consigamsegurar a tropa. O coronel afirma:

“Antes de entrar para a PM, osoldado comia arroz e feijão; depoisde ingressar na PM, já pode comerarroz, feijão e carne. E agora ainda

está querendo comer iogurte”.

O comandante-geral ainda defende que os salários não estãodefasados e garante que o Governo vai estender o reajuste aos praças,mas precisa encontrar uma maneira de não quebrar a isonomia com aPolícia Civil.

Guerra de nervos

Os praças iniciam uma greve branca. Muitos fazem corpo mole noatendimento de ocorrências. Eles distribuem cartas informando à imprensa queestão deixando de atender ocorrências, ou fingindo que não as vêem.

A greve fria ou guerra de nervos é denunciada pela população. Apsicóloga Marisa Escaldas (28), disse que acionou uma Radiopatrulha parasolicitar providências no furto do carro de sua irmã e os militares se recusarama atendê-la. Eles responderam que não tiveram aumento de salário, só osoficiais, e não iriam fazer a ocorrência e nem tentar localizar o carro, declaraela.

O Comando da PM nega a greve fria. Uma das cartas que chega àsredações diz:

“Estamos vivendo momentos difíceis com os míseros salários recebidosatualmente e que estão desestabilizando a vida do policial militar, ocasionandoproblemas familiares e pessoais, como suicídio nos quartéis e participação emcrimes”.

Page 23: Livro 4ª edição

22

Segundo o Comando da PM:

“A carta é expressão de pessoas desajustadas ao se manifestarem.Qualquer manifestação somente irá prejudicar a situação, uma vez que ogovernador pretende estender o reajuste também às categorias mais baixas dasPolícias Civil e Militar”.

O enterro do cabo Glendyson atrasa por causa da demora da liberaçãodo corpo e da chegada de oficiais. A viúva, mãe de duas crianças protesta:

“Não entendo esta demora. Se fosse um oficial, já teria havido o enterro.Nos informaram que o corpo chegaria as 9 horas, depois mudaram para o meio-dia”.

Ela conta detalhes da vida do marido:

“Ele tinha um soldo de R$ 340,00 epara complementar esta renda

trabalhava como segurança de umacantina. Todo soldado e cabo da PMtêm que fazer bico, senão a família

morre de fome”.

Soldados da PM carregam caixão com o corpo do cabo Glendyson Costa

Page 24: Livro 4ª edição

23

Um PM à paisana comenta:

“Somos os PMs mais mal pagos do Brasil e não podemos falar porque oregimento interno proíbe qualquer manifestação”.

O comandante-geral não está presente ao enterro. O clima é de tensão ehostilidade contra os oficiais.

Durante o enterro, quinze praças presentes anunciam à imprensa que iriaacontecer uma revolta porque a morte do companheiro é a gota d’água nainsatisfação dos policiais com os baixos salários.

“A revolta é iminente. Não podemos nos expor muito porque há muitosoficiais aqui, inclusive à paisana”.

Os praças dizem que o comandante-geral é diretamente responsável pelanegociação dos salários com o Governo e se consideram traídos pelo aumentoexclusivo. Eles falam em greve, mas ainda com receio de punição.

Colegas do cabo Glendyson dão entrevistas aos jornalistas depois doenterro, sem dar nomes. Eles reclamam dos salários baixos, do não pagamentoda gratificação de risco de vida e comparam os salários dos praças da PM deMinas Gerais aos de outros estados, como o Distrito Federal e o Espírito Santo,onde o salário inicial de soldado é de R$ 1.000,00, segundo os praças.

Outras reclamações: os salários já baixos têm muitos descontos dosempréstimos feitos por eles, os equipamentos de trabalho estão ultrapassados.Um deles afirma:

“Enquanto os marginais usam pistolas semi-automáticas, como oassassino do cabo Glendyson, nós temos que trabalhar com armas calibre 38,com mais de dez anos de uso. Temos sorte quando elas funcionam”.

O CPC, Coronel José Guilherme do Couto, é pressionado pelos jornalistasa comentar a insatisfação e a possibilidade de um movimento de praças na PMe responde:

“Apoiamos qualquer luta pelos direitos dos policiais, desde queocorra dentro dos regulamentos e seja mantida a disciplina. Tambémacho que um soldado deveria ganhar R$ 1.000,00, mas o Estado nãotem como pagar”.

O coronel comenta ainda a questão do armamento:

“É praxe que a Polícia de todo o País só use arma calibre 38 quepossibilita maior pontaria, mas os bandidos realmente têm armas maispoderosas”.

Page 25: Livro 4ª edição

24

Começa a greve

Na hora do almoço, o clima é de revolta no Batalhão de Choque, o batalhãode elite, que tem um efetivo de mil policiais e um salário médio de R$ 320,00.Os policiais consideram que o aumento salarial dos oficiais significa que ospraças e suboficiais foram abandonados pelos próprios comandantes. Nachamada de 13hs., os policiais não entram em forma, ficam parados no pátiodo quartel, de braços cruzados, e se recusam a se deslocarem nas viaturaspara o centro da cidade, onde formariam o reforço do policiamento na região.A imprensa começa a chegar, por causa dos telefonemas dos praças alertandosobre o movimento. Alguns policiais falam em voz baixa para os jornalistasque eles decidiram entrar em greve por causa dos baixos salários.

O comandante da 3a companhia de Polícia de Choque, capitão Carlos,anuncia ao subcomandante do Batalhão de Choque, major Renato Vieira, quea tropa se nega a entrar em forma. O subcomandante reclama com o capitãoCarlos e designa um outro oficial, o capitão Valdeir, para deslocar-se até opátio e colocar a tropa em forma. O capitão Valdeir segue para o pátio e apósvárias tentativas retorna de cabeça baixa e informa ao major que também nãohavia conseguido.

“Achei que estava acontecendo algo estranho, surpreendente, e continueitrabalhando, passando a observar a situação, mas ainda sem participar. Via onervosismo dos oficiais, que nunca tinham enfrentado uma situação semelhante.O medo estava estampado nos rostos deles. Aqueles oficiais mais temidos pelatropa, os chamados carrascos, eram os que tinham mais medo. Escondiam-seem seus gabinetes, evitando sair ao pátio do batalhão. Fui conversar comoutros PMs, que diziam Nós não vamos descer para as ruas. Chega de saláriode fome”, declara Cabo Júlio.

O SubCmt Major Renato Vieira, que era considerado truculento e lixo(termo militar para atribuir alguém que é desumano) se trancou em seu gabinete.

Page 26: Livro 4ª edição

25

Fogo

Dentro do alojamento dos cabos e soldados, começa sair uma densa

fumaça, que chama a atenção de todos. O nervosismo entre os oficiais aumenta.

Alguns colchões são queimados no interior do alojamento. O major e algunscapitães correm para todos os lados demonstrando desespero, o fogo aumenta,

começa o corre-corre, todos os oficiais se mobilizam com baldes na mão para

apagar o fogo. Os colchões são arrastados para fora do alojamento. Os oficiaispercebem que a tropa não está brincando e que pode surgir uma revolta.

Em uma tentativa de pressionar a tropa, em tom de desespero, o majorRenato diz para os oficiais:

“Não coloquem a mão em nada, vamos acionar a perícia para tirar asimpressões digitais e descobrir quem fez isso”. (Ele se esqueceu que está no

Brasil, e que isso só acontece nos filmes de TV).

Os PMs não se intimidam e afirmam:

“Essa ameaça não nos assusta. Já rompemos o elo principal: acabamosde rasgar o RDPM”.

Do cemitério, os repórteres avistam a fumaça e correm para a porta doBatalhão de Choque. A tropa, numa tentativa de demonstrar a situação de

revolta, cruza os braços no pátio, para alegria dos fotógrafos e cinegrafistas,

que já chegavam às dezenas ao Batalhão.

O comandante do Batalhão manda um assessor informar à imprensa que

tinha acontecido um curto-circuito na fiação elétrica. Ninguém acredita. Ospoliciais riem. O comandante resolve fazer uma declaração à imprensa e acaba

por admitir um clima de insatisfação generalizada.

“Os baixos salários e a inadimplência com os compromissos financeiros

estão realmente deixando os policiais aloprados, mas a situação está sob

controle”.

O comandante admite então que a queima de colchões pode ter sido um

ato criminoso. “Pode ter sido ação de uma pessoa desajustada, em função

dos baixos salários e da morte de um colega”.

Page 27: Livro 4ª edição

26

Desprezo e vaias

O comandante do CPC, Coronel José Guilherme do Couto, chegainstantes depois com a fisionomia preocupada, e não fala com a imprensa. Elese reúne primeiro com os oficiais e depois chama a tropa para uma reunião noauditório do batalhão. Ninguém vai para o auditório. Ele espera 20 minutos,apenas na presença dos oficiais. O coronel deixa o auditório e segue para aviatura que irá levá-lo de volta ao QCG. No caminho, a viatura passa pelo pátioe cerca de cem praças vaiam. O coronel deixa o prédio e é cercado pelosjornalistas, mas se recusa a dar entrevista. Ele apenas diz: Não tem mais jeito,eu tentei.

A tarde toda permanece o impasse. Os policiais não saem e começam atomar coragem para declarar aos jornalistas que estão em greve. Alguns vãoaté à esquina do quartel para gravar entrevistas numa rua erma atrás docemitério. Eles estão com os rostos cobertos por gorros, blusas e cachecóis,emprestados pelos próprios jornalistas. Denunciam desmandos, regalias dosoficiais, falam sobre a revolta com os baixos salários e o aumento exclusivoque foi dado aos oficiais. Uma das denúncias mais graves feitas neste primeirodia da greve é a de que policiais militares estariam recebendo dinheiro detraficantes para fazerem vista grossa no caso de batidas policiais nos morros.Segundo a denúncia, os policiais que moravam em favelas, vizinhos aospróprios marginais, aceitavam propina e recebiam mais de R$ 3.000,00 por mêsde traficantes. Um dos policiais diz que enquanto ele trabalha o mês inteiropara ganhar pouco mais de R$ 300,00, um menino de 12 anos que vende crackna favela Sumaré, ganha até R$ 150,00 por dia. Diz que a proximidade entre umtraficante e um policial é bem curta.

Quantas foram as vezes que o policialsai de casa deixando o aluguel atrasado,a luz cortada, sem nenhum alimento e

no momento da prisão o traficanteoferece R$ 500,00? O coração começaa bater forte. Vem logo ao pensamento

que com aquele dinheiro pode colocar a vidaem ordem, mas o senso de responsabilidade

fala mais alto para quem é um profissionalhonesto e consciente. Infelizmente,

nem todos são assim.

Page 28: Livro 4ª edição

27

Um policial do BPChoque diz:

“A cabeça de um policial do Batalhão de Choque está valendo R$ 5.000,00na favela da Pedreira Prado Lopes. Como é que a gente trabalha assim?”.

Quanto mais as horas passam, mais policiais querem falar, denunciar, masainda com medo de possíveis represálias. Eles fazem outras denúncias.

“Sabemos de várias maracutaias de oficiais. No 1° BBM, os bombeirosforam obrigados a assinar nota fiscal onde um par de meias estava orçado emR$ 57,00. Em vez da farda anual a que têm direito, os bombeiros só receberameste ano duas camisetas, um calção e dois pares de meia, com preçossuperfaturados”.

O fardamento é de responsabilidade da empresa Citeral, que funcionadentro do 5o BPM, no bairro da Gameleira, região oeste. O Comando nega asdenúncias.

Essa empresa tem exclusivo monopólio para vender fardas para a PM,por isso põe o preço que quer. Dizem que paga comissão para os coronéispara que não permitam que outra empresa também entre nesse mercado. Parase ter idéia, no Distrito Federal o efetivo é cinco vezes menor, mas existem 10empresas que vendem fardamento.

PMs do Batalhão de Choque cruzam os braços

Page 29: Livro 4ª edição

28

A greve se espalha

Começam a chegar informações de movimentos em outros quartéis. No22° BPM (bairro Santa Lúcia, região sul), vários colchões são queimados. No1° BPM (bairro Santa Efigênia, região leste), os policiais fazem um buzinaçonas viaturas na hora de sairem do quartel. No 16° BPM, (bairro Santa Tereza,região leste), o quarto turno atrasa quatro horas o seu lançamento (saída pararua) e os policiais jogam as armas no chão. No 1° BBM (Batalhão de BombeirosMilitares), a rede de rádio transmite o protesto, chamando os policiais parauma mobilização geral. Um dos diálogos ouvidos:

– O coronel pediu aumento para nós?– Não é o coronel quem dá aumento. É aquele prechão do governador,

que já falou que não tem aumento para nós. (risos) Então põe o coronel naescuta aí. Vamos pedir o aumento para ele!

Os telefonemas chovem nas redações, policiais dizendo que a greve iriase alastrar por todo o Estado. No BPChoque, os policiais distribuem bilhetesaos jornalistas assumindo a responsabilidade pelo incêndio. Um dos bilhetesdiz:

“Estamos passando fome. Moramos em favelas e às vezes chegamos apensar em suicídio. Não recebemos nenhum apoio do Alto Comando da PM.Queimamos os colchões porque nossa vontade é botar fogo em nossos saláriosde miséria. Como não podemos, colocamos fogo nos colchões”.

Os policiais tinham receio de que, no caso de alguma unidade parar, oBatalhão de Choque ser chamado para reprimir os próprios policiais, já que erauma tropa especializada na repressão a movimentos grevistas. Com a explosãodo movimento no Batalhão de Choque, os policiais das outras unidades seencorajaram e o movimento se espalhou como uma onda. Neste dia, não havialíderes. A situação só não ficou pior porque o comandante do BPChoque erauma pessoa querida e respeitada pelos choqueanos.

Às 19:30hs., chegam ao BPChoque integrantes da Associação deSubtenentes e Sargentos e do Centro Social de Cabos e Soldados que haviamsido convocados pelo comandante-geral para tentarem conversar econvencerem a tropa a retornar às atividades normais. Os representantes destasentidades alertam a tropa para o que poderia ocorrer: possíveis punições e atéexclusões. Eles também estão um pouco perdidos, até pelo ineditismo domovimento, tentando responder às inúmeras perguntas e questionamentos daspraças. Esta reunião dura cerca de uma hora, sem a presença de nenhum oficial.

Page 30: Livro 4ª edição

29

Nasce um líderNesta reunião, comecei a despontar como líder, porque tive tranqüilidade

e objetividade para encaminhar as principais dúvidas da tropa. Mas não houveescolha de representantes do movimento, até porque não estava definidanenhuma reunião de negociação com o Governo – achávamos isto impensável– e não se cogitava ainda em fazer passeatas.

Não houve mais chamadas neste dia. Fica decidido que todas ascompanhias se fariam presentes no outro dia, acumulando no dia 13 todo oefetivo do BPChoque, até quem não estava de serviço, como os policiais emfolga ou em férias.

Deixamos o batalhão, que ficou apenas com o 4° turno Rotam, que estavade plantão. Todos foram para casa. Nesta noite, em casa, pensava sobre o quetinha acontecido, mas não tinha a menor idéia da dimensão que o movimentoiria tomar. Estava tranqüilo, mas ansioso para saber o que aconteceria diantede uma situação tão nova, sem saber como seria o dia seguinte. A repercussãoainda era pequena, não se sabia que haveria um grande movimento.

O Comando da PM se reúne à noite e o secretário da Casa Civil AgostinhoPatrus participa da reunião. O Comando redige nota oficial, que é publicadanos jornais no dia seguinte:

“Foi apurado que 60 praças se mantiveram em posição de manifestaçãono BPChoque. Isso, dentro de um efetivo de 42 mil homens da Corporação noEstado, sendo 10 mil na Grande BH. Foi solicitado um reforço de policiamentopara suprir a ausência desses praças, o que foi de pronto atendido, mantendodessa forma o policiamento na Capital mineira”.

AH! Eu tô é duro!

No outro dia, cheguei cedo ao BPChoque, por volta de 7hs. Soube que oturno da noite fora normal. Dezenas de policiais de todas as companhiasestavam lá. Os policiais de folga ficaram sabendo do movimento e se dirigiramespontaneamente ao quartel, inclusive os licenciados e os que estavam deférias, que também foram para o quartel.

Não há ainda liderança e os policiais continuam reunidos no pátio, semsaberem o que fazer. Não há chamada. Os oficiais não andam no pátio, só ficamreunidos com o comandante, tenente-coronel Cançado. Eu fui trabalhar no

Page 31: Livro 4ª edição

30

computador na companhia ROTAM, numa sala que ficava de frente para o pátio.Os PMs ligam para a imprensa e pedem apoio. De repente começa uma

gritaria, que vira um coro: Vamos para a rua!. Os praças de outras unidadesligam para o BPChoque para confirmar as informações da paralisação que estãosendo veiculadas pela imprensa e anunciam que vão aderir. Para espanto detodos, o BPChoque vai para a rua. São 150 homens no início.

Acompanhei o movimento. A passeata não tinha direcionamento, era umsentimento de cidadania, como se estivéssemos nos libertando de uma prisão,de um regulamento arcaico. O grito de liberdade que estava preso há 222 anosna garganta finalmente ecoara. Não tínhamos ainda nenhuma reivindicação,mas estávamos nos sentindo livres.

A passeata segue pela avenida Américo Vespúcio, em direção a avenidaAntônio Carlos, acesso da região norte para o centro. A passeata engrossa, jásão 500 policiais participando.

Não sabíamos bem qual era o nosso objetivo, se iríamos até à PraçaSete, no centro de Belo Horizonte, ou se chegaríamos até o QCG na Praçada Liberdade, onde também fica o Palácio da Liberdade, sede do Governoestadual. Eu tentava organizar a passeata, pedindo que os policiais sóficassem numa pista para liberar o trânsito, e foi nesta hora que muitos meviram como líder, inclusive colegas de patente superior a minha, como

População aplaude a passeata dos policiais

Page 32: Livro 4ª edição

31

sargentos, que me perguntavam o que fazer, se deviam ou não tirar asplaquetas de identificação e os bonés. Passamos pelo Departamento deInvestigações, da Polícia Civil, e chamamos os policiais civis paraparticipar. Alguns desceram. Incitei o pessoal a prosseguir para evitarprovocações em frente ao DI. Seguimos pela avenida.

Na altura do viaduto da Lagoinha, quase no centro, o tenente-coronelCançado se posta de braços abertos na frente da tropa. Ele afirma que ocomandante-geral ordenou que fosse dada voz de prisão a todos que estavamna manifestação. Se prender um, isso vai virar uma guerra, respondem osmanifestantes. A passeata desvia-se dele e os PMs continuam a caminhar.

Outros comandantes de batalhão, o tenente-coronel Rúbio Paulino,do 22° BPM e o tenente-coronel Severo, do Batalhão de Missões Especiaisacompanham o comandante do BPChoque, que segue o tempo todo aolado da passeata.

Eles acompanhavam a passeata, pela lateral, em solidariedade ao tenente-coronel Cançado. Gritávamos: Polícia unida jamais será vencida!, ou entãoo famoso Ah, eu tô é duro!

A passeata continua até a Praça Sete, sem incidentes. No caminho, umatropa da 6ª Companhia do 1° BPM, com cerca de 50 policiais, se junta aomovimento, além de outros policiais que estavam de serviço nas ruas por ondea passeata passava. Vinte policiais do BPTran e cinco batedores acompanhama passeata, coordenando o trânsito. Os bombeiros também aderem à passeata.Chegando à Praça Sete, os oficiais continuam a fazer apelos para que o pessoalvolte para os quartéis e não fizesse greve nas ruas. Eles diziam que isto iriaacabar com a Polícia Militar.

Page 33: Livro 4ª edição

32

Um integrante da CUT/MG, com uma bandeira vermelha, tenta participarda passeata e é retirado pelos policiais. Ele insiste em ficar na avenida e ospoliciais rasgam a bandeira. O sindicalista desiste, vendo que os policiais orecebem com animosidade.

