2007 Cassia Rosa

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS FACULDADE DE HISTRIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL DA AMAZNIA

CASSIA SANTOS DA ROSA

ILUSO E PARASO: HISTRIA E ARQUEOLOGIA NA AMAZNIA (1948-1965)

BELM 2008

CASSIA SANTOS DA ROSA

ILUSO E PARASO: HISTRIA E ARQUEOLOGIA NA AMAZNIA (1948-1965)Dissertao apresentada ao Programa de Psgraduao em Histria Social da Amaznia da Universidade Federal do Par como exigncia parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Histria. Orientador: Prof. Dr. Aldrin Moura Figueiredo (Faculdade de Histria/UFPA).

BELM 2008

CASSIA SANTOS DA ROSA

ILUSO E PARASO: HISTRIA E ARQUEOLOGIA NA AMAZNIA (1948-1965)

Dissertao apresentada ao Programa de Psgraduao em Histria Social da Amaznia da Universidade Federal do Par como exigncia parcial para a obteno do ttulo de mestre em Histria. Orientador: Prof. Dr. Aldrin Moura Figueiredo (Faculdade de Histria/UFPA).

Data da aprovao: _____/_____/2008 Banca Examinadora:

________________________________________ Prof. Dr. Aldrin Moura de Figueiredo (Orientador - Faculdade de Histria/UFPA) ________________________________________ Profa. Dra. Maria Gabriela Martin vila (Examinador externo - UFPE) ________________________________________ Prof. Dr. Rafael Ivan Chamboleyron (Examinador interno - Faculdade de Histria/UFPA) ________________________________________ Profa. Dra. Magda Maria de Oliveira Ricci (Suplente - Faculdade de Histria/UFPA)

(Biblioteca do Ncleo de Altos Estudos Amaznicos - NAEA/UFPA, Belm-PA) Rosa, Cassia Santos da Iluso e paraso: histria e arqueologia na Amaznia (1948-1965)/ Cassia Santos da Rosa; orientador Aldrin Moura Figueiredo. - 2008. Dissertao (Mestrado) Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal do Par, Programa de Ps-Graduao em Histria Social da Amaznia, Belm, 2008. 1. Arqueologia Histria Par. 2. Meggers, Betty, 1921- . I. Ttulo.

CDD 21. ed. 981.15

Para o meu av Pedro Rosa (in memorian)

E toda histria deve ser uma histria social (Jacques Le Goff)

AGRADECIMENTOS Porque no sabes Que conmigo vencieron Miles de rostros que no puedes ver, Que no soy Que no existo Que solo soy la frente de los que van conmigo (Pablo Neruda) Sou grata ao CNPq e Capes, pela concesso de bolsas de pesquisa no decorrer do curso. A meus pais, Ana e Pedro, por tudo que indizvel e pelo tanto que no cabe aqui. Ao meu av Pedro Rosa, pelo exemplo de vida. A Aldrin Figueiredo, meu orientador, por ter pacincia de me (re)colocar na trilha da Histria enquanto eu tropeava na Arqueologia. Aos professores e orientadores que me forneceram a orientao necessria quando precisei: Leila Mouro, Rafael Chambouleyron, Nelson Sanjad, Denise Schaan, Vera Guapindaia, Roseane Pinto e Geraldo Mrtires Coelho. Todos tiveram uma importncia fundamental na minha formao como historiadora e na minha preferncia por arqueologia. Aos interlocutores que, acima de tudo, foram os que deram o direcionamento para o meu trabalho: professor Benedito Nunes, professor Ondemar Dias, seu Daniel Lopes, Dirse Kern, Fernando Marques, Eduardo Neves, Marcos Magalhes, Paulo do Canto, Mauro Barreto, dona Ana Machado, professor Samuel S, Fernanda Arajo, Klaus Hilbert e Dra. Betty Meggers. Todos dedicaram um pouco do seu raro tempo disponvel para me contar suas histrias e compartilhar suas idias. A Aldedes de Oliveira e Mazildo Ferreira, arquivistas do MPEG, e Patrcia Barros por inmeras palavras de incentivo, pela colaborao e por tornar mais agradvel esse momento da pesquisa. As bibliotecrias do MPEG Graa Santana, Edna Pinheiro e Ftima Telles pela ateno dispensada. Aos colegas do curso de mestrado em especial Catarina Santos, por todo o apoio no decorrer do curso e, sobretudo, na reta final. Tambm agradeo aos colegas Tatsuo Ishizu, Rosa Arraes, Michele Barros e Dayseane Ferraz, por todas as conversas que me fizeram compreender melhor o meu trabalho. Aos meus amigos Marcelo Carvalho, Ana Carolina da Luz, Hannah Fernandes, Telma Ferreira por terem pacincia de ler o texto incompleto e colaborar com sugestes. E tambm Eliane Sousa, Lorena Garcia, Helena Lima, Marylia Nina e Gizelle Chumbre por todas as conversas (de arquelogos, de antroplogos e de historiadores), conselhos, puxes de orelha e

principalmente pela amizade, pela pacincia, pela cumplicidade e pelo companheirismo ao longo desse caminho. Aos meus primos Bia, Carol e Ricardo, as minhas tias Constncia e ngela, aos amigos Larissa, Mayana, Diego, Pacheco, Mrcia, Adriano, Thiara e Ronei. E aos que me acolheram durante as viagens Tati, Michele, Lel e ngela. E por trocas de informaes quase de ltima hora, mas no menos importantes, com Renata Rauber, Elaine Cristina e a Mariana Neumann. Por fim, na certeza de ter esquecido algum nome, agradeo a todos que acreditaram e aos que duvidaram de mim, aos que me ajudaram e aos que me atrapalharam, fica aqui o meu sincero agradecimento. Foram todos muito importantes!

SUMRIO LISTA DE SIGLAS _______________________________________________________ 10 RESUMO _______________________________________________________________ 11 ABSTRACT _____________________________________________________________ 12 INTRODUO __________________________________________________________ 13 CAPTULO 1 ARQUEOLOGIA E MODERNISMO EM BELM DO PAR OU COMO FAZER ARQUEOLOGIA NA AMAZNIA NO PS-GUERRA? _________ 25 1.1 A CIDADE DO PAR SE MODERNIZA: BELM EM 1948 OU A CIDADE DO J TEVE: DECADNCIA E MODERNISMO EM BELM _________________________ 26 1.2 OS JOVENS MODERNOS DO PAR ENTRE A ARTE E A CINCIA ___________ 30 1.3 ENSINO E PESQUISA NO PAR: O MUSEU GOELDI DEPOIS DE CARLOS ESTEVO E O INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA E ETNOLOGIA DO PAR ______ 32 1.4 AMAZNIA, PATRIMNIO DA HUMANIDADE ___________________________ 35 1.5 EM BUSCA DE UMA ARQUEOLOGIA AMAZNICA _______________________ 36 CAPTULO 2 AMAZNIA E ARQUEOLOGIA POR BETTY MEGGERS _______ 41 2.1 ANTES DE CHEGAR AO BRASIL ________________________________________ 42 2.1. PARA QUE SERVE A PESQUISA DE CAMPO? ____________________________ 44 2.2 ECOLOGIA CULTURAL E A ARQUEOLOGIA AMAZNICA ________________ 47 2.3 O QUE MEGGERS E EVANS DEIXARAM EM BELM? _____________________ 51 2.4 O LEGADO DE MEGGERS E EVANS PARA O MPEG _______________________ 57 2.5 A ARQUEOLOGIA DE MEGGERS E EVANS NA AMAZNIA ________________ 60 CAPTULO 3 A ORIGEM DAS IDIAS: AS TEORIAS E ABORDAGENS NO DISCURSO DE BETTY MEGGERS ________________________________________ 63 3.1 EVOLUCIONISMO, MARXISMO E ANTROPOLOGIA_______________________ 64 3.2 JULIAN STEWARD E OS NDIOS DA AMRICA DO SUL ___________________ 71 3. 3 AS TRIBOS DA FLORESTA TROPICAL NA ILHA DO MARAJ _____________ 75 3.4 SOBRE NATUREZA E AS ABORDAGENS ARQUEOLGICAS _______________ 78 3.5 SILNCIO! BETTY VAI FALAR! _______________________________________ 79 CONSIDERAES FINAIS _______________________________________________ 85 FONTES ________________________________________________________________ 91 REFERNCIAS __________________________________________________________ 93 ANEXOS

LISTA DE SIGLAS CEPA, Centro de Ensino e Pesquisas Arqueolgicas IAB, Instituto de Arqueologia Brasileiro IAEP, Instituto de Antropologia e Etnologia do Par IAN, Instituto Agronmico do Norte IHGB, Instituto Histrico Geogrfico do Brasil IIHA, Instituto Internacional da Hilia Amaznica INPA, Instituto Nacional de Pesquisas na Amaznia MAE-USP, Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo MPEG, Museu Paraense Emlio Goeldi NAEA, Ncleo de Altos Estudos Amaznicos PRONAPA, Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas PRONAPABA, Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas da Bacia Amaznica SAB, Sociedade de Arqueologia Brasileira SPHAN, Servio do Patrimnio Histrico Artstico Nacional SPVEA, Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia UFPA, Universidade Federal do Par UFPE, Universidade Federal de Pernambuco UFPR, Universidade Federal do Paran UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro UNB, Universidade de Braslia UNESCO, Organizao das Naes Unidas para Cincia e Cultura USP, Universidade de So Paulo

RESUMO A escrita da moderna arqueologia da Amaznia est relacionada ao trabalho dos norteamericanos Betty Meggers (1921-) e Clifford Evans (1920-1981). A relevncia histrica das pesquisas efetuadas pelo casal e especialmente por Meggers o foco desta dissertao. O objetivo apresentar uma histria social e intelectual da arqueologia amaznica tomando como foco central a atividade de Betty Meggers na Amaznia brasileira com a finalidade de compreender o processo de produo, circulao, recepo e debates em torno das hipteses sobre a ocupao da Amaznia, e suas influncias contemporneas no campo da arqueologia amaznica. E, desse modo, analisar a insero histrica que o casal alcanou no campo cientfico sobre a Amaznia. Palavras-chave: Histria da Arqueologia, Betty Meggers, Arqueologia Amaznica.