Policiais de outras unidades, como os de trânsito, são levados a participardo movimento, com o chamado dos manifestantes, muitos até contra a vontade.

Não tínhamos rumo, nem reivindicações, nem programação, nada. A idéiaagora era seguir para a Praça da Liberdade, demonstrar para o governador quea Polícia estava passando fome. Demonstrar como? Através de umaconcentração em frente ao Palácio da Liberdade. Iríamos ficar em silêncio, nãotínhamos idéia do que fazer.”

Policiais fazem passeata pela Av. Amazonas

Page 34: Livro 4ª edição

33

Apoio da população

Por onde a passeata passa, a população aplaude, inclusive em prédiospúblicos, como a Prefeitura de Belo Horizonte, secretarias, bancos, lojas,prédios residenciais. Alguns jogam papel picado. Alguns manifestamabertamente o seu apoio, como o taxista Silvano dos Reis, que diz: Eles estãomais do que certos!

Em frente ao Detran (Departamento Estadual de Trânsito), na avenidaJoão Pinheiro, os PMs chamam os policiais civis a aderirem. Eles gritam: Decamarote não, a luta é aqui no chão... Nas janelas do prédio vários aplaudem,alguns descem para acompanhar o movimento.

Andamos 12 km e estávamos cansados, mas com total disposição paracontinuar o movimento. No final da subida da avenida João Pinheiro, oscoronéis verificaram que eu liderava o pessoal na organização da passeata eme pediram que não deixasse a manifestação passar pela alameda da praça daLiberdade. Eles diziam que a PM nunca deixou nenhuma classe de trabalhadoresem manifestação passar por lá, e não seriam os próprios PMs a passarem nolocal em manifestação. Naquele momento não era mais uma ordem, era umpedido, que não foi atendido. Passamos pela alameda e chegamos ao Palácioda Liberdade”.

Chega a hora de negociar, para espanto dos próprios manifestantes.

Não pensávamos que isto aconteceria. Tínhamos que reivindicar algo etentar negociar, mas não sabíamos o que queríamos e o que iríamos fazer. Estafalta de rumo foi devida à própria espontaneidade e ineditismo do protesto.Não tínhamos nenhum elemento nem condição objetiva para negociar, casonos chamássemos para uma reunião.

Em frente ao Palácio da Liberdade, os manifestantes, que já eram 1.500,engrossados pelas novas adesões durante o caminho, inclusive com grandenúmero de reformados (aposentados da PM), cantam o Hino Nacional, viradosde costas para a sede do Governo. Eles fazem também uma oração, emhomenagem ao PM que morreu baleado por assaltantes, o cabo Glendyson.Depois, os manifestantes queimam contracheques.

Page 35: Livro 4ª edição

34

Policiais sentam-se no chão em frente ao Palácio da Liberdade,sede do governo mineiro

Policiais queimam o contra-cheque

Page 36: Livro 4ª edição

35

Comissão define reivindicaçõesàs pressas

Dois oficiais, a mando do comandante de policiamento da Capital,comunicam que aguardam a formação de uma Comissão dos praças paranegociar. Esta Comissão passa a ser formada pelos integrantes das entidadesrepresentativas (Centro Social de Cabos e Soldados e Associação deSubtenentes e Sargentos), além de três policiais do BPChoque, escolhidospelos companheiros porque tinham maior capacidade de liderança. Eu fui umdos escolhidos, numa pequena assembléia.

Só neste momento definimos a pauta de reivindicações: o piso salarialde R$ 800,00, promoção por tempo de serviço – dez anos – e não apenas porconcursos internos, revisão imediata do RDPM (Regulamento Disciplinar daPolícia Militar) e do EPPM (Estatuto de Pessoal da Polícia Militar), que sãobaseados nos regulamentos de Exército. Queríamos também a não punição aosmanifestantes e uma política habitacional que atendesse especialmente oscabos e soldados.

Nove representantes dos praças integram a Comissão, que seguiu parao Palácio para negociar.

Foi um sentimento de poderinusitado. Como é que um cabo ou

um sargento poderiam negociarrepresentando mais de 55 mil policiais?

Nunca imaginei passar por ummomento assim.

Logo que a Comissão entra, é recebida pelo chefe do Gabinete Militar doGoverno, cel. Hamilton Brunelli. Quando a Comissão entra no Palácio, a tropadesloca-se para a frente do Quartel Central Geral, onde funciona o Copom –Centro de Operações da Polícia Militar, o Comando-Geral, e outras unidadesadministrativas da PM. A tropa fica concentrada em frente ao prédio do QCG,próxima às escadarias.

Page 37: Livro 4ª edição

36

Cancelada a ordem de confronto

O chefe da Cedec – Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, CoronelCustódio Diniz, ordena que se postasse em frente ao prédio uma tropa decadetes, que estava de prontidão dentro do Palácio dos Despachos, anexoao Palácio da Liberdade. Um tenente-coronel discute com o chefe da Cedec,com medo de um confronto entre os manifestantes e os cadetes. Ele diz:Comandante, não faça esta loucura. Se esta tropa for colocada aqui, istovai virar uma guerra. O comandante de policiamento da Capital pedeautorização para uma contra-ordem para recolher a tropa. O chefe da Cedecdesiste e a ordem é cancelada. A tropa que estava de prontidão tinha cercade 50 cadetes enquanto que os manifestantes já eram mais de 2.000.

O fato inédito em 222 anos de Polícia Militar pegou todos de surpresa. OCoronel Diniz havia passado toda a madrugada distribuindo cobertores, umasdas funções exercidas pelos agentes da Cedec. Ao amanhecer diante dasinformações de que poderia haver problemas, foi forçado a ficar no Paláciodos Despachos. Não sabia o que fazer, o aprendizado na Academia não o haviaensinado a lidar com uma situação como essa. Era uma situação inovadora.Nunca se esperava que fosse acontecer.

Ao mesmo tempo que há mobilização de cadetes da PM, as ForçasArmadas também já estão de prontidão. Na 4ª Divisão de Exército (DE), a Políciado Exército está mobilizada dentro do quartel e se fosse necessário, sairia àsruas.

Page 38: Livro 4ª edição

37

Primeira reunião de negociação

Comissão conversa com Coronel Hamilton Brunelli. Ele demonstra,durante a conversa, eterno amor pelo militarismo. O coronel usa expressõescomo: Depois desta, o que será da Polícia Militar?; a PM vai acabaramanhã!; ou isto não poderia acontecer nunca!. Ninguém se intimida. Lá embaixo, começam sonoras vaias. Corremos à janela e vimos o comandante do CPCsendo vaiado pelos manifestantes. O Coronel Brunelli se desespera e diz: O queé isto? Agora é que acabou mesmo a Polícia Militar!

Eu respondi: Não fomos nós que procuramos isso, coronel. Nossasituação é crítica. Por que concederam aumento só aos oficiais e deixaram ospraças em situação de miséria ?

O secretário da Casa Civil, Agostinho Patrus, que é capitão médicoreformado da Polícia Militar, chega para coordenar a reunião em nome do Governo.Ele demonstra superioridade no trato com os praças. O secretário recebe asreivindicações e diz que não negocia com a Polícia na rua. A Comissão prometetentar tirar a tropa das ruas, mas com a garantia de haver negociação.

Abraço do Pirulito

Depois da reunião, que dura cerca de uma hora, os líderes se reúnemcom os manifestantes e marcam uma assembléia para o dia seguinte, sábado.Eles resolvem deixar a Praça da Liberdade em passeata. Os PMs gritam osjargões e a expressão de cidadania é total. Nos prédios das secretarias, aspessoas ainda aplaudem a passagem dos policiais. Na avenida Afonso Pena,alguns P-2 (policiamento secreto), infiltram-se na passeata. Um deles tem umacâmera e filma os integrantes do movimento. Aos gritos de traidor, os praçastomam a filmadora, que é quebrada no chão. Ele é expulso a pontapés e saicorrendo para não apanhar.

A passeata segue em direção à Praça Sete, mas os líderes são chamados

Page 39: Livro 4ª edição

38

para uma reunião no Comando-Geral. Os manifestantes já são 2.500 e continuamo protesto, abraçando o monumento do Pirulito . Quatro segurançasparticulares do governador, policiais militares da ativa, de terno e gravata, aderemao protesto. Um deles diz: Fazemos parte da tropa, apenas temos fardasdiferentes.

Todos sentam-se no chão. O protesto é encerrado rapidamente porqueexiste uma preocupação de desimpedir o trânsito e não provocar transtornospara continuar com o apoio da população. Os repórteres entrevistam as pessoasna Praça Sete.

A maioria da população apoiava o nosso movimento. Existia uma grandeconsciência de que a greve era por melhores salários. Muitas pessoas aplaudiamcom entusiasmo, como uma dona-de-casa que manifestou apoio e carinho pelospoliciais. Eles merecem ganhar mais e serem valorizados, disse ela.

Abraços no pirulito na Praça Sete, Centro de Belo horizonte

Page 40: Livro 4ª edição

39

Comando-geral recebe os praças

Logo após o retorno dos policiais aos quartéis, a Comissão retorna parauma nova reunião, desta vez no QCG com o Comando da Corporação. Alémdo comandante-geral, Coronel Antônio Carlos dos Santos, participam o chefedo Estado-Maior, Coronel Herberth Magalhães, o comandante de policiamentoda Capital, Coronel José Guilherme do Couto e o chefe da DPS – Diretoria dePromoção Social, cel. Pedro Seixas. A reunião começa tensa. O comandante-geral demonstra nervosismo.

O tempo todo ele tentava explicar o inexplicável. Culpava os oficiais deunidades de não terem conseguido explicar para a tropa o aumento dos oficiais,usando a expressão: a explicação não chegou à ponta da linha.

O comandante promete avaliar todas as reivindicações e garante que oGoverno já havia enviado à Assembléia Legislativa o pedido paraautorização de reajuste setorizado. Ele promete ainda conceder todas asreivindicações que fossem da competência do Comando da Corporação.O comandante diz ainda que reconhecia que o RDPM estava ultrapassadoe que já estava sendo feito um estudo, por um grupo de oficiais, para a revisãodo regulamento.

Governo faz pronunciamento

O governador Eduardo Azeredo está de viagem marcada para a Europa,mas a viagem é adiada por causa da crise. Na noite de 13 de junho, o governadorfaz um pronunciamento oficial.

“Como governador, venho prestar informações sobre os acontecimentosna PM: os delegados da Polícia Civil ganharam na Justiça equiparação comos procuradores do Estado, com reajuste de cerca de 11%, que foi repassadoaos oficiais da PM, em virtude de legislação específica. Reconhecendo serjusta a extensão do aumento dos praças, enviei na última segunda-feiraprojeto de lei solicitando, com urgência, autorização da AssembléiaLegislativa para ter meios de corrigir distorções nos menores salários do

Page 41: Livro 4ª edição

40

funcionalismo”.

O governador fala também sobre as dificuldades com a folha depagamento: a arrecadação mensal é de R$ 450 milhões e R$ 350 milhões vãopara a folha de pagamento, representando 77% das despesas.

“A população aprendeu a admirar e a confiar nos bons serviços prestadospela PM, reconhecida como a melhor do Brasil. O Governo espera quepermaneça a normalidade. É fundamental que prevaleçam o direito, a lei, aordem e a tranqüilidade da população”.

Apesar da declaração do governador, não há legislação, específica ounão, sobre a isonomia automática entre os salários dos coronéis da PM e dosdelegados da Polícia Civil. A isonomia é fruto de um acordo de cavalheiros,reivindicado pelos coronéis ao Governo e que foi implantado desde o GovernoNewton Cardoso, em 1989, depois da promulgação da Constituição Estadual.O objetivo é evitar rixas e criar clima de igual respeito e reconhecimento entreos comandos das duas Corporações.

Na avaliação do governador, a manifestação dos PMs é restrita a umapequena parte da Corporação. “A situação está bem administrada pelosecretário da Casa Civil e pelo comandante-geral da PM”, afirma ogovernador. Já o secretário Agostinho Patrus fica irritado quando é perguntadopelos jornalistas se o Governo havia perdido o controle da PM:

“Solicito à imprensa que possa transmitir a realidade dos fatos. Umapergunta como esta vai trazer intranqüilidade”.

Page 42: Livro 4ª edição

41

Cabo Júlio discursa aos manifestantes na Praça Sete pouco antes do confronto na Pça da Liberdade

Page 43: Livro 4ª edição

42

Cabo Júlio fala aos manifestantes na Praça Sete

Page 44: Livro 4ª edição

43

Sargento tenta suicídio

Um sargento de 38 anos, dezoito anos de serviço, com seis filhos e saláriode R$ 360,00 é internado no HPS depois de ingerir um vidro de formicida ecinqüenta cápsulas de Lexotan. Com a vida salva pelos médicos, o PM dáentrevista, mas pede que seu nome não seja divulgado.

“Estava desesperado. Meu aluguel, deR$ 120,00, está atrasado há dois meses.

Minha família vive de favores.Não tive apoio psicológico.

Quando soube do aumento dos oficiais,me senti revoltado:

eles só olham o bolso deles”.

O chefe da sala de imprensa, major Jefferson Oliveira, comenta:“Se todo PM que se julgasse desesperado pelos baixos salários fosse

tentar suicídio, teríamos um extermínio na Corporação”.O comandante de policiamento da Capital afirma:“Reconheço que o salário é baixo, mas isto não é motivo para se matar.

Se este fosse o motivo, a maioria da população brasileira já teria se matado”.O comandante do 1o BPM, tenente-coronel Antônio Luiz, admite que os

policiais são mal remunerados:“O salário reivindicado é justo. É inconcebível que um policial receba

apenas R$ 330,00”.

Page 45: Livro 4ª edição

44

Primeira assembléia

No dia seguinte à passeata, realizamos assembléia no Clube de Cabos eSoldados. Cerca de 2.000 PMs participam, muitos acompanhados da mulher efilhos. Para chegar ao clube, no bairro da Gameleira, região oeste de BeloHorizonte, caminhavam dos batalhões em minipasseatas, fardados, e aindagritando os jargões da primeira passeata. A imprensa registra a presença depoliciais de várias unidades, Corpo de Bombeiros, Cavalaria, Hospital Militar,Polícia Feminina, e até do Quartel Central Geral.

Os PMs apresentam um balanço da greve nos batalhões. Os policiais daCompanhia de Bombeiros do Aeroporto da Pampulha garantem que asoperações de abastecimento de aviões estavam sendo realizadas sem segurançapor causa da greve. Um policial do 22° BPM disse que o Comando tinhaordenado que ninguém deveria participar da assembléia, sob risco de punições.Os praças do 22° BPM dizem que não estavam dispostos a trabalhar a trocode nada. Não vamos arriscar a vida por essa miséria que a gente ganha. Um

Page 46: Livro 4ª edição

45

casal de policiais, com o filho pequeno, exibe o contracheque com o salárioconjunto: pouco mais de R$ 800,00. Todos mostram os contracheques paradarem exemplos da situação salarial. Neste dia, os policiais já não tinham medode mostrarem a cara e dizerem o nome ao dar entrevistas.

O Coronel Pedro Seixas, morrendo de medo, diretor de Promoção Social,em trajes civis e escondido em uma das salas do clube, acompanha a assembléia.A Comissão sabe da presença dele no local, mas não tinha como impedir porqueo clube pertence à DPS.

Orientei a Comissão, e nos reunimos para discutir como seria oencaminhamento da assembléia. A nossa missão foi a de apresentar as propostasoferecidas pelo Governo e decidir um prazo para o atendimento dasreivindicações. Meia hora depois nos dirigimos ao palanque e pedimos apresença de todos.

Começa a assembléia, tumultuada. Eu tive dificuldades de fazer osencaminhamentos, pelo clima dos grevistas e pela inexperiência. Depois de duashoras de debates, decidimos manter o piso de R$ 800,00 para os soldados, arevisão do Estatuto e do Regulamento Disciplinar, a não-punição aos grevistas,além da promoção por tempo de serviço e a criação de uma política habitacionalvoltada para os praças. Mais difícil é definir o prazo para que o Governo dêuma resposta. A Comissão propõe trinta dias, mas os participantes não aceitam.Inicialmente, não queriam dar nenhum prazo, permanecendo em greve até oatendimento das reivindicações. Depois, querem um prazo máximo de cincodias. Ao final, chegam a um consenso de dez dias. Outra assembléia é marcadapara o dia 24 de junho, no mesmo local. Os líderes pedem que todos voltemaos quartéis, sem tumulto ou passeatas.

Interior

Em Montes Claros, no norte do Estado, PMs também fazem declaraçõesde protesto. Um policial sem se identificar diz:

“Se o reajuste concedido aosoficiais e delegados não for estendido

aos praças, a adesão ao movimento serágeneralizada no Estado. Estamos só

esperando a orientação doCabo Júlio em Belo Horizonte”.

Page 47: Livro 4ª edição

46

Recebia telefonemas de várias partes do Estado, querendo participar domovimento e acompanhar as negociações. Já se manifestam praças dosbatalhões de Ipatinga, Manhuaçú, Juiz de Fora, Barbacena, GovernadorValadares, Uberlândia, entre outros.

A orientação para os praças do interior é aguardar até à véspera do dia24, quando deverão ser organizadas as caravanas para Belo Horizonte paraparticipar da assembléia no Clube de Cabos e Soldados.

Em Juiz de Fora, na zona da Mata, um PM faz um protesto isolado. Osargento William da Silva Peçanha (30), do Serviço de Patrulha de Trânsito,desce da moto em um dos pontos mais movimentados da avenida Rio Branco,no centro, coloca o revólver e o cinturão no chão e grita palavras de ordemcontra os baixos salários. A manifestação do sargento dura sete minutos até achegada de uma viatura do 2° BPM, que o retira do local. Ele é levado para aClínica São Domingos, onde é submetido a uma avaliação de suas condiçõespsicológicas. O comandante regional de Juiz de Fora, Coronel Elvino deOliveira, diz que vai aguardar a avaliação médica do sargento, antes de estudara abertura de um Inquérito Policial Militar (IPM).

Em Governador Valadares, policiais fazem duas passeatas. São 150 do 6°BPM e do 1° CRPM, além de policiais civis, que caminham pelas ruas do centro.Os policiais não usam fardas durante o protesto, também queimamcontracheques, assim como os manifestantes de Belo Horizonte.

Page 48: Livro 4ª edição

47

Tática do silêncio

Durante todo o sábado, o Alto Comando fica reunido com todos oscoronéis da Capital. A reunião começa ao mesmo tempo que a assembléia dospraças, às 10h e só termina às 17h30. Os coronéis discutem a crise deflagradapela greve inédita na Corporação.

Poucas informações chegam à imprensa. O Comando adota a tática dosilêncio. A ausência de informações aumenta as especulações. Enquanto oscoronéis e oficiais não se pronunciam, os praças têm todo acesso à imprensae conseguem veicular informações do seu interesse.

Recrutas de prontidão

No dia da assembléia, todos os recrutas são convocados pelo Comandoe ficam de prontidão em suas unidades e na Academia. A orientação é queeles podem ter que assumir o policiamento na Capital, se persistir o movimentodos grevistas.

No 16° BPM, no bairro Santa Tereza, região leste, os recrutas comentamentusiasmados a possibilidade de ir para as ruas, mesmo antes de completarsua formação. Os jornalistas questionam nos quartéis qual a viabilidade de umsistema de segurança feito por recrutas. A resposta de alguns comandantes éque os recrutas estão plenamente capacitados porque se formarão em breve.

Os recrutas da PM têm uma formação de nove meses, onde recebemtreinamento e aprendizado sobre matérias como relações públicas e humanas,noções básicas de direito, legislação interna, regulamento disciplinar, instruçãomilitar básica e noções de primeiros socorros. No oitavo mês, os recrutaspassam por um período de estágio, onde são acompanhados por policiais jáformados, que repassam, no dia-a-dia das ruas, informações para o seuaprimoramento.

Page 49: Livro 4ª edição

48

As negociações

Enquanto corre o prazo dado pelas praças ao Governo, continuam as

reuniões de negociação. O governador envia à Assembléia Legislativa o

anteprojeto que permite a concessão de aumentos diferenciados a setores dofuncionalismo público e viaja para a Europa, com atraso de dois dias. Os líderessão chamados para várias reuniões com o comandante-geral e com o chefe doEstado-Maior para discutirem as mudanças no Estatuto e no Regulamento.

No dia 17 de junho, o comandante-geral da PM, Coronel Antônio Carlosdos Santos, divulga uma nota sobre A Questão Salarial da PM e o MomentoAtual, criticando o comportamento que ele considera emocional e sensitivodos manifestantes e justificando o reajuste salarial diferenciado. De acordo como comandante, o Governo manteria a equivalência entre os delegados e oficiais,estendendo depois os mesmos índices para os praças, depois da aprovaçãoda Assembléia Legislativa. O comandante diz ainda que os policiais devem tertranqüilidade e confiança na instituição.

No dia 18 de junho, acontece mais uma rodada de negociações, no Paláciodos Despachos, com a participação dos secretários da Casa Civil eComunicação Social, Agostinho Patrus, da Fazenda, João Heraldo Lima, deRecursos Humanos e Administração, Cláudio Mourão, da Habitação, SílvioMitre, o comandante-geral da PM, Coronel Antônio Carlos dos Santos, o chefedo Gabinete Militar, Coronel Hamilton Brunelli, o presidente da Cohab –Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais, Reginaldo Arcouri, opresidente da União dos Reformados, Coronel Décio Pereira da Silva, opresidente do Clube dos Oficiais, Coronel Edvaldo Piccinini e osrepresentantes dos praças. A principal discussão é sobre o piso de R$ 800,00que não é aceito pelo Governo. Segundo o secretário da Casa Civil:

“Este piso significaria um aumento de 90% para os praças, o que oGoverno não tem como bancar. O reajuste é impossível porque alguns praçaspoderiam ficar com salários superiores aos dos oficiais”.

O secretário não fala em índices para o aumento.

Page 50: Livro 4ª edição

49

“Estamos estudando este percentual de reajuste com base nasrepercussões que ocorrerão dentro da própria PM. Se dermos o aumento paraos soldados, isto vai influenciar os soldos de cabos, sargentos, subtenentes2o tenentes, etc. Por causa disto não podemos divulgar um índice levianamente”.

Pela primeira vez, o comandante-geral admite que os participantes domovimento podem ser punidos. O Coronel Antônio Carlos dos Santos disseque:

“Todos os fatos serão apurados e o meio de investigação será atravésde IPM (Inquérito Policial Militar). Os fatos são graves e tomaremos decisõesa respeito após as investigações”.

Guerra suja

O Comando da Polícia começa a trabalhar nos bastidores para destruir omovimento.

Depois desta reunião, fui procurado, em minha casa, por um oficial queme perguntou o que eu queria para sair do movimento. Ele dava a entenderque queria me subornar. Segundo ele, o Comando considerava que a minhasaída poderia enfraquecer ou até acabar com o movimento, como se eu fosseo causador da revolta. Este oficial me perguntava: O que você aspira, o quevocê quer, cabo Júlio? Minha resposta era fatídica: dignidade para o policial.De repente eu disse: o senhor tem dois minutos para sair de minha casa.Ameacei chamar a imprensa. Ele saiu imediatamente.

Os diretores da Associação de Subtenentes e Sargentos se reúnem no finalda tarde para avaliar a situação nos quartéis de Belo Horizonte e interior. Os 45diretores consideram a situação explosiva e acreditam que se o Governo nãoder o aumento esperado a paralisação será geral. Caravanas estão se preparandono interior para comparecer à assembléia em Belo Horizonte.

No dia 20 de junho, os deputados aprovam o projeto do Governo.

Page 51: Livro 4ª edição

50

O amarelinho

Neste mesmo dia, o assessor de imprensa do Comando-Geral entrega aoslíderes dos praças o anteprojeto de revisão do Estatuto e do Regulamento, epropõe um prazo de 30 dias para que eles apresentem sugestões. A propostaé aceita. A Comissão adianta a principal mudança desejada: o fim da penaprivativa de liberdade. “O amarelinho” só mudou cinco anos depois.

Qualquer praça, por decisão do seu comandante, pode ser punido com aprisão no quartel de até treze dias, a critério do comandante, e ainda que nãohaja motivação clara. Isto é motivo de revolta de muitos policiais.

O Regulamento Disciplinar, chamado Amarelinho é analisado pelaimprensa. Alguns artigos do regulamento chamam a atenção pelo que têm dearcaico. Exemplos: os praças têm que pedir permissão para casar enquanto queao oficial basta apenas comunicar. É proibido recorrer à Justiça sobre qualquerdireito individual. Até o tipo de guarda-chuva usado pelo policial é definidopelo regulamento. A falta de um botão na farda ou um bigode maior que opermitido pode levar à prisão do policial. Enquanto um cidadão comum só podeser preso mediante flagrância ou ordem judicial, o policial militar pode ser presopela simples vontade do comandante. É proibido ao policial contrair dívidassuperiores à sua capacidade de pagamento, ao mesmo tempo em que ele éobrigado a sustentar condignamente sua família.

É comum a presença de credores dentro dos batalhões. O interessante éque o Estado é um dos maiores devedores das praças. A PM não paga seusfornecedores mas pune um policial quando ele atrasa os pagamentos de suasdívidas.

Page 52: Livro 4ª edição

51

A ameaça do secretário

O Comando informa ainda que estuda convênios com a Secretaria Estadualde Habitação para financiamento de moradias específicas aos policiais.Outro convênio em estudos, com a Fundação Roberto Marinho, permitiriaa abertura de salas de aula nos quartéis, para os policiais que quisessemestudar.

No dia 21, o governador volta da Europa e anuncia um abono de R$ 102,00para policiais civis e militares. O secretário da Casa Civil, Agostinho Patrus,afirma que é o valor máximo que o Governo chegará. Numa das reuniões, queacontece no Palácio dos Despachos, com a presença do comandante-geral, osecretário aponta o dedo em tom de ameaça para o meu rosto e diz:

“O Governo não vai agir sobpressão, nem que cinco mil, dez milou quarenta mil policiais armados

estejam nas ruas.”

A ameaça é gravada pelo repórter cinematográfico Mário, da TV Minas,que estava na sala fazendo imagens. A informação circula entre a imprensa.Depois, em entrevista coletiva, o secretário desmente o clima de hostilidadena reunião e acusa a imprensa de ter feito gravações indevidas.

Page 53: Livro 4ª edição

52

A Força Legalista (Forleg)

O Comando cria a Força Legalista (Forleg), formada por tropas do interior,alunos da Academia e alguns policiais da Capital, que eram procurados poroficiais para participarem da Força. Eles recebem a promessa de condecoraçõese promoções a graduação imediata caso aceitem.

Os líderes rejeitam o abono e mantêm a reivindicação inicial de R$ 800,00de piso.

Neste mesmo dia são destituídos os comandantes de Policiamento daCapital, Coronel José Guilherme do Couto, e do Estado Maior, CoronelHerberth Magalhães.

No dia 22 de junho, novos chefes assumem os postos no Comando dePoliciamento da Capital e no Estado Maior. O comandante-geral convocaimediatamente a Comissão e apresenta os novos comandantes, o Coronel EdgarEleutério Cardoso que assume o CPC e o Coronel Osvaldo Miranda da Silva,a chefia do Estado Maior. Nesta reunião com a Comissão representativa, o novochefe do Estado-Maior assume uma postura de linha-dura, dizendo que nãovai tolerar indisciplina e cumprimenta um a um os integrantes da Comissão,com um forte aperto de mão e olhar ameaçador.

O comandante-geral informa que o abono de R$ 102,00, que elevaria osalário para R$ 517,00, seria o valor máximo que o Governo chegaria. A partirdeste momento, segundo ele, estão encerradas as negociações em torno dossalários. Ele ordena à Comissão que levasse o valor à tropa como um pontofinal para o impasse.

Eu disse ao comandante que cumpriria a ordem, levando este valoraos praças, mas já adiantei que era quase impossível a aceitação destesalário pela tropa.

O chefe do Estado-Maior diz então que confiava na Comissão e que oproblema era meu.

Page 54: Livro 4ª edição

53

Troca de comando no BPChoque

Troca de comando também no Batalhão de Choque. Cai o tenente-coronelCarlos Roberto Cançado e assume o tenente-coronel Maurício dos Santos.A missão dos novos comandantes, considerados linha-duras: conter omovimento dos praças que a esta altura já se alastrou por todo o Estado e poroutras capitais brasileiras. Toda a cúpula da PM passa o final de semanareunida, traçando estratégias com os comandantes de batalhões para esvaziara próxima assembléia marcada para a terça-feira.

Para os praças, é indiferente a nomeação de qualquer um dos coronéis.Queremos uma nova postura por parte do Comando e salário no bolso. Nomesnão interessam.

Os telefonemas do interior para o meu telefone celular não param. Váriosônibus já se deslocam para a Capital. As unidades do interior enviamrepresentantes e prometem acatar as decisões da assembléia.

Os comandantes deixam para informar na véspera da assembléia que estáproibida a participação de policiais que estiverem em serviço. Também proíbemo uso de armas e de fardas. Os policiais que quiserem participar terão que ir àpaisana, por ordem dos comandantes.

Nos quartéis, os PMs continuam a denunciar represálias. Segundo asdenúncias, estão recebendo ameaças dos comandantes de que serão presosse comparecerem à assembléia. Ao mesmo tempo, PMs do interior formamcaravanas para chegar à Belo Horizonte no dia 24. Os líderes acreditam quemais de 3 mil policiais vão comparecer à assembléia.

No dia 23 de junho, véspera da assembléia, o Boletim-Geral da PolíciaMilitar informa que a Comissão de negociação dos praças terá caráterpermanente. A Comissão terá o papel de intermediar as discussões entre ocomando e os praças. A nomeação oficial da comissão e sua aceitação peloComando tem o objetivo de evitar a quebra de hierarquia na Corporação. Deacordo com a designação oficial da Comissão pelo comandante-geral:

“Eles estão autorizados a manter contatos com a Chefia do Estado-Maior,para representar os interesses dos praças da Corporação sobre políticas derecursos humanos e de promoção social”.

Page 55: Livro 4ª edição

54

Mais guerra suja

O CFAP – Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças étransformado em um grande cartório onde os alunos dos cursos de formaçãoe aperfeiçoamento de sargentos são dispensados. Caso houvesse prisões emflagrante, dos manifestantes, eles seriam levados para lá para prestaremdepoimento.

Os praças do 13° BPM enviam uma carta às Comissões de DireitosHumanos da Câmara Municipal e da Assembléia Legislativa pedindo quevisitem os quartéis e verifiquem as condições das cadeias onde eles ficamtrancados por qualquer motivo.

Na véspera da assembléia, cartas apócrifas circulam entre os PMs, comsupostas críticas aos integrantes da Comissão e desmobilizando a assembléia.Uma carta de um suposto soldado arrependido, de codinome Pedrão, pedeaos policiais que não façam mais movimentos de rua e voltem a trabalhar sembaderna. Ele se diz arrependido dos crimes que cometeu ao participar da grevee da passeata.

As cartas tinham o objetivo de desmobilizar a assembléia. Elas forampreparadas, por ordem do Comando, como se os autores fossem praçasarrependidos de terem participado do movimento. Mas houve um grave erro.

A linguagem usada não era depraças e sim de oficiais. Colocaram

erros de português grosseiros.

Dois dias antes delas começarem a aparecer, eu já tinha conhecimentode que seriam usadas no interior dos quartéis porque tinha informantes dentrodas reuniões do Alto Comando, assim como eles tinham informantes entre ospraças. Garanto que as informações são fidedignas porque me foram passadaspor pessoas insatisfeitos com os rumos definidos e decisões tomadas pelopróprio comandante-geral. É fato de conhecimento geral entre praças e oficiaisque existe uma rixa muito forte entre os coronéis pela disputa de poder. Alerteios integrantes da Comissão sobre essas cartas apócrifas para que jáestivéssemos preparados.

Page 56: Livro 4ª edição

55

As ameaças

Além das cartas estávamos recebendo ameaças de morte ou de seqüestro.No meu caso, foi feita uma ligação para um vizinho, quando uma pessoa, seidentificando como amiga, pediu o endereço da escola de minha filha, afirmandoque a buscaria, a meu pedido. O vizinho, desconfiado, disse que chamaria minhamulher para dar o endereço. A pessoa desligou imediatamente. Minha filhatinha um ano e três meses, na época, e não estava na escola. Recebi aindavários telefonemas de madrugada, com ameaças de morte. Em um destestelefonemas, a pessoa disse que na véspera da assembléia, no dia 23, haveriauma invasão em minha casa. Tive que tirar minha filha de casa e enviá-la paraum lugar escondido no interior. Em qualquer lugar por onde andava, era seguidopor oficiais do serviço secreto da Polícia Militar, a famosa P/2. Essa vigilânciaacontecia 24 horas por dia. Seguiam meus passos a todo momento.

O Governo afirma que estão encerradas as negociações com os policiais.O abono de R$ 102,00 é a última proposta.

A grande assembléia

Chega o dia 24 de junho. Todas as atenções estão voltadas para o Clubede Cabos e Soldados onde os policiais já começam a se concentrar para aassembléia. Começam a chegar policiais dos quartéis do interior e da Capital.A ordem do Comando de que não poderiam participar policiais fardados ouem serviço é desobedecida. Boatos de uma possível invasão do Exército noclube começam a correr. Os ânimos se exaltam. Os bombeiros do 2° BBM e ospoliciais do 18° BPM de Contagem chegam em passeata e são saudados peloscolegas.

O Coronel Seixas comparece novamente, permanecendo em trajes civis eescondido. Vários P-2 estão infiltrados na assembléia por ordem do Comando.Muitos, apesar de terem recebido ordens do Comando, participam como agentes

Page 57: Livro 4ª edição

56

duplos. O que eles fazem, na verdade, é levar informações do Comando paraos praças. Até alguns oficiais da P-2 repassam informações ultra-secretas aoslíderes dos praças, como a confecção das cartas apócrifas e a ordem paragrampear telefones, que partiu do Exército. Os líderes do movimento continuamsendo seguidos 24 horas por dia. As fichas funcionais dos líderes estão sendoanalisadas na sede da PM-2, a chamada Fazendinha, por causa de sualocalização, escondida em um local ermo dentro do 5° BPM. Ao contrário daP-2, que é o serviço secreto dos batalhões, a PM-2 é o serviço secreto de todaa Polícia Militar e tem a função de fiscalizar e observar todos os policiais,inclusive oficiais. Os agentes foram treinados no extinto SNI (Serviço Nacionalde Informações).

A assembléia começa tensa. Mais de três mil policiais estão na sede doclube. Não há tropa de repressão visível nas proximidades, mas os praças estãoatentos a todas as informações e mantêm vigilância na região e nas portarias.

O Coronel reformado William daCosta Baía, ex-comandante do

BPChoque, tenta entrar no clube etoma uma vaia logo na escadaria.

Sai fora! Gritam os policiais.

Subi no palanque e passei as informações dos resultados das negociaçõescom o Governo, as vitórias conquistadas e a decisão do Governo de bater omartelo e fechar as negociações em torno do abono de R$ 102,00 o que davaum piso de R$ 517,00. Por unanimidade, os policiais rejeitam a proposta ecomeçam a gritar: Prá fora, prá rua!. A muito custo, consegui segurar ospoliciais por 10 minutos, para tentar reabrir as negociações

Page 58: Livro 4ª edição

57

Prisão por telefoneTelefonei para o chefe do Estado-Maior, Coronel Miranda e comuniquei

a decisão da assembléia.– Coronel, pelo amor de Deus, tente reabrir as negociações com o

Governo. Os praças não aceitam o abono e vão para as ruas.Em desespero, o Coronel responde:– Segure este pessoal aí, não brinque com a lei. Vocês não podem ir para

a rua de jeito nenhum.–Nós já estamos indo, não há como segurar-nos.–Então você está preso em flagrante!–Tudo bem, mas isto não vai adiantar. Eles estão indo, e eu vou

junto.Procurei não comunicar à assembléia que estava preso em flagrante por

telefone, temendo uma revolta generalizada. Eu me desloquei ao palanque econsegui fazer os policiais retornarem ao clube.

Pedi calma e os informei dos perigos que poderiam acontecer a partir destasegunda passeata, como perseguições, retaliações e prisões. Pedi ainda queeles guardassem as armas dentro da farda e não as expusessem em momentoalgum. Mas a decisão de sair para as ruas já estava tomada e os policiaiscomeçaram a deixar o clube em passeata.

Em frente ao 5° Batalhão e ao Batalhão de Trânsito a passeata pára e ospoliciais chamam os colegas para que aderissem ao movimento. Cerca de 3.500policiais seguiam pela avenida Amazonas. Alguns policiais que sabem dasameaças de morte insistem comigo para que coloque o colete à prova de balas,esquecido dentro do meu carro, estacionado em frente ao clube. Um sargentovolta de moto ao clube para buscar o colete.

Toca o meu celular.Era o Coronel me desprendendo. Desta vez, ele não ordenou, e sim, me

pediu, que a gente tentasse não deixar que a tropa seguisse até o Palácioda Liberdade. A praça já estava cercada pela Forleg nessa hora, mas euainda não sabia.

Page 59: Livro 4ª edição

58

Polícia unida jamais serávencida

No cruzamento com a avenida Barbacena chegam os policiais civis, quetambém tinham realizado assembléia no mesmo dia e decidido aderir à greve. Oencontro entre os policiais das duas Corporações acontece em tom de emoção,com gritos de saudação, abraços, e até choro de alguns policiais. O grito dePolícia unida jamais será vencida! ecoa pela avenida. Seis mil pessoas, entrepoliciais, parentes, aposentados e simpatizantes se dirigem para a Praça Sete,coração de Belo Horizonte.

Os policiais apitam e carregam faixas com os dizeres:

Queremos salário e não esmola.

Queremos respeito pelos nossos direitos constitucionais; a Associaçãodos Delegados apoia irrestritamente o movimento dos policiais; chega dedivisão, queremos a unificação das polícias já e Somos por uma Polícia única.Os policiais gritam:

Greve! Greve!

Page 60: Livro 4ª edição

59

Na Praça Sete, acontece uma nova assembléia, tumultuadíssima. A maioriados policiais quer seguir para a Praça da Liberdade. Os líderes tentam encerraro protesto, mas não conseguem. Representantes dos policiais civis sãochamados para subirem e falarem, ajudando a conter os ânimos. Os líderes dospraças também falam, mas os manifestantes querem seguir em frente. Os líderesnão têm outra opção senão acompanhar a passeata. Às pressas, o Sindicatodos Trabalhadores da Construção Civil cede um carro de som para que aslideranças possam coordenar o protesto. Este mesmo carro de som já foiapreendido várias vezes por policiais militares durante as greves dosoperários.

Por volta de 14hs., os repórteres são informados pelas redações que aPraça da Liberdade estava cercada por uma tropa também de PMs.

Alguns sindicalistas da CUT chegam com as bandeiras vermelhas, já nasubida da avenida João Pinheiro. Os policiais rasgam as bandeiras e só nãoagridem os sindicalistas por minha interferência. Os policiais se recusam a darconotação ideológica ou política no movimento.

Na subida da avenida João Pinheiro, tomei conhecimento de que haviauma tropa repressora cercando a Praça da Liberdade. Pedi a dois policiais damanifestação que fossem rapidamente ao QCG e implorassem ao comandantedaquela tropa para retirá-la. Os policiais foram orientados a lembrar aocomandante que na primeira passeata, no dia 13, não havia tropa repressora etudo correu tranqüilamente. Eu temia um confronto. Os policiais foram correndona frente e retornaram com a resposta: o Comando afirmara que todas asmedidas necessárias já tinham sido tomadas e que não retiraria a tropa.