ABSTRACT The modern written of the Amazonian archaeology is related to the researches of northamerican Betty Meggers (1921-) and Clifford Evans (1920-1981). The historical relevance of the research effected by the couple and especially for Meggers is the focus of this dissertation. The objective is to present a social and intellectual history of Amazonian archaeology being taken as central focus the a focus the activity of Betty Meggers in the Amazon rain forest with the purpose to understand the process of production, circulation, reception and discussion around the hypotheses about the occupation of the Amazon, and theirs influences contemporaries in the field of Amazonian archaeology. And, in this way, to analyze the historical insertion that the couple reached in the scientific field about the Amazon. Key-words: Archeology History, Betty Meggers, Amazonian Archaeology

13 INTRODUO Paraso perdido ou paraso ilusrio. Essas so apenas algumas das denominaes que a floresta amaznica recebeu por sua diversidade ambiental. A primeira definio foi apropriada por Euclides da Cunha para apresentar a Amaznia no incio do sculo XX1. A segunda o ttulo traduzido de Amazonia: man and culture in a counterfeit paradise2, livro publicado em 1971 que, de uma perspectiva arqueolgica, contribuiu para o desmoronamento de uma viso ednica do ambiente amaznico. O livro produzido por Meggers conseqncia de mais de 20 anos da atividade da pesquisadora na Amaznia em busca de explicaes para a ocupao humana antiga da regio3 e, esta atividade cientfica, o foco principal do presente trabalho. Os que contam a Histria da Arqueologia Brasileira indicam que um dos principais impulsos para o que se pode chamar de legitimao da Arqueologia como cincia no Brasil, implementando teorias e metodologias na produo arqueolgica, com destaque Amaznica, foi a atividade dos arquelogos norte-americanos Betty Meggers e Clifford Evans Junior. Influenciados, principalmente, pelas idias propostas pelo antroplogo Julian Steward, apresentadas no Handboook of South American Indians (1946-1956), acrescentaram arqueologia um vis neo-evolucionista e o conceito de determinismo ecolgico para explicar a ocupao humana na Amaznia. Por conta dessas primeiras pesquisas, somados a exemplos de projetos desenvolvidos pelo casal4 em outros pases da Amrica do Sul sendo eles Guiana Inglesa, Equador e Venezuela os novos arquelogos brasileiros conseguiram apoio para um grande projeto1

O ttulo deste ttulo foi sugerido pelo prprio Euclides da Cunha em vrias cartas aos amigos, o segundo livro vingador. Foi publicado pstumamente com o ttulo de margem da histria, tendo sido organizada uma coletnea pelo escritor Leandro Tocantins ao final da dcada de 1990. CUNHA, Euclides. Um paraso perdido. Ensaios estudos e pronunciamentos sobre a a Amaznia. Rio Branco: Fundao cultural do Acre, 1998. 2 A traduo literal seria homem e cultura em um paraso ilusrio. MEGGERS, Betty. Amazonia: Man and culture in a counterfeit paradise. Harlan Davidson, Arlington Heights, 1971. Com apresentao de antroplogo Darcy Ribeiro, para edio brasileira recebeu o ttulo de Amaznia: a iluso de um paraso na traduo feita pela historiadora cearense Maria Yedda Linhares. Em decorrncia do regime militar no Brasil, Linhares foi aposentada e proibida de dar aulas. Entre 1975 e 1977 ocupou-se em fazer tradues e esta provavelmente foi executada por sugesto de Darcy Ribeiro que era amigo tanto de Meggers como de Linhares. De acordo com Linhares eles se conheceram no incio a dcada de 1940 quando estudavam na Columbia University. LINHARES, Maria Yedda. Entrevista com Maria Yedda Linhares. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992, p. 216-236. Entrevista concedida a Marieta de Moraes Ferreira. Disponvel em: . Acesso em: 02.04.2008. 3 Atualmente, Meggers j dedicou mais 60 anos ao estudo da Arqueologia amaznica. 4 Em geral no usado o termo casal em referncia a Meggers e Evans, porque considerado pejorativo. Aqui o termo aparece ao longo do texto para designar o trabalho em conjunto que desenvolveram, aspecto que explanado no captulo 3.

14 que visava financiar escavaes arqueolgicas, anlises laboratoriais e publicaes, a fim de conhecer os processos pelos quais os sucessivos grupos de imigrantes pr-europeus, com diferentes condies ecolgicas do Brasil5. Este projeto era o Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas, o PRONAPA, criado em 1965, e, ao final da vigncia deste, obteve continuidade com o Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas na Bacia Amaznica, o PRONAPABA em 1976. A citao acima leva observao de que j existiam certas idias estabelecidas. Isto , um conhecimento pronto. O uso do termo "conhecer" implica em realizar as pesquisas arqueolgicas necessrias ao entendimento dos "processos", ou seja, a uma srie de acontecimentos "pelos quais os sucessivos grupos" vivenciaram dada poca admitindo as idias de que um grupo substituiu outro; "de imigrantes pr-europeus", considerando que os grupos que habitaram a regio no tiveram origem nas Amricas; "com diferentes condies ecolgicas do Brasil", ressaltando a variabilidade existente em um pas territorialmente grande, e destaca, sobretudo, a diversidade ecolgica. Essas idias marcam a forte atuao desses dois pesquisadores na Arqueologia Amaznica e Brasileira. Idias estas que influenciaram longamente a arqueologia amaznica, sendo este o ponto de partida para desenvolvimento desta dissertao. Aps realizar leituras referentes ao tema, surgiram questionamentos sobre as mudanas ocorridas na arqueologia amaznica depois das pesquisas efetuadas por Betty Meggers e Clifford Evans. Esta constatao levou ao intuito de entender como seus ensinamentos terico-metodolgicos prevaleceram na interpretao sobre a ocupao amaznica, com nfase no processo histrico de inveno do passado mais antigo da Amaznia. Nos relatos consultados acerca dos dois pesquisadores supracitados sempre enfatizado o fato terem concedido arqueologia brasileira um carter cientfico. Aparentemente, houve a mitificao do casal como fundadores da arqueologia brasileira, divulgado no que se pode chamar de histria oficial da arqueologia brasileira. A proposta inicial deste trabalho foi to somente explicar como foram estabelecidas as bases terico-metodolgicas de influncia norte-americana da arqueologia no Museu Paraense Emlio Goeldi (MPEG) e como a atividade dos pesquisadores Evans e Meggers dentro desta instituio influenciou nas interpretaes da pr-histria da Amaznia. Aps algumas mudanas e acatando as sugestes da banca no exame de qualificao, o tema ficou5

MEGGERS, Betty, et. all. Arqueologia Brasileira em 1968. Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas. Publicaes Avulsas. v.12. Belm: Museu Paraense Emlio Goeldi, 1969. p.3

15 delimitado em contextualizar as primeiras atividades do casal na Amaznia, a partir das escavaes realizadas na foz do rio Amazonas em 1948 e 1949. Essas pesquisas resultaram em teses e em artigos que explicavam a interpretao para a ocupao amaznica e na publicao de um livro intitulado Archaeological investigations at the mouth of the Amazon6. Os textos sobre a Histria da Arqueologia e a pesquisa documental realizada no arquivo do MPEG levam a crer que somente a partir da implantao do PRONAPA e do PRONAPABA que a metodologia adotada pelos pesquisadores norte-americanos foi de fato consolidada, atravs das publicaes, das escavaes realizadas e dos cursos ministrados. Em suma, o que pretendo mostrar aqui que a influncia do trabalho de Betty Meggers se deu, sobretudo, por conta da fcil aceitao a que foi proporcionada logo na primeira incurso Amaznia, e compreender como foi construda a idia de que Meggers foi a pioneira ou a desbravadora da pesquisa arqueolgica na Amaznia. De modo algum, pretende-se ignorar a importncia histrica cabida Meggers e Evans no desenvolvimento da arqueologia, especialmente para a e na Amaznia. Ao contrrio! Um dos objetivos do presente trabalho valorizar a importncia histrica de suas pesquisas. Por outro lado, no significando concordar com os mitos gerados a partir dos mesmos. Em uma atividade de ler nas entre linhas a importncia cabidas aos sujeitos histricos, em seus respectivos tempos e espaos. Levando em conta observaes mais recentes como da arqueloga Gabriela Martin em relao ao trabalho de Betty Meggers quando considera que sua extensa obra hoje um clssico da literatura arqueolgica da regio [Amaznia], s vezes contestada, no raramente mal interpretada, mas sempre respeitada7, necessrio perceber que este casal no pode ser observado como o nico referencial para se entender a arqueologia amaznica, possu, entretanto, fundamental participao na estruturao da arqueologia local. Em outras palavras, a atividade e a produo cientfica de Meggers no pode ser excluda ou banalizada pelos seus sucessores ou pela prpria Histria da Arqueologia Amaznica. Uma vez que diversos pesquisadores, formados nos anos posteriores vigncia dos programas criados por Meggers e Evans, costumam critic-los, por vezes, apresentam

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MEGGERS, Betty J., EVANS, Clifford. Archaeological Investigations at Mouth of the Amazon. Smithsonian Institution. Bureau of American Ethnology, Bulletin, 6. Washington: United Sates Press, 1957. 7 MARTIN, Gabriela. De nmades a sedentrios na floresta tropical. In: PESSIS, Anne-Marie, GUIDON, Niede, MARTIN, Gabriela (Org.). Antes: Histrias da Pr-histria. So Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil, 2004 p. 74-76

16 colocaes sobre os aspectos negativos de suas proposies. Estas colocaes so, por sua vez, muitas vezes pouco fundamentadas ou at mesmo baseadas nos mesmos fundamentos tericos em que Meggers formulou suas hipteses, modificadas somente em perspectiva8. Extrapolando somente o respeito que lhe concedido, aqui Meggers inserida no contexto histrico. O principal objetivo analisar, sob uma perspectiva histrica, a presena de Betty Meggers para aos estudos arqueolgicos na Amaznia a partir da segunda metade do sculo XX9. De qualquer maneira, tambm importante esclarecer que no se pretende questionar aqui a validade ou no dos mtodos e teorias aplicados pelos pesquisadores norte-americanos, nem aprofundar em uma discusso sobre os resultados das escavaes realizadas pelos mesmos e seus colaboradores. Tampouco, pretende-se escrever uma biografia da pesquisadora, e sim entender o processo histrico em que foi inserida, na contribuio Histria da Arqueologia na Amaznia. Alm de sua contribuio terico-metodolgica, to bem conhecida pelos arquelogos brasileiros. Nesse sentido, foi realizada leitura intensa da produo bibliogrfica com o intuito de analisar o discurso cientfico, a fim de perceber a origem das idias contidas nos trabalhos de Meggers, na medida em que se procurou arqueologizar no sentido que Michel Foucault10 usa o trabalho de Meggers. Isto , ir alm do que est evidente no discurso. Significando que no se pretendeu estudar um conhecimento pronto, e sim um conhecimento que foi concebido, tal como ele se formou. Para tanto, buscou-se apoio nas regras metodolgicas de Bruno Latour11 direcionadas aos cientistas, as quais sofreram algumas adaptaes, tendo em vista ser este um trabalho historiogrfico e no antropolgico. A idia foi abrir a caixa-preta das teorias elaboradas por Meggers Amaznia e, assim, compreender como a pesquisadora foi influenciada por uma srie de abordagens tericas que lhe permitiu desenvolver teorias que explicassem o passado da populao amaznica. Aqui se leva em considerao, tambm, que no se buscou explicar unilateralmente a produo cientifica de Meggers, reforando a idia8

Para mais ler CARNEIRO, Robert. A base ecolgica dos cacicados amaznicos. Revista de arqueologia/Sociedade de Arqueologia Brasileira. N. 20. So Paulo: SAB, 2007 p. 117-154 e HILBERT, Klaus. Cave canem. Cuidado com os pronapianos! Boletim do Museu Paraense Emlio Goeldi. Belm: MPEG, 2007. 9 No decorrer da dissertao, a atividade de Meggers ter maior destaque devido o fato de que em sua produo cientfica aparecer mais questes tericas do que na de Evans. 10 FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1987. 11 As regras esto em anexo (Anexo 1). LATOUR, Bruno. Cincia em ao: Como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. Rio de Janeiro: Editora UNESP, 2000.

17 de que no h conhecimento puro. Observou-se, com isto, que diversas abordagens tericas aparecem no discurso da autora. Para desenvolver este trabalho, foi realizado levantamento bibliogrfico acerca do que j foi discutido sobre a teoria arqueolgica no Brasil e a bibliografia disponvel sobre a histria da arqueologia no Brasil. A pesquisa bibliogrfica foi realizada nas bibliotecas do MPEG e biblioteca da rea de arqueologia do MPEG - que possuem um vasto material das produes arqueolgicas no perodo estudado - e tambm na biblioteca do NAEA/UFPA, que especializada em assuntos amaznicos. Alm disso, foram pesquisadas pginas da Internet, em sites de busca, em portais cientficos especializados em arqueologia e em peridicos online. Alguns autores no consideram importante levantamento documental para pesquisar o trabalho de Meggers12. Em contrapartida esta abordagem, em busca de documentos referentes a estadia do casal no MPEG, a pesquisa documental foi realizada no Arquivo do Museu Paraense Emlio Goeldi, no acervo da Documentao da Diretoria, onde foram pesquisadas as caixas de Correspondncias Recebidas e Correspondncias Expedidas, das dcadas de 1940 e 1950. Tambm foram consultados os relatrios de pesquisas das escavaes realizadas durante a vigncia do PRONAPA e PRONAPABA, tambm pesquisados no acervo da rea de arqueologia do MPEG. Por fim, em visita ao Arquivo Nacional de Braslia no foi encontrado qualquer documento que denunciasse algum acordo entre o EUA e Brasil dentro desta questo. A temtica Belm na dcada de 1940 no tem recebido ateno de estudos histricos recentes. Ento, para contextualizar a poca que Meggers e Evans chegaram em Belm, devido coexistncia entre a modernizao da cidade e a modernizao das instituies e das prprias pesquisas que acontecem na Amaznia, foi necessrio pesquisar no acervo da Biblioteca Pblica Arthur Vianna da Fundao Tancredo Neves. Dando-se preferncia estratgica para os jornais Folha do Norte e Provncia do Par, pelo fato que os articulistas destes jornais faziam parte da elite intelectual da cidade, o que, conseqentemente, acabava por propiciar estreitos elos com os pesquisadores ento atuantes.

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No necessria uma documentao oficial insofismvel dos arquivos de Washington ou Braslia para demonstrar os fundamentos colonialistas das representaes arqueolgicas de Meggers. NOELLI, Francisco Silva; FERREIRA, Lcio Menezes. A persistncia da teoria da degenerao indgena e do colonialismo nos fundamentos da arqueologia brasileira. Histria, Cincias, Sade Manguinhos. v.14, n.4. Rio de Janeiro, set.-dez. 2007. p. 1251.

18 A proximidade cronolgica dos acontecimentos tambm permitiu o uso de fontes orais e memrias, sendo possvel a realizao de entrevistas em profundidade com participantes dos programas ou com pessoas que foram diretamente influenciadas por suas atividades. Nesse sentido, das pessoas escolhidas para serem entrevistadas foi possvel documentar sete entrevistas (ver em Anexo 2). Todas essas fontes auxiliaram na escrita da histria social da arqueologia amaznica, mas as publicaes de Meggers e Evans sobre a Amaznia foram o foco principal desta dissertao. Com destaque as leituras que analisam a trajetria dessas pesquisas, das quais elegeu-se algumas que foram consideradas mais relevantes para introduzir o leitor ao tema. De acordo com a arqueloga rika Robrahan-Gonzles13, os que estudam Histria da Arqueologia dividem-se em duas linhas: uma que estuda o desenvolvimento da Arqueologia atravs de suas escolas tericas e outra que a separa em perodos cronolgicos. Essa autora divide em perodos cronolgicos o estabelecimento da arqueologia como disciplina cientfica no Brasil. O primeiro o perodo especulativo [1492-1840], quando a arqueologia no considerada disciplina cientfica e h busca expressiva por objetos exticos para formarem colees que compunham os gabinetes de curiosos e antiquaristas. Por no possuir tcnicas interpretativas sistemticas, surgiam variadas especulaes sobre o material arqueolgico, neste perodo. Em seguida o perodo descritivo classificatrio [1840-1914], caracterizado pelo desenvolvimento de mtodos de pesquisa e descrio dos objetos. Onde houve a consolidao da arqueologia como disciplina cientfica. O perodo histrico-classificatrio [1914-1960] termo usado por Gordon Willey e Jeremy Sabloff, quando se verificaram grandes avanos nos mtodos e aproximao terico-metodolgica com a antropologia e outras disciplinas. Aqui se verifica o estabelecimento de cronologias para explicar o desenvolvimento cultural de uma determinada rea geogrfica. E, por fim, o perodo moderno [1960-2000], caracterizado pela preocupao de alguns arquelogos em responder questes mais especficas sobre o passado, em posse de maior quantidade de dados arqueolgicos alguns em nveis microscpicos. Essa viso foi ampliada graas ao surgimento da chamada New Archaeology, ou arqueologia processual, logo seguida pela arqueologia ps-processual. Nesta ltima abordagem terica no se admite que o passado humano possa ser compreendido totalmente (ou simplesmente) a partir de mtodos cientficos.

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ROBRAHAN-GONZALES, rika Marion. Arqueologia em perspectiva: 150 anos de prtica e reflexo no estudo de nosso passado. Revista USP (antes de Cabral: arqueologia brasileira I).N. 44. So nPaulo: USP, dez.-jan.-fev., 1999-2000.

19 O arquelogo francs radicado no Brasil, Andr Prous14 tambm escolheu trabalhar com cortes temporais. Ele considera o incio da arqueologia [1870-1910], marcado pelo interesse cientfico do monarca D. Pedro II e a criao dos primeiros museus para abrigar as primeiras colees arqueolgicas. No perodo republicano, alguns pesquisadores dessas instituies e de museus estrangeiros, principalmente, contriburam ao aumentou quantitativo do nmero de colees para os museus e produziram os primeiros artigos cientficos sobre os achados arqueolgicos dentro do territrio brasileiro. O perodo intermedirio [1910-1950] caracterizado pelo autor por poucas pesquisas e forte presena de pesquisadores amadores e colecionadores isolados. Neste perodo, o autor justifica tal falta de interesse pela arqueologia por conta de um maior interesse antropolgico dos povos primitivos contemporneos, na errnea perspectiva de uma possvel extino tnica e cultural. No perodo seguinte o formativo da pesquisa moderna [1950-1965], quando h criao e estruturao de centros de pesquisa e a preocupao de trazer pesquisadores estrangeiros para formao de arquelogos brasileiros, com destaque para as misses francesa e norte-americana. Ocorrendo um certo desinteresse por parte dos amadores por conta da profissionalizao da arqueologia e da implementao de leis especficas para regular a pesquisa arqueolgica. O ltimo da pesquisa recente [1965-1982], caracterizada pela criao de mais centros de pesquisa e maior profissionalizao dos arquelogos e das pesquisas arqueolgicas. Alm da implementao de grandes projetos de escavao, com destaque para o PRONAPA e PRONAPABA e o uso de mtodos de pesquisa cada vez mais especficos e s1istemticos, somados presena de diversas frentes de pesquisa em vrias regies do pas. A anlise do autor termina nesse momento histrico, por mais que j tenha publicado outro livro relacionado s pesquisas arqueolgicas realizadas no Brasil, no livro mais recente Prous15 no aborda este assunto com a mesma densidade que escreveu o livro anterior. Mesmo estando cronologicamente estruturado, o arquelogo canadense Bruce Trigger16, em seu livro Histria do pensamento arqueolgico, prefere adotar a classificao por escolas tericas em mbito mundial, bastante focada nos trabalhos de autores ingleses. A sua anlise comea com a arqueologia clssica e movimentos de antiquarismo, onde procura traar as origens dos estudos arqueolgicos a partir do colecionismo, gabinetes de curiosidades, antiquaristas e as primeiras concluses cientficas que foram feitas a partir da. Em seguida abre um captulo para a arqueologia escandinava, que pela tica o autor14 15

PROUS, Andr. Arqueologia Brasileira. Braslia: UNB, 1992. PROUS, Andr. O Brasil antes dos brasileiros. A pr-histria do nosso pas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 141 p. 16 TRIGGER, Bruce. Histria do pensamento arqueolgico. So Paulo: Odysseus, 2004. 478 p.

20 apresentou grandes avanos no sentido de dar um carter cientifico aos estudos de cultura material e profissionalizao para formao dos primeiros arquelogos. A partir da, o autor se dedica a explicar a abordagem evolucionista, sendo descrita pelo como a que impulsionou e deu direo terica s pesquisas arqueolgicas. Em oposio abordagem anterior o prximo captulo se volta para explicar o histrico-culturalismo, que foi desenvolvido a partir dos pressupostos tericos do antroplogo Franz Boas, com forte atuao nos EUA. O prximo captulo dedicado arqueologia sovitica, desenvolvida nos tempos do regime socialista na extinta URSS, notadamente influenciada pelo marxismo. Apesar disso, Trigger deixa claro que abordagem marxista no se restringiu ao territrio dos pases soviticos, quando no captulo seguinte explica que a abordagem funcionalista compactuava com esta orientao terica. Aproveitando-se de alguns aspectos da abordagem evolucionista, o neoevolucionismo tomou fora como orientao terica dos arquelogos, especialmente norteamericanos; estes defendiam que mudanas culturais so impulsionadas por fatores externos. Processualista ou new archaeology, que objetivou dar a arqueologia maior rigor cientfico e negar o histrico-culturalismo, preocupados com questes relativas ao padro de assentamento, de subsistncia e da organizao social. E para finalizar, a ps-processualista, que acaba por mesclar diferentes tipos de abordagens tericas, dentre as quais algumas j foram citadas anteriormente. Possua a finalidade de obter uma viso mais completa e abrangente do que contexto arqueolgico e oferecer interpretaes mais confiveis. Seguindo tal linha de pensamento, destaca-se a anlise da arqueloga Cristiana Barreto17 para a histria da arqueologia no Brasil. A autora considera que a arqueologia e o descobrimento foram marcados pela contribuio dos jesutas que registraram os costumes dos grupos com quem mantiveram contato. Neste primeiro momento no havia embasamento cientfico para tais investigaes porque a arqueologia surgiu, de fato e enquanto disciplina, apenas no sculo XVIII. Um pouco adiante a arqueologia na era das expedies, em que se observa a forte atuao dos naturalistas e outros estudiosos cientistas, impulsionados pela chegada da corte portuguesa ao Brasil. Em outro momento histrico a arqueologia na era dos museus, onde emergiram preocupaes museolgicas, a partir da criao dos primeiros museus no Brasil, especialmente por conta do nacionalismo, que acabou por provocar o fortalecimento da arqueologia em diversos locais do globo e, ainda, por conta da teoria do evolucionismo, repercutida em diversos campos do conhecimento. Aos arquelogos foi incumbido a formao dos acervos arqueolgicos em suas respectivas instituies. Tambm17

BARRETO, Cristiana. A construo de um passado pr-colonial: uma breve histria da arqueologia no Brasil. Revista USP (antes de Cabral: arqueologia brasileira I).N. 44. So Paulo: USP, dez.-jan.-fev., 1999-2000.

21 cabendo arqueologia a procura por vestgios que comprovassem ou discordassem das teorias discutidas na poca, em torno da origem das populaes indgenas brasileira. A arqueologia acadmica, onde ressalta o distanciamento da arqueologia com outras cincias sociais no Brasil, inclusive a prpria antropologia, no momento em que a criao de universidades no pas se torna expressiva. Como conseqncia, a autora atribui o desenvolvimento da arqueologia no pas intimamente relacionado com o Legado das escolas estrangeiras, neste tpico a autora ressalta a importncia das misses francesa e norte-americana para a formao de arquelogos brasileiros. Considerando a influncia das escolas tericas no Brasil, o historiador Jos Alberione Reis , cuja tese estava voltada para o entendimento da teoria arqueolgica aplicada no Brasil, considera a seguinte diviso por escolas tericas: em primeiro seria a histrico-cultural a qual estaria presente nos primeiros trabalhos arqueolgicos produzidos no Brasil e considera Betty Meggers como smbolo desta abordagem. Outra seria a processual que, na viso do autor, ainda permanece como a abordagem terica mais presente nos trabalhos dos arquelogos brasileiros, notadamente pela presena do referencial terico de Lewis Binford. Em seguida, a ps-processual, que tomou fora nos ltimos vinte anos. No sendo hegemnica na produo arqueolgica, mas encontrando adeptos, principalmente entre os que trabalham na linha terica, como por exemplo, Pedro Paulo Funari. E, por fim, a escola francesa, que marcada pela presena de misses francesas, na figura de pessoas como Annette Laming-Emperaire, Joseph Emperaire e Andr Prous. Sendo fundamental ao desenvolvimento de prticas de campo mais precisas. Alm desses autores, que analisam o desenvolvimento do pensamento arqueolgico, importante destacar os que estudaram a arqueologia dentro do MPEG, no contexto da arqueologia goeldiana. Mrio Simes19, que foi pesquisador do Museu Goeldi, ao fazer uma anlise sobre o desenvolvimento das pesquisas arqueolgicas no MPEG, dividiu-a apenas em dois perodos: 1) o pioneiro [1870-1954], que corresponde ao momento das primeiras escavaes. Foi marcado pela presena de poucos, ou nenhum, profissionais da rea, contando fundamentalmente com o apoio de colaboradores de outros museus. Onde alguns chegaram, inclusive, a ser contratados pela instituio, tal como Curt Nimuendaju e Peter Hilbert. Alm de outros que passaram temporadas, como William Farabee e o casal Clifford Evans e Betty18

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REIS, Jos Alberione. No pensa muito que di: um palimpsesto sobre teoria na Arqueologia brasileira. 2004. Tese (Doutorado) Unicamp, Campinas, 2004. 19 SIMES, Mrio. As pesquisas arqueolgicas no Museu Paraense Emlio Goeldi (1870-1981). Acta Amaznica. V. 11 n.1. Manaus: 1981. p. 149-165.