Em frente ao Detran a passeata parou e chamamos os policiais civis paraengrossarem o movimento. Desta vez, dezenas de policiais deixam o prédio doDetran e acompanham a passeata.

Page 61: Livro 4ª edição

60

Polícia contra polícia

A passeata chega à Praça da Liberdade. Logo no início do contorno dapraça dá para avistar a tropa de repressão, com policiais de capacetes brancos,de choque, armados, postados ao longo do Palácio da Liberdade e do prédiodo QCG. Outra tropa, dentro dos jardins do palácio, usa capacetes pretos,conhecidos como formigões. Uma terceira tropa vem correndo, em formaçãode choque, para fortalecer o cordão de isolamento. Quinhentos cadetes epoliciais do interior integram a Forleg, ou tropa da legalidade, como foidenominada pelo Comando. Os manifestantes são mais de 6 mil.

Eu desci do carro de som e pedi calma aos manifestantes. Pedi que oprotesto fosse encerrado e que os policiais voltassem. A passeata continua aavançar. Na esquina com avenida Bias Fortes, acontece o primeiro incidenteentre os policiais dos dois lados. Começa um empurra-empurra, ombro a ombro.A tropa de repressão representa um desafio para os policiais que estão

Manifestantes chegam à Praça da Liberdade e encontram a Força Legalista

Page 62: Livro 4ª edição

61

protestando. O tumulto aumenta e os policiais avançam sobre a Forleg, quetem que recuar. Quando a situação se agrava, o comandante de policiamentoda Capital, Coronel Edgar Eleutério, que está no Comando da Forleg, em frenteao Palácio da Liberdade, é puxado pelo braço pelo comandante do 1° BPM,tenente-coronel Antônio Luiz, e sai do local.

Cadetes e oficiais arrancam os galões, que são jogados no chão. Eles semisturam aos manifestantes. A Forleg recua correndo para a frente do QCG. Otumulto aumenta. O jornalistas estão no meio da confusão. Algumas pessoasconseguem atravessar a barricada para entrar no prédio, mas a maioria fica retidanas escadas. Os oficiais estão à frente da Forleg, impassíveis. No Comandoda Forleg está o novo comandante de Policiamento da Capital, Edgar EleutérioCardoso, que se posta em frente à escada.

Alguns integrantes da Forleg arrancam as braçadeiras brancas deidentificação da tropa e, desesperados, passam para o lado dos manifestantes,dizendo que estavam ali obrigados e não queriam o confronto. Dentro do prédiodo QCG, todos os andares estão ocupados por oficiais, portando armas degrosso calibre (fuzis, escopetas e metralhadoras). No alto do prédio,atiradores de elite estão em posição de tiro, com as armas apontadas paraos manifestantes.

Tiroteio

Vários policiais, civis, praças e oficiais, estão com armas na mão. Otumulto é generalizado. Começam os tiros. O cabo Valério de Oliveira, queestá com os manifestantes, ao meu lado, no alto da mureta, pede calma.

O cabo Valério está exatamente aomeu lado, sobre a mureta e em

poucos segundos, nós trocamos delugar, e ele ficou um pouco à minha

frente, ligeiramente abaixado, com orosto virado para a direita, ainda

pedindo calma aos colegas.

Page 63: Livro 4ª edição

62

Estendi braços para a frente, sinalizando para conter a multidão, que querinvadir o QCG. O cabo Valério vê as armas, vira-se para a fotógrafa Isa Nigrie alerta: Cuidado, tem pessoas armadas aqui. Segundos depois, acontece oprimeiro tiro, e outro logo em seguida. Ele é atingido na cabeça pelo segundotiro e cai desfalecido. A fotógrafa registra a cena. Cinegrafistas tambémconseguem captar o instante em que o militar foi atingido.

Acontecem outros disparos depois de 20 segundos, o que provocacorreria e debandada geral. Enquanto isto, o cabo Valério é socorrido por umgrupo de praças e oficiais, em meio à gritaria e confusão. Ele é levado paradentro do prédio. Do lado de fora, policiais e jornalistas deitam-se no chão.Novos disparos são ouvidos. No total, oito tiros são disparados.

Vários colegas afirmam que ocoronel. Eleutério atirou.

Um deles é o cabo Fernando, do 18° BPM:

“Eu vi o cabo caindo e o coroneltrocando a arma com um cadete, ele

com a arma que atirou na mão.”

Policiais deitam-se no chão depois que começam os tiros

Page 64: Livro 4ª edição

63

A Forleg recua para a portaria principal do QCG. Os manifestantes cercamo prédio. O cabo Valério é colocado numa viatura na garagem do QCG e levadopara o Hospital João XXIII, onde é internado em coma profundo.

Depois dos tiros, vêm as pedras, atiradas de todas as direções, até dedentro do prédio. Uma delas atinge o vidro da Sala de Imprensa, provocandopânico nas policiais femininas, que correm para o banheiro. Uma oficial médicapede socorro à mãe pelo telefone celular. As funcionárias da limpeza deixam oprédio pela janela.

O Coronel Eleutério foge pelo fosso que dá acesso à garagem. Umaviatura cheia de armamento pesado deixa o prédio em alta velocidade e éperseguida pelos policiais, que pensavam estar dentro dela o Coronel Eleutério.A situação se acalma.

Fui cercado por policiais que me protegiam, inclusive usando tenerê(máscaras que cobrem todo o rosto, deixando de fora apenas os olhos), subino carro de som e voltei a pedir calma, que se concentrassem calmamente paraesperar, pois a Comissão seria recebida pelo comandante-geral.

Quem atirou, atirou para me matar,pois o Cabo Valério não fazia parteda comissão. Atiraram na cabeça.

Cabo Valério baleado na cabeça

Page 65: Livro 4ª edição

64

Força legalista se posiciona à frente do prédio do comando da PMMG

Eu era o único dos seis mil policiaisque estava de coletes. Ele trocou de

lugar comigo cerca de cincosegundos antes do tiro.

Page 66: Livro 4ª edição

65

Governo chama exército

O governador Eduardo Azeredo é alertado por assessores que asituação estava crítica. Ele foge do palácio de carro, pelos fundos, e vaipara o Palácio das Mangabeiras, residência oficial do Governo, no outroextremo da cidade. Azeredo liga para o vice-presidente Marco Macielpedindo que o Exército fosse mobilizado para garantir a ordem. O vice-presidente Marco Maciel ordena ao ministro do Exército, Zenildo deLucena, que mobilize as tropas federais, através da 4ª Divisão de Exército,sediada em Belo Horizonte. A ordem do ministro é que as tropas do Exércitogarantam a segurança pessoal do governador e dos prédios públicos, comoos Palácios dos Despachos, da Liberdade e Mangabeiras.

Fui chamado com a Comissão para uma reunião com o comandante-geral. Dez coronéis da ativa e o Coronel reformado Picinini, o juiz militaraposentado Forreaux e um promotor, também participam da reunião. Assim

Soldados do Exército entram pelos fundos no Palácio da Liberdade

Page 67: Livro 4ª edição

66

que a Comissão entra no auditório do Comando-Geral a reunião começaem clima de troca de acusações. O Coronel Miranda grita:

“Viu o que vocês fizeram?”

Eu também gritei:

“Eu lhe avisei ontem à noite que a

tropa não iria aceitar o abono e o

senhor foi insensível, se limitando a

me prender por telefone. O culpado

disto tudo é o senhor, ainda mais

com esta tropa aí embaixo.”

O Coronel Miranda saiu da sala. O Coronel Paulo Paenicke, chefe

do gabinete da Casa Civil, estava exaltado, gritando com os praças e écolocado para fora pelos próprios coronéis.

O comandante-geral pediu calma: O momento é de conversa e não

de acusações. O subtenente Welliton, chorando, disse: Nós queremos

aumento e não balas. O comandante diz que o secretário da Casa Civil

iria receber a Comissão para reabrir as negociações. A Comissão seguepara o Palácio dos Despachos. Na porta, os policiais da guarda permitiram

apenas a minha entrada. Fiquei com medo de tentarem me prender. Um deles

grita: O Cabo Júlio não pode ficar sozinho, pelo amor de Deus! Outrosrepresentantes da Comissão entram.

Quando entrei no Palácio dos Despachos, vi escondidos noscorredores dezenas de militares do Exército, armados de fuzis e granadas e me

assustei muito porque achei que haveria um confronto.

Enquanto a reunião acontecia, os policiais continuam concentrados e o

prédio do QCG ainda guardado pela Forleg. Os manifestantes se ajoelham no

chão, davam-se as mãos e faziam uma oração. As emissoras de TV começam atransmitir flashes do tiroteio. Algumas emissoras informam que o cabo Valério

havia morrido. Oficiais ligavam para as direções das emissoras tentando impedir

que as imagens fossem mostradas, segundo eles, porque geraria mais

Page 68: Livro 4ª edição

67

confronto. As emissoras de rádio também receberam assédio para que parassemde transmitir ao vivo do local. Nenhuma emissora, é claro, atende ao pedido.

Cumprindo ordem do Governo Federal, soldados do Exército são convocadospara policiamento dos prédios públicos

Page 69: Livro 4ª edição

68

Barricadas no QuartelCentral Geral

O Coronel Eleutério retorna ao prédio do QCG. Na portaria estão várioscoronéis, entre eles o ex-comandante de policiamento da Capital, Coronel JoséGuilherme, e vários coronéis reformados. Eles ordenam que os policiais daForleg fiquem de prontidão dentro do saguão e nos vários andares do prédio.Atiradores de elite estavam posicionados em cada janela do prédio, com asarmas apontadas para a multidão lá fora.

A Assessoria de Imprensa requisita nas TVs as fitas com as imagens dotiroteio. O Coronel Eleutério desce ao saguão e entrega uma arma ao juiz militarForreaux e ao promotor. Os dois cheiraram a arma e observaram o tambor ondeficam os cartuchos, mas não fizeram nenhum comentário.

A repórter Paula Rangel da CBN, foi chamada para testemunhar a entregada arma e assinou um termo, mas fez questão de constar que não poderia afirmarse a arma entregue era a mesma que estava com o Coronel no momento dotiroteio.

Depois de tanto tempo seria muito fácil trocar de arma.

Honestamente, acredito que quemmatou o Cabo Valério foi o coronel

Eleutério. Mas o comando da políciatrabalhou insistentimente paraacusar o soldado Wedson quetambém, infelizmente, efetuou

disparos.

Page 70: Livro 4ª edição

69

Reabertas as negociações

Comissão dos PMs, policiais civis e agentes penitenciários é recebidano Palácio pelo chefe do Gabinete Militar. De longe, um general do Exércitoobserva os integrantes da Comissão. O Coronel Brunelli, extremamentenervoso, diz que a Polícia Militar acabou e que não tinha jeito mais. Aconteceuo que eu temia! O secretário Agostinho Patrus recebe a Comissão e informaque o Governo está disposto a negociar, mas era preciso que a Comissãoretirasse a tropa da frente do prédio do QCG e a levasse para os quartéis. Elegarantiu que no outro dia, pela manhã, convocaria a Comissão para uma novareunião de negociação para uma solução definitiva, pois seria impossívelnegociar com três classes distintas ao mesmo tempo, com pautas diferenciadase no clima em que estava a praça.

No interior do Palácio uma fita de vídeo nos foi mostrada, onde os oficiaisacusavam um homem a paisana como o autor do disparo que atingiu o caboValério. Logo após saímos para a Praça, aproximadamente às 20hs., onde subino carro de som e pedi aos policiais que tivessem calma e me escutassem.Informei que as negociações com o Governo estavam reabertas e que devíamosdar um prazo para que fosse apresentada uma nova proposta. Ficou entãodecidido que o prazo seria de três dias e que no dia 27 faríamos uma novaassembléia. Com muito custo consegui conter os ânimos e dispersar a tropa.

Ordens e contra-ordens

No QCG o clima ainda era de guerra, apesar da calma dos manifestantesque aguardavam a reunião no Palácio do Despachos. No subsolo do prédio asluzes foram apagadas e os atiradores de elite e a Forleg estavam deitados nochão, armados, e em posição de combate. As policiais femininas receberamordem de ficar à paisana e deixar o prédio. Elas tiveram dificuldades de cumprira ordem; não conseguiam trocar de roupa porque os banheiros estavam

Page 71: Livro 4ª edição

70

lotados. Os banheiros eram os únicos locais protegidos em caso de tiroteio jáque o prédio do Comando é todo de vidro e muito exposto. Ninguém entendianada, havia um excesso de ordens e contra-ordens, as policiais femininas nãopodiam mais sair porque estava proibido transitar dentro do prédio.

Oficiais gritavam nervosos. Esta situação durou quase uma hora e a todomomento se falava que uma invasão era iminente. Já sabia que o Exército estavamarchando para o Palácio da Liberdade. A situação foi se tranqüilizando e aspoliciais puderam deixar o prédio.

Cabo Valério em estado crítico

O cabo Valério é operado e seu estado considerado gravíssimo pelosmédicos do Pronto-Socorro João XXIII. A bala tinha atingido o cérebro e eleestava em coma. Segundo o boletim médico divulgado, as funções vitaisestavam sendo mantidas por aparelhos e medicamentos.

Uma das irmãs do militar, chorando muito, diz que a família prefere nãoculpar ninguém.

“A Polícia de Minas é a mais respeitada do Brasil inteiro e vai continuarsendo. Para nós, foi um acidente”.

A todo momento policiais do interior telefonavam indagando se deveriamdeslocar-se imediatamente para a Capital. Eu respondia que eles deveriamaguardar em seus quartéis até uma definição. Eu recebi telefonemas inclusivede outros Estados, por causa da ameaça de confronto com o Exército. Policiaismilitares diziam que estavam dispostos a vir para Minas Gerais em solidariedadeà Polícia mineira. Eu agradeci e respondi negativamente, porque a presençadeles aqui poderia causar uma revolução.

Page 72: Livro 4ª edição

71

O dia seguinte

O Instituto de Criminalística é chamado para fazer a perícia no local ondeo cabo Valério foi baleado, na mureta da entrada do QCG. As investigaçõesinicialmente ficam a cargo da Divisão de Homicídios da Polícia Civil,considerada uma equipe modelo na apuração de crimes, mesmo com o militarainda vivo no hospital. Para chefiar a equipe de perícia é nomeado o chefe daDivisão, delegado Otto Teixeira. A perícia tem prazo de 30 dias para serconcluída.

Nas ruas, o policiamento é mínimo, apenas poucos policiais do BPTran,o Batalhão de Trânsito, são vistos na cidade. Comerciantes denunciam quehouve uma onda de arrombamentos durante a noite e que estão reforçando asegurança particular.

O governador declara que os l imites da tolerância foramultrapassados.

Todos os jornais do País trazem estampados na primeira página a notíciado confronto na Praça da Liberdade. A foto de Isa Nigri, do jornal O Tempo, écapa no Globo, Jornal do Brasil e Folha de São Paulo.

A Praça da Liberdade amanhece ocupada por tropas do Exército. Ossoldados, camuflados, com pinturas de guerra, erguem barricadas em volta daPraça e na porta do Palácio da Liberdade. Pelo menos 900 homens do Exércitoestão dentro do Palácio da Liberdade, de prontidão. Jipes e tanques circulamao redor, dando a impressão que Belo Horizonte está em guerra. É uma clarademonstração de força para nos intimidar. Os soldados do Exército ficam napraça durante toda a manhã e, no início da tarde, são deslocados para os jardinsdos fundos do palácio. Os quartéis do Exército também estão com tropas deprontidão.

Page 73: Livro 4ª edição

72

Governador fazpronunciamento

O Governador Eduardo Azeredo passa horas reunido com a cúpula doGoverno, da 4ª Divisão de Exército e do Comando Militar do Leste. O própriocomandante do Leste, General José Luís Lopes da Silva, participa da reunião,que tem o objetivo de manifestar o apoio federal ao governador.

Depois da reunião, Azeredo faz um pronunciamento oficial, anunciandoas medidas para a manutenção da ordem e da segurança.

Diz a nota oficial:“O Governador Eduardo Azeredo reuniu-se no final da manhã de hoje

com o comandante-geral da PM, Coronel Antônio Carlos dos Santos e com ocomandante da 4ª Divisão de Exército, general-de-divisão Carlos Patrício deFreitas Pereira, estando presente também o vice-governador, Walfrido dosMares Guia. Foi feita uma avaliação conjunta da situação decorrente dosacontecimentos de ontem, terça-feira, concluindo-se que estão sendo garantidasas condições de segurança da população e da normalidade dos serviçospúblicos, com sua ação operacional focalizada sobretudo na área dos prédiosda administração central do Estado.

No mesmo propósito manifestado na noite de ontem, em seupronunciamento ao povo mineiro, de manter o Governo aberto ao diálogo ede, ao mesmo tempo, assegurar a tranqüilidade pública, o Governador EduardoAzeredo autorizou o Comando-Geral a prosseguir nas conversações comrepresentantes da categoria de graduados e praças da Corporação, visando auma solução que preserve a harmonia social no Estado”.

Page 74: Livro 4ª edição

73

Fala o Exército

Enquanto isso, o comandante da 4ª Divisão de Exército, General CarlosPatrício de Freitas Pereira, depois de se reunir com o governador EduardoAzeredo, concede uma entrevista na sede da 4ª DE, avenida Raja Gabaglia. Aimprensa registra a chegada de várias tropas do interior, que vinham em comboio,chegando pela BR-040 e sendo colocadas em pontos estratégicos. As tropassão de Juiz de Fora e Barbacena, na zona da mata de Minas Gerais e de SeteLagoas, a 100 km de Belo Horizonte.

A informação que mais interessava aos jornalistas era o número dehomens que compunham a tropa federal. O general desconversa durante aentrevista, recusando-se a responder esta pergunta. Ele diz que acredita numasolução pacífica para a crise e não informa porque os soldados do Exércitoestão em Belo Horizonte.

O general afirma que a ordem é garantir a segurança pessoal dogovernador e dos prédios da administração pública e nega a possibilidade dossoldados do Exército atuarem no policiamento da Capital. Segundo o general,as tropas estavam vindo para Belo Horizonte para participar de um desfile jáprogramado, em homenagem ao comandante militar do leste, que viria à Capitalmineira.

O general nega a possibilidade de confronto entre Polícia e Exército:“Vamos lembrar que do outro lado estão irmãos. Os manifestantes são

brasileiros e o nosso Exército não é um Exército de ocupação dentro do nossopróprio País. Não vejo a possibilidade de confronto entre Polícia e Exército, euentendo que isto não ocorrerá”.

Com a insistência dos repórteres sobre o número de soldados, ele diz:

“Não podemos revelar o contingenteporque isto faz parte de umaestratégia contra o inimigo”.

A resposta provoca mais questionamentos dos jornalistas, que insistiamem saber o número correto de soldados, calculado em torno de 900 homens.Estranharam a resposta do general sobre a estratégia contra o inimigo. Alguémperguntou se inimigo não existia apenas em caso de guerra e ele não souberesponder, o que provocou risadas dos jornalistas que participavam da coletiva.

Page 75: Livro 4ª edição

74

Os laudos contraditórios

É gravíssimo o estado de saúde do cabo Valério de Oliveira, internadono CTI do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, unidade da Fhemig –Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Ele é submetido a uma novacirurgia de madrugada, para retirada de um coágulo no local da perfuração abala, que precisou ser drenado, segundo os médicos. A coordenadora do HPS,Bete Kopit, transmite o boletim médico, informando que ele respira poraparelhos e está em coma. Segundo a médica, houve perda substancial demassa encefálica e haveria seqüelas, não sendo possível avaliar quais.

“O lado esquerdo do seu corpo está paralisado, mas não sabemos queoutras seqüelas podem ocorrer. Temos que aguardar a evolução do quadro”.