22 Meggers; 2) e o atual [1955-1981], que corresponde data posterior a assinatura do convnio firmado com o CNPq, injetando verbas para pesquisa, contratao de funcionrios, aquisio de acervo e publicaes, e, anos mais tarde, criao da diviso de arqueologia que, alm de proporcionar um espao fsico adequado para o trabalho, tambm resultou na contratao de profissionais e treinamento de estagirios e bolsistas. Para estudar a histria da arqueologia no MPEG, Mauro Barreto20 divide suas atividades cronologicamente em perodos: o perodo pioneiro [1866-1894], marcado pelos primeiros trabalhos realizados por, ou pela influncia de Domingos Soares Ferreira Penna o idealizador de um museu no Par; o perodo goeldiano [1894-1907], marcado pelas pesquisas arqueolgicas de Emlio Goeldi e Aureliano Lima Guedes no Amap; o perodo estacionrio [1907-1948], que recebeu este nome devido ao que o autor considera como quase nula atividade arqueolgica nesta instituio e, por crises em decorrncia da guerra e da falncia do comrcio gomfero; o perodo do ressurgimento [1948-1962] do ps-guerra, que contou com incentivos externos e a revitalizao do MPEG; o perodo Mrio Ferreira Simes [19621985], marcado pela implantao do setor de arqueologia na instituio e por grande investimento na pesquisa, em decorrncia do PRONAPA e do PRONAPABA, sem esquecer da presena central de Mrio Simes; e, perodo atual [1985 em diante], que tambm corresponde a um perodo de grandes investimentos na rea, por conseqncia da aplicao e expanso de projetos empreendedores, no cumprimento legal de portarias e normas. Por fim, Eduardo Neves21, contando um pouco sobre a histria da arqueologia na Amaznia, dividiu-a em dois perodos: o pioneiro, que corresponde a primeira metade do sculo XIX at a Segunda Guerra Mundial. Sendo essencialmente exploratrio com a finalidade de localizar os stios, limitando-se descrio dos artefatos coletados nas primeiras escavaes; e o segundo perodo, iniciado no ps-guerra at aos dias atuais, conta com a notada influncia de Betty Meggers e Clifford Evans, pois estes treinaram e capacitaram toda uma gerao de arquelogos brasileiros. O que h de comum em todos esses relatos a apresentao de Betty Meggers como uma personagem incontestavelmente importante para o desenvolvimento da arqueologia

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BARRETO, Mauro Vianna. Histria da pesquisa arqueolgica no Museu Paraense Emlio Goeldi. Boletim do Museu Paraense Emlio Goeldi: Srie Antropologia. Belm, v. 8, n. 2, p.203-294, dez. 1992. 21 NEVES, Eduardo. Duas interpretaes para explicar a ocupao humana na Amaznia. In: TENRIO, Maria Cristina (Org.). Pr-histria da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000b. p. 359-370.

23 brasileira. Com exceo de Trigger que cita a autora por sua teoria relacionada a abordagem neo-evolucionista, impulsionada por Leslie White e Julian Steward22. Aps essas informaes sobre a Histria da Arqueologia, especialmente no que tange ao perodo do recorte temporal deste trabalho (1948-1965), parte-se do pressuposto que Meggers mesclou as abordagens histrico-culturalista e neo-evolucionista, como bem observou Klaus Hilbert23. Essa postura foi adotada para o desenvolvimento da dissertao e poder ser melhor observada no decorrer do texto. Essa dissertao foi divida em trs captulos para contar a presena de Betty Meggers e Clifford Evans na Amaznia ao final da dcada 1940, destacando como estes se inseriram no debate arqueolgico da Amaznia. Em primeiro, com a finalidade de entender esse processo, em busca de contextualizar Belm, tal como o casal a encontrou na poca. Assim, a idia principal do primeiro captulo apresentar Belm e o desenvolvimento local das pesquisas arqueolgicas, s vsperas da chegada de Betty Meggers na Amaznia. Apresentando a cidade como testemunho da histria, atravs de um apanhado geral sobre a circulao de idias no meio intelectual e artstico de Belm e, sobre a efervescncia do debate acerca da possvel implantao do Instituto Internacional da Hilia Amaznica. O segundo captulo compreende o momento que Meggers e Evans chegaram a Belm, explorando, assim, o primeiro contato com o Brasil e com a floresta tropical. Apresentando o incio das pesquisas arqueolgicas, as quais visavam por em prtica a teoria neoevolucionista de Julian Steward. Como principais fontes foram utilizados os prefcios e introdues dos livros publicados pelo casal. Neste segundo captulo, trabalhou-se com duas perspectivas: 1) como se constri o pensamento do casal na academia norte americana; 2) e a investigao sobre a formao acadmica destes pioneiros e os seus trabalhos no Brasil. Sendo que a primeira viagem de campo do casal foi ao Maraj, em 1948. O terceiro captulo procura compreender as teorias e abordagens que influenciaram Meggers, as principais teorias defendidas pela arqueloga para explicar a ocupao humana na Amaznia e de como essas abordagens puderam ser percebidas na produo acadmica. Apresentando uma breve discusso sobre a aplicao desta linha terica proposta por Meggers.

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Uma das primeiras aplicaes da teoria neo-evolucionista arqueologia foi feita por Betty Meggers. TRIGGER, Bruce. Histria do pensamento arqueolgico. So Paulo: Odysseus, 2004. p. 285. 23 HILBERT, Klaus. Cave canem. Cuidado com os pronapianos! Boletim do Museu Paraense Emlio Goeldi. Belm: MPEG, 2007.

24 Uma das crticas recorrentes ao trabalho de Betty Meggers referente simplificao atribuda aos ecossistemas da Amaznia, entendida a partir da dicotomia vrzea X terra firme. No entanto, tais crticos acabaram, de certa forma, por adotarem o mesmo referencial, ao tentarem entender sua produo cientfica a partir da oposio histrico-culturalismo X neoevolucionismo. Foram observadas tambm as mudanas ocorridas em relao s teorias sobre a ocupao amaznica, comparando-as com os perodos de 1950 e 1970, sendo discutida a linha terica e metodolgica empregada pelo casal em suas pesquisas. Esta dissertao mostra que o antigo pode ser til, porque sem um conhecimento anterior no seria possvel desenvolver um conhecimento atual, tal como o temos hoje na cincia. Ao invs de sugerir um retorno s idias propostas por Betty Meggers, busco estabelecer uma reflexo sobre a importncia de Meggers para a histria da arqueologia na Amaznia. Sem supervalorizar o trabalho realizado pelo casal, at mesmo porque alguns cientistas colocam que as idias propostas pelo casal sugerem que eles foram os primeiros a formular hipteses sobre a ocupao amaznica.Quero destacar que, na verdade, desde o sc. XIX, comearam a surgir as primeiras hipteses sobre a ocupao humana na Amaznia. Tambm no objetivo do trabalho descrever, listar e discutir as pesquisas realizadas pelo casal, mas sim refletir sobre os novos parmetros cientficos aplicados arqueologia, o que no significado dizer que elas no foram importantes, mas apresentar que o foco do presente trabalho outro. Em suma, pretende-se compreender a importncia que Betty Meggers teve ao estabelecer mtodos e teorias para arqueologia amaznica, contextualizando, a atividade cientfica e contando a histria social da arqueologia amaznica, tal como Meggers e Evans se inseriram no contexto social e intelectual da cidade, em uma Belm e em uma arqueologia de outrora.

25 CAPTULO 1 ARQUEOLOGIA E MODERNISMO EM BELM DO PAR OU COMO FAZER ARQUEOLOGIA NA AMAZNIA NO PS-GUERRA? No foi por falta de aviso dos seus orientadores, pelo contrrio, foi por sugesto deles que Betty Meggers e Clifford Evans decidiram encarar a idia de estudar arqueologia na foz do rio Amazonas. Mesmo sabendo que no seria fcil, eles aceitaram o desafio, pois caberia a eles acrescentarem novos dados para arqueologia amaznica. Visto que essa deciso significaria trabalhar com poucos dados coletados e poucas pesquisas realizadas. Essa situao era agravada porque grande parte da bibliografia disponvel at ento era de difcil acesso, seja pela dificuldade de encontr-la, seja por estar redigida em diversos idiomas, como explica Julian Steward24. Sendo assim, os pesquisadores, norte-americanos principalmente, consideravam que na Amaznia pouco havia sido produzido sobre a arqueologia da regio e parte desse trabalho se deu por formao de colees para museu ou particulares e, principalmente, por iniciativas individuais de pesquisadores, com destaque para os que estavam associados ao Museu Paraense Emlio Goeldi (MPEG). Ento, se a situao das pesquisas eram essas, o que esperar da Amaznia e de Belm com seu museu? Antes de cumprir com os objetivos traados para esta dissertao, considerou-se importante contextualizar o momento imediatamente anterior primeira viagem de Betty Meggers para Amaznia e entender a Arqueologia amaznica no contexto do ps-guerra. evidente que apesar das pesquisas relatarem a inexistncia de produo arqueolgica na Amaznia efetivada com fomento e feita por profissionais especializados, considera-se que havia produo arqueolgica sobre a Amaznia e feita na Amaznia, embora muitas vezes executadas por estrangeiros. Porm, de comum acordo que o recorte histrico que est sendo estudado aqui conhecido com um perodo de constante crise de eminente decadncia e graves problemas enfrentados por todos os segmentos da sociedade. Mas no objetivo deste trabalho discutir esse assunto, a idia principal deste primeiro captulo apresentar Belm s vsperas da chegada de Betty Meggers na Amaznia. Buscando compreender a cidade como testemunho da histria, tomou-se como eixo para o desenvolvimento do captulo as memrias de Armando Dias Mendes e Benedito Nunes. Do mesmo modo, pretende-se reforar a

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STEWARD, Julian H. Introduction. In: STEWARD, Julian H. (ed.). Handbook of South American Indians. v. 1. The marginal tribes.Bureau of American Ethnology. Washington: Smithsonian Institution, 1946. (Bulletin 143).