A médica se confunde ao falar sobre a trajetória da bala na cabeça dopaciente. No dia anterior, um médico informara à imprensa que a bala teriaentrado pela região frontal anterior direita, atravessado uma parte do cérebro esaído pela região frontal esquerda mais embaixo. Segundo a coordenadora, nodia da coletiva, a trajetória era oposta a que tinha sido divulgada: a bala entrarapela esquerda e saiu pela direita. Interrogada incessantemente pelos jornalistas,ela se atrapalha e diz que a trajetória da bala só poderia ser confirmada atravésde uma perícia e no momento a preocupação dos médicos era apenas salvar avida do cabo Valério.

A médica diz que os erros na divulgação do primeiro laudo foramprovocados pela pressão dos jornalistas e cansaço. Confusão entre esquerdae direita é comum. Ela nega que o militar já estivesse com morte cerebral,portanto sendo mantido vivo pelos aparelhos. Indignada, a médica diz que istoseria contra a ética profissional e que nenhum médico do hospital aceitariaocultar ou mentir sobre o real estado do paciente, atendendo interesse de quemquer que fosse. A imprensa especulava se haveria interesse do Governo e doComando da PM em não divulgar a morte do cabo Valério ainda no calor dosacontecimentos da véspera. Comentava-se entre os jornalistas que o militar jáestava morto e o fato estaria sendo escondido pelos médicos do HPS.

É divulgado o nome do suspeito (fabricado pelo comando) que teriaatirado contra o cabo Valério. O soldado Wedson Campos Gomes, que estava

Page 76: Livro 4ª edição

75

à paisana no momento da manifestação, é identificado como autor do tiro eresolve se apresentar, acompanhado de seu advogado, Obregon Gonçalves.

O assessor de imprensa da PM, major Rômulo Diniz, confirma que osoldado se apresentou ao quartel. Ele corre risco de morte, está sendoameaçado e por isto ficará sob a proteção da PM.

O assessor de imprensa do Comando de policiamento da Capital, CaAlberto Luís, dá mais detalhes sobre a versão que o soldado Wedsonapresentou:

“Ele apresentou a versão de que alguém estaria próximo ao cabo Valério,apontando uma arma em sua direção, quando ele estava no meio da multidãode manifestantes. Ele então sacou rapidamente o revólver e tentou efetuar umdisparo contra essa pessoa, mas quem acabou sendo atingido foi o caboValério”.

À noite, alguns jornalistas descobrem que os policiais militares haviamintegrado a Forleg estão alojados no estádio do Mineirão. Alguns policiaisdizem que estão em condições precárias desde que foram trazidos do interiorpara integrar a tropa. Eles informam que retornarão no dia seguinte às suascidades de origem.

Sai o acordo

Às 16 hs., a Comissão recebe a convocação do Comando para comparecerao prédio do QCG. Os integrantes esperam uma hora antes de serem recebidos.

O chefe do Estado-Maior, Coronel Oswaldo Miranda, assume asnegociações pelo Comando da Polícia Militar. Ele pede desculpas à Comissãopor ter efetuado as prisões por telefone, alegando que fora uma atitude tomadapor causa do seu gênio. Estou muito velho para mudar, mas quero ajudar aresolver este impasse, diz o coronel.

O coronel afirma que o piso de R$ 800,00 é praticamente impossível. AComissão argumenta que estava aberta a negociações, inclusive para diminuireste valor, a fim de que não se realizasse a assembléia do dia 27.

Ele informa à Comissão que o vice-governador, Walfrido dos Mares Guia,negociaria diretamente com os representantes dos praças, no Palácio dosDespachos e que a Comissão deveria aguardar a convocação.

Page 77: Livro 4ª edição

76

No dia seguinte, na sala de reuniões do Palácio dos Despachos, encontram-se o vice-governador, o comandante-geral, o chefe do Estado Maior, o presidenteda Cohab, o secretário da Fazenda e outras autoridades. Assim que a reunião éiniciada, por volta de 18hs., o governador Eduardo Azeredo entra na sala,acompanhado do arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Dom SerafimFernandes de Araújo o Pastor Antônio Lúcio, representando uma Comissão decinqüenta pastores, que estavam na sala ao lado, orando para que o impassefosse resolvido. O governador faz um discurso pedindo que todos os esforçosfossem feitos para que houvesse uma solução na reunião.

Dom Serafim faz uma oração e é acompanhado por todos na sala. O PastorAntônio Lúcio também faz uma oração e, da mesma forma, é acompanhado portodos. Depois que o governador e os religiosos saem da sala, a reunião ficamais amena e começam as negociações salariais. O vice-governador mostra oscálculos do Governo sobre o impacto de um aumento de R$ 10 milhões na folhade pagamento do funcionalismo. Ele propõe a Comissão dos praças um salárioinicial de R$ 570,00 para os soldados, a partir de dezembro. O reajuste seriaescalonado, em três parcelas, nos meses de agosto, outubro e até chegar aeste valor, no mês de dezembro.

A Comissão argumenta que era uma proposta ridícula para ser levada àtropa. O vice-governador insiste, alegando que o Governo não teria caixa parahonrar seus compromissos se o aumento fosse maior. A reunião adentra a noite.O impasse continua, pois há necessidade de se chegar a um acordo definitivoainda naquela noite para que fosse desmobilizada a tropa e cancelada a próximaassembléia, marcada para o dia seguinte, 27, às 10hs.

O vice-governador aumenta a proposta. Ele afirma que o Governo poderiachegar a um valor máximo de R$ 600, também escalonado. A Comissão nãogosta. Cansado, eu digo que o Governo tem que ir além deste valor.

– Senhor vice-governador, permita-me afranqueza, mas já está ficando tarde,

existe uma assembléia marcada para amanhãcedo que pode ter conseqüências gravíssimas.É preciso que imediatamente cheguemos a uma

solução. Com o valor de R$ 615,00 para o soldadoiniciante, garanto-lhe que, através da imprensa,

agora, encerraremos o movimento, desmobilizando atropa e cancelando a assembléia de amanhã.

Page 78: Livro 4ª edição

77

– Você me garante que se eu chegar a este valor, acaba tudo agora?– Garanto.O vice-governador diz que este valor extrapola o que ele, vice-governador,

poderia conceder. Ele pede 10 minutos para conversar por telefone com ogovernador e dar uma resposta definitiva.

Depois de cinco minutos, o vice-governador retorna e perguntanovamente:

– Você garante que consegue acabar com o movimento agora?.– Sim, eu garanto.– Então está resolvido. Agora vamos decidir como será incorporado este

aumento aos salários”.Fica decidido que o salário anterior de R$ 415,00 seria acrescido de

R$ 115,00 de alimentação e R$ 85,00 de auxílio moradia, o que corresponderiaao valor total de R$ 615,00, vigorando a partir de julho, pois não havia maistempo de lançar o aumento na folha do mês de junho. Em julho, os policiaisreceberiam os R$ 517,00 proposto inicialmente pelo Governo e que já estavanos contracheques.

Nova assembléia é cancelada

Encerrando a reunião, a Comissão faz uma nota oficial informando à tropa eà sociedade, através da imprensa, que se havia conseguido um acordo final como Governo e que estava encerrado definitivamente o movimento grevista. Foianunciado também que estava cancelada a assembléia do dia seguinte. Aorientação para os policiais é a de voltar imediatamente ao trabalho.

Li a nota em uma entrevista coletiva ainda no Palácio dos Despachos,com expressão solene, acompanhado pelos outros integrantes da Comissão.Inicie a leitura referindo ao momento histórico desde a deflagração domovimento dos policiais.

“O dia 13 de junho é e será o marco histórico das mudanças nas relaçõesentre os diversos níveis da nossa Corporação. O diálogo e a negociação passama ser os principais instrumentos de solução de diversos conflitos”.

Prossegue a nota:

Page 79: Livro 4ª edição

78

“O atendimento da pauta de reivindicações possibilita a revisão imediatado RDPM e do EPPM. As modificações serão efetivadas com a participaçãode todos os segmentos da PMMG. A política habitacional para os policiaismilitares passa efetivamente a considerar a capacidade de pagamento doservidor e será gerenciada pela Cohab, com recursos da Caixa EconômicaFederal. O aumento real de R$ 200,00 para R$ 615,00 para os soldados semqüinqüênio, mostra a importância da mobilização dos PMs, que possibilitou areabertura das negociações”.

A nota ressalta ainda:

“[...] a importância da continuidade da discussão para negociar a políticasalarial e a revisão do regulamento e do estatuto. É obrigação da Comissãorepresentativa e de todos os PMs envidar esforços para evitar situações comoa triste e lamentável ocorrência a que foi exposta o cabo Valério. A Comissãopretende acompanhar a apuração do crime”.

Encerrando a nota, afirmei:

“O apoio da sociedade foi fundamental para legitimar as reivindicações eencontrar soluções para os conflitos. Estamos convencidos que as portaspermanecerão abertas.”

O valor de R$ 615,00, proposto pela Comissão, foi obtido através de umapesquisa feita entre os praças, para que soubéssemos qual o mínimo necessárioque poderíamos negociar, saindo vitoriosos do movimento. Segundo apesquisa, feita boca-a-boca, o valor mínimo aceitável variava entre R$ 600,00 eR$ 630,00. Chegamos a este limite para não sacrificar a população.

Page 80: Livro 4ª edição

79

Tolerância

O governador Eduardo Azeredo convoca uma coletiva na mesma noite,no Palácio da Liberdade. Ele comunica o resultado do acordo entre os

representantes dos praças e do Governo.

“Num esforço ímpar o Governo aceita chegar a um piso de R$ 615,00 para

soldados e detetives da Polícia Civil. Estou confiante que a ordem será mantida

no Estado”.

Azeredo faz ainda uma avaliação da crise:

“Eu optei por ter tolerância para que não houvesse um confronto, quenós não saberíamos a que ponto chegaria. Isto poderia levar a muitas vítimas

fatais. Então, no momento em que nós tivemos esta tolerância, eu acho que

servimos ao Brasil, porque evidentemente a coisa poderia piorar, a partir deMinas Gerais”.

Segundo informações do Governo, a folha de pagamento, com o reajuste,chegaria a 76% da receita do Estado.

No dia seguinte, os membros da Comissão ainda têm que seguir para oClube de Cabos e Soldados para evitarem a realização da assembléia, já

cancelada pela imprensa.

Segui para o Clube de Cabos e Soldados para dar informações caso

aparecessem policiais que não tivessem tomado conhecimento do acordo com

o Governo através da imprensa. Uns vinte policiais estavam lá, ficaram surpresosao saber do acordo e comemoraram. Os jornalistas também estavam no clube e

pude dar entrevistas mais detalhadas sobre o acordo, a situação salarial e as

outras questões. Eu afirmei à imprensa que não temia represálias por não tersido causador do movimento e pela garantia que o Governo tinha dado de que

não haveria retaliação ou perseguição.

Page 81: Livro 4ª edição

80

Suspeito se apresenta

O soldado Wedson Campos Gomes, da 3ª Cia. do BPChoque, acusado de

ser o homem que atirou contra o cabo Valério, é apontado por testemunhas e

se apresenta no Centro de Aperfeiçoamento de Praças - CFAP, acompanhadodo seu advogado, Obregon Gonçalves. Ele nega ser o autor do tiro. O soldado

Wedson declara que estava de serviço no dia da passeata, mas solicitou dispensa

porque estava passando mal, com princípio de pneumonia. Foi atendido noHospital Militar e depois de medicado seguiu para a Praça Sete, onde se

encontrou com a passeata.

“Tenho certeza que não atirei no

cabo Valério. Atirei para o alto, para

assustar porque havia oficiais

atirando da janela do QCG. Um

oficial estava com uma arma

apontada para a multidão. Ouvi mais

três estampidos atrás de mim.

Decidi me apresentar porque

temo pela minha segurança e

de minha família”.

O militar fica alojado no Cefap, a seu próprio pedido, por questões de

segurança, local onde prestou depoimento.

Page 82: Livro 4ª edição

81

Vítima, herói, ou mártir,o Cabo Valério é enterrado

em clima de emoção

Quatro dias depois de ter sido baleado na cabeça, no sábado, às

17h10, o cabo Valério de Oliveira morre no HPS. Como causa da morte, o

atestado diz: falência múltipla dos órgãos. A necropsia é feita no dia 28. Nodia seguinte, domingo, ele é enterrado no Cemitério da Colina e o cortejo é

acompanhado por centenas de pessoas, entre parentes, amigos e policiais

militares. Há uma grande preocupação dos parentes de não transformar o enterroem manifestação política, mas os discursos são inevitáveis. Os familiares pedem

à imprensa que não registre o velório. Os praças não fazem continência aos

Cabo Valério, mártir do movimento (em pé, ao lado da viatura ROTAM)

Page 83: Livro 4ª edição

82

oficiais presentes.

O caixão é coberto com a bandeira nacional e um toque de silênciosubstitui a salva de tiros, a pedido dos familiares, que discursam emocionados.A irmã, Fátima Marlene de Oliveira, faz uma declaração:

“Meu irmão morreu pedindo calma e foi um grande herói, uma cabeça deferro com um coração de ouro”.

Os amigos do cabo Valério discursam pedindo paz e perdão a quem atirou.Os discursos são cobertos de emoção, muitos choram. Não há manifestações,além das frases mais inflamadas pronunciadas pelos parentes e amigos, e ocorpo do cabo Valério é enterrado em silêncio e lágrimas.

Inquéritos Policiais Militares(IPMs)

O primeiro Inquérito Policial Militar é aberto, no dia 27 de junho, parainvestigar a morte do cabo Valério, presidido pelo major Túlio Porto.

Outros dezessetes IPMs são instaurados para apurar participação depoliciais no movimento grevista.

A promotora do Tribunal de Justiça Militar, Maria Solange Ferreira deMorais, diz que pelo menos 1.300 policiais poderão ser indiciados por teremparticipado do movimento, de acordo com os comentários que circulavam pelasauditorias da Justiça. A promotora diz que a solução para o impasse deveriaser política, restringindo-se a punições disciplinares, mais leves.

No dia 1° de julho, policiais militares começam a depor nos inquéritos.Vinte e quatro da 5ª Cia. do Fórum Lafayette são interrogados sobre suaparticipação na manifestação. Eles temem transferências para o interior comopunição. Esses policiais foram identificados por fotos de jornais e imagens.

Page 84: Livro 4ª edição

83

Perícias e depoimentos secontradizem

No dia sete de julho, treze dias depois que o cabo Valério foi baleado,peritos do Instituto de Criminalística fazem novas medições na fachada do QCG.O objetivo é traçar a trajetória da bala. O perito Hamilton Chioddi faz parte daequipe de cinco peritos que vai assinar o laudo. Ele declara: “Ainda estamosno início dos trabalhos e não temos elementos conclusivos para definir deonde partiu o tiro”.

O secretário de Segurança convoca uma coletiva no mesmo dia, aolado do chefe da Divisão de Homicídios e faz a seguinte declaração: Eumesmo chequei os exames dos peritos e posso garantir que o tiro partiuda multidão. Esta declaração certamente tem a finalidade de inocentar oCoronel Edgar Eleutério, apontado como um dos autores do tiro e que nomomento da multidão estaria no andar térreo, de frente para a multidão. Aassessoria da PM desmente a informação extra-oficial que teriam sidoencontrados resíduos de pólvora nas mãos do coronel.

Três testemunhas afirmam, emdepoimento à Divisão de Homicídios,

que o coronel teria atirado. Entreelas, o cabo Luiz Fernando da Silva,

que declarou ter visto o coronelatirar com uma pistola e depoistrocar a arma com um cadete,

ficando com um revólver calibre 38.

São feitos vários exames pela perícia: os projéteis encontrados passarãopor exames de DNA; estão ainda sendo aguardados resultados dos laudos denecropsia, perícia do local, balística, análise das fitas, análise de resíduos desangue no local.

A Assessoria do governador declara que os comandantes de batalhõesda PM estão orientados a não promover retaliações genericamente.

Page 85: Livro 4ª edição

84

Laudo �duvidoso� inocentaCoronel

Antes da divulgação oficial do laudo, o repórter Ilson Lima, do Estadode Minas, publica conclusões iniciais do trabalho dos peritos:

“O tiro partiu da multidão e não do prédio do QCG. A conclusão preliminarinocenta o comandante de policiamento da Capital, Coronel Edgar EleutérioCardoso, apontado como um dos possíveis autores do disparo que atingiu ocabo Valério”.

Mas a perícia comprova que o coronelefetivamente atirou. Foram encontrados

resíduos de pólvora nas mãos dele,de acordo com o exame laboratorial.

Entra em cena o mais famoso e polêmico legista brasileiro, o mesmo quetrabalhou no caso PC Farias/Suzana Marcolino, em Alagoas. O perito FortunatoBadam Palhares, da equipe de medicina legal da Unicamp, Universidade deCampinas/SP, é chamado para fazer a perícia, com base nas fitas de vídeo detrês emissoras de TV, Rede Globo, Rede Manchete e Canal 15, enviadas pelopresidente do inquérito policial militar que investiga a morte do cabo Valério,Coronel Henrique Elói do Nascimento.

O coronel vai a Campinas, onde é feita a divulgação do laudo extra-oficialà imprensa. São três as conclusões da equipe da Unicamp, coordenada porBadam Palhares. A primeira conclusão é que o projétil que matou o caboValério entrou pelo lado esquerdo do crânio e saiu próximo à parte superiordireita da cabeça. A segunda conclusão: o tiro veio da frente do local ondeestava o cabo Valério, e de uma região inferior a que ele estava, descartandoa hipótese do coronel, que estava atrás, no QCG, fosse o autor do tiro. Aterceira conclusão: os peritos localizam, através das imagens quem atirou, umhomem de cabelos escuros, estatura mediana, vestindo camisa e bermuda azuis.O nome dele não é divulgado pelos peritos, mas já é de conhecimento geralque o suspeito é o soldado Wedson Campos Gomes.

Page 86: Livro 4ª edição

85

Badam Palhares declara:

“Não temos nenhuma dúvida, absolutamente nenhuma, com relação àautoria. Não existe a possibilidade do tiro ter sido disparado pelo comandante.Todos os sons foram colhidos e analisados, descaracterizando a possibilidadede qualquer outro disparo ter sido efetuado neste espaço de tempo”.

Outro legista famoso, George Sanguinetti, que é chefe do Departamentode Medicina Legal de Alagoas e discordou do laudo de Badam Palhares nocaso PC Farias , critica a falta de base técnica no laudo de Badam sobre o tiroque matou o cabo Valério. Afirma:

“Um laudo feito apenas com análisedas fitas de vídeo, sem exame delocal, não tem valor técnico e seu

resultado pode ser desqualificado”.

A Justiça Militar decreta a prisão preventiva do soldado Wedson. Ele étransferido do Cefap para uma das celas do 1° Batalhão, em Santa Efigênia.

Como também havia a suspeição da autoria do tiro pelo comandante depoliciamento da Capital, Coronel Edgar Eleutério Cardoso, o inquérito passapara a responsabilidade do cel. Henrique Elói do Nascimento, e éacompanhado pelo promotor Vagner Vartuli, designado pelo MinistérioPúblico.

Oficiais insatisfeitos

O presidente do Clube dos Oficiais da PM, Coronel reformado EdvaldoPiccinini, reivindica, em ofício, ao Comando-Geral, novo aumento de saláriospara os oficiais, alegando que os 48% concedidos aos praças não estão deacordo com a tabela de escalonamento salarial da PM.

Alguns oficiais querem a volta do escalonamento e conversam nosbastidores. Eles estão insatisfeitos com o aumento dos praças. As outrasparcelas do reajuste para os oficiais foram canceladas pelo Governo em vistado movimento.

Há uma grande pressão sobre os praças já indiciados para que elesentreguem outros nomes de policiais que participaram do movimento e daspasseatas.

O deputado João Batista de Oliveira apresenta projeto na AssembléiaLegislativa propondo anistia plena para os praças que participaram dasmanifestações.