26 importncia das pessoas e dos lugares para a histria da cidade e como tudo isso interferiu no contexto do ps-guerra da cidade. A arquitetura da cidade mudava, surgiam projetos de prdios novos e grandes, os bondes eram gradualmente substitudos por nibus. Os jornais tambm anunciavam a chegada dos Lloyd e dos avies modernos da Pan-air. Era um tempo que havia reunies nos cafs em se encontravam a intelectualidade, jornalistas ou professores. Sempre aparecia mais algum para conversar, aprender ou discutir sobre histria da arte com o professor Francisco Paulo Mendes, que era uma figura emblemtica e mestre de muitos dos literatos de Belm. Tendo como pano de fundo iniciativas como a criao do Instituto de Antropologia e Etnologia do Par, que mantiveram a cincia em atividade na cidade. E, principalmente, que no pode ser desconsiderada a presena imponente do Museu Paraense Emlio Goeldi (MPEG), o museu da cidade25. Assim, este captulo contextualiza a Belm que Betty Meggers e Clifford Evans conheceram. A cidade que e conhecidamente vivia um momento de efervescncia cultural e intelectual impulsionada pelo modernismo. 1.1 A CIDADE DO PAR SE MODERNIZA: BELM EM 1948 OU A CIDADE DO J TEVE: DECADNCIA E MODERNISMO EM BELM Quando se comenta sobre o momento histrico mundial posterior ao fim da segunda grande guerra remete-se a um momento de crise. Reclamaes se espalhavam por diversos setores da sociedade sobre as pssimas condies de sade, de vida e principalmente a falta de dinheiro. E a cidade de Belm, naturalmente, no apresentada fora dessa conjuntura. Carlos Rocque, por exemplo, conta que ao final da guerra, os Estados Unidos retiraram os investimentos para revitalizao gomfera resultando no atraso da cidade, nas suas palavras: Como tudo que bom dura pouco, com o trmino da guerra, terminou tambm o interesse pela borracha amaznica. E a plancie mergulhou, de novo, em desalento26. Tambm seguindo essa linha de pensamento, Armando Mendes relata sobre o psguerra:Outro fator fundamental a ser levado em conta, na costura desse mesmo pano de fundo, a circunstncia de que Belm vinha atravessando h mais de 30 anos de uma dura fase de letargia, estagnao e decadncia, decorrente da perda da nossa hegemonia mundial na produo e

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Ainda hoje o MPEG permanece como referncia de museu em Belm. Apesar de existirem outros museus quando se fala o museu fica subentendido que se trata do Museu Goeldi, para mais ler SANJAD, Nelson . A 'simpatia do povo' pelo Museu Paraense: razes histricas. Musas - Revista Brasileira de Museus e Museologia, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, p. 171-174, 2006. 26 ROCQUE, Carlos. A Histria de A Provncia do Par. Belm: mitograph, 1976. p.204.

27comrcio da nossa borracha vegetal. Belm, na verdade, comeava a se fazer conhecer como a cidade do j teve [...]27.

O interessante a ser observado nestes relatos que eles sempre recorrem borracha como a panacia para superar todos os problemas do Par, do contrrio h crise, atraso, estagnao, letargia, colapso ou desalento. Criou-se uma idia de decadncia para a cidade, que depois do perodo ureo da borracha no houve mais brilho algum para cidade, conforme aparece relatado nos jornais e nas memrias. Esse perodo, do ps-guerra tem sido pouco estudado pelos historiadores amaznicos, exceto em trabalhos que enfocam aspectos especficos da sociedade paraense, mas sempre aparece como um momento de grave crise econmica. Talvez estagnao no seja o termo mais apropriado em uma anlise histrica, como aponta Spinosa28. Essa autora indica que h muito tempo a cidade tem seus problemas de infra-estrutura e, portanto, no passa por momentos de estagnao ou regresso e sim, momentos de menor investimento nos diversos setores que so abrigados pela cidade. Toda cidade tem seus problemas e com o decorrer do tempo tornam-se mais graves.29. H um mito sobre a decadncia da cidade com nfase para o fato que aps a decadncia da economia da borracha tudo ficou pior e a cidade parou. Mas a cidade no parou, nem retrocedeu. Para Spinosa30 a cidade, aps o apogeu, permaneceu em crescimento, com recursos menores e velocidade reduzida. Se realmente a cidade tivesse parado, ela no teria continuado a atrair o contingente populacional, que por falta de recursos se concentrou nas baixadas31. No possvel declarar que todos esses problemas relatados e denunciados nos jornais da cidade no existiram de fato, mas provvel que por conseqncia de tanta insatisfao no ps-guerra e por tantos obstculos a serem superados, aps um momento anterior consideradoMENDES, Armando Dias Mendes. Cidade transitiva: rascunho de recordncia e recorte da saudade de Belm. Belm: Imprensa Oficia do Estado, 1998. p.46, 47. 28 SPINOSA, Vanessa. Pela navalha. Cotidiano, moradia e intimidade (Belm 1930). Dissertao (Mestrado). So Paulo: PUC-SP, 2005. 29 A cidade como atrativo de oportunidades cresceu entre as dcadas de 1950 e 1960 ocupando reas urbanas pouco valorizadas. Porm, ao longo dos anos, especialmente na dcada de 1970, algumas baixadas foram saneadas e pavimentadas, valorizando o espao e reorganizando o espao da cidade e redefinindo o papel das baixadas. TRINDADE JR., Saint-Claire Cordeiro da. Produo do espao e uso do solo urbano em Belm. Belm: UFPA/NAEA, 1997. 30 SPINOSA, Vanessa. Pela navalha. Cotidiano, moradia e intimidade (Belm 1930). Dissertao (Mestrado). So Paulo: PUC-SP, 2005. 31 Uma peculiaridade da cidade de Belm sobre a ocupao desordenada, como em outros lugares, est relacionada geografia do lugar. Belm muito plana, os espaos de relevo mais baixo e que alagam fcil pela quantidade de igaraps que a cidade abriga, facilita a invaso nessas reas desvalorizadas no mercado imobilirio da cidade, sem infra-estrutura habitacional e entre outros problemas. Por outro lado, essas reas de concentrao de populao de baixa renda nem sempre se posicionaram em locais perifricos da cidade, propriamente ditos, mas em lugares de pssimas condies de vida TRINDADE JR., Saint-Claire Cordeiro da. Produo do espao e uso do solo urbano em Belm. Belm: UFPA/NAEA, 1997.27

28 mais crtico para cidade, 1948 foi um ano de melhorias para Belm da Par. possvel visualizar a cidade elegante com as mangueiras j com estatura significativa por onde circulavam os homens trajando seus ternos de corte italiano junto com os chapus de veludo e massa ou moas casadoiras em seus tambm elegantes vestidos brancos em contraste com os carregadores de piano que vestiam camisa regata. O clima saudoso da Belm da belle epque, apresentado por Armando Mendes ressalta que mesmo naquela poca j se falava em Belm do j teve. Para quem estuda cultura material para entender povos pretritos, bastante evidente que a materialidade da cidade, as construes, as ruas ou as praas sejam representaes do passado. A materialidade atua como testemunha da histria da cidade porque expressa a dinmica da sua construo social e cultural, por outro lado, na produo historiogrfica, as ruas das cidades modernas so apenas lugares sociais nos quais circulam os sujeitos histricos. Paradigmas algumas vezes esquecidos sequer podem fazer parte da nossa histria. As reas urbanas espelham o reflexo da modernidade graas incorporao de elementos como concreto e elevadores. Tornando-se possvel, assim, alterar o visual da cidade verticalmente, no somente pela aparncia externa dos prdios. Os arquitetos atuantes em Belm buscaram incorporar os elementos do modernismo nas construes de prdios pblicos de classe mdia e alta de Belm, atividade que se intensifica a partir dos anos 1950. Arquitetura funcional e moderna com decorao abstrata e despojada e que de acordo com a arquiteta Jussara Derenji32 foi realizado quase que exclusivamente por arquitetos locais. Em contraste com a ocupao desordenada nas baixadas. Para ficar bem informado, lia-se os jornais de acordo com a preferncia poltica do leitor. O de maior circulao era a Folha do Norte33, que tinha estampado o nome na primeira pgina com letras gticas e a Folha Vespertina, ambos pertencentes famlia Maranho. A Provncia do Par h pouco reativada pelo grupo Dirios Associados. Este jornal de longa trajetria poltica na cidade estava fechado desde 192634. Em 1947 o jornal voltou a circular sob a direo do jornalista amazonense Frederico Barata35. Ele se tornou uma pessoa de32

DERENJI, Jussara. Modernismo na Amaznia. Belm do Par, 1950/70. Arquitextos n.17, texto 098. out. 2001. Disponvel em: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp098.asp. Acessado em 15/12/2007. 33 Folha do Norte foi fundada por Enas Martins e Cipriano Santos em 1896 para opor A Provncia do Par. Posteriormente foi assumido por Paulo Maranho e tomado em frente pela famlia at 1973. Nesta data foi vendido para O Liberal, j propriedade de Rmulo Maiorana, e parou de circular no ano seguinte. 34 ROCQUE, Carlos. Histria de A Provncia do Par. Belm: mitograph, 1976. 35 Nascido em Coari ainda jovem mudou-se para Belm e posteriormente para o Rio de Janeiro. L cursou medicina, mas no chegou a concluir o curso para se dedicar inteiramente ao jornalismo. Referencias adicionais sobre ver FIGUEIREDO, Napoleo. O arquelogo Frederico Barata. . Sociologia Belm: s.n.t., 1963; GUAPINDAIA, Vera. Fontes Histricas e arqueolgicas sobre os Tapaj. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Pernambuco, 1993; ROCQUE, Carlos. Grande enciclopdia da Amaznia. V. 1.

29 bastante influncia para a imprensa paraense durante as dcadas de 1940 e 1950, porque alm de ser o superintendente do grupo Dirios Associados no norte do pas, tambm seria o responsvel pela implantao da emissora de TV e da rdio Marajoara em Belm. Sem ignorar o fato de que deveria haver o orgulho de ser um nativo amaznico a coordenar as atividades do grande grupo. A presena de Barata no Par foi alm de seu trabalho como jornalista. Um de seus temas preferidos era arte. Enquanto morou no Rio de Janeiro, Frederico Barata trabalhou com o jornalista Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo (1891?-1968) um conhecido mecenas da arte brasileira, tambm interessado na produo artstica, especialmente a modernista. provvel que essa situao tenha aproximado Barata de artistas como o Candido Portinari (1903-1962) que chegou a pintar um retrato do jornalista em 1924 (Ilustrao 1) quando ainda era aluno da Escola Nacional da Belas Artes no Rio de Janeiro. Barata tambm chegou a escrever um trabalho sobre o artista italiano Eliseu Visconti36. Vale lembrar que a aproximao destes jornalistas com atividades artsticas no era exclusividade deles.Ilustrao 1 Retrato de Frederico Barato por Candido Portinari (leo em tela)

Fonte: http://www.portinari.org.br/IMGS/jpgobras/OAa_2356.JPG Belm: AMEL, 1967. ROSA, Cssia. Contribuio para histria da arqueologia na Amaznia: um estudo histrico e arqueolgico das colees Townsend e Frederico Barata do Museu Paraense Emlio Goeldi (19501960). Monografia (Graduao). Belm: UFPA, 2004. 36 BARATA, Frederico. Eliseu Visconti e seu tempo. Rio de Janeiro: Zlio Valverde, 1944.

30 1.2 OS JOVENS MODERNOS DO PAR ENTRE A ARTE E A CINCIA Nessa poca, todo jornalista digno dessa profisso escrevia bem e por conta disso tambm era escritor ou poeta. Em Belm, na segunda metade da dcada de 1940, destacam-se os jovens que se organizaram para publicar o Suplemento Arte Literatura no jornal Folha do Norte. Em 1946 esse grupo representava o novo. Apesar disso, o filsofo Benedito Nunes, que era um desses jovens, no considera que os modernistas do grupo dos novos eram modernistas, porque ainda representavam em sua produo as mesmas preocupaes dos parnasianos, por mais que j soubessem apreciar a literatura modernista; assim seriam mais modernos que modernistas37. Marinilce Coelho aponta porm, que esse grupo conhecido como o Grupo dos Novos representa de fato a literatura moderna em Belm do Par. De um processo artstico que teve incio nos anos 1920 e 1930, mas que a parir da produo do grupo dos novos corroborada pelo Suplemento Arte Literatura defendiam uma nova linguagem literria sendo ndice de modernidade na literatura e na crtica [existencialista] do ps-guerra38. Sendo assim, percebe que este grupo estava atento as novidades e procuravam assimil-las; fossem elas em questes cientficas ou artsticas. De acordo com Benedito Nunes39, esse grupo tomou conhecimento da estadia de Meggers e Evans em Belm por intermdio do etnlogo alemo Peter Paul Hilbert. Este possivelmente manteve bons contatos com o Grupo dos Novos por influncia de Inocncio Machado Coelho Neto. Essa proximidade transformou Hilbert em grande colaborador do Grupo porque alm de etnlogo era um exmio desenhista. Foi ele quem desenhou muitos dos fragmentos e mapas estampados nos trabalhos publicados por Meggers e Evans, mas isso assunto para mais adiante. Agora, o desenho que interessa ser citado a capa de uma revista cuja direo estava a cargo de Benedito Nunes, Max Martins e Orlando Costa. A revista Norte estampava uma rosa-dos-ventos (Ilustrao 2) e uma flor-de-ls est no lugar do N que representa o norte, ou indicando o caminho que a literatura deveria seguir agora em diante ou que esses jovens estariam em busca de um rumo ao qual a literatura feita por eles deviria seguir; sem esquecer, claro, da regio do pas que habitavam.

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NUNES, Benedito. Prefcio. Max Martins, Mestre-Aprendiz. In: MARTINS, Max. No para consolar. Belm: CEJUP, 1992. 38 COELHO, Marinilce Oliveira. O grupo dos novos. Memrias literrias de Belm do Par. Belm: EDUFPA/UNAMAZ, 2005. p. 196. 39 Nunes, Benedito. Entrevista concedida a Cssia Santos da Rosa e Nelson Sanjad. Belm, 24 mai. 2004.

31Ilustrao 2 Rosa-dos-ventos desenhada por Peter Hilbert para ilustra a capa da revista Norte

Fonte COELHO, Manicilce Oliveira. O grupo dos novos. Memrias literrias de Belm do Par. Belm: EDUFPA/UNAMAZ, 2005. p. 123

Alm disso, Hilbert ajudou Paulo Plnio Abreu a traduzir do alemo para o portugus alguns poemas do literato Rainer Maria Rilke (1875-1926). Durante as dcadas de 1940 e 1950 era comum encontrar quem gostasse de ler Rilke no Brasil40

. Este poeta era bastante

recomendado pelo mestre Francisco Paulo Mendes e era um de seus autores preferidos poca41. De todo modo, a questo que deve ser enfatizada sobre Hilbert ter se tornado um colaborador para o Grupo. Com o tempo, Peter Hilbert aventurou na produo de textos literrios. Em 1969, publicou um livro infantil A aventura no Amazonas. O filho do etnlogo, Klaus Hilbert, conta que embora o pai tivesse a preocupao da cientificidade de seus textos, Peter Hilbert ocupava-se em escrever de modo que a leitura de seus trabalhos fosse agradvel ao leitor. Meu pai fazia cincia e ao mesmo tempo inventava histrias fascinantes42. O que se pretende mostrar aqui que houve uma poca em que a cincia e arte eram bem mais prximas. A aproximao entre as duas categorias era evidente e reforada pelas relaes pessoais. Havia alguns lugares em que se podia encontrar reunidos os representantes dessas categorias. O Caf Central localizado no Hotel Central que, coincidncia ou no, possua elementos da arquitetura modernista na sua fachada, que podem ser verificados por diversas linhas verticais, servia de ponto de encontro porque estava em uma localizao privilegiada, na Avenida Presidente Vargas, prximo a redao da Folha do Norte e da Provncia do Par. Prximo de l, na praa da Repblica n. 158, estava a casa cujo dono,

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PAES, Jos Paulo. Nota liminar. In: RILKE, Rainer Maria Rilke. Poemas. So Paulo: Cia. das Letras, 1993. p. 9 41 SILVA, Joo Mendes. Mestre e amigo. In: NUNES, Benedito (org.). O amigo Chico, fazedor de poetas. Belm, SECULT, 2001. 42 HILBERT, Peter Paul, HILBERT, Klaus. Um rio para o El Dorado. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. p. 7.

32 sentado na varanda, recebia os seus amigos. Intelectuais, escritores, polticos. Inocncio Machado Coelho Neto estava sempre com a casa cheia de gente, diziam43. Os literatos representaram em seus textos e poemas a cidade que viam e viviam com uma notada influncia da literatura europia. Este fato levou-os a mostrar um lado da cidade marginal, decadente e noturna, caracterizando uma forte influncia da literatura europia. 1.3 ENSINO E PESQUISA NO PAR: O MUSEU GOELDI DEPOIS DE CARLOS ESTEVO E O INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA E ETNOLOGIA DO PAR Com o objetivo de expor a existncia da produo cientifica na Amaznia preciso contar sobre o lugar que serviu de base fsica e intelectual para pesquisa no Par, um lugar ainda hoje referncia para turistas e cientistas: o Museu Paraense Emlio Goeldi. No decorrer dos anos o MPEG tornou-se signo das pesquisas realizadas na Amaznia. Muito dessa imagem se construiu graas ao empenho de pesquisadores vinculados a essa instituio que fizeram descobertas cientificas relevantes para a regio. Por outro lado, um dos perodos menos estudados da histria do MPEG compreende o recorte 1946 a 1954, reforado por informaes da existncia de grave crise financeira na instituio, o que corrobora no discurso sobre os problemas que a cidade enfrentava. tambm provvel que esta crise tenha deixado poucos documentos no acervo da instituio44. Especificamente o ano de 1948 no est entre os mais produtivos para instituio de pesquisa. Apesar dos esforos, muitos davam por certo o fechamento da instituio por falta de recursos, opinio reforada pelas constantes reclamaes sobre a constante falta de recursos e cortes de verbas destinadas para instituio. Osvaldo Rodrigues da Cunha45 um dos que refora essa condio46. Tais fatores colaboravam para que o MPEG tivesse uma pequena reserva financeira por trs motivos: O primeiro era o comrcio de peixes ornamentais com a firma norteamericana Paramount Aquarium Inc. em New York, EUA. O segundo que parte da alimentao destinada aos animais era fornecida pelo matadouro da cidade. E, por fim, o terceiro trata-se da deciso do governo do estado, a qual instituiu que todos os municpios do Par deveriam doar mensalmente uma pequena quantia em dinheiro para o MPEG. Quantia43

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Ao que parece, com o tempo, os encontros passaram a acontecer somente na casa de Machado Coelho. notvel a quantidade de documentos existentes no arquivo do MPEG sobre o perodo em comparao com outros perodos de outros perodos, reforada tambm pela pouca quantidade de pesquisadores trabalhando na instituio. Este arquivo armazena prioritariamente correspondncia da diretoria do perodo em questo. 45 Nasceu em Belm no ano de 1928, estagiou e trabalhou no MPEG at sua aposentadoria, teve sua formao na rea de zoologia mas esteve bastante envolvido com questes relacionadas a histria do MPEG. 46 Funcionrio aposentado do MPEG que se dedicou a escrever sobre a histria da instituio. CUNHA, Osvaldo Rodrigues. 108 aniversrio do Museu Paraense Emlio: sntese de sua histria. Revista de Cultura do Par. V. 4, n. 16-17, jul-dez, 1974.

33 variava de CR$20,00 a CR$45,0047, valor que era condicionado pela receita do municpio. Mesmo assim, os prdios possuam infiltraes, o quadro de funcionrios era reduzido e havia constantes reclamaes sobre a quantidade de carne destinada aos animais ser insuficiente. Sendo que estes poucos funcionrios eram mal remunerados, sem possibilidade desse quadro ser aumentado. Uma situao bastante delicada, de fato. Pouco lembrava o projeto do ltimo diretor, o advogado cearense Carlos Estevo de Oliveira: uma nova sede do parque zoobotnico e mais incentivos a pesquisa48. Carlos Estevo49 esteve neste cargo coincidentemente no mesmo perodo que Vargas esteve no poder (1930-1945). De acordo com a poltica proposta pelo Estado Novo, Carlos Estevo idealizou projetos de grande porte para o crescimento e modernizao do Museu que abrangiam, entre outras reas de estudo, a Arqueologia. Estevo preocupava-se com a poltica indgena e os antepassados dos mesmos, alm de manter consigo uma coleo de artefatos arqueolgicos50. Esta coleo ficou parte no MPEG, parte no Museu de Recife e outras peas foram comercializadas porque ele possua um antiqurio. Com a sada de Carlos Estevo em 1945 assume ento a diretoria do MPEG Inocncio Machado Coelho Neto, o dono da casa freqentada por intelectuais e artistas. Para este momento, a historiografia relata um perodo decadente da instituio e a bibliografia apresenta informaes sobre os poucos recursos disponveis e poucos funcionrios que recebiam baixos salrios, embora alguns intelectuais locais j demonstrassem interesse em reerguer a instituio. O exemplo mais significativo desse esforo foi a criao do Instituto de Antropologia e Etnologia do Par. Fundado em 27 de setembro de 1947 por uma associao entre pesquisadores e comerciantes interessados em assuntos antropolgicos para impedir que as atividades cientficas nesta rea ficassem prejudicadas pela falta de investimentos. Como smbolo do Instituto foi adotado o desenho de uma pea arqueolgica encontrada na regio47

AMPEG. Fundo Museu Paraense Emlio Goeldi. Gesto Inocncio Machado Coelho. Of. 19. Correspondncia de Inocncio Machado Coelho, diretor do MPEG, para diretor do Departamento de Assistncia dos Municpios. Belm, 3 out. 1949. AMPEG. Fundo Museu Paraense Emlio Goeldi. Gesto Inocncio Machado Coelho. Ofcio n. 19. Correspondncia de Inocncio Machado Coelho, diretor do MPEG, para diretor do Departamento de Assistncia dos Municpios. 8 fev. 1950. 48 FIGUEIREDO, Aldrin. Parque da cidade, museu da nao: nacionalismo, modernismo e instituies cientficas na Amaznia, 1930-1945. In: FAULHABER, Priscila; TOLEDO, Peter Mann (Coords.). Conhecimento e fronteira: histria da cincia na Amaznia. Belm: Museu Paraense Emlio Goeldi, 2001. 49 Carlos Estevo de Oliveira nasceu em 30 de abril de 1880 em Recife. Veio para Belm para exercer cargos pblicos. CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Carlos Estevo de Oliveira. In: Talento e atitude. Estudos biogrficos do Museu Emlio Goeldi, I. Belm: MPEG, 1989. p. 103-121. 50 FIGUEIREDO, Aldrin. Parque da cidade, museu da nao: nacionalismo, modernismo e instituies cientficas na Amaznia, 1930-1945. In: FAULHABER, Priscila; TOLEDO, Peter Mann (Coords.). Conhecimento e fronteira: histria da cincia na Amaznia. Belm: Museu Paraense Emlio Goeldi, 2001. p. 181-204.