Page 87: Livro 4ª edição

86

Movimento estoura no País

Em 26 de junho, os policiais de Mato Grosso do Sul começam a semobilizar por melhores salários, organizando um debate com representantesdo Governo. São cerca de 3 mil soldados e cabos no Estado, e o regime detrabalho é de sobrecarga, denunciam os policiais.

Em 2 de julho, a greve dos policiais militares e civis do Pará, está previstapara começar à noite. Dois mil capuzes pretos são distribuídos entre os policiaispara que eles não sejam identificados e evitem punições. Os líderes garantemque eles estarão desarmados, mas há tensão e medo de um confronto. Elesreivindicam aumento de 70% e piso de R$ 289,00 para os policiais militares,que recebem salário-base de R$ 170,00 e piso de R$ 455,00 com aumento de75% para os policiais civis, que têm piso salarial de R$ 260,00. O governadorAlmir Gabriel (PSDB) anuncia fornecimento de vale-refeição de R$ 50,00 pormês. Assembléia é marcada no IML de Belém. São 15 mil PMs e 2.900 civis noEstado.

Eles marcam passeata para o dia seguinte. O governador diz que não vaidar aumento e que não preparou esquema de segurança. Além do vale-refeição,ele oferece benefícios indiretos: lotes, casa própria, pecúlio e seguros, rejeitadospelos policiais. Vários policiais são transferidos para o interior do Estado, comoo Tenente Luiz Fernando Gomes Furtado, transferido para Xinguara, a 800km de Belém e o capitão Silva Jr., transferido para Paranapebas, a 650 km deBelém.

No Rio Grande do Norte os PMs reivindicam a incorporação do abonode R$ 78,22 ao soldo de R$ 41,78 para alunos soldados, conforme decisão doSuperior Tribunal de Justiça que não está sendo cumprida pelo Governo doEstado. O advogado da Associação de Subtenentes e Sargentos, José Ribamarde Aguiar diz que pretende pedir intervenção federal no Estado.

Em 4 de Julho, os policiais do Piauí entram em greve. Eles reivindicampiso de R$ 638,00 para soldado e fazem um panelaço na Praça da Bandeira, nocentro de Teresina. As mulheres dos policiais decidem participar.

Em Mato Grosso do Sul, quarenta diretores de entidades de policiais sereúnem na Câmara Municipal de Campo Grande e definem agenda de

Page 88: Livro 4ª edição

87

mobilização. Uma carta aberta à população explica os motivos do protesto: osbaixos salários. Cerca de 300 policiais militares e bombeiros de cinco municípiosfazem passeata pelas ruas. Eles querem piso de R$ 750,00 para soldados eR$ 937,00 para cabos. Oficiais também participam do movimento. Os policiaiscantam o hino da esquerda Prá não dizer que não falei das flores, de GeraldoVandré e o Hino Nacional. Em Campo Grande, Capital, o Governo se reúnecom a Comissão representativa de policiais civis e militares. Eles preparammanifestação para o dia 18, quando pode ser marcado o início da greve dacategoria. Eles dão prazo até o dia 17, às 18hs. para que o Governo do Estadoatenda as reivindicações: soldo inicial de soldado de um salário-mínimo. O soldoera de R$ 29,80.

Na Bahia, o governador Paulo Souto (PFL) encaminha à Assembléiaprojeto de lei com reajuste de até 58% para policiais civis e militares. O piso desoldado passaria a R$ 597,00.

Cinco mil praças no Piauí fazem assembléia fardados e desarmados edecidem manter a greve. O Comando propõe aumento de R$ 215,00 paraR$ 318,00 no piso de soldado, o que é rejeitado pela categoria. Do total, 80%dos praças aderem à greve. Eles ficam acampados na praça da Bandeira, ondefazem um ato público. O governador Francisco Morais (Mão-Santa) determinaque sejam descontados os dias parados.

Em São Paulo, os policiais estão em estado de greve. O secretário deSegurança José Afonso da Silva diz que é impossível o Governo atender àsreivindicações das entidades de classe dos policiais, que querem reajuste de88,68% para a Polícia Civil e entre 25% e 77,24% para a PM. A Polícia Civilmantém estado de greve e dá prazo para o Governo até o dia 15. São 78 milpoliciais militares e 40 mil civis no efetivo do Estado. O presidente daAssociação de Cabos e Soldados, Wilson de Oliveira Morais, diz que osacontecimentos de Minas Gerais ajudaram a deflagrar um movimento que jáera latente em todo o País.

O Comando da PM do Piauí declara que a greve é considerada abandonode posto, no dia 8 de julho. O comandante, Coronel Vaudílio Falcão, diz queos grevistas podem ser expulsos. O presidente da Associação de Cabos eSoldados, Antônio Santiago, diz que a paralisação continua e que a adesão éde 90%. O Governo propõe gratificação de R$ 120,00, que é rejeitada.

Em Pernambuco, oficiais, cabos e soldados em campanha reivindicamaumento salarial e enviam cartas aos comandos.

No Pará, os policiais entram em greve e a adesão é de 80% da PM e daPolícia Civil, segundo o Comando de Greve. O Governo do Estado diz que aparalisação é de 40%. O efetivo da Polícia Militar é de 13 mil homens e da

Page 89: Livro 4ª edição

88

Polícia Civil, 2.900. Os PMs querem 70% de reajuste e os policiais civis 75%. OGoverno oferece abono de R$ 100,00.

No dia 4 de julho, depois de cinco horas de negociação com o secretárioda Indústria, Comércio e Mineração, Carlos Kayth, o Comando de Greveconsegue uma vitória. O Governo promete atender as reivindicações e aparalisação é suspensa. Eles conseguem reajustes de até 108,33%. Os policiaiscomemoram em uma passeata da vitória no centro de Belém.

Na Paraíba, uma assembléia reúne dois mil PMs, que reivindicam R$ 600,00de piso. O salário é de R$ 160,00 com as gratificações. O soldo inicial é deR$ 32,00. Eles marcam greve para o dia 14 de julho.

No dia 8, em São Paulo, policiais distribuem cartazes convocando parauma assembléia geral.

Em Alagoas, no dia 9, 8.200 PMs decidem ficar aquartelados. 101municípios do Estado, inclusive Maceió, ficam sem policiais nas ruas. Ospoliciais civis fazem assembléia e aderem ao movimento. Os salários dosmilitares estão atrasados há seis meses e os dos policiais civis há sete meses.O 13º salário não foi pago.

Termina a greve no Piauí no dia 9 de julho. Depois de uma assembléiaque durou quatro horas, os policiais aceitaram o abono de R$ 120,00, desdeque fosse criada uma Comissão para elaborar a política salarial da Polícia.

Em Pernambuco o Comando da PM nega atender as reivindicações dospoliciais, que marcam assembléia para o dia 12. Eles reivindicam soldo deR$ 130,00. O Governo oferece aumento de R$ 10,00 sobre o soldo de R$74,00.

O Comando da Polícia Militar de Alagoas admite que o Estado está sempoliciamento. Do total, 80% da tropa está em greve. Os 1.100 policiais civisaderem à greve.

No dia 12, os policiais civis e militares de Pernambuco fazem assembléia,reafirmando as reivindicações de 75% de aumento, pagamento de horas extrase adicionais noturnos.

No dia 14, o clima é de tensão em Maceió, ocupada por tropas do Exército.As tropas federais foram requisitadas pelo governador Divaldo Suruagy(PMDB). O prédio do Tribunal de Justiça sofre um atentado. Três homens, numgol branco, jogam duas bombas incendiárias e atiram na janela da sala daPresidência. Os policiais continuam aquartelados e durante o final de semana nãofoi registrada sequer uma prisão. O Instituto Médico Legal não recolhe corpose não faz necropsia. As delegacias estão de portas e celas abertas.

Em São Paulo, o governador Mário Covas anuncia o reajuste da Polícia:entre 8,5% e 34% para militares e 34% para civis. Os policiais militares

Page 90: Livro 4ª edição

89

reivindicam 77,24% e os civis 88,68%.No segundo dia da greve dos policiais militares da Paraíba, os grevistas

fazem manifestação em frente ao Palácio do Governo. Centenas de policiaisocupam a Praça João Pessoa. Tropas federais fazem a segurança dos prédios.O clima é tenso, mas não há confronto.

No Rio Grande do Sul, 250 cabos e soldados, líderes de núcleos de 467municípios gaúchos iniciam a mobilização e ameaçam convocar a categoria paraentrar em greve. Policiais fazem passeata no interior no dia 14. A assembléiados PMs é marcada para o dia 17 e dos civis para o dia 18, em Porto Alegre.Os policiais não fazem greve, mas mantêm a mobilização reivindicando aumentosalarial.

Na Bahia, policiais estão em estado de greve. Eles reivindicam piso salarialde R$ 483,00. O Governo oferece R$ 132,00.

No Amazonas começa a mobilização dos praças em defesa de melhoressalários.

No dia 15, o presidente Fernando Henrique Cardoso determina aoministro da Justiça que envie tropas a Alagoas. Em Maceió, 10 mil policiaisestão reunidos em manifestação em frente ao Palácio dos Martírios. Eles estãofardados e armados.

Policiais Rodoviários Federais fazem greve branca em todo o País,diminuindo o número de multas.

Os policiais civis do Ceará fazem assembléia e reivindicam abono entreR$ 295,00 e R$ 500,00. Os dirigentes de associações aguardam resposta doGoverno até o dia 15 e marcam assembléia para o dia 18.

Os policiais de São Paulo continuam mobilizados. Rejeitam proposta doGoverno e ameaçam entrar em greve.

Em Recife, 2.000 PMs acampam, no dia 16, em frente ao Palácio dasPrincesas. Eles garantem que só deixam o local depois da libertação de 15 cabose soldados presos. O clima fica mais tenso com a chegada do Exército. Ospoliciais fazem barreira com os braços cruzados. No dia 20, o Exército assumeo policiamento do Estado. O anúncio foi feito pelo governador Miguel Arraes(PSB). Estações de ônibus e metrôs são patrulhadas pelos soldados do Exército,armados com fuzis. Tanques circulam em Recife e Olinda. O clima nas ruas éde tensão. O governador Arraes afirma: Não queremos o confronto, mas aordem será mantida a qualquer preço. A crise se agrava com a exoneraçãodo comandante de policiamento metropolitano, cel. Roberto Carvalho, que serecusou a colocar cadetes nas ruas e foi afastado pelo comandante-geral,Coronel Antônio Menezes.

Page 91: Livro 4ª edição

90

No dia 22 de julho, o movimento dospoliciais já atinge quinze estados

brasileiros, com paralisações, greveou cartas reivindicatórias.

O Exército já foi acionado em Recife, Maceió e Campo Grande.No Mato Grosso do Sul, 500 policiais em assembléia aprovam o fim da

greve de cinco dias, aceitando a proposta do Governo, que passa para R$ 408,00o piso de soldado em agosto e R$ 500,00 em setembro.

No dia 29 de julho, a revolta dos policiais do Ceará acaba em confrontocom pessoas feridas. Os manifestantes marcharam pelas ruas de Fortaleza emdireção à Secretaria de Segurança Pública. O governador Tasso Jereissati dáordem de enfrentamento.

Depois de doze dias de greve, os policiais de Pernambuco decidem voltarao trabalho. Eles fazem assembléia e gritam: Vamos prender os bandidos! Houveum acordo com o governador Miguel Arraes para um aumento de 14% para osoficiais e até 45,7% para os praças. O governador promete não punir osgrevistas.

Comando afasta Cabo Júliopara longe da tropa

No dia 18 de agosto, o major Aguilar, subcomandante do Batalhão deChoque, me convocou em seu gabinete às 19hs., após a saída de todos osmilitares do batalhão e anunciou a minha transferência para a DST – Diretoriade Sistemas e Tecnologia. A alegação do Comando é que a função de operadorde microcomputador me é mais adequada, uma vez que ele tinha especializaçãonesta área. A ordem de transferência parte do Comando-Geral. O clima fica tensono Batalhão de Choque, o tenente-coronel Maurício dos Santos, comandantedo batalhão, deu uma entrevista, na porta do quartel, e negou retaliação.Segundo o comandante, as transferências fazem parte da vida do policial militar,conforme a conveniência do Comando.

Quando fui entrevistado, afirmei que a transferência é uma retaliação do

Page 92: Livro 4ª edição

91

Comando. Lembrei, que seis meses antes do movimento, havia solicitado umatransferência, que me foi negada, mas agora era interesse do Comando afastar-me da tropa.

À tarde, no mesmo dia, retornei ao batalhão para pegar alguns objetospessoais e fui recebido pelo oficial de dia, tenente Bráulio, que me diz: “Oque você está fazendo aqui?” Diante da resposta de que era para entregarmateriais daquela unidade, o oficial ordenou: “Pega logo suas coisas e somedaqui!” Na minha saída, ele disse: “Vai com Deus e não apareça nunca mais!”

O oficial que me expulsou Batalhão é sobrinho do tenente-coronel Lima,ex-comandante do RCAT – Regimento de Cavalaria Alferes Tiradentes, quefoi acusado pelos praças de ter dito a um cabo:

“Se você participar do movimentono dia 24, eu vou te excluir, você vai

ser preso, vai para a cadeia e suaesposa vai ter que ir para a zona

te sustentar”.

Eu denunciei essa declaração na imprensa e o tenente-coronel foiimediatamente transferido para a DST, onde passou a exercer o cargo desubchefe, perdendo a função de comandante.

Tamanha é a revolta deste ex-comandante comigo, que dias após a suatransferência do dois cabos foram punidos com dois dias de prisão porque“conversavam demais” dentro do elevador, sendo ouvidos pelo oficial. Eis aconversa:

– E as férias-prêmio, saem ou não saem?

– Se não sair, a gente pede ao cabo Júlio que resolva...

Acabei sendo transferido para o mesmo lugar onde esse oficial trabalhava.Tamanha era sua raiva que nem saia de sua sala para não me ver.

O oficial que me expulsou doBatalhão de Choque era

considerado, pela tropa, o mais“muxiba”, ou seja, omais incompetente.

Page 93: Livro 4ª edição

92

Paranóia oficial � de olhona maracutaia

Na DST, que fica num prédio próximo ao QCG, eu me apresentei no diaseguinte pela manhã. Fui recebido pelo Coronel Custódio Diniz que sesurpreendeu com a entrada do militar naquela Diretoria. Nem ele, como diretor,sabia de minha transferência. Ele pede tranqüilidade no ambiente de trabalhoe disseque aquela transferência foi para o meu bem.

Na reunião dos oficiais para designar em qual seção eu iria trabalhar, fuirecusado por quatro chefes de seção, exceção do chefe da DST4, seção depesquisa, Capitão Praxedes, que me recebeu com prazer.

No prédio funcionam outras Diretorias, como a diretoria de PromoçãoSocial, Ensino, Assuntos Estratégicos, Saúde e Finanças. Em qualquer Diretoriaque eu entrasse, era imediatamente vigiado pelos oficiais. Certa vez,acompanhando um amigo, entrei na Diretoria de Ensino para me informar sobreo concurso à admissão no Colégio Tiradentes.

A informação era para o meu amigo e fomos informados que só haveriaconcurso dali a dois meses. Deixamos a Diretoria. Uma semana depois, recebia visita do Coronel Seixas, diretor de promoção social, que entrou afobado nasala onde eu trabalhava. Ele me indagou porque tinha ido à Diretoria de Ensino.“Você não poderia ter ido lá, este tipo de informação só é fornecida nocolégio Tiradentes.”

Sem entender o porquê da bronca, expliquei que preferi descer um andarque ir até o colégio. Dois dias após o incidente, soube que o coronel haviaenviado uma lista contendo nomes de dez pessoas, parentes e amigos, paraserem matriculados, sem concurso, no colégio Tiradentes. O coronel concluiuque eu estava de olho na lista...

Page 94: Livro 4ª edição

93

Continuam os IPMs

Os praças começam a ser ouvidos em vários quartéis nos inquéritosabertos. A entidades de classe pedem uma reunião no Comando para contestarirregularidades na formação dos IPMs. A primeira delas: os praças estavamsendo convocados por telefone, bilhetes e até pessoalmente e não por meiode documentos oficiais. Isto estava criando dificuldades para a convocaçãode defensores, dentro do prazo previsto em lei. O Comando concorda que asconvocações passem a ser feitas apenas por escrito.

Outras irregularidades nos IPMs: os encarregados dos inquéritos estariamformulando as respostas confundindo os praças menos experientes,intimidando-os, para conduzir o inquérito conforme o interesse dosencarregados. As entidades denunciam que no texto dos inquéritos, estãoinseridas palavras que não haviam sido ditas pelos militares quando prestavamdepoimentos. Segundo eles, a alegação dos encarregados é de que as palavrasinseridas são apenas detalhes sem importância.

Os policiais dizem ainda que estão sendo pressionados para se auto-reconhecerem em fotos e fitas de vídeo feitas nas manifestações. A orientaçãodas entidades é a de que eles só prestem depoimento acompanhados dosadvogados, que as próprias entidades colocam à disposição dos acusados.

Eu ainda questionei a isenção e a imparcialidade dos inquéritos, uma vezque os oficiais encarregados também tiveram participação, ainda que indireta, nasmanifestações, porque foram eles que receberam um aumento exclusivo, queacabou detonando o movimento na PM. Reivindiquei, inclusive, que osinquéritos fossem conduzidos por civis.

Num depoimento no CSM/MB – Centro de Suprimento e Manutençãode Material Bélico, um soldado recém-formado é intimado a prestar depoimentoe é indagado a respeito da ausência de seu advogado. Ele responde que nãohouve tempo hábil para providenciar um defensor. Ele pede permissão parafazer uma oração antes de ser ouvido. A resposta do tenente-coronel WalterLopes ofende o policial: São vocês evangélicos que estragam a PolíciaMilitar .

Page 95: Livro 4ª edição

94

Expulsos

No dia 12 de dezembro de 1997, o Comando da PM, através do assessorde imprensa, major Rômulo Diniz, anuncia as punições a 538 militares, onde18 são expulsos.

Fui expulso sob acusação de ter

sido o principal líder do movimento

reinvindicatório e contestatório por

melhores salários.

O anúncio é feito num feriado, dia do aniversário do centenário de BeloHorizonte, e ninguém do Comando está no QCG para falar com a imprensa,

apenas o assessor.

O major Rômulo faz questão de informar que as expulsões foram assinadas

pelo ex-comandante-geral, Coronel Antônio Carlos dos Santos, no mesmo dia

em que passou o cargo ao novo comandante, Coronel Márcio Porto. Já asprisões e transferências foram assinadas pelo ex-chefe do Estado Maior, Coronel

Osvaldo Miranda.

Segundo o assessor, 826 PMs haviam sido indiciados em inquéritos, 133

submetidos a conselhos de disciplina e 152 a processos sumários de audiência

porque não tinham estabilidade por tempo de serviço. São transferidos, dentroda Grande BH, 349 policiais; 116 perderam um dia de vencimento por teremparticipado da passeata no dia 24 de junho.

Vinte Conselhos Disciplinares foram abertos no Estado. Os Conselhossão integrados por oficiais. Para avaliar cabos e soldados, os Conselhos sãoformados por um capitão e dois tenentes. Para julgar os sargentos, osconselhos se compõem de um major, um capitão e um tenente.

Em Belo Horizonte, 31 inquéritos foram instaurados e 30 estão concluídos.

Page 96: Livro 4ª edição

95

Oito foram abertos no interior, todos concluídos. Dos inquéritos abertos naCapital, 27 foram remetidos à Justiça Militar e treze estavam em análise peloEstado-Maior. Um IPM e uma sindicância administrativa ainda estavam emandamento.

Outras expulsões poderiam ocorrer, nos processos ainda em andamento.O único PM preso, por ordem da Justiça, é o soldado Wedson Campos Gomes,acusado do homicídio do cabo Valério.