34 dos rios Tapajs e Trombetas, popularmente conhecida como muiraquit (Ilustrao 3). Como sede do Instituto, havia uma sala dentro das propriedades do MPEG. H informaes de que funcionaria como sede provisria, mas o Instituto nunca saiu de l.Ilustrao 3 Logotipo que consta nas publicaes do Instituto de Antropologia e Etnologia do Par

O Instituto se props colaborar com a pesquisa cientifica na regio e assim financiou pesquisas, promoveu conferncias pblicas e efetuou a publicao de onze artigos produzidos por seus associados e estreitou as relaes entre seus associados. Alguns dos conferencistas e autores dessas publicaes ao mesmo tempo eram membros do Instituto e eram funcionrios do Museu, como Peter Paul Hilbert e Armando Bordalo da Silva. Paulo Maranho Filho, da famlia do jornal Folha do Norte, proferiu duas palestras sobre a cermica da Ilha do Maraj, no se sabe bem o que ele entendia sobre o assunto, mas uma informao curiosa que ele tinha interesse sobre o assunto, as palestras foram proferidas em 09 de outubro e 18 de dezembro 1947 e participava do grupo que integrava o IAEP. Em 1950 ele era vice-presidente do Instituto, enquanto Frederico Barata era o presidente. poca esses estudiosos eram conhecidos como indianistas, aqueles que estudavam os ndios. Porm, poucos deles eram realmente pesquisadores e ocupavam esse cargo em alguma instituio. E outros eram folcloristas, os que se interessavam por lendas e contos como por exemplo Jos Coutinho de Oliveira, um dos membros do IAEP51. O auxlio do Instituto foi fundamental para que houvesse incentivo para pesquisas antropolgicas e arqueolgicas realizadas por pesquisadores vinculados ao MPEG sempre com a justificativa da escassez de recursos e de pessoal qualificado. fato, porm, que o Setor de Antropologia e Etnologia do MPEG sobreviveu durante algum tempo, no incio da dcada de 1950, graas incentivos do Instituto. Aps a assinatura de um acordo entre o Governo do estado do Par e a unio, o MPEG tornou-se responsabilidade do Governo Federal. Em 1955 foi vinculado ao

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Este publicou registros sobre aspectos da folclore amaznico. Conferir OLIVEIRA, Jos Coutinho de. Lendas Amaznicas. In: CASCUDO, Lus da Cmara. Geografia dos mitos brasileiros. Rio, 1947. Idem. Folclore amaznico, lendas... v. 1. Belm: So Jos, 1951. Idem. Folclore amaznico II. Sentenas populares e advinhas. Belm: imprensa universitria, 1965.

35 CNPq, rgo recm-criado; a existncia do Instituto se tornou quase simblica, sob a gide do IAEP. Aps esta data ainda foram publicados alguns artigos, mas como tempo ele foi absorvido pela Seo de Antropologia do MPEG. 1.4 AMAZNIA, PATRIMNIO DA HUMANIDADE Alm da iniciativa local, houve uma iniciativa de cunho internacional firmada no projeto de criao do Instituto Internacional da Hilia Amaznica (IIHA), proposto por Paulo Carneiro por meio da Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura (UNESCO), em 1946. No se tratava de uma proposta para reerguer o MPEG, mas sim entre outros propsitos para promover a pesquisa cientfica na Amaznia com o auxilio de pesquisadores estrangeiros. A Amaznia encontrava-se nas chamadas zonas escuras e, portanto, deveria ser iluminada pelos cientistas das zonas iluminadas. Para isso, uma instituio de excelncia, deveria ser criada, chegando-se a cogitar inicialmente a incorporao do MPEG, de sua biblioteca e de suas colees52. A primeira reunio para discutir a possvel implantao do IIHA ocorreu em Belm. Na ocasio foi produzido um relatrio que desmotivava a UNESCO a aproveitar as dependncias do MEPG para o projeto. A justificativa estava nas observaes feitas pela equipe que visitou o museu e que considerou o lugar em pssimas condies de conservao. Sendo assim, em 1948 j no havia mais a inteno de se aproveitar as instalaes do MPEG para o projeto da UNESCO, as instalaes do museu foram consideradas muito pequenas para a grandiosidade do projeto que buscava criar um instituto que se assemelhasse ao Smithsonian Institution. A conferncia em Belm atribuiu objetivos grandiosos para a implantao do IIHA envolvendo educao, sade, agricultura e pecuria. Por outro lado, esse projeto ainda era de interesse da UNESCO, tanto que outra reunio ocorreu em 1948, desta vez em Manaus com outra reunio marcada para o ano seguinte em Iquitos, Peru. Felisberto Camargo, diretor do Instituo Agronmico do Norte, e integrante da comisso insistiu em aplicar um carter desenvolvimentista para o IIHA. Ao mesmo tempo a Folha do Norte publica vrios artigos que apresentam Felisberto Camargo como um pssimo administrador do empreendimento norte americano, especialmente pelo articulista Clo Bernardo53.

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MAIO, Marcos Chor. A traduo local de um projeto internacional: a Unesco, o CNPq e a criao do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia (1946-1952). In: FAULHABER, Priscila; TOLEDO, Peter Mann (Coords.). Conhecimento e fronteira: histria da cincia na Amaznia. Belm: Museu Paraense Emlio Goeldi, 2001. P. 51-81. 53 BERNARDO, Clo. Belterra e Fordlandia exigemnovo administrador. Folha do Norte. 12 jul. 1948. p. 12.

36 Quando o projeto chega a discusses em nveis governamentais ao Congresso Nacional com mais nfase e com a repercusso negativa na mdia brasileira, o projeto por fim recusado. Da recusa do projeto internacional surge a incitava de um projeto nacional54. O projeto de implantao do IIHA no foi levado adiante, porm deu subsdios e provocou um fato poltico para a criao do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia (INPA)55, justo no momento em que, mais uma vez, havia a ameaa do MPEG ser fechado. Surge ento a proposta de um acordo institucional para salvar a instituio do desaparecimento. Em 7 de dezembro de 1954, o Governo do Estado do Par assina um convnio com a Unio, atravs do CNPq, para vincular o MPEG ao recm criado INPA. E por outro lado SPVEA, com os objetivos claramente nacionalistas e desenvolvimentistas. Em suma, os debates sobre a implementao do IIHA resultaram em colocar definitivamente a Amaznia na agenda poltica e cientfica nacional56. 1.5 EM BUSCA DE UMA ARQUEOLOGIA AMAZNICA Nesse mesmo perodo diversos pesquisadores estrangeiros j tinham estado na Amaznia com o objetivo de realizar pesquisas, alguns na rea de etnologia, antropologia e arqueologia. Um desses estrangeiros que merece destaque nesta narrativa foi o etnlogo alemo naturalizado brasileiro Curt Unkel Nimuendaju (1883-1945), o qual teve uma relao mais estreita com o MPEG porque durante alguns anos esteve vinculado a instituio como contratado. Ele ficou conhecido por seus trabalhos etnogrficos, em especial o "Mapa etnohistrico do Brasil"57. Nimuendaju chegou ao Brasil em 1914 e ainda era Kurt Unkel. Aps vrios anos trabalhando em tribos indgenas comeou a trabalhar como correspondente de alguns museus europeus. Em 1921 assumiu a Seo de Etnologia do Museu Goeldi; entretanto, logo foi destitudo do cargo por conta da guerra, mas continuou a fazer pesquisas, sendo financiado pelo Museu de Goteborg, Sucia. Entre 1923 e 1928 realizou expedies, em especial na cidade de Santarm. Ele fora informado por um amigo sobre a existncia das

Idem. Crdito para Belterra e Fordlandia. Folha do Norte. 08 jul. 1948. p. 10. Ibdem. 55 rgo criado em 1952 e vinculado ao tambm recm criado Conselho Nacional de Pesquisas, o CNPq, que possua o objetivo de coordenar a pesquisa cientfica e tecnolgica realizada no Brasil. 56 MAGALHES, Rodrigo Csar da Silva. Desenvolvimento, cincia e poltica: o caso do Instituto Internacional da Hilia Amaznica (1946-1951). Dissertao (Mestrado). Rio de Janeiro: COC/FIOCRUZ, 2006. p. 141 57 NIMUENDAJ, Curt. Mapa etno-histrico de Curt Nimuendaj. Rio de Janeiro: IBGE, 1981.54

37 chamadas "caretas" de Santarm e foi conferir esses artefatos que eram desenterrados apenas com auxlio das fortes chuvas e identificou 65 stios na regio de Santarm58. Nimuendaju contribuiu ao acervo arqueolgico e etnogrfico do MPEG com uma coleo de artefatos, em especial da cidade Santarm, tambm enviava constantemente artefatos para a Sucia permitindo que o resto do mundo tomasse conhecimento do potencial arqueolgico da cidade de Santarm. Em 1940, num momento poltico diferente, Nimuendaju retorna a seo de etnologia do Museu, a pedido do ento diretor Carlos Estevo de Oliveira (1880-1945). Ainda que tenha prevalecido o interesse de estrangeiros, destaca-se entre os brasileiros, a presena da antroploga fluminense Helosa Alberto Torres (1895-1977), diretora do Museu Nacional, entre os anos de 1937-1955, que realizou viagem de campo Ilha do Maraj e de Mexiana, acompanhada de Carlos Estevo, em 1930. Tambm chegou a estudar a coleo do diretor, resultando nas publicaes subseqentes: Contribuio para o estudo e proteo do material arqueolgico e etnogrfico no Brasil e Arte Indgena na Amaznia59. No entanto, uma das poucas contribuies para explicar a ocupao humana na Amaznia consiste na monografia de Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), vencedora de um concurso do Instituto Histrico e Geogrfico do Brasil60. Na primeira metade do sculo XX, a maioria dos estudiosos em arqueologia eram estrangeiros. No havia nesse perodo arquelogos profissionais nem cursos especficos nessa rea. O material produzido nessa poca de autoria de estudiosos de reas afins e colecionadores. Aps a Primeira Grande Guerra, poca de recursos escassos nos museus etnogrficos e de histria natural, poucos foram os pesquisadores brasileiros que se interessaram e produziram material sobre a arqueologia amaznica. Desse perodo merece destaque a Carlos Estevo de Oliveira ele publicou um trabalho sobre as cermicas antigas da Amaznia61. E Angyone Costa (1888-1954) escreveu um

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NIMUENDAJU, Curt. Os tapaj. Boletim do Museu Paraense Emlio Goeldi. Belm: MPEG, v. 10, p. 93-106, 1949. 59 TORRES, Helosa Alberto. Contribuio para o estudo da proteo ao material arqueolgico e etnogrfico no Brasil. Revista do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Rio de Janeiro: Ministrio da Educao e Sade/Brasil, 1938. TORRES, Helosa Alberto. Arte indgena na Amaznia. Publicaes do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. n. 60. Rio de Janeiro: Ministrio da Educao e Sade/Brasil, 1940. 60 MARTIUS, K. F. Como se deve escrever a historia do Brasil. Revista Trimensal de Histria e Geografia ou Jornal do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro. V. 6. Rio de Janeiro, 1845. 61 OLIVEIRA, Carlos Estevo de. A cermica de Santarm. Revista do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. 3: 6-33, Rio de Janeiro: 1939.