Julgamento

No dia 13 de fevereiro de 1998, uma sexta-feira, o soldado Wedson CamposGomes é considerado culpado pelo homicídio do cabo Valério. Wedson écondenado a oito anos de prisão pela 3ª Auditoria da Justiça Militar. OConselho Permanente foi formado por um juiz auditor e quatro juizes militares(oficiais). A decisão foi por três votos a dois. A promotora Solange Ferreirade Morais falou em premeditação e pediu uma pena de 12 a 30 anos porhomicídio qualificado. A tese da premeditação não é aceita.

O soldado diz que está revoltado com a sentença. Eu não matei ninguém,afirma ao deixar o plenário, onde aconteceu o julgamento. O advogado deWedson, Obregon Gonçalves, entra com recurso junto ao Tribunal de JustiçaMilitar. O soldado está aguardando recurso em liberdade porque era primário.

Como o julgamento foi injusto, cinco pessoas julgaram o soldado Wedson,quatro oficiais e um juiz civil. Os oficiais deveriam ser considerados suspeitos,pois o aumento que eles receberam, foi motivo de todo o movimento. Tinham“motivos de sobra” para condená-lo. Mesmo assim, o juiz togado, o único emtese, conhecedor de Direito Denal Militar, votou pela sua absolvição,acompanhado pelo voto de um tenente.

Os juízes do Conselho de Sentença são oficiais da ativa e nem sequer,precisam ser bachareis em Direito. Isso é uma vergonha.

No dia 24 de junho, aconteceram de seis a oito disparos, incluindo o dosoldado Wedson. Apenas dois foram esclarecidos: o do Wedson e o do soldadoMarcelo Rocha, do BPChoque, que também admitiu ter atirado.

Page 97: Livro 4ª edição

96

E os outros disparos? Por que nãoforam esclarecidos? Fica uma dúvida

se esses disparos incriminamalguém, que teria sido encobertopela apuração da Polícia Militar.

Não há dúvida de que ocoronel atirou.

O exame residuográfico comprovou isso. E não houve nenhum tipode punição para esse coronel. Já o soldado Marcelo Rocha foi expulso,meses depois, porque atirou durante a manifestação.

Quando o soldado Wedson estavasendo julgado, não era ele sentado no

banco dos réus e sim, toda ahierarquia e disciplina da

Polícia Militar.

Foi um julgamento do movimento dos praças. Só oficiais estavam noconselho de sentença. Circulou nos bastidores a informação de que o majorpresidente do conselho, Itamar de Oliveira Pacheco, teria afirmado querecebeu ordem para condenar Wedson.

Page 98: Livro 4ª edição

97

Depoimento do ComandanteGeral da Polícia Militar de

Minas Gerais

Coronel diz que o Governo não errou

O ex-comandante-geral da PM, Coronel Antônio Carlos dos Santos temuma avaliação própria da crise que explodiu na Corporação durante sua gestão.Ele acredita que o Governo não errou e que o movimento foi gerado porinformações deturpadas passadas aos praças. Dois meses depois, em agostode 97, o comandante entregou o cargo ao Governador Eduardo Azeredo, massó deixou o Comando em setembro, depois da nomeação do Coronel MárcioPorto.

Num depoimento feito em sua casa, concedido a repórter Paula Rangel,o coronel fez uma análise pessoal de toda a crise e as conseqüências para suacarreira e para a continuidade da Polícia Militar.

“A equiparação salarial entre a PM e a Polícia Civil surgiu em decorrênciade um processo de estudo iniciado com a Constituição de 88. Até então, a PMtinha equiparação com as Forças Armadas e foi depois deste marco quecomeçamos a almejar e defender a equiparação com a Polícia Civil, que por suavez defende equiparação com os salários do Ministério Público. Em 92, houveum aumento salarial significativo para os policiais civis, por causa de uma grevedurante o Governo de Hélio Garcia. Nesta época, os detetives passaram aganhar mais que os praças, o que gerou protestos no Comando da PM. Ogovernador então reajustou os salários dos praças, para que eles nãoganhassem menos que os detetives. Os oficiais não tiveram nenhum aumento.Foi a primeira quebra de isonomia hierárquica na PM mineira. Esta equiparaçãonão é definida pela legislação, é apenas fruto de um acordo entre a PM e osgovernadores desde aquela época.

Equiparação

O Comando da PM sempre defendeu e pretende lutar por essaequiparação com a Polícia Civil.

Page 99: Livro 4ª edição

98

Depois do aumento dos detetives e praças, houve uma recomposiçãoaté 97 também para os oficiais e não um aumento diferenciado. Os delegadoscontinuaram na Justiça para equiparar seus salários aos dos promotores,mas não conseguiram. A Associação dos Delegados entrou então naJustiça com uma ação para conseguir equiparação de um terço com ossalários dos procuradores, e venceu em todas as instâncias. O Governo foiobrigado a dar este aumento.

Começou então a movimentação dos oficiais da PM. Os coronéisconversavam entre si e comigo por um telefone direto – através da Datacom –e a opinião geral era que o aumento dado aos delegados também atingisse aPM. Logo depois do aumento dos delegados, no final de maio/97, houve umareunião do Comando e ficou claro que os oficiais aguardavam este aumento.

Numa audiência com o governador Eduardo Azeredo coloquei estaposição e pleiteei um aumento geral para oficiais e praças. O governadorconcordou e mandou que a Secretaria de Administração fizesse um estudo doimpacto do aumento na folha e a maneira que ele deveria ser concedido. Ogovernador pensava em enviar uma mensagem para a Assembléia, o quesignificava demora. Propus então ao governador que ele desse o aumentoatravés da gratificação de curso, mas estendendo aos praças e detetives.

Secretaria de Administração impossibilitouo aumento

Eu fui leal aos praças. O governador iria dar o aumento a toda Corporação.Mas o secretário de Administração, Cláudio Mourão, concluiu que eraimpossível ao Governo conceder um aumento desta forma, através dasgratificações, pois no caso dos detetives não havia este sistema e o aumentoteria necessariamente que passar pela aprovação da Assembléia. Foi aí quecomeçou o problema. O Governo decidiu dar o aumento para os oficiais, atravésda gratificação de curso, o que seria feito por um decreto. Mas se o governadordesse aumento para os praças por decreto, criaria problemas com os policiaiscivis, porque eles ficariam de fora. Procurou-se então ajustar salários dosoficiais. Os praças receberiam o aumento, no mesmo percentual, de outramaneira, através da aprovação da Assembléia Legislativa.

A tropa já tinha expectativa de que haveria aumento, mas como osecretário de Administração declarou a impossibilidade do reajuste para todaa Corporação, criou-se uma frustração. O estudo do aumento vazou. Nóscoronéis somos ajustados, unidos, mas sabíamos que isto poderia trazertranstornos para a tropa. Eu disse ao governador:

Page 100: Livro 4ª edição

99

Pode dar o aumento, vamos conscientizar esegurar a tropa.

Os comandantes foram unânimes em achar que a tropa estaria sobcontrole, mesmo sabendo da animosidade e do mal-estar. Tínhamosdocumentos que mostravam a insatisfação geral, mas levamos ao governadora informação que saberíamos administrar a insatisfação. Chamamos osrepresentantes de clubes e associações para apresentar a situação e acho queo estouro foi aí. Os representantes nos ouviram, explicamos a forma que seriao aumento, numa visão estrutural e seqüencial. Não houve nenhum movimentosubterrâneo.

Traição

Um dos diretores da Associação de Sargentos era candidato a deputadoe não se manifestou na reunião, mas depois falou aos praças que os oficiaisos tinham traído. Ele foi aos jornais e criou uma desconfiança generalizada. Aimprensa caiu sobre nós. Não dava para desfazer o que a imprensa publicava,fomos atropelados. Não havia como divulgar informações corretas, mesmoporque o processo do aumento estava em andamento e não podíamos dardeclarações.

Aí veio a morte do cabo Glendyson. Ele havia tirado o colete à prova debalas para fazer um lanche quando houve o assalto e perseguiu os assaltantessendo baleado. A imprensa divulgou que ele não tinha colete para trabalhar,que faltavam equipamentos na Polícia Militar. Reconheço que não há coletepara todo mundo, mas isso não era verdade no caso dele. A morte do caboGlendyson tumultuou o processo.

Houve manifestações de descontentamento. O comandante CPC, CoronelJosé Guilherme, declarou nesta ocasião que o salário de um soldado deveriaser de mil reais, de acordo com as tabelas de outros países. A imprensa exploroua declaração.

Outra declaração polêmica, que foi desvirtuada, foi o caso do iogurte,feita pelo cel. Eleutério. Ele me explicou essa declaração, dizendo que estavase referindo à evolução salarial do profissional da PM. Era claro que o salárionão era uma miséria comparado a outras profissões. O que ele quis dizer eraque havia um ganho real, os praças estavam vivendo melhor, mesmo nãoganhando o ideal, mas comparando com o público civil estava em melhorsituação.

Page 101: Livro 4ª edição

100

Outro episódio explorado foi o dos PMs vivendo no banheiro do Fórum.É claro que eles não eram exemplo da situação de todos os praças, estavamadministrando mal o seu salário.

Clima hostil

Quando houve o enterro do cabo Glendyson recomendei a ida doscomandantes, como é praxe na PM sempre que um policial morre em serviço.Eu queria ter ido, mas o clima não recomendava a minha presença. O aumentodos oficiais já havia ganho todas as páginas dos jornais e sabíamos pela P-2que o clima era muito hostil no Batalhão de Choque. Optei por não acirrar maisos ânimos, aconselhado por outros oficiais.

Quando um grupo do Choque começou um movimento, logo depois doenterro, optei por não prendê-los. Preferi que eles fossem convencidos a pararcom aquilo, através da conversação. Mas a nossa tentativa de convencimentoera pior que o noticiário.

Nós não queríamos o confronto no início, não queríamos tratar o casoem cima do regulamento. A idéia era administrar a crise internamente. Mas foitudo muito rápido. O processo extrapolou as perspectivas do Comando, tantodo CPC quanto do Comando-Geral.

Em minha análise pessoal, o queagravou mais a situação foi uma

infiltração de esquerda que estavaacontecendo na Polícia Militar, que

já vinha de longa data. E a basemaior desta infiltração é justamente

no Batalhão de Choque, que é ogrupo mais resistente e pode

influenciar e desestabilizaros outros batalhões.

Page 102: Livro 4ª edição

101

RDPM

A greve na PM prejudicou a própria situação financeira da PM. Porexemplo, já existia um projeto para recomposição da frota dos bombeiros. Coma greve, tivemos que parar tudo. O anteprojeto de revisão do RDPM já estavasendo preparado desde a gestão anterior, do Coronel Nelson Cordeiro, mastínhamos que aguardar as mudanças no País, a aprovação das reformasadministrativas e políticas. Estávamos esperando um momento adequadoquando a greve estourou.

Um dos pontos que os grevistas questionavam no RDPM é a penaprivativa de liberdade. Eu defendo a continuidade desta pena, porque o sistemada PM não é o sistema comum da CLT. Não podemos demitir por justa causa.A punição mexe com o comportamento do policial. Nosso sistema na verdadeé paternalista, adverte, transfere, pune, dá outras oportunidades ao policial,ao contrário da empresa comum, civil, onde pode haver demissão, de formamais objetiva, mais rigorosa. Faltar ao serviço é uma transgressão grave, maso policial pode ser ouvido, pode se justificar. E só é preso atrás das grades emcasos mais graves.

Outro ponto questionado é a permissão para casar. Isto não é para aviltaro praça. Reconheço que o texto do regulamento está forte, mal colocado oumal redigido, mas o objetivo é dar proteção ao praça, facilitar benefícios, darcursos, orientações, exames, o pré-natal.

A tropa de reação

Nem sei descrever a sensação que tive ao ouvir as vaias dirigidas aosoficiais. Estar arrasado é pouco, depois de tanto tempo vivendo dentro de uma

Corporação disciplinada, que sempre manteve a ordem. Foi um mal-estar terrível.

Daria minha vida para não ter que passar por aquilo.

Quando decretei a ordem de prisão para os praças, que estavam em

passeata, tive o objetivo de caracterizar essa insubordinação através daimprensa. Os jornais iriam relatar esta desobediência e depois poderíamos mover

ações sobre a insubordinação deles.

Depois do dia 13, pensávamos em tudo que poderia acontecer. O Governo

havia aberto negociações com os representantes dos praças e o Comando.

Houve a assembléia deles com prazo para que o Governo atendesse asreivindicações. Começamos a fazer um planejamento intenso. Eu considerava

Page 103: Livro 4ª edição

102

o número de amotinados pequeno comparado com o tamanho da Corporação.

Tínhamos que criar uma força, mas era algo inédito uma tropa criada paracombater outra tropa na PM. Foi muito complicado, mas conseguimos formaruma tropa confiável. Ela foi preparada, trouxemos armas, armamos os policiais.Depois disso, tentamos evitar que os praças realizassem a assembléia,queríamos que a reunião fosse para desmobilização, que os líderes apenascomunicassem o andamento das negociações com o Governo. Acho que oslíderes deveriam ter uma postura mais firme, mas eles não conseguiram evitar apasseata do dia 19. Em parte eles tentaram.

Achamos que o processo iria parar lá no clube, mas os policiais ganharamas ruas novamente. Nosso primeiro planejamento era cercar o clube. A tropade confiança seria deslocada para lá, mas o governador orientou para que nãohouvesse confronto. Como poderíamos parar os grevistas na rua semconfronto?

Certamente haveria uma guerraarmada e poderiam morrer civis.

Abandonamos esta idéia de cercar oclube e preparamos a segunda

etapa do planejamento.

Conseguimos convencer os líderes a fazer a passeata somente até à PraçaSete. Ficou acertado que o movimento se encerraria ali. Mas houve um fatorcomplicador que foi a junção da passeata com os policiais civis. Nessemomento eu acredito que os líderes perderam qualquer controle sobre omovimento.

Prontos para o confronto

Tínhamos informações a todo momento sobre a passeata e sobre o clima.Sabíamos que os policiais estavam exaltados. O nosso planejamento era cercartoda a Praça da Liberdade, mais perigoso ainda para os civis. Se houvessemtiros, pessoas poderiam ser atingidas nos prédios das Secretaria, na lanchonetedo Xodó, em prédios residenciais. Optamos então pela solução final: o cercoao Palácio da Liberdade e ao prédio do QCG.

Page 104: Livro 4ª edição

103

Eu posso garantir: se houvesseinvasão por parte dos grevistas, a

ordem era para confronto e haveriamuito sangue derramado.

A nossa tropa tinha armamento pesado. A formação dessa tropa foidefinida estrategicamente. Na linha divisória, mulheres e cadetes formariam umalinha frágil, de representação emocional. Era uma linha de reflexão para que osmanifestantes não passassem. O primeiro a furar esta linha foi um policial civil.A multidão avançou, agrediu mulheres e cadetes. A próxima linha formada seriaa da tropa de reação, que faria o confronto com os grevistas. Houve tumulto.Eles continuavam avançando. A tropa concentrou-se na escadaria do QCGfrente-a-frente com os manifestantes e dali ninguém passaria. Seria o confronto.Eu estava no quinto andar do prédio com outros coronéis e com o promotorSartório, em profunda angústia com os acontecimentos.

Então os líderes subiram na mureta tentando conter a multidão eaconteceu aquele tiro contra o cabo Valério. Foi o momento de reflexão queeu queria que acontecesse antes. Os policiais se acalmaram. A infelicidade damorte do cabo Valério evitou o derramamento de sangue. Um mal maior foievitado.

Lições

Depois que tudo aconteceu, olho para trás, mas não me sinto magoadocom a Polícia Militar, com os praças, os líderes do movimento. Não perseguininguém, não cerceei, não tive idéias de revanche ou de culpar alguém portudo o que aconteceu. Meu único sentimento era que aquilo tudo não precisavater acontecido. Os IPMs foram realizados legalmente, determinei a apuraçãodos fatos, com punição e exclusão se necessário, dentro da lei.

Entendi que precisava deixar a PM. Um novo Comando seria benéficopara que a Corporação arrumasse a casa. Uma mudança traria novos alentos,facilitaria a recomposição, a integração com o Governo. Esperei apenas quepassasse o momento crucial para não sair como se estivesse fugindo. Fiqueinuma situação difícil, com os burburinhos da imprensa, boatos internos, tinhamesmo que sair. Mas nunca tive nenhum atrito com o governador.

Em julho, levei o pedido de exoneração ao governador. Eu expus a eleque a minha saída seria benéfica para a PM, mas ele entendeu que aquelemomento não era adequado. O governador me disse: Não aceito sua demissão

Page 105: Livro 4ª edição

104

agora. Entendo suas argumentações, mas é preciso mais tempo.Algum tempo depois, o governador enviou à Assembléia a proposta para

a possibilidade de reconvocação de oficiais da reserva. Sou contrário a essaproposta e achei que, por discordar do governador, não poderia mais ficar nocargo. Se o projeto passasse, era como seu eu quisesse ser reconvocado. Tiveque me manifestar oficialmente contra, inclusive na imprensa. Disse que nãoconcordava, limpei minha mesa e voltei a pedir ao governador minha exoneraçãoem caráter irrevogável. Mas ele me ordenou que eu permanecesse no cargoaté a escolha do novo comandante. O que só aconteceu um mês depois,quando a Assembléia já havia aprovado o projeto que possibilitava areconvocação de oficiais da reserva.

Antes de sair eu já havia pedido à Diretoria de Pessoal que agilizasse osprocessos porque não queria deixar para o outro comandante assinar – erauma banana que eu mesmo teria que descascar. Cobrei pressa. Só que nãohouve tempo hábil para a conclusão de todos os IPMs. No dia 8 de dezembro,feriado, os primeiros IPMs estavam prontos, li tudo e discordei da decisão final.Foi feito um reestudo dos processos para refazer as conclusões e eu despacheipela exclusão de alguns deles.

O pessoal do marketing me alertou para não divulgar o resultado antesda passagem do Comando, o que desviaria toda a atenção da mídia para oIPM e não para a troca de Comando. Eu assinei, mas a divulgação seria feita jáno novo Comando. Já o processo do cabo Júlio era só dele, julgado peloConselho de Disciplina e ficou pronto um pouco antes. O Chefe do EstadoMaior, Coronel Osvaldo Miranda me avisou: Já li o processo e já decidi pelaexclusão do Júlio. Eu respondi: Segura para soltarmos todos juntos. Entãoassinei as exclusões e as 538 punições.

Em minha avaliação, agi com correção, sem subterfúgios durante todo oepisódio. Considero que minha carreira de 32 anos na PM foi brilhante.Acontecer tudo isto no meu Comando pesa muito para mim. A idéia de discipliname acompanhou toda a vida desde a infância e nunca imaginei dentro da PMver a disciplina aviltada. Hoje penso que abdicaria do aumento salarial paraque nunca tivesse acontecido o que aconteceu.

Page 106: Livro 4ª edição

105

Coronel José Guilherme doCouto

Ex-Comandante do Policiamento da Capital - CPC

Minhas declarações são impressões pessoais de quem viveu as angústias,apreensões, esperanças e frustrações, à frente de um dos mais importantesComandos da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, por ocasião da gravecrise na Corporação que, partindo de um movimento reivindicatório dos praças,desaguou em uma rebelião aberta, com cenas de desobediência, agressões,passeatas e na morte do cabo Valério.