38 tratado sobre todo o conhecimento que havia at ento sobre a arqueologia brasileira62. O escritor fluminense Gasto Cruls (1888-1959)63 escreveu para a Revista do SPHAN uma sntese sobre o conhecimento existente sobre a arqueologia amaznica. Esse trabalho pouco citado, mas nele Cruls j sugere questes relacionadas ao que hoje se chama de complexidade das sociedades amaznicas a partir de anlise da produo cermica. Durante a dcada de 1940, os estudos das colees existentes nos acervos dos Museus eram bastante freqentes, contudo a arqueologia amaznica continuava a depender do interesse de pesquisadores estrangeiros para o seu desenvolvimento. Como exemplo, a arqueloga norte-americana Helen Constance Palmatary, da Universidade da Filadlfia, EUA. As pesquisas de Palmatary foram feitas em museus e colees particulares que resultaram em trabalhos descritivos da manufatura e artefatos das regies, mas que no acrescentaram teorias sobre a ocupao da Amaznia e escreveu trabalhos sobre a arqueologia amaznica, especialmente da Ilha do Maraj e da regio de Santarm64. Fica claro nos trabalhos de Palmatary que ela estava influenciada por uma tica difusionista, isto , uma abordagem para estudos arqueolgicos da poca que em se aceitava a idia de que zonas centrais difundiam inovaes culturais para o resto do mundo65. Num primeiro momento Meggers e Evans, resenharam o trabalho de Palmatary sobre o Maraj e ainda indicaram que a maior contribuio da autora estava em nomear, classificar e estabelecer correlaes66. Quase dez anos mais tarde, Meggers resenhou outro trabalho de Palmatary, desta vez sobre os Tapaj. Antes, no demonstrou incomodo por Palmatary no ter realizado escavaes e usado somente colees arqueolgicas depositadas em museus ou em posse de particulares. Nesta segunda resenha, a qual Meggers publicou sozinha, a crtica diz respeito ao uso dessas colees sem observar a estratigrafia dos stios. Em decorrncia dessa crtica, Meggers vai alm ao sugerir que o ttulo do trabalho deveria ser A cermica do vale62

COSTA, Angyone. Introduo arqueologia brasileira: etnografia e histria. So Paulo: companhia editora nacional, 1934. 63 CRULS, Gasto. Arqueologia Amaznica. Revista do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, n 6, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1942. 64 PALMATARY, Helen. Tapajo Pottery. Etnologiska Studier. v. 8, 1939. PALMATARY, Helen. The Pottery of Marajo Island, Brazil. Transactions of the American Philosophical Society. v. 39, n. 3, 1950. (New Serie). PALMATARY, Helen. The archaeology of Lower Tapajs Valley, Brazil. Transitions of American Philosophical Society. Philadelphia, v. 50, n. 10, 1960. (New Serie). 65 Por mais que os trabalhos de Palmatary se restringissem s anlises estilsticas, a partir deles foram disponibilizados dados para que o antroplogo Alfred Kroeber realizasse uma anlise difusionista sobre o trabalho de Helen. Kroeber verificou as possibilidades das correlaes entre os motivos estilsticos de Santarm com o material proveniente das Antilhas, do mdio rio Mississipi, E.U.A., da rea do Istmo de Tehuantepec e da Venezuela. 66 In this review comment will have to be limited to the two major contributions of the author: namely, classification and correlation. MEGGERS, Betty; EVANS, Clifford . Review of The Pottery of Maraj Island, Brazil by Helen C. Palmatary. American Anthropologist, New Series, v. 53, n. 3, Jul./Sep., 1951. p. 396.

39 do baixo Tapajs ao invs de A arqueologia do vale do baixo Tapajs (minha traduo)67. Palmatary por sua vez, defende seu trabalho argumentando que houve um estudo rigoroso das colees e no foram utilizados somente artefatos cermicos para executar o trabalho, incluindo tambm artefatos lticos68. Belm era uma cidade que recebem bem os que tem algo de novo a ensinar, a buscar pelo moderno estimulando a vontade do novo. E se estavam todos decepcionados com a histria recente, cheia de horrores e perseguies, ento porque no valorizar um passado mais antigo? Alis, parece bastante atrativo estudar um passado mais antigo e construir uma identidade indgena pode ser muito interessante. Em referncia a esse mesmo perodo histrico em outras partes do mundo, Eric Hobsbawn69 afirma que a crena era que o novo equivalia no s a melhor, mas absolutamente revolucionrio. Isto significa dizer que, para os modernos, o novo no assustava; mais ainda, era necessrio romper com o passado recente e seguir adiante com todas as inovaes que o mundo moderno poderia proporcionar, uma atitude propriamente moderna. Em certas ocasies a Folha do Norte e A Provncia do Par anunciavam descobertas arqueolgicas, como ainda hoje porque notcias arqueolgicas so interessantes, e s interessantes porque no fazem parte do cotidiano das pessoas de uma maneira geral. Em 30 de julho de 1948 a Folha do Norte anunciava em uma nota de tamanho mediano Um arquelogo amador comprova a veracidade da Ilada70. Esse perodo tambm marcado pelo incio da polarizao norte-sul, incio da guerra fria, incio do uso da idia de pases desenvolvidos e subdesenvolvidos primeiro mundo, segundo mundo e terceiro mundo que permeiam o cotidiano mundial at o final da dcada de 1980. Em tempos que se discutia o projeto de internacionalizao da Amaznia, da cobia internacional71, de uma desiluso com o passado recente. Indaga-se sobre o que realmente

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MEGGERS, Betty. Review of The Archaeology of Lower Tapaj valley, Brazil by H. C. Palmatary. American Anthropologist, n. 62, 1960. 68 PALMATARY, Helen. Concerning Tapaj Pottery: In Reply to a Review. American Anthropologist,69

New Series, v. 63, n. 6, dec., 1961.

HOBSBAWM, Eric. Captulo 9. Os anos dourados. In: A era dos extremos. So Paulo: Cia. Das Letras, 1995. p. 261 70 Um arquelogo amador comprova a veracidade da Ilada. Folha do Norte, Belm, 30 jul. 1948. 71 Arthur Cezar Ferreira Reis.

40 fez com que antroplogos72 norte americanos invadissem a regio em busca de respostas para explicar uma ocupao humana mais antiga? E mais: por que foram bem recebidos j que vinham com recomendaes de Charles Wagley, um dos integrantes do comit para implantar o IIHA?

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Vale lembrar que nos EUA a arqueologia um dos campos de estudo da antropologia (ver captulo 3).

41 CAPTULO 2 AMAZNIA E ARQUEOLOGIA POR BETTY MEGGERS Os jovens pesquisadores Betty Jane Meggers e Clifford Evans Jr. chegaram a Belm do Par em 17 de agosto de 1948, no avio novo da pan-air73 sem formalidade alguma74. Os dois norte-americanos balbuciavam poucas palavras em portugus. Na verdade, era mais do que comum o Museu Paraense Emlio Goeldi (MPEG) atrair pesquisadores estrangeiros, ocorre que eles no estavam em Belm por conta do museu. Mesmo assim, Inocncio Machado Coelho Neto, na ocasio diretor do MPEG, acolheu o casal de doutorandos da Columbia University, como tambm acolheu outros pesquisadores interessados em assuntos amaznicos. Ao longo do perodo que realizaram suas pesquisas o MPEG foi sua base institucional em Belm. O tempo da pesquisa j estava pr-programado: um ano custeado pela Werner Gren Foundantion e pelo Departamento de Antropologia da Universidade de Columbia. O projeto foi denominado Archaelogical Study in the Lower Amazon, Brazil. Este foi o incio de uma srie de escavaes de poos-testes em busca de informaes para traar as rotas migratrias na Amaznia75. O sentindo deste captulo contextualizar a viagem de campo de Meggers e Evans na Amaznia, o que significa contar como o casal estabeleceu as bases para construir seu legado a regio. Assim, buscou-se entender quais pessoas foram importantes para Meggers se firmar como a pioneira da arqueologia cientifica na Amaznia, com destaque para Frederico Barata e Peter Paul Hilbert no Brasil e Leslie White e Julian Steward nos EUA. Assim, explorar em duas esferas a rede de contatos estabelecidas nos EUA e no Brasil. Para compreender a sociabilidade, usou-se o prefcio do livro e outros agradecimentos de artigos publicados pelo casal com o objetivo de identificar quais foram seus principais colaboradores, sejam eles pesquisadores ou no.

Panamerican Airlines era a empresa area que mantinha vos peridicos para Belm. poca tinha inaugurado um vo direto Belm-Rio de Janeiro com avies que possuam condicionadores de ar MENDES, Armando Dias Mendes. Cidade transitiva: rascunho de recordncia e recorte da saudade de Belm. Belm: Imprensa Oficia do Estado, 1998. 74 COMRCIOS e transportes. Folha do Norte, Belm, 18 jul. 1948. p. 9. 75 MEGGERS, Betty; EVANS, Clifford. Archaeological investigations at the mouth of the Amazon. Bureau of American. Ethnology, n. 167. Washington, D.C.: Smithsonian Institution, 1957.

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42 2.1 ANTES DE CHEGAR AO BRASIL preciso contar antes outra histria. No h como medir as propores dos efeitos que as guerras causaram em nvel mundial. Como j foi dito no captulo anterior, em Belm, no perodo imediatamente posterior ao final na Segunda Grande Guerra, alm de um considervel abandono do poder pblico por conta da falta de recursos, os intelectuais estavam desiludidos com a interpretao da histria generalizante, em especial a recente sob os olhos vigilantes do governo76: o governo de Getlio Vargas, que massacrara intelectuais; os horrores da guerra; e as privaes. O que se buscava agora eram as melhorias em todos os aspectos. No era s Belm que procurava melhorias aps as privaes que a Guerra ocasionou. Os pases envolvidos e foram palco do conflito, especialmente na Europa, enfrentavam graves problemas. Os Estados Unidos, porm, tinham a grande vantagem de no ter tido suas cidades destrudas e desde a crise de 1929 mantinha diversos programas para conter os problemas econmicos. Dentre as medidas havia um grande incentivo para o desenvolvimento cientfico, reforando os investimentos nessa rea. Aqui interessa contar que entre os beneficiados estava o fsico William Frederik Meggers (1888-1966). Especialista em espectroscopia e um dos pioneiros na rea, tornou-se um importante incentivador para o desenvolvimento deste ramo da fsica. Desenvolveu diversas pesquisas no National Institute of Standards and Technology, onde trabalhava desde 1914. Foi l mesmo que conheceu Edith Marie Raddant, sua esposa. A partir de 1920 ele assumiu a chefia da Seo de Espectroscopia, isso provavelmente lhes deu estabilidade financeira porque no 05 de dezembro do ano seguinte, em Washington, D.C., nasceu a filha mais velha do casal: Betty Jane Meggers. Pouco se conta e se sabe sobre a infncia de Betty Meggers, o fato que ela aconteceu durante o perodo de depresso econmica e, mesmo assim, esta situao parece no ter afetado muito a situao financeira da famlia que cresceu com mais dois filhos, William Jr. e John. Entretanto. Provavelmente, ela conheceu dentro de casa o que eram artefatos arqueolgicos, porque seus pais eram colecionadores e mantinham em casa um pequeno museu, o Meggers Museum como era conhecido pela vizinhana77

. Era um museu de

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FIGUEIREDO, Aldrin. Querelas esquecidas: o modernismo brasileiro visto das margens. In: DEL PRIORI, Mary, GOMES, Flvio dos Santos. Senhores dos rios: Amaznia, margens e histrias. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 259-283. 77 Existe uma coleo de botes que foi doada ao Smithsonian Institution por Betty Meggers. BUTTON collection, about 1935. Disponvel em . E alguns artefatos que Edith Meggers est registrada com doadora Buddy L Toy Steam Shovel. Disponvel

43 cincia, cujo acervo era composto por artefatos como telefones, brinquedos motorizados, etc.; alm de coleo numismtica que o pai mantinha desde a infncia. Talvez no tenha surgido do exemplo dos pais o interesse em estudar antropologia ou mesmo mais especificamente arqueologia, mas sim a orientao para a vida acadmica. Considera-se que a partir dessa situao surgiu o interesse de Meggers para cincia de uma maneira geral, pois como ser percebido em seus trabalhos ao longo de sua trajetria, Meggers dialogou com outras reas do conhecimento. Poder-se-ia dizer que isto se deu tambm para reforar o carter interdisciplinar da arqueologia, mas tambm porque buscava sempre fazer anlises sobre vrios aspectos de um stio arqueolgico, com destaque para os aspectos ecolgicos. Essa uma caracterstica marcante do trabalho de Meggers, por motivos que podem ser esclarecidos mais adiante. Aos 16 anos, Meggers j era estagiria do Smithsonian Institution e recebeu a tarefa de remontar fragmentos cermicos provenientes do sul dos EUA. At esse momento Meggers no cogitava a possibilidade de se tornar arqueloga78. Porm, alguns anos depois ela foi estudar antropologia na Pennsylvania University. Assim que terminou a graduao, ingressou na Michigan University para cursar mestrado e