É necessário, no entanto que algumas colocações sejam feitas antes dese falar dos fatos propriamente ditos. São elas:

1°. Numa sociedade democrática as reivindicações dos funcionáriospúblicos encarregados da segurança pública, daí responsáveis pelo empregoda força, não podem e não devem ser tratadas na vala comum das demaiscategorias. Sobre isso, recentemente o Executivo Federal se preocupou ecorrigiu a distorção existente, com a aprovação nas Câmaras Legislativas deemenda constitucional que autoriza a concessão de reajustes salariais,diferenciados para as Forças Armadas;

2°. em hipótese alguma concordei ou concordo com movimentosreivindicatórios da natureza do ocorrido na PMMG, mesmo considerando odescaso, a impossibilidade ou a morosidade dos governos em atender taisreivindicações;

3°. a rebelião na PMMG, liderada por praças, foi desnecessária quantoaos seus objetivos declarados, pois seriam atingidos sem ela. Os objetivosnão declarados, desconfio que bastante ideologizados, julgo terem sido osbalizadores da mesma;

4°. eu e meus comandados tudo fizemos, dentro dos limites de nossascompetências, para conter tais insatisfações, inclusive desenvolvendo açõesde alcance social com o objetivo de minimizar as carências verificadas no meiodo pessoal;

Page 107: Livro 4ª edição

106

5°. o Comando da PMMG foi constante e francamente informado sobreo nível, em queda, da prestação de serviço e da sempre crescente insatisfação.Basicamente, para promover uma reversão do quadro, as medidas a seremadotadas teriam que vir da esfera governamental e o acesso a mesma é decompetência exclusiva do comandante-geral da PM.

Feitas estas colocações, pode-se agora falar dos fatos. A crise da PMMGnão pode ser analisada sem que sejam considerados determinados fatoresexternos a ela, mas que indubitavelmente propiciaram algumas condições paraela fomentasse.

O primeiro deles diz respeito a auto-estima, atingida diretamente pelasações criminosas de alguns policiais militares, como o caso da Favela Navalem Diadema, São Paulo, sensacionalisticamente explorado pela imprensa, quecobriu de vergonha o policial fardado, jogando contra ele a opinião pública,dentre outros.

O equipamento, viaturas, armamento e fardamento em estado precário esempre em falta, ultrapassado ou por demais regrado.

A degeneração da situação econômico-financeira do Estado, atingindodireta e indiretamente o conceito de autoridade e a capacidade operacional daPolícia Militar. A falta de investimentos suficientes na segurança pública, oaumento da violência marginal e dos índices de criminalidade são dois opostosque se somam, afetando a capacidade de resposta da Força Pública aos anseiosda comunidade e estressando cada vez mais nossos militares.

A generalização do segundo emprego, popularmente conhecido comobico, vem corroendo a disciplina, o profissionalismo, a disponibilidade e odescanso do Policial Militar. Isso ficou demonstrado através de um trabalhomonográfico de grande seriedade e alcance, da autoria do Coronel OswaldoMiranda da Silva, apresentado para a conclusão do Curso Superior de Políciaem 1994. O chamado bico, devido as agruras financeiras dos PMs, passou aser tolerado e em muitos casos corre-se o risco dele assumir maior importânciaque o trabalho na PM, passando este sim, a ser o bico.

Tenho a dizer que essas são as minhas impressões pessoais dessechamado movimento – essa rebelião – que ocorreu na Polícia Militar e quepara mim foi uma grande bobagem. É preciso ficar claro que sou contra tudoo que aconteceu e acho que os praças não tiveram ganho algum fazendoessa rebelião. O aumento que foi dado pelo Governo depois do movimento,iria para os contracheques de qualquer forma. O salário iria melhorar dequalquer jeito.

Page 108: Livro 4ª edição

107

Acho que o maior erro foi de comunicação. Foi uma grande falha. E osegundo problema, a deslealdade de algumas pessoas, que deram entrevistasmentirosas à imprensa. Não acho que foi o aumento salarial dos oficiais. Senão fosse o reajuste de oficiais, o clima de insatisfação iria continuar da mesmaforma. Não sei se o governador foi mal informado, mas acho que ele agiu bemem negociar.

Antes que tudo acontecesse eu já alertava para a situação financeira daPolícia Militar, que vinha passando extremas dificuldades, assim como toda amáquina do Estado. Viaturas velhas e quebradas, equipamento obsoleto, alémdo salário dos policiais, que os obrigava a fazer o tal bico, prejudicando suasituação na caserna. Essa segunda atividade, além de exaurir as forças dopolicial para o trabalho de caserna, para alguns se torna mais importante que oseu trabalho como militar. Então, o cara fica estressado, vivendo um dilema,trabalhando num lugar que exige um comportamento disciplinado e depoistrabalha em outro lugar que ele deveria fiscalizar, como segurança de boates,de bingos. Esse trabalho toma o seu horário de descanso e o deixa insone,cansado. Eu mesmo disse várias vezes, na época, que o salário inicial deum militar deveria ser de mil reais, mas que o Governo não tinha capacidadede pagar isso.

Havia um clima de insatisfação muito grande e que vinha crescendo.A moral da tropa estava baixa. E nós sinalizamos, avisamos sobre essasituação. O CPC avisou, os comandantes de batalhões avisaram, váriasvezes ao chefe do Estado Maior, Coronel Herberth Magalhães, que porsua vez, avisou ao comandante-geral.

Tínhamos até um documento muitopesado, relatando a verdadeira

situação, mostrando que estávamossentados num barril de pólvora.

Alguma coisa tinha que ser feita. Não sei se essa situação foi levadaao governador. Isso deveria ser feito pelo comandante-geral, que, em últimaanálise, é responsável por tudo, ele é quem tem que tomar as decisões.

A questão do salário dos oficiais é bom que seja esclarecida. Osdelegados tiveram reajuste que lhes era devido por decisão judicial. Existeum acordo entre as duas forças sobre a equiparação. Fui eu que fiqueisabendo desse aumento, por acaso, e levei a situação para o chefe do Estado-Maior. Essa equivalência variava de 10,6% para o salário do coronel até 24,5%

Page 109: Livro 4ª edição

108

para o salário de 2º tenente. Isso seria passado para os praças, através dosíndices de gratificação de cursos, sem precisar passar pela Assembléia. Ogovernador iria dar isso, mas o raciocínio feito no Palácio foi de que o Governoteria que dar reajuste para os policiais civis. Então, a proposta do Governo foireajustar o salário dos oficiais e para os praças procederia da mesma forma, sóque depois de enviar à Assembléia a solicitação para que pudesse dar o reajustediferenciado aos funcionários públicos.

Essa proposta foi levada à reunião do Alto Comando. Os coronéisentenderam que a proposta deveria ser aceita, desde que a situação fosseimediatamente explicada para os praças. Daria para segurar, para ser aceitável,deglutido. Demorou oito dias do fato, com a imprensa, já então noticiando oaumento em separado, para que o Comando avisasse os praças.

Foi feita uma nota do Comando, encaminhada aos batalhões, com arecomendação de que se reunisse os praças e lhe fosse explicado oprocedimento. A imprensa continuava noticiando que havia um aumento emseparado, o que era uma mentira, o aumento seria repassado para os praças.Houve uma reunião com os representantes das associações dos praças, queforam esclarecidos sobre a situação.

Só que um dos diretores da Associação de Subtenentes e Sargentosdesceu e, ainda no hall de entrada do prédio do Comando, deu uma entrevistafalando que eles iriam entrar na Justiça. Foi uma picaretagem, uma deslealdade.Ele sabia que o aumento seria repassado, como aconteceu em todos osreajustes. Ele é um mentiroso e fez de maldade. Tinha objetivo de semear adiscórdia com objetivos políticos.

A Polícia Militar estava num momento muito difícil, depois do episódioda Favela Naval, em São Paulo. A tropa estava de cabeça baixa, nós éramosolhados na rua como aqueles bandidos da PM de São Paulo. Foi um períodorealmente difícil. Então conversando com a tropa durante uma solenidade noCanil da PM, fiz uma comparação: Já que estamos fazendo uma homenagem aoCanil, no lugar onde está o melhor amigo do homem, o cachorro, não vamosabaixar a cabeça por causa dessa história da Favela Naval não. Vamos continuarde cabeça erguida, para enfrentarmos os problemas até com uso de violência,se necessário. Vamos imaginar um cachorrão, fazendo uma comparação. Se agente pegar um cachorrão, arrancar-lhe os dentes e castrá-lo, esse cachorrosó vai servir para comer, não serve para mais nada. A Polícia, podemos dizerque ela tem que ser como um cachorro grande, com dentes afiados e inteiro,não pode ser castrado não, só que tem que ser adestrado para não avançarem qualquer um. Ele tem que ter coragem para avançar e dentes paramorder. A comparação que eu fiz foi essa, mas minhas palavras foram

Page 110: Livro 4ª edição

109

distorcidas por pessoas como essas, que fizeram a rebelião, que sãoverdadeiras quinta-colunas dentro da Polícia.

Eu não chamei ninguém decachorro, se chamei, eu também sou

cachorro. Eu falei que a Políciadeveria ser assim.

Quando morreu o cabo Glendyson, assassinado por bandidos, a imprensabotou muito fogo, causando sensacionalismo. Isso tudo foi somando àinsatisfação. A Medicina Legal demorou muito a liberar o corpo, eu não sei oporquê. Fiquei sabendo que havia um clima de muita revolta no cemitério.Solicitei ao chefe do Estado-Maior autorização para desmarcar uma reuniãocom os comandantes, que aconteceria em Lagoa Santa, e resolvi ir para lá. Nãocomuniquei ao comandante-geral. Só depois do enterro eu o avisei.

Reuni todos os comandantes e fui para lá. Vamos evitar que nossoshomens façam uma bobagem. Senti um clima de grande comoção e raiva noenterro, um clima propício para sair em passeata. Eu acredito que eles sairiamaté carregando o caixão. Notei a agressividade, a hostilidade contra os oficiais.Eu chegava em um bolinho de gente, ele se desmanchava, chegava em outro,desmanchava, até que foi diminuindo um pouco.

No dia seguinte, o Choque parou. Fui para lá, ninguém queria conversar.Avisei que voltaria à noite. Fui para o auditório, tinha umas 60 pessoas. Expliqueia situação, disse que eles não deveriam fazer nenhuma bobagem, chamei-os àrazão, disse que era desnecessário fazer um movimento, falei com os líderes,mas já havia uma politização, uma ideologização das pessoas, já haviaestrutura, lideranças.

No dia 13, saíram em passeata. Havia uma tropa que quase foi lançada,ela seria colocada na rua para cercar o Palácio. Fui ao Coronel HamiltonBrunelli e disse: essa tropa está à sua disposição e queria que o senhorme desse autorização para dar uma contra-ordem. Ele me autorizou e dei acontra-ordem, impedindo a saída da tropa. Havia deputados em frente aoPalácio, eu vi que havia hostilidade contra eles e disse para eles saíremdali. A imprensa veio para o meu lado. Aí a tropa parou de prestar atençãonos discursos e começaram a gritar: Vai embora, CPC. Eu continueicaminhando normalmente.

Eu sei que houve jogo de pressão, apelos para desmobilizar aassembléia, mas não houve ameaças. Esses telefonemas anônimos não são

Page 111: Livro 4ª edição

110

do meu conhecimento e acho que o Comando não se prestaria a isso. Essestelefonemas podem ter sido feitos por qualquer um, talvez alguém quequisesse ver o circo pegar fogo.

A situação era de altíssimo risco. Estivemos muito perto de uma convulsãosocial de grandes proporções. Houve um consenso no Estado-Maior de secriar uma força, armada, capaz de evitar a invasão de prédios e outra força quepudesse coordenar para que não houvesse uma baderna na cidade. Nãoentreguei o Comando da Capital nessa época a pedido. Jamais faria isso. Foiordem do comandante-geral. Nunca entregaria o Comando numa crise daquela,seria um ato de covardia.

No sábado, ele chegou perto de mim

numa reunião do Alto Comando e

disse: O governador determinou que

você passe o Comando da Capital

para o Coronel Eleutério. Respondi:

então, está passado o Comando.

Fui ao Copom, passei uma mensagem para toda a tropa, agradecendo otrabalho conjunto.

A primeira força que cercou a praça, no dia 24, foi só para dissuadi-los.Estava desarmada e foi desrespeitada e enxovalhada. Era só para evitar umainvasão dos prédios. Depois eles enfrentariam uma força grande com armaspesadas, fuzis, escopetas, pistolas automáticas e seria um banho de sangue.Essa tropa estava posicionada em todo o prédio. Iria morrer muita gente senão houvesse a morte do cabo Valério. Não precisaria ordem do Comando-Geral, nós oficiais, sob o Comando do Coronel Eleutério, iríamos defender oprédio a todo custo. Senti ódio, raiva, não permitiria a invasão de jeito nenhum.A raiva aumentou quando vi aquele rapaz esvaindo em sangue.

Acho que o tiro estava endereçado a uma das janelas do prédio. Quematirou não fez mira, no meio da multidão, não soube fazer o alinhamento corretodo pulso com a arma. O Coronel Eleutério disse que não atirou, eu não sei,não vi. Eu estava dentro do Copom e pensava em descer para o térreo. Já mepreparava para qualquer coisa, e pensei em ajudar a acalmar. E aconteceu aquilo

Page 112: Livro 4ª edição

111

tudo.

O que me deixou magoado foi que eu merecia uma satisfação do Comandoda Corporação, ou deveria ter sido punido pelo comandante, se ele julgasseque trabalhei mal, ou me elogiado por meu esforço em conduzir o Comando daCapital num bom termo. Não fui nem punido, nem elogiado. É como se eu nãotivesse existido. Essa mágoa carrego comigo, mas hora nenhuma me presto oume prestei a jogar pedras na Corporação.

Até hoje o clima é de uma ressaca violenta. Os coronéis acabaram comoculpados da situação. O Comando optou pela lei do silêncio, não desmentiu, oque sou contra. Vários militares foram expulsos. A confiança ficou abalada.Mas a Polícia é muito superior a isso e está se reestruturando.

A falta de investimentos em segurança pública continua até hoje. Aousadia dos bandidos está aumentando e o Estado nacional está perdendoa capacidade de reagir e coibir. Precisamos de mais investimentos e, porque não, de melhores salários. Esse investimento é premente, mais que nasaúde ou na educação. Sem segurança, não temos saúde nem educação. Essaé a maior lição.

Page 113: Livro 4ª edição

112

Trechos de depoimentos deoficiais no

Conselho de Disciplina doCabo Júlio

Coronel Hamilton Brunelli de Carvalho, chefe do GMG –Gabinete Militar do Governador –, em 29 de outubro de 1997:

“[...] é importante verificar que toda a pauta da Polícia Militar foi feitanum momento de absoluta pressão, com os quartéis, principalmente os daCapital, como se assentados num barril de pólvora, obrigando o comandante-geral a ceder muitas vezes contra sua própria vontade”.

“[...] que finalmente na reunião de acordo salarial em que houve aparticipação do vice-governador do Estado, o depoente foi afastado dasnegociações, a pedido da Comissão, embora tenha acompanhado a conversa;que é a primeira vez que acontece no Estado uma reunião de negociação salarialcom todos esses secretários, o da Administração, Fazenda, Casa Civil, vice-governador, comandante-geral, chefe do EMPM; que a decisão deveria sairnaquela reunião sob pressão”

“[...] que em determinado instante o cabo Júlio falou com o vice-governador, que se fosse abaixo de determinado valor, que ele estabeleceu, atropa pararia; que o vice-governador ligou para o governador e, face aomomento dramático que vive o Estado, foi atendido; que gostaria de colocarum fato da mais alta relevância, quando o vice-governador deu o sinal positivo,o cabo Júlio pegou um telefone celular e, em dez minutos, o movimento cessou.Os quartéis voltaram ao normal, o que a nítida impressão ao depoente decontrole absoluto sobre a tropa envolvida”.

“[...] que o acusado expôs ao ridículo a administração da Polícia Militarde Minas Gerais perante a nação”.

Tenente-coronel Carlos Roberto Lopes Cançado, ex-comandante doBatalhão de Choque, atual cel. do QOR – Quadro de Oficiais da Reserva, em27 de outubro de 1997:

Page 114: Livro 4ª edição

113

“[...] que a liderança não feriu frontalmente a ética e os preceitosregulamentares que regem a carreira policial militar, pois essas foram feridasquando a tropa saiu do Batalhão de Choque em passeata; e que, percebeu ocabo Júlio procurando serenar os ânimos, organizar o movimento e tentarestabelecer junto aos presentes uma pauta de reivindicações para ser levadaao Comando e ao Governo do Estado”.

“[...] que não presenciou, em nenhum momento, o cabo Júlio incitando atropa para indisciplina”.

“[...] que expressou, ao ver o acusado na Comissão, a satisfação por tê-lo lá, por considerá-lo um militar tranqüilo”.

“[...] que para o bem ou para o mal, ele (cabo Júlio) já fazia parte da históriada Polícia Militar”.

“[...] que como comandante do Batalhão de Choque conhece a sua tropae que acredita que os manifestantes consideraram a tropa postada na Praça daLiberdade como um desafio a ser superado pela multidão que manifestava,policiais civis, militares e agentes penitenciários”.

Coronel reformado Edgar Soares, em 3 de novembro de 1997:

“[...] que o Comando não tem autoridade moral para prender o depoenteou qualquer um que lute por melhoria salarial”.

“[...] que o comandante-geral, o chefe do Estado-Maior, e o chefe doGabinete Militar não têm mais qualificação que lhes tinham sido confiada”.

“[...] que entende que o Comando conduziu o relacionamento com aComissão de uma maneira durante a crise, permitindo o diálogo com o própriovice-governador e secretariado e, após o encerramento, a trata de maneira emque se percebe principalmente retaliação”.

“[...] que no dia 24, ao passar pela Praça da Liberdade, as 14hs., percebeuo movimento de tropas naquele local e ligou para um coronel do Alto Comandoe solicitou que não colocasse tropa da PM contra a própria PM e que a respostafoi de que o Comando tinha o controle da situação. E que tentou pedir o mesmoa outras autoridades”.

“[...] que como oficial, tem vasto conhecimento de policiamento de choque,sabendo que o bloqueio se faz ostensivamente com cassetete, escudo ecapacete, o que não ocorreu.; que aquele bloqueio foi feito com corda, cadetese policiais femininas desarmadas, que quem estuda psicologia de massaentende que a tropa não iria invadir o prédio do QCG, e sim, nesses momentos,o perseguidor corre atrás do perseguido, independente de direção”.

Cliente
Realce
Page 115: Livro 4ª edição

114

Conclusão

Após o movimento foram excluídos cerca de cento e oitenta policiaismilitares, dentre os quase cinco mil policias militares e mil policiais civis e agentespenitenciários.

Foram punidos aqueles que contestaram a traição do alto comando daPM, que lutou por aumento salarral somente para os oficiais e esqueceram dosPraças.

Nos sentimos como se toda uma família estivesse com fome e paicolocasse comida somente para ele deixando os filhos com fome.

A disciplina foi quebrada por eles inicialmente. Mostramos a sociedadeque o policial que é pago para lhe proteger também precisa de proteção.

Fui perseguido, ameaçado e expulso da corporação. Indisciplinado parauns, corajoso para outros. Tem a honra de dizer que fui expulso por ter sido olíder de um movimento contra fome. Verdadeiramente, a sociedade não conheciaa realidade de sua polícia.

Dois fatos marcaram muito aquele movimento: o primeiro foi a morte doCabo Valério, companheiro de Batalhão de Choque. Por algumas vezeschegamos a trabalhar juntos em uma viatura ROTAM. Era um irmão de farda,irmão de fé. A segunda coisa que marcou muito a minha vida neste movimentoaconteceu no dia 12 de dezembro de 1997, o dia da minha expulsão da Polícia.Eu nasci para ser policial e esse sonho me foi arrancado.

O tempo passou e demos a volta por cima. Em 1998, quase um ano depois,fui eleito o Deputado Federal mais votado de Minas Gerais, com 217.088 votos.O primeiro e único Praça eleito Deputado Federal em toda a história de todasas Polícias Militares do Brasil.

Page 116: Livro 4ª edição

115

Consegui após uma negociação política com o Governador de MinasGerais Itamar Franco, em 1999, o retorno de quase todos os policias militaresque foram expulsos da corporação em virtude do movimento.

Aqueles que nos humilharam e nos expulsaram, hoje são obrigados aentender que o maior sentimento de disciplina que pode existir, é o respeito àpessoa humana que está por detrás de cada policial.

Page 117: Livro 4ª edição